Pesquisa Teórico

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N達o-linearidade numa mente doente

A Nao-linearidade Respeitonumadomente Crime doente ~



CLENICE REIS DAIANA CERQUEIRA ERICK JESUS GIOVANNI GIANNINI IGOR ARENQUE MARCOS CORDEIRO NA7

A Respeito do Crime ~

Nao-linearidade numa mente doente Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à banca examinadora como exigência parcial a obtenção de título de graduação do curso de Design Digital da Universidade Anhembi Morumbi.

Coordenação: Profa. Rachel Zuanon Orientação: Profa. Rachel Zuanon Prof. Nelson Somma Junior

São Paulo 2009/1



Resumo: Nesta pesquisa temos o objetivo de analisar a estrutura narrativa do romance “Crime e Castigo” - de Fiódor Mikhailovich Dostoiévski – a fim de estabelecer possíveis reflexões a respeito das relações existentes entre a narrativa da obra e a narrativa hipermidiática, a questão da não-lineariade na hipermídia. A escolha desta obra se deu pelo fato da mesma apresentar a polifonia como uma pontecialidade de transformação de linguagem, muito presente nos personagens da obra, além de sua estrutura labiríntica desenvolvida no decorrer da história, podendo ser relacionada com a não-linearidade, que é uma das características da hipermídia. Palavras-chave: Hipermídia; Labirinto; Narrativa; Polifonia; Hipertexto



ABSTRACT: In this research our objectives are analyse the narrative structure regarding the novel “Crime and Punishment” - written by Fiódor Mikhailovich Dostoiévski - in order to establish possible connections about the narrative and the hypermedia language, the issue of non-lineariade in hypermedia. The choice of this novel was made due to the presentation of a strong polyphonic dialog,as a capability the processing of language recurrent in its characters. Also, it has been explored the maze like structure developed through the whole story, and the probable relation with the non linearity, which it is a characteristic of the hypermedia. Keywords: Hypermedia; Maze; Narrative; Polyphony; Hypertext



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SUMÁRIO: INTRODUÇÃO......................................................................................11 1 CARACTERÍSTICAS GERAIS DA NARRATIVA PRESENTE EM CRIME E CASTIGO ..............................................................................................13 1.1 Características do realismo em Crime e Castigo...........................14 1.2 Descrição do Romance e seus personagens.................................16 1.3 O dialogismo presente na narrativa possibilitando o desenvolvimento do personagem......................................................20 2 PERSONAGEM...................................................................................23 2.1 A cidade como personagem..........................................................23 2.1.1 Signos/marcos que compõe a cidade de São Petersburgo........25 2.2 Intertextualidade ideológica apresentada na polifonia do personagem.........................................................................................27 2.3 Como a narrativa e a cidade fundamentam a polifonia no personagem Raskólnikov....................................................................31 2.4 A adaptação da narrativa de Crime e Castigo e as novas leituras do personagem principal para o cinema...........................................33

3.2 A relação da polifonia de Raskólnikov com os demais personagens........................................................................................45 3.3 A relação da polifonia de Raskólnikov com a cidade .................46 4 ESTRUTURA LABIRÍNTICA DA NARRATIVA CONCEBIDA PELA POLIFONIA E A RELAÇÃO COM A NÃO-LINEARIDADE ......................50 CONSIDERAÇÕES FINAIS.....................................................................57 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..........................................................59 ANEXOS...............................................................................................61 Anexo A - Resumo de Crime e Castigo................................................61 Anexo B - Decupagem.........................................................................63 Anexo C - Fluxogramas........................................................................73

3 POLIFONIA.......................................................................................43 3.1 A relação da polifonia de Raskólnikov com o próprio Raskólnikov..........................................................................................43

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INTRODUÇaO: Esta pesquisa propõe uma análise da obra de Fiódor Mikhailovich Dostoiévski – ”Crime e Castigo” (título original em russo: Prestuplênie i nakazánie) - publicada em 1866, na qual será analisado os aspectos da narrativa polifônica da história, cujas características podem ser observadas através do protagonista Raskólnikov e a forma labiríntica em que a história é desenvolvida. Tais elementos desta narrativa são similares às características da hipermídia, como a não–linearidade, e acrescentam discussões interessantes para as possibilidades de estruturação narrativa no meio digital. A pesquisa será iniciada fazendo uma introdução sobre as principais características da narrativa presente na obra, serão analisados os seus principais elementos e a apresentação/descrição do protagonista da história.

No Capítulo 1 serão abordadas as características da escola literária realista em “Crime e Castigo”, haverá a descrição do romance e de seus personagens e será mostrado o dialogismo presente na narrativa. No Capítulo 2 será mostrada a relação de Raskólnikov com a cidade, o que compõem São Petersburgo, a intertextualidade apresentada na polifonia de Raskólnikov, como a narrativa e a cidade fundamentam a sua polifonia e as adaptações de “Crime e Castigo” e as novas leituras do personagem principal para o cinema. No Capítulo 3 será discutida a relação da polifonia de Raskólnikov com o próprio Raskólnikov, com os demais personagens e com a cidade. Finalmente, no Capítulo 4 será vista a estrutura labiríntica da narrativa concebida pela polifonia e a relação com a hipermídia.

Será analisado também os personagens do livro, suas devidas descrições e suas múltiplas consciências independentes uma das outras, porém com um ênfase maior no protagonista da história, (Raskólnikov), que tem como “elo de associação” a sua própria consciência como um todo, o que caracteriza este aspecto como polifônico.

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1 CARACTERÍSTICAS GERAIS DA NARRATIVA PRESENTE EM CRIME E CASTIGO A narrativa é uma forma de composição na qual há um desenrolar de fatos reais ou imaginários, que envolvem personagens e que ocorrem num tempo e num espaço. Narrar é, pois, representar fatos reais ou fictícios utilizando signos verbais e não verbais. Segundo Lúcia Santaella (2005), a narrativa seria um modo de organização da linguagem que tende a registrar através do convencional (signo lingüístico) o universo da secundidade peirceana (sensação provocada por um estímulo, categoria na qual se tem a descrição da relação entre consciência e mundo exterior): dos fatos existenciais, da dualidade agente-paciente (de ações), do esforço-resistência, do agir sobre objetos externos e sobre o próprio eu. “Crime e Castigo” é um clássico da literatura mundial e também é uma das melhores obras do escritor russo Fiódor Dostoiévski, que foi lançado no ano de 1866, na qual é apresentada uma Rússia do século XIX repleta de tragédias e misérias. O narrador constrói ao longo de sua história diversos “heróis”, todos envolvidos por uma névoa dramática: o bêbado que apanha da mulher, a esposa tuberculosa, as crianças que choram de fome em um minúsculo quarto iluminado por uma réstia de luz, a prostituta que conserva a pureza de sua alma, as senhoras assassinadas e o homicida. O romance apresenta a trajetória de Rodion Românovitch Raskólnikov, que é o protagonista desta história, sendo este um estudante que vive à beira de uma grande miséria e também à beira de um enorme conflito psicológico. O jovem passa por diversas dificuldades financeiras e logo começa a alimentar a idéia de praticar uma ação significativa que o transforme em alguém superior, e esta idéia irá criar em si

mesmo um terrível conflito interior quando planeja a morte de uma velha agiota. Raskólnikov acaba perdendo o controle de suas ações ao assassinar também a irmã da vítima, que por acaso acaba flagrando sua ação. Ele furta algumas jóias, mas nada lucra com elas, e rapidamente é dominado pelo seu sentimento de culpa que o martiriza interiormente impedindo de ter uma vida normal. A narrativa da história acompanha o relacionamento amoroso da irmã de Raskólnikov e mais detalhadamente o envolvimento do protagonista com Sônia, uma prostituta que acaba exercendo uma influência muito decisiva sobre o jovem estudante. Perseguido então por sua culpa e pelo sentimento de remorso que vive o atormentando, e inspirado pelas orientações de Sônia que lhe apresenta a salvação através do Evangelho, Raskólnikov acaba se rendendo e se entrega para a polícia onde irá cumprir uma pena de oito anos na Sibéria. Sônia, porém jamais o abandona e passa inclusive a ser uma intermediária entre ele e seus familiares. Segundo Joseph Frank, muitos aspectos da vida de Dostoiévski na Sibéria foram usados em seu romance, mais adiante este assunto será aprofundado na pesquisa, porém neste momento será mostrado que a história é povoada de elementos autobiográficos, o que contribui para posicionar este clássico no topo das grandes obras literárias. A narrativa desta história mostra personagens que são indivíduos muito fragmentados, cujas partes estão soltas em suas palavras, nos seus pensamentos e através de suas ações, e que sendo assim mostram ao leitor que estão muito próximos de um verdadeiro colapso. Todos estes exigem vozes e personalidades e o narrador, fiel a suas criaturas atende a

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esse desejo e acaba entregando a estes personagens as rédeas da narrativa. Temos então a caracterização da polifonia, que segundo Bakhtin (1997), seria a multiplicidade de vozes e consciências independentes e imiscíveis e a autêntica polifonia de vozes plenivalentes, (plenas de valor), pois, mantêm com outras vozes do discurso uma relação de absoluta igualdade como participante do grande diálogo, e que constituem, de fato, a peculiaridade fundamental dos romances de Dostoiévski. Neste romance não é possível proceder à caracterização das personagens pelo grau de importância na trama. Todos estes são principais, desesperados em iguais parcelas, mas apenas um é o mais corajoso, somente uma das personagens é capaz de gritar mais alto e transgredir o mandamento divino: não matar. Esse é Raskólnikov.

1.1 Características do Realismo em Crime e Castigo O Realismo foi um movimento cultural iniciado na segunda metade do século XIX, na Europa, mais especificamente na França, por Gustave Coubert1 em oposição ao movimento Romântico, predominante na época. Surgindo primeiramente nas artes, ganhou força e expandiuse também para a literatura. Este fenômeno cultural consistia em mostrar a realidade tal como ela é, sem artifícios, sem visões românticas, sem floreios ou máscaras, mesmo que esta realidade chocasse. Contribuíram para este movimento, além da situação histórica vivida pela Europa que começava a ter as classes sociais definitivamente divididas entre proletários e burgueses, ricos e pobres, as correntes Pintor francês (1819 – 1877), autor de obras como “Os Quebradores de Pedra”, “Enterro de Ornans” e “As Banhistas”. Foi precursor do Realismo da França, em 1855.

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teóricas como o determinismo, o positivismo e o evolucionismo. Estas teorias tiveram papel importante na medida em que o mundo passava a ser visto de maneira diferente, mais completa e real, sem a interferência de explicações religiosas ou místicas, o homem, começava a ser visto como ser social, produto de seu meio. Somando-se a isso, o avanço tecnológico e da ciência, contrapondo-se ao sentimentalismo. Requeriam uma linguagem mais objetiva e racional. Assim, o Romantismo até então presente nas artes e na literatura, dá lugar ao Realismo, mais objetivo, mais explícito, mais racional, passível de explicações científicas. Os personagens da literatura realista são neste sentido, pessoas comuns, nada surpreendentes, mas com problemas possíveis de serem encontrados na sociedade da época. Como explica CADERMATORI, 2002: Sendo a ciência considerada o único meio legítimo de conhecimento, não há, nesse momento da história da arte, lugar para a metafísica. A realidade, segundo a mesma concepção, subordina-se às leis orgânicas. O mundo e o homem estão em igualdade de condição e sujeitos às mesmas finalidades. Fatos psicológicos e sociais são considerados manifestações materiais. Em face disso, as personagens realistas serão determinadas por uma lógica de causa e efeito. Não se encontra na literatura realista, personagens originais e surpreendentes: os perfis são passíveis de serem explicados lógica e cientificamente, assim como as ações se explicam pela determinação de fatores atávicos e sociais. (p.45).

A literatura realista preocupa-se em desmistificar, em desnudar a sociedade e seus conflitos, impedindo que suas personagens sejam idealizadas ou fantásticas como acontecia no Romantismo. A crítica sociológica está presente na maioria das obras principalmente às instituições e à hipocrisia burguesa. O cotidiano está sempre presente


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e os fatos são narrados sem preconceitos e sem poupar o leitor do quê e do porquê. O primeiro romance realista da literatura universal foi Madame Bovary de Gustave Flaubert, publicado em 1857, na França. Grandes autores como Leon Tolstoi (Rússia), Charles Dickens (Inglaterra), Nikolay Gogol (Rússia), Eça de Queiróz (Portugal), Fiódor Dostoiévski (Rússia) e Machado de Assis (Brasil), entre tantos outros, também escreveram obras realistas. “Crime e Castigo” escrito em 1866 por Fiódor Mikhailovich Dostoiévski apresenta muitas características de uma obra realista. Descreve a situação sócio-econômica da Rússia do século XIX evidenciando uma crítica à burguesia, seus costumes e valores. Apresenta personagens que possuem uma vida comum, com qualidades e defeitos despidos de visões fantasiosas e paranormais, tal qual na realidade. Além disso, o cenário onde se desenrola o romance é descrito com fidelidade à realidade social da época, reforçando e dando veracidade à descrição da condição sócio-econômica das personagens. Caminhava alheio a tudo, ou melhor dizendo, sem querer dar atenção à coisa alguma. De longe em longe, apenas murmurava com seus botões algumas palavras, conforme mania que tinha de falar consigo mesmo que ele próprio reconhecera há pouco. (...) Estava tão mal vestido, que qualquer outra pessoa se envergonharia de exibir em pleno dia semelhantes andrajos, mesmo se estivesse acostumada com tal aparência. (DOSTOIÉVSKI, 2002, p.16) A história de Raskólnikov é narrada tendo como pano de fundo uma Rússia cheia de problemas e contrastes, a pobreza e o estado deplo-

rável do personagem principal, seus delírios, conflitos e anseios por vezes chocam o leitor. A narrativa é construída de maneira lenta e gradativa, explorando os conflitos entre erros e acertos, sanidade e loucura, o que torna a leitura densa. Na visão de Hopefaith, 2006: A enunciação pessoal do personagem Raskólnikov se constitui numa espécie de síntese dos conflitos da coletividade. Uma extrapolação das várias instâncias discursivas, não manifestas, subterrâneas, do meio social em que vive. Ela, personagem, é o sujeito de vários sujeitos conflituosos atuantes em seu “eu” dissociado. (HOPEFAITH, 2006, on-line).

Entretanto, a obra de Dostoiévski apresenta características peculiares em relação a outras obras, de outros autores. A composição do personagem principal da maioria dos romances realistas da época se difere da encontrada em “Crime e Castigo”, já que o “herói”, Raskólnikov não se enquadra no perfil dos heróis. Sua vida é confusa, desregrada, seus sonhos são vãos e impossíveis. Outra característica de Dostoiévski presente na obra é a presença da polifonia em seus personagens, que os torna densos e autoconscientes. O romance realista de Dostoiévski não pode ser considerado apenas sócio-psicológico, biográfico, familiar, de aventura, etc., pois apresenta características de todos eles ao mesmo tempo. No enredo de “Crime e Castigo” freqüentemente o personagem se depara com situações inusitadas que o provocam, revelando sua personalidade. Na combinação de situações onde o inesperado movimenta os personagens, há uma junção de idéias, de aventura, de vulgar e erudito, e isso diferencia Dostoiévski de outros autores contemporâneos a ele.

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1.2 DescriçAo do Romance e seus personagens “Crime e Castigo” é apresentado enquanto detentor da maturidade do romance polifônico dostoievskiano, porém, pode-se afirmar que foi a partir de “Memórias do sub-solo” que se deu a verdadeira intenção de dar um caráter definitivo a seu pensamento. A partir desta obra, dá-se início à sua grande inovação em relação ao romance tradicional. O livro “Crime e Castigo” é o segundo dos romances extensos de Dostoiévski escritos após o seu exílio na Sibéria e o primeiro dos romances realmente notáveis de sua maturidade. Esta publicação chegou a produzir mais sensação do que havia consquistado “Recordações da Casa dos Mortos” cinco anos antes, que marcou uma nova época na carreira literária de Dostoiévski. Mais uma vez ele estava na linha de frente da literatura russa, e agora estava claro que ele, Turguéniev e Tolstói competiam pela palma de maior romancista russo. Os capítulos finais de “Crime e Castigo” foram concluídos com a ajuda de Ana Grigórievna Snítkina, a estenógrafa que trabalhara com ele em “O Jogador”, e que logo após tornou-se sua esposa. Quando Dostoiévski teve a idéia de escrever “Crime e Castigo”, ele pensava em fazer uma história bem comprida com a confissão do assassinato sendo em primeira pessoa. Ele tinha em mente escrever um conto ou uma novela, mas a obra começou a crescer e a alongar-se tanto em suas mãos que, após sua volta a cidade de São Petersburgo, a história acabou se transformando em um grande romance. Os princípios gerais da concepção de “Crime e Castigo” foram esta16

belecidos muito cedo, mas Dostoiévski não teve consciência imediata da total dimensão do texto final. Somente quando a obra se desenvolveu e expandiu em suas mãos é que ela se revestiu de tantas riquezas descritas no livro. Um momento decisivo na criação do romance aconteceu em novembro de 1865, quando o autor enfim decide mudar de narrador, passando de um em primeira pessoa, que conta sua própria história, para um em terceira pessoa. No entanto, essa alteração da narrativa não ocorre imediatamente. Na verdade Dostoiévski discute consigo mesmo as razões para fazê-la: “Rever todas as questões nesse romance”, ele adverte a si mesmo, e depois passa a fazê-lo. “Se deve ser uma confissão”, reflete, “então tudo deve ser de maneira claramente aberta até o extremo absoluto. De modo que a todo momento da história tudo deve ficar inteiramente claro”. (FRANK, 2003: 136).

Uma vez decidido a construir seu romance dessa forma, Dostoiévski começou a reescrevê-lo a partir do zero, mas sem descartar totalmente tudo o que já tinha escrito antes. Conseguiu com certa facilidade incorporar trechos do primeiro manuscrito ao seu texto final. A escrita do romance prosseguiu de maneira suave e contínua, exceto por um conflito com os editores do Mensageiro Russo do qual infelizmente se obtém poucas informações, mas segundo alguns historiadores, o fato de Dostoiévski ter apresentado Sônia como porta-voz da moralidade que o romancista queria defender, este foi o fato de os editores do Mensageiro Russo terem se incomodado. É que na descrição do autor, uma mulher degradada se transforma na inspirada intérprete dos Evangelhos de Deus, e sendo assim os editores possivelmente enxergaram aí um resquício de “niilismo2 ”. Atitude de negação dos valores intelectuais e morais comuns a um grupo social, de recusa do idealcoletivo desse grupo.

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Raskólnikov é o jovem protagonista de “Crime e Castigo”. Ex-estudante, vive em condições de extrema pobreza num cubículo na cidade de São Petersburgo. Sua miséria é tão grande quanto sua inteligência. Se não fosse por suas condições, provavelmente ele teria uma carreira universitária de sucesso. Quando estava na universidade, escreveu uma teoria sobre o “Homem extraordinário e o homem ordinário”, que posteriormente seria publicado em uma revista. A precariedade de sua vida, além da ideologia, torna sua mente sombria e atormentada. É neste momento que ele começa a alimentar idéias sobre um assassinato de uma velha usurária que segundo ele, se caso morresse, não faria falta nenhuma para a humanidade. O jovem estudante acaba tornando real estes seus pensamentos e assassina duas mulheres a golpes de machado conforme Dostoiévski mostra nas cenas descritas detalhadamente de forma sangrenta e fria. A narração do autor deixa claro também os altos e baixos da personalidade que este personagem apresenta, mostrando a sua vida miserável e cheia de sofrimento, os conflitos de orgulho e de sua auto-dignidade. Após o crime, Raskólnikov se torna ainda mais confuso e perturbado, assumindo uma postura de culpa e inocência duelando para ver quem é que vence. Todo o tempo, Raskólnikov inicia uma fuga de seus demônios que não permitem que sua consciência fique tranqüila. Mais de uma vez pensa em se suicidar ou se entregar para a polícia. Até mesmo arquiteta e inicia a execução de alguns destes planos, porém o seu íntimo resiste devido à teoria em que ele acreditava. Durante todo o percurso de Raskólnikov, é visto um homem num labirinto em direção à loucura. Ele sofre de mania de perseguição:

começa a achar que todos que estão próximos a ele devem saber ou desconfiar que ele seria o assassino de Aliena Ivánovna, que começou a repercutir em seu meio como um crime a ser resolvido, onde cada pessoa tentava concluir a sua maneira e discutia as possibilidades uns com os outros. ”Svidrigáilov anda sempre à minha volta, será que descobriu o meu segredo? E se agora, que ele conhece o meu segredo, quisesse servir-se dele como uma arma contra Dúnia? Bastou esse pensamento para provocar-lhe um furor surdo” (DOSTOIÉVSKI, 2001, p.466). Do ponto-de-vista da obra dostoiévskiana, onde o tema central é "ultrapassar os limites", Raskólnikov está justamente atrás da parede que representa o limite: ou ele rompe com sua finitude ou ele aceita que não há como romper. Entretanto, tanto tempo esmurrando o muro irá fazer com que sua saúde e sua sanidade passem a ser altamente prejudicadas. Logo uma série de personagens aparecem para aumentar ainda mais o seu sofrimento ou aliviar um pouco as suas angústias, e assim arremessam os seus sentimentos para extremos que o torturam casa vez mais. Apenas o fato de viver causa à Raskólnikov uma sensação de rompimento com a própria realidade: ele deseja, constantemente, colocar um basta em tudo, terminar logo com tudo aquilo. Porém o processo não é simples porque a vida não permite que seja assim. Alíona Ivánovna é a velha agiota assassinada por Raskólnikov. De fato, Dostoiévski apresenta a velha usurária como uma pessoa má e que se aproveita da condição desesperada e miserável do ser para enriquecer sem o menor constrangimento. As pessoas vão até ela e 17


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penhoram os seus bens como garantia de pagamento de um empréstimo, cujo valor irá variar dependendo do objeto penhorado. Os juros cobrados por ela são astronômicos e em nenhum momento ela sente piedade por um de seus devedores, muito embora entenda que aqueles que vêm até ela enxergam na velha a ultima possibilidade de se obter algum dinheiro. Ainda assim a velha aproveita da vergonha e humilhação de homens que não tiveram sorte na vida para ficar sempre acima e manter o poder sobre eles. De certo, Alíona Ivánovna gosta de torturar psicologicamente as pessoas porque esta é uma forma de justificar para si mesmo que ela não é como eles. Que ela se enquadra num nível superior ao destes seres. Raskólnikov é um destes clientes humilhados. A sua revolta é tanta com o tratamento recebido que ele decide que a usurária é um mal que precisa ser eliminado do mundo para que este se torne um lugar melhor para viver. Logo no princípio de “Crime e Castigo”, Raskólnikov já mostra evidências de que planeja assassinar esta mulher em prol de um bem maior. Ele atinge o seu objetivo, porém a sua consciência oscila nos dias pós-crime como já foi falado. “Raskólnikov retirou-se muito perturbado. Descendo a escada, parou repetidas vezes, como se tivesse sido subitamente afligido por alguma coisa. Uma vez na rua, exclamou: “Meu Deus, como tudo isso é repugnante. Será possível que eu... Não! É uma loucura, um absurdo! Como pude ter tão horrível idéia? Pois eu seria capaz de semelhante infâmia? Isso é odioso, ignóbil, repugnante.” (DOSTOIÉVSKI, 2001, p.21).

traçado nos encontros mantidos basicamente com outros três personagens do romance. A primeira é Sônia, uma jovem que se entrega à prostituição como meio de ajudar a sua família. O outro é Porfíri Pietróvitch, esperto investigador de polícia, esta sempre implacavelmente nas trilhas de Raskólnikov, e o terceiro seria Svidrigáilov, que é um personagem totalmente indiferente de qualquer sentimento nobre. É um homem mau e que é apaixonado por Dúnia, a irmã de Raskólnikov. Quase no final da obra, Dostoiévski mostra o verdadeiro caráter deste personagem quando este arma uma cilada para Dúnia, afirmando que pode ajudar o seu irmão em troca do seu amor. “Dúnia, assustada, recuou, afastando-se dele. Ele tremia. “Da senhora... só uma palavra sua, e seu irmão estará salvo! Eu... o salvarei. Tenho dinheiro e amigos. Fá-lo-ei partir imediatamente para o estrangeiro, arranjar-lhe-ei passaporte. Arranjarei dois: um para ele e outro para mim. Tenho amigos com cua dedicação posso contar... Quer?” (DOSTOIÉVSKI, 2001, p.496). Com o desenvolvimento da história, Raskólnikov apaixona-se por Sônia, começa a perceber também que Porfíri Pietróvitch sabe que ele é o culpado pelos crimes cometidos e, cada vez mais, constata através de Svidrigáilov uma acentuada divisão, entre o ímpeto de arrependimento e a convicção de que o seu ser napoleônico necessita de plena expressão. Raskólnikov vive embriagado pelo seu orgulho e pelo amor próprio, Dúnia e Sônia são caracterizadas pelo amor que têm por seus familiares, prova disso seria o fato de Sônia prostituir-se para ajudar financeiramente a sua família e Dúnia pelo seu sacrifício e vontade de tentar salvar o futuro da família.

Depois que estes crimes são cometidos, o destino de Raskólnikov é Lújin, o noivo de Dúnia, preocupa-se apenas com a sua vaidade e 18


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ascensão social, que o leva a pisar em seu próprio orgulho na tentativa de recuperar Dúnia e sujar a imagem de Raskólnikov perante sua família a partir de uma falsa acusação, na qual dizia que Sônia o havia roubado. Pulkhiéra é a mãe de Raskólhnikov, uma mulher que acredita fielmente no talento de seu filho, e que vive cheia de sonhos e ilusões para o futuro de Raskólnikov, é uma mulher que se nega a qualquer custo a acreditar nas atrocidades que seu filho cometera. “Mas, embora eu seja ignorante, tenho, todavia, a convicção de que dentro de muito pouco tempo ocuparás um dos primeiros lugares, senão o primeiro, no nosso mundo literário. E aqueles lá pensando que tu havias enlouquecido. Não sabias que tiveram essa idéia? Coitados! De resto, como poderiam compreender tão alta inteligência?” (DOSTOIÉVSKI, 2001, p.515). O personagem Razumíkhin, é o único a passar ileso em praticamente toda a narrativa, não é à toa que seu nome signifique “bom senso”, ou “sensato”. Um outro personagem que vive tentando ajudar Raskólnikov é Marmieládov, na verdade trata-se de um personagem chave na condução da história principalmente no que se diz respeito as decisões do protagonista. Marmieládov, víuvo e com uma filha, decide se casar com Ekatierina Ivânovna, recém víuva com três filhos pequenos e desamparada por seus pais. A situação de Ekatierina Ivânovna é comovente e Marmieládov decide cuidar dela e dos pequenos por toda a sua vida. É uma figura apaixonada por sua esposa e a admira muito por todo o seu histórico, de tal modo que quando é demitido de seu emprego, um ano após o casamento, não aguenta o baque e se entrega à bebida.

Marmieládov é extremamente complexo. Faz parte da habilidade de Dostoiévski criar personagens psicologicamente confusos, ou seja, eles mesmos estão presenciando uma batalha interna e procuram uma definição para os seus males. Podemos, assim, imaginar que Marmieládov é uma figura que busca uma auto-punição por não ter sido capaz de cumprir com aquilo que havia prometido. Ele quer, com isto, buscar infinitamente a dor mais aguda que possa existir. Conforme fosse odiado além dos limites do próprio ódio, imaginava que seria mais fácil de viver com toda a bagagem mísera que leva em seus pensamentos. Quanto mais apanhasse, fosse xingado e visto com maus olhos, mais perto de sofrer aquilo que ele considerava justo por tudo aquilo que fez com os seus entes. Enfim, consideravase merecedor de todo sofrimento. “E, em um grande acesso de raiva, agarrou o marido pelos cabelos e puxou-o com força para dentro do quarto. A serenidade de Marmieládov não se alterou: seguiu docilmente sua mulher, arrastando-se de joelhos atrás dela. “Isso me consola” Não creia que isso seja para mim um sofrimento, mas sim um prazer, senhor!” exlamava ele, enquanto Ekatierina Ivánovna lhe sacudia com força a cabeça, chegando a bater com ela no assoalho.” (DOSTOIÉVSKI, 2001, p.37). Coincidentemente, é nesta figura sofrível que Raskólnikov encontra a sua salvação. Em dado momento, enquanto Raskólnikov caminha em meio a uma ponte próxima ao apartamento das vítimas que ele assassinara dias atrás, um grupo de pessoas se agita em frente a um acidente que acaba por acontecer. Tudo indica que a vítima é fatal. Quando Raskólnikov se aproxima curioso para saber o que aconteceu, vislumbra que o pobre coitado esmagado por atropelamento é ninguém mais que Marmieládov. Raskólnikov decide ajudar com 19


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cuidados médicos, com a locomoção do ferido até a sua residência, e posteriormente, com a morte do personagem decorrente da tragédia, ajuda inclusive financeiramente a sua família, lembrando que o próprio estudante mal tinha dinheiro para se alimentar. “Eu o conheço! Eu o conheço! Exclamou, afastando as pessoas que rodeavam e chegando à frente. É um funcionário aposentado, o conselheiro honorário Marmieládov. Mora aqui perto... Chamem um médico, depressa! Eu pago, vejam! E, efetivamente, tirando dinheiro do bolso, mostrou-o a um policial. Estava possuído de uma extraordinária agitação” (DOSTOIÉVSKI, 2001, p.183).

1.3 O dialogismo presente na narrativa possibilitando o desenvolvimento do personagem

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Mikhail Bakhtin publicou um estudo sobre a forma narrativa de Dostoiévski, nomeada de “Problemas da Poética de Dostoiévski” (2002). Neste livro, Bakhtin apresenta ao leitor algumas terminologias que serão abordadas neste trabalho por algumas vezes, sendo elas a intertextualidade, a interdiscursividade e o dialogismo. Em suma, Bakhtin define o dialogismo como a origem do princípio constitutivo da linguagem e a condição do sentido do discurso. Temos então o dialogismo discursivo que pode ser desdobrado em dois aspectos: o da interação verbal entre o enunciador e o enunciário do texto e o da intertextualidade no interior do discurso (BARROS; FIORIN, 1994).

No objeto de estudo, “Crime e Castigo”, o leitor se depara com um personagem que tem a incerteza constantemente presente em seus atos. Raskólnikov é um personagem forte que só pôde ser concebido através da habilidosa forma com que Fiódor Dostoiévski utilizou a linguagem ao seu favor, fazendo com que a moral do leitor seja aplicada e assim ele julgue as decisões de Raskólnikov. Diversas semelhanças entre a vida do autor e do personagem são encontradas ao decorrer da obra, algo que é recorrente no meio literário. De acordo com Gancho (1994, p.52):

O dialogismo é fruto da interação verbal do autor e do leitor durante a obra. Isso retira o sujeito de seu papel principal e o substitui por diversas vozes sociais, transformando-o num personagem dotado de uma polifonia ideológica. Isso é decorrente da intertextualidade, que é o “diálogo entre muitos textos da cultura, que se instala no interior de cada texto e o define” (BARROS; FIORIN, 1994, p.4). Sendo assim, nossas ideologias são fundamentadas através de toda a vivência cultural e “é possível encontrar na narrativa as formas encontradas pelo escritor para dar forma, para caracterizar as personagens, sejam elas encaradas como pura construção linguístico-literária ou espelho do ser humano”. (GANCHO, 1994, p.52).

“O escritor recorre aos artifícios oferecidos por um código a fim de engendrar suas criaturas. Quer eles sejam tirados de sua vivência real ou imaginária, dos sonhos, dos pesadelos ou das mesquinharias do cotidiano, a materialidade desses seres só pode ser atingida através de um jogo de linguagem que torne tangível a sua presença e sensíveis a seus movimentos”.

Na literatura isso tem como resultado textos que deixam transpassar a existência dessas influências, tornando-os assim polifônicos, gerando um diálogo entre todas as influências presentes na narrativa. “Os textos são dialógicos porque resultam do embate de muitas vozes sociais; podem, no entanto, produzir efeitos de polifonia, quando es-


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sas vozes se deixam escutar, ou de monofonia, quando o diálogo é mascarado e uma voz, apenas, faz-se ouvir” (BARROS, 1994, p.6). Um dos momentos em que se pode ver um exemplo claro do dialogismo intertextual no interior do discurso é quando Raskólnikov faz uma menção ao cristianismo quando diz que: “Numa palavra, no meu artigo todos tem direito idêntico e – vive la guerre éternelle – até a Nova Jerusalém, é claro!” (DOSTOIÉVSKI, 2001, p.270). Aqui o protagonista cita um trecho do Apocalipse de João e assim implica as crenças cristãs em suas palavras, mesmo que estas crenças não estejam explícitas, o simples fato dele citar a Nova Jerusalém já nos faz deduzir de que ele teve uma educação cristã e recorre a tais ensinamentos durante seu dia-a-dia. Desta forma a interação verbal é o resultado desta mescla entre a bagagem cultural do autor e do leitor, resultando na construção de personagens claramente mais complexos por receberem essa herança ideológica e cultural de seus criadores, ou seja, o enunciador e o enunciário. Uma vez que o leitor conhece essa citação do autor, o texto se torna mais rico e poupa o leitor de possíveis explicações incomodas sobre todas essas citações, explicações essas que teriam de ser incorporadas ao conteúdo da história e causaria a perda de interesse em um leitor que já conhece isso, tornando tais informações redundantes para ele.

zendo com que os personagens se tornem pequenos simulacros de informação que se tornam maiores a cada vez que o leitor decifra o seu interior. Dostoiévski não poupa esforços para descrever lugares ou pessoas e, uma vez que o leitor esteja familiarizado com os detalhes de São Petersburgo, seja o clima, a localização de seus marcos ou os costumes da época, não sobre muito para a imaginação fazer o resto. Do começo ao fim o leitor tem todas as informações que precisa escritas nas páginas do livro e, se no caso, as notas de rodapé não sejam consultadas, o leitor ainda consegue prosseguir com a leitura da obra sem deparar-se com problemas acerca dessas referências ocultas na minúcia da obra. Diversos exemplos dessas citações serão estudadas com mais detalhes no decorrer do segundo capítulo.

O dialogismo pode ser encontrado também na polifonia dos personagens, cujas ações e pensamentos são construídos através dessas diversas vozes presentes em suas mentes (BAKHTIN, 1924). Em suma o dialogismo está presente em peso na obra de Dostoiévski na forma de hipertextualidade, este é o grande momento em que o leitor tem a chance de recorrer ao seu conhecimento de outras obras ou acontecimentos e tornar a própria leitura mais interessante, fa-

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2. PERSONAGEM Neste capítulo abordaremos a forma com que o personagem Raskólnikov foi construído e quais são os valores a ele atribuídos possibilitando seu desenvolvimento.

2.1 A Cidade como Personagem Na obra “Crime e Castigo”, o protagonista Raskólnikov passa a maior parte do tempo caminhando pelas ruas quentes e abafadas de São Petersburgo, se relacionando com seus habitantes e seus costumes. Raskólnikov é um personagem inquieto e que constantemente se direciona a um lugar qualquer, entra em tabernas, visita seu amigo Razumíkhin ou qualquer outro conhecido, muitas vezes sem um motivo aparente, como se estivesse em busca de algo. A cidade então começa a atuar sobre o protagonista de uma nova forma, ela deixa de ser apenas o palco para todos os acontecimentos e se transforma de acordo com as ações tomadas por Raskólnikov. A cidade pode ser interpretada como um labirinto para a mente perturbada de Raskólnikov que não encontra paz em lugar algum, sendo então obrigado a novamente partir e caminhar pelas ruas até que os delírios de sua mente doente e em constante estado de conflito o indiquem a nova direção a tomar. Para Raskólnikov, a culpa é algo grande demais para suportar e ele cogita por diversas vezes ir até a polícia e confessar o crime, mas a cidade ao invés de acolhê-lo e lhe dar refúgio, comporta-se de forma única, a cidade colabora nessa prisão. Apesar de não citar de forma

te na Rússia na época, e o autor transmite essa sensação através de São Petersburgo, transformando-a em uma cidade ruim e incômoda, quase inóspita. Analisando a história pela sua narrativa, a cidade de São Petersburgo é a antagonista. Ela é quem insita à mente de Raskólnikov a cometer o delito e então começa a persegui-lo. Ela é o que dá início à fundamentação da teoria do homem extraordinário e do homem ordinário. Ela é o motivo de tudo. Todos os reveses presentes na vida de Raskólnikov são indiretamente causados pela sua relação com a cidade e como os habitantes dela o tratam. É necessário aqui estabelecer que Raskólnikov em nenhum momento tem sentimento de ódio pela Senhora Aliona Ivánovna, ela é apenas a válvula de escape encontrada por Raskólnikov para extravasar sua intolerância pela cidade, que é o real motivo de tudo. A cidade de São Petersburgo conduz o personagem através de histórias dentro de histórias, são relatos de vidas que vão se mesclando e vão direcionando a relação de Raskólnikov com a cidade. Logo no início do livro, o protagonista segue caminhando pelas ruas em direção ao apartamento de Aliona Ivánovna. Ao terminar o diálogo com ela e voltar às ruas, Raskólnikov entra em uma taberna e conhece Marmieládov, um ex-funcionário público que passa seus dias gastando o pouco dinheiro que tem no bar. O relato de Marmieládov sobre sua vida começa quando o mesmo tenta explicar sua situação financeira a Raskólnikov: “Por estar na miséria um indivíduo não é nem expulso a pauladas, mas varrido do convívio humano a vassouradas para que a coisa seja mais ofensiva; o que é justo (...). 23


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Daí o botequim!” (DOSTOIÉVSKI, 2001, p.30). E então ele começa a descrever como é sua relação com a sua família que passa fome, bem como os meios dele conseguir dinheiro para beber. Raskólnikov o acompanha até em casa, conhece sua família e, num ato de solidariedade, deixa as moedas que sobraram de seu bolso na janela do quarto alugado por eles. Este relato serve para ilustrar a relação caridosa existente entre Raskólnikov, a cidade e seus habitantes no início da narrativa. Em uma carta enviada por sua mãe, Raskólnikov descobre que sua irmã vai se casar com Piotri Pietróvitch Lújin que, do ponto de vista do protagonista, não ama sua irmã, assim como ela não o ama. Raskólnikov deduz que este casamento tem fins lucrativos e que sua situação deplorável obriga sua irmã a fazer isso. Ao suspeitar de tal sacrifício, Raskólnikov se volta contra o casamento e sua indignação pela pobreza cresce. Ele sente que tem de fazer algo a respeito. Volta a pensar em matar a velha Aliona Ivánovna e pegar seu dinheiro de volta. Vê-se obrigado a tomar alguma atitude para não obrigar sua família a se sujeitar a este tipo de degradação perante a sociedade. Mesmo com este plano maléfico em mente, Raskólnikov se mostra uma pessoa que ainda tem consciência do que é certo e do que é errado. Isso é mostrado pelo autor quando Raskólnikov senta-se junto de uma árvore e dorme. Ele sonha que um cocheiro se oferece para levar todos para casa e agride sua égua até que ela se mova, mas o peso era tão grande que ela não consegue se mover e o homem não para de chicoteá-la. O homem grita entusiasmado que a égua é sua e ele faz com ela o que bem entender, por fim ela morre e Raskólnikov, que era criança no sonho, chora. Aqui é possível interpretar que no 24

fundo Raskólnikov é uma boa pessoa, mas se vê obrigado a tomar atitudes drásticas para tentar reverter a opressão causada por seu atual estado miserável. Momentos depois, ao caminhar na rua com a mente distraída com suas conjecturas, Raskólnikov entra na frente de uma carruagem e o cocheiro, que não quer atropelar Raskólnikov, lhe dá uma chicotada como alerta. Tal evento apenas resulta no riso das pessoas que presenciaram o acontecido, comentários como “Fez por merecer!” apenas aumentam sua raiva, mas uma velha comerciante é bondosa com ele e lhe dá algumas moedas que após alguns instantes são arremessadas ao rio. Por meio desta importante passagem do livro, é possível notar como os habitantes de São Petersburgo são, em sua maioria, críticos e satíricos perante o sofrimento alheio e mesmo quando uma velha age com bondade, Raskólnikov renega tal ajuda e optando por manter-se no cruel emaranhado da cidade. Tal decisão reflete a culpa que Raskólnikov sente por ter matado a velha e sua ânsia pela punição que o aguarda, só que isso é retardado por sua outra forma de pensar. Num passado próximo, o protagonista escreve um artigo em que defende a teoria do homem extraordinário e do homem ordinário, teoria esta que é trazida para a história por Porfiri Pietróvitch, juiz de instrução que investiga o caso do assassinato. Essa teoria explica que um sujeito extraordinário, como Napoleão Bonaparte, tem o direito de fazer o que deseja com a vida dos outros habitantes, os homens ordinários e, uma vez que seus fins justificam os meios, Napoleão estaria isento da culpa e punição. Através do assassinato da velha, Raskólnikov quer provar esta sua teoria e se recusa a confessar o crime. Esse constante conflito entre o certo e o errado presente em sua mente faz com que o personagem não consiga tomar uma decisão sequer sem estar livre da dúvida se o que está


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fazendo é o correto. Essa batalha moral entre as vozes existentes em sua mente reflete também a atitude dos habitantes da cidade de São Petersburgo com Raskólnikov e isso tudo ganha novas dimensões uma vez que a cada nova conversa, novas histórias são contadas e novos valores morais são acrescidos ao protagonista, formando uma complexa rede com diversos fatores que pesam nas decisões tomadas. Tal rede é conduzida pelo envolvimento de Raskólnikov com a cidade por toda a narrativa e a cada instante ele se vê mais e mais perdido no labirinto de sua mente confusa, que encontra uma salvação na presença de Sônia, a filha mais velha de Marmieládov. Mesmo trabalhando como prostituta, Sônia é uma moça de coração bom e com o auxílio da bíblia, consegue esclarecer o valor da vida para Raskólnikov, e assim transforma o emaranhado de idéias em algo simples e finalmente consegue a redenção do protagonista. Vale ressaltar que a própria Sônia é uma conseqüência da confusa relação de Raskólnikov com a cidade, trata-se de uma reação em cadeia complexa em que simples eventos reverberam de tal forma que a própria nebulosidade labiríntica em sua mente o ajuda a encontrar uma solução para seu problema que fora antes de qualquer coisa, a sua marginalização perante a sociedade e que mais tarde é sanado através do acolhimento e da aceitação de Sônia, a filha do bêbado que ele conheceu nas primeiras páginas do livro.

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2.1.1 Signos/marcos que compoe a cidade de SAo Petersburgo Em poucos momentos Dostoiévski descreve lugares específicos da cidade. Ruas e avenidas são constantemente nomeadas apenas por uma letra seguida de reticências.

FIGURA 01: Praça Sennaya – Fonte: Alexander Brulloff (1826).

Apenas lugares como o extinto Mercado do Feno, que ficava na Praça Sennaya, a ilha de São Basílio e a ponte do rio Nieva, são devidamente nomeados e ajudam o leitor a ter um melhor panorama da localização de Raskólnikov em São Petersburgo. Tudo isso ajuda a narrativa a estabelecer a forma labiríntica da cidade para com seus personagens. O leitor não sabe aonde algum personagem vai até que ele realmente chegue lá e isso pode ser interpretado como a forma que Dostoiévski encontrou para despertar em nós o mesmo sentimento de confusão presente em Raskólnikov. Alguns signos e marcos nos ajudam a identificar as características de São Petersburgo: 25


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econômica da cidade, bem como de seus cidadãos que sabem que a cultura do empréstimo já fora abolida. Marmieládov ajuda a descrever a cultura russa quando nos apresenta à carteira de identidade amarela, que foi um documento de identidade destinado as prostitutas até 1917, servindo de salvo-conduto para o exercício da profissão, ou seja, a legalização e a regulamentação de uma profissão proibida em diversos países mesmo quase 200 anos depois da publicação do livro.

FIGURA 02: Rio Nieva – Fonte: Chris Deatrick (2004).

Logo no início da história, o personagem Marmieládov pergunta a Raskólnikov: “Já teve a oportunidade de pernoitar no Nieva, nas lanchas de feno?” (DOSTOIÉVSKI, 2001, p.30). Nieva é um famoso rio que banha a cidade de São Petersburgo e as lanchas de feno são um local de pernoite de mendigos e vagabundos, famoso na cidade da década de 1860. Um pouco mais adiante neste mesmo diálogo entre os personagens temos a declaração de um mundo capitalista e voraz, que tem o dinheiro como alicerce de suas ações e trata o empréstimo como algo impossível e vai além, diz que “a compaixão em nossa época está proibida até pela ciência e que já é assim que se procede na Inglaterra, onde existe a economia política” (DOSTOIÉVSKI, 2001, p 31). Ambos os argumentos servem de respaldo para a situação 26

Bem como localizações e costumes da época, o autor também dá a chance do leitor de compreender como é o clima de São Petersburgo, bem como seus dias e noites. Há momentos em que se pode ler: “Já eram quase onze horas (da noite), e embora naquela época do ano não houvesse noite de verdade em Petersburgo...” (DOSTOIÉVSKI, 2001, p. 40). Este fenômeno é conhecido como as noites brancas, ocasiões em que o Sol se põe por escassas horas durante o mês de junho, fenômeno este que acontece devido à latitude da Rússia nessa época do ano. A ponte do rio Nieva é palco de diversas confabulações de Raskólnikov, mas tem um destaque especial pela temporária sensação de bem estar causada no personagem, bem como pode ser visto aqui: “... saiu no pequeno Nieva, atravessou a ponte e guinou em direção as Ilhas. A princípio o verde e o frescor agradavam os olhos cansados... ali não havia nem abafamento, nem mau cheiro e nem botequins” (DOSTOIÉVSKI, 2001, p. 69). Ou até mesmo no momento em que “ao atravessar a ponte ele olhou suave e calmamente para o Nieva... como se o abscesso, que o mês inteiro se formara em seu coração, tivesse deixado subitamente. Liberdade, liberdade!” (DOSTOIÉVSKI, 2001, p.


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75). Mas a mente confusa de Raskólnikov não tarda a fazer com que tais sensações se tornem doentias e irritantes. O mercado do Feno é um elemento importante da história, pois em certo trecho Raskólnikov vai até lá e por acaso encontra Lisavieta Ivánovna que sem perceber, revela a Raskólnikov que sua irmã, a velha Aliena Ivánovna, estará sozinha em certo dia e em certa hora, propiciando assim o momento ideal para o assassinato da velha. Pode-se até dizer que a cidade age de forma maquiavélica com fins de colaborar para o terrível desfecho da história, bem como o fatídico destino do protagonista da história. Temos também a breve citação ao Jardim de Iussup, que tira o pensamento fixo de Raskólnikov do assassinato e o faz imaginar como seria prazerosa a construção de fontes que refrescariam o local (DOSTOIÉVSKI, 2001). Ou seja, se formos somar os sentimentos causados ao personagem por todas essas áreas da cidade de São Petersburgo, é possível notar que ele tem uma relação de afeto com o local, mas sua mente perturbada, que há algum tempo sofre com os reveses causados pela falta de dinheiro, ocupação e aceitação, manifesta seu ódio deturpando tais sensações e tirando todas as alternativas, senão a necessidade de provar para si de que é de fato um sujeito extraordinário e como tal, merece seu devido reconhecimento, mesmo que para isso ele tenha de tomar a força o que lhe é garantido por direito.

FIGURA 03: São Petersburgo – Fonte: Hugo Martins (2007).

2.2 Intertextualidade e Hipertextualidade apresentada na polifonia do personagem A intertextualidade3 presente na obra de Dostoiévski colabora para estabelecer o conflito moral que Raskólnikov sofre durante o romance. Isso pode ser encontrado em alguns trechos do livro ora mais explícitos, ora mascarados pelos próprios pensamentos do personagem. Tais citações retiram os textos de seus contextos originais e, ao serem trazidos para esta narrativa, recebem um novo significado, e aí se apresenta a hipertextualidade4. Portanto Dostoiévski trabalha Intertextualidade: Ocorre quando um texto tem por base outro texto ou se refere a assuntos abordados em outros textos. 4 Hipertextualidade: Resultado da interpretação do que é apreendido de um texto. 3

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com a intertextualidade de forma interdiscursiva e com a hipertextualidade de forma que todos os elementos colaborem para a solidificação dos pensamentos dos personagens da obra.

évski se confunde com a voz desses e daqueles heróis, para outros, é uma síntese peculiar de todas essas vozes ideológicas, para terceiros, aquela é simplesmente abafada por essas” (BAKHTIN, 2008, p.3).

A intertextualidade no personagem é o que dá base para a polifonia presente no discurso e assim temos as diversas idéias polemizando umas as outras e que tem como resultado a grande rede que é a mente de Raskólnikov. E Barros (1994) situa a intertextualidade e sua relação com a obra final, para ela “a intertextualidade não é mais uma dimensão derivada, mas, ao contrário, a dimensão primeira de que o texto deriva” (p. 4).

É possível notar a adaptação de trechos bíblicos, tendo como exemplo a expressão que Raskólnikov usa “É duro subir ao Gólgota” (p. 56) assim como em: “Vem! Eu já te perdoei uma vez... te perdoei uma vez... perdoados serão também desta vez os teus muitos pecados, porque ela muito amou...” (DOSTOIÉVSKI, 2001, p. 39) que fora extraído de Lucas, VII-47: “Perdoados serão todos os seus muitos pecados, porque ela muito amou, mas aquele a quem pouco se perdoa, pouco ama”.

Identificar a intertextualidade presente em uma obra é uma tarefa árdua e que requer um pré-estudo na área com fins de apontar tais minúcias. Sem elas os significados subliminares ficam perdidos e muito da riqueza da obra fica pelas entrelinhas.

É também presente no livro o diálogo entre os próprios trabalhos de Dostoiévski, em particular a revista O Tempo, que foi escrita pelo próprio Dostoiévski e seu irmão Mikhail. A revista foi fundada em 1860 e é fechada pela censura após três anos. Lemos: “O espírito empreendedor se consegue a muito custo, não cai do céu, de graça. Há quase duzentos anos nos desacostumamos de qualquer empreendimento...” (DOSTOIÉVSKI, 2001, p. 161). Tais palavras proferidas pelo personagem Razumíkhin reforçam a afirmação feita por Dostoiévski nas revistas O Tempo (Vriêmia) e Época (Epokha), segundo a qual as reformas de Pedro, o Grande, separam a sociedade ilustrada do povo. Tal comentário não é de efeito notável na obra, mas auxilia a estabelecer o nível cultural do personagem, bem como o ponto de vista do próprio autor refletido em sua criação de forma que este diálogo, travado entre Razumíkhin, Zóssimov, Raskólnikov e Piotri Pietróvitch Lújin, reconfigura o nível intelectual dos personagens, nível esse que estabelece novamente quem são e o que cada um deles pensa sobre a política e a economia, resultando em personalidades ora interes-

“Tal escavação nos revelará como o sentido do discurso nem sempre corresponde (e, em certos contextos, como o político, quase nunca!) à significação profunda do intertexto em que se ‘teceu’ esse discurso. Em outros termos, o discurso pode estar tratando do referente X, quando, na verdade, o que está em tela é o referente Y, oculto nas malhas da intertextualidade”. (BLIKSTEIN, 1994, p. 45)

Dostoiévski é um autor que recorre a diversos discursos filosóficos em suas obras, tendo como exemplo Ivan Karamázov, Míchkin e Raskólnikov, tais referências são ocultadas pelo ótimo uso da intertextualidade e assim seus personagens ganham um caráter único que é o resultado dessa fusão entre a voz desses pensadores com a voz do próprio Dostoiévski. E “Para alguns pesquisadores, a voz de Dostoi28


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diferença em uma obra como esta em que toda a força da narrativa se encontra nos personagens e na personalidade deles, que está em constante estado de mutação, sendo isso conseqüência de eventos e diálogos que são igualmente mutáveis.

sadas por tais assuntos e acontecimentos da sociedade e ora apenas indiferentes como é o caso de Raskólnikov. Ainda no mesmo diálogo Lújin afirma que: “Já a ciência diz: ama acima de tudo a ti mesmo, porque tudo no mundo está fundado no interesse pessoal” (DOSTOIÉVSKI, 2001, p. 162). Com tais palavras, Lújin cita indiretamente a ética utilitarista de Jeremy Benthan, filósofo burguês e economista, que Dostoiévski considerava patrono do comércio de idéias correntes em São Petersburgo, que prega o exclusivismo de utilidade a qualquer custo. São, igualmente, um eco polêmico das famosas palavras de Tchernichevski, em “O Princípio Antropológico” em Filosofia, em que é afirmado que cada indivíduo só pensa em si mesmo, preocupa-se mais com suas vantagens do que com as dos outros. É sabido também que Dostoiévski já desenvolveu a mesma polêmica com esses mesmos pensadores em “Memórias do Subsolo”. Quando acompanhado todo este diálogo na integra, é possível ver claramente a divergência nas opiniões entre os personagens, opiniões estas que são baseadas em suas vivências e diferenças de classes econômicas, colocando Lújin, que é tido até então como alguém que pertence a um ciclo social maior, como uma pessoa menos ética e até mesmo insensível quando o assunto é o povo menos afortunado, fato este que acaba colocando os demais personagens em oposição a Lújin, sendo a conseqüência disso a expulsão dele nesta conversa e, futuramente, o rompimento do noivado entre Piotri Pietróvitch Lújin e Dúnia.

Neste trecho de “Crime e Castigo” é possível ver como Dostoiévski se apropria do nome do fabricante de chapéus Zimmerman, loja que o próprio Dostoiévski era cliente, e o insere na vida de Raskólnikov de forma que é possível ter noção do status social ao qual ele pertencia e sua degradação, apresentada no desgaste do chapéu. Bem como o uso da palavra ‘Katsaveika’ que seria uma espécie de blusa usada por camponeses, mas que na história é usada pela velha Aliona Ivánovna e assim temos a colocação da classe social dela.

Essas referências utilizadas por Dostoiévski foram aplicadas sabiamente e com a simples, porém crucial, finalidade de fundamentar as decisões, opiniões e atitudes dos personagens que ao receberem essa influência do mundo real, se tornam mais acreditáveis. Nem sempre nota-se a importância dessa fundamentação, mas isso faz toda a

Após ler uma carta enviada pó sua mãe, Raskólnikov se põe a questionar os motivos da mãe, que ao seu ponto de vista, é alguém um pouco ingênua e que mascara os fatos. Então ele diz para si mesmo “E de certa forma é assim mesmo que sempre acontece com essas belas almas schillerianas” (DOSTOIÉVSKI, 2001, p. 58). No fim de sua

É possível identificar trechos no livro em que o autor utiliza elementos reais para realçar alguma característica de seus personagens. A hipertextualidade nos auxilia a compreender melhor aquilo que não está escrito por não haver esta necessidade, por exemplo: “Era um chapéu Zimmerman, alto, redondo, mas já todo surrado, inteiramente pardo de tão desbotado, cheio de buracos e manchas, sem abas e com a beira mais feia quebrada para um lado. Contudo não foi a vergonha que se apoderou dele mas um sentimento diferente, como um susto” (DOSTOIÉVSKI, 2001, p.22)

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vida, Dostoiévski recomenda educar nas crianças os sonhos sublimes e os sentimentos do belo, relacionados à leitura de Schiller. O nome de Schiller e a imagem de ‘belas almas’ aparecem como símbolo de um idealismo ético em outros romances dostoiévskianos. Schiller foi um poeta, dramaturgo e filósofo do século XVIII. É a hipertextualidade que faz com que, mesmo que estes dados não estejam explícitos no texto, possamos compreendê-los, pois, a partir de uma expressão, um nome, uma marca, enfim, de um dado qualquer, juntamos aos conhecimentos pré-existentes para formular uma nova informação, um novo texto. De acordo com MELO (2000): Quem já navegou obras compostas em hipertexto pôde constatar que elas apresentavam uma ampla variedade de links, que permitem ao leitor remeter-se à origem de determinados argumentos, ou visualizar mapas e fotos da região que o texto descreve. (p.3 on-line)

Esta citação apesar de referir-se a obras no meio digital, pode também se aplicar à obra de Dostoievski, pois nesta também existe grande variedade de links, criados pela imaginação do leitor e que igualmente remetem à imagens e a outros contextos. Quando todos esses elementos são reunidos, a narrativa começa a funcionar de forma labiríntica para os personagens que, quando são colocados frente as situações inesperadas causadas por declarações ou atitudes desconcertantes provenientes de outros personagens igualmente imprevisíveis, se vêem obrigados a reagirem de formas diversas, comumente recorrendo ao improviso que nem sempre tem um resultado satisfatório. 30

Quando os personagens falam sobre o assassinato da velha usuária, Lújin tenta exercitar mais algumas palavras inteligentes e começa a relacionar tal crime com outros diversos que ocorreram na mesma época, como o caso real da quadrilha de falsificadores de bilhetes de loteria. Razumíkhin diz que o motivo que eles tiveram para cometer esse desregramento é basicamente a vontade de enriquecer rápidamente, ou seja, por pura ganância. Lújin desaprova tal atitude e então Raskólnikov, que permanecera calado praticamente durante toda a conversa, diz: “Saiu segundo a sua teoria!” (DOSTOIÉVSKI, 2001, p. 165). Neste momento, o protagonista usa a própria teoria apresentada por Lújin mais acima, quando este demonstra aprovação à política do exclusivismo da utilidade, ou seja, cada um preocupa-se com si mesmo, colocando-o contra as próprias palavras e, logo em seguida, Raskólnikov ainda ousa redirecionar a discussão em torno da ganância para o assassinato da velha: “É só dar conseqüências ao que o senhor acabou de propagar e se concluirá que se pode dar cabo das pessoas...” (DOSTOIÉVSKI, 2001, p. 165), distorcendo mais ainda a conversa deixando os demais participantes confusos, assim como demonstra que o próprio Raskólnikov não sabe exatamente onde quer chegar com suas palavras, ele apenas se deixa levar pelos pensamentos que estão perdidos nos ecos de seu passado que constantemente se chocam com o presente, tendo como final uma malha de pensamentos complexa e polifônica que deixa até o próprio personagem confuso por não saber estabelecer qual de suas linhas de pensamento deve-se ouvir. Quando Lújin tenta restabelecer o sentido do diálogo, Raskólnikov muda novamente de assunto, desta vez aborda a suposta afirmação feita por Lújin de que o mesmo estava feliz por se casar com uma moça pobre e “porque é mais vantajoso tirar a esposa da miséria e depois reinar sobre ela...” (DOSTOIÉVSKI, 2001, p.


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165), reforçando o que fora dito no início da conversa por Lújin, que dizia que cada um deve preocupar-se apenas consigo mesmo. Aqui é possível ver como Raskólnikov, que mesmo sem mostrar atenção, ouviu cautelosamente a conversa e condena Lújin pela sua menção à supracitada ética utilitarista de Jeremy Benthan, porém o próprio protagonista futuramente usa os mesmos argumentos para fundamentar sua teoria, e assim isenta-se do crime recém cometido. Raskólnikov coloca-se a questionar os motivos da irmã decidir se casar com alguém que ela não gosta e diz que ela não trocaria sua liberdade “nem por todo Schleswig-Holstein, quanto menos pelo senhor Lújin” (DOSTOIÉVSKI, 2001, p. 58). Aqui Raskólnikov utiliza o nome de dois condados que foram objetivos de guerra para ressaltar a colossal insensatez da irmã. Esta força de expressão é deveras apropriada à obra por se tratar de um acontecimento real que fora inclusive focalizado pela revista Vriêmia (O Tempo), do próprio Dostoiévski, deixando clara a importância de tais fatos para o autor que não hesita em inserir esse interesse político em seu personagem, mesmo que retirando tal acontecimento de seu real contexto. Mais à frente no livro, Raskólnikov encontrará pela primeira vez Porfiri Pietróvitch que será aquele que pressiona o protagonista e consegue sua confissão, mas neste momento da narrativa, Raskólnikov ainda pretende esquivar-se de qualquer coisa que o incrimine. Mentalmente ele diz: “A esse também vai ser preciso entoar o cântico de Lázaro, e cantar com mais naturalidade” (DOSTOIÉVSKI, 2001, p. 256). Neste trecho Dostoiévski novamente recorre à bíblia sendo que no evangelho de Lucas, capítulo 16, versículos 19-31, há um homem rico, que se veste de púrpura e linho e dá banquetes todos os dias,

e um pobre chamado Lázaro, cheio de feridas, caído à porta dele e tentando matar a fome com as sobras que caem da mesa. O cântico de Lázaro aqui é empregado no sentido figurado, significando queixar-se do seu destino e, assim como as demais passagens bíblicas usadas por Dostoiévski, serve para mostrar momentos em que o personagem busca auxílio no perdão e na misericórdia alheia, atitudes bondosas pregadas na bíblia. Através de tais dados é possível concluir que Raskólnikov teve uma educação cristã e que valoriza os ensinamentos provenientes da igreja, portanto tais ensinamentos são contrários ao delito cometido pelo personagem e levando-se em conta que o suicídio também é uma atitude condenada pela igreja, pode-se prever logo no início do livro que Raskólnikov optara pela absolvição divina, que chega a ele por intermédio de Sônia.

2.3 Como a narrativa e a cidade fundamentam a polifonia no personagem Raskólnikov O livro “Crime e Castigo” fez parte do movimento cultura Realista que fora iniciado na segunda metade do século XIX e isso pode ser notado na obra quando Dostoiévski insere acontecimentos reais em sua obra. Isso pode ser muito bem ilustrado em uma passagem do livro em que o personagem Lújin cita o caso da quadrilha de falsificadores de bilhetes de loteria. Esse quadrilha foi efetivamente desbaratada em 1865, e um de seus participantes dói A.T. Neofítov, que era parente de Dostoiévski. Nesta ocasião o advogado de Neofítov disse que seu cliente não confessara perante o juiz, mas sim a sua consciência, este fora um momento sagrado do despertar de uma alma honesta e ainda não deformada. Esta afirmação esta 31


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presente nos manuscritos de “Crime e Castigo” sendo estes elementos motivadores para a construção de Raskólnikov que por fim age da mesma forma, confessando com a finalidade de aliviar o peso da culpa, não preocupado com a sociedade e sim consigo mesmo. Outra característica importante do Realismo presente no livro é a desmistificação da sociedade e seus conflitos que são abordados claramente assim como o ponto de vista de seus personagens quanto o ocorrido. É notável também o fato que nenhum elemento desta narrativa tem suas qualidades exageradas ou fantasiosas, os personagens, mesmo quando belos, ainda possuem vestígios de uma feiúra humana, como é o caso de Sônia que em sua aparição o autor preocupa-se em mostrar seus defeitos, “Ela (Sônia) também estava maltrapilha; metida num vestido barato mas enfeitado à moda da rua, segundo o gosto e as regras do mundo especial dela” e posteriormente acrescenta uma breve descrição da beleza que encantará Raskólnikov: “Sônia era uma loura de baixa estatura, uns dezoito anos, magrinha mas bastante bonita, e uns magníficos olhos azuis” (DOSTOIÉVSKI, 2001, p. 195 e 196). Desta forma Dostoiévski descreve a primeira impressão tida pelos personagens quando a viram vestida de acordo com sua profissão, Sônia era uma prostituta e ao entrar em um quarto cheio de pessoas comuns de aparência comum, chama a atenção primeiramente pela sua forma de vestir e só através de um segundo olhar é que sua beleza se faz manifestar. Esta beleza é descrita de forma pura, o autor não emprega em Sônia nenhum artifício luxurioso para construir sua personalidade ou costumes, ela é, antes de uma prostituta, uma mulher comum e de bom coração, mas que ingressa neste mundo para conseguir algum dinheiro e garantir ajuda financeira a seu pai e aos seus irmãos pequenos. 32

Por se tratar de um romance, o livro “Crime e Castigo” é contado a partir do ponto de vista de um narrador desprovido de opinião própria, ele apenas descreve a história e todos os diversos eventos e sub-enredos presentes. Tanto a forma que a história é narrada, quanto os enredos dentro de sub-enredos conspiram para a criação deste ambiente labiríntico da obra. No primeiro encontro de Raskólnikov com Marmieládov dentro do bar já são desenvolvidos sub-enredos que expliquem os motivos de cada um dos personagens para estarem na taberna, bem como suas relações com os habitantes que povoam a cidade e, quando tudo isso é somado, temos informações que polemizam umas as outras de forma que suas experiências de vida, ações e pensamentos, sejam cada vez mais fortes e determinantes para o desfecho da história. Ao fim desta conversa com Raskólnikov, Marmieládov aceita a culpa por sua pobreza e diz: “E então eu mesmo te procurarei para ser crucificado, pois não é de alegria que tenho sede, mas de tristeza e lágrimas!” (DOSTOIÉVSKI, 2001, p. 39). Essa busca pela punição por seus atos já se mostra presente no primeiro momento em que o personagem aparece na história e por fim ele acaba sendo atropelado pelos cavalos que, de acordo com testemunhas, o cocheiro tentou desviar, mas sem sucesso. Isso é algo recorrente nos personagens de “Crime e Castigo”, desde suas primeiras aparições eles já apontam o rumo que vão tomar na história. A mescla de eventos no decorrer da história, assim como esses elementos que compõem os personagens inicialmente são o núcleo da fundamentação da polifonia de Raskólnikov. Ainda usando o exemplo acima em que Marmieládov se mostra contente com a eminente punição a ser aplicada a ele mesmo, o autor utiliza esse fator para estabelecer um ponto de partida nos pensamentos do persona-


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gem e, conforme a história é contada, seus valores alteram e pendem para um lado e para o outro ou seja, o leitor precisa desses pontos de partida morais dos personagens para entender e ponderar essa mudança de valores e atitudes. Tendo isso como o elemento que norteia o leitor, temos os eventos ocorridos dentro dos eventos como os fatores decisivos para essa mudança presente em Raskólnikov, mudança essa que é visível através da polifonia dele que tem como resultado ocasiões em que Raskólnikov as vezes se deixa levar por uma voz ou pela outra. Como fora dito, esses acontecimentos são resultantes da relação de Raskólnikov com a cidade e, conseqüentemente, seus habitantes. Isso vai causar a reação do protagonista e então uma contra-reação por parte da cidade. Raskólnikov responde a isso ouvindo uma das vozes em sua mente e então a cidade irá reagir novamente de forma diferenciada, sempre de acordo com o que Raskólnikov apresentou. Em “Crime e Castigo”, as ações a reações não são pré-estabelecidas, elas trabalham juntas e mudam sempre que Raskólnikov mudar. ~

2.4 A adaptaçao da narrativa de Crime e Castigo e as novas leituras do personagem principal para o cinema “Crime e Castigo” é uma obra extremamente rica no que diz respeito a toda a sua narrativa, principalmente o seu personagem principal, um dos mais complexos da literatura, estudado pelas mais diversas áreas, inclusive pela psicologia e a maneira como os demais personagens integram-se nas suas atitudes e pensamentos.

Quando criou Raskólnikov, o desejo de Dostoiévski era exemplificar todos os perigos em potencial contidos em semelhante ideal; e os traços morais e psicológicos de sua personagem incorporam a antinomia entre, de um lado a bondade instintiva, a compaixão e a piedade, e de outro, um egoísmo orgulhoso e idealista que se degradou num desdém insolente pelo rebanho submisso. Todas as outras figuras importantes do livro estão igualmente integradas nas oscilações de Raskólnikov entre esses dois pólos. (FRANK, 2003, p. 149)

Por toda a riqueza que a obra e seu personagem possuem, existem diversas adaptações da sua narrativa para outras mídias, principalmente para o cinema. Através da análise dessas adaptações é possível enxergar como o livro foi transgredido para outros meios; como se deu a releitura de Raskólnikov, um personagem extremamente complexo e com uma personalidade singular; se a polifonia, um dos elementos mais marcantes da obra, conseguiu ser transmitida; e analisar a narrativa e os elementos visuais criados tendo como base a obra de Dostoiévski para adquirir referências para transmitir a obra para o meio digital. Durante toda a história do cinema sempre houve diversas adaptações de filmes inspirados em obras literárias, algo que possui inúmeros desafios, dentre eles transformar em elementos visuais o que o escritor conta na história, como a personalidade dos personagens e a descrição de cenários, ou seja, transformar idéias que foram concebidas para ter sentido por meio de palavras em imagens. Na literatura, o significado da narrativa é traduzido na mente do leitor em imagens, uma interpretação individual que cada leitor adquire ao ler a obra. No cinema as imagens, que são uma interpretação 33


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visual vinda de uma única pessoa, podem agregar um novo significado para quem assiste, ou podem mudar a forma como um leitor enxergava a obra literária, ou simplesmente o espectador pode discordar totalmente da releitura feita. Com o tempo o cinema acabou ocupando em grande parte algo que a literatura fazia, que é a arte de contar histórias, o que não significa que as adaptações de livros feitas para o cinema sejam sempre satisfatórias, pois alguns elementos que já estão automaticamente dentro da narrativa literária, como os pensamentos dos personagens, são extremamente complexos para serem transpostos para a narrativa cinematográfica. O que há de positivo nessa transposição é que o cinema possibilita que sejam trazidas ao público de massa obras de grandes escritores, o que ocorreu por diversas vezes com as obra de Dostoiévski, principalmente com “Crime e Castigo”. Adaptar para o cinema ou para a televisão – meios reconhecidamente ligados à cultura de massa – obras de autores como Shakespeare, Dostoiévski, Tolstoi, Balzac(...) – equivale a trazer para as mídias o prestígio da grande arte ou, no dizer de alguns, tornar a arte erudita acessível ao grande público. Mas a adaptação de obras literárias para o cinema e, posteriormente, para a televisão – meios que privilegiam a linha narrativa – também não se tem feito sem conflitos, pois as adaptações resultam sempre em empreendimentos insatisfatórios.( diplo.uol.com.br)

Transformar uma obra como “Crime e Castigo” é algo complexo e repleto de desafios. Mas mesmo assim há inúmeros filmes que foram baseados na obra. O que pode explicar esse fato é algo que “Crime e Castigo” têm de incomum em relação a outras histórias de assassinato, onde o grande mistério não é quem cometeu o assassinato, 34

mas sim os motivos pelos quais levaram Raskólnikov á cometê-lo e quais serão suas atitudes após o assassinato. Crime e Castigo concentra-se na resolução de um enigma: o mistério dos motivos do assassino. È que próprio Raskólnikov, como se fica sabendo, descobre que não entende por que matou; ou, em termos mais precisos, toma consciência de que o propósito moral que supostamente o inspirou não pode explicar sua conduta. Desse modo, Dostoiévski internaliza e psicologiza a costumeira busca do assassino na trama da história de detetive e transfere essa busca para a própria personagem (...). Essa busca envolve o romance num suspense que é semelhante à busca convencional do criminoso, porém evidentemente muito mais profundo e complexo em termos morais. (FRANK, 2003, p. 150)

Algo que também levou diversos cineastas a fazerem uma adaptação da obra de Dostoiévski são as ricas descrições dos locais, clima e ambientes do livro, além das descrições de cada personagem: suas vestimentas, suas personalidades, seus pensamentos e atitudes, retratando a vida das pessoas dos bairros pobres de São Petersburgo com um grande apelo psicológico, algo que pode enriquecer uma narrativa cinematográfica. Esse grande número de descrições pode facilitar a concepção de cenários, ambientes e acontecimentos, etc. Em contrapartida há um grande desafio em trazer Raskólnikov para a tela: seus pensamentos, perturbações e sua personalidade são uns dos elementos mais importantes da narrativa e poucos filmes conseguiram cumprir a tarefa de mostrá-las. Além dos longos diálogos e descrições presentes no livro, que poderiam tornar um filme baseado nele demasiado cansativo.


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FIGURA 04: Cenas do filme Match Point

FIGURA 05: Filme Match Point

Um dos filmes baseados na obra de Dostoiévski é “Match Point”de 2005, dirigido por Woody Allen. O filme conta a história de Chris (Jonathan Rhys Meyers), um ex-jogador de tênis que resolve dar aulas em um clube. Lá ele conhece Tom, e a partir daí ele se envolve com sua irmã, Chloe e larga sua vida humilde, onde morava num pequeno apartamento para começar a viver no meio da alta sociedade inglesa. Ele começa a ter um caso com a noiva de Tom, Nola (Scarlett Johansson) uma americana aspirante à atriz. Nola e Tom terminam o noivado, Chris casa-se com Chloe, mas mesmo assim ele continua a encontrar-se com Nola. Ela engravida e Chris vê que isso pode acabar com tudo que ele conseguiu, um casamento com uma mulher rica e também sua carreira de empresário na empresa do seu sogro. Já que Nola se recusa a tirar o filho e ameaça contar tudo para sua esposa,

Chris resolve matá-la com um tiro de espingarda, mas antes mata sua vizinha e pega seus remédios e jóias para simular que houve um assalto em seu apartamento, e mata Nola quando ela subia para seu apartamento, como se o “assaltante” tivesse encontrado com ela enquanto fugia. A inspiração em “Crime e Castigo” foi deixada bem explícita quando o personagem de Chris aparece em uma cena lendo o romance e também quando o seu sogro diz que eles estavam tendo uma conversa interessante sobre Dostoiévski. Segundo o próprio Woody Allen, ele queria que houvesse um vínculo entre seu filme e este grande romance que é “Crime e Castigo”. “Isso me deu certa auto-satisfação, mas a comparação acaba aí. Em um filme não se pode aprofundar 35


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as coisas como em um romance, mas a gente pode tentar imitar os escritores que admira.” A presença do romance Crime e Castigo de Fiodor Dostoiévski não é um acaso. Mais do que uma obra extremamente literária, Match Point funciona mesmo como um trabalho que poderia ter sido concebido pelo escritor russo. Há um fatalismo presente em cada uma das cenas, um distanciamento da humanidade inapeláveis, que condenam-nos a todos a viver, apesar do aparente manto da felicidade, numa dúvida interior dilacerante. (hollywood.weblog.com.pt)

Assim como no romance de Dostoiévski, várias cenas se passam em bares, com pessoas bebendo e circulando na cidade, onde também há uma ponte onde Chris fica refletindo e depois joga os objetos que roubou da vizinha de Nola. Nesse momento acontece um ponto chave no filme, pois quando Chris joga a aliança que ele tirou do dedo da vizinha a aliança bate no corrimão da ponte e cai na rua e não no rio. Mais tarde a polícia encontra um homem que também já tinha cometido um assassinato com a aliança da vizinha de Nola e ele é preso por ter cometido o duplo assassinato e Chris deixa de ser investigado. Mas um dos investigadores, assim como em “Crime e Castigo”, acredita que foi Chris que cometeu o crime, mas suas suspeitas assim como as de Porfiri no romance, são feitas a partir de deduções e não de provas, e ele não consegue levá-las adiante.

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O que há na narrativa de “Crime e Castigo” e que também foi utilizado em “Match Point” é a questão da sorte, que aparece logo no começo do filme e que está presente em todos os atos de Chris. No começo do filme ele fala: “O homem que disse: “Eu prefiro ser sortudo do que ser bom” enxergou a vida profundamente. As pessoas têm medo de aceitar como uma grande parte da vida depende da sorte. É assustador pensar que tanta coisa está fora do controle de alguém”.

Conseguir entrar para a alta sociedade inglesa, casar-se com uma mulher rica, o assassinato ter ocorrido sem que ele tenha sido pego, mesmo tendo sido planejado de forma amadora, assim como os planos de Raskólnikov, e principalmente por um assassino ter encontrado a aliança na rua o que eliminou as suspeitas que a polícia tinha sobre ele, por causa de um diário em que Nola contava tudo o que havia entre eles. Da mesma forma que a sorte também estava do lado de Raskólnikov no livro quando ele comete o assassinato, já que ele é quase pego e mais tarde o pintor se entrega dizendo que foi ele que cometeu o assassinato da velha usurária e de sua irmã, livrando assim o protagonista de toda a culpa. Se não fosse pelo seu arrependimento, ele não teria dado provas do seu crime e Porfíri não teria chegado á conclusão de que ele era o verdadeiro assassino. Assim como Raskólnikov, Chris também vive em um humilde e pequeno quarto, que ele odeia e reclama da sua simplicidade, onde ele lê “Crime e Castigo“ e um livro sobre Dostoiévski. Ele diz no começo do filme que o seu grande desejo é fazer uma contribuição para o mundo, mas acaba não fazendo nenhuma contribuição para o mundo e sim para si mesmo, ao matar Nola e sua vizinha. Ao contrário de Raskólnikov, ele não tem o hábito de ajudar as pessoas, e é ainda mais egoísta e frio, já que ao contrário de Raskólnikov que mata uma velha agiota que ele não tinha nenhum vínculo afetivo, ele mata sua própria amante. O que há de comum também entre as duas narrativas é a presença de Nola, que no filme ocupa o lugar de Alíona e de Sônia. No caso de Alíona por ela ser a assassinada, por ser um obstáculo para os planos de Chris e no caso de Sonia por ela ser o par de Chris, por


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ser humilde, por ter uma vida difícil, com um alcoólatra na família, no caso a mãe, por conta da sua desastrosa carreira de atriz e pelas referências que ela mesma faz no filme em relação à prostituição, quando diz que é uma mulher que tem algo bem especial, e que nenhum homem pediu o dinheiro de volta. A cena do assassinato é uma das que mais lembram a narrativa de “Crime e Castigo”, onde o crime é cometido com extrema frieza, de forma amadora e atrapalhada. Depois que atira na vizinha de Nola, ele entra em desespero e é uma das únicas cenas do filme que ele demonstra alguma emoção, o restante da narrativa ele carece totalmente dela. Através do crime é possível julgar que no caso da narrativa de Woody Allen, Nola representa o lado do homem ordinário da tese de Raskólnikov, o lado fraco e o lado da culpa. Já Chloe é o lado do homem extraordinário, representado pelo dinheiro e pela alta posição social, tudo aquilo que Chris almeja alcançar, e ao contrário de Raskólnikov ele consegue. Raskólnikov vive dentro de Chris, ele é frio, egoísta e logo após o assassinato a culpa o tortura e ele também chega a ter alucinações onde Nola e sua vizinha aparecem e ele diz frases como “O inocente ás vezes precisa ser sacrificado para um bem maior” e “Você pode colocar a culpa debaixo do tapete e seguir em frente.” “Match Point” é além de tudo um filme de uma luta de classes, onde é mostrado que na sociedade européia rotula as pessoas ricas e pobres como superiores e inferiores. E Chris tem a ambição de entrar para a classe dos superiores e foi capaz de eliminar qualquer obstáculo que pudesse destruir os seus planos. Mas ao contrário de Raskólnikov

que paga pelo que fez e encontra sua redenção através do cristianismo, ele terá de viver com o peso da culpa durante toda sua vida. O roteiro do filme apresenta inúmeras diferenças em relação à obra de Dostoiévski, mas uma obra cinematográfica não precisa ser fiel a tudo que ocorre no livro, o primordial é conseguir captar a essência da obra e o perfil de seus personagens principais, e “Match Point” foi o que chegou mais próximo a isso em relação à trama de Dostoiévski. A fotografia do filme é muito boa e mostra diversos locais da cidade de Londres como o Tate Modern, o Palácio de Westminster e a Universidade de Westminster. O visual do filme não é sombrio como os demais filmes inspirados em “Crime e Castigo”. O visual é muito claro e a maioria das cenas se passam durante o dia, assim como a narrativa de Dostoiévski. O figurino segue um estilo clássico e contemporâneo e é possível verificar na cenografia relações como o estado de espírito de Chris. A casa dele e de Chloe possui cores frias, com uma imensa janela que exibe uma cidade cinzenta, assim como a relação deles. Já a casa de Nola é um local mais aconchegante onde ele se sente melhor, é o seu refúgio do casamento que ele odeia. A trilha sonora do filme é quase inteiramente composta por óperas do período da Primeira Guerra Mundial cantadas pelo tenor Enrico Caruso e prefiguram desenvolvimentos na sua narrativa. Outro filme também de Woody Allen é “Crimes e Pecados” de 1989, onde Judah Rosenthal (Martin Landau) manda matar sua amante Dolores Paley (Angelica Huston), depois que ela ameaça contar a sua esposa o caso deles e também os atos ilícitos cometidos por ele. Seu irmão, Jack Rosenthal (Jerry Orbach), o aconselha a mandar matar Dolores. Um paciente seu, um rabino que está perdendo a visão, o 37


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FIGURA 06: Cenas do filme Crimes e Pecados

FIGURA 07: Filme Crimes e Pecados

aconselha a contar a verdade para sua esposa.

fazia um documentário, onde ele falava sobre o sentido da vida, se mata.

Ele resolve seguir o conselho do seu irmão, e manda matar Dolores, mas não é descoberto e passa a viver com o peso da culpa em sua consciência e com medo que Deus o puna. Em paralelo com todos esses acontecimentos ocorre a história de Cliff Stern (Woody Allen), um cineasta, que não faz sucesso, vive com dificuldades financeiras e que se apaixona pela produtora Halley Reed (Mia Farrow), que ele conhece quando fazia um trabalho para seu cunhado rico e famoso, Lester (Alan Alda). Tanto Cliff quanto Halley não gostam de Lester, mas no final Halley fica noiva dele e Cliff fica sozinho. No final do filme ele fica dividido entre a vontade de morrer e de matar o seu cunhado. O seu sofrimento começa quando o filósofo do qual ele 38

Apenas no final do filme as histórias se encontram, e Judah ainda sofre com o assassinato, mas já está mais conformando e Cliff sofre por ter perdido a mulher que ele se apaixonou para o homem que ele mais detestava. Trata-se de um ótimo estudo de personagem corroído pela culpa. Uma variação deste conto retornaria à obra de Woody Allen muitos anos depois, depois, na forma de um longa-metragem inteiro, “Match Point” (2005). Aqui, o que o diretor nova-iorquino oferece é um retrato febril e causticante da angústia de um homem, frente a uma encruzilhada que, seja qual for o caminho escolhido, promete


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FIGURA 08:Filme Crimes e Pecados

deixar uma marca profunda e perpétua na sua vida. (www.cinereporter.com.br)

O que há de comum na narrativa de “Crimes e Pecados” e “Crime e Castigo”, e que ocorre também em “Match Point” é a questão da sorte, que aparece quando Judah vê a carta que Dolores manda para sua esposa contando todo caso que há entre eles antes que ela a veja. Também por ele não ter sido descoberto como o mandante do assassinato de Dolores. O que também há em comum com “Match Point” é a história de um homem que mata sua amante após ela tornar-se algo que pode destruir a vida confortável e a posição social que ambos conseguiram alcançar.

Assim como Chris, Judah também fica em estado de choque quando é avisado pelo irmão que Dolores já tinha sido assassinada. Ele fica com o peso da morte em sua consciência e começa a lembrar-se dos ensinamentos cristãos da sua infância, e esses valores faz com que ele pense em se entregar, assim como fez Raskólnikov, mas seu irmão não permite isso. Na cena em que ele vai visitar sua antiga casa, ele começa a ter alucinações, assim como as de Raskólnikov, e vê sua família judaica discutindo com uma tia sobre valores cristãos e niilistas, valores que também estão muito presentes na narrativa de Dostoiévski. Ele questiona seus familiares sobre o pecado do assassinato e um dos homens da família diz que o assassino sempre paga pelo que fez. Já sua tia niilista diz que se o assassino fizer um trabalho bem feito e não se preocupar com a ética é um homem livre. Aqui estaria a explicação do título do filme ser “Crimes e Pecados”: Judah comete um crime ao mandar matar Dolores, e que seria também um pecado, mas ele não é castigado e ele deve isso a não acreditar em Deus. No filme ele diz: “Deus é um luxo que eu não posso me permitir”. Ou seja, Judah segue o caminho oposto ao de Raskólnikov, ele segue o caminho sugerido por sua tia niilista. No caso de Judah, ele possui dois confidentes, seu irmão Jack, que o motiva a mandar matar Dolores e o rabino que fica cego, Ben, que o motiva a praticar a benevolência e a justiça, contando toda a verdade a sua esposa e não fazendo mal a Dolores, fazendo o papel de Razumíkhin na narrativa de Dostoiévski, e também o papel de Sônia, por transmitir esses valores através das palavras do Cristianismo. O filósofo que Cliff faz o documentário tem um papel importante na narrativa. Ele fala de valores como o amor e o Cristianismo de forma 39


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otimista e são os valores que estão presentes em toda a história e estão presentes também na narrativa de Dostoiévski. Quando o filósofo se mata não é só uma tragédia para Cliff em relação a todo o trabalho que teve com o documentário, mas também um choque para sua vida, porque ele imagina qual seria a razão de viver já que um homem que possuía uma visão tão bela e tão otimista da vida se mata? Woody Allen tentou transmitir a polifonia de “Crime e Castigo” através das múltiplas vozes dos personagens do filme, mostrando duas histórias que ocorrem paralelamente e também através do final aberto que a narrativa possui e que se contrapõe ao final fechado de “Crime e Castigo”, onde Raskólnikov se redime dos seus atos pagando pelo que fez na Sibéria. O filme possibilita diversas teorias morais sobre o seu final e pode ser visto como mais polifônico na medida em que dá voz a várias teorias morais sem eleger uma correta. No decorrer do filme são mostradas diversas cenas de filmes antigos que os personagens assistem e que se relacionam com a narrativa da história. A trilha sonora do filme é composta de músicas clássicas e jazz. Na cena do assassinato é tocada uma composição de Franz Schubert. Mais uma versão da história de Dostoiévski é “Crime e Castigo” de 1935, de Josef Von Sternberg. Nessa versão a história começa com Raskólnikov ganhando um título na universidade e sua mãe e irmã assistindo a cerimônia. Ele conhece Sônia quando vai penhorar o relógio de seu pai na casa de Alíona Ivánovna e a família Marmiéladov é apenas citada no filme. Os motivos que o levam a matar a agiota 40

FIGURA 09: Cenas do Filme Crime e Castigo

são também baseados na teoria dos homens ordinários e extraordinários e ele comete utilizando um atiçador de lareira, inclusive o personagem tem uma grande admiração por Napoleão, possuindo até um quadro dele em seu quarto. Nicolai também é acusado de ser o assassino e Porfíri o interroga na frente de Raskólnikov, tendo como desculpa um interesse pelo seu artigo. Raskólnikov resolve se entregar e Sonia vai junto como ele e fica extremamente feliz pelo seu ato. O filme segue as tendências do cinema Noir, que estava começando a surgir na época, baseando-se nos filmes de terror daquele mesmo período, que eram filmados em preto e branco com grande contraste, influenciados pelo Expressionismo Alemão.


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Grande parte dos filmes do cinema Noir conta histórias policiais, baseadas em romances da época e entre as suas principais características do enredo podemos citar a existência de um crime, a perspectiva dos criminosos, não da polícia, uma visão invertida das tradicionais fontes de autoridade, tal como a corrupção policial, violência bruta, motivação e mudanças em complôs bizarros (SILVER;URSINI, 1996 apud PAUBEL, 1999). A adaptação da narrativa de “Crime e Castigo” para um filme desse estilo cinematográfico se deu por conta das características que ambos possuem em comum, dentre elas a que diz respeito ao romance policial, já que a obra foi, a princípio, caracterizada como pertencente a esse estilo.

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3. POLIFONIA Como se sabe, o conceito de romance polifônico é a chave da interpretação que Bakhtin faz da obra de Dostoiévski. As principais idéias que permeiam esse conceito são o diálogo e o processo de autoconsciência. A primeira idéia crucial na polifonia, aponta para uma pluralidade de vozes que se auto-cruzam e interagem entre si e consigo mesma de tal forma, que o romance se constitui num grande diálogo entre os personagens e no interior dos demais. Nos capítulos anteriores a obra foi explicada e descrita de forma analista e, através deste estudo, foi possível localizar e entender a polifonia presente em Raskólnikov, o personagem principal da história. Neste capítulo abordaremos a relação polifônica do personagem com os demais elementos da narrativa, a começar pela relação dele com ele mesmo, partindo então para a sua relação com os demais personagens e finalmente com a cidade de São Petersburgo. Antes de darmos início a isso, é necessário estabelecer que todos esses graus de polifonia são interligados, uma vez que a cidade e os outros personagens reagem de acordo com a voz que rege Raskólnikov no momento e então, o próprio Raskólnikov reage a isso, de forma que esse jogo de ação e reação dura por toda a obra de forma crescente até atingir o seu ápice quando tais reverberações se mesclam e se fundem.

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3.1 A relaçao polifônica de Raskólnikov com o próprio Raskólnikov Os personagens criados por Dostoiévski vão além de serem bons ou maus, embora estes busquem uma definição, o que prevalece é o seu caráter de criaturas fragmentadas e com idéias fervilhantes em suas mentes. Como foi dito a pouco, Raskólnikov é um personagem que tem pensamentos polifônicos, ou seja, ele ouve duas vozes em sua cabeça e assim ele age de formas diferentes a diferentes situações. Por um lado ele tem uma voz que o faz lembrar que ele é o homem extraordinário, um ser dotado do livre arbítrio e eximo de qualquer culpa ou punição imposta pela sociedade. Essa voz já se deixa transparecer logo ao início do livro quando Raskólnikov cogita assassinar a velha usuária e perdura por toda obra, normalmente aparente em momentos em que Raskólnikov é encurralado e se vê obrigado a escapar de acusações. Um momento que ilustra bem isso é quando Raskólnikov vai visitar a velha pela primeira vez. Enquanto sobe as escadas ele tem a passagem bloqueada por homens que retiram móveis de um apartamento, então pensa: “Quer dizer então que aquele alemão está se mudando, e quer dizer que no quarto andar (...) o apartamento da velha vai ser o único ocupado durante certo tempo. Isso é bom... por via das dúvidas” (DOSTOIÉVSKI, 2001, p.23). Aqui podemos ver que ele já tem em mente o plano de assassinar Aliona Ivánovna e que está atento aos detalhes do ambiente, detalhes estes que colaboram para uma 43


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ação furtiva. Após a conversa com a velha Raskólnikov sai de seu apartamento e na rua exclama: “Oh Deus! Como tudo isso é repugnante! Será possível, será possível que eu... Não, isso é um absurdo!” (DOSTOIÉVSKI, 2001, p.21). Com tais palavras Raskólnikov se mostra de opinião contrária a toda a sua conduta até então, pois ele visitou o apartamento da velha já com a intenção de descobrir os pormenores da vida dela, bem como o local em que ela guarda o dinheiro, mas ao sair não se mostra disposto a cometer o que vem planejando a cerca de um mês. Mesmo com essa dúvida, Raskólnikov mata a velha e também a irmã dela que aparece na hora do crime e o surpreende. O interessante desta ligação entre os pensamentos do protagonista é que ele vai agindo de acordo com ambos pontos de vista, ele se permite certos luxos, como ir ao bar mesmo quando não tem dinheiro algum, e quando se depara com a miséria alheia ele ajuda os demais personagens, deixando transparecer o seu lado bondoso e cristão, lado esse que é o que reina soberano no fim da obra quando Raskólnikov, com o auxílio de Sônia, decide se entregar livrando-se da culpa que ele carrega e segue sua vida ao lado dela de modo que no final sente-se como uma nova pessoa, como se todos aqueles acontecimentos fossem alheios a ele, chega até a sugerir: “Será que agora as convicções dela podem não ser também as minhas convicções? Os seus sentimentos, as suas aspirações, ao menos...” (DOSTOIÉVSKI, 2001, p.561). Neste momento é como se Raskólnikov abdicasse de ambas as vozes que o atormentaram durante todo o relato que é “Crime e Castigo” e por fim regenera-se e aceita viver o resto de seus dias como uma pessoa comum. Acaba aceitando por fim que a sua teoria era absurda, que não tinha o direito de fazer o que fez. Mentalmente ele encerra 44

essa discussão entre o homem extraordinário e o homem ordinário e compreende que no final a única coisa que lhe importava era o carinho e a companhia de alguém que não o julgasse pelas suas vestes ou sua forma de viver, ele se contenta ao encontrar uma mulher que o aceita mesmo após saber que ele é um assassino, e que ambos tem uma cruz para carregar. Pode-se entender que este conflito acaba justamente porque ele permite a participação de uma outra pessoa, de um intermediário entre esses pólos mentais e, após deixar a decisão de qual é o melhor para Sônia, ele segue isso sem contestar e, por fim, começa a “renovação gradual de um homem, a história do seu paulatino renascimento, da passagem progressiva de um mundo a outro, do conhecimento de uma realidade nova, até então totalmente desconhecida” (DOSTOIÉVSKI, 2001, p.561). Em “Crime e Castigo” também há uma transfiguração de Raskólnikov, que assume diferentes faces e variações nominais no romance. O próprio protagonista se nomeia de três formas, nesse trecho revela duas de suas faces: “É claro que, no primeiro plano, encontra-se Rodion Românovitcj Raskólnikov. Como não? Para ele é preciso garantir felicidade, conseguir-lhe os meios de concluir seu curso... E a mãe? Essa só pensa no seu querio Raskólnikov, no seu primogênito” (DOSTOIÉVSKI, 2001, p.55). Bakhtin denomina essa característica de trasnfiguração dos personagens de “duplos parodiadores”, no qual cada personagem teria um duplo, ou um oposto na trama. “Os duplos parodiadores tornaram-se um elemento bastante freqüente, inclusive na literatura carnavalizada. Isto se manifesta com nitidez especial em Dostoiévski: quase todas as personagens


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principalmente dos romances dostoievskianos tem vários duplos, que as parodiam de diferentes maneiras. Em cada um deles (ou seja, dos duplos) o herói morre (isto é, é negado) para renovar-se (ou melhor, purificar-se e superar a si mesmo)” (BAKHTIN, 2008, p.128)

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3.2 A relaçao polifônica de Raskólnikov com os demais personagens [...] nada [...] permanece exterior à consciência de Raskólnikov; tudo está em oposição a essa consciência e nela refletido em forma de diálogo. Todas as possíveis apreciações e os pontos de vista sobre sua personalidade, o seu caráter, as suas idéias e atitudes são levadas à sua consciência e a ela dirigidas nos diálogos com Porfiri, Sônia, Svidrigáilov, Dúnia e outros. Todas as visões de mundo dos outros se cruzam com a sua visão. Tudo que vê e observa [...] é inserido no diálogo, responde às suas perguntas, coloca-lhe novas perguntas, provoca-o, discute com ele ou confirma suas idéias. (BAKHTIN, 1997: 76)

A polifonia do protagonista é mais fácil de ser notada quando surge um diálogo entre ele e qualquer outro personagem. Raskólnikov muda facilmente de opinião, assunto e humor, deixando a todos por diversas vezes atônitos e confusos. Isso é facilmente notado quando Raskólnikov vai visitar a sua mãe já no momento final da história, mas logo se pergunta porque esta fazendo isso. “Mas qual a razão que te levas a isso: terás lá um emprego, uma posição? Raskólnikóv dirigiu-se para a porta, mas a mãe agarrou-se a ele e encarou-o com uma expressão do mais profundo desespero. Seu rosto estava desfigurado de horror. Basta, mámienhka disse ele, profundamente arrependido de ter ido.” (DOSTOIÉVSKI, 2001, p.518). Os demais personagens não entendem o que acontece nem o que se passa na cabeça de Raskólnikov então tentam incessantemente contornar a situação e entender o que fizeram para deixá-lo de mau

humor. Raskólnikov se torna alguém imprevisível com o passar das páginas e quase sempre prefere por fim a conversa reclamando que as pessoas que o cercam não o deixam em paz para pensar e que toda essa bajulação, resultante da preocupação dos personagens com Raskólnikov por estar doente, é totalmente inconveniente e desnecessária. Isso pode ser visto em uma conversa que ele tem com sua irmã, Dúnia e sua mãe que chegaram a pouco em São Petersburgo e anseiam por saber como vai Raskólnikov, mas não são bem recebidas ao encontrarem com ele. Quando Raskólnikov encontra elas pela primeira vez, segura em suas mãos e apenas às observa, “Neste olhar transparecia um sentimento forte que transbordava em sofrimento, mas ao mesmo tempo havia qualquer coisa de estático, até mesmo um quê de loucura. Pulkhéria Alieksándrovna (mãe) começou a chorar” (DOSTOIÉVSKI, 2001, p.209). Neste instante Dostoiévski já passa essa confusão mental de Raskólnikov para sua mãe que, mesmo sem uma palavra do filho, percebe que tem algo de errado. Raskólnikov expulsa-as do quarto e mesmo sem entenderem nada elas obedecem o que fora pedido por ele. A mãe, atônita exclama “Será possível que eu não posso dar uma olhada nele depois de três anos!” (DOSTOIÉVSKI, 2001, p.209), ou seja, a contra-gosto a mãe de Raskólnikov faz o que o filho pede mesmo sem saber seus motivos. Por fim Razumíkhin prefere assimilar isso a sua doença, diz que Raskólnikov está delirando e que será melhor para ele se todos colaborarem com as vontades do enfermo, visando apenas o bem estar dele. Aqui podemos observar algumas coisas interessantes. Primeiramente Raskólnikov nega a visita dos familiares por vê-las como um problema ligado a Lújin e conseqüentemente a tudo mais de ruim que a

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cidade traz para ele. Elas então não sabem como reagir, uma vezes que não conversavam com ele a três anos e sabiam que ele estava doente apenas por intermédio de outras pessoas. Razumíkhin quer acima de tudo o bem do amigo e não hesita em obedecer ele e retira a irmã e a mãe de Raskólnikov do quarto e então justifica isso dizendo que ele está delirando e não sabe o que diz. Quando vão saindo, Raskólnikov questiona elas sobre Lújin ter conhecimento de que elas já chegaram na cidade e, uma vez que tem a resposta desejada, torna a pedir a elas que o deixem só. Em suma é Raskólnikov quem rege esse encontro da forma que deseja e os demais personagens apenas colaboram para que se torne real o que foi imposto pelo protagonista do livro. Todos os personagens do livro são tratados de formas similares, mas a diferença está na forma que eles reagem ao comportamento imprevisível de Raskólnikov. Por exemplo, Razumíkhin apenas faz o que o amigo pede, enquanto Lújin não aceita e faz o possível para virar a situação a seu favor. No final, de um jeito ou de outro, tudo acontece conforme os caprichos de Raskólnikov, quanto até a própria insistência do juiz de instrução, Porfiri Pietróvitch, no caso do assassinato da velha é resultado das diversas insinuações de Raskólnikov sobre a autoria do crime. Mas uma vez que não tem provas do delito, Porfiri fica preso neste jogo mental de Raskólnikov que ora deixa acreditar que tem relação com o caso e ora se mostra completamente inocente. Porfíri só consegue prender Raskólnikov quando o próprio confessa o crime por livre e espontânea vontade. Mesmo que a redenção de Raskólnikov mostre que ele aceita a sua posição como homem ordinário, toda a narrativa mostra o contrário 46

uma vez que tudo acontece a seu favor e da forma que ele quer além de que, se ele assim desejasse, o crime nunca seria relacionado a ele e desta forma estaria livre de cumprir qualquer punição perante a justiça que de acordo com sua teoria só se aplica aos homens ordinários, não aos extraordinários. Essa polifonia é vista então até mesmo na condução da obra, só que aqui ela não tem apenas uma voz no final. Quando falamos da narrativa como um todo a polifonia não acaba e segue ecoando nas mentes dos leitores que testemunharam, e de acordo com os princípios do dialogismo entre o autor e o leitor, participaram desta complexa obra chamada “Crime e Castigo”.

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3.3 A relaçao da polifonia de Raskólnikov com a cidade O protagonista de “Crime e Castigo” é um personagem de humor inconstante, difícil de ser compreendido e muitas vezes difícil de ser aceito pelos demais personagens do romance, trava uma batalha interior com ele mesmo o tempo todo, seja em sua relação com amigos, com a família, com a polícia, enfim com todos que de algum modo cruzam seu caminho. Raskólnikov tem muito tempo ocioso e passa grande parte do seu dia vagando pelas ruas da cidade sem um destino certo, indo para onde o acaso o levar. Fica vagando pelos labirintos da cidade. Sendo a cidade de São Petersburgo encarada como mais um personagem, como discutido anteriormente, percebe-se que esta cidade-personagem mantém com o protagonista uma relação de amor e ódio, de amizade e inimizade, ao ponto de ajudá-lo em algumas situações, segundo seu ponto de vista. Isto se evidencia quando durante mais um momento andando sem rumo, apesar de sua condição de doente, Raskólnikov


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se vê próximo ao Mercado do Feno, onde não tinha absolutamente nada para fazer e ainda por cima, tomando um caminho muito mais longo para retornar para casa, e para sua surpresa, escuta por acaso uma conversa entre Lisavieta Ivanovna e um comerciante sobre o horário exato em que a irmã de Lisavieta, a velha usurária que ele planejava matar, ficaria sozinha em casa. Para ele esta informação seria decisiva ao que planejava e graças à cidade que o levou para aquele lugar naquele momento ele obteve esta informação.

ruas da cidade disposto a jogar no rio os objetos roubados e a cidade de São Petersburgo aparece como resposta para o seu problema, apresentando-lhe outra solução:

Eis o fato que ficou sendo para ele um enigma: como se explica que, estando ele fatigado, exausto, e devendo, naturalmente, voltar para casa pelo caminho mais breve e direto, tivesse a idéia de vir pelo Mercado do Feno, onde nada, absolutamente nada o chamava? É certo, que essa volta alongava muito o caminho, era completamente desnecessária. É certo também, que muitas vezes lhe sucedera voltar para casa sem se aperceber do itinerário seguido. “Mas”, perguntava os seus botões, “como se deu aquele encontro tão importante, tão decisivo para mim, e em todo o caso tão fortuito, que tive no Mercado do Feno, onde não havia razão para ir? Por que se deu esse encontro àquela hora, no momento em que, nas disposições em que me encontrava, devia ter as mais graves, as mais funestas conseqüências?” Parecia-lhe ver nessa fatal coincidência o efeito de uma predestinação. (DOSTOIÉVSKI, 2002, p.70-71).

Sendo Raskólnikov dotado de consciências que dialogam e interagem ente si (característica do personagem polifônico), os lugares freqüentados por ele na cidade têm papel importante, pois como afirma Bakhtin:

A cidade de São Petersburgo, suas ruas, becos, delegacias, estão sempre presentes no desenrolar da trama, servindo de pano de fundo para as indagações e delírios de Raskólnikov, dando a ele as respostas que procura, tornando-se inseparável ao seu drama pessoal. Outro momento em que fica visível a participação da cidade como auxiliadora para o protagonista é quando imediatamente após o crime, Raskólnikov precisa esconder o produto do roubo e sai pelas

Mas a coisa se resolveu de outra forma. Quando Raskólnikov ia da avenida V... para a praça, reparou em um pátio rodeado de altos muros sem janelas, inteiramente coberto de fuligem. (...) “Eis aqui um bom lugar para jogar as coisas e fugir!”, ocorreu-lhe de súbito... (DOSTOIÉVSKI, 2002, p.116-117).

Todas as visões de mundo dos outros se cruzam com a sua visão. Tudo o que ele vê e observa – seja nas favelas de Petersburgo, seja o Petersburgo dos monumentos todos os seus encontros fortuitos e pequenas ocorrências – tudo isto é inserido no diálogo, responde às suas perguntas, coloca-lhe novas perguntas, provoca-o, discute com ele ou confirma as suas idéias. (BAKHTIN, 2008, p.86).

Mais uma prova de que a cidade tem “vida própria” em relação ao personagem, é quando Raskólnikov resolve de uma vez por todas ir ao encontro de Svidrigáilov, e com a cabeça perturbada e o desejo de matá-lo, no momento em que esta na rua, seus sentimentos o confundem e ele já não sabe em que lugar da cidade se encontra. Ele continua andando e logo avista uma taberna, onde através de uma janela consegue observar a pessoa que estava procurando. Fica claro neste momento que a cidade o esta ajudando, pois sozinho não teria como continuar a sua busca. “Um sentimento doloroso lhe apertava 47


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o coração; parou no meio da rua e olhou ao redor. Que caminho tomara? Onde estava? Achava-se na Avenida X..., a trinta ou quarenta passos do Mercado de Feno. Surpreso por se ver naquele lugar, ia voltar pelo mesmo caminho, quando, de repente, em uma das janelas da taberna, avisto Svidrigáilov...” (DOSTOIÉVSKI, 2001, p.467). A cidade é para Raskólnikov uma amiga na medida em que fornece a ele situações inesperadas em seus becos, ruas e tabernas, das quais Raskólnikov retira as respostas que procura, direcionando suas ações a partir delas. Foi num bar, por exemplo, que ele conheceu Marmieládov e por conseqüência sua família e seus problemas, posteriormente por ocasião de seu atropelamento que ocorre em uma das ruas da cidade, ele conhece Sônia a quem mais tarde ele confessaria o seu crime. É na rua que ele decide definitivamente pelo crime após ouvir por acaso a que horas a velha ficaria sozinha. São as ruas de São Petersburgo que escondem o produto do roubo, enfim, a cidade é testemunha e quase cúmplice de Raskólnikov em suas aventuras. Em seus momentos vagando pela cidade, Raskólnikov se deixa levar segundo o inesperado, que o leva a agir desta ou daquela maneira, alterando o seu destino. Porém, Raskólnikov não tem sentimentos bons em relação a São Petersburgo, pois aquele lugar o oprime em relação a sua condição social, financeira e mesmo por seu clima que o incomoda e piora a sua doença. Assim, a dualidade presente no personagem se mostra também nesta relação de Raskólnikov com o meio em que ele vive numa interação rica e intensa. 48

Uma outra abordagem na qual o enredo e o protagonista do romance se entrelaçam, é a dos pontos marcados de continuidade de espaço e tempo. O espaço e o tempo não são apenas molduras, eles são elementos plenamente ativos na obra (e por conseqüência influenciam no comportamento de Raskólnikov). Nesse sentido, estão equiparados, em certo nível, ao enredo. Entre esse elementos de espaço e tempo, o principal em Dostoiévski se mostra o “pôr do sol” (característico também a tradição mitopoética, fim do dia, fim do ciclo, do verão, limite da noite, do inverno), ponto temporal onde as forças do caos inesperadamente começam a predominar. O pôr do sol em Dostoiévski não é apenas o sinal da hora “fatal”, quando se realizam ou se arquitetam os atos decisivos, mas é também um elemento que influencia o próprio Raskólnikov. Nesse sentido a hora do pôr do sol é eterna. Cada ponto dominante da cidade é reproduzido na memória e funciona como reminiscência do texto da cidade como um todo, devolvendo ao sujeito as sensações vividas anteriormente e funcionando como um estímulo para a personificação da imagem na palavra, nas tintas, nos sons. Dessa forma, o texto não é a realidade, mas sim um material para reconstruí-la; não é apenas um gerador de novos significados, mas um condensador da memória cultural. Todos esses aspectos são unidos na ampla compreensão de distinção. Segundo Lótman: Petersburgo... é visto, de um lado, como texto e de outro como mecanismo de criação de texto... A observação da cidade ligada à história da civilização como texto sui generis é natural. Além disso,justamente no objeto de tal natureza, alguns traços ganham destaque abrangendo a heterogeneidade codificada, uma


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codificação obrigatória por vários códigos, uma heterogeneidade semiótica dos subtextos,aspirando, de modo contraditório, a formar um único texto. Acaracterística do texto de guardar e regenerar constantemente a sua própria história aqui é evidente (LÓTMAN, 1984, pág 3).

O principal traço do interior das casas é o fechamento, mais do que isso, amontoamento. Nesse lugar esse traço se expressa claramente. Se observa como é sufocante, apertado. É sufocante no quarto de Raskólnikov, etc. A indicação de aperto está diretamente relacionada a melancolia e ao aspecto sufocante. Para Toporov: Com o surgimento da cidade, o homem entrou em um novo método de existência que partindo das suposições e medidas anteriores não pode deixar de se mostrar paradoxal e fantástico: a sobrevivência e mais do que isso, as perspectivas de caminho em direção ao bem máximo, ao descobrimento de um novo paraíso em substituição do qual, em condições “não paradisíacas” nas quais havia a cidade, na insegurança, incerteza, depravação..., abandono de Deus e, finalmente, na dificuldade e no sofrimento. (TOPOROV, 1995, pág. 121).

Na obra, Dostoiévski procura sempre indicar o estado de fechamento, abertura, portas, janelas. Além disso, temos inúmeras vezes citada a expressão “porog” (limite, fronteira). Podemos analisar tal uso como relacionada a localização da cidade de São Petersburgo na extremidade, no limite da terra firme e do mar. Muitos enredos do texto de São Petersburgo estão relacionados ao elemento aquático surgindo, devido ao conjunto natural e climático da cidade, temas como: névoa, chuva, umidade, sujeira, neve, etc.

Segundo a tradição folclórica, a água (rio, lago, mar...) representa a fronteira entre os mundos (dos vivos e dos mortos), entre o real e o fantástico. Dessa forma, considerando que além do rio Nievá, coexistem muitos outros meios aquáticos, torna-se mais evidente a razão pela qual São Petersburgo tornou-se uma cidade fantástica ou até mesmo diabólica na concepção da cultura popular e posteriormente na literatura russa. Devido a esse eterno conflito entre cidade e natureza; terra e água; o homem se encontra no limite entre a vida e a morte, além disso os personagens em Dostoiévski sempre estão expostos a situações complexas (próximas do limite da razão, da lógica), nos limites da capacidade humana em resolver problemas universais gerados ao longo de gerações. Não podemos deixar de mencionar a constante utilização de números, levando a níveis absurdos de precisão, expressões como “a dois passos”, “duas ruas a direita”, e números grandes, redondos tipo 100, 1000, 10000 junta-se a uma série de cifras que acompanham a concepção mitopoética dos números, especialmente relacionados ao número sete. O próprio romance tem sete partes (6 partes e o epílogo). As duas primeiras partes são divididas em 7 capítulos cada. A hora fatídica é sempre indicada como sendo depois das 7. A vida, memória (consciência popular, assim compreendidas representam muito para os valores de Dostoiévski no processo de mudança da humanidade e repetição dos desafios e situações, isso é bem representado pelo autor.

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4 A ESTRUTURA LABIRÍNTICA DA NARRATIVA CONCEBIDA PELA POLIFONIA E A RELAÇaO COM A NaO-LINEARIDADE Através do levantamento de dados sobre o livro Crime e Castigo e os estudos sobre a forma narrativa desenvolvida por Fiódor Dostoiévski em sua obra, podemos dizer que a história é contada na forma de uma rede de informações, em que o enredo está contido em curtas passagens que são exibidas em diferentes níveis que são revelados de acordo com a imersão do protagonista com o meio labiríntico que o cerca, bem como os demais personagens e situações. Tratam-se de histórias dentro de histórias, construindo uma vasta rede informacional que vai cercando Raskólnikov, influenciando suas atitudes e seu interesse, cabendo a ele decidir se vai se aprofundar mais em uma determinada situação, ou não. A história é dividida em seis partes e cada uma dessas funciona como um módulo, contendo dentro de si começo, meio e fim, não deixando assuntos por resolver por entre as partes. Por sua vez, cada uma dessas partes são dotadas de enredos que se dividem em diversos sub-enredos e alguns parênteses na história, ou seja, trechos em que o autor para o que está acontecendo para explicar algo importante e situar o leitor quanto a algo relevante sobre o personagem. O autor não usa flashbacks na história e todas as vezes que ele vai dizer algo que ocorreu no passado, ele trás isso na forma de diálogo ou até mesmo através de uma carta. A carta é usada para introduzir os personagens familiares de Raskólnikov na história. Ele recebe uma carta de sua mãe que conta a ele o que aconteceu durante os três anos em que estavam separados e como sua irmã

teve a chance de tornar-se noiva de Lújin. Ao final da carta a mãe conta a Raskólnikov que ela e sua irmã, Dúnia, vão para São Petersburgo e desejam visitar ele. Desta forma o autor conta algo que não pertence ao tempo atual da narrativa e não pausa a história apenas para isso, ele resolve essa questão de forma sagaz introduzindo tais informações de forma realista, talvez por fidelidade ao movimento realista ao qual Dostoiévski participou. Usando esta ocasião como exemplo temos então a história se desenvolvendo e então uma subhistória sobre a carta de sua mãe e dentro desta história, temos uma nova parte que fala sobre a mãe, abrindo então mais um módulo para contar a vida da irmã e o casamento. Casos como esse são comuns e acontecem por todo o livro, diversas coisas acontecem dentro de diversas ocasiões e o leitor nunca sabe ao certo quais desses acontecimentos irá dar continuidade à trama ou se ele irá apenas acrescentar informações sobre os personagens. Aqui é possível notarmos que o tempo da narrativa reage de formas diferentes, como resultado da diversificação do meio de expressão utilizado, uma vez que no livro temos uma narrativa com o tempo construído sobre uma linha absoluta e uniforme, já no meio digital a narrativa abraça todas essas possibilidades apresentadas e as utiliza com a finalidade de colaborarem para compor a complexidade e o alto nível de relação do usuário com a trama (MURRAY, 2003). Ao analisar essa gama de acontecimentos visando observar a arquitetura da história e não o enredo em si, temos uma narrativa labiríntica em que diversos caminhos são apresentados ao leitor e todos eles podem resultar em algo importantíssimo para a história e seu desenvolvimento. Como o leitor não sabe para aonde está sendo guiado, ele é colocado dentro desse labirinto criado por Dostoiévski. 51


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Esse labirinto tem uma relação interessante com a não-linearidade presente em diversos projetos hipermidiáticos. O autor pode trazer para sua obra elementos de uma narrativa não-linear mesmo quando este termo ainda não existia e executou isso com maestria. Narrativas similares são encontradas em jogos digitais, em que a seqüência e a conseqüência de eventos são resultantes da atitude tomada pelo protagonista da história, neste caso é Raskólnikov que, como foi dito nos capítulos anteriores, tem suas ações refletidas nos demais personagens que o cercam e que se re-configuram conforme Raskólnikov se relaciona com eles. Em uma obra literária, o leitor tem a chance de participar da história através de elos mentais direcionados pelo autor, elos esses que aparecem na forma da intertextualidade contida em citações feitas pelos personagens ao longo do desenvolvimento do texto. Tais elementos são também presentes no meio digital, porém são apresentados na forma de links que vão dando a chance do interator a se desprender da trama original e ir traçando o próprio caminho pela rede que fora desenvolvida pelos autores do projeto, neste momento o interator começa a desfrutar da não-linearidade do projeto e, uma vez que decide não se prender ao caminho sugerido a ele, começa a desfrutar de diversas informações e ocorrências que vão aumentar o grau de complexidade e profundidade na imersão da obra, sendo que esses links podem por diversas vezes estarem sujeitos a interferências feitas pelos interatores e, conseqüentemente, vão se re-configurando a partir do ponto de vista das pessoas que participaram do projeto de uma forma indireta, pessoas que participaram como interatores, e não como autores. Logo temos um usuário mais ativo, já que todas as vezes que o autor expande a história para incluir múltiplas possibilidades e dá ao usuário a chance de escolher quais serão os rumos que a história irá tomar, não torna 52

apenas a interação mais rica, mas também a história por ter seu grau de envolvimento com o usuário elevado (MURRAY, 2003). Essa liberdade concedida ao interator pode resultar de uma forma não esperada pelo designer autor do projeto. Uma vez que o usuário ganhe o poder de escolher o caminho que quer traçar ao longo desta rede labiríntica criada, o autor é obrigado a calcular as diversas possibilidades de interação que o usuário recebe. Torna-se então um jogo de probabilidades em que o autor do projeto deve imaginar quais serão as decisões tomadas e propor continuações para a narrativa que será diretamente interferida pelo usuário. No livro Crime e Castigo, algo similar acontece a Raskólnikov, ele recebe a liberdade de fazer o que deseja e a reação do ambiente se molda de acordo com as atitudes tomadas pelo protagonista da história. O leitor é colocado como um cúmplice de Raskólnikov e participa de toda essa trama labiríntica que é regida pelo protagonista da história, mesmo quando ele mesmo não sabe como sair dessa prisão em que está sendo imerso, prisão essa que fora criada a partir de seu crime e suas conseqüências. Quando comparado ao meio digital, o nível de interação é diferente, mas ainda assim se faz presente em ambas as narrativas, mesmo que através de links invisíveis do texto, como é o caso de diversas citações feitas por Dostoiévski em que, se o leitor não conhece o assunto em questão, ele está impossibilitado de desfrutar dos valores agregados nessas entrelinhas dos personagens. Essa problemática é resolvida no meio digital através dos links que dão a chance do usuário de conhecer algo novo e que não faz, necessariamente, parte do núcleo da narrativa. No meio digital, diversos elementos são utilizados para tecer essa malha intertextual, sendo as lexias que, quando ligadas por hiperlinks, se juntam e potencializam o poder umas das outras,


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auxiliando-se em propagar a informação ao usuário, de uma forma diversificada e dinâmica, resultando exatamente naquilo que o interator desejar buscar, mas que estão reunidas em um pequeno modulo do projeto, imersão essa similar à de Raskólnikov com os diversos acontecimentos da história, por exemplo, no livro ele tem a opção de continuar a conversa e saber mais sobre o que lhe foi apresentado ao simplesmente pedir às pessoas que o deixem sozinho. Nota-se que trata-se da mesma rede que dá mais informações ao protagonista de acordo com o interesse dele no assunto, seja o protagonista Raskólnikov ou o próprio usuário. A liberdade proporcionada ao usuário é nomeada como não-linear, já que seus módulos não necessitam uns dos outros para se polemizarem, mas quando usufruídos em sua totalidade, vão proporcionar ao interator uma rica enciclopédia informacional que irá garantir a ele uma experiência mais única e complexa. Aqui temos narrativas multifacetadas, em que diversos finais são possíveis e que cabe totalmente ao usuário escolher qual será o desfecho mais interessante para ele, desfechos estes que são proporcionados pelos diversos links distribuídos pelo projeto e que nem sempre se identificam como links menores, dando a impressão de que todas as decisões são igualmente importantes e relevantes para o final da narrativa construída através da interação do usuário e, conseqüentemente, pelo nível de imersão dele no projeto. A imersão do usuário numa narrativa é o resultado das propriedades atribuídas ao meio digital. Narrativas digitais são normalmente procedimentais, trata-se de certas regras e seqüências que resultam em diferentes níveis de imersão, sendo também participativos, pois o usuário tem a chance de introduzir variáveis à narrativa e mudar a trajetória inicial da história e ver imediatamente a repercussão de seus atos, logo o envolvimento com o ambiente é fundamental para

garantir a imersão do usuário que terá sua experiência enriquecida pela capacidade enciclopédica da narrativa digital. Todos os ambientes criados recebem informações adicionais por elementos externos que, quando acessados via links, propiciam uma vasta gama de informações sobre elementos menores e que por sua vez são novamente enriquecidos por informações que podem ser acrescentadas pelo usuário, tornando-o elemento decisivo para a construção da narrativa cujos resultados são escolhidos também pelo interator (MURRAY, 2003). Quando é dada a chance ao usuário de inserir novas informações à narrativa, o resultado pode normalmente coincidir com acontecimentos baseados em coisas reais e assim a intertextualidade se torna mais poderosa. Em Crime e Castigo temos a cidade real de São Petersburgo como ambiente de toda a ação desenvolvida na história, a menção a uma cidade que realmente existe remete o leitor a diversas outras informações que não são reveladas pelo autor, mas que uma vez aprendidas pelo do leitor, fazem um importante papel no desenvolver da história, que se torna mais realista e acreditável para o leitor que se sente mais familiarizado com a narrativa apresentada a ele. Outra vantagem do meio digital de colaborar com a construção da narrativa é a chance de abusar da não-linearidade e fazer com que acontecimentos sejam simultâneos, dando ao usuário o poder de escolher qual ocasião lhe é mais interessante participar e então, caso ele opte por visualizar uma ramificação diferente que acontece naquele exato momento, vai se deparar com a repercussão das escolhas que foram feitas no ambiente em que estava anteriormente 53


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e assim vai se deparar com o potencial de suas escolhas quando aplicadas a uma narrativa que tem seus módulos desenvolvidos de forma simultânea e que são interferidos imediatamente por suas ações. Porém ao trazermos essa liberdade proporcionada a Raskólnikov para o meio digital, damos a chance do usuário de ir a lugares que fogem do contexto original do projeto ao qual ele está sendo submetido, neste momento o usuário não tem mais limites e a não-linearidade pode se tornar também um labirinto, uma vez que o caminho não é ensinado e isso pode gerar um novo problema para a narrativa digital, a não objetividade. A partir do momento em que o usuário recebe a liberdade de tomar suas próprias decisões, ele está sujeito a todos os tipos de interferência externa vinda da web e, sem mesmo perceber, pode acabar saindo da narrativa inicialmente proposta a ele e o projeto fica por sua vez sem uma devida finalização De acordo com Leão (2002) hipertexto deve ser a combinação inteligente entre a regularidade e a irregularidade, despertando o interesse e prendendo a atenção. Partindo desta afirmação, os hipertextos devem estar no limiar que divide a lógica existência do link e o caos presente na não-linearidade e que aparece quando o usuário faz sua decisão valer, essa tênue linha é importante, pois uma vez que o hipertexto for regrado excessivamente o usuário perde a sensação de escolha, bem como ele tem de saber que suas escolhas ainda são permitidas pelo autor do projeto e que ele não está interagindo ao esmo. Sendo assim faz-se necessária a presença ativa do autor do projeto, já que limites são necessários para manter o interator dentro dos padrões da narrativa e que ele entenda até onde pode ir. “Gostamos de saber que existe um poder 54

regente no controle de um universo imaginário, e ficamos pouco a vontade se o autor parece abdicar desse papel” (MURRAY, 2003, p. 256). Sem essas limitações o projeto pode parecer sem fim ou o usuário pode simplesmente sentir-se perdido e confuso, sendo então convidado a abandonar a narrativa que não lhe é mais familiar e, por ser algo desconhecido, torna-se hostil. Este não é o caso de Crime e Castigo, Dostoiévski em momento algum deixa o final da obra e de seus personagens livre para a escolha do leitor, ele pontua gravemente cada acontecimento final, mostrando um zelo muito grande pela compreensão do leitor, mas isso não torna a obra menos interessante para o âmbito do design. É de suma importância para a narrativa hipermidiática a forma com que o labirinto é construído por Dostoiévski através da enorme rede criada e pelas fusões e cruzamentos dos sub-enredos presentes em todo o livro. Neste caso essas histórias dentro das histórias funcionam como contrapontos umas das outras e que quando analisadas pelo ponto de vista hipermidiático, de acordo com Leão (2002), os links como contrapontos são construídos entre vários hipertextos independentes, cada qual representam um ponto de vista reconhecível e capaz de reagir aos links e trajetórias de seu próprio frame e dos outros hipertextos ativos. Enquanto os contrapontos tecem diferentes vozes de peso igual (ou quase igual) dentro de uma só exposição, temos os links nomeados como Mundo dos Espelhos, estes estabelecem uma segunda voz que faz separadamente paralelos com a afirmação principal, ou seja, temos pequenas histórias dentro do livro que ou colaboram umas com as outras para ampliarem a informação sobre a história, ou temos aquelas que simplesmente confirmam o que é contado na história principal, porém através de outro ponto de vista, tornan-


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do-as multilineares. Isso é similar ao emprego da intertextualidade presente na obra que acrescenta novos dados aos atuais acontecimentos, gerando diversas novas possibilidades de conclusões para um determinado evento, conseqüentemente fazendo com que todas as informações apresentadas polemizem-se e colaborem para a fundamentação, a construção e o desenvolvimento dos elementos da narrativa que estão envolvidos com essas ligações feitas com outras obras e que geram novos níveis informacionais para a narrativa que vem sendo desenvolvida. Pode-se concluir então que a polifonia do protagonista é o fator decisivo para possibilitar a criação desse complexo labirinto. É justamente essa dupla forma de pensar de Raskólnikov que faz com que o ambiente e os demais personagens reajam de formas diferenciadas, concebendo então diversos enredos dentro do enredo principal do capítulo e que por sua vez está dentro da trama geral da história, além do que a posição do protagonista na história é bem similar ao do usuário de um projeto de hipermídia interativo, ambos vêem a repercussão de seus atos quase que instantaneamente e suas decisões influenciam drasticamente o desenrolar da história, bem como o nível de aprofundamento nos sub-enredos e nas conseqüências que estes podem gerar. Além disso, a polifonia de Raskólnikov torna todos os diálogos multilineares, ou seja, tem diferentes resultados para as diferentes formas de agir de Raskólnikov sendo isso algo complexo de ser estruturado, concebido e realizado no meio impresso e no digital.

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CONSIDERAÇoES FINAIS: Essa pesquisa teve como objetivo estudar a narrativa labiríntica desenvolvida em Crime e Castigo, obra de Fiódor Dostoiévski e que foi publicada inicialmente em 1866. O romance pertence ao movimento literário do Realismo, que tratase de um movimento artístico que visa retratar a realidade como ela é, sem excessivos adornos aos personagens, tão pouco mascarando os problemas cotidianos da época. Isso tudo é amplamente visto pela obra que não poupa palavras para descrever a miséria de Raskólnikov e todos os problemas sociais subseqüentes disso. Todos esses elementos servem como fundamentos para a construção do protagonista, Raskólnikov, que é um personagem perturbado por sua mente doente e que então é regido por um constante estado de polifonia mental, fazendo com que ele se comporte de formas diferentes para diferentes situações, bem como fazendo com que o ambiente da história, São Petersburgo e seus habitantes, assim como os demais personagens importantes da trama reajam de formas diferentes a cada uma das vezes que Raskólnikov participa de uma conversa. Então temos uma estrutura labiríntica da história que é proporcionada pela polifonia de Raskólnikov que vai ora se interessando mais por determinado assunto, ou ora se distanciando do atual acontecimento. Tal estrutura também se faz notar em diversos momentos em que o autor utiliza os recursos provenientes da intertextualidade

para empregar aos seus personagens adjetivos que colaboram para a construção dos mesmos, desta forma abrindo margem para mais um sub-nível na história, fundamentando as decisões e crenças dos personagens, bem como acrescentando outras variáveis à trama, tornando-a mais rica e complexa, pois em todos os momentos que essa técnica é utilizada podemos ver a conseqüência deste novo elemento apresentado na história na forma de informação intertextual. Este labirinto tem suas partes exploradas por Raskólnikov em diferentes níveis e são recebidos por ele de formas diferentes, sendo praticamente impossível deduzir exatamente o que irá acontecer, uma vez que o protagonista muda de idéia constantemente e que todos os demais elementos da narrativa se re-configuram de acordo com ele, Raskólnikov. A história é dividida em sete partes, sendo que cada uma destas dá destaque a uma ocasião em especial e todo seu desdobramento na narrativa, desdobramento este que vai repercutindo por toda a obra. Essas redes de histórias e relações entre elementos da narrativa podem ser vistas nos anexos B e C deste trabalho. Em tais documentos temos a obra separada em todas as suas pequenas partes e o que acontece em cada uma delas e por fim, algumas imagens que ajudam a diagramar todos os eventos que compõem Crime e Castigo, e suas ligações. Fatos importantes, como o crime cometido por Raskólnikov, ou até mesmo a presença de personagens-chave, foram marcadas e apresentadas para que assim seja possível mostrar 57


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visualmente a trama, indo da visão macro até a micro, aonde podemos ver quais capítulos em específico abordam certo assunto e como isso vai sendo retomado ao longo da obra. Pode-se então comparar a forma labiríntica da apresentação desses módulos de histórias dentro de histórias à complexa rede construída no meio digital e empregada em projetos hipermidiáticos. Todos esses elementos da narrativa de Dostoiévski são resultantes das atitudes de Raskólnikov, que vai configurando os acontecimentos de acordo com sua vontade, assim como é o caso de um interator em um projeto digital. Mas Crime e Castigo eleva essa possibilidade narrativa e explora a importância dos pequenos enredos de uma história e a forma de como esses sub-enredos alteram o rumo inicial da obra, gerando um complexo labirinto de situações e decisões que são únicas já que tais escolhas são feitas por um personagem polifônico e inconstante. Raskólnikov é o protagonista de uma narrativa labiríntica construída através de sub-enredos e que são explorados em diferentes níveis por diferentes vozes do personagem principal. Portanto a estrutura labiríntica da obra sugere utilizar de forma mais profunda a intertextualidade conseqüente da maneira em que obra fora arquitetada e assim construir uma narrativa não-linear composta pela organização dos hiperlinks que, quando tem seus caminhos emaranhados em diferentes níveis fracionados, resultam em possibilidades múltiplas para um mesmo desfecho, bem como as conseqüências das decisões tomadas ao longo da narrativa e todas as suas reverberações que perduram até o fim.

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REFEReNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: BAKHTIN, Mikhail. Problemas da poética de Dostoiévski. Rio de Janeiro: Editora Forense Universitária, 2008. BARROS, Diana e FIORIN, José. Dialogismo, Polifonia, Intertextualidade. São Paulo: Editora USP, 1994. BLOOM, Harold. Como e Por Que Ler: Rio de Janeiro: Editora Objetiva, 2001. p.159 – 166. BRAGA, Maria Lúcia Santaella. Matrizes da Linguagem e Pensamento: São Paulo: Editora Iluminuras, 2001. p.323. CARREIRO, Rodrigo. Crimes e Pecados - Woody Allen une em filme único duas tramas distintas sobre adultério, culpa e insegurança sexual. Recife, 25/02/2007 Disponível em : < http://www.cinereporter.com.br/dvd/ crimes-e-pecados/>. Acesso em: 23 mai. 2009. FRANK, Joseph. Dostoiévski: os Anos Milagrosos (1985-1971). São Paulo: Edusp, 2003. p. 77- 204. GANCHO, Cândida Vilares. Como analisar narrativas. São Paulo: Editora Ática, 2000. p. 05-09. LEÃO, Lucia. InterLab: labirintos do pensamento contemporâneo. São Paulo: Editora Iluminuras - FAPESP, 2002.

LÓTMAN, Iúri. “Simbologia de São Petersburgo e os problemas da semiótica da cidade” (Simvólika Peterburga i problemy semiótiki góroda)// Istoria i tipológuia rússkoi kultury, São Petersburgo, 2002, págs. 208221. MARQUES, Lauro. Crime e castigo. Nova Suiça, 03/11/2008 Disponível em : < http://www.revistabula.com/materia/crime-e-castigo/599>. Acesso em: 22 mai. 2009. MURRAY, Janet H. Hamlet no Holodeck: o futuro da narrativa no ciberespaço. São Paulo: Itaú Cultural: Editora Unesp, 2003. PEREIRA, Miguel Lourenço. Match Pont – Crime sem castigo. Portugal, 19/01/2006. Disponível em : <http://hollywood.weblog.com.pt/ arquivos/2006/01/ match_point_cri.html>. Acesso em: 04 mai. 2009. PINTO, Manuel da Costa. As duas faces do romance russo. Disponível em < http://www1.folha.uol.com.br/folha/sinapse/ult1063u246. shtml>. Acesso em 21 abril 2009. ROSSO, Mauro. Cinema e Literatura. São Paulo, 26/02/2009 Disponível em : < http://diplo.uol.com.br/2009-02,a2796>. Acesso em: 03 mai. 2009.

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SCHNAIDERMAN, Boris. O Mundo da Novela. São Paulo: Editora Cultrix, 1963. p. 07-12. SILVER, Alain; URSINI, James: Film Noir Reader. EUA: Limelight Editions, 1996. TOPOROV, Vladimir. “Petersburgo e o texto de São Petersburgo da literatura russa” (Peterburg i peterbúrgskii tekst rússkoi literatury)// Peterbúrgskii tekst rússkoi literatury, São Petersburgo, 2003 pág- 193-211.

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ANEXOS: ANEXO A - resumo de crime e castigo O personagem principal, apesar de professor de línguas, é um homem extremamente pobre e que vive angustiado pela sombra de se tornar alguém melhor ou fazer algo importante. Ele possui uma teoria onde divide o homem em dois aspectos. Um seria o homem ordinário e o outro seria o homem extraordinário, numa tentativa de explicar a quebra das regras em prol do avanço humano. Seguindo este preceito - fazer algo que mude a sociedade ou em prol dela - o personagem planeja, em meio a uma luta consigo, a morte de uma agiota e, após rapidamente esquematizar o seu plano ele passa a executá-lo. Antes de fugir da cena do crime, porém, Raskólnikov também comete, a contragosto, levado apenas pela situação de surpresa, o assassinato de Lisavieta, irmã da velha agiota, pois ela havia visto o cadáver recém-assassinado no chão. Este personagem principal rouba algumas jóias, mas não chega a usufruir deste ganho, e sentindo-se arrependido enterra-as sob uma pedra.

Após tal fato e seus desfechos, o romance relata de maneira detalhista os dramas psicológicos sofridos pelo autor do homicídio, toda a sua saga, sofrimento e arrependimento. Diversas histórias se desenvolvem de maneira paralela à principal, entre elas um romance da irmã do personagem Raskólnikov e as relações do personagem com Sônia. Apesar de investigar Raskólnikov, a polícia termina por prender um inocente que se intitulou culpado por uma razão pessoal (bem explicado no livro). Entretanto, o personagem por fim confessa o crime que cometera. A confissão deveu-se, principalmente, à enorme influência de Sônia, que, antes disso, compartilha com Raskólnikov algumas leituras do Novo Testamento. Por fim, Raskólnikov é preso. Porém, devido à sua confissão, arrependimento e ótimo antecedentes, sua pena acaba por ser reduzida a oito anos em uma cadeia na Sibéria. Durante tal período, Sônia, personagem que a partir de certo momento segue Raskólnikov em todas as situações, manteve-se muito presente, servindo até mesmo de mensageira a sua família em São Petersburgo.

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Não-linearidade numa mente doente

Anexo B - Decupagem Parte Um I. - Raskólnikov sua vida na cidade de São Petersburgo. - Raskólnikov e seu relacionamento com a velha usuária. - É apresentado o plano de matar a velha. II. - Raskólnikov encontra Marmieládov na taberna. - É descrita a pobreza da família de Marmieládov. III. - A pobreza de Raskólnikov. - Recebe de Nastácia a carta de sua mãe. - A mãe narra os últimos acontecimentos ao filho e fala sobre sua miséria que chegará ao fim com o casamento de Dúnia. - Raskólnikov acredita que Dúnia se casará por dinheiro e desaprova isso. IV. - Revoltado com a decisão de sua irmã se casar sem consultá-lo, ele sai pela cidade. - Repensa a plano de matar a velha. - Encontra a jovem bêbada e interage com outros habitantes. - Decide ir visitar seu amigo, Razumíkhin.

V. - Vai até a casa de Razumíkhin antes mesmo de ter uma conversa decente com o amigo, se retira. - Relembra o plano e como ele pode ser lucrativo. - Cansado, adormece junto a uma árvore e sonha com uma égua que é surrada até a morte. - Acorda e volta a cogitar o plano de matar a velha, pegar o dinheiro e resolver seus problemas. - Caminha sem rumo e chega ao Mercado do Feno. - Ouve a conversa da irmã da velha, Lisavieta, em que é dito que a velha estará sozinha em casa no dia seguinte. - Decide cometer o crime. VI. - Pensa nas qualidades de Lisavieta. - Relembra da onde teve a idéia de matar a velha. - Um estudante e um policial conversam sobre a velha agiota. - Cogitam matar ela. - Ninguém tem coragem de o fazer. - Dá início ao plano. - Vai até a casa da velha. VII. - Conversa com a velha. - Mata a velha. - Começa a buscar objetos valiosos. - Lisavieta entra e ele também mata ela. - Dois antigos clientes da velha batem a porta e então vão embora. 63


A Respeito do Crime

Parte Dois I. - Ao acordar, elimina as provas. - Nastácia entrega a ele a intimação da delegacia. - Vai até a delegacia. - Ouve o caso de mulher gorda. - Resolve-se o caso de Raskólnikov que fora intimado por dever dinheiro a senhoria. - Falam que os pintores são suspeitos do assassinato da velha. II. - Com medo, pensa em jogar tudo que roubou no rio. - Enterra tudo sob uma pedra. - Está incerto sobre o crime que cometeu. - Visita Razumíkhin. - É contada a vida de Razumíkhin. - É rotulado pela cidade como um bêbado miserável. Recebe esmolas. - Se lembra da boa relação que tinha com a cidade. Não se sente mais acolhido pela vida. - Joga fora a moeda que lhe foi dada, renegando assim a ajuda da cidade. - Volta para casa. Ouve vozes indo até seu quarto. - Desmaia. III. - Acorda acompanhado de Razumíkhin e Nastácia. - Todos têm interesse em ajudá-lo. 64

- Raskólnikov despreza a ajuda que lhe é ofertada. - Entra Zóssimov. IV. - Raskólnikov é examinado. - Conversam sobre o assassinato e os pintores suspeitos. V. - Entra Lújin. - Raskólnikov, que é contra o casamento de Lújin e sua irmã, o trata mal. - Deixam Raskólnikov só. VI. - Vai até uma taberna e encontra Zamiótov. - Conversam e Raskólnikov deixa a entender que cometeu o crime. Zamiótov o toma como louco. - Ao sair, encontra Razumíkhin e discutem sobre a doença de Raskólnikov. - Vai embora e ao passar próximo ao rio vê uma moça tentando se afogar. Recusa o suicídio como saída. - Entra no apartamento da velha e conversa com os operários sobre o assassinato da velha. É expulso. VII. - Marmieládov é atropelado por cavalos. - Raskólnikov convoca ajuda para levá-lo de volta para casa. - Catierina Ivánovna está cuidando dos filhos quando a multidão chega com seu marido, Marmieládov.


Não-linearidade numa mente doente

- Chega sua filha mais velha, a prostituta Sonia. - Marmieládov morre aos braços de Sonia. Raskólnikov ajuda a família financeiramente. - A filha menor do falecido Marmieládov pergunta o nome de Raskólnikov e agradece. - Vai até a festa na casa de Razumíkhin. - Razumíkhin fala sobre a conversa com Zóssimov e Zamiótov. - Vão para casa de Raskólnikov. - Encontram a mãe e a irmã de Raskólnikov. Parte Três I. - Raskólnikov quer que elas vão embora da casa dele. - Raskólnikov fala sobre a visita de Lújin e veta o casamento da irmã. - Elas vão embora e Razumíkhin fica com Raskólnikov. II. - Razumíkhin encontra o médico Zóssimov. - Conversam sobre a condição de Raskólnikov e que Zamiótov contou ao juiz de instrução Porfiri, a provável culpa de Raskólnikov no crime. - Razumíkhin, Zóssimov, a mãe e a irmã de Raskólnikov vão visitá-lo. III. - Conversam sobre a opinião de Raskólnikov sobre o casamento de sua irmã, Dúnia, e sobre uma carta escrita por Lújin para a mãe de

Raskólnikov. Decidem que Raskólnikov irá participar da conversa que Lújin quer ter com sua futura sogra e Dúnia. IV. - Sonia entra e convida Raskólnikov para o funeral de Marmieládov. - Todos vão embora, Raskólnikov e Razumíkhin decidem ir até a delegacia rever os itens penhorados que estavam em posse da velha. V. - Na sala do juiz de instrução, Porfiri Pietróvitch, estão: Raskólnikov, Razumíkhin e Zamiatóv. - É explicado que Raskólnikov quer rever o que fora penhorado e Porfiri o orienta sobre como proceder. - Porfiri fala sobre um artigo intitulado: “A Respeito do Crime”, escrito por Raskólnikov. - Este artigo defende a teoria de que homens extraordinários estão acima da lei e livre de qualquer punição. Defende o derramamento de sangue inocente visando bens maiores. - Porfiri faz perguntas à Raskólnikov. Perguntas que alguém inocente não saberia responder. -Mostra óbvia suspeita de Raskólnikov. VI. - Raskólnikov e Razumíkhin vão visitar Dúnia e sua mãe. - Razumíkhin nota que Porfiri está tentando incriminar Raskólnikov e defende o amigo. - Raskólnikov volta para casa e promete encontrar Razumíkhin na casa de sua mãe. Ao chegar em seu quarto, Raskólnikov verifica se não encontraram 65


A Respeito do Crime

o que ele roubou da velha e, ao sair, avisam ele de que um homem perguntava por ele. - Raskólnikov segue o homem e este apenas diz que ele é um assassino. Atônito, Raskólnikov o deixa ir embora. - Dorme e sonha com a velha. - Ao acordar se depara com Arkadi Ivánovitch Svidrigáilov.

- Razumíhkin conta sobre sua ida a casa de Porfiri. - Raskólnikov e Razumíhkin encontram Lújin, o noivo de sua irmã. - Raskólnikov, Razumíhkin, Lújin são recebidos por Dúnia e Pulkhéria Raskólnikova e começam a conversar sobre Svidrigáilov. - Raskólnivov cita a conversa que teve com Svidrigáilov mas omite informações. - Lújin se diz insultado por Raskólnikov. - Lújin rompe o noivado com Dúnia e fica com ódio de Raskólnikov.

Parte Quatro

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I. - Svidrigáilov diz a Raskólnikov que tem assuntos referentes a irmã dele para tratar. - Eles conversam sobre a morte de Marfa Pietróvna. - Svidrigáilov conta sobre sua divida em jogos e que Marfa o salvou. - Svidrigáilov diz que Marfa o prende com um documento pela divida. - Svidrigáilov diz ter visto o fantasma da mulher 3 vezes. - Svidrigáilov faz uma proposta a Raskólnikov para que ele consiga um encontro com sua irmã. - Svidrigáilov demonstra interesse no rompimento do casamento da irmã de Raskólnikov, Avdótia Románovna. - Ao sair, Svidrigáilov encontra Razumíhkin.

III. - Raskólnivov reflete sobre o rompimento do noivado de sua irmã. - Dúnia e sua mãe conversam sobre o termino do noivado com Lújin e dão risada. - Razumíhkin entra em êxtase. - Raskólnivov conta sobre a conversa com Svidrigáilov e sua proposta. - Dúnia fica pensativa sobre a proposta. - Razumíhkin se propõe a seguir Svidrigáilov e proteger Dúnia. - Razumíhkin conta sobre seu plano de pegar dinheiro empresta com o tio e trabalhar numa editora com todos. - Raskólnikov gosta da idéia mas mesmo assim vai embora bruscamente e pede para ninguém procurá-lo. - Razumíhkin fica com a mãe e irmã de Raskólnikov e passa a cuidar delas.

II. - Raskólnikov contra a Razumíhkin a conversa com Svidrigáilov. Eles vão ao encontro de Dúnia. - Raskólnikov fala sobre o assédio de Svidrigáilov em sua irmã e sobre sua expulsão de casa pela sua mulher, Marfa.

IV. - Raskólnikov vai ao prédio de Sônia. - Zelador informa aonde mora o alfaiate Kapiernaúmov.


Não-linearidade numa mente doente

- Ao procurar o alfaite, Sônia abre a porta e Raskólnikov entra em seu quarto. - Raskólnikov tem longa conversa com Sônia, na qual ela fala sobre seus pais e introduz Jesus e citações da bíblia para ele. V. - Raskólnikov vai se encontrar com Porfiri Pietróvitch. - Raskólnikov se zanga com Porfiri por causa de suas insinuações em relação a morte da velha. - Porfiri desconfia de Raskólnikov e então Raskólnikov começa a gritar. - Porfiri diz a Raskólnikov que cuide de sua doença. - Raskólnikov e Porfiri discutem. VI. - Nicolai é levado ao gabinete de Porfiri. - Nicolai confessa o assassinato da velha. - Portifi pede para Raskólnikov ir embora. - Porfiri comenta sobre uma possível influencia de Raskólnikov na confissão de Nicolai. - Raskólnikov fica nervoso e começa a se preocupar com as acusações. - Raskólnikov encontra uma testemunha que disse ter sido interrogado anteriormente por Porfiri.

Parte Cinco I. - Lújin mostra-se generoso ao dar dinheiro a Sônia. Siemiônovitch, colega de quarto de Lújin, ouve tudo. Sônia volta para o jantar de funeral para Marmieládov. II. - Raskólnikov vai ao jantar de funeral na casa de Ekatierina Ivanóvna. III. - Lújin aparece no jantar e acusa Sônia de roubo - Siemiônovitch diz que foi Lújin quem colocou o dinheiro no bolso dela. - Raskólnikov diz que o possível motivo que levou Lújin a acusar a prostituta era vingar-se dele, Raskólnikov. - Lújin fica furioso e sai. Sônia vai embora e pouco depois, Raskólnikov vai procurá-la em sua casa. - Após uma discussão entre Ekatierina e a proprietária do imóvel que alugava, Ekatierina é expulsa de casa e sai em busca de ajuda. IV. - Raskólnikov chega à casa de Sônia, que mostra-se grata por ele a ter defendido de Lújin. - Raskólnikov informou-lhe que a família de Ekatierina fora expulsa e pede a Sônia que ficasse com eles. - Raskólnikov questiona Sônia sobre seu futuro e de sua família. Ao 67


A Respeito do Crime

olhar para ela e ver seu sofrimento, Raskólnikov percebe que a ama. - Raskólnokov diz o que sabe sobre o assassinato para Sônia. - Raskólnikov diz que o assassino não desejava matar Lisavieta, mas somente sua velha irmã. Aos poucos Sônia entende que ele é o assassino e fica aterrorizada. - Desesperada e, para espanto de Raskólnikov, Sônia o abraça e não o reprime. - Raskólnikov lhe expõe sua teoria descrita em “A Respeito do Crime” e confessa que matou para praticar um ato de ousadia. - Sônia o censura por ter se afastado de Deus. Raskólnikov admite que matou para provar que podia fazê-lo. - Sônia pede que Raskólnikov confesse o crime. Ele recusa e desdenha a cruz que lhe é ofertada. V. - Siemiônovitch vai à casa de Sônia avisar que Ekatierina enlouqueceu. Sônia, Raskólnikov e Siemiônovitch correm à casa de Ekatierina. - Raskólnikov decide ficar em sua casa, deixando os dois seguirem sozinhos. Conclui que não tem o direito de fazê-la sofrer. - Dúnia entra e lhe diz que já sabe das suspeitas que recaem sobre ele e se dispõe a ajudá-lo caso precise. - Ouve de Raskólnikov que Razumíkhin é um bom homem e também o seu adeus. - Na rua, Siemiônovitch diz a Raskólnikov que Ekatierina foi esmolar na rua com seus filhos. - Raskólnikov tenta convencer Ekatierina a voltar para casa, sem sucesso. - Ao avistarem um policial as crianças correm e Ekatierina, que tenta 68

alcançá-las, cai e se machuca. - Ekatierina entrega as crianças à Sônia e morre. - Svidrigailóv que presenciava tudo. - Se oferece para pagar as despesas do funeral, cuidar para que as crianças sejam levadas para um bom orfanato, além de tirar Sônia da vida que leva. - Ao ter seus motivos questionados por Raskólnikov, Svidrigailóv diz que ouvira tudo através da parede do quarto de Sônia. Parte Seis I. - Raskólnikov se sente ameaçado por Svidrigáilov no quarto de Sônia. - Mesmo se encontrando, nenhum dos dois se conversavam sobre o ponto crucial, o fato de Svidrigáilov ter ouvido a conversa entre Sônia e Raskólnikov. - As crianças já foram adotadas por um orfanato. - O padre chega à casa para realizar o ato funeral de Ekatierina. - Raskólnikóv sente vontade de sair e perambular pela cidade para fugir da situação desagradável do funeral. - Raskólnikov sai pela cidade e fica em um bar. Sente que deve ter outro encontro com Porfíri ou com Svidrigáilov. - Entra em pânico ao lembrar da mãe e da irmã. Passa a noite na mata e acorda no dia seguinte novamente com febre. - Razumíkhin acredita que Raskólnikov esteja louco devido a tudo que tem feito, e pelo modo como tem tratado sua família. - Raskólnikov diz a Razumíkhin para cuidar de sua mãe e irmã. Ele aprova o interesse de Razumíkhin em sua irmã.


Não-linearidade numa mente doente

- Com ódio, resolve dar explicações a Svidigráilov. - Raskólnikov encontra com Porfiri e fica muito ansioso para saber o motivo de sua visita. II. - Porfíri diz que tinha uma explicação para dar a Raskólnikov, o deixando ansioso. - Porfíri fala sobre o assassinato da velha, e concluí que Mikolka não é o assassino da velha. - Raskólnikov fica assustado. - Porfíri acusa Raskólnikov do assassinato. - Porfíri tenta fazer um acordo para que Raskólnikov se entregue. Mas ele não aceita. - Porfíri dá dois dias para que Raskólnikov pense e se entregue e que se ele pensar em se matar que avise aonde escondeu os objetos do roubo. III. - Raskólnikov espera Porfíri ir em embora e logo sai à procura de Svidrigáilov. - Raskólnikov se preocupava com os possíveis planos de Svidrigáilov. - Cansado, Raskólnikov não conseguia pensar em outra coisa senão matar Svidrigáilov. - Raskólnikov avistou Svidrigáilov numa taberna. - Raskólnikov encontra-se com Svidrigáilov e diz que estava a sua procura. - Raskólnikov pergunta se Svidrigáilov sabe se andam lhe espionando. - Raskólnikov ameaça Svidrigáilov caso ele faça algo com sua irmã.

IV. - Svidrigáilov começa a falar de sua vida com Marfa. - Svidrigáilov se irrita e bate com força na mesa e Raskólnikov vê uma oportunidade de tirar outras dúvidas. - Raskólnikov percebe que Svidrigáilov queria apenas provocá-lo. Os dois decidem ir embora. - Raskólnikov segue Svidrigáilov. V. - Svidrigáilov se sendo seguido e começa outra discussão com Raskólnikov, que fala sobre uma carta que sua irmã recebeu. - Svidrigáilov diz a Raskólnikov que sabe do assassinato e sugere que ele vá para a America. - Svidrigáilov encontra-se com Dúnia e diz ter documentos importantes e um segredo para contar. - Svidrigáilov deixa claro em sua carta à Dúnia que o seu irmão é o culpado pelo assassinato da velha e de sua irmã. - Svidrigáilov conta para Dúnia que Raskólnikov matou a velha para por à prova a sua teoria de homem ordinário e homem extraordinário. - Dúnia é atraída para uma cilada por Svidrigáilov. Ao se sentir ameaçada, acerta um tiro de raspão em Svidrigáilov. - Dúnia vai embora após conversar com Svidrigáilov. - Svidrigáilov pega a arma. VI. - Svidrigáilov encontra Sônia e lhe oferece dinheiro para ajudar Raskólnikov e afirma que não vai contar nada sobre o assassinato. - Svidrigáilov encontra sua noiva e lhe deixa dinheiro, avisando que 69


A Respeito do Crime

ira partir para a América à negocio. - Svidrigáilov atira em si mesmo num velho hotel que estava hospedado. VII. - Raskólnikov resolvi ir à casa onde sua mãe e irmã estão hospedadas. Sua mãe fica emocionada ao vê-lo e se põe a chorar de emoção. - Raskólnikov vê a sua obra impressa em um editorial e percebe que sua teoria o levou aquela situação. - Raskólnikov se despede de sua mãe e pede para que ela reze para ele. - Ao voltar para casa, Raskólnikov encontra-se com sua irmã. Confessou que pensou em se afogar, mas não o fez. Dúnia diz que ainda existe salvação. - Raskólnikov diz a sua irmã que vai se entregar e pede que ela cuide de sua mãe. VIII. - Sônia entrega uma cruz para Raskólnikov e fica com uma outra. - Raskólnikov diz que esta prestes a ir se entregar. Ele pede para Sônia fique em casa mas ela acaba o seguindo logo depois. - Raskólnikov lembra da sugestão de Sônia, para ele falar em público que é um assassino, beijar o chão da cidade que ele manchou de sangue. - Finalmente Raskólnikov chega na delegacia, mas não encontra ninguém. Começa a se perguntar se deve realmente se entregar. - Raskólnikov fica sabendo que Svidrigáilov se suicidou. 70

- Raskólnikov desiste por hora de se entregar. Desce as escadas, encontra Sônia na porta com cara de assustada e preocupada. Acaba voltando rapidamente para o gabinete. - Raskólnikov finalmente confessa o crime. O tenente fica surpreso. Epílogo I. - Raskólnikov vai preso para a Sibéria. - Confessa todos os detalhes do crime e, por não ter motivos e nem ter usufruído do que fora roubado, é considerado um réu que sofrera de um ocasional estado de loucura. - Pelos seus ótimos antecedentes, Raskólnikov tem a pena suavizada. - A mãe de Raskólnikov fantasia sobre a inocência do filho e ninguém a contraria. - Dúnia casa-se com Razumíkhin e ajudam ele sempre que podem. - Raskólnikov tarda a receber a notícia de que sua mãe morreu e Sônia permanece ao seu lado durante todo o tempo em que está preso. II. - Raskólnikov não se importava com a sua doença nem com a vida no presídio. - Raskólnikov sentia vergonha de Sônia, por isso a tratava mal. - Raskólnikov preferia morrer por uma idéia do que viver em vão. - Os outros presos odiavam Raskólnikov. - Raskólnikov não se arrependia de sua culpa porém sentia raiva da estupidez de suas ações.


Não-linearidade numa mente doente

- Os presos queriam brigar com Raskólnikov por alegarem que ele era ateu. - Raskólnikov ficou no hospital. Teve um sonho sobre um mundo melhor no qual todos eram inteligentes. - Raskólnikov ficou aborrecido com o sonho. - Sônia só pode vê-lo duas vezes na enfermaria, mas ia todos os dias olhar pela janela. - Sônia fica doente. - Raskólnikov deita nos pés de Sônia e começa a chorar. Ela se espanta porem fica feliz. - Os outros presos passam a falar com Raskólnikov. - Raskólnikov conclui que o evangelho, que é a crença de Sônia é sua crença também e que o acompanha ao longo desses sete anos de prisão.

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N達o-linearidade numa mente doente

aNEXO c - fLUXOGRAMAS

Na esquerda temos a forma como os assuntos s達o divididos no livro e na direita as sete partes do livro.

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A Respeito do Crime

Uma visĂŁo geral do livro, suas parte e seus capĂ­tulos.

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Não-linearidade numa mente doente

A cidade de São Petersburgo e os capítulos que abordam suas relações com a narrativa.

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A Respeito do Crime

Fluxograma de relações entre a cidade e os demais capítulos.

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Não-linearidade numa mente doente

O Crime e os capítulos que abordam suas relações com a narrativa.

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A Respeito do Crime

Fluxograma de relações entre o crime e os demais capítulos.

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Não-linearidade numa mente doente

A família de Raskólnikov e os capítulos que abordam suas relações com a narrativa.

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A Respeito do Crime

Fluxograma de relações entre a família e os demais capítulos.

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Não-linearidade numa mente doente

Lújin e os capítulos que abordam suas relações com a narrativa.

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A Respeito do Crime

Fluxograma de relações entre Lújin e os demais capítulos.

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Não-linearidade numa mente doente

Porfiri e os capítulos que abordam suas relações com a narrativa.

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A Respeito do Crime

Fluxograma de relações entre Porfiri e os demais capítulos.

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Não-linearidade numa mente doente

Razumíkhin e os capítulos que abordam suas relações com a narrativa.

85


A Respeito do Crime

Fluxograma de relações entre Razumikhin e os demais capítulos.

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Não-linearidade numa mente doente

Sônia e os capítulos que abordam suas relações com a narrativa.

87


A Respeito do Crime

Fluxograma de relações entre Sonia e os demais capítulos.

88


Não-linearidade numa mente doente

Svidrigáilov e os capítulos que abordam suas relações com a narrativa.

89


A Respeito do Crime

Fluxograma de relações entre Svidrigáilov e os demais capítulos.

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Não-linearidade numa mente doente

Relações, partes, capítulos e seus respectivos conteúdos.

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N達o-linearidade numa mente doente

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