Parte II A Fé Cristã na Idade Média 1. O Fim da Antiguidade Clássica Com a derrocada do Império Romano do Ocidente, a Europa ocidental mergulhou num período conturbado, que se estendeu do século V até o fim do século VIII. Foi uma era em que os feitos artísticos e culturais romanos foram aniquilados pelos bárbaros, que transformaram o Império Romano do Ocidente em uma miríade de reinos menores. Justino I (483-565), governante do Império Romano do Oriente, reconquistou a maioria dos territórios perdidos do Império Romano do Ocidente, mas, em apenas um século, os herdeiros do antigo império perderam o controle sobre eles. Foi também o tempo em que o cristianismo se consolidou na Europa e em que os árabes omíadas, e depois os abássidas, conquistaram com seus exércitos todo o norte da África. Ao final do século XI, as forças islâmicas haviam conquistado dois terços do mundo cristão, incluindo Palestina, Egito, Ásia Menor, lugares que não eram a periferia da cristandade, mas seu verdadeiro centro. Mesmo regiões da Gália, como Aquitânia e Provença, foram dominadas pelos mulçumanos, até que Carlos Martel (688-741) os venceu em Poitiers, no ano 732. O islã acredita na existência de uma única divindade, Alá, que se revela de modo incorrupto no Alcorão, a revelação final de Alá a Maomé. Para os mulçumanos, há cinco atos básicos de culto: professar a fé de que não há outro deus, senão Alá, e de que Maomé é seu Mensageiro; orar cinco vezes durante o dia; contribuir para os pobres; jejuar durante o Ramadã; fazer a peregrinação à cidade de Meca, na Árabia Saudita. Além disso, enfatizam-se a obediência a lei islâmica e a interpretação autorizada do Alcorão, que trata de quase todos os aspectos da vida e da sociedade. O islamismo se divide desde o século VIII em dois ramos principais: os Xiitas e os Sunitas. Essa foi uma era de reviravoltas políticas que trouxeram fome, violência e epidemias. Ao mesmo tempo, também foi uma época em que os traços característicos essencialmente medievais começaram a surgir nos costumes, no vestuário, na escrita e na fé. No que se refere ao cristianismo no Ocidente, foi uma era de clericalização do saber e do ensino, e de institucionalização da fé cristã, com liturgia e estrutura teológica bem articuladas. Entretanto, no que diz respeito ao Estado, foi uma era de enfraquecimento. Houve um retrocesso da vida e economia urbana. 1
Cronologia do Islã Antigo Ano 610 622 630 632 635 638 642 647 651 661 674/67 7 685/70 5 692 698 711 717 722 732 750 751 762
Fato histórico Revelação a Maomé (570-632) da sua missão, no monte Hira, em Meca. Migração de Maomé e dos seus seguidores de Meca para Medina Conquista de Meca Morte de Maomé Conquista de Damasco Conquista de Jerusalém pelos árabes, sob o comando do Califa Omar (c.586-644)
Conquista de Alexandria, no Egito Primeira invasão do norte da África Término da conquista da Pérsia Criação do Califado Omíada, sediado em Damasco Cerco fracassado de Constantinopla Califado de Abd al-Malik (646/705) Conclusão da construção do Domo da Rocha em Jerusalém Conquista de Cartago Conquista da Península Ibérica Segundo cerco a Constantinopla Ordem do Califa Yazid II (687/724) para destruição de imagens cristãs Derrota dos mulçumanos por Carlos Martel, em Poitiers Ascensão do Califado Abássida Batalha de Talas, na Ásia Central: chineses derrotados por mulçumanos Fundação de Bagdá
2. Os Movimentos Missionários Nos primórdios da Idade Média, houve um tempo de grande atividade missionária, impulsionada pelos movimentos monásticos. Os principais evangelistas desse período foram: - Patrício (c.387-c.460). Nascido na Britânia, foi vendido como escravo na Irlanda e fugiu para retornar como “apóstolo da Irlanda”. Fundou um igreja centrada nos 2
mosteiros, que se tornou um grande e influente centro missionário. Foram os monges irlandeses que preservaram o saber no Ocidente, copiando as Escrituras e qualquer texto clássico que caísse em suas mãos. - Columba (521-597). Monge irlandês, conhecido como o “apóstolo da Escócia”. Fundou na ilha de Iona, perto da costa da Escócia, um mosteiro para evangelizar os bárbaros pictos, que se tornou um famoso centro missionário. - Agostinho da Cantuária (m.604). Monge beneditino que foi enviado a Roma por Gregório, o Grande, com um grupo de 40 monges, para evangelizar a Inglaterra, em 597. Considerado o fundador da igreja inglesa, foi o primeiro arcebispo de Cantuária e seu método de evangelização era diferente dos de Patrício e Columba, uma vez que buscava não a conversão individual, do coração, mas a conversão em massa. - Aidan de Lindisfarne (.651). Considerado o “apóstolo da Inglaterra”, era monge irlandês da Ilha de Iona e evangelizou partes da Inglaterra, fundando um mosteiro na ilha de Lindisfarne. - Bonifácio (680-754). Conhecido como o “apóstolo dos germanos”, foi um monge beneditino inglês que, em 716, partiu para evangelizar os saxões que viviam nos territórios da Frísia e da Germânia, trazendo-os para a fé cristã. Em 722, tornou-se bispo de todos os territórios da Germânia, mas em 754, ao retornar à Frísia, foi martirizado com alguns cooperadores. Foi considerado o mais ativo e bem sucedido missionário de sua época, além de ser autor da primeira gramática de latim produzida na Inglaterra.
3. O Sacro Império Romano Germânico Clóvis I (c.466-511) foi o primeiro rei bárbaro a repudiar a arianismo e, com mais três mil guerreiros, a abraçar as afirmações ortodoxas sobre a Trindade. Ele, que recebeu os emblemas consulares do imperador oriental Anastácio I (430-518), pertencia á dinastia merovíngia e foi o fundador do reino franco na Gália. O domínio merovíngio foi encerrado com a ascensão de Carlos Martel (c.690-741), duque dos francos e prefeito 3
do palácio, marcando a ascensão da dinastia carolíngia. Em 732, em Poitiers, ele liderou o exército franco na espetacular vitória contra os mouros, numa batalha considerada como a ação que salvou a Europa ocidental do expansionismo mulçumano. Ainda assim, seriam necessários cerca de sete séculos para os mulçumanos fossem inteiramente expulsos da Península Ibérica, onde estavam firmemente estabelecidos. Carlos Martel também estabeleceu contato com os papas, considerando líder dos francos não apenas de fato, mas também de direito, relações que o seu filho Pepino, o breve (c.714-768), o primeiro rei carolíngio, continuaria depois que assumiu o trono franco. Ele também auxiliou Bonifácio e outros missionários que evangelizavam as tribos germânicas do norte da Europa. Carlos Magno (c.747-814) herdou as alianças que seu avô e seu pai haviam estabelecido. Desde o inicio do seu governo como rei dos francos, em 771, ele agiu como objetivo de expandir seu próprio poder e fortalecer suas relações com o papa. Na ocasião em que foi coroado imperador pelo papa Leão XIII (c.750-816) em Roma, em 25 de dezembro de 800, suas vitórias na Saxônia, ao norte e a leste, na Península Ibérica, a oeste e na Lombardia, ao sul, haviam feito dele senhor de mais territórios da Europa do que qualquer outro soberano desde Teodósio, no final do quarto século. O conde e seus homens morreram juntos na Batalha de Roncesvales (778). Quando Carlos Magno foi coroado como o primeiro imperador do Sacro Império Romano Germânico, solidificou-se uma relação que se desenvolveria havia mais de meio século. Os papas haviam se voltado para o norte, onde estava emergindo uma nova e forte dinastia imperial. O imperador nunca se considerou um vassalo do papa; antes, entendia que devia prestar contas somente a Deus quanto ao bem-estar do seu povo. Contudo, durante os séculos seguintes, a política, a cultura, a sociedade, a arte, a música, a economia e o direito europeus se tornariam “cristãos” – não necessariamente no sentido de submeter-se às normas do evangelho, mas no sentido de o destino da igreja ocidental centralizada em Roma ligar-se de modo decisivo ao novo império. Durante os quatro séculos que se situam entre a morte de Teodósio (395) e a coroação de Carlos Magno (800), começa no Ocidente um mundo novo, que surge lentamente da fusão do mundo romano com o mundo bárbaro. Com isso, toma corpo a Idade Média Ocidental.
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4. O Período Formativo da Teologia Medieval Durante o período agitado que remonta à queda do Império Romano, quando os povos germânicos assumiram o domínio político no Ocidente, as questões teológicas mais importantes passaram a receber cada vez menos atenção da parte dos líderes da Igreja. Apesar disso, os fundamentos da teologia eclesiástica foram lançados nessa época por pensadores cristãos que trabalharam para preservar a herança da 5
Antiguidade no período medieval. Há alguns pensadores cristãos que destacam nessa época. Boécio (c.480-525). Filósofo cristão e chefe de governo do rei godo Teodorico (454526), que havia derrotado Odoacro e agora dominava a Itália. Acusado de manter relações com o Império Romano Ocidental, Boécio foi aprisionado e, por fim, executado. Ficou conhecido como o “último romano” e considerado por muitos como o primeiro filósofo eclesiástico. Através de seus escritos, bem como de suas traduções de livros de Aristóteles (384 a.C.-322 a.C.) transmitiu conhecimento da lógica aristotélica na Idade Média. Sua obra mais conhecida é A consolação da filosofia, escrita no período enquanto aguardava a pena de morte. Os escritos atribuídos a Pseudo-Dionísio, o Aeropagita, também pertencem a esse período. Tais escritos desempenharam forte influência na mística cristã, e por meio deles a Europa medieval tomou conhecimento da cosmovisão neoplatônica. Esse período não se notabilizou por desenvolvimentos dogmáticos no campo teológico. Beda, o Venerável (c.672-735), foi um monge beneditino anglo-saxão que viveu nos mosteiros de São Pedro, em Wearmouth, e de São Paulo, em Jarrow, no antigo Reino da Nortúmbria, na Inglaterra. Ele escreveu comentários, homilias e exegeses bíblicas, bem como tratados teológicos, mas tornou-se famoso por sua igreja inglesa. É considerado o primeiro historiador da Europa cristã. Por sua vez, Alcuíno de York (735-804) organizou as escolas paroquiais (ou presbiterais), as escolas monásticas (monacais) e as escolas episcopais (catedrais) no Sacro Império, que surgiram nas cidades e eram, de certo modo, imitações das escolas catequéticas do cristianismo primitivo. Na corte de Carlos Magno em Aachen, havia a escola do palácio ( palatina), onde os eruditos mais famosos da época ensinaram: o historiador Paulo, o Diácono (c.720c.799), o gramático Pedro de Pisa (744-799) e o teólogo Paulino de Aquileia (726-824), responsáveis pelo chamado “renascimento carolíngio”, que promoveu transformações na literatura e nas artes desse período. Outros teólogos importantes foram: Rábano Mauro (780-856), Hincmaro de Reims (806-882) e Gotescalco (805-868). Páscasio Radberto (785-865) e Ratramno de Corbie (c.800-c.868) promoveram um longo debate sobre a ceia, no qual o primeiro defendia a presença real, ou seja, que o pão se tornava o corpo de Cristo, e o segundo defendia uma presença espiritual de Cristo nos elementos. No entanto, a atividade principal desses escritores foi colecionar e reproduzir a tradição mais antiga. De qualquer forma, a teologia desse período formou
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a base para os desenvolvimentos posteriores através da preservação da herança da era patrística e dos escritos da Antiguidade Clássica.
5. Os Vikings e os Normandos Os Vikings, oriundos da Dinamarca, Noruega e Suécia, começaram a se expandir graças ao desenvolvimento de seus rápidos navios-dragões (conhecidos como dracar), com quilha reforçada e mastro para a vela. A princípio, tal movimento foi incentivado pela pirataria, ocorrendo de maneira bem regular. De fato, a hierarquia social, os 7
costumes e as leis deles estavam ligados à prática da pilhagem. Logo chegaram ao Canal da Mancha e ao Atlântico Norte, inserindo-se nas rotas comerciais de toda a Europa. O mosteiro de Lindisfarne, na Normandia, a base para a conversão ao cristianismo no norte da Inglaterra, foi saqueado e pilhado pelo vikings em 8 de junho de 793. Esse evento marca o início de uma onda de violência que varreu a costa norte da Europa cristã, a qual ficou marcada pela destruição indiscriminada de vilas e mosteiros. Em 860, os vikings devastaram cidades da costa de Marrocos, atravessaram o estreito de Gibraltar e pilharam a Catalunha, as ilhas Baleares e a ilha da Camargue. Dali partiram para a costa italiana, provavelmente buscando alcançar Roma, o que não chegou a ocorrer. Alguns navios chegaram ao Egito, outros retornaram para o ponto de partida, vencendo uma frota mulçumana perto de Medina-Sidônia, em 862. Outras incursões ocorreram também na Islândia, na Frísia, na Groelândia, chegando até Volga, na Rússia. Essas invasões cessaram no fim do século XI, com a consolidação de três reinos, Noruega, Dinamarca e Suécia, e com a chegada do cristianismo àquelas regiões, após a conversão de Haroldo Dente-Azul (c.935-c.986), rei da Dinamarca e Noruega. Em alguns lugares o vikings buscaram explorar as cidades, em vez de simplesmente saqueá-las. Os francos de Carlos, o Calvo (823-877), foram os primeiros a pagar, e, 845, um tributo para evitar a pilhagem de suas terras. Já os ingleses conseguiram contê-los militarmente, através de uma rede de fortalezas e de uma frota de combate, sob as ordens do rei Alfredo, o Grande (849-899). Com o tempo, no continente, os estabelecimentos militares e mercantis começaram a se transformar em estados organizados. Em 1066, na batalha de Hastings, os normandos (homens do norte) conquistaram o reino anglo-saxão da Inglaterra; e seu duque, Guilherme, o Conquistador (c.10281087), foi coroado como rei da Inglaterra, inaugurando a dinastia plantageneta. A partir de então, o ducado passou a fazer parte da coroa inglesa. Mesmo tendo sido dominada pelos normandos, a Inglaterra continuou a ser governada de forma separada e independente em termos sociais, culturais e, em menor dimensão, políticos. Nesse período, o francês passou a ser a língua dominante na Inglaterra, embora o latim fosse preferido em documentos oficiais da igreja. Nesse interim, o anglo-saxão sobreviveu como idioma popular principalmente entre os analfabetos. Depois de um período de anarquia (1135-1153), Henrique II (1133-1189) assumiu o trono, tendo sido sucedido por seus filhos Ricardo Coração de Leão (1157-1199) e 8
João Sem Terra (1166-1216). Todavia, no século XIII, esse imenso domínio senhorial que cobria quase metade da França atual, assim como a Inglaterra e o País de Gales, perdeu-se. Tudo o que restou nas mãos da Inglaterra foi o ducado de Aquitânia, uma pequena faixa de terra despovoada no litoral oeste da França, que se tornou fonte de atrito constante entre as monarquias francesa e inglesa. Essa disputa entra as monarquias deu início a Guerra dos Cem Anos, conflito que duraria gerações e causaria morte e destruição sem precedentes.
6. A Estrutura Política e Social na Idade Média Neste período, na Europa Ocidental, praticamente todas as terras pertenciam ao rei. Ele, porém, não podia defender sozinho suas terras de eventuais inimigos, pois não havia exércitos permanente na época medieval. Por isso, o rei concedia feudos aos nobres, que o auxiliariam nas batalhas, criando uma cadeia de domínios senhorais 9
dependentes do rei. Esses arrendatários, que eram súditos ou vassalos do rei, concediam, por sua vez, partes de seus feudos aos cavaleiros. A principal obrigação dos nobres feudais era fornecer certo número de cavaleiros que constituiriam o exército real, quando houvesse necessidade. Esses cavaleiros, que desde cedo aprendiam a cavalgar e a manejar escudo, lança, espada e arco e flecha, juravam lealdade e obediência aos seus senhores feudais e ao rei. Embora exigisse disciplina e treinamento, um ataque de um grupo compacto de cavaleiros era irresistível. Essa modalidade de luta levou ao culto à cavalaria, praticada em torneios e competições. O sistema feudal de posse de terra contribuiu para a fragmentação da sociedade, numa época em que grande parte da população morava no campo lavrando a terra. Os camponeses que viviam em suas terras e recebiam proteção dos nobres trabalhavam até 100 dias por ano para eles, em troca de pedaços menores de terra onde pudessem plantar para si próprios. Em alguns casos, os camponeses pagavam aluguéis, e os senhores usavam o dinheiro para contratar trabalhadores agrícolas. As cidades eram sujas e barulhentas, apinhadas de gente, malcheirosas. A cidade medieval, como escreve Le Goff, “é ainda um sistema de organizações de um espaço fechado com muralhas, onde se penetra por portas e se caminha por ruas e praças, e que é guarnecido por torres”. As doenças se disseminavam rapidamente em lugares onde pessoas viviam juntas, sem esgoto nem água limpa. Embora houvesse algumas belas casas construídas pelos nobres e comerciantes, a maioria das pessoas contava com um único aposento para trabalhar, comer e dormir. Ainda assim, a cidade era o lugar onde alguém poderia ascender socialmente. A maioria dos moradores da cidade era pobre, mas alguns mercadores nas cidades italianas, nas cidades da Liga Hanseática na Alemanha e nos Países Baixos provaram que era possível ascender socialmente, mesmo nascendo na pobreza. O sistema feudal era fortemente hierarquizado, tendo reis, nobres e sacerdotes eclesiásticos no topo da sociedade. Eles faziam as leis, aconselhados por ministros e pelos parlamentos, que eram assembleias de nobres, cavaleiros e cidadãos que exigiam o direito de discutir a politica real. Funcionários do governo, mercadores ricos e advogados também desempenhavam parte importante na política, como membros de tribunais e conselhos da cidade. Contudo, a maioria da sociedade medieval não tinha acesso ao poder, em razão das poucas posses e da parca economia, não tendo chance de defender seus direitos nos tribunais de justiça reais e enfrentando punições severas em caso de revolta. Em anos bons, indivíduos das camadas mais baixas, 10
especialmente no campo, poderiam alcançar um padrão de vida moderadamente confortável, assim como poderiam facilmente perder tudo por causa de colheitas ruins, acidentes e doenças.
7. O Estabelecimento do Papado No primeiro século, o modelo de liderança das igrejas locais era composto de presbíteros e diáconos, que atuavam sob a supervisão apostólica. No início do segundo século, começou a haver a centralização da autoridade em um único bispo. O primeiro a defender essa posição foi Inácio de Antioquia, no século II. Irineu de Lião foi o 11
primeiro a destacar a sucessão apostólica, principalmente da Igreja de Roma, como exemplo de ortodoxia contra o gnosticismo. Cipriano de Cartago argumentou que, fora da igreja verdadeira, não haveria salvação, e as igrejas deveriam cooperar umas com as outras em submissão mútua, todas submissas à igreja em Roma. Um século depois, o I Concílio de Niceia reconheceu três bispados proeminentes, centrados nas igrejas de Alexandria, Roma e Antioquia. No quinto século, o Concílio de Calcedônia deu ao bispo de Constantinopla honra e privilégios iguais aos do bispo de Roma. Todavia, o colapso do império ocidental, por causa das invasões bárbaras, fez da igreja a instituição mais forte de integração da sociedade. E a perda dos territórios dos patriarcas de Antioquia, Alexandria e Jerusalém para os árabes, assim como a pressão contínua exercida contra Constantinopla, aumentaram a autoridade do bispo de Roma. O mais importante personagem na formação da primazia do bispado de Roma doi Gregório, o Grande (590-604). No caos que se seguiu à queda de Roma nas mãos dos bárbaros, Gregório, que era monge beneditino, agiu com autoridade tanto espiritual quanto secular, ordenando a reconstrução de aquedutos, alimentando os pobres, assumindo a defesa da cidade de Roma e negociando com os bárbaros. Estendeu a autoridade da igreja no Ocidente, por meio de missionários, e foi o grande pastor de almas, que nunca quis o título de papa – preferia ser chamado de “servo dos servos de Deus”. E sua principal obra foi A regra pastoral, um dos mais importantes manuais de poimênica da história. A criação dos estados papais, por meio do tratado de Quierzy (754), estabelecido pelo rei franco Pepino, o Breve, propiciou ao papado um estado pontifício. Isso ocorreu por meio da concessão ao papa Estevão II (715-757) de Ravena, Pentápolis e Roma. Em 962, Oto I (912-973) foi coroado imperador do Sacro Império por um dos piores papas da história, João XIII (955-964). Posteriormente, os húngaros foram evangelizados, o que levou à criação do Reino da Hungria, meio século depois. A maior parte dos papas do período que vai de 754 a 1059 exerceu um pontificado fraco, muitas vezes controlados pelos senhores feudais francos, italianos e alemães, que constantemente fundavam bispados e abadias, nomeando ou depondo os clérigos do local e controlando suas ações. Concílio
Concílios Ecumênicos Medievais Principais Participantes Decisões
I Latrão (1123)
Papa Calisto II (1060-1124)
II Latrão (1139)
Papa Inocêncio II (1116-1143)
Limitou o poder imperial na vida interna da igreja. Acentuou a centralização da igreja em Roma. Proibiu o casamento dos sacerdotes. Concedeu indulgência aos cruzados. Condenou Arnaldo de Bréscia (c.1105-
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III Latrão (1179) IV Latrão (1215)
Papa Alexandre III (c.11001181) Papa Inocêncio III (c.11601216)
I Lião (1245)
Papa Inocêncio IV (11951254)
II Lião (1274)
Papa Gregório X (1210-1276)
Viena (1311-1312)
Papa Clemente V (1264-1314)
Pisa (1409)
Pedro de Ailly (1350-1420) Pietro Philargi (1340-1410) Gui de Maillesec (m.1412)
Constança (14141417)
Papa João XXIII (c.1370-1419) Sigismundo da Germânia (1368-1437); Pedro de Ailly Jean Gerson (1363-1429)
Basiléia-FerraraFlorença (14311439)
Papa Martinho V (c.13681431) Papa Eugênio IV (1383-1447) Julian Cesarini (1398-1444) Nicolau de Cusa (1401-1464)
V Latrão (15121517)
Papa Júlio II (1443-1513) Papa Leão X (1475-1521)
1155). Publicou decretos de reforma. Confirmou as decisões do I Concílio de Latrão. Discutiu os procedimentos para a eleição de um papa, Condenou o maniqueísmo. Definiu a doutrina da transubstanciação. Confirmou os Franciscanos. Planejou a Quinta Cruzada e instituiu a Inquisição. Sinalizou o apogeu do poder papal, sendo conhecido como o maior concílio medieval. Depôs o imperador Frederico II da Germânia (1194-1250), por este ter sido insubmisso à autoridade papal. Lamentou a perda de Jerusalém. Buscou reunificar as igrejas oriental e ocidental, mas com sucesso limitado. Procurou solucionar as questões disciplinares na vida da igreja. Proibiu a criação de novas ordens monásticas. Dissolveu a Ordem dos Templários, vítimas de acusações injustas. Discutiu a pobreza franciscana. Não obteve êxito em formar uma nova cruzada. Defendeu a autoridade conciliar acima do papado. Depôs Gregório XII (c.1326-1417) e Bento XIII (13281423) e elegeu Alexandre V (c.13391410), o que deixou a igreja com três papas rivais. Fim do Cisma do Ocidente, depondo três papas e nomeando Martinho V (1368-1431) Condenou e executou John Huss (1374-1415) Afirmou a autoridade dos concílios sobre a igreja. Tentou alcançar a reunificação com a igreja do Ocidente, em razão da necessidade de Constantinopla receber ajuda militar do Ocidente contra os turcos. As decisões não foram aceitas pelo povo e pelo clero bizantino Em 1453, Constantinopla caiu nas mãos dos turcos, terminando o Império Romano no Oriente. Tratou-se da Reforma da Igreja As decisões foram ignoradas porque atingiam privilégios do clero O final do concílio coincide com o início da Reforma Protestante
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Entre os anos 900 e 1050, surgiram centros de reforma contra os abusos e a corrupção, como o mosteiro de Clúnia, na França. Tais centros ofereceram uma nova liderança para a igreja, com vários papas reformadores, destacando-se: - Leão IX (1002-1054). A pedido de Henrique III (1017-1056), imperador do Sacro Império Romano-Germânico, assumiu o papado, promovendo o celibato do clero, opondo-se à simonia, que era a compra de cargos ou benefícios e eclesiásticos, e trabalhando para que os bispos não fossem príncipes, mas simples teólogos, e para que os valores do cristianismo primitivo retornassem; - Hildebrando da Toscânia (c.1020-1085). Conhecido como Gregório VII, foi monge reformador que também se opôs a simonia, promoveu o celibato do clero e buscou unificar a cristandade. Talvez o episódio que melhor ilustra a solidificação do poder papal ocorreu nesse período, com Henrique IV (1050-1106), imperador do Sacro Império Romano-Germânico. Tendo falhado em depor o papa, precisou penitenciar-se com sua família, humilhando-se diante do papa em Canossa, na Itália; - Urbano II (1042-1099). No Concílio de Clermont-Ferrand (1095), ele convocou a Primeira Cruzada, visando reconquistar Jerusalém, que fora conquistada pelos mulçumanos; - Inocêncio III (c.1160-1216). O poder papal alcançou seu ápice nesse período. Ele ordenou uma cruzada contra os albigenses, grupo herético medieval, e autorizou a organização das ordens mendicantes. Ele foi papa durante o IV Concílio de Latrão (1215), que promulgou a doutrina da transubstanciação, decretou a Inquisição e mandou que todas as catedrais tivessem escolas abertas aos pobres. Essa foi a época da questão das investiduras, o principal conflito entre a Igreja e o Estado nos séculos XI e XII. Nesse período, os papas lutaram contra a intromissão das monarquias europeias nas nomeações de bispos, abades e dos próprios papas, tentando restaurar a disciplina eclesiástica. A polêmica foi resolvida na Concordata de Worms (1122), em que se decidiu que caberia ao papa a investidura espiritual dos bispos e ao imperador, a investidura temporal. Mas, ao fim desse período, o papado caiu completamente sob o domínio francês.
8. A Teologia Ortodoxa e o Cisma do Oriente Foi na época do imperador Justiniano I que a teologia despontou com grande força intelectual. Os mais importantes teólogos dessa época foram:
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- Leôncio de Bizâncio (485-543). Ele argumentou a favor do princípio da enipostasia da natureza humana de Cristo no verbo divino, isto é, a natureza humana de Cristo possuía tudo que qualquer outro ser humano possui na sua condição não pecadora, com exceção de uma existência pessoal independente da pessoa do Verbo, o Filho de Deus. - Máximo, o Confessor (580-662). Defendeu o duotelismo, a crença em duas vontades em Cristo. Com seu martírio em defesa dessa crença, influenciou o III Concílio de Constantinopla (680) a ordenar o monotelismo, afirmando as duas vontades naturais em Cristo como o ensino ortodoxo. - João Damasceno (c.679-749). Monge sírio que sintetizou temas da tradição teológica oriental em seus muitos escritos. Também afirmou o hesicasmo, o ensino de que, com o auxílio de certas disciplinas espirituais e meditações, os fiéis poderiam receber uma visão interior imediata de Deus. Os principais defensores dessa compreensão da experiência cristã foram Simeão, o Novo Teólogo (949-1022), e Gregório Palamas (c.1296-1359). Na Idade Média, as igrejas orientais e ocidentais se dividiram, formando, respectivamente, a Igreja Ortodoxa e a Igreja Católica. As tensões entre as duas igrejas remontam à divisão do Império Romano em ocidental e oriental e à transferência da capital de Roma para Constantinopla, no século IV. Contudo, uma série de razões aprofundou o cisma: - Em primeiro lugar, houve uma grande rivalidade política e eclesiástica entre o Sacro Império Romano-Germânico e o Império Bizantino, os dois centros de poder civil e religioso da época. Essa rivalidade se refletia na disputa entre o papa, no Ocidente, e o imperador, no Oriente, pelo poder sobre a igreja, além das diferenças culturais e linguísticas. - Também ocorreu a controvérsia sobre a inclusão da expressão “e do Filho” ( filioque) no Credo de Constantinopla. A igreja do Oriente, que confessava a doutrina ortodoxa da Trindade, não gostou quando os ocidentais acrescentaram ao Credo que o “Espírito Santo, Senhor e vivificador” procede “do Pai e do Filho”. Portanto, o patriarca Fócio (c.820-891) condenou a sua inclusão no Credo, acusando a cláusula de herética. - A ideia, proveniente do Ocidente, de que o clero era obrigado a permanecer celibatário, opunha-se a permissão do casamento ao baixo clero da igreja ocidental; e a iconoclastia, isto é, a destruição de imagens religiosas – o II Concílio de Niceia condenou os iconoclastas e restaurou o uso das imagens nas igrejas, dizendo que elas são dignas de veneração (dulia), mas não de adoração (latria). 15
- Ocorreu também o caso de mútua exclusão, quando o papa Leão IX (1002-1054) excomungou o patriarca Miguel I, Celulário (c.1000-1059), de Constantinopla, e este enatematizou o papa e a igreja latina, oficializando-se o Grande Cisma do Oriente. - Foi a Quarta Cruzada e o estabelecimento do Império Latino (Ocidental) que envenenaram profundamente as relações entre o Ocidente e o Oriente. Nesse momento, pode-se identificar a ruptura final entre as duas grandes tradições da igreja. Com a queda de Constantinopla, as lideranças da Igreja Ortodoxa transferiram-se para a Rússia, aonde a fé ortodoxa chegou no século X, por meio de missões bizantinas. No século XVI, o patriarca de Constantinopla Cirilo Lucaris (1572-1638) foi deposto e assassinado, por ter sido considerado um “herege calvinista” e por tentar reformar as igrejas orientais. Hoje existem pelo menos quatorze igrejas ortodoxas: as quatro mais antigas – Constantinopla, Alexandria, Antioquia e Jerusalém; e as que surgiram ao longo do tempo – Rússia, Sérvia, Romênia, Bulgária, Geórgia, Chipre, República Checa e Eslováquia.
9. As Ordens Monásticas Medievais O movimento monástico medieval foi uma reação contra o grande número de bárbaros que entraram na igreja trazendo consigo muitas práticas semipagãs. O aumento da 16
imoralidade, especialmente entre os nobres, levou muitos a verem com ceticismo a possibilidade de alguma reforma social. O monasticismo, então, tornou-se um refúgio para os que ser revoltavam contra a decadência daqueles tempos. O movimento beneditino surgiu no fim da Antiguidade Clássica. A partir dele, como fruto de reformas internas do monasticismo, fundaram-se duas novas ordens que seguiam a Regra de São Bento. - O duque Guilherme I da Alemanha (875-918) fundou em 909-910 a abadia de Clúnia, na França, o que marcou o início da ordem cluniacense. Seu primeiro abade foi Berno (c.850-927). Vários papas foram beneditinos provenientes dos mosteiros cluniacenses, como Gregório VII (c.1020-1085) e suas principais ênfases eram o celibato, a obediência ao abade e ao papa, a pobreza, a oração e a leitura das Escrituras. O governo dos mosteiros era centralizado, havendo uma rede de mosteiros sob a autoridade do abade de Clúnia. - Os cistercienses foram fundados em 1098 pelo abade Roberto de Molesme (c.10281111), em Cister, na França. As principais ênfases da ordem cisterciense foram: santidade de vida, simplicidade e trabalho físico, especialmente agrícola. O governo dos diversos mosteiros era independente, mas conferências anuais eram realizadas, e a autoridade na Ordem era exercida por uma reunião anual de todos os abades. Seu destacado membro foi Bernardo de Claraval (1090-1153). Humilde e inclinado à vida mística, destacou em seus escritos e homilias o amor de Deus a alcançar pecadores mediante a encarnação de Jesus. Foi o fundador da abadia de Claraval e defensor de uma ampla reforma na igreja. Firme na teologia, num tempo em que as ideias de Abelardo de Paris ameaçavam os fundamentos da fé cristã, surgiu como o campeão da ortodoxia, além de tornar-se famoso autor de hinos. Foi o primeiro escritor medieval a desenvolver o misticismo como posição teológica original. Outra importante ordem medieval eram os Cônegos de Agostinho, que surgiram em 1100. As principais ênfases da Ordem Agostiniana, que adotava a Regra de Agostinho de Hipona, eram a vida em comunidade, a adoração a Deus, a divisão de bens e moradia, e o serviço no mundo sem abandonar o ministério. Alguns membros dessa ordem eram mendicantes, entre os quais se destacaram Adriano IV (c.1100-1159), Gregório de Rimini (c.1300-1358) e Erasmo de Rotterdã (1466-1536). As duas principais ordens mendicantes surgidas na Idade Média foram: - Os Franciscanos, fundados em 1210 por Francisco de Assis (1182-1226), em Assis, na Itália. Antes de sua conversão, ele havia sido cavaleiro, filho de um rico comerciante de tecidos. No entanto, abandonou todas as riquezas e pompa por amor a 17
Cristo, e sua grande preocupação era com a pregação ao povo e com a pobreza. Durante a Sexta Cruzada, em 1219, foi ao Egito, onde recebeu liberdade para pregar aos súditos do sultão Al-Kamil (1180-1238). Clara de Assis (1194-1253) foi a fundadora do ramo feminino da Ordem Franciscana, e as mulheres desse ramo eram conhecidas como Clarissas. A Ordem Franciscana adotou uma regra própria, e suas principais ênfases eram o serviço e a pobreza, a castidade, a obediência ao papa, o culto e a pregação. Muitos dos membros da ordem foram missionários, na Espanha, Egito, Índia, China e América. O serviço de caridade dessa ordem foi evidenciado pelo fato de quase dez mil franciscanos morrerem enquanto cuidavam do povo durante a “Peste Negra” (13481349). Vários membros da ordem foram eruditos de destaque, servindo nas Universidades de Oxford e Cambridge, na Inglaterra. Diferentemente das outras ordens, que viviam em comunidade, em mosteiros, separadas do mundo, os franciscanos ministravam no mundo, nas universidades, em missões e em hospitais. - Os dominicanos pertenciam a uma ordem mendicante fundada em 1216 por Domingos Gusmão (1170-1221), em Toulouse, na França. Eles usavam a regra de Agostinho. Alguns dos seus principais monges foram Alberto Magno, Tomás de Aquino, Jerônimo de Savonarola (1452-1498) e Bartolomeu de Las Casas (1474-1566). O objetivo dessa ordem era pregar a ortodoxia e refutar a heresia, e suas principais ênfases foram centradas numa vida austera, na castidade, na obediência ao papa, no culto com pregação na língua do povo e na erudição teológica. Geralmente seus mosteiros eram estabelecidos perto das cidades. O governo da ordem era firmemente centralizado, ligado diretamente ao papa. Os dominicanos tinham interesse especial na evangelização dos mulçumanos e judeus e, nos anteriores à Reforma Protestante, essa ordem auxiliou a Inquisição. Também houve três ordens militares monásticas: - Tendo sua origem entre os dominicanos, Raimundo de Puy (1080-c.1160) fundou em 1113 a Ordem dos Hospitalários, conhecida também como Ordem de São João de Jerusalém. - A Ordem dos Templários, conhecidos como os Cavaleiros Templários, foi fundada em 1119 pelo cavaleiro francês Hugo de Payens (1070-1136), também estabelecido em Jerusalém, na Palestina. No século XIV, os templários foram perseguidos na França e suprimidos em toda a Europa, e seus bens foram transferidos para os hospitalários.
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- A terceira Ordem era a dos Cavaleiros Teutônicos, fundada em 1190, estabelecida em Acre, também na Palestina. Por volta de 1329, os cavaleiros teutônicos controlavam toda a região do Báltico, desde o golfo da Finlândia até a Polônia. As principais ênfases dessas três ordens eram a pobreza, a obediência, a castidade e o serviço militar, e o estilo de vida era comunitário. Além de desempenharem tarefas militares, serviam em hospitais. O governo dessas ordens estava centralizado sob um grão-mestre, que era o ministro geral e comandante militar da ordem, e o objetivo era proteger os lugares de peregrinação na Terra Santa.
10. As Cruzadas 19
As cruzadas foram expedições militares promovidas pela cristandade ocidental com a finalidade de reagir à tomada da Terra Santa pelos mulçumanos. A primeira cruzada foi convocada em 1095 pelo papa Urbano II, no sínodo de Clermont, na França, em resposta a um pedido de ajuda do imperador bizantino Aleixo I Comneno (1048-1118). Portanto, as principais razões desse movimento foram: reclamar as terras cristãs capturadas pelos exércitos turcos seljúcidas e proteger da perseguição os peregrinos europeus; proteger o Império Bizantino, que corria risco de ser invadido pelos turcos seljúcidas; aumentar o comércio com o Oriente Próximo, o que era de grande interesse cos comerciantes de Veneza, na Itália; estabelecer feudos nos lugares santos, uma razão que seria especialmente vantajosa para os normandos, que viviam na Sicília, no Sul da Itália. Os cavaleiros cristão ficaram conhecidos como cruzados em virtude de se identificarem pelo símbolo da cruz bordado em suas vestes. Esses cavaleiros, que deixaram terras e títulos, entendiam que sua jornada ao Oriente era um ato de devoção, uma peregrinação a Jerusalém, o centro do mundo espiritual. Portanto, foi garantida indulgência plena para os que participassem das cruzadas. No total, houve dez grandes cruzadas. A Cruzada dos Mendigos (1096) reuniu 35 mil cavaleiros liderados por Raimundo IV de Toulouse (c.1041-1105), Godofredo de Bulhão (1058-1100), Tancredo de Hauteville (1072-1112), Boemundo de Taranto (c.1058-1111) e Roberto II da Normandia (c.1054-1134). Em 1097, os cruzados cercaram e tomaram Niceia, vencendo com dificuldade os turcos em Dorileia. Em 1098, conquistaram Antioquia após longo cerco e, em 1099, apoderaram-se de Jerusalém e estabeleceram o Reino Latino de Jerusalém, assim como o principado de Antioquia e os condados de Trípoli e Edessa. A Segunda Cruzada (1147-1149) foi convoca pelo papa Eugênio III (1100-1153) e Bernardo de Claraval, por causa da perda do condado de Edessa (1145). Foi liderada Luís VII (1120-1180), da França e Conrado III (1093-1152), do Sacro Império Germânico, cujas forças foram derrotadas na Ásia Menor. Por quase um século, os dois lados travaram uma guerra de guerrilha, até que, em 1187, Jerusalém foi reconquistada por Saladino (c.1138-1193), sultão do Egito e da Síria, que havia unificado o mundo islâmico. Portanto, a Terceira Cruzada (1189-1192) foi convocada e liderada por Felipe II, da França, Ricardo Coração de Leão, da Inglaterra, e por Frederico I Barba-Ruiva (11221190) do Sacro Imério Romano Germânico.
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A Quarta Cruzada (1202-1204), liderada por Bonifácio de Montferrat (c.1150-1207) e Balduino I de Flandres (1170-1205), foi uma ação militar totalmente mobilizada na França. Em vez de navegarem para o Egito, entraram em combate contra o Império Bizantino, conquistando Constantinopla em 1204. A Quinta Cruzada (1217-1221), proposta por Inocêncio III e liderada por André II, da Hungria (c.1175-1235), Leopoldo VI, da Áustria (1170-1230), e João de Brienne (c.1155-1237), teve certo sucesso ao conquistar Damieta, no Egito, mas logo depois a perderam. A Sexta Cruzada (1228-1229) foi liderada pelo imperador Frederico II (1194-1250) do Sacro Império Romano Germânico. Ele partiu em 1227, mas adoeceu e retornou à Europa, onde foi considerado desertor e excomungado pelo papa Gregório IX (c.11601241). Em 1228, o exército cruzado partiu novamente e, no ano seguinte, assinou um tratado com Al-Kamil, o sultão do Egito, obtendo a posse de Jerusalém, Belém de Nazaré e um ponto da costa, Sidom. Mas, em 1244, Jerusalém foi perdida definitivamente. As demais cruzadas não tiveram muito sucesso. A Sétima Cruzada (1248-1250), por exemplo, contra o Egito, foi liderada por Luís IX (1214-1270), que foi derrotado e preso. Na Oitava Cruzada (1270), contra Tunis, Luís IX foi morto. A Nona Cruzada (1271-1272), continuação da Cruzada anterior, foi o esforço infrutífero de Eduardo I da Inglaterra de aliviar a pressão sobre o reino de Jerusalém. Ocorreram outras Cruzadas, como a Cruzada das Crianças (1212), as Cruzadas contra os heréticos albigenses (1209-1244) e as Cruzadas empreendidas pelos reis católicos da Dinamarca e da Suécia, com o apoio dos Cavaleiros Teutônicos, contra os povos não cristãos na região do Báltico (1147-1316). Contudo, a derrota do exército cruzado na batalha de Nicópolis (1396) diante dos otomanos encerrou definitivamente o ciclo das Cruzadas. O resultado é que elas não conseguiram refrear o imperialismo muçulmano, que continuou se expandindo para territórios cristãos, conquistando os Bálcãs, grande parte do leste europeu e a maior cidade cristã da época, Constantinopla. As principais consequências das Cruzadas contra os mulçumanos foram: - O feudalismo medieval se enfraqueceu, e o poder começou a centralizar-se nos reis, com o apoio da burguesia emergente, que era favorável ao conceito de estado-nação. - Houve aumento do prestígio do papado por um tempo e surgiram ordens militares, que ofereceram à igreja novas ordens de monges leais. - A persuasão substituiu a força nas missões cristãs aos mulçumanos. 21
- O estudo do islã, assim como a tradução do Alcorão para o latim, foi promovido por Pedro, o Venerável (1092-1156), abade de Clúnia. - Um dos principais missionários dessa época foi o espanhol Raimundo Lúlio (c.1232c.1315) que aprendeu árabe e três vezes se aventurou por terras mulçumanas, sendo por fim martirizado na Argélia. - Iniciou-se o comércio entre as cidades italianas e o Oriente Próximo, com a importação de produtos como tecidos, temperos e perfumes. - A filosofia, a ciência e a literatura árabes chegaram à Europa Ocidental e foram estudadas pelos teólogos cristãos, que tentaram fazer uma síntese entre esse saber e a revelação cristã. - Por fim, a cristandade entendeu que Deus havia negado a vitória ao seu povo por causa de seus pecados, fazendo surgir um movimento devocional de longo alcance na Europa, cujo objetivo foi purificar a sociedade cristã.
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11. As Universidades. Os séculos XI ao XV foi um período de importantes teólogos e de grandes realizações no campo do saber. Universidades foram fundadas por toda a Europa, legando à cultura ocidental uma herança educacional inestimável. As escolas de catedrais que se destacaram tornaram-se as universidades, espaço de pesquisa e produção de saber, mas também foco de vigorosos debates, o que, muitas vezes, sujeitava-as a crises e intervenções por parte dos poderes real e eclesiástico. Aqueles que ingressavam na universidade, após completar o estudo do “trivium” (constituído de gramática, retórica e lógica) e do “quadrivium” (constituído de aritmética, geometria, astronomia e música), estudavam direito, medicina e teologia. Entre 1080 e 1500, foram fundadas na Europa mais de cinquenta universidades. Entre elas, estão alguns dos mais importantes centros de saber da atualidade: Inglaterra: Oxford (1096) e Cambridge (c.1209); Portugal: Coimbra (1290); Espanha: Salamanca (1218), Velhadolide (1241), Múrcia (1272), Madri (1293), Lerida (1300), Santiago de Compostela (1495) e Valência (1499); França: Paris (1090), Montpellier (1220), Toulouse (1229) e Poitiers (1431); Itália: Bolonha (1088), Modena (1175), Pádua (1222), Siena (1240), Nápoles (1224), Roma (1303), Florença (1321), Pisa (1343), Pavia (1361), Ferrara (1391) e Catânia (1434); Alemanha: Heidelberg (1386), Colônia (1388), Würzburg (1402), Leipzig (1409), Rostok (1419), Greifswald (1456), Friburgo (1457), Munique (1472) e Tübingen (1477); Escócia: St. Andrews (1412), Glasgow (1451) e Aberdeen (1494); Bélgica: Louvain (1425); Suíça: Basileia (1460); Dinamarca: Copenhague (1479); República Tcheca: Praga (1348); Polônia: Jaquelônica (1364); Áustria: Viena (1365); Hungria: Pécs (1367); Croácia: Zadar (1396); Suécia: Uppsala (1477).
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12. A Teologia Escolástica e a Mística Medieval. O escolasticismo teve início em meados do século XI e alcançou seu apogeu no século XI. Trata-se de um saber de origem literária, que tomou forma nas universidades europeias. A teologia escolástica pode ser definida como a tentativa de unir ideias dos escritos filosóficos gregos e das Escrituras, dos textos dos Pais da Igreja e de outras obras cristãs dos primórdios do período medieval, com a finalidade de forma um sistema doutrinário claro e definitivo. Os principais teólogos escolásticos foram: - Anselmo (1033-1109). Foi monge e arcebispo de Cantuária, na Inglaterra, por nomeação de Henrique I (c.1068-1135), com quem divergiu posteriormente na questão das investiduras. Alguns de seus principais escritos foram Prologion e
Monologion, em que desenvolveu seu famoso argumento antológico. O método teológico básico de Anselmo era uma tentativa de colocar a lógica a serviço da revelação para fortalecer a fé: crer para compreender. Em “Por que Deus se fez homem?”, Anselmo ofereceu uma exposição do problema da expiação ou, mais precisamente, da encarnação. O que a pessoa única, Jesus Cristo, experimentou, o fez como Deus e homem. Para mostrar como as duas naturezas são necessárias para a obra da redenção, ele formulou o argumento da seguinte forma: como mediador, era necessário que Cristo fosse tanto de dignidade igual ao Pai como capaz de plena identificação com os homens; para expiar nossos pecados, Jesus tinha de ser humano, e, uma vez que os seres humanos estão todos debaixo da culpa do pecado, é necessário que Cristo seja Deus, uma vez que somente Deus pode sofrer e propiciar a ira infinita de Deus. A exposição de Anselmo não explica a natureza penal e substutiva da retribuição de Deus contra o pecado, mas aponta o pecado como um mal maior do que podermos compreender, pois o insulto à honra de Deus e violação de seu plano para a criação, que não podem ser perdoados como se nada tivesse acontecido. - Hugo (1096-1141) e Ricardo de São Vitor (c.1110-1173), que viveram e ensinaram na abadia de São Vitor, em Paris, combinaram especulação racional com envolvimento contemplativo. Hugo escreveu a primeira obra dogmática completa da escolástica, e a principal obra de Ricardo foi um tratado sobre a doutrina da Trindade, considerado um dos grandes livros da história do pensamento cristão, em que ele reflete sobre o ministério de Deus uno e trino. - Pedro Abelardo (1079-1142). Foi professor nas escola da catedral de Paris e ficou também conhecido por seu trágico romance com Heloisa d’Argenteuil (1101-1164), o
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que levou a ser castrado por ordem do tio dela, um cônego em Paris chamado Fulberto. Pedro Lombardo (1095-1159). Foi professor da escola da Catedral de Notre Dame, em Paris, tendo sido eleito bispo dessa cidade quase ao fim de sua carreira. Ele combinou a tradição meditativa de Anselmo com o método dialético de Abelardo. Sua conhecida obra clássica, Sentenças, abrangia todo o campo da dogmática, fornecendo uma exposição organizada da doutrina cristã. O volume é dividido em quatro livros, que tratam de Deus, criação, restauração do gênero humano e escatologia. Sua obra foi de importância fundamental para a instrução teológica na Idade Média. Foi um dos pioneiros a destacar os sete sacramentos. - Alberto Magno (1207-1280). Foi monge dominicano e ensinou em Ratisbona, Friburgo, Estrasburgo, Hildesheim e na Universidade de Paris. Também foi nomeado bispo de Ratisbona, cargo que renunciou para dedicar-se a docência. Sua atividade literário foi vastíssima, tratando dos mais variados assuntos: ciências naturais, filosofia, teologia, exegese e ascese. Primeiro intelectual medieval a palicar a filosofia de Aristóteles ao pensamento cristão, foi o mais importante filósofo e teólogo alemão da Idade Média. - Tomás de Aquino (c.1224-1274). Foi monge dominicano e professor na Universidade de Paris, Responsável por desarmar a ameaça da filosofia aristotélica, que havia chegado ao Ocidente trazida pelos árabes, tornou-se parte do arsenal cristão, criando um novo modelo de filosofia cristã. Suas principais obras são a inacabada Suma
Teológica, uma exposição detalhada da doutrina cristã, e a Suma contra os gentios, um texto sobre como evangelizar os muçulmanos. Seu esforço reside na tentativa de afirmar que a fé cristã tem uma teologia fundada na revelação e uma filosofia ancorada não exercício da razão, que se fundem numa síntese, isto é, a fé e a razão são mantidas unidas em sua orientação comum rumo a Deus, na medida em que há somente uma verdade, a mesma para a fé e para a razão. Quatro teólogos franciscanos se destacaram nesse período: - Boaventura (1221-1274), que assumiu a escola francesa de Paris, participou das principais controvérsias de sua época, opondo-se aos que atacavam as ordens mendicantes, como a dos franciscanos, e enfatizando que o conhecimento experimental de Deus, por meio da união mística, é o mais alto e profundo anseio do homem. - Rogério Bacon (1214-1292), professor na Universidade de Oxford, destacava a observação experimental como necessária para o conhecimento cientifico, descrevendo 25
o método cientifico como um ciclo de observação, hipótese, experimentação e necessidade de verificação independente. - João Duns Escoto (1265-1308), professor na Universidade de Paris, crítico da síntese tomista, afirmou que os dogmas cristãos não são demonstráveis racionalmente, mas deveriam ser aceitos apenas pela fé e à luz da autoridade da igreja, enquanto a filosofia deveria adquirir autonomia, deixando de ser serva da teologia – um prenúncio da dissolução da escolástica. - Guilherme de Ockham (1280-1349), professor na Universidade de Oxford, ensinou que as foutrinas teológicas não se sujeitam a ser provadas pela razão e, durante o “cativeiro babilônico” do papado, rejeitou a infalibilidade papal e a autoridade civil da igreja. Ele foi excomungado, mas sua filosofia nunca foi oficialmente condenada. Criou a teoria conhecida como “Navalha de Ockham”, que pode ser resumida na noção de que “a explicação mais simples é a melhor”.
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13. Guerra dos Cem Anos. Desde o século XII, os reis ingleses controlavam extensos domínios feudais em território francês, mas, no século XVIII, os soberanos franceses, com crescente sucesso, restabeleceram sua autoridade sobre alguns desses feudos, acirrando as tensões com a Inglaterra. A Guerra dos Cem Anos teve início em 1337, quando o rei inglês Eduardo III (1312-1377), parente pelo lado materno do rei francês Filipe IV (1268-1314) reivindicou o direito de unificar as coroas inglesa e francesa. Os ingleses venceram a batalha naval de Sluys (1340), assim como os combates em Crécy (13446) e Calais (1347), conquistando o controle de alguns territórios do norte da França. Até aquele instante, diante da superioridade militar dos ingleses, era possível supor a queda da monarquia francesa. Contudo, a “peste negra” impôs uma pausa na guerra. As batalhas foram reiniciadas dez anos depois, quando a Inglaterra conquistou novas regiões francesas. O exército inglês, liderado por Eduardo, o Príncipe Negro (1330-1376), venceu a Batalha de Poitiers (1356), esmagando o exército francês e capturando o rei João II (1319-1364), que só foi libertado mediante o pagamento de pesado resgate. Por isso, em 1360, a França se viu obrigada a assinar o Tratado de Brétigny, em que a Inglaterra oficializava o seu domínio sobre quase um terço do território francês. Mesmo às voltas com uma revolta dos camponeses franceses (chamada de Jaquerie) contra seus senhores feudais, os exércitos franceses foram reorganizados pelo rei Carlos V (1338-1380), que tirou o reino da ruína. O contestável Bertrand du Guesclin (c.1320-1380) liderou as tropas francesas e mercenárias ( grandes companies) numa série de campanhas que levou à retirada dos ingleses de boa parte da França. A luta se ampliou, chegando à Espanha, que vivia em situação de guerra civil. Com a subida ao trono de Carlos VI (1368-1422), a nobreza francesa se dividiu em dois partidos, os armagnaques, partidários da família de Orleans, e os borgulhões, partidários dos duques de Borgonha, dando início a uma guerra civil, na qual os borgulhões se aliaram aos ingleses. Esse ambiente volátil propiciou novas conquistas dos ingleses. Em 1415, Henrique V (1387-1422) desembarcou na Normandia, invadindo e tomando Harfleur. Em 1417, Henrique V desembarcou novamente na França e conquistou a Normandia, e, em 1419, Paris. Com isso, os ingleses recuperaram a porção norte da França e,
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através do Tratado de Troyes, Henrique V foi declarado regente e herdeiro da coroa francesa. Em 1422, a França encontrava-se dividida em dois reinos: o norte, governado por João, Duque de Bedford (1389-1435), regente do rei inglês Henrique VI (1421-1471). Nesse interim, em contexto a insatisfação dos camponeses franceses com a dominação inglesa, surge Joana d’Arc (c.1412-1431), que, alegando ter sido designada por Deus para dar fim ao controle inglês, mobilizou as tropas e populações locais, criou um exército nacional, não mais ligado aos senhores feudais, e venceu a batalha de Orleans (1429), o que mudou a mudança da maré do conflito. A partir dai, os franceses varreram a presença britânica da porção norte do país, vencendo-os nas batalhas de Formigny (1450) e Castillon (1453), encerrando assim a guerra – ainda que a rivalidade entre os dois países persistisse por muito tempo. no fim, o maior impacto do conflito se daria na França, pois a vitória fortaleceu o poderio real francês, abrindo caminho para o absolutismo, com a debilitação do poder feudal.
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14. A Reconquista Cristã e a Independência de Portugal. No começo do século VIII os mulçumanos, vindos da África do Norte, invadiram a Península Ibérica.
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