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MEMÓRIAS do Soldado Lino
Campos do Jordão, 14 de novembro de 2016
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Dedicatória À memória de meu trisavô, Capitão Joaquim Bento Vieira. À memória de meus pais, Manoel de Souza Lino e Maria José de Souza. À memória de meu irmão, Manoel de Souza Lino Filho.
Aos meus irmãos, Cezar Augusto de Souza, Raimundo Gilberto de Souza, José Wander de Souza, Waldir de Souza Lino e Moacyr de Souza Lino.
À minha cunhada, Genezi Marques.
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Agradecimentos Sou imensamente grato às seguintes pessoas e instituições que me prestaram inestimável ajuda: UNIVAP – Universidade do Vale do Paraíba, e Batalhão do Exército de Pindamonhangaba. Não seria possível agradecer a todas as pessoas que me ajudaram, porém dentre as muitas que contribuíram para a apresentação destas Memórias, devo agradecer à Coordenadora da UNIVAP, profª Drª Enedi Prince; profª Luzia; prof. João Vitor Okido; profª Claudia Elena, meus sobrinhos Junior e Dayane; meu amigo Paulo Cezar Espíndola; minha colega de trabalho Ângela. Quero agradecer muito especialmente ao prof. Mauro, que aceitou a responsabilidade de examinar e julgar meu trabalho. Com os seus conselhos e sugestões fiz diversas modificações e corrigi vários erros. Reconheço falhas e acertos, como todo ser humano. Mas tenho nessa fase da minha existência a enorme satisfação de contar com uma legião de amigos, que me estimam e são por mim estimados. Não posso deixar de agradecer a todos aqueles que também fazem parte de minha vida: minha família. Todos foram protagonistas.
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À Cida Moreira, Minha companheira de todas as horas, fazendo-se presente em todos os momentos, deu-me forças para prosseguir. A Deus, toda a glória!
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Prefácio Foi com alegria que aceitei o convite de Maurício de Souza Lino para prefaciar seu livro, “Memórias do Soldado Lino”. Conheço o autor há muitos anos. Aprendi a admirar e a respeitar sua pessoa. Competente, preparado, culto, inquieto no desejo de aprender. O amor à família, a fé, e o entusiasmo de criança, são traços de sua fascinante personalidade que agora mostra mais uma de suas ricas facetas: a do historiador e memorialista. É me grato, portanto, alinhavar alguns pensamentos, acerca da sua invulgar figura de escritor. Partilhando essa amizade de longa data, desde sua adolescência, é uma honra e um privilégio. O faço com imenso prazer, não só pela surpresa do tema, mas também pelo respeito e admiração que tenho por ele, cuja amizade, de anos, revelada desde os tempos de criança, muito me honram. Por suas obras já publicadas, escritas mais com o coração do que com a caneta, era de se esperar que escrevesse algo a respeito de seu irmão Manezinho, onde os amigos e familiares encontrarão a história de um homem que sempre sorriu para a vida. Aqui, aborda com simplicidade essa vida fascinante.
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Memórias do Soldado Lino é o título bem escolhido, que pela simplicidade da narrativa, entra na literatura do povo jordanense. Nele, é traçado o retrato de uma época a partir das suas lembranças e reminiscências pessoais. Uma verdadeira obra-prima! É uma história de amor real, onde o autor faz uma homenagem ao seu amado irmão MANOEL DE SOUZA LINO FILHO. Nela, é retratado o nosso romance. Posso garantir que esse laço de amor transpassou barreiras, tempo e espaço: quarenta e quatro anos se passaram, e ainda hoje, continua vivo. E hoje, mais uma vez, volto a reviver nessa leitura encantadora, sua presença, inesquecível. Testemunha e coadjuvante dessa história de amor no decorrer dos anos, sinto-me muito lisonjeada com esta surpresa literária. Falo com o coração cheio de saudades! Estas memórias constitui um subsídio inestimável para a compreensão do jovem e do cavalheiro que Manezinho foi. Refletem uma pessoa ímpar. Em toda a sua vida, deixou a marca inconfundível de sua personalidade. Eis, em nossas mãos, um livro cheio de emoções. Não posso calar a minha admiração pela excelência da obra! Um toque gracioso de elegância literária. Resta-me, portanto, parabenizar o autor por esta grande inspiração.
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Sensibilizou-me o convite de meu amigo para fazer esta apresentação, e, apesar de achar que o livro dispensa um prefácio, aceitei de muito bom grado o convite, por considerar um privilégio poder falar um pouco da impressão que a leitura de Memórias do Soldado Lino me causou. E, além disso, poder falar também do que representa para mim a amizade do autor. É, pois, com alegria, que apresento o belo trabalho de Maurício, “Memórias do Soldado Lino”. Recomendo a leitura, pelo talento do autor e pela qualidade da obra. É um livro magnífico. Caro cunhado Maurício, que Deus abençoe você, este seu livro e seus leitores.
Genezi Marques Jacupiranga, SP Novembro de 2016
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Apresentação Não perdemos nunca os que amamos naquele que se não pode perder1. “A memória não é um instrumento, mas um meio, para a exploração do passado. Quem procura aproximar-se do seu próprio passado soterrado tem de se comportar como um homem que escava”2.
Na arqueologia da memória, devemos ser todos escavadores, todos arqueólogos e nos afundar terra abaixo, como um homem que escava, desenterrando rostos, numa incessante busca pela nossa identidade. Memórias são raridades; para mim, segundo as palavras de Gilberto Freyre, é um prazer intelectual, um exercício de arqueologia mental.
Memórias do Soldado Lino, é uma fascinante reconstituição da vida de Manezinho, de sua época, de sua família, de seus dramas e paixões, de suas lutas e vitórias. Uma história baseada em depoimentos e documentos colhidos em toda família, do ambiente social dos anos 1953 a 1972. Pequenos fatos verdadeiros de colorido histórico.
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Madre Maria José Butler – Walter Benjamin, Escavar e Recordar.
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Um romance, mas também uma contribuição à memória de tempos importantes, com revelações e surpresas que nunca antes foram lembrados pela família. Diferente em seu conteúdo, e cheio de simplicidade e espontaneidade nas lembranças e impressões de vida. Procurei reconstruir com rigor histórico, os acontecimentos da época e reviver o personagem. Fui testemunha e participante desses tempos no decorrer de sua vida. Como livro de memórias, contém muito de autobiografia. Levei cerca de 45 anos para publicar estas memórias. Durante todo esse tempo vivi muito do que nele está escrito, voltando a esse passado. Falei sobre ele com minha mãe, irmãos e amigos. Por muitos anos ele permaneceu esquecido na gaveta de minha memória. Mas, as imagens sempre retornavam à minha mente; em outras palavras, às vezes, sempre o relia... Apesar de ficar esquecido todo esse tempo, só agora, senti que deveria editá-lo para publicação, por ocasião do transcurso do seu 63º aniversário3. A presente obra fala das Memórias de Manezinho, através do original e um pouco mais: sua história, seus sentimentos, seu amor, os laços que o unia à sua noiva Genezi, e a história de um soldado.
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14 de novembro, data natalícia de Manezinho.
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Foi necessário corrigir a ortografia, frequentemente errada, e reformular ligeiramente a pontuação, conservando, porém, as incorreções. Isto, para que a leitura se torne mais fluente e mais agradável. Difícil, é quando ele muda de pessoa. Não se sabe se o pensamento é dele, se está dirigindo à sua noiva, Genezi, ou, se a nós. Procurei ser tão fiel quanto possível ao texto original. Manezinho inúmeras vezes, esquecia de datálas. Procurei colocá-las nos anos aproximados em que foram escritas. Os assuntos, quase sempre, permitiram uma certeza quanto à época. Sem rebuscos. Os títulos, as notas, alguns capítulos e comentários, são meus. As notas de rodapé se referem à alguma informação importante. Frequentemente são úteis para apresentar informações, situando tempo e espaço, ora extensa, ora curta, dependendo do contexto. São explicações indispensáveis para a compreensão do texto. Estão citadas em itálico, e são úteis, como complementos. Outros comentários têm uma fonte oral direta, vinda da família, trabalhadas com muito esmero e cuidado. Esta obra compreende em cinco partes: Parte I, redigidos por mim, nos períodos de minha infância e início da adolescência – quase exclusivamente de memória, até chegar em Manezinho; a Parte II, as Memórias de Manezinho, que cobre o período relativamente curto, de menos de uma década, contendo os fatos ocorridos da sua infância e sua juventude, vivendo em Campos do Jordão SP.
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Na parte III, um interlúdio sobre o quartel; Parte IV, As Cartas do quartel. E finalizando, a parte V, sobre a tragédia. Convido aos amigos, e principalmente aos familiares a mergulhar e aprofundar nesse passado, recordando mês a mês, ano após ano, as Memórias do Soldado Lino, revivendo a história, os fatos, pensamentos e sentimentos da época. Reingressar na vida, nos lugares, nos episódios tal como os tinha vivido. Este livro é um tributo ao meu irmão que muitas vezes trouxe sorrisos a mim, à minha mãe, meu pai, irmãos e sua noiva; àquele que um dia arriscou sua vida para a segurança de nossa pátria. Sinto-me feliz por pagar o meu tributo à memória de Manezinho. Legou à nossa família e amigos, uma preciosa lição. Resgato a vida do “Soldado Lino”, o recruta apaixonado. Gostava de amar, sorrir, cantar, tocar violão, o que fez florescer sua personalidade. Sua biografia é um romance. Um jovem recruta, enamorado, pela sua noiva. Herdou o nome do pai, Manoel de Souza Lino, carregando esse nome pelos 18 anos que viveu e, para ser diferente de quem o batizou, ganhou o apelido de “Manezinho”. Um retrato vívido.
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Gostava de brincar de soldadinho: “Marcha soldado, Cabeça de papel, Se não marchar direito, Vai preso para o quartel. Quartel pegou fogo, Tonico deu sinal, Acode, acode, acode, Bandeira Nacional!” Seu chapéu de bicos era uma folha de jornal dobrada em triângulo sobre a cabeça. Fazia fila, formava batalhão, e marchava na rua ou no quintal. Quem nunca cantou essa cantiga, na escola ou em casa, usando chapéu feito de jornal, marchando e liderando um exército imaginário ou os companheiros de brincadeira? Aos 18 anos de idade, foi servir à Pátria. É dever de cada brasileiro prestar, a seu tempo, o serviço militar. Fez o alistamento militar, e com boa saúde, força de vontade e disciplina, foi cumprir rigorosamente com o dever militar. É honroso servir o exército brasileiro! Contudo, aos 18 anos de idade foi servir também à Pátria Celestial! Morreu afogado no rio Paraíba do Sul, no Bosque da Princesa, na cidade de Pindamonhangaba SP, em 25 de outubro de 1972. Levou um pouco de nós, e deixou um pouco de si.
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Manezinho deixou-nos um legado: deu a vida e teve a honra de um filho, de um irmĂŁo, de um namorado, de um soldado: uma histĂłria de amor, uma vida.
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Raízes4 Essa história começa com o meu pentavô, Ignácio da Costa Rezende, descendente de um casal açoriano5 português, nasceu em 1786, no Arraial do Turvo, atual Andrelândia, MG, e casou-se com Rosa Maria de Jesus. Estabeleceu-se no Sul de Minas Gerais por volta de 1814, quando adquiriu terras na freguesia de Pouso Alegre denominada Fazenda “Cachoeiras”. Em 1º de Março de 1854, Ignácio e Rosa Maria doaram 12 alqueires de terras da Fazenda Cachoeiras para patrimônio da Capela de São João Baptista. Nasceu assim, a cidade de Cachoeira de Minas. O casal teve 13 filhos, e entre eles, Barnabé da Costa Rezende, meu tetravô, nascido em 1821, na freguesia de São João Baptista das Cachoeiras. Foi marceneiro, alinhador da Câmara Municipal e suplente de polícia. Casou-se com Maria Cândida de Souza e dentre muitos filhos, nasceu Maria do Rosário Souza, minha trisavó. Maria do Rosário de Souza casou-se com o primo José Severino de Oliveira, o que era comum na época, e do casal, surgiu Lúcia Laura de Souza, minha bisavó.
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Segue aqui, a linhagem, segundo o tronco paterno. João de Rezende Costa, da Ilha de Santa Maria, e Helena Maria de Jesus, da Ilha de Faial, no Arquipélago dos Açores em Portugal. 5
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Enquanto isso, em 1858, surge na freguesia de São Caetano da Vargem Grande, Vila Braz, hoje Brazópolis, meu trisavô, o jovem português, Joaquim Bento Vieira, filho de José Francisco Vieira e Maria do Carmo Vieira. Nascido em Lisboa, Portugal, em 1844. Inicialmente fixou residência ali, com o comércio de Fazendas e Molhados e fabricante de mel de fumo. Conheceu Antônia Gabriela de Faria, “Antuninha”, cunhada de Barnabé. Cortejandoa, logo conquistou o seu amor e vieram a se casar pouco tempo depois, em 1862. Joaquim Bento Vieira, por decretos de 31 de agosto de 1893, foi nomeado para a Guarda Nacional6, Estado de Minas Gerais, Comarca de São José do Paraíso, Capitão Joaquim Bento Vieira, do 67º Batalhão de Infantaria e 6ª Companhia. Junto com ele, na 4ª Companhia, o fundador da cidade de Conceição dos Ouros e pai do Barão de Camanducaia, o Capitão Felix Damaso Motta Paes.
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Após a abdicação de D. Pedro I, o governo imperial foi assumido pela chamada “Regência Trina Permanente”. Uma das primeiras medidas, pois, do novo governo, foi a criação da Guarda Nacional, no dia 18 de agosto de 1831. A Guarda Nacional foi criada com base na experiência da França, que havia transferido a segurança do país para os próprios cidadãos, que teriam a função de auxiliar as forças policiais e o Exército a manter a ordem no país. Aqui no Brasil, no entanto, no início do período regencial, o Exército era mal visto por aqueles que consideravam as tropas oficiais uma ameaça à ordem política e por aqueles que viam no Exército um instrumento de dominação do poder central, que agora estava nas mãos dos príncipes regentes.
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Passado algum tempo, acompanhado de sua esposa e sua primogênita, transfere a sua residência para a Freguesia de São João Baptista das Cachoeiras, aí se estabelecendo com uma casa comercial, uma agência lotérica e hotel. Do casal, nasceu Getúlio Bento Vieira, meu bisavô. Conta-se a história, que meu avô Getúlio Bento Vieira, na época, se associou a seu amigo José Bernardino da Silveira na compra de uma banca de búzios7 e se estabeleceram com uma casa de jogo, num apartamento conjugado à morada de sua mãe, Antônia Gabriela de Faria. Morador do Alto do Bairro do Rosário, em Cachoeira de Minas, casou-se com Lúcia Laura de Souza. Desse casamento nasceu Maria José Vieira, minha avó, que desde criança, teve problema nos olhos, permanecendo cega até o fim de seus dias. Casou-se com o filho de Manoel Cândido Furquim e Anna Lina de Souza, chamado Augusto de Souza Lino (Gusto Lino). Desses avós, nasceu Manoel de Souza Lino, meu pai, no dia 26 de maio de 1926, no distrito de Catadupas, hoje, Cachoeira de Minas. Chamavam-no às vezes de Maneco, Neco, outras vezes, Nequinho.
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O jogo só funcionava aos domingos, dia em que o pessoal da roça vinha fazer suas compras e se divertir. O dono da casa tinha uma porcentagem sobre cada jogada e, assim, como em todos os jogos, só o banqueiro ganhava sempre. E, onde há um ganhador, há um perdedor. E quem perde? É aquele que vai ao jogo na esperança de ganhar.
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Meu avô Augusto Lino, barbeiro, tinha uma banda de música. Dava saraus em muitas casas, e tocava acordeão e violino. Todos os seus filhos tocavam instrumentos musicais. Tio João Lino ficava no ritmo, e tocou prato na banda da cidade durante muito tempo. Tio Hélio tocava acordeão. O tio Waldemar era muito inteligente, tocava muitos instrumentos musicais e foi professor de violão de muitos cachoeirenses. Uma vez o conjunto, o que hoje se chama Banda, fez um baile na cidade de Conceição dos Ouros e Nelson Menezes Barbosa8, cachoeirense, cantou um samba-canção de autoria do Tio Waldemar.
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Depoimento de Nelson Menezes Barboza, ilustre morador de Cachoeira de Minas, da Rede Social do Facebook, sobre a banda: Lembro-me de Manoel bem menino. Tinha um apelido, Maneco. A família dava saraus na casa do Sr. Domiciano Machado. O Sr. Augusto Lino, tocava acordeão e violino; Ademar Lino no violão, Sr. João Lino no ritmo e o Maneco ajudava a carregar a bagagem. Eu era fã do violão de Ademar. Canto até hoje um samba seu. Conheci Augusto de Souza Lino, pai do Adhemar Lino. Adhemar era muito inteligente. Grande músico, tocava muitos instrumentos. Foi professor de violão de muita gente em Cachoeira de Minas. Lindas canções ele tocava! Conheci, também o Helinho, como era conhecido. Ele tocava na Banda de Música do meu pai. Waldemar Lino, marido da Zulmira, gostava muito de pescar. Em época de boa pescaria, no já muito piscoso Sapucaí-Mirim, naquela época, claro, chegava 16.00h, ou antes, Waldemar Lino pedia desculpas à sua distinta clientela da barbearia e lá ia ele com sua vara e minhocas, para a beira do rio. E como todo bom barbeiro, era um grande "proseur", gostava de uma boa prosa e anedotas.
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Tio Waldemar era artista, solava no violão, cantava e compunha. Papai também tocava violão, violino e gaita. Manezinho teve a quem puxar! Após a morte de vovô Gusto Lino, vovó Maria foi morar com meus pais alguns anos, e Manezinho a conheceu. Eu, porém, não tive esta honra. Quanto a papai, quando moleque, fazia suas peripécias, aventuras e proezas. Subia nos muros das casas com um guarda-chuva, e lançava-o abaixo com um gato amarrado no cabo, para vê-lo descendo de paraquedas. Doutra sorte, apanhava formigas saúva e colocava no traseiro dos gatos, para vê-los arrastarem-se na rua. Era divertido. Coisas de criança. Quando jovem, e, vizinho de minha futura mãe, sempre subia num bambuzeiro, até ao ponto de este se inclinar para o lado do quintal dela, para poderem namorar... Casou-se com Maria José de Souza9, natural de Borda da Mata MG. em 25 de setembro de 1948.
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Minha mãe era natural de Borda da Mata, MG. São seus ascendentes maternos: Benedito Sergio Barboza e Maria Luiza da Conceição; Anastácio Tavares Paes e Honória Luiza da Conceição; Felipe Fernandes e Maria Pereira de jesus. Ascendentes paternos: Manoel Barboza Simões e Bárbara Maria de jesus; Antonio Francisco Barboza e Maria Ambrozina de jesus; José Barboza de Aguiar e Maria marcelina de jesus.
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O casamento foi realizado na casa da Rosa Simões10, na cidade de Cachoeira de Minas. Por uma melhor qualidade de vida, aos 23 anos de idade, e com um filho de um ano, Cezar Augusto de Souza, veio morar em Campos do Jordão. Nasceram-lhe outros sete filhos: Raimundo Gilberto de Souza, José Wander de Souza, Manoel de Souza Lino Filho (Manezinho), Waldir de Souza Lino, Maurício de Souza Lino (o que escreve), Marcos de Souza Lino (falecido), e Moacir de Souza Lino. Seu 1º emprego quando aqui chegou foi de motorista, na Empresa de Ônibus Hotel dos Lagos11. O Hotel dos Lagos, era propriedade da laboriosa família Caravelas, de São Paulo. Por pouco tempo. Logo após, no período de um ano, motorista autônomo, num ponto de táxi. Em 1962, foi para o Grande Hotel12. Carregava grandes pedras, enchendo a carroceria do caminhão, para colocálas no jardim, como pedras ornamentais.
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Tia de minha mãe, mais conhecida por Tia Rosinha. Construído na década de 1940, o prédio inacabado do Hotel dos Lagos, pertencia à importante e histórica família Caravelas que muito contribuiu para o progresso de Campos do Jordão. 12 Esse hotel foi orgulho da classe hoteleira de Campos do Jordão desde o ano de 1944 até o ano de 1980. O Grande Hotel foi construído pelo Interventor Dr. Adhemar Pereira de Barros e inaugurado em 02 de setembro de 1944. A partir do mês de junho de 1945 passou a funcionar como Grande Hotel Cassino até o mês de maio de 1946 quando o presidente da República General Eurico Gaspar Dutra, determinou o fechamento de todos os Cassinos no País. 11
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Era motorista e mecânico de automóveis, e muito amigo do gerente, de descendência alemã. Nessa mesma época, entre os anos 1962 e 1963, fez um Curso de Mecânica oferecido pela Volkswagen Veículos S/A. Em 1964, foi trabalhar no Palácio Boa Vista13, inicialmente como motorista. Toda semana viajava para São Paulo, no Palácio Bandeirantes, trazendo provisão para o Palácio de Campos do Jordão. Todo fim de semana viajava para a cidade de Caraguatatuba com o Diretor do Palácio, Dr. Fausto Bueno de Arruda Camargo14. Tive a oportunidade quando criança, de ir muitas vezes nesse passeio. Mais tarde passou a ser encarregado de setor de transportes, como Chefe de Garagem. 13
O Palácio Boa Vista, foi inaugurado em 21 de julho de 1964, pelo então governador Adhemar de Barros, para servir de residência de inverno do Governador. Com o passar dos anos, adquiriu outra função: a de museu aberto ao público. Numa área de quase três mil metros quadrados, dividida em 35 ambientes e 105 cômodos, o Palácio Boa Vista abriga um grande acervo artístico e cultural, como mobiliários dos séculos XVII e XVIII, antiguidades, esculturas, peças decorativas, objetos religiosos, e obras de artistas contemporâneos, como Tarsila de Amaral, Anita Malfatti, Aldo Bonadei, com destaque para os quadros de Di Cavalcanti. 14 Dr. Fausto Bueno de Arruda Camargo, ex-prefeito e vereador e presidente da Câmara Municipal de Campos do Jordão na época.
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Durante esse tempo, liderou com muito empenho e dedicação. Era conhecido como “Seu Manoel do Palácio”. Passados 20 anos veio se aposentar, e por motivos de saúde foi morar na cidade vizinha de Pindamonhangaba SP. Quatro anos mais tarde, adoeceu. Lutou alguns meses contra a Diabetis Melitus e no Hospital das Clínicas em São Paulo, no dia 21 de agosto de 1988, às 15,20 hs, veio a óbito, aos 62 anos de idade. Dos oito irmãos, destaco o 4º, Manoel de Souza Lino Filho, o soldado Lino, nascido aos 14 de novembro de 1953, num sábado, quando trabalhava no Grande Hotel.
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O Ano de1953 Quinquagésimo terceiro ano do século XX. Houve 5 eclipses, três do sol e dois da lua. A fase da lua é quarto crescente, a partir de 14 de novembro. No Mundo: 03/02/1953 - O oceanógrafo francês Jacques-Yves Cousteau publica sua mais famosa obra, “O Mundo Silencioso”. Francês, inventou o escafandro autônomo e revelou ao mundo, através de livros e filmes, o universo oculto do oceano. 05/03/1953 - Moscou anuncia o falecimento do socialista tirano e genocida, primeiro ministro da União Soviética, Joseph Stalin. Causa: hemorragia cerebral. 29/05/1953 – Escalada do Monte Everest. O neozelandês Edmund Hillary e seu guia nepalês Tenzing Norgay são os primeiros a atingir o cume do Monte Everest, a montanha mais alta do mundo, com 8.848 metros acima do nível do mar. 2/06/1953 - A princesa Elizabeth foi coroada rainha do Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte. A cerimônia, acompanhada em todo o mundo ao vivo, foi o maior acontecimento da mídia em sua época.
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02/08/1953 - Pela primeira vez, o Corinthians conquista o mundo. Em Caracas, o timão conquista “Da Pequena Taça do Mundo”. Com uma vitória ante o Barcelona, o Corinthians conquistou o título. O time comandado pelo técnico Rato foi campeão, e com aproveitamento de 100% (seis vitórias em seis partidas) da Pequena Taça do Mundo, torneio que reunia as principais equipes de futebol da Europa e da América do Sul. 28/09/1953 - Edwin Hubble. O contador de estrelas e galáxias. Tornou-se o primeiro a operar o enorme telescópio de cinco metros da Caltech no Monte Palomar. O telescópio Hubble foi colocado no espaço e lançado em 1990. Morreu de derrame enquanto se preparava para passar várias noites fazendo observações. No Brasil: Presidente do Brasil: Getúlio Dorneles Vargas. Governador do Estado de São Paulo: Lucas Nogueira Garcez. A cantora Emilinha Borba que começou na Rádio Cruzeiro do Sul, rádio que na década de 1950, lançou dezenas de cantores de sucesso, foi consagrada a "Rainha do Rádio" na Rádio Nacional RJ. Cauby Peixoto surge como o novo ídolo nos programas de auditório, arrastando multidão de mulheres por todo lugar que aparecia. A Revista do Rádio é a mais vendidas entre as mulheres.
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O primeiro supermercado a se instalar no Brasil foi o Sirva-se, aberto em 1953 em São Paulo. 23/03/1953 - A Volkswagen inaugura a sua filial brasileira, e como suas concorrentes Ford e G.M, apenas monta os seus veículos, o Fusca e a Kombi, que chegavam ao Brasil desmontados em caixas no sistema C.K.D. Em um pequeno armazém alugado no Bairro do Ipiranga, em São Paulo. Nasce a Volkswagen do Brasil. 17/06/1953 - Às 19h45, vai ao ar o "Repórter Esso", programa jornalístico de extraordinário sucesso no rádio que repete a dose na televisão, permanecendo no ar durante 17 anos. Sob o comando de Gontijo Teodoro que faz a abertura com a frase: "Aqui fala o seu repórter Esso, testemunha ocular da história". 27/09/1953 - Entra no ar a TV Record Canal 7 em São Paulo. Às 20h na TV Record entra Grandes Espetáculos da União. Pertencente à família Machado de Carvalho. 03/10/1953 - Presidente Getúlio Vargas sanciona a lei 2004 que cria a Petrobras. É criada a Petróleo Brasileiro S/A – Petrobras, no embalo da campanha 'O petróleo é nosso'.
Em Campos do Jordão: Prefeito de Campos do Jordão: Paulo Cury.
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1953 – Comissão de servidores municipais reúne-se com o Prefeito Paulo Cury para reivindicar aumento salarial. Prefeito Paulo Cury entrega trecho de asfalto nas avenidas Januário Miráglia e Emilio Ribas. Lei Estadual 2456 delimita as divisas da cidade. Instituída a I Festa da Maçã. A Companhia Vera Cruz promove no Hotel Rancho Alegre um banquete para celebrar as filmagens do longametragem ‘Floradas na Serra’, baseado no romance de Dinah Silveira de Queiroz. Na ocasião discursou a professora Esther de Figueiredo Ferraz, futura Secretária de Estado (1971) e Ministra da Educação no governo militar do Presidente João Batista de Oliveira Figueiredo. 14/11/1953 – Nasceu Manoel de Souza Lino Filho, “Manezinho”, o Soldado Lino.
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A Casa em que Nasci... A casa onde o Manezinho nasceu, onde passou parte de sua infância, ainda a visualizo. Havia tantos encantos dentro dela! Uma figueira, uma pereira, um pessegueiro, uma macieira no quintal, flores no jardim, hortênsias ao redor... terra de verdade, para brincar... caramujos, ervas daninhas, que não se podiam tocar...até refúgios, eterno esconderijo de sonhos, onde ninguém se encontrava ao procurá-lo. Havia festas... sem razão para festejar, onde os irmãos se abraçavam... era a família que tinha, que se amava, e agora vejo como foi feliz! Momentos inesquecíveis, padeiro no portão, no cesto, o pão fresquinho e o carro leiteiro buzinando, desde a esquina avisando que chegava...as portas destrancadas, esperando visitas, no final do dia junto ao fogão a lenha, que jamais faltavam... iam entrando, se cumprimentando e se sentavam na varanda, na porta da cozinha, pelo quintal, varanda afora conversas infindas, tanto assunto...tantas trocas! Gentilezas, levando doces, guloseimas para repartir... Ah! Como gostava de viver ali! À noite o rádio era o bom companheiro, lindas canções... Histórias de "arrepiar os cabelos" contos de amor que inebriavam ao som de vozes, que jamais esqueci...! Na sala, mergulhava com desvelo no dever de casa, antevendo o travesseiro que nos esperava.
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Árvores no quintal, pés descalços, latidos do Tocai... Cigarras cantando, pirilampos, vagalumes... Cheiro de chuva molhando a terra, gumex no cabelo. Guarda chuva aberto, para proteger do sol, anil para clarear a roupa branca no varal... atravessar a rua sem sinal, doce tempo de aventuras... tão puras! Levar beliscão, tomar chinelada e todas contadas "uma a uma" para não esquecer da lição... temor e respeito aos mais velhos era o que bastava. Olhem...parem... é a casa onde o Manezinho nasceu! Hoje, 14 de novembro de 1953. Sábado de chuva. A casa onde Manezinho nasceu, pelas mãos de uma parteira, onde tudo começou, fica na Rua Evaristo Afonso Pereira, nº 45, na Vila Guarani15. E como está mudada a casa em que ele nasceu! Se não tivesse nascido nela e dela nunca se afastado, assim como do bairro, Jaguaribe, juro que não mais a reconheceria. Outros tempos parei defronte ao seu grande portão, esse que ela nunca teve, e pensei com os meus botões:
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Em 26 de outubro de 1947, houve a cerimônia de entrega de 42 casas em Vila Guarani, quando o Presidente do Círculo Operário, Eduardo Moreira da Cruz homenageou o senador Roberto Simonsen, Presidente da Comissão de Fomento. O Senador Simonsen colaborou decisivamente na construção dessas casas operárias nas Vilas Guarani e São Francisco, iniciadas pelo Círculo Operário. Papai havia comprado uma, nesse endereço.
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Esta casa nunca teve um portão assim. Tinha o muro baixinho com cerca americana que meu pai gostava de fazer. Nem de abrir um portão precisava para os de casa irem às ruas, e os amigos da rua virem para dentro de casa! E o meu primo José Carlos Fernandes, o Carlinhos, tocando o sininho, sorrindo para minha mãe! Se não tinha medo de ladrões? Ah, nem pensar. Somente alguns poéticos que gostavam de roubar sonhos e sonhavam roubar um dia as cores do arco-íris que enfeitam aquelas bandas. O muro, agora, faz a casa parecer um presidio de segurança máxima. Ninguém da rua consegue ver aquele terraço em que Manezinho arrastou por meses carregando nesse arrastar os sonhos de criança. Triste. Senti-me preso do lado de fora da casa. Ou seria da agora prisão? A horta que existia no quintal da casa não existe mais. Se eu vi?! Nem precisei. Os canteiros de alho, plantados na Semana Santa! Os frutos do nosso tempo hoje são comprados nas feiras livres do esforço de plantar, mas carentes do prazer de colher. E um pomar deixaria o meu quintal cheio de “lixo” em folhas e flores! Para que mentir? Senti saudades da casa que foi nossa por fora. Por dentro?! Ora, como sentiria saudades de quem sempre esteve comigo e sem quaisquer sinais desse tempo que passou levando a minha casa de fora?! Pois é, ali, naquela rua, na Vila Guarani, número 45, tem uma casa que em nada se parece com a casa em que o Manezinho nasceu.
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Catadores de Lenha Catar lenha. Pelos anos 60. Toda a semana, de tardezinha, vovó Luíza16 saía de casa para catar lenha para acender o fogão. Sem lenha, naquele tempo, ninguém podia comer. No tempo dela, o que assustava mesmo eram os urubus, no cemitério velho17, que ficava no morro do “Seu Marçal”. Toda semana, à tarde, sem falhar uma, quando a vovó saía para o mato para catar lenha, e a mamãe fazia as recomendações. Custava nada, ir ao mato do cemitério, tão sozinho, buscar lenha para mamãezinha e a vovozinha, e dar uma olhadinha nos velhos túmulos, no tal urubu, comendo carniça de cavalo. Não carecia de ter medo. Pelo que entendia, urubu nem gostava de comer gente, nem bichos vivos........ Preferia os mortos. Nesse caminhar para o mato, foi nuveando, foi ventando e escurecendo, que obrigou Manezinho e eu a corrermos para casa.
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Mãe de mamãe. Da linhagem de Felippe Fernandes e Maria Pereira de Jesus. Ficava sempre sozinha em sua casa, com a filha caçula, Delina, porque vovô não tinha parada. 17 Este morro, onde os cavalos do Sr. Marçal pastavam e só havia mato, abrigou o primeiro Cemitério de Campos do Jordão, estava situado onde hoje está localizado o Bairro Recanto Dubieux. Era considerado cemitério dos ricos, porque os mais pobres eram sepultados na cidade de São Bento do Sapucaí, em lombos de burro.
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Pior, que íamos esquecendo a lenha que já tínhamos juntado. Meu Deus! Que apuro, que medo! Que história! Nossos antepassados, já preparavam a comida no fogão à lenha. É uma arte delicada, exige um longo preparo. Primeiro, é preciso catar lenha no mato, depois a forma de trançar os paus grossos e gravetos e o milagre acontece "o fogo". Quando o fogo é aceso, anuncia-se a comida: o café, o bolo de fubá, o feijão, a linguiça, tudo preparado na panela de pedra que dá mais sabor à comida. Fogão a lenha aceso anuncia que existe vida naquela casa. Por isso que a comida fica mais gostosa! Tutu de feijão, arroz, linguiça caseira, couve refogada e aquele ovo caipira estalado na hora. Eu, o Waldir, Manezinho, percorríamos as matas a juntar lenha para manter aceso o fogo de nosso fogão. Percorria a pequena mata e recolhia gravetos secos, paus maiores, madeiras diversas, enfim tudo o que podia, e sempre juntava grandes feixes de lenha, de forma a provir a maior quantidade e assim não voltar à mata tão rapidamente. Mas, ao contrário, com minha impaciência, chegava em casa, com metade do que havia juntado e tinha que voltar no outro dia para catar mais gravetos. Juntos com a vovó, a Delina, saíamos ao campo para catar lenha. Colhíamos os galhos secos que caiam das árvores, nas beiras das estradas e atalhos, e nos pastos, fazendo feixes amarrados com cipós e entregávamos à vovó, que carregava na cabeça sobre uma rodilha de pano.
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Os Primeiros Passos para Deus O futuro feliz de uma família depende da criação dos filhos desde pequeninos, no temor ao Senhor, segundo a Bíblia. Educar uma criança não é uma atividade fácil, todavia, extremamente recompensadora. É uma grande responsabilidade concedida por Deus aos pais; contudo, se Ele nos confiou isso, sabe que possuímos a capacidade de cumpri-la plenamente. Os pais têm a obrigação de preparar os filhos para enfrentarem a vida sozinhos, por isso, precisam aproveitar bem o tempo de convivência entre eles. A criança necessita de conhecimento secular para desenvolver habilidade crítica, ter maior possibilidade de se tornar bem-sucedida e uma cidadã civilizada e consciente de seus direitos e deveres. Os pais têm uma oportunidade única, seguidos da igreja, de ensinarem e educarem os pequeninos. A infância, a partir do nascimento, é o alicerce da vida inteira que a criança terá. Manezinho não foi diferente. Além de frequentar o catecismo toda a semana, auxiliava a catequista aos novatos. Era uma instrução que visava o lado religioso, ensinando para as crianças ou os adolescentes a religião cristã, desde os mistérios, princípios básicos, sacramentos e código moral.
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Naquela época, a catequese era aplicada por um ministro autorizado pela igreja católica; ele preparava as crianças ou adultos para a confissão e a primeira comunhão. Era a dona Sebastiana no nosso bairro, e no outro, a dona Santa, na antiga Rua são Vicente. Esse ensinamento era a parte principal do rito de iniciação na religião cristã. O catecismo era aplicado pelas catequistas desde tempos passados. A função não era impor uma religião ou um modo de pensar. Era mostrar para as crianças os dogmas e preceitos da fé católica e deixar que ela conheça o mundo, o evangelho e tudo que há acerca do cristianismo. Era a partir do catequista que a criança aprendia um mundo novo a sua volta e tinha a possibilidade de viver novas experiências. Manezinho sabia muito bem disso. Participava de procissão e romarias. Ah! A minha catequista e o seu auxiliar, o meu irmão Manezinho, me ensinaram a rezar a Ave Maria, o Pai Nosso, me dizendo que tenho que dizer amém depois de comer o pãozinho redondo, e muitos ficavam felizes porque iam também tomar um gole de vinho que é o que mais ansiavam. Não vou culpá-los, porque sei do empenho de cada um em especial, o contexto religioso da época, e não poderia ser diferente; afinal, sou evangelista há vários anos.
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Participamos juntos da primeira comunhão, na Igreja Nossa senhora da Saúde em Vila Jaguaribe, no dia 25 de dezembro de 1967. O jovem catequizando, (crianças em geral), deveriam receber já dentro de casa, e no seu convívio uma boa formação religiosa; os pais ou responsáveis não podiam jogar para a igreja a responsabilidade de formação cristã básica.
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A Piscina do Grande Hotel18 Longe dos variados e substanciosos cardápios de seus bares e restaurantes, o Grande Hotel era um verdadeiro banquete para os sentidos. Na piscina externa, por exemplo, Manezinho e os amigos encontravam o lugar perfeito para nadar, cercado por jardins centenários, promovendo momentos de verdadeira entrega. Para os mais agitados, o hotel contava com quadra de tênis, área fitness completa e a trilha panorâmica, que dava àquela piscina. Ali regateávamos sempre quando fazia calor. Enquanto alguns de nós ficavam na quadra a buscar bolas dos tenistas, que escapavam da quadra, outros brincavam nos balanços do jardim e banhavam na piscina. Era o caso de Manezinho, que sabia nadar, e muito bem. 18
Em determinada época, a administração do Hotel, mandou construir um paredão de pedra no curso do riacho. Esse riacho, em linha reta, vinha da direção da Gruta dos Crioulos. Com o represamento da água desse riacho a água da cascata caia diretamente dentro da enorme “piscina” que foi formada, que acabou sendo conhecida como a “piscina” do Grande Hotel. Embora a água da “piscina” fosse totalmente límpida, hóspedes não se arriscavam nadar. A água, era demasiadamente fria. Alguns corajosos, primeiramente, por adentrar a propriedade do Hotel sem autorização, tinham a audácia de arriscar alguns mergulhos na água gelada.
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Ao nadar percebi que a água é como uma mãe. Uma mãe que carrega seu filho no colo. Se me debato e me mexo desesperado fica difícil dela me segurar, sustentar. A água não nos puxa para baixo, ela nos empurra para cima. É a falta de confiança em nós mesmos que nos faz afundar. Confiar na água é confiar em si mesmo. Paro por aqui com a certeza de que ainda há muitas outras questões sobre a forma como nadamos. Assim se nada: Nade com a mesma atenção com que se lê um livro: mergulhando na imaginação de como está nadando. Observe seu nado da mesma forma que observa uma obra de arte, cada vez que observa vai descobrindo coisas novas. Nade apreciando seu nado assim como aprecia um bom prato, a cada braçada é um momento de prazer. Nade se entregando a água assim como se entrega a uma grande paixão, nade de corpo e alma. Nade com a água e não contra a água, seja um só com ela. Atenção: Nadar sem prestar atenção no nado é como ler um livro e não saber o que leu; é como ver um filme e não saber o que se passou; é como comer algo e não lembrar do sabor; é como ter música no ambiente e não estar ouvindo; é como estar na sala de aula e não escutar o professor.
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Nadar sem prestar atenção no nado é dizer que nada “contando azulejos"; é querer relaxar sem estar relaxado. É nadar e não saber como está nadando; é não aproveitar tudo o que a natação pode oferecer. A água é mole, mas não é fraca. Ela é forte, mas não é dura. Seja como a água: Nade relaxado sem ser fraco. Nade forte sem ser duro. É você que se adapta a água e não ela a você. Querer dominar a água é querer dominar o indominável. A água só pode ser compreendida e não dominada e ao compreendê-la, tudo que quiser fazer, será feito por ela. Por isso quem a compreende não se esforça para nadar. A única coisa a ser dominada é a si próprio, só assim será capaz de compreender a natureza da água.
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Além da piscina externa do Grande Hotel, íamos nadar na Ducha de Prata19, no recalque20, e no canal21. Mas, só no dia 25 de outubro de 1972, é que aprendi a verdadeira lição.
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A Ducha de Prata é um dos pontos turísticos mais antigos e mais visitados de Campos do Jordão. As Duchas foram feitas pelas mãos dos homens para que seus visitantes (mais corajosos) pudessem se banhar nas águas que vêm do Ribeirão das Perdizes. Na época, ainda não era explorada. Só havia mato ao redor. 20 O recalque era uma obra da construção da estação de captação e recalque (Bombeamento) das águas do Ribeirão das Perdizes, situada nas proximidades do Hotel Refúgio Alpino e Ducha de Prata, para a Estação de Tratamento de Água - ETA, situada nos altos da Vila Jaguaribe/Vila Guarani. Nadávamos no rio, ali. 21 O canal, na verdade, era o segmento do rio Imbiri, que nascia no Vale encantado e passava atrás do Campo de futebol de Vila Jaguaribe, passando pela Biquinha. Na época, o canal era limpo.
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Catar Pinhão Terra dos pinheirais! Nas bandas de cá temos o pinhão. É catar a semente, fazer o fogo, esquentar a chapa, jogar os pinhões na superfície do fogão e esperar a casca escurecer para comer! E para abrir basta quebrar a casca com umas batidas de martelo! A casca se racha, a polpa aparece e é só degustar! Abril, tempo de catar pinhão na Mantiqueira. Catar pinhão solto embaixo das araucárias é divertido, mas desmanchar devagar uma pinha inteira sem espetar os dedos é intrigante, mágico. Algumas de minhas melhores recordações estão ligadas ao pinhão. Se fechar os olhos, posso ver a cozinha de minha mãe e de vovó, com seu enorme fogão a lenha funcionando de manhã até a noite e vários pinhões assando lentamente em sua chapa. Às vezes, cozinhando no cochinho22. Posso sentir o cheiro que tomava a casa toda, escutar os pinhões estalando com o calor e lembrar até do pedaço de tronco de madeira onde os abríamos.
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Nosso fogão à lenha tinha apenas duas bocas, com todos os suspiros, um forno e um cochinho, espécie de tanquinho que ficava ao lado, onde se armazenava água quente. Colocávamos ali os pinhões para cozinhar, e saboreávamos.
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Posso lembrar de Manezinho, e meus outros irmãos e amigos, andando pelo mato gelado, catando garras e pinhões caídos, o “pinhão catado“, juntando-os no chão com a garra23 por cima e colocando fogo em tudo, para fazer uma “sapecada“. André, Carlinhos, Zé Eduardo, Samuel, Almir, Albano, meu primo Antonio Mauro...24 Quando o fogo apagava, catar os pinhões queimando as mãos, sentar e abri-los com uma pedra para comer como se fosse a última refeição na Terra. Só quem teve o privilégio de passar a infância em uma nessa pequena cidade do interior, sabe do que falo. Quando começo a ver pinhões sendo vendidos por aqui, todas estas lembranças me voltam. É como se o tempo parasse por aqui, onde passei parte feliz de minha vida. O frio era intenso, mas diferente do frio de hoje. Já não vejo os dias frios com a alegria que via os de outrora.
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Para assar pinhões, utilizávamos as folhas da araucária, chamadas de "garras", devido ao seu formato pontiagudo... essas folhas contém um óleo que ajuda a queimar rápido. Sobre elas, eram colocados os pinhões. Nossas mãos e bocas, era só carvão! 24
André, Carlinhos e Célia, são descendentes da família Felippe Fernandes e Maria Pereira de Jesus, nossos trisavôs; Zé Eduardo, Samuel e Jeferson, nossos vizinhos; Almir e Albano, também amigos; Antonio Mauro, nosso primo, descendente da tia-trisavó, Maria Ambrozina de jesus. Todos éramos vizinhos.
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Mesmo com a água do tanque congelada de manhã pelas geadas, os dedos doendo com o frio, os lábios partidos, aquele era um frio alegre. Nenhuma tristeza passava pela mente, e se acaso passasse, sempre tinha o alento do pinhão. A maneira que mais adorava: na chapa, seja do fogão ou de uma panela de ferro, até que pareçam queimar. Depois, é só bater para abrir e deixar uma saudade gostosa tomar conta de tudo. O pinhão tem papel único para a população de Campos. É comum famílias se reunirem para "catar pinhão". Uma atividade que inclui ir até regiões com grande número de pinheiros para juntar sacos da semente, que mais tarde será consumida e dividida entre parentes e amigos. Com sabor agradável e protegido por uma casca grossa, muitas vezes ele é consumido como aperitivo, após ser cozido em panela de pressão, ou incluído em pratos para refeições como em carnes e legumes. O pinhão também é servido assado na brasa, em fogão de lenha ou em fogueiras. Muitos usam as próprias folhagem do pinheiro para assar e deixá-lo prontos para o consumo. Até mesmo uma festa foi criada há anos para celebrar a chegada desta especiaria. A festa do Pinhão acontece anualmente em Campos do Jordão e conta com apresentações culturais e muitas receitas feitas com pinhão, como bolos, tortas, cozidos, assados dentre muitos outros.
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A Doença e a Morte de Vovó Luiza Os avós são uma parte essencial de uma família. Eles nos dão amor, orientação e abrigo. Podemos sempre contar com eles para nos escutar de coração, compartilhar sua sabedoria e dar um ombro para chorar quando mais precisamos deles. Eles são a voz da razão. Quando mamãe viajava para São Paulo a fazer compras25, vovó Luiza tomava conta de nós. Mas, uma vez que eles partem, há um vazio em nossas vidas que nunca pode ser preenchido. Houve uma vez, faz um tempinho, que fomos visitar a vovó no hospital… estava internada na Santa Casa de Misericórdia26, cheia de problemas…. Estava com inflamação no pâncreas; pancreatite aguda; enfim, estava muito mal. Mas, é claro, todos queriam ver a vovó, custe o que custasse.
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Mamãe tinha uma loja de malhas em Vila Jaguaribe, (Malhas Guarani), e sempre viajava para São Paulo, trazendo acessórios, fios e lãs. 26 Maternidade da Santa Casa de Campos do Jordão, Hospital “Dr. Adhemar de Barros”, inaugurada no dia 25 de janeiro de 1943.
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Todos a amava muito e sempre íamos visitá-la: eu, Waldir, Manezinho, André, Carlinhos, Célia, Delina, Cacau, Dete, Berto27... e outros primos e amigos. “Querida vovó, a enfermidade lhe roubou os seus anos de descanso, mas, veja o amor que a rodeia. De nós, jamais apagará as recordações da extraordinária mulher, mãe, avó, amiga... que você foi! ” Crianças não entravam em hospital. Então, dando um jeitinho de expressar nosso amor e carinho por ela, fomos vê-la pela janela do quarto do hospital. O quarto estava cheio de pessoas. Ela estava sentada sobre a cama, com uma camisola branca e um lenço posto sobre os cabelos brancos, rodeada de amigos. Menos nós, as crianças. Pela janela nós a vimos, assentada sobre a cama. Ela nos deu bolacha para comer. Que cena! Sim, vovó estava enferma, pelo menos doente. Meus pais e meus tios estão ao lado de sua cama. Não vejo o Manezinho, mas sei que ele estava lá. Eu me lembro! Alguns dias depois, seu “Afonso”, nosso vizinho28, viu o Manezinho comigo, e frente à nossa casa. Simplesmente disse com voz fria e séria: “Sua avó faleceu. Diga para sua mãe”.
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Cacau, Dete e Berto são primos, descendentes de Honório Tavares Paes e Mariana Augusta de jesus, nossos trisavôs. 28 Nosso vizinho, morador da última casa, da mesma rua.
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Fiquei confuso. O que era falecer? Não tinha intimidade com essa palavra. A morte é um assunto difícil de entender até para os adultos. Para os pequenos é ainda mais confuso. Por isso, eles precisam de todo o apoio e sinceridade nos momentos em que devem encarar a perda de uma pessoa próxima. Logo após, Manezinho saiu correndo contar para mamãe o que acabara de ouvir. Não pude participar do diálogo. Vovó nos deixou... aos 58 anos de idade, de câncer nos rins. Era 29 de abril de 1969, dia da cidade. A morte de um ente querido é uma coisa estranha. É como subir a escada para o seu quarto no escuro, e achar que tem mais um degrau…quando não tem. O seu pé afunda no ar, e acontece um grande momento de grande susto. Como acontece com os adultos, a memória afetiva nunca vai desaparecer. Mas, depois de certo tempo, acontece o chamado luto saudável, quando se percebe que é possível se lembrar do ente querido de forma leve e sem sofrimento. Saudades da vovó... Não fomos mais catar lenha...
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O Vendedor de Pirulitos Hoje é domingo. Que tarde monótona, cheia de melancolia! Ninguém para anunciar: Olha o pirulito! Fecho os olhos e ouço das entranhas da minha alma de criança: Olha o pirulito! Olha o pirulito!! Olha o Pirulito! É assim que Manezinho gritava. E lá se foi o Manezinho ganhar rua, sorrir para a criançada e contar piadas para alegrar as pessoas. Do leite de cabra do Moacir, passou a comer feijão com carne seca. Ganhou força e músculos, carregando o tabuleiro de cem pirulitos. Parecia um porta bandeira levando um estandarte. Orgulhoso do seu trabalho. Vendia o seu pirulito barato, só para ter o retorno na frente. Vender pirulito é uma arte! Fabricar também. E era o que mamãe resolveu fazer! É como dançar uma valsa! Tem que ter o ponto certo, o papel certo para servir de embalagem, e ainda a banha de porco sem sal para lubrificar, senão ele agarra, suja os dedos, e o cliente xinga a mãe do vendedor. Mamãe então resolveu montar uma fábrica de pirulitos em casa, na Vila Guarani! Comprou dois tachos de cobre, cem formas de latão, duas colheres de madeira, vinte quilos de açúcar e anelina, e uma tábua redonda, furada com cem buracos e o pau para servir de suporte e mostrar o produto final.
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E Manezinho, junto com o Geraldinho29 saíram pelas ruas para ganhar uns trocados: Parecia carregar um guardachuva coberto de cristais de todos as cores. Produzido artesanalmente, a maioria em fabriquetas de fundo de quintal, os pirulitos tinham a forma de um guarda-chuva fechado. Feito com açúcar em ponto de caramelo, um palito resistente e enrolado em papel de embrulho. Eram colocados em uma tábua retangular cheia de furos. Alguns tabuleiros podiam ter até 100 pirulitos, numa variedade enorme de formas, tamanhos, cores e sabores. Olha o pirulito! Enrolado no papel e enfiados no palito! Assim o vendedor de pirulitos, Manezinho, anunciava seus produtos pelas ruas do bairro. Me encantava aquele visual do tabuleiro com os pirulitos encaixados. Lembro que eu nunca comprava, mas ganhava, e queria muitos para a minha alegria. Adorava aqueles pirulitos! Muitas vezes tinha de chupar com papel e tudo pois o sol forte derretia o caramelo e o papel grudava, ficando difícil retirá-lo. Delícias só permitidas na infância. Sabor saudade! Sabor de Infância!
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Geraldinho, filho do Sr. Praxedes, alfaiate, era nosso vizinho, morador da rua de cima. Era grande amigo de Manezinho, serviram o exército juntos, e morreu afogado na piscina do Hotel Chateau, em Campos do Jordão.
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Sim, eu me lembro dos pirulitos em forma de guardachuva fechado, que meu irmão Manezinho vendia nas ruas e na porta do grupo escolar. Carregava numa tábua retangular cheia de furos, presa no pescoço por uma cordinha fina. Os pirulitos eram colocados nos buracos. Acho que devia caber umas cem guloseimas. O pirulito era feito com mel e o palito de taquara de bambu. Vinha enrolado em pedaços de papel impermeável e era bem puxa-puxa. Quando você mordia, serrando os dentes e puxava, ele esticava formando uma linha. Quanto mais você puxava, mais fino ficava o fio. Se arrebentava, grudava na sua mão e braço fazendo uma lambança só. Hoje penso que tinha três sabores: de infância, de saudade e de lembrança.
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Ouvindo Canções e Estrelas As estrelas sempre me fascinaram; tanto, que de vez em quando à noite, eu me pego olhado para elas. “Ora (direis) ouvir estrelas! Certo Perdeste o senso! E eu vos direi, no entanto, Que, para ouvi-las, muita vez desperto E abro as janelas, pálido de espanto. E conversamos toda a noite, enquanto A Via Láctea como um pálio aberto, Cintila. E, ao vir do sol, saudoso e em pranto, Inda as procuro pelo céu deserto. ” Direis agora: “Tresloucado amigo! Que conversas com elas? Que sentido Tem o que dizem, quando estão contigo? ” E eu vos direi: “Amai para entendê-las! Pois só quem ama pode ter ouvido Capaz de ouvir e de entender estrelas. ”30
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Soneto XIII da Via Láctea Olavo Bilac, Poesias
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Da minha infância, o que me é permitido lembrar, nunca me esqueço dos momentos em que olhava para o céu e conseguia ver todas as estrelas.... Morando na cidadezinha de Campos do Jordão, lá pelos idos de 1970. Uma luz muito fraquinha, mas tão fraca, que quando queríamos conversar olhando uns para os outros, sem forçar a vista, íamos para o quintal, onde os raios de luz da lua incidiam com mais força sobre nós. Na época, o céu era tão nítido que a impressão que dava era a de que se quiséssemos, poderíamos tocá-lo. Manezinho me levava à casa de sua noiva, Genezi, à rua Orivaldo Lima Cardoso, nº 55 no Bairro Jaguaribe. Sentávamos na calçada que havia em frente à sua casa e ali ficávamos conversando sobre tudo o que se passara durante o dia. Genezi, muito sonhadora, falava sobre os bordados, a forma como arrumava a casa, com seu jeito feminino, da escola e de seus sonhos. Nós escutávamos (Manezinho e eu) ... E eu olhava as estrelas cintilantes, imaginando como seria bom se todos alcançassem os seus sonhos. Eu tinha doze anos, meu irmão, dezessete... Apagava as luzes da varanda, sentávamos no banco do terreiro e, ali, ao lado do pessegueiro, olhando as estrelas, fazíamos permanecer em nossos corações o espírito de nostalgia e romance.
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Certa noite ao luar, olhando as estrelas, Manezinho disse à sua noiva: “_ Se as estrelas fossem tão lindas quanto você, eu passaria noites em claro olhando para o céu”. Manezinho pegava o seu violão e cantava. Melhor, cantávamos todos juntos o clássico de Waldirene, “Eu te amo, tu me amas”:
Eu te amo Tu me amas Não importa toda gente Nós juntinhos nos amamos Nós vivemos Qual é seu nome? - Amor E o que você faz? - Amo Todo mundo? - Não Quem? - Você E você qual é o seu nome? - Amor E o que você faz? - Amo Todo mundo? - Todo mundo não Quem? - Você
62 Eu te amo, tu me amas Não importa toda gente Nós juntinhos nos amamos Nós vivemos Venha comigo - Vou sim Me abrace - Abraço Querida sabe que te amo - E meu amor é todo seu Os seus olhos são claros Seu cabelo não tem igual Você é linda Para quem? - Para você Eu te amo, tu me amas Não importa toda gente Nós juntinhos nos amamos Nós vivemos31
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Waldireni e George Freedman gravaram essa canção em 1970, num compacto simples pela RCA Victor. "Eu te amo, tu me amas" era o lado A e "Quem Espera Sempre Alcança" era o lado B. Clássico Romântico, um compacto simples, de grande sucesso.
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Hoje, olhando as estrelas lembro-me de Manezinho; não por parecerem com o brilho do seu olhar, mas sim, por estar tão distante de nós, meu irmão! Por tantas noites chorei, olhando as estrelas. E só elas entendiam o tamanho de minha tristeza. Só para elas eu segredava meus sonhos e desejos dos meus tantos desencantos, motivo de tristes tormentos. A cada estrela brilhante, eu ficava a perguntar: Onde está o meu irmão, que me deixou com tantas saudades? Por isso que, hoje, mais de 40 anos depois, eu ainda gosto de apanhar uma cadeira, colocar na calçada e recostado, ficar olhando para o céu. Mais precisamente ficar olhando àquelas estrelas amigas, que nunca nos faltaram com sua presença.
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Memรณrias do Soldado Lino
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Genezi, meu amor, É com grande prazer que escrevo para você, meu amor! Aqui você vai encontrar a verdade, tudo o que passou e o que sinto por você. Aqui está a verdadeira verdade...32
“De uma estrela veio um anjo e deste anjo que veio, é uma estrela que caiu do céu! E desta estrela seremos felizes, porque eu amo e tenho alguém que me ama”. É como você disse “o passado não importa”; é verdade, para mim, só importa o futuro, e nada mais. 32
Quanto à expressão «verdade verdadeira», encontramo-la registada por Orlando Neves, no seu Dicionário de Expressões Correntes (Lisboa, Editorial Notícias, 2000), onde lhe atribui o significado de «verdade incontestável». Uma expressão sinónima é «verdade, verdadinha» (cf. idem).
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E com esse futuro, eu e vocĂŞ seremos felizes.... Tchau, meu grande amor! Manoel de Souza Lino Filho Genezi Marques
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Uma Lição de Escola
Uma lição de escola...
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Um certo dia, quando estava com os meus colegas na escola, brincando como criança...antes da aula, todos nós ficávamos conversando, rindo, chorando por não poder brincar por mais tempo... e aí foi passando o tempo... e fui esquecendo das brincadeiras... e quando chegou o fim do ano, foi aquela bomba! Fui reprovado pela primeira vez na vida. Era do primeiro para o segundo ano. Como não esquentei a cabeça, aquilo para mim não era nada. Depois, meu pai soube pelo boletim, e me deu um sermão.
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Aconselhou-me, dizendo-me para estudar mais, conversar menos, não faltar muito e comportar-me bem, durante a aula. Fui tomando juízo através de seus conselhos. Entretanto, passei as férias “vadiando sempre”, como dizia minha mãe. Fui me matricular novamente no primeiro ano. Eu era “fogo”. Manoel de Souza Lino Filho Genezi Marques
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Em casa, não tinha liberdade como na escola. Então, passou... passou... e fui “meio fraco” novamente; mas era o primeiro mês. Eu nem esquentava, quando veio a primeira nota “vermelha” no meu boletim. Minha mãe foi assinar o boletim, porque neste dia o meu pai estava viajando. Ela me repreendeu. Fui criando juízo... e como sempre, brincando, rindo, pintando o sete na escola... Quando chegou a época de fazer o primeiro exame (minha professora chamava-se dona Sônia), brava, igual não sei quem, me disse para estudar mais, bastante, porque amanhã seria exame.
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Pois bem, estudei...estudei... sabia tudo, mas, depois esquecia tudo. E foi o primeiro exame; fiz com a maior calma, mas sempre na brincadeira com meus colegas. Fui muito ruim. Tirei 40 de média. Isso não é nota que se apresente em exame, mas fazer o quê? Já tirei mesmo! O tempo foi passando...passando...fazia prova, e repetia como sempre! Manoel de Souza Lino Filho Genezi Marques
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Eu me lembro que no fim de junho teve outro exame. Falei ao meu pai e ele me aconselhou estudar. Estudei, mas esquecia como sempre... Pois bem, disse para meu pai, “vou fazer o que posso”. E fiz. Quando, um dia, antes das férias, fui saber da nota: tirei 55. Nem ligava para nota baixa, mas, o que importava, é que passei no exame. Passei as férias e voltei à escola. Todos da nossa classe continuamos brincando e passando o tempo. Eu não sabia nem mais ne menos da vida como sei agora, nem pensava... o que importava era brincar... Passou agosto... setembro... passou outubro... e outro exame.
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Esse foi fogo! Estudei apenas um dia antes, e, assim, rápido. Finalmente fiz o exame, e repeti outra vez. Levei uma “surra” de meu pai, como também as repreensões de sempre. Fui tomando juízo... mais juízo... e, finalmente, o exame final! Estudei, estudei, e fui fazer o exame... Manoel de Souza Lino Filho Genezi Marques
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O exame não foi nem fácil e nem difícil, mas, até que enfim, pela primeira vez na vida passei de ano. Minha média foi 75. Para mim não importava a média, mas sim, que havia passado de ano! Meus pais ficaram felizes. Veio o Natal e ganhei de meu pai um brinquedo, um carrinho muito bonito. E foi passando... passando... quando fui matricular-me no segundo ano. Como sempre, nos primeiros exames eu ia mal, muito mal. Foi indo... passando... passou o exame das férias, repeti! Eu era péssimo mesmo.
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Meus pais me repreenderam novamente; mas, com o já disse, não importava muito... Passaram-se as férias de julho... Passou agosto, setembro, outubro, novembro, e, como era o mês de meu aniversário, minha mãe fez um bolo muito gostoso. Teve festa e ganhei uma bola, a qual a furei no dia seguinte. Foi passando... chegou o fim de ano... outra vez o exame final. Estudei um dia antes, o que foi difícil... Manoel de Souza Lino Filho Genezi Marques
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Entender Conhecimentos Gerais e Leitura, era péssimo; outras disciplinas não era bom, mas, dava para quebrar o galho. O que adiantou estudar, pensei, para ganhar nota 10 ou para passar de ano. É lógico, interessava-me passar de ano e pegar o diploma. Até que enfim passei de ano mais juma vez.... Aquilo para mim era um presente para meu pai, mas, não ligava muito para a escola. Passaram as férias novamente, e fui matricular-me outra vez. O primeiro e segundo anos foram na sea33. 33
SEA - A Sociedade de Educação e Assistência Frei Orestes, tem como objetivo a promoção e o enfrentamento das desigualdades sociais, a defesa e a promoção da Vida atendendo diretamente crianças e adolescentes e indiretamente suas famílias e a sociedade como um todo. A História da SEA está vinculada à vida de seu fundador, Frei Orestes Girardi.
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E, até tinha passe escolar, para irmos e voltarmos de bonde todo o mês. O terceiro e quarto anos foram no Grupo Escolar de Jaguaribe. Foram-se as aulas. Veio o primeiro exame outra vez... fui mal... não ligava muito... vieram as férias. Vieram as aulas... fiz o resto dos exames... fui mal. Manoel de Souza Lino Filho Genezi Marques
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Fui me afirmando, sempre no final. Sempre no fim que me lembrava de estudar. Estudar mais. Estudei um pouco mais ao dia... veio o exame... adivinhe a nota? Já não quis contar a nota do segundo para o terceiro ano. Contudo, contarei a nota do exame de hoje, e foi um pouquinho mais que a outra nota anterior. Foi 80! A anterior foi 70. Não ligava muito para a média. O que importava para mim, era se passei ou não de ano. Minha mãe ficou muito feliz e isso me iludiu um pouco mais, apesar de minha “burrice”. Passei para o quarto ano e assim foi.
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Antes, era meio burro, mas, agora, percebi que mudei um pouco. Fui fraco no inĂcio das aulas. Logo no primeiro dia fiquei de castigo. Veio o primeiro exame e passei com mĂŠdia 50. Manoel de Souza Lino Filho Genezi Marques
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Meu professor disse-me que estou muito fraco, e que estudasse mais, que talvez pegasse o diploma. Pois bem, continuei estudando, não muito, só às vezes. Vieram as férias e nem pensei empegar no caderno. Somente nos últimos dias para fazer a tarefa. Fiz malfeita. O que não importava. O que importava mesmo é que tinha tempo para brincar com meus colegas. Parece mentira, mas é a pura verdade. Até no quarto ano eu fui criança, sempre brincando, sempre levando à brincadeira. Passaram-se dias... meses... vem chegando o tempo das férias. Ficava pensando se ia passar ou não de ano.
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Às vezes falava para meus colegas, se pegassem o diploma, o que iriam fazer? Um respondia que iria ficar no ginásio; outros diziam que não queriam nem saber de estudar, iriam trabalhar... iriam embora... Manoel de Souza Lino Filho Genezi Marques
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Assim foi. Veio então o exame final, e o professor na hora do exame aconselhou-nos para que não nos afobasse, que o exame seria fácil, que todos iriam passar de ano. Estudei um pouquinho mais que antes. Finalmente, fiz o exame! Logo após, pensei, o que faria meu pai, se eu repetir de ano, e que farei, se passar. Continuaria os estudos ou sairia da escola para sempre? Pensei muito e não cheguei a conclusão alguma. Pensei em falar com meu pai. Falei, e ele me disse que se sou fraco na escola, não adiantaria me esforçar; sempre me mandava estudar; pegava nos livros e lia-os.
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Depois que fechava, não lembrava de mais nada. Fiz o exame. Não foi muito fácil. Adivinhe a nota? Foi 55. Entreguei o diploma ao meu pai e disse-lhe: “_ Pai, aqui está o que o senhor tanto queria, mas, me diga uma coisa, sou livre agora, posso trabalhar e ajudar em casa? Ele me respondeu: “Se for trabalhar, não é porque ele pediu, mas porque eu quero. Manoel de Souza Lino Filho Genezi Marques
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O Trabalho de Manezinho
O Trabalho de
Manezinho Entregador de marmitas, engraxate, vendedor de pirulitos, balconista.
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Arrumei o primeiro emprego na minha vida. Era de entregador de marmitas. Ganhava Cr$ 3,00 (Três cruzeiros) por mês. Já era um bom começo. Quando iniciava o dia, buscava o almoço às 11 horas, e às 18 horas, buscava a janta. Somente aos domingos buscava só o almoço. Ia e voltava na vila Abernéssia, duas vezes ao dia. Às vezes ia a pé, às vezes ia de carona com meu pai. Trabalhei neste emprego durante 9 meses. Depois, cansei, e fui arrumar outro trabalho... adivinhe... era de engraxate! Fiz uma caixa de engraxate, e assim, todo dia, saía cedo e só voltava à tarde; às vezes ia na vila Abernéssia, às vezes, na vila Capivari.
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Passou o tempo e não ganhava muito por dia; mas, o que importava para mim não era o dinheiro, mas sim, o meu trabalho! Sim, desde o momento que estava trabalhando, não foi porque precisava, mas porque já estava cansado de ficar parado, sem trabalho. Manoel de Souza Lino Filho Genezi Marques
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Eu me lembro que um dia fui engraxar sapatos na vila Capivari, e corria do guarda-mirim. Naquele temo, tinha medo deles. Era um bobo... corria deles. O tempo foi passando e fui tomando mais juízo. Foi aqui que percebi que já não era mais criança, mas sim, um homem de amanhã, pensava! Passaram-se dias, noites, meses, e a mesma coisa. Um dia, pensei em trabalhar no comércio, em Abernéssia, talvez. Aquilo me interessou. Falei com meu pai. Ele autorizou.
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Desta feita, arrumei meu primeiro emprego na vila Abernéssia, na 34 farmácia Santa Isabel. Faz tanto tempo, e ganhava Cr$ 30,00 por mês. Não importava o dinheiro, mas sim, o trabalho. De início fui mais ou menos, era meio bobo...mas, não importava. Era bom, porque lá tinha bicicleta, e andava multas vezes para fazer entregas. Manoel de Souza Lino Filho Genezi Marques 34
Instalada no final da década de 1930, na Avenida Dr. Januário Miráglia, atualmente Av. Frei Orestes Girardi, em frente à Estação de Vila Abernéssia, da Estrada de Ferro Campos do Jordão.
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Uma vez, caí da bicicleta. Fiquei meio sem jeito, envergonhado. Meu patrão dizia que eu era muito quieto, mas esperto. Houve uma época que ele me ensinou a aplicar injeção. Aprendi a aplicar no músculo e na veia. Na primeira vez que fui aplicar na veia, comecei a tremer tanto, que meu patrão me chamou a atenção. No músculo, aplicava bem. O tempo passou, e desgostei da farmácia, por ter que fazer plantão aos domingos, coisa que não gostava. Lembro-me de uma vez, quando era meu aniversário, e tive que fazer plantão. E, quando bateu 3 horas, saí do trabalho; isto é, pedi o resto do dia em folga!
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Meu pai dizia para que andasse logo. NĂŁo sabia o porquĂŞ. Manoel de Souza Lino Filho Genezi Marques
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Só vim a saber quando cheguei em casa e tinha amigos, parentes me esperando. Perguntei-lhe se sabia que sairia àquela hora, e me respondeu que ia falar com o patrão para eu sair justamente naquela hora. Foi aquela festa! Tudo alegria, ganhei alguns presentes, e assim passou a data. Isso aconteceu em novembro de 1967, quando estava iniciando o meu trabalho. Trabalhei nesta farmácia um ano e um mês, chegando até a receber um abono. Não tirei férias, porque não havia sido registrado, mas, mesmo assim, fui contemplado 35 com o abono. 35
Aqui, Manezinho muda de caneta. A cor ainda é azul, mas, um pouco mais clara.
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Meu patrão gostava muito de mim, que chegamos até uma certa vez, viajarmos juntos para a cidade de Lorena, SP. Fomos a uma drogaria chamada “Farmazil. Passou o tempo. Fiquei enjoado. Resolvi sair e arrumar outra modalidade de serviço. No ano de 1968, aconteceu muita coisa para mim. Sai da farmácia e fui trabalhar36na loja “Ceibel”, em vila Capivari . 36
Comercial CEIBEL, de propriedade do Sr. Waldyr Bitetti, e Antonio Esper Kallas. Iniciaram suas atividades no centro de Vila Capivari. Depois foi transferida para Vila Abernéssia. Na Av. Dr. Januário Miráglia, 858, ficou estabelecida por mais de duas décadas. Era uma loja de utilidades domésticas, onde se vendia uma infinidade de produtos para presentes em geral, onde havia de tudo o que era preciso para o lar: pratos, copos, panelas especiais, assadeiras, formas, talheres, etc. A Ceibel também vendia discos e Fitas K-7.
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Nesse tempo, nem pensava ainda em namorar. E, quando pensava, não passava de “ilusão”. Às vezes pensava em ir ao cinema com uma garota, mas de que jeito? Primeiro, porque minha mãe não me deixava ir, e como era muito obediente... e, em segundo lugar, porque não tinha uma garota, e me sentia muito tímido. Às vezes tinha vergonha de falar até com meus colegas, e assim foi. Muitas vezes saía do serviço, de bicicleta, para fazer cobranças em lugares muito longe. Corria muito, principalmente nas descidas e ladeiras de Vila Capivari.
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Certa vez meus amigos me convidaram para ir de bicicleta na cidade de Aparecida. Pensando que não era muito longe, preparei a bicicleta e fui. Fomos num sábado à noite, e eram 22 horas, quando partimos. Chegamos em Pindamonhangaba às 23,30 horas. Foi a primeira cidade que vimos, depois de pedalarmos tanto. Como não entendia dessas aventuras, imaginava que já estávamos em Aparecida. Quando meu amigo me disse que ainda era Pindamonhangaba, quase chorei de raiva! Pensei comigo: “Que fazer agora? Voltar sozinho, jamais! A melhor decisão a tomar, é continuar a viagem com eles. Prossegui.
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Saímos de Pindamonhangaba à 1 hora da manhã; não dormimos em lugar algum. Chegamos em Aparecida às 4 horas da manhã. Demoramos muito, porque uma das bicicletas dos meus amigos havia dado problemas na roda. Paramos, tiramos a roda, engraxamos, montamos novamente e continuamos as pedaladas. Isto aconteceu entre as cidades de Pindamonhangaba e Aparecida. Pois bem. Ao chegarmos, em vez de procurarmos um hotel para repousar, ficamos num jardim fazendo hora, esperando que o dia amanhecesse logo. Manoel de Souza Lino Filho Genezi Marques
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De manhazinha, esperamos uma lanchonete abrir e tomamos café. Descansamos e logo após fomos passear, conhecendo a cidade. Tiramos fotografias. Em seguida, fomos à Missa, e oramos para que nada acontecesse na volta. Ao meio-dia partimos para campos do Jordão. Às 15 horas, já estávamos em Pindamonhangaba. Ali, permanecemos até às 18 horas, quando começamos a subir a serra. Bancamos o burro nesta hora, porque poderíamos fazer como tantos outros fazem:37 às 15,30 horas, uma gôndola partia da estação do trem, com destino a Campos do Jordão. 37
A Gôndola, também chamada Prancha, transportava veículos de turistas entre Pindamonhangaba e Campos do Jordão.
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Poderíamos despachar nossas bicicletas, e irmos de bonde; mas, 38 ninguém pensou desse modo . Chegamos ao Bairro José da 39 Rosa , às 9 horas da noite, bem no pé da serra. Tomamos um café frio, comemos um sanduíche e a partir das 21,30 horas, partimos subindo a grande serra.
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Na época, a melhor maneira de subir a serra com destino a Campos do Jordão de carro ou descer até Pindamonhangaba, era por intermédio dessa Gôndola, evitando o longo trajeto até São José dos Campos e de lá para cá a difícil subida da serra. Cada Gôndola transportava até três carros de tamanho médio. Era permitido aos passageiros ficar do lado de fora dos veículos, nas sobras de espaço da carroceria das Gôndolas, observando e se encantando com as lindas paisagens da Serra da Mantiqueira. 39 Até meados de 1970, ainda não existia a estrada de rodagem atual, SP. 123, ligando Campos do Jordão à Rodovia Presidente Dutra, na altura da cidade de Taubaté-SP. Essa rodovia viria facilitar o acesso a diversas cidades, inclusive para os turistas oriundos do Rio de Janeiro ou das cidades do fundo do Vale do Paraíba.
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Quando estávamos um pouco antes da metade da serra, o farol da bicicleta queimou! E este era o único farol! Não tivemos outra opção, a não ser subir no escuro mesmo. Só sei que um ficava perto do outro, com medo da escuridão. Ouvíamos barulho no mato, sons de cachorro latindo, uivos, corujas, gambá no meio da estrada. Eu me lembro... andávamos orando a Deus para que nada viesse a acontecer com qualquer um de nós. De repente, ouve-se um barulho junto a nós, à nossa frente. Paramos e ficamos quietos. Só não chorei de medo, por vergonha de meus amigos. Era o que faltava.
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Um colega riscou um palito de fósforos e perguntou: “_. Quem está aí na frente? ” Fez-se silêncio, tudo quieto. Pensamos e falamos uns aos outros: “_ Aquele que estiver com medo que fique”. Continuamos, e bem à nossa frente ia descendo um homem, com um burro de carga. Perguntamos a ele se não havia perigo continuar a subir a serra. Respondeu que perigo não tinha, mas barulho no mato, haveria demais. Aconselhounos a não ficarmos com medo. Manoel de Souza Lino Filho Genezi Marques
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Mesmo assim, continuamos a subir com medo, não imaginando a hora de chegar em casa e descansar. Graças a Deus, em minha bicicleta não aconteceu nenhuma avaria; tão somente a roda da bicicleta do outro colega que deu problemas, quando estávamos entre Pindamonhangaba e Aparecida. Quando chegamos no topo da serra, olhamos para baixo, e não vimos nada; somente escuridão, e nada mais. Não sabia a hora de chegar nas proximidades do Hotel 40 Toriba , por que nele, havia uma faixa luminosa. 40
Toriba em tupi-guarani significa “alegria, felicidade”, é para quem aprecia a natureza brasileira, e um dos seus mais típicos recantos: pinheiros, matas virgens, montanhas, flores, passarinhos. A 1.850 m sobre o nível do mar, o Toriba é o hotel no país em maior altitude.
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Demorou mais um pouco, e enfim, chegamos. Ficamos felizes, e agrademos a Deus 41 em oração. Chegamos no Elite , na Vila Abernéssia, à 1 hora da manhã. Permanecemos ali um tempo, tomamos café e em seguida, cada um foi para sua casa. Ao chegar em casa, percebi que minha mãe estava dormindo. Entrei, fui direto ao meu quarto, troquei de roupas e caí duro como uma pedra, na cama. Manoel de Souza Li o Filho Genezi Marques 41
Localizado ali, junto à pista da anteriormente Av. Dr. Januário Miráglia, hoje Frei Orestes Girardi, quase em frente à estação de Vila Abernéssia, da Estada de Ferro Campos do Jordão, o popular e prestigiado Bar, Café, Confeitaria e Restaurante. Denominado L´IT (o “it”, atração, charme), depois popularizado como ELITE, de propriedade dos irmãos Cintra – Joaquim, Aristides e Daniel –, foi o grande ponto de atração e encontros de boa parte da sociedade de Campos do Jordão.
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No dia seguinte, acordei às 9 horas da manhã. Decidi que, de bicicleta, nunca mais em minha vida voltaria àquela cidade. Nunca mais! Ficava irado, só em pensar em andar de bicicleta. Nessa brincadeira, gastei Cr$ 40,00. Parece que tinha jogado dinheiro fora. Que brincadeira! Pensava, que, nunca mais, faria outro passeio como esse. Mas, foi um passeio e tanto. Passaram-se mais outros tempos. Enjoei mais uma vez do serviço, e pedi as contas. Meu pai não gostou nada disso. Fui arrumar outro emprego, e como tinha feito o curso de datilografia, dessa vez, encontrei serviço no escritório Codel.
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Tempo de Amores...
Tempo de Amores...
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Pois bem! Arrumei uma garota que, até beijá-la, não podia. Ah! Ia me esquecendo... Antes de trabalhar na Ceibel, namorei com duas meninas, inclusive uma é inimiga daquela que tanto amo, hoje, se sempre! Você! Seu nome era Raide. Foi a primeira garota que namorei. Eu me lembro... vivia dando presentes a ela, anéis, pulseiras, chaveiros, correntes... enfim; não sabia o que era o amor, pois, só namorava para passar o tempo. A outra, é amiga de minha querida amada, cujo nome é Helena Iasbeck. Namoramos pouco tempo, porque seu pai não deixou; na verdade, o motivo foi outro:
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Desistimos, porque ela me via ainda com o uma criança. De fato, eu era, mas ela também! Fiquei sozinho algum tempo, pensando em namorar outra garota e ter mais firmeza, porque assim como estava, não dava pé. Dando continuidade ao assunto, comecei a trabalhar no escritório da Codel. Certa feita, quando ia fazer uma cobrança, passou por mim uma menina e me deu um sorriso daqueles, muito alegre. Mais tarde, telefonou no escritório, fui atender, e era ela! Manoel de Souza Lino Filho Genezi Marques
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Estava me pedindo em namoro pelo telefone! Pois bem, aceitei e começamos a namorar. Falando a verdade, nem cheguei a dar um beijo. Engraçado, pois, quando tentava falar com ela, tornava-se muito tímida, boba, sei lá. Só me lembro que nunca chegamos a nos beijar. Seu nome era Leila. Passou mais um tempo. Fui tomando juízo... Em casa, às vezes, minha mãe falava para arrumar um trabalho bom, e casar. Isto, porque, segundo ela, um dia teríamos que sair de casa e constituir família. Fiquei muito comovido. Pensei alguns dias, pensei mais, e cansei de esperar pela Leila.
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Ela tinha medo de falar comigo; parecia que eu era um bicho. Fui ao seu encontro e perguntei porque tinha medo de mim. N達o respondeu nada, mas adiantou que sua m達e n達o gostava que ela namorasse. Percebi que ela tinha medo, era de sua m達e. Cansei e desisti, pois, nem mesmo gostava dela. Queria apenas firmeza; mas, com essa, logo vi que era tempo perdido. Manoel de Souza Lino Filho Genezi Marques
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Telefonava para mim, no escritório da Codel, no mínimo, três vezes ao dia. Estava saturado, não aguentava mais ser perturbação e ser incomodado. Falei com sua mãe, sua irmã, para não me perturbar mais no serviço. Foi parando... às vezes, um só telefonema por dia... até que enjoou e mandou uma colega me dizer que entre nós estava tudo acabado. Puxa! Já fazia tempo. Até que enfim, criou vergonha na cara. Graças a Deus, parei de namorar de brincadeira; chega de mentira; de hoje em diante, vou namorar uma garota para gostar mesmo dela, fazendo tudo para conquistá-la. Desta vez, somente a “MORTE” vai nos separar.
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A Namorada que Sonhei
A Namorada Que Sonhei
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Passaram-se dias... e passeando de bicicleta, vi uma garota muito simpática, linda de morrer. E foi ela. Para mim, não importava mais nada... sei lá, se tinha namorado ou não; só sei que ela será quem eu quero que seja. E vou gostar dela para sempre, tenho certeza (pensei eu, é claro). Fiquei feliz. Um tempo passou... uma vez passeando de bicicleta sentido Abernéssia-Capivari, eu a vi, abraçado com alguém. (Pense, com o fiquei naquele dia). Só sei que trabalhei o resto do dia nervoso, apreensivo, sem saber, no mínimo, o que estava fazendo. Manoel de Souza Lino Filho Genezi Marques
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Sonhava, e tinha pesadelos. O mundo para mim havia acabado. Um dia, talvez, ressuscitaria, voltaria a gostar dela e ela teria desistido dele. Uma vez, pensei em convidar alguns colegas e desmascarĂĄ-lo na frente dela, mas depois percebi que era chato, e resolvi esquecer o intento. Jurei para mim mesmo que ela seria a minha namorada e que faria tudo para que ele desistisse dela. Pensei em falar com ela na rua, mas, tĂmido como era, nĂŁo falei. Nesse tempo, meu irmĂŁo mais velho namorava com Silvia, e sempre me convidava para ir na casa dela, o que aconteceu, muitas vezes.
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Mas, como sempre, pensando naquela que tanto gosto, sem saber, nem o seu nome. Sem conhecê-la... nada...vendo-a, de vez em quando, apenas! Várias vezes tentei falar com ela na rua, mas tinha medo que me repreendesse pela intromissão. Sempre procurava algum modo para conhecê-la, ou, pelo menos, saber seu nome. Pensava muito, e debalde. Manoel de Souza Lino Filho Genezi Marques
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Uma vez fui na casa da namorada de meu irmão Cezar, e o ouvi mais ou menos, falar assim: “_Mas Silvia, eu não tenho culpa, se a mãe dela não sabia que ela tinha namorado; o azar foi dela, por ele não ter avisado a mãe dela, e não meu”. Aquilo me soou algo conhecido; entretanto, nem notei que era de minha garota que ele estava falando. E, assim foi. Uma vez, eu a vi chegar da escola e ir direto, e perto, da casa da Silvia. E cheguei até a pensar que ela morava ao lado da casa da Silvia; isto é, ao lado do Armazém do sr. Nike42. Parecia que era lá. 42
Armazém do saudoso Sr. Albenick José Furtado, o seu Nick, na década de sessenta e setenta, situado à rua Orivaldo Lima Cardoso, em Vila Jaguaribe.
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Só sei que tentava me aproximar cada vez mais, para conversar com ela. O medo, era sempre. Um dia, eu a vi voltando sozinha para sua casa e pensei comigo: “será que desistiu dele, ou ele, dela”? Para mim, seria um milagre! Sim, pensava, somente um milagre poderia nos aproximar. Manoel de Souza Lino Filho Genezi Marques
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E foi o que aconteceu. Ela havia brigado com ele. E, nesse interim, meu irmão Cezar também havia desistido de sua namorada Silvia. Ele havia me falado que arrumou uma garota bonita para passar o tempo... e veja só quem era: ela, a quem gosto, e nem sequer sabia o seu nome! Soube por ele. Pensei comigo: “Tenho que fazer de tudo para que o Cezar me apresente a ela. Não me lembro bem, se me apresentou, ou não. Sei apenas que a conheci... Para mim, foi uma estrela que caiu do céu! Para mim, e para ninguém mais.
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Sai do escritório da 43Codel e fui trabalhar no Cobal. No início não gostava, mas depois fui me acostumando. Passaram alguns dias... Pensei em uma maneira de meu irmão desistir ou deixar dela, porque ele tinha várias, e uma a menos, não iria fazer falta alguma. Foi o que fiz. De minha parte, tentei arrumar uma garota para atraí-la, mas não deu certo. Nem notava que gostava tanto... dela! Manoel de Souza Lino Filho Genezi Marques 43
COBAL – Extinta Companhia Brasileira de Alimentos, ficava no andar superior do Mercado Municipal. Era um supermercado.
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Nisso, chegou um parque de diversões na cidade. Pensei em convidá-la para ir ao parque, mas, voltei atrás, achando que não deveria. Pensei em outra maneira de me aproximar dela e dizer tudo o que sinto. Sabe o que pensei? Pensei em arrumar uma namorada, e foi o que fiz. Na época, havia umas garotas que trabalhavam no parque, e fiquei com uma delas, na intenção de atrair para mais perto de mim a quem gostava de verdade. Certa vez, apresentei quem eu gosto para quem essa do parque, que não gosto. Chamava-se Marina, que inclusive, está me atrapalhando muito, agora.
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Passaram-se outros dias, e gostava ainda mais dela (não de Marina, é lógico). Para ser sincero, nem cheguei a conhecer bem a Marina; mas, o que importava, era a que eu gosto, a quem dei meu coração, de braços abertos, aquela que lutarei, até a MORTE para conseguir. Ela será minha, somente minha, e de mais ninguém! Uma vez estava no parque passeando e divertindo, quando, de repente, encontro com ela. Convideia para dar umas voltas no barco. Respondeu que sim, mas para esperar um pouco, pois estava cansada de brincar no mesmo barco, naquele momento.
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Disse-lhe que iria conversar com uma colega e voltaria a seguir. Concordou, com a condição de não contar para meu irmão Cezar. Também concordei, e sai dali. Manoel de Souza Lino Filho Genezi Marques
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Pensou que fui conversar com a colega? Que nada! Fui ver se o Cezar estava por perto; procurei-o, mas não o encontrei. Mas, só sei que quando voltei para brincar com ela n o barco, já não estava ali, havia ido embora. Pensei, talvez estivesse encontrado com o Cezar, e fiquei muito nervoso. Fui embora. No outro dia, Marina me enviou um bilhete, dizendo que não gostava de mim, mas de outro. Para mim, não fazia a menor diferença, pois, o que importava era mesmo essa a quem eu gosto, e que não posso escrever o seu nome neste “caderno”, agora, mas no final, direi.
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Continuando, me lembro que um dia, fui na malharia, e o Cezar me mandou ir com ela até em minha casa, porque ele precisava falar com minha mãe. Era buscar ou falar sobre uma malha, sei lá. Fui em sua companhia até minha casa, e ela nunca percebeu que gostava e gosto tanto dela. Certa vez, houve44 um show no Círculo Operário ,e era dia 1 de maio de 1971. Esta data, nunca esquecerei na minha vida. Fui ali. Eu a vi acompanhada com um colega bem à frente do palco. 44
Na Sede Social do Círculo Operário Católico de Campos do Jordão, onde acontecia bailes e shows.
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Cheguei até o lugar, cumprimenteia e menti, dizendo-lhe que minha namorada que também estava ali acabara de desistir do nosso namoro, por causa dela. Foi então que, pela primeira vez, sentei-me ao seu lado. Foi tudo de bom. Manoel de Souza Lino Filho Genezi Marques
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Logo após, antes de iniciar o show, disse-me que 45estava com vontade de ir ao boliche e, como queria falar o que estava em meu coração, convidei-a e fomos. Ao chegarmos no salão, tinha uns “capetas” que nos atormentavam tanto, que nos deixaram nervosos, motivo esse para jogarmos apenas uma partida! Sua amiga Betinha, a qual agradeço muito, por ter-me ajudado muito, quando fui falar com a Genezi. Manoel de Souza Lino Filho Maria José de Souza 45
A casa de Boliche em Campos do Jordão era composta de quatro pistas, na década de 1960 e 1970, onde os jogadores se reuniam no salão. Ficava na Vila Jaguaribe, entre o supermercado Roma e a lavanderia.
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Após jogarmos boliche, fui levá-la à sua casa, e foi aí então, que declarei tudo o que sentia e sinto por ela. Pedi-a em namoro e me respondeu que ia pensar e que no dia seguinte daria a resposta. Fiquei mais feliz, bem feliz. Nessa noite sonhei que a pedi em casamento e ela havia consentido. Enfim, a razão do sonho foi a grande felicidade que senti naquela noite. A partir daí, percebi que tudo mudou completamente para mim. Tudo mesmo. Como estava mais feliz! Meu coração dava a sensação que batia mais forte, depois daquele momento. Puxa vida! Quem pensaria que o fim seria assim? Foi um milagre, um milagre! Somente isso.
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Sei que ela pensou bastante, e no outro dia me deu a resposta (aceito). Quando me disse sim, e ouvi de sua própria boca, sua voz, meu coração se abriu, como se ela entrasse dentro. Esta data nunca mais será esquecida. Há uma frase que diz “Tudo isto e o céu também”. Esta frase fala ao meu coração (parece mentira). Passaram-se alguns dias. Depois daquela semana, falei-lhe pela segunda vez, encontrando-a numa quarta-feira. Por esse tempo ela ia ao Círculo Operário na brincadeira dançante, aos domingos, lógico. Convide-a e ela aceitou.
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Estava radiante na brincadeira, às vezes dançava, mas a maioria de nosso tempo era para conversarmos. Quando ela fala comigo, sua voz parece ser apenas para mim, e para ninguém mais. Não justifiquei porque a escolhi. Explicarei agora. O meu sonho era, será e é assim: Dela ser bonita! Simpática! Morena! Cabelos compridos! Olhos castanhos! Que entendesse o meu sentimento por ela! Que me amasse para sempre! Que compreendesse a tristeza e a alegria, e o amor! Que fizesse tudo para me fazer feliz; porque, quanto a mim, farei tudo para meu grande amor! Manoel de Souza Lino Filho Genezi Marques
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Veio o tempo da quadrilha. Tempo das festas juninas. O Círculo Operário estava procurando pares para o evento. Convidei-a e respondeu que primeiro precisava falar com sua mãe, e que daria a resposta no dia seguinte. No outro dia obtive a resposta: sim! Entretanto, havia duas situações que escondíamos de sua mãe. Não contamos à sua mãe que estávamos namorando, e que iria dançar justamente comigo. No momento isso não importava, mas sim, que ela também começou a me amar! Resolvi dançar quadrilha por gostar, e também porque poderia falar-lhe todo dia.
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E assim aconteceu. Ensaios na primeira semana, na segunda, terceira, quarta...Na penúltima acabou muito tarde, levei-a para casa e na despedida, sua mãe nos viu. Pediu licença e levou-a para dentro. Naquela sexta-feira, à noite, tomou 17 comprimidos de gardenal. No dia seguinte, espereia para levá-la à escola, mas não apareceu. E tem mais: justamente no sábado, ela tinha sabatina. Faltou. Não a vi nesse dia. Imagine como fiquei nervoso, em casa. Julguei-me culpado! Sei que neste dia que de tão nervoso que fiquei, não tive vontade de trabalhar. Tudo era nada! E só pensava em você, Genezi. Somente em você.
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Terça ou quarta-feira da outra semana ela foi às aulas. Esperei-a. Ao chegar, cumprimentou-me com um “bom dia”. Percebi que estava pálida. Foi então que acreditei que ela havia tomado alguma coisa, e por minha causa. Isto foi para mim uma prova muito grande que realmente me ama. No domingo fui ao Círculo Operário para saber com a Betinha, como ela estava, se tudo corria bem com sua saúde. Sua resposta foi que ela só falava de mim, e isto foi mais uma prova que ela me ama. Estou escrevendo agora este “caderno”, só pensando em você, Genezi. Você não sai do meu pensamento, um segundo sequer.
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Ela continuou nas aulas. Na escola, sempre procurava um jeito de encontrá-la. Quando a levo, todos aqueles dias são abençoados. Foi passando a semana. Chegou o domingo. Nesse tempo, só encontrávamos à noite, na brincadeira dançante do Círculo Operário. Sempre lhe dizia que queria falar com sua mãe; e ela, pela segunda vez, pediu para que esperasse um pouco mais. A primeira vez, foi a mesma resposta. Cada vez que a via, meu amor aumentava mais. Depois de tudo isso, só me lembro que no dia seguinte começariam suas férias de julho.
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Seria “chato” ir sozinho ao trabalho. Quando a levava para a escola, ficava tão feliz. Esse dia era um dia alegre e amoroso. As férias passaram. Segunda-feira... terça, quarta... e na quinta-feira já estava quase desistindo de trabalhar, só porque não a via. Só eu sei disso. Sem você, não existe nada para mim. Eu a encontrava, às vezes, à noite, na hora de meu almoço. Sempre conversávamos. Queria sempre estar ao seu lado, falar-lhe todo dia, toda hora, todo minuto. Sempre estar ao seu lado, meu amor! Manoel de Souza Lino Filho Genezi Marques
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Aos domingos íamos passear, divertir. Eu e meu amor. Ninguém mais. Não importava mais minha casa, trabalho. Éramos eu e você, Genezi, ninguém mais. No primeiro domingo de férias, se me lembro, fomos fazer um piquenique. Foi no Grande Hotel. Saímos de sua casa, aproximadamente 10 horas da manhã, e levamos tudo que precisava. Eu levei lanche, e você o refrigerante. Não tínhamos combinado nada; ao contrário, foi de repente, de juma hora para outra. Levamos também máquina fotográfica, e filme para tirar retratos. Pois bem, chegamos. Tiramos algumas fotos e passeamos.
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Depois, fomos almoçar. E, foi, aquele almoço! Não um almoço, como em casa, mas foi bom. Já dava para matar a fome, porque não pensamos que iríamos chegar ao ponto de almoçar ali. Nosso plano foi apenas um passeio rápido; por isso, ninguém sabia. Mas, estava bom o passeio. Gostei muito, tiramos fotos bonitas; enfim, foi aquele domingo. Pronto! Na segunda-feira, como sempre, na volta ao trabalho, eu a v i na hora do almoço. Terça, eu só a vi à noite. Estava bordando malhas para a dona Ditinha46. 46
Família tradicional em Campos do Jordão, vizinha de Genezi, também fabricava malhas.
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Passou quarta-feira, eu a vi outra vez na hora do almoço, mas você não me viu. Quinta-feira, sexta, sábado, eu só a via à noite. Não importava nada, somente você, meu amor... Manoel de Souza Lino Filho Genezi Marques
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No segundo domingo de suas férias, não nos vimos. Sua mãe não a deixou sair; mas, mesmo assim, pudemos dar uma volta no campo de futebol, fizemos um pouco de hora, indo logo embora. Não importava mais nada. O que queria era tão somente falar com meu amor, sobre nós, eu e você, nada mais. Logo após essa caminhada, como já era tarde e estava fazendo bordado, você continuou nas malhas. Até amanhã, meu amor... Na segunda-feira, só vi você na hora do almoço. À noite, você não saiu.
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Como haveria de entregar um bordado difícil na quarta-feira, não saiu à noite na terça. Durante as férias, só falávamos sobre as férias, o descanso... e foi acabando as férias... passamos muitos dias juntos... gostei muito. Finalmente, a última semana. Eu me esqueci do terceiro domingo. Já lembrei! Fomos passear de bondinho até a Vila Capivarí; depois, passear no mini-férico47. Levamos outra vez a máquina fotográfica, e, lá em cima, tiramos fotografias. Só nós dois. 47
O Miniférico de Campos do Jordão, inaugurado em 1970, de cadeira individual, tem capacidade de 500 kg por cadeira, e é usado no ramo do turismo sendo o primeiro mono cabo aéreo do Brasil. Controlado pela Estrada de Ferro Campos do Jordão, tem 45 anos de funcionamento.
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Ventava muito, e eu não tinha levado minha japona. Imaginava que lá em cima não fazia frio. Caí do cavalo.... Voltamos logo, porque não tínhamos levado agasalho. Mais uma vez, um belo passeio, um belo domingo. Se todos os domingos eu pudesse estar ao lado de meu amor, não me importa mais nada; somente você, nada mais. Ah! Ia me esquecendo... no Círculo Operário não estava dando certo mais. Ficamos proibidos de ir na brincadeira dançante aos domingos, à noite. Pois bem. Veio então a última semana. Segunda-feira, eu a vi na hora do almoço e também à noite.
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Para dizer a verdade, Genezi, de fato, estava mesmo muito “chato” ir trabalhar sem ver você. Na verdade, gostei das férias de julho, porque sempre podia ouvir sua voz meiga, uma voz doce... Meu amor, gostei muito. Mas, como ia dizendo, eu vi você na terçafeira, na quarta, quinta, sexta... todos esses dias pude falar com você, na hora do almoço, e à noite! Que lindo esta frase: “Na minha hora de almoço, Na minha hora de descanso, Eu falo com você, meu amor. E, deste amor, Amarei para sempre”.
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No sábado, estive falando com você na hora do almoço e dizia, que, pelo menos no último dia de suas férias esse dia seria lembrado. E, assim foi. Veio domingo, último dia de férias. Ficamos conversando sobre nós, antes do almoço. Depois, você foi almoçar, e eu fui, também, almoçar em casa. Peguei a japona, para não ficar na mão. Manoel de Souza Lino Filho Genezi Marques
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Desta vez, estava mais frio, à tarde, mas com meu amor ao meu lado, estava quente a qualquer hora. Fomos passear de bondinho. Fomos até Capivarí, tomamos o mesmo bonde e fomos para São Cristõvão. Foi um passeio e tanto, meu amor! Quando chegamos, conversamos e muito. Nunca mais esquecerei desse dia. Depois, na volta, egoisticamente, fiz você perder o bonde (quer dizer, nós perdemos o bonde). Tínhamos que voltar a pé. Pensei em ir a pé até a Vila Albertina, e de lá pegar um táxi. Pois bem. Contei a você sobre esse plano, e você aceitou.
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Viemos a pé, quando subia de volta outro bonde, e resolvemos esperar. Foram 10 minutos. Tomamos o bonde. Quando estávamos quase chegando em Vila Jaguaribe, você viu a sua mãe e me avisou. Pensei que estava esperando para nos repreender; porém, convidou-nos para irmos até o jardim. Chegando ali, pediu para leva-la ao Boliche. Chegamos. Dei a ideia de jogar, apesar de seu braço ter atrapalhado um pouco. Você abriu o punho. Foi uma pena, mas divertido. Você provou que quando estamos juntos, nada importa. Para mim, meu amor, foi um domingo muito divertido. Gostei muito do passeio. Como gosto, e sempre gostarei.
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Jogamos duas partidas, e foi muito legal. Foi um domingo e tanto. Manoel de Souza Lino Filho Genezi Marques
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Jamais deixarei você, meu amor, por motivo algum. Pois bem, terminamos de jogar, fui levá-la para casa, e como foi dia primeiro, data de nosso dia, digo com sinceridade, que nunca esquecerei de você, meu amor. Nunca mesmo! Dei-lhe um presente, e você fez o mesmo. Por fim, esta data nunca será esquecida. Por aqui eu me despeço. Tudo que escrevi neste “caderno”, foi a primeira vez que escrevi. Nunca tinha escrito para alguém antes. Foi somente para você, meu amor, e para ninguém mais. Genezi, se você tiver ainda alguma dúvida, eu lhe peço, por favor, aviseme, que explicarei melhor.
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Como já disse, é a primeira vez na vida que escrevo um “caderno”, com sinceridade. Somente para você, meu amor, que tive a coragem de escrever. Peço, quando terminar de ler este “caderno”, sobre o que aconteceu desde o primeiro ano sobre o que sou agora, sobre o que sinto por você, hoje, e sempre o amanhã, pense que existe alguém que a ama com sinceridade, alguém que jamais a deixará para outro. Lembre-se, você só será para mim e para mais ninguém. E, lembre-se, que também existe alguém que a deixará, só se morrer; entende? Alguém que ama, que acredita que é amado.
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Por isso, quando ler este “caderno”, pense em mim, que eu sempre estarei pensando em você, meu amor. Tchau! Manoel de Souza Lino Filho O melhor lenço para as lágrimas é a recordação da pessoa amada! Gê, te amo loucamente! Genezi, meu amor, eu te amo.
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InterlĂşdio
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O Ano de 1972 Septuagésimo segundo ano do século XX.
No Mundo: Papa: Paulo VI 05/06/1972 – Conferência de Estocolmo. O primeiro grande encontro Mundial para tratar de uma questão fundamental para a sobrevivência do mundo: o MEIO AMBIENTE. O maior escândalo da época – e, talvez, da história dos Estados Unidos – foi o Watergate. O caso Watergate foi a invasão dos escritórios do Partido Democrata, em Washington, por pessoas ligadas ao então presidente Richard Nixon. Todo o esquema foi denunciado pelo jornal The Washington Post, e terminou com a renúncia de Nixon. As grandes novidades de 1 972 foram a calças US Top48 – um sucesso de vendas entre os anos 1970 e 1980 – e os tênis da marca Nike. Nas ruas do Rio de Janeiro surgiram os telefones públicos até hoje conhecidos como orelhões. 48
Primeira vez que usei uma US Top. Estava muito surrada, desbotada, e não servia mais ao meu irmão Cezar.
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Os recém-lançados aparelhos de TV a cores viraram moda entre os brasileiros. O maior atentado terrorista foi o assassinato de 11 atletas israelenses durante os Jogos Olímpicos de verão, em Munique, na ex-Alemanha Ocidental. De origem palestina, o grupo se chamava Setembro Negro.
No Brasil: Presidente: Emílio Garrastazu Medici49 Uma sobrecarga no sistema elétrico provocou um incêndio de grandes proporções no edifício Andraus, na avenida São João, Centro de São Paulo. Além de 16 mortos, o incidente deixou 300 feridos. Em 1972, foi comemorado o sesquicentenário da Independência do Brasil, sendo trazidos de Lisboa para São Paulo os restos mortais do Imperador D. Pedro I. 49
Foi o 28º Presidente do Brasil, entre 30 de outubro de 1969 e 15 de março de 1974, durante a ditadura militar do país. Obteve a patente de General de exército. Ao longo do governo de Médici, a ditadura militar atingiu seu pleno auge, com controle das poucas atividades políticas toleradas, a repressão e a censura às instituições civis foram reforçadas e qualquer manifestação de opinião contrário ao sistema, foram proibidas. Foi um período marcado pelo uso sistemático e de meios violentos como a tortura e o assassinato. Seu período na presidência ficou conhecido historicamente como Anos de Chumbo. Por causa disso, em 2015 a UFRJ revogou o título de Doutor Honoris Causa que havia sido concedido a ele em 1972.
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É inaugurada a Ponte Rio-Niteroi sobre o mar, ligando as duas cidades. Entre os automóveis que nas ruas brasileiras circulavam estavam a Veraneio (montada pela General Motors), o Volks SP (um esportivo da Volkswagen), o Corcel GT (Ford), o Galaxie (Ford) e o Opala Cupê SS (General Motors). O principal lançamento foi a Volkswagen Brasília. A TV exibia séries norte-americanas como Bat Masterson, Família Dó Ré Mi, Batman, Daniel Boone e Terra de Gigantes. Séries mais antigas como I Love Lucy e O Gordo e o Magro eram constantemente reprisadas50. O Bofe, Uma Rosa com Amor, O Primeiro Amor, Bandeira Dois e Selva de Pedra foram as novelas exibidas na época. Morrem os atores brasileiros, Sergio Cardoso e Leila Diniz. Governador do Estado de São Paulo: Laudo Natel, o governador caipira. Campos do Jordão: Prefeito: José Antonio Padovan
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Assistíamos a esses filmes e programas, no Círculo Operário, onde havia uma televisão comunitária. A comunidade de Vila Guarani que não possuía tv. em suas casas, poderia assistir. Eu, meus irmãos e o Manezinho frequentávamos muito.
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Câmara Municipal de Campos do Jordão, de 01 de janeiro de 1969 a 31 de dezembro de 1972, foi a seguinte: Presidentes: -Armênio Soares Pereira - (01.01.1969 a 31.01.1969) -Pedro Paulo Filho - (01.02.1969 a 31.12.1971) -Amadeu Carletti Junior - (01.01.1972 a 31.12.1972). Os vereadores eleitos através do voto popular, tomaram posse em 01.01.1969 e exerceram seus respectivos mandatos até 31.12.1972. Vereadores: Álvaro José Francisco, Armênio Soares Pereira, Benedito Severiano Barbosa, o Batatais, Clóvis Soares de Azevedo, Jesus de Carvalho, Joaquim Corrêa Cintra, Júlio da Silva, Miguel Lopes de Pina, Pedro Paulo Filho e Tarcísio Coutinho51. 23/02/1972 - A população jordanense assistiu à inauguração festiva do moderno prédio do Colégio Estadual e Escola Normal, no governo de Laudo Natel, em presença do prefeito José Antonio Padovan. 18/08/1972 - às 8 e 15 da manhã, verificou-se um deslizamento de cerca de 70.000 mil metros cúbicos de lama altamente aquosa e rica em matéria orgânica de origem vegetal, na vila operária chamada Vila Albertina, situada quase 2 km a sudoeste da entrada principal de Campos do Jordão. O fluxo de lama causou o soterramento de 60 casas e a morte de 17 pessoas. 51
Tarcísio Coutinho foi vereador de 1969 a 1972. Autor e responsável pelo Projeto que trouxe luminárias para o cemitério municipal.
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Alistamento Militar de Manezinho No ano em que completara 18 anos, Manezinho cortou o cabelo, tirou fotografia e foi para a JSM – Junta de Serviço Militar de Campos do Jordão, tirar a CAM – Certidão de Alistamento Militar52. Ministério do Exército 2º Exército 2ª Região Militar Presidente: Prefeito Municipal – José Antonio Padovan Secretário: Moacyr Cerqueira Subordinada à 7ª Del SM/4ªCSM Endereço: Av. Januário Miráglia, em Vila Abernéssia Naquele ano, o Alistamento Militar deveria ser realizado por todo jovem brasileiro, do sexo masculino, no período de 2 de janeiro até o último dia útil do mês de junho do ano em que completasse dezoito anos, na Junta de Serviço Militar (JSM) mais próxima de sua residência.
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A JSM é um órgão da Prefeitura Municipal e o prefeito, é o presidente da Junta. É responsabilidade da Prefeitura a instalação, manutenção e funcionamento da JSM. O prefeito nomeia um servidor municipal, de reconhecida idoneidade moral, para ser o secretário e principal executivo da Junta. A JSM é subordinada à Prefeitura, mas atua sob a orientação técnica do Exércitos. Naquele tempo, o secretário da JSM era o Sr. Moacyr Cerqueira. Em Campos do Jordão, o serviço militar obrigatório é exercido em Pindamonhangaba, no Batalhão de Engenharia e Combate Borba Gato e nas 11ª e 12ª Companhias de Engenharia e Combate Leve.
172 O Serviço Militar consiste no exercício de atividades específicas desempenhadas pelas Forças Armadas (Marinha, Exército e Aeronáutica) e compreende, na Mobilização e Pessoal, todos os encargos com a Defesa Nacional. Ao término da seleção realizada pela Comissão de Seleção (CS) Manezinho foi designado para a prestação do Serviço Militar Obrigatório na Organização Militar da Ativa, no 2º Batalhão
de Engenharia de Combate, unidade do Exército Brasileiro com sede em Pindamonhangaba-SP.
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O Corte de Cabelo Militar Por essa época, o cabelo de Manezinho ganhava brilho, e a alegria verdadeira passava a fazer parte da sua vida. De longe se sabia da sua presença. Sempre trazia a felicidade, com as suas brincadeiras, e sua vontade de viver. Era o ídolo da criançada, e o símbolo do rapaz de bem. Entretanto, foi convocado para servir o Exército. Foi ao barbeiro e mandou fazer o maior "estrago" (sem dó nem piedade) no seu cabelo. (Estranhei meu irmão com o cabelo cortado, tipo “reco”). Era um corte de muito "sucesso" na época: o "americano". O nome devia-se ao fato de ser como o que os militares americanos usavam: quase raspado nos lados e baixo em cima. Era o "máximo. O corte de cabelo militar, americano, estilo curto nas laterais da cabeça (máquina zero), e, máquina dois sob a cabeça, era obrigatório para todos os que iniciavam na vida militar como soldados (recém incorporados).
Manezinho me contou que no quartel, há um cartão em poder dos soldados, que se intitula cartão do corte de cabelo, devendo o soldado se apresentar ao barbeiro a cada 15 dias. Após cortado o cabelo, o militar se apresenta para o comando de seu grupamento ou subunidade para que o comandante viste seu cartão de corte de cabelo e confira sua regularidade. Não cortar o cabelo dentro dos períodos estabelecidos, era considerado no exército, transgressão disciplinar.
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O objetivo do corte curto nos cabelos, primeiramente era para se evitar a proliferação de fungos, piolhos, pulgas, ou qualquer outro tipo de contaminação por contato físico, pois as instruções que são recebidas pelos soldados recém incorporados, envolviam luta corpo a corpo, combate com e sem arma corpo a corpo, aglomerações em trincheiras, em acampamentos, em bivaques, etc. O grande objetivo do cabelo curto, então é a higiene do grupo. Até porque, no serviço militar não é sabido como é a higiene pessoal do futuro soldado na casa dele, e, nem como é a higiene da casa como um todo. Porém se no exército o soldado não for dos muitos caprichosos com sua higiene pessoal, poderá sofrer punições, inclusive, era obrigatório banho duas vezes ao dia e fazer a barba toda manhã.
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Batalhão Borba Gato O 2º Batalhão de Engenharia de Combate foi criado pelo Decreto Reservado nº 21.134-A, de 15 de maio de 1946. O Batalhão traz consigo as tradições da Unidade Militar que o precedeu junto à antiga 2ª Divisão de Infantaria, o 5º Batalhão de Engenheiros – 1908, transferido de Cáceres-MT para São Paulo SP, em 1919, com a denominação de 2º Batalhão de Engenharia. Todavia, o trabalho dos seus antecessores, além de encerrar um brilho institucional de Força Armada, também é herdeiro do legado de bravura, arrojo e audácia dos pioneiros de nossa Terra, os bandeirantes, de cujo rol emprestou-se à denominação histórica de “Batalhão Borba Gato”. Tendo crescido em solo herdado dos brasileiros que fizeram ecoar o ”Grito do Ipiranga, o 2º BECmb é hoje um símbolo de presença militar em Pindamonhangaba, perpetuando os mesmos valores da Guarda de Honra Imperial, que, saindo da nossa “Vila Real”, a 21 de agosto, acompanhou o Príncipe Regente até o histórico 7 de setembro de 1822. Desde 15 de maio de 1946, são 65 anos de existência em que a Engenharia Militar de Pindamonhangaba contribuiu com uma ampla folha de serviço prestado à sua Região.
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Por meio de um trabalho ininterrupto e honroso, formou turmas de soldados aptos a defender a Pátria, fazendoos desempenhar, desde missões convencionais de combate até as atividades logísticas e trabalhos técnicos, envolvendo serviços especializados. Não raras foram as ocasiões em que botes militares para transporte de tropa, aliados a passadeiras (pontes flutuantes para pedestres) e portadas (balsas), resgataram vidas e pertences, fornecendo a ajuda necessária aos flagelados.
O exemplo mais recente ocorreu na Região Serrana do Estado do Rio de Janeiro-RJ, no início do corrente ano, ocasião em que uma equipe do Batalhão Borba Gato prontamente participou do socorro às vítimas da terrível enchente que assolou aquela região. Desde 2004, o Batalhão tem integrado o efetivo de Missão das Nações Unidas para a Estabilização do Haiti (MINUSTAH), contribuindo para a pacificação e o desenvolvimento daquele país amigo.
Patrono do Batalhão
Manuel de Borba Gato foi um dos mais célebres bandeirantes, viveu no século XVII. Era genro de Fernão Dias. Participou da grande bandeira chefiada pelo sogro e organizada com o objetivo de encontrar esmeraldas. Fernão Dias, pressentindo que morreria, confiou a Borba Gato os destinos da expedição.
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Além dessa, chefiou outras bandeiras, de 1680 a 1700, vivendo praticamente nas selvas. Seu nome está ligado ao descobrimento das minas de Sabará e ao desbravamento das terras próximas ao Rio das Velhas. Histórico do prédio
Construção: Final do Século XIX Tipo: Alvenaria Estilo: Neoclássico Inauguração do Piso Superior: 1968 O atual prédio já foi sede: Mercado Municipal (Final do Século XIX até 1914) 4º Corpo de Trem (1914 1919) Desocupado de 1920 A 1929, devido à extinção do 4º Corpo de Trem, em 1920. 2ª Companhia De Transmissões (1930-1932) 12º Regimento De Cavalaria Independente (1932-1939) 2º Batalhão do 5º Regimento de Infantaria (1939-1943) 1ª Companhia do 2º Batalhão do 6º Regimento de Infantaria (1943-1945) 2º Batalhão de Carros de Combate Leve (1945- 1947) 2º Batalhão de Engenharia De Combate (1947 até a presente data)
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A Cerimonia Militar de Incorporação Na manhã do dia 02 de maio de 1972, o Soldado Lino, apresentou-se no 2º Batalhão de Engenharia de Combate, unidade do Exército Brasileiro com sede em Pindamonhangaba-SP. Era a cerimônia militar de incorporação dos jovens, nascidos no ano de 1953, que iriam prestar o serviço militar obrigatório no Batalhão Borba Gato. Seu Registro de Identidade Militar foi nº 1507 - SOLDADO LINO. A cerimônia foi realizada em frente ao Batalhão e contou com a presença de alguns familiares dos “conscritos”, termo militar utilizado para designar jovens que estão incorporando as fileiras do Exército. Nossa família não participou. O Contingente dos jovens de 1972, foi selecionado num total de alistados das cidades de Pindamonhangaba, Tremembé e Campos do Jordão. Manezinho, agora Soldado Lino, foi sentar praça no Exército em Pindamonhangaba. A partir daquela data, meu irmão passaria por um período de Instrução Básica.
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Pindamonhangaba, a Princesa do Norte Localizada a 136 km de distância de São Paulo, no centro geográfico do Vale do Paraíba, a cidade de Pindamonhangaba destaca-se na região pelo seu crescente desenvolvimento econômico e qualidade de vida. Para os historiadores, Pindamonhangaba é um nome de origem Tupi, composto pelas palavras PINDA (anzol) e MONHANGABA (lugar onde se fabrica). Ou seja, a região era comumente conhecida, pelas tribos indígenas tupiguarani, como local de fabricação de anzóis. Há ainda uma segunda versão, a qual atribui essa nomeação a um trecho do Rio Paraíba que parece com o formato de um anzol. O apelido Princesa do Norte lhe foi atribuído quando foi elevada a cidade, em 1849, pelo cronista e poeta Emílio Zaluar, destacando-se que o termo “do Norte” se refere ao antigo itinerário dos bandeirantes, conhecido como “Caminho do Norte”. Destaca-se também a Estrada de Ferro Campos do Jordão, idealizada pelos médicos sanitaristas Emílio Ribas e Victor Godinho. Suas construções obedecem a uma linha arquitetônica que se mantém inalterada através dos anos, formando um conjunto típico das ferrovias do passado.
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As Litorinas No ano de 1972 não havia transporte rodoviário para passageiros, entre as cidades de Campos do Jordão e Pindamonhangaba, e vice-versa. Era necessário embarcar no trem. O trem de Campos do Jordão, ou melhor, a litorina, como era chamado, fazia o trajeto de 47 quilômetros com saída da Estação Central, em Pindamonhangaba e percorria a natureza do Vale do Paraíba e Serra da Mantiqueira, passando pela Ponte com estrutura portuguesa, o Mirante de Nossa Senhora Auxiliadora na Estação Lèfreve em Santo Antônio do Pinhal. Durante o percurso, o passageiro tinha a oportunidade de conhecer a zona rural do município, com suas antigas fazendas cafeeiras, ainda da época dos escravos, e os belos campos de cultivo de arroz e gado. A paisagem continua linda, e muda da planície para a serra quase que de repente, onde, da planície que segue de Pinda a Piracuama, muda para a floresta úmida da serra além das Águas Claras, onde se pode ver a curva em que o trem ainda vai passar, os altos picos da montanha além do Alto do Lajeado, o ponto mais alto da ferrovia brasileira, a 1743 metros de altitude e o sobe e desce dos campos da montanha, em Campos do Jordão. Nesse percurso, percorre o canteiro central da avenida principal da cidade, passando por entre casas, jardins, hotéis e carros, chegando à Estação Emílio Ribas (Vila Capivari).
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Soldado Lino, subia e descia todo fim de semana, praticamente, no trenzinho53. Quando estava de serviço, era-lhe impossível. Tomava o trem P-8, para Campos do Jordão, às 18,30hs de sexta-feira. O motorneiro era o Sr. Paulo de Oliveira, apelidado de Paulo Aço54. Os 28 passageiros foram: Matheus, Oriel, José Roberto, Raimundo, Renato, Andrioli, Oliveira, Angelino, Bento, Sérgio Luiz, Toledo da 1ª Cia; Mendes, Luiz Gonzaga, Fausi Rachid, Robertão, Rocha, Da Silva, Passos, Januário, Cunha, Jair A. Cruz, 1ª Cia, Reis, Anézio, Sérgio, Mário e Hirosai e Sérgio Luiz e Lino.
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O trenzinho de Campos do Jordão, ou melhor, a litorina, como é chamado 54 Paulo de Oliveira, apelidado de Paulo Aço, com 1,80 mts de altura, era forte como um touro. Era o motorneiro do trem da Estrada de Ferro Campos do Jordão, e operava entre Pindamonhangaba e Campos do Jordão. Esportista de várias modalidades, professor de judô, faixa Preta, o ferroviário Paulo de Oliveira, Paulo Aço, era tão forte que (diz-se!), era capaz de puxar um vagão de trem com os dentes. As lendárias façanhas físicas do "velho" naturalmente teriam influenciado e motivado os seus filhos para a prática do esporte. Um de seus filhos foi João Carlos de Oliveira, o João do Pulo, grande esportista e recordista mundial do salto triplo dos Jogos PanAmericanos de 1975, realizado na cidade do México, que naquela oportunidade, registrou a incrível marca de 17,89 m.
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Foto de alguns colegas do Soldado Lino, que viajavam com ele no trem, em 1972:
SD ANGELINO
SD CUNHA
SD FAUSI RACHID
SD OLIVEIRA
SD JOSÉ ROBERTO
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A Luta no Acampamento Algumas vezes por ano, os recrutas vão para um campo do Exército, onde vivem seus dias de Rambo55. Nos exercícios de guerra, eles têm de fazer de tudo: rastejar na lama, pernoitar dentro de pântanos, atravessar túneis de gás e até caçar o próprio alimento. E é bom fazer tudo direitinho - ou pode sobrar o olho da galinha para alguém. Soldado Lino fez o Acampamento do Período de Instrução Individual Básica dos soldados incorporados em outubro de 1972. Ele me contou tudo. Teria se queixado de mal-estar e dores no corpo logo após a realização das atividades em um acampamento militar. No último fim de semana que passou em casa, no Alto da Boa Vista, onde morávamos recentemente, mostrou-me os braços, pernas, pescoço e costas, picados de bichos, mosquitos e pernilongos, que tinha sofrido na região de mata densa que era costumeiramente utilizada pelos militares para a realização das atividades e treinamentos.
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Rambo era uma série de filmes baseada no romance "First Blood", de 1972, escrito por David Morrell, mas que se tornou célebre pelos filmes protagonizados por Sylvester Stallone. A série tem como personagem principal o soldado boina verde e ex-combatente da Guerra do Vietnã John Rambo.,
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Marchou muitos quilômetros, carregando uma mochila e equipamento nas costas. Desconforto físico total. Chegou a comer carne de frango cru do mato, e levava no coturno, escondido do comandante, um saquitel de sal. Esse treinamento submetia a todos os recrutas, a uma série de atividades físicas. O acampamento era uma atividade de praxe a todo soldado que incorporava ao Exército. A atividade realizada na área verde do quartel, visava primordialmente complementar as instruções teóricas e práticas já ministradas, com a necessária e fundamental experiência no terreno, além de permitir ao recruta participar da montagem e do funcionamento de uma área de “acampamento”. Durante o exercício, os recrutas foram testados na aplicação das técnicas de progressão no terreno, orientação, transporte e atendimento de feridos, transposição de obstáculos e de cursos d´água, dentre outras. Foram desenvolvidos e aprimorados, ainda, atributos da área afetiva, destacando-se a rusticidade, a tenacidade e o espírito de cumprimento da missão, todos valores morais estimulados pelo Exército Brasileiro.
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Guarda de Honra de D. Pedro I Em 1972, ano comemorativo ao sesquicentenário da Independência, os despojos do imperador Pedro I foram trasladados do convento de São Vicente de Fora, cidade do Porto, Portugal, para o Brasil, para inumação definitiva no mausoléu do Ipiranga, onde repousaria junto à dona Leopoldina, a primeira imperatriz do Brasil. Segundo a programação elaborada pela Comissão Executiva Nacional dos festejos referentes àquele acontecimento, os restos mortais de Sua Alteza visitariam apenas algumas capitais antes de serem transportadas para o monumento do Ipiranga. Aparecida e Pindamonhangaba foram as únicas cidades do interior incluídas na visita. Aparecida, por abrigar a imagem da Padroeira do Brasil. Pindamonhangaba por ter cedido 16 elementos à Guarda de Honra de D. Pedro I (o efetivo era 36), sendo que dez deles, incluindo o comandante, estiveram lado a lado com o príncipe no ato da Independência. Proveniente do Rio de Janeiro, o comboio com os restos mortais de D. Pedro chegou em Pindamonhangaba às 15 horas do dia 2 de setembro de 1972, na estação da Rede Ferroviária Federal (atual MRS-Logística).
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Um carro blindado do Exército transportou o esquife do Imperador, percorrendo a rua Martin Cabral, Dr. Jorge Tibiriçá, rua dos Andradas, praça Padre João de Faria Fialho, rua Bicudo Leme, Rubião Júnior e Gregório Costa até chegar ao Largo São José (praça Barão do Rio Branco). O soldado Lino teve a honra de participar desse evento histórico. Em frente à igreja São José, autoridades militares, civis e eclesiásticas e a população assistiram à entrega da urna funerária ao governador Laudo Natel, pelo general Jorge Correia (presidente da Comissão Nacional dos Festejos do Sesquicentenário). Em seguida, os despojos deram entrada na igreja São José, considerada Panteão Cívico Nacional onde se encontram sepultados os pindamonhangabenses da Guarda de Honra, ali permanecendo (em vigília noturna) até às oito horas do dia seguinte, quando seguiram para São Paulo. Na capital ainda permaneceram no Palácio do Governo até o dia 6 de setembro, seguindo, finalmente, para o monumento do Ipiranga. Na época o prefeito de Pindamonhangaba era o Dr. Caio Gomes Figueiredo e o presidente da Câmara, José Prates da Fonseca. Coube ao Dr. Adherbal Ribeiro Ávila presidir a Comissão Municipal dos Festejos do Sesquicentenário.
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Cartas do Quartel
Cartas do Quartel
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Pindamonhangaba, 10 de outubro de 1972 Minha querida noiva Genezi Marques S.L. Em primeiro lugar, espero que esta a encontre gozando perfeita saúde e, com muitas saudades minhas! Meu amor, com o vai aí com você, tudo bem? Muitas saudades, minhas de você, é bastante. Bem, começarei dizendo que esta distância que nos separa é tão grande, mas o que importa é que tenho você ao meu lado, junto a mim. E, digo de todo o meu coração que nunca na minha vida me senti tão feliz ao seu lado porque você me ama e eu a amo muito.
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Meu bem, puxa vida! Como é tão triste estar aqui no quartel pensando em você, escrevendo o seu lindo nome e não poder vê-la. Como é triste, querida, sentir o calor de seus beijos, a doçura dos seus lábios, a sua voz tão meiga, e as palavras tão lindas de você; e agora, estou longe de você. Por que, meu amor? Será que é porque a amo muito? Que vida! Meu bem, quero viver juntinho a você, no seu lado, entende? Minha querida, eu a amo muito. Meu amor, preciso de você, entende?
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Por isso, se algum dia você pensar em me deixar, pense antes, em nosso amor, e assim, nunca me56 deixará. Ouviu, querida “esposa” ? Continuarei como sempre pensando em você... todas as noites pensando... antes de dormir... lhe dou um beijo bem na boca. Você não sente, mas eu sinto. Meu bem, são 21,10 horas da noite; hoje é terça-feira. Como chove aqui em Pindamonhangaba; como está triste o tempo; tudo é triste; não há sol; só há tristeza. Tudo isto, porque estou longe de você, meu amor. Isto, porque a amo. 56
Note-se que a partir desse momento, no quartel, trata sua noiva Genezi, de “Esposa”.
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Minha querida, não leve em conta o que os outros dizem, não importa. O que importa, é que nós nos amamos, não é? Meu amor, são 21,30 horas da noite. Penso em tanta coisa para falar a você; mas digo tudo em poucas palavras; resumo tudo. Querida, aqui no quartel está tudo bem comigo. Fique tranquila. Tudo o que faço, penso em você antes. O que é “chato”, é que mesmo com chuva temos que marchar, fazer 57 treinamento antiguerrilha . 57
No treinamento antiguerrilha, é preciso ser capaz de fazer longas marchas a pé carregando pesadas mochilas, e com rapidez, e passar noites acordado. A sobrevivência no campo ou na selva é fator crítico, pois depende do conhecimento dos recursos naturais. Esses militares devem ser capazes de identificar plantas e frutos comestíveis, bem como a preparar pequenos animais para comer, e até encontrar raízes que armazenam água. Muitas unidades têm homens que tem capacidade de seguir rastros seja na selva, montanhas ou deserto.
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Você sabe como é, como aquela vez, deita-se no chão, molhado, na lama, e atira com balas de festim para ver a reação do soldado. Até agora nós passamos em todos os testes de guerrilha; mas, digo, meu amor, além de ser “chato” é triste, porque estou longe de você, meu amor. Hoje, eu fiz tanta coisa, querida. Fiquei sabendo sobre nós no quartel. Quando chegar aí, faça-me um favor, sim, querida, lembre-me para contar o que é, porque é muito triste; mas, não esquente a cabeça não, a baixa vem aí. Bem, meu amor, neste momento não tenho palavras para lhe dizer tudo, mas em poucas, estou dizendo.
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Minha querida, por amor, eu peço a você: aceite casar comigo. Mesmo agora, o que está acontecendo com os meus pais58. Para mim, isto não importa; o que importa para mim é que eu a amo, meu amor, meu bem! E, quanto à minha parte, aceito você como minha esposa para sempre, de livre e espontânea vontade. Digo ainda, que nunca me arrependerei dizendo isto, mas provarei que farei de você a esposa mais feliz do mundo e espero que você faça a mesma coisa comigo. Neste momento, são 21,50 horas da noite. Como a hora passa! Puxa vida! 58
Nunca soube o que estava acontecendo com meus pais naqueles dias.
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Não posso nem me concentrar com minha esposa, direito, meu amor. Amo, e você me ama, para sempre! Meu bem, quando você estiver em seu quarto sozinha, leia isto que escrevo, e faça como eu, que penso em você, amor. Meu amor, pense também nos filmes: “Dio Come Ti Amo”, “Romeu e Julieta”, “Love Story59”, a bistória de nosso amor, que, a cada dia que passa, se torna mais amor; e é isto que sinto por você, meu grande amor. Eu te amo, minha querida, muito. 59
Filmes românticos, que estavam em exibição na época, nos cinemas.
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Lembre-se sempre daquela frase: “Amar, não é jamais pedir perdão”. Lembrou-se agora que filme é que fala tanto sobre nós? Minha querida esposa, já são 22,05 horas da noite, e aquele beijo bem apertado na boca, meu anjo. Meu bem, por aqui me despeço de você, por hoje, com um beijo bem demorado, tá! O qual me faz falta sempre. Mil abraços e mais mil beijos de seu marido que nunca a esquece e nunca a esquecerá; ouviu, querida! Boa noite, meu amor, aquele beijo, tá! Tchau, querida, meu amor, amo. Mais um beijo... Manoel de Souza Lino Filho Genezi Marques
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Pindamonhangaba, 13 de outubro de 1972 A você, querida noiva, Como vai, querida, tudo bem? Espero que sim. Querida, estou com muitas saudades de você. E você? Aqui em Pindamonhangaba, amanheceu um tempo meio bom; não tem sol, e não chove. Bem, começarei por aqui. Hoje estou saindo do serviço, são 6 horas da manhã, o dia já está claro, e nós já estamos prontos para irmos embora. Só falta render a guarda60.
60
Troca de guardas, o render das sentinelas. Espetáculo sempre agradável de se ver, pela entrega dos aprumados militares no habitual ritual e no impecável manuseamento das suas armas.
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Meu bem, a noite passada inteirinha fiquei pensando em você, em nossos tempos passados que hoje não volta mais. Puxa vida! Como é triste estar aqui, pensando e escrevendo para quem amo, e essa pessoa, você, está longe. Não acha? É muito triste. Meu amor, não aguento mais viver longe de você, e quero estar em seus braços. Meu amor, me abrace, beije-me; como é bom, você não acha? Bom, é porque nos amamos por igual. Querida, hoje é sexta-feira, e ainda tenho que esperar até à noite para falar com você. Já não aguento mais de saudades, é muita.
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E você, como está passando em tudo, em paz? Logo estarei aí. Querida, tenha calma, como estou tendo. Bom, meu amor, já está na hora de irmos para o quartel (os soldados, é lógico); a turma já vem vindo. Olha, estou aqui na granja, no paiol, você sabe onde é; passei aquela noite, tirei serviço de quinta para sexta-feira que é hoje. Meu amor, por hoje não é tudo, mas tenho que ir. Tchau, querida, um beijo e um abraço, e três beijos para nos casarmos outra vez, porque não aguento mais, tá? E aquele beijo que nos faz falta, tá! Por enquanto. Manoel de Souza Lino Filho Genezi Marques Souza Lino
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Cartas da Noiva
Cartas da Noiva “O paraíso do céu está no61 beijo da pessoa amada!” 61
Escrito na margem esquerda do “caderno de Manezinho”, por Genezi Marques, sua noiva.
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Tu devolveste meus livros, Pesarosa os recebi. Se esqueceste meus amigos, Mas jamais te esqueci. O livro de minha vida, Abri-o e li num momento, Pois só continha, ai de mim, A palavra – sofrimento!
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Soturno soluça o mar, Soluça. A tarde desmaia. E o mar no lenço da praia, Limpa os olhos a chorar. Perguntaram-me certa vez, Se eu sabia amar. Quem ama, chora, não canta. Eu nasci para chorar!62
62
Poesia avulsa, encontrada no “caderno” de Manezinho, escrita por Genezi.
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Campos do Jordão, 16 de outubro de 1972 Querido bem, Depois de tanto tempo, voltei a recordar tudo sobre sua infância e o nosso amor. Querido, o amor que agora nos une é tão imenso e sincero como aquele que pela primeira vez conversamos e iniciamos nosso “namoro”; esta data, (01/05/1971), inesquecível, e hoje nós a recordamos com saudades. Nossos passeios, medos, brigas, aulas, datilografia, enfim, tudo. Pequenas coisas que nos relembram um passado.
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Depois, no dia 13/07/1971, você veio falar com minha mãe; nesse dia, quanto medo e agonia! Querido, agora, relendo estas páginas, sinto saudades daqueles tempos que ficou na recordação, mas hoje, somos “noivos”, e nosso amor continua o mesmo. Faz 1 ano e 5 meses de namoro; e 5 meses de noivado; tudo isso é maravilhoso. Amo você mais. Você deixou de ser criança e passou a ser meu único amor, e futuro marido. Eu deixei de ser criança e passei a ser aquela que você ama, aquela que faz de tudo e o ama, alucinadamente.
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Querido, de tudo isso, jamais deveremos esquecer. Ela faz parte nossas vidas do início de nosso romance que em breve, tornar-se-á realidade, e um sonho esperado. Meu amor, hoje sinto o quanto necessito de você, o quanto é grande meu amor. Querido, leia novamente este “caderno” e sinta desde o início o nosso amor, porque ele o levará ao passado que não voltará jamais, mas ficará no presente e no futuro, a lembrança de duas pessoas que se encontraram, amaram e são felizes (nós). Meu amor, sem mais, um bom sono e bastante beijinhos. Tchau! Sua garota do parque.
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Campos do Jordão, 18 de outubro de 1972 Meu amor, Ao iniciar mais uma das cartas que lhe escrevo, espero encontrá-lo bem de saúde, enquanto não aguento mais sua ausência, que hora me perturba. Como sabes, amo-o muito, e esta separação é triste demais para quem ama. Sua presença é o mundo que passo a conhecer no momento de sua chegada. Você é a razão primordial de minha existência, o alento das horas tristes e alegres; e tudo isso integra numa pequena palavra, o qual seu significado é tão grande quanto infinito. O amor!
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Amor, quatro letras que traduz tudo e ao mesmo tempo nada, pois, nos traz à vida a alegria, mas também dissabores, mas nada importa, porque o verdadeiro amor não tem significado. Bom, querido, você, o que conta? Como estás? Sabe, hoje o céu está parcialmente estrelado, e a lua tão bonita, mas estamos distantes. Por que? Quando o amor é sincero, o esquecimento é impossível. Agora relembro quantas vezes ficamos sentados lá fora, olhando e cantando; hoje, apenas olho-o com lágrimas, e as estrelas... a nossa estrela! Tem visto?
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Infelizmente, não a vejo, porque você não me chama cedo para vê-la. Vê se lembra de chamar-me, heim, senão...!!! Querido, o meu desejo seria estar junto de você para sempre, para nunca nos separarmos. Sinto tanto sua falta, seus abraços, beijos, suas palavras. Oh! Deus! Será que conseguiremos o que desejamos? Ah! Lembra-se desta frase: “Meus pensamentos como a lua, todas noites volta para dar o testemunho de sua existência”. Assim o faço; todas as noites, elevo meus pensamentos a você, para que possa lembrar sempre de nosso amor.
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E, ao mesmo tempo, elevo meus pensamentos a Deus, para pedir que o proteja e que olhe pelo nosso amor a cada dia que passa, para que se torne mais imenso e ardente. Meu amor, todas as noites sonho com você, e gostaria que em vez de serem sonhos, fossem realidades; então, seria muito feliz. Querido, hoje para mim foi um dia com o os demais. Fui ao colégio cedo, à tarde fui na educação física, depois vim embora e fui bordar. À tardinha tiraram-me o sossego, e o que fazer? Mas, tudo passa. Apenas quero-o junto de mim, só isso, então poderei morrer, ou até mesmo...
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Querido, quanto tempo teremos que ficar assim? Minha felicidade está em suas mãos; então, faça-me feliz, e serei a esposa que merece. Bom, acho que por hoje nada mais, a não ser saudades. Querido, breve regresso, muitas saudades, milhões de abraços e todos os beijos que desejar. Boa noite, e sonhe comigo ((22,05horas). Sua esposa, que de longe o espera. Genezi Marques Souza Lino
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Campos do Jordão, 19 de outubro de 1972 Querido, Como duas pedras nos encontramos, como dois seres da mesma espécie, nos olhamos; como duas criaturas humanas, nos falamos. Como dois corações ávidos de afeto, nos aproximamos; como noivos, concebemos um sonho de amor. E esse sonho de amor63 logo se realizará, para sempre! Sua noiva, Ge. 63
Outra poesia avulsa, encontrada no “caderno” de Manezinho, escrita por Genezi Marques, sua noiva.
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Campos do Jordão, 21 de outubro de 1972 My dear, Um dia, muito despreocupada, fui assistir um show para passar tempo, mas sem pensar que naquele espetáculo, encontraria alguém que mudasse,64 e foi assim que o conheci .Você entrou em minha vida como um raio solar, e entra em meu quarto. Você iluminou minha vida, que dantes era banal; então, sentindo toda aquela emoção, toda a declaração de alguém que me amava em silêncio sem eu nada saber, começamos a namorar. 64
Isto se deu no Círculo Operário.
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Levávamos uma vida tranquila, até que certo dia começou nossa angústia. Querido, nosso amor é como o mar, ora tranquilo, ora agitado, com ou sem tempestades. Hoje, você está distante e sua ausência é algo que jamais compreendi. Quem sabe em breve estaremos caminhando pelos mesmos caminhos. Querido, somente isso desejo. Estar ao seu lado e fazê-lo feliz. Amo-o demais para vê-lo tão longe. Amo e não cansarei de dizer-lhe, para sempre, meu amor. Querido, por hoje vou encerrando.
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Esqueça o que está se passando em 65 casa , ok? Muitos abraços e beijos bem doces. Sua esposa.
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Alusão a alguma ocorrência com meus pais. Nunca soube o que aconteceu.
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A Tragédia
A Tragédia
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O Bosque da Princesa66 A cidade de Pindamonhangaba estava em polvorosa: Receberia em questão de dias a visita da Princesa Isabel e de seu esposo, o Conde D´Eu. A viagem tinha como objetivo a legitimação do poder do Imperador, que estava desgastada com as ambições dos donos de fazendas entre elas a abolição da escravatura. Vale lembrar que o Imperador e sua comitiva já estiveram na província de São Paulo em 1846. Tanto que em 1845, a Câmara Municipal de Bananal mobilizou praticamente todos para que a comitiva real fosse bem recepcionada. Mas a cidade ficou no “vácuo”, pois após exaustiva viagem, os planos foram outros e o monarca deixou São Paulo rumo ao porto de Santos. Passado o tempo, somente em 1868, o D. Pedro II voltou a região vindo de Minas Gerais por Lorena. Enquanto isso em Pindamonhangaba, a Câmara Municipal se reunia para estudar e planejar a execução de obras e dos eventos que recepcionariam a Dona Isabel e seu marido. Um dos mimos concedidos a Princesa foi um Bosque.
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Onde antes havia apenas alamedas e caminhos, com o tempo foi recebendo parques, instalações para receber e acomodar bem os visitantes e lagos artificiais. O Bosque da Princesa é conhecido como cenário de pedidos de namoro e casamento. E após a cerimônia religiosa do casamento muitos casais dirigem-se ao bosque para tirar fotos, para que conste em seu álbum de casamento.
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Localizado às margens do Rio Paraíba do Sul, o Bosque da Princesa foi criado em 1868, como um jardim para homenagear a dois ilustres hóspedes. Conhecido como Largo do Porto, em razão do porto fluvial que lá havia, sendo desativado um ano depois, após a construção da EFCB – Estrada de Ferro Central do Brasil. A cidade de Pindamonhangaba tentou encantar o casal durante a breve visita que fizeram à localidade. Nos três dias que ali permaneceram, tiveram como principal anfitrião o Barão da Palmeira, que não mediu esforços para tornar sua estada a mais aprazível possível. A pedido do Barão, o presidente da Câmara comprou uma faixa de terra de aproximadamente 450 m2 que se localizava entre o palacete do titular e o rio Paraíba do Sul, exatamente onde hoje se encontra o parque Bosque da Princesa. Obviamente que esta denominação veio posteriormente, pois até 1869 o local era conhecido como Largo do Porto. A intenção do Barão da Palmeira era construir um requintado lugar que o casal, recém-casado, pudesse desfrutar alguns momentos de privacidade. O titular mandou vir da França botânicos e um desenhista para remodelar completamente o logradouro, resultando num bosque com diversos tipos de árvores, de várias espécies vegetais de mata nativa, bem como de espécimes exóticas.
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Recebeu o nome “Bosque da Princesa” na administração do prefeito Dr. Caio Gomes Figueiredo, de acordo com a Lei Ordinária 113/1952, que determinou, ainda, a reforma do local, com a construção do portal artístico de entrada, renovação e melhoramento da flora, instalação de bancos, construção de instalações sanitárias e outras melhorias.
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O Rio Paraíba do Sul67 O rio Paraíba do Sul começou a nascer há, aproximadamente, 150 milhões de anos, quando os continentes começaram a se separar para dar origem ao que chamamos hoje de Oceano Atlântico. A nascente do rio Paraíba do Sul fica na cidade de Areias, no Estado de São Paulo, onde é chamado de rio Paraitinga; toma seu rumo e, ao encontrar com o rio Paraibuna passa a se chamar, enfim, rio Paraíba do Sul. Corre por aproximadamente 1.137 km, até encontrar o Oceano Atlântico na cidade de São João da Barra, no Estado do Rio de Janeiro, tendo sua foz na praia de Atafona. Deixando para trás a nascente, o rio Paraíba do Sul ganha terreno e se espraia por entre cidades, pastagens, ora trechos de mata preservada, ora profundamente alterada pelo homem.
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O rio atravessa a conhecida região sócio-econômica do Vale do Paraíba, sendo o rio mais importante do estado do Rio de Janeiro. É formado pela confluência dos rios Paraitinga e Paraibuna. Passa em Pindamonhagaba.
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Quando os primeiros grupos humanos chegaram às margens do rio – que ainda não tinha nome, mas depois batizaram de Paraíba (rio ruim de navegar, em tupi) – encontraram um universo natural extremamente fértil, tanto dentro do rio quanto às suas margens. No rio uma vasta gama de peixes – mandís, piabas, piabanhas, curimbatás, carás, lambarís, traíras – às margens também um estoque grande de espécies que ora estavam compondo a dieta – antas, capivaras, tatus, - ora estava povoando os temores e as lendas dos povos tradicionais – jararacas, jaguatiricas, urutus. Muitas vezes homens e animais disputando as mesmas presas. O rio Paraíba do Sul é um rio brasileiro que banha os estados de São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro. O rio Paraíba do Sul nasce na confluência dos rios Paraitinga e Paraibuna, no município de Paraibuna, estado de São Paulo, percorre um pequeno trecho do sudeste de Minas Gerais, fazendo a divisa natural deste com o estado do Rio de Janeiro, atravessa grande parte desse último e tem sua foz no Oceano Atlântico próximo à cidade de São João da Barra. Seu percurso total é de 1.120 km, no sentido oeste para leste. Em Volta Redonda o Rio foi muito importante, pois sua "curva" deu o nome da cidade.
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Diversos acidentes prejudicam a navegação no Paraíba do Sul: saltos, corredeiras, trechos de forte declividade, bem como obras efetuadas para fins hidrelétricos sem previsão de transposição de níveis. Outros fatores impeditivos são a existência de um número apreciável de pontes rodoviárias e ferroviárias, a proximidade de rodovias e ferrovias margeando o rio e a localização de várias cidades junto às suas margens.
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Canção do Pontoneiro68 Nossa fé nosso ardor nossa esperança Não temem nada, nem a própria morte Cada vez que o perigo nos alcança O pontoneiro é cada vez mais forte Pontoneiro! Avante, pontoneiro! Ergamos nosso braço varonil Para suster, com o vigor de brasileiros Sempre mais alto o nome do brasil Se o rio é largo, o pontoneiro audaz Vence-o, lutando, conquistando a glória E, sobre a ponte, que o seu braço faz Passa a coluna, em busca da vitória Pontoneiro! Avante pontoneiros! Não tememos a fúria da metralha Nem do rio a largura e a correnteza O ardor do pontoneiro que trabalha Vale mais que o inimigo e a natureza Pontoneiro! Avante pontoneiros!
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Soldado da arma de engenharia que trabalha na construção de pontes.
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Trabalhamos! Marcharemos, para adiante Vendo no nosso pavilhão de anil As glórias de cabrita e de amarante Nos chamando a lutar pelo Brasil Pontoneiro! Avante pontoneiros!
O Batalhão do Exército em Pindamonhangaba é subordinado a 2ª Divisão de Exército em São Paulo e é muito importante para o Comando Militar do Sudeste. Possui três companhias: uma de combate; comando e apoio; pontes e base administrativa. A Companhia de Comando de Apoio possui um pelotão com máquinas e tratores que atende a todas as Organizações Militares do Estado de São Paulo, e a Companhia de Pontes tem equipamentos modernos, que servem de recursos para a transposição de curso de água de rio e obstáculos. Pontoneiros, são soldados da arma de engenharia que trabalham na construção de pontes. É a designação dada a cada um dos militares da Arma de Engenharia especializados em operações de transposição de cursos de água. Para realizarem a sua missão, os pontoneiros recorrem à instalação de pontes e pontões e à utilização de vários tipos de embarcações.
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No dia 25 de outubro de 1972, o Soldado Lino estava escalado para trabalhar nas dependências do Material de Pontes do 2º Batalhão de Engenharia de Combate, na curva do rio Paraíba do Sul denominada de “Prainha”, frente ao Bosque da Princesa.
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O Fatídico dia 25 de outubro de 197269 A rotina desse dia foi rígida para o Soldado Lino. A jornada começou às 6h, com o toque da alvorada. Logo que acordou, arrumou o alojamento, vestiu seus uniformes e seguiu para o rancho70, para o café da manhã. Novo toque de corneta e é hora da formatura: momento em que a tropa se apresenta em forma para o comandante da Unidade e são transmitidas as ordens diárias e orientações sobre civismo e os valores castrenses. Na maioria das vezes, todo o batalhão desfila e executa movimentos ensaiados, com a banda do quartel, que geralmente entoa hinos e canções militares. Soldado Lino parte para as atividades físicas, participa do chamado TFM (Treinamento Físico Militar), que consiste em corrida e exercícios como polichinelos, flexão, abdominais e barras, treinamento em circuito, pista de transposição de obstáculos, pista de cordas e outros. As atividades são puxadas e buscam assegurar que todos eles se tornem aptos a enfrentar os desafios da profissão, como realizar marchas de mais de 20 km e carregar armamento pesado. Soldado Lino, então, retorna ao alojamento onde se prepara para as atividades seguintes.
69 70
Dia de sua morte. Nome dado ao refeitório onde realizam todas as refeições.
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Por volta das 11h30 segue novamente ao rancho para a hora do almoço, ocasião em que é servida a refeição. Preparada pelos próprios soldados, o "rancho", sob supervisão de um nutricionista, que inclui verduras, legumes, carnes, suco e sobremesa. - Bem basicão, tipo um PF - é o mesmo para todos, sendo servido à vontade. Os oficiais podiam almoçar junto dos recrutas ou separados, em mesas menores. Após o rango, muitos aproveitavam para descansar, aparar a "cabeleira" no barbeiro ou ajustar a farda no alfaiate. Soldado Lino saiu com um grupo de aproximadamente 8 recrutas, para a “prainha”, curva do rio, a descansar um pouco. Eram aproximadamente 12 horas. Soldado Lino e seus colegas resolveram nadar no rio. Tiraram as roupas, e de calção, pularam nas águas vermelhas. De repente, mais que de repente, ouve-se um grito, um pedido de socorro. Ele levanta as mãos, mas seus amigos pensavam ser apenas uma brincadeira...
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A Carreira Interrompida Era o início de uma tarde de sábado sem sol, 25 de outubro de 1972. Morre o protagonista desta história. Às 12,30 horas aproximadamente na cidade de Pindamonhangaba, ocorreu uma morte por afogamento no rio Paraíba do Sul, que passa na cidade. A vítima, um recruta, sexo masculino, 18 anos de idade. Estava nadando no rio, momento em que foi arrastado pela correnteza e teve os pés enroscados pelas raízes de árvores. Manezinho rendeu sua alma ao seu Criador. Sua carreira militar, que se iniciou assentando praça no Batalhão de Engenharia Borba Gato em Pindamonhangaba, foi interrompida. Segundo os amigos que estavam com ele à prainha do rio Paraíba do Sul no Bosque da princesa, provavelmente tenha se afogado depois de enroscar seus pés em raízes de árvores do fundo do rio, já que não havia outras marcas de ferimentos em seu corpo. Imagino que meu irmão, aspirou muita água, que encharcou os pulmões, causando asfixia, inconsciência, até a morte.
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Afogamento O afogamento é a quarta causa de morte acidental em adultos e uma das três principais em crianças. Por ano, acontecem 500 mil afogamentos no mundo. Entre os adultos, metade dos acidentes está relacionada ao consumo de bebida alcoólica, enquanto na infância o afogamento ocorre por falta de vigilância dos pais. Falta de conhecimento do local de mergulho, excesso de confiança e exaustão ao nadar são outros motivos que provocam esse tipo de acidente. No afogamento, água entra pelo nariz, invade os pulmões e detona células do sangue 1- No início do afogamento, a pessoa se debate, tentando se manter na superfície. Ela prende a respiração o quanto pode e aspira, sem querer, pequenas quantidades de água, o que provoca o fechamento da laringe, órgão situado entre a traqueia e a base da língua. Esse é um mecanismo de defesa do nosso corpo para que a água não inunde os pulmões. 2- Depois de alguns minutos, a laringe relaxa e a pessoa involuntariamente respira debaixo d'água, aspirando e engolindo grande quantidade de água. Parte do líquido vai para o estômago e o restante segue o mesmo caminho do ar: percorre a traqueia e chega aos pulmões, passando por brônquios, bronquíolos e alvéolos.
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3- Com o pulmão encharcado, a troca gasosa (entrada de oxigênio e saída de gás carbônico) não funciona mais. A redução da taxa de oxigênio causa danos em todos os tecidos, principalmente nos que precisam de mais ar, como as células nervosas. O cérebro é gravemente lesionado e a pessoa fica inconsciente. 4- Depois de chegar aos alvéolos, a água entra no sangue e penetra nos glóbulos vermelhos, destruindo-os. Com isso, o potássio presente nessas células vaza para o plasma sanguíneo. Em concentração elevada, o potássio é fatal: ele acaba com a diferença de carga dentro e fora da célula, impedindo a transmissão dos impulsos nervosos e, assim, a contração muscular. Com isso, o coração pode parar de bater.
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A dor da Mãe Pela Perda de um Filho Foi com a mais dolorosa surpresa, com o mais vivo sentimento de alma que ouvi do Sr. Milton Ferraz71, a notícia da morte de meu querido irmão Manezinho, o Soldado Lino! De manhãzinha em nossa nova casa, pediu para entrar, porque era portador de uma mensagem do Batalhão de Pindamonhangaba. Desejou falar em particular, mas mamãe respondeu que junto aos filhos, não existia segredos. Mal pude crer que fosse verdade! Ninguém, além da família, pôde chorar com mais desgosto como minha mãe e meus irmãos, que perdemos nele um tão bom e tão delicado amigo. Ai! Minha mãe! Não lhe sei oferecer consolações da perda de seu queridíssimo filho, na força da vida, cheio de inteligência e de virtudes. É um desgosto para o qual é difícil ter resignação. A notícia correu célere e ecoou por todo o Morro dos Ventos Uivantes72. Nossa casa encheu-se de pessoas de todos os lugares.
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Mordomo do Palácio Boa Vista em Campos do Jordão. Recebeu o telefonema do Batalhão do Exército de Pindamonhangaba, falando da ocorrência. 72 Morro dos Ventos Uivantes, local onde foi construído o Palácio Boa Vista; redondezas.
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No dia seguinte a mãe de Genezi veio à noite, ver e consolar mamãe. Eu assisti tudo: no quarto, as duas mães, assentadas sobre a cama, chorando desesperadamente pela morte do Manezinho. Fiquei com medo! Nunca esqueci esta cena. Nunca vi uma mãe chorar! Ver uma mãe chorando a morte do seu filho corta o coração. Mãe não pode chorar. Filho é quem chora. Quando era pequeno, sempre que me machucava ou alguma coisa saía do meu controle, eu chorava. E cada vez que isso acontecia, corria paro colo certeiro – o lugar mais seguro do mundo. Minhas lágrimas sempre foram cuidadas por ela. Para minha mãe, cada uma delas tinha valor. Mas minha mãe, a leoa do lar, nunca chorava. Eu ia crescendo, já não chorava tanto, mas caso isso acontecesse, minha mãe secaria minhas lágrimas. Eu nunca vi minha mãe chorar, até que um dia, sucumbindo à pressão covarde do mundo, sem poder esconder mais o sofrimento, minha mãe chorou. Nesse momento, entendi porque as mães não podem chorar. Porque, quando uma mãe chora, o mundo é abalado – pelo menos o mundo que existe dentro do filho. Como curar a dor, como entrar nos recônditos da alma onde habita o mais puro amor?
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Quando minha mãe chorou, toda a segurança que eu tinha se foi. Queria colocá-la no colo e lhe dar a certeza de que tudo ficaria bem, mas jamais seria capaz de desempenhar o papel que cabia a ela, e só ela executava tão bem. Quando minha mãe chorou, senti-me a pessoa mais impotente e incapaz do mundo. Profundamente entendi porque mães não podem chorar. Porque elas são donas do amor supremo e não há amor no mundo que possa preencher o vazio no peito ferido. Por isso a ordem normal da vida é essa: os filhos choram a perda das mães. Quando o contrário acontece – os filhos se vão primeiro – as mães choram, e o peito que abrigava o maior amor do mundo passa a abrigar a maior tristeza do mundo. É, definitivamente, mães não podem chorar. Não foram feitas para isso. Foram criadas só para amar. Por isso, se o seu mundo nunca foi estremecido pelo choro de sua mãe, faça de tudo para que não seja. Creio que Deus não escolhe os filhos que teremos; em Sua sabedoria, Ele escolhe as mães que precisamos ter. E é por isso que cada mãe é a melhor mãe do mundo. E cada filho também precisa ser o melhor, para nunca, nunca permitir o chorar de sua mãe.
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A Angústia e Tristeza da Noiva Enquanto isso, Genezi Marques, noiva de Manezinho, estava em sua casa com sua amiga Elizabeth Barsalini73, estudando inglês para uma prova; e, não conseguia se concentrar, porque estava ansiosa, sempre pensando no dia seguinte, quando Manezinho voltaria, para dar entrada aos papéis de casamento. Por volta das cinco da tarde, sua amiga vai embora e ela a acompanha até ao portão. Sua mãe, dona Zenaide, estava na casa da vizinha, e quando ela percebe que a vizinha vinha vindo para sua casa, junto com o marido e sem sua mãe, escuta sua amiga dizer: “_Fica atrás de Genezi, por favor”. Genezi achou estranho e foi logo perguntando por sua mãe, a que ouviu: “_ Sua mãe está bem, olhe ela ali”. E, a viu de longe. “_ Então o que foi”? Voltou a perguntar. Sua amiga respondeu: “_ Manezinho foi nadar e até agora não encontraram o corpo”. A garota do parque não viu, nem ouviu mais nada, acordando apenas na Santa Casa. Quando voltou do desmaio, lembrou-se do que se passara, e abriu a boca a chorar.
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Tradicional família de Campos do Jordão.
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Sua mãe e o seu padrasto levaram-na para Pindamonhangaba, porque ela tinha certeza que quando chegasse à beira do rio, o chamaria e ele voltaria. Foi pior. Quanto mais gritava, nada aparecia! Levaram-na de volta ao Batalhão do Exército e o Sargento disse que não haveria como ele voltar; apenas estavam em busca do corpo. Deixaram-na deitada por algumas horas porque se batia muito, esperneava e chorava. Quando cessou um pouco o choro, deram-lhe uma injeção, vindo a acordar só em sua casa, na sua cama, em Campos do Jordão. Dias horríveis, terríveis, difíceis. Foi para o colégio e por onde passava, ouvia só cochichos (é ela, coitada, etc... tanto no colégio, quanto na rua). Os dias foram se passando, a saudade aumentando, o sorriso dele fazendo falta... até que encontraram o corpo.
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O Resgate do Soldado Lino É praticamente impossível resgatar alguém com vida no Rio Paraíba do Sul; o conselho, é nunca utilizar o rio para se banhar ou brincar. Sempre deve existir um respeito e cuidado ao banhar-se, ou nadar no rio. O caso do Bosque da Princesa em Pindamonhangaba, é um ponto de lazer muito utilizado, principalmente por jovens, mas que não é recomendado. O Corpo de Bombeiros orienta que não é seguro nadar nesse local; além da sujeira, as correntezas do rio são fortes e podem arrastar não apenas crianças, como também adultos. Nas épocas de enchentes também ocorrem uma maior incidência de casos de afogamento em razão das fortes correntezas. O período de verão e o mês de julho, que coincide com as férias escolares, também são meses de grande incidência de acidentes e resgates sobre afogamentos. O rio Paraíba do Sul possui diversas áreas de turbilhonamento74 de baixa sustentação, ou seja, onde há uma corrente ascendente e descendente. É difícil identificar áreas seguras em rios, e no caso específico do Rio Paraíba do Sul, por possuir uma grande irregularidade.
74
Dessa forma quando alguém chega nesta área, ela é puxada para o fundo. Também possui áreas que não tem somente massa líquida, possuindo também bolhas de ar. Assim, ao nadar, a pessoa não consegue se manter na superfície em razão do cansaço.
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Os galhos, objetos e bambus também dificultam não só material orgânico, mas também inorgânico. Pescadores e voluntários da cidade se empenharam em ajudar a localizar o corpo de Manezinho, mas sem sucesso. Deve-se lembrar que em 5 de dezembro de 1970, foi instalado o Destacamento de Bombeiros da Cidade de Taubaté, e, assim, o 11º Grupamento de Bombeiros, da região do Vale do Paraíba, Litoral Norte e Serra da Mantiqueira fez-se presente com uma equipe de mergulhadores. Chegou à cidade para intensificar as buscas. Os bombeiros usaram instrumentos para detectar objetos no fundo do rio. Tia Imaculada, tia Tita, Benites, amigos e parentes acompanharam os trabalhos de resgate, que começou no dia seguinte à tragédia. O corpo de meu irmão foi encontrado 12 dias depois do acidente, no fundo do rio, na manhã de segunda-feira do dia 05 de novembro, por volta das 12h30min, preso em raízes de árvores, há apenas 4 metros do local do acidente, pela equipe do Corpo de Bombeiros de Taubaté, interior de São Paulo. Os peixes já haviam comido pedaços do seu corpo, da pele e dos olhos. Estava irreconhecível! Seu corpo, após o resgate, foi levado ao IML de Pindamonhangaba.
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Uma Homenagem aos Bravos Bombeiros Eles arriscam a própria vida para salvar outras tantas. Encaram de frente fogo e água e lutam pelo desconhecido até o último instante. Sonho de quase toda criança, a profissão de bombeiro não tem nada de fantasia. Não existe super-herói: o segredo desse trabalho, além, claro, da coragem e vontade de ajudar o próximo, é treinamento e muito, muito preparo técnico. Pronto e posicionado 24 horas por dia, 7 dias por semana, 12 meses por ano, o Corpo de Bombeiros faz muito mais do que apagar incêndios. Apesar de ser a primeira coisa que vem à cabeça quando lembramos dessa profissão, o trabalho do bombeiro militar é bem mais abrangente. O trabalho é bem diversificado. As pessoas acham que bombeiro só atende incêndios. Na verdade, 25% das ocorrências são incêndios. As ocorrências são divididas em incêndios, salvamentos terrestres, aquático e em altura, e também a parte de resgate. Basta apenas um chamado. A equipe é mobilizada e lá vão eles – em defesa da vida. Passam diariamente por situações adversas. Recebem um chamado e, quando chegam ao local, encontram outro caso, às vezes, completamente diferente.
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Por esse motivo, o treinamento é intenso e todos estão aptos a atender qualquer ocorrência, seja ela na terra, na água ou nas alturas. As pessoas enxergam apenas o lado bonito e glamouroso de ser bombeiro, mas talvez não pensem em como é difícil se manter sempre bem, vivenciando tantos perigos. Os bombeiros são profissionais que trabalham constantemente enfrentando o perigo para ajudar outras pessoas. Trata-se de uma das profissões vista com mais respeito e carinho pela população em geral. Os bombeiros são aqueles profissionais que tem como trabalho oferecer as suas vidas para salvar a vida de pessoas que nunca viram antes. O perigo está sempre no dia a dia de um bombeiro, seja lutando contra o fogo ou numa situação limite em que há risco de vida para pessoas inocentes. Ser bombeiro é um sonho de muitas crianças, mas a realidade do dia a dia de trabalho é bem diferente daquela da fantasia infantil. A coragem é real, mas não existe um super-herói e sim uma equipe que passou por um treinamento intensivo para não errar, pois um único erro pode ser a diferença entre a vida e a morte das pessoas que dependem desse bom profissional. Ser um bombeiro é ser um anjo da guarda para alguém que pode estar preso numa casa em chamas, debaixo de escombros num desabamento, se afogando, precisando ser salvo através de um resgate enfim é ser aquela pessoa que faz a diferença na vida de muitas outras.
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O Cerimonial Fúnebre Um dos momentos mais delicados da existência humana é o confronto com a morte. Por mais que queiramos bem as pessoas que amamos, um dia teremos que nos despedir delas ou elas de nós. Por mais que tenhamos fé no Deus da vida e na ressurreição conquistada por Jesus e prometida a quem o segue, quando a morte chega, nós nos confrontamos com a dor, o sofrimento, o sentimento de vazio e a saudade. É nesse momento que cabe à igreja, através das pessoas por ela designadas, transmitir o conforto e o consolo que provêm de Deus e motivar para a solidariedade ativa. Aguardávamos a chegada do féretro, no cemitério. Não houve velório em nossa casa. Veio em escolta por caminhões do Exército ao campo santo, onde recebeu honras militares. Os companheiros do Batalhão vieram velar o seu esquife. Antes do sepultamento, a salva de tiros emocionou a todos, que não seguraram o choro durante o minuto de silêncio. Uma leve garoa fria. Amigos guardaram silêncio, de fronte curvada, quando passou o seu corpo, a caminho da última morada. Genezi, ali, imóvel, na frente do caixão, com a Bandeira do Brasil em cima, ficou inerte, não acreditando que fosse ele. Choro.
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Muitas pessoas deram o último adeus a Manezinho, prestando a sua derradeira homenagem, acompanhando o seu féretro até o cemitério. Vários amigos e companheiros de farda estiveram no local para se despedir do recruta que era tido por todos como um ótimo companheiro e um excelente profissional que cumpriu a sua missão. Sua morte repercutiu, sobretudo, na mídia local. E, num cortejo que foi considerado o mais triste até então realizado em Campos do Jordão, um numeroso crescido de amigos acompanhou o sepultamento, até a sua última morada. Recebeu, nesta espontânea manifestação de seus amigos e familiares, o mais solene testemunho de apreço e consideração à sua memória. Na cidade, nunca houve manifestação tão solene nem tão extraordinária como a que se fez ao soldado Lino. Nunca se teve tanto respeito por um soldado, nunca se teve tanto amor por um amigo. Era amado. A imprensa e a Igreja reverenciou o homem, soldado ilustre, que soube conquistar um a um, todos os amigos.
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O Tenente da 2ª Companhia de Exército de Pindamonhangaba, pediu para que a imprensa, representada pelo meu tio, J.M. Benitez75, da Rádio Emissora, familiares e amigos, não abrisse o caixão, porque o corpo estava irreconhecível, pois, os peixes já haviam comido pedaços do seu corpo, da pele e dos olhos. Ao saimento do caixão fúnebre, todos tinham os olhos úmidos; papai, mamãe, irmãos, parentes, amigos, soldados e gente do povo. Não continham as lágrimas; nesse momento de luto, dor e tristeza. Atitude respeitosa. O corpo de Manezinho foi sepultado na quarta-feira, no cemitério municipal de Campos do Jordão, às 22,20 horas, sob forte comoção, sob uma leve garoa e sem iluminação. Apenas os holofotes da imprensa e do Exército. Emoção e tristeza no sepultamento do soldado do Exército. Um momento importante no rito fúnebre de Manezinho, foi a prédica de Frei Orestes Girardi76.
75
Casado com a minha tia Maria Imaculada, irmã de minha mãe. Na época, era repórter da Rádio Emissora de Campos do Jordão, e fazia a cobertura jornalística. 76 O espírito vivaz, acolhedor, humilde, simples e solidário conduziu Frei Orestes para o meio dos preferidos do Senhor: os pobres e as crianças. Vendo a realidade de abandono em que viviam as crianças e os adolescentes, com muita coragem e confiança põe-se a trabalhar para abrigá-las e orientá-las. Na época, auxiliava o Pároco, na Matriz Santa Terezinha do Menino Jesus.
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A alocução foi breve e dirigida primeiro à nossa família, oferecendo-nos o conforto da Palavra de Deus, e depois aos parentes e amigos. Houve lamentações, choros, mas também consolo e solidariedade. A ênfase maior foi dada às particularidades de Manezinho, quanto à sua idade e circunstâncias da morte. Frei Orestes, no meio do mais profundo recolhimento da parte dos assistentes, leu as preces do ritual. Terminada a oração, foi o caixão, com a Bandeira Nacional colocada em cima, levado à sepultura, sendo baixado pelos soldados do Exército. As palavras “terra à terra, cinza à cinza e pó ao pó”, afligiram muito minha alma. As últimas palavras de despedida no ritual fúnebre que o Frei usou, também me calaram: “Descanse em paz, soldado Lino. Manoel, adeus! Adeus, Manoel! Até breve! ” Cheguei à beira da cova funda. O caixão desceu rapidamente pela sepultura abaixo. As correntes tilintaram aborrecidas daquela faina que exerciam há tantos anos. Lancei a minha pá de terra, comovido, desajeitado. Eco dos reais sentimentos da família Souza Lino. Cobriuse de luto a família; toda a família.
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O Toque do Silêncio Se alguém já esteve em um funeral militar e ouviu o Toque de Silêncio, agora vai conhecer seu significado. Dá um nó na garganta e faz muitos chorarem. As lágrimas, que incontrolavelmente derramamos ao ouvir a música fúnebre que ecoa, são o sinal da enorme saudade, da dor profunda pela perda daquele que para nós era tão importante, tão essencial, tão caro! Mas o que ninguém conhece é a história desta canção. “Toque do silêncio...um toque saudoso e comovente de um trompete longínquo, que se traduz numa homenagem sentida a todos aqueles que deram a vida pela Pátria. Segundo alguns historiadores, foi composto por um soldado mexicano, obedecendo a ordens do General António Lopes de Santa Anna, famoso por ter vencido a Batalha de El Álamo, em 1836. Pela bravura demonstrada pelos combatentes, o General ordenou ao seu corneteiro que tocasse a melodia para prestar homenagem aos soldados mortos em combate, determinando, ainda, que se guardasse silêncio enquanto a música era tocada".77
77
(Escrito por integrantes da Onzima - Companhia de Caçadores 3411 do Exército Português, quando em operações em Angola nos anos de 1971/73)
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Para os militares, membros de uma Corporação em que os laços de amizade são muito estreitos, perder um “irmão de farda” é tão triste quanto perder um de sangue. Por isso, a música triste que sai do clarim do Soldado é tão significativa para os militares! É o adeus a quem honrou! Com o auxílio de dois Cabos corneteiros que se posicionaram ao lado da sepultura, tocaram o clarim... O toque triste, que é a última nota do mundo, a ferir os umbrais da eternidade… e o toque de silêncio, com corneteiro postado junto ao túmulo, será também executado ao baixar o ataúde à sepultura. O que ouvi naquela noite não foi apenas o toque triste de “silêncio” emitido por um clarim, mas uma palavra sussurrada de um pai, num gesto angustiante a dizer: meu filho, meu filho Manoel! Esse toque do silêncio no sepultamento de meu irmão, levou-o para o sono eterno. Sua introdução nos funerais se deu no ano de 1862, quando um capitão da União teve por razões militares o pedido de enterrar um dos seus homens com todas as honras militares (o som dos disparos poderia atrapalhar a campanha militar que eles conduziam). Sabe-se que tudo começou em 1862, durante a Guerra Civil Americana, quando o Capitão Robert Ellicombe do Exército da União estava com seus homens perto de Harrison’s Landing, na Virginia.
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O Exército Confederado estava do outro lado de uma estreita faixa de terra. Durante a noite, o Capitão Ellicombe ouviu os gemidos de um soldado caído, gravemente ferido, no campo. Sem saber se era um soldado da União ou um Confederado, o Capitão decidiu arriscar sua vida e trazer o homem atingido para cuidados médicos. Arrastando-se deitado em meio ao tiroteio ele o alcançou e começou a puxá-lo em direção ao seu acampamento. Quando finalmente alcançou suas linhas descobriu que o soldado era na realidade um Confederado, e que ele havia morrido. O Capitão acendeu uma lanterna e na obscura luz viu a sua face. Era o seu próprio filho. O rapaz estava estudando música no Sul quando a guerra começou. E sem falar com seu pai, alistou-se no Exército Confederado. Na manhã seguinte, o Capitão pediu permissão aos seus superiores para dar a ele um funeral com honras militares, apesar de ser um soldado inimigo. Seu pedido foi apenas parcialmente atendido. Ele solicitara que alguns membros da banda militar pudessem tocar um hino para o funeral, mas os comandantes não concordaram, uma vez que o soldado era um Confederado. Mas, por respeito ao pai, eles lhe ofereceram só um músico. O Capitão escolheu um corneteiro. Pediu a ele para tocar uma série de notas musicais que havia encontrado em um pedaço de papel no bolso do uniforme do seu filho.
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Nasceu então a triste melodia executada em serviços funerais militares e que conhecemos como Toque do Silêncio. As palavras são: O dia se foi. Foi-se com o sol. Dos lagos, das colinas. Do céu. Está tudo bem. Descanse a salvo. Deus está aqui. Luz desvanecente. Escurece a visão. E uma estrela. Adorna o céu. Cintila brilhante. De bem distante. Delineando aqui. Cai a noite. Agradecimentos e elogios. Por nossos dias. Sob o sol. Sob as estrelas. Sob o céu. A medida que vamos. Isso sabemos. Deus está aqui. Até hoje, muitas pessoas sentem calafrios de emoção, cada vez que ouvem o Toque de Silêncio, e nunca souberam que ele possuía uma letra e nem sequer tinham Ideia da sua História.
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A Salva de Tiros A salva de tiros e o toque de silêncio, durante as homenagens fúnebres a militares falecidos, simbolizam sentimentos de profunda tristeza. Por seu intermédio, a Força Armada e os irmãos de armas dizem à humanidade quanta falta fará aquele profissional que, até horas antes, ombreava com os demais na defesa da Pátria. As salvas de gala consistem na realização de tiros de salva por peças de artilharia, a intervalos regulares, destinadas a complementar as horas de gala prestadas pela tropa a uma autoridade civil ou militar, de acordo com a sua hierarquia, dentre aquelas com direito a honras militares. Salvas de gala homenagearam Manezinho. Seu corpo foi sepultado com honras militares. As salvas fúnebres foram feitas pelo Batalhão a que ele pertencia. Foram 7 sequências de disparos seguidas, com 3 números de atiradores, segundo o regimento militar dos EUA. Ela surgiu de uma tradição dos campos de batalha, onde os dois lados cessavam fogo temporariamente para recolher seus mortos. As três salvas então serviam para indicar que o confronto podia continuar. A origem mais provável data da Idade Média, quando cavaleiros europeus sepultavam militares de alta patente dando três tiros ao alto, em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo, para afastar maus espíritos.
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Os 21 tiros surgiriam depois, ainda no período medieval, quando os rituais de salva fúnebre e de gala (para cumprimentos militares) se unificaram. Ao se aproximar de uma fortificação, tropas de guerra descarregavam canhões e mosquetes, demonstrando vir em paz.
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As Luminárias O Cemitério Municipal Santa Terezinha do Menino Jesus em Campos do Jordão esteve sem energia elétrica há muito tempo. Já era noite alta quando o corpo de Manezinho chegou do IML de Pindamonhangaba. O Batalhão do Exército responsável pelo translado atrasou a chegada, o que gerou um clima de mal-estar a todos nós, familiares e amigos, pois o sepultamento deveria então, ser feito à noite, sem iluminação natural. O sepultamento foi acompanhado por muitas pessoas, que acompanharam todo o nosso sofrimento. Era o retrato da dor e da tristeza. Papai sofreu muito com a morte de Manezinho, os 12 dias sem encontrar seu corpo nas águas do Paraíba, e agora, teve que se submeter a essa cena constrangedora, sob a iluminação apenas de faroletes de algumas pessoas que estavam acompanhando o féretro. Esse sepultamento no escuro, gerou constrangimento a toda a família. Alguns meses depois, recebemos em nossa casa, a visita do nobre Vereador da Câmara Municipal, Tarcísio Coutinho, com a cópia de um ofício dirigido ao senhor prefeito municipal, solicitando que providencie luminárias e padrão de energia para o cemitério Municipal. A Prefeitura Municipal de Campos do Jordão, atendendo o ofício, instalou as luminárias no Cemitério, que passou décadas, desde suas construções às escuras.
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La Tristesse Durera Toujours Genezi Marques nasceu em 1952 em Pariquera-Açu, Litoral Sul do Estado de S. Paulo, próximo à divisa com o Estado do Paraná. Com um ano de idade seus pais mudaram-se para SP e de lá para Campos do Jordão, para se curar de uma bronquite. Viveu desde seu 1º ano e meio de vida, até aos 21 anos, em Campos do Jordão, da qual se orgulha e se sente Jordanense de corpo e alma. Morou até os nove anos no bairro Umuarama, onde seus pais eram caseiros de uma família francesa. O pai era jardineiro, e ela, também, sempre junto, cuidando das flores, correndo atrás das borboletas. Enfim, se orgulhava em ser filha de jardineiro, e herdou o amor pelas flores, joaninhas, sabiás e cigarras, que até hoje contempla e observa, ouvindo-as cantarem. Tem um irmão que ama apaixonadamente. Com dificuldades para estudar, seus pais se mudaram e foram morar na Vila Britânia, depois outros bairros, Abernéssia, Vila Guarani, Volta Fria, Vila Ferraz e por último, Vila Jaguaribe. Na trajetória, seus pais se separaram. Sua mãe, matriarcal, de difícil convivência, de uma dupla personalidade, pouco carinho soube dar.
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Estudou numa escola da Vila Britânia até o 3º ano, depois foi para a SEA, e de lá para o CENE, mais tarde, TCC, onde teve as mais ricas recordações, saudades da uma juventude, onde viveu a maior parte, e era feliz. A melhor parte de sua mocidade .... Estudava no CENE, com seus 18 anos de idade, foi ter conhecido o Manezinho. Rapaz lindo, respeitoso, educado, olhos verdes, e estava se apaixonando por ele. No domingo antes da tragédia passaram o dia inteiro juntos, foram à pracinha do bairro, e à tardezinha, Manezinho foi à sua casa, tomou banho, escreveu uma carta. Genezi escreveu a sua (trocavam cartas sempre; tinham um trato de só ler, quando ele estivesse no quartel). Desceu, entregou a carta e disse:
“Meu amor, tome todas as cartas que escrevi, leia-a todas, pegue todos os nossos compacts discs, e ouça todas as músicas; pegue minha jaqueta e esteja só perto dela.
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Vou levar comigo o seu perfume, seu cheiro e seu amor; você vai sentir que a semana passará rápida e na quarta-feira terei folga; subirei para irmos ao fórum marcar a data do nosso casamento, mas não conte para ninguém; é segredo nosso”. E foi nesta quarta-feira que Genezi perdeu seu primeiro amor. A morte de Manezinho foi uma ferida. No início sangrou, ardeu, doeu de maneira quase insuportável. Com o tempo, foi fechando. O processo para curar essa ferida foi longo e doloroso... Quando tudo aconteceu, a sensação de dor foi tão grande que Genezi teve a impressão de que vivia um pesadelo que, nunca, iria passar. Abriu-se um imenso buraco no seu coração e a sensação de vazio invadiu a sua alma com muita força.
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O curso do tempo, que até então era sem importância, passou a ser um inimigo a ser enfrentado. Um terrível vazio, e sem ânimo para continuar vivendo. Este foi o início de um tempo muito difícil, de um tempo de dor, de um tempo de mudanças e transformações por dentro e por fora também. Este foi o tempo do luto... ... Passados tempos e mais um tempo, Genezi foi embora para a cidade de Jacupiranga SP. Não teve o apoio que precisava nesta hora dolorosa; nem sua mãe a ajudou a superar a dor. Não houve respeito ao luto. Por que doía tanto? A dor que doía dentro do peito era do tamanho do amor que ela tinha por Manezinho. Levou tempo para se ligar a ele e, portanto, seria necessário também um longo tempo para se desligar dele. Desligar não é esquecer, mas é poder viver com a lembrança do Manezinho, sem se machucar tanto. Com o passar dos dias e dos meses, sua dor se transformou em saudades e lembranças. Lembranças de um tempo bom que não voltaria mais. Não voltaria os olhares trocados, os abraços apertados, as histórias antigas, as visitas das férias, os passeios de trenzinho... Agora tudo o que sente é saudades... Genezi passou a ser uma pessoa triste, fechada na sua concha. Serviu-se de alguns medicamentos para depressão!
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Entretanto, percebeu que a melhor maneira de mostrar o quanto gostava de Manezinho seria seguir em frente e correr atrás de outros sonhos, buscar tudo aquilo que ainda desejava e o que a fizesse feliz. Pensou consigo mesma: “A melhor maneira de reagir à morte é viver. Viver e buscar concretizar outros sonhos, realizar outros desejos e procurar ser feliz por outras formas”. Claro, que nada disso arrancou a dor e o vazio que ficou no seu peito, nada disso iria matar a saudade, mas a certeza de estar fazendo aquilo que Manezinho gostaria que fizesse, com certeza, deu um alento e um alívio, mesmo que pequeno. Apesar de não ser possível mudar ou apagar esse acontecimento doloroso, vivido no passado, foi possível reinterpretar a dor e a perda de forma a libertar-se da mágoa paralisante. Apesar de não poder alterar o que aconteceu, reinterpretou esse acontecimento de forma a poder aceitá-lo, percebê-lo e superá-lo. Assim, ao entrar neste processo de superação de uma situação considerada traumática e angustiante, deixou de ser refém do seu passado. O que ela fez? Sem amigos, sem uma palavra amiga de conforto, encontrou alguém que a apoiou, deu-lhe a atenção devida, e a ajudou a se superar. Genezi deu-se em casamento.
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Mesmo assim, passou anos sonhando com Manezinho. Via-o entrando no seu quarto... “E agora?... Estou casada, mas vou com você... me espere... vou com você... já”. E, quando acordava.... Porém, do seu casamento que durou apenas 23 anos, Deus lhe deu 3 filhos lindos e maravilhosos. Divorciou em 1998, e seus filhos foram estudar fora, e ficou só. Em 2007 conheceu seu atual marido, chileno, e está novamente casada. Trabalhou na Prefeitura Municipal de Jacupiranga SP por longos 25 anos, como Chefe de Tesouraria, aposentandose há 4 anos, aproximadamente. É cristã evangélica, da Primeira Igreja Batista de Jacupiranga SP, e atua como professora de Artes. Sua filha é missionária, casada com pastor. Seu filho mais velho, é formado em Teologia. O outro filho, Pastor, faleceu em Joinville SC, trabalhando com deficientes auditivos. Mamãe passou por isso. Ela soube o que é perder um filho. Era impossível não perceber seu olhar sombrio, o semblante triste... Sorrisos vertidos em lágrimas... Há quanto tempo ele já se foi? Poucos meses? Há um ano ou mais? Não importa. A dor ainda está ali, latente, realidade difícil de aceitar.
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Por algum tempo ela o teve por perto. Viu-o crescer, tomar rumos diferenciados. Protegeu-o. Acalentou seus sonhos... Mas, repentinamente o “presente “ lhe é tirado. Assim, sem aviso, sem questionamentos... Só restaram as lembranças... fotos...objetos pessoais... a visita diária a seu quarto, como num ritual... Para atenuar a dor, a fé é grande companheira. É preciso acreditar em algo maior. É consolador saber que um dia se encontrarão... É preciso buscar forças dentro de si. Forças que julga não existir. Transformar lágrimas em sorrisos. Buscar consolo em algo maior e no amor de familiares e amigos. A dor de uma mãe que perdeu o filho não sei mensurar. A minha mãe perdeu seu filho. Posso imaginar, mas a intensidade e profundidade da mesma só a sabe quem por ela passa. Que dizer a uma mãe que perdeu o filho? Não encontro palavras de consolo. Num gesto de solidariedade com sua dor, eu a abraço. No meu abraço, tento passar conforto. Um desejo intenso de que com o passar do tempo a dor vá se dissipando. Que as orações lhe tragam conforto e as emoções deem lugar à paz! Uma mãe jamais pensa que um dia vai sepultar o filho! Uma mãe nunca esquece o filho que partiu cedo demais.
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Mas, que haja uma saudade suave. Lembranças boas do pouco tempo em que puderam dividir não só alegrias, mas também dificuldades. Só tem saudades quem bons momentos viveu ao lado do ente querido! Então, Genezi, que sua vida seja de saudades e não de tristezas! Uma saudade suave, acalentadora...
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Meu Tributo O cultivo do amor será sempre o melhor tributo que podemos prestar aos que não mais se encontram fisicamente entre nós. E... aqui fica a minha sincera contribuição para a interpretação da vida de Manezinho. Ao publicar as “Memórias do Soldado Lino”, resgatei mais de um século pessoas e acontecimentos, e os trouxe à vida; não apenas minha família, mas também amigos, eventos importantes, fatos e detalhes por vezes corriqueiros, simples e insignificantes. Nunca pensei que sua vida fosse interessante a ponto de merecer uma biografia. Na companhia de minha esposa ou sozinho, voltei à infância. Debruçado sobre o notebook, passei alguns meses relembrando o passado; às vezes fatos que eu até já esquecera. Manezinho não desapareceu para sempre. Ele está vivo, presente na minha lembrança e no meu coração, assim como meus pais. A lembrança do filho, irmão, amigo, namorado, soldado, não se apagará cedo da memória da família e amigos. O testemunho de seu amor aí está para honrar a história e testemunhar o mérito do homem, cuja morte pranteamos.
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Meu esforço foi sincero, no sentido da pesquisa, da análise e da interpretação, para atingir o meu verdadeiro objetivo, que é a história de sua vida. Foi assim que procurei retratar. Não acobertei as suas fraquezas, nem omiti as suas virtudes. Acho que a biografia não deve ser nem apologia que justifica erros, nem oposição que desconhece acertos. Esforcei-me em evitar desviar-me do assunto, em manter-me ao rumo do objetivo visado. Não sei se o consegui plenamente. Manezinho levou um pouco de nós, e deixou um pouco de si. “Não perdemos nunca os que amamos naquele que se não pode perder”78.
78
Madre Maria José Butler
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Posfácio
Jacupiranga, 08 de abril de 2016 Querido cunhado, Recompondo-me de tantas emoções, sentimentos, saudades e muito mais. Maravilhoso, tudo que você escreveu; você não imagina o quanto viajei no tempo. Sabia desse caderno, mas com o passar dos anos, não me recordava do conteúdo.
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Manezinho sempre dizia que gostava de fazer diário porque um dia, iríamos ler juntos, já velhinhos. Você tem uma relíquia imensa em suas mãos. Recordei-o sentada na escada da sala tocando violão, e minha mãe arrebentando pipoca para nós; quando almoçava em casa, e nós dois arrumávamos a cozinha. Este piquenique no Grande Hotel, minha mãe foi junta. Levamos coisas, comemos, tomamos banho de rio.
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As fotos, minha mãe que as tirou, não sei onde foi parar, mas lembrome claramente delas. Quando a gente podia se ver “livre” de minha mãe, era no Grande Hotel que íamos caminhar. Deus! Quanta recordação! Vejoo sorrindo, japona marrom, de farda. Amava-o, vê-lo fardado; chamava a atenção, aqueles lindos olhos verdes; enfim, meu primeiro amor.
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“Saudade, palavra triste Quando se perde um grande amor Na estrada longa da vida Eu vou chorando a minha dor Igual uma borboleta Vagando triste por sobre a flor Seu nome sempre em meus lĂĄbios Irei chamando por onde for VocĂŞ nem sequer se lembra De ouvir a voz deste sofredor Que implora por teus carinhos
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S처 um pouquinho do seu amor Meu primeiro amor T찾o cedo acabou S처 a dor deixou Neste peito meu Meu primeiro amor Foi como uma flor Que desabrochou E logo morreu Nesta solid찾o Sem ter alegria
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O que me alivia São meus tristes ais São prantos de dor Que dos olhos caem É porque bem sei Quem eu tanto amei Não verei jamais”.79 Como a música, durou pouco. Só a solidão e a dor, ficou. 79
Letra de “Meu primeiro amor”, de Cascatinha e Inhana
283
Também tive outro namorado, mas passa tempo, aprendi amar seu irmão, e, mais triste, sem saber se, no futuro, o verei no céu. Manezinho foi sempre amável, gentil, muito respeitador; jamais passamos dos abraços, beijos e juras de amor. Seu irmão foi um verdadeiro gentleman; você deve se orgulhar disso.
284
Sabia do namoro dele com Leila, porque vivia reclamando, e ela depois do passamento, veio me insultar dizendo: Está vendo? Nem meu, nem seu. Fiquei muito brava e disse: pelo menos ele morreu sendo meu e será, ninguém vai tirar de mim. A Raide queria me bater na rua e eu muito miúda (pequena, como até hoje), na realidade tinha medo, mas o amor falava mais alto.
285
Com César, seu irmão, nosso namoro não durou uma semana e era de mentira; foi um acordo nosso para fazer ciúmes à Silvia, que era cricri e ciumenta. Ai! Se continuar, vai virar um jornal; mas, amo lembrar destas coisas. Você fez algo lindo na minha vida. Obrigada pelo carinho, dedicação e pela consideração que tem por mim; é mutuo, porquê também, tenho grande apreço por sua família.
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Quem sabe poderei ver seus irmãos e abraça-los... Fiquei triste em saber que a casa onde vocês moravam na Vila Guarani, foi vendida e modificada; era um rincão. Aos domingos depois do almoço, sempre estava ali com o Manezinho. Sabe, outro dia, numa conversa com uma amiga, estávamos falando se alguém no futuro, falasse de nós; se fôramos mal, a mesma coisa.
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Tenho esta experiência própria. Meu filho (pastor), 4 anos passados ainda testemunho a sua vida; seu amor pelas vidas ainda fala. Quando menos espero, alguém vem e me fala dele, e com seu irmão é a mesma coisa, o agir dele, o carinho... fala em mim até hoje, e com certeza, você também, não é? Bom, descobri mais alguns pontos em comum.
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Também sou bisneta de portuguesa, por parte de minha bisavó paterna; meu sobrenome, Marques, vem da colônia portuguesa. Meu pai era bem português e minha filha tem muitos traços. Orgulhamo-nos disso. Você também tem muitos traços. Manezinho também, com a tez mais escura (da cor de minha filha). Amo borboletas, e borboletas da alma; vivo observando suas cores, tamanho...
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Gostamos de ler, amo estrelas, me perco nelas, e, quando as contemplo, vejo a soberania de Deus. Por muitos anos tive uma estrela que todos os dias olhava e a batizei de Manezinho. Era como se ele estivesse nela, sorrindo para mim... entĂŁo, conseguia dormir com o brilho... E outras coisas, como o mesmo Deus... Meu amado cunhado, isso ĂŠ o que queria compartilhar.
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Achei que escrevendo esta carta, poria no “papel” um pouco do que sinto. Mais uma vez, obrigada por tudo isso. Que Deus continue dando a você este amor, este dom, carinho, bom amigo, e com certeza deve ser um bom esposo. Que sua esposa tenha sempre no coração, este amor que você transborda em atos, palavras e emoções. Puxa! Acho que estou poetizando; pobre de mim disputar com você...
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Índice Dedicatória .............................................................................. 7 Agradecimentos ...................................................................... 9 Prefácio ................................................................................. 11 Apresentação ........................................................................ 15 Raízes .................................................................................... 21 O Ano de1953 ....................................................................... 29 A Casa em que Nasci............................................................. 33 Catadores de Lenha .............................................................. 37 Os Primeiros Passos para Deus ............................................ 39 A Piscina do Grande Hotel .................................................... 43 Catar Pinhão.......................................................................... 47 A Doença e a Morte de Vovó Luiza ...................................... 51 O Vendedor de Pirulitos ....................................................... 55 Ouvindo Canções e Estrelas ................................................. 59 Memórias do Soldado Lino ................................................... 65 Uma Lição de Escola ............................................................. 69 O Trabalho de Manezinho .................................................... 87 Tempo de Amores... ........................................................... 109 A Namorada que Sonhei ..................................................... 117
296 O Ano de 1972..................................................................... 167 Alistamento Militar de Manezinho .................................... 171 O Corte de Cabelo Militar ................................................... 173 Batalhão Borba Gato .......................................................... 175 A Cerimonia Militar de Incorporação................................. 179 Pindamonhangaba, a Princesa do Norte ........................... 181 As Litorinas .......................................................................... 183 A Luta no Acampamento .................................................... 187 Guarda de Honra de D. Pedro I .......................................... 189 Cartas do Quartel ................................................................ 191 Cartas da Noiva ................................................................... 205 A Tragédia ........................................................................... 225 O Bosque da Princesa ......................................................... 227 O Rio Paraíba do Sul ........................................................... 231 Canção do Pontoneiro ........................................................ 235 O Fatídico dia 25 de outubro de 1972 ................................ 239 A Carreira Interrompida ..................................................... 241 Afogamento ........................................................................ 243 A dor da Mãe Pela Perda de um Filho................................ 245 A Angústia e Tristeza da Noiva ........................................... 249 O Resgate do Soldado Lino ................................................. 251 O Cerimonial Fúnebre......................................................... 255
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O Toque do Silêncio ............................................................ 259 A Salva de Tiros ................................................................... 263 As Luminárias ...................................................................... 265 La Tristesse Durera Toujours .............................................. 267 Meu Tributo ........................................................................ 275 Posfácio ............................................................................... 277 Referências.......................................................................... 291 Índice ................................................................................... 295
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