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Eloir Enio Weber
from Proclamar Libertação 45 - 2020-2021
by Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB)
25º DOMINGO APÓS PENTECOSTES
Eloir Enio Weber
14 NOV 2021
PRÉDICA: DANIEL 12.1-3
MARCOS 13.1-8 HEBREUS 10.11-14(15-18),19-25
Esperança e ressurreição em meio aos sinais de morte 1 Introdução
Penúltimo domingo do ano eclesiástico! Tempo no qual o teor apocalíptico dos textos bíblicos está fortemente presente. A composição de perícopes para este domingo não foge à regra. Temos uma composição bem interessante e desafiadora diante de nós. O texto de pregação, de Daniel, em estilo apocalíptico, traz a temática da ressurreição, tema não muito comum no Antigo Testamento (na exegese vamos nos ater ao texto). É um texto rico em promessas de Deus. Essas promessas são um verdadeiro evangelho, que quer animar as pessoas da época a permanecerem fiéis na fé em Deus. O texto do evangelista Marcos segue o estilo literário da perícope de pregação. Nele, Jesus fala da destruição do templo, criticando assim a teologia que tem a sua centralidade no templo de Jerusalém, além de alertar sobre os falsos profetas que aparecerão, guerras, terremotos, fome e o princípio das dores. Esses textos centrais são complementados com uma bela reflexão teológica da Carta aos Hebreus, que traz uma rica variedade de assuntos: perdão de pecados, purificação, sacrifício único de Cristo, alerta contra a prática de sacrifícios no templo, conclamando para guardar firme a confissão da esperança e chamando para congregar-se em comunidade. É um conjunto de textos que requer de nós, teólogas e teólogos, um estudo bem amplo e profundo, para não cairmos na tentação de tratá-los de forma rasa e vazia. O mundo religioso atual requer que esses temas sejam tratados com responsabilidade e estudo, fazendo frente à onda teológica vigente.
2 Exegese
a) O livro: O livro do profeta Daniel caracteriza-se por um estilo literário apocalíptico. Esse estilo literário também está presente em alguns fragmentos nos profetas do Antigo Testamento. Mas é no livro de Daniel que ele aparece com clareza, destaque e evidência. No Novo Testamento, está presente em algumas falas de Jesus, nos evangelhos e, especialmente, no livro do Apocalipse de João. O livro de Daniel foi escrito no século II a.C., numa época na qual o rei Antíoco IV travava uma luta intensa contra a cultura, os costumes e a religião dos judeus. Ele queria implementar a cultura helenista em seu meio e passou a perseguir as pessoas que não se submetiam a essa nova onda. O livro busca trazer
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força e sustentar a esperança do povo fiel, para que se mantenha firme na fé e resista contra os opressores. Na primeira parte, nos capítulos 1 a 6, são trazidas histórias de como Daniel e seus amigos resistiram aos poderosos na Babilônia e, com a ajuda de Deus, permaneceram fiéis à sua religião e ao seu Deus durante o exílio. Importante lembrar que entre o exílio e a produção literária do livro de Daniel há um hiato de 300 a 400 anos. Na segunda parte, nos capítulos 7 a 12, em linguagem figurada, no melhor estilo apocalíptico, o livro ressalta que se aproxima a última etapa da história, e que é preciso ter ânimo, fé e coragem para resistir ao opressor. Todos os poderes serão subjugados pela ação de Deus. b) O contexto: A perícope em questão precisa ser lida dentro de um contexto maior. A moldura dentro da qual ela está inserida compreende os três últimos capítulos do livro (10-12). Ali está retratada a realidade de perseguição e da morte. A partir, especialmente, do que consta no texto do capítulo 11.21-45, é revelado como e por que a violência é sofrida pelo povo fiel a Deus. Os v. 29 a 35 relatam atrocidades, como a violação dos preceitos religiosos do povo, com a profanação do culto e do santuário (11.31), assassinato pela espada e pelo fogo (v. 33) das pessoas que resistem em adotar o helenismo como modo de vida. O povo fiel é submetido a roubos e saques (v. 33) e, por fim, à escravidão (v. 33). Nessa situação violenta e caótica, o texto precisa ser lido e compreendido. c) O texto: O texto inicia com a expressão nesse tempo, ou seja, indica que o que vem na sequência está colocado dentro da moldura maior, que foi retratada anteriormente. Em seguida, o texto traz que se levantará Miguel, o grande príncipe, o defensor dos filhos do povo de Deus. Miguel é considerado como o anjo da guarda de Israel. Em hebraico, Miguel significa “aquele que é parecido com Deus” (mi = “quem”, ka = “como”, El = “Deus”). É um arcanjo pouco citado na Bíblia. Aparece só três vezes: Daniel 12.1, Apocalipse 12.7-9 e Judas 1.9. Na tradição cristã, é chamado de São Miguel Arcanjo ou simplesmente de São Miguel. Ganhou mais destaque nas tradições do judaísmo e da igreja cristã do que na própria Bíblia. Na sequência, o texto descreve, em estilo apocalíptico, as angústias que se aprofundarão como nunca houve. Mas o povo de Deus, ou seja, as pessoas que estiverem inscritas no livro serão salvas. O Novo Testamento também se refere ao “livro da vida” (Fp 4.3; Ap 3.5; 13.8; 17.8; 20.12-15; 21.27). O sentido da expressão é sempre semelhante: exemplo disso é o que o apóstolo Paulo escreveu em Filipenses 4.3, de que as pessoas que cooperam com ele no evangelho têm os seus nomes inscritos no livro da vida. A partir desse conteúdo, o livro de Daniel trouxe um aprofundamento na reflexão: a temática da ressurreição. Com isso, se dá o ápice do texto para este domingo. Pois, tratando desse tema, ele deu uma nova orientação à esperança escatológica veterotestamentária: é a primeira vez que aparece claramente na Bíblia
a referência à ressurreição de justos e injustos. Trata-se do texto mais claro do Antigo Testamento sobre uma futura ressurreição corpórea. O Novo Testamento, em todas as partes, proclama a ressurreição de Jesus, e, como consequência, a bendita esperança do retorno de nosso Senhor, para trazer os mortos de volta à vida e derrotar o último inimigo, a morte. Pode parecer que a esperança da ressurreição é exclusiva do Novo Testamento. Mas se pinçarmos essa esperança e começarmos a desemaranhá-la, descobriremos que ela tem raízes profundas que vêm do Antigo Testamento. Deus proveu a esperança da ressurreição a seu povo desde o princípio. A teologia da ressurreição, porém, não é aceita por todos os grupos no judaísmo. Os saduceus negavam que há a esperança da ressurreição, porque ela não é ensinada no Pentateuco. Eles negavam qualquer tipo de vida depois da morte. Eles acreditavam que não há qualquer penalidade ou recompensa depois da vida terrena. Por outro lado, os fariseus acreditavam na ressurreição dos mortos. Acreditavam em uma vida depois da morte, com a devida recompensa e punição individual. O autor do livro de Daniel se confrontou com a implacável perseguição aos justos durante a dominação selêucida (grega), que trouxe a morte para muitas pessoas. Esse quadro necessitava de uma resposta que satisfizesse de forma plena o clamor dos fiéis. A doutrina da ressurreição acabou com a concepção de retribuição em vida e ultrapassou a ideia de que apenas os justos irão ressurgir. Os ímpios também ressuscitarão e receberão sua porção. Assim, o texto conseguiu articular uma resposta satisfatória à angústia e morte e, ao mesmo tempo, cumprir a função de dar esperança aos que estavam resistindo e eram perseguidos por isso. O texto se encerra, no recorte dado para esta pregação, com a promessa de que os sábios e as pessoas que conduzirem muitos à justiça irão brilhar no céu como estrelas, eternamente.
3 Meditação
Estou aproveitando a quarentena provocada pelo coronavírus para escrever o presente estudo. Enquanto trabalho de casa, estou lendo um livro do escritor moçambicano Mia Couto, cujo título é “Um Rio Chamado Tempo, uma Casa Chamada Terra”. Trata-se de uma obra muito boa, que recomendo! Mia Couto diz de si mesmo: “Sou um branco que é africano; um ateu não praticante; um poeta que escreve em prosa; um homem com nome de mulher; um cientista que tem poucas certezas sobre a ciência; um escritor em terra de oralidade”. Ele se assume no seu contraditório. Por vezes é difícil descrever quem somos e assumir nossa identidade contraditória e marcada pela diversidade, mas que nos dá a possibilidade de praticarmos, em nós, “a tese e a antítese”. No livro mencionado, Mia, como “ateu não praticante” (achei fantástico isso!), escreve na página 87: “Num mundo de dúvidas, onde tudo se desmorona, a igreja surge como a memória mais certa e permanente”. Um teólogo “praticante” teria dificuldades para uma melhor definição do papel da igreja, especialmente, no contexto de incerteza e crise no qual vivemos.
No momento em que escrevo, estamos há uma semana em isolamento domiciliar. Há incertezas políticas, econômicas e de saúde pública, além do risco da contaminação. Templos estão fechados. Estamos tendo que nos reinventar. Assisti a diversos vídeos de colegas fazendo celebrações em escritórios. Eu mesmo me comunico com a comunidade escolar por vídeo. Minha filha está tendo aula em salas virtuais. Por outro lado, vivemos num contexto em que inúmeras pessoas, nos últimos cinco anos, perderam empregos com carteira assinada no Brasil e foram para a informalidade, num mundo cada vez mais “uberizado”. Essas pessoas não têm entrada de recursos para alimentar sua família enquanto não podem trabalhar. Precarizamos as relações trabalhistas e humanas. Estamos sendo cada vez mais sugados pelo sistema – “Num mundo de dúvidas, onde tudo se desmorona, a igreja surge como a memória mais certa e permanente”. O dia da celebração do culto para o qual escrevo este estudo é 14 de novembro de 2021 – daqui a um ano e oito meses. Como estaremos até lá? Nesse dia estaremos de feriadão, já que é véspera de celebrar mais um aniversário do primeiro golpe militar na república do Brasil, feito por generais, em 15 de novembro de 1889. E assim andamos como pátria amada! Em meio a notícias de morte, escrevo este estudo para o penúltimo domingo do ano eclesiástico, cujo tema central é a esperança na ressurreição. O livro que citei acima, na sua primeira linha sentencia: “A morte é como o umbigo: o quanto nela existe é a sua cicatriz, a lembrança de uma anterior existência”. A partir da nossa esperança em Cristo, acrescentamos que além da lembrança de uma anterior existência, está algo muito mais profundo e gracioso: a ressurreição, o reino, a libertação que Cristo nos concede de todas as chagas, lágrimas, explorações, fome, vírus e outras calamidades às quais estamos expostos em vida. Em outra parte do livro (como percebem, o livro é cheio de frases de efeito sobre a morte), está escrito: “A morte, essa viagem sem viajante, ali estava a dar-nos destino”. A espiritualidade cristã, construída em torno e a partir da Sexta-Feira da Paixão e, especialmente, do Domingo da Páscoa, não esconde a realidade cruel da morte. Mas também não coloca todo o “destino” (não compreendam mal esse termo) da vida humana nas mãos dela – a morte. Ela é a maior inimiga da vida humana. E a nossa esperança de que Cristo volte para colocá-la debaixo dos seus pés, essa, ela que é o salário do nosso pecado. Na ressurreição, não seremos viagem sem viajante, seremos novas e eternas criaturas. A situação na qual vivemos evoca muitos medos. Há, no meio da situação, muitas vozes apocalípticas. E aqui não me refiro às belezas do estilo literário apocalíptico, tão presente na Bíblia, inclusive nos textos bíblicos deste estudo, nem ao apocalipsismo que pretende encher de esperança as pessoas oprimidas e perseguidas, para que se mantenham firmes na fé. Para confrontar o apocalipsismo atual, raso e inconsequente, a teologia da igreja precisa dar a devida atenção ao seu discurso e prática teológica. É necessário fazer frente às correntes “evangélicas” que confundem conceitos e dão vazão aos preconceitos. O conjunto de textos é desafiador, mas lindo ao mesmo tempo. Oportuno, como sempre é oportuna a palavra de Deus. Desejo que a bela linguagem apocalíptica esteja presente nas celebrações das comunidades de fé, enchendo de esperança os corações sedentes, as mentes famintas e os corpos marcados pela vida.
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Para terminar, deixo o fim em aberto, para que você faça o contraponto à frase: “A gente não vai para o céu. É o oposto: o céu é que entra em nós” (Mia Couto).
4 Imagens para a prédica
Toda vez que se fala de ressurreição, é necessário falar da fragilidade da vida, que enfrenta a cada dia o risco da morte. Mas viver significa aprender a lidar com essa fragilidade e não se deixar abater por ela. Conviver com a morte como realidade e como parte da vida é o único caminho de realização, plenitude e felicidade. Penso que a pregação, necessariamente, precisa passar por esse enfoque. A ressurreição é consequência do agir de Deus, em Cristo. E esse agir de Deus nos leva a perceber que há senhores no mundo que pretendem nos impor o sofrimento, a subjugação e a morte. No tempo do escrito do profeta Daniel, havia o projeto de morte cultural e do imperialismo que o rei selêucida Antíoco IV queria implantar. No tempo de Jesus, era o imperialismo romano. E hoje... Quais os projetos de morte que enfrentamos? Quais imperialismos? O estilo literário apocalíptico quer nos dar forças para lutar contra os poderes estabelecidos e nos manter esperançosos e fiéis a Deus.
5 Subsídios litúrgicos
Penso na temática da esperança, que se mistura com a realidade da morte/ ressurreição. Por isso coloco, abaixo, uma litania e um poema que juntei ao longo do tempo e que me são caros. Litania da esperança (responsório)1
Quando as forças se abatem... Creio na graça* de Deus que me fortalece. Se é noite e os pesadelos querem me dominar... Creio na graça* de Deus que me fortalece. Na angústia das tempestades... Creio na graça* de Deus que me fortalece. Quando as lágrimas desejam ser meu alimento... Creio na graça* de Deus que me fortalece. Se na caminhada eu ousar desistir... Creio na graça* de Deus que me fortalece. Na saudade de um tempo de alegria... Creio na graça* de Deus que me fortalece. Quando a voz estiver fraca para clamar... Creio na graça* de Deus que me fortalece.
1 FRANÇA BENTO, Inês de; FILORDI, Alexandre. In: ALVES, Rubem (Org.). Culto Arte – celebrando a Vida. Petrópolis: Vozes, 2000.
Se no abraço o amor universal estiver ausente... Creio na graça* de Deus que me fortalece. (* magia, no texto original.) Não tenho medo da morte2
Eu não tenho medo da morte, conheço muito bem seu corredor escuro e frio que conduz à vida. Tenho medo dessa vida que não surge da morte, que paralisa as mãos e entorpece nossa marcha. Tenho medo do meu medo, e ainda mais do medo dos outros, que não sabem para onde vão e continuam apegando-se a algo que creem que é a vida e que nós sabemos que é a morte! Vivo cada dia para matar a morte, morro cada dia para parir a vida, e nesta morte da morte, morro mil vezes e ressuscito outras tantas, neste amor que alimenta, do meu Povo, a esperança!
Bibliografia
COUTO, Mia. Um Rio Chamado Tempo, uma Casa Chamada Terra. Lisboa:
Caminho, 2002. MARCONCINI, Benito. Daniel. São Paulo: Paulinas, 1984.
2 Julia Esquivel, Guatemala. Trad. Inés Simeone