Portulindia

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portulíndia

portulindia

[Nuno Felix da Costa]

[Nuno Felix da Costa]

Fora do documentalismo e do fotojornalismo a fotografia passa-se à volta do mistério da visibilidade – como o instante se transforma na massa que o corpo absorve; saboreá-lo é imaginarmo-nos pertencer ao que acontece num lugar – este é o ver que a fotografia quer revelar. O fotógrafo procura formas invisíveis para o olhar profano e tenta dar relevo ao seu misterioso significar, como se, de uma ânsia de nas coisas se espelhar, o homem encontrasse o discurso do lugar e o discurso da assimilação. Tudo lhe é referido, assim, as diferenças dos lugares apagam-se e as formas aproximam-se como se esse lugar-nenhum-ultra-real tornasse a visibilidade das coisas um processo nítido. As coisas possuem então uma beleza abstracta – atópica, contudo tão útil como seria um mapa que nos guiasse em qualquer cidade, tão consumível como as coisas impossíveis de apropriar ou de entendimento, simplesmente porque são os paradigmas que estruturam as coisas reais, as formas particulares, o seu exotismo, a sua etnicidade. O que une estas imagens não é, portanto, o lugar nem qualquer aspecto que permita provocar afinidades (ou contrastes) entre lugares, mas estruturas que marcam a forma como esses lugares podem ser admirados, habitados, visitados. Como se, no limite em que essa compreensão dos lugares reside, a forma encontrada

coincidisse na melhor fotografia desse lugar, tão paradigmática como um verso, universal como um aforismo, a que torna as outras redundantes – e esse limite existisse implícito no que em cada imagem falha. Índia e Portugal são duas geografias percorridas nesta perspectiva a-geográfica – poderiam ser outros quaisquer lugares e apenas as vicissitudes fragmentárias da autoria as justificam. Esta fenomenologia do visual começa no princípio do olhar, um fluxo que se entranha na carne do autor e que a fotografia elabora no sentido de uma caracterização atópica – não é próprio da época falar-se de caracterização utópica que teria um sentido próximo, mas o processo, ao descaracterizar as imagens para que signifiquem, torna-as estáveis e belas.

Outside documentary and photo journalism, photography is about the mystery of visibility – as the instant transforming itself into the mass that the body absorbs. To witness it is to imagine that we belong to what happens in a given place. This is the seeing that photography wants to reveal. The photographer seeks invisible forms to offer the profane look and tries to give shape to his mysterious search for significance; as if in the eagerness to mirror things, man could find the discourse of the place and the discourse of its absorption. Thus, everything is shown to him: the differences between places fade away and the shapes come together as if that ultra real nowhere place had brought the visibility of things into a clear process. Thus, things acquire an abstract or an a-topical beauty which is, nevertheless, as useful as a map which guides us inside a city. The objects photographed acquire a beauty as consumable as the things that are impossible to be owned or understood, simply because they are the paradigms structuring the real things, the particular shapes, their exoticness, their ethnicity. What these images have in common is, therefore, neither the place nor any aspect that is likely to create affinities (or contrasts) between places, but structures that fixate the manner in which they can be admired,

inhabited, visited. As if in the limit within which the understanding of those places resides, the found form would coincide in the best photography of those places, as paradigmatic as a line in a poem, as universal as an aphorism: the photography that will make all others redundant. As if that same limit would implicitly exist within what is missed by each image. India and Portugal are two geographies travelled from an a-geographical perspective - they could have been any other places and are merely justified by the fragmented vicissitudes of authorship. This visual phenomenology starts in the very first look, a flux that penetrates the author’s flesh, and that photography elaborates in the sense of an a-topical characterisation (it is not appropriate to the epoch to speak of utopian characterisation which would have a very close meaning), a process that, as it de-characterises the images so that they may acquire meaning, makes them stable and beautiful.


uma arte da imagem

an art of the image

[Nuno Júdice]

[Nuno Júdice]

O olhar constrói o mundo. Escolhem-se os ângulos e as perspectivas, a luz e a sombra, como forma de aproximação ao objecto. A fotografia permite uma concretização desse olhar, uma aproximação ou afastamento que permite a leitura que o mundo proporciona a quem o vê como um livro. Cada fotografia é uma página que apresenta um aspecto, das coisas aos personagens, da espaço natural ao espaço humano, em que nada se repete, e nos faz seguir a história de cada sequência de imagens. Mas é uma história que nasce do outro olhar – o olhar de quem vê as fotografias e procura nelas o seu próprio mundo, ou o seu desconhecimento do que tem pela frente. Por isso, a fotografia é o que está no seu enquadramento, mas é também o que o ultrapassa, numa ficção do vazio que é o tudo que nos interpela na sua ausência. O jogo de relações entre espaços e culturas nasce deste confronto de atmosferas que nos transporta de um ao outro lado do planeta. Mas nem sempre o estrangeiro é o que está do outro lado: também aqui, nos lugares que conhecemos dos mapas e dos roteiros turísticos, uma estranheza ocorre quando somos confrontados com tempos imemoriais, ou com figuras que nascem de uma ilusão de anacronismo. Por vezes, estamos numa cena que parece fabricada; mas a única fábrica é a desse

gesto que escolhe o momento do disparo, e fixa o efémero na pose definitiva de uma inesperada dança de planos e de formas, o que nos leva de volta ao início de tudo, em que o preto e branco abre todas as hipóteses de recriação da vida. É, de certo modo, o fragmento que assume o estatuto do todo. Há algo dos polípticos antigos nesta sucessão que configura uma aparente unidade; e reencontramos um sagrado que logo nos entrega o seu ângulo profano, limpando-nos de metafísica com a modernidade de uma aproximação que conjuga a nitidez do desenho com uma força que parece remontar às origens. Mas é o tempo de hoje que aqui passa, mesmo quando estamos perante vestígios de uma paisagem ancestral de cultos e templos que as idades reduziram a ruína, ou monumento. E para lá do episódico, do que faz parte do teatro do humano, o que fica é essa imagem do tempo que opera as suas transformações na matéria de que se fazem as imagens. Há um rigor que perpassa na escolha, poderíamos dizer matemática, dos elementos constantes de cada fotografia. A esse rigor dá-se o nome de arte – e são as suas regras que explicam a harmonia e a exactidão desse conjunto, a que nada se pode acrescentar ou subtrair.

To look at the world is to construct the world. As a way to approach an object, angles and perspectives, light and shadow are chosen. Photography allows the realisation of this looking, the closeness or the distance that may favour the reading the world has to offer to whoever can see like a book sees. Each photograph is a page presenting us with one aspect, from things to people, from natural space to human space, where nothing is repeated. Thus it leads us into the history of each image sequence. It is however the history that is born from another look – the look that sees the photographs and in them searches for its known world or for the unknown in what is presented to it. Therefore, photography is what is held within its framing and what lies beyond it, in the fiction of a certain void which is everything that engages us in its absence. The game of the relationships between spaces and cultures stems from this confrontation of atmospheres which carries us from one side of the planet to the other. But foreignness is not always on the other side: here too, in the places we know from maps and tourist guide books, an estrangement happens when we are confronted with times immemorial, or with figures born from an anachronistic illusion. Sometimes we find ourselves in a scenario that seems contrived, but

the only contrivance is the gesture that chooses the moment to shoot, fixating what is ephemeral in the definitive pose of an unexpected dance of plans and shapes. And this takes us back to the beginning of it all, where the black and white opens all the chances for life recreation. In a certain way, it is the fragment that embodies the importance of the whole. There is something of the ancient polyptics in this succession, encompassing a certain unity. Thus we reencounter a sacredness which soon hands its profane angle to us, ridding us of any metaphysics, with the actuality of an approach which combines the distinctness of the drawing with a force that seems to date from all beginnings. But this time is today’s time, even when we face traces of ancestral landscapes of cults and temples which the years have reduced to a ruin, or to a monument. Beyond the episode, beyond what is part of the human theatre, what remains is that image of time working its change in the matter of which the image is made of. There is a rigor in this choice, we could say this mathematical choice, of the elements in each photograph. This rigor is called art – its rules explain the harmony and the exactness of a wholeness to which nothing can be added and from which nothing can be subtracted.






















































Aljustrel 1998

Amora 2005 Kolkata 2005

Cochim 2000

Lisboa 2008 Varanasi 1996

Fronteira 1998

Cochim 2000

Câmara de Lobos 2002

Elvas 2006

Kolkata 2005

Talaminho 1998

Nazaré 1998

Cochim 2000

Lisboa 1997

Porto Covo 1998

Trás-os-Montes 1986

Lisboa 2007

Jaipur 1993 Kolkata 1996

India 2000

Algés 2004 Hampi 2000

Deli 1993

St. Cruz das Ribeiras 2006 a

Trás-os-Montes 1980

Cochim 2000 Abano 2005

Palolen 2000

Cacilhas 1984 Trás-os-Montes 1980

Varanasi 2005

Cochim 2000

Varanasi 2000

Beira 1978 Lisboa 2006

Jaipur 1993 Aggra 1996

Aggra 1996

Sines 1976

Quarteira 1984

Abano 2005 Palolen 2000

Kolkata 2005

Lourinhã 2005

Hampi 2000

Kolkata 2000

Lisboa 1986 Varanasi 2005

Hampi 2000

Varanasi 2000 Santarém 2003

Alcântara 1998

Aljustrel 1998

Trás-os-Montes 1980

Cacilhas 1978 Torres Vedras 2001 Kolkata 2005

Aparecida 2006

Kolkata 2005

Kolkata 2005

Trás-os-Montes 1980

Varanasi 2005

Elvas 2001

legenda

Kolkata 2005

legenda

Kolkata 2005

Hampi 2000 Jaipur 1996

Varanasi 1996

Seixal 1984

Kolkata 1996

Buarcos 1992

Nazaré 2007

Varanasi 2005

Portugal 1978

Cochim 2000 Hampi 2000

Aljustrel 1998 Coimbra 1982

Lisboa 1986

Lisboa 2007

Palolen 2000

Varanasi 2000

Praia Grande 1978 Juromenha 2004

Jaipur 1993

Mumbai 1993

Trás-os-Montes 1984 Bodgaya 2005

Khajurao 2000

Lisboa 2007

Peniche 1976

Goa 2000 Beira 1975

Nazaré 2007

Aparecida 1988 Hampi 2000

Kolkata 2005

Caparica 1976

Cochim 2000

Mértola 1990 Juhu Beach 1993

Évora 2000

Leiria 1983

Cochim 2000

São Bernardino 1978

Piedade 1979

Lisboa 1980 Juhu Beach 1993

Hampi 2000

Lisboa 2008


Editor Cortex Frontal Textos Nuno Felix da Costa, Nuno Júdice Tradução Ana Melo Hudson Design Inês Sena Produção Guide Artes Gráficas Isbn 978-989-96049-0-2 Depósito legal 285723/08


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