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plástico bolha é involuntário... Distribuição Gratuita
Ano 1 - Número 5 - Julho/2006
Somos Penta! O título é para ser tão infame quanto a campanha de nossa seleção na Alemanha. No entanto, mesmo com todo o fiasco, ainda somos os grandes campeões do mundo, com a marca (que é só nossa) de cinco títulos mundiais – o mesmo número de edições do Plástico Bolha. A quinta edição chega bem caprichada e divertida, com os irreverentes poemas de Solange Valeriano Pinto e Marilena Moraes. A coluna Subjetivas também resolveu brincar com um tradicional – e muitíssimo lido – espaço “jornalístico”: o horóscopo! Já o poema “My realm”, de André Sigaud, publicado na edição passada, ganha uma tradução da aluna Mariana Lopes. Aproveitamos também para celebrar a nova Cátedra de Formação do Leitor, que está sendo implementada na PUC pela professora Eliana Yunes, com uma matéria especial. Em um depoimento muito interessante, Eliana fala sobre a dificuldade de fomentar a leitura e ataca projetos que criam bibliotecas, mas não pensam em incentivar o ato de ler efetivamente. Assim como a professora, que batalhou por três anos pela criação da Cátedra, nós também continuaremos brigando para ter um jornal despojado, atraente e com bons textos. Não deixem de colaborar, enviando seus textos para jornalplasticobolha@gmail.com. Boa leitura!
Cartão de visitas
Efeito
Eu, que despedaço a vértebra do amanhã e desabo -infinito obesosobre o corpo raquítico deste instante, Eu, que me extremo nas vias sensíveis de um mundo caduco, Eu, que me sacrifico em uma explosão de destinos ao fogo do acaso que me expele tédio, cubo de gelo disparado contra o sol, e me banho na lama junto a deuses e mendigos e contamino os oceanos com minhas lágrimas de cicuta e desaprendo em cada gesto a delicadeza do morto-vivo e termino por me destruir na bigorna de pluma das palavras.
Marilena Moraes (Letras - PUC)
Pedro Sobrino Laureano (Cinema - PUC )
O Morto Em cada segundo, um enterro. Sem flores ou adeuses nostálgicos. Só o corpo. Morto. Nem mais amigos apegados, ou glórias aumentadas. Morto. Encarnado. Os segundos marcam a passagem. Interrompida. Adulterada. Nem mais brilhos nos olhos, nem mais sangues pulsados. Só o amor, ressecado na primeira lágrima. O morto não levanta, não se sente aliviado. Pois ainda há. O amor. Mauro Rebello (Letras - PUC)
Meu Reino Sou o dono de um reino que é muito distante Do meu castelo observo essa terra decadente Não é grande, nem pequeno, é do tamanho correto Mas agora percebo que meu reino não dará certo Fiz tudo o que pude para proteger minha terra Derrotei feras com as quais ninguém entra em guerra Chamei guerreiros para manter todos vocês de fora E levantei paredes, sem as quais não vivo, agora Não se pode ver o meu reino, pois os portões estão fechados Meu lar fica escondido atrás desses portões trancados E, nessas paredes, a luz não passa nem por uma fresta Então eu fico no escuro, segurando-me ao que me resta Se passar pelas ruas desse lugar morto-vivo Não conseguirá ver nada, nenhum rosto amigo E aqui, no deserto, um único homem é o seu dono Na torre mais alta, um tolo no trono.
Mariana Lopes Peixoto – tradução para My Realm de André Sigaud
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A primeira vez
Aos alunos com carinho
Shopping Trem Tudo
Há mais ou menos um mês recebi o convite para me dirigir a vocês, alunos de Letras, e aceitei com muito carinho. Fiquei honrada e pensei que poderia ser uma boa ocasião para compartilhar, com vocês, por escrito, o que faço em oficinas e cursos, onde alunos e/ou professores buscam entender a qualidade de vida das suas salas de aula. Que questões ficaram para vocês, como alunos, da escola ou do cursinho pré-vestibular? Que questões vocês têm hoje, na PUC?Vocês imaginam, por exemplo, que questões seus professores se faziam quando vocês eram alunos na escola ou no curso de idiomas? E os professores de agora, na universidade?
Ilustres passageiros Chegou o passatempo para a sua viagem Pastilha de eucalipto Cura sua garganta e Refresca seu hálito Uma é vinte, seis é real. Pilha, esponja, super bond, Barra de cereal. Isqueiros, calculadoras Dois cotonete é real Bananada é dez. Paçoquita é dez. A SALVAÇÂO È JESUS! Dois amendoins é cinqüenta Laranja com acerola é cinqüenta. Dez tempero é real Cinco batom é real “ PRÒXIMA PARADA: ESTAÇÂO DE SÂO CRISTÒVÂO. DESEMBARQUE PELO LADO ESQUERDO”. A SALVAÇÂO È JESUS! Novalgina é real Dipirona é real Sabão pra piolho é real Skol lata é real SÓ JESUS PODE SALVÀ-LO DESSE MUNDO DE PECADO. “Salvou-o o RHUM CREOSOTADO”.
Alunos de vários contextos e idades já se perguntaram: Por que o professor ao invés de trabalhar em cima da teoria não trabalha em cima da prática?, Por que precisamos aprender coisas que não usaremos na vida?, Por que o professor parece não acreditar que possa aprender alguma coisa com os alunos?, Por que precisamos fazer dever?, Por que precisamos fazer provas?, Por que as avaliações são tão temidas?, Por que algumas aulas são tão cansativas?, Por que existem professores tão desmotivados?, Por que muitos professores se distanciam dos alunos? Por outro lado, algumas das centenas de questões levantadas por professores são: Por que os alunos não aprendem o que ensinamos?, Por que é tão difícil motivar alguns alunos? Por que tanta falta de interesse, valores, etc.?, Por que parece ser um ‘erro’ desejar que os alunos realmente aprendam?, Por que, às vezes, consigo atingir um aluno e outro não?, Por que é difícil possibilitar o pensamento e a reflexão dos alunos? Estas são perguntas de alunos e professores de escolas particulares e/ou públicas, universidades, cursos de línguas, cursos pré-vestibulares, aulas particulares, etc., trazidas para reflexão junto ao Grupo de Prática Exploratória do Rio de Janeiro. Meu trabalho e dos meus colegas nesse grupo pressupõe a importância de formular perguntas, porque elas refinam nossas mentes, porque refletindo nos transformamos – alunos e professores – em pessoas e profissionais pensadores, em intelectuais transformadores, que criamos tempo e espaço pedagógico para buscar maiores entendimentos. Percebam que falo de questões, de perguntas, de busca de entendimentos mais profundos (de ação para entender) ao invés de uma busca por resoluções precipitadas de problemas (de ação para a mudança). Na Prática Exploratória, desvendamos as crenças subjacentes às nossas questões e refletimos sobre elas: O que significa dizer, por exemplo, que os professores são desmotivados ou que os alunos não aprendem?, De quais professores ou alunos estamos falando?, De todos?, É possível termos certezas?, Nossas percepções são iguais às dos outros?, O que entendemos por motivação, por aprender, por ensinar? O que vocês acham de resgatarmos nosso olhar curioso, investigativo e integrá-lo ao nosso trabalho pedagógico, em busca de maiores entendimentos sobre a qualidade de nossas vidas em sala de aula? Fica o convite carinhoso.
Inés Kayon de Miller Professora de língua inglesa
01:17. Um café, um filme e uma idéia. Por uma noite, eu seria Charlotte. Seus segredos e desejos, meus. Sua vida, minha vida. Assim, minha própria identidade se esmaeceria. A ansiedade crescia, nunca fora outra pessoa antes. Já havia fingido, é claro, mas nunca me transformado no outro; pensado, sonhado e sofrido como o outro. E me perdi tão intensamente, que logo já não pensava mais no agora, no hoje. Transportei-me no tempo, sem conotações dessa vez. Meu corpo estava preso a este mundo por uma “fatalidade vegetativa”. Meu intelecto, preso ao de Charlotte por amarras insolúveis, preso em outra realidade. (A cronista já mencionou que acredita em universos paralelos?). Era minha primeira vez e eu relutava em desprender-me do outro. O sono, a fome e uma pungente dor na coluna eu só senti quando fui enxotada de volta ao sofá da sala. Estagnei, soltei a caneta, faltava-me o fôlego. Olhei em volta e depois para o papel. O eu escritor voltava lentamente a comandar minhas ações. Tateei pelo relógio. 06:17. Não era possível, não conseguia lembrar do tempo passando nesse plano. Aliás, transportamo-nos mais no tempo e no espaço quando escrevemos do que quando lemos. Deveras, metafísico. Minha noite havia durado cinco folhas de papel e dois terços de uma caneta novinha. Não havia forças para mais nada, adormeci debruçada sobre Charlotte.
Solange Valeriano Pinto (Letras - PUC)
Subjetivas
por Gregório Duvivier
Horóscopo
Luiza Vilela (Letras - PUC)
plástico bolha produzido pelos alunos da graduação de Letras da PUC-Rio
Áries: Você está sob a regência de Netuno e isso indica que seus cabelos, a princípio, continuarão crescendo. Quando quiser, corte-os.
Editor Lucas Viriato
Touro: Você está mergulhado em uma espécie de marasmo. Se jogue, beba, fume, perca a linha e pegue geral. Ah, e afaste-se de sua mulher. Ela é uma vaca.
Editora Assistente Marilena Moraes
Gêmeos: Não gosto muito de vocês. Mudem de signo. Ah, e parem com essa cafonice de ficar usando roupas iguais. Câncer: Coisas podem acontecer com você. Mas também existem fortes chances de que elas não aconteçam. Fique esperto. Ou não. Leão: Você está acebolando muito o bife. Experimente novos temperos para não cair na mesmice. Virgem: Evite dar tiros na cabeça. Eles podem acabar te matando. Libra: Quando for passar por Botafogo às 5 da tarde, nunca pegue a Mena Barreto. Aliás, isso vale para todos os signos. Escorpião: Você está muito gordo. Evite os carboidratos e faça mais exercícios. Ou continue encalhado como eu sei que você está nesse momento. Sagitário: Você está passando por graves problemas financeiros. Parta uma garrafa de vidro ao meio e você já tem o suficiente para assaltar uma birosca. Capricórnio: Para você, meu amigo, o negócio está preto. Entre pra igreja, para o AA, que gente no seu grau de fudição não é o horóscopo que vai resolver não. Aquário: Pare de ler o signo dos outros, geminiano. Eu sei que é você que está lendo isso agora. Aquarianos não lêem horóscopos. Peixes: Sua vida está boa, você está bem de saúde e de dinheiro. Aliás eu nem sei por que você está lendo este horóscopo, essa coisa de gente acabada que não tem mais o que fazer.
Redator Pedro Neves Fotógrafa Márcia Brito Tesoureiro André Sigaud Revisão Rubiane Valério Distribuição Luiza Vilela Conselho Editorial Paloma Espínola; Luiz Coelho; Sueli Rios; Chiara Di Axox; Isabel Diegues; Paola Ghetti; Julia Barbosa; Mauro Rebello; André Sigaud Colaboradores Mariana Lopes; Marilena Moraes; Natália Bassôa Envie seus textos para: jornalplasticobolha@gmail.com
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Matéria
Para tirar o livro da estante
“Acham que criar bibliotecas é incentivar a leitura. Mas não se fala em tirar o livro da estante, não se pensa sobre a recepção do texto, sobre o lugar do leitor”, alerta Eliana Yunes, professora do departamento de Letras e atual coordenadora do Decanato do CTCH. Com mais de duas décadas de trabalho dedicadas a uma extensa pesquisa sobre a formação do leitor, ela finalmente conseguiu realizar uma de suas metas profissionais: criar na PUC uma Cátedra de Leitura, em parceria com a Unesco. A idéia de Eliana é fazer da nova Cátedra um lugar para a pesquisa interdisciplinar de reflexão e promoção da leitura. Graças aos apoios da Unesco e da Finep, o projeto já conta com vinte mil livros em seu acervo e computadores equipados com um moderno software, desenvolvido para programas de promoção da leitura. Só falta encontrar um espaço físico na Universidade. Por enquanto, o material está guardado no antigo almoxarifado, perto do Bandejão. A nova Cátedra será inspirada pelo bemsucedido Proler, programa idealizado por ela e o ex-professor da PUC Affonso Romano de Sant’anna, que estimulou a leitura em mais de 600 municípios brasileiros, entre 1992 e 1996, quando teve a verba cortada pelo então ministro da Cultura, Francisco Weffort. O programa previa um cronograma de dez anos de ações, que incluíam discussões de temas ligados à sociedade e cultura de cada local. Tudo com a ajuda de voluntários e professores. No México, um programa nacional nos mesmos moldes do Proler foi implementado há oito anos com bastante sucesso. A própria Eliana é uma consultora especial do projeto.
A professora começou a se interessar pelo assunto quando era coordenadora do ciclo básico no Colégio Santo Inácio e tentou entender por que a maioria dos alunos, crianças que gostavam de ler, parava de ler em determinada idade. “Entre as causas do desapego à leitura, a mais grave é que a experiência deixa de ser partilhada. Os pais acham que os filhos podem ler sozinhos. Sem leitura compartilhada, não tem formação de crítica. A leitura passa, então, a ser uma prestação de contas escolar”, explica. Além de chamar a atenção para a necessidade de desescolarizar a leitura, Eliana assinala que os próprios professores do Ensino Fundamental não estão preparados para incentivar a leitura. “Muitos não lêem, inclusive. Não é somente um problema escolar, é uma questão social. Não falo apenas da leitura de livros, mas da leitura do mundo. Um dos meus objetivos é estudar e analisar como as pessoas lêem o mundo. Você só pode escrever depois que consegue decodificar outras linguagens. A leitura antecede o livro. E tudo é linguagem...”, assinala Eliana, que pretende, em projetos como a nova Cátedra, dar outra dimensão e significado ao hábito de ler. Para isso, contará com o apoio de professores do departamento de Artes e Educação, já que a idéia inicial é usar esse intercâmbio com outras disciplinas da melhor forma possível. “A interdisciplinaridade é também um símbolo da descoberta da subjetividade. Quando se começa a ler, começamos a desconfiar que o mundo não é plano. O ato de ler traz uma série de questões agregadas, que falam de ética, tolerância e inclusão”, analisa.
M. Brito
Nova cátedra da universidade investe na pesquisa para a formação de leitores
Depois de três anos de batalha, a professora Eliana Yunes conseguiu o apoio da Unesco para viabilizar o projeto de incentivo e promoção da leitura
Não se pode pensar na leitura como panacéa. Mas, de fato, se não nos livra dos males da desilusão, da injustiça, do absurdo pessoal e social com que às vezes nos defrontamos, ela pode trazer o conforto de conhecer as armações e o jogo - que a leitura tão bem desvela, ficcionalmente - e abrir os olhos para as maravilhas da criação humana, seus saberes, seu engenho e sua arte.
Para mais informações sobre a Cátedra Unesco de Leitura ligue para 3527-1021 ou escreva para reler@rdc.puc-rio.br
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PÃES ANTIPASTOS PIZZAS SALGADOS
MASSAS DOCES
MOLHOS TORTAS
Entregas na Gávea e Leblon sábados, domingos e feriados Av. Armando Lombardi, 800 - lojas C/D. Condado de Cascais, Barra da Tijuca - RJ Tel.: 2493-5611 / 2493-8939
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O Bosque
Chegou a hora do despertar, chegou a hora. Disse ela decidida, tomando nas mãos a pesada caixa de mármore negro. Saiu pela porta de madeira rumo ao bosque, escuro e pulsando de sede de vida do outro lado do campo. Seguiu sem medo de nada. Tudo ali era parte dela e ela era parte de tudo que ali vivia. Chegando à clareira, colocou a caixa dentro do círculo, sentou e esperou. Não havia sequer um inseto por perto, o que fazia do silêncio o som mais alto do mundo... Ecoando nas árvores mortas, vibrando nas árvores vivas, o silêncio doía. Então, por trás das nuvens roxas, ela surgiu crescente, branca e serena, como uma sacerdotisa. Mal olhou para o céu e, como um milagre qualquer, sua primeira lágrima escorreu refletindo as sete cores. Sem pensar duas vezes, caminhou gelada até a caixa e retirou com todo cuidado a sua flauta. Mais uma lágrima, mais sete cores de encontro à terra. Assim, pôs-se a tocar - mesmo sem saber como - toda e qualquer nota. Notas brotavam de sua boca, notas voavam floresta adentro. Aquilo era a sua vida, aquela era a sua arte. Uma arte que trazia vida às flores e às árvores. Em cada nota uma semente, em cada semente cores infinitas. Aos poucos, a lua brilhava cada vez mais e, também aos poucos, um a um, os vaga-lumes foram surgindo. Não demorou muito até as borboletas, as fadas e os duendes surgirem para a celebração. Mas nada a emocionou tanto quanto aquele unicórnio que, tímido e branco como a lua, a observava de longe com uma rosa na boca. A melodia já estava no auge, luzes brilhavam por toda a clareira. Ela ouvia tambores. Ela ouvia cordas. Rodava, rodava e rodava. Queria aquele sentimento para sempre. Rodava, rodava e rodava. E, quando não mais podia suportar o peso de seu corpo, sentiu-se levitar em espiral. E naquela espiral permaneceu até o sol bater de leve em seu rosto. Ao despertar, olhou em volta de si mesma e percebeu: não havia mais lua, não havia mais fadas, duendes ou vaga-lumes. Mas não ousou desacreditar... E sorriu ao ver repousando, ao lado da caixa de mármore negro, uma linda rosa vermelha. Henrique Meirelles (Letras – Puc) ilustração: Eduardo Cidade (Jornalismo - PUC)
FALTA DE ASSUNTO
Escrever não é assim tão fácil quanto parece. Começo arrumando a mesa. Tirando o que não interessa. É como naquela história: para esculpir o cavalo, tiro tudo do mármore que não é cavalo e lá está o cavalo. Pois bem, tiro da mesa tudo que não é a crônica e me sobra o vazio. E aí? Cadê? Onde foi parar aquilo que eu iria escrever? Começo a fazer minhas listas. Afazeres, médicos, compras; tudo que puder anotar, escrever, registrar em palavras se torna indispensável no meu disfarce de escritor. Passo horas respondendo a emails inúteis, passo dias arrumando e mudando as coisas de lugar. Até que um dia, olho para o relógio e descubro: Ih! O prazo é amanhã, daqui a exatas 8 horas e 37 minutos. Ferrou! Vou ter que sair correndo. Mas assim não vai ficar bom. Precisava de tempo; tempo para escrever, tempo de revisar, tempo de ler outras coisas para me dar idéias, tempo de ir ao cinema, tempo de encontrar aquela velha amiga que toda vez que esbarro na rua combino de combinar de nos encontrarmos, e nada. Pronto, gastei 49 minutos fazendo a lista de tudo aquilo que deveria fazer antes de começar a fazer o que deveria. E o relógio, egoísta e insensível, não pára nem um instante para me dar um tempo. Talvez se eu tentasse suborná-lo. Mas com o quê? O que poderia dar em troca de uma espécie de imortalidade superômica, que faria o tempo me dar um tempo para eu ter um tempo de escrever o que preciso? Socorro! Passaramse mais 27 minutos e nada. E agora preciso arrumar um assunto, um jeito de me concentrar. Mas tá me dando uma fome incrível. E se eu parasse agora um instantinho para fazer um sanduíche e voltasse revigorada e cheia de energia para ter uma grande idéia? E se eu não tivesse idéia nenhuma? E pior, se no meio do sanduíche eu tivesse A Grande Idéia e entre uma mordida e outra ela me escapulisse para sempre? Passaria o resto dos meus dias perseguindo a idéia escapulida que teria sido minha redenção e minha glória. Aquela que me traria o reconhecimento tão esperado e a compreensão dos que nunca entenderam meus escritos nunca escritos. Que aguardam ansiosamente o dia em que eu viria a ter a grande idéia que seria a salvação, não só do meu emprego e da minha conta bancária, como também de toda a humanidade. Com a qual eu decifraria os mistérios da alma humana tão densa, tão intensa como os escritos que faria um dia. Ai! de novo! Gastei mais 43 minutos e meio do meu precioso tempo e agora, além da fome, estou ficando com sono. E se eu não dormir? Como poderei estar de pé amanhã cedo para defender minha tese, que deve ser escrita o mais rápido possível para que dê tempo de eu revê-la e reavaliá-la e reescrevê-la de forma que possa ser imortalizada como merece ser uma idéia tão pura, tão reveladora, tão inescrita como a minha? Um café! Será o café que lançará a luz que falta em minha mesa. O café! O café é o motor do homem! Ufa! Pronto! Escrevi! E ainda completei uma lauda. Já posso ligar a tv e assistir a reprise do jogo do Botafogo que começa em exatos 3 minutos. Bem em tempo.
Isabel Diegues (Letras - PUC)
Baia de Guanabara A Baía pútrida-plástico remontando-se no bloco de pedra, nas velas brancas de optimist que ventam lentas contra mim; e os gatos todos rotos lambendo-se à sua beira. Do outro lado a Urca fluida. Todos os seus buracos que não vejo daqui desalentam o correr frenético dos carros. Um homem da Baixada foi nadar lá e saltou das pedras. Estilhaçou a cabeça até a morte na ferrugem de um fogão abandonado. Carolina Bastos (Letras - PUC)
Izabé Mordeu as maçãs Fumou os baseados Queimou os sutiãs Libertou os escravos Lucas Viriato (Letras - PUC)
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