FESTA DO BOI uma reinterpretação espacial da festa no Morro do Querosene | teoria 1
volume 1 | teoria TRABALHO FINAL DE GRADUAÇÃO CURSO DE ARQUITETURA E URBANISMO UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO Priscila Cretelli Belézia Orientadora Marta Vieira Bogéa
Aos meus pais.
AGRADECIMENTOS Agradeço aos meus pais, Gilson e Esther Belézia pelo apoio incondicional não somente neste momento como ao longo de toda minha vida e o ao Juliano Belézia pelos construtivos conselhos de irmão mais velho. À Raquel e Lila pelas confidências e risadas, além da troca acadêmica. À Marília Ferrarri, pelos encontros semanais que fizeram tudo ser mais leve. À Alexandra Iarussi pela amizade linda, apoio e generosidade sempre. À Luli, pelo retorno prazeroso e pela companhia fotográfica. À Giulia Pattituci e Lu Chinelatto pela vizinhança. Ao Banderas, Junior e todos envolvidos na saga do conserto do notebook. A la surfamilia por los buenos recuerdos y una amistad capaz de cruzar el charco. Agradeço a todos os fotógrafos que cederam algumas de suas fotografias para o trabalho; Marcos Muzi, João Carlos Sena, André Zuccolo e Felipe Scarpino. À Flávia Figueira, pela admirável generosidade e atenção em todos momentos. A todos os integrantes do grupo Cupuaçu, em especial a equipe da produção, sempre disposta a auxiliar e especialmente o mestre Tião Carvalho, pelo aprendizado que se estende além da festa e vai para a vida. Ao samba de quartas feiras na FAU e a todos os envolvidos, contribuindo para alegrar a semana. À presente banca; Arthur Rozestraten e Luís Antonio Jorge por ter aceitado participar deste momento e pelas construtivas conversas. À Marta Bogéa, pela grande referência que foi e é para mim ao longo da minha formação, pela companhia e pelos valiosos ensinamentos durante este ano. Ao Chico Homem de Melo, pela atenção, prontidão e pelos valiosos conselhos. À Anna Lana, Karina e Jorge Bassani, pelo interesse e pelas construtivas conversas. Agradeço a Isa Grinsupum Ferraz pelo presente do documentário. À artista Lucia Koch pela inspiração constante e pelo aprendizado no trabalho.
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ÍNDICE 1. Introdução
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2. A Festa 25 2.1 2.2 2.3 2.4 2.5 2.6
Como surgiu a festa do boi? Sobre a lenda do Boi de São João e o Mito popular A Festa do Boi no Morro do Querosene Sobre o uso festivo do espaço público | A rua e a praça Elementos da festa O trânsito entre linguagens
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3. Arte, corpo e cultura em movimento
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3.1 A Cultura em movimento 3.2 A arte e o corpo em movimento | Festas populares e a criação artística 3.3 Vivência Cultural
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4. Estudo de procedimentos de intervenção e construção de narrativas no espaço
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5. Conclusão 69 7. Bibliografia
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Escuta-se o canto, que vai convocando a reunião do grupo e do público, aquecendo tambores com o fogo dúbio, fogo sagrado e profano, fogo da vela que agradece a São João, fogo que esquenta os tambores junto da dança e da catuaba de um ritual que também é cerimônia religiosa. Fogo que faz as miçangas brilharem, brilho que se nota nos chapéus de fitas de cetim, que giram e giram, junto dos chapéus de penas dos caboclos, juntos das lantejoulas dos corpos, num belo círculo em movimento, em constante movimento, de matracas e pandeirões que escutam os maracás e dançam todos juntos. Pés que danças junto das fitas, e celebram juntos de outros pés o rito do santo, o ciclo da vida, a tradição do boi sagrado e profano. Priscila Belézia
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“Lá vai meu boi, Lá vai Foi agora que eu cheguei pra guarnecer... Vai brotando lentamente, desde o entardercer... ve-se a lua cheia no céu”¹
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1.INTRODUÇÃO
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A Festa do Boi no Morro do Querosene foi estudada enfatizando sua compreensão enquanto produção coletiva de alguns moradores do próprio morro, ritual e expressão de identidade cultural. O tema da cultura foi abordado por mim de diversas maneiras ao longo da minha formação; seja na iniciação científica estudando equipamentos culturais com o Prof. Alexandre Delijaicov, seja nos projetos da FAU ou no ano de intercâmbio, no qual realizei dois projetos de edifícios públicos, porém em sua maioria o foco da abordagem era a arquitetura da edificação de equipamentos públicos. Talvez encantada pela experiência profissional da exposição do SESC Pompeia 30 anos junto do escritório André Vainer e Brasil Arquitetura, ou mesmo pela disciplina de Comunicação Visual do professor Franscisco Homem de Melo na FAU, trabalhar com a expografia enquanto construção de espacialidade de ideias, conceitos, subjetividades e diversidades, se configurou como uma maneira interessante de também abordar esse tema da cultura sob outro viés. Me interessava uma festa que fosse em São Paulo, e que possibilitasse a vivência física e subjetiva da celebração de uma tradição popular num espaço público bem como o contato com as fontes primárias de pesquisa, com as peculiaridades do local e com a diversidade histórica do Bumba Meu Boi. Realizei uma abordagem conceitual permeando artistas e teóricos de modo a tentar construir uma rede de referências que se complementasse no raciocínio expográfico. Me aproximei da cultura por meio de entrevistas e visitas presenciais à festa e ao local na busca pela compreensão de seu significado histórico e sua vivacidade artística.
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¹ Os textos em aspas da p.19 e a da p.23 são toadas cantadas pelo grupo Cupuaçu durante a festa.
“la vai meu boi, levantando poeira la vai meu boi, levantando poeira Vem ver morena, No descer da ladeira, Filho da noite brilha como brilha as estrelas Em noite de lua cheia vem ver morena, no descer da ladeira, Filho da noite brilha como brilha as estrelas Em noite de lua cheia, meu boi levantando poeira la vai meu boi, levantando poeira Vem ver morena do descer da ladeira Filho da noite brilha como brilha as estrelas Em noite de lua cheia�š
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2. A FESTA
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2.1 | COMO SURGIU A FESTA DO BOI?
“Fui me inserindo no contexto social daqui quando vim pra cá, e ia me aproximando do espaço público e da vizinhança, seja indo jogar futebol com a vizinhança, seja indo tomar uma cerveja e ver o jogo, conversando na rua, fazendo espetáculos na praça de domingo, vendo as disponibilidades das pessoas e dos espaços públicos. Nessa mesma lógica, a gente ia fazer a festa dentro de casa, e levava a festa pra rua... Teve muita gente envolvida nisso, a família da Graça, por exemplo, foi muito importante nisso também, com seu lado religioso, feminino, contribuiu muito nessa construção coletiva de significação da festa neste local” (CARVALHO, Tião. Depoimento. 5 de maio, 2015 Entrevista concedida a Priscila Belézia)
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A espontaneidade de como surgiu a festa é uma leitura urbana de um espaço (o morro) que foi sendo cotidianamente sentido e que gerrminou a semente da festa (junto com muitas outras semestres do cotidiano não somente trazidas por Tião e regadas por Graça, como também pelos moradores, pelo grupo Cupuaçu² (responsável pela organização do evento), pelos convidados e pelo rito. A festa é uma forma de expressão construída por pessoas e pelo local sendo a intenção uma peça chave nessa construção. Segundo Tião Carvalho, trata-se de um evento para quem o busca e deseja vivenciá - lo, pregando a manutenção desse ritual festivo. (...) a festa brasileira não é afirmação nem negação da sociedade; nem fruição inconsequente, nem consciência. Ela é antes uma das dimensões nas quais se dão algumas das primeiras experiências do sentir-se brasileiro. Expressão viva de uma utopia, onde as regras são, guardadas as proporções desta afirmação, feitas pelo povo e para o povo, que acumula e reparte suas riquezas; tempo e lugar em que ele reitera sua intimidade com os deuses e santos, expressa nas danças,comidas e homenagens que são feitas para eles. (AMARAL, 2001, p.65)
O ciclo do Bumba-meu-boi é anual; a festa do Boi acontece em três momentos do ano na praça Sibipiruna no Morro do Querosene; celebrando o renascimento (sábado de aleluia), o batismo (junho) e a morte do Boi (outubro). No nascimento, num raciocínio semelhante ao do carnaval; pensa-se no festejo antes do jejum, tempo de diversas privações. No batismo, o boi é oferecido ao santo Sao João. Na morte, o boi é laçado, ele sangra e celebra-se o fim desse ciclo.
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² O Grupo Cupuaçu Centro de Estudos de Danças Populares Brasileiras foi criado em 1986 a partir de aulas de danças brasileiras, ministradas por Tião Carvalho no Curso de Formação de atores do Teatro VENTOFORTE. Desde 1990, o grupo Cupuaçu organiza e realiza anualmente a tradicional festa maranhense do Bumba-meu-boi, no Morro do Querosene (Vila Pirajussara), em São Paulo, que acontece três vezes ao ano. Em 2011 teve seu projeto “Ciclo do Bumba Meu Boi- 2012” contemplado pelo edital Funarte Artes de Rua – dança, circo e teatro. Foi contemplado em 2013 com o Prêmio Culturas Poluraes -MINC, em reconhecimento a sua trajetória e contribuição para as culturas populares tradicionais no Brasil.
Imagens 13 a 15. Página anterior. Atividades diurnas do Dia do Nascimento do Boi. Imagem 16. Acima. Foto da montagem e o evento durante o dia do evento do nascimento do boi.
“as festas parecem oscilar mesmo entre dois polos: a cerimônia (como forma exterior e regular de um culto) e a festividade (como demonstração de alegria e regozijo). Elas podem se distinguir dos ritos cotidianos por sua amplitude e do mero divertimento pela densidade. Na verdade os dois elementos têm afinidades.” AMARAL, Rita (2001, p. 26).
Trata-se de uma cerimônia tanto de cunho religioso como também de cunho “profano”. Os dois canais estão abertos e é o público que escolhe qual significado a festa terá; seja celebrar o santo São João e dançar o Boi em sua homenagem, almejando alcançar a graça desejada, seja celebrar o mito, o sincretismo reliogioso, as múltiplas facetas do boi, os múltiplos sentidos da morte e do renascimento. A interpretação é livre. 29
2.2 | SOBRE A LENDA DO BOI DE SÃO JOÃO
No Maranhão a Festa do Boi está muito associada ao mito de São João sendo ele a razão dessa festa. O santo tinha um boi que sempre dançava para ele e que foi levado à festa de São Marçal para dançar lá. Inicialmente São João não queria, por ser seu boi predileto, mas acabou sendo convencido a ceder. Porém num dado momento da festa, o boi de São João vai parar num vilarejo próximo e acaba servindo de alimento aos moradores. Diz o mito que São João, ao saber, fica entristecido. Dessa forma realiza-se uma promessa a São João e “canta-se” o boi buscando devolver a alegria ao santo e ter a graça alcançada.³ “Muitas toadas e cantigas são voltadas para esse santo. Gostamos de cantar e dançar, E mostrar uma riqueza do nosso país que está escondida.” (CARVALHO, Tião. Depoimento.5 de maio, 2015 Entrevista concedida a Priscila Belézia) 30
³ Essas histórias são contadas oralmente por integrantes do grupo Cupuaçu e sofrem pequenas variações de enredo de acordo com a versão. Também são contadas no documentário “Bumba meu Boi - O encanto Maranhense”.
DE ONDE VEM O MITO POPULAR DO AUTO DO BOI Luís da Câmara Cascudo (apud AYALA, Marcos,2003) diz que todos os autos populares, danças dramáticas (...), aglutinam saldos de outras representações apagadas na memória coletiva, resistindo numa figura, num verso, num desenho coreográfico, e são elementos vivos da literatura oral. A festa do boi também celebra um auto. Ele se passa na Fazenda Do Período Colonial Maranhense (criação De Gado, Escravidão, monocultura). “O dono do boi tem o poder. A relação de poder do fazendeiro, dos vaqueiros, seus serventes, capatazes, trabalhadores, e os índios que habitavam a mata, que são os conhecedores desse saber da terra, da água, da natureza, seus mistérios...e tem o lado místico do personagem dos caiporas, o que não vemos dessa mata, ele vem mascarado. Dentro desse contexto está determinada essa relação de poder social e econômico muito clara.”
Segundo Goerd, por trás das aparências, a festa permite o desmascaramento dos códigos e linguagens do poder. Para o autor, as festas- situando-se no limite do espontâneo e do codificado e procedendo, ao mesmo tempo, do político e do cultural- constituem um ângulo de aproximação particularmente esclarecedor das sociedades nas quais se inserem, marcando diferentes formas de aprovação/contestação de poderes. (GOERD, Odile, 1999).
Imagem 18. Figuras acima Pai e mãe Caterina. Temos os personagens com suas fantasias celebrando o auto do boi, realizado durante a festa pelos integrantes do grupo Cupuaçu e também pelo público. Vale comentar que ultimamente o personagem Cazumba não vem sendo representado por nenhum integrante do Grupo Cupuaçu e que é o esforço conjunto do público que é capaz de ressucitar o animal Imagens 19; maracá (chocalho), matracas, tambor onça e pandeiros. Personagens; o amo no centro, os tocadores, os caboclos (com chapéu circular de penas) .
Pai Franscisco e mãe Caterina chegam como um casal de retirantes. Caterina está grávida e deseja comer a língua do boi preferido do dono da fazenda, caso contrário, poderia perder a criança (segundo tradição maranhense). Pai Chico rouba o Boi para dar a língua à sua mulher. O amo convoca seus vaqueiros e seus parceiros índios para resgatá-lo. O boi é ressucitado pelo pajé, pelo curandero, pelo doutor e público da festa. Chico é absolvido, Festeja-se para celebrar. ³ “ o maranhense parecia supor que, uma vez formado um romance, tudo quanto se lhe ajuntasse posteriormente era deturpamento. Entendemos por outro modo; reconhecemos no povo a força de produzir e o direito de transformar a sua poesia e os seus contos.” (ROMERO, Silvio.p.13)
Sílvio Romero vê com olhos positivos a capacidade do brasileiro de transformar e reinterpretar culturas. Na reinterpretação desse auto temos os diversos personagens participando das encenações que transmitem esse mito e múltiplas são as maneiras de representar esse conto nas festas. 31
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2.3| A FESTA DO BOI NO MORRO DO QUEROSENE Segundo Vera Telles, a partir do entendimento dialético do público e privado, sob o pensamento de Hannah Arendt, o espaço privado é aquele que prima pela intimidade, subjetividade enquanto o “espaço do aparecimento e da visibilidade” é o espaço público. (TELLES.sem data, p.4) É interessante pensar que essa festa vem de uma subjetividade e se instaura espontaneamente nesse espaço público. Mais interessante ainda pensar que trata-se de um ciclo entre esse espaço privado da subjetividade e o “espaço do aparecimento” . A festa tem suas sementes nos arraias do maranhão4 (muitos deles sendo espaços públicos) e quando Tião Carvalho vem de lá para São Paulo,trás consigo essa festa que então migra para a casa de Tião, um espaço privado, e de lá para a Praça Sibipiruna; novamente um espaço público. Um paralelo com o livro de Vera Pallamin “A arte Urbana, obras de caráter temporário e permanente” pode ser estabelecido. Interpretam- se as festas populares como manifestações de cultura e por consequência, de arte urbana em sua essência. (PALLAMIN,2000,p. 34) Segundo a autora, para compreender de fato o que são as manifestações artísticas em um determinado território do cotidiano, é necessário olhá-lo em sua totalidade de modo a perceber suas especificidades (descontinuidades, articulações, rupturas e cadências).
Arraiais são os terrenos onde se realizam as diversas festas do Boi no Maranhão. Muitos deles são espaços públicos e financiados por verba pública e alguns são financiados por verba privada 4
“A noção de cotidiano como que “costura por dentro” as relações entre as ações culturais, as práticas sociais e os espaços nos quais ocorrem, situando o trato com a espacialidade não como um pano de fundo daquelas, mas como uma dimensão constituinte. A cultura é socialmente situada e espacialmente vivida. Suas significações são espacialmente “ encarnadas”, sendo o valor cultural dos objetos e obras não imanente a estes, mas sim tecido e nervurado nas relações sociais que lhes dão sentido. A manifestação artística no espaço público é como uma modulação nesta trama. (grifo pessoal)” A festa é composta por ações conjugadas de maneira exclusiva por um grupo que reinventa essa tradição e em cada local essa construção vai se 33
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dar de maneira particular. Aqui podemos estabelecer um paralelo com os diversos sotaques de Bumba Meu Boi existentes no Brasil. “Sotaques” no vocabulário maranhense adotado pelo grupo Cupuaçu, são os estilos diferentes de Bumba Meu Boi compostos por; música, instrumentos, indumentária, roupa, dança e motivos. A geografia e os aspectos físicos da região em combinação com as inúmeras quantidades de tribos indígenas e africanas e etc vão construindo maneiras diferentes de expressão dessa tradição e compondo distintos sincretismos. “Cada personagem tem seus passos específicos e cada toada é aqcompanhanda de uma dança; São as pessoas que fazem a festa, logo essas variáveis atuam na construção histórica da festa.” Tiao de Carvalho
Na Festa do Morro do Querosene os principais sotaques são o sotaque da baixada (mais “pegado”- expressão utilizada por Tião para tratar de um ritmo que é mais acelerado - e tocado com os pandeirões acima da linha do ombro) e o de ilha (do litoral maranhense, onde os pandeirões são tocados mais abaixo, próximo do quadril) e predomina a influência indígena trazida pelos canelas e tupinambás.
Na página anterior; Imagem 20. Produzida por Flora Bellotti em seu trabalho de Iniciação Científica 2013. Na página atual, Imagem 21. Tambores sendo tocados no ritmo do sotaque da baixada. Batismo do Boi em 2015. 35
2.4 | SOBRE O USO FESTIVO DO ESPAÇO PÚBLICO | A RUA E A PRAÇA Acredito que o contexto de territórios urbanos cada vez mais privatizados e o baixo uso de espaços públicos, justifica nos debruçarmos sobre o Morro e a Praça Sibipiruna nessa construção coletiva de um rito popular. Paola Bereinstein em “ O corpo em movimento”, enfatiza mecanismos que possam combater essa “identidade homogeinizadora” da cidade. Assim, a memória da cultura local – que a princípio deveria ser preservada – se perde, e em seu lugar são criados grandes cenários para turistas. Na maior parte das vezes, a própria população local é expulsa do local da intervenção, pelo processo de gentrificação. (BEREINSTEIN, 2005, p. 17). Para ela, a participação, a experiência efetiva e a vivência dos espaços urbanos seriam as alterativas aos espaços urbanos. É isso o que ocorre na praça Sibipiruna e suas ruas; espaço apropriado não somente na data da festa, como também durante o ano, com os ensaios, capoeira, e uso cotidiano das atividades de bairro. Estas alternativas passariam necessariamente pela própria experiência física da cidade, que é quase impossível ou totalmente artificial nas cidades espetacularizadas. E mais do que isso, passariam pela experiência corporal e sensorial da cidade. Só a experiência sensorial, individual ou coletiva, que não se deixaria espetacularizar, não se deixaria reduzir a simples imagens. não só deixaria de ser cenário e passaria a ser palco mas, mais do que isso, ela passaria a ser um corpo, um outro corpo. É dessa relação entre o corpo físico do cidadão (ou do arquiteto-urbanista, que evidentemente não pode deixar de ser cidadão também) e esse “outro corpo urbano” que poderia surgir uma outra forma de apreensão da cidade. Acredito que a idéia que surge aqui será aprofundada em “Estética da ginga”, na apropriação do espaço feita por Oiticica na mangueira bem como forma parte da maneira que busco ler a festa incorporando ferramentas sensíveis e buscando apreender o sentido do corpo no espaço. Seguindo as reflexões sobre esse espaço público, tratemos da questão do uso desse espaço carregado de significados metafísicos, que seria 36
um exemplo de vivência e apropriação afetiva também. Hoje assiste-se a um processo de redução, falsificação e empobrecimento das formas das manifestações ritualísticas e espetáculos carnavalescos populares. A festa do Boi na Praça Sibipiruna, se coloca como um contraponto a esse acontecimento. Se por um lado produz-se uma estatização da vida festiva, que passa a ser uma vida de aparato, por outro, induz-se a festa no cotidiano, isto é, ela é relegada à vida privada, doméstica e familiar. Segundo Bakhtin, “Os antigos privilégios da praça pública em festa restringem-se cada vez mais.” (BAKHTIN, 1987, p.24) É preciso dizer que atualmente cada vez mais a cidade vai apresentando crescente número de eventos em espaços privados e se constituindo de espaços específicos que criam lugares únicos a uma festa, como acontece por exemplo, no caso dos sambódromos, ao invés de permiti-los nas ruas e espaços públicos da urbe. A festa na praça reitera um dos privilégios desse espaço que é a celebração de um ritual coletivo e público. Ritual esse que se estende da praça às ruas. A rua se apresenta, portanto, como mais um elemento importante na festa; utilizá-la livremente num ato festivo reitera o sentido de cidade. “Nela efetua-se o movimento, a mistura, sem os quais não há vida urbana”. (LEVEBRE, 1999, p.29). Lefebvre enfatiza o quão fundamental é a festa para a cidade; “os signos do urbano são os signos da reunião: as coisas que permitem a reunião (a rua e a superfície da rua, pedra, asfalto, calçada etc.) e as estipulações da reunião (praças, luzes etc.).” (LEFEBVRE, 2008, p.109) Promove-se na rua e na praça a sociabilização em suas formas diversas, trocas, constrói-se conhecimento, movimenta-se o corpo, gera-se espaço que expressa cidadania cultural e política.
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A dança festiva assume papel fundamental nessa ressignificação dos espaços públicos da cidade. “De um lado, a dissolução da individualidade nos corpos que passam nas ruas; de outro, a possível restauração dessa individualidade perdida. Linhas dinâmicas, diagonais e vértices, projetados no furacão urbano, com a esperança de que a dança catalise tudo, para renovar nossa percepção. (...)As fusões da linguagem propiciam quebras de hábito, acendem o olho, ouvido e coração. Mas é preciso dar tempo aos tempos da dança. O espetáculo será o momento de síntese.
Chegar na Festa do Boi seja nascimento, batismo ou morte, é presenciar uma erupção de um vulção ativo. O mito do Boi está sempre ali acompanhando diariamente a atmosfera dos organizadores dessa festa porém é nesse momento de erupção que se alinham os participantes, as indumentárias, a música, a arquitetura dos corpos numa síntese desse fenômeno potencializando o espaço público das praças e ruas. A dança aqui nos oferece algo concreto para ver, sentir e captar. A construção de um espaço – uma rua – convida o espectador também a ser parte do espetáculo. E o palco, então, vira uma lente de aumento, pela qual se pode enxergar muito da vida brasileira (tão difícil, tantas vezes, de ver). O palco assume plenamente sua natureza arquitetônica, com toda repercussão que isso implica – civil, democrática, urbana.“ (BOGÉA, 2004, p.192)5
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Inês Bogéa ex- bailarina do Grupo Corpo e atual diretora da São Paulo Companhia de Dança. Doutora em Artes (Unicamp, 2007), é professora no curso de especialização em Linguagens da Arte da Universidade de São Paulo/Maria Antônia, autora de diversos livros e documentários relacionados à temática da dança, cidade, do corpo e arte-educação. 5
2.5 | ELEMENTOS DA FESTA Dentre os instrumentos temos: tambores, pandeirões, matracas, maracás e o tambor onça eos personagens são boi bumba, pai chico, mãe catarina, fazendeiro, caboclo de pena, vaqueiro e cazumb. Atualmente o grupo Cupuaçu não tem incorporado o cazumba no auto. Os principais materiais utilizados na indumentária costumam ser paetês, miçangas e lantejoulas, tecidos e principalmente, as fitas de cetim. As músicas e danças praticadas ao longo do dia de evento costumam ser maracatu, boizinho mirim, forro de Assaré, cantos e cirandas . O Sotaque de baixada (ou pindaré) possui influência quilombola forte já o Sotaque de orquestra inclui instrumento de sopro, cordas, pouca percussão. É um sotaque mais novo. Cada dança vem acompanhada de uma toada.
Ê São João, olha a nossa brincadeira. (bis) Nós viemos para brincar Em volta da sua fogueira Oi, esquenta o apndeirão, toca a matraca ligeiro, balança o maracá, Que o boi anima o terreiro (bis) (toada de Graça Reis. Fonte oral)6
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Cantarei de novo pro meu boi guarnecer, Da primeira vez que eu cantei Não deu pra convencer. Guarnece batalhão, guarnece, a vida cresce e meu povo não quer mais perder.” (toada de Chico Maranhão)7
“lá vai, lá vai, Meu batalhão resistente. Vaqueiro, avisa o contrário Que o o que é bom custa caro. E melhor se ‘redar’ da frente.” (toada de Humberto, Boi de Maracanã, 1994. Sotaque da Ilha)8
“lá vai, lá vai, A turma do morro quando desce é uma beleza. Corre, morena, vem ver, Boi chegou bonito, colorindo a natureza.” (toada de Tião Carvalho, Boi Brilho sa Noite, S. Paulo)9 40
Na página 39. 6 Fonte oral festa Batismo do Boi 2015 Na página 40; Toadas que se relacionam ao universo do Boi Da esquerda para a direita; 7 p. 95 BUENO, 1999 8 p. 106 BUENO, 1999 9 p. 107 BUENO, 1999 Imagem 27 serigrafia de autoria pessoal impressa em papel couro. Nesta página, imagem 28,xilogravura com a temática do boi
O “BOI”, UM ELEMENTO COMUM Quanto mais pesquisa-se o Bumba Meu Boi, mais da- se conta do tamanho da sua dimensão e da quantidade de controvérsias que existe na sua história. É essencial respeitar o tempo do boi e aprender com ele. Observar que quase tudo desse animal é utilizado pelo homem; desde sua carne, sua pele, seu tempo. O Bumba meu Boi existe em todo o país e fora do Brasil também. Com nomes diversos (ex. Boi de concha , boi carinhoso), épocas diferentes, personagens e até razões diferentes de serem feitos. Podemos nos perguntar qual seria esse papel social do boi? Tião Carvalho, ao reflexionar sobre a relação homem boi revelada nas festas populares, (em entrevista concedida em 15 de maio de 2015) cita a tourada, por exemplo, que é uma forma da civilização se relacionar com esse animal e também demonstrar a admiração por ele. Na Nova Guiné existe uma dança muito semelhante vista por Tião em uma viajem, sem o boi, sem a roupagem típica, mas com danças e ritmos semelhantes. Como cada civilização expressa sua relação de admiração com seu boi?
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2.6 | O TRÂNSITO ENTRE LINGUAGENS Considerando a festa como um momento no qual diversas tradições e o sincretismo religioso encontram- se em constante movimento, reconstrução em meios geográficos distintas, incorporação de diferentes sotaques de bumba meu boi, vejo o trânsito entre linguagens, interpretado por Julio Plaza como a “intersemiótica”, como um caminho para se trabalhar com a potência dessa festa. Julio Plaza descreve a tradução intersemiótica como “trasmutação”, como “interpretação dos signos não verbais” ou “de um sistema de signos para o outro, por exemplo; arte verbal para música, a dança, o cinema, ou a pintura e vice e versa.“ Este raciocínio acompanhou minha leitura da festa, e alimentou diversas relações feitas entre conteúdos teóricos, imagens e o universo festivo bem como também contribui e à própria produção de material projetual intersemiótico seja nos croquis, serigrafias, desenhos ou mesmo na construção da narrativa expositiva.
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Nesta página, Imagem 29. pequena sequência de aquarelas pessoais, revelando raciocínio de tradução de linguagem. Trata-se do sincretismo cultural dos elementos que compõem a festa e a constante presença do círculo. Bolóides da cultura ocidental, africana, indígena gerando o desenho da exposição em planta. Conceitos que se traduzem em formas geométricas da pintura. Imagens 31 e 32. Revelam um outro exemplo de tradução de linguagem; o mivemtno das fitas na dança é traduzido em uma fotografia (àdireita), e em uma serigrafia (centro)
3. ARTE, CORPO E CULTURA EM MOVIMENTO
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3.1| A CULTURA EM MOVIMENTO O presente capítulo trata da investigação da festa pela palavra, e observando essas três instâncias “em movimento”; a cultura, a arte, o corpo. Para a antropóloga Manuela Carneiro da Cunha9, “a cultura é feita de descontinuidades e nenhuma cultura está só, uma vez que se formam pelo contraste. Necessita-se de outras sociedades para de certa forma, tomar consciência da sua identidade e se afirmar como cultura. A presença de outras sociedades chamadas outras culturas é necessária à emergência de qualquer cultura, o fato das culturas terem antagonistas é algo precioso e importante para a criação cultural, então não é preciso se pensar numa grande harmonia para se pensar na riqueza cultural que pode se advir de coisas extremamente adversas socialmente e aliás é o que muitas vezes acontece. Que você tem na realidade uma dinâmica nisso aí e que a cultura nasce dessa dinâmica. Em se tratando das continuidades; é no fazer que essa continuidade consegue se estabelecer. Um aprendiz de escultor em madeira, por exemplo, que pratica o fazer diariamente, uma cozinheira de culinária baiana que transmite seu saber diariamente. É portanto, uma cadeia que se dá nos gestos, não necessariamente na matéria prima, nem no produto acabado. A cultura está em constante movimento e a continuidade de certa forma é naquilo que agente não espera, a cultura não é uma coisa parada mas sim uma coisa que sempre esta em movimento e sempre se recriando. Os ícones de identidade não funcionam, o que funciona sim é aquilo que se recria dentro de uma certa tradição. Que necessita de várias coisas para se perpetuar. No caso do artesanato, é necessário basicamente o corpo humano. Que aprende um certo tipo de gesto, de técnica e maneira de se comportar. A dinâmica cultural é recriar, recriar, recriar...”10
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Manuela Carneiro da Cunha é antropóloga, doutora em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Campinas (1976). Sua atuação distribui-se pela etnologia, história e direitos dos índios, escravidão negra, etnicidade, conhecimentos tradicionais e teoria antropológica. 9
CUNHA, Manoela. depoimento. “O milagre do pão” grifo pessoal 10
Imagem 33. Fotografia que revela um pouco desse gesto do fazer praticado por uma das integrantes do grupo e a imagem de biaxo, revela o evento FAMQ; Festival de Artes do Morro do Querosene; um dos momentos no qual a tradição do Bumba Meu Boi é recriada; realiza-se um cortejo em homenagem ao Boi durante o dia e o auto; incorporando a crianças, público e constantes ressignificações no momento de ressucitar o boi.
É possível enxergar a festa como uma forma de expressão política e social e que essa necessidade de trazer a festa para hoje é muito presente; de se posicionar no mundo atual levando em conta nossas tradições e reinterpretações das mesmas, nessa construção constante de cultura.
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3.2 | A ARTE E O CORPO EM MOVIMENTO | FESTAS POPULARES E A CRIAÇÃO ARTÍSTICA Imagem 34. Ao lado esquerdo, da obra Tropicália, publicado em 17 de novembro de 2011. ¹¹ Paola Bereinstein é graduada na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo pela UFRJ, especializada em Teoria e Projeto de Arquitetura e Urbanismo (CEAA) pela ENSA de Paris-Villemin). Possui mestrado em Filosofia da Arte (DEA) e doutorado em História da Arte e da Arquitetura pela Université de Paris I (Pantheon-Sorbonne), Co-coordenadora da plataforma de ações Corpocidade. Em seu livro Estética da Ginga (Rio de Janeiro, Casa da Palavra, 2001),a autora mapeia o corpo artístico, arquitetônico e socio-cultural da obra de Helio Oiticida com base em sua experiência nas favelas.
Paola Bereinstein¹¹ em “Estética da Ginga” reflexiona sobre a influência da experiência na Mangueira para a obra de Oiticica. Busquei encontrar paralelos e possíveis relações entre essa sua experiência com a dança, sua “vivência que cria espaço” da Mangueira, minha experiência com o grupo Cupuaçu e a vivência da festa no morro. O presente TFG parte de algo real fruto de uma construção coletiva de cultura popular, e incorpora uma experiência pessoal enquanto fonte de “matéria- prima” a uma de construção espacial. Raciocínio este também presente em Oiticica durante o período em que ele esteve na escola de samba da Mangueira. Essa experiência na Mangueira, além de produzir profundo encantamento em Oiticica e lhe revelar muitos conceitos que aparecerão em seu trabalho, também pode ser associada a afirmação de Manoela Carneiro, enfatizando que a cultura pode surgir das condições mais adversas socialmente (a exemplo de uma favela) e que um cenário cultural rico 46
¹² A anti-arte ambiental é uma arte que trás para o primeiro plano o comportamento humano construindo espaço. Espaço esse que terá estruturas de arte que interagem tanto com o local quanto com as pessoas.
não necessariamente provém de uma relação de harmonia, justiça e de igualdade. É nesse contexto adverso de vivenciar a favela e de frequentar essa escola de samba, que Oiticica identifica pontos cruciais ao desenvolvimento de seus futuros trabalhos. Lá o artista diz ter vivenciado um forte pertencimento a um espaço, ritmo e temporalidade particulares bem como é ao sentir a espacialidade dos morros, a dança, a vida em comunidade, que Oiticica entra em contato com outra arquitetura adquiri a consciência corporal no espaço, algo fortemente presente tanto no parangolé quanto em outras obras suas. “A experiência da dança (o samba) deu-me portanto a exata idéia do que seja a criação pelo ato corporal, a contínua transformabilidade. De outro lado, porém, revelou-me o que chamo de ‘estar’ das coisas, ou seja, a expressão estática dos objetos, sua imanência expressiva, que é aqui o gesto da imanência do ato corporal expressivo, que se transforma sem cessar. Está ai a chave do que chamo de “arte ambiental”: o eternamente móvel, transformável, que se estrutura pelo ato do espectador e o estático, que é também transformável a seu modo, dependendo do ambiente em que esteja participando como estrutura.“ OITICICA 1986: 76
A “anti-arte ambiental”¹² vai se materializar em diversos trabalhos seus ao longo da dec 70. Em Tropicália (1967), por exemplo , tem-se a “primeiríssima tentativa consciente objetiva, de impor uma imagem obviamente “brasileira” ao contexto atual da vanguarda e das manifestações em geral da arte nacional”. A presente concepção de um espaço integrado à ação transformadora da obra de arte por parte do público se faz muito presente. Segundo SILVA, Andreia, (2002), ele busca a criação de um diálogo entre público-obra-espaço no qual a percepção e a experiência individual atuavam modificando o tempo de contato com a obra. Para Oiticica, esse espaço deixa de ser representação e passa a ser constantemente criado e recriado pelo viver. O espaço se move porque tem a presença constante do tempo, sendo assim; um espaço dinâmico e mutável. Oiticica diz ter descoberto na favela dentre outras coisas, uma outra forma de sociedade não burguesa e marginal, a “estrutura -ação” o corpo e a incorporação da dança à obra. (JACQUES, Paola Bereinstein, 2003, p.28) O caráter fragmental e temporário da dança fascinava oiticica. Os movimentos do corpo que dança se transformam continuamente, como as fachadas dos abrigos das favelas.” (JACQUES, Paola Bereinstein, 2003, p.37) 47
Ao tratar dessa dança popular; podemos estabelecer um outro possível paralelo que pode ser feito entre a percepção de Oiticica em relação a alguns elementos da Mangueira e a Festa do Boi; “dança dionisíaca, que nasce do ritmo interior do coletivo, que se externaliza como característcas de grupos populares. A improvisação reina aqui no lugar da coreografia organizada. Em verdade, quanto mais livre a improvisação, melhor; há como que uma imersão no ritmo, uma identificação vital completa do gesto, do ato com o ritmo, uma fluência onde o intelecto permanece como que obscurecido por uma força mítica interna individual e coletivo” (JACQUES, Paola Bereinstein. apud OITICA,2003, p. 75)
Essa dança¹³ também se faz presente em diversas festas populares, seja no Carnaval da Mangueira, seja no gingado dos Caboclos de Penas do Bumba Meu Boi. Ao tratar do uso do corpo pelos artistas em festas populares, Aracy Amaral, muitas vezes envolvendo a participação da comunidade local de maneira “genuína”,amplia o uso deste corpo para ritos, festas e lutas em diversas regiões brasileiras e por fim, para a questão geográfica das praias do território nacional. A autora conecta essas “ações corporais” a certas formas artísticas que começam a surgir nos anos 60 no Brasil aparecendo mais fortemente em Helio Oiticica na “arte ambiental”, que seria a expressão neoconcretista de Oiticica. Andreia Viera ao reflexionar sobre essa arte ambiental, estabelece uma conexão com a visão que o artista tinha da cultura com suas adversidades, contradições e indeterminações. “ Oiticica realizou seu programa ambiental, englobando operações construtivas, de vivência e reflexões sócio culturais em um único processo. O artista procurou nessa obra criar situações que encenassem nossa cultura, mas sem propor um resultado que superasse uma situação; mostrava o processo de constituição das contradições apresentadas. Trabalhou com a ressignificação das mesmas, mas não com uma imagem totalizadora do Brasil. A indeterminação é o que imperava no labirinto que compõe a obra: diferentes identidades se apresentavam , expondo a falta de uma só identificação. (SILVA, Andreia, 2002 p.56).
Mais um importante tópico é elucidado por Pedrosa na obra de Helio durante sua iniciação ao samba na Mangueira. Trata- se do domínio do conjunto perceptivo sensorial. Neste conjunto o artista cria a “hierarquia de ordens” (relevos, núcleos, bólides, capas, estandartes, parangolés) dirigidas para a criação deste mundo ambiental.” (ARACY, 2002 p.102) 14 48
¹³O termo dança é empregado aqui num sentido mais amplo, não tratando especificamente de Uma Única Modalidade De dança, como o samba, por exemplo, mas sim do movimento do corpo no espaço associado a um contexto cultural. Algo que é tão rico e muito presente no cenário nacional.
O artista passa da experiência visual, em sua pureza, para uma experiência do tato, do movimento, da fruição sensorial dos materiais, em que o corpo inteiro, antes resumido na aristocracia visual, entra como fonte de sensorialidade. (PEDROSA ,1966) No parangolé tem-se a materialização dessa experiência reinventada: “ parangolé é a antiarte por execelência; inclusive pretendo estender o sentido de ‘apropriação’ às coisas do mundo com que deparo nas ruas, terrenos baldios, campos, o mundo do ambiente, enfim- coisas que não seriam transportáveis, mas paras as quais eu chamaria o público à participação – seria isto um golpe fatal ao conceito de museu, galeria de arte e etc. e ao próprio conceito de exposição – ou nós nos modificamos ou continuamos na mesma. Museu é o mundo; é a experiência cotidiana.” (OITICICA, Hélio. 1986, p.79)
Ao explicar o seu pensamento em relação ao parangolé (1986), o artista afirma ter pensado em uma roupa, tecido ou estrutura que tivesse seu sentido completado com o movimento do espectador “a ginga do samba é entrar no ritmo e a ginga do parangolé é entrar na sua estrutura. (...) (JACQUES, Paola Bereinstein. 2003, p.37)
A crítica e curadora de arte Aracy Amaral possui vasta experiência nos temas: arte, exposição, obra, artista e brasil, sendo muito importante à compreensão da produção cultural de arte popular no Brasil. Foi professora titular da USP, diretora da Pinacoteca do Estado de São Paulo (1975-1979) e do Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo (1982-1986) 14
Imagem 35. Fotografia do penetrável “Rhodislandia”, de 1971 na exposição Hélio Oiticica – Museu é o Mundo em Belém 2011.
Tanto na Mangueira quanto na Festa do Boi, o movimento é essência e é agente construtor do espaço público, uma vez que a festa é movimento, que as pessoas que a organizam e seu público são movimento, que os personagem se movem, que há música e há dança, bem como há apropriação de significados do espaço e constante movimento inventivo cultural, incorporando a tradição na recriação.
“Oiticica passa a desenvolver os Parangolés – capas, tendas e estandartes, mas sobretudo capas – que vão incorporar literalmente as três influências da favela que Oiticica acabava de descobrir: a influência da idéia do corpo e do samba, uma vez que os Parangolés eram para ser vestidos, usados e, de preferência, o participante deveria dançar com eles; a influência da idéia de coletividade anônima, incorporada na comunidade da Mangueira: com os Parangolés, os espectadores passavam a ser participantes da obra, e a idéia de participação do espectador (a mesma idéia desenvolvida pelos situacionistas como antídoto ao espetáculo) encontrou aí toda sua força; e a influência da arquitetura das favelas, que pode ser resumida na própria idéia de abrigar, uma vez que os Parangolés abrigam efetivamente e, ao mesmo tempo, de forma mínima (como os barracos das favelas), os que com eles estão vestidos.” (JACQUES, Paola Bereinstein. 2003, p.29)
O Morro do Querosene e o Grupo Cupuaçu, também possuem uma dinâmica de relação particular já que existe um forte senso de comunidade e de pertencimento ao espaço. No caso do grupo Cupuaçu, a lógica 49
coletiva de organização é bastante forte e vai se construindo “o espaço tempo” de Oiticica; espaço ativo constantemente construído pelo público e por seu movimento. E ali a dança, a música, as relações humanas, assumem um sentido bastante forte. Essa busca pelo sua maneira de viver a festa tanto no quesito sagrado - profano, quanto no sentido do movimento corporal, é bastante presente no evento da festa e particular a cada indivíduo. Não obstante, é ferramenta chave na presença da autenticidade de movimentos do evento.
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É importante discernir a concepção que Lina tinha sobre o termo “folklore” com a letra “k”, como uma arte que não estaria incluindo a ação humana que ela tanto defendia enquanto possibilidade criativa de arte e sim excluindo-o, tratando a arte como algo “para poucos privilegiados”, abstrata e individual.
Não somente esses elementos, compreendidos enquanto uma vivência e não uma “foklorização”15, servem de impulso criativo à exposição, como também o elemento fogo, o elemento movimento (social, corporais, de idéias, de culturas), a materialidade, a música entre outros. Já a importância da dança na construção ritualística do espaço da festa é trazida à exposição por meio de instalações que remetem tanto a seu movimento e musicalidade como também promovem a alternância entre o tanto de corpo que vê e que é visto. O uso de serigrafias, desenhos dos ensaios, fotografias e da reinvenção de determinados elementos como as vestimentas, que alteram a percepção do espaço e tempo do público forma estratégias, portanto a participação do público na construção do espaço expositivo ativa.
Imagem 36. Parangolés. Helio Oiticica 1968 50
3.3 | VIVÊNCIA CULTURAL A postura aqui frente ao tema da cultura popular seja no dia-a-dia da Mangueira, nos ensaios do Cupuaçu, nos eventos festivos e nas suas distintas percepções e interpretações, se conecta ao conceito de “vivência cultural” e talvez sirva também de exemplo à leitura de outras manifestações de cultura popular brasileira. Mario de Andrade é um autor que irá tratar dessa leitura não folclorizada das diversas culturas brasileiras. Além de ter tido extrema fidelidade de registros antropológicos, teve uma maneira pioneira de olhar para a rua e a cultura e uma ação muito construtiva na cidade de São Paulo demonstrando contribuição prática e teórica no desenvolvimento cultural do país. Para Mário, a cultura seria o “caráter” como uma realidade moral, uma entidade psíquica permanente, se manifestando por tudo, nos costumes, na ação exterior, no sentimento, na língua, na História, na andadura”. Lina Bo Bardi materializou na arquitetura essa visão de cultura descrita por Mario de Andrade, onde a cultura assume essas diversas formas de atuação psíquicas e sociais e se expressa de múltiplas maneiras, chamando- a de “forças genuínas do país”.16
Apesar de possuírem modos de materialização e operações de engendramento distintos em relação a relação museu e cultura, “Em vez de obras de arte, ela queria exibir a “obra humana (...) mas a pensar sobre o que pode ser a criação artística, a criação de cada um de nós.” LATORRACA, Giancarlo, 2014 pg.81 (para Oiticica, essa materialização se daria na rua e na atuação do cotidiano, onde seria exibida a atuação humana. Já para Lina, ela se daria relacionada a arquitetura, nos “museus do cotidiano” por exemplo), tanto Lina quanto Oiticica, reconhecem valor numa cultura popular que não necessariamente tem origem no pensamento erudito, que guarda lastros de renovação dentro dela mesma no sentido do cotidiano e experiência sem serem folclóricos 16
Lina acreditava que a absorção da cultura popular local nordestina como elemento diferenciador traria autenticidade ao desenvolvimento nacional do Brasil Moderno. Daí a ideia de gerir o MAM BA como um Museu de Arte Popular baseado na herança cultural tradicional popular baiana (idéia que se enfraquece muito quando ela sai da direção do museu e entra Mario Cravo). “deveria ter sido o Museu de Arte, como “Artes”, isto é, o “fazer”, os “fatos”, os acontecimentos do nosso cotidiano” (BARDI, Lina,1993). Em suma, Lina se opõe à visão de uma cultura erudita em detrimento de uma cultura ligada à vida e aos costumes cotidianos, chegando a chamá-la de pseudocultura. Em se tratando da valorização de uma cultura erudita, podemos estabelecer novamente um paralelo com Mário de Andrade, que utiliza o termo “doença de Nabuco”, para se referir ao dualismo cultural que privilegia o europeísmo dos intelectuais brasileiros, que se tornam turistas e viajantes em sua própria terra. 51
O autor, ao reflexionar sobre as danças dramáticas do Brasil, diz que, de maneira geral, o “assunto de cada bailado é conjuntamente profano e religioso,imediatamente condicionado a uma transfiguração religiosa”. (ANDRADE, Mario,sem data, p.22) Neste trecho do livro (p.1-82), acredito que além de se ressaltar uma das origens da festa do boi, é feita uma reflexão sobre o tema da superstição, que acredito estar ainda muito conectado à ressureição do boi, no auto da festa. Segundo o autor, muitas são as danças que se dão pela morte e ressureição do personagem principal do bailado. No caso da festa, seria a ressureição do Bumba - Meu - Boi. Mario diz que esse tema da ressureição não aparece nos bailados oriundos das civilizações mais tecnicamente “avançadas” como os que possuem maior proximidade com a origem ibérica (nesse último, se faz muito presente a noção de perigo e salvação) mas sim nos bailados mais próximos das culturas primitivas, caboclinhos, reisados e etc. “a importância do boi na vida brasileira, do chefe no organismo tribal, da mourama na conquista de terras, deu ao boi, ao chefe, ao mouro, um valor místico, um valor religioso, esotérico às vezes e sempre simbólico, que foi o convite à criação das danças dramáticas. Foi a finalidade religiosa que deu aos bailados a sua origem primeira e interessada, a sua razão de ser psicológica e a sua tradicionalização. (ANDRADE, Mario, sem data, p. 24)
Reflexões sobre as múltiplas interpretações do boi foram mencionadas por Tião de Carvalho no início do trabalho e agora retornam. Mario diz que inicialmente apenas o boi e o burro eram os animais levados ao estábulo de Jesus. Enquanto o burro dá origem ao Rancho da Burrinha, o Bumba- Meu- Boi primitivo é originado pelo boi. Trata-se portanto, de uma tradição cristã que muitas vezes é associada a idéia do animal boi e algum parestesco místico ideológico com um grupo de pessoas. Silvio Romero elucida três tipos de festejos nos quais o brinquedo do bumba-meu-boi surge ao final: reisados, bailes pastoris e cheganças. A Festa doi Boi pode ser considerada um reisado, festa que gira em torno de um personagem que dará o nome a essa festa. Esse tipo de festejo era inicialmente dançado dentro das casas. No Morro do Querosene, 52
ocorre o mesmo; a festa inicia-se dentro da casa do Tião porém progressivamente é levada à rua. Mario trata em seguida de uma possível interpretação para o significado da ressureição do boi, reiterando a condição do Bumba - Meu - Boi pertencer a um reisado e dizendo ser a ressureição sempre “o assunto de imemorial significação mágica em que se dá morte e ressurreição do bicho ou planta” (ANDRADE, Mario. sem data, p.37). Em seguida o autor discorre sobre as potencialidade da dança dramática do reisado (o qual o Bumba Meu Boi faz parte).
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“(...) os reisados me parecem constituir um caso de grande importância para o estudo do foclore. São eles, eu creio, os fenômenos mais extraordinários de aproveitamento popular e conversão de forma, que já sofreram em qualquer país, as poesias historiadas e cantadas sejam romances, baladas, gestas ou que nome tenham (...) Um reisado único, que não tem popularmente este nome, a dança dramática do bumba meu boi, que embora não seja negativamente brasileira, mas ibérica e européia, e coincidindo com festas mágicas afro-negras, se tornou a mais complexa, estranha e orginal de todas as nossas danças dramáticas. Por vezes mesmo uma verdadeira revista de números vários, com a dramatização da morte e ressureição do boi, como episódio final. Só em certos bois-bumbás do amazonas, permanece íntegro, ou mais íntegro, contendo como drama único a morte e ressureição do grande bicho servil , cercado de seus personagens humanos tradicionais. (...)Mas não só o bumba-meu – boi é a mais estranha, original e complexa das nossas danças dramáticas... é também a mais exemplar. O que caracteriza mais o aspecto contemporâneo de todas as nossas danças dramáticas, é que elas, como espírito e forma, não são um todo unitário em que desenvolve-se uma ideia, um tema só. O tamanho delas, bem como seu significado ideológico, independe do assunto básico. No geral o assunto dá ensejo a um episódio só, rápido, dramaticamente conciso. E esse núcleo básico é então recheado de temas apostos a ele; romances e outras quaisquer peças tradicionais e mesmo de uso anual grudam nele; textos e mesmo outros de outras danças juntam-se a ele. Às vezes mesmo estas aposições não tem ligação nenhuma com o núcleo. Coisa que também sucede nas manifestações idênticas portuguesas como é o caso do episódio do “Vilão” que se usa indiferentemente em quaisquer das representações populares dos açores. Aqui se dá o mesmo com a Diana e com o velho, nos pastoris, com as loas dos bumbas e das cheganças. E até com as cantigas (é o caso da barca bela) de quando o cortejo marcha. (...)O episódio que foi nuclear um dia, não tem agora importância maior que os episódios acessórios, e apenas figura no fim ainda salientando o boi, não mais pelo drama, porém pela apoteosse.” (ANDRADE, Mario pg.51, sem data)
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4. ESTUDO DE PROCEDIMENTOS DE INTERVENÇÃO E CONSTRUÇÃO DE NARRATIVAS ARTÍSTICAS NO ESPAÇO
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Numa intenção de investigar o procedimento artístico contribuindo a geração de arquitetura, atentei à intervenção do espaço em algumas obras, elucidando caminhos para minha futura atuação no território expositivo e suas possibilidades de relação com movimento, interação, ambientação e materialização de conceitos abstratos. Para isso, me debrucei sobre obras de alguns artistas tais como Raul Mourão, Tsuruku Yamazaki, Lina Bo bardi, Cildo Meirelles, Renata Lucas entre outros. Acredito que inicialmente essa investigação permeou diversos momentos; desde a ativação do espaço com elementos mínimos, até o contato com ideías neoconcretistas, que trazem a subjetividade de volta para o processo de criação artística sem deixar de construir uma arte que sempre pensa na sua estruturação. Por fim constatei que se tratava de um campo complexo e amplo que não seria aprofundado neste trabalho. “Não concebemos a obra de arte nem como a “máquina” nem como o “objeto”, mas como um quasi-corpus, isto é, um ser cuja realidade não se esgota nas relações exteriores de seus elementos; um ser decomponível em partes pela análise, só se dá plenamente à abordagem direta, fenomenológica. Acreditamos que a obra de arte supera o mecanismo material sobre o qual repousa, não por uma virtude extraterrena: supera-o por transcender essas relações mecânicas (que a Gestalt objetiva) e por criar em si uma significação tácita (Merleau-Ponty) que emerge pela primeira vez. A obra de arte seria similar a um organismo vivo. A ausência de moldura ou de suporte a traria para dentro do espaço real _ tirar a arte de seu pedestal, inseri-la na vida _ assim o ser humano passaria a fazer parte natural da obra. Relações estabelecidas e trocas efetuadas o sujeito faria e refaria a obra todo o tempo. O suporte, desse modo, deixaria de ser a tela ou a base da escultura para ser o próprio corpo. Esta substituição de um suporte convencionado por um suporte natural, indica o caráter radical da arte neoconcreta. Ela pretendia realizar-se entre a natureza e a cultura, quase antes dessa, como formulação primeira do real.” (Manifesto Neoconcreto Cf.: Catálogo da exposição Neoconcretismo / 19591961, Galeria de Arte Banerj, setembro de 1984.)
Um material observado mais atentamente foi o espelho e suas possibilidades de ilusões óticas com o público, bem como sua interação com o espaço arquitetônico e sua paisagem externa (Imagem 36 e imagem 40). Nos trabalhos de Raul Mourão, foi observada a questão do movimento das pessoas gerando significações à obra bem como sua relação com o espaço público.
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Imagem 37. Donald Judd, Untitled (1991) Imagem 38. Donald Judd, “100 untitles work in Mill Alluminium, 1982-1986”at Chinati Foundation, Marfa
Imagem 39. Donald Judd at Whitechapel Gallery, London, 1970 Imagem 40. À direita; Trabalho de Carl Andre, 1980
Imagem 41 e 42. Obras de Robert Morris. à esquerda. Untitles (Mirrored Cubes) 1971
Imagem 43 (à esquerda) Obra “Travessias” de autoria de Raul Mourão .Fotografia de Quito. (2011) Imagme 44. Obra de Raul Mourão instalada na calçada de uma rua.
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Imagem 45. Untitled (Walk Around). Robert Morris, 1975
Imagem 46. Mona Hatoum, Cube (9 x 9 x 9) (2008)
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Imagem 47. Fotografia do trabalho “Red Cube” de Tsuruko Yamazaki na exposição “Gutai” 1956.
A busca de Gutai também se dá na descoberta de um novo espaço, ou melhor, as novas dimensões do espaço; “nós tentamos combinar capacidade criativa humana com as características do material, a fim de concretizar o espaço abstrato.” (Yoshihara, 1956). Imagem 48. Lina Bo Bardi e o dodecaedro flor de mandacaru. Armadura de madeira revestida de chitas situada na porta do teatro Giramundo.
Já a Flor de Mandacaru de Lina integra a ocupação de espaços cênicos da peça “UBU - Folias Physicas, Pataphysicas e Musicaes” de Caca Rosset, 1985. O dodecaedro (imagem 48) se localizava na entrada do teatro. Lina buscava realizar uma cenografia “aberta” que possibilitasse ao espectador a possibilidade de “inventar” e “participar” do “ato existencialista que representa um espetáculo de teatro”. (FERRAZ, Marcelo. (org) apud BARDI, Lina, 1993) . Na época, essa cenografia ganhou o prêmio “Arquitetura e Trajes”.
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Imagem 49 Fotografia do trabalho “Falha” de Renata Lucas. (2012).
Renata Lucas trabalha nesta obra com estruturas de madeira que demandam força física e lógica para movimentar essa estrutura interativa, capaz de alterar e requalificar a construção do espaço.
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Ainda na reflexão sobre o tema da obra e sua relação com o espaço arquitetônico, Cildo Meirelles surge como uma figura bastante instigante. A maneira particular que o artista possui sobre a concepção do espaço arquitetônico de seu trabalho, incorporando suas variadas dimensões psicológicas, sociais e históricas também incorporam a dimensão cultural de criação do espaço, âmbito que é bastante presente na arquitetura do espaço da Festa do Boi. A relação entre obras de arte, público e cotidiano é pensada por diversos artistas. Enquanto Oiticica elaborava o conceito do “museu é o mundo”, Duchamp defendia que a obra de arte poderia estar em qualquer lugar, uma vez que ela é apropriação do lugar. Esse conceito também foi defendido por Cildo Meirelles. “grande parte da minha obra trata do tema do espaço na vida humana, que é amplo e vago. o espaço nas suas variadas manifestações cobre as áreas psicológicas, sociais, políticas, físicas e históricas. Em muitas das minhas obras isso é perfeitamente claro, como se estivesse a trabalhar com a proverbial ervilha debaixo de uma pilha de colchões.” (MEIRELLES, Cildo Apud SOARES, Vanuska (org). p.70)
Já em se tratando da construção do texto e das artes, ambos assuntos que tocam a expografia, Cildo diz que “No texto, você parte de algo muito abstrato e com palavras , você chega a um ponto concreto, sólido.“ já nas nas artes plásticas, você parte de sólido, uma coisa mais bruta como uma pedra, terra ou algum material e vai em direção a algo muito abstrato. São trajetórias extremas.(...)” (MEIRELLES, Cildo Apud SOARES, Vanuska (org). p.70)
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Também é interessante observar a habilidade com que ele usufrui de conceitos abstratos e cria a partir de materiais concretos e atentar a utilização da tradução de signos de Julio Plaza, formando parte desde processo. “a maioria desses trabalhos de grande escala obedecem um pouco a ideia do Pano de Roda, ou seja, eles pretendem uma independência em relação ao espaço, eles querem uma autonomia, eles criam o espaço. “ Talvez aqui eu poderia estabelecer alguma relação com o tipo de espaço que eu buscava na exposição do boi, no qual os conjuntos circulares criariam os espaços. o Através (imagem 50) é legal porque é uma experiência na qual você passa sozinho aqueles 15 metros andando. Essa experiência individual do absurdo, do homem só, na história, no universo, me interessa muito.(...)” (MEIRELLES, Cildo Apud SOARES, Vanuska (org). p.70)
Imagem 50. Fotografia da obra “ Através “ de Cildo Meirelles, 2013. 62
Imagem 51. vista da obra “UMA VISTA’ de Cassio Vasconcelos desde um ponto se sala EXPO MAM. 2002.
Cassio Vasconcelos Imagem 51 (imagem 51 acima e imagem 52, página seguinte) também “cria espaço” e o espaço é ativo na construção da “ilusão de ótica “ das fotografias. Em “Uma Vista” (imagem 51 e 52) As diversas fotografias dispersas no espaço podem ser permeadas por pessoas e desde um único ponto, tem-se uma visão do conjunto de fotografias gerando uma paisagem única da cidade bem com o movimento inédito do público permeando essa paisagem.
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Imagem 52. vista da obra “UMA VISTA’ de Cassio Vasconcelos desde banquinho EXPO MAM. 2002.
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Após identificar uma série de situações nas quais o espaço é reiventado através de diversas cincuntâncias artísticas; sejam elas ilusões de ótica, fotografias, materialidades distintas, entre outros, surgiu o questionamento; seria possível que uma vestimenta propusesse uma nova lógica de espaço ao público-obra. ? Tanto no caso da obra “Divisor”, de Lygia Pape (imagem 54 e 55), ou mesmo nas obras “Duplas” (imagem 53), “Eu e Tu” (imagem na p.68) e “Máscaras”, de Lygia Clark, (imagem 55) e Costumes, de Laura Lima (imagem 57), materialidades se transformam e são capazes de desnaturalizar o movimento ao propor uma outra lógica de tempo e espaço no movimento das pessoas. A arquitetura do corpo ganha espaço com aparatos que o redesenham.
Imagem 53. Obra Duplas da artista Lygia Clark, 1968 65
Imagem 54 e 55. Manifestação “Divisor”da artista Lygia Pape, originalmente feita no RJ em 1968, que acontece novamente em 2013, nas ruas de Hong Kong e no MASP. Pano de algodão, fendas. 20m x 20m
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Um pano de algodão com fendas (imagem 54 e 55), um óculos bastante particular que ora promove a união de dois corpos reinventando o espaço, ora é um corpo sozinho que o faz (imagem 53 e 59), ou tecidos com distintas percepções sinestésicas compõem aparatos que capazes de redefinir o corpo, o movimento no corpo, a maneira de caminhar (imagem 55). Segundo Merleau Pomty (apud SOUZA, Felipe P.27) “ é a partir da dimensão corpórea que se pode compreender o espaço e, ao mesmo tempo, o espaço pode ser considerado a própria extensão do corpo.” Em alguns momentos do trabalho, a arquitetura está no espaço e em outros ela está no corpo. Em se tratando dessa intenção de alterar a percepção espacial, a experiência corpórea se faz presente. Conciliar dois modos de configuração da paisagem humana nas paisagens experienciadas foi a conduta adotada tanto no estudo dessas obras, quanto no projeto expositivo.
Imagem 55. Máscaras sensoriais, 1967. Tecidos. 67
Imagem 57 .(à esquerda) Laura Lima, Novos Costumes, vinil transparente e caneta marcador permanente, dimensões variáveis, 2007. à esquerda) Imagem 58 (à direita) Eu e Tu 1967. Lygia Clark
Imagem 59. Óculos. 1968. Lygia Clark. Borracha Industrial, metal e vidro. 68
5. CONCLUSテグ
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Como método de compreensão da dimensão material e imaterial da Festa, me debrucei sobre as diversas camadas de significação dela. No momento de concretizar um entendimento que a reorganizaria, me deparei com qualidades as vezes contraditórias e míticas, e muitas vezes oscilantes entre cerimônia e festividade que dizem respeito a nossa cultura nacional. Várias situações ocorreram como questões. A busca dos elementos e os variados trânsitos de signos que seu motivo invoca, a observação dos porquês de sua configuração espacial na cidade, seus contextos históricos sociais e a realização do exercício projetual de uma nova proposta espacial traduzindo essas subjetividades, experiência fundamental na arquitetura. Acredito que na Festa do Boi, os cultos cerimoniosos mencionados por Rita Amaral, sempre estão presentes tanto no nascer, no batismo e na morte concomitantemente ao festejo do mito, da dança, do fogo e a musicalidade da alegria e regozijo. A tradução de signos para as variadas linguagens se apresentou como um caminho a essa compreensão de situações e elementos na exposição. Palavras traduzindo sentimentos, toadas traduzindo vivências, desenhos e construção traduzindo conceitos e emoções. O elemento principal é um animal que tem o poder de encantamento no homem. Trata-se de um animal que pode ser ao mesmo tempo, besta e fera, que é temido pelo homem ao mesmo tempo que é motivo de profundo encantamento. Trata-se de um animal que nutre o homem com sua carne, sua pele, seus chifres, mas que tem de morrer para isso. A morte do boi é mais um elemento da festa que assume diversos significados. Pode ser um momento de reflexão sobre a morte nas particularidades de cada indivíduo, de perceber a singularidade desse animal porque o boi não é humano. Ele morre, a morte é celebrada, o ritual e o momento de reflexão são feitos, porém ele é capaz de renascer, e no ano seguinte, inicia-se o novo ciclo, e junto dele, suas ressignificações; mais um nascimento, um batismo e uma nova morte.
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Merleau Pomty utiliza a expressão “corpo vivido” para desenvolver sua teoria da fenomenologia da percepção tratada no início deste trabalho.
É um boi com uma importância histórica e multifacetada, que desafia o homem e é capaz de promover cadências por todo o Brasil a serem traduzidas das mais diversas maneiras.
Le Corbusier, em 1945, em seu texto “O Espaço indizível” discorre sobre a emoção estética gerada pelo ser humano diante de certos espaços arquitetônicos. Na época, a questão central era o espaço do habitar porém no contexto deste texto, o termo trata da emoção a ser sentida em múltiplas paisagens, para além das edificações.
Vale comentar que a cerimônia também é capaz de se expandir para outras ressignificações do auto e do espaço público. O auto é constantemente recriado a partir da tradição; a matriz da história é a mesma, porém as falas, a incorporação do público e o envolvimento deste com a encenação, propulsionam constante movimento no realizar da história; e o sincretismo cultural vai para além de um pajé (indígena), curandeiro (cultura africana) ou médico (cultura ocidental) ressuscitar o boi. Ora o “médico” é uma criança que ressuscita o boi, ora é um homem que se faz de curandeiro, ora é um conjunto de pessoas e o carinho delas pelo animal lhe devolve a vida.
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Essa manifestação expande seu campo de atuação não somente no sentido da dimensão subjetiva e coletiva do indivíduo, de ressignificação de certos elementos e temas, como também, sua expansão ocorre em territórios urbanos variados; dança-se o Boi não apenas no nascimento, batismo e morte no Morro do Querosene, como também no FAMQ (Festival de Artes do Morro do Querosene) onde além da dança em círculos, ocorre um cortejo pelas ruas do Morro,ou mesmo no Festival de Culturas populares abaixo do Minhocão, onde a constante reinterpretação espacial enriquece o espaço público da cidade e fortalece as formas dos ritos e espetáculos carnavalescos populares, reinventando a potência da urbe. A tríade entre o espaço, o público e a obra construindo seu significado faz parte da circunstância artística trabalhada na segunda parte teórica no trabalho, onde a questão do compartilhamento e da experiência não codificada junto ao outro são fundamentais à construção do significado da obra no espaço. Traço presente também em algumas estratégias artísticas como as de Helio Oiticica (na vivência na Mangueira e o posterior desenvolvimento da arte ambiental, sintetizada em seus parangolés) e em Cildo Meirelles, que trata dos âmbitos psicológicos, físicos e históricos de um espaço bem como, em “Através”, propõe a ressignificação espacial.
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Lygia Pape em “Divisor”, Ligia Clark, com seu trabalho “Máscaras” e Laura Lima, com o trabalho “Costumes” tratam do âmbito de uma arquitetura do “corpo vivido”17, compondo uma forma de interação e integração com o mundo, algo que se faz presente em diversos momentos do projeto expositivo, com mais força no núcleo vestimentas, que fica inicialmente espalhado no Salão caramelo mas pode transitar livremente pelo edífico da FAU USP. É na conclusão desse exercício projetual que se materializa uma possível interpretação para os espaços indizíveis18 aqui trabalhados bem como, por se tratar de uma construção humana no espaço, abrem-se novas frentes para outras experimentações e reflexões futuras.
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IMAGENS (numeradas página a página da esquerda para a direita) Capa. Imagem 1. João Cláudio de Sena p.8 e p.9. Imagem 2. Tambores na festa do batismo ocupando duas páginas. João Cláudio de Sena (festa p.10 e 11 Imagem 3 e 4. Festa do Boi Batismo. Acervo pessoal p.11 Imagem 5 (acima à direita) - Felipe Scarpino p.12 Imagem 6. Joâo Carlos Sena (p.12) Imagem 7. Acervo pessoal (p.12 e 13) Imagem 8. (acima à direita) Joâo Carlos Sena (p.13) p.14 e p.15 Imagem 9. João Cláudio de Sena p. 6 e 17 Imagem 10. João Cláudio de Sena p. 26 Imagem 11. Xilogravura da pag. anterior De J. Borges disponível em <http://esquizofia.com/2012/07/05/devirdancar-56/> Imagem nesta página, Felipe Scarpino p.27 Imagem 12 Tião Carvalho sorrindo. de Felipe Scarpino p.28 Imagem 13,14,15. Acervo Pessoal p.29 Imagem 16. autoria desconhecida. disponível em <DISPONÍVEL EM < http://xn--grupocupuau-v9a.org.br/blog/> p.30. Imagem 17. disponível em <http://www.conhecendomuseus.com.br/v1/v1/ extra-17/> p.31 Imagem 18. casal Pai Chico e Mãe Caterina. Acervo pessoal p.32 Imagens 19. (conjunto de personagens e instrumentos da festa) Acervo Pessoal . Agosto 2016 p.34 Imagem 20. Colagem sobre mapa da região da festa produzida por Flora Bellotti em seu trabalho de Iniciação Científica 2013 p.35. Imagem 21. João Claudio de Sena p.38 Imagem 22. Acervo pessoal p.39 Imagem 23. (fitas)Alexandra Iarussi 76
Imagem 24. Acervo Pessoal. junho 2015 Imagem 25. Acervo Pessoal. junho 2015 Imagem 26. Acervo Pessoal. junho 2015 p.40 Imagem 27. Serigrafia acervo pessoal p.41 Imagem 28. Xilogravura de J. Borges Xilogravura (a esq. De J. Borges disponível em <https://esquizofia.files.wordpress.com/2012/07/bumba-meu-boi.jpg> p.42 Imagem 29. Aquarelas . Acervo pessoal Imagem 30 Auoria desconhecida Imagem 31. Serigrafia acervo pessoal Imagem 32 Alexandra Iarussi p.45 Imagem 33. André Zuccollo p.46 Imagem 34. Disponível em < https://postdujour.wordpress.com/2014/11/17/ helio-oiticica-patrimonio-brasileiro-para-humanidade/o-penetravel-tropicalia-de-helio-oiticica-mega-exposicao-em-berlim-ate-j/> p.48 e 39. Imagem 35. Fotografia do Penetrável “Rhodislandia”, de 1971 Disponível em < http://www.revistamuseu.com.br/naestrada/naestrada.asp?id=27956> p.50 .Imagem 36.Fotografia dos parangolés de Helio Oiticica. Disponível em <http:// obviousmag.org/narrativas_visuais/image_5.png> p.56.Imagem 37. (superior). Donald Judd, untitled (1991), fotógrafo David Zwirner. Disponível em < http://www.raulmourao.com/blog/?p=1864> Imagem 38. Obra Donald Judd, “100 untitles work in Mill Alluminium, 1982-1986”at Chinati Foundation, Marfa. Disponível em < http://purple.fr/diary/donald-judd-100-untitled-works-in-mill-aluminum-1982-1986-at-chinati-foundation-marfa/ > p.57 Imagem 39. Donald Judd at Whitechapel Gallery, London, 1970 Disponível em <http://www.davidzwirner.com/artists/donald-judd/> magem 40. Trabalho de Carl Andre, 1980 Disponível em <https://lisathatcher.files.wordpress.com/2012/05/6-andre-3i00319. jpg> Imagme 41. Obra de Robert Morris. Disponível em <http://ilikethisart.net/?p=16022> Imagem 42.Obra de Robert Morris. Disponível em <http://ilikethisart.net/?p=16022> Imagem 43. Fotografia de Quito do trabalho “ travessias” de autoria de Raul Mourão. (2011) Disponível em < http://www.raulmourao.com/travessias/> Acesso 12 maio 2015/> Imagem 44.Obra de raul mourão. Raul Mourão. livro Raul Mourão; organização Frederico Coelho; coord. Marisa Mello, Luiza Mello - 1 ed- RJ: Automatica, 2015. 350 P. p.58 Imagem 45.Robert Morris, 1975 Disponível em <http://www.wikiart.org/en/ robert-morris/untitled-walk-around-1975> Imagem 46. Mona Hatoum, Cube (9 x 9 x 9) (2008) Disponível em < http://www. 77
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