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ENTRADA SEGUNDO A PERSPETIVA ESPIRITUAL.
«Chegada a tarde daquele mesmo dia, que era o primeiro da semana, e estando fechadas as portas da casa onde os discípulos se encontravam juntos, por medo dos judeus, foi Jesus, colocou-se no meio deles e disse-lhes: "A paz esteja convosco!".
Dito isto, mostrou-lhes as mãos e o lado Os discípulos alegraram-se muito ao ver o Senhor Ele disse-lhes novamente: "A paz esteja convosco Assim como o Pai me enviou, também Eu vos envio a vós". Tendo dito estas palavras, soprou sobre eles e disse-lhes: "Recebei o Espírito Santo. Àqueles a quem perdoardes os pecados, ser-lhes-ão perdoados, àqueles a quem os retiverdes, ser-lhes-ão retidos"» (Jo 20:19-23).
O medo, o temor, o risco, a valentia, o esforço, tal como o amor, são experiências quotidianas que dão cor à nossa vida Estas emoções perpassam todos os planos da nossa vida, surgem a qualquer momento, sem aviso prévio, e invadem a nossa casa interior Instalam-se dentro de nós, como doce hóspede da alma ou como visitante indesejado O medo, tal como o amor, influencia profundamente a nossa vontade Exerce um certo poder sobre nós
Tanto o medo como o amor têm a sua razão de ser na nossa vida. Pretender eliminar o medo porque não nos agrada, para dar lugar ao amor, sem qualquer tipo de discernimento, poderá constituir um ato de inconsciência extrema. O medo é prejudicial quando faz com que nos encerremos em nós mesmos, dificultando a nossa confiança em Deus. Quando não nos deixa avançar juntamente com Ele, mesmo sabendo que o caminho se pode revelar incerto para nós, ou quando nos obriga a fechar as portas à esperança e à fé O medo, porém, também tem os seus benefícios Por exemplo, torna-nos mais cautelosos e prudentes, permite-nos estar despertos e conscientes para não nos deixarmos enganar O medo ajuda-nos a estar alerta para não largarmos as mãos de Deus e torna-nos mais prudentes no trato com os outros
O amor é essa outra força interior que, ao contrário do aspeto negativo que caracteriza o medo, nos faz sair de nós mesmos, para irmos ao encontro dos outros É a energia que nos transforma de dentro para fora No entanto, o amor também implica um risco muito grande O amor humano tende a disfarçar-se de divino e a arrogar-se uma certa omnipotência. O amor humano pode corromper-se em dependência, voracidade e subjugação, destruindo pessoas e vínculos. Assim, uma sã atenção alertar-nos-á para as motivações mais profundas dos movimentos da nossa afetividade, mostrando-nos de que modo o amor e o medo se movem no nosso interior e aquilo a que nos conduzem.
Este itinerário espiritual que inicias e que designamos de Caminho do Coração, pretende conduzir-te ao mais profundo de ti mesmo, ao centro do teu ser, para poderes viver, a partir daí, no coração do mundo. Na profundidade do teu ser, onde habita Deus, tudo se torna mais claro Não faltarão momentos em que o medo fará a sua aparição e tu te sentirás paralisado, mas também não te faltará a experiência do amor divino que te fará sair desse impasse e confiar mais n’Ele Anima-te a fazer-te ao largo, a mergulhar no teu próprio mistério, para te encontrares com o Mestre divino em quem toda a pergunta humana encontra resposta
Os discípulos de Jesus estavam atemorizados pelo que acabava de acontecer O mestre tinha sido assassinado pelas autoridades religiosas e políticas Não o estaríamos nós também? E quando o medo, o desespero e a perda da fé pareciam ter estendido um manto de escuridão sobre os seus corações, Jesus fez-se presente no meio deles para lhes levar a paz e lhes entregar o Espírito Santo Quem é o Espírito Santo? É o doce hóspede da alma, a promessa do Pai É o advogado Aquele que acorre em nosso auxílio quando o invocamos. É Ele quem conduz à plenitude a obra da salvação. É, por fim, aquele que cumprirá em nós o processo de transformação interior que estamos a iniciar. Aquele que forja em nós a semelhança com Jesus. Este processo de semelhança restaura em nós aquilo que o pecado destruiu: a nossa condição de homens livres e filhos de Deus O Caminho do Coração que vamos iniciar transforma-nos em itinerantes do Espírito, à maneira dos apóstolos, para deixarmos de ser vagabundos espirituais Este itinerário tem uma orientação, um norte que o conduz
Como discernir se o nosso caminhar é de itinerantes ou de vagabundos? Como saber se a nossa itinerância acontece por ação do Espírito de Deus?
Os itinerantes do espírito sabem encontrar Deus nas coisas criadas Sabem apreciar a obra de Deus e sentem respeito e admiração por ela Pelo contrário, os vagabundos fogem do contacto com a realidade para dimensões «espiritualistas» que só servem para desumanizá-los Chegam mesmo a definir-se como «pessoas religiosas» e «empenhadas», enquanto julgam os outros com crueldade.
Os itinerantes, dóceis ao Espírito, tendem a travar amizades profundas, a colaborar. Sentem o desejo de fazer parte «de», de colaborar «com», de dar o seu tempo «para». Pelo contrário, os vagabundos espirituais não são propensos a estabelecer relações sãs nem duradouras Costumam ter problemas de comunicação e, basicamente, são pouco sociáveis São os que querem chegar a Deus rompendo com o mundo No entanto, se se comprometem ou assumem responsabilidades, fazem-no afastando os demais e não permitindo que alguém se entreponha entre eles e aquilo que «se deve fazer». O vagabundo, de personalidade egocêntrica, busca a sua própria santidade independentemente da caridade e da solidariedade para com os outros, centrando-se no seu próprio itinerário
Os itinerantes estão empenhados na realidade que lhes toca viver Não espiritualizam em vão a realidade, mas sabem aproveitar o lado bom dos acontecimentos e suportar as dificuldades que a própria vida acarreta Os vagabundos, pelo contrário, costumam ser pessoas que, com frequência, se privam a si mesmas da alegria e do prazer E quando encontram prazer nalguma coisa, sentem culpa e remorso A ascética cristã e a autodisciplina serão sempre necessárias, mas dentro dos seus próprios limites e sob a lupa do discernimento
Normalmente, os itinerantes do espírito pensam mais nos outros do que em si mesmos Estão atentos às necessidades dos outros e dispostos a renunciar aos seus próprios critérios para favorecer a união e aumentar a comunhão. Os vagabundos espirituais fecham-se sobre si mesmos e esquivam-se a um compromisso sério. Não se querem envolver e, de um modo geral, tendem a justificar a sua falta de integração responsabilizando os outros de serem «pouco espirituais e devotos». Os vagabundos costumam refugiar-se sob alguma «autoridade espiritual» para conseguir proteção e cuidado Procuram a proximidade do poder para se sentirem fortes
O itinerante espiritual não é aquele que fica apegado às coisas, mas o que vive o seu compromisso até ao fundo, atravessando toda a criação, até chegar a encontrar Deus em todas as coisas Todavia, fá-lo enfrentando o «aqui e agora» da sua vida Em contacto com a realidade que lhe toca viver Os itinerantes do espírito dispõem-se, claramente, a assumir riscos Quando se dão conta de que Deus lhes marca um novo caminho, aceitam abandonar as suas seguranças para penetrarem no novo e no desconhecido, como diz Jesus a Nicodemos (Jo 3, 1-21) O vagabundo espiritual, muito pelo contrário, agarra-se às suas seguranças Está apegado à norma, à lei e à autoridade para se salvaguardar. Desconfia das mudanças e autodenomina-se «prudente», para dissimular a sua cobardia.
Perante o discernimento, os itinerantes do espírito estão abertos a descobrir Deus mediante o senso comum, as autoridades legítimas, os amigos, as inúmeras situações que lhes toca viver Os vagabundos espirituais recusam-se a encontrar Deus no «comum» e quotidiano das suas vidas Tendem a pôr todo o género de restrições sobre o modo como Deus pode comunicar com eles Rejeitam obstinadamente interpelações ou sugestões de outros. Exigindo a si mesmos e aos outros uma adesão rígida à letra da lei, permanecem alheios ao espírito desta. Apresentam-se como guardiões da ortodoxia, para justificar o seu procedimento e para ocultar as suas verdadeiras motivações
Por fim, para sabermos se a nossa forma de caminhar é de itinerantes do espírito ou de vagabundos espirituais, devemos analisar a nossa relação com a solidão
O peregrino espiritual procura estar só, como necessidade integrante da sua relação pessoal com Deus Tal surge do anseio por uma intimidade amorosa e serena O vagabundo espiritual, pelo contrário, quer que o deixem só para continuar isolado A sua solidão consiste mais em fugir de tudo do que em estar com o Todo, é mais um retirar-se da vida do que um esforço por penetrar na profundidade da mesma Em alternativa, pode multiplicar exageradamente os seus compromissos, para ter a agenda cheia Procura estar em «tudo» e não perder «pitada de nada»
Enfim, o peregrino espiritual é uma pessoa que vive em plenitude o seu «estar no mundo, sem ser do mundo», ao passo que o vagabundo não só foge do mundo, como constrói o seu próprio mundo, desentendendo-se de tudo e de todos.
Que este itinerário te ajude a entrar em sintonia com o Coração de Jesus, sendo dócil ao Espírito do Senhor, a fim de discernires o teu caminho rumo à união íntima com Deus Ele transformará o teu coração de pedra num coração de carne, para que te abras à colaboração com a sua missão de compaixão pelo mundo Encontrando-o em todas as coisas, em tudo aquilo que te toca viver, poderás, em seguida, recapitular toda a tua história n’Ele e decidir colaborar com Ele na sua missão, ao seu estilo e à sua maneira
Oração de confiança
Pai, coloco-me nas tuas mãos, faz de mim o que quiseres
Aconteça o que acontecer, eu te dou graças Estou disposto a tudo.
Aceito tudo. Contanto que a tua vontade se cumpra em mim e em todas as tuas criaturas Não desejo mais, ó Pai, confio-te a minha alma.
Ofereço-ta com todo o meu amor porque te amo e preciso de me oferecer a ti, de me colocar nas tuas mãos, sem condições, sem medida, com uma confiança infinita, porque Tu és meu Pai
Colóquio
Reserva agora um tempo para conversares com Jesus Como? Falando claramente com Ele sobre aquilo que sucedeu na tua oração É uma forma de conversar para fixar «aquelas coisas» que te sucederam durante a oração