Jornal Plástico Bolha #32

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plástico bolha

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Distribuição Gratuita

A n o 7 ° - N ú m e r o 32

envolvendo palavras

Verão

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DESTAQUES Entrevista com o escritor Paulo Scott, por Camila Justino MiriaM Sutter APRESENTA UM PRECIOSO Oráculo da deSPEDIDA

Na calçada, ela e as crianças. Um calor de cozinhar lá dentro, o ventilador parou. O menor todo torto no colo, mosquito pega. Final do ano, ventilador de teto. Teto daquele jeito, vazamento na casa de cima. Os homens consertando. Corta a unha da menina, tesoura de costura. Copinho descartável entre as coxas, água oxigenada e amônia. O vizinho chega, pão e a margarina, foi rápido, de bicicleta. Caneca descascada no chão, café com leite, garrafa térmica amarelenta, café bom. Tira a nata que boia. Cheiro bom de café bom. O marido parece até que sente o cheiro de longe, tá molhado de mangueira, bebe café puro, de pé, copo americano. Sempre magro, o marido, ela não entende. O maior solta pipa. Céu colorido, vento bom. Os moleques da rua de trás cortam todo mundo, o maior xinga sozinho, ela grita ele, ele tem que comer, essa merda custa dinheiro. O maior acena e ela ri, um dente faltando, vai ao dentista qualquer dia, desdentada não consegue emprego, ela é boa de serviço. A espuma branca dentro do copo, ela esfrega na perna. A menina descoloriu o cabelo, faz sucesso, já namora. A gente cria filho pro mundo, a vizinha diz. Ela tem medo, Deus proteja, tanta desgraça. O menor dorme, mamadeira na mão, suco de groselha, pinga no peito. É grande pra mamadeira, não larga, vai ficar bicudo. Baixa o sol, a cigarra grita, hora dos cupins, corre pra fechar a janela. Suor. Escorre na frente da orelha, salpica o buço, mela o sovaco, molha até o cóccix. Cheiro de café, cheiro de suor. Final do ano, ventilador de teto. Bruna Mitrano

Mauro Ferreira E O NOVO CD DE TULIPa ruiz nAS Notas no Plástico DobradinhaS poéticas entre Alice Sant’Anna e Valeska de Aguirre Ilustrações de Ingrid Bittar, Raïssa Degoes, Ângelo Abu e Heinz Langer Textos exclusivos de Marina V. Medeiros, Rosália Milsztajn E Bruna mitrano Poemas de João Inada, Idjahure Kadiwel, Luiz da Franca, Larissa Andrioli, Fernando Paiva, Marcel Fernandes, Pedro Rocha E Nicolas Behr caderno especial em Homenagem a Santuza Cabraia Naves por Paulo henriques Britto, Laura Erber, Aluysio Athayde, Jonas Soares Lana, Lu Menezes, Gabriel Improta, Sarah Silva Telles, Augusto Guimaraens cavalcanti, Isabel Mendes de Almeida, Eduardo Lacerda Mourão, Victor Moretto, Júlio Diniz, Clara Lugão, Fred Coelho e Lucas Viriato


BOLHETIM Apoiadores do Plástico Bolha – campanha do site Catarse

Amantes plásticos

Este ano, o Plástico Bolha entrou em uma nova fase. Entre diversas ações de expansão e aprimoramento, fomos buscar meios alternativos para ajudar a financiar as edições. Assim, decidimos fazer uma campanha para arrecadar fundos no site Catarse. A resposta nos surpreendeu! O carinho dos nossos leitores foi tamanho que, na metade do tempo, já havíamos atingido todo valor proposto. Foram 105 doações de colaboradores e amigos dos quatro cantos do país e do mundo! Agradecemos a todos que se disponibilizaram a ajudar o jornal, que apoiam a literatura e, acima de tudo, que torcem por um mundo com mais poesia. Heinz Langer

Editorial Ploct! Como prometemos, voltamos, abençoados pelos santos juninos que nos acompanharam na feitura desta edição. Poesia em doses trimestrais, semeando palavras na emergência de reinventar a vida, seja com suavidade ou secura. E essa imensa plantação permite colheita farta. Respiramos literatura, e vamos muito bem, obrigado. Ganhando as ruas, o Plástico Bolha é boa pedida para seu descanso, enquanto você conhece ou reconhece nossos autores, desbrava novas ideias e escritos. Nesta edição nossa equipe está desfalcada, a música em silêncio. Bolha. Bolha. Bolha. Sem melancolia, mas cheio de poesia, este Plástico Bolha está com saudades de Santuza.

EDIçÃo Lucas Viriato | Isabella Pacheco Conselho Editorial Alice Sant’Anna | Camila Justino | Marilena Moraes | Maria de Lourdes Souza DIAGRAMAÇão Mariana Castro Dias Revisão Marilena Moraes | Isabella Pacheco Equipe Maria de Lourdes Souza | Piti Tomé | Mariana Salim | Camila Justino webdesign Henrique Silveira Edição financiada pelos amigos e leitores do Plástico Bolha Edição Julho de 2012 / Setembro de 2012

DISTRIBUIÇÃO Rio de Janeiro, Minas Gerais, São Paulo, Espírito Santo, Bahia, Distrito Federal, Mato Grosso, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul TIRAGEM 13.000 | IMPRESSO na ZM Notícias

ENVIE SEUS TEXTOS PARA textos@jornalplasticobolha.com.br ANUNCIE NO PLÁSTICO BOLHA CONTATO@jornalplasticobolha.com.br

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Conforme prometemos, segue abaixo a lista daqueles que ganharam o título de Apoiadores do Plástico Bolha devido à generosa doação! Vale lembrar que tem muita gente que doou de maneira anônima ou que dispensou a recompensa. A todos vocês, nosso Muito Obrigado! Piti Tomé Luiza Vilela Domingos Guimaraens Paula Paiva Fabio Bastos Thiago Bento Ferreira Flora Bonfanti Beatriz Junqueira Pedras Mariana Lopes Peixoto Ramon Mello Silvio Fraga Neto Luiz Lianza Breno Coelho Bráulio Coelho Adriano Ferreira Ennes Olivia Byington Theófilo Rodrigues Karen Portugal Barbosa Cordeiro Luiza Machado A Bolha Editora Maria Helena Pacheco da Silva Claudia Roquette-Pinto Cacá Diegues Simone Kaplan Marcel Fernandes


Coração Era a primeira vez que estava ali. Não sabia que não mais voltaria lá, ao menos fisicamente. Aquela imagem de vê-lo rodando ininterruptamente não saiu de minha cabeça por uma semana. Enquanto eu subia ou descia escadas, comia, tomava banho, escovava os dentes, na hora de deitar, quando acordava, — ele estava lá, girando e girando sem parar, sem cansar, sem comer, sem dormir, sem escovar os dentes, — e me sentia mal. Eu fazia tantas coisas nos meus dias, e ele só rodava. Entre um gole e outro de café, ele continuava a vir no meu pensamento como um coração que vive e bate sem interrupção e de repente se presta atenção aos seus batimentos. Eu prestava atenção a esse coração em minha cabeça, volta e meia e toda hora. Como que eu podia fazer tanta coisa em minha vida enquanto ele só rodava? Descobri que me importava com ele, que pensava num desconhecido e no que fazia, ou melhor, não fazia, paralelamente à vida que eu vivia. E como isso me revelava que estamos uns para os outros neste mundo, naquele pátio do hospital psiquiátrico, numa rua qualquer, numa cidade ou país. Compartilhamos todos. Rosália Milsztajn

Aquela menina Ela é cheia de si e vazia de mim.

As pessoas novas A felicidade se faz com pessoas novas, que descem do céu, sobem da terra, saem de dentro de uma máquina de caça-níqueis.

País dos mágicos Ingrid Bittar

“Se todos os livros forem escritos com tinta invisível, o índice de analfabetismo será nulo”, disse um deputado federal do país dos mágicos.

Crime e castigo

Solidão Acordo com um derradeiro soluço do pranto sonhado. E uma última lágrima desliza por minha face como a carícia de um beijo vindo do bem-amado. Estou sozinha nesta estrada longa da qual não vejo fim, com seus alvores amadurecendo em escuridões neste meu tenebroso destino. O perfume da saudade me embriaga, dando a certeza latente e angustiante de que o que foi não o será uma vez mais.

In crime we trust. Please, darling, give me more of those stomach pills.

Coração japonês — Tem vaga no seu coração? — Tem. Mas o estacionamento custa R$ 15 a hora, bonitão.

Marina V. Medeiros

Fernando Paiva

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Vozes do cerrado

Caminho

Mareamos

brasília, brasília, onde estás que não respondes?!

Nós duas dirigimos

Você oscila: marola! E a gente se ama sobre as tuas ondas No meu mar de descontentamento

(ainda sem chegar) E mandamos postais

em que bloco, em que superquadra tu te escondes?!

E me brinca: — Pra que águas remotas? Todo encanto sucede uma incerteza!

E escrevemos cartas Enquanto rasgamos livros E arranhamos discos Nicolas Behr

E estilhaçamos corpos

Ao léu dessas falsetas Vivo imerso No esforço apneico de profundezas.

Enquanto isso — É melhor acreditar Voltar pra casa Não importa O Plástico Bolha entrou no Labirinto Poético! Realizado pela Secretaria Municipal de Cultura do Rio, com

Nenhuma estrada supera

curadoria de Lucas Viriato, o evento acontece todo

A extensão das memórias

último sábado do mês no Centro de Artes Calouste Gulbenkian, no centro. O evento conta com a partici-

Hoje aprendi a te amar: Ora escafandrista, Ora teu surfista E sigo com a boca carregada do teu sal. Rodolpho Saraiva

Larissa Andrioli

pação de mais de 25 artistas por edição, entre poetas, músicos e artistas plásticos. Ao longo dos shows e leituras de poesia, uma enorme tela em branco é pintada, enquanto uma feira de publicação expõe as últimas novidades. Venha se perder conosco!

Todo último sábado do mês, a partir das 19h. Evento aberto e gratuito Calouste Gulbenkian Rua Benedito Hipólito, 125 – RJ (próximo ao metrô Praça XI) www.facebook.com/labirintopoetico labirintopoetico@gmail.com

Quantas faces tem a palavra tem formiga, fumaça, lua, lontra, loa, elefoa, platibanda, helicóptero, falácia, uêpa, peba, jumento. tem rampa, escada, laguinho e tobogã. palavra é lesma, letra que se lace e depois de tanto bater a palavra na tecla ela oferece a outra face Pedro Rocha

Toda última quinta do mês às 20h

PÃES ANTEPASTOS MASSAS MOLHOS PIZZAS SALGADOS DOCES TORTAS Só indo. Só vendo. Ouvindo. Vivendo.

http://cep.zip.net Teatro Sérgio Porto, Humaitá, Rio de Janeiro

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www.ettore.com.br | @EttoreCucinaIT | www.facebook.com/ettorecucinaitaliana Av. Armando Lombardi, 800 - lojas C/D/E Condado de Cascais, Barra da Tijuca - RJ Tel.: 2493-5611 / 2493-8939 Rua Conde Bernadotte 26 - loja 110 Leblon - RJ Tel.: 2512-2226 / 2540-0036


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D is trib uiç ão G r atuit a

Ano 7 ° - E nc ar te e sp e c ial

Para Santuza

No início de abril, junto com o lançamento de nossa última edição, fomos pegos de surpresa pela partida inesperada da professora Santuza Cambraia Naves, nossa amiga e colaboradora. Sua primeira publicação conosco foi na coluna “Aos alunos com carinho”, da edição #13. Em seguida, elaboramos juntos um projeto que levaria aos leitores do Plástico Bolha suas pesquisas e pensamentos acerca da antropologia da música. Surgia, assim, a coluna “Por dentro do tom”, que, desde a edição #17, trazia textos seus e de convidados, parceiros e orientandos. Ao longo desse tempo, Santuza nos apresentou pessoas, abriu portas, aceitou e fez diversos convites, sempre incentivando imensamente todos do jornal. Para o Plástico Bolha, sua ausência é irreparável. No entanto, como tudo em Santuza era solar, resolvemos juntar os amigos e parceiros para esta homenagem, este breve encarte especial feito de depoimentos, lembranças e saudades.

Envoi O tempo, que a tudo distorce, às vezes alisa, conserta, e a golpes cegos acerta: em seu tosco código Morse de instantes sem rumo e roteiro então dá forma a algo de inteiro. Não um verso, que em folha esquiva a gente retoca e remenda até ser coisa que se entenda, mas algo que na carne viva se esboça, se traça, se inscreve bem mais a fundo, ainda que breve —

Ingrid Bittar

pois todo poema é murmúrio frente ao amor e sua fúria. Paulo Henriques Britto

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“O passado é sempre um país exótico”, este foi o jogo verbal (boutade) de Santuza Cambraia Naves que mais ficou circunavegando em minha cabeça até hoje... Como escapar dos exotismos mais diversos e sedutores? Como sempre ressaltava Santuza, é difícil, ou mesmo impossível, discorrer sobre configurações da cultura brasileira adotando uma perspectiva dicotômica, como se tentássemos congelar e reproduzir aqui a vivência de certos modernismos europeus. Ou até pior seriam as abordagens históricas frias que, ou buscassem sínteses redutoras, ou reduzissem certos pensamentos críticos a meros jogos asseptizados. Se a categoria Arte é uma criação europeia, de início eurocêntrico, foi a partir do iluminista século XVIII que o conceito de belas artes se institucionalizou. O pensamento evolucionista queria historicizar gradativamente as culturas, do selvagem ao civilizado. O século XIX elabora estruturas para tratar da evolução da humanidade: é a época da criação da etnografia e dos museus etnográficos. Organiza-se aí a noção de “objeto etnográfico” que passa a ser visto como um documento do processo de civilização europeu, correspondente ao ápice da sofisticação técnica atingida por uma sociedade. Já no início do século XX, na Europa, se começa a questionar efetivamente a diferenciação entre artístico e utilitário através do diálogo artístico com a antropologia. São obras estas que valorizam potencialmente o elemento primitivo, como é o caso do Manifesto canibal (1920), de Francis Picabia, texto que contagiou positivamente o Manifesto antropófago (1928), de Oswald de Andrade. Estes são dois textos exploradores do pensamento do bricoleur, impregnados de pensamento selvagem. Foi principalmente Lévi-Strauss, em La pensée sauvage, que mostrou que a mentalidade primitiva não é menos racional do que a nossa. Nesta obra capital, Strauss elabora o pensamento selvagem do bricoleur, caracterizado como aquele que trabalha com a colagem de tradições já existentes. Em sua oposição está o engenheiro que, tal qual um demiurgo, procura inovações para erguer novas ideias em prol de um marco zero. Enquanto o engenheiro lida com conceitos, o bricoleur aposta no processo e opera com signos não subordinados a um projeto. Ao contrário do engenheiro que, para efetuar seu trabalho, precisa de matérias-primas e projetos pré-determinados, o bricoleur atua com os materiais residuais de sua cultura, recriando representações e produzindo novos significados. Em nossos dias estamos cada vez mais próximos do pensamento do bricoleur, aquele que, ao encontro do intempestivo, trabalha com meios e limites heteróclitos sem se deixar subsumir. O instrumental do bricoleur não se fecha, é uma reconstante colagem e bricolagem... O cientista cria fatos através de estruturas, e o bricoleur cria estruturas através de fatos. A arte se insere a meio caminho entre o conhecimento científico e o pensamento mítico ou mágico. O artista tem, ao mesmo tempo, algo do cientista e do bricoleur: seu pensamento selvagem pode transformar o passado em um elemento menos exótico, mais possível de compor um possível objeto de conhecimento. Para todos que conviveram com a Santuza fica aqui a lembrança de alguém profundamente interessada na larga abordagem entre o “fino” e o “grosso”, o popular e o erudito imbricados em um pensamento crítico nutrido pelo estranhamento antropológico. Quando em diálogo, a antropologia e a arte podem potencializar o contemporâneo com suas intertextualidades. Se o passado é sempre um país exótico, devemos questionar quaisquer exotismos que não se permitam problematizar. Artistas e antropólogos podem desestabilizar fronteiras guarnecidas e modificar suas culturas. Esta é uma pequena homenagem à Santuza Naves, espírito inquieto em busca de bricolagens. Augusto Guimaraens Cavalcanti

O sorriso inesquecível de Santuza Naves trazia a mensagem “seja bem-vindo”. Esse gesto traduzia uma enorme generosidade, desdobrada em várias outras qualidades, como a disposição para ouvir e a estimável solicitude. Santuza repartia-se em mil para atender com igual atenção aos mais variados pedidos de familiares, amigos, colegas e alunos. Como orientadora, deixava seus mestrandos e doutorandos livres para fazerem suas próprias escolhas, sem jamais furtar-se ao rigor teórico e metodológico. Sua orientação soava como música, graças à maestria com que essa intelectual brilhante guiava seus discípulos. Seu estilo despojado e colaborativo não combinava com o perfil centralizador do condutor de orquestra. Por isto, ela preferia convidar seus orientandos para tocarem piano a quatro mãos. A Santuza se foi, mas suas ideias continuarão ressoando no pensamento dos profissionais que ela ajudou a formar e que tanto a estimavam. Jonas Soares Lana

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Excesso e contenção. Erudição e simplicidade. O simples e o complexo. O monumental e o franciscano, sempre tão singularmente orquestrados por Santuza em seus desmanches e reinvenções de um modernismo musical que ela tanto palmilhou e recriou. E além dele, o percurso suave e intimista pela bossa nova, às suas nada “desavisadas” afinidades eletivas com a Tropicália, até o contemporâneo fervilhar periférico do hip-hop de Capão Redondo e da antológica entrevista por ela realizada com BNegão, do Planet Hemp. Ela fez muito. Conquistou muito. E deixou muita gente sem chão: família, alunos, amigos, uma legião de conhecidos e fãs, todos irradiados por sua simplicidade e exuberância arrebatadoras... Com elegância, capricho e afeto tão seus, construiu uma trajetória acadêmica particularmente banhada pela vida, em sintonia fina e solar com o outro. No mais impetuoso do seu: ame-o ou deixe-o. A conversa cotidiana com Santuza, além de atravessar o mero repertório dos fatos e acontecimentos, deixava-se conduzir, sobretudo, pela busca paulatina do afeto sempre de “plantão”, jamais rarefeito ou descuidado. Santuza de Boa Esperança e do Bronx. Da street dance de Diamantina, o abraço sincopado na rua, no ritmo e sedução perfeitos a cada volteio de graça e elegância magistrais. Tudo capturado por Paulo, câmera na mão.

Crepuscular No ano de 2005, comecei o curso de Ciências Sociais na PUC-Rio e conheci Santuza. A partir dessa data, um novo mundo passou a se descortinar na minha vida. Seu amplo conhecimento e a maneira como tratava as questões me fizeram descobrir a fascinante “philosophy with the people in”, a Antropologia. Passamos a trabalhar juntos no ano seguinte. Não me esqueço de quando Santuza me mostrou um catálogo com obras de Clark, Pape e Oiticica e me falou sobre esses artistas, marcando minha percepção artística e estética. Santuza conseguia tratar das mais diferentes temáticas sem rechaçar jamais um dos lados da discussão, juntando opostos, não compartimentando ideias e gerando conclusões incríveis. Não tenho dúvidas de que, nas aulas da Santuza, minha descoberta e o amor pela área das Ciências Sociais nasceram (e até hoje permanecem). A despeito de ser eu profundamente influenciado, do ponto de vista intelectual, por Santuza, sou muito mais que isso, um aprendiz da sua pessoa humana, pessoa “tão solar”.

Conviver tão proximamente dela como convivi era como acrescentar a cada dia um fragmento de intensidade à vida, era torná-la mais e mais um registro do inefável...

Hoje, por gratidão e grande admiração, a nós compete não deixar ser esquecida aquela a quem a Academia e todos que com ela conviveram devem tanto.

Alegria inundada em seu cotidiano de muita prosa e cerveja. Levou da vida tudo. Exaurimento do prazer, da canção e da paixão. Nenhuma sobra.

Finalizo, confessando junto com Bandeira, que hoje “o meu semblante está enxuto/ Mas a alma, em gotas mansas/ Chora, abismada no luto”.

Isabel Mendes de Almeida

Ela era encantadora, combinação de força e leveza, simpatia e firmeza. Sentiremos falta da sua voz e dos fluxos do seu pensamento claro e generoso. Foi tudo muito repentino, e ainda não sabemos bem como dizer esse vazio. A coisa toda parece um pesadelo, mas é a pura realidade em sua crueldade multicolorida de onde tigres de saudade saltam, tentando alcançar esse improvável oásis onde os mortos, como camponeses vigorosos entre alfazemas, cantam, dançam e conversam. Qualquer passo em falso e tudo se dissolve sob belas imagens de consolo, belas palavras de afeto, e talvez uma homenagem não seja exatamente isso — belas palavras —, mas medir em silêncio a distância que agora nos separa daquele sorriso.

Aluysio Athayde

Santuza vai estar sempre presente nos trabalhos de todos nós, que temos a música com o objeto de estudo e grande amor. Era ao mesmo tempo doce e firme, sábia e aprendiz, atenta e avo ada, nas doses certas. Não há palavras que possam dar conta. Talvez só mesmo todas as músicas. Clara Lugão

Laura Erber

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Como falar de uma pessoa que marcou minha vida pela presença amiga, fiel, intelectual, profissional, sem deixar de lado muita coisa? Santuza foi uma amiga desde os anos noventa, quando a conheci na Universidade Candido Mendes, e em seguida seguimos juntas na PUC, no então Departamento de Sociologia e Política: por quase vinte anos, tive o privilégio de partilhar com ela o empenho e a dedicação na construção de nosso Departamento. Acompanhei o seu processo de entrada no doutorado e sua tranquilidade e empolgação prazerosa para realizar sua tese sobre o modernismo, jamais estressada com a meta proposta; sua bela defesa de tese, assistida por uma sala repleta de amigos/admiradores; a sua dedicação incansável na preparação dos cursos que ministrava, extremamente feliz por encontrar bons alunos, nos quais identificava o gosto pelo conhecimento e a paixão pela antropologia da arte e da música. Foi uma grande mestra, uma professora adorada e admirada por várias gerações de alunos que por aqui passaram. Alguns não mais a deixaram, tornaram-se seus amigos e colegas de trabalho, até o fim. Nossa cumplicidade aconteceu desde sempre: embora não trabalhássemos sobre os mesmos temas, sempre manifestei minha admiração pela trajetória profissional de Santuza, pelo seu incansável deleite em relação à arte, ao belo, sua enorme sensibilidade artística. Muitas vezes ela foi minha consultora preferida para assuntos estéticos. E como não deixar de lembrar sua encantadora performance de cantora nos saraus que organizávamos, nos aniversários de amigos? Sua doçura e sua serenidade eram marcas do cotidiano profissional. Sempre nos abordava com um doce sorriso, que se desfazia raramente. Tinha um profundo senso de justiça, e esta sua qualidade também me impressionava, neste universo acadêmico que podia eventualmente ser muito ingrato. Sua revolta pelo pouco reconhecimento acadêmico às inúmeras participações em bancas de mestrado e de doutorado, atividade à qual se dedicava com generosidade e acuidade intelectual, era um exemplo do desconforto saudável em relação ao “mundo lattes”, da quantificação de algumas atividades arbitrariamente classificadas como as mais legítimas, em detrimento de outras atividades nobres. Pois bem, no último ano ela obteve dois financiamentos de agências públicas para, finalmente, poder montar um núcleo que seria uma parceria entre a antropologia da arte e da literatura com o Departamento de Letras, o NELIM. O mundo acadêmico, através de suas agências de financiamento, começava a reconhecer sua competência e seriedade. Ela partiu no auge de sua trajetória intelectual, repleta de projetos, felicíssima de finalmente residir quase ao lado da PUC, não mais ter de enfrentar o trânsito infernal que vai minando as energias das pessoas. No último janeiro, quando teve de ficar de repouso forçado, falou pra mim: “Ainda bem que tenho de escrever um livro encomendado pelo Eduardo Jardim!”, o que revelava o lugar apaixonante ocupado pelo conhecimento em sua vida. E para ajudá-la nesta empreitada, de escrever quase deitada, Paulo, seu eterno companheiro, havia providenciado um apoio para o laptop, me contou, muito feliz. Vários de nós estamos com uma sensação estranha em relação à sua partida: não é verossímil, ainda iremos encontrá-la, apenas partiu em viagem. Pois bem, mesmo que a viagem da Santuza tenha sido a definitiva, ela ainda e sempre permanecerá entre nós: seja nos momentos em que comemoramos nossas conquistas acadêmicas, quando seus alunos realizam trabalhos com dedicação, quando seus temas diletos são por nós abordados, ou quando realizamos saraus, pois nestes momentos estamos reverenciando esta pessoa linda que foi-é nossa Santuza querida. Sarah Silva Telles

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De lugar nenhum Viveria em terras distantes, de paisagens inconscientes, frutas exóticas e almas excêntricas Alimentaria meu delírio, contra os quentes trópicos, de tristes tendências e felizes coincidências Ficaria sóbrio, inebriado de virtudes à filosofia alemã Soaria sádico, numa poesia pagã

Acalanto Noite após noite, exaustos, lado a lado, digerindo o dia, além das palavras e aquém do sono, nos simplificamos,

Mas no planeta meu mundo é hoje

despidos de projetos e passados, fartos de voz e verticalidade, contentes de ser só corpos na cama;

Na terra em que for, seremos um país tórrido antropofágico

e o mais das vezes, antes do mergulho na morte corriqueira e provisória de uma dormida, nos satisfazemos

pós-utópico

em constatar, com uma ponta de orgulho, a cotidiana e mínima vitória: mais uma noite a dois, um dia a menos.

De dia, almoçaremos tranquilos Pra noite voltarmos cantando no barro onde veio o limo num mundo encaetanado de Oswalds Marios, Octavios

E cada mundo apaga seus contornos ao aconchego de um outro corpo morno.

e Paz

Paulo Henriques Britto

Victor Moretto

Sempre que me lembro da Santuza, minha memória se cobre de admiração, e quando falo dela para alguém, deve ser fácil captar a doçura nos meus lábios. Não chegamos a conviver muito, e só vim a conhecê-la pessoalmente no ano de 2010. Antes, apenas através de alguns escritos que havia lido com muito interesse. A crítica cultural e a antropologia são paixões intelectuais em minha vida, e Santuza materializava em seu trabalho uma potente articulação destes saberes. Pude confirmar, já como aluno, a competência e a incansável dedicação com que se lançava ao estudo da música, da arte e de questões que marcaram profundamente a história cultural do Brasil no século XX. Intelectualmente, a Santuza era brilhante, dona de aguçado olhar multidisciplinar que a dotava de uma grande capacidade de captar sentidos e tecer relações inevidentes à primeira vista. Seus livros O Violão Azul e Da Bossa Nova à Tropicália já são clássicos, e seus vários outros escritos por certo perdurarão como leitura fundamental aos estudiosos não apenas das ciências sociais ou da música, mas das ciências humanas em geral. Como professora, a marca que me ficou, sem dúvida, foi a de sua generosidade. Tão logo comentei com ela sobre meu trabalho de mestrado, já demonstrou interesse, me indicou referências, e pouco tempo depois me convidava pra escrever aquele que foi meu primeiro artigo acadêmico publicado em jornal, por sinal, em sua coluna “Por dentro do tom”, neste mesmo Plástico Bolha ao qual retorno para lhe prestar meus agradecimentos públicos e enternecidos. Não é de espantar que tanta gente boa tenha se aproximado de Santuza, que tantos alunos tenham procurado se embeber de seus conhecimentos, que tantos colegas tenham obtido abrigo intelectual em seus projetos, livros, conferências, orientações, núcleos de estudos, aulas, organização de seminários… ih, a lista é extensa! Santuza tinha esse dom gregário e cativava pela simplicidade. Dizem que também cantava bem, disso não cheguei a ter o prazer de desfrutar. Mas com certeza espero encontrá-la um dia ainda para podermos — como se diz na gíria dos chegados em música — “levar um som”. Minha gratidão, respeito e admiração eternos pela Santuza Cambraia Naves! Eduardo Lacerda Mourão

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Conheci Santuza quando ainda era adolescente e gostava de fazer canções com seu filho mais velho, o querido Felipe, colega de saraus CEAT/São Vicente. Cueca (este era o apelido de Felipe) era muito inteligente e foi poeta de destaque entre nós. Foi também o primeiro letrista com quem dialoguei. Nunca me esqueço de sua poesia O homem-ovo, um grande sucesso no jornalzinho escolar. Na mesma época, pichamos jovialmente no muro do São Vicente: “Coltrane é deus!”, em uma referência ao genial saxofonista John Coltrane. Santuza e Felipe me receberam algumas vezes em seu apartamento em Laranjeiras e me abriram um mundo de novidades de amor à arte e aos livros. “Amor” pode soar cafona, mas é uma palavra que me ocorre muito quando penso em Santuza em casa com a família, ou mesmo em qualquer lugar, com todos. No tom caloroso da sua voz sempre ouvi o som de uma generosidade só dela, que é para mim um sinal de inteligência maior. Ou de “amor”. Pois bem, ia ao apê de Santuza, onde conheci Júlio, seu filho mais novo, e Paulo, sua cara-metade de múltiplas habilidades, poeta e matemático. Paulo nos aplicava o que havia de melhor em música, que ele colecionava em fundadoras fitas K7. Ouvíamos de Anton Webern a Charles Mingus, passando por mil coisas de que já me esqueci, ou nem tanto. Daniel Caetano, um amigo nosso muito antenado, tinha grande admiração por Paulo e só ouvia o jazz de primeira que ele aplicava na gente, copiado das tais K7. Desculpem se me desvio muito, neste tom informal, mas tudo isso para mim é Santuza; e é minha vida também. Alguns anos depois, fui fazer mestrado em composição musical na UNIRIO, sobre a música do maestro pernambucano Moacir Santos e suas Coisas. Moacir era um negro erudito, compositor de Nanã, que foi professor de Baden Powell, Nara Leão e muita gente boa da bossa nova. Ele dizia compor “música negra”— e estava dado o problema antropológico. Pedi ajuda a Santuza, que foi generosa como sempre, e fez parte também da minha banca final no mestrado. Acho que ela gostou disso tudo, porque me presenteou com o seu maravilhoso Da Bossa Nova à Tropicália com a dedicatória simples e bonita: “Vamos trabalhar juntos?” (hoje guardo isto como preciosa relíquia!). E trabalhamos em um artigo para a Ciência hoje sobre bossa nova, onde escrevi um box sobre João Gilberto. Ela, generosamente de novo, citou este pequeno escrito no seu valoroso A canção popular no Brasil. Então entrei para o doutorado com ela na PUC e confesso, meio envergonhado, que fui um orientando um pouco rebelde, em alguns momentos. Mas me orgulho porque soubemos driblar as diferenças de gosto, ou de geração, sei lá. E estava tudo indo bem, até que aconteceu o pior, e... ela partiu de repente! Restaram de Santuza, para mim, além da lembrança de sua generosidade superior e do seu belíssimo amor à vida e aos vivos, seus escritos e uma forte vontade de chorar, de vez em quando. E sua voz, que ainda me diz muito, e acho que sempre dirá. Por fim, tocando violão na sua missa de sétimo dia, ainda aprendi com Santuza a música “Desde que o samba é samba” e me espantei: mesmo depois de sua partida, ela ainda me ensinou a gostar de uma canção, com sua generosidade imensa! Foi bom tocar para ela esta última vez, mesmo nestas condições. Enquanto me preparava para tocar na missa, imaginei para Santuza um grande enterro africano, festivo, com Gil e Caetano arquitetando rocks tropicalistas, poetas recitando poesias fantásticas, e todos comendo e bebendo em homenagem a ela, que diria naquele tom de voz caloroso, do qual nunca me esquecerei: “Que maravilha, meus queridos!”. Gabriel Improta

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Nós nos conhecemos ainda na década de 1980, trabalhando no Arquivo Nacional como pesquisadoras. Ela fazia o mestrado em Antropologia, no Museu Nacional, eu em Semiologia, na ECO. Embora o fabuloso acervo me fascinasse, não me sentia à vontade no AN. Santuza, que andava em grupo por lá, também não. Mas tinha o dom de gostar das pessoas. E era fácil gostar dela. Ambas acabamos pedindo demissão, coisa rara em tal meio. Santa possuía uma das mais belas vozes femininas que jamais ouvi. Entretanto, com toda a felicidade metonímica possível, tinha passado de promessa artística a estudiosa e ensaísta de primeira linha da MPB. Pontuava sua fala de modo inesquecível, jogando o cabelo para o lado quando o ardor do pensamento ganhava a cumplicidade de todo o seu ser. Foi sempre admirável e encantadoramente generosa. Lembrar-me dela dá tanta saudade quanto prazer. Lu Menezes


osa sua presença lumin de te es nt co in a ov cados a ela. Pr uza escrevo textos dedi lectual que foi Sant ou te s in e en a ag or en ad m nt ho ie or eu participo de essora, mestra, o se separou da to de Santuza que lar da grande prof fa , al ci ofi , que uma coisa nã os o m ar Desde o falecimen ga Cl di a. a, ig ur am fig da da r a direito de fala de convivência s, tive que dar cont lha, vou me dar o aliás, muitos anos , Bo o do tic entre nós. Em todo río ás pe Pl o se es ra pa tre o Santuza. Den eis da minha ui, neste breve text dez anos ao lado da rinho em horas difíc de l ca oa bi Cambraia Naves. Aq ss ce re pe e e l qu na a io ig profiss ões. Foi da am s-graduação na minha relação ei suas maiores liç e vim parar na pó nh qu ga é e la qu outra — nunca — a de a ig us am ca o r i com o em uma profissional. Po lo da amiga, pois fo meu primeiro artig star meu caminho i ui ue nq iq co bl quase que diária. Fa ra pu s, pa iá ia al ár , ça necess Santuza s; por causa dela e recebi a confian meio acadêmico. icaram livros meu no bl aí r pu e po e qu vida pessoal e qu s nt oa rre ss co nheci pe ra mim compadrio, tão C. Por causa dela co ixou de apontar pa r ou como forma de de vo ca fa o un N m a. de Literatura na PU co el s m tro ava os ou trabalharem co la. Aliás, E Santuza não ajud ela convidava para uentes com as de e nfl qu co s do am er to o revista acadêmica. de nã e e abalho — inhas ideias qu atura, confiava no meu tr mas também liter , furtou de criticar m te se a en nc lm nu pa , ci to in me ajudava porque en pr meu pensam avam — música ava equivocado no os que nos interess nt su as os e br so o que ela consider forma amena) de mundo... (e nem sempre de to ui m os m ía es, tristezas, visões ut sc or di am a, íli m fa is, ua sequer que eu al, relações intelect , não há uma linha la de cinema, teoria soci te or m a ós articulação o disse logo ap ha vida ocorre na ais por perto. Com in m m o nh em te ça a o en nã es e pr vez qu jornal, por , costurada. Sua u compreender de a coluna aqui no Su aga Santuza colada tr o. o çã nã ra Não sei quando vo e co qu o la m au sala de z a pedido ito, mas sempre co lavra que fale em as. Escrevi uma ve oção. Fazer bem fe ei id em a va e ca o escreva ou uma pa zã tro ra a em ível, entre va ou com qu edeiros, telectual e o sens oas que ela admira tiana Bacal, Thais M ss Ta pe ar om id (c nv os perfeita entre o in nt co ju ra os exercício pa stas que fizem ermos que ela curtia, um minários e entrevi próprio de escrev se s, ito ro je liv , um os os tig m exemplo, era algo ar s ha , aliás, muito s criativos). Já tín uitos outros. Foram em seus processo va ga re ag a uz dela, assim como m nt outros que Sa bém. na Jabor e muitos . Creio que ela tam Micaela Neiva, Julia to ui m a av st go ando entro no stávamos disso. Eu sta formal. Pois, qu vi de a quatro mãos, e go o nt po do ir mas sempre a sem ser a part entos marcantes, car sobre a Santuz lo om m co e s, m re o lia m cu co pe to s i mui de passagen ntuza porno começo, não se te para me lembrar emórias sobre a Sa m en m há ha ão in Enfim, como disse N . m te o rç en fo an vezes o, pleno, perm es, é só o do fica confuso. Às caso dos pensador bloco maciço, coes no Um o, o. rp et co af registro pessoal, tu do de o te or oc grande bl ental, mas a m Sempre. mos tudo em um que fica é o amor. zer o luto é fundam O Fa . a. te rç fo en s es ai percebo que vive pr m e, z pr ve a será, sem nós, com cada ssado dela. Santuz ntuza sigam entre Sa de versidade. s õe liç que não há um pa as e s os livro âmago da maior ad ue no Q . o as m ei es id m , as da su vi a para rridente pela começo da estrad o amor sincero e so o: iss é la de do ar que adorávamos e eu gu Jards Macalé (dois r E se existe algo qu po os ad ic us m , ão pre gostava de lem rsos de Waly Salom m ve se os a a el s av ai br qu m le os a, auge da tristez otel das estrelas”, z esforçado. a pela sua perda, no dela), versos de “H a av us or ca ch r eu r ela, a ser um rapa po o te po nd , en ua ue lm Q in nt oa ss co pe eu er e nhec mais; então, qu tive o prazer de co rçado”. Já chorei de fo es z em comum, e que pa ra u so e o é qu choro. Meu segred brar e cantar: “Não Fred Coelho para você. Santuza, um beijo ANTROP

Mas quando você

vai embora...

OFAGIA TRANS CENDENTAL

após a morte a alma da gen te se transfere pra alma de quem gost a da gente

Lucas Viriato

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CLIQUE AQUI www.boamusicaricardinho.com Nunca conhecei alguém que se chamasse Santuza, além dela. Era uma marca de originalidade, de singularidade que envolvia a minha amiga a partir do seu lugar de nomeação e existência. Ser Santuza era por si só uma invenção. Conhecemo-nos em meados dos anos noventa. Foram quase vinte anos de convivência próxima, almoços frequentes, papos intermináveis, debates acalorados, viagens, olhares, cumplicidade. Aprendi desde cedo a entender aquela mineira do interior com ares cosmopolitas, aquela personagem das Geraes que sabia como ninguém transitar pelos caminhos do mundo. Ser Santuza era por si só uma transcriação. Era uma mulher elegante, vaidosa, bela. Flanava pelos pilotis da PUC com ares de Tigresa e sorriso cor de mel. Envolvia os amigos, colegas de trabalho e alunos com aquele carisma que só as criaturas brilhantes possuem. Dividimos quatro cursos de pós-graduação no Departamento de Letras. Foi uma experiência única: dois professores de áreas diferentes, com algumas posições distintas, discutindo as relações entre literatura, música popular e antropologia. Foi uma experiência inesquecível para nós dois. Foi a consolidação da nossa parceria acadêmica. Santuza era por si só provocação. Quando estávamos concluindo uma etapa importante do nosso projeto comum, ela se foi. Foi-se na inquietude e no estado de beleza que eram suas marcas no trato com a vida. Deixou-nos uma obra importante, um conjunto de textos significativos e principalmente um vazio na ordem dos afetos. Quero sempre me lembrar dela como uma mulher forte, interessante, interessada e nobre. Minha amiga era por si só paixão. Júlio Diniz

ORÁCULO

por Miriam Sutter

De vida, sobrevivida vida e regida partitura... Nada é repetível, tudo é repetente? Assim, não mais que de repente, o fio das miçangas se rompe de imprevisto, e perdemos — assim de repente! — uma de suas mais que preciosas pedras. Diante de extremos como este, só a linguagem mítica dá conta dos sentimentos. Vivia outrora no (en)cantante vale do reino de Orfeu uma encantadora socióloga. Santuza era seu nome. Em seu cantar, ela se dedicava a entender a alma brasileira manifesta na mais antiga das artes: a música. Dos braços que nos embalam ao som de canções de ninar, a música, vida afora, nos aquieta as ansiedades e nos ajuda a entender a nós mesmos na comunhão com os outros. Santuza sempre foi uma voz preciosa na composição desta delicada e polifônica partitura. Agora — qual Orfeus num vale mergulhado em súbito silêncio —, nos resta de reconfortante consolo revisitar a voz de Santuza em seus inteligentes e vivos textos. Foi por meio dos elogios, da admiração, do grato e sincero deslumbramento de seus alunos que conheci Santuza. E se in voce populi vox dei est, o caráter por assim dizer oracular deste encontro me autoriza a certeza de que ela continua e continuará a incentivar vidas por meio das vidas que tocou com seu saber e encantador modo de ser na vida. Só um preito à vida pode ser um tributo à Santuza! Vale, Santuzam!

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Este site oferece vasto material sobre a história da música sertaneja de raíz e sua evolução. Traz biografias de mais de 200 duplas, compositores, intérpretes e instrumentistas renomados, com vídeos de programas de rádio e TV sobre o tema. Preocupado com a preservação da memória musical brasileira com ênfase especial à nossa música caipira de raíz, o idealizador do site ganhou o Prêmio Rozini de Excelência da Viola Caipira. Quem gosta de uma boa moda de viola vai gostar; quem não conhece vai se surpreender.

www.lusohiphop.net Enfatizando a produção de música hip-hop em países de língua portuguesa, este blog tem o foco na troca de informações e de material fotográfico e videofônico. Aqui é possível ouvir diversos rappers lusófonos, ler entrevistas e outros materiais escritos sobre o tema. Um espaço para contato com o que vem sendo produzido por MCs como Projota, Ready Neutro e Amigos, Emicida e Rolex conectando MCs de Angola, Lisboa, Brasil e outros países que falam português.

www.terruapara.com.br Terruá Pará é um projeto de divulgação da música da Amazônia, especialmente do Pará. O evento, apresentado inicialmente em Santarém, já teve duas edições em São Paulo e, em 2012, chega também ao Rio de Janeiro. Ritmos como carimbó, guitarrada, tecnobrega, e artistas como Mestre Solano, Sebastião Tapajós, Dona Onete, Aldo Sena e Orquestra de Violoncelistas da Amazônia participam do Terruá Pará numa fina sintonia entre mestres tradicionais e jovens músicos. No site pode-se ouvir diversos artistas e conhecer o ritmo paraense que vem ganhando o Brasil.

www.sul21.com.br/blogs/pqpbach Blog muito bem pensado, com um grande leque de informações sobre a música clássica, de Bach a Canhoto da Paraíba, de Debussy a Jerônimo de Souza, passando por bandas, instrumentistas, histórias da música e a cena contemporânea. E mais, download de CDs completos. É só clicar e curtir. Ou pegar o Trenzinho caipira com Heitor Villa Lobos e viajar.

Vale o clique!

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NOTAS NO PLÁSTICO

por MAURO FERREIRA

Tudo Tanto, segundo álbum de Tulipa Nas lojas a partir de julho de 2012, em edição independente, o segundo álbum de Tulipa Ruiz, Tudo Tanto, expõe na capa uma foto da cantora e compositora paulista no Brooklyn, distrito de Nova York (EUA). A foto é de autoria de Jorge Bispo. Produzido por Gustavo Ruiz, Tudo Tanto foi gravado com as participações de Lulu Santos (na faixa “Dois Cafés”), do músico Kassin, do grupo SP Underground, e do cantor Rafael Castro. O rapper Criolo — com quem Tulipa já vem cantando em shows “Só Sei Dançar Com Você”, música de seu primeiro álbum, Efêmera (2010) — é parceiro e convidado de Tulipa numa das inéditas autorais de Tudo Tanto.

Confira mais Notas Musicais em blognotasmusicais.blogspot.com.br O jornalista e crítico musical Mauro Ferreira trabalha no jornal O Dia e mantém há quase 7 anos o blog Notas Musicais, onde publica diariamente críticas, resenhas e notícias fonográficas. Desde a edição #22 mantemos uma parceria que traz aos leitores do Plástico Bolha algumas pitadas de suas análises do mundo musical.

DESAFIO POÉTICO Nesta edição, excepcionalmente, não publicaremos esta coluna. O desafio de escrever um poema sobre o tema futebol continua valendo para o Plástico Bolha #33.

Ingrid Bittar

de repente, talvez do alto de baixo, simplesmente talvez do nada: veio o silêncio; vem, paira e pousa sobre nossa conversa — abro a boca mas ele inda está lá entre eu, você, talvez dentro, nós tenhamos já percebido a fragilidade das palavras nos beijamos

EGO-ECO

Idjahure Kadiwel

num canto qualquer da mesma praça suja grito em meio às aves digo pássaros melhor, pombos ninguém me ouve nem há revoada

Deus Protege os bêbados

Marcel Fernandes

Ato pueril do rapaz Beber de tudo e um pouco mais Andar nas ruas Gritar a despeito da noite Enveredar nas trevas Vomitar no mais belo roseiral Cair na mais suja sarjeta Proteção divina que se ajeita

www.barracoaching.com.br

Luiz da Franca

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DOBRADINHAS por ALICE sANT’ANNA & Valeska de Aguirre me acompanharam até o táxi onde deixei os olhos repousarem no fio dos postes, a ladeira que subia em direção à paulista os dois continuaram caminhando muito mais lentos até onde moram, logo ali em frente a um carro branco ele com o braço atravessava as costas dela duas cabeças baixas, amorosas deviam pensar na lista do mercado ou que na quarta seria feriado poderiam... não sei bem que vida levam não sei que vida é possível sob esses viadutos e prédios silenciosos esperei o elevador chegar para alcançar o décimo nono de onde fico mais tranquila ao ver a antena que muda de cor fosforescente e as poucas pessoas que cruzam a avenida a essa hora da noite elas não são reais, sei que não são nesse quarto qualquer especulação é falsa daqui não se comunica coisa alguma a cidade cenográfica dorme num quarto de hotel com edredom recém-passado Alice Sant’Anna

O barco fora d’água gira ligeiramente na língua do pescador que diz e não diz à lisa lâmina sob seus pés para que serve um casco à vista para que serve a geometria tridimensional numa avenida sem ruas diz e não diz à brancura que encobre a sua vista qual roupagem se despe quando num pasto glacial adora-se uma mulher posso mirar crustáceos ao redor dela Raïssa Degoes

já ele se vai já o mar se foi resta o ardor do sal na fala sóbria nas unhas do pescador

Profecia II No tempo da grande seca Onde o louco gargalha Quando o papel silencia Com estrondo de fogo e bala Na fuga do grande pássaro Que pairava no firmamento Há de chegar pela estrada O homem livre primeiro Com esperança guardada no bolso E nos sapatos os caminhos do céu

ainda fora d’água o casco trincado o quarto refeito aguarda por marés que saibam pouco sobre ela e animais que só digam onomatopeias. Valeska de Aguirre

Danilo Maia

www.leonardodavinci.com.br Av. Rio Branco, 185 – Subsolo – Ed. Marquês do Herval Centro – Rio de Janeiro/RJ Tel.: (21) 2533-2237

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ENTREVISTA

por Camila Justino

Desde sua estreia, em 2001, com o livro de poesia Histórias curtas para domesticar paixões dos anjos e atenuar sofrimentos (Editora Sulina), Paulo Scott vem se revelando como um dos escritores mais talentosos e prolíferos no cenário da literatura atual. Entre outras obras, é autor do livro de contos Ainda Orangotangos (Editora Bertrand do Brasil), finalista do Prêmio Açoiranos; a versão para o cinema venceu o 13º Festival de Cinema de Milão. Paulo Scott é escritor full time. Poeta, romancista, contista e disseminador de ideias surpreendentes. Foi idealizador e curador, junto com Fábio Zimbres, do projeto Na Tábua, que propunha uma combinação de linguagens, mesclando literatura e ilustração, em cartazes inusitados que foram espalhados em bares, centros culturais, carcaças de vans, cinemas etc. Seu mais recente romance, Habitante Irreal (Editora Alfaguara), tem comprovado a excelência de Paulo Scott: a obra acaba de ser indicada como finalista do Prêmio Portugal Telecom 2012. Você disse que o processo de escrita do seu livro Habitante irreal levou seis anos e muitas versões. Quais motivos o levam a interromper, apagar e reescrever? Narrar a tragédia de Maína, uma indiazinha de catorze anos obrigada a viver num acampamento à beira da BR-116 e suas repercussões demandou esse tempo e essa solução de distanciamento e recomeços. Não foi exatamente fácil ter um livro nas mãos, um livro que seu editor e seus leitores mais próximos aprovam, relê-lo e admitir que a dinâmica das personagens e as situações ali materializadas conduziram a uma história que não era aquela que lhe interessava contar. Numa perspectiva menos casuística, imagino que ter clareza a respeito do lugar aonde você pretende chegar como escritor dependa de exercícios de distanciamento como esse. É complexo, não há roteiro seguro, cada livro desencadeia um histórico único. Em 2010 você foi contemplado com a Bolsa Petrobrás de Criação Literária. Isso lhe proporcionou uma possibilidade de ser um escritor full time? Como é essa rotina? Sentiu-se pressionado em algum momento? A pressão existe independentemente de cobranças externas. Tento não pensar nos prazos e expectativas alheias. São fatores que paralisam qualquer um quando alimentados em demasia; imagino que, por isso, alguns acadêmicos tenham tanta dificuldade em produzir ficção, suas referências e as de seus colegas podem se revelar bastante opressoras. Da minha parte, o que posso dizer é que se tornar escritor em tempo integral é estabelecer um pacto de convivência com a insanidade da criação, ficam bem reduzidos os lugares para onde se pode fugir. Você passa a dispor do ócio de maneira diferente. A escrita assume o centro; esse deslocamento não é tão fácil de acomodar no início.

Renato Parada

Paulo Scott: mecânica do afeto

Você diria que os personagens acabam “ganhando vida” ao longo da narrativa? Até que ponto vai a autonomia dos personagens e do escritor? Sim. O próprio narrador em terceira pessoa, a existência necessária desse narrador e de qualquer narrador (já que não se confundem com o autor), implicará esse tipo de consequência. Há etapas distintas: aquelas em que é necessário criar e as que obrigam o escritor a um enquadramento teleológico daquilo que foi produzido e de maneira a servir de base ao que virá a seguir; nos momentos mais críticos se acaba por resumir o processo a um buscar de solução (por certo, uma boa solução, a melhor que você puder encontrar). Nas narrativas longas isso fica mais evidente. É indisfarçável o estado de esquizofrenia. Alguém já disse que ser escritor é ter coragem de aceitar essa esquizofrenia. Não sei se consigo elucubrar a respeito, acho que já passei da fase de me preocupar com as irregularidades do meu estado mental enquanto crio. À propósito, o olhar revisor nunca será o mesmo da criação. O fundamental, prefiro pensar, é se manter crítico, não se deixar levar pela paixão quase inevitável que o sujeito tende a desenvolver em relação à própria obra. Isso é armadilha, uma das piores. No seu livro, o absurdo chega a proporções extremas, quase sempre dolorosas. Você acredita na potência do excesso? Não de todo. Não há como negar, contudo, que vivemos de excessos e de uma espécie de disciplina intuitiva por não reconhecê-los; sendo esse um caminho mais do que razoável para atravessarmos o cotidiano, para criarmos um cotidiano conveniente. A literatura (e a arte de modo geral) funciona sobre a possibilidade de reacender os sentidos, a percepção dessas excepcionalidades, de lidar com o extremo. A pertinência disso que você denomina potência do excesso dependerá da história que se busca narrar. O excesso pode estragar o que se programou de melhor para o livro; sempre há limites a serem observados.

Há na sua escrita uma ponte direta com os leitores jovens? Você escreve para um leitor específico? Não tenho essa preocupação. Sei que não escrevo para crianças, acho que nem saberia. Quanto ao leitor específico, penso que há um leitor específico, ele está dentro da minha cabeça e é consequência das leituras diárias, das vivências diárias, das conversas com alguns leitores próximos, das minhas inquietações; apesar disso, eu não saberia identificá-lo, descrevê-lo. Você conhece a teoria perspectivista que o antropólogo Eduardo Viveiros de Castro identificou no pensamento ameríndio? Caso sim, elas o influenciaram de alguma forma? Sim, a Simone da Costa Carvalho, mestre em Letras na área de linguística, a quem dediquei o livro, por sinal, me falou e passou material sobre essa teoria. Como todo um volume grande de conteúdo pesquisado, li com prazer e interesse e de alguma forma deve ter repercutido na versão final do romance, embora eu não possa apontar onde (e em que altura) isso poderia ter ocorrido; talvez em algumas soluções do quarto capítulo, mas não de forma direta, detectável. Seus personagens são apaixonantes e sonhadores, mas parecem ceder à covardia (em especial Paulo, Maína e Luisa). Você quis deixar uma mensagem para o leitor de Habitante irreal? Não acho que seja covardia, pelo contrário. As três personagens que você menciona apostaram até onde podiam, até o ponto de não conseguir mais, poucos de nós têm essa coragem de apostar até o seu limite. Se tal adjetivação possa ser, eventualmente, atribuída ao Paulo e à Luisa (e veja que Luisa, por sua vez, quer a normalidade que ela própria recusou quando mais nova e que, a certa altura, passou a ser intangível), não cabe à Maína, porque ela não teve as chances dos outros dois, suas opções são extremamente reduzidas, ela quis um futuro para seu filho. A história gira em torno dessa vontade de que houvesse um futuro, o mínimo de dignidade que lhe foi negado. Você diz em seu blog que durante a escrita de Habitante irreal priorizou mais a narrativa em si do que a experimentação com a linguagem. Você poderia falar um pouco mais sobre isso? Mais enxuta e simples, a linguagem do Habitante irreal não se coloca como atração principal, é como avalio. A história em si é que se desdobrará em mecânica e direções mais trabalhadas, exigindo envolvimento do leitor. Optar por uma linguagem mais objetiva, menos barroca, em certa perspectiva e sem querer aqui teorizar a respeito, parece uma consequência natural da carreira de escritor que se proponha a dizer mais se valendo de menos.

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Gramática de la distancia Para Maria Hay personas que deberían estar prohibidas de apartarse. O mejor: que no pueden apartarse. Que están para nosotros como la piel está para el pelo, permaneciendo siempre cerca independiente de los abismos más oscuros, de las brechas dilatadas del tiempo, del nada oceánico por donde uno siempre vaga.

Con complejos números y cuadraditos organizados en orden de 30 o 31, buscan eludirnos separando cosas inseparables. Como si fuera posible separar el azul del cielo, el olor de pan fresco del pan fresco, el gris de la nube que flota disimulada.

Personas que por donde pasan dejan manchas, que cuanto más se intenta sacarlas, más profundamente se edifican en los vestidos, corbatas y pañuelos de algodón.

Y cuando intentan separar estas personas de nosotros (lo peor es que lo intentan sin ningún pudor) fracasan terriblemente. Pues es en ese exacto instante que estas personas se acercan más, que laten más.

Son personas que viajan con nosotros mientras están lejos e inaudibles. Espíritus omnipresentes que habitan las regiones más remotas de nuestros recuerdos, pero que hacen su hogar en el pan de cada día; y de las migas presas en nuestra barba, fabrican sabores familiares, empujando con un simple soplo el aire frío de la soledad. El reloj, mientras tictactea insaciable, da cuerda en estas personas, produciendo sonidos palpables y precisos, cardíacos y circulares; hermanando nuestras pulsiones sin vacilar ni por un instante. Estas personas (al menos creo yo) están en constantes batallas con las distancias. Enfrentan sin miedo (aunque no sepan) esto que los gobernantes llaman fronteras y que los matemáticos denominan kilómetros. Los calendarios, para estas personas, son meras creaciones vulgares, hechas por un par de locos e impuestas por ciertos dictadores que creen poder separar el día de la noche como el aceite del agua.

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No te engañes con mentiras fabulares. Por más que se esfuercen para separarnos de ellas, estas personas son como la carne para la uña, como las manos para una oración, como una boca seca para un beso húmedo y carnal. Independiente de todo, son personas que estarán siempre guardadas en nuestros pechos siendo amores en nuestros brazos, abrazos en nuestros labios; como un miembro amputado que mismo amputado sigue presente. No podrán nunca apartar estas personas de mi. Nunca. Ni con fe ni nada. Pues para estos abismos yo construí montañas. Y estas montañas no son hechas de cimiento, piedra granito o mármol. Son hechas de un material mucho más precioso e invencible: Saudade. João Inada


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