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QUERIDOS AMIGOS NO SENHOR
O Caminho do Coração é o itinerário espiritual proposto pela Rede Mundial de Oração do Papa. É o fundamento da nossa missão, uma missão de compaixão pelo mundo. Inscreve-se no processo iniciado pelo Papa Francisco com a Exortação Apostólica Evangelii gaudium, «A Alegria do Evangelho»
Constitui o resultado de um longo processo impulsionado pelo P Adolfo Nicolás, então Superior Geral da Companhia de Jesus No início elaborou-se um esquema, designado então de marco referencial, com uma equipa internacional liderada pelo P Claudio Barriga SJ Este itinerário foi apresentado ao Papa Francisco num documento intitulado
Um caminho com Jesus em disponibilidade apostólica (agosto de 2014) Apresentava-se uma nova forma de compreender a missão do Apostolado da Oração, numa dinâmica de disponibilidade apostólica
O Santo Padre aprovou-o em dezembro de 2014
O Caminho do Coração é essencial para a recriação desta Obra Pontifícia como Rede Mundial de Oração do Papa Constitui um aprofundamento, para os nossos dias, da tradição espiritual do Apostolado da Oração, e articula, de uma forma original, elementos essenciais deste tesouro espiritual com a dinâmica do Coração de Jesus É a chave de interpretação da nossa missão Por isso apresentamos em 2017 um comentário a este itinerário espiritual, designado agora «Dinâmica interna do passo», para ajudar as equipas nacionais da Rede Mundial de Oração do Papa a entrar na dinâmica interior do Caminho do Coração e a aprofundá-lo
Com o desejo de desenvolver o processo de recriação, sentimos a necessidade de ampliar os conteúdos escritos. Assim, iniciamos em 2017 um trabalho de elaboração e organização dos materiais que constituem hoje os 11 livros de O Caminho do Coração. Este trabalho realizou-se com uma equipa internacional liderada por Bettina Raed, diretora regional da Rede Mundial de Oração do Papa na Argentina e Uruguai. Assim, a partir da pátria do Papa Francisco, e com o apoio de diversos companheiros, quer jesuítas quer leigos, foi articulado este trabalho. Agradeço de modo particular a Bettina por toda a sua disponibilidade e pelo seu trabalho de elaboração e coordenação.
Agradeço também a TeleVid, das Congregações Marianas da Colômbia, pelo seu apoio na conversão deste material num suporte acessível ao nível digital e visual. www.caminodelcorazon.church (em castelhano).
Espero que estes conteúdos ajudem a propor a missão de compaixão pelo mundo com criatividade (em retiros espirituais, sessões de formação, os encontros das Primeiras Sextas-feiras, etc.).
É o fundamento da nossa missão, o nosso modo específico de entrar na dinâmica do Coração de Jesus.
P. Frederic Fornos SJ
Diretor internacional da Rede Mundial de Oração do Papa
– inclui o Movimento Eucarístico Juvenil Cidade do Vaticano, 3 de dezembro de 2019, Dia de São Francisco Xavier e dos 175 anos do Apostolado da Oração
Esquema para orientar o passo
Palavra-chave: MISSÃO
Objetivo: Colaborar com Jesus na sua missão
Atitudes-chave: Abertura ao encontro com o outro
O que se pretende alcançar – Fruto: Compaixão pelo mundo e docilidade ao Espírito Santo
Dinâmica interna do passo: Sentir compaixão – Sair de si mesmo, ao encontro do irmão
– Para uma cultura do encontro
Marco referencial
Deus, o Pai de Jesus e nosso Pai, quer tornar presente a sua compaixão no mundo através de nós, seus discípulos Somos convidados a fazer nosso o seu olhar sobre a humanidade e a agir segundo os sentimentos do Coração de Jesus
Mesmo quando nos encontramos limitados pela doença ou pelas nossas condições físicas, mesmo quando nos sentimos incapazes de mudar as estruturas injustas da nossa sociedade, participamos desta missão, adotando o olhar compassivo de Deus para com os nossos irmãos e irmãs Somos enviados com o Filho, de modos diversos, às periferias da existência humana, onde homens e mulheres sofrem a injustiça, ajudando a suster e curar todos aqueles que têm o coração dilacerado
Visto que nós próprios fomos beneficiados da compaixão de Deus, podemos entregá-la a outros. É essa a nossa resposta ao seu amor por nós (reparação). Ultrapassamos as fronteiras visíveis da Igreja, ali onde existe a compaixão, ali onde se encontra o Espírito de Deus. Unimo-nos espiritualmente a todos aqueles que, em diversas culturas ou tradições religiosas, são dóceis a esse Espírito e se mobilizam para aliviar o sofrimento dos mais débeis
Dinâmica interna do passo
Nos Exercícios Espirituais, Santo Inácio oferece à nossa contemplação Deus (a Trindade), que olha para o mundo e decide encarnar, a fim de salvar a humanidade «Tanto amou Deus o mundo, que lhe entregou o seu Filho Unigénito, a fim de que todo o que n'Ele crê não se perca, mas tenha a vida eterna» (Jo 3, 16). A decisão de Deus, que tem origem no seu profundo amor pela humanidade, espera a nossa decisão pessoal.
Como diz o Papa Francisco: «Do coração da Trindade, da intimidade mais profunda do mistério de Deus, brota e corre sem parar o grande rio da misericórdia Esta fonte nunca se poderá esgotar, sejam quantos forem os que dela se aproximem De cada vez que alguém tiver necessidade poderá vir a ela, porque a misericórdia de Deus não tem fim. É tão insondável a profundidade do mistério que encerra quão inesgotável a riqueza que dela provém» (Misericordiae vultus, 25)
As palavras «compaixão» e «misericórdia», que se encontram na Bíblia, refletem um termo grego que significa sentirmos o sofrimento dos outros e sermos impelidos interiormente, por amor, a agir em seu favor É um movimento que vem de dentro, das «entranhas», do «seio materno», do «coração» É o que vemos em Jesus Várias vezes nos é dito que Ele tem compaixão da multidão, dos doentes, dos cegos e leprosos, do Homem possesso no país dos Gadarenos ou da Viúva de Naim, que tinha perdido o seu único filho Jesus tem esta capacidade incrível de se comover profundamente pelos outros e aquilo que Ele sente internamente torna-se decisão, mobiliza-o, conduzindo-o à ação. Aquilo que Ele vive também é o que ensina; a parábola do Bom Samaritano é significativa nesse sentido: «Bem-aventurados os misericordiosos, pois alcançarão misericórdia» (Mt 5, 7).
Na Rede Mundial de Oração do Papa somos convidados a uma missão de compaixão pelo mundo, orando e mobilizando-nos pelos desafios enfrentados pela humanidade e pela missão da Igreja Isso requer que permitamos tornar-nos vulneráveis, deixarmo-nos comover profundamente por aquilo que vivem os nossos irmãos e irmãs em todo o mundo Significa deixarmos cair os nossos «escudos» e derrubar as nossas «paredes», para sair da indiferença e entrar numa «cultura do encontro»
Estando completamente unidos ao Coração de Jesus poderemos, com Ele, abrir-nos cheios de confiança Por termos feito a experiência de ser amados e perdoados e por termos experimentado a profunda misericórdia do Senhor para connosco é que podemos, por nossa vez, converter-nos em missionários da misericórdia, testemunhas da alegria do Evangelho
Entrada segundo a perspetiva bíblica
Olhar com olhos novos Já alguma vez teremos experimentado, certamente, como um olhar pode ser significativo: olhar e ser olhados é uma experiência humana que nos configura no nosso desenvolvimento Há olhares que nos inspiram, outros que nos infundem medo, há olhares que nada nos dizem, passando-nos despercebidos, e há outros que nos fazem sentir escolhidos. O olhar pode ser um canal mediante o qual expressamos sentimentos e deixamos transparecer ideias; o modo como olhamos diz muito de nós e do nosso mundo interior. Com um olhar podemos exprimir ternura, ódio, medo, angústia, necessidade ou tristeza. O olhar constitui uma forma de nos vincularmos, de falar sem palavras, de entrar em diálogo com outra pessoa
Ao percorrer as páginas da Bíblia, deparamo-nos com numerosos relatos nos quais o olhar de alguém é um elemento-chave no episódio narrado Há nela numerosos quadros de encontros, proximidades, conversas nos quais, se nos detivéssemos a imaginar o que poderia estar a acontecer ali, dar-nos-íamos conta de que os olhares ali trocados definiram a situação
No Antigo Testamento, os relatos falam-nos de um Deus que olha e escolhe Deus tem, para aqueles que ama, um olhar de eleição, que escolhe, que ama e que, amando, cria O olhar de Deus faz com que aquele que é olhado se sinta como um bem exclusivo desse Deus que o olha. O relato da criação apresenta-nos a mesma expressão no fim de cada etapa: «E Deus viu que era bom» (Gn 1, 21).
Os Cânticos do Servo, em Isaías: «Eis o meu servo, que Eu sustento, o meu eleito, em quem me comprazo» (Is 42, 1); «Tu és precioso aos meus olhos» (Is 43, 4).
Como resposta a esse olhar de amor, e perante as dificuldades, «os olhados por Deus» invocam-no, suplicando-lhe que os olhe com compaixão e amor «Olha para mim e responde-me, Senhor, meu Deus. Ilumina os meus olhos, para não adormecer na morte» (Sl 13, 4)
Jesus marcou com o seu olhar muitos encontros e situações que nos descrevem expressamente como Ele fixa o seu olhar nas pessoas; há outras situações nas quais, se nos detivermos a observar a cena, poderemos imaginar como o seu olhar terá acompanhado os seus gestos em cada momento «Então, olhando-os com indignação, contristado da cegueira de seus corações…» (Mc 3, 5); «Ao passar viu Levi, filho de Alfeu, sentado no banco dos cobradores de impostos» (Mc 2, 14);
«Passando junto do mar da Galileia, viu Simão e André, seu irmão, que lançavam as redes ao mar, pois eram pescadores» (Mc 1, 16); «Vendo Jesus a fé daqueles homens, disse ao paralítico…» (Mc 2, 5); «Jesus olhou para ele com afeto e disse-lhe…» (Mc 10, 21)
Sendo Jesus, no mundo, o rosto do Pai, podemos perfeitamente imaginar que o olhar com que olhava era o olhar do Pai para o mundo Assim, Santo Inácio, nos seus Exercícios Espirituais, recria «o olhar» da Trindade sobre o mundo, convidando o exercitante a que entre na cena e contemple, olhe e se deixe olhar com o olhar da Trindade: «Contemplar, que é aqui como as três pessoas divinas observavam toda a planície ou redondeza de todo o mundo, cheia de homens ( ) O primeiro ponto é ver as pessoas, umas e outras; e primeiro as da face da terra, em tanta diversidade, assim em trajes como em gestos: uns brancos e outros negros, uns em paz e outros em guerra, uns chorando e outros rindo, uns sãos e outros enfermos, uns nascendo e outros morrendo, etc.» (EE 102.106).
E é esse olhar de compaixão da Trindade sobre o mundo criado que impulsiona, no coração trinitário, o envio do Filho, e continuará a ser esse olhar, agora encarnado no Jesus histórico, que percorre as ruas de cidades e aldeias da antiga Galileia, sanando, curando, reconstruindo vidas, convertendo em história a missão de compaixão de Jesus «Acorreram de toda aquela região e começaram a levar os doentes nos catres para o lugar onde sabiam que Ele se encontrava. Nas aldeias, cidades ou campos, onde quer que entrasse, colocavam os doentes nas praças e rogavam-lhe que os deixasse tocar pelo menos as franjas das suas vestes. E quantos o tocavam ficavam curados» (Mc 6, 55-56)
Após a morte de Jesus, serão os seus amigos íntimos, os seus apóstolos, a reconhecer a presença do Ressuscitado e, com Ele, a continuidade da missão de Jesus, agora nas suas próprias histórias. Assim, Maria Madalena é encontrada por Jesus e enviada pelo seu Mestre: «Disse-lhe Jesus: "Maria!". Ela, aproximando-se, exclamou em hebraico: "Rabbuni!" – que quer dizer: "Mestre!". Jesus disse-lhe: "Não me detenhas, pois ainda não subi para o Pai; mas vai ter com os meus irmãos e diz-lhes: ‘Subo para o meu Pai, que é vosso Pai, para o meu Deus, que é vosso Deus’"» (Jo 20, 16-17)
Estes encontros com o Ressuscitado definirão as suas vidas para sempre, pois a partir deles forjarão um novo olhar, o olhar que impele para o ofício de consolar Um olhar ressuscitado, que gerará uma releitura das suas histórias e das suas vidas partilhadas com Jesus, a partir dessa presença que se lhes revelará depois da Ressurreição As suas vidas ganharão um novo sentido e eles poderão voltar a passar pelo coração, a
«re-cordar» a intimidade com o Mestre, a partir da força e da alegria dessa presença consoladora
Os discípulos de Emaús, encontrados por Jesus no caminho, são reconfigurados na sua experiência vital, a partir de uma releitura das suas histórias que o próprio Jesus faz com eles: «Não nos ardia o coração, quando Ele nos falava pelo caminho e nos explicava as Escrituras?» (Lc 24, 32) Assim, o facto de o Pai ter enviado o Filho ao mundo, na pessoa de Jesus, para aqueles que partilharam a mesma época histórica, constitui um acontecimento que alcança a sua verdadeira densidade e profundidade a partir da perspetiva do encontro com Jesus Ressuscitado e da experiência do seu ofício de consolar Em Tiberíades, o Apóstolo João reconhecê-lo-á na abundância da pesca: «É o Senhor» (Jo 21, 7) E nascerá neles um novo olhar para a promessa de salvação de Deus dirigida a todos, desde o começo da criação, que os impulsionará, daí por diante, a continuar nas suas vidas essa mesma missão de Jesus. Agora serão seus colaboradores, suas mãos e seus pés, continuando a restaurar vidas mediante a missão de Jesus – uma missão de compaixão pelo mundo, um ofício de consolação.
Assim como convidou os seus discípulos, Jesus convida-nos hoje a olhar o mundo com os seus olhos, a deixar-nos contagiar pelo seu olhar e a forjar um olhar de discípulos empenhados em ajudar o mundo que Deus tanto ama Um olhar sintonizado com o coração de Jesus e com a sua missão de compaixão, e que nos lance ao encontro dos irmãos Jesus Cristo quer precisar de nós, decide contar com cada um dos seus discípulos – contigo, comigo, com todos os que se queiram envolver na sua missão E convida-nos a colaborar com Ele, com o seu estilo e à sua maneira, para que sejam, hoje, os teus e os meus pés a percorrer o mundo, as tuas mãos e as minhas a trabalhar com Ele pelos que sofrem e necessitam de consolação Que dirias a este grande Senhor que hoje te pergunta: «vens comigo?»
● «O Senhor enviou-me para curar os desesperados»(Is 61:1).
● «Nunca desvies do pobre o teu olhar, e o olhar de Deus nunca se desviará de ti» (Tb 4, 7)..
● «Tende entre vós os mesmos sentimentos do Coração de Jesus» (cf. Fl 2, 5)
● «Jesus, compadecido dele, estendeu a mão e, tocando-o, disse-lhe: «Quero, fica limpo» (Mc 1:41)
● «O Espírito do Senhor está sobre mim, porque me ungiu para anunciar a Boa Nova aos pobres…» (Lc 4:18)
● «Contemplar, que é aqui como as três pessoas divinas observavam toda a planície ou redondeza de todo o mundo, cheia de homens ( ) O primeiro ponto é ver as pessoas, umas e outras; e primeiro as da face da terra, em tanta diversidade, assim em trajes como em gestos: uns brancos e outros negros, uns em paz e outros em guerra, uns chorando e outros rindo, uns sãos e outros enfermos, uns nascendo e outros morrendo, etc » (EE 102 106)
Entrada bíblica segundo a compaixão
«"Mestre, que devo fazer para herdar a vida eterna?" "O que está escrito na Lei? Como lês?" "Quem é o meu próximo?"» O Evangelho de Lucas traz-nos um relato em que estas interrogações vão surgindo sequencialmente no diálogo entre Jesus e um Doutor da Lei Então o Senhor começa a narrar «Certo homem descia de Jerusalém para Jericó e caiu nas mãos dos salteadores que, depois de o despojarem e encherem de pancadas, o abandonaram, deixando-o meio morto» (Lc 10:25-37) Esta parábola, esta construção do relato sai das entranhas, do coração do Senhor, pois Ele caminhava pelas ruas sempre muito atento aos mendigos e aos necessitados que via estendidos à beira dos caminhos.
Ora, desta vez, conta-nos Jesus que este homem, que não tem nome – diz apenas que era um «homem» – descia de Jerusalém para Jericó, certamente um caminho perigoso, nada simples de fazer naquela época Este homem devia saber disso e, apesar de tudo, decide-se a «descê-lo», arriscando Assim, encontrou o que seria de esperar: o perigo abstrato deu lugar a uma emboscada concreta Foi assaltado por uns bandidos que o deixaram meio-morto Poderíamos dizer que foi ele que procurou o perigo ou que o devia ter previsto, como tantas vezes pensamos das pessoas nossas conhecidas que tomam decisões arriscadas e sofrem as consequências negativas das mesmas E ali ficou aquele homem, caído, desvalido e necessitado
Então, por esse mesmo caminho passa um sacerdote e depois um levita Personagens conhecidas da época, homens religiosos e bem formados, dedicados à piedade e ao culto divino No entanto, «desviando-se», ou melhor, «esquivando-se», seguem o seu caminho. Olham para o outro lado, fecham o seu coração e não veem ou «não querem ver» aquele desgraçado, caído por terra e necessitado de ajuda. Se estamos próximos do mundo do sagrado, isto também pode ser para nós uma grande tentação: viver afastados do mundo real, onde os irmãos lutam, trabalham e sofrem, e deixarmo-nos ficar comodamente instalados nos nossos espaços devocionais, longe da realidade Doentes de uma espiritualidade intimista encerrada entre as paredes dos templos Outras tantas vezes, muitos de nós passamos ao largo, seguindo o nosso caminho, enfronhados nos «nossos assuntos», sem repararmos, sequer, se alguém precisa de nós
No relato construído por Jesus para os que o seguiam, não serão os homens do culto os que melhor nos podem indicar como devemos tratar os que sofrem, mas as pessoas de coração misericordioso A chave não é o culto, mas o amor De facto, pelo caminho, aproxima-se um Samaritano É óbvio que não vem do templo Não pertence ao povo eleito de Israel Também não é uma pessoa estimável aos olhos dos que ouviam Jesus naquele momento É, antes, uma personagem não-amada, de quem nada de bom se podia esperar Os samaritanos viviam em inimizade com os judeus, sendo acusados por estes de não serem fiéis ao Deus de Israel, adorando, antes, outros deuses
No entanto, este Samaritano deteve-se, prestou atenção ao homem caído por terra e assistiu-o Prestemos atenção a alguns pormenores do relato O que é que moveu este Samaritano a interromper o seu caminho? Apenas a misericórdia e a compaixão, pois este homem desconhecido e meio-morto não poderia retribuir qualquer gesto do Samaritano em favor dele. De facto, a misericórdia é a única reação verdadeiramente humana perante o sofrimento do outro. A misericórdia do Samaritano humaniza, a indiferença do Levita e do Sacerdote do relato desumaniza. A compaixão é a atitude radical de amor que deve inspirar a atuação do ser humano perante o sofrimento dos outros
Este Samaritano «vê-o», quer dizer, não passa distraído, presta atenção e dá-se conta daquilo que os outros dois ignoram Também se detém e assiste o caído, tratando as suas feridas com azeite e vinho Com efeito, a compaixão não é um sentimento, mas um princípio de ação, um princípio que nos move a agir Como? Olhemos para o Samaritano:
1 Vê, dá-se conta de que o outro homem está a sofrer
2 Detém-se e perde tempo com o homem caído
3. Desvia-se do seu próprio caminho, do trajeto que tinha planeado.
4. Dá aquilo de que o outro precisa, investe tempo, dinheiro e criatividade para aliviá-lo.
Não são dados menores, o azeite e o vinho. O Samaritano compartilha aquilo que tem com o necessitado, os seus gestos constituem um bálsamo, são compaixão concreta e suave, representada na história pelo azeite E esta atuação restaura e reconstrói a vida da pessoa, põe-na a caminho e em marcha novamente, devolvendo-lhe a alegria de viver e a capacidade de celebrar e de desfrutar da vida, simbolizadas pelo vinho derramado sobre as feridas
O Samaritano, portanto, toma aquele homem a seu cargo, carrega-o sobre a sua montada Leva-o até à pousada, para que ali o continuem a ajudar A pousada é lugar de acolhimento, de portas abertas e de receção para os que chegam feridos, como este homem Símbolo do nosso coração, das nossas vidas, das nossas comunidades e da própria Igreja, que deve ser «de portas abertas», para acolher e receber as pessoas a quem a vida deixou caídas nos caminhos Assim, «as pousadas» devem:
1 Abrir as portas e acolher
2 Dar lugar
3 Cuidar
4 Devolver ao caminho
Este relato pode ajudar-nos a deixar-nos interpelar: Quem é o Samaritano senão o próprio Jesus que nos mostra o seu estilo, o seu modo de proceder, o núcleo da missão que o Pai lhe confiou? A compaixão é o rosto do Pai e o princípio que configura toda a vida, missão e destino de Jesus.
Crer em Jesus não é acreditar numa doutrina ou num conjunto de bons preceitos, é seguir uma pessoa que, com a sua atuação, nos pergunta a que é que nos dedicamos, a quem amamos, o que fazemos concretamente por homens e mulheres que sofrem no mundo, perto ou não assim tão perto de nós
Por aqui passa o nosso seguimento e a conversão do nosso coração: tornarmo-nos disponíveis para a missão de compaixão que Jesus inaugurou e que nos deixa simbolizada neste relato Devemos aproximar-nos mais das pessoas que vamos encontrando na vida, para lhes oferecer a nossa amizade fraterna e a nossa ajuda solidária Devemos encarnar um amor «prático» pelos irmãos
Por isso dir-nos-á Jesus: «Vai e faz o mesmo». Tal equivale a dizer-nos: «vai e faz com os outros aquilo que tu próprio experimentaste». Quem se sente amado e salvo não pode deixar de amar e de procurar alívio para os seus irmãos. Este relato é um convite a percorrermos as palavras de Jesus com o coração, a sentirmo-nos salvos por Ele, Bom Samaritano, quando estávamos caídos à beira dos caminhos da vida A darmo-nos conta dos nossos desvios e das nossas cegueiras, recusando-nos a ver as necessidades de outros E para reconhecermos Jesus, o Bom Samaritano que nos salva, nos suaviza as feridas com azeite e nos devolve a alegria com o vinho novo do seu amor Para finalmente sermos nós a Igreja-pousada que acolhe, recebe, cuida e devolve ao caminho aqueles que Jesus vai colocando nas nossas vidas