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PÉ CASADO E OLHO NO OLHO – FOTOETNOGRAFIA DA AGARRADA NOS JOGOS DE IDENTIDADE QUILOMBOLA

FELIPE BANDEIRA, 2019-2021.

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2º LUGAR

ENSAIO FOTOGRÁFICO

APRESENTAÇÃO DO TRABALHO

Os Jogos de Identidade Quilombola acontecem há dezenove anos, sempre na semana da consciência negra, no mês de novembro. Nos jogos, as comunidades, além de debater políticas públicas, competem entre si em diversas modalidades esportivas, dentre elas, se encontra a Agarrada (conhecida, também, como Luta Marajoara, seu nome comercial). Esta prática esportiva é uma das mais diversas formas de resistência cultural das comunidades Quilombolas de Salvaterra, Cachoeira do Arari e Ponta de Pedras. Este trabalho é uma construção fotoetnográfica deste momento de luta, resistência e diversão dentro dos Jogos de Identidade Quilombola do Marajó.

APRESENTAÇÃO EXPANDIDA

Este estudo faz parte da construção fotoetnografica (ACHUTTI, 1997) que tenho feito nos últimos três (3) anos, dos Jogos de Identidade Quilombola, que é um momento de partilha, brincadeiras, danças, comidas, disputas, reencontros, encontros, percepções e muita ancestralidade, que reúne as dezesseis comunidades quilombolas do município de Salvaterra, na ilha do Marajó.

Uma vez escrevi que os “os jogos de identidade constituem-se como um processo de reafirmação cultural, social, histórico e de vida de diferentes gerações [...]” (BANDEIRA NETTO, CARDOSO e SANTOS, 2021, p. 173), que tem por intuito combater as colonialidades que foram/são impostas, em um processo de valorização da cultura, identidades e conhecimentos ancestrais e para além, se constituindo assim como um momento de contracolonialidade (BISPO, 2013).

Deste modo, posso dizer que os jogos é um ato político afirmativo, não partidário, que busca elencar demandas, debater assuntos pertinentes ao enfrentamento diário diante do que povo do quilombo sofre diariamente, pois a convivência não é harmoniosa, na maioria das vezes, com quem não é quilombola e tampouco com os grandes fazendeiros e empresários.

Este ato político tem por objetivo a construção de uma postura, tanto pelos mais velhos quanto pelos mais jovens, e a constituição de um pensamento político por todos que esteja preocupado com o coletivo.

É nos jogos que buscamos construir pontes e evidenciar a importância de pertencer, mas não somente pertencer por ter nascido no quilombo, pertencer por se sentir parte integrante de um todo muito maior, onde a sua presença é fundamental para a luta quilombola.

Portanto, temos a percepção, que os jogos é sim um momento de descontração, mas também é um momento de enfrentamento político nas mais amplas esferas do Estado. Principalmente quando falamos de racismo institucional e do resguardo da cultura ancestral que pode ser comum e/ou única de cada comunidade.

Esta definição conceitual do que é, neste momento, os jogos de identidade quilombola, é uma construção coletiva, pois parte das percepções muito próprias minhas, enquanto quilombola e pesquisador, que participa dos jogos, das rodas de conversas e atua como fotografo, e, também, das lideranças das comunidades quilombolas que, juntamente com suas percepções próprias ajudaram a mim na construção desta conceituação, sendo, portanto, uma construção conceitual partilhada. Lendo o que foi escrito, sugerindo mudanças, acréscimos, retiradas e sugestionando. Deste modo, esta conceituação é uma construção coletiva entre quem faz e coordena os jogos de identidade e quem pesquisa na busca por compreender como estes interpretam e significam este momento de interação política, travestida na descontração dos jogos.

Neste contexto surge a agarrada como uma das disputas mais aguardadas de todos os jogos. E essa disputa ocorre em dois dias, pois, ela demanda muito esforço físico, causando esgotamento, chegando por vezes, pessoas desmaiarem de cansaço. A Agarrada, que possui outros nomes a depender do local onde ela ocorre, mais que em essência e regras é a mesma luta e pode ser chamada, também, de Lambuzada, Derrubada e/ou Cabeçada, é uma luta ancestral que finca suas raízes na África e aportando no Marajó, sendo ressignificada nos campos, pelos pretos que foram escravizados e que, após libertos, passaram a atuar como vaqueiros na região, sendo esta luta associada ao embate entre búfalos, a religiosidade e ao enfrentamento. Nos quilombos ela é significada como elemento de resistência ancestral e substância cultural forte, sendo praticada como descontração em eventos festivos nas comunidades, à beira do campo nos jogos de futebol e/ou nas beiras do rio nos banhos de maré. Nos Jogos de Identidade quilombola é o ápice das disputas entre as comunidades.

REFERÊNCIAS

ACHUTTI, Luiz E. R. Fotoetnografia: um estudo de antropologia visual sobre o cotidiano, lixo e trabalho. Porto Alegre. Tomo Editorial; Palmarinca. 1997. 208 p.

BANDEIRA NETTO, Felipe. CARDOSO, Denise. M. SANTOS, Paulo, H. S. Imagens de Campo - Apresentação fotoetnográfica dos Jogos de Identidade Quilombolas do Marajó.

SANTOS Antônio Bispo dos. Colonização, Quilombos, Modos e Significações. 2015. Brasília. INCTI/UnB.

MINIBIOGRAFIA

FELIPE BANDEIRA é quilombola, homem preto, cis, gay, professor de sociologia, filósofo, antropólogo visual. Mestre em Educação em Ciências. Membro do Grupo de Pesquisa em Antropologia Visual e da Imagem - VISAGEM. Liderança quilombola.

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