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DESENQUADRANDO RETRATOS SANTOMENSES

EMILIANO DANTAS, 2021.

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3º LUGAR

ENSAIO FOTOGRÁFICO

APRESENTAÇÃO DO TRABALHO

As fotografias apresentadas são um desdobramento da minha pesquisa de doutoramento. Neste projeto desenvolvo a minha narrativa visual, entre Arte e Antropologia, Fotografia, Costura e Encadernação. Aqui, fiz o encontro que acredito: construímos os conhecimentos pelos saberes e habilidades. Estas fotografias fazem parte de um livro que é coerente com as escolhas do meu longo trajeto como fotógrafo e antropólogo, além da minha posição crítica com os sistemas coloniais. Há anos fotografo roças e neste longo período venho publicando sobre as pessoas que permanecem nestes locais e como elas desenvolvem categorias êmicas que explicam o seu mundo.

APRESENTAÇÃO EXPANDIDA

As narrativas das fotos fazem parte do livro que se inicia na ilha de São Tomé. Esta ilha está situada no Oceano Atlântico, no Golfo da Guiné, na altura da linha do Equador, a aproximadamente 300 km da costa ocidental africana. Assim como no sul da Bahia, no Brasil, São Tomé é um dos poucos lugares no mundo onde o cultivo de cacau. É uma das principais atividades

econômicas que rege a configuração cultural e organização social. Nestes dois lugares, a existência de roças de cacau (e de café em São Tomé) engendra uma forma peculiar de relação com a terra, o trabalho, a moradia, a distribuição de tarefas e assim por diante. Esse é o contexto que venho estudando ao longo da construção de meu percurso enquanto pesquisador.

As roças, ou fazendas, de São Tomé deram início ao projeto imperialista de Portugal impondo às sociedades de plantação, fruto do colonialismo português. A organização das colônias se dava com a divisor das terras invadidas e implantação da cultura da cana-de-açúcar, utilizando mão de obra escrava. Foi um processo que considero como a invasão das terras e dos corpos, objetivando riquezas pelo cultivo de alimentos que não eram de primeira necessidade na Europa, mas sim produtos de luxo, de lugares distantes, voltados para a comercialização, como açúcar, café, algodão e cacau. A colonização, ao inserir novos produtos no mercado europeu, redesenha a relação entre a produção e consumo, transformando historicamente as bases sociais e econômicas ao ressignificar o trabalho e a noção de pessoa.

Neste período, que durou do século XVI ao XIX, as pessoas negras foram vistas como “homens-moeda”, objetificadas como unidades produtivas. Em suma, o trabalho nas colônias foi matizado pela produção em larga escala, pela desumanização e invasões que deram as bases à Modernidade e à Revolução Industrial.

As transformações socioeconômicas do período da Revolução Industrial refletiram nos corpos que enfrentaram a adaptação dos ofícios manuais para a mecanização, o mundo dito do desenvolvimento perdia o respeito pelo trabalho físico e valorizava os insumos aplicados por energias não humanas.

Se o ato de criar e pensar as coisas feitas pelo artesão mudou pela interferência da máquina, os labores dos povos escravizados também mudaram com a servidão nas empresas coloniais. A produção colonial solapou grande parte da atividade manual em favorecimento do consumo de produtos industrializados, dentro de um sistema económico capitalista que se projetou pela contemporaneidade e continuou valorizando a tecnologia e mecanização como símbolos de desenvolvimento e progresso.

Se a mecanização diminuiu as fábricas artesanais de papéis, livros, tintas e impressões, e se, por um lado, os livros são tidos simbolicamente como o conhecimento, fazer um livro manualmente é produzir pelo investimento em saberes, em competências, que ampliam as multiplicidades de grafias. O fazer artístico, artesanal, em contraponto à essa mecanização, amplia os modelos preestabelecidos pelos softwares e gráficas para um vasto campo aberto de alternativas de usos de ferramentas e de materiais. Parti desse contra fluxo da publicação executada pelas máquinas gráficas em papéis industriais e propus a confecção artesanal que desenvolve saberes e conhecimento.

Assim sendo, cada material era imaginado desde a sua génesis, inclusive o suporte das tintas, cola e todo o resto não seria o papel de celulose, mas sim o de algodão, o que considero a espinha dorsal, aquilo que daria corpo à obra. Deve-se isso em primeiro lugar ao fato de ter sido nas fazendas de algodão, em 1961, na província do Malanje, em Angola, onde foi desencadeada uma onda de revolta e violência que marcou o início do fim da colonização portuguesa, quando as/os colonas/os se negaram a trabalhar na Cotonang (Companhia do Algodão de Angola). Se as/os trabalhadoras/es do algodão marcaram a história da resistência contra as práticas industriais capitalistas de abuso das pessoas e da terra, eleger o algodão como papel para suporte narrativo me colocava a pensar no livro como uma experiência, capaz de correlacionar o material com o passado social.

MINIBIOGRAFIA

EMILIANO FERREIRA DANTAS é doutor em Antropologia pelo Instituto Universitário de Lisboa/ISCTE-IUL, mestre em Antropologia pela Universidade Federal de Pernambuco/UFPE e graduado em Comunicação Social com habilitação em Fotografia pelas Faculdades Integradas Barros Melo/AESO. É membro do Laboratório Audiovisual do CRIA-ISCTE. Pesquisa e produz fotografias em São Tomé, Angola e Cabo Verde.

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