O que habitava a boca de nossos ancestrais-Lucy Seki

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Jene

ramyjwena ˜ juru pytsaret

O que habitava a boca de nossos ancestrais


Créditos Presidência da República Presidente Luís Inácio Lula da Silva Ministério da Justiça Ministro Luiz Paulo Teles Ferreira Barreto Fundação Nacional do Índio - Funai Presidente Márcio Augusto Freitas de Meira Museu do Índio Diretor José Carlos Levinho Editor Carlos Augusto da Rocha Freire

398.2 Kamaiura S463j

˜ SEKI, Lucy. Jene Ramyjwena Juru Pytsaret: O que habitava a boca de nossos ances trais / Lucy Seki. Rio de Janeiro : Museu do Índio, 2010. 494p. il. color ISBN 978-85-85986-33-9 1. Kamaiurá 2. Mitologia 3. Ritual 4. Narrativas indígenas I. Título

Ficha catalográfica: Lidia Lucia Zelesco CRB-7 / 3401


Lucy seKi

Jene

ramyJwena ˜ Juru pytsaret

O que habitava a bOca de nOssOs ancestrais

museu dO ÍndiO - Funai riO de JaneirO

2010



Nos últimos anos, o projeto editorial desenvolvido pelo Museu do Índio/Funai tem alcançado boa repercussão entre especialistas e a população interessada em informações sobre os povos indígenas do Brasil. Algumas edições desses livros estão esgotadas, tendo sido distribuídas até em regiões remotas da Amazônia. A publicação deste livro de narrativas tradicionais kamaiurá revela o investimento editorial que a Funai e o Museu do Índio realizam para divulgar as culturas indígenas. O livro da professora Lucy Seki, de alta qualidade gráfica e intelectual, corresponde ao novo patamar que queremos alcançar ao publicar obras que são documentos de importância única, devido à configuração de forma e conteúdos excepcionais. Nossa satisfação com este livro é, também, conseqüência do crescente investimento editorial do Museu do Índio, capaz de se superar a cada publicação. A autora e a equipe do Museu estão de parabéns com a produção deste belíssimo livro.

Márcio Augusto Freitas de Meira Presidente da Funai



Entre os principais projetos desenvolvidos pelo Museu do Índio, os que envolvem a salvaguarda de línguas e culturas indígenas têm grande relevo em nossa programação. Inúmeras equipes de pesquisadores viajam para terras indígenas em todas as regiões do país, articulando com diferentes povos as atividades de documentação das suas narrativas tradicionais. O trabalho de pesquisa da lingüista Lucy Seki, da unicamp, se insere na política editorial do Museu de apoiar publicações de relevância para os índios. Neste livro, os Kamaiurá do Parque Indígena do Xingu mantiveram um diálogo permanente com a autora para propor traduções de suas narrativas míticas. O resultado foi excepcional, como os leitores poderão comprovar em sua leitura. O Museu do Índio se orgulha por promover a publicação deste trabalho, revelador da riqueza cultural que cerca o cotidiano kamaiurá. Ao receber este livro, os índios certamente perceberão a importância de se ampliar sua visibilidade, o que pode beneficiar o destino de suas comunidades.

José Carlos Levinho Diretor do Museu do Índio



Ao povo kamaiurรก




Kanutary (KOKa) Je'enga Ka'ahera rehe

[1] Os itens incluídos entre colchetes referem-se a correções indicadas pelos auxiliares.

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'ang, ymawara 'ang ore poroneta akawe'eng ko'yt. Ore 'ypya poroneta, a'ehera 'ang oja'uwara okome ko'yt, ikawe'eng wemyminõmera upe. Omanõm, amoa wa'yrera upe ikawe'eng. A'ea wite warera te 'ang akawe'eng a'ang wejote ko'yt, 'anga pupe, anga pupe kõ. A'ehera te'ang, ore remyminõmera okwaha korine wã, wetep ore poroneta 'ang akawe'eng wejote ko'yt, 'ame kõ. 'ang warera jue 'ang ko'yt, kunu'umera 'ang ka'ahera okwaha ko'yt. Ore rane tokoj ymawe kwa, ore je'engetetea pupe oroporonetam orokome kõ. Ore imoja'uwat a'iwî 'ang eraham ore poronetahera ko'yt. Ka'ahera rehe ore jeupe tete ruêj te'ang oroko kwa. Wetepe 'ang ore poroneta 'ang aka'we'eng kora'e wa pehehera 'ang korin, kara'iwame korin. Ore poroneta ne 'ang nokwahawite a'iwî 'ang kara'iwa kopy [kopa][1], a'eherame 'ang ikwahape korin. “'anga wite te'ang kawa'iwa porerekwama rake pa, iporoneta awa pa”, ojam a'ang ojoerekom kara'iwa korin. [kopa] A'ea wite wara te'ang, akawe'eng wejot 'ame kwa. Awyjete katu 'ang je renyra ka'ahera 'awykyme ko'yt, ojeupe ruêj 'ang ikow, wetep ore upe 'ang ikow ko'yt. [kowa] A'ehera te'ang wetsak awa 'iwî 'ang, akyheri korine wã. A'ea wite wara akawe'eng a'ang ajot ko'yt. [kwa] Pea wi wate ane 'ang, moroneta 'iwîa kopy, opaw uma'ea 'ang kora'e wa. Ore manõire a'iwî 'ang korin, tipapawa korin, 'ã kõ.


apresentaÇÃO pOr Kanutary (KOKa)

As histórias que estou contando agora são histórias muito antigas, histórias de nossas origens. Elas vêm sendo passadas de geração em geração, contadas pelos avós para seus netos. Quando os avós morrem, outros contam as histórias para seus filhos. De modo similar, eu vim contar para que as nossas histórias fiquem registradas na máquina [1]. Assim, nossos netos kamaiurá, todos, poderão conhecer as histórias que eu vim aqui contar. Nos tempos antigos nós narrávamos somente em nossa língua, oralmente, e era assim que as nossas histórias iam sendo transmitidas, através de gerações. Hoje em dia a moçada sabe lidar com a escrita e a leitura, e nossas histórias podem ser registradas no papel. Porém não é só para nós mesmos que estamos interessados em fazer isso. Estou contando para todos, para não-índios também. É uma pena que os nãoíndios não saibam nossas histórias, mas agora poderão conhecê-las. Quando lerem as nossas histórias, eles vão dizer: “Ah! São assim os costumes deles, são assim as histórias deles!”. É por isso que eu vim aqui contar. É muito bom que minha irmã tenha feito o livro. Ela não o fez só para si mesma, mas para todos nós Kamaiurá. As gerações futuras poderão ler as histórias. É por isso que eu vim aqui contar. Essas histórias que vêm de longe não vão desaparecer, mesmo depois que nós morrermos.

[1] O uso deste termo pelo narrador faz referência aos recursos tecnológicos utilizados para o registro das narrativas.

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Tyte a'iwî te 'ang, 'ang ore rapijara kawa'iw awa poroneta jow kwa. Ore 'ang, Xingua tapianame ko'yt tyte ore poroneta ran. Petsa te 'ang ko kwãj, pe poroneta 'ang pe'awyky, a'ehera 'ang oreitsak a'iwî ijemawa 'iwîa kõ, televisãwa pupe a'iwî kõ, ymawara he'ang oreitsak orokome kõ. A'ea wite wara te po akawe'eng kwa. A'ea wite ore rekoire ram inip a'ang ko'yt, ymawara ram a'ang ore erotsaukate kõ, pe wite kõ. A'ea wite wara po akawe'eng wejote kora'e wa. Wejorywam a'ang je renyra rehe kõ. Ikatu 'ang ikow ore upe oporawykyme ko'yt. A'ea 'ang kunu'umera wetsak korin, iporawykytawet, peitsake 'ã korin. Ore jue a'iwî te'ang, oro manõ korine wã, norokwahawite a'iwî korin. Anite myrãmera kora'e wa. Opap myrãmera, oporoneta ma'eher awa 'ia'i awa ko'yt [kowa]. Ore tete a'iwî te'ang oroko kwa myrãram atsã ko'yt, mojepete ko'yt. Je re'yja Takumãa nite myrãrame kõ. Ore imonetam awa 'ang kunu'umera rerekome ko'yt, ymawara rehe ko'yt. Ikue warere'yma rehe, ore 'ypya poronetahera rehe ko'yt. A'ea wite wara po akawe'engak wejot 'ame kora'e wa. Ikatu a'ang imomap erahame je renyra kõ. Ikatu a'ia'iwa je upe iporawykyw ko'yt. A'eramuê 'ang ore ipotat wetepe kõ. Ikatu a'ang ore je'enga 'awykyw, ore poroneta o'awyky, wetepe wara poroneta ko'yt, a'eramuê 'ang ikatu ore upe kõ. A'ea wite wara po akawe'eng kora'e wa.

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Outros nossos parentes índios de diferentes tribos têm as histórias deles. Nós, os diferentes grupos do Alto Xingu, também temos as nossas próprias histórias. Vejam só! Os não-índios trabalham suas histórias e mostram na televisão, então nós vemos como elas são contadas; ficamos conhecendo as histórias antigas deles [2]. É nesse sentido também que estou narrando. Se tivéssemos recursos, poderíamos igualmente mostrar em imagens as nossas histórias antigas na televisão, do mesmo modo que eles fazem. São histórias antigas que eu vim contar. Eu estou muito contente com minha irmã, pelo bom trabalho que ela está fazendo para nós. Os meninos vão ler o livro, e todos verão o resultado do trabalho dela. Acabaram-se os velhos narradores. Somos poucos os que restaram, como o meu primo e o Takumã. Nós sempre contamos para os jovens sobre os tempos antigos, histórias que não são de agora, são de nossas origens. Nós velhos vamos morrer, e os Kamaiurá não vão mais ouvir como antes e conhecer as histórias. É por tudo o que falei que eu vim aqui contar. Minha irmã está registrando de modo bem completo nossas histórias. O trabalho que ela está fazendo é excelente, e é por isso que todos nós gostamos dela. Ela faz bem o trabalho com a nossa língua, com todas as nossas histórias, e isto é muito bom para nós [3]. É isso o que eu queria falar.

[2] Durante os períodos em que ficou hospedado em minha casa, Kanutary (Koka) sempre assistia à TV, e seus programas preferidos eram aqueles apresentados nos canais National Geographic, Discovery Chanel e Animal Planet.

[3] O conteúdo deste parágrafo foi endereçado à minha filha Harumi, que estava presente.

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[4] Kanutary (Koka) faleceu em 2010, antes que que este livro fosse publicado.

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Prefรกcio

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Prefácio

[5] Uma versão anterior do Capítulo 1 da Parte I apareceu em Seki (1993 e 2000). Trechos do Capítulo 2 da Parte I foram extraídas de textos de Projetos e de Relatórios Técnicos (não-publicado) apresentados ao cnpq. Uma versão anterior do item 2.3 (Parte 1, 2.3 Características Gerais da Narrativa Mítica Kamaiurá) apareceu em texto não-publicado de uma conferência apresentada em Belém/PA, no Centre d’Etudes des Langues Indigènes d’Amérique – ceLia/Paris e no Museu Antropológico da Universidade Federal de Goiás-uFg (Ver Seki, 2001, 2002 e 2005).

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guia de prOnÚncia e cOnvenÇÕes nOtaciOnais

Os seguintes símbolos são usados na representação da língua Kamaiurá: Vogais Orais i

alta anterior

e

média anterior

y

alta central

a

baixa central

u

alta posterior arredondada

o

média posterior arredondada

As vogais médias /e/ e /o/ variam em grau de abertura, podendo realizar-se como mais abertas ou mais fechadas. Nas interjeições, as realizações notadamente fechadas e/ou abertas são marcadas com o acento circunflexo e com acento agudo, respectivamente. Há variações entre os falantes envolvendo a vogal alta posterior arredondada e a vogal alta central, quando precedidas pela oclusiva bilabial surda: pupe ~ pype. Vogais Nasais ˜l

alta anterior

média anterior

alta central

baixa central

alta posterior arredondada

média posterior arredondada

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Guia de Pronúncia e Convenções Notacionais

Consoantes p

oclusiva bilabial surda

t

oclusiva dental surda

ts

africada alveolar surda

k

oclusiva velar surda

kw

oclusiva velar labializada

'

oclusiva glotal

m

nasal bilabial sonora

n

nasal dental sonora

ng

nasal velar sonora

h

fricativa glotal

hw

(pronuncia-se como h do Inglês)

fricativa glotal labializada

r

tepe alveolar

w

semiconsoante bilabial vozeada (pronuncia-se como u em Mauá, guaraná)

j

semiconsoante palatal vozeada

(pronuncia-se como i em maio, Iaiá, cuia)

O nome do povo e da língua vem grafado Kamajura, nos textos originais, e Kamaiurá, nos textos em Português. Nos sobrenomes aparece nessas duas formas e também como Kamayurá, respeitando-se, em geral, aquela adotada pelos indivíduos. O mesmo ocorre nas citações, respeitando-se a forma adotada pelos autores.

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Embora se possa observar a ocorrência do fonema /h/ em início de palavra como prefixo marcador de terceira pessoa (possuidor junto a nomes, sujeito de verbos descritivos, objeto de verbos e de posposições), atualmente ele é pouco usado, principalmente pelos falantes mais jovens. Observou-se que, mesmo na fala de alguns narradores, /h/ já não ocorria com a referida função, fato que se reflete na transcrição de diferentes momentos das narrativas. Além disso, deve-se dizer que na fala de alguns Kamaiurá a fricativa glotal labializada /hw/ é produzida como fricativa bilabial surda. Todavia foi mantida, nos textos, a transcrição indicada acima. O acento recai em geral na última sílaba de palavras isoladas. Pode ocorrer na penúltima sílaba nos casos em que o radical recebe certos sufixos. Há situações em que o acento sofre deslocamento. Em geral não é marcado na escrita, a não ser no último caso. A duração tem função expressiva. É indicada nas transcrições pela repetição da vogal: awujeeeee! Nos textos em Kamaiurá e em Português, os enunciados incluídos entre colchetes e em itálico não fazem parte da narrativa em si. São enunciados que o narrador dirigiu a mim, a outros presentes no momento da performance, ou que refletem comentários feitos por ele.

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mOrOnetaJat Os senhOres das histร rias Narradores e Auxiliares Kamaiurรก


Monoterajat Os Senhores das Hist贸rias


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Monoterajat Os Senhores das Histórias

Tarakwaj Irmão de Takumã [6] por parte de pai e integrante de mesmo grupo residencial, tinha, em 1968, cerca de quarenta anos. Além de moronetajat era também paje “pajé” e maraka’yp “cantor e instrumentista”. Era reconhecido como bom pescador com flecha, conhecedor de plantas e artesão especialista em flautas urua e jakui, além de outros objetos. De temperamento bem humorado e afável, estava sempre com crianças à sua volta. Entendia algo do Português, mas não falava a língua, embora usasse alguns vocábulos como “cabô” (acabou), “tarabaiá” (trabalhar), “pera poquinho” (espera um pouquinho). Ao narrar, usava com maestria a dramatização dos diálogos e as modulações de voz. Todos os mitos narrados por Tarakwaj foram registrados na Aldeia Kamaiurá Ypawu, em 1968, 1989 e 1991.

[6] Takumã é o grande pajé kamaiurá, respeitado entre todos os povos da região. Até bem recentemente era o chefe do grupo, cargo que passou a seu filho Kotok.

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Awmari Tio materno de Tuvulé, meu primeiro professor de Kamaiurá. Era pajé, moronetajat, reconhecido também como um grande expert na pesca com flecha e com jequiá. Um de seus nomes era Jatawatsi “MartimPescador” e tinha o apelido de Ariranha. Todos os mitos narrados por Awmari foram registrados na Aldeia Kamaiurá do Ypawu, em 1988. Estima-se que na ocasião ele tinha setenta anos.

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Monoterajat Os Senhores das Histórias

Kanutary (Koka) [7] Nascido aproximadamente em 1935, era primo cruzado em terceiro grau de Takumã e, como este, me tratava como irmã. Era paje “pajé”, maraka’yp “cantor e instrumentista”, artesão especialista na confecção de yrypary “cestas”, raladores de mandioca e outros artefatos. As narrativas contadas por Kanutary (Koka) foram registradas na Aldeia do Morená, em 1999, e em Campinas, em 2004 e 2005. Kanutary (Koka) auxiliou também na interpretação de narrativas. Muitos esclarecimentos foram obtidos diretamente dele, que supervisionou ainda a confecção de desenhos e mapas relacionados às narrativas, feitos por Páltu e Wary.

[7] Segundo costume dos Kamaiurá, Kanutary passou seu nome a um de seus netos. Adquiriu para si, por meio de troca com os Kaiapós, o nome Kokrajmuru, que adaptado à pronúncia kamaiurá soa Kokajmuru, sendo comumente usada a forma abreviada Koka. Contudo, como nos explicaram Páltu e Wary, este não é considerado seu nome verdadeiro, e solicitaram que usássemos Kanutary, seguido por Koka colocado entre parênteses.

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Monoterajat Os Senhores das Histórias

Janumakakumã Conhecido como Sapaim, tinha cerca de vinte anos em 1968, e era menos experiente que os outros na arte de narrar. Posteriormente tornou-se pajé. Falava o Português com bastante fluência. Voluntariava explicações e prevenia possíveis erros, o que se deve em parte à prática que adquiriu em trabalho com antropólogos e lingüistas. Com ele registrei uma versão do mito sobre a origem dos índios não alto-xinguanos (História da Cobra) e outra sobre a origem da flauta jakui, versões estas que, embora não incluídas nesta coletânea, muito contribuíram para a compreensão do conteúdo dos mitos envolvidos.

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Tatap Atualmente com cerca de cinqüenta anos, foi um de meus principais auxiliares no estudo da gramática e na transcrição de várias narrativas. Conhece bem os mitos e suas variantes, é fluente no uso do Português, que fala perfeitamente. Hoje domina um bom vocabulário da língua, incluindo gírias. Foi sempre um auxiliar interessado e eficiente.

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Monoterajat Os Senhores das Histórias

Yrywuary Mais conhecido como Juca, é irmão de Tuvule e sobrinho do narrador Awmari. Embora tenha tido participação menor em nosso trabalho, foi sempre muito atencioso. Com ele registrei uma versão resumida em Kamaiurá da História da Anta (Ver Narrativa 6) e esclareci aspectos da mesma, o que muito contribuiu para a compreensão do mito.

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Páltu Filho de Kanutary (Koka), tem trinta e nove anos. Foi meu aluno no Curso de Formação de Professores do Parque Xingu, cursou o terceiro grau na Universidade do Estado do Mato Grosso-unemat e atualmente faz mestrado em Lingüística na Universidade de Brasíliaunb. É um excelente desenhista.

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Monoterajat Os Senhores das Histórias

Wary É neto de Kanutary (Koka) e sobrinho de Páltu, tendo sido alfabetizado por este. Atualmente trabalha na Escola Central Estadual, no Posto Indígena Leonardo Villas Bôas, como presidente do Conselho Deliberativo e Coordenador Pedagógico. É também excelente desenhista, sendo responsável, juntamente com Páltu, por várias ilustrações incluídas nesta coletânea.

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Além dos narradores e auxiliares mencionados, muitos Kamaiurá colaboraram de diferentes maneiras, seja respondendo a consultas, seja com desenhos, como Ajumã (Pablo), Kurehete (Marcelo), Karatsipa e Takuni. Takumã, Initywari, Pirarywy, Mojûapin (Sucuri) atuaram no registro de materiais coligidos, como relatos, textos procedurais, históricos, falas de chefe, entre outros.

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parte i: Os Kamaiurรก e O estudO de seus mitOs



1. O pOvO Kamaiurรก

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Os Kamaiurá e o Estudo de seus Mitos O Povo Kamaiurá

[8] Para maiores detalhes, bem como para as espécies de fauna típica da região (algumas hoje raramente encontradas) remetemos a Carvalho et alii (1949).

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rios principais (SIVAM, 2005) Limites muncipais (IBGE, 2007)

TI Capoto\Jarina

Ri o

Aldeias (ISA, 2011)

Mo

aldeias

s q ui

PIV Mosquito/ Yudja

to

CTL/PIV (*)

Piaraçu/Kayapó Pakaia/Yudja

Parureda/Yudja Caiçara/Kawaiwete

(*) CTL = Coordenação Técnica Local PIV = Posto Indígena de Vigilância

Marcelândia

Tuba Tuba /Yudja

São José do Xingu

Aiporé/Kawaiwete

Rio Manissauá-Miçu

Faz. João/Kawaiwete

Paksamba/Yudja Pequizal/Yudja Capivara/Kawaiwete

Mupadá/Yudja-Kawaiwete PIV MANITO

Paranaíta/Kawaiwete Três Patos/Kawaiwete

CTL DIAUARUM

Mainumy/Kawaiwete Sobradinho/Kawaiwete Piraquara/Kawaiwete Nova Maraká/Kawaiwete Itaí/Kawaiwete Iguaçu/Kawaiwete

R

io

Ar

ra

Kwaryja/Kawaiwete

s ia

in

R io

X

União do Sul

Yaitata/Kawaiwete

g u Moitará/Kawaiwete Samaúma/Kawaiwete Tuiararé/Kawaiwete

Ri

o

Ilha Grande/Kawaiwete Ngosoko Nova/Kisêdjê

Barranco Alto/Kawaiwete

Su

-M

iç u

TI Wawy

P acas R io d as

Roptotxi/Kisêdjê

Parque Indígena do Xingu

Moygu/Ikpeng

Horerusikhô/Kisêdjê

Três Irmãos/Kawaiwete

CTL PAVURU

São Félix do Araguaia

11 de Setembro/kaibi-Kisêdjê

Ngojhwere/Kisêdjê

Boa Esperança/Trumai

Faz. Ronkho/ Kisêdjê

Três Lagoas/Trumai Morená/Kamaiurá

Feliz Natal

Jacaré/Kamaiurá Steinen/Trumai

R

on

u

Nahukuá Ipavu/Kamaiurá

Querência

Aiha\Kalapalo

CTL LEONARDO Yawalapiti

ro

Matipu Tupará/Ikpeng

Piyulaga/Waurá

Saidão da Fumaça/Aweti Ipatse/Kuikuro

Tazu' jyt tetam/Aweti

Afukuri/Kuikuro

Buritizal/Matipu

Lahatua/Kuikuro

Mehinaku

Tanguro/Kalapalo

Paranatinga ovi Ulupuene/Waurá

TI Batovi

R i o C u r i s e vo

Ri o

Ba t

Kuluani/Kuikuro

CTL TANGURO

Caramujo/Kalapalo Agata(Barranco Alto)/Kukikuro Yaramy/Matipu Utawana/Mehinaku Mirassol/Aweti

CTL Batovi/Waurá

CTL KURISEVO/Mehinaku Instituto Socioambiental, abril de 2011

Rio Ta ngu ro

Kunué/Kalapalo

Gaúcha do Norte

Curumim/Kuikuro

Lago Azul CTL KULUENE/ Kalapalo

TI Pequizal do Naruvoto ene

Nova Ubiratã

R

io

Kranhãnhã/Nahukuá

Culu

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D

n eine St

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Ri

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Aruak/Waurá

Canarana 0

10

20 Km

Mapa 1: Localização de Aldeias no Parque do Xingu. (Mapa cedido pelo Instituto Socioambiental – isa).

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Os Kamaiurรก e o Estudo de seus Mitos O Povo Kamaiurรก

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Os Kamaiurรก e o Estudo de seus Mitos O Povo Kamaiurรก

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Mapa 2: Migrações dos Kamaiurá (Mapa de Lucy Seki).

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Os Kamaiurá e o Estudo de seus Mitos O Povo Kamaiurá

[9] Para consultar definições sobre os termos “primo paralelo” e “primo cruzado” e outras informações sobre o Sistema de Parentesco dos Kamaiurá, conferir Parte I, 1.3 Aspectos Demográficos e Socioculturais. ˜ [10] Em 1999, durante uma estada na aldeia do Morená, Moju'apin “Sucuri” levou-me a um passeio no rio, mostrando-me a localização dos pontos onde personagens míticos habitavam, ou nos quais havia ocorrido ações relacionadas às narrativas.

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Mapa 3: Regiรฃo do Morenรก (Desenho de Wary Kamaiurรก).

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Os Kamaiurá e o Estudo de seus Mitos O Povo Kamaiurá

[11] O acesso à área era feito em aviões do Correio Aéreo Nacional (CAN), meio de transporte que utilizei em 1968.

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[12] O Projeto de Formação de Professores do Parque Indígena do Xingu desenvolveu-se inicialmente com recursos concedidos pela Rain Forest Foundation / Noruega, e contou posteriormente com o apoio do Ministério de Educação e Desporto-mec e da Funai.

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[13] Para uma descrição das pinturas, ver Kamaiurá, W. e Kamaiurá A. P., 2006. [14] Para mais detalhes verificar obras incluídas na Bibliografia.

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[15] A terminologia de parentesco kamaiurĂĄ ĂŠ dada em Seki (2000).

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[16] Para a origem da luta, ver Narrativa 8.

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[17] A fonologia e a gramática da língua Kamaiurá foram objeto de uma descrição bastante abrangente apresentada em Seki (2000). Incluo aqui somente algumas observações de ordem mais geral. [18] Para facilitar a leitura, deixei aqui de usar os símbolos do Alfabeto Fonético Internacional.

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2. O estudO da mitOLOgia Kamaiurá

[19] Através de projetos elaborados atendendo a uma solicitação de Megaron Txukahamãe, então Diretor da Administração Regional do Xingu-adr/Xingu / Funai. No âmbito desses projetos foram realizados estudos, em diferentes graus de profundidade, das línguas Trumai (Isolada), Kamayurá, Juruna, Kayabi, Aweti (Tronco Tupi), Panará, Tapayuna, Suyá (família Jê), Yawalapiti, Mehinako (família Aruak) e Ikpeng / Txikão (família Karib).

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[20] Embora alguns autores de obras existentes informem que os mitos foram gravados no original, não tive acesso a nenhuma gravação feita por eles, exceto essa fornecida por E. Samain, registrada em 1977. [21] National – Automatic Reverse, Modelo RQ-158S. [22] National, Modelo RQ-311S. [23] Panasonic Modelo RQ-S7R.

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[24] MD Sony, Modelo MZ-R900.

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[25] Informações sobre esses usos são dadas nas Notas Etnográficas e de Tradução que acompanham cada narrativa.

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Os Kamaiurá e o Estudo de seus Mitos O Estudo da Mitologia Kamaiurá

(c) Ideofones, Gritos, Murmúrios A narrativa kamaiurá é repleta de ideofones, principalmente quando a performance é feita por um moronejat “senhor das histórias” competente, experiente na arte de narrar. Em Kamaiurá os ideofones não se limitam a acompanhar e colorir o que é dito, mas podem ocorrer como enunciados autônomos. Há ideofones constituídos de uma única forma, e que em geral exprimem uma ação “pontual”, e outros que aparecem em formas que se repetem, indicando uma ação durativa, como mostra o exemplo a seguir:

tyk tyk tyk tyk

tyky:::

IDEO [26]

IDEO

indo

chegaram

harutsama

rehe

sapos

até

“foram indo, indo e chegaram até os sapos”

Os ideofones conferem grande dramaticidade e dinamicidade às cenas. Algumas são construídas praticamente com o uso desses recursos, muitas vezes traduzidos por frases inteiras. Inclui aqui o que, na falta de termos melhores, denomimei de “gritos” e “murmúrios”. Os primeiros são usados para comunicação à distância, e os murmúrios para expressar fatos e ações, cujo significado depende do contexto. Esses elementos são explicados nas Notas Etnográficas e de Tradução.

[26] IDEO = ideofone.

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[27] Considerando-se a posição das partículas na frase, apresento em Seki (1997) quatro classes de partículas: partículas iniciais, partículas flutuantes, partículas de segunda posição e partículas finais. [28] Um tratamento geral das partículas é apresentado em Seki, 1997, 2000 e 2007.

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Os Kamaiurรก e o Estudo de seus Mitos O Estudo da Mitologia Kamaiurรก

[29] Sobre o Bakairi ver Sousa, 1191;1999.

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Os Kamaiurรก e o Estudo de seus Mitos O Estudo da Mitologia Kamaiurรก

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parte ii: narrativas mitOLĂ“gicas

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narratiVa 1

Mawutsini i: Kawa’iwa ’ypy a OrigeM dOs ÍndiOs

Por Awmari, em 6 de agosto de 1988, na Aldeia de Ypawu. Foi transcrita e traduzida, em 26 de novembro de 1992, com assessoria de Tatap, em Campinas-SP. Na mesma cidade, foi realizada a revisão, em fevereiro de 2006, com auxílio de Páltu.


Narrativa 1 - Mawutsini I A Origem dos ร ndios

[IL-1] Mawutsini, o criador dos Kamaiurรก (Desenho de Wary Kamaiurรก, em 1995).

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Este mito Kawa Kawa'iwa 'ypy retrata a origem dos índios criados por Mawutsini que, sentindo-se solitário, resolveu criar outros seres a ele semelhantes, utilizando troncos de árvores. Os Kamaiurá dizem que ninguém sabe como Mawutsini surgiu, mas afirmam que ele nunca morreu. Consta que nos primórdios só ele existia. De acordo com um mito registrado pelos irmãos Villas Bôas, um dia Mawutsini fez uma concha transformar-se em mulher, com a qual teve um filho homem. Mawutsini levou a criança consigo, e a mulher, tendo revertido à sua forma de concha, voltou para sua aldeia, a lagoa. Desse filho de Mawutsini descenderiam os índios, porém nada é dito sobre como isto ocorreu (Ver Villas Bôas & Villas Bôas, 1970: 55). Segundo esta variante do mito de criação, Mawutsini vivia no Morená com suas duas esposas e, sentindo muita solidão, resolveu criar outros seres a ele semelhantes, os kawa'ip. Assim, ele criou os índios a partir de troncos de árvores – mawu “capororoca” (Myrsine Myrsinaceae), kami'ywa “tapinhoã” ((Mezboaurus crassiramea Laureaceae) e kwaryp (árvore de madeira amarelo-avermelhada lisa ou preta desenhada). O Sol é mencionado como presente no processo, porém seu papel não é explicitado. Mawutsini foi enviando os casais que criava para morar em uma grande casa. Em versões publicadas do mito consta que a casa era de Mawutsini, porém a presente narrativa deixa claro que a casa foi especialmente feita para os seres criados por ele. Logo o lugar encheuse de gente alegre e animada, mas um lado da casa estava ainda vazio. Desejando encher a casa completamente, Mawutsini criou mais cinco mulheres de troncos de kami'ywa. Porém, quando ele quis fazer os homens que seriam os companheiros delas, não conseguiu encontrar material, os paus haviam acabado. Então ele mandou as mulheres irem, elas mesmas, procurar seus maridos na aldeia das onças, que ficava

COntextualizaçãO

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Narrativa 1 - Mawutsini I A Origem dos Índios

num lugar chamado Jamutukuri, situado no outro lado da Lagoa Ypawu. Somente duas das cinco “irmãs” conseguiram chegar lá e casar-se com a onça: a mais velha de todas e a penúltima mais nova. O narrador explica que das cinco mulheres que partiram em busca de seus maridos duas morreram durante a jornada e somente duas chegaram à aldeia da onça. Porém nada diz sobre o destino da quinta mulher. O mesmo ocorre em uma outra versão da narrativa, contada pelo mesmo narrador (Awmari) e registrada por Samain (1980:3). Como se pode ver em outras versões, entre elas aquela narrada por Kanutary (Koka), incluída no presente volume, a mulher transformou-se em jawyry kujã e ficou habitando a mata.

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Narrativa 1 - Mawutsini I A Origem dos Índios

Mawutsini i: Kawa'iwa 'ypy MOrOnetajat: awMari

'anga pupe jepe ne je jene 'awykytawera kopy, Myrenaa pupe kori. Myrenaa pupe jepe ne je okoj i'awykytawera kopy, Mawutsinia kori. 'anga wite wat ywyra ayayape jepe je okooom. Imoowam jepe je, ore rowa wite jepe je. 'ang je imo'amo'am jepe je. 'anga 'awykyme jepe je ywyra, nite je ije'awykytawa, nite je awaram. Imomote je. A'ea nip a'e wa, matawia upe, a'ep jepe je i'awykym. Imo'am jepe, imoeame jepe, imoa'akom jepe je, imotararak jepe i'awykytawera, itsahap, itsahap jepe je, ko'emamuë anite. Ywyrarame we je ohom. – Aaa! Anite a'e wa – Kwara ko. – Noje'awykyite a'e wa! – Anite a'e wa Mawutsini. – Mawite te pa 'e pa, Kwara? – Ko, ene te kwaha kwa. He, a'epe je, apo, ytsingyw orejap, a'epe je ojoemirekorekoram jepe jet, mirekoa, awuje'. Imoowaowame jepe eraham, imojepy'ypem, itsahap. Ko'emamuë, kwaraemamuë jepe je etsak. Ywyrarame te je ohom. – Aaa mawite wã? Omomopot. Awuje je kot. Ywyra emiayawera 'iwîa kot. Ore mo'ypy jepe ne je okwoj 'anga kopy, 'ang kori, Kwara kori, Mawutsinia kori. A'ea jepe ne okoj ore mo'ypy kopy. O'iran jet, ywyra ikatuhera ekate ran. Ywyra je a'ea juape jepe je, imoowaowam, i'apina mo'apom jepe je, imoa'akom jepe je, imo'apom, awuje'. Pe wite, pe nama, kujãram, 'ang je, akwama'ea,

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Mawutsini I: A Origem dos Índios por Awmari

Foi aqui no Morená que ocorreu a nossa criação. Foi no Morená que ele, Mawutsini, criou os índios. Ele tentou várias vezes, até conseguir. Primeiro ele cortou vinte troncos de árvore, fez neles o rosto igual ao nosso, colocou-os em pé [1]. Mas foi em vão. Os troncos que ele trabalhou não se transformaram em gente. Então ele os jogou fora. Aí ele foi procurar pindaíba e trabalhou outros troncos dessa madeira. Pôs os troncos em pé, fez neles os olhos, as virilhas, colocou-os enfileirados e os cobriu. De manhã cedo foi ver e nada tinha acontecido. Continuavam como paus. – Oh! Não deu certo! – comentou o Sol. – Eles não se transformaram! – disse Mawutsini. – Não deu certo não, Mawutsini! – Como é que eu vou fazer, Sol? – perguntou Mawutsini. – Você é quem sabe! – respondeu o Sol. Mawutsini foi novamente para o mato cortar pau. Desta vez ele cortou o que chamamos de ytsingyp [2] e trabalhou os troncos, fazendo homens e mulheres para que formassem casais. Fez-lhes os rostos, colocou-os emparelhados e os cobriu. De manhã, assim que saiu o sol ele foi ver. Nada! Continuavam como paus. – Puxa! Como é que eu faço? – disse Mawutsini. Ele pegou todos os troncos que havia trabalhado e jogou fora, espalhando-os por lá. Pois é. Os que queriam nos criar eram estes, o Sol e Mawutsini. Eram eles os que queriam nos criar.

[1] Os consultores kamaiurá informam que Mawutsini dispôs os troncos em quatro grupos de cinco unidades, como esquematizado a seguir: ||||| ||||| ||||| |||||

[2] Ytsingyp é o nome de uma espécie de árvore grande, de tronco grosso. É “parente” da pindaíba.

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Narrativa 1 - Mawutsini I A Origem dos Índios

[IL-2] O taratsika'it “lagartixa-do-mato”, que mostrou a Mawutsini qual madeira ele deveria usar para criar os índios (Desenho de Páltu Kamaiurá).

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'ang je akwama'ea, kujã, itsahap je, anite. Ywyrarame je. Kwaraemamuë okooom, kwara pirangamuë, itsahawa 'ok jepe je, îte. Ywyrarame je. – A! Anite a'e wa! Imomote je. Awuje jeee ywyra momap erahame ko'. He'ë taratsika'it, “'iw” ojam je ko'yt. [Taratsika'it, erekwaha pa, taratsika'ira? Wajá, tejuparawa ruwaja wite ko'yt. 'anga rupi atsã eakwarahawa ko'yt]. Ywyra rehe je ewokoj jerew okom: “iw”. – Hû! Ma'anuara te po pa? – Mawutsinia. Ywyra juape je okom. – Mangaty? – ojam jepe


Num outro dia Mawutsini foi de novo procurar madeira, uma melhor, madeira de cerne. Cortou os troncos, cortou embira. Fez rosto nos troncos, ajeitou as cabeças, separou as pernas, pronto. Fez homens e mulheres. Nos troncos que seriam mulheres ele fez a genitália, como a de vocês. Mawutsini cobriu os troncos, mas foi em vão. Na manhã do dia seguinte, quando o sol avermelhava o céu, ele os descobriu. Os troncos continuavam lá como paus. – Ara! Não deu certo! – disse Mawutsini desapontado. Ele os jogou fora. As madeiras boas já estavam acabando. Mawutsini foi cortar mais paus, e enquanto fazia isso o taratsika'it [3] deu um assobio “iw”! [o taratsika'it, acho que você não conhece. Ele tem o rabo parecido com o do camaleão. Na altura dos olhos ele tem uma pintura [4]] O taratsika'it se virava sobre o tronco da árvore, de modo a ficar do lado oposto àquele voltado para Mawutsini, para que este não o visse, e assobiou: “iw”. – Hum! O que é isto? – disse Mawutsini ao ouvir o assobio. O taratsika'it assobiou de novo: “iw”. Mawutsini ficou se perguntando: – Onde será que está o ser que assobia? O taratsika'it tornou a assobiar: “iw”. Mawutsini ficou procurando e aí viu o taratsika'it: – Ah! É este avô que estava assobiando para mim! Acho melhor matá-lo! – Por que você está querendo me matar, meu neto? Pergunte-me sobre as madeiras! – disse o taratsika'it. – É mesmo vovô. É verdade! – respondeu Mawutsini. – Pois é! Você não me pediu logo para eu contar qual é a madeira certa! Por isso não conseguiu fazer a criação. – continuou o taratsika'it. Foi o taratsika'it que orientou Mawutsini sobre a madeira certa. Quem orientou Mawutsini foi o taratsika'it.

[3] Taratsika'it é uma espécie de lagartixa, do cerrado. Ver [IL-2].

[4] O enunciado incluído entre colchetes foi dirigido à pesquisadora.

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Narrativa 1 - Mawutsini I A Origem dos Índios

I'anga rehe te je ojerep okom: “iw”. – Mangaty te po awa pa? Ituwamuë a'iweru. – Õ! Tamÿja 'anga tehe jemo'uwi okome pa! Ajuka rape 'anga ka! – Ma'anuara rehe a'ang je juka pota pa, tamÿj? “Je moneta” – ere je upe kwãj 'ang! – Õaje, tamÿj, ajete. – He'ë. “Je moneta” ne rejuwej te rake wa 'ang! Taratsika'ira te je 'ang imonetatarera kwa 'ang. Mawutsinia, Mawutsinia monetatarera ne je'ang taratsika'irá kopy. – Õaje! – Pea upe ekwa kwãj 'ang! – ojam je. – Jaha rané te erotsaukate ko kwãj 'ang! – Hehë. Wajaka'yp orejat, jere 'ahwëne ko'yt, 'anga wite iyj'ywa ko'yt. A'ea je okoj juap – tak. Ojoe'yjram, ojoe'yjram, ojoe'yjram, ojoe'yjram. Imoowam eraham, ikatu imokaramemamemam eraham, imotywytywy'im eraham, imoeame ko'yt, imo'ame ko'yt, hakwãja 'atykam. – Ne ramÿja katyk ekwa a'e wa, Mawutsinia, tsitsika katy a'e wa! – Ehë! Wyrapîa upe, wyrapîa. – A'e katyk ekwa a'e wa! – Ehë. Wawara jepe je kwãj 'ang, wawara jepe jet, itsingame te je. A'eramuë te je 'ang ore myrãramuë ore 'awatsing wa. Kara'iwa ko'yt, teheeee! Jere tsing 'anga ko', i'awa ko'. Kara'iwa jere tsing. Wawara je ko'yt, a'ea jepe o'awyky, Mawutsinia, ore 'awam. Jere tsinga te je. Omopitsun jepe te je ywuna pupe wã, okukuj tete je.

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– É mesmo, vovô. – concordou Mawutsini. – Vai cortar aquela madeira lá. Vamos! Eu vou mostrar para você. – Está bem! – disse Mawutsini. Então o taratsika'it mostrou a árvore que chamamos wajaka'yp [5]. Ela é muito cheirosa e tem o tronco grosso assim. Mawutsini cortou oito troncos dessa árvore para fazer quatro casais. Fez rosto nos troncos, enfeitou-os muito bem, pintou os ângulos negros nas faces [6], fez os olhos. Colocou os troncos em pé, fixou os pênis. Faltava o cabelo. Então o taratsika'it mandou que ele fosse pedir ao passarinho tsitsika [7] o material para fazer: – Vá lá no teu avô, Mawutsini. Vá procurar o tsitsika. – Está bem. – Vá lá pedir! – insistiu o taratsika'it. Antes Mawutsini havia feito o cabelo com fibras de folhas de abacaxido-mato [8], mas o cabelo ficou branco. É por isso que quando a gente envelhece o cabelo fica branco. Os não-índios, nossa! O cabelo deles fica muito branco porque foi feito dessa fibra. Primeiro Mawutsini fez o nosso com ela. Ficou muito branco, então ele pintou com carvão, mas a tinta saiu logo. – Ah! Como é que eu faço? – disse ele então. Foi aí que o taratsika'it mandou que ele fosse pedir o material para o tsitsika: – Vai lá no seu avô, o tsitsika. Ele tem cabelo preto, do tipo que você está querendo. Então Mawutsini foi procurar o tsitsika: – Vovô! – Sim! – Eu vim em busca de um pouco de seu cabelo. O taratsika'it disse que é para você dar uma cesta [9].

[5] Wajaka'yp é uma árvore grande, de tronco  grosso, cuja  madeira é considerada frágil, de pouca durabilidade, difícil de usar. Foi experimentada na confecção da primeira flauta jakui, um instrumento sagrado que as mulheres são proibidas de ver. [6] Mawutsini pintou o rosto dos troncos que seriam mulheres com o tywytywy'i, pequenos ângulos negros, dispostos um em cada lado das faces, com os vértices voltados para o nariz. [7] Os auxiliares explicam que tsitsika é passarinho que “tem tudo preto, até o ninho. Ele é o dono do preto”. [8] O nome da planta em Kamaiurá é wawara. Dela se extrai uma fibra branca, com a qual os Kamaiurá confeccionavam linha de costura.

[9] O termo no original é t-yru “recipiente, envoltório”. Dependendo do contexto pode ser traduzido diferentemente em Português (caixa, embrulho, roupa, envoltório etc).

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Narrativa 1 - Mawutsini I A Origem dos Índios

– A! Mawite wa? – ojam je Mawutsinia. – Tamÿj! – Haj! – ojam je. – Ne ramÿja katy ekwa kwãj 'ang, tsitsika katy. A'ea 'ang 'anga wite wara wereko a'e wa. – Hehë! Ohome je a'e katy. – Tamÿj! – Haj! – Ene jue ne 'awa rehe atsã ajor a'e. “Yrua wek tome'eng a'e wa” – i'i rak a'e wa. Yrua me'enge ko'yt. A'ea pupe je ewokoj, ore ra'angawa, imo'ap okom Mawutsinia. Imo'ape ko'yt, kujã mo'ape ko'yt awuje'. Akwama'ea ran, hemirekoa, hemirekoa, awuje je. Oket. Ypytuna rupit, 'ara'uhwam ikoramuë, ohom etsak. – Aha, je porawykawa retsak ane aha kora'e wa! – ojam Mawutsinia. Ohom wemirekomena upe. – Hehë! Tyk tyk tyk ...tyky hehe'. Tyryryryry itsahawoke je, “îhhîhî” ohukam “îhîhî”. A'ea mopiming. – Awuje rak ne mopiming kora'e 'ang! – Nite. 'anga wite juet awa, jene remyminõmera imopiming korine wa. Mawite 'iramuë, “ha'”, opyme ne wa, opym a'ikî korin. A'ea wite te 'ang ako kwa 'ang – ojame te je wemirekoa upe. Itsahawok, eee, ikwawamuë je kujã je ko'yt, ohukapojypojyme je okwap, imo'apykawangawera, imotywytywytawera. Akwama'ea je itsahawok: – Pë pe pyra 'amî kora'e wa. A'e katy je imonom, a'ea pupe je o'itsem, ojoemirekorekoram o'itsem ohom.

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O tsitsika deu uma cesta de seus cabelos, iguais aos nossos. Mawutsini pôs os cabelos nos troncos dos homens e das mulheres. Depois foi dormir. Os troncos ficaram lá cobertos durante toda a noite. Ainda escuro, ao raiar do dia Mawutsini chamou as esposas: – Vamos! Vamos ver como está a minha criação [10]! Eles foram andando – tyk tyk tyk tyk – até o lugar onde estavam os troncos. Quando Mawutsini os descobriu, eles riram: “ihîhî”. Mawutsini se assustou. – Agora eles assustaram você! – disse uma das esposas a Mawutsini. – Não! É assim que vai ser com nossos netos. Quando alguém falar algo de repente, eles vão se sobressaltar: “ha!”, assim como eu fiz agora. – explicou Mawutsini. Ele descobriu os troncos e lá estavam as mulheres sorrindo, com suas testas pintadas de vermelho e com seus ângulos negros nas faces. Ele descobriu os homens e aí disse: – Lá está a casa de vocês. Eles foram indo em direção à casa e nela entraram, cada um com a respectiva mulher. – Esta é a casa de vocês. Eles armaram as redes que Mawutsini havia dado e lá ficaram. No outro dia, Mawutsini cortou outros paus para fazer mais quatro casais. Preparou-os, colocou-os emparelhados e os cobriu. Cobriu com folha de jenemy'op [11]. O que ele usou para cobrir os troncos quando nos criou foi folha de jenemy'op. Foi com ela que ele os cobriu. Hum! É uma que é muito cheirosa, a folha de jenemy'op. Ele cobriu os troncos com essa folha e os deixou lá, assim cobertos, durante toda a noite. Os troncos ficaram lá sob as folhas. Ao alvorecer, quando a luz do dia começava a se mostrar, ele chamou suas esposas: – Vamos ver a minha criação.

[10] No texto original o verbo –ho ~ –ha ~ –o “ir” (irregular) vem com marcador de primeira pessoa do singular. O contexto, porém, indica que Mawutsini chamou as esposas para irem com ele.

[11] Jenemy'op é o nome de uma espécie de árvore e também da folha dessa árvore. As folhas são usadas na festa Taurawana e com valor medicinal.

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Narrativa 1 - Mawutsini I A Origem dos Índios

– Pe pyra 'ã kora'e wa! Oupatsîm ohom, imokyap, o'itsem okwap. O'iran, amo ayap. Amo ayap ojoemirekoram, amoa ojoemirekoram, ojoemirekoram. Otararak, itsahap. Jenemy'owa pupe itsahap. Itsahawera ne je 'ang jenemy'owa kopy, ore 'awykyramuë itsahape ko. Jenemy'op, a'ea pupe je itsahap erahame ko'yt. Hû, e'ahwena ma'ea heme kopa, jenemy'op! A'e pupe je okoj itsahawi, a'ea wyripe je okwap. Ejat. Ypytuná rupi o'up, itsahape ko'yt. 'aaaarahahãjramuë, ijetsajetsakamuë ohom: – Jaha kokwãj je porawykawa retsake kora'e! Ohome je ko' Mawutsinia ko'yt. Ore 'awykytarera ne je 'ang, Mawutsinia kopy. Mawutsinia kori, ore 'awykytarera kori, ore ramÿjwena 'awykytarera ne je ewokoj kopy. Itsahawok ohom. 'ara jetsajetsakamuë je ohome ko'. – Ejemopiratãk eom a'e, ne mopimingap a'e – emirikoa. Ohukam je “hîhî”. – Mawutsini! – ojam je. – Ene 'ang ereko ko'yt? – E'ë, ije 'ang ako kora'e wa. Imo'uhwam awa 'ang, iyhwapya rehe. Amoa mo'uhwam, amoa mo'uhwam, amoa mo'uhwam, awuje'. – Pë pe pyra kora'e wa. Pë i'amî kora'e wa. A'e katy pekwa kora'e wa. A'e katy ojomonome ko'yt ojoemirikorekoram, ojoemirikorekoram ojomonome je opyra pupe o'itsem. Ipyra 'awykytawera katyn okoj ijomonow kopy. A'e katy imonome ko': – Pea pupek pekwa kora'e wa! A'erawi je amoa ayap, ojoemirekoram, ojoemirekoram. Iayap, iayap, iayap. Awuje je okoj e'yj kora'e wa, jene ramÿjmena kora'e wa. Pë je ipyra pupe otararak ohom, ijupatsîtawera, towaja rehe, 'anga katy.

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O nosso criador foi Mawutsini. Mawutsini, foi ele o nosso criador, o criador de nossos ancestrais. Ele foi descobrir os troncos. Foi fazer isto quando a luz do dia começava a se mostrar. – Prepare-se para não se assustar! – preveniu-o uma das esposas. Assim que Mawutsini descobriu os troncos, eles sorriram: “hîhî” e perguntaram: – Mawutsini, é você que está aqui? – Sim, sou eu! – respondeu ele. Então ele foi levantando sua criação, pegando uma a uma pelo pulso. Quando terminou, ele disse: – Lá está a casa de vocês. Lá está ela. Vocês vão para lá! Eles foram indo. Os casais foram entrando na casa. Mawutsini mandou-os para uma casa que tinha feito para eles. Mandou-os para lá. – Vocês vão ficar lá. – disse Mawutsini. Depois ele foi cortar mais paus e fez outros casais. Foi cortando, cortando, cortando. Assim ele foi aumentando seus parentes, os nossos ancestrais. Eles iam para a casa que Mawutsini fez para eles e armavam suas redes em um lado da casa e no outro. Era muito grande a casa que Mawutsini fez para os que ele criou. Era igual a esta casa aqui. Mawutsini os mandou ficar lá. Ele e suas esposas moravam em uma casa separada [12]. No outro dia, logo que acordou Mawutsini cortou mais paus – tak tak tak – para fazer outros quatro casais, aumentando assim ainda mais o número de pessoas. Preparou os troncos, colocou-os deitados, emparelhados, rezou ao cobri-los com folha de jenemy'op e deixou-os cobertos até a manhã seguinte. Quando a aurora despontou, as esposas o chamaram: – Vamos ver a sua criação, Mawutsini. Acorde! – Vamos!

[12] Na presente versão da narrativa, fica muito claro que Mawutsini foi enviando os casais que criava para morar em uma grande casa, que fez especialmente para eles, e não para a própria casa, como consta em outras versões publicadas do mito.

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Narrativa 1 - Mawutsini I A Origem dos Índios

[IL - 3] Casa tradicional dos Kamaiurá e de outros povos alto-xinguanos.

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Tuwijaw ne je ewokoj imopyrawaw kopy. 'anga wite je ewokoj imopyri, Mawutsinia. 'anga wite je hoka 'awykyme ko'yt. A'ea pupe je okoj imokome ko'. Tyte ewokoj Mawutsinia pyra ko', wemirekomera nite. A'ea wawakawera rehe je amoa ayap, tak tak tak tak ojue'yjram, ojue'yjram, ojue'yjram, ojue'yjram, o'apyrahaw je okoj a'e wa. Otararak je, jenemy'owa pupet, a'ea itsahap. Itsahapawera o'up, oko'em o'up, ipejum, itsahape ko'. 'ara jetsajetsakamuë ojoeraham: – Jaha ne porawykawa retsake ko kyn, Mawutsini. Ewawak ko kyne 'ang! – Jaham! Owawak awa je, ojueraham, wemirekoa nite: – Ejemopiratãke eom a'e – ojam je. Eë itsahawokamuë we je, “hî hî hî”. – Mawutsini, ene ereko ko'yt? – Hë'ë , ije nako kopy. – Hehë.


Eles foram até o lugar onde os troncos jaziam cobertos. Uma das esposas disse: – Vá se preparando para não se assustar! Eëë! Assim que ele descobriu os troncos, eles riram : “hî hî hî”, e logo perguntaram: – Mawutsini, é você que está aqui? – Sim, sou eu. Eu vim ver vocês! – ele disse. – Onde é a nossa casa? – É aquela que está ali. Vocês vão para lá. Assim eles fizeram. Foram e entraram na casa. Mawutsini queria aumentar ainda mais o número de parentes. Então ele cortou mais paus e deles fez outros casais. A casa que ele construiu para os que ele criou já estava cheia na metade de lá. Na parte de cá ainda não estava cheia [13]. Aí Mawutsini pensou em criar mais gente. – Vou fazer mais! – ele decidiu. Pois é. Antes Mawutsini era sozinho. Estava muito só. Não existia gente igual a ele. Ele sentia muita solidão, então resolveu criar outros seres semelhantes a ele a partir de troncos de árvores. Primeiro ele tentou usar qualquer tipo de madeira e não deu certo. Há uma quantidade de troncos que ele trabalhou em vão e jogou fora. Assim foi indo, até que o danadinho do taratsika'it mostrou para ele qual madeira devia usar. Quando deu certo, o taratsika'it disse: – E pensar que você estava querendo me matar! – É mesmo! – disse Mawutsini. – Esta é que era a madeira certa! – disse o taratsika'it. Mawutsini tinha tentado criar gente a partir de qualquer pau. Tentou usar pindaíba, ytsingywa ra'yt, jutsi'ahuku [14]. É claro que essas são madeiras boas, mas elas não deram certo. Seus troncos, trabalhados por Mawutsini não se transformaram em gente, continuaram como madeira.

[13] A casa que Mawutsini fez para a sua criação era igual às atuais casas kamaiurá (Ver Parte I, 1.3 Aspectos Demográficos e Socioculturais): em forma de elipse, o centro é o espaço delimitado por dois esteios principais. Nos dois semicírculos da casa, ou seja, no espaço entre os esteios principais e as laterais, são armadas as redes de dormir. Uma das metades da casa, towaj katy “a de lá”, ou seja, a da esquerda, já estava cheia, mas não ‘anga katy “a de cá”, ou seja, a da direita. Ao tentar criar mais gente para preenchê-la, Mawutsini fez as mulheres que ficaram sem marido. [14] Ytsingywa ra'yt (lit. filho do ytsingyp) é uma árvore cujo nome em Português não foi possível identificar. É “parente” da pindaíba, alta, com tronco fino, usada na feitura da casa. Jutsi'ahuku é o nome de uma espécie de árvore alta, de tronco não grosso. Dá frutas doces, amarelas, parecidas com o oiti.

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Narrativa 1 - Mawutsini I A Origem dos Índios

– Pe netsak ajo kora'e wa. – Uma ore pyrá? – Pë i'amî a'ewa. A'e katyk pekwa kora'e wa! A'e katy je ohom o'itsem. Aaaa! I'apyrahawi je a'eramuë a'e wa. Ojoemirekorekoram. O'iran iayap, awuje je kot, ipyra je opytsapawam ohome ko. 'anga katy ane nikypytsarite. – Amoa nen a'e wa! Oje'itete ane ne je ewokoj Mawutsinia rekow kopy. Oje'i tete atsã. Nite ane je awa ko'. Ywyra je ewokoj o'awyky okome jepeee. Etsak je 'yp i'atyrá. Etsak je 'yp i'atyrá, emi'awyky tete hera. Ywyra tete jepe ewokoj o'ayap. Awuje a'iweru je imonetame ko': “Pea upe ko kwãj, tamÿj”. – Pe kwãj 'ang je jukapotate 'ang okome pa! – Õaje! – 'anga 'ang a'ea kora'e wa! Ywyra jepe je ewokoj o'awyky okom, Mawutsinia. Eeee ywyra tete matawia ikatuhet, ytsingywa ra'yt, jutsi'ahuku. Ikatuhera ma'ea jepe hem a'ang jawyp pa, a'ea upe jepe jow, ywyra rame te je o'up, ywyra rame te je o'up, ywyra rame te je o'up. Hû, imo'at 'yp eraham. 'Yp je i'atyra oje'awykyuma'ehere'yma. 'ang te je ywyra tete 'awykytawera ruwi i'atyra, 'yp imomoawera. Myrena, jawa'ipawa pupe ane je wokoj ituwi kopy, Tyeweka je ko'yt. A'ea pupe je ewokoj imim eraham, moangam i'okawa wi ko'yt jene 'ypya 'apohera. O'iran, o'iran, o'iran, a'eherawi te je ewokoj kujãmerera tetea a'ea je'awykyw wã. Ma'anuar je kujãmerera katuhera! Kujãmerera, kujãmerera, kujãmerera. A'ea jepe je ekate kot, opap. Kami'ywa upe jepe je ohom a'ep je i'awykym, opape te je kami'ywa. Ohom je kwarywa upe, opape te je, kwarywa. – Ke, opaw ake kora'e wa!

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Eram muitos os que Mawutsini levou para jogar na água. São montes de troncos que não deram certo, montes de troncos trabalhados a partir de qualquer pau e que ele jogou na água, no lago Tyeweka, que fica nas matas do Morená. Ele os levou para lá para escondê-los, para evitar que alguém pegasse, para fazer feitiço, as coisas que pertenciam à nossa criação. Pois bem. Passados três dias, Mawutsini cortou mais paus e de seus troncos criou só mulheres. Como elas eram lindas! Então Mawutsini foi procurar paus para fazer os companheiros delas, mas as árvores tinham acabado. Ele fez as mulheres de kami'ywa, e já não havia mais dessa madeira. Ele procurou kwaryp, mas também não encontrou [15]. – Oh! Acabou! E agora? Aí as mulheres ficaram lá, sem marido. Mawutsini foi falar com elas: – Mulheres, mulheres, mulheres! Acabaram-se os paus. – É mesmo? – disseram elas. – Não tem mais, acabou. Não sei onde encontrar paus para fazer os que seriam seus maridos. Vocês mesmas vão ter que procurar seus maridos. Laaá longe vive o povo da onça. Vocês vão para lá. – disse ele, mostrando o rumo. – Está bem! – concordaram as mulheres. Elas não entraram na casa que Mawutsini havia feito para a sua criação. Somente aqueles criados anteriormente lá estavam, rindo, brincando. Ao ver isto a esposa de Mawutsini dizia, contente: – Aaah! Era desse jeito que eu estava querendo, Mawutsini! – Eu estava em busca de muitos parentes animados assim. – disse Mawutsini. As coitadas das mulheres partiram. Eram cinco mulheres sem companheiro. A mais velha foi conduzindo a mais nova e as outras três do meio [16]. Elas foram procurar os próprios maridos, mas as do meio

[15] Kwaryp designa: (1) cerimônia intertribal de povos alto-xinguanos em homenagem aos mortos; (2) os troncos que representam os mortos nessa cerimônia; (3) uma árvore, de casca amarela. Os troncos para a cerimônia são preferencialmente feitos de kami'ywa “tapinhoã”, uma árvore de casca grossa e escura, usada para fazer os esteios principais da casa de chefes, para a confecção da pequena cerca (apenap) que circunda o cemitério, bem como dos postes e outros suportes em que são fixadas as redes com o morto, por ocasião do sepultamento. Na falta de kami'ywa, os troncos para a cerimônia, particularmente aqueles que representam mulheres, são extraídos da árvore kwaryp (Ver Oberg, 1953:68; Agostinho, 1974: 46, para detalhes sobre a cerimônia). [16] O narrador refere-se às mulheres como t-yket “irmã mais velha”, i-kypy'yt “irmã mais nova” (ambos usados por Ego feminino) e mytet “do meio”. As relações entre as mulheres pode ser melhor compreendida se a elas atribuirmos números. Nos extremos, a mulher 1 era a mais velha, e todas as outras eram suas irmãs mais novas. A mulher 5 era a mais nova, a caçula (ikypy'yra mapawera “a última mais nova”), e todas as outras eram suas irmãs mais velhas. As mulheres 2, 3 e 4 eram as do meio. Para especificar a referência destas últimas são usadas as expressões “penúltima mais nova”, ou seja, a quarta irmã, e imyterawa “a do meio”, ou seja, a terceira irmã.

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Narrativa 1 - Mawutsini I A Origem dos Índios

[IL-4] Uma das cinco mulheres dirige-se ao martim-pescador em busca de informação sobre o caminho para a aldeia das onças. O pássaro está sentado sobre sua oka'apat “armadilha” (Desenho de Páltu Kamaiurá).

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A'epe je ojuerekom, i'irûuma'e'ymame ko', kujãmerera ko'. – Kujã kujã kujã... Opawake ywyra kora'e wa! Anite kora'e wa, ywyra kora'e wa. Uma pe 'irûrame ko'ypa, nuitumet! Pe 'irûa ke peeka ko'yra'e wa. Naaan, jawara awawõjã a'ea rerekom pe o korin a'e wa! – Ehë! A'e katy a'ikî te je wokoj no'itseite a'ikî opyra pupe ko'. A'ewana jue je o'upe ko kwãj. Ihuka awa je o'up, nuitumera je o'upe, opojarume je o'up. – Aaaa! Poa wite wara te rake 'ang aeka kora'e, Mawutsinia! – Jene re'yj jene 'anga'ip awa te rak aeka wekome kowa. Ojomonom a'ikî je ko'. I'irûuma'e'ym awa ko', 'anga wite je etã awa. Ikypy'yra je ko'yt, amoa je ko. 'ang je ewokoj imyterawa, tykerawa je erahátaram awa ko'. O'irüa jepe je wokoj wekar eraham. Ohom, i'irûuma'ea je ko'. Ojomonom a'iwî je ko'. – A'epe ke pekwa kora'e wa! Ohome je ko'yt i'irûumae'e'yma ko'. Myrena wi ne je ewokoj ijow kopy. Myrename ne je 'ang, ore 'awykytawera kopy, a'ea wi je ewokoj ijow. Oyk je ohom, je rere'yja rehe ko', jawatawatsi. Jawatawatsia je o'in, oka'apara 'arim. Tyk tyk tyk, jere pijup, ojomonome ko kwãj. Oyk awa ehe ko'. Te! Jere katuhera'ia'i kujã, i'aw awa je ko'yt. Tyk ehe, i'amamuë je: – Pira'utar – ojam je. – Haj! – Marupi katu te'ang jawara a'ea rapea ma'ea, jawara a'ea awawõjã rapea ma'e? – Hehë! Amepy atsã nen a'e wa, nuitumet! – Hehë. – Uma, uma omenõ? – ojam je – Uma 'ang omenõ? – Ije hek! – tywyra je.


[17] As mulheres kamaiurá pintam seus corpos com yrykujup, uma tinta vermelho-amarelada, extraída de uma espécie do urucum. [18] Em Kamaiurá nomes próprios com freqüência são também, no todo ou em parte, nomes de animais, particularmente aves. Um dos nomes do narrador era Jatawatsi “Martim-Pescador”. [19] Os auxiliares explicam: “a gente, olhando assim, pensa que o martimpescador vê um peixe nadando na água e desce para pegá-lo. Mas para ele mesmo, ele fica vigiando sua oka'apat ‘armadilha’ e só desce para pegar o peixe nela apanhado”. O mesmo ocorre adiante, com o maguari que estava com sua armadilha atatari “socó”.

iriam em vão. As cinco mulheres sem marido se foram. Foram embora do Morená, do lugar onde nós fomos criados. Elas saíram de lá. As mulheres foram indo, mas não sabiam bem o caminho para a aldeia das onças. Elas viajavam pintadas de urucum [17]. Puxa! Eram lindas, com seus cabelos longos. Foram andando – tyk tyk tyk – e encontraram o meu xará, o martim-pescador [18], que estava vigiando sua armadilha de pegar peixe [19]. As mulheres pararam para pedir informação. – Apreciador de peixe! – chamaram [20]. – Sim! – respondeu o martim-pescador. – Onde é que fica o caminho para a onça, para o pessoal da onça? – Sim, eu digo, mas primeiro vocês vão ter que pagar, mulheres. – Está bem. – elas concordaram. – Qual é a que vai transar com ele? – perguntou a mais velha. – Eu vou! – disse a irmã caçula, a mais bonita de todas [21].

[20] Em Kamaiurá é comum o uso de expressões descritivas em substituição aos nomes de animais. Em geral tais expressões referem-se a características morfológicas ou a hábitos dos mesmos. Assim, o martim-pescador é referido como pira'utat “apreciador/comedor de peixe”, o mesmo ocorrendo com o maguari. Mais adiante, aparece outro exemplo: a onça é referida como ywyra'itywa pojy “perigo da mata ciliar”. [21] No original consta t-ywyt “irmã mais velha” (Ego masculino), em lugar de i-kypy'yt “irmã mais nova” (Ego feminino). Trata-se de um lapso por parte do narrador, o que se reconhece pelo uso do termo apropriado na sentença seguinte, bem como pelo contexto geral da narrativa.

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Narrativa 1 - Mawutsini I A Origem dos Índios

[IL - 5] Uma das mulheres está subindo no pé de buriti para cortar o broto, de cujas fibras pretendiam confeccionar seus cintos (Desenho de Wary Kamaiurá).

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Imapawer awa, ikypy'yra, a'ea je ohom imenõm. Te, ipo'yra jepe 'iwî je, jatawatsia po'yra 'iwîa. Te, jere 'ajutsing. – Îka! Emowak ane te ne po'yra kyne 'ang! Morawykawa heme ko'ypa, jene 'ypya ne ewokoj ojoereko kopy. – Ne po'yra ne te emowak kyne 'ang! – Hehë! Imowak a'iwî je, pyw, poky, i'atukupe katy a'iwî 'ang, a'ehera o'upe ko'. Jere tsing, 'anga katy warera jepe te je 'ã kowa. Imenõ a'iweru, ikatuma'ea. A'eramuë imenõõõm, ta'yra o'ut. Pyy! Ta'yrera pyjyp, i'apea rehe. [ne renÿ atsãk 'am enuenung a'e wa! Ne myrãramuê rap ne 'apetsikakãj a'e wa]. Jere 'apea awë a'iwî 'ang okome kõ', jatawatsia ko'. Ta'yrera je po'ypawera hem a'iwî pa. – Tu! Ene a'angape awáram ereko a'e! Uma rupi te 'a ko', pira'utsat? – 'anga rupi peo korin a'e wa! A'e rupi je erotararak awa, myrytsi u'ãa rehe. Myrytsi u'ã je o'am. – Ã! Myrytsi u'ã ruãj! Jakytsi ane kyne 'ang, jene ku'ahawame katu! – Ehë. Myrytsiowira pupe ne je ewokoj imoku'aha'ahawera ne kopy. I'irûmera je ewokoj inimoa pupe, inimoa pupe. Inimoa monokawera pupe. A'eawite wite ne je ewokoj ijow kopy. – 'anga te 'ang a'ea ku'aha korin. 'anga te'ang kujã ku'ahawame korine wa. – Hehë.


Então a moça foi transar com ele. O martim-pescador tinha um colar de caramujo bem branco no pescoço, e o colar ficou incomodando a moça [22]. Ela reclamou: – Ara! Vira o seu colar pra lá! O seu colar, vira ele pra lá! – Está bem! – disse o martim-pescador, virando o colar para as costas. Aquelas mulheres criadas nos primórdios tinham poderes especiais. Assim, fizeram com que o branco ficasse para sempre nas costas do martim-pescador. O martim-pescador transou com a moça. Ficou transando e ejaculou muito. Nossa! Então ela limpou o sêmen passando a mão nas costas dele. [Passe cuspe nas costas, senão quando você ficar velho elas vão ficar foveiras! [23]]. As costas do martim-pescador ficaram com cor de mofo porque a moça passou sêmen nelas. Aí ela disse: – Bem feito! Fiz isso senão você ia ficar como gente. Onde é o caminho, apreciador de peixes? – Vocês vão por aqui. – disse ele mostrando o rumo. Elas seguiram na direção indicada e mais adiante encontraram um pé de buriti com um broto muito bonito. Uma delas disse: – Olha! Que lindo broto de buriti! Vamos cortar para fazer cinto para nós. – Está bem! – as outras concordaram. O cinto que Mawutsini havia destinado para as mulheres era feito de fibra de buriti. O cinto dos homens era de pedaços de fios de algodão [24]. Mawutsini disse às esposas: – Este aqui será o cinto dos homens, e este aqui, o das mulheres. E foi assim que ficou. Pois bem. A moça foi subindo na palmeira – ty ty ty ty –, chegou perto da base do broto e começou a cortá-lo com uma concha comprida – kyw kyw kyw [25]. Seguiu cortando – tsiw tsiw tsiw –, pronto. Ele caiu.

[22] Nas narrativas míticas os “animais” apresentam comportamento e características em comum com os seres humanos. O martim-pescador e outros “animais” que as mulheres encontram durante a viagem, somente passam a ser bichos depois de sofrerem certas ações de retaliação por parte das moças. Como propõe Viveiros de Castro, “A condição original comum aos humanos e animais não é a animalidade, mas a humanidade” (Lima, 1996; Viveiros de Castro, 1996: 119). [23] O enunciado incluído entre colchetes foi dirigido pelo narrador a um menino que ouvia a narrativa.

[24] O cinto confeccionado com fios de fibra de buriti é de uso exclusivo das mulheres. [25] O nome da concha em Kamaiurá é itamuku; é uma espécie alongada, de aproximadamente quinze centímetros de comprimento. O termo se aplica à concha inteira e também a cada uma de suas metades. Estas eram usadas antigamente como facas. Atualmente ainda são empregadas para descascar mandioca, extrair polpa de certos frutos e para retirar o sumo venenoso de mandioca de sobre o polvilho assentado no fundo do recipiente.

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Narrativa 1 - Mawutsini I A Origem dos Índios

[IL - 6] O pássaro maguari estava pescando com sua armadilha atatari “socó”, quando uma das cinco mulheres dirigese a ele pedindo informações sobre o caminho para a aldeia das onças (Desenho de Páltu Kamaiurá e Takuni Kamaiurá).

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Ohom je, ojeupir je ohom – ty ty ty ty. 'anga wite je u'ã o'ame ko', kyw kyw kyw apoa pupe, itamuku. Tsiw tsiw tsiw, ûû, tok okujt. O'amama'e. Ojenung ama'ea ruëj myrytsi u'ã jawyp pa. Tsok, o'ame je o'ut, o'am o'ut. 'anga wite ituramuë – nyk –, o'uhwãpehera 'ok – tak. A'ehera okoj mutukam. – Hete hete hete hete! Opyhypyhyke tete jeeee, 'anga wite wara wi we, 'anga wite wara wi okujt, tsorok, ama rupi. Ojekyjt. – Je kypy'yra jue te'ang ajuka ma'e! – ojam je. A'epe we itym awa. Ohom, tyky, aikawyraa rehe ikoramuë tsorok tsorok atataria rerekom. – Pira'utsat! – ojam je. – Marupi te'ang jawara awawõjã rapea ma'e? – Tamepy atsã nen a'e wa, nuitumet! – Hehë. Awa ohon? – Ije hek tahan. Tyker awa, enotarer awa ohom je. Ohom. Uû, ta'yrera pupe a'iwî je epyjt. 'anga rehe inuinung, jere apetsikakãj. Hawë a'iwîa kõ hawa. I'ajuhwekyjt awa 'iwî: – Ene jue a'angape awa ete ram erekom a'e! – 'anga rupi peo korin a'e wa! Oyk ohom, awaráa rehe. – Tamÿj! – ojam je – uma rupi te'ang jawara awawõjã rapea ma'e? – Amepy atsã nen a'e wa, nuitumet! – ojam je. – Hehë, awa ohon?


O broto de buriti é um que cai em pé, não deita, e foi o que ocorreu com o broto que a mulher cortou. Ele caiu de pé e assim ficou no chão, com a ponta para cima. A irmã mais velha que estava em baixo do buriti tirou um pedaço de sua unha, transformou-o em mutuca e mandou-a contra a irmã que vinha descendo do coqueiro. Quando sentiu a picada, a moça gritou de dor: “ai ai ai ai”. Ao espantar a mutuca, ela se desequilibrou, ficou tentando se agarrar na palmeira, mas despencou do alto e caiu sentada bem em cima do broto de buriti, que entrou pela vagina dela. Ela morreu. – Eu matei a minha irmã! – disse a mulher que havia feito a mutuca. Lá mesmo as mulheres enterraram a irmã morta e depois prosseguiram a viagem. Aí encontraram um maguari, que estava pescando, com sua armadilha socó [26]. – Apreciador de peixes, qual é o caminho para o povo da onça? –

26] O termo kamaiurá para socó é atatari. Ver [IL-6].

perguntaram a ele. – Eu vou cobrar pela informação, mulheres! – disse o maguari. – Está bem. Quem é que vai? – Eu vou. – disse a mais velha das irmãs. Quando terminou de transar, ela aspergiu sêmen pelo corpo do maguari, sujando-o todo. É por isso que o maguari tem as penas acinzentadas. Depois as mulheres esticaram o pescoço dele e disseram: – Fizemos isso, senão você ia ficar como gente verdadeira! – Vocês vão por aqui! – disse ele, mostrando o rumo.

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Narrativa 1 - Mawutsini I A Origem dos Índios

– Ije hek! – imyterawa je. Imenõm. Awuje'. I'ahwã ekyjt awa 'iwî je, a'eramuë 'iwî te je 'ang i'ahwãmukua. Waja mo'apawa 'iwî je, i'apytukam awa 'iwî je, jere owaj tyrat, a'ehera te je 'ã wã. – Ene jue rap awa ete ram ereko a'e, awa katu ete ram. Imenõm: – Marupi te'ã ko'yt, tamÿj? – 'anga rupi peon a'e wa. – Hehë! Tatupewa rehe, a'ea imaraka ituramuë: – Tamÿj! – ojam je – Marupi te'ang jawara awawõjã rapea ko ma'e? – Amepy atsã nen a'e wa, nuitumet! – Hehë, awan? – ojam je. – Ije hek – ojam je, imyter awa. – Ahane je rakwãja tsoromen a'e wa. Noerekoite nipe rane wa. Okoj rane ohom – tu tu tu tu tu. – Aha je rakwãja tsorom a'ewa, nuitumet. 'am ane ke peko a'e wa! Oyk jepe je ohom. Akyheriwe: – Jaha ko kyne,'ã wan! Uû, ojomonom awa, akyherete oyk o'ut. – Ke! Ojomonõ tehe pa! Oakwãja reropanen erut. Oyk ohom tapi'ira rehe, ikoramuë je okarum. Mapawer awa monom a'iwî je ko'. – Awa oho? – Ije hek. – Ereome ko kyne, pe! – Hehë. 'ããã, owa 'apin etea pupe, norok, imomuk a'iweru, imotorotorok a'iweru.

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Elas foram indo. Mais adiante encontraram uma raposa e novamente pediram informação: – Vovô, onde é que fica o caminho para o pessoal da onça? – Eu ensino, mas primeiro vocês têm que pagar, mulheres! – Está bem. Quem é que vai? – Eu vou! – disse a irmã do meio. A moça foi transar. Quando acabou, as mulheres puxaram o focinho da raposa, por isso ela ficou com ele comprido. Elas bateram no rabo dela, que era liso, e o amassaram. Por isso, a raposa ficou com o pêlo do rabo arrepiado. – Fizemos isso, senão você ia ficar como gente, ia ficar como gente verdadeira. Onde é o caminho, vovô? – Vocês vão por aqui. – explicou a raposa. As mulheres seguiram na direção indicada. Adiante elas encontraram um tatu, que estava cantando, e pediram informação: – Vovô, qual é o caminho para o pessoal da onça? – Eu vou cobrar, mulheres! – disse o tatu. – Está bem. Quem vai transar com ele? – Eu vou – ofereceu-se a penúltima mais nova das irmãs. – Primeiro eu vou buscar o meu pênis – disse o tatu. [Não sei por que ele não tinha o pênis com ele [27]]. O tatu saiu correndo – tu tu tu tu–, enquanto dizia: – Eu vou buscar o meu pênis, mulheres. Fiquem aqui esperando. Assim que o tatu saiu, as mulheres decidiram ir embora. Logo em seguida ele voltou, mas elas já não estavam lá. – Puxa! Não é que elas se mandaram? – disse o tatu, chateado. Ele tinha trazido seu pênis em vão, ficou com ele lá, sem uso. As mulheres continuaram andando e mais adiante encontraram uma anta que estava lá comendo. Elas perguntaram sobre o caminho para a aldeia da onça e a anta cobrou pela informação, como os outros tinham

[27] O enunciado incluído entre colchetes é um comentário feito em tom jocoso, a mim dirigido pelo narrador.

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Narrativa 1 - Mawutsini I A Origem dos Índios

– Ããã, je kypy'yra te erejukam a'e 'ang! I'atu'apepyta awa 'iwî, imoatu'apem awa 'iwî, ipyhypyhyk awa 'iwî je, i'ahwã wekyjt awa 'iwî, ewikwa petepetek awa: – Erek eome kora'e! A'epe we itym awa. 'anga je ewokoj omanõ kora'e wa. 'anga te je ewokoj myrytsi u'ã kytsiramuë, ojewikwakutuk. 'anga te je ewokoj tapi'ira wa omowo wa, imenõramuë. A'e wana tete je ojoerahame ko'. 'ãããme je oyk ojoerahame ko', jawara awawõjã, awaratsinga ja'ukawa rehe. – A'ea nipe 'ã kora'e? O'apyk awa je ojuerahame ko'. A'epe je ojoero'ine ko', oka'aruk awat. Peme kwara ruwamuë, ojoeraham, jauná, jauna a'iwîa ojemo'awa, kujã – tyk tyk tyk tyk. Eeee, 'ã te je jãjã apeim ijoero'ini, 'ame kwara ruwamuë. – Ããã! “Ipitsun a'ia'íp jauna kujã”, i'i awa te ke je upe ri'î. Te! Awujete a'iwî tehe je tsing a'e! “Hã' hã' hã' hã' hã” 'ã te je ijowero'ini, morawykawá. – Hã! Je tsing a'iwî tehe a'e! “Hã hã hã hã” ohukapojyme je ojowero'in. Oja'uk awa, awuje', ipo'ywyr awa rupi. Taky! O'uhwãpehera 'ok, imonom. – Ete ete ete! Tok, o'yahawet. Tok, amoa. I'yahawuma'e'ymam ijoeraham. Ojoerahame kooo, o'itsem ojoeraham. – Awa katy wara nipe pë ojoereko a'e. Pekwan etsak. – Ije nip a'e wa! Awaratsing ojemo'awa, jawari'a momote je – pîî. – 'ang inip a'ea heme ko ma'e! – Kõ. Akyheri, o'upite ohom, ohuk ohom. Aaa! Ma'anuar je morawykawa jere katu!

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feito. As moças concordaram e resolveram que a caçula iria transar com a anta. – Quem é que vai? – ficaram decidindo. – Eu vou! – ofereceu-se a caçula. – Então vai, mana! – Está bem! Eeeh! Com a enorme cabeça chata de seu pênis a anta arrebentou a pobre moça por dentro. Ela morreu. – Ãããã! Você matou minha irmãzinha! – disse a mais velha. Aí as mulheres ficaram agarrando a anta, puxaram o focinho dela para baixo, entortaram e achataram o pescoço dela, estapearam-lhe o traseiro. – Vai embora daqui! Ali mesmo enterraram a irmã. Assim, duas das irmãs tinham morrido. Uma morreu empalada, quando foi cortar o broto de buriti. Outra foi morta pela anta, quando transou com ela. Somente duas continuaram a viagem. Por volta das duas horas da tarde elas chegaram ao porto da lagoa, no lugar onde o pessoal da onça e os tigres [28] se banhavam. – Será aqui o porto das onças? – disseram as mulheres. As duas irmãs subiram em uma árvore que havia na beira da lagoa, sentaram-se num galho e lá permaneceram até à tardinha. Por volta das quatro horas, dois anuns se dirigiram para a lagoa. Vieram andando – tyk tyk tyk –, transformados em mulheres, em jauna kujã, e pararam próximo à árvore onde estavam sentadas as mulheres criadas por Mawutsini. As jauna kujã viram o reflexo das mulheres na água e pensaram que era o reflexo delas. Ficaram admiradas: – Puxa! Todos vivem dizendo: “a jauna kujã é muito preta”. Oh! Na verdade eu sou branca! Ao ouvir isso, as mulheres ficaram rindo lá na árvore: “hã hã hã hã”.

[28] O termo jawat é usualmente empregado em sentido estrito para referência à onça-pintada. É também empregado em sentido amplo, para referência a felinos em geral.

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Narrativa 1 - Mawutsini I A Origem dos Índios

[IL - 7] O awaratsing “tigre” (Desenho de Wary Kamaiurá).

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Erahame ko', opyra katy. Ma'anuara je ikupepaja! Mino'a mymÿja apoa ewikwakutukutukawera. Ewikwara tsahawame je ohom, a'eramuë je okoj noetsakite awa. Ewikwapirang ine je ewokoj rane py ijemo'awaranej. Yty! Jere ewikwapirang. A'ea je ewokoj otsahap ikupepaja. Hûhû je i'ajurupymana. – Nip a'ang a'ea heme ko ma'e? Te, jue jepe te je ewokoj kowa. Ijepinimire ojemoea'ypywyk awa je. Ojoeraham. – Hõ! 'anga tehe 'ang a'e. Mojepete tete erurawaw 'yp eraham awa. Mokõj a'iweru ne je ewokoj ereko awaw kopy. Pë, jãjã rajej ijoramuë, ywytu o'at. Ywytua mo'at awa ikupepaja ko'yt. Ikupepaja 'iwîa roawpit, etsak awa, hõ! – Hõ! 'anga wite wara 'anga tehe jareko a'e! Jaware'yma tehe a'e! Jaware'yma tehe a'e! – Jaha a'e! – ojam awa.


– Oh! Eu sou mesmo branca! – diziam as jauna kujã. As mulheres continuavam rindo delas. As jauna kujã se banharam ali por perto, depois saíram da lagoa e foram levando na cabeça suas cabaças cheias de água. Nisso, uma das mulheres tirou pedaços de suas unhas, transformou-os em mutucas e mandou-as contra as jauna kujã. “Ai ai ai”, gritaram as jauna kujã ao sentirem as picadas. Elas ficaram espantando as mutucas, e ao fazerem isso deixaram cair as cabaças, que se quebraram. As jauna kujã foram embora para a aldeia das onças sem suas vasilhas. Assim que entraram na aldeia avisaram: – Lá no porto estão duas mulheres. Parece que estão procurando alguém. Vão lá ver! – Acho que sou eu que elas procuram! – disse o tigre. Ele se transformou em gente e atirou uma flecha de assobio – pîîî – que foi cair bem no lugar onde estavam as mulheres. – Parece que este é a onça! – disse uma delas. – Não sei não! – disse a outra. Elas pegaram a flecha [29]. Logo em seguida chegou o tigre e as viu. Nossa! Como eram lindas as mulheres criadas por Mawutsini! O tigre as levou para a sua casa. Quantos pendentes ele trazia! Ele os fez com caramujos rajadinhos, furando-os nas pontas. O tigre, transformado em gente, ia com o traseiro encoberto pelos pendentes, por isso as mulheres não viram que a bunda dele era vermelha. Puxa! Ele tinha a bunda muito vermelha. Estava encoberta pelos pendentes. Era uma quantidade de atados de pendentes. As mulheres estavam em dúvida: – Deve ser este a tal da onça. O tigre estava pintado, muito bonito. Então elas pensaram que ele era a onça. Foram com ele. – Oh! É a onça, sim! Porém estavam insatisfeitas, pois ele não era o que elas esperavam. Mas já haviam recolhido a flecha dele, então o acompanharam. Assim ele ficou com as duas.

[29] Recolher a flecha lançada pelo pretendente implicava a aceitação do mesmo. Esse costume existia antigamente entre os Kamaiurá.

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Narrativa 1 - Mawutsini I A Origem dos Índios

Okoj ojoeraham awa. A'erawi: – Õ, ja'iwe tehe pe jo pa! – Hehë, ja'iwe ne rak orojo kopõj. Wero'yrõ'ara awa je okoj kora'e wa. – Mawite jako? – Atsîane jajohok kopõj. 'ame tuwamuë, atsîa johokawa 'iwî – tuk tuk tuk –, minata 'arim, he, imomarap, a'ea 'auna nite. Minata tete ne je ewokoj o'u kopy, awaratsinga. Nite je my'atã 'utawa ko. 'ame kwara ruwamuë, peme katu katu kwara ruwamuë imoro'yme ko – tsororõm tsororõm tsororõm tsororõm... – Pe'u rane 'ã ko'yt! Tok tok tok tok tok, i'um a'iwî. Ijya upe – tok tok tok. A'ea jepe te je ewokoj omuhûr erekome kwa: “hah hah hah hah hah”. Awuje a'iwî ojerowak. 'ã katy a'iwî je ijya. A'epe jepe: “hah hah hãh”. Hah, awuje ko'yt. Ojerowak okooome ko'. Hããã. – Tu, okoja wite te ereko korin a'e! Morawykawame heme kopa. Morawykawane ewokoj omojerowak kopy. Ohom a'iwî mijaram. 'ame katu je a'ep ojoerekome ko'. Peme katu je, ojoerahame 'yp. Ija'uk awa reme'ype ojoero'in. Eeee, a'ea reapem je ojoero'in, morawykawa heme ko'ypa, Mawutsinia porawykaw ane okoj kopy. 'ame kwara ruwamuë o'ut, pîîî, tsuky. Ah, 'ya reme'ype je o'at o'ut, 'a katyyy. Y'ywa akyheri, ûûû, ojan je o'ut – tu tu tu tu tu –, tom, 'yp ohom, oja'uk, jawara awawõjã oja'uk. A'erawi o'ute ko', y'ywa rupit, pyw pyw te, ijoerekoramuë, eraham. – 'ã tehe a'e a'e! A'eramuë a'iwî i'irûeteher awa, ûûû, jawa'iwa katy ojoerahame ko'. Nan ohom ijyher a'iwîa. Omoem awa ne je ewokoj kopy.

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Somente uma vez o tigre as levou para banhar. Quando ele e suas mulheres iam no caminho do porto, elas criaram uma ventania que bateu nos pendentes do marido e os levantou. Oh! Então elas viram a bunda vermelha do tigre, e uma disse para a outra: – Oh! É com esse aí que nós nos casamos! Não é a onça não! Não é a onça não! No outro dia as duas foram se banhar sem o marido. O tigre as viu, foi atrás e disse: – Ah! Vejo que vocês vieram cedo [30]! – Sim, nós viemos cedo. Elas já não gostavam do tigre e ficaram arquitetando um modo de se livrarem dele: – Como vamos fazer? – perguntou uma delas. – Vamos socar espinho de pequi! – disse a outra. Por volta das treze horas elas começaram a socar espinho de pequi – tuk tuk tuk. Depois misturaram com castanha de minata maduro [31]. O tigre só comia minata, ele não comia mandioca. As mulheres ficaram preparando o mingau. Por volta das seis horas da tarde o esfriaram – tororõm tororõm tororõm tororõm –, e vieram trazer para o tigre: – Tome mingau! Ele tomou – tok tok tok tok tok. Elas deram mingau para mãe do tigre, e ela também bebeu – tok tok tok. Aí eles ficaram tentando vomitar: “hah hah hah hah hah”. Ele e a mãe dele: “hah hah hah”. Ah! Acabou. Eles foram se transformando em tigres de verdade, hããã. – Bem feito! Bem feito! Você vai ficar sempre assim! – disseram as mulheres. Elas tinham poderes especiais, e com esses poderes fizeram os tigres se transformarem. Eles foram para o mato como bichos. Por volta das cinco horas da tarde as mulheres foram para a beira da

[30] Usualmente a mulher e seu marido vão junto ao banho de manhã cedo e à tardinha. O fato de uma mulher casada ir banhar-se sem o marido demonstra que ela já não gosta dele.

[31] Minata é o nome de um coqueiro (esp.) que os auxiliares identificam como sendo acumã ou coco-do-campo (Syagrus flexuosa Mart). O mesmo termo se aplica ao coquinho amarelo, produzido pelo coqueiro. O narrador usa o termo motap “comida”, como equivalente a produtos derivados da mandioca.

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Narrativa 1 - Mawutsini I A Origem dos Índios

O'iran je kot, ûûû, ero'itsem awa eraham. Upatsîm awa je ko'yt, upatsîm awa je. A'eramuë te je 'ang morerekwanena mokõj ikwawi wa, ojojemoiramej. Okypy'yra nite je ojoerekom ojojemoiram A'ehera je ko'yt morerekwanena je'ang mokõj hemirekoma'eram imo'ypytawerame je, morawykawa imo'ypytawera witej. A'epe je okome ko'yt. A'epe je rak okome ko', jawara rerekome ko'. A'ehera te je 'ang oroko kwa. Mawutsinia ore 'awykytawera kori. A'e katy a'ikî je ewokoj o'irûmera rekari. O'irûmera rekat a'ikî ohome ko', jawara ojemo'awa, jawara awawõjã erekom ohome ko. I'irûuma'e'ym a'ikîa je, ewokoja katy ojomonom, jawara awawõjã rerekome ko'. Opap.

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lagoa e ficaram sentadas no lugar de banho das onças. Eh! A imagem das mulheres criadas por Mawutsini se refletia na água. Às seis horas um rapaz-onça atirou uma flecha. Ela veio zunindo – pîîî – ah, e caiu na beira da lagoa, próximo ao lugar onde estavam as mulheres. Em seguida o rapaz veio correndo atrás da flecha, na direção da lagoa, caiu na água e ficou se banhando. As moças foram até à flecha, pegaram-na e levaram para o rapaz-onça. Então elas souberam: – Ah! É ele mesmo! Enquanto isso, o ex-marido delas e a mãe dele estavam lá no mato, para onde as mulheres os haviam enxotado. Pois bem. No outro dia o rapaz-onça entrou em sua casa levando as mulheres e lá armou as redes delas. Diz que é por isso que os chefes têm duas esposas que o compartilham. A onça se casou com as duas irmãs, a mais velha e a penúltima mais nova. Desde então os chefes têm duas esposas, do mesmo jeito que aconteceu na nossa criação. Lá ficaram as duas mulheres, ficaram lá casadas com a onça. Foi assim que nós passamos a existir, por Mawutsini nos ter criado. As mulheres foram para a aldeia das onças procurar seus maridos, foram procurar a onça que era como gente. Foram para se casar com o rapazonça. Mawutsini enviou as que tinham ficado sem marido para lá, e lá elas se juntaram ao pessoal da onça.

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narratiVa 2

Mawutsini ii: Mawutsinia pOrawyKawa MeMyret Kwat jaya nite a CriaçãO dO sOl e da lua pOr Mawutsini

Por Kanutary (Koka), em junho de 2005, na cidade de Campinas-SP. No mesmo período, foi transcrita e traduzida, com assessoria de Páltu.


Narrativa 2 - Mawutsini II A Criação do Sol e da Lua por Mawutsini

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A parte inicial deste mito apresenta uma outra versão do anterior, no que se refere à criação de cinco mulheres por Mawutsini, à viagem delas em busca da aldeia das onças e à união das duas irmãs, que ali chegaram, com a onça. O narrador vai além, incluindo a história do nascimento e desenvolvimento dos gêmeos Sol e Lua no Jamutukuri. Nesta variante, são mencionados Mawutsini e suas cinco filhas vivendo no Morená. Apanhado pelas onças quando, em território delas, tirava material para fazer corda de arco, Mawutsini negociou com o chefe-onça, seu sobrinho, e salvou sua vida prometendo, em troca, enviar-lhe suas filhas. No decorrer da história, Mawutsini chama a onça de nywã “sobrinho”, vocativo usado por Ego masculino para referir-se / dirigir-se aos filhos homens de suas irmãs. A onça chama Mawutsini de api “titio”, vocativo usado por Ego masculino e feminino para referir-se / dirigir-se aos irmãos da mãe. Portanto, Mawutsini era irmão da mãe do rapaz-onça ao qual ofereceu suas filhas, e estas, por sua vez, eram primas cruzadas do rapaz-onça. Assim, a união entre as moças e a onça estava em acordo com a regra vigente na sociedade kamaiurá de casamento preferencial entre primos cruzados. As moças não concordaram em ir, então Mawutsini criou cinco mulheres a partir de troncos de kami'ywa “tapinhoã” e mandou-as para a onça, em lugar das filhas. Também aqui somente duas das cinco “irmãs” lograram chegar à aldeia das onças, no Jamutukuri, e casar-se com o chefe: a mais velha e a penúltima mais nova, e esta última gerou os gêmeos Kwat e Jay. Os gêmeos cresceram no Jamutukuri, e foi ali que eles criaram os índios, a partir de flechas, para que matassem o pessoal do pai. Depois, grupos de índios partiram desse local, seguindo diferentes direções, e foram assim se multiplicando e se espalhando. Os

Contextualização

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Narrativa 2 - Mawutsini II A Criação do Sol e da Lua por Mawutsini

[IL-1] Na página anterior: os irmãos gêmeos Kwat “Sol” e Jay “Lua” (Desenho de Wary Kamaiurá).

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gêmeos enviaram o pai e a tia para o céu. Um tempo depois Mawutsini veio do Morená e convidou os netos para irem morar lá. O número de mulheres e o tipo de madeira usada para criá-las variam em diferentes versões publicadas do mito. Nas duas variantes que eu documentei, narradas respectivamente por Awmari e por Kanutary (Koka), Mawutsini criou cinco mulheres, todas com troncos de kami'ywa. Naquela registrada pelos irmãos Villas Bôas (narrador não informado), Mawutsini usou quatro tipos de madeira — aqui e no que segue mantivemos a grafia usada pelos autores citados, indicando entre parênteses e em negrito o termo correto em Kamaiurá: kuarup (kwaryp), camioá (kami'ywa), mavu (mawu) e uaiacaêp (wajaka'yp) — e fez oito mulheres, sendo duas de cada tipo de madeira. Somente cinco delas concordaram em ir para a aldeia das onças (Ver Villas Bôas & Villas Bôas, 1970: 57-58). Agostinho apresenta duas versões do mesmo mito, ambas narradas por Tawapy e traduzidas por Janumakakumã. Conforme uma delas, Mawutsini fez somente três mulheres, sendo duas de kwarìp (kwaryp) e uma de kamiuwa (kami'ywa). Na outra consta que ele criou seis mulheres, sendo duas de kwarìp (kwaryp), duas de kamiuwá (kami'ywa) e duas de mayaka'ip (wajaka'yp). Mais adiante, informa-se que Mawutsini ficou com uma e enviou quatro para a aldeia da onça. Nada é dito sobre o que foi feito da outra, a sexta (Ver Agostinho, 1974a: 44). Em todas as versões levantadas das duas variantes do mito, as cinco mulheres enfrentam uma jornada cheia de peripécias e, no final, somente duas conseguem chegar até à aldeia da onça. No decorrer da jornada elas encontram vários “animais”, aos quais pedem informação sobre o caminho para a aldeia das onças, e cada um deles pede como pagamento uma “transa” com uma das mulheres.


As duas irmãs que logram chegar ao destino primeiro se casam, por engano, com o awaratsing “tigre”, primo cruzado da onça-pintada, mas logo o abandonam e ficam com a onça. A mais nova das “irmãs” fica grávida dos gêmeos Kwat “Sol” e Jay “Lua”, os quais nascem e crescem na aldeia do pai-onça, situada no Jamutukuri, e posteriormente se transferem para o Morená. Uma exceção é a versão registrada por Samain, narrada por Awmari, em 1977, com tradução em Português fornecida por Takumã. Nesse registro, as duas mulheres se casaram não com a onça, mas com os netos de Mawutsini, Kwat e Jay, os quais as levaram para o Morená, onde eles viviam (Ver Samain, 1980: 0207). Segundo os consultores kamaiurá, isso é incorreto. Por outro lado, supondo-se que não tenha havido equívocos na tradução ou no registro dessa versão, ela nada diz sobre a origem do Sol e da Lua. Sendo netos de Mawutsini, os gêmeos não poderiam ter se casado com filhas de seu avô, se tivessem sido gerados por uma delas, pois nesse caso estariam cometendo incesto. Em todas essas versões consta que ao chegarem à aldeia das onças as duas mulheres se uniram inicialmente ao awaratsing “tigre”, primo cruzado da onça-pintada, a quem esta se referia com o termo tywa “primo”, vocativo correspondente ao termo de referência -atywahap “primo cruzado”. Ao constatarem o equívoco, as mulheres o abandonaram e se casaram com a onça. Diferentemente das onças, o tigre não comia produtos da mandioca, mas coco de minata “acumã”. Fisicamente ele apresentava listras no corpo (Ver Narrativa 1, [IL-7]) e tinha o traseiro muito vermelho. Em outras versões publicadas da narrativa, o termo awaratsing aparece traduzido como “lobo” (Ver Villas Bôas & Villas Bôas, 1970: 59), como “homem” (Ver Samain, 1980: 04 e ss.), ou como “amigo” (Ver Agostinho,

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Narrativa 2 - Mawutsini II A Criação do Sol e da Lua por Mawutsini

1974: 44 e ss.), porém os Kamaiurá insistem que é “tigre”. Ao argumento de que não há tigres no Brasil, eles contestam afirmando que “existe sim, só que a gente quase não vê”. Vale notar que o termo awaratsing aplica-se também aos tigres do Velho Mundo. Ainda a propósito do termo, no registro de Agostinho há outro equívoco: como mencionamos, tywa é o termo vocativo para primo cruzado, mas consta como sendo o nome da onça, e o “amigo” (o tigre), como sendo também onça (Ver Agostinho, idem: 43). Esta versão narrada por Kanutary esclarece o que foi feito da quarta mulher, fato omitido na versão de Awmari. No caminho para a aldeia das onças as outras irmãs fizeram com que ela se perdesse e, em decorrência, ela acabou transformada em um mama'e “espírito” da mata, chamado jawyry kujã “rainha da mata”. Trata-se de uma mulher branca, de cabelos negros e dentes muito brancos e bonitos. Ela tem os seios e a vulva cobertos de pêlo, anda pintada, vestindo cinto e uluri e grita como mulher. A jawyry kujã se move muito rápido, seguindo o vento, o redemoinho. Ouve-se seu barulho quando passa ao longe, e no mesmo instante ela já está perto. Alguns acham que o som vem de seu uluri, outros pensam que vem das articulações dos braços dela com o corpo. Aparece para as pessoas sorrindo, com seus dentes brancos à mostra e vem vindo com com os braços abertos, pronta para abraçar. Se a pessoa tem medo, cai. Então a jawyry kujã pega a pessoa ou a alma dela e leva consigo. Porém ela não ataca aqueles que não demonstram medo. Quando alguém sente saudades, ela vem, leva a pessoa para o mato e fica transando com ela até matar. A presente versão da narrativa versa também sobre a criação e o uso do uluri. O narrador informa que os ancestrais dos Kamaiurá transavam com mulheres vestidas com a peça, ao contrário do que diz Agostinho (1974:

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47). Com base em uma variante kalapalo do mito, Agostinho afirma que a função do uluri “é impedir as relações sexuais indiscriminadas”. Por outro lado, os consultores kamaiurá informam terem ouvido dos mais velhos que o uluri aumentava o prazer devido à fricção do membro com o cordel. Eles acrescentam que os amantes costumavam pedir às amantes que viessem vestidas com um uluri novo nos encontros.


Narrativa 2 - Mawutsini II A Criação do Sol e da Lua por Mawutsini

Mawutsini ii: Mawutsinia pOrawyKawa MeMyret Kwat jaya nite MOrOnetajat: KOKajMuru

'anga wite ojam je kõ: – Aha ane wiriria 'ok a'e wa, ta'ÿjwan! – ojam je. – Etsakatuk a'e, apa! Ijarawa ne 'un a'e po. – Nite na'e! Mawite a'ang je rereko awa pa, ta'ÿj – ojam je kõ. Jawara, a'ea ywyraparahama 'ok je okoj jow. Oho je kooo. Jawara ywyrapahama 'ok je okome kõ, wiriri. A'e je okoj o'anuwawa ijarawa ko'yt. – Awa jene ywyrapahama o'ok kwãj, 'awan! A'eramuë je okoj i'apewan, jawara kõ. O'am a'iwî je, myteripe je o'ame kõ, ja'iwe je jawara i'apewan. A'eramuë je imorerekwarawa ko'yt, ehe ikatu o'ame ran. I'atywahawa je, awaratsing i'ypyp. A'e je okoj: – Mangaty ijow – i'i awa. – Mangaty ijow? –Kooo. – 'anga katy rak ituri. A'e je okoj wekarawat, okojjjj imorerekwarawa rehe ikatu je ohuk o'ute kõ. A'e je okoj oje'ywypypirar a'iwî ehe ko'yt.

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Mawutsini II: A Criação do Sol e da Lua por Mawutsini [1] por Kokajmuru

Diz que um dia Mawutsini avisou às suas cinco filhas: – Eu vou buscar casca de embaúba [2] para fazer corda de arco, filhas. – Tome cuidado, papai. Os donos dela vão te comer! – recomendaram as moças. – Não, eles não vão fazer nada comigo não. Aí Mawutsini foi tirar corda de arco, que pertencia à onça-pintada. Chegou ao lugar e ficou tirando corda de arco, tirando casca de embaúba. Os donos dela ouviram o barulho e um deles disse: – Alguém está tirando nossa corda de arco, pessoal! Então as onças vieram e logo cercaram o local onde estava Mawutsini. Ele ficou lá em pé, no meio do cerco. O chefe das onças postou-se no único ponto por onde Mawutsini poderia escapar. Perto do chefe estava seu primo cruzado, o tigre [3]. O pessoal da onça ficou procurando o invasor: – Para onde ele foi? – perguntavam. – Sei lá! – respondia um. – Ele veio por aqui! – dizia outro. Enquanto o pessoal procurava, Mawutsini ficou tentando encontrar uma saída. Nisso, acabou vindo direto no rumo do chefe-onça e deu de cara com ele. O chefe-onça entesou o arco e já ia atirar quando Mawutsini disse: – Pô, sobrinho! Não faz isso comigo não! Minhas filhas feias [4] estão lá em casa. Vou mandá-las para casar com você.

[1] Os irmãos gêmeos Kwat “Sol” e Jay “Lua”, netos de Mawutsini, são os heróis civilizadores dos Kamaiurá, e como tais são figuras centrais em inúmeros mitos. Como explicam nossos consultores kamaiurá, “foram eles que nos ensinaram tudo o que sabemos”.

[2] Os Kamaiurá confeccionam corda de arco com fibra da casca de wiriri “embaúba”.

[3] Awaratsing “tigre” era primo cruzado do chefe onça-pintada, a quem se referia com o termo tywa “primo”, que é o vocativo correspondente ao termo de referência –atywahap “primo cruzado” (Ver Contextutalização desta Narrativa). [4] Na cultura kamaiurá não é apropriado referir-se de forma elogiosa aos próprios parentes ou a si próprio. O costume é falar sobre eles de um modo depreciativo (similarmente ao que ocorre na cultura japonesa). A isto se relacionam outras atitudes (algumas já observadas, mas não explicadas na literatura): o maraka'yp “cantor principal” via de regra se desculpa por “não ter cantado bem”; o narrador, ao término de uma performance, com freqüência comenta que “isso era o pouco que eu sabia”, “não foi muito bom não”, ou que “inventei, falei mentira”; os convidados para participar em determinadas cerimônias, como a do Kwaryp, por exemplo, sempre respondem “não tenho presentes bons para levar”.

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Narrativa 2 - Mawutsini II A Criação do Sol e da Lua por Mawutsini

[IL-2] Na página anterior: árvore de kami'ywa “tapinhoã”, de cujos troncos Mawutsini criou as mulheres que mandou para a aldeia das onças, em lugar de suas filhas. Esta árvore, com casca grossa e escura, é sagrada para os Kamaiurá. Os troncos para a cerimônia intertribal Kwaryp, celebrada em homenagem aos mortos, são preferencialmente feitos de kami'ywa “tapinhoã”. A madeira dessa árvore é também usada para fazer os esteios principais da casa de chefes, para a confecção da pequena cerca (apenap) que circunda o cemitério, bem como dos postes e outros suportes em que são fixadas as redes com os corpos dos mortos, por ocasião do sepultamento (Desenho de Wary Kamaiurá). [IL-3] Mulheres esculpidas por Mawutsini, ainda nos troncos (Desenho de Wary Kamaiurá).

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– Howa'ea'e, nywã! Pë we kujã ja'iwerer a'e wa! – ojam je kõ. – Eret, ejote kokwãj, api! Ejote ko'yt! Imoeme kõ. A'e omuhuawa jepe je erut: – Mangaty ijow? A'eramuë je okoj awaratsinga ko': – Tywa rak a'e omoje'eng. – Era'ua! Mangaty te'ang ijow pa? I'apyakwari ta'apinej, a'e tokoj wa! – Era'ua, tete 'i a'e wa! Tywa rak omoje'eng a'e wa. Ohuhuke tete awa je kõ. A'e je oho ko'yt, oyk je wajyna rehe kõ. – Pe kywyra rak je'u potat kora'e wa, ta'ÿjwan. – Jepe te rak a'e ne upe a'e, apa! – Opokawe'engak a'e wa. – Okoj ya rap je 'u a'e. Awa erekow a'e! Ijya rap je 'u a'e. – Ehë.


– Está bem! Então pode ir embora, titio. Vá rápido, antes que meu pessoal veja você. Assim o chefe-onça deixou Mawutsini escapar. As onças vinham apertando o cerco e chegaram ao lugar onde estava o chefe-onça e o tigre. – Pra onde ele foi? – perguntavam. Então o tigre disse: – O primo estava conversando com ele! – Qual o quê! Cadê ele? Vou acertá-lo bem no ouvido! – mentiu o chefe-onça. – Que nada! É mentira! O primo estava conversando com ele! – insistiu o tigre, sem resultado. O pessoal da onça havia se juntado à toa. Mawutsini voltou para sua casa e logo procurou as filhas: – Seus irmãos [5] queriam me comer, filhas! – Eu bem que te avisei, papai! – disse uma delas. – Para salvar minha vida eu fiz um trato com o chefe-onça. Prometi mandar vocês para se casarem com ele! As filhas não concordaram: – Se eu for, a mãe da onça vai me comer! Quem agüentaria viver lá? A mãe dele poderá me comer! – diziam as moças. – Está bem! – concordou Mawutsini. Então ele foi para o mato cortar troncos de tapinhoã. Cortou cinco toras dessa madeira, trouxe-as para a aldeia e moldou-as como mulheres. Em seguida colocou-as de pé, emparelhadas. As toras se transformaram em mulheres, já estavam igual a gente. Aí ele tratou de arrumar cabelos para elas. Primeiro ele tentou fazê-los com fibra de casca de embaúba e embira de wawara [6], mas os cabelos ficaram esbranquiçados e ele não gostou: – Ara! Não ficou bom não.

[5] Mawutsini se refere à onça em relação às filhas como –kywyt “irmão” (de Ego feminino), e não –atywahap “primo cruzado”. Na sociedade kamaiurá, os pais e outras pessoas da família usam os termos correspondentes a “irmão” e “irmã” ao se referirem às relações entre primos cruzados de sexos diferentes se estes últimos ainda não tiveram filho. Os mesmos termos são usados por um indivíduo ao chorar a morte de um primo cruzado ou prima cruzada, e ainda pelo cônjuge, para referência ao outro, nas situações em que a pessoa morta não teve filho. Caso tenha tido, são usadas expressões correspondentes a “pai de meu filho/de minha filha”, “mãe de meu filho/de minha filha”, contendo os termos próprios de cada sexo (Ver Seki, 2000: 387-397, para terminologia de parentesco). Quando estão vivos e a prima cruzada já teve filho/a, o primo se refere a ela com expressões correspondentes a “mãe de meu filho/ de minha filha”, mesmo não sendo ele o pai da criança. [6] Wawara é uma espécie de planta parecida com abacaxi. Com fibras extraídas de suas folhas era confeccionada linha de costura.

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Narrativa 2 - Mawutsini II A Criação do Sol e da Lua por Mawutsini

A'eramuë je okoj, kwarywa juape kõ, kami'ywa, 'anga wite je heta kõ. A'e je okoj o'awyky okom, omo'am, otararake ko. Awaram je okoj kwarywa 'awykyw kora'e wa. Awyje iwitehet. I'awyje, awyje, wiriri apo, wawara ywit a'ea jepe je imo'ap. Jere 'awatsingete jue je. – Aaa, ni'arõite a'e kwãj! Ohome je, tsitsika a'ea raitya upet. Teee, jere 'awa pitsun je kõ. – 'ang te kwa! Nihãjite je ran, nihãjite. A'eramuë jepe je, itakuru'ia, ita upe ohome kõ. A'ea jepe je haîram o'atyka. – Ehuka ane ko'yt, nuitu! Ohukam jepe je: “Ihîîî”. – O, jere haîpitsun! Aaa, ni'arõ ite a'e kwãj. Oeme te jue jet, mangawa ra'ÿjhet, jene raîa wite wat, a'ea 'atykame je ko'yyy, awyje. – Ehuka ane ko'yt, nuitu! “Ihîîî”, ohukame je kõ. – Ee, ewokoj te ko'ywa! Iku'ahawa rehe tete je okom, myrytsiowa katy je ohome kõ, myrytsi u'ã. – Je porawykawa 'arõrame kwãj. – Ehë, tahan. A'eramuë te je'ang kujãmerera ku'ahawam myrytsiowa wa. Tame'aowite ane je. Ohome jepe je ko'y matawia upe. – Je porawykyawa 'arõram a'e. – Aa, atsyky wa! Nite ako a'e wa 'ang! Awarame wara pyrame jue te'ang je rekarawa korine wa. – Ehë. Owak ete jue jepe je ywira upet.

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Então ele foi até um ninho de tsitsika, um passarinho todo preto, trouxe cabelo dele e colocou nas mulheres. Ah! Os cabelos ficaram bem pretos. – Aaah! Agora sim! – disse Mawutsini, satisfeito com o resultado. As mulheres ainda não tinham dentes. Aí Mawutsini foi buscar pedrinhas e fixou-as na boca das mulheres. – Sorriam, mulheres! – ele ordenou. Elas sorriram : “îhîî”, mostrando os dentes, e ele não gostou: – Oh! Os dentes estão muito escuros! Não está bom, não! Mawutsini saiu outra vez, trouxe sementes de mangaba, que são iguais aos nossos dentes, e fixou-as na boca das mulheres [7]. – Sorriam, mulheres! – ele ordenou. Elas riram: “îhîî”, e ele gostou do que viu: – Ah! Agora sim, está como eu queria. Então Mawutsini ficou em busca de cinto para as mulheres. Foi procurar folhas de buriti e pediu ao broto que fosse com ele [8]: – É para enfeitar as mulheres que fiz! – explicou. – Está bem, eu vou! – disse o broto. Os cintos foram confeccionados e colocados nas mulheres. É por isso que as mulheres kamaiurá usam cinto feito com fibra de folhas de buriti. As mulheres criadas por Mawutsini ainda não tinham uluri [9]. Então ele foi até à pindaíba e pediu a entrecasca dela, para fazer o uluri: – É para enfeitar as mulheres que fiz! – explicou. – Eca! De jeito nenhum quero ficar junto ao sexo delas. Procurem-me só quando for para a construção da casa de gente importante, então eu irei [10]. – Está bem! – disse Mawutsini. Aí ele dirigiu-se à embira e fez o mesmo pedido [11], mas ela também recusou:

[7] Em outras versões da narrativa consta que primeiro Mawutsini tentou fazer os dentes com a concha itã (que era usada para raspar a casca de mandioca), mas eles logo se quebraram. Depois, seguindo indicação do kakatsi “gaviãode-anta”, ele os fez de semente de mangaba. Ficaram bonitos, mas não duravam muito. Iam apodrecer e doer (Ver Agostinho, 1974: 33; Villas Bôas & Villas Bôas, 1970: 58). [8] O ku'ahap “cinto” feminino é feito de fios torcidos e sobrepostos, confeccionados com fibra extraída de folhas do broto de buriti. É usado na região das cadeiras, fechando-se na frente do corpo. A narrativa não explicita quem confeccionou os cintos, trabalho que é exclusivo de mulheres. [9] Para consultar informações sobre o uluri, verificar Parte I, 1.3 Aspectos Demográficos e Socioculturais. [10] A matawi “pindaíba” é amplamente empregada na feitura da casa kamaiurá. [11] Ywit “embira” é nome de uma árvore alta e fina, e também da casca da mesma. A casca é um dos materiais usados na amarração das madeiras que constituem a estrutura da casa. É também empregada nas tornozeleiras.

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Narrativa 2 - Mawutsini II A Criação do Sol e da Lua por Mawutsini

– Nite ako a'e wa. Awarame wara pyra hwawame jue te je rekarawa korine wa. Owake je ko'yt, tame'aowa upe kõ. – Je porawykyawa 'arõrame kwãj. – Ningje, tajomenõ katun wekom a'e wa. A'ramuë te je 'ang, tame'aowa rak ymawe kamajura ypya jomenõw kwa. Okwape je o'awyjeire kõ. – Je porawykyawa ra'ang a'e! – apo, taraku'aemoa, a'ea upe kõ. A'ea okoj taraku'aemoa upe omenõ. Nuky, nyk, ja'iwe je akwãja a'ea 'ayap tsyk! A'eramuë te je'ang, i'ai'apyterew wã. Eapy'ame jue je. Owak ete je, jeke'aa upe kõ. Tukyyyy, imomuke katu je imenõme kõ.

[IL-4] A ilustração mostra o tame'aop “uluri”. A pequena peça triangular, confeccionada com fibra de entrecasca da árvore tame'aop “araçari” (Sorocea bonplandii Moraceae), aparece presa ao ku'ahap “cinto”, feito com fios torcidos e sobrepostos, extraídos da fibra de folhas de buriti. Do vértice do tame'aop sai o tame'aowa jam “cordel” (Desenho de Takuni Kamaiurá).

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– Nem pensar! Procurem-me só para a construção da casa de gente importante, então eu irei. Mawutsini então foi pedir ao tame'aop [12] que fosse com ele: – É para enfeitar as mulheres que fiz! – explicou. – É mesmo? Está bem! Assim vou ficar sempre transando! É por isso que nossos ancestrais transavam com as mulheres vestidas com o uluri. As mulheres que Mawutsini criou estavam lá, prontas, com seus uluris. Ele queria testar o sexo delas, então foi até o cipó taraku'aemo pedir as frutas dele [13]: – É para testar o sexo das mulheres que criei! O taraku'aemo veio e Mawutsini mandou-o transar com as mulheres. A fruta do cipó começou a copular com elas, mas ao fazer isso logo o pênis dela se cortou. É por isso que a fruta do taraku'aemo não tem ponta. A mulher matou de vez o pênis dela. Aí Mawutsini dirigiu-se ao cipó jiquiá [14] e pediu que ele viesse transar com as mulheres. O jiquiá penetrou-as, desvirginando-as. É por isso que pênis do jiquiá tem marca. As mulheres estavam lá, prontas. Então Mawutsini enviou-as para a aldeia das onças: – Vocês podem ir, mulheres. – Está bem. – É por aqui que vocês vão seguir. – disse ele, mostrando a direção. Eram cinco mulheres. Eram cinco. Ele deu um pente para cada uma e elas partiram. Foram andando em fila até que encontraram um pé de buriti que tinha um broto muito bonito. – Que lindo! Quem será que vai cortar? – disse uma delas. – Vai você, mana! – disseram as mulheres à segunda irmã. A moça subiu no pé de buriti e foi cortando até separar o broto.

[12] A árvore tame'aop “araçari” (Sororoca bonplandii Moraceae) é de porte médio. Suas folhas são ovaladas, repicadas nas bordas.

[13] Taraku'aemo é nome de um cipó (esp.) que tem a grossura de um lápis. Produz frutas verdes alongadas, de formato parecido com o do pênis. Era usado para amarrar as madeiras da casa. Ia se endurecendo por ação da fumaça dos fogos, o que lhe conferia maior durabilidade. [14] Jeke'a “jiquiá” é uma espécie de cipó da mesma família do taraku'aemo e produz uma fruta similar à deste. O cerne é usado na confecção de armadilhas, e a weme'ywyt “casca” é empregada para amarrar ponta de flechas.

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Narrativa 2 - Mawutsini II A Criação do Sol e da Lua por Mawutsini

A'eramuë te je'ang akwãj 'ajuri wã, a'eherame je ko'yt. Okwape je o'awyjeire. – Peje ke pejeome kora'e wa, nuitumen! – Ehë. – 'anga rupi 'ang peo korin a'e wa. – Ehë. 'anga wite je okoj heta awa kõ. Jenepomomap, heta awa je kõ. Kywawa me'ëme'engawa je ijupe awa ko'yt, awyje. Erotararak awa je ko'yt. Aaa myrytsi u'ã rehe je oyk ohome kõ. – Teee, awa te ke 'anga kytsitara ky! – Huma? – Ereome kyne, pe! – okypy'yra upe awa je kõ. A'e je okoj ojeupir ohom, ojuaw je ko'yt – tsiwky, uuuh, tsuky. Nan je o'am o'ut upi katu kõ. A'e je mutuka upe o'ukarawa, tûûuu, nuky, 'ang i'ykep. “Ete ete ete etee”, ohwairame je ko'yt, truky, oja'ÿj kutuke je. – Ãaa, jajemotsî jue a'e! Ejat a'epe kõ. Erotararak awa je ran, uuuu, wyrahera rehe ane je oyk ohome kõ. Apo [hê, haenõj okoj je rajoa ko na’e wa] wyra'utanga rehe je oyk ohome kõ. – 'ang tehe peko pa, nuitumet? – Marupi tapea? – Arehekik a'e wa, tamepyanen! – Awa ojetsak? – Ije hek! – ikypy'yra. Imenõme jet. – 'anga rupi peo korin a'e wa. Ohome je wyraowapiruna rehe. A'ea atataria rerekome je okom. – Marupi tapea?

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Uuuh, o broto cortado caiu no chão de pé, com a ponta para cima, próximo à palmeira. Antes que a moça descesse, as irmãs mandaram contra ela uma mutuca, e esta a picou no lado do corpo. “Ai, ai, ai”!, gritou a moça. Ao tentar espantar a mutuca, ela se desequilibrou e caiu sentada bem em cima do broto de buriti, que entrou pela vagina dela, matando-a. – Oh! O que fizemos com a nossa irmã! – disseram as mulheres. Deixaram a morta lá e voltaram a caminhar. Foram indo, foram indo, e mais à frente elas encontraram uma ave, aquela [é, vou ter que pronunciar o nome de minha sogra] [15], o jaburu, que as cumprimentou: – Vocês estão por aqui, mulheres? Elas logo pediram informação: – Qual é o caminho para a aldeia das onças? – Calma aí, mulheres. Eu mostro, mas vou cobrar. Uma de vocês tem que transar comigo. – Está bem. Quem se oferece? – Eu vou transar com ele. – disse a penúltima irmã mais nova. Quando terminaram de transar, o jaburu ensinou o caminho: – Vocês vão seguir por aqui. As mulheres retomaram a caminhada e mais adiante encontraram um tuiuiú. Ah, lá estava ele pescando com sua armadilha socó [16]. – Qual é o caminho para a aldeia das onças? – perguntaram as moças. – Calma aí, mulheres. Eu mostro, mas vou cobrar. Uma de vocês tem que transar comigo. Uma das mulheres foi transar com o tuiuiú, e então ele ensinou o caminho: – Vocês vão seguir por aqui. As mulheres voltaram a caminhar. Mais adiante encontraram a garça branca e pediram informação: – Onde fica o caminho para a aldeia das onças?

[15] Parentes afins não devem pronunciar os nomes uns dos outros, mesmo na ausência da pessoa referida. Nesse ponto da narrativa o narrador viu-se forçado a pronunciar o nome wyra'utang “jaburu”, (Jabiru mycteria Ciconidae) que era também o nome de sua sogra. A esse respeito faz a observação que vem entre colchetes.

[16] Wyraowapirun/wyrawapirun (lit. ave de cara preta) é uma espécie de ave que se alimenta de peixes, identificada pelos consultores kamaiurá como tuiuiú (Mycteria americana Ciconidae). Lembre-se aqui do conteúdo da nota incluída na narrativa anterior sobre o martim-pescador. Conforme explicam os Kamaiurá, aparentemente o tuiuiú está pegando peixes com o bico, mas sob o ponto de vista da própria ave ela está pescando com sua armadilha socó.

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[IL-5] Uma das mulheres está pedindo ao tatu informação sobre o caminho para a aldeia das onças (Desenho de Takuni Kamaiurá).

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– Arehekik a'e wa, nuitumen. Tamepyanen. A'ep je imenõm. – 'anga rupi peo korin a'e wa. Erotararak ete awa je ran. Wyratsinga rehe jepe je oyke kõ. Wawa rehe je akate'ym. – Marupi tapea?


– Sigam por aqui, mulheres. – disse a garça, indicando a direção. – Está bem! A garça branca era muito zelosa de suas lindas penas, e não quis transar para não sujá-las. As mulheres seguiram caminhando e mais adiante viram um martimpescador com seu belo colar branco. Foram até ele: – Onde fica o caminho para a aldeia das onças? – Calma aí, mulheres. Eu mostro, mas vou cobrar. Uma de vocês tem que transar comigo. Uma foi transar com ele. O colar ficou incomodando, então o martimpescador o virou para as costas. Quando ele ejaculou, a mulher limpou a mão sacudindo-a sobre as costas dele, sujando-as com o sêmen. É por isso que o martim-pescador tem o dorso todo pintado. As mulheres retomaram a caminhada e lá na frente encontraram um tatu cantando. – Qual é o caminho para a aldeia das onças, ykalu? – perguntaram. O tatu avisou que ia cobrar, e elas concordaram. Então ele disse: – Esperem um pouquinho, mulheres. Primeiro eu vou buscar o meu pênis. Ele ficou lá procurando o pênis dele. Assim que ele saiu, as mulheres ficaram decidindo: – Como é que nós vamos fazer? Então elas resolveram se esconder do tatu. Ele veio voltando, chegou ao lugar onde havia deixado as mulheres e não as encontrou. – Mulheres, mulheres! Para onde vocês foram? – ele chamou inutilmente. Aí o coitado ficou se masturbando nas pegadas deixadas pelas mulheres. Então o pênis dele “morreu”. As mulheres foram andando. Mais à frente elas pararam e se sentaram

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Narrativa 2 - Mawutsini II A Criação do Sol e da Lua por Mawutsini

–'anga rupi 'ang peo korin a'e wa, nuitumet. – Ehë. A'epe je jatawatsia o'in. A'ea rehe je oyk ohom. – Marupi tapea? –Arehekik a'e wa nuitumet, tamepyanen! Teee, jere po'yrapetsing je o'in. A'ep imenõme kõ, imowak, aaa ipo'yra mowak a'iwî i'atukupe katy. Tee, ta'yrera pype je epyepyjt, a'eramuë te je 'ang jatawatsia, i'ape pinipinî wã. Tyk, erotararak ete awa je kõoo, tyky. Tatupewa rehe a'iwî, haaa ikoramuë je: – Marupi tapea, Ykalu? [Ukauru'u] – Arehekik a'e wa, nuitumet. Taharanen je rakwãja tsorom. Okoj je wakwãja tsarom orokom. Akyheriwe jet: – Mawite jako ma'e? Ojemimawa 'iwî je tatupewa wi kõ. A'a jepe je o'ute kõooo, tyky, tupawerip awa 'ikî: – Nuitumet, nuitumet! Mangaty pejomono? A'ep je ipyher awa menõmenõm a'iwî okome kõ, nyk. A'eramuë te'ang akwãj manõ tatupewa wã. Ojomuhut awa 'iwî je ran. O'apyk je ojomuhute, opytu'û je okoj o'ut a'e wa. Pe o'uhwamawa jet. “Pfu tearaik, pfuu tearaik” – ojam je okypy'yra upe awa kõ. Erotararak awa je, pea wite ijow: – Êë, je kywap! – Ekwa itsorome ko'yt. – 'anga okoj kora'e wa. Aaa, oyhyk je o'ut. A'e je ojewyr jepe, a'e je we'yjawa wekar o'ut: – Kõõõõ, kõõõõ je ra'arõ atsã! – Pfu, ekwate kora'e! Pfu, mama'eram eko kora'e! Pfu, jawyry kujãrame ekwa kora'e!

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para descansar. Depois de um tempo elas se levantaram para prosseguir a viagem. A mais velha das irmãs não queria que a terceira continuasse com elas, então ficou rezando para que ela esquecesse seu pente lá. – Pfu! Que ela esqueça! Pfu! Que ela esqueça! Assim aconteceu. A moça esqueceu o pente lá no lugar onde haviam parado. As mulheres retomaram o caminho, e só quando já iam a certa distância foi que a moça se lembrou do pente: – Ah! Esqueci meu pente! – Vá lá buscar! – disse a mais velha à terceira irmã. A moça foi buscar o pente, mas quando voltou não viu as companheiras e ficou procurando por elas: – Kõõõ! Kõõõ[17]! Esperem por mim! Ela pediu em vão. A mais velha rezou, fazendo a moça se transformar em espírito do mato: – Pfu! Se manda daqui! Pfu! Vá embora como espírito! Pfu! Vá como jawyry kujã, como rainha-da-mata! Aí, aquela mulher feita por Mawutsini foi embora como rainha-damata. As três mulheres restantes continuaram andando. Mais à frente elas encontraram uma anta e perguntaram pra ela: – Qual é o caminho para a aldeia das onças? – Calma aí, mulheres. Eu mostro, mas vou cobrar. Uma de vocês tem que transar comigo. – Quem é que vai? – Eu vou. – disse a irmã caçula. Ela foi. Logo ao penetrar a moça, a anta arrebentou-a toda com seu enorme pênis. A moça gemeu de dor e morreu. Vendo isso, a irmã mais velha disse: – Aaah! Você matou minha irmã!

[17] Kõõõ é um grito usado por mulheres ao procurarem alguém no mato.

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Com raiva da anta, as mulheres aplicaram-lhe um forte chute bem no cóccix. As duas abandonaram ali o corpo da irmã e seguiram caminho. Por volta das três horas da tarde, bem na hora da luta, elas chegaram ao porto das onças. Subiram num pé de jacareúba que ficava na beira da lagoa, sentaram-se em um galho e se puseram a observar. As onças estavam jogando bola na aldeia [18]. Uma que estava ganhando o jogo virou-se e veio voltando para o outro lado do campo, na direção onde estavam as mulheres. Então a irmã mais nova lembrou-se das recomendações que Mawutsini tinha feito quando elas partiram: – “A primeira onça que vier será o marido de vocês”. – foi assim que Mawutsini disse. – Não é não. Ele falou que nosso marido seria a que viesse em seguida.  – disse a irmã mais velha. – Tenho certeza que ele falou sobre a que viesse primeiro. Você vai ver só! Nisso, duas anuns-fêmeas vinham chegando à lagoa. A água refletia a imagem das duas moças brancas que estavam em cima da árvore. As anuns-fêmeas entraram na água para se banhar e estavam lá esfregando o corpo quando viram o reflexo das moças. Pensaram que era reflexo delas mesmas e ficaram dizendo: – Puxa! Eu sou branca! As pessoas vivem dizendo: “Os anuns são pretos! Os anuns são pretos”! No entanto eu sou branca! Oh! Elas encheram suas cabaças com água – tsuuu –, saíram da lagoa e tomaram o caminho de volta para a aldeia. Já estavam a certa distância quando as mulheres enviaram mutucas contra elas. As mutucas picaram as anuns no lado do corpo. As anuns gritaram: “ai, ai, aaaai” e ficaram espantando as mutucas. Com isso as cabaças caíram e a água se derramou. As anuns voltaram à lagoa para pegar água e retomaram o caminho para a aldeia. Estavam ainda bem perto da lagoa, quando

[18] Os Kamaiurá praticavam um jogo de bola que aprenderam com as onças. O jogo foi caindo em desuso, sendo substituído pelo futebol. O jogo tradicional é objeto da Narrativa 8 e é descrito na Contextualização a ela referente.

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[IL-6] Na página anterior: a mais nova das irmãs aproxima-se da anta para transar com ela, em pagamento da informação sobre o caminho para a aldeia das onças. Logo a anta a estraçalharia com seu enorme membro (Desenho de Wary Kamaiurá).

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A'ehera te je 'ang jawyry kujãrame kwa, Mawutsinia porawykyawa a'ea jotawera ko'yt. Erotararak ete awa je ko'yt, tyky, tapi'ira rehe. Ooo, okome je. Tsuu. – Marupi tapea? – Arehekik a'e wa, nuitumet. Tamepyane ne ko'yt! – Awa ojetsak? – Ije hek – ojam je ikypy'yr awa. Peee, ero'in awa tete je ko'yt, tuky. Ja'iwe a'akoa jama monomonok, akwãj ete ma'e heme kopa. Nyky. Uûûmmm. – Aaa, je kypy'yra erejuka kyne 'ang! Puaaa, ymykyripe je opowanyk awat. Okypy'yra rejat awa je ko'yt. 'ame katu je kwara ko'yt, joetykawa wite katu jet, jawara jãím ojoerute kõ. 'ang te je mangawa api erup. Uûû hoouu, ojewyri nokoj o'ute kopy. – “Tenone iturin a'e” i'i rak a'e 'ang. – A'ua'e. “Takyherin” ojame rake he ma'e ang. – Ky'yj, etsak ehe te na'e. Aaa, jauna je 'yp o'ute kõ – tyk tyk tyk. Teee kwa'ywa 'arime je ojoero'in 'ya reapemi je itsingawa wi kõ. Oja'uk je ohom, ojepikytyk je okom: – Teee! Je tsing a'iwî tehe a'e! “Ipitsunama'e jaun, ipitsunama'e jaun”, ojam awa a'iwî je upe! Ooo, oy'a rupite je, tsuuu. Pea wite je ijow, tûû, mutuka monom awa, tyky, i'ykep. Tyk, “ete ete eteee”. O'yahawa jue ne je, ojewyte je o'ut 'ya rawit. Aaa, awit, erahame je ran, – tyk tyk –, peea wite ta'apiatsã te je, um, imonom ete awa je, tyk tû. “Ete ete ete”, tsuuuu, o'ya juwene jet. A'e je okoj kutëj awa, ijy'a upite je.


as mulheres enviaram novamente mutucas contra elas. Como da vez anterior, as cabaças caíram e a água se derramou. As anuns foram de novo encher as cabaças, e nesse momento as mulheres se mexeram no alto da árvore. Então as anuns as viram e censuraram: – Ah! Venham pelo caminho como se deve, mulheres, e não assim sorrateiramente, às escondidas [19]! As anuns voltaram para a aldeia das onças [20] e informaram: – Tem gente lá no porto, parece que estão à busca de alguém. São pessoas que não viajam às claras. – Opa! Acho que estão à minha procura! – disse a onça. Então a onça veio vindo para o porto e jogou uma flecha de assobio – pîîî! – Ah! Ele está vindo aí! – disse a irmã mais nova. – Não é não. É o primo cruzado dele! – contestou a mais velha. – É sim! Mawutsini disse que o primeiro que viesse seria nosso marido. Pîîî! Aaaah! A flecha veio vindo e caiu com a ponta para fora do barranco. – Vá lá pegar, vá! – disse a irmã mais nova. – Ara! É flecha do primo cruzado da onça! – insistiu a outra. A onça chegou e viu a flecha lá, intocada. – Ora essa, mulheres! Por que é que vocês ainda não pegaram a flecha? Então a onça foi se banhar e ficou de lá chamando: – Venham esfregar minhas costas, mulheres! As mulheres não foram. Aí a onça saiu da água e chamou-as para irem com ela para a aldeia: – Vamos, vamos! As mulheres não atenderam ao convite, então a onça voltou para a

[19] Viajar às escondidas é uma atitude interpretada como suspeita. A suposição é a de que quem assim procede tem más intenções. [20] O termo jawat “onça-pintada” é também usado para referência a felinos em geral. Na aldeia das onças residiam diferentes espécies de felinos, incluindo o tigre (Ver Nota 3 desta Narrativa). As casas eram dispostas em círculos, e a do tigre ficava situada no lado oposto àquele em que ficava a casa de seu primo cruzado, o chefe-onça.

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– Aaa, ikatu jue pejo kyne 'awan! Okoj je ohom, tyk, ohuk je: – Awa rupi wara nipe pe ojoero'in a'e. Ikatu jue ojoerur uma'e a'e! – Hej, ijeik ere! A'ehera jepe je ko'yt, jawat “bîîîîî”, a'ea o'ypywa momote je erute kõ. – Po ituri kora'e 'ang! – Nite. I'atywahawa te po a'e. – Ky'yj, a'e. “Tenone ituriw na'e”, i'i rake kyne'ang. Bîîîî! Aaa, jãíme je opym o'ut. – Ereom upite ko'yt, ereom upit! – Ngka. I'atywahawa hema'e 'ang. O'ypywa retsake je: – Ke'ej, nuitumet! Ma'are te je 'ypywa peupirite rane pa? Oja'uk je ohom: – Pejot je 'ape kytykytyk, nuitumet! Nite. – Jaha jawyp, jaha jawyp! Ohome tete je kõ. Ohuke je ohom. – Awa rupi wara nipe pe heme pa! – Hej, ije nip a'e! Awaratsinga je o'ute kõ. Bîîîî! – Pot a'ea kora'e 'ang? – Nite he ma'e. I'atywahawa po heme kora'e. “Tenone iturin”, i'i te rak a'e'ang. Aaa, jãíme je i'ypywa opytam o'ut. Ûû, okujte je tykera, pyw. 'ang i'ypywa retsake je kõ: – Jawet. A'ea oja'uke je ohom.

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aldeia sem elas. Foi chegando e dizendo: – Não sei quem elas estão procurando [21]! Ouvindo isso, o tigre disse: – Ôpa! Acho que sou eu! Então ele se dirigiu para o porto e atirou flecha – pîîî! – Você está ouvindo? É ele que está chegando! – disse a irmã mais velha. – Não é a onça não. É o primo dela. Foi-nos dito que nosso marido seria o que viesse primeiro! – insistiu a mais nova. Aaa! A flecha lançada pelo tigre caiu no porto com a ponta para fora do barranco. A irmã mais velha desceu da árvore e a pegou. Ao ver isso o tigre disse: – Eu sabia que era eu quem elas procuravam! Aaa! Ele foi se banhar e chamou: – Venham esfregar minhas costas, mulheres! As duas foram e ficaram lavando as costas do tigre. Depois ele as chamou para irem com ele: – Vamos! As duas irmãs foram com ele, sendo que a mais nova ia atrás no caminho. Ela continuava pensando que aquele não era a onça. Então ela mandou o redemoinho soprar, e o vento levantou o rabo do tigre. Oh! A bunda vermelha dele ficou à mostra. Então ela disse ao tigre: – Você não é onça não! Seguiram caminhando, chegaram à aldeia e entraram na casa do tigre [22]. Ao ver que as mulheres vieram com o tigre, a onça concluiu: – Ah! Foi à procura do meu primo que elas vieram. Por isso não pegaram a minha flecha! Assim que o tigre entrou em casa com as mulheres, a mãe dele reprovou: – Por que é que você trouxe suas irmãs, meu filho?

[21] Pegar a flecha lançada pelo pretendente, banhar-se junto com ele e acompanhá-lo implica aceitação de compromisso. As mulheres não pegaram a flecha lançada pela onça e ignoraram os chamados dela. Assim, a onça concluiu que não era o pretendente que elas procuravam.

[22] As irmãs recolheram a flecha lançada pelo tigre e se banharam com ele, ou seja, assumiram compromisso com ele. Por isso, mesmo tendo constatado que se tratava do tigre, e não da onça, elas o seguiram e ficaram inicialmente com ele.

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– Je 'ape kytykytyke ko'yt, nuitumet! A'ep je ojoerojype kõ. I'ape juejuejt awa je. – Jahame ko'yt. Takyherete je o'up ikypy'yra. Tyk. Aa kajru'uma retyke je, uhfuuu waja. Waja rowaupite je, hõ! Jere ewikwapirang je ojeetsak. – Ene ke ran a'e 'ang! Aaa, ero'itseme je eroyk erohuk eraham. – Ooo, tywa rupi wara tehe rake pa! Ero'itseme je erahame kõ. – Aaaa, ma'are te 'ang ne renyna ereru ko ma'e, pi'a? My'atã 'utare'yma 'ang pe kywyra kora'e. – Ehë. Minata a'ea tykwate je e'ymawam. – Pey'u ane ko'yt, ta'ÿjwan! Etsake je o'in: – Ma'anuara te 'ang ko'yt? – Minata he ma'e. Opotsoke je, erepe je kõ. A'eramuë te 'ang minata atsã oro'u wã. A'ep jepe je jutsi'a tykwate jet, nite, no'u ite awa je kõ. – Ekwate jene jajea katy a'e! Jawara a'ea ya katy okoj imonome kõ. O'itseme je ohom: – Jaje, po atsã kawîa? – Ooo, my'atã 'utare'ÿ tete okoj, pe kywyra kyne 'awan! Ajepe a'iwî te rak pe kywyra jow tenone pe tsorom a'e, ta'ÿjwan! – ojam je kõ. Kawîa me'eng je erut: – 'ang kora'e. Oy'um awa je ko'yt, awyje. Ojoeroket awa je kõ. A'e ypytunawera, oje'engawa je kõ opotaw ekarawa je okoj morerekwara kora'e wa.

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Depois se dirigiu às mulheres e explicou: – O irmão de vocês [23] não come comida de mandioca. Ele só come coco minata. – Está bem. – disseram as mulheres. A mãe do tigre preparou mingau de minata e ofereceu às moças: – Tomem mingau, minhas filhas! As mulheres ficaram olhando aquilo. A irmã mais velha perguntou: – O que é isto? – É um tal de minata. – explicou a mais nova. Elas só enfiaram o dedo na bebida e o lamberam, para experimentar. É por isso que nós comemos só um pouco de minata. A mãe do tigre preparou outro mingau, de lobeira, mas as mulheres não quiseram. Então a irmã mais velha disse: – Vamos lá na casa da titia, ela tem o que nós comemos. Ela e a irmã foram à casa da mãe da onça-pintada. As duas foram entrando e pedindo: – Titia, você pode nos arrumar um pouco de cauim [24]? – Oooo! Esse irmão de vocês não come nossa comida não! Bem que o meu filho foi antes dele buscar vocês lá no porto, minhas filhas. Mas vocês não quiseram vir com ele! Ela trouxe o caium: – Aqui está. Depois que tomaram o mingau que a tia lhes ofereceu, as mulheres voltaram para a casa do tigre. O pessoal da aldeia se recolheu para dormir. No outro dia à tardinha, os homens reunidos no centro da aldeia ficaram conversando sobre caçada [25]. Então o chefe-onça disse: – Amanhã nós vamos caçar, rapazes. – Está bem. – concordou o pessoal.

[23] Ver Nota 5, sobre uso de termos de parentesco.

[24] Cauim é um mingau ralo, preparado com pedaços de beiju misturados em água fria. O tipo de beiju usado é o ˜ ˜l, feito de typyra'aty “massa de mejukaw mandioca” e um pouquinho de typy'ak “polvilho”. A bebida não é fermentada. [25] Ao anoitecer os chefes de grupos familiares (famílias extensas) e outros homens adultos se reúnem no “centro”, ou seja, no pátio da aldeia, em frente à “casa das flautas” ou “rancho dos homens”, ocasião em que fumam e tratam de diversos assuntos, comentam acontecimentos, planejam atividades, decidem a realização de tarefas e por vezes contam mitos. Mulheres não participam dessas reuniões, exceto quando algum assunto tratado está diretamente a elas ligado (trabalho, participação em cerimônias, festas, por exemplo). Foi no “centro” que ocorreu a conversa das onças, mencionada na narrativa.

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Narrativa 2 - Mawutsini II A Criação do Sol e da Lua por Mawutsini

– O'iran jaka'apuwut korin a'e wa, kunu'umet! – Ehë. – i'awawõja je, jawara awawõja kõ. Ja'iwete je mejûa nungukate je ko'yt, awyje. Ije'eran ituwamuë je, mejûa reroem jawara kõ, okamara upe kõ, pok pok pok. Aaa, erotararak je i'awawõjã 'iwîa. Takyherete je okome kõ. Nuky, ojeakame je ko, tsuky. Oooo, etsake je ea wuwurat. Pea wite je a'arõm ojomonome kõ. 'ang te je ituri takyheri, – tyk tyk tyk... Aaaa oyke je ohom o'awawõjã rehe ko'yt. – Na je katuite a'e wa, kunu'umet. Je rea'iw a'e wa. Etsakawa je ea. – Oo ãhã ejewyrane te kokwãj. – Ehë, ajewyrine ne kopy. Ojewyte je a'a wi, ojawari'a momote je erute kõ – bîîîî! – Po ituri kora'e 'ang, eupirike kora'e! Otsarõ awa okoj o'ute kora'e wa, opohekyj okoj awaratsinga ko'yt, wemirekoa rehe ko'yt. Aaaa okena jurupe je i'ypywa opytam o'ut. Pyw, upite je o'uhwam o'ute kõ ikypy'yt, a'ea imo'ajkome je kõ. Oyke je o'ute kõ. – Aaaa, 'anga witewara te rak aekat kwa. – Jaha ko'yt! Aaa eroem awa je erut. 'ang te je ikow i'irûa ne. Enotar awa johok je o'ine 'ang, 'anga wite ramuë je oyhyk o'ute kõ i'awawõjã kõ. Eee, ipotawa jywyawera 'iwîa je awaratsinga. – Uma a'ewana kõ, je y? – Okoj rak weraha rake pe 'atywahawa ne remirekoa kora'e. Okoj je ohom itsarome ko'. Ijy awa 'iwîa kõ: – Ta'ÿjwan, pejo rane pe kywyra remijywyrera 'ume ko'yt!

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No outro dia bem cedo o chefe-onça mandou as mulheres prepararem beiju. Quando o grupo de caçadores já estava para sair, o chefe trouxe beiju e distribuiu para seus subordinados. Aaaah! O pessoal se pôs a caminho, seguindo em fila. O chefe-onça ficou atrás e se apartou um pouco dos outros. Então, sem que ninguém visse, ele se golpeou forte no olho – nuky! Ooooh! O olho dele ficou muito inchado. Os que iam na frente tinham parado e ficaram esperando por ele. Passado um pouco, ele veio andando – tyk tyk tyk... Aaaa! Chegou junto aos rapazes e disse: – Não estou bem, rapazes. Meu olho está mal. O pessoal se acercou, ficou examinando o olho do chefe: – Oh! É mesmo! É melhor você não ir com a gente. – Sim, eu vou voltar para casa. – disse o chefe. Assim ele fez. Já no caminho de volta ele lançou flecha de assobio [26] na direção da casa onde estavam as mulheres. Pîîî! A flecha caiu bem na porta da casa. – Escuta! Ele está vindo! Você tem que pegar a flecha! – disse a irmã mais velha. A mais nova se levantou, pegou a flecha e a pendurou. O chefe-onça chegou até lá, viu a flecha pendurada e disse: – Aaaah! É isso que eu queria! Vamos! Ele tinha vindo para buscar as mulheres. Pegou as redes das duas e as levou para a sua casa. Ele roubou as esposas do tigre. Fez isso enquanto o marido delas estava na caçada. Já na casa da onça, as moças ficaram preparando comida para os caçadores comerem quando chegassem. O coitado do tigre lá no mato mesmo tinha assado carne para trazer para as esposas. À tarde os caçadores chegaram de volta na aldeia. O tigre foi direto para sua casa e não encontrou as mulheres. – Minha mãe! Onde estão minhas esposas? – ele perguntou. – Aquele as levou. Teu primo cruzado levou tuas esposas. – disse a mãe.

[26] É um tipo de flecha que tem na ponta um coquinho oco, com fendas. Ao ser lançada produz um silvo.

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Narrativa 2 - Mawutsini II A Criação do Sol e da Lua por Mawutsini

– He, okoj orohon arehen. Ojewyte je ohom. Eako'ijupap, ojoerojewyt awa je ojoerut, inite kõ. – Pejo ane, jaha ko'yt, je remijywyrera 'ume ko'yt! Nite. Ojoeroeme tete je. Ijemijohok ijoero'inamuë je okoj kora'e wa – tuk tuk tuk tuk. A'eramuë jepe itsarõ awa 'iwî o'ute kõ. Ja'iwe je peke'ia apin a'ea akam kawîa parawame kõ. Tsuk, kawîa arim mokukujte ko'yt. – Jaha! Pejot! Jaha ko'yt! Pyw. – Ey'u ane te ko kyn! – nuky, ijya upe – Ey'u ane kõ, jaje! A'e je okoj oy'u awa 'iwî – tuk tukyyyy! Ja'iwe je peke'ia apina i'aikwara i'atyp, ijya rehe kõ, tyky. “Háou, háou, háou”. – Pfu! Poa witek peko kora'e! Tape rupi a'iwî je “háou, háou”, peea wite utsu ko'yt, “háou”. – Aaa poa wite jue te 'ang peko korin a'e! A'eramuë te je 'ang awaratsinga je'enga poa wite wã, imonotawera witej. Eroem awa je ko'yr erekome kã. Wereko awa okoj ko'yyt. A'e je okoj ikypy'yra momemyte je kõ, a'eramá po kora'e wa, Kwara ewokoj o'awyky kora'e wa. Awuje. O'ara pupe je erekome ko'yt, noero'ataite je okoj wemirekoa kypy'yra kõ, a'a tete je o'upe kõ. – Ko katy ane oroho kora'e wa, pe. – Ehë. – Eju tetek a'e wa! – Ehë.

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A pobre saiu e foi à casa da onça chamar as moças: – Filhas, venham comer carne que o irmão de vocês assou! – Está bem, iremos depois. – elas disseram. Mas elas não vieram. Então a mãe do tigre voltou lá na casa da onça. Preocupado, o filho foi junto e ficou chamando: – Venham! Vamos comer a carne que eu assei para vocês! Mas foi tudo em vão. O tigre e a mãe saíram de lá sozinhos. As mulheres continuaram lá trabalhando, socando massa de mandioca para fazer beiju – tuk tuk tuk... Uma vez mais o tigre e a mãe dele voltaram à casa da onça para buscar as mulheres. Um pouco antes, as moças puseram caroço de pequi dentro do cauim e mexeram para misturar bem os espinhos. Quando os dois chegaram, ficaram chamando as mulheres: – Vamos! Venham com a gente! Então as moças pegaram um pouco de mingau e ofereceram pra eles: – Tomem mingau primeiro, titia! A sogra e o filho tomaram mingau e logo ficaram com a garganta cheia de espinhos de pequi. A mãe do tigre sentiu e ficou tentando limpar a garganta: “háou, háou, háou”! Então as mulheres disseram: – Pfu! Que vocês fiquem assim! Os tigres foram pelo caminho limpando a garganta: “háou”. Quando já estavam um pouco longe, sempre dizendo: “háou”, as mulheres repetiram: – Aaaah! É assim que vocês vão ficar daqui pra frente! É por isso que a voz dos tigres ficou como é, do jeito que estava quando as mulheres mandaram o tigre e a mãe dele embora. Eles se foram e ficaram no mato, como bichos. Assim, a onça ficou com as duas irmãs. Logo ela engravidou a mais nova, e aquele nenê que a mulher trazia na barriga é que seria Kwat, o “Sol”. Kwat foi a onça quem fez.

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Narrativa 2 - Mawutsini II A Criação do Sol e da Lua por Mawutsini

Okoj tykera nite ojoeraham ko katy kõ. Peea wite utsu ijoerahaw, ijy, jawara, a'ea y, a'ea je o'uhwame kõ, a'ep je okoj ikywame kõ. A'e je okoj oje'api re'ÿre'ÿj okom: – Tsiii'! Ete je kyyyp! Awa atsã te i'utara ky! A'ea je okoj omotsi erupe ko'yt, o'uhwame je kõ. – Jaje, 'anga katy perut pe kywa taetsakine ko'yt. – Ehë. Okawytera katy je eraham ojoero'ine kõ. A'ea je ewokoj ikywa o'u o'ine ko'yt. A'eramuë te'ang, 'ang ore kamajura kujã rake 'ang ore kywa 'u wa, 'anguwe i'um awa kõ. Okywa o'u awak, i'um awa kõ. A'ea wite i'ume kõ. A'e je okoj i'awera nite omo'itse, tsuruky. A'e je okoj: “tfu, tfu” i'i. Oje'aupite je kõ: – Aaa, pejewaru ramuë hem a'ang je kywa pe'u a'e, 'awan! Nykyyy! Ja'iwe je 'anga 'ok: “mhuuuû“. O'up je ejawera okena nami 'ypyp. Ojewaeme je ko'yt okupep awa kõ, parawatãtywa , apëjm oje'apem, a'epe je o'upe kõ. Ore ruawa wite je ko'yt, koa wi, ojoerute je kõ. Awyje tete je okypy'yra, wykera a'ea okypy'yra re'amera katy: – Aaa! Ta'ÿja he rak ne ya o'u kora'e 'ang! A'eramuë je kõ okypy'yra rapirõme je o'ine kõõõ, awyje. Aaa ityme je kõ, otym, o'uwe rane okoj kora'e wa. Marehe wite jet, hû, apo, tanahãnga hwajte ohome kõ. – Tamÿj, ejorane te pea memyra retsake je upe a'e! – Hehë. A'ep je tanahãnga ojoerute kõ. Imemyra rekyjt okoj ijoeruri kora'e wa, imemyra rekyjt. A'ep je ipejum o'ine ko'yt. A'ea, tanahãnga kewere, a'ea we po

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Pois bem. O filho já estava perto de nascer e a onça não andava mais com a mulher grávida. Esta ficava só em casa. Um dia, antes de sair com a outra esposa, o marido avisou: – Nós estamos indo para a roça, querida. – Sim! – ela respondeu. – Você fique deitada quietinha! – Está bem. O marido onça e a irmã mais velha saíram, deixando a mulher grávida sozinha com a sogra. Quando iam já um pouco longe, a mãe da onça se levantou da rede, ficou coçando a cabeça e reclamando dos piolhos: – Ih! Estou com muito piolho! Alguém bem que poderia catar um pouco e comer! Ao falar assim ela foi deixando a nora envergonhada. A mulher então se levantou e disse: – Titia, vem cá para eu catar seus piolhos [27]. As duas foram sentar-se dentro da casa, junto à porta que dava para o pátio da aldeia, e a mulher ficou catando e comendo os piolhos da sogra. É por isso que entre nós Kamaiurá até hoje as mulheres têm o costume de comer nossos piolhos. Elas os comem como antigamente a mulher comeu os da onça. Pois bem, a mulher ia catando e comendo os piolhos da sogra. Houve um momento em que, ao tirar um piolho, junto com ele veio um fio de cabelo da onça. Quando a mulher colocou o piolho na boca, ela sentiu o fio de cabelo e fez: “tfu tfu”, tentando cuspi-lo. Então a sogra ergueu os olhos para a nora e disse, ofendida: – Aaah! Se você está com nojo de meus piolhos, por que os está comendo? Num átimo ela mordeu a nora no pescoço, cortou a garganta dela e a matou [28]. A onça urrou. Deixou o corpo da mulher no chão, junto

[27] O narrador usou aqui o termo jaje, que é o vocativo para “tia”.

[28] Em uma versão registrada por Agostinho, antes de sair o marido recomendou à esposa grávida que não catasse piolhos da sogra. Agostinho observa que tal fato relaciona-se às relações de evitação vigentes entre sogra e nora (Ver Agostinho, 1974: 3340). Porém, segundo os consultores kamaiurá, a nora pode aproximar-se da sogra, conversar com ela e também catar seus piolhos. A restrição aplica-se ao genro em relação à sogra, e também ao sogro, abrandando-se, no último caso, após o nascimento de um filho.

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Narrativa 2 - Mawutsini II A Criação do Sol e da Lua por Mawutsini

akawe'eng kora'e wa. Tanahanga je okoj opeju ko'yt, a'ea kewere okoj: “tawitawiriiii tawirii tawihiri tawirii tawitawiri tawihiri” jarame kori, ipejume ko'yt, awyje. O'itse, tyky, 'ang. A'ehera te je 'ang, jene 'atua pyku'ë rame kwa. 'ame je iju'um imoeme kõ. Tyt tyt tyt, ekyjte. A'erawi je amoa upe ohome ko'yt, tsuky! Ekyjte te kõ. – Awyje rake kora'e wa. Y'a pupe je owapyk kõ. A'eramuë te'ang ore manõramuë y'a noromoparãngite kõ. Ore ryruhera je okoj y'a kora'e wa. E'ë, jeru'a kora'e wa. Owapyke je ko'yt imo'ajkom awa je kõ. Okypy'yra tyme je kõ, otym, awyje. 'ang ane te je imemyrera jero'ajkow kõ. I'akwahap okoj y'a pype ojoerekome ko'yyyt. Awyje, ipyhera retsake je ijy'yra kõ. Aaa, o'ata awa he 'awana ko kyne, pe! – ojam je o'irûa upe kõ. – Ma'anuara nipe 'ang ko'yt? – Kooo! – Nipe, kujã heme ma'e? A'ep je tame'aowa 'awykywykym, apytereop, kujãmerera apytereowa 'awykym, imo'ame jet, tame'aowa je i'ypyp. Ko katy je ejat awa ko'. A'ep jepe je ojoerut, anite. Nite je upiawa kõ. – Nite a'e, pe. Jume nipe akwama'ea heme ma'e? – Kooo. A'ep je tuwa wyrapapîa 'awykyme je ko'yt, y'yp, ypywa, i'ajurupyhwate je, i'ajurupyhwate je, poky, owyteripe je inunge kõ. Okoj je ko katy ojoerahame ran. Akyheri awa jet ojype ko'yt, pyw, wyrapapî, pyw, amo tywyt.

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ao vão da porta, e fugiu pelos fundos da casa. Entrou num abacaxizal do mato [29] e lá ficou escondida. No horário em que a gente costuma voltar da roça, por volta das dez da manhã, o marido-onça e sua outra esposa chegaram em casa. Logo a mulher foi na direção do corpo da irmã e, vendo que ela estava morta, disse ao marido: – Oooh! Tua mãe matou a maninha! Então ela ficou chorando a irmã morta. Tinham que enterrar, mas o corpo da morta ainda ficou lá muito tempo. Horas depois, a irmã foi procurar a formiga tanahang [30]: – Vovô! Venha cuidar do filho de minha irmã para mim! – Sim, está bem. – respondeu a formiga. A formiga veio com a mulher. Veio para tirar a criança da barriga da mãe morta, e assim fez. Ela ficou lá rezando a reza da formiga, que ainda vou mostrar como é. A reza que a formiga fez é assim: “tawitawiriiii, tawirii tawihiri, tawirii tawitawiri, tawihiri” [31]. Quando terminou de rezar, a formiga entrou pela vagina da mulher e com os dentes pegou a criança bem na nuca, para puxar. É por isso que nossa nuca tem duas pequenas depressões. A formiga mordeu na nuca da criança para fazê-la sair. Tyt tyt tyt, puxou a criança. Depois voltou para tirar outra. – Pronto! – disse a formiga. Eram duas crianças, prematuras. Puseram-nas em uma cabaça e tamparam. É por isso que quando alguém morre, temos que manusear cabaças com cuidado, para que não façam barulho. A incubadeira de nossos ancestrais era a cabaça, sim, era o jeru'a [32]. Tamparam a cabaça e a penduraram no alto, longe do chão. Depois enterraram o corpo da mulher no centro da aldeia.

[29] Trata-se de parawatã “abacaxi-domato”.

[30] Tanahang é uma formiga preta, pequena, que vive na terra. É pajé especialista em parto e kewere jat “dono da reza” que o facilita.

[31] Ainda hoje a reza da formiga é realizada (entre outras) nas situações em que a mulher tem parto difícil.

[32] Jeru'a é uma cabaça (esp.) grande, com volume de aproximadamente vinte litros. Tem a casca lisa e formato um pouco achatado [IL-4]. Cuias feitas dessa cabaça eram usadas antigamente para a ingestão de mingau por grupos de pessoas. Na narrativa, a espécie jeru'a foi usada como incubadeira para os gêmeos prematuros. Segundo os consultores kamaiurá, outros narradores usam o termo y'a, nome genérico para cabaça e também de uma espécie maior que o jeru'a.

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Narrativa 2 - Mawutsini II A Criação do Sol e da Lua por Mawutsini

[IL-7] A cabaça jeru'a, que serviu de incubadeira para os gêmeos prematuros (Desenho de Wary Kamaiurá).

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Pois bem. As crianças ficaram lá penduradas e já estavam começando a se mexer dentro da cabaça. Um dia, ao chegar em casa, a tia viu pegadas delas no chão e falou para o marido: – Ah! As crianças já estão andando, querido! O que será que são? – Não sei não! – respondeu ele. – Talvez sejam meninas! – disse a mulher. Então ela fez uluris e também rodilhas para transportar carga na cabeça – duas coisas próprias de mulher, – e as colocou perto da cabaça onde estavam as crianças. Ela e o marido onça foram para a roça e quando voltaram, as coisas continuavam lá, intocadas. – Elas não pegaram não, marido. Será que são homens? – Não sei não! – respondeu a onça. Então o pai fez arquinhos e flechas de ponta de cera, juntou em dois atados e os deixou no centro da casa. A onça e a mulher foram de novo para a roça. Assim que eles saíram, os meninos desceram, cada um pegou um arco e flechas e os dois ficaram lá brincando. Estavam ali no meio da casa quando ouviram barulho dos pais chegando. Então eles voltaram depressa para a cabaça, deixando as flechas lá pelo chão. Logo ao entrarem na casa, a onça e a mulher perceberam que as crianças tinham mexido nos objetos. – São homens, marido! São homens! – E agora, como vamos fazer para que desçam? – perguntou a onça. – Vamos enganá-los! – disse a mulher. – Está bem! – concordou a onça. Então os dois fizeram de conta que estavam indo para a roça. Seguiram pelo caminho, mas logo voltaram despercebidos e se esconderam atrás da porta que estava encostada na parede externa da casa [33]. Pouco depois, ouviu-se um barulho da cabaça – prang! – Você ouviu? – disse a mulher. Os meninos desceram para o chão e estavam andando pelo meio da casa quando a onça e a tia entraram de repente. Os meninos já iam correr, quando a mulher disse:

[33] A okenap “porta tradicional” das casas kamaiurá era constituída de um quadro retangular feito de ripas e recoberto com folhas de palmeira ou sapé. Para o fechamento, a porta era sobreposta ao vão, e para a abertura era deslocada, ficando usualmente encostada na parede exterior da casa, próximo ao vão.

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A'ep je owytera rupi erekom awa ko'yt. Uw awa je o'anup, tuk, ja'iwe je o'itsem awa, y'ywera awa je okwap. O'itsem. – Akwama'ea tehe kora'e, pe! – ojam je ko'yt. – Akwama'ea he ko kyn. Mawite 'ang korin? –Jamojoroa'i ko'yt. – Ehë. A'ep je ko katy oje'erane ran. – Jahame ko katy! – Jaham. Oje'apat tete awa je ko'yt, tsuruky okenawa wyrip, a'ep je ojoero'ine je kõ. Ihuku e'ymamuë je, y'a oparãngame kõ: prãng! – Haj, po kora'e 'ang. Owytera katy i'ataew ojoerekom, aaa, o'itsem awa je kot, ja'iwe jepe je ojan awa. – Niteee, peko jue ko'yt, pi'a. Peko jue ko'yt. Pe nuwa 'iwî ne'ang oroko kopõj. Pe ya 'iwîa 'ang wekome ran. Ojoerekome je ko'yt. – Peko jue ko'yt! I'atataweratsa je kõ, Kwarama okoj kora'e wa, he'ë, ojoerekome ko'yt. Ije'ya utsu ko'yt, imonetanetame je kõ, ijy'yr awa je okoj wenõj ko'yt: – Tyre'ym! – Mawite? – Tyre'ym! – Haj! Hera, jerera nip i'i jepe je okoj kora'e wa. – Tyre'ym! Okoj, ojoeroem awa ojoerekome kõ. A'e je okoj imonetam awa tuwa kõ:

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– Não, não precisam fugir! Fiquem tranqüilos, fiquem tranqüilos! Nós somos seus pais, eu me tornei mãe de vocês. Os meninos então passaram a ficar no chão. Eles tinham começado a andar ainda muito novinhos, cedo como o sol. Estavam já bem altos, então a mãe deles começou a orientá-los. Quando falava com eles, ela os chamava pelo nome de Órfão: – Órfão! – O que é? – respondia um. – Órfão! – Sim! – respondia o outro. Eles pensaram que este era o verdadeiro nome deles. Antes de os meninos começarem a sair fora, o pai os orientou para que não se comportassem mal: – Respeitem seu avô, a paca. A coitadinha costuma ficar se esquentando junto à entrada da casa dela. – O que é que nós vamos fazer, mano? – perguntou o mais velho dos gêmeos. – Vamos lá atirar nela para ver. – respondeu o outro. Eh! A paca estava sentada lá junto à entrada de sua casa. Os meninos atiraram bem no ouvido dela, matando-a. Então eles pegaram a pata da paca e contaram os dedos. Constatando que eram quatro, concluíram: – Ooo! Este não é nosso avô não. Vamos comer. É por isso que todos nós comemos paca. Depois o pai falou com os meninos sobre a cotia: – Respeitem sua avó, a cotia. Ela costuma ficar pilando sua comida. – É verdade mesmo que ela é nossa avó, mano? – perguntou o mais velho. – Não sei. Vamos atirar nela e verificar.

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Então, como fizera com a paca, o irmão mais novo atirou bem no ouvido da cotia e a matou. Ele e o irmão a pegaram e contaram os dedos da pata dela. Eram quatro. – Não, ela não é nossa avó não. Vamos comer. Uumm. Os meninos puseramse a moquear a cotia e ficaram rezando para que o cheiro chegasse até os pais deles: – Pfu! Que vá o cheiro dela! Pfu! Que vá o cheiro dela! A onça logo sentiu o cheiro e disse: – Hîîî, humm! A H comida de vocês está cheirando bem, meninos! Tragam um pouco para mim! – Sim, daqui a pouco nós vamos comer. – disse o mais velho dos gêmeos. – Mamãããe! Vem socar a carne para nós! – pediu o mais novo. Eles ainda chamavam a tia de mãe, pensavam que ela era a mãe deles. A tia foi lá, socou a carne e a dividiu, dando uma porção para cada um. No outro dia os meninos saíram novamente. Antes, o pai recomendou: – Respeitem o avô de vocês, o calango. Ele fica sempre puxando a casa dele [34].

[34] Dizem que o rabinho do calango é uma tora de matawi “pindaíba”, madeira que ele arrasta para fazer sua casa.

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[IL-8] Na página anterior: paca se esquentando perto da entrada de sua casa (Desenho de Wary Kamaiurá).

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– Petsak ete a'ikî ke, pe namÿja 'ikîa pakua a'e wa. Pe namÿja 'ikîa, ojepe'ë a'ikî o'ine opyra jurupe na'e wa. – Mawite jako jawyp pa, pe? – Jaetsak ane i'apime kwãj 'ang. Eee, opyra jurup a'iwî o'ine kõ. A'eramuë we a'iwî, tokyyy, i'apyakwari. Ûûû. A'ep je ihwã papat, aaa, 'anga wite tete je: – Ooo, jene ramÿje'yma tehe wa. Ja'u a'e. A'eramuë te pakua ja'u wetepe wa. Erowak ete juet je akutsia upe a'iwî. – Petsak ete a'iwîk, pe jaryja a'e wa. Okoj a'ikî ojemijohok a'ikî okomen a'e wa. – Ajete te jene jaryja jawyp pa, pe? – Kooo, jaetsak ane i'apim a'e. Iwite we jue je tywyra i'apim, toky, i'apyakwari a'iwî. Ûûû. Upite je ohom, a'ep je ihwã papat. – Nite jene jaryje'yma he a'e, ja'u a'e. Uumm. Imoka'eme je ojoerekome kõ: – Pfu, tohok itsewura, pfu, tohok itsewura! – Hîîî hummm, pe potawa tsewura, pi'awan, peruratsak a'e wa! – Heee, arehek ete ja'u kwa. Amaaa! Ejor ijohok ore upe kora'e! Ama 'iawa ne je okoj a'e wa. A'ep je ijohok ko'yt, ija'oka me'engawa je kõ. O'irane je ojoeroemete juet. – Petsak ete a'ikîa, pe namÿja tejuparaw a'e wa. Opyr a'ikîa werotyryryk erekomen a'e wa! – Ajete te jene ramÿja jawyp pa? – Kooo, jaetsak ane te kwa. Aaa, matawia reruamuë 'iwî erotyryryk a'iwît, toky, i'apyap, hûû upite je, a'ep je ihwãa papat. – Ããã, jene ramÿja a'ikîa he jawy kwãj!


– É verdade mesmo que ele é nosso avô? – perguntou o primogênito ao irmão. – Não sei, vamos ver ainda. Aaa! Quando o calango estava trazendo pindaíba, arrastando a madeira, os meninos atiraram bem no ouvido dele, matando-o. Aí pegaram o calango e contaram os dedos dele. Eram cinco. – Aaah! Este é mesmo nosso avô! Então deixaram-no lá. É por isso que nós não comemos calango. Assim foram ficando. Um dia encontraram o tatu. – Aqui estão vocês, meus netos? – disse o tatu. – Aqui estamos! – responderam os meninos. – Quais são os nomes que sua mãe deu para vocês? – Ela nos chama de Órfão. – Ora essa! Vocês fiquem com meus nomes. O irmão mais velho vai se chamar Tapea Kana, e o mais novo, Tapea Jaú [35]. Então os meninos passaram a se tratar por esses nomes: – Tapea Kana! – Sim! – Tapea Jaú! – Sim! Os pais deles ouviram isso, e então a onça perguntou: – Quem pôs esses nomes em vocês, meninos? – Foi o avô, o tatu. – Está bom. Fiquem com esses nomes. Um outro dia, quando os meninos estavam atrás da casa matando passarinhos, eles encontraram a dona da água, a cigarrinha kwara jumi'a [36], a que fica dizendo: “tîîî tîîî”. – Aqui estão vocês, meus netos!? – disse ela. – Aqui estamos! – responderam os meninos. – Quais são os nomes de vocês?

[35] Tapea Kana – lit. “torto, quebra do caminho”. A expressão designa um caminho em zigue-zague, ou que serpenteia, como um rio. Aplicase também à curva do caminho e à esquina de uma rua. Tapea Jaú – é uma volta no caminho para se chegar a um determinado ponto que, em linha reta estaria mais próximo do ponto de partida.

[36] Kwara jumi'a, uma espécie de cigarrinha, é dona da água e também é a flauta do Sol.

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A'eramuë te'ang, tejuparawa noro'uite wã. Ejat awa je kõ. Ojoerekome kõoo, tyky, tatupewa rehe. Tatupewa rehe oyke kõ. –'ang tehe peko pa, tamÿjwan? – 'ang oroko a'e wa. – Mawite i'i te'ang, pe ya pe mohete ko'yt? – Tyre'ym, tyre'ym! I'i te'ang ore upe wa. – je rera jue 'ang te peraha ko kwãj. 'ang ne ryke'yra te'ang Tapea Kana ne wã, 'ang ne rywyra te 'ang Tapea Jaua ne wã. A'ea rehe je ojoenõj ojoerekom. – Tapea Kana! – Haj. – Tapea Jau! – Haj. A'ep je tuw awa i'anupe kõ: – Awa te 'ang pe nera okawe'ë pa, pi'awan? – Tamÿj a'e, tatupewa. – He, peraha iwite jawywa. O'irane ojoeroeme kot, okupe rupi je ojoerekom wyrahera apime kõ. Aaa tyky, kwara jumi'ã rehe kõ. “Tîîî”, ya jará ko'. – 'ang tehe peko pa, tamÿjwan? – 'ang oroko a'e wa. – Mawite i'i pe nera ko'yt? – 'anga rera te'ang Tapea Kana wã, 'anga rera te'ang Tapea Jaúa wã. – Atsyky! Ikatuite heme pa, tamÿjwan. Je rera jue te peraha ko kwãj. Ne ryke'yra te'ang Kwara korine wã, ene te'ang Jaya korine wã – Ehëë. A'ea rehe je ojoenõj ojoerekome ran. 'anga ne te imonetataram awa joerekow, a'e rekow, kujatytya kõ. Ojoenõenõj ne kõo.

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– O nome dele é Tapea Kana. – disse o irmão mais novo. – O nome dele é Tapea Jaú. – disse o mais velho. – Que horror! Não está bom não, meus netos! Vocês fiquem com meus nomes. Então ela dirigiu-se ao irmão mais novo e falou os nomes: – Teu irmão vai se chamar Kwat “Sol”, e você terá o nome de Jay “Lua”. – Está bem! – concordaram os gêmeos. Desde então eles ficaram se dirigindo um ao outro com os novos nomes. Ah! Mas tinha alguém, a perdiz, que depois iria contar aos meninos a história deles. Pois bem. Quando ouviu os meninos se chamando de Kwat e Jay, a onça perguntou: – Quem é que pôs esses nomes em vocês? – Foi o vovô cigarrinha. – responderam. – Está bem, fiquem com eles. O avô deu para vocês nomes que eram dele [37]. O pai continuava orientando os filhos. Um dia ele os aconselhou: – Respeitem a avó perdiz e não mexam com o amendoim dela, senão ela vai ficar brava com vocês. Mas eles não obedeceram e ficaram à procura do amendoim da perdiz: – Onde disseram que fica a roça de amendoim, Jay? – Acho que é por aqui. Hum! Eles seguiram naquela direção e encontraram a roça da perdiz. Então Kwat perguntou ao irmão: – Como vamos fazer, Jay? – Vamos cavar. Eles arrancaram amendoim e comeram. Depois disso, vinham sempre à roça, ficavam cavando e comendo o amendoim da perdiz. Mas ela

[37] Um indivíduo kamaiurá recebe vários nomes no decorrer de sua vida. Assim que cai o umbigo de uma criança recém-nascida, ela recebe nomes dos avós (dados por eles próprios ou pelos pais da criança, se os avós já são falecidos). Devido às relações de evitação vigentes no que concerne a parentes afins, e à conseqüente proibição em pronunciar o nome dos mesmos, a criança recebe dois nomes: um correspondente ao do avô paterno/da avó paterna, e que será usado pelo pai, e outro correspondente ao do avô materno/avó materna, e que será usado pela mãe. Com isso, cada um dos genitores abstém-se de pronunciar o nome do sogro ou da sogra O indivíduo recebe dois novos nomes, também proveniente dos avós, na adolescência, por ocasião da menarca, no caso de meninas e, no caso de meninos, quando têm as orelhas furadas, por volta dos doze anos de idade. Quando um homem ou uma mulher fica velho/a, eles dão seus nomes aos netos. Então adotam para si um outro nome, inventado ou “comprado” de alguém. Assim, os nomes próprios recorrem em gerações alternadas. Na presente versão da narrativa, o avô kwara jumi'a “cigarrinha” deu seus nomes aos netos quando eles ainda viviam no Jamutukuri, na aldeia das onças. Conforme outra versão, isto ocorreu quando os dois foram para o Morená. Quando lá chegaram, os dois tinham o nome de Tsaukuma (Ver Agostinho, 1974: 37).

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Narrativa 2 - Mawutsini II A Criação do Sol e da Lua por Mawutsini

– Awa te'ang pe nera okawe'eng ko pa? – Tamÿj a'e kwara jumi'ã. – He, peraha ko'yt, wera 'iwîa nokoj okawe'eng kopy. Petsak ete a'iwî ke pe jaryja, kujatytya murunua a'e wa. Pe'akawap a'e wa. – Mangaty te'ang ikawe'engi ko pa? – Mangaty nip a'e wa 'ang. Ûû, tyky. Kujatytya murunua rehe. – Mawite jako pa? – Jajo'ok kwãj ang. A'ep je ijo'ok ojoerekom. Akyheri ete ane je oyk o'ut. Akyheri awa ohuk o'ut. – Aaa, awa te'ang je murunua jo'okara nipe ma'e? Ããa! Tyre'ym awa te nip a'ang a'e. O'irane je ojoerahame ran, i'ume we jue, murunua 'um, a'eramuë te'ang murunua ja'u wetepe wa. Ijo'ok ijoero'inamuët, ohuk je o'ute kõ. Owake we tete je, ja'iwe ojemim awa. – 'ããã awa te'ang je murunua o'uma'e? Tyre'ym awa te nip a'ã kora'e! – Õaje utu. – 'ang pehe tehe ma'e, je remiarirõmet! Pe'u ko'yr a'e te'ang kora'e. Eroyk awa je kõ. – Opomoneta 'ang kora'e, je remiarirõmet. Pe ye'yma upe 'ang “ama, ama” peje pejekome kora'e. Pe jaryja rake 'ang, pe ya o'u kora'e. Okoj ituwi parawatãtywa pyterip pe jaryja jewaemawera kora'e. – Ningje, utu. A'ep je ojae'om awa ane ko'yt. – Mawite te'ang jareko kopa, pe?

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não os encontrava. Eles vinham quando ela não estava, e toda vez que ela chegava na roça eles já tinham saído. A perdiz dizia, aborrecida: – Aaah! Tem alguém comendo meu amendoim! Acho que são os órfãos! Os meninos ficaram voltando lá e comendo amendoim. É por isso que nós comemos amendoim. Todos nós. Certo dia, quando os dois estavam lá cavando para tirar amendoim, a perdiz chegou de repente e viu como eles logo tentaram se esconder. – Aqui estão os que andam comendo o meu amendoim! Parece que são mesmo os órfãos! – É mesmo, vovó! – disse Jay. – Aaah! São vocês, meus netos? Podem comer! Os dois se aproximaram. – Agora vou contar para vocês, meus netos: aquela que vocês chamam “mamãe” não é sua mãe não. A verdadeira mãe de vocês foi morta pela avó onça, que está aí no meio do abacaxizal, aonde veio se esconder. – É mesmo, vovó? – disse Jay. Aí eles ficaram lá um tempo chorando. Depois Kwat perguntou: – Como é que nós vamos fazer, mano? Jay pegou um pouco de terra vermelho-escura, esfregou-a nas costas da perdiz e disse: – Pode ir embora, vovó. Os dois começaram a transformar a perdiz em ave. Aaaa, fizeram-na voar. Ela foi batendo as asas e caiu, dizendo: ”týre-týre-'ým” [38]. Eles não gostaram da voz: – Ooooh! Você tem que cantar direito! – disseram. Então eles pegaram novamente a perdiz, esfregaram mais terra nas costas dela e soltaram: – Vê se fala direito, vovó! – disse Jay.

[38] A perdiz dizia o termo tyre'ym “órfão” (lit. “sem acompanhamento”), com reduplicação das duas primeiras sílabas. Depois passou a dizer o que seria seu nome, kujatyty, também reduplicando as duas primeiras sílabas.

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Narrativa 2 - Mawutsini II A Criação do Sol e da Lua por Mawutsini

Pyw, yja iwanga ma'e a'ea je kujatytya apekytyk: kyw kyw kyw: – Erek eome kora'e wa, utu! Omo'ypy okoj wyrahera mojerowake kora'e wa. – Erek eome kora'e wa! Aaa imowewem awa 'iwî je kõ, pyryryry, tuk: “týretýre'ým”. – Ooo, ikatu jue ke ran a'e wa po! Ipyhyk awa 'iwî je ran, mapam je i'apekytyk: kyw kyw kyw: – Ikatu jue te eje'eng ko kwãj, utu! Awyje, okujte je ohom: “kúja–kúja–tytý”. – Eee, okoja wite jue te ereko korine wa. Kwara o'ate korin, a'ea tokoj eremo'arõ ekome korine wa, utu. Ejat awa je kõ. Ojoeraham awa je ko'yyt okenawa wyripe jet, o'itsem awa ojoerahame kõ, ojoero'ine kõ. Ojae'om awa je ojoero'ine kõ. Ijy'yra je oem o'ute kõ: – Mawite te'ang peko kõ, pi'awan? – Ore ye'yma je 'ang ereko! Ore ye'yma je'ang ekome heme pa! Ore y'yra te je'ang ereko wã. Ore ya je rak a'ang ore jaryja o'u ko'yt. A'eramuë je erojae'om awa ijy'yra ran. – Ajete wara ne ko jawy põj, pi'awan. – Okupepe je 'ang ituwi ijewaemawera kora'e wa, a'ikama. Uma te'ang ore ya ywya kõ? – 'ang itëj ko põj, pi'a. – Ehë. – Mawite te'ang jareko kopa, pe? – Jaetsak ane jene ya ko'yt. A'ep jepe oya ywykojt awa ko'yt, itsatsak je ko'yt, jene tsareme je ko'yt. A'ep jepe je ipejum. – Ama! Ama!

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Pronto. Aaa! A perdiz tentou voar e caiu de novo, dizendo: “kújakúja-tytý”. – Êh! Agora é assim que você vai ficar. Na passagem do ano, você vai cantar para alegrar o ano-novo, vovó [39]. Kwat e Jay deixaram lá a perdiz. Voltaram para casa, mas não entraram. Ficaram lá fora sentados atrás da porta, chorando. A tia ia saindo de casa e os viu ali, daquele jeito. – O que aconteceu, meus filhos? – Disseram que você não é nossa mãe. Você se faz passar por nossa mãe, mas é nossa tia, irmã dela. Disseram que nossa mãe foi morta por nossa avó. Ao ouvir isso a tia se pôs a chorar com eles. Ela confirmou tudo o que a perdiz tinha contado aos meninos: – Sim! É mesmo verdade, meus filhos! – Diz que a avó está lá atrás da casa, no lugar para onde fugiu, titia. Onde está a sepultura de nossa mãe? – Está aqui, meus filhos. – disse ela mostrando o centro da aldeia. – Como é que nós vamos fazer, Jay? – perguntou Kwat. – Primeiro vamos ver a nossa mãe. Foram até à sepultura da mãe e começaram a remover a terra para desenterrá-la. O corpo dela já estava putrefato, fedido [40]. Os meninos ficaram rezando e chamando: – Mamãe, mamãe! – Sim! – ela respondeu lá do fundo, com a voz bem fraca. Eles continuaram rezando e chamando, e ela respondia com a voz cada vez mais fraquinha até que sumiu. Vendo que não tinha jeito de reviver a mãe, Kwat disse: – É assim que vai ser com nossos netos, Jay. É assim que vai acontecer com eles. Quando morrerem, desaparecerão para sempre, Jay. É assim que vai ser [41] com nossos netos.

[39] Os consultores kamaiurá informam que o ano-novo começa quando a chuva pára. É quando as perdizes cantam.

[40] No original o narrador usa a forma pronominal jene “primeira pessoa inclusiva” com o verbo descritivo -tsarem “cheirar mal, estar fétido”. É possível que jene signifique também “a gente” e que o emprego dessa forma esteja relacionado às considerações feitas na Nota 5. [41] Segundo os consultores kamaiurá, os gêmeos tiraram o corpo da mãe da cova e viram que a garganta dela estava toda estragada. Se tivessem desenterrado a mãe antes, teriam podido revivêla, e isto aconteceria também com os descendentes. Constatando que era impossível reverter a situação, o Sol e a Lua chamaram o tumutumuri, uma espécie de marimbondo amarelo, riscado de preto (há uma outra espécie riscada de alaranjado), de cabeça vermelha e que faz buracos no chão para enterrar novamente o corpo da mãe. Após o enterro, deram-lhe banho e fizeram em sua cabeça a pintura akawang, com pasta de urucum. Começou assim o costume, vigente até hoje, de banhar os enterradores de um morto e pintar sua cabeça (Ver também outra versão da narrativa em Agostinho, 1974: 176).

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Narrativa 2 - Mawutsini II A Criação do Sol e da Lua por Mawutsini

– Haj. Ypywyri ete je a'uwate kõ. A'ep je ipejume jepe jet. – Ama! Ama! – Haj. Opape tete je kõ. – Na te 'anga wite jene remyminõmera ojoerekome korine wã, Jay. Imo'ypym awa kõ. – Na te 'anga witewite ojoerekom awa korine wã. Jene remyminõmera manõme korin, ojomim awa korine wã. A'ea wite jue te'ang jene remyminõmera joerekow korine wã. I'apytym awa je kõ. Awuje. – 'a katy rak jene jaryja kawe'engi kora'e wa. Umm, tsuruky tejuparawa ryrua pupe, tsuruky tyke'yra je, tsuruk. A'ep je parawatãtywa rupi ko'yt: tsirik tsirik tsirik tsirik, tsiriiii, tsykyy. Oyk je ohome kõ. Ê'ë, ituwamuë, o'itsem awa je ojoerahame kõ. Tru. Etsak awa je. – Aaaa, 'ang tehe je remiarirõmera joerekow, tyre'ymi awa joerekow ko ma'e! Ejoane je huwej ko, pi'a. Nyky, tywyra, tywyra rupite je kõ. Imopomopote je opotsi'ap ko'yt: “Tyre'ymi, tyre'ymi, tyre'ymi”. Heee imojype je, eee. – Ejot ane ko'yt, pi'a, je huwej ko'yt! Aaaa, tyke'yra rupite je kõ. A'epe we jue a'iwî, “tyre'ymi”, awyje 'ame katu ipotsi'ap tuk, erepowanyke je, tok. Ummm. Ojaryja reapy'am awa je kõ. – Tuuu, 'anga wite ramuë te, ore ya erejuka kwa. Oya je okoj wepyk awa kora'e wa. Awyjeeee. Y'ywa awykym ukat, kawa'iw okoj o'awyky kora'e wa. Okupe rupi etsak y'ypîa hwara, i'ajurupyhwara je, okupe rupi je inung erahame ko'yyyt awyje.

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Eles deram início ao costume. Fecharam novamente a cova. Depois foram procurar a avó-onça. – Nossa avó perdiz [42] contou que ela estava escondida no abacaxizal.  – disse Jay. Então Jay e o irmão entraram na roupagem do calango e ficaram pequenos. Foram indo pelo abacaxizal, fazendo ruído ao passarem pelas folhas secas: tsirik tsirik tsirik. Chegaram ao lugar onde estava a onça e foram logo entrando. Ela os viu e disse: – Aaaah! Aqui estão os meus netos! Aqui estão os orfãozinhos! Venha pro meu colo, netinho! Ela pegou o mais novo, Jay e ficou brincando com o neto, erguendo-o e baixando-o, como que o fazendo saltitar em seu peito, enquanto dizia: “or-fão-zi-nho, or-fão-zi-nho, or-fão-zi-nho”. Depois a onça pôs Jay no chão, e chamou Kwat: – Venha, netinho! Venha pro meu colo! Aaaa! Ela pegou Kwat e começou a brincar com ele do mesmo modo como havia feito com Jay. Ergueu-o dizendo: “or-fão-zi-nho”, mas logo que o baixou, ele chutou forte no peito da onça, matando-a instantaneamente. Eles vingaram a mãe. – Bem feito! Fizemos isso porque você matou nossa mãe. Pois bem. Aí os irmãos queriam acabar com o pessoal da onça. Então mandaram fazer flechas para transformá-las em índios [43]. Foram amarrando flechas, juntando-as em feixes, depois foram pondo os feixes em vários pontos atrás das casas. – Acabaram as flechas, papai. – disse Kwat. Então fizeram mais flechas e as foram colocando atrás das casas. Terminaram. No outro dia caiu um forte nevoeiro que escureceu tudo, não se via nada. Kwat e Jay ficaram atentos. Aí, a partir dos fundos da casa, onde primeiro haviam colocado os feixes de flechas, elas foram se

[42] No original consta jene y “nossa mãe”. Trata-se de um equívoco do narrador.

[43] O Sol e a Lua criaram índios a partir de flechas para que eles matassem o pessoal do pai, as onças. Conforme outra versão do mito, eles assim fizeram porque o pessoal do pai queria transformá-los em onças (Ver Agostinho, 1974:37; Villas Bôas & Villas Bôas, 1970: 64).

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Narrativa 2 - Mawutsini II A Criação do Sol e da Lua por Mawutsini

– Opaw a'e wa, apa. – Ehë. A'erawi je amoa awykyme te je, okupe rupi je inung eraham, awyje. O'iran je ywytsinga je o'ate kõ, ywytsing, ypytuuun. O'apyakam awa je ojoerupe kõ. Nan omo'ypy tawera wi ane je kõ tûûû, ukaaah, aa kawa'iwam omuhupap. Uwa kamara het, ja'iwe je uwa rupite kõ. Poky! Ywaka kape rupi kõ. Yhukua pype ko'yt imopotape kõ. A'ehera te'ang ywaka kape rupi nan ipyhyk, uwa monotawera rerupe kwa. – 'ang, jene remyminõmera poronetaráma te'ang, 'ang jako kwa, Jay. – Ehë. Kwara ewokoj, kwaram, okoj ijoerekow kora'e wa. Ipopypyk tata pupe kõ: – 'anga katy 'ang peo korin a'e wa. “Ka ka ka kaaaa”. Nane je amoa monom, nane je amoa monom, 'anga katy je amoa monom. A'eramuë te je 'ang kawa'iwam ore reta kwa, ta'ÿj, ore reta kwa. Ore moahãhãjtawerame kori, kawa'iwam ore reta kori. A'ea witewara po a'e wa. Jawara poroneta kora'e wa. Mawutsinia remi'awykyhera po. Awaram a'ea memyrera te je'ang, Kwarame kwa.

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transformando em índios. Estes vieram correndo e gritando: “tûûû, ukaaah”, e mataram todo o pessoal da onça. Antes do ataque, Kwat e Jay pegaram o pai e o mandaram para o alto, para a Via Láctea. Junto com ele mandaram um veado, como sua comida. É por isso que na Via Láctea tem uma onça agarrando um veado [44]. É o pai-onça, que Kwat e Jay mandaram para lá. – Isto vai ficar como história para nossos netos. Nós vamos ficar como história, Jay! – disse Kwat. – É mesmo! – concordou Jay. Os gêmeos ficaram como Kwat, “Sol” e Jay, “Lua” [45]. Kwat, filho da onça, deu fogo para cada grupo de índios e mandou-os para diferentes direções: – Vocês vão por aqui! Eles foram: “Ka ka ka kaaa”. Para lá ele mandou outros, para lá mandou outros, e outros para cá, outros para acolá [É por isso que nós, os índios, somos muitos, mana. Nós somos muitos, os que foram espalhados por Kwat. Nós índios somos muitos [46]]. Bem, esta que contei é a história da onça, das mulheres criadas por Mawutsini e dos filhos de uma delas com a onça, – Kwat e Jay [47].

[44] São as estrelas Alfa e Beta, do Centauro. Para os Kamaiurá, a constelação envolvida é do tipo escuro. Conforme outras versões do mito, também a tia foi enviada para o céu. [45] Os consultores kamaiurá identificam os corpos celestes Sol e Lua com os gêmeos. [46] A explicação incluída entre colchetes foi endereçada pelo narrador à autora, a quem chama de irmã mais nova. O termo kawa'ip é aqui claramente usado para designar índios em geral, incluindo os Kamaiurá. O Sol foi enviando grupos de índios que criou para diferentes direções. [47] O termo Kwat “Sol” é também usado para referência aos dois irmãos gêmeos.

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narratiVa 3

Kawa’iwa ’ypy/ MOĩa pOrOneta a OrigeM dOs ÍndiOs Ou a História da CObra

Por Tarakwaj, em 1º de maio de 1968, na Aldeia Ypawu. Foi transcrita, em 1998, com assistência de Tatap, em Campinas-SP. Na mesma cidade, foi realizada a revisão, nos anos de 2005 e 2006, com auxílio de Wary.


Narrativa 3 - Moî a Poroneta A Origem dos Índios ou a História da Cobra

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Esta narrativa versa sobre uma mulher engravidada pelo conteúdo do ovo de uma cobra. A cobra gerada pela mulher, conforme o mito, deu origem aos povos indígenas não alto-xinguanos. Tenho conhecimento de seis outras versões desta narrativa: três registradas em Português por Samain (1977), contadas por Awmari, Tarakwaj e Uahu, com tradução de Kotok; uma outra, contada por Janumakakumã (Sapaim) e registrada em Português por Agostinho (1974); e duas, também contadas por Janumakakumã, em Kamaiurá e em Português, que foram por mim gravadas em 1968. Em todas elas, exceto a de Uahu, a mulher acha os ovos de cobra na roça, quando colhia raízes de mandioca, e não no caminho, como consta na versão de Uahu e também na de Tarakwaj, aqui apresentada, e que gravei em 1968. Ao explicarem quais seriam os índios nascidos da cobra, os narradores mencionam com mais freqüência os Txukahamãe e os Suyá, mas dizem que há outros, além destes. Termos mencionados por Janumakakumã (Sapaim) Kamaiurá e que não encontrei na literatura consultada são emekwarama'e “os que têm orifício no lábio”, hemema'e “os que ˜ que não me têm beiço proeminente” (pelo uso do botoque) e tapyhy, foi possível esclarecer completamente. Os dois primeiros termos são aplicáveis a qualquer grupo que apresenta a referida característica. Em algumas versões consta que os nomes foram dados pela mãe, em outras, pelo tio. Conforme Janumakakumã, depois que os filhos da cobra mataram os tios e outras pessoas da aldeia, o único tio  poupado por ter sido  bom para a mulher durante a gravidez dela foi entregando fogo para um, flauta para outro, bordunas ou flechas para outros e foi lhes dando os nomes: “você agora chama Tsukahamãj, outro, Suyá, outro, Emekwarama’e,

Contextualização

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Narrativa 3 - Moî a Poroneta A Origem dos Índios ou a História da Cobra

[IL-1] Na página anterior: duas mulheres voltando da roça, transportando na cabeça cestas yrypary cheias de raízes de mandioca. Assim cheias, pesam em média 45 quilos. As mulheres estão representadas com seus uluris, bem como com suas pinturas típicas nas pernas, com a testa pintada com tinta vermelha, extraída de urucum, e com os ângulos negros – tywytywy'i - nas faces. Em primeiro plano vê-se o ovo de cobra que uma delas iria recolher, pensando que era ovo de passarinho (Desenho de Karatsipa Kamajurá).

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outro Tapyhÿ”. O tio os enviou para diferentes direções, mandando que fossem para longe, para fazerem suas aldeias. Assim foram eles, “um jogando flecha, outro tocando flauta jumi'atotõ, outro batendo borduna”. Antes de partirem, os filhos da cobra disseram: “Quando a gente for brigar com outro índio, nós não vamos ter medo não, nós somos duros” [...] “Esse Tsukahamãj não foi Mawutsini que fez não, nasceu da cobra. Por isso são bravos mesmo”, acrescenta Sapaim. Depois que todos os índios foram embora, o tio que restou queimou todas as casas e tudo que lá havia. Então ele e a irmã deixaram o lugar e foram construir outra aldeia. O mito menciona que os índios usavam na cabeça o akangats , uma espécie de “peruca” confeccionada com plumas, entremeadas˜l com penas de aves. O adorno era usado nas guerras por diferentes grupos, incluindo os do Alto Xingu, e, segundo os auxiliares, dificultava o reconhecimento dos combatentes. Atualmente é usado no Alto Xingu por ocasião da cerimônia do Jawari, um jogo competitivo de arremesso de flechas que envolve dois distintos grupos. O mito relata também sobre o tratamento dado aos corpos dos inimigos mortos, questão que foi esclarecida por Tatap, com base no que ele ouviu de seu pai. O costume era que, após uma guerra, os vencedores deixassem com os inimigos mortos todas as armas que estes haviam trazido. Colocavam os corpos enfileirados e nas mãos de cada um deles depositavam as armas: o arco na mão esquerda e a(s) flecha(s) na mão direita, isto é, na mesma posição em que as armas são carregadas pelos que estão vivos. Depois disso, um dos vencedores entoava o y'ywa maraka “o canto da flecha”. Cantavam durante três dias, somente à noite. Após terminar, afastavam-se e, já distantes e voltados para o local onde jaziam os mortos, jogavam para o alto um


maço de flechas amarradas e se retiravam correndo, sem mais olhar na direção dos inimigos mortos. Se, ao cair, o maço de flechas ficasse com as pontas voltadas para a direção da aldeia dos vencedores, isto era sinal de que eles morreriam em pouco tempo, a começar pelo que entoara o canto da flecha. O y'ywa maraka “o canto da flecha” só era cantado por ocasião de guerra. Dizem também que agora só pode ser entoado quando há eclipse da lua ou do sol. É conhecido somente por alguns que evitam cantá-lo, pois se o fizerem atrairão morte e outras desgraças para si. Assim, quando querem ensinar o canto a alguém têm que fazê-lo bem longe da aldeia e debaixo d’água. Professor e aprendiz entram na água e ficam ambos imersos, ouvidos inclusive, deixando de fora somente a boca e o nariz voltados para o céu. Se os deixarem voltados para outra direção, tudo o que lá estiver (pessoas, árvores, qualquer coisa) será destruído.


Narrativa 3 - Moî a Poroneta A Origem dos Índios ou a História da Cobra

Kawa’iwa ’ypy: MOĩa pOrOneta MOrOnetajat: taraKwaj

Kujãa te je okwoj o'upi wã, moîa rupi'aj, kopewara je o'ut kujãa ko'yt, a'ea te je okoj tape rupi o'u kwa, moîa rupi'a kwa, moîa rupi'a, tape rupi o'upe ko'. – Ãããã, tarahan je reymáwame katu tojeka! O'upite je ko', pók, temi'ûa 'arim. A'a te je ewokoj weru kwa, a'a te nipe je ewokoj temi'ûá hoka kwa táky. A'e je okoj ya otururum o'ute kõõaa. Aaa! Hey'aja nite ama rupi o'itseme kõ. A'ea je o'ute kõõõ, erojype je kõõõ, erojype kõ. A'epe jepe we ekate kõ. –Hããã! Ojeka tehe 'ã ko ma'e! Ijekahera je o'upe ko. A'ea je okome ko'ûû. A'ea te je okoj imemyrame ko'. Auje ko'yt, tuwijame ko'. – Aaa! Awa te'ang ne mohuru'a pa? – ikywyna. – Awa te'ang ne mohuru'a pa? – Kõõõ! – Awa te'ang ne mohuru'a pa? – ikywyra ijurukatuma'ea. – Kõõ kõõ! – Ãhwãj, – ojame je ko'– moîa rupi'a tete te rake arur a'e, ãhwãj. A'ea te nipe 'ang je py'a pupe o'itse a'e. Taetsak anen – ojam je. A'ea je, awujeeee, otuwijáwame ko', otuwijáme ko'. A'a te je ewokoj wereko. Ikywyn i'akap, ikywyn i'akap. – Na'a tohuru'arame kwãj, powan! Tomanõ hek a'ea to'ate kwãj! A'ea te je okoj opotsim oho kowa. Mokajywa je o'ame ko'. Mokajyp, a'epe je ohome ko. Tyky! O'ame je:

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A Origem dos Índios ou A História da Cobra Por Tarakwaj

Uma mulher pegou um ovinho de cobra. Ela vinha voltando do trabalho na roça [1] e lá estava ele no caminho, o ovo de cobra. Era ovo de cobra que estava no caminho. A mulher pensou que era ovo de passarinho e resolveu pegá-lo: – Aaaah! Vou levar e cuidar dele. Quando o filhotinho quebrar a casca, eu vou criá-lo como meu xerimbabo [2]. Então ela pegou o ovo e o colocou na cesta, em cima das raízes de mandioca, e retomou o caminho, carregando a cesta sobre a cabeça. Com o movimento, o ovinho escorregou entre as raízes de mandioca e se quebrou – táky! Aí o conteúdo do ovo escorreu pelo corpo da mulher, misturando-se ao suor dela, e entrou por sua vagina. Ela chegou em casa e desceu a cesta. Aaaaa! Desceu a cesta ao chegar e ficou procurando o ovinho. Porém na cesta só estava a casca. – Oh! Quebrou-se! Que pena. Mas logo ela perceberia que tinha se enganado. Aquilo não era ovo de passarinho não, era ovo de cobra [3]. Passado algum tempo, aquela mulher apareceu grávida. A barriga dela foi crescendo, já estava ficando bem grande. A mulher tinha quatro irmãos, e os três mais velhos estavam sempre brigando com ela [4], pensando que ela estava grávida porque andava namorando algum homem escondido [5]. – Aaaah! Quem é que te engravidou? – ficavam perguntando. – Não sei, não sei! – respondia ela. O outro irmão mais jovem a respeitava, não brigava com ela, mas também perguntou:

[1] A divisão de trabalho entre homens e mulheres é bem demarcada. As mulheres colhem as raízes de mandioca, colocam-nas em yrypary “cestas” gameliformes (Ver IL-1), e as transportam na cabeça para a aldeia. Devido ao peso (45 quilos em média, conforme Junqueira, 1975:40), elas vêm em passo rápido, quase correndo. Geralmente é necessária a ajuda de alguém, tanto para colocar a cesta na cabeça, quanto para descê-la. [2] Os Kamaiurá (e outros povos indígenas) criam certos animais, os chamados je reymap “xerimbabos”. Freqüentemente são araras, papagaios, passarinhos, mutuns, certos tipos de macaco. [3] Esta sentença foi incluída para que o texto ficasse mais compreensível a leitores não-kamaiurá, pois até esse ponto da narrativa a mulher pensava que os ovinhos que havia trazido eram de passarinho. Só bem adiante na narrativa ela irá inferir, de modo implícito, que os ovos eram de cobra. [4] Nas versões citadas na Contextualização e também nas explicações dadas pelos auxiliares kamaiurá, menciona-se que os irmãos mais velhos batiam na mulher e a maltratavam de várias maneiras, xingando, sacudindo a rede dela enquanto ela dormia. Assim, ela ficava sempre fora de casa chorando. Então o irmão mais novo a trouxe para morar em sua casa e ficou cuidando dela. [5] A atitude dos irmãos mais velhos da mulher “não vem de um preconceito contra relações pré ou extraconjugais, mas do fato de haver gravidez. Não se admite o nascimento de um indivíduo a que falte o apoio social, biológico e econômico da família nuclear” (Ver Agostinho, 1974:143 – Nota 128).

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Narrativa 3 - Moî a Poroneta A Origem dos Índios ou a História da Cobra

– Awa te ke pea po'otara kÿj! – ojam je. Rzzzz, o'uhwame je kooo. Hë, pi pi pi piaaaa! – Aaaa! Na je katu ite te pehe ma'e! Pi pi pi pi, ohome je ikõ, tsi tsi tsi, mokajywa rehe ko'yyyt. Tak tak tak ipo'opo'ooom, imokukuj. A'eherawi je o'ute ko'yyyt, tsuruky, hy hy hy hy, awuje'. A'epe je imono'ang. Ohome je ko, okywyra upe: –Ãhwãj – ojam je – na je katuite he kÿn, ãhwãj! Moîa areko je py'a pupe kÿn, ãhwãj! – Õwaje, ta'ÿj! – Jaha etsake ko'yt. – Hehë. Ojoerahame je ko'yt a'ep, 'anga wite utsu je o'apyke kõ'. – 'am ane ké e'î kora'e, ãhwãj! – Ehë. – Awa te ke pea po'otara kÿj! Rzs rzs rzs, oeme ran. Pi pi pi pi, tsu tsu tsu tsu tsu tsu, tak tak tak, imokukuj, tak tak tak tãak, awuje'. Tsu tsu tsu. – Etsakane kora'e, ãhwãj Rzs rzs rzs, o'ute je ran. Tsu tsu tsu, phyw phyw phyw, ãaaa, awuje'. – Awuje eretsak kõ, ãhwãj!

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– Quem é que te engravidou? – Não sei! Eu não sei! – ela disse. Depois ela se lembrou do ovinho que havia trazido e falou para o irmão: – Mano, eu só trouxe aquele ovo de cobra, mano! Pode ser que ele tenha entrado na minha barriga. Estou achando que é isso, mas ainda vou ver. A barriga dela continuou crescendo, já estava grande, muito grande. Dentro dela estava a criatura. Os irmãos continuavam brigando com ela. Só o irmão mais novo a defendia: – Deixem ela ficar grávida em paz, pessoal! A criança vai morrer mesmo quando nascer [6]! Pois bem. Um dia a mulher foi ao mato para defecar. Lá no lugar havia um pé de macaúba. Ela foi para perto dele e ficou lá agachada [7], olhando as frutas e disse para si mesma: – Quem me dera que alguém tirasse aquelas frutas para mim! A criatura que estava na barriga dela ouviu isso e se mexeu – rzzzz. Depois começou a sair. Primeiro saiu a cabeça, com a língua mexendo: “pi pi pi pi”! Aaah! Ao ver isto a mulher ficou muito assustada: – Oh! Não estou nada bem mesmo! – disse ela. A cobra continuou saindo, com a língua mexendo : “pi pi pi pi”! Foi indo, foi indo, subiu no pé de macaúba e começou a tirar frutas – tak tak tak! Ia tirando e

[6] Entre os Kamaiurá a prática do infanticídio é admitida em certas situações (Ver Junqueira, 2002: 53). O enunciado do irmão remete ao fato de que ao nascer a criança seria sacrificada. [7] No original kamaiurá o narrador diz que a mulher ficou em o'am “pé”, mas os auxiliares insistem que ela se sentou/agachou, e é isto que consta nas outras versões, e faz sentido, uma vez que ela foi ao mato para defecar.

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Narrativa 3 - Moî a Poroneta A Origem dos Índios ou a História da Cobra

[IL-2] Na página anterior: a ilustração mostra a mulher agachada, olhando a cobra que saía de seu ventre e se dirigia para o pé de macaúba, para colher as frutas, atendendo ao seu. Somente nesse momento a mulher descobre que está grávida de uma cobra (Desenho de Páltu Kamaiurá).

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– E'ë, moîa tehe'ang erereko pa, ta'ÿj – ojam je. –Moîa te he 'ang erereko pa, ta'ÿj! O'iran je ko'yt, oeme je kõ' jarawywa rekate kõ'. Ije'yá jepe te je jarawywa wa. – Jaha ko, ta'ÿj! – Hehë Ojoerahame je kot, 'anga wite waripe je imo'ine kõ. – Awa te ke pea po'otara kÿj! Tsu tsu tsu, pi pi piiii, aaa ikõa. – Ekwa pea po'ome ko'yt! Tsy tsy tsy dzi dzi dzi, wetepe we jé o'up. Dzi dzi dzi, aaaã, ije'ya jepe te je wat, anite. O'upe we je. Tak tak tak, imokukujte. A'eherawi o'ute ko'. Dzi dzi dzi, phyw phyw phyw phyw, o'itsepap. – Etsak kora'e, ãhwãj. Anite a'e! O'iran, oemete jue te, hekat okom ije'ya ma'eeeea, ije'ya, jarawywa je'yá. – Pe kora'e wa, ta'ÿj! Jaha ne pea retsake ran. Pea wite wero'apyke ko'. – Awa te ke pea po'otara kÿj! Tykywhhh, ywhhh, pi pi pi pi, ié. – Ie, ekwa pea po'ome kowa! [ko'yt] Tsy tsy tsy tsy tsy tsy tsy tsy tsy tsyuuu. Awuje ko'yt. Awuje ko'yt. Ãããã, õõõõ, moîa 'ywa je! Tyky, ojepyhyk je owaja kõ', tak tak... – Epeju kor ãhwãj! Ha'aa, ipejûme kõ'ûûû, taky, oíte je ko. – Awuje rake kor a'e, ãhwãj. – Hehë! – Mawite te'ang areko ko ma'e? Ekytsi ko'yt, tere'ywõkatu i'utara!


jogando-as do alto, uma atrás da outra. A cobra era muito comprida, e não saiu toda, uma parte dela ficou dentro da barriga da mulher. Depois de tirar frutas, a cobra veio retrocedendo, retrocedendo e – tsuruky! – tornou a entrar todinha na barriga da mulher e lá ficou. A mulher catou as frutas do chão, voltou para casa e falou para o irmão mais novo: – Mano! Eu não estou nada bem. É uma cobra que está em minha barriga, mano! – É mesmo, mana? – ele perguntou – É sim. Vamos lá para você ver – ela disse. Os dois foram até o lugar onde ela havia estado antes. Ela sentouse um pouco distante do pé de macaúba, recomendando ao irmão que ficasse ali perto. Então ela disse: – Quem me dera que alguém tirasse aquelas frutas para mim! A cobra se movimentou na barriga dela, – rzsrzs – e saiu outra vez, mexendo a língua. Foi saindo, subiu no coqueiro e começou a tirar frutas – tak tak tak! Ia tirando e jogando-as de lá, uma atrás da outra. Depois começou a retornar: – Veja bem isso, mano! – disse a mulher. A cobra veio vindo, veio vindo, foi entrando na barriga da mulher e se enrodilhando lá, até que entrou todinha. – Agora você já viu, mano! – Sim. É realmente uma cobra o que você tem na barriga, maninha! É mesmo uma cobra que você tem em sua barriga! – disse o irmão. No outro dia ele saiu para procurar um pé de bacaba, que é um coqueiro muito mais alto que a macaúba. Achou que ao subir nele a cobra sairia toda. Depois de encontrar o coqueiro, ele voltou e chamou a irmã: – Vamos lá, maninha! Encontrei um pé de bacaba bem alto. – Está bem – ela respondeu.

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A'ea te je okoj ikytsyw koa. Khyw khyw khyw khyw khyw khyw, khyw khyw khyw khyw khyw khyw khyw. Imo'atyt, imo'atyt, imo'atyt, imo'atyt. Owajhera je pyw pyw ojame je o'up. I'apinera je o'up. – O'irane hek tajorin i'utara 'ywõme ko kwãj, ta'ÿj! – Hehë. Ojoerahame je ko. – Awuje rake kora'e wa, ta'ÿj. Nite je ipy'a ko, jere piret. O'irãn nipe je kot, kawa'iwam oje'awykyme kõ'. Wetepe je ywyra ju'awi kwa. To to to to to, y'apem, [puduna]. To to to to to to to, y'ywa 'awykym. Mame nipe je weme'ywyra rekwat! Mame nipe je atsîa! Jene i'anupe je itupawa wa. – Tahane i'utara 'ywõme ko kwãj! Okoj ohom. Tyk tyk tyk... – Kãw, kãw! – Êë! Awa te po oko rane pa? – Kaw, kaw, kaw, kaw, kaw, kaw! – Uûûû! Mawité te nipe pa! Aha rap etsake ka! Tyk tyk tyk, to to to to y'ywa 'awyky eruamuë, y'apem, ywyrapat. – Mawite te 'awana pa?! Etsake je ko. – Aaaa! 'ang a'ikî apia ruri a'e! – Po ereko, api? Po ereko, api? Po ereko, api? Po ereko, api? Po ereko, api? Imoje'eng. – 'anga wite te 'awana joerekow rane pa!!! Okom i'ypypawa ko'yt. – Uma 'ikî hama ko'yt? – Okowe kora'e wa.

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Foram indo e, quando chegaram ao lugar, ele mandou a irmã sentarse um pouco mais distante do coqueiro. Assim ela fez e falou: – Quem me dera que alguém tirasse aquelas frutas para mim! Como da outra vez, a cobra se movimentou na barriga da mulher e começou a sair. Logo apareceu a cabeça dela, com a língua se mexendo. Então a mulher mandou: – Vá tirar aquelas frutas! A cobra foi indo, foi indo, subiu no pé de bacaba, foi tirando frutas e jogando-as uma a uma. Mas ela não saiu toda. Embora o coqueiro fosse muito alto, a cobra só saiu em parte, o restante dela ficou lá na barriga da mulher. Depois de tirar as frutas, ela veio voltando, voltando, foi se enrodilhando na barriga da mulher, até que acabou de entrar. – Olha só, mano! Não deu certo! – disse a mulher para o irmão. No outro dia ele saiu outra vez e ficou procurando um pé de bacaba que fosse ainda mais alto, bem alto mesmo [8]. Quando encontrou, ele voltou e avisou à irmã: – Encontrei um coqueiro muito mais alto. Vamos novamente para ver se desta vez dá certo. Aí eles foram. Quando chegaram no lugar, a mulher sentou-se bem longe do coqueiro e disse: – Quem me dera que alguém tirasse aquelas frutas para mim! A cobra se movimentou e começou a sair com a língua se mexendo: “pi pi pi pi”! – Vá tirar aquelas frutas! – a mulher mandou. A cobra foi saindo, saindo e foi subindo, subindo no coqueiro. Aaaah! Ooooh! Era uma cobra enorme, muito grande! Ela já estava quase toda fora, mas ficou se segurando na vagina da mulher com a pontinha do rabo. Então a mulher pediu para o irmão rezar: – Reza, mano, reza!

[8] Na versão narrada por Awmari (Ver Samain, 1977) são mencionadas várias outras árvores frutíferas (jutsi'akangahu'a, minga, myrytsi'ywi, juta'yp, pinop, morototowyp) que a mulher procurou em suas tentativas de fazer a cobra sair completamente. Todas as versões incluem mokajyp “macaúba” e jarawyp “bacaba”, as únicas que constam naquelas narradas por Uahu e Tarakwaj.

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Aaah! Ele rezou, rezou e finalmente o rabinho da cobra soltou, e ela saiu completamente [9]. – Pronto, mano. Ela já saiu toda! E agora, o que é que faço com ela? Depois de pensar um pouco, ela sugeriu: – Corte-a em pedaços, mano, e deixe aí para apodrecer. Então você poderá vir flechar os urubus que vierem comê-los [10]. Assim fez o irmão. Pegou o facão e começou a partir a cobra em pedaços. À medida que ela voltava para a barriga da mulher ele foi cortando, cortando – khyw khyw khyw khyw khyw khyw khyw khyw khyw khyw khyw khyw khyw! Depois ele juntou os pedaços em quatro montes. O rabinho da cobra ficou lá se mexendo. A cabeça também ficou lá. – É, daqui a três dias eu venho para flechar os urubus que virão comê-los, maninha! – Está bem – ela concordou. Tomaram o caminho de volta para a aldeia. A cobra não estava mais na barriga dela. – Pronto, já acabou, maninha [11]. Pois bem. No outro dia, lá no mato os pedaços de cobra se transformaram em índios. Todos eles foram cortar pau e ficaram fazendo bordunas, fazendo flechas. Sabe-se lá onde encontraram casca de imbé para amarrar. Sabe-se lá onde encontraram o material para confeccionar as pontas das flechas. Mas diz que lá na aldeia se podia ouvir o barulho que faziam no lugar onde estavam. O irmão que havia ajudado a mulher pensou que o barulho era de urubus que tinham vindo para comer os pedaços da cobra e disse: – Vou lá flechar os urubus. Aí ele foi. Quando estava indo para lá, ele ouviu gritos vindos do mato: – Kãw, kãw [12]!

[9] Os consultores kamaiurá informam que a reza feita pelo irmão tem o nome de wynawi e é de origem Aruak. É usada por ocasião do parto, para soltar a placenta. [10] Aqui o narrador fala somente yrywu, termo genérico para urubu. Conforme explicação de Janumakakumã, o rapaz esperava encontrar e flechar yrywutsing “urubu-branco”, cujas penas são muito valorizadas.

[11] Ao narrar a história em Português, Janumakakumã acrescentou que quando a mulher voltou para a aldeia, já livre da cobra, os irmãos perguntaram: “Ué! cadê seu neném”? Então ela disse: “Já nasceu, morreu, nós enterramos lá no mato”. Como observado na Nota 6, há entre os Kamaiurá a prática do infanticídio, em certas situações.

[12] O grito kãw, kãw é usado por homens quando se encontram espalhados no mato realizando alguma tarefa. Gritam periodicamente, e assim informam que está tudo bem e a direção do lugar onde estão.

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[IL-3] Na página anterior: ao subir num jarawyp “bacaba” bem alto, para tirar as frutas para a mulher, a cobra saiu toda do ventre dela. A ilustração mostra o irmão da mulher cortando a cobra em pedaços, à medida que esta tentava retornar para o ventre “materno” (Desenho de Wary Kamaiurá).

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– To'ur ane ké ama ore retsake kora'e wa! – Hehë, o'irane hek torojorine korin [ko'yt]. Hetsak je, y'ywa me'enga ijupe, ma'anuara me'enga! Ohome je ko'. – Kawa'iwame te ije'awykyw pa!!! Oyk je ohom. – Po kor ãhwãj? – Jene katuite a'e wa, ta'ÿj. Kawa'iwame te ijerowaki a'e wa', ta'ÿj! O'iran jaha etsake ko'yt. “Uma 'îkî ama ko'yt”? i'i awa rak a'e wa. O'irane hek jaha etsake ko'yt. O'irane hek toroerahame ko'yt. 'aro'at. – Jaha ko kwãj, ta'ÿj, ne memyna retsake ko kwãj. Eretsake hek korin a'e wa 'ang! Tyk tyk tyk... – Kãw! – Po kora'ewa 'ang! – Kãw, kãw, kãw, kãw, kãw, kãw! Nan, nan... – Nup! A'ea po kora'e wa 'ang! Tyk tyk tyk tsuk, o'ut ikwawë rupi. – Hewokój a'ikî ama rurí kora'eee! Ama 'ikî a'ang o'ut ko kwãj', 'awan! Po a'ikî ama ruri kora'e! – Po ereko, hama? Hama, hama, hama! – Po ereko? Po ereko? Po ereko? – Api! Hapi! Hapi! Hapi! Ojopyhypyhyke tete awa. Oya mo'apyk awá. Y'apema 'awykym, y'apema 'awykym, y'apema 'awykym. Y'apem, y'ywa, ywyrapara. Umame nipe je kamajywa rekwat? Mame nipe je atsîa? Mame nipe je ipepoá? – Hëë! Mawite te'ã peko ma'e, 'awan?


– Eë! Será que tem gente aí? – pensou ele, intrigado. Os gritos continuaram: “kãw, kãw, kãw, kãw”! – Humm! O que será que é isto? Acho melhor eu ir lá ver – disse consigo o rapaz. Ele foi andando e logo viu pessoas lá fazendo flechas – to to to to! Fazendo bordunas, fazendo arcos! Ele ficou olhando e pensando: – Como é que eles ficaram assim? Aí um deles o viu e avisou aos outros: – Aaaa! Aqui está o titio! Como vai, titio? Todos ficaram muito alegres, acorreram para cumprimentá-lo: – Como vai, titio! Como vai, titio! Como vai, titio! – Puxa! É assim que eles estão agora! – pensava o rapaz admirado, enquanto ficou lá junto daquela gente. Depois eles perguntaram pela mãe: – Onde está a nossa mamãezinha? – Ela está bem! – disse o rapaz. – Queremos que a mamãe venha nos ver! – disseram eles. – Está bem, nós viremos amanhã! – o tio respondeu. Olha só! Tantas flechas e outras coisas que eles lhe deram de presente [13]! O rapaz foi embora. – Oh! Eles se transformaram em índios! – pensava o rapaz enquanto voltava para a aldeia. Quando chegou, ele foi logo ter com a irmã. Assim que o viu, ela quis saber: – Como é que foi lá, mano? – Não está nada bom pra gente não, mana! Os pedaços da cobra, os urubus não comeram não. Eles se transformaram em índios, mana! Amanhã nós vamos lá pra ver. Eles perguntaram por você: “onde está a mamãe”? Amanhã nós vamos lá ver. Amanhã vou te levar sem falta! – disse o irmão.

[13] Diz que deram ao rapaz cocares e penas de tucano, rei-congo, arara, gavião e outras aves.

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Oje'erane ko: – Aha kora'e, pi'awan! Ikatu juek pejuw a'e! – Hama! – Haj! – Aha ne kywyna jukame korin a'e wa, ama. Okoj oroho korin a'e wa. Ejemo'eá ko'ike kora'e wa! Peko tetek a'e wa, api! – Hëhë! – Ne' aka'akap awa rake ne kywyna jepi wa, api! Jene i'anupe rak erekome wa. Ejae'oe'om a'ang ak ekome jepi wa, ne kywyna je'engá, ama 'anuw jepi wa, hama! – Hëhë! Na'a te pejekome kora'e! Ije awyje jepe te rak a'ea'e ijupe awa a'e! Nipe je o'ut akyheri ko'. Akyheri o'ute ko'. Akyheri wejuwe nipe je o'ute ko'. Peeem je otararak o'ute kawa'iwa. Jereakangatsîete jueeee! I'ywyra wa! Ojopopyhyk! Kwara je o'eme ko', aah! Ha ha ha! Tu tu tu tuk tuk okawyteripewarera, tuk tuk ikatu je imomap, otutyna momap. – Awuje jepe te rak a'e pe nupe a'e! Oka'aruk o'upe kot. He'amera py'ypem, ããã, he'amera py'ypem. 'ame je o'up, peme je o'up. Ywyrapara, 'am je, tyryk tyryk. Nane je jyrypara, ojowero'in. Myrytsi'ywia omarakam, ywyrapará omarakam. “'am ereem” je. Pem, awuje'. Awuje'. Awuje ko'. O'iran je omarakam o'upe ko'yt. O'iran je omarakam. O'iran je omarakam. O'iran ije ohome ko''. – Aha kora'e wa, api. – Hëhë, ereome ko'yt. Hata awa je ko'yt, tata, tata, jumi'atotõ. – Ne rata kora'e wa, nywã! Naanek, amoetek ekwa kora'e wa. Ka ka ka, tu tu tu wuuuu! Ohome. Amoa: – Aha kora'e wa, api.

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No dia seguinte, ao amanhecer ele a chamou: – Vamos lá, mana, para ver os teus filhos. Você vai ver só! Foram andando, andando e já lá no mato ouviram grito: “kãw”! – São eles! – disse o irmão. Ouviram-se mais gritos: “kãw, kãw, kãw, kãw, kãw, kãw”! Vinham de diferentes pontos, pois o pessoal estava espalhado pelo mato. – Você está ouvindo? São eles! – disse o irmão. Ele e a mulher continuaram andando e saíram na trilha que levava ao acampamento daquele pessoal. Ao verem a mãe e o tio, eles ficaram muito alegres e alvoroçados: – É a mamãe que vem vindo! – dizia um. – A mamãe está chegando, pessoal! – dizia outro. – Ouçam! A mamãe veio! – dizia um outro. Eles rodearam os visitantes, cumprimentando-os, falando todos quase ao mesmo tempo: – Como vai, mamãe! Mamãe! Mamãe! Mamãe! Como vai? Como vai? – Como vai? Como vai, titio! Titio! Titio! Titio! Estavam muito contentes e emocionados, abraçavam a mãe, abraçavam o tio, abraçavam-se uns aos outros, envolvendo a mãe e o tio [14]. Daí eles foram até o acampamento. Depois de acomodarem a mãe em um banco, continuaram a fazer bordunas, muitas bordunas, flechas, arcos de diferentes tipos. Sabe-se lá onde encontraram taquarinha kamajyp e pontas de osso para as flechas. Sabe-se lá onde encontraram penas para as emplumaduras... A mãe ficava pensando: – Oh! Como é que vocês ficaram assim? Depois de um tempo ali com eles, ela resolveu ir embora:

[14] Os consultores kamaiurá explicam que alguns abraçaram diretamente a mãe e os demais foram se sobrepondo a eles, como ocorre em uma partida de futebol quando os jogadores vêm abraçar o companheiro que fez um gol.

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– Eu já vou indo, meus filhos. Vocês fiquem aqui direitinho! Aí eles disseram para ela: – Mamãe [15], nós vamos matar seus irmãos. Nós vamos lá na aldeia para fazer isto. Você fique atenta! Depois recomendaram ao tio: – Você fique quieto, titio! Não faça nada! – Está bem! – disse o tio. Aí explicaram porque iam matar os outros tios: – Seus irmãos estavam sempre brigando com você, mamãe [16]! Nós ficávamos ouvindo como você sempre chorava por causa de seus irmãos. Nós sempre a ouvíamos chorando quando eles a maltratavam, mamãe! – Está bem, que seja como vocês querem! Eu já tinha avisado muitas vezes para eles não me tratarem daquele jeito! – disse a mãe. Logo que ela e o irmão saíram de lá, eles vieram. Vieram imediatamente. Lá vinham em fila os índios, com seus enormes cocares de guerra. Com suas bordunas [17]. Cercaram a aldeia. Assim que saiu o sol eles atacaram: “aaah! ha ha ha haaaaa”! Saíram do mato gritando, entraram na aldeia e começaram a matar as pessoas a bordunadas – tu tu tu tuk tuk! Mataram todos os que estavam no centro da praça da aldeia. Tuk, tuk tuk! Mataram todos. Mataram todos os tios. – Bem que eu disse para vocês! – dizia a mulher ao ver o que acontecia com os irmãos, com o pessoal da aldeia. Depois os atacantes ficaram até tarde reunindo os corpos e colocando-os enfileirados lá fora. Aaah! Foram pondo um ao lado do outro. Os corpos eram muitos, jaziam deste lado, jaziam do outro lado! Aí puseram arcos e flechas jyrypará junto aos cadáveres [18]. À noite cantaram o canto da ponta de flecha feita de buriti e o canto do arco. Durante o dia falavam sobre o lugar para onde cada um deveria ir depois:

[15] No original kamaiurá o narrador diz api “titio”. Pensamos que se trata de um equívoco, e substituimos por “mamãe”. De fato, na mesma sentença aparece o termo –kywyt “irmão”, o qual é usado somente quando a pessoa envolvida no parentesco é do sexo feminino.

[16] Também aqui o narrador disse api “titio”, em lugar de ama “mamãe”.

[17] Os Kamaiurá receberam de Mawutsini, seu Criador, o ywyrapapytang “arco preto” reconhecido por sua qualidade e beleza, e que constituía o principal artefato de especialização do povo, comercializado nas trocas intertribais (moitara). Bordunas são armas típicas de povos Jê, e na narrativa estão associadas aos Suyá e aos Mëbëngôkré (Kayapó), mais especificamente aos Mëtuktire (Txukahamãe). Além de bordunas, os índios nascidos da cobra fizeram flechas e arcos de diferentes tipos e qualidades – armas que são características dos distintos grupos. [18] Jyrypara é um tipo de ponta de flecha. É afiada, confeccionada com bambu ou com lasca de tronco de tucumã.

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IL-4] Na página anterior: flechas kamaiurá (Desenho de Paltú Kamaiurá).

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– Amoetek pekwa kora'e wa! Hatawa, jumi'atotõa, tu tu tuuuuuu! Amoa, iwite wejue, hata, jumi'atotõ. Nan ohom, nan ohom, nan ohom. Ohopape je ko'. Awuje'.


“Você vai sair por aqui”! “Você vai sair por lá”! No outro dia tornaram a cantar, e assim também no dia seguinte. Cantaram até o amanhecer durante três noites. Então no outro dia foram embora. – Eu vou embora, titio – disse um. – Pode ir – respondeu o tio, entregando para ele fogo e flauta jumi'atotõ [19]: – Aqui está o fogo, sobrinho. Vai para lááá, vai para bem longe [20]! “Ka ka ka ka, tu tu tu tuuuuuuuuu”! Ele foi embora tocando flauta. Veio outro: – Eu vou embora, titio! – Vai para bem longe! – disse o tio, e lhe entregou fogo e flauta jumi'atotõ. Ele saiu tocando flauta: “tu tu tuuuuuuu”! E assim todos vinham, o tio dava fogo e flauta jumi'atotõ para cada um. Foram embora, seguindo para diferentes direções: para lá, para lá, para lá... Foram todos embora [21]. Acabou.

[19] Jumi'atotõ é um instrumento de sopro tipo trompete, transversal, com o comprimento de aproximadamente sessenta centímetros, feito de uma espécie de taquara com diâmetro maior. Esta flauta tem um importante papel em narrativas. [20] Neste ponto da narrativa houve uma falha na digitalização da gravação. Assim, baseamos a tradução em uma primeira transcrição, feita anteriormente. [21] Depois que todos os índios partiram, o tio que restou queimou todas as casas, queimou tudo que havia. Então ele e a irmã foram embora para outro lugar, onde construíram uma outra aldeia.

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narratiVa 4

’ara waĒMawera pOrOneta História da COnquista da luz dO dia

Por Kanutary (Koka), em julho de 1999, na Aldeia Morená. Foi transcrita, em abril de 2004, com assistência de Tatap, em Campinas-SP. Na mesma cidade, foi realizada a revisão final em 2006, com auxílio de Páltu.


Narrativa 4 - ’ara Wa Waêmawera Poroneta História da Conquista da Luz do Dia

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Esta narrativa trata da conquista da luz do dia, ou da parte iluminada do dia, pelos irmãos Kwat “Sol” e Jay “Lua”, e relata os estratagemas que eles usaram para obtê-la de seu dono, o yrywutsing, ave que foi identificada como sendo o urubu-rei. Contudo, na narrativa ela aparece como um urubu bicéfalo, o yrywutsing mokõj akanga ma'e “urubu-deduas-cabeças”, o que se confirma no desenho incluído na narrativa. A figura do urubu bicéfalo aparece esculpida em bancos zoomórficos usados por chefes. Tenho conhecimento somente de uma outra versão do mito, publicada em Villas Bôas & Villas Bôas (1970: 83). Nela não há menção ao urubu bicéfalo. É interessante observar que, ao relatar o sofrimento do povo vivendo somente na escuridão, o narrador se refere ao fato de que as pessoas eram sempre comidas pelas onças, e menciona que “todos os que habitavam do lado de lá” já tinham acabado, vitimados pelo animal. Não fica claro quem seriam “os que habitavam do lado de lá”.

Contextualização

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Narrativa 4 - ’ara Wa Waêmawera Poroneta História da Conquista da Luz do Dia

'ara waĒMawera pOrOneta MOrOnetajat: Kanutary (KOKa)

[IL-1] Na página anterior: a anta, criada pelos irmãos Sol e Lua, em estado de putrefação, aparece cercada de moscas, que seriam enviadas pelos gêmeos para a terra dos urubus (Desenho de Wary Kamaiurá).

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'ara rekwawera aporoneta 'anga korin a'e wa. Ymawera ane je ko'yt, jene ypya, nite je 'ara kõ'. Ypytunime tete je jerekwap. Itakurua ywypywypype je jereome kõ', jene ypya 'iwîa kõ'. A'eramuë je jawara jene 'um, nanewara 'ume je, 'ara rupi ikwapawa ruëj a'iwî je ko'ypa. Ypytuna rupi tete a'iwî je jene ypya okwape kõ'. Awuje je o'akajymam awa, Kwar a'iwîa kõ': – Mawite te'ang jako ko pa, Jay? – Ene kowa! 'ara jaeka ko kwãj 'ang, 'ara jaeka ko'yt. – Hehë. Mawite te'ang jako korin? – Tapi'ira ryrua ane ja'awyky kopy. A'epe je temi'ûa motsarem a'iwî kõ'. A'ea je ewokoj omo'itse, tapi'ira ryrua 'awykytawera pype ko'yt – tsuruk tsuruk... Ma'anuara je aoka ko'yt, aoka je! Eape je ojoerupe kõ'. Eape je 'anga katy je tyke'yra, pea katy je tywyra, Jaya. – Ereome ko kwãj 'ang, ojame je, meiruwa upe kõ'. Aoká 'uwane je kõ', Kwara kõ', yrywua katy je ewokoj imonome kõ'. – Hehë. Tû ! Ohom a'iwî je meiruwa kõ, o'itsem je ohom yrywua pyrim a'iwî kõ'. Ãããng mowewea rekow kwa 'ãwan! – Mawite ko'yt? Ije'enga jepe ne ewokoj: “ûmzmzmz” – ijawame ko py, iporoneta je ewokoj kora'e wa, meiruwa poroneta. A'epe je ikawe'eng: – Ûmzmzmz.


História da Conquista da Luz do Dia por Kanutary (Koka)

Agora eu vou contar sobre a conquista da luz do dia. Há muito, muito tempo, no nosso começo, não havia claridade, somente a escuridão reinava por toda parte. Era sempre noite, não existia a luz do dia. As pessoas procuravam sempre estar junto dos cupins, onde pelo menos havia as luzinhas dos vagalumes que costumam ficar ao redor deles. Naquele tempo, por toda parte as onças comiam as pessoas. Todos passavam fome, pois sem a luz não dava para fazer roça, não dava para caçar nem pescar. No princípio não era na luz que as pessoas viviam, mas sim na completa escuridão. Então os irmãos gêmeos Kwat e Jay – o “Sol” e a “Lua” [1], estavam muito preocupados com o sofrimento do pessoal e ficaram pensando um meio de conseguir a luz. O dono dela era o yrywutsing, o urubu-rei [2]. – Como é que nós vamos fazer, Lua? – Vamos procurar a luz, vamos dar um jeito de forçar o urubu-rei a nos entregar a luz do dia! – disse a Lua. – Está bem. E como conseguiremos isso? – perguntou o Sol. – Primeiro vamos fazer uma anta oca por dentro, uma roupagem de anta. Os dois começaram a trabalhar. Quando terminaram de preparar a anta, encheram-na com mandioca. Foram pondo mandioca dentro do envoltório – tsuruk, tsuruk! Aí deixaram a anta lá deitada e esperaram um tempo para que a mandioca apodrecesse e ficasse fedida. Ah! Já estava cheirando muito mal, cheia de corós, com um montão de moscas

[1] Os gêmeos Kwat e Jay, são os heróis civilizadores do povo kamaiurá. Eles conseguiram para os Kamaiurá a luz do dia, a água, o fogo e várias outras coisas; eles ensinaram ao povo as cerimônias, os rituais, como consumir alimentos, como pescar, enfim, “tudo o que sabem”. Dos dois irmãos, a Lua é o mais esperto. O Sol sempre a ele recorre, consultando, perguntando sobre todas as coisas, como mostra esta narrativa. [2] A ave yrywutsing (lit. “urububranco”) é identificada como o “uruburei”. Segundo Tatap, há duas espécies de urubu-rei. Ambas têm plumagem branca ao redor do bico, no peito e nas asas, porém uma delas (Sarcoramphus papa Cathartidae) possui verrugas vermelhas e brancas em volta do bico, e a outra é maior e tem a cabeça pelada e vermelha. Na narrativa o termo yrywutsing refere-se ao urubu bicéfalo, entidade sobrenatural, geralmente denominada yrywutsing mokõj akangama'e (lit. urubu-branco-de-duas-cabeças). Ele é o dono do céu.

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Narrativa 4 - ’ara Wa Waêmawera Poroneta História da Conquista da Luz do Dia

– Anite a'ia'ip oroko a'e wa. Noro'anuwite ne je'enga a'e wa, na'anuwite a'ia'i kora'e wa! Aoka uwanawera 'iwîa je i'ypyp o'upe kõ'. – Pekwa te awa je'enga ra'angara tsorome kwa, japi'ia upe. Ohom a'iwî je kõ, jakaminana kõ': – Ejoane pea je'enga 'anup ore upe a'e! – Hehë. A'ep ije o'ut, ãhh, awa je'enga ra'ang je erut, awa je'enga ra'ara'ange tete je ero'itsem erut: – Mawite te'ã ko'yt? A'epe jepe je oje'eng: – Ûmzmzmz. – Mawite i'i? – Kooo! A'epe jepe je imojuwewit: – Ûmzmzmz. – Nite a'ia'iw ako a'e wa! A'ep a'iwî je i'akapawa ko'yt: – 'ang pane a'angin awa je'enga erea'ang ekome korin a'e wa! – ojam awa je ijupe. Japi'ia i'akapawa je: – A'ea katy pekwa ko'yt! – ojam je. Ujawa upe ko', japi'ia rujawa upe ko'. – Hehë. Okoj a'iwî je a'e katy ohom. Ohome kõ', o'itseme je ohom: – Ejor ane pea je'enga 'anup ore upe a'e! – Uma te'ang a'ea ko ran? – A'ea jepe ne rak ja'iwe oroenõj kopy. “Na'anuwite a'e wa” – ojam ore upe ko kwãj. Awa je'enga ra'amap okome jepi wa!

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circulando em volta dela. Então o Sol juntou um tanto de corós e embrulhou-os. Depois ele e a Lua entraram na anta e ficaram no lugar dos olhos dela. No olho esquerdo ficou o Sol, que era o irmão mais velho, o que tinha nascido primeiro, e no olho direito ficou a Lua, o irmão mais novo, o segundo a nascer. Antes disso a Lua chamou uma mosca: – Venha cá! A mosca veio e o Sol mandou-a levar o embrulho de corós para os urubus. Tum! A mosca saiu voando e logo, logo já estava entrando na morada dos urubus. Ela foi mesmo rápido como um raio, pessoal! – O que é? – perguntou o chefe deles, o urubu-rei, assim que ela chegou. Então a mosca falou na língua dela: – Ûmzmzmz [3]! Diz que é assim a conversa da mosca. Lá ficou ela com sua fala: – Ûmzmzmz! – Iiih! Não dá! Não entendemos nada do que você está falando. Não sabemos sua língua. Não entendemos nadinha! O embrulho de corós que a mosca trouxe continuava lá perto dela. – Vão buscar aquele que sabe falar todas as línguas – ordenou o urubu-rei, referindo-se ao xexéu amarelo [4]. O urubu-de-cabeça-vermelha foi à morada do xexéu. O pássaro o recebeu e perguntou: – O que você deseja? – Por favor, venha traduzir para nós a língua da mosca! O xexéu concordou. Lá veio ele, ah! Veio o caminho todo imitando as línguas dos outros, até entrar na casa do urubu. – Qual é o problema? – perguntou. – Queremos saber o que ela está falando. – disseram os urubus, pedindo em seguida que a mosca falasse.

[3] Representamos assim na escrita o zumbido da fala da mosca, que o narrador imita com perfeição. Para produzi-lo, ele sopra pelo nariz, ao mesmo tempo em que faz movimentos rápidos de vai e vem com o dedo indicador posicionado horizontalmente sob as narinas. [4] O nome do pássaro é japi'i, identificado por nossos auxiliares como sendo o xexéu, também conhecido como japim ou japi (Cacicus cela Emberizidae). Na classe wyrahet “aves” há uma divisão entre líderes, pajés, kamara “súditos”, e existe uma hierarquia entre os membros dessas “subclasses”. Há líderes e pajés que dominam um conjunto de grupos, e cada grupo tem seu chefe, pajé, líderes e súditos. As aves também se classificam por outros papéis e características: entre elas há guerreiros, produtores, pescadores, caçadores; e ainda ladrões, jactanciosos/enganadores etc. O xexéu, devido à sua capacidade de imitar tudo o que ouve, é considerado um tradutor. Mais recentemente é também considerado um lingüista (Ver Seki, a sair).

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Ãh, a'ea je o'ute kõ, japi'ia rujawa kõ'. Txjuk txjuk txjuk... O'itsem je o'ut: – Mawite ko'yt? – Ûmzmzmz! – Õaje! – Mawite i'i? – Arehekik a'e wa! A'ep ije imojuewit: – Ûmzmzmz! – Õaje'! – Mawite i'i? – Arehekik a'e wa! A'ep ije imojuewit: – Ûmzmzmz! – Õaje'! Ojerokwa'i tete je 'ang mijara o'upe kora'e wa. – Hej! – amomera je ko. – Hej! Myrenajara nip! – ikwahapete awa'iwî je kõ'. – 'angine aokera kopy! Aokera 'iwîa je, hëë! A'ep a'iwî je jakaminana 'iwîa i'um erupe kõ. Jukyra pype je imotse'ëtse'ëm awa erup. A'ea mopy'ytatawera te'ang oho Myrename kowa. 'ara 'awykytawera 'ang ane je ‘ang kopy, Myrename kori. Eë, jakaminana ne je o'ute kõ'. Tuk, pfuuuu, ojype je o'ut kakatsiã, tamangîa je ojyp o'ut, jakuaema rujap... Mapawame je ojoerut a'ea kõ', yrywutsinga kõ. Tok txuhwww, omoypy'ytatawera rehe je ojyp o'ute kõ'. Hë, apoa hwajte je kõ', ka'a pajea kõ: – Etsak ane ore upe ko kwãj, tamÿj! – Hehë.

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– Ûmzmzmz! – disse a mosca. – O que é que ela disse? – indagaram ansiosos os urubus. – Ah! Não sei não! – respondeu o xexéu. – Ûmzmzmz! – repetiu a mosca. – Putz! Não entendi patavina! – confessou o xexéu, desapontando os urubus. Então eles ficaram muito zangados, xingando o xexéu: – De hoje em diante você não pode mais ficar imitando a língua dos outros! – diziam para ele. – Vão chamar o xexéu-poderoso, o do rabo vermelho [5]! – ordenou o urubu-rei. O urubu-de-cabeça-vermelha foi fazer o que o chefe mandou. Assim que entrou na casa do xexéu-poderoso, ele pediu: – Por favor, venha traduzir para nós a língua daquela lá, da mosca! – Uai! Cadê o tal, o xexéu? – ele perguntou ironizando. – Nós o chamamos hoje mais cedo, mas foi em vão. Ele sempre sabia a língua de todo mundo, mas não conseguiu entender nada do que a mosca falou! Ããh! Então o xexéu-poderoso veio à casa dos urubus. No caminho ele não ficou imitando as línguas dos outros, mas veio o tempo todo falando a sua própria língua: “txiuk txiuk txiuk”! Logo ao chegar, perguntou: – Qual é o problema? – Ûmzmzmz! – falou a mosca. – Ah! É? – comentou o xexéu-poderoso. – O que ela disse? – queriam saber logo os urubus que estavam muito curiosos. – Espera um pouco!– pediu o xexéu-poderoso. Ele mandou a mosca repetir: – Ûmzmzmz! – ela falou de novo.

[5] Traduzimos como “xexéu-poderoso” o nome kamaiurá da ave japi'ia rujap. É um pássaro preto e vermelho, maior que o xexéu, e que foi identificado com o guaxe (Cacicus haemorrhous Emberizidae), o que ainda necessita confirmação. O termo t–uwijap/t–ujap (da classe r–; Ver Seki, 2000), que aqui ocorre modificando o nome japi'i, é de difícil tradução, porquanto abrange vários sentidos: grande, numeroso, poderoso, superior, monstruoso, sobrenatural. Nesta narrativa o japi'ia rujap aparece como um tradutor sério, realmente capaz, superior ao japi'i e, diferentemente deste, não é jactancioso, presunçoso. Nas conversas que ouvimos, os nomes dessas aves são aplicadas a lingüistas nos contextos em que a capacidade deles é avaliada. Aqueles considerados ruins são chamados de japi'i, e aqueles considerados bons são chamados de japi'ia rujap.

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A'eramuë te je 'ang pajeram, ka'apajea rekow kowa. A'epe je ipo'ywyri ohom: pyhryhryhryhry. – Nite, nite jepe a'e wa. A'epe je atsingaûa hwajt: – Ejote ko kwãj, paje! A'epe je atsingaûa ohom, i'ara rupi je ohom, anite. – Po ko'yt? – Nite jepe a'e wa! Jakuaema hwajte je. – Ejote ko kwãj! Eë, ipo'ywyri je ojan ohom, o'ywojte je, o'ywojt. – Po ko'yt? – Nite jepen a'epy. 'ã te je kakatsîa reî ea rehe tete. A'ea atsã jepe je wokoj ojeawok ko'yt. – Tsîã! Ojeawok kwãj 'awan! Ojeawok a'e wa, ojeawok a'e wa – ojam jepe a'iwî je. – Anite, anite nip a'e. Pëëë, ohuk ojoerut, yrywutsinga ne je imo'ypym a'iwî kõ. Tyky! I'arime je ojyp o'ute kõ'. Tuky! Ikypypyhyk awa je kõ. Puk puk puhhh! – Awuje jepe te rak a'e wa, 'awan! Eëë , ikamarahera 'iwîa je ojupit. Yrywu a'iwîa, jakaminan, ûûû! Opyra pype a'iwîa je o'itsem ohome kõ'. – Orojuka ruëj kora'e wa, tamÿj! Ene jue 'ara rekawa rehe 'ang oroekar a'e wa! Ah, imo'apykape je kõ', a'angawa pype kõ'. A'ehera 'ang ore reapewe oroerekome kõ, yrywutsinga ra'angap, ijawame kõ, imo'apykawera je ko'. – Õaje, tamÿj! – Ene jue ne 'ar etsakawa rehe jepe a'angine 'ang oroeka py, tamÿj!

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– Ah! Sim, está bem, entendi! Ela disse que lá embaixo tem bicho podre, bom para ser comido. – Será? – diziam algumas aves. – Olha lá, pessoal! Pode ser alguma armação do Sol e da Lua! – diziam outras, desconfiadas. Então a mosca mostrou o conteúdo do embrulho para elas, para convencê-las a descer: – Aqui está um pouco de corós do animal podre. Lá tem mais. Ela entregou o embrulho às aves. Hëë! Imediatamente o urubu-decabeça-vermelha começou a comer os corós, depois de temperá-los com sal. Lá embaixo o Sol e a Lua continuavam escondidos dentro da anta, esperando que os urubus descessem. O Sol havia criado árvores em volta do animal para as aves pousarem nos galhos. Isto existe até hoje aqui no Morená [6]. Foi aqui que a luz do dia foi conquistada. Êë! As aves resolveram descer. Primeiro veio o urubu-de-cabeçavermelha. Levantou vôo batendo as asas – tuk, pfuuuu! E veio descendo. Desceram o carcará, o gaviãozinho piê, o jacu verdadeiro, vários urubus e outras aves. Por último veio o chefe, o urubu-rei – tuk, txuhvvv! Foram pousando nos galhos das árvores que o Sol tinha feito. O uruburei estava desconfiado e por precaução decidiu enviar os pajés que o acompanhavam como batedores [7], para ver se era mesmo um animal morto que ali estava, ou se era gente, se havia algum perigo. Hë, mandou o ka'apaje, a “galinha-do-mato”: – Vai lá dar uma olhada para nós, vovô! É por isso que hoje o ka'apaje é pajé. Bem, a ave foi e ficou voando em volta do corpo da anta – pyryryryryry! Voava bem rente, olhando com muita atenção. Aí voltou e deu seu parecer: – Acho que não tem nada não!

[6] Myrena “Morená” é o nome de uma região que abrange a confluência dos rios Kuluene e Ronuro, formadores do rio Xingu, e o início deste (Ver Mapa 1, página 47). Considerada o “centro do mundo” pelos Kamaiurá (Ver Agostinho, 1974:16), lugar de várias ações míticas.

[7] Várias aves-pajé acompanharam o urubu-rei: o ka'apaje “galinha-do-mato ou wina”, jacu, cujubim, jacupemba e o chincoã ou alma-de-gato.

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A'eramuë je, jakuaema tete opytame kõ. Ekate je kõ. – Ereome ko kwãj pe! Ehë , okoj a'iwî je ohom, hawera rerute je kõ. – A'ea te'ã kõ? – Hawera te'ã kowa. Ypytuna retyk ete jue je. – Aetea te eru ko kwãj! Ojewytete jue je. – A'ea te'ã kõ? – Nite a'e wa, tytewara te'ã wa, amoa te kwãj! Ojewytete jue je, erojewyte je erut. – A'ea te'ã kõ? – Nite a'e wa. Aetea ke eru kora'e wa! Ojewytete jue a'iwî je, kuritsaka rowajhera rerute je. – A'ea te'ã kõ? – Nite a'e wa, kuritsaka rowajhera te'ã wa. Erojype je erut. – A'ea te'ã kõ? – A'e e'yma te'ã wa! Ojewytete juet, kaninea rowajuwa upe kõ, erute je. Awyje je 'ar ojuwa mo'ute kõ. – A'ea te'ã ko? – Awyje ypy'ypy jako kora'e wa! Ojewytete juet, arara rowajhera rerute je kõ. – A'ea te'ã kõ? – Arara rowajhera te'ã wa! Ojewytete jue je, ararun ipitsuna ma'ea rowajhera rerute je kõ, okamure aparokam erut. – A'ea te'ã ko?

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O urubu-rei enviou outro pajé, o chincoã, para ver a situação: – Vai até lá verificar, pajé! O chincoã foi e ficou voando por cima do corpo da anta, observando atentamente, mas não percebeu nada de estranho. Voltou para o galho e os urubus perguntaram: – E então, pajé? – Parece que não tem nada não! – respondeu o chincoã. Então o urubu-rei enviou um outro pajé, o jacu: – Vai lá dar uma olhada para nós! Eë, ele passou várias vezes em volta da anta. Vinha em sucessivos vôos rápidos, freava deslizando ao aproximar-se do corpo do animal e depois se afastava, fazendo assim sua pajelança. Sem perceber nada de estranho, ele voltou e deu sua opinião: – Olha, eu acho que não tem nada não! Durante todo esse tempo o carcará tinha ficado pousado num galho, observando a anta, fixando os olhos dela. Houve um momento em que o Sol, escondido em um dos olhos do animal, entreabriu os olhos para ver como estava a situação. Aí o carcará percebeu e avisou às outras aves: –Tsîã! O olho mexeu, pessoal! O olho dela mexeu, o olho dela mexeu! – afirmava o carcará, mas as aves não acreditaram: – Que nada! Acho que não! – diziam para ele. À tarde as aves decidiram baixar. O urubu-rei desceu e pousou sobre o corpo da anta. O coitado já ia começando a bicar quando o Sol o agarrou firme pela perna. Imediatamente as aves levantaram vôo – puk, puk, puhh –, fazendo um grande barulho com suas asas. – Eu bem que avisei para vocês, mas ninguém acreditou! – ficou dizendo o carcará.

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[IL-2] O urubu-rei bicéfalo, dono da luz do dia, cai na emboscada armada pelo Sol e seu irmão gêmeo Lua: pousa na falsa anta e logo será agarrado pelo Sol, escondido dentro dela. Súditos do urubu-rei estão pousados nos galhos de árvores criados previamente pelos irmãos em torno da anta (Desenho de Karatsipa Kamajurá e Wary Kamaiurá).

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Ãã! Os súditos do urubu-rei voaram para o alto. Os urubus entraram em suas casas e lá ficaram. – Nós pegamos você não foi para matar não, vovô! Estamos apenas em busca da luz do dia que só você tem. – disseram o Sol e a Lua ao urubu-rei. Ah! Fizeram-no sentar-se sobre um desenho que haviam feito dele, sobre a figura do urubu-rei. Esta é a imagem que até hoje nós guardamos bem em nossa memória e que reproduzimos nos banquinhos [8]. Pois bem, fizeram-no sentar-se, e aí ele disse: – Então é assim, meu neto? – É isso. Queremos apenas a luz do dia que só você tem, vovô. Então o urubu-rei chamou o jacu, a única ave que havia ficado ali embaixo com ele, e pediu: – Vá lá buscar, meu kamara! O jacu foi e voltou, mas em vez das penas que continham a luz do dia, ele trouxe penas dele mesmo e que só traziam mais escuridão. – É esta a pena do dia, Lua? – o Sol perguntou ao irmão. – Não, isto aí é pena dele mesmo. – respondeu a Lua, e ordenou ao jacu: – Traz as penas verdadeiras! O jacu foi de novo e regressou trazendo outro tipo de pena. – É esta a pena certa, Lua? – perguntou o Sol. – Não é não, é diferente. A pena que contém a luz do dia é outra. O jacu foi novamente e voltou trazendo outra pena. Ele continuava tentando enganar o Sol e a Lua. – É esta a pena certa, Lua? – perguntou o Sol.

[8] Entre peças características da cultura material dos Kamaiurá (e outros povos alto-xinguanos) estão apykap “bancos zoomorfos, esculpidos em uma só peça de madeira”. Vários animais, sobretudo aves, são representados nesses bancos, usados somente por homens. Bancos esculpidos em forma de urubu bicéfalo eram usados por chefes.

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[IL-3] Arara-canindé (Desenho de Karatsipa Kamajurá).

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– Araruna te'ã wa, araruna rowajhera te'ã wa. Awuje je ote'õram ojoerekome ko. – Aetea ke eru kora'e wa! Ojewytete jue je. 'anga yrywutsinga pepoa pëtawera rerute je ko. – A'ea te'ã ko'yt? – He'ë, a'ea te'ang kora'e wa. A'eramuë a'iwî te je ewokoj jene 'ypya kowa. – Jaja'ywõ ko kwãj, 'awan! Okaramemahera kam awa 'iwî erahame kõ – tók tók tók! Ja'ëa, ikam awa 'iwî je kõ. Itymawa 'iwî je eraham. – Jaja'ywõ ko'yt! – i'i awa ne je okoj kõ. Jene 'ypy a'iwîa je, ymawe ko'yt. Awyje je ko'yt, awyje je ko'yt, awyje je ko'yt. – A'ea te'ã ko pa? A'ea te'ã ko pa? A'ea te'ã ko pa? A'ea te'ãng? Eëëëë o'apape katu je o'ute kõ. Eroyke erute kõ. – A'ea te'ã ko, tamÿj! A'ea 'ãng kora'e wa, tamÿj! 'anga rehe te rake 'ang oroeka kowa, tamÿj! A'ea ime'eng ijupe kõ. Kwara upe ime'enge kõ. A'ea ime'enge kõ. – 'anga te'ang ereroem erekome korine wa, tamÿj. Ikamure aparoka rero'ine kõ. O'awyje ram awa je kõ. Eëãã! I'apyte kytyk a'iwî je. – He'! Awyje rake kora'e wa, tamÿj! 'ang a'iwî te je i'awawõjã jemo'apykawa o'upe ko. Oja'uke jepe je ewokoj akyhera awa. Amoa tete je oje'akawange kõ. Oje'akawange je. Oyke je ohom. – Morerekwara ruri ko kwãj 'awan! – Je katu we jepe a'e wa, kunu'umet. 'ara rekwawera kõ. A'ehera te je'ang, 'ã 'arame kwa, kwara emiekwareraj.


– Não é esta não, é outra. – respondeu a Lua, e logo disse para o jacu: – Você tem que trazer a verdadeira! O jacu foi e logo voltou trazendo pena do rabo de curica. – É esta a pena, Lua? – indagou o Sol. – Não, não é não. Isto é pena do rabo de curica. O jacu foi de novo e desta vez trouxe na cabeça, em forma de cocar, penas amarelas do rabo de arara-canindé. Assim que chegou, clareou um pouco, o dia ficou amarelado. – É a pena do dia, Lua? – perguntou o Sol. – Já estamos chegando perto, mas não é a pena do dia não. Da outra vez que foi, o jacu voltou trazendo penas do rabo de ararapiranga, mas a Lua recusou. Depois ele trouxe penas escuras do rabo de arara-azul. Trouxe-as em forma de brincos, kamure aparok [9]. O Sol perguntou: – É essa a pena certa, Lua? – Não. Estas são penas do rabo de arara-azul.

[9] Kamure aparok são brincos (adorno auricular) confeccionados com penas retrizes de arara, cujos cálamos são montados em pedacinhos de cana de ubá. Os brincos são usados voltados para as costas, retos, na horizontal. São fixados por meio de uma vareta fina e arqueada de taquara, que passa sob o nariz, e cujas pontas atravessam o orifício do lóbulo de cada orelha, da frente para trás.

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O Sol e a Lua já estavam ficando cansados de tanta embromação. Então a Lua falou duro com o jacu: – Você tem que trazer logo a pena verdadeira! O urubu-rei, cativo como estava, não teve outro jeito. Mandou o jacu buscar as penas que continham a luz do dia. O jacu voltou trazendo na cabeça um cocar de penas das asas do urubu-rei. – Ah! Esta é a pena da luz do dia! – disse a Lua. Quando o jacu chegou, tudo foi clareando. Já havia luz. Isto aconteceu nas nossas origens. Vendo a claridade pela primeira vez, as pessoas se assustaram: – Parece uma visão, um mau sinal, gente! Ficaram com medo da luz do dia. Pensando que iam morrer, começaram a quebrar todas as coisas – tók tók tók! Quebravam e enterravam panelas [10]. – Estamos tendo uma visão, pessoal! – diziam o tempo todo. Isto aconteceu em um tempo muito remoto, nos nossos primórdios. Já o dia vinha surgindo, vinha chegando a claridade. – Olha aí! Olha o dia! É ele, é ele! Êëëë! Clareou completamente. O jacu havia trazido o dia. – Este é mesmo o dia verdadeiro, vovô? – É ele sim, meu neto. – confirmou o urubu-rei. – Era isto que estávamos procurando, vovô. Então o urubu-rei entregou para ele, para o Sol, o cocar, as braçadeiras e brincos de pena que o jacu havia trazido. – Agora você pode se levantar e sair, vovô. – disse o Sol, que já usava nas orelhas os brincos que o urubu-rei lhe havia dado. Já estava terminada a missão do Sol e da Lua. Porém, antes de liberarem o urubu-rei eles pegaram uma pedra e esfregaram na cabeça dele, deixando-a pelada.

[10] Como informam os auxiliares kamaiurá, até hoje, quando alguém morre, seus pertences são queimados, ou quebrados e enterrados. Objetos de metal são jogados na lagoa. Se a pessoa morta era casada, alguém do mesmo sexo do cônjuge viúvo troca de rede com ele. Assim o viúvo ou viúva não terá que usar a mesma rede em que “dormia” com o finado cônjuge.

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[IL-4] Na página anterior: o jacu, enviado pelo urubu-rei seqüestrado para buscar a luz do dia, volta trazendo um cocar de penas amarelas de arara-canindé, numa de suas muitas tentativas de enganar o Sol e a Lua. Como resultado, um pouquinho de luz surgiu na escuridão (Desenho de Páltu Kamaiurá).

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A'ehera te je'ang weroem erekome kwa, o'akanga rehe kori. Kwar iakamãj a'e wa jene ijawame kori, ime'engawera kori. Opap.


Enquanto isso, lá em cima, os súditos do urubu-rei já haviam raspado as cabeças, pois achavam que seu chefe havia morrido. Eles já haviam tomado o banho para tirar o luto, e alguns já tinham até mesmo pintado suas cabeças de vermelho [11]. Aí o urubu-rei chegou de volta à sua aldeia. – O chefe chegou, pessoal! – Embora eles tenham conseguido a luz do dia, eu estou bem, rapazes! – disse o urubu-rei, tranqüilizando os seus súditos. Desde então nós temos a luz do dia. Foi o Sol que a encontrou. Por isso ele a traz sempre, depois de cada noite. Ele traz o dia no cocar que usa em sua cabeça, aquele que lhe foi dado pelo urubu-rei, o cocar do sol – assim nós o chamamos. Acabou.

[11] Logo que alguém morre, seus parentes próximos têm o cabelo cortado. Posteriormente, o luto é levantado com um banho, após o qual os homens têm sua cabeça pintada com uma pasta vermelha de –akawang “urucum” (Ver Agostinho, 1974, para uma descrição dos ritos funerários).

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narratiVa 5

awatsia pOrOneta Hist贸ria dO MilHO

Por Tarakwaj, em 2 de agosto de 1989, na Aldeia Ypawu. Foi transcrita, em 4 de dezembro de 1992, com assist锚ncia de Tatap, na cidade de Campinas-SP.


Narrativa 5 - Awatsia Poroneta Hist贸ria do Milho

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Esta narrativa versa sobre a origem do milho e de outros produtos tais como a pimenta e diferentes tipos de cabaça, e também sobre o uso da arranhadeira. Cinco irmãos estavam preparando uma grande roça conjunta. Já haviam feito a derrubada e quando a área estava pronta para ser queimada eles partiram para uma pescaria coletiva, deixando para trás o irmão mais novo, o único solteiro, que alegou precisar ficar, pois tinha que fazer flechas. Na ausência dos irmãos ele passou a assediar as cunhadas, insistindo para que elas lhe cedessem seus pêlos pubianos, que eram então plumas vermelhas, para usá-los na emplumadura das flechas. Afinal a esposa de um dos irmãos acabou concordando. Ao regressar da pescaria e tomar conhecimento do que ocorrera, o marido traído ficou muito amargurado e decidiu dar cabo da própria vida queimando-se na roça. Os outros três irmãos resolveram fazer o mesmo, ficando o traidor encarregado de atear o fogo. Depois de um tempo, produtos desconhecidos cresceram no local e faziam barulho à noite, deixando assustadas as viúvas dos quatro irmãos e as demais pessoas da aldeia. Vendo que algo estranho se passava na aldeia, os Senhores do Morená, Kwat “Sol” e Jay “Lua”, decidiram ir até lá. Eles explicaram aos Kamaiurá que produtos eram aqueles, ensinaramlhes como preparar e consumir o milho, como passar a arranhadeira e, antes de voltarem ao Morená, mudaram os pêlos pubianos das mulheres, para evitar problemas futuros. Nesta versão de Tarakwaj os irmãos estavam fazendo uma roça de milho. Porém a narrativa deixa claro que o milho era ainda desconhecido. Indagados a respeito, os Kamaiurá dizem que “o pessoal estava querendo fazer roça de milho, que ninguém tinha, nem sabia como usar”.

Contextualização

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Narrativa 5 - Awatsia Poroneta História do Milho

[IL-1] Na página anterior: o milho nascido no lugar onde os irmãos tinham se queimado, já crescido e quase no ponto (Desenho de Páltu Kamaiurá e Karatsipá Kamajurá).

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Conheço apenas duas outras versões do mito, ambas registradas em Português por Samain, em 1977, contadas por Tarakwaj e por Karumã (irmã do narrador Awmari), ambas traduzidas por Kotok. Na primeira, não se especifica qual tipo de roça os irmãos estavam preparando. Na versão de Karumã a roça era de mandioca (Ver Samain, 1977: 132-150; 1980: 131-143; 144-150), e quem veio à aldeia foi Mawutsini, não os gêmeos.



Narrativa 5 - Awatsia Poroneta História do Milho

awatsia pOrOneta MOrOnetajat: taraKwaj

'anga wite ne je py. Awatsia je omo'upaw awá. Awatsi ojuaw awa. A'ea, a'ea je ewokoj, awatsia, awatsi ojuapawaaaa. Tyke'yra awatsia je ko'yt. Amoa awatsia ko'yt, amoa awatsia ko'yt. 'ãng te tywyr awa. 'anga wite etã awa ko'yt. A'ea je ewokoj awatsia, a'ea je ewokoj: – Jaha kora'e! – ojam je ko'yt. – Jaha kora'e. Jaha jene awatsia a'ea poya rehe kora'e wa. – Hehë, jaha ne kopy. –Jene py'ata pea'uat ko'yt – wemirekomera upe. 'anga wite war atsã rakwarawá, johera rewikwarawa wite. Yty je, emirekomera rakwarawá. –Hehë. A'ehera je, my'atã okytyk awa ko'yt. Auje, hemirekoa je mejûa nume ko'yt. Hemirekomera mejûa nuuum, auje. 'ara o'at o'ute ko'yt. – Jaha kora'e! – Jaha ne kopy! Jaham! Jaham! – Jaha kora'e, pe! – Je pituw a'e wa. – Hehë, epyta ane te ko kwãj. Ore tete ane torojomonom. Ojomonom awa je ko'yt. Yara wite ipy'atã awa, ojomonome ko'. – 'anga wite tete akerin a'e wa. Jenepomoma tete 'ang aha weket a'e wa. Ojomonome ko'.

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História do Milho por Tarakwaj

Diz que a história é assim. Eram cinco irmãos, quatro deles casados e um solteiro. Eles estavam fazendo roça para plantar milho. Cada um tinha sua roça, e elas ficavam uma junto da outra. Eles já haviam terminado a derrubada e deixaram secando. Quando já estava pronto para a queimada, o irmão mais velho chamou os outros: – Vamos pescar, pessoal. Vamos buscar alimento para pagar o trabalho na roça de milho [1]. – Vamos sim! – concordaram eles. Aí eles mandaram as mulheres prepararem o farnel para a viagem. Naquele tempo as mulheres tinham plumas, em lugar de pêlos pubianos. Eram plumas vermelhas, lindas mesmo, como as que o johet, o “tucanode-peito-branco”, tem próximo à cauda. Assim eram as plumas pubianas das mulheres. Pois bem. Então as mulheres foram preparar as matulas. Ralaram mandioca, assaram beiju, assaram bastante beiju. Ficou tudo pronto. Quando o dia vinha amanhecendo, o irmão mais velho chamou: – Vamos, gente. – Vamos, vamos! – responderam seus outros três irmãos casados. Porém o mais novo, o solteiro, disse: – Eu estou muito desanimado! – Está bem, você fique então. Vamos somente nós quatro.

[1] O termo usado é –poy “alimentar” (verbo transitivo) e também “alimento que se dá (ou se recebe)”. Trata-se aqui de retribuição, sob a forma de alimento, por serviços prestados por pessoas no trabalho na roça. Isto ocorre em outras situações, como na construção do apenap “sepultura”, na construção de casa, e na participação em danças por ocasião de rituais.

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Narrativa 5 - Awatsia Poroneta História do Milho

Hemirekomera, yty! Hemirekomera rakwarawa je, yty! A'ea wite tete hemirekomerawa, yty, jerepiraaang akwarawa wa. A'ehera te je 'ang, johera rewikwarawame ko kowa. Awahera kujã rakwarawera je ko'yt. Okete je ko'yt. Ipira jukam awa ko'yt, ipira jukam awa ko'yt, ipira jukam awa ko'yt. Ipira 'aujerame ko'. Auje'. Auje rame ko'. O'iran je oje'eran awa ko'. A'ea je y'ywa o'awyky. Tywyra, y'ywa oawyky. A'ea je ewokoj apo ko'yt: – Ah! Eroatsa te je ry'ywa rewijaw awa, pe! – Nite ako a'e! Nite a'e! Nite a'e! – ojam je ko'– Nite a'e! Nite a'e! Ikatukatu ne re'ÿj awa toyk a'e. – Ene, pe? – Nite ako a'e! Pea je, amoa je: – Ene, pe? – Nite ako a'e! Amoa je i'akwahawuma'ea, a'ea rakwaraw je okoj opo'ok. Ikatu je akwarawa po opap y'ywa rewijawame ko'. Auje'. – Aaah! Ma'are te ko ma'e, pe? Jene katu 'iwerin a'e! Okoayay ojomuhute korin a'e 'ang. Aje ere te a'e 'ang! E'ÿj awa i'akape ko', iporotymera i'akape ko': – Hehë ere te a'e 'ang! Jene katu'iweri korin a'e. Okoayay ne'irûa o'uten a'e 'ang. Auje kooo'. Okeawera witeee, oyk o'ute ko': – Kãw! – Po ojomuhur awa kora'e! Noehemite ane ko'. Okojwana rakwar awa jue ytyyy, okoj rakwar awa je. Hë! Oyk awa je ojomuhute ko': – Kãw! Kãw! Kaparim a'ama tsorome kora'e!

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Eles embarcaram na canoa, acomodaram lá a comida que as mulheres haviam preparado e foram. Antes de partir o irmão mais velho avisou para a esposa: – Vou demorar só cinco dias. Este é o tempo em que dormirei fora [2]. As plumas pubianas das esposas eram lindas! Eram vermelhas, bem vermelhas. Todas as mulheres tinham as plumas pubianas daquele jeito, como as plumas da parte traseira do tucano. As plumas vermelhas do tucano antes eram de gente, eram as plumas pubianas das mulheres. Lá no acampamento os homens pernoitaram e depois começaram a pescar. Nos dias seguintes mataram peixes, muitos peixes. Quando já havia uma grande quantidade de pescado, eles pararam de pescar. No outro dia partiram de volta para a aldeia. Enquanto os quatro estavam na pescaria, lá na aldeia o irmão mais novo ficou fazendo flechas, e foi assim que começou tudo o que iria acontecer depois. Ele estava à procura de peninhas para colocar nas extremidades das flechas. Então pensou em usar as penas pubianas vermelhas das cunhadas. Chegou para a esposa do irmão mais velho e pediu: – Cunhada, me arruma um pouco de suas plumas para eu pôr nas minhas flechas! – De jeito nenhum! Nem pensar! Nem pensar!– ela disse – eu quero que teus parentes cheguem bem, sem problemas. Aí ele foi pedir para a esposa do segundo irmão: – E você aí, cunhada! Me arruma um pouco de suas plumas! – De jeito nenhum! – ela respondeu. Então ele fez o mesmo pedido à esposa do terceiro irmão, mas ela negou como as outras tinham feito: – De jeito nenhum!

[2] Alimentos obtidos da mandioca brava e o peixe constituem a base da alimentação dos Kamaiurá, sendo o último a principal fonte de proteína. Há uma série de restrições quanto ao consumo de carne de caça, particularmente no que se refere a animais de pêlo. Em pescarias coletivas, que podem durar alguns dias, os participantes se dirigem ao local da pesca. Ali acampam e moqueiam os peixes que depois serão transportados para a aldeia.

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Narrativa 5 - Awatsia Poroneta História do Milho

Kujãmerera ojomuhute ko'. Kujãmerera ojomuhut, yty! – Uma a'ea ko'yt? – ojam je ko'. – Pë jepe ne ijow kopõj. – To'urike pira tsorom a'e wa! Ohom je: – Ereome pira tsorome kojawy kyne 'ang! A'ea owapywapyp ete okome ko'. Owapywapy tete 'anga rekow. – Ma'anuara te'ang owapywapyp erekome pa? – Ma'anuara ma'e 'ang? – ojam je ko'yt – ma'anuara ma'e 'ang? – Ne rywyra wy'ywa rewijawam ipo'opape heme ma'e 'ang. A'ea te'ang werotsî a'e. – A'eramuë ne rak ipytaupyw! A'eramuë ne rak ipytaupyw! 'anga wite wara rehe i'i. A'eramuë ne rak nohoite ore nite py! Okarum awa je o'upe ko'yt. – Nite jako a'e! Awyje jepe te rak a'e ne upe a'e 'ang! Oje'enguma'e'ymam o'up, wemirekoa 'akap: – Aje ere te nipe iupe ran wa 'ang – A'ea je pyhyk a'e! Ere a'e jepe nipe kyn? A'ea tete rake ne rywyra je pyhypyhyk a'e 'ang. Ere a'e jepe nipe rak iupe kyn? – Ne 'akwahawite ekome wa 'ang. I'akwahawuma'e'ÿ tete, kujã! O'iran je ko'yt, o'irã mapawame ko'yt, a'erawi je okoj apyme ko', apym okwap. – Ajere! – Haj! – O'iran jene 'awatsia rupawa ja'apy korin a'e wa. O'iran jakoapy korin a'e wa. O'iran jakoapy korin a'e wa, pe. Je rapyke kora'e wa – ojam je ko'– je rapyke kora'e wa. – Ije jue potar ako rane pa!

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Aí ele foi pedir para a outra cunhada, a esposa do quarto irmão. Ela era muito tola, sem juízo, e acabou concordando. Ele foi arrancando as plumas pubianas dela para emplumar suas flechas e acabou arrancando tudo. As outras mulheres ficaram muito zangadas com ela: – Como é que você foi fazer isso? Não vai acabar nada bem para nós. Quando nossos maridos voltarem, vão ficar muito bravos! As parentes ficaram brigando com ela: – Você foi logo concordando quando ele pediu as penas! As concunhadas a censuravam o tempo todo: – É mesmo, você concordou facilmente. Isso que aconteceu não vai ser nada bom para nós. Teu marido vai ficar muito bravo quando chegar. Os pescadores ficaram fora cinco dias e regressaram na data prevista: – Kãw! – gritaram lá no porto, avisando que tinham chegado trazendo peixe e chamando as mulheres para irem buscar. – Ouviu? Eles estão chegando. – disse uma delas. Estavam preocupadas. As plumas pubianas daquela mulher ainda não tinham nascido de novo, ela estava com o púbis descoberto, sem nada. As outras continuavam do mesmo jeito, com o púbis bonito, coberto de plumas vermelhas! Hê! Os homens seguiam avisando e chamando: – Kãw, kãw! Venham depressa buscar os peixes! Foram somente as mulheres que ainda tinham suas plumas pubianas vermelhas. A outra ficou lá na casa. O marido dela então perguntou: – Cadê minha mulher? – Ela foi pra algum lugar. – respondeu uma das cunhadas. – Diz pra ela vir buscar os peixes. – ele mandou. A mulher foi até à casa e deu o recado: – Teu marido disse que é pra você ir buscar os peixes.

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Narrativa 5 - Awatsia Poroneta História do Milho

[IL-2] Na próxima página: os quatro irmãos casados, cada um na parte que correspondia à sua roça, onde decidiram morrer durante a queimada (Desenho de Karatsipa Kamajurá).

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– Ne porijauwa rap a'anuw a'e wa! – Ore rapyke kora'e wa, pe! Terejemo'ete katu te rane wã, 'anga rakwarawa po'ome rane wã! 'ãããme katu je kwara ko', 'ãããme katu je ko': – Jaha kora'e! Ejorik ore rapyme kora'e wa – wywyra upe – terejemo'e katu 'anga rakwarawa po'om ekom, ne ry'ywa rewijarame kora'e wa! Tywyr awa je 'akyheri ko'. Myteeéripe je o'up, tyke'yr awa ko'yt. Mapáipe amoa, mapáip, amongaty je amoa. 'anga wite je okoj ko'. 'ang te je ewokoj oapy awa ko wa. – Erek ore rapyme kora'e wa! Tuk tuk tuk tuk tuk tuk tuk. Hé! Tata okajte ko'yt, tu tu tu tu tu tu tu. Auje ko'yt, tyky! Oyk o'ute ko'yt. Okajpape tyke'yra. O'ut amoa upet, okajpap. O'ut amoa upe, auje'. Tu tu tu tu tu...Éééé, awatsia rupawa je okajt ohom. Okajpap. – Je jue potar a'ang ako ko'ypa! A'epe je ohom tywyr awa ko', póky! Tata ratapÿja 'arim ojerejerepe tete okom: – Ete ete ete ete! Ojãojan je okom. – Awyje te jepe te rak a'e ne upe a'e 'ang! Aje ere te rake kyne 'ang! A'ep ane je i'akap awa: – Awyjete jepe te rak a'e ne upe a'e 'ang! – Ete, ete, ete, ete! – o'ute je. – Ekwake nane kora'e 'ang! Ene a'ang erejemotsî ne ryke'yna rehe kyne 'ang! Ere'om a'e! Iapea rehe je imomot. A'epe te je o'ut: – Ete ete ete! – Ekwake mama'erame kora'e! – Ha', hã', hã', hã'!


Aí a mulher foi. Foi andando encurvada, se abaixando, tentando esconder o púbis. O marido achou aquilo estranho: – Por que é que ela está andando desse jeito? De que será que ela está com vergonha? – perguntou. – O que você acha que estou com vergonha de mostrar? O que é? O que é? – ficou dizendo a esposa, com ironia. Então uma das cunhadas contou para o rapaz: – Teu irmão arrancou todas as plumas pubianas dela para emplumar as flechas dele. É disso que ela está com vergonha! O marido daquela mulher ficou muito bravo: – Ah! Foi por isso que ele ficou para trás e não foi pescar com a gente! Ele ficou aqui na aldeia só para fazer isto! Foi com essa intenção que ele ficou para trás! Levaram os peixes para a aldeia, prepararam e depois ficaram comendo. O clima estava muito tenso. A esposa do irmão mais velho dizia para a cunhada: – Não está nada bom para nós! Eu bem que avisei para você! Primeiro o marido traído ficou deitado em silêncio, como se fosse mudo. Depois começou a brigar com a esposa: – Você deve ter concordado logo quando ele pediu! – Não! Ele me forçou. Você acha que eu concordaria, querido? Ele ficou me segurando! Como você pode pensar que eu consenti? – mentia a esposa, tentando se defender. – Você perdeu o juízo! Você é doida mesmo, mulher! E assim ele continuou brigando com ela no dia seguinte e ainda no outro. Então decidiu fazer a queimada da roça e lá morrer queimado. Ele procurou cada um dos irmãos para falar sobre isto: – Mano! – Sim!

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Narrativa 5 - Awatsia Poroneta Hist贸ria do Milho

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– Amanhã vamos queimar a roça do milho! Vamos queimá-la amanhã e eu quero que vocês me queimem lá. Então os outros três irmãos casados decidiram se queimar junto com ele. – Eu também vou me queimar, do contrário eu não poderia seguir vivendo! – argumentava um. – Eu sentiria muita pena de você! – dizia o outro. Assim, os quatro irmãos decidiram se queimar. Então o que foi traído disse para o irmão traidor: – Agora, você vai ter que nos queimar, mano! Assim ficará livre para poder arrancar à vontade as plumas dessa mulher aí! Quando o sol estava bem a pino, bem ao meio-dia ele chamou os irmãos: –Vamos, lá! – ele disse aos irmãos. Aí se dirigiu ao traidor: – Venha para nos queimar. Assim você ficará livre para arrancar as plumas dela para pôr nas tuas flechas. O rapaz obedeceu e seguiu os irmãos. Chegando lá, os quatro irmãos casados se posicionaram em quatro pontos no meio do roçado, cada um na parte que correspondia à sua roça. Diz que foi assim que aconteceu. Foi assim que eles foram queimados. Então eles disseram ao traidor: – Estamos prontos! Você pode nos queimar. O irmão traidor foi ateando fogo em volta da roça – tuk tuk tuk tuk tuk tuk tuk. Aaah! O fogo foi se alastrando – tu tu tu tu tu tu, chegou rapidamente até onde estava o irmão mais velho e ele se queimou todo. E assim foi chegando a cada um dos outros irmãos e os queimou [3]. He! A roça de milho ficou em chamas, queimou-se toda. Restavam já somente brasas, cinzas quentes e fogo baixo em alguns pontos. Aí o irmão culpado ficou pensando:

[3] Representação dos auxiliares kamaiurá do posicionamento dos quatro irmãos e o modo como o fogo foi ateado na roça. O 1 representa o irmão traído, o 4, o irmão mais velho, o 2 e 3, os outros irmãos intermediários. O irmão “traidor” foi ateando fogo na roça pelas bordas, indo da direita para a esquerda, a partir de um ponto próximo ao irmão “traído”:

4

2

3

1

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Narrativa 5 - Awatsia Poroneta Hist贸ria do Milho

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– Pra que é que eu vou continuar vivendo? Vou me queimar também. Então ele foi para o lugar onde os irmãos tinham se queimado, jogouse lá e ficou rolando de um lado para outro sobre as brasas. Mas logo saiu gritando de dor – “ai ai ai ai”! – e correu cambaleando para a aldeia, com o corpo todo queimado. Lá na aldeia as mulheres estavam muito tristes e continuavam recriminando a cunhada: – Eu bem que te avisei, mas você foi logo deixando ele arrancar tuas penas! – ficava dizendo a viúva do irmão mais velho. O rapaz chegou na casa dela gemendo de dor por causa das queimaduras – “ai ai ai ai”! Mas ela logo o repeliu: – Vai pra lá! Você desonrou teus irmãos! É o culpado pelo que aconteceu com eles! Pode sumir daqui! Ele queria entrar, mas ela o empurrou pelas costas. Aí, sempre gemendo, ele foi para a casa de outra cunhada, que também o enxotou: – Vai embora daqui! Vai como mama'e, como espírito! Ele foi gemendo como mama'e: “hë' hë' hë' hë'”. Estava cheio de queimaduras, abatido, sentindo muita dor. Lá do lugar onde ele estava a gente podia ouvi-lo gritando: “ai ai ai ai”! Depois ele veio de novo procurar as cunhadas, mas elas não queriam saber dele:

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Narrativa 5 - Awatsia Poroneta História do Milho

[IL-3] Na página anterior: o irmão traidor, que fora encarregado de atear o fogo, ao ver os irmãos se queimando decidiu também morrer e jogou-se na roça. Porém fez isso quando restavam já somente brasas, cinzas quentes, fogo baixo em alguns pontos, e muita fumaça. Mas logo sairia de lá vivo, embora com o corpo todo queimado (Desenho de Páltu Kamaiurá).

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I'awakame je okom. Jene i'anupeje tywyra rekotawa: – Ete, ete, ete, ete, ete! – o'ute je. – Ekwa kyne 'ang! Umam a'ang erejo ma'e? Imojewyt ete awa 'iwî je. A'ep je ohom, nan je o'ut, 'anga katy je ohom, a'e katy je ohom: – Ete, ete, ete, ete! Nan je ohom– “ete” – o'ute jepe je – “ete”! – Ereom a'e nan! Ene a'ang ake ne ryke'yna rehe erejemotsî kyne 'ang! Ekwa kora'e, mama'erame kora'e! Jene i'anupe je ikotawa. Eeee, amoete je ohom, uma rehe wite je o'ut: – Ete, ete, ete! Hã', hã', hã'! Jene i'anupe je ikotawa. Awuje je jene 'ar okyte ko'. Jene 'ar okyte ko'. Û'û'û, mapawam. Awatsia je ijeuwi kwa. Awahera ko wa. Ûûûû, 'am ohome ko'. Amoa pupet, amoa pupet, awyje. Pem je amoa, y'a, yky'ÿja, a'epe je o'upe ko'yt. O'iran je ko'yt, ãããã! Awatsia je i'awyjepawam ohome ko'. Mapawam je, tutuáááh, atutuáh, atutuáh! Ãã, awahera ko'. Yky'ÿja: – Tsë tsë tsë tsë tsë, tsë tsë tsë tsë tsë tsë tsë tsë, tsë tsë tsë he, yky'ÿja jara tamÿja tsë tsë yky'ÿja jara tamÿjá tsë tsë tsë tsë tsë tsë, tsë tsë je remyminõmera kaw koooo!


– Some daqui! Onde você pensa que vai entrar? – diziam. Fizeram-no ir embora. Ele ficou andando sem rumo. Ia para lá, vinha para cá, ia para outro lado... Acabou voltando, gemendo: “ai ai ai ai”! A cunhada o expulsou outra vez: – Vai embora pra lá! Foi você que envergonhou seus irmãos. Vai embora, vai embora como mama'e! Ah! Desta vez ele foi para um lugar bem distante e demorou a voltar. A gente ficava ouvindo seus lamentos ao longe: “ai ai ai ai! he', he', he'”! Passado um tempo, veio a chuva. Û'û'û'û. Choveu muito. Aí o milho começou a brotar na roça dos irmãos. Choveu mais – û‘û'û'. Mais e mais, foi nascendo milho no lugar onde os irmãos tinham se queimado. Nasceram também diferentes espécies de cabaças [4] e pimenta. Ããã! O milho foi crescendo e já estava quase no ponto. O milharal cantava ao balançar com o vento: “tutuaaáh, atutuaaáh, atutuaaáh”! Ah! Era gente que havia se transformado em milho! A pimenta também cantava: – “tsë tsë tsë tsë tsë, tsë tsë tsë tsë tsë tsë tsë tsë, tsë tsë tsë he, yky'ÿja jará tamÿjá, tsë tsë [5] yky'ÿja jará tamÿjá, tsë tsë tsë tsë, tsë tsë, tsë tsë tsë tsë je remyminõmera kaw kooo”!

[4] Os Kamaiurá fazem amplo uso de cabaças. Três delas são mencionadas nesta narrativa: y'a, cabaça grande, redonda; y'awijam, cabaça estreita e comprida e kujahamuku, cabaça estreita e comprida. Ver [IL- 6].

[5] Yky'yja jará tamyja “o dono ˜ ˜ da pimenta é o nosso avô”; je remyminõmera kaw “meus netos vão comer”.

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Narrativa 5 - Awatsia Poroneta Hist贸ria do Milho

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A pimenta antes também era gente. Depois cantou a cabaça fina e comprida, y'awijam: – “káhohohoho, káhohohoho káhohohoho, káhohohoho káhohohoho, káhohohoho kã, kã kã kãw, y'awyjam! kãw, ka ka kaw, ka ka ka y'a”! Aí foi a vez da cabaça redonda e de outra cabaça fina e comprida, kujahamuku cantarem: – “je jehehe jehehe je jee kwy kwy kwy”! Ao amanhecer tudo ficou calmo. As viúvas estavam ainda deitadas quando o rapaz queimado veio de novo: “He' he' hë' hë', he' hë' hë”! Veio gemendo, o pobre coitado. Mas em vão. Como das outras vezes a cunhada o enxotou: – Por que é que você está aqui, seu filho da mãe! Vai embora! De jeito nenhum você vai ficar aqui. Você agora é um mama'e. Foi por tua causa que teus parentes morreram. Você os desonrou! Então ele tomou o caminho de volta. A gente ouvia cada vez mais fracos os gemidos dele: “hehe, hehehë! Ai, ai! Ui, ui”! Foi sumindo lá pelo mato. Quando o sol entrou, por volta das sete horas da noite, o milho começou a cantar em sussurro a música “espinho de pequi” [6]: – “Etutuáh, etutuáh, etutuá”! As cabaças também puseram-se a cantar: – “Jehe je je je kah kah kahu,

[6] Os irmãos queimados se transformaram em milho, diferentes espécies de cabaças e pimenta. As almas deles é que cantavam.

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Narrativa 5 - Awatsia Poroneta História do Milho

[IL-4] Na página anterior: a y'awijam espécie de cabaça, a y'a cabaça redonda, e a kujahamuku espécie de cabaça, que nasceram no lugar onde os irmãos morreram queimados (Desenho de Karatsipa Kamajurá).

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A'epe je awahera wejue, 'akyheri je y'awyjama: – Káhohohoho, káhohohoho, káhohohoho, káhohohoho káhohohoho, káhohohoho. Y'awyjam: – Kã kã kã kãw y'a kãw ka ka kaw ka ka ka – y'a! Kujahãmukua: – Je jehehe jehehe je jeee kwy kwy kwy! Auje 'ar o'ate ko'yt, jerepik. Okwap awa je hemirekoher awa. Hë! O'ute je ran: – He' he' hã'! – Mana'are ko a'e po, wara'yret! – He' he' hë! – o'ute jepe 'iwî je ran. – Ekwa ko kyne 'ang! Umam a'ang ereko ko ma'e? Mama'eram a'ang ereko ko kyne 'ang! Ne pokwãjme kori. Ene 'ang ne re'ÿj awa rehe erejemotsî kyne 'ang! Okoj je ojewytete jue: – he he hë, ete ete, aka aka, he' he'! Ee! Okajym je ohom. Jene i'anupe je ikotawa, jawa'iwa rupi. Kwara je o'itsem ohom: – Etutuah, etutuah, etutuah! – Peke'iatsîram o'up: – Jehe je je je! Y'awyjama: – Káhuhu káhuhu kah kah kahu kah kah kahu kah – y'a, y'awyjama: – Ka ka ka ka, kaaa, kakaka, kakaka, yaah!


káhuhu káhuhu kah kah kahu kah kah kah kah! ka ka ka ka, kaaa kaka, kaka, yaah”! O mesmo fez a pimenta: – “tsë tsë tsë tsë tsë, tsë tsë tsë tsë tsë tsë he, yky'ÿja tamÿjá tsë tsë tsë”! Assim passou a noite. Quando o dia veio surgindo, tudo ficou calmo. Pois bem. Os Senhores do Morená , o Sol e a Lua, sabiam que alguma coisa estava acontecendo lá na aldeia e resolveram verificar o que era. O Sol estava aqui e a Lua jazia ali, ambos no leste [7]. – O que estará acontecendo com eles? Vamos lá para ver! – disse a Lua. – Vamos, vamos ver a mulherada! – concordou o Sol. Por volta das dez horas da manhã, eles vieram andando sem fazer barulho. As mulheres estavam dentro de casa, sentadas junto à soleira da porta, de onde podiam ver a praça. Estavam tristes, cabisbaixas, ainda recriminando a cunhada: – Você foi logo dizendo sim, quando ele pediu as penas! E é por isso que as coisas ficaram desse jeito! O Sol e a Lua vieram e já bem perto da aldeia apareceram no caminho reto [8]. Uma das mulheres os viu e falou para as outras: – Oh! Os Senhores do Morená estão chegando. Não vamos falar nada pra eles. Vamos guardar segredo! Eles vieram andando – tyk tyk tyk tyk – e entraram na casa: – Ah! Vocês estão aí, mulheres?

[7] Sempre que o povo está com alguma dificuldade, os Myrena jat “Senhores do Morená”, Kwat “Sol” e Jay “Lua”, vêm em seu auxílio. Na presente narrativa é indicada a posição do sol e da lua no céu, quando eles resolveram vir. Conforme os auxiliares kamaiurá, o milho é plantado no mês de outubro ou um pouco antes, e a colheita é feita nos meses de novembro, dezembro, janeiro, durante o período de chuva. Nessa época a lua aparece, por volta das dez horas da manhã, “no mesmo lado em que o sol nasce”. Ou seja, ambos estavam no leste. [8] Caminho reto é aquele limpo de mato, que conduz à entrada da aldeia e a atravessa.

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Narrativa 5 - Awatsia Poroneta História do Milho

Yky'ÿja: – Tsë tsë tse tsë tsë, tsë tsë tsë tsë tsë he, yky'ÿjara tamÿjá, tsë tsë! Awyyyje'! 'ar oahãjn o'ut, jerepik. O'irã te je ewokoj Myrenajara ojueruri kwa. 'ame je kwara ko', 'anga ko'yt, jaya ko'yt, 'ang ituwi – Mawite te 'a awana joerekow pa? Jaha etsak a'e! – Jaham nujtumera retsak, jaham! 'ame katu je kwara ko': tyk tyk tyk tyk. Ikwawë rupi je, 'anga wite waripe je ikwap awa. Ojetsî'apepyte je okwap awa. Pem i'akap awa: – Ene rake “ehë” ere te kyne 'ang, a'eramuë tete 'anga wite ijowerekow a'e 'ang! O'iran, 'am je 'anga wite, tsuky! Myrenajara ojueruri ko. – Ah! Myrenajara jueruri a'e 'ang! Mawite peje panemîn a'e! Tyk tyk tyk tyk...'anga wite tsuruky! – Ah! pekwawe nuitumet! – Orokwawe a'e. Po ereko Myrenajat? – Po ereko Myrenajat? Po ereko Myrenajat? Imoje'ang awa. O'upatsîm awa je ko'. Kwara ohome, peme kwara ko'yt: – Myrenajat! – Haj! – Ere'anuw (hehe) arehe ma'anuaran a'e. Oreja'ywõtawan a'e 'ang! – Ãh! Õaje! Awyje ojemoypytune ko'yt: – Etutuáhh! – Ma'anuara te po ko'ypá, Jay?

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– Aqui estamos. Como vai, Senhor do Morená? – Como vai, Senhor do Morená? Depois de cumprimentarem os dois, as mulheres ficaram conversando com eles, armaram as redes deles. Quando já estava bem de tardezinha, perto de escurecer, elas acharam melhor preveni-los quanto ao que ocorreria à noite: – Senhor do Morená [9]! – Sim! – Você hoje vai ouvir alguma coisa que está nos assombrando. – Está bem. – respondeu o Sol. Por volta das sete horas da noite, quando já estava escuro, ouviu-se o canto – “etutuáh”! – O que será isso, Lua? – perguntou o Sol. – É milho! Isso que ouvimos é milho! – respondeu a Lua. Em seguida ouviram outro canto: – “Káhohoho, káhoho, káhoho káhoho, káhoho”! – E o que será isso que está cantando? – perguntou o Sol. – Isto é cabaça. – explicou a Lua. Daí ouviram mais um canto: – “Kã kã kã kã kã kã ka, kãka ka ka ka ka yyha”! – E o que será isso aí agora? – queria saber o Sol. – Isso aí é cabaça comprida. – disse a Lua. Ouviu-se um outro canto: – “jehehe jehehe kwy kwy kwy kwy”. – O que será isso, Lua?

[9] Aqui são usadas formas pronominais do singular, portanto as mulheres se dirigiam a apenas um dos Senhores do Morená. Os Kamaiurá explicam que é o Sol. Ele e seu irmão estão juntos o tempo todo. Andam em fila, e o Sol, sendo o mais velho (o que nasceu primeiro) vem na frente, e é a ele que as pessoas se dirigem. Contudo, ele nunca sabe nada, e sempre olha para trás e pergunta à Lua. É por isso que ele nunca andava sozinho. As constantes consultas que o Sol faz a seu irmão aparecem no decorrer desta e de outras narrativas.

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Narrativa 5 - Awatsia Poroneta Hist贸ria do Milho

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– É outra cabaça comprida. É som de cabaça comprida o que estamos ouvindo. Ouviu-se ainda mais um canto: – “tsë tsë tsë tsë tsë, tsë tsë tsë tsë tsë tsë tsë, tsë tsë yky'ÿja tamÿjá, tsë tsë yky'ÿja tamÿjá, tsë tsë tsë tsë tsë”. – O que será que é isso agora, Lua? – perguntou o Sol. – Ora essa! Isso é pimenta! – respondeu a Lua, já enfadada com tantas perguntas. Quando amanheceu pararam os cantos, tudo ficou calmo. Então o Sol e a Lua resolveram ir até o lugar de onde tinham vindo os sons: – Vamos lá ver, Sol. – Vamos, vamos até lá, Lua. Foram andando – tyk tyk tyk – e se depararam com a roça, com um enorme milharal. Os pés de milho já estavam prontos, cheios de espigas. – Este milho era gente. Foi aqui mesmo que as pessoas se queimaram – explicou a Lua. Até então ninguém sabia nada sobre o milho. Aí o Sol perguntou ao irmão: – O que vamos fazer com isso, Lua? – Vamos comê-lo. Acenda um fogo! Depois que o fogo pegou, eles foram pondo mais lenha, até fazer uma boa fogueira. Aí a Lua mandou o Sol trazer milho: – Vá quebrar milho e tirar as espigas! O Sol assim fez. Quando eles abriram a palha da espiga, o milho riu – îhî! As sementes ficaram à mostra. Ao ver isto, o Sol disse: – Ih! Isto já é um mau presságio, Lua!

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Narrativa 5 - Awatsia Poroneta História do Milho

[IL-5] Na página anterior: o milho sorrindo, depois que o Sol e a Lua abriram a palha da espiga (Desenho de Páltu Kamaiurá).

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– Awatsia te po kwãj 'ang. Awatsia po kora'e wa. 'anga rehe te nipe'  ang ijoapy awaw ko'ywa! A'ea rakyheri je: – Káhohoho, káhoho káhoho káhoho káhoho. – Ma'anuara te nipe po rane wa? – Y'a te po wa. – Kã kã kã kã, kã kã, kãkã ka ka ka ka yyha! – Ma'anuara te nipe po ko'yr ane wa? – Y'awijama te po kwa. – Jehehe jehehe kwy kwy kwy kwy! – Ma'anuara te nipe po ko wa? – Kujahama te po kwa. Kujahamukua te po kwa – Tsë tsë tsë tsë, tsë tsë tsë tsë tsë tsë, tsë tsë yky'ÿja tamÿjá, tsë tsë yky'ÿja tamÿjá, tsë tsë tsë tsë tsë! – Ma'anuara te po ko pa, Jay? – Îka! Yky'ÿja te po kwã! 'ar o'at o'ut, jerepik. – Jaha etsake ko kwãj! – Jaham! Jaha kora'e, Jay! – Jaha ko kwãj! Okoj ojoeraham: tyk tyk tyk, tsuk, tsuuuu! Awatsiát, awatsiat, awatsiát, auje'. Ojuerekome ko'.


– Não. Desse mesmo jeito os nossos netos vão abrir as espigas. Assim será, não vai fechar mais. Quando tiraram do pé as espigas, elas gritaram:“ai”! O Sol disse outra vez: – Ih! Isto já é um mau presságio, Lua! – Não é não! Vai ser assim mesmo quando nossos netos quebrarem! Atiçaram o fogo e foram pondo o milho sobre ele. O milho começou a estralar: tok tok! – Ih! Já é um mau presságio! – insistiu o Sol. – Não é não. Isto é o sinal que ele vai dar aos nossos netos que não quiserem cuidar da limpeza. É isto! Daí eles ficaram lá sentados, comendo o milho assado. Depois colheram bastante milho e amarraram em feixes para levar para a aldeia. Entraram na casa com muitos feixes de milho e chamaram as mulheres: – Venham comer milho! Venham comer o que era os maridos de vocês! Isto era os maridos de vocês! Entre as espigas havia algumas que eram pequenas. Então uma das viúvas disse [10]: – Ih! É melhor eu comer o que era o pênis e os testículos de meu falecido marido. É melhor eu comer! O pessoal ficou comendo – kyw kyw kyw kyw, kyw kyw kyw – a tarde toda – Senhor do Morená! Hoje você vai ouvir aquele que queimou os irmãos! – elas avisaram. Já bem de tardezinha, quando se fez escuro começaram a ouvir os gemidos dele: “hë' hë' hë' hë' hë'”! – O que será isto, Lua? – Esse era um dos irmãos, é aquele que queimou os outros. Ele sentiu pena deles, então se jogou no fogo e ficou se virando lá. É ele que estamos ouvindo gemer.

[10] Cada irmão/cada parte de seus corpos se transformaram em plantas. Assim, a y'a, cabaça redonda surgiu da cabeça; a kujahamuku, cabaça comprida nasceu do pênis; as espigas pequenas de milho eram os testículos.

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Narrativa 5 - Awatsia Poroneta História do Milho

– Awahera 'ang kora'e wa 'ang. a'ea pype wejue te nipe rake 'ang iapy awaw ko wa. – Hëhë! Nokwahawite awa rane je ko'. – Mawite te jako ko'y pa? – Ja'u ne ko py. Tatak emonyk kora'e wa! Tata mowajat awa je, tata omowajar awa – Ekwa i'oke kora'e wa! Eakwapekam je, tak, îhî! – Ke! Awyje rak ne ra'ywõ a'e wa! – Anite, jene remyminõmera eakwapekatawa wite te 'ang korine wã, jene remyminõmera weakwapekatawa wite korine wã, mawite te 'ã wa. Jene remyminõmera eakwapekatawa korin, tak.

[IL-6] Pilão e mão de pilão feitos e desenhados pelos gêmeos Sol e Lua, para socar o milho (Desenho de Karatsipa Kamajurá).

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Então a Lua mandou embora o rapaz queimado: – Pfu! Pfu! Pfu! Vai como fantasma! Pfu! Vai bem longe! Pfu! Vai para lá! Pfu! He! Rezou soprando e mandou o queimado para longe. Ele foi lá para o alto, como fantasma gemedor: “ë' ë' ê'”! No outro dia o Sol perguntou: – O que é que nós vamos fazer, Lua? – Primeiro vamos fazer pilão. Eles cortaram madeira, fizeram dois pilões e requeimaram as peças. Depois fizeram mãos-de-pilão. Cortaram a madeira, desbastaram – kyw kyw kyw – e depois enfeitaram as mãos-de-pilão com desenhos [11]. He! Ficaram bonitas! Então o Sol e a Lua chamaram as mulheres: – Mulheres! Amanhã vocês vão buscar milho! – Está bem! Nós iremos amanhã! – responderam. No outro dia elas foram para a roça levando cestas para trazer o milho. Enquanto isso, o Sol e a Lua ficaram na aldeia fazendo arranhadeira. Lá na roça as mulheres tiraram espigas de milho – tak tak tak tak tak. Encheram várias cestas e trouxeram para a aldeia. Aí socaram o milho – tuk tuk – e com a farinha preparam beiju, beiju de milho. Depois levaram para o pessoal, juntamente com o mingau já separado em recipientes individuais: – Vamos lá, Senhores do Morená! Quando terminaram de comer, o Sol perguntou ao irmão: – O que vamos fazer agora, Lua? – Vamos passar arranhadeira. – respondeu. A Lua pegou a arranhadeira e começou a passar no Sol – tsiuk tsiuk tsiuk. Ele ficou rindo: “ha ha ha ha, ha ha ha”, e disse: – Assim não dá de jeito nenhum, Lua. Faz muita cócega!

[11] Para fazer pilão, corta-se uma tora de madeira, que é colocada de pé, e no meio da extremidade superior acendese fogo, usando casca verde e oleosa de uma planta chamada manikujup, que queima devagar. O fogo corrói o cerne verticalmente (espera-se que a cavidade tenha o tamanho de um antebraço), ao mesmo tempo em que queima as laterais da cavidade, alargando-a. Depois as cinzas são despejadas e a parte queimada das paredes internas é raspada para retirar o carvão restante. Antigamente usava-se concha para raspar.

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Narrativa 5 - Awatsia Poroneta História do Milho

[IL-7] Jajap “arranhadeira” feita pelos gêmeos Sol e Lua. Eles a usaram um no outro e em seguida arranharam o pessoal da aldeia, ensinando que isto deveria se repetir sempre que comessem beiju e tomassem mingau preparados com a farinha de milho (Desenho de Karatsipa Kamajurá).

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– Te, 'anga wite te jene remyminõmera korine wã! Tok! Aka! – Ke! Awyje rake nera'ywõ a'e wa, Jay! – Nite a'e. Jene remyminõmera i'okawamawa wite te'ang ko wa, tokÿÿÿ! I'ok awa 'iwî korin. Tata mopuhuhung awa: Poky, poky! Hë, inung awa ko'yt. – Tok tok! – Awyje rak ne ra'ywõ! – Nite, jene remyminomera ka'api'awe'yma te po wa, nite, jene remyminõmera ka'api'awe'eymama te po kwa. I'um ojoero'ine ko'yt. Ihwat, 'anga wite ihwat, awuje. Ojoerahame ko'. Tsuruky! Uû awatsia hwara! – Awatsia ne pe'u ko'yt – ojam je ko'. – Pe 'irûhera ne pe'u ko'yt! Pe 'irûhera 'ang kora'e wa! Tîatsã je awatsi'ia, ijywyt awa je. – Ke! A'u rape ky, je 'irûhera awa 'a ky, a'u rape ky! I'um awa je: kyw kyw kyw kyw, kyw kyw kyw, oka'aruk awa ko' – Ere'anuw arehen apytarer awa korin a'e, Myrenajat, wyke'yna rapytawera n a'e! Auje ka'arukamuë pem. Ojemo'ypytun ohome ko'yt: – hë' hë' hë' hë' hë'! – Ma'anuara te po ko pa, Jay? – Tywyrer awa te po ko wa, apytarer awa te po kwa. Wyke'yna poryjauramuë te nipe rake 'ang tatap ijerejerewiawaw kwa. A'ea te po kwa – Pfu pfu pfu! Ekwake mama'erame kora'e wa. Pfu! Amoete te ekwa kwa. Pfu! Nanek ekwa kora'e wa . Pfu! He, amoete imonome ko'. Ywate ohome ko', mama'e 'awakame ko'.


Então a Lua falou para uma das mulheres: – Amasse bem um pouco de pimenta! A mulher amassou – tsirik tsirik tsirik – e trouxe. Aí a Lua mergulhou a arranhadeira no caldo da pimenta e chamou de novo o irmão: – Vamos lá! Começou a arranhá-lo – tsiuk tsiuk tsiuk! Aaaah! O Sol desmaiou.

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Narrativa 5 - Awatsia Poroneta História do Milho

O'irã ko'yt: – Mawite te jako ko'y pa, Jay? – Ynu'ã rane ne jajua ko py. O'iran ynu'ã juap awa, mokõj. Ynu'ã, atapym ojoerekom. Ymyra o'awykym, amoa o'awykym, amoa. Awuje imo'awyjem awa ko'yt: kyw kyw kyw, amoa, kyw kyw. O'iran itapakam awa. He, itapakam awa, amoa tapakam awa. Awuje. – Nuitumet, o'iranike pekwa awatsia tsorome kora'e wa. – Hehë – ojam je ko – o'irane heke ko'yt. O'irã te je ewokoj itararak o'u kwa, yryparya, ã'! a'ea ojomonome ko'. Jajawa 'atykam ojoerekom. I'ok awa ko'yt – tak tak tak tak tak. Yryparya pupe, yryparya pupe, yryparya pupe.Ã! Ojomuhut awa ko'. Ijohok awa ko'yt – tuk tuk! Mejûapea nung, awatsia nite, auje'. He'ymaw awa, ojuerahame ko'. – Mawite jako ko'yt, Jay? – Jajairine kopy. – Pe je kora'e, Myrenajat! – Ehë. Jajawa rupit, tyke'yra je o'am, tsiwk tsiwk tsiwk – Hah, ha ha ha ha ha ha! Anite te a'i'aiw a'e wa, Jay. – Anite a'e wa. Ekamik katu yky'ÿja! – Hehë! Tsirik tsirik tsirik, yky'ÿja, tsom, ipype. – Ere ko'yt! Tsiwk tsiwk tsiwk aaaaa! Ojekyjt. – He! Anite a'ia'iw a'e wa, eaîpyjyw atsã a'e!

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Quando voltou a si falou para o irmão: – Assim não dá pra agüentar de jeito nenhum, Lua. Tem muita pimenta. Limpa um pouco os dentes da arranhadeira! A Lua então mergulhou a arranhadeira em água pura e sacudiu-a, eliminando, assim, a pimenta. Voltou a arranhar o Sol – tsiuk tsiuk tsiuk! Arranhou todo o corpo do irmão. – É, agora está bom! – ele disse. – Aqueles que se cuidarem vão sempre passar arranhadeira. Depois o Sol passou arranhadeira na Lua – tsiuk tsiuk tsiuk! Arranhou todo o corpo do irmão. – Já chega! – disse a Lua. Então eles passaram arranhadeira nas viúvas e em todas as pessoas da aldeia. Depois ensinaram: – É assim que nossos netos vão proceder. Aquele que quiser ser melhor, viver bem e buscar o sucesso terá que cuidar de seu corpo. Quando o Sol e a Lua terminaram de passar arranhadeira em todo mundo, as viúvas trouxeram cauim ao centro da praça, entregaram a eles para distribuir [12]. Ficaram bebendo cauim. No outro dia o Sol tornou a perguntar: – O que vamos fazer agora, Lua? O que vamos fazer? – Vamos fazer algo para melhorar a situação. Senão nossos netos vão ficar assim vagabundeando, sem fazer nada e nada conseguirão. Foi por causa disso aqui, dessas plumas vermelhas pubianas, que aqueles se queimaram. Vamos mudar isso! – Está bem! – concordou o Sol. Então eles fizeram um tucano-de-peito-branco de cera, pegaram as plumas pubianas vermelhas das mulheres e colaram na ave. Ela saiu voando. Fizeram outros tucanos e outras aves e foram pondo nelas as penas vermelhas pubianas das mulheres. Puseram no tucano-de-bico-

[12] Assim se faz até hoje entre os Kamaiurá. Primeiro os donos vão até sua roça, colhem, assam e comem um pouco de milho lá mesmo, e então trazem espigas para a aldeia. Somente depois é colhida uma quantidade maior de milho. É costume praticar a escarificação antes de assarem o milho e trazê-lo para o centro. Aí o milho, e também o cauim, são entregues ao responsável, geralmente o chefe da aldeia, que fará a distribuição.

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Narrativa 5 - Awatsia Poroneta História do Milho

[IL-8] Tucano com plumas vermelhas, que antes eram pêlos pubianos das mulheres (Desenho de Karatsipa Kamajurá).

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Tsom, 'yp. Pyw pyw pyw 'ya pupe, pyw pyw. Haîpyjyp, pyw pyw, awuje'. – Ere ko'yt! Tsiwk tsiwk tsiwk, aipap. – He'ë, okoj te kowa! Ojehe ojarekoma'ea te ojeair okome korine wa. – Ere ko'yt! Tsiwk tsiwk tsiwk, aipap. – Awuje rake kora'e wa. Hemirekoher awa ko'yt, tsiwk, tsiwk... Amoa, tsiwk! Amoat, amoa. Awuje, aipap awa, hemirekoher awa. – 'anga wite te jene remyminõmera joerekow korine wa. Marãtekotawa jue te, marãtekotawa korine wa, marãtekotawa wekat ojoerekom, ojehe ojarekoma'e korine wa. Kawîa reroehem, ikawe'eng, kawîa 'um awa erup. O'iran: – Mawite te jako ko pa, Jay? Mawite jako ko pa? – Jajemoporawyky ko kwãj. 'anga wite tete rap jene remyminõmera joerekow kora'e wa. 'anga rehe te nipe rake' ang ijoapy awaw ko'y wa. Jarowak ko'yt. – Hehë. Johera 'awykym awa ko', iraity johera. Ipyhyk, pok pok pok pok pok, uw uw uw. Amoa, uw uw uw, amoa. Amoa yokía. Ikatukatu ma'anuarera, tukanîa, japi'ia ruwijap, arapawa i'apina rehe, i'akangyra ma'e, tukanîa rehe, opape ko'. – A'e a te je ko wa. Ojehe ojareko ma'e jue te okaramemã ojuka korine wa, ojehe ojareko ma'ea korine wa. 'akwarawera ipepykawam. Kyw kyw, jawa'iwa kytyk, õõõ, jerepitsun. – A'ea wite tete rape jene remyminõmera joerekow kora'e wa, a'eawi rame, okajt awa, a'ea wite wejue ram okajt awa. A'erawiram, a'ea wite


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Narrativa 5 - Awatsia Poroneta História do Milho

wejue ram ojoerekom awa. A'ea wite rape jene remyminõmera joerekow kora'e wa, iporijauwa a'ia'iwa pe kora'e wa. A'eramuë te je 'ang, moronetaram ijow na wite. Jene remimynõmera poronetaram ohome korin. Jene remimynõmera poronetaram ohome korin. Opap.

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preto, no xexéu, na cabeça do pica-pau e em outras. Mas as plumas acabaram e não deu para pôr no i'akangyra ma'e e em algumas espécies de tucano [13]. – Agora será assim. Os que quiserem ter as coisas vão ter que batalhar por elas. Vão ter que caçar para ter penas vermelhas. Assim ele substituiu as plumas vermelhas pubianas das mulheres por capim. Pegou capim, esfregou e pôs no lugar das penas. Oh! Ficou preto! – Se ficasse como antes, nossos netos iam ficar assim, brigando, se queimando. Qualquer dia eles iam se queimar outra vez. E depois ia acontecer a mesma coisa de novo. Nossos netos iam ficar tristes e infelizes. É por isso que o que aconteceu ficará como história e seguirá sempre como história para os nossos netos. Acabou.

[13] O Sol e a Lua puseram as plumas pubianas que tiraram das mulheres em aves que têm plumas vermelhas.

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narratiVa 6

tapi’ ira pOrOneta História da anta

Por Awmari, em 6 de agosto de 1988, na Aldeia Ypawu. Foi transcrita, em 6 de dezembro de 1992, com supervisão de Tatap, na cidade de Campinas-SP. Na mesma cidade a transcrição foi revisada, em 26 de junho de 2006, por Páltu e Wary.


Narrativa 6 - Tapi’ira Poroneta História da Anta

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Esta narrativa é inédita segundo o levantamento realizado durante a pesquisa. Não foram encontradas notícias de nenhuma versão publicada ou mencionada. Trata sobre uma menina, Mitsiwiruwiru, que foi levada para longe e mantida prisioneira por uma anta cujo nome era também Mitsiwiruwiru. Depois de longo tempo em cativeiro, presa à anta, a menina tentou convencer o animal a sair da toca em busca de frutas. Sua intenção era fazer com que a anta a trouxesse de volta até as proximidades da aldeia. Depois de várias tentativas frustradas, a anta acabou concordando com a menina e saiu com ela em direção a um pé de kami'ywa “tapinhoã”, cujas frutas são muito apreciadas pelo animal. A árvore havia sido encontrada e era cuidada pelo pai da menina. Ele mantinha o terreno sob a árvore limpo de mato e havia preparado uma armadilha em frente a ela. Chegando ao local, a menina conseguiu se soltar da anta e fazer com que ela caísse na armadilha. Logo o pai da menina chegou ao local, encontrou a filha e matou a anta a flechadas. A árvore kami'ywa, identificada como sendo o tapinhoã, ou canelatapinhoã (Mezilaurus crassiramea Lauraceae), é considerada uma árvore sagrada, “que antes era gente”, e tem um relevante papel na cultura kamaiurá. Sua madeira foi usada por Mawutsini para criar os ancestrais dos Kamaiurá e a mãe dos gêmeos Kwat “Sol” e Jay “Lua”, os heróis civilizadores do povo. De kami'ywa são feitos os esteios que sustentam a cumieira e a cobertura da casa de chefe. A madeira da árvore está muito presente nos ritos funerários. Dela são feitas as estacas que são erguidas em buracos verticais, nas quais são atadas as extremidades da rede em que está o morto e que é colocada horizontalmente em um túnel que liga os dois buracos. Com ela é fabricada uma espécie de escada, na qual é atada a rede que envolve o morto, nas situações em

Contextualização

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Narrativa 6 - Tapi’ira Poroneta História da Anta

[IL-1] Na página anterior: detalhe de tronco de palmeira com coquinhos de macaúba no chão (Desenho de Karatsipa Kamajurá).

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que este é sepultado em pé. Com pequenos toros da mesma madeira é feito o apenap, uma cerca baixa que circunda o local onde os mortos são sepultados (Ver Oberg, 1953:68; Agostinho, 1974: 46, para detalhes). Há trechos da narrativa que lembram rituais dos Tupinambá, como um extenso diálogo entre a anta, já presa na armadilha, e a menina, no qual a anta, referindo-se às diferentes partes de seu corpo, pergunta à menina sobre quem irá comer cada uma delas. A cada resposta, a anta emite um lamento formuláico que os consultores kamaiurá traduzem como “pobre de mim, quem sou eu para ser comido”. Na seqüência, a anta é morta e seu corpo é esquartejado ainda no local. As partes são transportadas para aldeia e são assadas ou cozidas, sendo o animal totalmente consumido por todos os membros da aldeia. O narrador inclui referências sobre antigos hábitos alimentares do povo kamaiurá. A alimentação era baseada em carne de caça, com restrições à ingestão de peixe. Este era considerado perigoso devido aos “espinhos”, e dizia-se que quem o comesse se engasgaria e morreria. Ou seja, os hábitos alimentares eram inversos aos dos atuais Kamaiurá, em que o peixe é a principal fonte de proteínas, e em que há restrições quanto ao consumo de carne de caça. Os consultores kamaiurá informam que os quatro grupos encontrados por Steinen (1940), e que posteriormente se fundiram em um só grupo, tinham diferentes hábitos alimentares. O pessoal do Jawaratymap só comia peixe, e os Apyap comiam muita caça e pouco peixe. Antigamente os Kamaiurá sempre comiam anta, assim como outros tipos de caça – porco-do-mato, cotia, veado, cuviara, sapo. Abandonaram o costume depois de se aliarem aos Yawalapiti, o que se deu, dizem, “na época de Steinen”. Os Yawalapiti tinham nojo dos Kamaiurá porque estes comiam caça, particularmente porque comiam carne de anta. Vale observar que atualmente alguns Kamaiurá estão retomando seus antigos hábitos alimentares.



Narrativa 6 - Tapi’ira Poroneta História da Anta

tapi'ira pOrOneta MOrOnetajat: awMari

Ijomonom awa je ko'. 'anga wite wará, mokajywa a'ea rekat je ojomonome ko'. 'anga wite heta awa ko': 'angame je okoj, opotsokama'eram; ikypy'yra ko'; amoa, he'yja rajyt; tuwyra rajyra je. Y'apîa je, watakupîa ane a'iwî kowa. Ohom. – Ta'ÿj! – ojam je ijya ko', – Ta'ÿj! – Haj! – Ahwãjwana a'ea remijara ruwamuên, tapi'iran okoja katy ituwamuên, ijuka awaramuê o'upe korin, a'eramuê, iperehetete ere'ok je upen a'e. – Hehê! – ojame je ko. – 'ang a'e nere, ne ikytsitawa. Itamukua me'eng je ko'. – Hehê! A'ea je ewokoj oker o'up. A'ea te ane imono'ang awa erahame ko'yt. 'anga wite wara kujhera mono'ang awa je erahame kokwãj. Tsuky, ehe. 'anga wite je kwakwapiritywa ko'yt. – 'anga rupi jaha ko'yt! – ojam je. – Pea upe jaha! A'ea rupi je ewokoj ijoerahaw awa. Ituwamuê je, tapi'ira, okete jepe a'iwî. Ãããã, ojewyte wite awa je.

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História da Anta por Awmari

Dizem que as meninas foram ao mato buscar fruta. Meninas como esta que está aqui, de mais ou menos nove anos [1], foram para o mato catar coquinho de macaúba. Eram cinco meninas: aquela que iria enfiar a mão na anta, a sua irmã mais nova, a outra irmã, a filha do irmão dela e a filha do irmão de seu pai. Iam levando cuiazinhas e cestinhos, coitadas. Antes de partirem, a mãe da primeira menina pediu a ela: – Filhinha [2], se vocês encontrarem a presa abatida por algum de nossos parentes, se encontrarem a anta, se o corpo dela estiver por lá, então tira o fígado dela para mim. – Está bem! – disse a menina. A mãe entregou uma concha comprida para a filha [3]. – Toma aqui para você cortar. – Sim! – respondeu a menina. As meninas foram catando frutas caídas, como as que estão por aqui embaixo desta árvore. Elas foram indo e catando. Eh! Então elas se depararam com um amontoado de pés de kwakwapirik [4] e ficaram decidindo por qual lado dele seguir: – Vamos por aqui – disse uma delas. – Vamos para aquele pé de macaúba que está lá atrás do kwakwapirik – disse uma outra.

[1] O registro ocorreu fora de casa: o narrador e eu nos acomodamos em banquinhos, à sombra de uma árvore e, como de hábito, crianças e alguns adultos ficaram ouvindo a história. No decorrer da narração, Awmari fez referências a pessoas e situações presentes, como nesta passagem em que aponta para uma menina, tendo em vista dar uma idéia sobre a idade daquelas que foram catar frutas no mato. [2] O termo vocativo usado aqui e no desenrolar da narrativa é ta'ÿj, o qual se aplica a um parente do sexo feminino (filha, irmã, nora) mais jovem que o enunciador. Assim, é traduzido diferentemente (filhinha, maninha, menina, pequena), conforme o contexto. A palavra é constituída da raiz –a'ÿj, e do prefixo t–, que neste caso assinala um possuidor de terceira pessoa genérico, não especificado, e funciona como um desrelacionador (Ver Seki, 2000). A raiz também significa “semente” e “vagina”. [3] Antes da introdução de objetos metálicos, os Kamaiurá usavam seus instrumentos tradicionais para cortar. Entre eles eram amplamente empregadas as metades de uma espécie de concha bivalve comprida, itamuku. A concha também servia como colher, e ainda hoje as mulheres a usam para retirar cuidadosamente o sumo venenoso de mandioca, sem revolver o polvilho assentado no fundo do recipiente. [4] Kwakwapirik é uma árvore não muito alta. Produz frutas pequeninas que quando maduras ficam vermelhas e se abrem, deixando à mostra a semente, também vermelha. Servem de alimento para as ararinhas.

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Elas foram justo para o lado onde uma anta-macho [5] estava deitada dormindo. Ãã! Ao verem o animal, as meninas recuaram assustadas, dizendo: – Aqui tem uma anta deitada! Uma das meninas que havia ficado um pouco para trás aproximou-se. – Cadê? Ah! Está aqui, é? – disse ela. Aí ela se lembrou do que a mãe tinha falado: “Tire somente o fígado para mim, se você encontrar por lá a anta abatida por seus irmãos”. Então, pensando que a anta estava morta, a menina pôs o cestinho no chão e enfiou a mão direita no ânus do animal – tsuu! Quando já ia tirar o fígado, a anta acordou sobressaltada, contraiu o ânus, prendendo o braço da menina, levantou-se e ficou batendo fortemente as patas no chão – tu tu tu tu. – Aaaai! – gritou a menina. As companheiras dela, assustadas, se afastaram um pouco. – É assim que ela está! Ela está viva! – diziam. A anta saiu correndo levando a menina – tu tu tu tu. As outras se puseram a chorar, ao mesmo tempo em que gritavam desesperadas: – Aaaa! A anta levou a pequena! A anta levou a pequena! Arrastada pela anta, a menina foi em vão tentando se agarrar no capim alto que crescia na beira da trilha. Só conseguia arrancá-lo. Hum! A anta embrenhou-se com ela em um capão de mato e sumiu de vista. As outras meninas voltaram logo para a aldeia e contaram, chorando, o que tinha acontecido: – A pequena foi levada pela anta! Você disse para tirar o fígado da anta e, quando a encontramos lá, deitada, pensamos que ela estava morta e tentamos fazer o que você pediu. Mas a anta estava viva! Ãããã! Ela levou a pequena! – Ela está pensando que vai longe! – disse o pai.

[5] A categoria de gênero não é gramaticalizada (Ver Parte I, 2.2 Questões Metodológicas e Critérios de Edição, item (d)). Aqui, a anta é sempre referida somente pelo termo básico tapi'it. Porém trata-se de uma antamacho, um animal dotado de pênis, e que tinha a fama de transar com as mulheres, como ficará claro no final da narrativa.

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[IL-2] Na página anterior: a menina encontra uma anta dormindo no mato e, pensado que ela estava morta, enfia a mão no ânus do animal com a intenção de retirar-lhe o fígado, atendendo a um pedido que a mãe havia feito (Desenho de Karatsipa Kamajurá).

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– 'angin ituwi kopõj 'ang! – ojam je. Takyheri je okome ko: – Umã, o'ahang. “Ipereheteteak e'ok, ahwãjwana remijara ruwamuê” – i'i rak jene y a'ang a'e, ehê. Ehê. Pok! Wyrúa nung. Tsuruk po potsok, iperehera rekyjramuê a'iwî, nyk, tu tu tu tu opowanywanyke tete je kokwãj. – Haãaaa! Ojepe'am awa je he'ÿj awa ko'y kwãããj. – 'anga wite waram inip! Okowe ma'ea 'anga tehe a'e 'aããng! Erojan ane je kokwãj tu tu tu tu! – Aaaa! Tapi'ira ta'ÿja weraha ko'yt! Tapi'ira ta'ÿja weraha ko'yt! Ojepyhyhyke jepe je jawa'iwa rehe ahap, oapo'opo'oke te je eraham. Hûû! I'apema rupi. Ojomuhut awa: – Ta'ÿja rake tapi'ira weraha kora'e! “Epotsokike, iperehea rekyjt” ne jawera jepe ne 'ang, oroekyj kopõj 'ang! Nan ehe o'upe we a'e. Hõ, weraha rake ta'ÿja kora'e! – Awuje umamet ahan! – ijawete ta'ewa, tuwa 'iwîa. Ikywyt: – Marupi te rak erahaw kõ? –'anga rupi rak erahaw a'e. I'apema rupi. Hû, ka'a pupe ero'itsem eraham. Ka'a rupi, ka'a rupi, ka'a rupi, ka'a rupi, eroem. Ywyra'itywa rupi, ywyra'itywa rupi, ywyra'itywa rupi, ywyra'itywa rupi! Ûûû! Yupawa pupe, tõm! 'ya pupe ero'at eraham. Ewikwara pupe ituwi. 'anga rupi ipotsokawera ko'. Ero'yahap eraham, erojepotat, ojan, tu tu tu tu tu tu tu tu tu tu tu tu tu tu tu. Parana rahap eraham, tõm! Awujeeee. Ipytupapawa wi ipytupawawa, ipytuhukupawamuê, ûûû inamia pokam. Amongaty tete, 'anga katy je okoj ipotsoki. Erowut eraham. Tuk, ojepymim. Etsake


– Por onde é que a anta a levou? – perguntou o irmão da menina. – Foi por ali, pelo capão – explicaram as companheiras. Hummm! A anta levou a menina pelo capão. Depois entrou com ela em uma grande mata fechada. Foi indo, foi indo, foi indo pela mata, depois saiu dela e entrou em um longo trecho de mata ciliar [6]. Foi indo, foi indo, foi indo. Hum! Chegou a uma lagoa e txibum! – entrou com a menina na água e foi nadando. A mão direita da menina permanecia bem presa lá onde ela havia enfiado, no ânus da anta. A anta atravessou a lagoa, saiu da água e continuou correndo – tu tu tu tu tu tu tu tu tu tu. Foi até um rio grande e txibum! Caiu na água e foi atravessando, sempre levando a pequena. Para não se afogar, quando ficou sem fôlego, a menina torceu a orelha da anta. Fez isso só com a mão esquerda, pois a outra estava presa. Então a anta veio à tona com a menina, depois mergulhou outra vez. De novo a menina torceu a orelha da anta, torceu até sangrar. Aí a anta emergiu e continuou levando a menina, nadando à tona d’água. Enquanto isso, o pai da menina havia tentado, em vão, perseguir a anta. Rastreou-a até a beira da lagoa e de lá voltou desanimado: – Não tenho idéia pra onde ela poderá ter ido! – disse ele. Depois de sair do rio, a anta passou por um outro trecho de mata ciliar e em seguida atravessou outra lagoa. Huum! Foi levando a menina para bem longe. [Foi para longe que ela a levou [7]]. Saiu da água e foi indo, foi indo, foi indo por mais uma longa mata ciliar. Já estava chegando ao seu destino. Ao sair da mata, levou a menina por um brejo. Foi seguindo, ladeando o brejo. Junto a ele, a uma distância assim, havia uma grande árvore caída, com as raízes à mostra. Aquela, dizem, era a casa da anta. Ela entrou lá com a menina e deitou-se – póky. Elas ficaram lá deitadas.

[6] “A região compreendida pelas terras que margeiam os rios Batovi, Culisevu, Kuluene e seus afluentes, formadores do rio Xingu, apresenta uma ‘facies’ de transição de um tipo de vegetação escassa e pobre, característica do cerrado que domina a porção meridional da bacia, para um outro de floresta do tipo amazônico, ao norte. O revestimento florístico, mesmo na zona de cerrado, adensa-se nas terras imediatamente marginais aos grandes rios e lagoas. Nestas áreas de floresta labial, o terreno é plano, baixo e alagadiço” (Galvão,1953:3).

[7] Um outro narrador, Tarakwaj, estava presente, ouvindo a narrativa, e fez algumas intervenções, como a que vem aqui incluída entre colchetes.

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A menina continuava presa ao animal. Oh! Quanto carrapato havia nela! Estavam por aqui, por aqui em volta dos olhos, nas costas, por todo o corpo. No pescoço e no colo, formando um colar [8], estavam os grandes, os carrapatos estrela e um pouco dos pequenos. Lá na aldeia a coitada da mãe da menina não parava de chorar. A outra filha a culpava: – Ã! Foi você quem falou: “Enfie a mão dentro da presa de seu irmão”. Você disse assim pra ela! As pessoas ficavam recriminando a mulher: – Pois é, você queria tanto comer fígado! Veja só no que deu! A mãe da menina gostava demais de fígado. Estava sempre pedindo: “Dá um pouco de fígado para mim! Dá um pouco de fígado para mim!”. Foi por isso que a menina enfiou a mão na anta, para tirar o fígado para ela. Assim, a mãe acabou fazendo com que a anta levasse sua filha. Enquanto isso, lá distante, a anta e a menina estavam deitadas. Ficaram assim durante todo o inverno. Passou um ano. Chegou a época da seca e o sol brilhava como agora. Um ano havia passado, e elas tinham ficado deitadas durante todo o período de chuva. Assim foi. Esse tempo todo a menina ficou sofrendo fome. Ela já não agüentava mais e então ficou tentando encontrar um modo de fazer com que a anta saísse da toca e voltasse para o lugar de onde a havia levado. Ficou matutando: – Como é que falo pra ela? Será que ela vai concordar? A menina estava magrinha, magrinha! As meninas que foram catar frutas eram pequenas, desta altura assim. Acho que eram da altura dessas duas que estão aí, a Tsoko e a Karahi. Eram meninas dessa idade as que foram buscar macaúba. Mesmo assim a mãe disse pra filha dela: – Se a anta que seus parentes mataram estiver por lá, filhinha, enfie a mão para tirar o fígado dela para mim. Tire somente o fígado!

[8] Os carrapatos estavam dispostos no corpo da menina de modo a formar enfeites: i–po'yt “colar” no pescoço; cinto, nos quadris e kupepaj “pendente”, nas costas.

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[IL-3] Na página anterior: a anta atravessa a lagoa, levando a menina, cujo braço estava preso no ânus do animal (Desenho de Karatsipa Kamajurá).

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inamia pokapokam, tsapirã namia pokapokame je ko. Erowute je. Erowute je eraham. Tuwa jepe je imomaeme ko'yt. Ûûû, ojewyte tete. 'yupawa 'ara wi ojewyt. – Ijokwaha kopa! Ojepotat, ywyra'itywa rupit, yupawa rahap eraham.Ûûû! [Amoete ne je ewokoj erahaw kopy] Ywyra'itywa rupi, ywyra'itywa rupi, ywyra'itywa rupi, ywyra'itywa rupit, eroyk eraham. 'ya popewa rupi eraham a'ea ywyri, 'ya popewa ywyrik. 'anga wite je, hywynuwa ijapo'okawera o'upe ko. A'ea je ewokoj te ehe, ipyra nipe je he kopa. A'ea pupe je, eraham erupe ko'. Póky. A'ea je erup. Ma'anuat jetewuk ehe! 'anga rehe, 'anga rehe je okwaokwap, 'ame je okwaokwap, 'anga rehe ipo'yrame je ohom. 'anga rehe, tuwijawera, jetewuriwuria, ta'apie'ymer atsã ko'yt. Eroka'aruk erup. Ojae'om a'ikî je ijyhera okom. – Eêã! Ene rak a'e 'ang “Epotsokik a'e hawãjwana remijara pype” ere a'e 'ang! A'eramuê i'akap awa 'ikî je: – Ma'anuara 'ia'iwa ere'uwe'uwej ekom a'e! Ma'anuara pereherutsara je, ijya! “Ipereher atsãk je upe a'e! Ipereher atsãk je upe a'e!” – i'i ne je ewokoj okome kopy. A'eramuê je okoj ipotsoki, omemykujã rerahaw ukari a'iwî kori. Ohom. Eroka'aruk erup, 'yw rupit. Kwar o'at. Kwaripe katu katu 'anga wite kwara 'aramuê. Kwara mo'at, 'yw rupi okoj ituwi. Awujeee. Ty'ara ijukam erupe ko'. – Mawite ta'e ma'e? – ojam je o'upe ko', ojemokarakatume tete je o'upe ko'. – Po te “aje” i'i je upe ne ma'e?


Assim falou a mãe dela. Foi por isso que ela enfiou a mão no ânus da anta. Enfiou para cortar o fígado e a anta a levou. Pois bem. A anta e a menina ficaram lá deitadas até tarde. Então [Ficaram sentadas até tarde, as pobres coitadas [9]] a menina chamou a anta pelo nome, que era igual ao dela: – Mitsiwiruwiru! – Sim! – respondeu a anta. Veja só, foi esse o nome que deram pra elas. – Mitsiwiruwiru! – Sim! – Numa hora dessa, as frutas preferidas do papai estão lá maduras, caindo. Eu estou com vontade de comer. Acho que você também deveria comer! É uma que ele cultiva, a fruta de macaúba! – disse a menina [10]. – Ora! Será que alguém come isso? De jeito nenhum, Mitsiwiruwiru! – respondeu a anta. – Oh! Ela está me enrolando, a danada. Ela sempre gostou dessa fruta! – pensou a menina. A anta continuou: – De jeito nenhum, Mitsiwiruwiru! Se eu comer, minha boca vai ficar grudando muito. É uma fruta muito pegajosa. Minha boca ficaria toda grudenta, Mitsiwiruwiru! – Aaah! O que será que ela desejaria comer? – ficou pensando a menina. Ela se lembrou de outra fruta que a anta gostava de comer, e tentou outra vez: – Mitsiwiruwiru! – Sim – respondeu a anta. – Numa hora dessa, as frutas que o papai cultiva estão lá caindo! – Qual fruta é, Mitsiwiruwiru?

[9] O enunciado entre colchetes foi produzido por Tarakwaj (Ver Nota 7 desta Narrativa).

[10] Traduzi como “cultivar” o termo –ekwap, que é usado para referência a uma árvore (ou outro tipo de planta) que alguém encontra e da qual passa a cuidar, ficando então seu dono.

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Awuje je okom okama'î'îram a'iwî ko'. 'anga wite ije'ya ma'ea ne je ewokoj kopy kujãtaîmera kori. Tsokoa wite wite nip ije'ya heme kopa, Karahia wite. A'ewana wite ne je ewokoj ijomonõw kopy mokajywa rehe 'iwî kori. A'ea je ewokoj ijya 'iwîa i'i: “hawãjwana tapi'ira jukatawera o'upe korin ta'ÿj, epotsokike iperehera rekyjt a'e. Iperehetete rekÿjn a'e” – i'i je ko'yt. A'eramuê je ewokoj ipotsoki. Opotsok, okytsi, erojan a'iwî ko'. Oka'aruk o'up. A'ehera je [eroka’aruk a’iwî je ojoero’in], henõjn. – Mitsiwiruwiru! – ojam je ko. – Haj! Tsak, poa wite te imohete rane kwãj. – Mitsiwiruwiru! – ojam je ko. – Haj! – Janû apa remi'yrywa a'ea kujamuê hem o'am, a'u teke ky. Tere'u a'ang ta'e a'e 'ang! Apa rekwa kyne 'ang, mokajywa 'a! – Awa 'ang okoja 'u wã! Nite a'ia'iwa ko a'e wa, Mitsiwiruwiru. – Õ je 'apatete a'iweru. – Nite a'ia'iwa ko a'e wa, Mitsiwiruwiru. Je juru pomopomong a'ia'iwape kopa. Ipomopomong a'ia'iwa ne kwãj, je juru rape ipomopomong a'e, Mitsiwiruwiru! – Aaa! Ma'anuara to'uwej ma'e? Iwaem. Mitsiwiruwiru! – ojam. – Haj! – Janût apa rekwawa kujramuê hem. – Ma'anuara ko', Mitsiwiruwiru? – Myrytsi'ywa'a ko'yr a'e – ojam. –Õõ! Awa okoja 'u wa?! Je moewewuwewu rape we, je rewewuwewu rap a'e, Mitsiwiruwiru! Awa okoja 'u pa? Je moajywîjywingape we! – Ta'iweru, ma'anuara ta'ang o'uwej ma'e?

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– É fruta de buriti – disse a menina. – Ora! Quem é que come isso? Se eu comer, ela me deixará com o estômago embrulhando, vou ficar com o estômago embrulhando, Mitsiwiruwiru. Ela é muito ácida, me deixaria com travor na boca. Como é que alguém pode comer isso? – Mas que danada! O que será que ela desejaria comer? – pensou a menina. Ela já estava um fiozinho de gente, com a barriga encolhida, os ossos do colo à mostra, os olhos encovados. O bracinho dela continuava preso no ânus da anta, ela não tinha conseguido tirá-lo de lá. Ficou lá deitada com o braço dentro da anta, e as duas dormiram. Quando acordaram, a menina voltou a insistir: – Ah! Numa hora dessa, as frutas cultivadas pelo papai devem estar lá maduras, Mitsiwiruwiru! – O que é, Mitsiwiruwiru? – É fruta de jenipapo – respondeu a menina. – Ora! Quem é que come isso? É uma fruta que tem cheiro forte! Tem um cheiro muito forte, Mitsiwiruwiru! – disse a anta. – Mas que coisa! O que será que ela desejaria comer? A menina ficou lá deitada, matutando, tentando encontrar um meio de convencer a anta. “Que ela me leve de volta”. – ficava só pensando assim. No outro dia, tornou a tentar: – Aaah! Numa hora dessa, as frutas cultivadas pelo papai estão lá caindo. Eu queria mesmo comer. Você também deveria comer, Mitsiwiruwiru! – O que é? – perguntou a anta. – É fruta de jatobazeiro – respondeu a menina. – Ora! Quem é que come isso! É fruta que deixa a boca da gente fedida. Se eu comer, minha boca vai ficar toda fedida, Mitsiwiruwiru. De jeito nenhum eu quero comer.

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– Ã! O que será que ela desejaria comer? – continuou pensando a menina. Ela estava perto de acertar. Lembrou-se da fruta do tapinhoã [11]. “Talvez ela queira comer esta”, pensou. Então disse em voz alta para si mesma: – Ah! Eu quero tanto comer! – O que você quer comer, Mitsiwiruwiru? – perguntou a anta. – A fruta preferida do papai – disse a menina. – O que é? – indagou a anta. – É a fruta do tapinhoã. Já deve estar se estragando, agora. Quantas não estarão lá caídas! Estou com muita vontade de comer! É uma fruta tão doce! – Está bem, vamos Mitsiwiruwiru. Vamos lá então! – disse a anta. A infeliz se levantou e foi andando rápido – tu tu tu tu tu tu tu tu tu. Depois atravessou o rio grande [12] e foi levando a menina pela mata ciliar. [Levava a menina puxando-a só por uma mão [13]] A menina ia correndo somente à esquerda da anta, pessoal. Depois de sair da mata, ela atravessou a lagoa para o lado de cá. Veio pela mata ciliar, e em seguida atravessou a outra lagoa. Saiu da água. Passou por mais duas lagoas e uma vez mais por uma mata ciliar. Uûûû! De tardinha, quando já esmaecia o amarelo do céu, elas foram se aproximando do pé de tapinhoã. Puxa! O chão em baixo da árvore estava limpinho! O pai da menina tinha varrido o lugar. As frutas estavam caindo. A menina falou: – Escuta o barulho das frutas caindo, Mitsiwiruwiru! – É mesmo – concordou a anta. – Então vamos para lá, para comê-las – disse a menina. – Tatak tatak tatak tatak tatak – faziam as frutas do tapinhoã ao cair. Bem ali, diante da árvore, havia uma armadilha que o pai da menina tinha feito. A menina pensou consigo: “Vou levar a anta bem para

[11] A árvore tem o nome de kami'ywa, e é descrita como grande, de tronco ereto, madeira dura e pesada. Produz uma frutinha (baga) que é preta e doce quando amadurece, o que se dá no período de agosto a outubro.

[12] Alguns Kamaiurá identificam o “rio grande” da narrativa como sendo o rio Kuluene. [13] Neste ponto da narrativa houve uma outra intervenção de Tarakwaj, indicada entre colchetes.

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[IL-4] Na página anterior: a anta chega com a menina ao lugar onde havia um pé de kami'ywa “tapinhoã”. A árvore era cuidada pelo pai da menina. O lugar sob a árvore estava limpo de mato e há frutas caídas no chão. Diante da árvore está a armadilha que o pai da menina havia feito e onde a anta cairia (Desenho de Karatsipa Kamajurá).

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Awuje je ko'yt. Ûû, 'anga je opyme ko. Iatsã je okome ko'. Ipo'yrapekanga ko', hea je o'itseme ko'. 'ang te je eruwi, ewikwara pype. Nite je ihwã ekyjtawa ewikwara wi. Erojenung je erup. Erowawake je: – Ãã! Janû apa remi'yrywa 'amamuê heme, Mitsiwiruwiru! – Ma'anuara ko' Mitsiwiruwiru? – Janypawa 'a ko'yt. – Õ, awa okoja 'u wã? I'a ewur a'ia'i kwãj, i'a ewura'ia'iw ane wa, Mitsiwiruwiru – ojam je. – Ããã! Ma'anuara 'ang te'ang o'uwej ma'e? Ojemokarakatu jepe ne je ewokoj o'upe ko py. “Ta je reraha katun”, i'i jepe ne je ewokoj o'upe ko py. O'iran: – Aaa! Janû apa remi'yrywa 'am amuê hem, Mitsiwiruwiru. A'u te ke ky. Tere'u a'ua'ut a'e a'e, Mitsiwiruwiru! – ojam je. – Ma'anuara ko'yt? – Juta'ywa 'a ko'yt. – Õ! Awa okoja 'u wa! Je juru tsaretsareme rape we, je juru tsaretsaremap a'e, Mitsiwiruwiru! Na'upotarite a'ia'iw okoj a'e wa, Mitsiwiruwiru. – Õ! Ma'anuara nip a'ang o'uwej ma'e? – ojame tete okom. Awujeee! Kami'ywa'a rehe eroyk erahame ko. “Po nipe a'ea 'uwej ne ma'e”? He! A'u te ke kyyy! – Ma'anuara ko, Mitsiwiruwiru? – Apa remi'yrywa kyne 'ang! – Ma'anuara ko'yt? – Kami'ywa 'a kyne 'ang a'e. Ojerokoa'i tete nipe 'ang kora'e. Ma'anuar ikujhera ohom! Ta'u te ke ky! Itse'ema'e tokoj a'e!


dentro da armadilha!”. O braço dela continuava preso, e ela teria que fazer com que a anta o soltasse. Então ela ficou insistindo com a anta. Pois é. Bem à meia-noite ela conseguiria tirar o braço. – Mitsiwiruwiru! – ela chamou. – Sim! – respondeu a anta. – Afrouxe o teu ânus para eu tirar o meu braço! Eu não sou canhota, sou destra, e para mim é difícil usar a mão esquerda! – Está bem – disse a anta. Não sei como foi que ela concordou e soltou. Puxa! O braço da menina estava limpinho, limpinho! E bem fininho! É por isso, pelo que aconteceu com a menina, que algumas mulheres têm o antebraço fino. É porque o braço da menina ficou dentro do ânus da anta, que algumas mulheres têm o pulso fininho. Tsok! A menina puxou o braço e soltou-se. Aí ela foi juntando frutas na frente da anta, fazendo com que ela fosse seguindo na direção do lugar onde estava a armadilha. Foi juntando frutas, foi juntando, juntando, até que viu a armadilha: – Bem aqui está a armadilha do papai! – ela disse para si. O pai havia coberto bem a armadilha para que não fosse percebida. Então a menina amontoou frutas sobre a armadilha e chamou: – Aqui tem muitas, Mitsiwiruwiru! Aqui tem muitas! Ela continuou juntando frutas sobre a armadilha. – Sim, que bom! A fruta está muito saborosa! – disse a anta. Assim a anta foi indo, foi comendo as frutas até que chegou à armadilha. Aí, ela comeu somente duas – kyw, kyw, kyw –, e foi logo caindo no buraco – pururururu! Oh! Ela olhou para cima e disse: – Vejo que você me enganou direitinho, Mitsiwiruwiru! Fiquei com dó de você e por isso não tirei sua virgindade [14]! Oh! O infeliz animal bateu em seu pênis – tok!

[14] A anta-macho é com freqüência referida como um animal que costumava namorar as mulheres, e estas gostavam, porque a anta tem um membro grande. Quando as mulheres transavam com a anta, elas se assentavam na parte da frente das coxas do animal.

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– Ere te jaha ko kwãj, Mitsiwiruwiru – a'ea i'i. – Erek jaha koran a'e wa. O'uhwam a'iwî je ko', tu tu tu tu tu tu tu tu tu tu tu tu tu tu tu tu. Parana rahap eraham ywyra'itywa rupi [mojepete tete je okoj ihwã reruri kõ], amongaty tete ijani kopy, powan! 'yupawa rahap, 'anga katy a'e wa, 'anga katy ewokoj. Ywyra'itywa rupit, a'erawi 'yupawa rahap. Ojepotat. 'yupawa rupi, 'yupawa rupi, ojepotat ohom, ywyra'itywa rupit. Ûû, 'ara juwa a'ea papota joramuê, eroyk eraham. Ê! 'ang je, wawyrá. ipeiawera tuwa. 'ang je i'ami, okujte je o'ame ko'. – E'anuw ane ikuja ko kyn, Mitsiwiruwiru! – Õaje! – Ikje'ej! A'epe ne 'ang jajot i'ume kopõj! “Tatak tatak tatak tatak tatak”! – ojam je, okujt o'ame ko', kami'ywa 'a ko'. 'ang te je itêi henotara ko'yt, tuwa, tuwa a'ea juwana ko'. ”A'ea pupe katu tarahan” – i'i ne je ewokoj. Imote'õm okome kopy. 'anga je okoj onupap ko'ypy. Awujeee, ipyajej katu katu, ekyjte ko. – Mitsiwiruwiru, ojam je. – Haj! – Ne rewikwara te emyru a'e! Je karakatuite, 'anga katy wekom a'e, jaukaty a'e! – Hehê! A'epe nipe je mawite okom. Tsoky. E! Jere kytsing je 'anga! A'eramuê te je amomera kujãmerera i'yhwapy ka'i wa, a'eheramej. Tapi'ira rewikwara pype o'uwama'eherame, ti'atsã je i'yhwapya ko', kujãmerera amomera a'iwîa ko.

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– Fiquei com pena de você e por isso não te matei, não te arrebentei com este aqui! Traz um pau para mim! – ela pediu. A menina trouxe um pau, mas era podre. Quebrou-se quando a anta tentou subir por ele. Então ela caiu de novo – pururururururu. Caiu sentada no buraco. – Oh! Traz um pau bom pra mim, Mitsiwiruwiru! Você está me enganando trazendo pau podre! – Não tem paus bons! – dizia a menina. – Você me enganou mesmo, Mitsiwiruwiru. Em vão a menina trazia paus. Eles se quebravam e a anta não conseguia sair do buraco. E assim foi indo. – Não tem paus bons, só há paus podres por aqui. Com que é que eu vou cortar um pau forte? – explicava a menina. Ããã! A anta ficou chorando: “wijow, wijow, wijow, wijow”. Aaa, ficou chorando a coitada. Ela sabia que seria morta e comida. – Mitsiwiruwiru! – ela chamou. – Sim! – respondeu a menina. – Quem é que vai comer esta parte de meu corpo onde as mulheres [15] se sentavam quando eu transava com elas? – disse a anta referindose à parte da frente de suas coxas. – O papai vai levar para a flauta jakui, Mitsiwiruwiru. O papai vai levar para a jakui as carnes de tuas coxas – respondeu a menina [16].

[15] Nujtu/nuitu designa mulheres que descendem em linha direta de um chefe ou são esposas de chefes e líderes. Segundo Páltu e Wary, o termo aplicase a qualquer mulher, particularmente àquela que tem comportamento próprio de uma “dama”, ou seja, que é atenciosa, branda no trato e fala baixo. Nesta e em outras narrativas, o termo aparece como nuitumet (acrescido de –met, um dos alomorfes do sufixo coletivo). Ainda conforme os referidos consultores kamaiurá, este termo deve ser traduzido por “mulherada, mulheres”. Trata-se de uma forma respeitosa de dirigir-se a elas. [16] Jakui é uma flauta sagrada, um instrumento que as mulheres são proibidas de ver. As flautas jakui (e outros objetos sagrados) ficam ˜ a “Casinha/Rancho guardadas no tapyyj, dos Homens”, ou “Casinha das Flautas”, onde mulheres não podem entrar. Nos períodos em que a flauta é tocada, as mulheres ficam dentro das casas, com as portas fechadas. Se, mesmo por acidente, alguma mulher vir a flauta, ela será severamente castigada: todos os homens da aldeia terão relações sexuais com ela. A jakui tem um “dono” ou “dona”, e o exercício dessa função, que é temporária, implica uma série de responsabilidades, entre elas a de ofertar alimento para pessoas da comunidade. O alimento é trazido ao centro do pátio da aldeia, onde é distribuído. Isto é feito por exigência do mama'e “espírito” da flauta, o qual sempre acompanha o indivíduo que está como seu “dono”. O alimento (peixe, caça) que é trazido como oferenda da jakui deve ser preparado separadamente, sendo que nem o “dono”, nem alguém de sua família pode dele comer.

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Narrativa 6 - Tapi’ira Poroneta História da Anta

Tsok! Ojekyjte. Imoyhyke je eraham enone ko'yt. Imo'atyt, imo'atyt, imo'atyt, imo'atyt, imo'atyt. Etsak je: – 'ang katuete he apa juwana reî ko'yt! Ikatu je itsahawire tuwa, etsakawa wi heme pa. A'e 'arim, 'anga wite je imo'apome ko'. – 'anga 'ang apoa kora'e Mitsiwiruwiru! Ko utsu 'anga'anga upe. Imo'aty ko'yt. – Hehê, awujete ne kopy. I'arõ a'ia'iw a'e wa! 'ã te je i'u eraham, eroyk eraham ehe. Kyw kyw kyw, mokõj tete atsã je i'um, purururururu. Õõõ, e! Ywykwara pupe ohom o'am. O! Ojeaupit. – Aaa, je mojoroa'iw a'ang tehe rake pa, Mitsiwiruwiru! Ne raykaramuê 'ange ne rak noromomukite re. Õõ, oakwãja mopak a'iweru je, tok! – Ne raykamete 'angak norojukaite, ne mowokite ran! – Ywyra rane ke erur a'e wa! I'aurukera te a'iwî, pyw! A'ea jepe a'iwî norok, purururururu oewirip a'ea o'at ohom. – Ûû! Aete a'ã te eru wa Mitsiwiruwiru! Õ je mojoroa'iw a'ã tehe rak ererute pa! – Anite a'e! – Je mojoroa'iw a'ã tehe rake pa, Mitsiwiruwiru. Jepe a'iwî ywyra, norok, open. Awuje ko'yt. –Anite ywyra kora'e! I'aurukera tete ne'ang oho kopõj. Ma'anuara pupe ajuap atãma'ea ko ma'e? Eê ! Ojae'ome ko': “wijow, wijow, wijow”. Aaaa, ojae'om a'iwî. –Mitsiwiruwiru, ojam je. – Haj! – Awa te'ang nuitumera a'ea 'apykawera o'u korin?

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– Pobre de mim. Quem sou eu para ser comido! – lamentou-se a anta [17]. Ela continuou se queixando: – Você me enganou trazendo-me para cá, Mitsiwiruwiru! O animal ficou batendo em seu pênis – tóky!– enquanto dizia: – Fiquei com dó de você, por isso não te desvirginei! Traz um pau para mim! A menina trouxe outro pau, mas ele se quebrou como os outros. – Quem é que vai comer esta parte do meu corpo com que eu sempre acariciava as mulheres? – perguntou a anta referindo-se à sua cabeça [18]. – O papai vai levar para o centro da aldeia, como alimento da flauta. Quando acabarem as carnes de teu corpo, o papai levará tua cabeça – respondeu a menina. – Pobre de mim. Quem sou eu para ser comido! – lamentou-se a anta. A coitada ficou chorando: “Wijow, wijow”. Ficou chorando lá no buraco. Umm! Nem sei dizer como estava a menina que a anta tinha levado consigo. Era uma coisinha de nada, com os ossos à mostra, com os olhos fundos. O corpinho estava cheio de carrapatos. Havia uma quantidade de carrapato estrela nos cantos da boca, no colo da menina. Carrapatos grandes estavam por aqui, por aqui, nas costas dela, ao longo da coluna, como pendente [19]. Era carrapato demais! – A quem caberá comer esta parte de meu corpo que eu usava para segurar o pulso das mulheres? – voltou a perguntar a anta, desta vez referindo-se às patas dianteiras. – A mamãe comerá – respondeu a menina.

[17] A anta repete sempre um lamento formuláico, iniciado com a interjeição Ke, seguida do termo jeipã, que é repetido ora duas, ora três vezes. Os consultores kamaiurá traduzem o lamento como: “Pobre de mim! Quem sou eu para ser comido”.

[18] Quando a anta vinha namorar as mulheres, primeiro as acariciava roçando a cabeça nelas.

[19] Ver Nota 8 desta Narrativa.

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Narrativa 6 - Tapi’ira Poroneta História da Anta

– Apa te ojakuia upe weroême korin a'e 'ang, Mitsiwiruwiru. Apa te ojakuia upe weroême 'ang ne 'uwa ra'ohera korin a'e. – Ké, jeipã jeipã! Je mojoroa'iw a'ang te rake je rerute pa, Mitsiwiruwiru! Toky. A! wakwãja mopamopak je. – Ne raykame ne rak noromomukite re. Ywyra ane erur a'e! A'ep jepe a'iwî je, norok, owok a'ikî. – Awa te'ang nuitumera a'ea rehe jewyjewykawera o'u korin? – hahã, apo, o'apinera upe. – Apa jakuia potawame te, heroemi korin a'e. Opape 'ang 'anguhera, ne ra'ora'ohera korin, apa ne 'apinera heroeme korin. – Ké, jejpã jejpã jejpã! Ojae'o: “wijow wijow”. Aaa, ojae'om a'iwî je o'ame ko. Ûûû! Ma'anuare tete atsã je okom, emirahahera. Ma'anuara je 'ang opym, ea je o'itsem. Ma'anuara je 'am o'in, jetewuriwuria! Ijumypyp. Ipo'yram, û, 'anga rehe. 'anga rupi, ikupekanga rupi tuwijawera ohom. [Nite je ko'yt!] –Awa te'ang nuitumera, je i'yhwapy pyhykawera o'u korin? – 'anga upe. – Ama te o'u korin a'e. – Ké, jeipã jeipã! Awa te nipe 'ang, nuitumera, je imenõtawera o'u korin? – 'anga upe, – ojame je ko – oakwãjhera upe. – 'anga, je rakwãjhera o'u korin? –Ama te o'u korin a'e 'ang, aikama nite – ojam je. – Ké, jejpã jejpã! “Wijow, wijow”! Ãã, ojae'om ete a'iwî je. – Ywyra ane eru kwãj 'ang! Je mojoroa'iw a'ang te rak je rerute pa! A'ep a'iwî je imojoroa'ip ete a'iwî, i'aurukera, poky! Ûû, ero'ate te a'iwî. Noorok!

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– Pobre de mim. Quem sou eu para ser comido! – lamentou-se a anta. Ela continuou a indagar, agora apontando para o seu pênis: – Quem será que vai comer esta parte de meu corpo que eu usava para transar com as mulheres, este que terá sido o meu pênis? – A mamãe vai comer, juntamente com a irmã dela – respondeu a menina. – Pobre de mim. Quem sou eu para ser comido! – disse a anta. Ela chorava: “Wijow, wijow! Ããã”! Chorava muito mesmo. Tornou a pedir: – Traz um pau aí para mim! Você me enganou trazendo-me para cá! E ali também a menina continuou enganando a anta, trazendo-lhe pau podre. A anta pegou, mas ao tentar sair do buraco com ajuda do pau, ele se quebrou – norok! Hum, a anta caiu de novo. – Não tem nenhum pau forte, Mitsiwiruwiru – dizia a menina. – Pobre de mim! Você me enganou trazendo-me para cá! – repetia a anta. Bateu de novo no pênis – tok – e disse: – E eu que poupei essa aí, não transei com ela! Continuou chorando a coitada. Aí ela perguntou, referindo-se às suas pernas: – Quem é que vai comer esta parte do meu corpo que eu usava para correr atrás das mulheres? – A irmã da mamãe vai comer – respondeu a menina. – Pobre de mim. Quem sou eu para ser comido! – disse a anta. Ela foi assim enumerando as partes do seu corpo: a cabeça, os braços e assim por diante, e indagando a quem se destinavam. A coitada da anta ficou lá no buraco chorando: “Wijow, wijow”. As horas foram passando

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Narrativa 6 - Tapi’ira Poroneta História da Anta

– Nite ywyra atãma'ea kora'e, Mitsiwiruwiru! – Je mojoroa'iw a'iwî je rerute wã! Ûû, wakwa'j mopake te je, tok! – Namenõite poa pa! Ojae'om ete a'iwî “wijow” je. 'anga upe, hetymakangera upe: – Awa te'ang o'u nuitumera rakyheri je janawer o'u korin? – Aikama te na'e. – Ké, jeipã jeipã jeipã! Opapar ine je ewokoj nuitua: o'apinera 'utara, 'ang ojywahera 'utara... Ojae'om a'ikî je o'am: “wijow”. Awuje je ko'yt, 'ara raka'apyra je o'am o'ute ko'. – 'arime kora'e, Mitsiwiruwiru! – ojam je ko'. Ko apa ruri korin a'e. – Ké, jeipã jejpã jejpã! Jemojoroa'i tehe rake pa, Mitsiwiruwiru! Ywyra ime'eng jepe je, puk! Wewiripe te je o'at ohom. Ayayma'erame je ywykwara roaipyp o'at okom. – Ãã, je mojoroa'iw a'iwî je rerute wa 'ang! Awuje. 'ara raka'apyra oahãjne katu o'ute ko', “kã kãaaw!” Ãaa, tuwa raema. – Po kora'e! Po apa ruri kora'e, Mitsiwiruwiru! E'anuw ane te kyn! Imojoewite je 'anga witewarip: “ka kãw!”. – Ké, jejpã jejpã jejpã! – Awa te'ang nuitumera je itsakawera o'u korin? – ea upe. – Apa to'u korin a'e. – Ké, je a'iwî pa! Oyk o'ut ehe: tyky. Awuje 'ara ojetsake katu. Jawa'iwa rowawyra a'ea reapem o'ute ko', 'ara ko'. Tyky, itêiamuê a'ikî je ywyra ywypyp a'iwî, kami'ywa ywypype o'in a'ikî'. –Ã, ma'anuara te'ang o'î kopa? Je rajyra te nipe wa!

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e já começava a aparecer uma pontinha de raio da luz do dia. Depois, lá pelas seis horas, a menina disse: – Está clareando, Mitsiwiruwiru. Logo o papai vai chegar! – Pobre de mim. Quem sou eu para ser comido! Você me enganou direitinho, Mitsiwiruwiru! – disse a anta A menina ficou trazendo mais paus podres, que se quebravam quando a anta tentava sair apoiando-se neles. Ela caía sentada no fundo do buraco. Já estava toda dolorida de tanto bater o traseiro lá. – Ããã! Você me enganou ao me trazer para cá! – queixava-se a anta. Pois bem. Os raios da luz do dia já vinham se espalhando bem, quando se ouviu o grito do pai da menina: “ka kaaaw” [20]! – Escuta! É o papai que está vindo, Mitsiwiruwiru! Escuta só! – a menina disse para a anta. O grito se repetiu, desta vez já mais perto, a uma distância de uns quinhentos metros: “ka kãw”! Vendo que estava perdida, a anta disse outra vez: – Pobre de mim. Quem sou eu para ser comido! Então perguntou, referindo-se a seus olhos: – Quem é que vai comer estes, com que eu olhava as mulheres? – O papai os comerá – respondeu a menina. – Oh! Pobre de mim! – disse a anta. O pai da menina veio se aproximando e chegou até a armadilha – tyky. Já se mostrava bem a luz do dia. Já começava a clarear o interior da mata. A coitadinha da menina estava sentada no chão perto da árvore. O pai chegou ao lugar e divisou o pequeno vulto junto ao tapinhoã: – Ah! O que será que está ali? Parece minha filha! – disse ele enquanto se aproximava. Ao chegar junto ao vulto, ele chamou:

[20] No verão os homens verificam as armadilhas armadas anteriormente. Sempre que andam no mato, emitem esporadicamente o grito kaw kaw/kãw, kãw, ouvido a uma grande distância. Com isso indicam a sua localização e informam que está tudo bem. Na presente versão, a menina ficou aliviada ao ouvir o grito do pai. Tatap, um dos consultores kamaiurá, informou que em outra versão a menina teve reação oposta. Não queria que o pai a encontrasse, então tentou fugir dele.

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Narrativa 6 - Tapi’ira Poroneta História da Anta

Etsak ohom: – Ta'ÿj! – ojam je. –Haj! – ojam je, ojeaupit. – Ã! Je rajyra tehe pa! Uma rupi te'ang erejo kopa, ta'ÿj?– ojam je. – 'ang a'iweru i'amî je rerahatarera kora'e, apa. 'ã ne ywykwara pupe i'amî kora'e, apa. – Umame te'ang i'amî ko'ypa 'ang? Ojemo'ywyrahwen, kwetuk , kwetuk, kwetuk, kwetuk. “Wijow, wijow”, aaa, imaemaem a'iwî je ko'yt. –Ã! Ene a'ang ake je rajyra ereraha wa 'ang! Ijukam. Ywykwara pupe we ejat. Tsuky, wajyt, ko'emamuêwe eroyk eraham. – Ta'ÿja kora'e wa! Ûûû! Ijymer a'iwîa je apirõm erup. Ma'anuara jet, uu, ikama'îa! Ea je o'itsem. I'ywa ko'yt, 'ûû! Etymakanga, ea ko'yt. Awujee, erojae'om awa 'iwî erup. A, a'ep jepe te je ewokoj okoja rehe ipokok awaw kwa. – Uma te'ang erahatarera ko'yt? – Pê ituwi kora'e wa. Pejeke pejomonom itsarõme kora'e wa! Heee, ojomonom. Pirapy'yta, pirapy'yta, pirapy'yta ojomonom. Ikytsikytsitawame kora'e wa ojomonome ko. Ywykwara wi ekyjt awa: tsuk! A'e te je ikytsikytsi awa erupa kwa – kyw, kyw, kyw, 'anga rupi, anga rupi owajarok awa, pok, pok, pok pirapy'yta pupe. Okojhera ko'yt, iperehera ko'yt, i'uwe'uwejtarera ne weru kopy. Pop pop pop, ikatu erupap awa. 'aaame je eroyk awa eraham. Tukanana 'awykym. Ããa ha'okawera monom. Imo'apyke ko'yt, eroykamuê we ko, 'ang wite ramuê eroeme kõ: – Pejoratsã pikyra ru'uma 'um a'e, kunu'umet!

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– Filhinha! – Sim – ela respondeu e olhou para cima. Então ele a reconheceu: – Ah! É mesmo a minha filha! Como é que você veio parar aqui, filhinha! – Aqui está a infeliz que me levou, papai! – disse ela. – Onde é que ela está? – ele perguntou. – Está aqui, dentro da armadilha. Ele foi até lá, retesou o arco: – Ah! Então foi você que levou a minha filha! – disse para a anta, enquanto a flechava. Ele a flechou quatro vezes – kwetuk kwetuk kwetuk kwetuk – fazendo-a gritar: “Wijow, wijow”. Ele a matou. Deixou o corpo lá no buraco. Então pegou a filha no colo e trouxe-a de volta para a aldeia. Chegaram ainda de manhã bem cedo. – Aqui está nossa menina! – ele disse. Quando os viram, as pessoas se alvoroçaram. Umm! As mães dela [21] puseram-se a lamentar em volta da menina. Como ela estava magrinha! Os olhos fundos! O corpo! Umm, as pernas fininhas, os olhos [22]! Pois bem, ficaram se lamentando. Enquanto isto, lá fora os homens começaram a se ocupar da anta. – Onde está quem a levou? – perguntaram ao pai da menina. – Está lá dentro da armadilha. Vão lá buscar – ele disse. Eh! Eles foram. Foram levando três cestos de carga [23]. Foram para partir a anta em pedaços. Lá chegando, tiraram-na do buraco e se puseram a esquartejá-la – kyw kyw kyw! Abriram o corpo da anta pelo meio, partindo-o em duas metades. Depois continuaram partindo

[21] O emprego da palavra “mãe” no plural explica-se pelo fato de que o sistema de parentesco kamaiurá é marcado pela extensão de termos. Assim, o termo para “pai” aplica-se ao pai verdadeiro e também aos irmãos dele; o termo para “mãe” aplica-se à mãe verdadeira e às irmãs dela. [22] A menina foi recebida pelos familiares com o choro ritual, um lamento entoado, entremeado de choro, feito de forma discreta e que expressa “muita tristeza”. Esse tipo de recepção ocorre (entre outras situações) quando uma pessoa, ou algum amigo ou parente de alguém já falecido, reaparece após longo período de ausência. Assim fui recebida pela mãe de Tuvulé, meu primeiro professor de Kamaiurá, quando cheguei na aldeia em 1988, depois de decorridos quase vinte anos de sua morte. [23] O pirapy'yta é um cesto cargueiro quadrangular, levado por homens nas costas, sustentado por uma alça que passa na altura da testa. É usado também para transportar peixe moqueado em pescarias coletivas e grandes quantidades de raízes de mandioca, durante viagens em grupo. Ver [IL- 4].

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[IL-5] Pirapy'yta “cesto cargueiro”, usado para transportar as partes da anta esquartejada para a aldeia (Desenho de Páltu Kamaiurá).

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Oehem awa. Jakuia potawame ne je ewokoj eroeme kopy. Jakuia jara ne je okoj kopy. Ê, ma'anuara je i'um awa erup. Nite ane je pira ore i'utawa ko'. Mijara rehe tete rane ne je ewokoj oroko ko'ypy. Ywatewara rehe tete ne je okoj oroko ko'ypy. Jakuaem, jawatsipyta, ore remi'ûhera ne je ewokoj kopy. Paku, akutsi, ore ramÿjwena remi'ûhera. Ipira'utara je nopotarite. “Pemano rap a'e wa! Pemanõ rame te kwa. A'e wejue rame te, ojemoemijawa pe nehe kori”– ojam. “Pira peje rap a'e wa! Mijara peekar a'e, te pe'ukatu a'e wa. Pemanõrame te kwa. Jajeta'okap a'e wa”– ojam je ojoerekom. O'iran eroem, tupea 'arim ijohokawera. –Kunu'umet, pejor atsã ipikyra 'um a'e! Ojomuhut awa je. I'um awa erup. Amoa monom awaaa, mejûa 'arim, mejûa 'ari'arim ohom, i'um awa erup. Imomap awa. O'iran, eroem. Amomera te je ewokoj o'u awa kwa, ma'anuarera kori, 'ange'angera ne kopy, i'apia'pinera ne kopy [He’ê, iyepohera ne kopy, iperehet, iyepoepohet, akwãjhera kori]. O'iran eroem. O'iran opap. Ijohok eroem, myritsi'ywa rowa 'awykytawera 'arim, ityra nite eroem. A'ea 'um awa erup. Mejûa 'arim imonom. – Pira pejerap a'e wa! Pemanõrap a'e wa! A'ea we te ram jene mojapirõ kwa! – ojam awa je ko'yt. Okyje ne ewokoj pira wi kopy [Okyje a'ang 'ang warerawa a’e wa, ere]. O'iran, eroem. Ma'anuareare tetea reroeme je ko', eroem. 'anga wite atsã je u'uma i'atyra ko': – A! Ipikyra o'u'um a'e, kunu'umet! Pirapehera o'u'ume tete ko'yt. Eroem. Aãã, ima'ãjn eraham, pop pop pop pop pop pop, imomap. Kamajura ramÿjwena imomap, i'um awa erup.


o corpo e foram colocando os pedaços nos cestos – pok pok pok! Aaah! Puseram também aquilo, o fígado, que alguém tanto tinha desejado comer [24]. Foram colocando cada pedacinho da anta – pop, pop, pop, pop. Trouxeram tudinho, não deixaram nada. Por volta das onze horas, chegaram de volta à aldeia. Fizeram um moquém. Nele foram pondo pedaços da anta. Assim que chegaram, puseram carne para cozinhar [25]. Por volta das duas horas da tarde, o pai da menina levou a carne cozida para o centro e chamou: – Venham comer pirão de peixinho, rapazes [26]! As pessoas foram saindo das casas e se dirigindo para o centro da praça da aldeia. O pai da menina era o dono da flauta jakui, e levou para lá a carne da anta, como oferenda de alimento da flauta. Eh! Quanta gente ficou lá comendo a anta. Naquele tempo, nós, Kamaiurá, ainda não comíamos peixe, só estávamos interessados em carne de caça. Só comíamos macaco, jacu, jaboti – estes eram nossa comida. Paca, cotia – isso era a comida de

[24] Os consultores kamaiurá acrescentam que o fígado da anta foi colocado em um cesto separado. [25] Geralmente as partes do animal que contêm osso são assadas no moquém, e aquelas que não têm osso são cozidas. [26] Aqui e na parte seguinte da narrativa, o pessoal é chamado para comer “peixinho”, e não carne de anta, costume ainda observado atualmente. Sempre que uma pessoa, principalmente se é “dono” de alguma festa, tem peixe ou carne de caça excedente, qualquer que seja a ocasião, ela leva para o centro do pátio e oferece para o pessoal da aldeia. Em tais situações não se pode nomear o peixe ou a caça, para não aborrecer os mama'e dos mesmos. Então as pessoas são chamadas para comer ipikyt “peixinho, piaba”, qualquer que seja o peixe ou a caça cuja carne é oferecida.

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[IL-6] Tukananahwap “moquém piramidal” usado para assar os pedaços da anta que continham osso (Desenho de Wary Kamaiurá).

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nossos antepassados. Não queriam que as pessoas comessem peixe. Diziam: “Não comam peixe! Se comerem, vocês podem se engasgar com os espinhos. Vocês se engasgariam, e isto mataria vocês. Nem pensem em peixe! Vão caçar para comerem bem! Se vocês morrerem, nosso povo vai diminuir”. – eles ficavam sempre dizendo. Pois bem! No dia seguinte levaram para o centro carne moqueada e socada, colocada em um cesto tupe [27]. Depois chamaram: – Moçada! Venha cá para comer peixinho! As pessoas foram. Ficaram comendo. Depois mandaram mais carne, sobre pedaços de beiju. As pessoas ficaram comendo, ninguém ficou sem comer. A carne deu para todo mundo. No outro dia levaram mais. Algumas pessoas comeram os miúdos, os miolos [Sim, os intestinos, tripas, fígado, pênis [28]]. No outro dia levaram mais. Socaram, colocaram porções acompanhadas de beiju em recipientes feitos com folha de buriti e levaram para distribuir. As pessoas ficaram comendo e então os miúdos acabaram. Pois é, naquela época diziam: “Nem pensem em peixe! Se comerem peixe vocês podem morrer, e isto faria a gente se lamentar!”. Ficavam falando assim. As pessoas então tinham medo de peixe [Hoje em dia o pessoal não tem medo, não é? [29]]. No outro dia juntaram todos os restos, todas as coisinhas que tinham sobrado do corpo da anta, até o couro dela. Ficou um montinho assim. Levaram para fora e chamaram outra vez: – Venham comer um pouco de peixinho, rapazes! Venham comer um pouquinho de escama de peixe! Dividiram entre eles – pop, pop, pop! Comeram tudo. Os antepassados dos Kamaiurá acabaram com a anta. Todas as pessoas comeram [30]. Ficaram lá comendo.

[27] É o cesto que recebe o nome tupe, em Kamaiurá. É grande, redondo, platiforme, com bordas baixas.

[28] O enunciado ente colchetes foi dirigido a uma pessoa que ouvia a narrativa e fazia observações em voz baixa. Neste ponto, mencionou a palavra “intestinos, tripas”.

[29] Também aqui o enunciado entre colchetes foi dirigido à pessoa mencionada na nota anterior.

[30] Em caso de oferenda para a jakui, todos, sem exceção, devem comer um pouco. Não pode sobrar nada.

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Narrativa 6 - Tapi’ira Poroneta História da Anta

Mijara tete ane ne je okoj oro'u kopy. Pikytsi'î atsã je ore remi'uhera ko'yt. Apo, y'atawa rupi atsã ijow ijow, makwara'i atsã ore jap. Tî jere'apyterataratã atsã a'iwî ko'yt, a'ea atsã ore potawera. Ijohok awa je, tsok tsok tsok. A'ea tete atsã je ore i'um. Aetehera te je noro'uite kwa. “Jamano rap a'e!” [Harutsam a’iwî? Hu’û, a’e a’iwî, ore potawera je]. Op, kuijara, a'ea tete ore i'um orokom. 'anga 'a a'ea tete a'iwî jeee, a'ea ra'ÿjhera tete je ore i'um [.....wamuk]. Ipira te je anite ko wa. Ariwepo a'iwî. Koa wi a'iwî je ojoerut awa 'iwî, ûhû imo'apyk awa 'iwî, imotájt awa ko'yt. Apo, mani'ywa rop i'upyra te je 'ang a'e wa. A'eme'emera te ane ne je ewokoj oro'u kopy. Oremanõ, oremanõtawa wi ne je okoj kopy. Ore reropy'a ohung awa 'iwî kopy a'eramuê, oremanõrap a'e. 'anga po kora'e wa. Awuje, opap. A'eherawi te je ewokoj 'anga rehe wara motamotak awaw kowa. 'anga rehe ne je okoj jetewuriwuri 'am je o'in, peme je ohom, 'am je ojoero'in. Tuwijawera, 'anga rehe, ikupepajram je imonom. 'anga rehe jere'aty'atyt. – Jamotamota ko'yt, ta'ÿj! –Akaaa! Aka! Je'apo a'eram, je'apo a'eram, ama! Je'apo 'anga ma'e 'ang! – Mijara rehe warera 'ang erereko ko'yt, kujã! – ojam awa jepe je, anite. Ojerejerepet, ima'ema'em awa je tak tak. 'y akuwa pupe je epyepyt awaaaa. Û, imotamotap awa je 'ang te je ijerejerew okom haykam. – 'ang ereayka ko ma'e 'ang! Ma'anuara rehe 'ang ereayká ko ma'e 'ang!

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Pois é. Naquele tempo nós comíamos somente carne de caça. De peixe, só piabas eram comidas. Aquele peixinho que dá por aí nos córregos, o mandizinho – nós o chamamos de makwara'i, esse também era nossa comida. Ele é bem pequeno, tem a cabeça dura atrás. As pessoas os socavam – tsok tsok tsok –, para comer. Somente esse nós comíamos. Mas peixes verdadeiros, nós não comíamos não. “Se comermos, podemos morrer” – diziam as pessoas [Sapo? Sim, era nossa comida [31]]. De lagartos, só costumávamos comer o cuviara. Nós comíamos também a semente desse coco, o wamuk. Mas peixe, não. Nós comíamos folha de ariwepo. O pessoal trazia muito da roça, cozinhava bem e colocava pimenta. Aquela, a folha de mandioca, a gente comia também. Nós comíamos somente essas coisas. Isso para evitar que morrêssemos. Naquele tempo ficavam preocupados com isso, então as pessoas diziam: “Não comam peixe, senão vão morrer, suas esposas vão morrer, elas vão morrer”. Bom, agora chega desse assunto. Basta. Depois que a anta foi toda consumida, o pessoal começou a tirar os bichos que estavam no corpo da menina. Havia carrapato estrela em todas as partes do corpo dela. Os carrapatos grandes estavam nas costas, como um pendente. Bem aqui nas axilas e no púbis os carrapatos estavam amontoados. – Nós estamos tirando os carrapatos, filha! – diziam. Mas a menina não queria que os arrancassem. Depois de tanto tempo, ela havia se acostumado com eles e ficava dizendo: – Aaai! Ai! Eles são meus, eles são meus, mamãe! Pertencem a mim! – Você está com coisas que são de animais, menina! – diziam. Mas de nada adiantava. Ela continuava se contorcendo e gritando, quando tiravam os carrapatos. Molharam-na com água quente, para

[31] O conteúdo do parágrafo foi, em parte, influenciado por comentários feitos pela pessoa referida na Nota 28, nos quais ela mencionava o nome de alimentos (wamuk). O narrador entrou em detalhes, respondendo ao ouvinte, indiretamente, ou mesmo diretamente, como é o caso do enunciado incluído entre colchetes.

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Narrativa 6 - Tapi’ira Poroneta História da Anta

Hû, tiatsã je i'ywa. Imoy'um ane je tuwa ko'. Oy'u jepe je, imojewytete je: puuuuu! Imoy'umawa jepe je, puuu, umaher ipy'a ikatu pa, imojewytete.Ûhuhû! Ojaojáte 'angá ipy'a. Te je ikamaîa kwãj 'ang. Awuje'. Opap.

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melhor tirar os bichos. Tiraram todos. Ummm! Aí ela ficou se contorcendo mais ainda, com pena deles. – Você tem dó disso! Por que é que agora você tem dó deles? – perguntavam. Hum! O corpo dela estava muito miudinho! Em vão o pai tentou fazê-la tomar mingau. Ela bebia e vomitava, bebia e vomitava. A barriga dela estava mal. Umhûhû! Tinha ficado encolhida. Nossa! Ela estava muito magrinha [32]! Basta. Acabou!

[32] Segundo informação de Tatap, nesta versão do mito ficou faltando o finalzinho. O pai colocou a menina em reclusão, deu-lhe remédio e ela se recuperou.

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narratiVa 7

OjOywyna jOMO’atare’yMawera OjOereKOM COMO dOis irMãOs FiCaraM iniMigOs

Por Tarakwaj, em 1º de maio de 1968, na Aldeia do Ypawu. Foi transcrita, em 1981, com auxílio de Sapaim e Tatap na cidade de Campinas-SP. Na mesma cidade, foi feita a revisão final, em 20 de junho de 2006, com auxílio de Wary e Páltu.


Narrativa 7 - Kanaraty Como Dois Irm達os Ficaram Inimigos

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As ações desta narrativa se passam no Morená, região na área de confluência dos formadores do rio Xingu, onde ocorreu a criação dos Kamaiurá. Ali se localizava a aldeia onde viviam (além de outros) Mawutsini e seus netos, os irmãos Kanaraty e Kanarawary, figuras centrais do mito. Kanaraty era solteiro e morava com o avô, cujo nome não é mencionado, mas que é identificado como sendo Mawutsini. Kanarawary, o mais velho, era casado com duas mulheres e vivia com elas em uma casa separada. Com ciúmes de Kanaraty, que era assediado pelas cunhadas, Kanarawary planejou matá-lo. Para tanto, engendrou uma série de emboscadas, disfarçando-as como tarefas que o irmão deveria realizar. Porém Kanaraty escapou de todas elas com a ajuda do avô Mawutsini. Seguindo instruções dadas pelo avô, cada vez que partia para cumprir uma “tarefa” incumbida pelo irmão, Kanaraty levava consigo certos avós que o livravam do perigo. Há várias versões deste mito. Deixando de lado os resumos, além das duas que registrei, contadas por Tarakwaj (incluída neste volume) e por Kanutary (Koka), conheço outras quatro, publicadas em Villas Bôas & Villas Bôas (1970: 176 – 187), Agostinho (1974a: 192-199; 1974b: 9196) e Samain (1980: 19-49). Aquelas registradas por Agostinho e Samain foram narradas por Tarakwaj e Awmari, respectivamente. As variantes diferem quanto à ordem das emboscadas, quanto aos avós que Kanaraty levava consigo e outros detalhes, porém nenhuma delas esclarece as relações entre o avô Mawutsini e os demais avós que acompanham Kanaraty e o assistem nas empreitadas. A explicação aparece em uma versão narrada por Kanutary (Koka), não incluída no volume.

Contextualização

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Narrativa 7 - Kanaraty Como Dois Irmãos Ficaram Inimigos

[IL-1] Na página anterior: flor moitse'e˜ que Kanaraty comparou à vulva das esposas de seu irmão Kanarawary. Este fato provocou o ódio do irmão e as sucessivas tentativas que este empreendeu no sentido de causar a morte de Kanaraty (Fotografia de Páltu Kamaiurá).

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Nesta versão, sempre que enumera os avós que Kanaraty deve levar consigo, Mawutsini diz: “Leve o teu avô X, je reyj”... O termo –eyj se traduz como “irmão”, “colega” e também como “o outro eu”, o “eu” incorporado no que vai em meu lugar. Como explicou Kanutary (Koka), os avós que acompanham Kanaraty eram o mesmo Mawutsini que, sem perder sua própria essência, se manifestava em outras substâncias, visíveis ou não. É interessante observar que, na versão contada por Janumakakumã, a Agostinho (1974a) o narrador inicia dizendo que a “história é de Kamaiurá, mas de outro Kamaiurá que falava diferente”. A informação permite supor que originalmente o mito pertencia a um dos subgrupos mencionados na Introdução e que estão na origem dos atuais Kamaiurá. Também chama a atenção o trecho que narra a ida de Kanaraty em busca de colares e cintos de caramujo, cujo dono era Kaikakunî ou Aikakunî. O diálogo de Kanaraty com o pessoal de Aikakunî lembra rituais tupinambá relacionados ao sacrifício de prisioneiros.



Narrativa 7 - Kanaraty Como Dois Irmãos Ficaram Inimigos

Kanaraty: OjOywyna jOMO’atare’yMawera OjOereKOM MOrOnetajat: taraKwaj

Poa witen a'e py. Moitse'êa a'ea potyra je opo'o, moetse'ê, a'ea te je ewokoj weru kwat, tsuruk. – Jyjryp, 'anga wite ne Kanarawarya a'e remirekoa ramatsîa pyra pa, a'ea pepoa py, jyjryp. I'anupe je o'ine ko. Eêêê, ijait awa je ko'. Ipo'ome je, a'a te je ewokoj weru kwa, tsuruky! – Ajete te je 'anga wite pe namaa pa, pe namatsîa pyra pa, pe pepoa pa! – Ko! Umam a'îwî ma'e! – I'ine Kanaratya ko'ypy. 'anga wite ne je 'ang pe nama ko'ypy, pe namatsîa pyra ko py, pe pepoa ko py. – Ojame tete a'îwî heme ma'e! Awuje'. 'ame tuwamuê je o'ute ko'. O'iran: – Kanaratykej! – Haj! – Ejor ane te kwãj! – Aje, arehekik a'e wa! I'ypya je ewokoj kora'e wa. I'ypya je ewokoj kora'e wa. 'Aaaa, ohom je: – Maite? – Ekwat o'iran je rupahamÿwa a'ea rupite wa! – Ere, o'iran ehek tahan a'e.

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Kanaraty: Como Dois Irmãos Ficaram Inimigos por Tarakwaj

Diz que foi assim. Kanaraty estava andando num caminho com um amigo. Ele viu uma flor de moitse'e˜ [1], tirou-a, trouxe para mostrar ao companheiro e disse: – Amigo, esta flor é igualzinha à vulva das esposas de Kanarawary. Os dois ficaram rindo muito e seguiram caminhando. Êêêê! Kanarawary estava agachado no mato [2] ali por perto e ouviu tudo. Depois que o irmão e o amigo se afastaram, ele saiu do mato, pegou uma flor e trouxe consigo para a aldeia. Assim que entrou em casa, ele confrontou suas duas esposas [3]: – O Kanaraty disse que esta flor é igualzinha à vulva de vocês, ao clitóris de vocês, aos grandes lábios de vocês. – Ora essa! Onde já se viu? – retrucaram as mulheres – Acho que é verdade mesmo. A vulva de vocês é igual a esta flor: o clitóris, os grandes lábios de vocês. – É mentira dele! – negaram as mulheres, em vão. Kanarawary nada disse ao irmão, mas ficou com ódio dele e decidiu se vingar [4]. Pois bem. No outro dia, por volta das cinco horas da tarde, ele veio chamar Kanaraty: – Kanaratyzinho! – Sim! – respondeu Kanaraty. – Vem cá! – Tá bem, já vou. – disse Kanaraty. Diz que foi assim que começou a contenda entre os dois. Foi assim que começou.

[1] Moitse'e˜ é o nome de uma flor do gênero Clitoria e também nome das raízes da planta. [2] Os consultores kamaiurá explicam que Kanarawary tinha ido ao mato para defecar. [3] Na sociedade kamaiurá é admitida e praticada a poliginia, tanto a simples, envolvendo a união de um homem com duas ou mais mulheres, quanto a sororal, envolvendo a união de um homem com duas ou mais mulheres que são irmãs. As uniões poligínicas são pouco freqüentes, sendo acessíveis a chefes e outros homens que têm condições de manter as esposas e filhos.

[4] Entre os Kamaiurá a vida sexual é bastante livre e comumente as pessoas têm parceiros extraconjugais, mantendo as relações de modo discreto. Em geral, quando toma conhecimento da infidelidade da esposa, um homem reage de forma violenta, brigando com ela e aplicando-lhe uma surra. Entretanto, via de regra o marido traído não confronta diretamente o amante da esposa.

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Narrativa 7 - Kanaraty Como Dois Irm達os Ficaram Inimigos

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Kanaraty foi até o irmão e perguntou: – O que é? – Vá amanhã no mato buscar o esteio [5] para a minha casa. Eu já cortei o tronco e deixei lá. – disse Kanarawary. – Está bem, irei amanhã. – respondeu Kanaraty. Em seguida ele voltou para casa e assim que entrou, o avô Mawutsini, com quem morava, perguntou: – O que disse o teu irmão mais velho, meu neto? – É para eu ir buscar o esteio da casa dele. O avô sabia que Kanarawary estava enganando o irmão e que pretendia causar sua morte. – Oh! Você está perdido, meu neto! – disse o avô, e ficou lamentando: – Coitado de meu neto, meu netooo, meu neto [6]. Depois instruiu Kanaraty sobre como devia proceder: – Leve o teu avô, o cupim, o teu avô, a forquilha, o teu avô, o redemoinho e o teu avô, o ramo seco e fininho do buriti [7]. Kanaraty foi chamar os avós: – Vamos, vovô! Vamos, vovô! – Vamos, meu neto! – responderam eles. Chegaram no lugar onde estava o tronco. Hõ! Ficaram admirados ao ver a grossura e o tamanho dele. Então o cupim chegou até o tronco, foi corroendo a parte interior dele – tak, tak, tak, tak –, e retirou, assim, todo o cerne. Deste modo fez com que o tronco ficasse reduzido a uma casca, fina como a nossa unha. O ramo seco do buriti foi batendo no tronco e rezando. Depois aspergiu a casca do tronco com pimenta [8]. – Você já pode pegar, meu neto! – disseram os avós. A forquilha e o redemoinho carregaram o tronco, mas Kanaraty colocou o ombro embaixo dele e, fazendo de conta que o trazia sozinho,

[5] Os dois esteios principais (tupahamyp ou owa'amap) da casa kamaiurá, bem altos, são feitos do tronco de kami'ywa "tapinhoã", cuja madeira é muito dura e pesada.

[6] O lamento é formuláico e é dito em forma de cantilena. É uma forma de choro ritual, usado para lamentar a morte ou iminência e mesmo perigo de morte. [7] Ver Contextualização desta Narrativa, para informações sobre os avós.

[8] Os avós que acompanharam Kanaraty eram pajés.

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Narrativa 7 - Kanaraty Como Dois Irmãos Ficaram Inimigos

[IL-2] Na página anterior: árvore de kami'ywa “tapinhoã”, usada para fazer os esteios principais da casa de chefes, para a confecção da pequena cerca (apenap) que circunda o cemitério, bem como dos postes e outros suportes em que são fixadas as redes com os corpos dos mortos, por ocasião do sepultamento (Desenho de Wary Kamaiurá).

– Mawite i'i ne ryke'yra, je remyminõ? – “Je rupahamywa rupit” – i'i na'epy. – Ké! Anite ereko kora'e wa, je remyminõ! – Je remyminõa pa jere'õ je remyminoõõ, je remyminõ! – Ne ramÿja ke eraha, kupi'ia a'e wa. Ne ramÿja, ywyrakamÿ rane wã. Ne ramÿja kairu'um ane wã. Ne ramÿja myrytsi'ywa'i ane wã. Ohome je ko': – Jaha kwãj, tamÿj! Jaha kwãj, tamÿj! – Jaha kwãj, je remyminõ. Tyky. Hõ'! Ituwamuê. Tykyyy, kupi'ia i'ywyterok – tak tak tak tak tak tak. Ãã, jene 'yhwã'apea ka'a atsã je i'apom erute awuje'. Ipejume je ko'yt, myrytsi'ywa'ia ko', inupame ko'. Awuje'. Yky'ÿja pupe epyjt. – Ereko kwãj, je remyminõ. Tsuky, oaa, ywyrakamÿ, wukuwwwwa kairu'um oupit. Mbuk, mbuk, tsuky, tu tu tu tu tu tu tu tu tu tu tu tu, nuky, nuk ikwara pupe. – Kanarawary! – Haj! – Ne rupahamÿwa kwê! Hé! Nuk! Opowanyk, imo'ywytet imo'ame je ko'. – Ene ke arehe' emongatu kwe! – Arehek ije kora'e. Oeme je ko'. A'epe jepe je a'iwî ko': 'y'hu'! 'y'hu'! O'aparame we je o'am. Oket, oket, oket, o'iran moîa pyhyk, kaninea a'erame jepe'. A'erawi je o'ut. Ããaa, o'itsem o'ut [jyouuuu]. A'erawi je o'ute ko'. O'iran: – Kanaratykej!

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foi correndo até a casa do irmão. Ali chegando, pôs o tronco dentro do buraco que já estava preparado. Então chamou o irmão: – Kanarawary! – Sim! – Aqui está o teu esteio. Kanaraty empurrou o tronco com o pé. Com isso, fez com que ele voltasse a ficar cheio por dentro e muito pesado. Aí ele disse ao irmão: – Ainda ficou torto, depois você endireita. – Pode deixar que eu faço isso. – respondeu Kanarawary. Kanaraty saiu da casa e lá ficou o irmão fazendo força – “yhu”! “yhu”!, tentando endireitar o esteio para deixá-lo bem reto verticalmente. Ele não conseguiu. O esteio ficou ainda torto. Três dias depois Kanarawary pegou uma cobra e colocou-a em um ninho de arara. Daí ele voltou para casa [jyouuu! [9]] e no dia seguinte foi chamar o irmão: – Kanaratyzinho! – Sim! – Chega aqui! – Já estou indo! – respondeu Kanaraty, vindo ao encontro do irmão: – Ã, o que é? – Vá amanhã pegar filhote de arara para a gente criar. Está lá no ninho, no oco do pau. – Sim, irei amanhã. – disse Kanaraty. – Acho que já está no ponto de tirar. – insistiu Kanarawary [10]. – Amanhã eu vou. – respondeu Kanaraty. Ele voltou para casa e logo o avô dele perguntou: – O que disse teu irmão, meu neto? – É para eu ir pegar filhote de arara, para a gente criar [11]. – Oh! Você está perdido! – disse o avô. E se pôs a lamentar:

[9] O narrador grita “jyouuu” respondendo a um grupo de pescadores que chegava na aldeia.

[10] Os povos alto-xinguanos têm o costume de manter animais de criação, os xerimbabos. Geralmente são araras, papagaios, gaviões, macacos. Os animais são trazidos para a aldeia e ali criados. [11] Segundo os consultores kamaiurá, em lugar da partícula de sexo wa, na correspondente sentença em kamaiurá o narrador deveria ter usado a partícula py.

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Narrativa 7 - Kanaraty Como Dois Irmãos Ficaram Inimigos

– Haj! – Ejor ane te kwãj! – Arehek a'e wa. Awuje'. – Ãã, Maite'? – Ekwate o'iran jene reymawa rekyjte wa. Pem itêj kora'e wa. Awuje nipe kora'e wa. – He. O'iranehek tahan a'e. – Awuje nipe 'ang kora'e wa! – O'irane hek tahan a'e. O'ut. – Mawite i'i ne ryke'yra, je remyminõ? – “Jene reymawa rekyjt” – i'i na'epy. – Ké! Anite ereko a'e wa! – Je remyminõa pa jere'õ je remyminõ', je remyminõ. – E! Ne ramÿja ke eraha a'e wa, myrytsia 'ywa'i a'e wa. Ne ihwate kon, a'ea te eremo'itse korine wã. A'ea ou'uramuê te erepyhy korine wa. – Jaha kwãj, tamÿj! Ihwat, aa, eraham. Ê, tyky. – 'ang inipe kore! Õõooo, ikwara je o'in. Rzzuww ywyra 'apep, ngryky. Iju'um, i'ajupyhyk erut, ipyhyk. Hwõõõa, imomot erut. 'anga wite waripe je ojoero'in. – Kanarawary, ewokoj ne reymawa ko'yt! – Uahaaa! O! Kaninea jepe rak a'e! Kaninea jepe rak a'e! Mawite te'ang ikow ko pa? Ojerowaki!!!

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– Coitado de meu neto, meu neto, meu neto, meu neto! Em seguida passou a instruir Kanaraty: – Eh! Leve os teus avós, ramos secos de buriti. Ajunte-os em um feixe e amarre. É esse feixe que você vai enfiar no oco do pau. Quando a cobra o morder, você a pega. – Vamos, vovô. – chamou Kanaraty. Ele juntou ramos secos de buriti em um feixe, amarrou e levou consigo. Chegou até o lugar indicado pelo irmão. – Parece que é aqui. Õoooh! Lá estava a cobra no ninho. Kanaraty enfiou o feixe de ramos de buriti no oco, que ficava na lateral do tronco. Quando a cobra mordeu o feixe, Kanaraty agarrou-a pelo pescoço, segurou-a e a trouxe viva para a aldeia. Hõõõa! Era uma cobra enorme! Kanaraty entrou na casa do irmão, que estava sentado com as esposas a uma distância assim, e jogou a cobra na direção deles, enquanto dizia: – Kanarawary, aí está a tua criação. “Uahaaa”!!! – gritaram as mulheres de susto, e o irmão fingiu surpresa: – Oh! Mas era uma arara! Era mesmo uma arara! Como é que ela ficou assim? Ela se transformou em cobra!!! Kanarawary então matou a cobra, arrancou os dentes dela e no outro dia fixou-os em um pedaço de cabaça, preparando um escarificador [12]. Puxa! Ficou muito bonito. Ah! Ele o fez com os dentes cheios de veneno da cobra morta. Então chamou o irmão: – Kanaratyzinho! – Sim! – respondeu o irmão. – Chega aqui! – Tá bem, já vou! Kanaraty foi até o irmão: – O que é?

[12] Os Kamaiurá praticam a escarificação para fins medicinais e também para fazer com que o indivíduo fique forte, corajoso (Ver Parte I, 1.3 Aspectos Demográficos e Socioculturais).

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Narrativa 7 - Kanaraty Como Dois Irmãos Ficaram Inimigos

Ijukam, haî'ok, o'iran haîjhera 'atykam. Té! Hé, haîhera! – Kanaratykej! – Haj! – Ejor ane te kwãj! – He'ê, arehekik a'e wa. Ohom – Maite? – Ejor ane, jene jajawa ta'angîn a'e! – Hê'ê, arehekik a'e wa. – Mawite i'i ne ryke'yra, je remyminõ? – “Jene jajawa ta'angyn” i'i na'epy. – Ké! Anite ereko a'e, je remyminõ. – Je remyminõa pa jere'õ je remyminõ', je remyminõ, je remyminõ. – Ne ramÿja ke eraha a'e wa, kwa'ywa 'ype a'e wa. Ne ramÿja pinowa korine wa. Ne ramÿja awatsia 'apea korine wa. Opira rehe imojamojat awuje. – Ere kora'e! – Hê'ê. Okoj kora'e wa – txiwk txiwk txiwk txiwk txiwk txiwk txiwk, haipap. – Awuje rake kora'e wa. Heroem hamÿjá. Heêe, ojepirok etet, awuje. Txiwk txiwk txiwk, hamÿja a'ipap, awuje'. Ojoerut a'ehera wi. 'ar o'at, pok pok pok, warî warî warî! – Aaa, jaha kanaratya rakyheri 'yp! – Na'angike. Hamÿja rehe oja'ÿwõme ojoerekom. Janû a'îwî o'ywatã noeruwite.

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– Vem cá um pouco, para eu experimentar nosso escarificador. – disse Kanarawary. – Tá bom, daqui a pouco eu vou. – respondeu Kanaraty. Ele entrou em casa e o avô perguntou: – O que disse teu irmão mais velho, meu neto? – Ele vai experimentar em mim o escarificador que fez. – Oh! Você está perdido, meu neto! – disse o avô, e se pôs a lamentar: – Coitado de meu neto, meu neto, meu neto, meu neto! Em seguida passou a instruir Kanaraty: – Leve o teu avô casca de jacareúba [13]. O teu avô tucum. O teu avô palha de milho. Assim fez Kanaraty. Ele cobriu toda a pele de seu corpo com camadas de cascas da jacareúba, do tucum e do milho, e depois foi até o irmão. – Vamos lá! Pode arranhar! – disse Kanaraty. Kanarawary foi passando o escarificador no corpo do irmão – txiwk txiwk, txiwk, txiwk, txiwk. Passou no corpo todinho. Mas de fato o que ele escarificou foram os avós que o envolviam. – Pronto. – disse Kanarawary. Logo em seguida o avô Mawutsini saiu com Kanaraty. Lááá, lá na beira do rio o rapaz retirou as cascas do corpo, e então o avô arranhou-o todo com um escarificador normal – txiuk, txiuk, txiuk [14]! Depois voltaram para casa. No outro dia, às quatro horas da madrugada, Kanaraty foi para a lagoa banhar-se. Ia batendo as mãos e assobiando alternadamente: “pok, pok, pok, warî, warî, warî”[15]!As cunhadas o ouviram e decidiram ir também: – Aaah! Vamos para a lagoa atrás de Kanaraty [16]! Ao ouvi-las, Kanarawary disse consigo:

[13] O nome da árvore em Kamaiurá é kwa'yp. Obtivemos como equivalentes: landim, carvalho, jacareúba. [14] Ao ser passado no corpo do indivíduo, o escarificador arranha os músculos, com freqüência até sangrar. Após a aplicação do escarificador, os arranhões são lavados com água em que foram colocadas certas folhas e raízes maceradas. As arranhaduras vão secando, mas deixam sinais. Por isso o avô escarificou Kanaraty com um jajap normal, pois sabia que o irmão estranharia se não visse as marcas. [15] Cada pessoa tem um jeito próprio de assobiar, o que a identifica. Assim, ao ouvir o assobio as cunhadas sabiam que era Kanaraty. O rapaz assobiava entre os dedos médio e indicador, posicionados entre as mãos juntadas de modo a formar uma caixa de ressonância. Com o dedo mínimo fazia movimentos que produziam uma vibração. [16] Não é costume mulheres e homens irem juntos ao banho. Se isto ocorre, é interpretado como atitude suspeita de envolvimento. As mulheres vão se banhar em companhia de outras mulheres ou de crianças, ou de seu marido e filhos pequenos. Nesta narrativa, as cunhadas estavam sempre procurando acompanhar Kanaraty ao banho, porém ele se esquivava delas e nunca deixou que se banhassem com ele. Ele sempre se banhava muito cedo, e nas várias passagens em que as cunhadas iam atrás dele para a lagoa, ele já vinha voltando do banho.

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Narrativa 7 - Kanaraty Como Dois Irmãos Ficaram Inimigos

Omo'ypy je po kora'e wa, a'ea wite wára kora'e wa. Omo'ypy je kora'e wa: – O'ÿwatã noeruwite, hamÿja rehe oja'ywõme ojoerekom. Ohom. Ty ty ty ty oyk o'ut. Ihwên awa o'ut: – Ne rywyra hek kÿne pe! – Îka! Hamÿja heme pa! – Îka! A'ea heme ma'e 'ang! A'eherawi okommm. – Kanaratykej! – Haj! – Ejor ane taetsakin i'awera a'e! – Hê'ê. – Té! A'ate i'ari katu pa! Ikatu a'ia'i tehe i'ari pa! Ikatu a'i a'iwîn i'ari ko py! Oket, janypawa po'om ohome ko', Tawuape ko': – Kanaratykej! – Haj! – Ejor ane te kwãj! – Hé, arehekik a'e wa. O'ut: – Maite ? – Ekwate jene jepiunawa rehe, a'ea po'om atsã wa, jajepiû katu a'e. – Hé, o'irane hek tahan a'e. – Mawite i'i, je remyminõ? – “Jene jepiunawa po'om” – i'i na'e py. – Ké! Anite ereko korin a'e wa, je remyminõ! Ypytsara upe ewokoj ne ryke'yra ne mono kora'e wa.

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– Deixe elas se iludirem. Estão tendo alucinação, na verdade é o avô. Numa hora dessa Kanaraty está lá deitado, todo duro. Foi assim que elas começaram a seguir Kanaraty quando ele ia se banhar. Elas começaram a fazer isso. – Ele está lá duro, esticado! Elas estão imaginando que o avô é ele – dizia consigo Kanarawary. As mulheres foram. Ao voltarem correndo do banho, elas passaram pelo marido dizendo: – É o teu irmão, querido! – Ora! É o avô! – disse Kanarawary. – Ara! É seu irmão sim! – insistiram as mulheres. Passado algum tempo, Kanarawary chamou o irmão: – Kanaratyzinho! – Sim! – Vem cá um pouco para eu ver como ficaram as arranhaduras! – Esta bem! Kanaraty foi e o irmão examinou todo o corpo dele: – Puxa! Ficou bem escarificado! Ficou muito bem escarificado! Ficou muito bem escarificado mesmo! Um dia depois Kanaraty iria à lagoa Tawua [17] buscar jenipapo, a mando do irmão. Primeiro Kanarawary o chamou: – Kanaraty! – Sim! – respondeu. – Venha cá! – Tá bem, já vou. Chegou junto ao irmão e perguntou o que ele queria. Kanarawary disse: – Vá buscar material para nossa pintura. Vá colher um pouco de jenipapo, para nós nos pintarmos bem.

[17] Da fruta de jenipapo é extraída a tinta negra que os Kamaiurá usam em suas pinturas. Kanarawary mandou o irmão buscar jenipapo numa lagoa grande e perigosa chamada Tawua, situada entre a atual Aldeia do Ypawu e o Morená.

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Narrativa 7 - Kanaraty Como Dois Irmãos Ficaram Inimigos

– Je remymino'a pa jere'õ je remyminõ, je remyminõ. – Ne ramÿja ke eraha taraû'î a'e wa. Ne ramÿj, tsawarapea ne wa. Ne ramÿj, januhã'îa ne wã, januhã'îa ne wã. 'ara o'at. [i'ypype ko']. – Jaha ko kwãj, tamÿj! – Jaha ne ko py. Aaaa', janypawa ojoero'ame je ko'. Tyk tyk tyk tyk, ãã i'ara rupi, tyryry tyryry tyryry. Awuje. Tak tak tak tak aaaa, i'ajurupyhwat, i'ajurupyhwat, i'ajurupyhwat, i'ajurupyhwat, awuje'. – Amoete ranek ekwa kora'e wa, je remyminõ. Amopojaru rane kora'e wã. Erahame ko'. Ikaatu oje'u'wan o'in tsawarapeat, owajhet tete moeme je erup. Nyk, ntyk, uwww, kom. Mburup mburururu pu pu pu. Eêee, janypawa je ojepumim. Pikytsi'îa 'î wîa ewokoja rehe ipipin a'iwî ko'yt. Dzi dzi dzi ããã, tak mapáwam, tu, mburup. A'eramuê ewokoj ipipî katu ko', ipipimap. – Jaha ko kwãj! Aaaa, ohom. Ha'ha'ha' ihukahukaawa je ohom. – Awuje rake kora'e wa, je remyminõ. – Po ereraha ko'yt? Po ereraha ko'yt, tamÿj? – Araha ne ko py. – Po ereraha ko, tamÿj? – Je remyminõa pa jere'õ jeremyminõ! Ngkryk!

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– Está bem, eu vou amanhã. – disse Kanaraty. Ele voltou para casa e o avô perguntou: – O que disse o teu irmão, meu neto? – É para eu ir tirar jenipapo. – Oh! Você está perdido, meu neto! Teu irmão está te mandando para os monstros das profundezas [18]. – disse o avô, e se pôs a lamentar: – Coitado de meu neto, meu neto, meu neto! Depois ensinou a Kanaraty o que fazer: – Leve o teu avô esquilo, o teu avô mucura e os teus avós aranhas [19]. Ao amanhecer Kanaraty chamou os avós: [está perto dele [20]] – Vamos, vovô! – Vamos! – responderam eles. Saíram de madrugada e ao alvorecer já estavam no lugar do jenipapo. Aaaah! Os dois jenipapeiros estavam perto um do outro, lá no meio da lagoa cheia de monstros perigosos, que eram os donos da fruta. Aí a aranha pequena foi indo sobre a superfície da água – tyk tyk tyk tyk. Foi e voltou várias vezes soltando fio – tyryry tyryry tyryry. Construiu assim uma ponte sobre a água, ligando os pés de jenipapo à beira. O esquilo, a mucura e a outra aranha foram sobre esta ponte até os jenipapeiros e começaram a tirar frutas – tak tak tak tak. Aaaah! Tiraram muitas, amarraram-nas pelos cabinhos, fazendo quatro atados, e levaram para Kanaraty que ficara esperando na beira. – Afaste-se para mais longe, meu neto. Eu agora vou brincar um pouco com os donos do jenipapo. – disse a mucura. Kanaraty assim fez, levando consigo os jenipapos. Então a mucura cobriu bem o corpo com folhas de jenipapeiro, deixando apenas o rabo de fora. Pegou uma fruta, soltou-a e ela caiu na água. Os bichos

[18] Os donos do jenipapo eram os ypytsat “seres das profundezas” que viviam na Lagoa Tawua. Ypytsat são monstros que vivem na água e também no céu. Dizem que até hoje ainda existem os jenipapeiros no lago Janypawu. [19] Eram duas aranhas: uma bem grande, a caranguejeira, e uma outra chamada em Kamaiurá de januhãjerep, que vira de barriga para cima quando vai atacar. [20] A frase entre colchetes não faz parte da história. Foi endereçada a meninos que estavam por perto.

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Narrativa 7 - Kanaraty Como Dois Irmãos Ficaram Inimigos

– Awa te po je remyminõa a'ea retsakawa, a'ea wite ware'yma pa! Ã, je remyminõ te nipe wã! Aaa'! Janypawa 'ajurupymana! 'aro'at, pok pok pok, warî warî warî! – Jaha Kanaratya rakyheri 'yp! Mparang mparang, ã, ojoeraham. – Na'angike hamÿja rehe oja'ywõm ojoerekom. Janû a'iwî no'uwite, ypytsará a'ea py'ap ikangera! Ikanga 'ayayapawer a'iwîa. Aaa, ojoerut [ma'anuat, emo'î ko'yt]: – O'ut ehe rak ne rywyra ko ma'e pe! – Ngka! Hamÿja heme pa! – Ngka! A'ea heme ma'e 'ang! A'ea heme ma'e 'ang! 'aro 'ate ko': – Kanarawary! – Haj! – 'ã kora'e jene jepiunawa ko'yt. – He! Erejo rake ko'yt? – Hê', ajorake kora'e wa. – Õaje! A'ea wite ewokoj kora'e wa. Oket, heno'jn: – Kanaratykej! – Haj! – Ejorane te kwãj! – Hê, maite? – Ekwate o'iran jene petyma rehe wa', jene jepejupejutawama rehe wa. – Hé, o'iran hek tahan a'e. Ohom.

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se agitaram, movimentando-se na água: mburup mburururu pu pu pu. Êêê, o jenipapo afundou e com isso a água subiu, cobrindo o rabo da mucura. Então as piabas ficaram mordiscando-o. A mucura jogou outro jenipapo, o que fez com que a água se levantasse mais ainda e cobrisse todo o seu rabo. Então as piabas ficaram mordiscando o rabo da mucura. Mordiscaram todo o rabo dela [21]. – Vamos embora! – disseram os avós. Aaah! Eles foram rindo até onde estava Kanaraty: “ha ha ha ha”! – Já basta, meu neto. – disseram. Então Kanaraty ofereceu jenipapo para os avós: – Vai levar um pouco de jenipapo, vovô? – Vou levar sim, meu neto [22]. Enquanto isso, o avô Mawutsini estava lá em sua casa se lamentando: – Coitado de meu neto, meu neto. Ele ouviu um barulho na porta – ntryk [23]! O avô sabia que era Kanarawary tentando enganá-lo e disse: – Aí tem alguém querendo se passar por meu neto, mas não é ele não! Mais tarde ele ouviu novamente barulho da porta e disse, ao perceber os atados de jenipapo: – Ah! Acho que agora é o meu neto. No outro dia, ainda de madrugada Kanaraty foi indo para o banho batendo as mãos e assobiando alternadamente. As cunhadas o ouviram e disseram: – Vamos ao banho atrás de Kanaraty! Ah, lá foram elas levando suas vasilhas que batiam umas nas outras fazendo barulho – mparãng mparãng! Ao ver isso Kanarawary murmurou:

[21] Os peixinhos arrancaram todos os pêlos do rabo da mucura. É por isso que o rabo dela é pelado.

[22] A mucura e a aranha levaram jenipapo. É por isso que a aranha ficou preta e a mucura tem preto em volta dos olhos. O tara'u'  ˜ ˜l “esquilo” não quis levar. [23] Para o fechamento, as portas eram sobrepostas ao vão, e para a abertura eram deslocadas para o lado. Atualmente são usadas portas de tábuas ou de folhas de zinco, presas com dobradiças e fechadas com taramela.

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Narrativa 7 - Kanaraty Como Dois Irmãos Ficaram Inimigos

– Mawite i'i ne ryke'yra, je remyminõ? – “Petyma po'om” – i'i na'e py. – Ke! Anite ereko kora'e wa, je remyminõ! – Je remyminõa pa jere'õ, je remyminõ je remyminõ. – Ne ramÿja ke, eraha tsîu'aea a'e wa, maira korine wã. Hê, ipapat tamÿjwen a'e wa – Jaha kwãj, tamÿj! – Jaha ne ko py – ojam je – Jaha kwãj, tamÿj! Aaaa'! O'ame je, o'ame je. A'ea te je ewokoj ipotyra rehe wara, ipotyra rehe wara wite te kwa. Tru tru tru tru tru tru, ihwat, ihwat, ihwat, awuje'. – Awuje rake kora'e wa, je remyminõ. – Po ereraha ko, tamÿj? – Araha ne ko'y py, tamÿj! – Po ereraha ko, tamÿj? – Araha ne ko'y py, tamÿj. Awuje'. – Jeremyminõa pa jere'õ, jeremyminõ... Ngtryk! – Aaa, je remyminõ a'ea retsakawa wite ware'yma pa! Je mojoroa'ip okome heme pa! Aa, ngtryk!

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– Deixe elas se iludirem. Estão imaginando que o avô é Kanaraty. Numa hora dessa ele está lá morto. Seus ossos estão na barriga dos seres das profundezas d’água. Os ossos dele estão lá todos quebrados, coitado. Ããã! As mulheres voltaram do banho e disseram: [o que é? coloque aí ?[24]] – Chegou o teu irmão, marido! – Ora! É o avô! – Ara! É teu irmão sim! É ele sim! O dia clareou e Kanaraty veio chamar o irmão: – Kanarawary! – Sim! – Toma aqui o material para a nossa pintura! – Ah! Você chegou? – perguntou Kanarawary. – Sim, eu cheguei. – respondeu Kanaraty. – É mesmo! – disse Kanarawary. Pois é, assim é a história! No outro dia Kanarawary chamou novamente o irmão: – Kanaratyzinho! – Sim! – Vem cá um pouco! – Tá bom, o que é? – Vá amanhã buscar fumo, para a gente fazer pajelança [25]. – Tá bem, amanhã eu irei. Kanaraty voltou para casa e o avô perguntou: – O que disse o teu irmão, meu neto? – É para eu ir buscar fumo. – Oh! Você está perdido, meu neto! – disse o avô e se pôs a lamentar:

[24] A frase entre colchetes não faz parte da história. Foi endereçada a uma pessoa que trouxe algo para o narrador.

[25] Antes de fazer pajelança, os pajés sempre se sopram com fumaça de tabaco, para se limparem. Fumam também durante a pajelança.

– Coitado de meu neto, meu neto, meu neto!

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Narrativa 7 - Kanaraty Como Dois Irmãos Ficaram Inimigos

– Ãã, je remymino' te nipe wã! Aaa, 'ara o'at, pok pok pok, warî warî! – Jaha Kanaratya rakyheri 'yp! – Na'ang ike hamÿja rehe oja'ywom ojoerekom a'e wa. Petyma rowa raya a'iwîa i'aikwapom, i'aikwara rowapytymire no'uwite a'iwî! Oyke je ojuerut: – O'ute rake ko pe! – Ngkã! Hamÿja heme pa! – Ngkã! A'ea heme ma'e 'ang! Owawak: – Kanarawary! – Haj, erejor ake ko'yt? – Ajor ake kora'e wa. 'ã kora'e. He! Oa'uwat. A'eawi oket, oket, imonome ran: – Kanaratykej! – Haj! – Ejor ane te kwãj! – Hé, arehekik a'e wa. Ohom: – Maite? – Ekwate o'iran jene ry'ywa'oke wa, jene ramÿja ry'ywa a'ea katy wa. – O'irane hek tahan a'e. Ohom. – Mawite i'i ne ryke'yra, jeremyminõ? – “Jene ry'ywa 'ok” – i'i na'epy. – Aaa, anite ereko ko'yt, je remyminõ! – Je remyminõa pa jere'õ, je remyminõ, je remyminõ.

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Depois explicou como Kanaraty deveria fazer: – Leve o teu avô curió, o teu avô cigarra [26]. Eêê! Ele foi enumerando os avós que o neto deveria levar junto. Kanaraty os chamou: – Vamos, vovô! Vamos, vovô! – Vamos! – atenderam os avós. Aaaah! Lá estavam os pés de tabaco. O curió e a cigarra foram até as flores do tabaco, como se estivessem em busca do néctar delas. Aí tiraram folhas de tabaco – tru tru tru –, amarraram-nas, fazendo três feixes e voltaram trazendo-os para Kanaraty [27]: – Pronto, meu neto. – Você vai levar um pouco de fumo, vovô? – perguntou Kanaraty a um dos avós. – Sim, vou levar, meu neto. Então ele perguntou ao outro: – Você vai levar um pouco de fumo, vovô? – Sim, vou levar, meu neto. Pronto. Enquanto isso, lá na casa o avô Mawutsini estava se lamentando: – Coitado de meu neto, meu neto, meu neto! A porta fez barulho: ntryk! Era Kanarawary tentando enganar o avô, mas este sabia e disse: – Aaah! Esse aí nem se parece com meu neto. Fica só me enganando! Depois, quando Kanaraty chegou, a porta novamente fez barulho. O avô então disse: – Aaah ! Acho que é o meu neto! Aaaa, no outro dia bem cedinho Kanaraty foi para o banho. Ia batendo as mãos e assobiando alternadamente: “pok pok pok, warî warî”! As cunhadas ouviram e disseram:

[26] O termo mait, que aparece no texto original, é nome de um inseto identificado ora como cigarra (esp.), ora como jequitiranabóia, ora como mariposa (esp.).

[27] O dono do fumo era o pitahwã “bem-te-vi”. Somente os avós podiam tirar fumo. Kanaraty não podia sequer chegar perto, pois não agüentaria o cheiro e morreria sufocado. Entre os avós que foram com Kanaraty o narrador incluiu o tsu˜lu'ae, um passarinho que tem na testa um tufo de penugens iguais a cabelo, identificado como sendo uma espécie dos curiós. Alguns Kamaiurá afirmam que aqui deveria constar o wajnymy'˜l “beija-flor”, ou, segundo outros, o kawun “marimbondo”, e que o avô ts˜lu'ae “curió” somente acompanhou Kanaraty quando ele foi tirar cana de flecha. Aliás, nesta versão da narrativa o curió volta a ser mencionado adiante, como um dos avós que auxiliaram o rapaz na busca das canas.

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Narrativa 7 - Kanaraty Como Dois Irmãos Ficaram Inimigos

– Ê. Ne remÿja ke eraha a'e wa, tsiû'ae a'e wã. Ne ramÿja my'awang korine wa. Hé, wamÿjwena reraham: – Jaha kwãj, tamÿj! – Jahan a'e py! Ojomonome ko'. Ha'! Y'ywa ru'ã! A'ea te je ewokoj hu'ã rehe wara wite te ojoereko kwa. Ihwat ihwat ihwat ihwat, awuje'! – Amoete ranek ekwa kora'e wa, je remyminõ! – Ehê. Amoete eraham. – Je remyminõa pa jere'õ, je remyminõ. Amÿj je o'upe ko. Ntyryk! – Kããw! Awa jene ry'ywa o'ok kwãj, 'awan! Awuje' tuk tuk tuk tuk tuk tuk tuk. Jene i'anupe je. Uma 'ia'iwa nipe je opopok ohom, opik. Ntórók – Ããa, po we a'e wa! A'epe jepe je ekat, uvvvv, ojoaupit ete je. O'ut a'ehera wi, “hah hah ha”, ihukahuka awa ojomuhute. – Awuje rake kora'e wa, je remyminõ. Omopojaru kora'e wa. – Je remyminõa pa jere'õ je remyminõ! Ngtryk! – Ããã je remyminõ a'ea retsakawa a'ea wite ware'yma pa!

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– Vamos atrás de Kanaraty, vamos banhar! Ao escutá-las Kanarawary ficou falando: – Deixe elas! Estão confundindo o avô com Kanaraty. Numa hora dessa o veneno da folha do fumo já tampou a garganta dele. O coitado está lá esticado, mortinho! As mulheres chegaram do banho e disseram a Kanarawary: – Ele chegou, marido! – Ora! É o avô. – Ara! É Kanaraty sim! Dia já claro, Kanaraty veio até a casa do irmão e chamou: – Kanarawary! – Ah! Você chegou? – perguntou Kanarawary. – É, cheguei. Aqui está o fumo. He, Kanarawary recebeu o fumo. Dois dias depois ele enviou novamente o irmão. Primeiro o chamou: – Kanaratyzinho! – Sim. – respondeu Kanaraty. – Vem cá um pouco! – Tá bem, já vou. Ele foi e perguntou: – O que que é? – Vá amanhã tirar cana de flechas, lá do nosso avô Tatarujap, o Grande Fogo. – Tá bom, amanhã eu vou. Kanaraty voltou para casa. Ao chegar o avô perguntou: – O que disse o teu irmão, meu neto? – É para eu ir tirar cana de flecha. – Oh! Você está perdido, meu neto! – o avô falou e se pôs a lamentar: – Coitado de meu neto, meu neto, meu neto!

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Narrativa 7 - Kanaraty Como Dois Irmãos Ficaram Inimigos

Ntryk! – A, je remyminõ te nipe wa! Imo'am erut. – Erejo ko'yt, tamÿj? – Ajo kora'e wa. 'aro'at, pok pok pok, warî warî warî! – Jaha Kanaratya rakyheri 'yp! Parang parang parang, ojoeraham. – Na'angike hamÿja rehe oja'ywõm ojoerekom. – O'ute he rak ne rywyra ko ma'e, pe! – Amÿja rehe pejeja'ÿwom pejekom! – A'ea heme ma'e 'ang! 'aro'at. – Kanarawary! – Haj! Erejor rake ko'yt? – E'ê, ajo rake ko'yr a'e wa. 'ã kora'e, ne ry'ywa kora'e. He', ha'uwat. Oket, oket, henõjn: – Kanaratykej! – Haj! – Ejot te kwãj! – Arehekik a'e wa. Ohom: – Maite? – Ekwate o'iran jene y'apema rehe, jene ramÿja katy wa. – O'irane hek tahan a'e. – Mawite i'i ne ryke'yra, je remyminõ? – “Jene y'apema rehe, jene ramÿja katy” – i'i ne je upe py.

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Depois ensinou a Kanaraty: – Ê! Você leve o teu avô curió. Leve o teu avô my'awang [28]. Kanaraty levou os avós: – Vamos, vovô! – Vamos. Eles foram até o lugar das canas. Oh! Quanto broto de cana de ubá! Os avós foram até os pendões das canas e ficaram fingindo que estavam comendo as frutinhas deles. Enquanto isso, os avós foram quebrando canas. Fizeram quatro feixes, que entregaram a Kanaraty. Então disseram: – Afaste-se para mais longe, meu neto. – Está bem. Kanaraty levou as flechas para longe. Enquanto isto, lá na aldeia o avô Mawutsini estava em casa se lamentando:

[28] My'awang é o nome de um pássaro, lit. barriga vermelha.

– Coitado de meu neto, meu neto. Os avós de Kanaraty recomeçaram a quebrar canas de flecha. Então o dono delas ouviu o barulho e avisou a gente dele: – Kããw! Alguém está tirando nossas flechas, pessoal! – disse o Grande Fogo. Ele se pôs a estourar – tuk tuk tuk tuk. Diz que nós podíamos ouvir o barulho. Nem sei onde ele estava estourando. Depois parou, então os avós voltaram a quebrar mais canas. – Oh! Ainda continuam quebrando! – disse o dono. Lá, em vão, o Grande Fogo ficou procurando os que haviam quebrado suas flechas. Os passarinhos levantaram vôo – uvvvv –, e voltaram de lá. Vieram rindo muito: “ha ha ha”! – Pronto, meu neto. Já brincamos bastante. Lá na aldeia o avô Mawutsini permanecia em casa se lamentando:

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Narrativa 7 - Kanaraty Como Dois Irmãos Ficaram Inimigos

– Ké! Anite ereko kora'e wa, jeremyminõ! – Je remyminõa pa jere'õ je remyminõ, je remyminõ. – Ne ramÿja ke, eraha arapawa a'e wa. Amoa korine wa, ne ramÿja arapawa'îa ne wa. Ne ramÿja 'ypekõtsîa ne wa, auje'. – Jaha ko, tamÿj! – Jahan a'e py. Awuje, ohom. Ijomonome ko'. Ha'! Otapaka rerojepy'yme je, itukanawa pupe, tsuruky! Ãã, hamÿjwena je okwap awa ko'. Aa, y'ypywarer okwape, jawari'a. Tsuruky! – Aa! Je remiaryrõ, tyke'yra remimo'atare'yma, i'i awa te'ang, je remiarirõa ko ma'e! Na'are te nipe 'ang pejemo'atare'ym pejekom a'e? Nokoite rane ne ramÿja a'e, je remiaryrõ. Marajawa te nipe 'ang a'ea wite pejemo'atare'ymawa a'e, je remiarirõ? [Ereom amoa nunge ko'yt]. Imonetame je ko'. Mpyh tuk! – Po ne ramÿja 'a ruri kora'e, je remiarirõ. Pea pupe ekwa ko'yt. Eê, myrytsia je o'am, a'a pupe je o'am ohome ko'. – E'ã tete te kora'e, je remiaryrõ. Epejuk e'ame kora'e, je remiaryrõ. Ne jeehe wejuek epeju a'e! Myh! Ããah te je amÿjwena, aah, õhwatãja rehe. Tuk tuk tuk, jeretsiraaat, 'owa'amawa, jeretsirat, jeretsira tete je o'am: tuk, ntuk! – Ne remyminõa 'ang oko, myra'. Ene remyminõa 'ang oko, myra'. Ene remyminõa, myra. Ene remyminõa 'ang oko. – 'ang nere? Eee! Mawite? – Ne remyminõa 'ang oko, tyke'yra remimo'atare'yma, i'iawa kyne 'ang!

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– Coitado de meu neto, meu neto. A porta fez barulho – ntryk! Era Kanarawary enganando o avô. Mas este sabia e dizia: – É alguém querendo se passar por meu neto, mas nem se parece com ele. Depois a porta fez barulho outra vez – ntryk! Kanaraty entrou e colocou em pé os feixes de flechas. O avô disse: – Ah! Agora deve ser o meu neto. Você chegou, meu neto? – Sim, cheguei, vovô. No outro dia bem cedinho Kanaraty foi para o banho batendo as mãos e assobiando: “pok pok pok, warî warî warî”! As cunhadas ouviram e disseram: – Vamos para o banho atrás de Kanaraty! Lá se foram elas, fazendo barulho com suas vasilhas – parang, parang, parang! Ao ouvir isso Kanarawary disse: – Que se iludam! Estão imaginando que o avô é Kanaraty! As mulheres falaram para ele: – Teu irmão chegou, querido! – Vocês estão imaginando que é ele, mas é o avô – disse Kanarawary. – Ora! É ele mesmo! – insistiram as mulheres. Quando o dia clareou bem, Kanaraty veio à casa do irmão: – Kanarawary! – Ah! Você chegou? – respondeu Kanarawary. – Cheguei sim. Aqui estão as tuas flechas. Kanarawary recebeu as flechas. Passados dois dias, ele chamou outra vez o irmão: – Kanaratyzinho! – Sim! – respondeu Kanaraty.

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Narrativa 7 - Kanaraty Como Dois Irmãos Ficaram Inimigos

[1] Aqui houve uma interrupção na gravação, que foi retomada após uns cinco minutos.

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– Uma te'ang je remyminõa rekow pa? Ndzu ndzu ndzu, téeee, aaa o'ame je. – Ããa! 'ã tehe ereko pa, je remyminõ? – 'ang ako a'e wa, tamÿj. – Ké, tyke'yra remimo'atare'yma i'iawá te'ang je remyminõa oko pa! Na'are te nipe 'ang peje'amotare'y wã, je remyminõ? A'eheratsã te je 'ang, ijo'amotare'ymawame kwa. Ije a'iwî te awa na'amotare'ymite a'iwî a'e wa. A'ehera te je 'ang, ijo'amotare'ymawam kwa. Ijet awa na'amotare'ymite koa. A'eramuê te rak, ikuewar awa anite. I'ajang jepe apoa, Kawuluwîa ruwa nite ore 'ukupatsîa ore imenõm orokom. 'ang a'iwî te kwa, tekwewa tete a'iwî, je 'amotare'ÿmawa a'iwî wa. Ijé te anite kwa. – Heee ! Ajjje, je remyminõ. – Ne 'atywahawa ne mopojaruramuê jepi wa, tamÿj. “Naaan, je'atywahawa o'ukupatsimera a'ea rerekotara, je 'atywahawa pa”! – i'iramuê ne 'atywahawa wa 'ang. – He'anuw a'ang ko jawyw a'e 'ang! – Ha', ha' ha' ha', ha' ha' ha'! Aaa, ojekyjt. – Arehekik a'e, je remiarirõ, 'awana ke emotak kora'e! 'anga korin a'e, 'anga korin a'e, 'anga korin a'e, je remiaryrõ. Emotapawíke kora'e [1]. – 'ajje', je remyminõ! – “Naan, 'ã je 'atywahawa porerekoramuê ihwat, owaypawame jepe'awa a'ea rehe” – i'iramuê. – E'anuwa 'ang ko jawyw a'e 'ang! – Ha' ha' ha' ha'! Ojekyjt. – Arehekik a'e, je remiarirõ.'awana ke emotapa kora'e, erahapawike kora'e, je remiarirõ. – Ee! Áajee, je remyminõ!


– Vem cá um pouco! – Tá bem, vou agora mesmo. Ele foi e perguntou: – O que que é? – Vá amanhã até o lugar de nosso avô trovão buscar bordunas para nós [29]. – Tá bom, amanhã eu vou. Kanaraty voltou para casa. Ao chegar o avô perguntou: – O que disse o teu irmão, meu neto? – Ele disse para eu ir lá no nosso avô trovão buscar borduna. – Oh! Você está perdido, meu neto! – o avô falou e se pôs a lamentar: – Coitado de meu neto, meu neto, meu neto. Depois ensinou a Kanaraty: – Você leve o teu avô, o pica-pau-de-topete-vermelho. Leve o teu outro avô, o pica-pau-joão-velho e também o teu avô, o pica-paumarrom. – Vamos, avós! – chamou Kanaraty. – Vamos lá. Eles partiram rumo à morada do trovão. Ha! Ao chegarem lá, viram muitas bordunas pintadas, dispostas uma ao lado da outra. Os avós não entraram. Armados com flechas jawari'a [30], ficaram estrategicamente posicionados próximo ao lugar por onde Kanaraty depois iria fugir, para dar-lhe cobertura. Kanaraty entrou sozinho na casa e a mulher do trovão foi logo dizendo: – Ah! É o meu neto, que é odiado pelo irmão! É o que dizem por aí, meu neto! Por que será que vocês são inimigos? Por que será que existe uma inimizade assim entre vocês, meu neto? O teu avô não está em casa, meu neto [Vá colocar outro [31]].

[29] Na presente versão da narrativa contada por Tarakwaj, Kanaraty é enviado à casa do Tupã “trovão” para buscar y'apem “borduna”, e não machado, como consta em outras versões disponíveis do mesmo mito. Contudo, observa-se uma relação entre os dois objetos. Quando cai um raio, os Kamaiurá dizem que o trovão está batendo com sua borduna, e quando raios caem sobre árvores, eles dizem que o trovão está rachando lenha.

[30] As flechas são de cana de ubá, jawari'a, têm na ponta um “coquinho” em que são feitas fendas. Isso produz um silvo quando lançadas.

[31] A frase em colchetes não faz parte da história. Foi endereçada a uma mulher que disse algo para o narrador.

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Narrativa 7 - Kanaraty Como Dois Irmãos Ficaram Inimigos

– Ne 'atywahawa ne mopojaruramuê jepi wa. “Je 'atywahawa a'ea porerekoramuê, nan, awuje ywyra momaw okome, wa'ypawam erekome, je 'atywahawa kwa. Oporerekom kujamerera okome kowa” – i'iramuê. – Ha! E'anuwa 'ã ko jawyw a'e 'ang! – Ha' ha' ha', ha' ha' ha' ha', ha' ha' ha'. A, tryky. – Ere ko'yt, je remiarirõ. Tak tak tak tak, wãaa, erojane ko'. 'ã te je amÿjwena kwawi ohwatãja rehe. Amoete jepe te eraha wa: – Hê, aje', je remyminõ! – Ne y'apema weraha kyne'ang! – Umame tahan 'iawe ke wa? Mpywh! Tuk! Okipe we rane. Mpywh! Tuk! Mbywh! – Umame tahan 'iaw eke wa! Okarip je ko. Awuje jepe je upityk erekom. Mpÿwhwhw, tuk, mapawame je. Kwîîî, wîî! Mbuk, mbuk ynypyãim. Mbá! Okypype je ohom o'up. Pê je o'up. – Hã' ha' ha' ha'! Awuje rak a'e wa! Awuje a'ikî rak ijeapykakã a'e wa! – Awuje rak ijeperenan 'akaw. “Ha' ha' ha'”, okoj ojomonome je ko'. Ãã, ero'ame je ko: ph ph! – Awuje rake kora'e wa, je remyminõ. Oromopojaru kora'e wa! – Po ereraha ko, tamÿj? – Arahane ko py. A'ereamuê te je 'ang, arapawa “mparãng” i'i wa. Amo'î atsã wa arapawa'it heta awa wite je ko'. 'ã te je amÿja a'ea japirõm o'up:

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Ela ficou conversando com Kanaraty. Depois se ouviu barulho de raios lançados pelo trovão: mpyh, tuk! A mulher do trovão disse: – Escute! Teu avô está chegando, meu neto. Vá para dentro daquele lugar ali [32]. Ah! Lá havia uma cerca feita com varetas de talo de buriti. Kanaraty foi para dentro dela. A mulher do trovão recomendou a ele: – Fique quieto aí, meu neto. Fique aí rezando, meu neto. Reze por você mesmo! Os avós que acompanharam Kanaraty estavam a postos, com seus arcos preparados para atirar. O trovão vinha vindo estrondando, batendo borduna – tuk tuk tuk. Tudo na casa dele estava estragado, os esteios centrais rachados, as madeiras das paredes descascadas pelos raios e bordunas que ele ali sempre jogava – tuk, ntuk! Assim que ele entrou na casa, a esposa disse: – Teu neto está aqui, meu velho. Teu neto está aqui, meu velho. O teu neto, meu velho. O teu neto está aqui. – Heim! Aqui, você disse? Como é que é? – perguntou o trovão. A esposa repetiu: – O teu neto está aqui! Aquele que, comenta-se por aí, é odiado pelo irmão! – Onde é que está o meu neto? O trovão abriu a cerca de buriti – nzu nzu! Oh! Lá estava o rapaz. – Ah! Aqui está você, meu neto! – Sim, estou aqui, vovô. – respondeu Kanaraty. – Puxa! Corre notícia de que teu irmão não gosta de você. Por que será que vocês são inimigos, meu neto? É por isso que passou a existir um pouco de inimizade entre as pessoas. Foi depois disso que passou a existir inimizade. [Quanto a mim, eu não tenho desavença com ninguém. E assim era com as pessoas de minha

[32] Ver [IL-5]. Os auxiliares explicam que o lugar onde a mulher do trovão mandou Kanaraty se esconder era um myritsi, biombo do tipo usado para delimitar um canto da casa para abrigar indivíduos em período de reclusão (Ver Parte 1, 1.3 Aspectos Demográficos e Socioculturais). Ela o enrolou de modo a envolver Kanaraty, e o colocou no canto da casa que era a parte predileta do marido, pois sabia que ele não jogaria raios lá.

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geração. Eu e o pai da Kawului transávamos muito com uma mesma namorada, mas não brigamos por causa disso. Hoje em dia, há pessoas que falam mal de mim sem razão. Mas eu não faço isso não.] Pois bem. Lá em sua casa, o trovão continuou: – Ah! Então é assim, meu neto? – disse ele. Para poder pegar as bordunas, Kanaraty começou a embromar o trovão. O rapaz recorreu ao estratagema de fazer intrigas envolvendo o trovão e seu primo cruzado, Mawutsini: – Teu primo Mawutsini está sempre caçoando de você, vovô. Ele fica dizendo assim: “Lááá, o meu primo cruzado só fica andando com as namoradas fora da aldeia”! Ele fica falando assim. Ao ouvir isso a esposa do trovão disse: – Escuta só! O que ele está dizendo é verdade! Então ela começou a fazer cócegas no trovão, e ele ficou rindo: “ha’ ha’ ha’, ha’ ha’ ha’”! Riu tanto que desmaiou. Aí ela falou para Kanaraty: – Daqui a pouco você pega as bordunas, meu neto. Você vai pegar esta, esta e esta. Pode pegar todas [33]. O trovão voltou a si: – Ah! Então é assim, meu neto? Kanaraty continuou provocando: – Teu primo fica dizendo: “Lá, às escondidas, o meu primo fica só amarrando feixes de lenha para as namoradas” [34]. E a mulher do trovão tornou a dizer: – Escuta só! É verdade! Ela ficou fazendo cócegas no marido e ele riu até desmaiar de novo. Então ela falou para Kanaraty: – Daqui a pouco você pega todas as bordunas, meu neto. Leve todas. O trovão voltou a si: – Eh! Então é assim, meu neto?

[33] Neste ponto houve uma interrupção na narração, a qual foi retomada cerca de cinco minutos depois.

[34] Conforme Agostinho (1974:88), “Levar lenha à casa de uma jovem é parte da corte”. No mito aqui tratado, o trovão usava seus raios e bordunas para rachar lenha para as namoradas.

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[IL-3] Na página anterior: cerca de buriti (Desenho de Páltu Kamaiurá).

– Je remyminõa pa jere'õ je remyminõ. Ngtyryk! – Awa te po je remyminõa retsakawe'yma wite tewara pa! Aaaa, ero'ame je ko'. – Erejo ko, je remyminõ? 'aro'at, warî warî warî! – Jaha Kanaratya rakyheri 'yp! Mparang mparang mparang mparang! – Na'angike amÿja rehe oja'ywõm ojoerekom. Janû a'îwî tupã ikaikare no'uwite. – O'ur ehe rak ne rywyra ko kÿne, pe. – Ngka! Hamÿja 'ang heme kopa! – Ngka! A'ea heme ma'e 'ang! Ee', 'aro'at. Ija'iwerera reraham a'iwî ko'. Amorametewara phy phy rerahame ko'. – Kanarawary! – Haj! Erejor ake ko'yt? – E'ê, ajor ake kora'e wa.'ã ko ra'e. “To'ur ane” i'i rak jene ramÿja a'e wa! – Awuje te rane rak ereo kora'e wa! – Ê'e! Haya, amorametewara 'iwîa haya ra'uwate je ko'. Ewokoj te je aete a'ewana, a'ewana 'apo te 'a kwa. Jetsakatuetetawera kori i'apo te 'a kwa.

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– Pois é. Teu primo está sempre caçoando de você, falando assim: “O meu primo cruzado fica só paquerando as namoradas dele. Lá as árvores estão acabando de tanto ele rachar lenha para elas. Ele fica paquerando as namoradas”. – Hei! Você está ouvindo isso, meu velho? É verdade! – disse a mulher do trovão. Ela voltou a fazer cócegas no marido, desta vez mais forte. De tanto rir ele tornou a cair desmaiado, ficando assim por um tempo mais longo. Então a mulher dele disse a Kanaraty: – Agora você pode pegar as bordunas, meu neto. Kanaraty foi pegando as bordunas – tak tak tak, wããã –, e saiu correndo com elas [35]. Os avós garantiam sua retaguarda, com as armas preparadas. Kanaraty já ia longe com as bordunas quando o trovão voltou a si. Pensando que o rapaz ainda estava lá na casa, ele repetiu: – Ah! Então é assim, meu neto? Aí a mulher do trovão disse: – Teu neto foi embora levando tuas bordunas! O trovão ficou furioso: – Ele está pensando que vai escapar com minhas bordunas? – disse ele. O trovão estava tão bravo que começou a lançar raios ainda lá mesmo, dentro da casa – mpywh, tuk, mpywh! – Ele acha que vai escapar! – repetiu o trovão. Ele foi para fora e continuou lançando raios na direção que Kanaraty seguira na fuga. Saiu em perseguição do neto, sempre lançando seus raios   – mpywhwh, tuk. Diz que o raio já estava quase alcançando Kanaraty. O trovão lançou mais raios, lançou mais. Aí os avós entraram em ação e atiraram flechas que foram assobiando: “kwîîî wîîî”! O trovão

[35] Kanaraty levou somente algumas bordunas. Dizem que se tivesse levado todas, hoje não haveria raios tão fortes.

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Narrativa 7 - Kanaraty Como Dois Irmãos Ficaram Inimigos

Oket, oket, Aikakunîa katy imonome ko'. Aikakunîa katy je ewokoj imono kora'e wa. Awa e'ÿ tetea katy, awa e'ÿ tetea katy jepe ewokoj imonome ko': – Kanaratykej! – Haj ! – Ejor ane te kwãj! – Arehekik a'e wa, 'a ko kora'e. Ohom: – Maite? – Ekwate o'iran jene ramÿja katy, Aikakunîa katy, jene ku'ahawa rehe wa. – Ehê o'irane hek tahan a'e. Ohom. – Mawite i'i ne ryke'yra, je remyminõ? – “Jene ku'ahawa rehe” – i'i na'epy. – Ké! Anite ereko kora'e wa, je remyminõ. – Je remyminõa pa jere'õ jeremyminõõõ. – Ne ramÿja ke eraha myjeyj a'e wa. Ne ramÿja tajykapara korine wa [a'eramuete te rake wa 'yahapáipe wa]. Ne ramÿja hywyyma korine wa. – Jaha kwãj, tamÿj! – Jahan a'epy. – Ne jehe wejueké epeju kora'e wa. Epeju a'e wa kakaã pupe korine wa, kakãa pupe ke, ne ramÿja epeju a'e wa, tere'ûa korine wa. Opyryrÿmete okwape korine wa.

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ficou com medo – mbuk, mbuk! E caiu de joelhos. Aí ele foi para dentro de sua casa, e ao entrar bateu a testa – mbá! Depois foi se deitar no canto da casa e lá ficou. Os avós de Kanaraty se puseram a rir e a comentar o ocorrido: – Ha, ha, ha, ha! Pronto! O coitado bateu a testa! – disse um. – O joelho dele quebrou! – disse o outro. Eles foram assim rindo ao encontro de Kanaraty, que os esperava mais à frente. Lá estava ele em pé, com as bordunas ainda eletrizadas faiscando – ph ph! Os avós chegaram até ele. – Pronto, meu neto! Nós nos divertimos com ele. Então Kanaraty ofereceu borduna para eles: – Você quer levar, vovô? – Vou levar sim. – disse o pica-pau-de-topete-vermelho. É por isso que o pica-pau faz “mparang”. Muitas outras espécies de pica-pau fazem assim. Enquanto isso, lá na casa de Kanaraty o avô Mawutsini estava se lamentando: – Coitado de meu neto, meu netooo! Ouviu-se barulho na porta – ntryk! Era Kanarawary tentando enganar o avô. Mas o avô sabia e disse: – Ah! Quem é esse que quer se fazer passar por meu neto, mas não é igual a ele não? Kanaraty chegou à noite. Ah! O avô o viu em pé, com as bordunas nas costas: – Ah! Você chegou, meu neto! Na madrugada do dia seguinte Kanaraty foi para o banho assobiando pelo caminho “warî', warî', warî'”. As cunhadas ouviram e logo disseram:

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Ãã, tape rupi je, ipejume je erahame ko', kakãa pupe, tere'ûa pupe awuje'. O'yahap ohom. Tsuky okawyterip, nite je. Okwape we jepe nipe je Kajkakunîa. – Pekwaw we jepe. – Hã! 'ã awa kwãj,'awan! Aaaa! Awa kwãj,'awan! Ije heke 'ang! Ije heke 'ang! Ije heke 'ang! Ije heke 'anga. – Mawite a'ang 'a wa? Pe karamemaa pupe ane te je hwajehwa kwa. Je hwajehwat ane pe karamema pupe korin. A'ehera rupi te wokoj je kytsikytsi korine wã. – Ajete jawyp kwãj, 'awan! O'itsem. O'itsem, pehem je, mo'yra werur awaw kwa. 'anga rupiwara te je ewokoj ihukuhet kwa, ojopopyhypyhyk i'awuje je, 'angatsangatsa je 'anga rupiwara, awuje, ihwat. – Awuje rake kora'e wa. Pea wi amoete rane ke pejepe'a kora'e wa. Ja'iwe nipe je amÿja ohom. Ojepe'ame je ko. – Pee je nupatara to'ut kora'e wa. Ojepe'ame ko'. – Jene karamema weraha kwãj, 'awaaaan! Wuwww, oapehera rupi. Nryk, y, myjeya. Nryk, ywy'yma. Aya'ia'ip myjeya. Eee, erahame je. E, ero'am eraham. – A'ha'! Aaa, ihuka awa ojomonom. – Awuje a'îkî rak aetyk a'e wa! – A! Awuje a'iwî rake 'arohat kwa! Ewokoj ojomonom. – Awuje rake kwãj, je remyminõ! Awuje rake kora'e wa! – Jeremymino'a pa jere'õ jeremyminoõõõ, je remyminõ!

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– Vamos para a lagoa atrás de Kanaraty! Foram levando as vasilhas, que faziam barulho – mparang, mparang mparang mparang! Ao ver isso Kanarawary falou: – Deixe elas se iludirem! É o avô, mas elas estão imaginando que é Kanaraty. A uma hora dessas o trovão já o quebrou todo, ele está lá esticado! As mulheres passaram por ele voltando do banho e informaram: – Teu irmão chegou, querido. – Que nada! É o avô! – Ara! É teu irmão sim! O dia clareou. Kanaraty saiu de casa levando as bordunas para entregar a Kanarawary. Mas ele levou somente as bordunas piores, feias, que retinham só um pouco de eletricidade. – Kanarawary!– ele chamou. – Sim! Você chegou? – disse Kanarawary. – É, cheguei. Aqui estão suas bordunas. O nosso avô trovão disse para você ir lá! – disse Kanaraty zombando do irmão. – Mas você já foi, eu não preciso ir! – respondeu Kanarawary. Ao receber as bordunas, ele levou um pouco de choque por causa da eletricidade que elas ainda conservavam. As bordunas verdadeiras, novas, cheias de energia haviam ficado lá na casa, como pertence de Kanaraty e do avô. Passaram-se dois dias e Kanarawary mandou o irmão ao lugar de Aikakunî [36], o dono dos colares e cintos de caramujo. Ele o enviou ao lugar de Aikakunî, que era muito perigoso, muito bravo. Mandou-o a um lugar onde ninguém, ninguém podia ir. Ele chamou: – Kanaratyzinho! – Sim! – respondeu Kanaraty. – Vem cá!

[36] Aikakunî ou Kajkakunî era o nome de uma outra tribo, que agora já não existe, e também o nome de seu chefe. O povo de Aikakunî vivia num lugar chamado Karapytang, próximo ao Morená, e tinha o costume de comer gente.

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Ntryk! – Aaa, awa te'ang je remyminõa wite ware'yma je mojoroa'iw okome pa! Ntryk! – Aaa! Je remyminõa te nipe wa. Aaa'! I'ajurupyman, i'ajurupyman! 'aro'at, pok pok pok, warî warî warî! – Jaha Kanaratya rakyheri 'yp! – Na'angike amÿja rehe oja'ywõm ojoerekom. Ijoerekoa'iw awa ojoerekome pa, amÿja rehe a'ikî ko'yt. Janû a'iwî ikytsikytsire no'uwite a'iwî, ipyhera ayayawire awa 'iwî. O'ut. Ihwen awa o'ut. – O'ute he rak ne rywyra ko ma'e, pe! – Ngka! Hamÿja heme pa! – Ngka, ha'ea heme ma'e 'ang! 'aro'at: – Kanarawary! – Haj! Erejor a'e ko'yt? – E'ê ajor ake kora'e wa. 'ã ko ra'e, ne ku'ahawa ko'yt. Hã, ija'iawere tete a'îwîa, i'apo'ihet etea. – To'urane ke jepe rake, jene ramÿja a'e wa! – Awuje te rane rak ereo kora'e wa. Oket oket oket, mapawam je ewokoj ijow kora'e wa, mapawame je ewokoj ijow kora'e wa moîa katy. Mapawame je ewokoj kora'e wa. – Kanaratykej! – Haj!

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– Já vou! – respondeu Kanaraty. Ele chegou até o irmão e perguntou: – O que é? – Vá amanhã lá no nosso avô Aikakunî buscar cinto de caramujo para nós [37]. – Tá bom, amanhã eu vou. Kanaraty voltou para casa e logo ao entrar o avô perguntou: – O que disse o teu irmão, meu neto? – É para eu ir buscar cinto de caramujo. – Oh! Você está perdido, meu neto! – disse o avô e começou a lamentar: – Coitado de meu neto, meu netooo! Depois ensinou Kanaraty: – Leve o teu avô, a dormência. Leve o teu avô, a câimbra [Uma vez me deu dessa câimbra lá na travessia!] e o teu avô, o barro escorregadio. Kanaraty chamou os avós: – Vamos, avós! – Vamos. O avô Mawutsini recomendou: – Reze por você mesmo. Diga a reza do kakã. Para acalmar Aikakunî, diga a reza do kakã e do teu avô araponguinha. Eles vão ficar batendo as asas [38]. Kanaraty, dizem, foi pelo caminho rezando a reza do kakã e a reza da araponguinha. Ele apareceu de repente no pátio da aldeia de Aikakunî e foi atravessando. Não havia ninguém no pátio, o pessoal de Aikakunî estava dentro das casas. Então Kanaraty gritou:

[37] Kanarawary mandou o irmão buscar ku'ahap “cinto” (lit. o que atravessa a cintura). No contexto da narrativa o termo está sendo usado em sentido genérico, pois o que buscavam era mo'yt, um cinto constituído de uma fileira de discos feitos da concha de caramujo, usado um pouco abaixo da cintura, por homens. Kanaraty trouxe também colares feitos com o mesmo material e que, como o mencionado tipo de cinto, constitui especialidade dos povos Karib alto-xinguanos. Conforme alguns consultores kamaiurá, segundo uma outra versão da narrativa, Kanaraty pede os adornos (karamemã) a Kajkakunî, e este o envia para Juriku, que era o dono do caramujo, e foi o pessoal de Juriku que quis comer Kanaraty.

˜ [38] A reza do kakã, do kaka'e˜ do tere'u, (esp. de aves) faz com que pessoas furiosas/raivosas/iradas fiquem calmas, de bom humor, sendo então possível conversar tranqüilamente com elas.

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– Ejor ane te kwãj! – Hé, arehekik a'e wa. O'ut: – Maite? – Ekwate o'iran jene ramÿja katy, jene kamytya rehe. Jene ramÿja katy wa, moitsininga katy wa. E'ê, moitsininga katy ewokoj imono kora'e wa. – O'irane hek tahan a'e. – Mawite i'i ne ryke'yra, je remyminõ? – “Jene kamytya rehe” – i'i a'e wa. – Ké! Anite ereko kora'e wa! – Je remyminõa pa jere'õ je remyminõ, je remyminõ, je remyminõ. – Ne ramÿja ke, eraha tawarerõ a'e wa. Ne ramÿja maira korine wã. Ne ramÿja jakyrana ne wã. Yky'ÿja ke, eraha kora'e wa. A'ea te ere'u'u'u'u ero'ame korine wa, a'ea omongemonge rero'ame korine wã. – Jaha kwãj, tamÿj. Jaha kwãj, tamÿj. Uu'mh! Yky'ÿj 'uwana, hokupep ohome ko': kyw kyw kyw kyw kyw kyw kyw kyw kyw. Ké! Imongemonget a'îwî ko'. Imonget. Tsuk, okome je. Prrrrr, a'a rehe je ojerep. – Arehekik a'e! Txiêk txiêk txiêk txiêk txiêk txiêk txiêk txiêk txiêk txiêk! Ãã! A'epe je ikam, a'epe je hipop ime'eng erut. – Aa! Pi'a oka a'e, pe. – Etsake te amoa ko'yt.

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– Tem gente aí? Ao ouvir isso, o pessoal disse: – Ah! Tem gente aí, pessoal. Tem gente aí! Eles saíram para o pátio e queriam logo comer Kanaraty. Ficaram pegando as diferentes partes do corpo dele – cabeça, braço, perna, orelha e outras, falando ao mesmo tempo: – Esta parte é minha! Eu que vou comer! – dizia um. – Esta é minha! – dizia o outro. – Esta aqui é minha! Esta é minha! Então Kanaraty disse: – Ah! Não é assim não, pessoal. Primeiro, com seus enfeites vocês devem amarrar as partes do meu corpo. Primeiro vocês devem amarrar as partes do meu corpo com seus enfeites. Depois vocês cortam as partes marcadas. – Ele tem razão pessoal! Vamos fazer assim. Então eles foram, entraram nas casas. Logo de lá voltaram trazendo cintos e colares de caramujo e começaram a colocá-los nas partes do corpo de Kanaraty. Os grandes, compridos, eles enrolaram no tronco dele. As peças ficaram certinhas, com as pontas se encontrando. Com os colares menores eles foram envolvendo as outras partes do corpo do rapaz: as coxas, os joelhos, os pés... Até que Kanaraty disse: – Já basta, chega! Agora vocês têm que se afastar para longe. Depois, o que for me matar vem de lá com a borduna. O pessoal de Aikakunî se afastou, e aí Kanaraty saiu correndo com os enfeites que estavam enrolados no seu corpo. – Ele levou nossos adornos, pessoaaal! Eles saíram no encalço de Kanaraty, porém os avós do rapaz estavam de prontidão no caminho e os atacaram. A câimbra e a dormência os pegaram, fazendo-os sentir dor e os deixando impossibilitados de andar.

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Narrativa 7 - Kanaraty Como Dois Irmãos Ficaram Inimigos

Kyw kyw i'ume te je, kyw kyw. Aaa, imongemonget a'îwî je. Txiêk txiêk txiêk txiêk txiêk txiêk txiêk txiêk, erahame je ipop: – 'ã oka pi'a a'e, pe! – Etsake te amoa ko'yt. 'anga wite wite 'ang inip erahame heme pa. Txiêk txiêk, okupe rupi je erekom, ipop ime'eng eraham. – Oka pi'a amo a 'e, pe! – Amoa etsake te jue. Kyw kyw kyw, yky'ÿja 'ume te je. A'e herawi je erute ran: tsi tsi tsi ipop ime'eng erut a'ehera wi je. Awuje je ko'yt, i'atyra. – Awuje rake kora'e, je remiarirõ. Wamÿjwena rehe je oyk ohome ko': – Po ereraha ko, tamÿj? – Araha ne ko py. A'eramue' te je 'ang jakyrana, “tsi tsi tsi tsi tsi tsi tsi tsi” i'i wa. Õmp, tawarerõa, “prrrrr” i'i wa. – Je remyminõa pa jere'õ je remyminõ, je remyminõ. Ngryk, ngryk! – Aaa, awa te po je remyminõa retsakaw e'yma wite wara po je mojoroa'iw okome pa! Erejo ko, je remyminõ? 'ara o'at, warî' warî' warî'! – Jaha Kanaratya rakyheri 'yp! Parang parang parang. – Na'angike, hamÿja rehe oja'ywõm ojoerekom. Janû a'iwî i'aikwara rowapytymire no'uwite. Irowa 'iwîa i'aikwara rowapytym noeruwite. Oatã a'iwîa.

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O barro escorregadio os fez escorregar e cair. Eh! Enquanto isso Kanaraty seguia correndo – nuwww! Foi levando os colares, e lá longe parou para esperar os avós. Estes vinham rindo e comentando seus feitos: – Ha’ ha’, eu derrubei os coitados! – dizia um, rindo. – Eu os fiz cair! – dizia o outro. – Pronto, meu neto. Prontinho! Kanaraty e os avós rumaram de volta para a aldeia. Lá o avô Mawutsini estava se lamentando: – Coitado de meu neto, meu netooo, meu netooo! A porta da casa fez barulho – ntryk! Era Kanarawary tentando enganar o avô, passando-se por Kanaraty. Mas o avô sabia: – Ah! É alguém que nem parece com o meu neto! Fica só me enganando! Kanaraty chegou já de noite, e o avô logo percebeu quando a porta fez barulho – ntryk! – Aah! Este deve ser o meu neto! Lá estava Kanaraty com pencas de cintos, com muitas pencas de cintos. De madrugada, ainda escuro, ele foi para o banho batendo as mãos e assobiando alternadamente: “pók pók pók, warî' warî' warî'”! As cunhadas ouviram e logo disseram: – Vamos para a lagoa atrás de Kanaraty! Ao ver isso Kanarawary ficou falando consigo: – Deixe elas! Estão tendo visão. Coitadas! Elas estão se consolando com o avô, pensam que é Kanaraty. Mas não é ele não! Numa hora dessas Kanaraty está lá morto, todo cortado. Está lá mortinho, com seu corpo todo partido. As mulheres voltaram do banho, e ao passarem pelo marido, avisaram: – Teu irmão chegou, querido!

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Narrativa 7 - Kanaraty Como Dois Irmãos Ficaram Inimigos

Ojuerut: – O'ur ehe rak ne rywyra ko kyne, pe. – Amÿja we jue a'a heme pa. – Ngkã! A'ea heme ma'e 'ang! 'aro'at. – Kanarawary! – Haj ! Erejor a'e ko'yt? – E'ê, ajor ake kwe. 'a ko ra'e. Ija'iwerera reraham a'iwî. O'irane je okoja 'ang inipe je ohom, japakanîa 'awykyme tete 'ang je ko'. Juta'ywa rehe ypy'yta 'awykyme je ko'. A'ep a'ang inipe je, juta'ywa mopy'ytame tete okome ywyra'ia mo'atyte tete je ko'yt, awuje'. Oket, mapawame je ewokoj erahaw kora'e wa. Oket, oket, henõjn: – Kanaraty kej – Haj! – Ejor ane te kwãj! Hé, ohom: – Maite? – Jaha te jene reymarywa a'ea rekyjte wa. – Ma'anuara ko'? – Japakanî. Awuje rake kora'e wa. Awuje nipe kora'e wa 'ang. – Hehê. O'irane hek jaha a'e. – Mawite i'i ne ryke'yra, je remyminõ? – “Japakanîa ra'yra rekyjt” – i'in a'epy. – Kéé! Anite ereko kora'e wa, je remyminõ! – Je remyminõa pa jere'õ je remyminõ, je remyminõ.

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– Qual nada! É o avô dele! – respondeu. – Ora! É teu irmão sim! – retrucaram as mulheres. Quando o dia clareou, Kanaraty veio até à casa do irmão e o chamou: – Kanarawary! Kanarawary saiu e disse: – Ah! Você chegou? – Sim, eu cheguei! – respondeu Kanaraty. Aqui estão os cintos de caramujo que você mandou buscar. Ãh! Ele levou para o irmão somente as peças feias e fininhas. As boas e bonitas ele tinha reservado para si. Kanaraty disse ao irmão, zombando dele: – Nosso avô Aikakunî mandou dizer que é para você ir lá! – Mas você já foi! Não preciso ir! – respondeu Kanarawary. Passados três dias, Kanaraty iria mais uma vez a mando do irmão. Iria pela última vez. Iria até à cascavel. Kanarawary o chamou: – Kanaratyzinho! – Sim! – respondeu Kanaraty. – Vem cá um pouco! – Tá bom, já vou! Kanaraty foi até o irmão e perguntou: – O que é? – Vá amanhã lá no nosso avô buscar chocalho. Lá, no nosso avô cascavel. Pois é, ele estava mandando o irmão para a cascavel! Kanaraty respondeu: – Tá bom, amanhã eu vou. Ele voltou para casa, e logo ao entrar o avô perguntou: – O que disse teu irmão, meu neto [39]? – Ele disse para eu ir buscar chocalho.

[39] Aqui houve um lapso do narrador. Em lugar de ne ryke'yt “teu irmão”, ele disse ne ramÿj “teu avô”.

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Narrativa 7 - Kanaraty Como Dois Irmãos Ficaram Inimigos

– He! Ne ramÿja ke, 'anuja ekutukutuk kora'e wa. Ne i'ajurupymane korine wa. A'ea rehe te ewokoj ne jaryja erenõj korine wa, tamÿj. Ne 'ara rupi ituramuê, erenõj: “ 'anga rupi, 'anga rupi, utu utu utu utu”! A'ea rehe te ne jaryja a'e ruri korine wa. A'ea te je ewokoj ne rerojy korine wa. – Hehê. 'anuja kutukutuke je okome ko'yt. I'ajurupyman, i'ajurupyman, awuje'. – Jaha kora'e! – Jaham! – ojam je. Y'ywa je, tyk tyk. Ã, ewokoj je ojoerahame ko'. – 'ang i'amî kora'e wa, pe. Ere'ome kora'e. E! – Hehê. Ee, tywyra je ohome ko'. – Ma'anuara te ewokoj ko'yt? – Je ipoit awa te 'ã kwa. – Ehê! A! Ojeupit ohom. O'ame je etsak. Hakãa rehe je oja'uwat ohome ko', a'eramuê je ojeupite ko'. Tak tak tak tak... Huu, prang, tak tak tak, prang! – Hõ! Na'are te'ang je py'yta'ota'o pa, pe? Ma'are a'ang je 'amotare'ym ekome wa? 'anga wite wite je rereko wa! Tak tak tak tak... A'ep ane je ojo'akape ko': – Eremano e'ame ko py! Ne piru ne 'ame ko py! Tak tak tak tak tak. – 'anga wite wite je rereko, a! Ojae'ome je tywyra o'ame ko'. – Tu! Na e'ame ko kwaj', ne pirurame kwãj! O'ute je o'itsem. Wywyra je o'am.

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– Oh! Você está perdido, meu neto! – disse o avô e começou a se lamentar: – Coitado de meu neto, meu neto meu neto meu neto! Depois ensinou Kanaraty: – Leve o teu avô gafanhoto, o teu avô cigarra e o teu avô cigarra grande [40]. Leve também pimenta. Cada vez que você mastigá-la, vai fazer com que a cascavel fique sonolenta. Kanaraty chamou os avós e eles foram com ele para a morada da cascavel. Quando chegaram lá, Kanaraty foi para trás da casa com um embrulho de pimenta e ficou comendo: “ngyw, ngyw, ngyw”. Ã! Com isso, a cascavel foi ficando com sono e acabou adormecendo. Os gafanhotos ficaram batendo asas. Ouvia-se o barulho de chocalho lá dentro da casa – txjêk, txjuk txjuk. A esposa da cascavel estava com uma criancinha do colo, sacudindo o chocalho para distraí-la. Aí a cigarra fez – prrr –, chamando a atenção da mulher cascavel, que se virou e viu Kanaraty. Então ela disse para ele: – Espere um pouco! Quando ela saiu atrás da casa, Kanaraty a chamou e pediu-lhe o chocalho. Ela entregou na mão dele e depois entrou na casa, para pedir outro chocalho ao marido. Ela disse, mentindo: – Ah! A criança quebrou o chocalho, marido! – Tá bom. Pega outro! – disse o marido cascavel. Lá fora, Kanaraty voltou a comer pimenta – kyw kyw kyw kyw. Comeu mais – kyw kyw. Aaaa, fez o coitado do marido cascavel ficar com sono. A mulher da cascavel saiu e levou outro chocalho, que entregou na mão de Kanaraty. Depois entrou de novo na casa e mentiu para o marido: – Esta criança quebrou o chocalho, querido. – Não tem problema. Pode pegar outro. – ele respondeu.

[40] Em Kamaiurá os nomes dos avós levados por Kanaraty são tawarerõ “gafanhoto”, mait “mariposa” e jakyran “cigarra grande”.

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Narrativa 7 - Kanaraty Como Dois Irmãos Ficaram Inimigos

Oka'aruk o'in. O'iran ko'yt, oka'aruk o'ine ete, kwaraya rero'in. Meiruwi, ty'ara je ijukam ero'ine ko'. Mapawam oka'aruk o'ine ko'. Uvvv, etsake je ko'. – Utu! 'anga rupi ejo ko'yt! Utu, utu, utu! 'anga rupi ejot 'anga 'ume kokwãj! Ejot 'anga 'ume ko'yt! Ejot 'anga 'ume ko'yt! Ejot 'anga 'ume ko'yt! Uvvvvv. – 'anga rupi, 'anga rupi, 'anga rupi, 'anga rupi! 'anga te je ituri ijaryja kwa ywyp. – 'anga rupi ejo ko'yr utu, 'anga rupi, 'anga rupi, ne potawa 'um, ne potawa 'uuum! Uvvv, tyky, i'ypyp. – Ah! Je remiarirõ' tyke'yra remi'amotare'ymawa, i'i awa te 'ang je remiarirõa ma'e! Na'are te nipe 'ang 'anga wite wite peko a'e? Ma'are te nipe 'ang 'anga wite ne ryke'yra ne 'amotare'yma ne rerekom a'e, je remiarirõ? – Utu! – Haj! – Je retsa tete kwãj? – Îjete pe ma'e, je remiarirõ'! Tahan ne ramÿja a'ea tsorom. Eroit ete jue je. Ûû, a'ep je ohom o'irûa tsorom a'iwî. O'itseme je ohom, y'a mototom, i'apo te awa je, yky'ÿja ja'apepopîa pupe, imejûa je. Okoja emiu'uu'ua je. – 'anga rupi ko kwãj, tamÿj. Tamÿj, tapea 'anga rupi 'anga rupi 'anga rupi 'anga rupi. Uvvvv. – Ma'anuara hukuhukua pa

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Deste modo ela foi levando chocalhos para Kanaraty, que continuava lá atrás da casa. Txjuk, txjuk! – ela levou de novo um chocalho e entregou na mão dele. Voltou e mentiu para o marido: – A criança quebrou outra vez, querido! – Pode escolher outro. – disse o marido cascavel. Kanaraty tornou a comer pimenta – kyw kyw kyw. O marido cascavel dormiu novamente e a esposa veio de casa trazendo outro chocalho e deu para Kanaraty. Ele já estava com um monte de chocalhos. Então ela disse: – Já basta, meu neto. Kanaraty foi até o lugar onde estavam os avós e perguntou: – Você quer levar um pouco de chocalho, vovô? – Sim, quero. Kanaraty deu alguns chocalhos para os avós e saiu correndo. A mulher da cascavel contou para o marido que Kanaraty havia levado os chocalhos. A cascavel então correu atrás dele, porém a cigarra grande cantou – tsi tsi tsi, tsi tsi tsi. A cascavel correu para o lado de onde vinha o canto. Aí, de outro lado o gafanhoto voou, fazendo – mbrrrr [41], e a cascavel correu para lá, procurando. Deste modo, os avós do rapaz iam confundindo a cascavel que ia para lá e para cá sem encontrar Kanaraty. E assim, ele e os avós foram embora levando os chocalhos. Enquanto isso, lá na casa de Kanaraty o avô lamentava:

[41] Quando batia suas asas o gafanhoto produzia um ruído parecido com o do chocalho, o que enganava a cascavel.

– Coitado de meu neto, meu neto! À noite Kanarawary fez barulho na porta – ntryk, ntryk. O avô disse: – Aah! Um que nem é parecido com o meu neto fica me enganando! Depois a porta fez barulho de novo, e o avô viu que era Kanaraty: – Você chegou, meu neto? De madrugada, ainda escuro Kanaraty foi para o banho assobiando – warî' warî' warî'! As cunhadas ouviram e logo disseram:

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Narrativa 7 - Kanaraty Como Dois Irmãos Ficaram Inimigos

Uvvv, tang, tang. – Aaaa, je remyminõ, tyke'yra remimo'atare'yma te 'ang je remyminõa 'iwî! Na'are te nipe 'ang peje'amotare'ym pejekome wa, je remyminõ? Aa. – Ey'u rane ke kora'e, je remiarirõ'! – ijaryja je. Mejûa je. A'ep ane je oy'ume ko'yt: tuk tuk tuk. Ojauke ko'yt. – 'anganek e'u kora'e, je remiarirõ. Tee! Typy'a mejûa 'iwerua je, a'ea 'ume je o'îne ko': kyw kyw kyw kyw kyw kyw kyw. Ijekawe'engire heme pa, kyw kyw kyw kyw kyw kyw kyw kyw. Awuje ko'yt. I'upap. A! A'ea te je ewokoj a'ewana ojoero'ine kwa. Txik txik txik iky'ÿja je umirimirik ojoero'în, awuje'. Ou'um awa kot. – Mawite jareko ko ma'e, je remyminõa ko ma'e? – Jaraha rane ko kwãj, jamohwang e'u katu a'e wa. – Etsa katuk a'e, myrã! Jajemotsî rape ne remyminõa rehe a'e. Etsak katuk a'e, myrã! Erejemotsî rap a'e jene remyminõa rehe a'e. – Erejewyretsa panemin a'e wa, je remyminõ. Ejeeapymîk e'î kora'e wa. Tyky, nryk. – Etsak katuk a'e, myrã! Etsak katuk a'e, myrã! – Awyje je ko'yt. Erejewyretsa panemin a'e wa, jeremyminõ! Erejewyretsa panemin a'e wa, erejewyretsa panemin a'e wa Ero'itsem eraham. – Arehekik a'ewa, je remyminõ. Tyk! Ipanatsia 'a tykam, opote je. A'erawi te je imohoang 'ume kwa, awuje. Pa! Ekotawera wite imokyrame te, ikyra. Kujatai'merera 'iwîa je ojoerekome ko'. – Õ, awa rapyÿja te pe ko ma'e! Etsak te kyn! – kujamerera upe.

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– Vamos atrás de Kanaraty! Lá foram elas fazendo barulho com suas vasilhas – parang, parang, parang! Ao ver isso Kanarawary ficou falando consigo: – Deixe elas! Estão imaginando que o avô é Kanaraty, não é ele não. Numa hora dessa o veneno da cobra já fechou a garganta dele. Ele está lá, com a garganta fechada, duro, bem morto. As mulheres voltaram do banho e avisaram ao marido: – Teu irmão chegou, querido! – Qual nada! É o avô! – respondeu ele. – Ora! É teu irmão sim! – retrucaram as mulheres. Quando o dia clareou, Kanaraty veio até à casa do irmão e o chamou: – Kanarawary! Kanarawary saiu e disse: – Ah! Você chegou? – Sim, cheguei! Aqui estão os chocalhos. – respondeu Kanaraty. Ele entregou ao irmão somente os chocalhos feios. Guardou os bons para si. No outro dia Kanarawary saiu de novo para preparar nova armação contra o irmão. Ele fez um filhote de gavião-de-penacho. Depois fez uma escada junto a um pé de jatobá. Mas fez a escada amarrando mal as travessas [42]. Lá no alto da árvore ele fez um ninho com pauzinhos e nele colocou o filhote. Ficou tudo pronto. Passou um dia. Kanarawary iria uma última vez, agora levando Kanaraty. Dois dias depois ele chamou o irmão: – Kanaratyzinho! – Sim! – respondeu Kanaraty. – Vem cá um pouco! – Tá bom, já vou!

[42] A escada era constituída de dois paus longos, dispostos paralelamente, nos quais, a intervalos regulares foram colocadas travessas (degraus), amarradas com cipó. Kanarawary amarrou os degraus frouxamente, de modo a poder soltá-los com facilidade.

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– Ma'anuara peetsak a'e, kujataîmeret? Ma'anuara 'anga peetsak katu a'e? Ore tsarem! “Itsaretsarem” pejawa te 'ang je pyra kora'e, je remiarirõnen! Ma'anuara 'ang peetsak pejekom a'e? Hewajwo'o awak a'e, je remiarirõ! A'eherawi ete je ojomuhut apyÿja rehe je, ojekok ojomuhut. A'eramuêwe ko: – Ewajwo'ok awa ke kora'e, je remiarirõ! Nite je imoje'engawa ko. Torok torok torok... Owajwo'om awa je o'ine ko. Ijemokatsing awa heme je pa. Kujãtaîmerera je ipijapijame tete a'eramuê ko'yt. Aa, howaj wo'om awa o'ine ko. O'akangam, o'akangam, o'akamukuram y'ywa pepo ryrua. Awuje je wyra ikwahape ko'. – Ja'u a'ang te kowa! A'ea witewite a'ang jene rereko kwa! A'ea 'anuwire: – Jaraha jene remyminõa ko kwãj, matyt! Jajemotsirape kora'e wa A'eramuê ipiune je ko'. Mawurawa ero'itseme ko. A'ea te je ewokoj, kapiturea omarakam ywyra kwa. A'ea 'anarame te je okoj wyra kowa, “aouhuhu”! A'ewana okoj tyte. – Tahane powana 'anaram! Tahane powana 'anaram! Tahane powana 'anaram! A'eramuê te je ewokoj ikarãkarãj tete awaw kwa. Nuk, ikarãkarãj te wyrakujã, ikarakarãjne tete. 'ang te je amÿja ojapirõa ruwi. – O'iran jaraha korin a'e wa, matyt. Ne remiarirõ, jene remyminõ jaraha korin a'e wa. Awyje je wyra i'ume potate ran. – Aa! Jaraha jene remyminõ ko kwãj. Awyje je peeeeme kwara ohome ko': – Jaha ko kwãj, tamÿj!

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Kanaraty atendeu, foi até o irmão e perguntou: – O que é? – Vamos no mato buscar filhote de nossa principal criação. – Qual é? – É filhote de gavião-de-penacho. Está pronto. Acho que está no ponto de pegar. – Tá bom, amanhã nós vamos. – concordou Kanaraty. Ele voltou para casa, e logo ao entrar o avô perguntou: – O que disse teu irmão, meu neto? – É para a gente ir tirar filhote de gavião. – Oh! Oh! Você está perdido, meu neto! – disse o avô e começou a se lamentar: – Coitado de meu neto, meu neto. Depois aconselhou Kanaraty: – Pegue teus avós ratos. Perfure todo o corpo deles e amarre-os juntos pelo pescoço. Aí, você vai chamar a tua avó urubu para vir até eles, para comê-los, meu neto. Quando ela estiver sobrevoando por cima de você, então você a chame: “Por aqui, por aqui, vovó, vovó, vovó, vovó”! Assim é, tua avó virá por causa dos ratos. Então ela vai te tirar da árvore [43]. – Está bem! – disse Kanaraty. Seguindo as recomendações do avô, ele ficou flechando ratos e depois os amarrou, fazendo dois atados. Kanarawary chamou-o: – Vamos lá! – Vamos! – respondeu Kanaraty. Os dois pegaram suas flechas e foram andando – tyk, tyk... Ah! Lá se foram eles para o jatobazeiro. Quando chegaram perto da árvore, Kanarawary disse:

[43] Os auxiliares comentam que este foi o último conselho do avô Mawutsini para Kanaraty.

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Narrativa 7 - Kanaraty Como Dois Irmãos Ficaram Inimigos

Tyk. – Erejewyretsa panen korin a'e wa, je remyminõ! Uvvvv, tsuruk, erojekotsim erute ko'. – Erejewyretsa panen je remyminõ! – Terejewyretsa panemin a'e! Terejewyretsa panen a'e! Terejewyretsa panen a'e! Awyje ywya rerererep erut. Awuje, tyky. – Arehekik a'e wa, je remyminõ! A! Tyky. Ipanatsia 'atykam. – Ereke kora'e, je remiarirõ. Opot. Y'ypepoa ryrua. – Je remyminõ, ejeepykike ne ryke'yra rehe kora'e. Tapi'ira ke, e'awyky kora'e wa, je remyminõ. Ne imamamamane korin, atsîa ne i'atykame korin. Ne ipejum ane korin, pfu, i'apema pype. Peã wite eraham, ne irahame korin. 'anga rupi katuke kora'e wa, ne ramÿja nite ke pea e'awyky kora'e wa. – Hehê! – Ma'anuara rehe te nipe 'ang pejo'amotare'ym pejekome kowa! Ejeepyke ne ryke'yra rehe kora'e wa, je remyminõ! Ma'are te nipe 'ang 'anga wite, ne ryke'yra ne'amotare'yme kowa? – Ne remijara rai'iheratsake emo'aty'aty kora'e, ne imo'atyte korin, je remiarirõ. A'ea 'ume te ewokoj je renõj korin a'e. A'ea 'ume te ne ramÿja nite korin a'e. – A'a wite hek tako ne ko'yt. – Mangaty ma'anuara ne ijukamen, a'ea 'um ore renõjnen. A'ea 'ume orohom – Hehê, a'ea wite te korine wã, utu. – Ereome ko'yt, je remiarirõ. – Hehê!

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– É aqui que está o ninho, mano. Pode subir, vai! – Está bem! Oh! Quando Kanaraty já ia começar a subir na árvore, Kanarawary viu os ratos que ele levava e perguntou: – O que é que é isso aí? – É comida para eu dar para os filhotes. – Está bem! Ah! Kanaraty foi subindo pela escada que o irmão tinha feito. Kanarawary ficou em pé lá no chão olhando o irmão subir. Kanaraty chegou ao alto da escada, passou para um galho da árvore e continuou subindo por ele. Então Kanarawary subiu até o alto da escada e a partir daí começou a soltar as amarras dos degraus – tak tak tak tak, hõ, tak tak tak! Ele ia soltando e deixando os paus caírem – prang! Ao perceber o que estava acontecendo, Kanaraty perguntou: – Por que é que você está desmanchando a escada? Por que é que você não gosta de mim e fica me tratando deste jeito? Kanarawary continuava tirando os degraus da escada – tak tak tak. Os dois ficaram lá discutindo [44]. – Que você fique aí para morrer! Que você fique aí secando! – disse Kanarawary enquanto prosseguia desmanchando a escada – tak tak tak tak. Lá de cima o irmão dizia chorando: – Você está fazendo isto comigo, puxa! – Bem feito! Que você fique aí secando! Depois de tirar a escada, Kanarawary voltou para a aldeia, entrou em sua casa e ali ficou. Enquanto isto, o irmão dele passou a noite lá em cima da árvore. Passou lá mais um dia, sob o sol quente. As moscas e a fome o atormentavam. O rapaz lá ficou mais um dia. Os ratos já estavam muito fétidos. A avó urubu vinha voando – uvvvv. Kanaraty a viu e ficou chamando:

[44] Em outra versão do mito, quando Kanaraty chegou até o ninho do gavião ele pegou o filhote e provocou o irmão dizendo: “Olha só, a penugem dele está parecendo os pêlos da xoxota de suas mulheres”! Isto deixou Kanarawary furioso, e ele então decidiu tirar a escada. Além disso, ele chutou a árvore, fazendo-a crescer e engrossar. Não havia como Kanaraty descer de lá.

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– Je remyminõa pa jere'õm Je remymino, je remyminõ Je remyminõa pa jere'õ. Nryk, nryk!

[IL-4] Na proxima página: Kanaraty subindo na árvore pela escada, previamente preparada por Kanarawary, para pegar filhote de gavião (Desenho de Wary Kamaiurá).

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– A! Je remyminõa retsakawa wite ware'yma te je mojoroa'iw je rerekome pa! Kaparim ete je remyminõa wite pe netsakawame kwãj! Nryk, nryk! – A! Je remyminõa te nipe wa. Té! I'amamuê ijepiunawera! – A! Je remyminõa te'ang oko ko'y pa! Ma'are te nipe 'ang pejo'amotare'ym pejekom ne ryke'yra nite wã, je remyminõ? Amÿja oje'eng okome ko. 'ara o'at o'ut, pok pok pok, warî warî warî! – Jaha Kanaratya rakyheri 'yp! – Na'ikî amy'ja rehe oja'ywõm ojoerekom. Janû a'iwî ipirua okeoket. Janû a'iwî kupi'ia opêopêtawera no'uwite ko'yt. – Erejor ake ko, Kanaraty? – Kanaratya 'anga wã! 'anga wite wara pokwãjm a 'ang je 'amotare'yma ukat pe 'irûa upe kwãj ,'awan. Je amotare'ym ukat je rerekome kwãj. 'anga wite peja'uk penekoramuê je rakyheri! A, ihwene te awa i'akap ane ko'. 'ang o'ut, o'itsem: tuk tuk tuk, opowanywanyk okom. Awyje'. O'iran, 'ar o'ate ko': – Jaha kora'e, tamÿj! – Ehê.


– Vovó, vem pra cá! Vovó, vovó, vovó! Vem pra cá comer isto aqui, vem comer isto, vem comer isto, vem comer isto! Ela continuava voando e Kanaraty chamou de novo: – Vem pra cá! Vem pra cá! Vem pra cá! Vem pra cá! A avó dele veio descendo, já voava bem baixo. Kanaraty continuou chamando: – Vem pra cá, vovó! Vem pra cá! Vem comer sua comida! Vem comer tua comiiiida! Uvvvv! Ela veio se aproximando, pousou num galho perto de Kanaraty e foi logo dizendo: – Ah! É meu neto de quem o irmão é inimigo! Esta é a notícia que corre, meu neto! Por que é que vocês vivem desse jeito? Por que será que teu irmão não te tem amizade, meu neto? – Vovó! – Sim! – Por favor, vê se me ajuda, vovó! – pediu Kanaraty. – Não é possível, meu neto. Não tenho força suficiente. Vou buscar o teu avô pra me ajudar. – respondeu a avó. Ela saiu em seguida. Foi naquele mesmo instante para buscar o marido. Entrou [45] na casa dela, encheu uma cuia com água e pegou um pouco de alimentos deles: uma cuiazinha com pimenta, beiju e outras coisinhas para o neto comer. Enquanto isso, lá no alto da árvore Kanaraty ficou chamando: – Vem por aqui, vovô! Vovô! O caminho é por aqui, por aqui, por aqui, por aqui! Não demorou muito e a avó urubu voltou com o marido. Os dois vieram voando e pousaram no galho da árvore, junto a Kanaraty. O avô urubu foi logo dizendo: – Ah, meu neto, tão malquerido pelo irmão! Pobre do meu neto! Por que será que vocês se tornaram inimigos, meu neto? O que que é isso? Aaaa!

[45] No texto em Kamaiurá o verbo está na forma plural, indicando que a avó e o avô urubu entraram juntos na casa para pegar a água e os alimentos que seriam levados para Kanaraty. Os consultores kamaiurá acham que o verbo deveria estar na forma singular, pois somente a avó teria entrado na casa.

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Narrativa 7 - Kanaraty Como Dois Irm達os Ficaram Inimigos

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Enquanto ele falava, a avó cuidava de Kanaraty: – Beba água primeiro, meu neto. Eu trouxe também beiju para você. Kanaraty bebeu água – tuk tuk tuk –, depois jogou um pouco no corpo. – Agora coma isto, meu neto. Aaa! Ela deu-lhe beiju bom, de tapioca, e ele ficou lá comendo: “kyw kyw kyw”. Depois Kanaraty contou para os avós tudo o que havia acontecido, e então ele comeu mais: “kyw kyw”, comeu tudo. Ã, enquanto isso os avós amassaram pimenta – txik, txik, txik –, e comeram com a carniça dos ratos. Quando terminaram de comer, a avó urubu falou: – Como é que vamos fazer com ele, com o teu neto [46]? – Ah! Vamos levá-lo e dar remédio para ele ficar bom. – disse o avô. A avó urubu recomendou ao marido: – Toma cuidado, meu velho! Senão teu neto pode se machucar com nossos esporões. Cuidado! Não vá ferir nosso neto! O avô disse a Kanaraty: – Você não pode olhar para baixo, meu neto. Sente-se nas minhas costas e fique com os olhos fechados. Kanaraty montou nas costas do urubu. Eles levantaram vôo e foram levando o rapaz. A avó urubu acompanhava o marido sempre recomendando: – Cuidado, meu velho! Cuidado, meu velho! Já estavam chegando. O urubu continuava dizendo: – Não olhe para baixo, meu neto! Não olhe para baixo, não olhe para baixo! Chegaram na aldeia do urubu e ao pousar o avô falou para Kanaraty: – Espera um pouco para descer, meu neto. O urubu abaixou a cabeça e fincou o esporão na terra, para que o rapaz não se espetasse nele. Kanaraty saltou. Dentro da casa, os avós delimitaram um pequeno compartimento com cerca de buriti, onde puseram o neto em reclusão e ficaram dando-lhe chás de raízes para beber [47].

[46] Segundo os consultores kamaiurá, nesta passagem houve um engano por parte do narrador. Quem fala é a avó, e não o avô, como indicado pelas partículas de sexo usadas e também pelo termo de referência para neto –emyminõ, o qual é usado por Ego masculino. [47] Os avós urubus fizeram Kanaraty passar por um período de reclusão em um recanto da casa, delimitado internamente por uma cerca de buriti. Durante esse período deram-lhe remédio preparado com determinadas raízes, que eram amassadas e fervidas em água. O remédio leva a pessoa a vomitar, o que limpa o corpo e abre o apetite, faz com que ela se fortaleça, recupere o peso, a força, a saúde, enfim. Na cultura kamaiurá os indivíduos passam por períodos de reclusão, de duração variável, em diferentes momentos de sua vida, e o local de reclusão é, como na narrativa, um recinto da casa, delimitado por um tapume de buriti. Um desses momentos é aquele em que os jovens de ambos os sexos atingem a puberdade. Durante a reclusão ingerem chá de raízes, incluindo o “remédio do urubu”, e obedecem a uma rigorosa dieta alimentar. Adquirem os conhecimentos de que necessitarão em sua vida adulta e aprendem a confeccionar as manufaturas próprias de cada sexo. (Ver Oberg, 1953:65-66; Galvão, 1953:31). Entre outros momentos em que se dá a reclusão, estão aqueles em que ocorre o nascimento do primeiro filho ou a morte de algum parente próximo.

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– Beba isso, meu neto! – dizia a avó. Puxa! Em pouco tempo Kanaraty recuperou o peso, voltou a ser como antes, robusto e bonito. Logo as moças e mulheres aves ficaram rodeando, curiosas. Então uma delas disse às outras: – Õ, quem será que está ali recluso? Vamos lá ver! Então elas ficaram se esgueirando junto à parede externa da casa, tentando espiar através da janelinha do compartimento onde estava Kanaraty [48]. A avó urubu ficou ralhando com elas: – O que é que vocês estão olhando, moças? O que é que vocês tanto bisbilhotam aqui? Vocês nos acham fedidos! Vocês não estão sempre dizendo por aí que minha casa é fedida, minhas netas? O que é que agora vocês ficam aqui olhando? Então a avó urubu falou para Kanaraty: – Você arranque as penas dos rabos delas, meu neto! Ao ouvirem isso, as meninas aves souberam que um rapaz estava lá recluso. Aí elas continuaram vindo. Encostavam-se na parede externa da casa, no lugar onde estava o compartimento em que Kanaraty estava recluso, e ficavam espiando pela janelinha. A avó urubu dizia: – Tire as penas dos rabos delas, meu neto. Tira as penas dos rabos delas! A avó não mais ralhou com as moças aves, para que elas viessem e o neto pudesse tirar as penas delas. As moças aves vinham e Kanaraty ia tirando as penas delas através das frestas da casa. Ao fazer isso, o rapaz beliscava as moças aves, deixando-as muito assanhadas. Assim ele foi enchendo seus porta-penas até à boca, com penas para emplumadura de flechas [49]. As moças aves foram ficando sem rabo [50]. Logo as aves-macho perceberam o que estava acontecendo e decidiram: – Vamos comer o rapaz! Ele fica nos tratando desse jeito! – disse o chefe deles, o gavião-real.

[48] A janelinha é uma pequena abertura na parede externa da casa, no local onde está o compartimento em que ficam os reclusos. Ela possibilita a entrada de ar e luz, permite ao recluso ver o espaço fora de casa (geralmente o pátio central da aldeia), observar o que ali se passa e mesmo conversar com pessoas que se aproximam da parede. A janelinha é feita separando-se a cobertura de sapé e é mantida aberta com auxílio de duas varetas.

[49] Os Kamaiurá confeccionam esteirinhas quadrangulares -tuawi/ tuwawi, com varetas de talos de buriti, entrelaçadas com fios de algodão e que são usadas, entre outros fins, para espremer a massa ralada de mandioca brava e retirar-lhe o sumo venenoso. Uma espécie dessa esteirinha, dobrada ao meio e amarrada nas pontas é usada para guardar penas, ou seja, como portapenas [50] As penas do rabo das aves-fêmeas era o uluri delas. Ao arrancar as penas das moças aves, Kanaraty cometia uma grave falta.

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Narrativa 7 - Kanaraty Como Dois Irmãos Ficaram Inimigos

[IL-5] Na página anterior: Kanarawary desmanchando a escada depois que Kanaraty passou desta para a árvore (Desenho de Wary Kamaiurá).

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Okoj ojoeraham ywíra 'apytukam. Tryk tryk tryk tryk tryk, ywira maman ojoerekome ko. Awuje'. Imo'awyjem. Hó'! O'am je ko'. Puh pyh, ê, owaja je. – E'ã tete ke kora'e wa! Kaparimete ke o'iran a'e wa. Ererokohuku panemin a'e wa. Nanek eraha kora'e wa. Peme tuwamuê ojoerut. O'iran kwara 'emamuê: – Kanarawary! – Haj! – opote wite [hôj hôj hôj hôu úe]. – Erejor ake ko'yt? – Ajor ake kora'e wa. Jene ry'ywa ja'awykyn a'e wa. – Okojn jaha ko py. – Jaka'amuhûmuhûkatu o'iran. – Hehê! Ojepyk okoj kora'e wa. Y'ywa okoj o'awyky awa kora'e wa. – Erejote rake kopa! – Ipepo kora'e wa. Î, i'atyra je. I'awykym ojoero'ine ko'. Awuje. – O'irane hek jaha kokwãj. 'ar o'at o'ute ko': – Jaha ko kwãj! 'ar o'ate ko': – Jaha kora'e! – Jaham. Ojoeraham. Nite. Amo i'apema pupe [Uma 'i'aiwa pa. Okoj atsã i'apematsã ko py]. Okoj amoa, 'anga wite, awuje. – Ho'ho' ho'! Anite. – Pea 'apema pype nipe kora'e wa. Pea pupe rak i'ajang a'e wa. – Ho'ho' ho'! Anite. – Peme rak a'e wa. Pea pupe nip a'e wa. Peme rak i'ajang a'e wa. Êê, a'ep katukatu: – 'ame ke e'ã kwe. Etsakatuk a'e wa. Eremono panemin a'e wa.


Depois de ouvir isso, o avô de Kanaraty falou para a esposa: – Vamos levar nosso neto de volta, minha velha! Senão seremos culpados pelo que acontecer com ele. Então os avós de Kanaraty fizeram festa de Mawurava para liberá-lo da reclusão [51]. Pintaram-no com tinta preta de jenipapo e o levaram para fora, para dançar. Ao mesmo tempo, em uma outra casa as aves faziam a dança ywyra. A maritaca entoou a música dessa dança, e as aves fêmeas se puseram emparelhadas, cantando como acompanhantes dela: “auhu huuuu, hu’hu’huuuu”. Kanaraty estava dançando e cantando o Mawurawa com os urubus, na casa de seus avós. Quando as moças aves ouviram, elas começaram a dizer: – Vamos como acompanhantes deles lá! Vamos como acompanhantes deles lá! Vamos como acompanhantes deles lá! Elas passaram todas para lá, deixando a maritaca sem acompanhante. As moças aves estavam tão apaixonadas por Kanaraty que, quando o rapaz passava dançando perto delas, elas ficavam tentando puxá-lo e arranhavam o rapaz com suas garras. Deixaram-no todo arranhado. Enquanto isso, lá na aldeia de Kanaraty o avô Mawutsini lamentava o neto [52]. O avô urubu decidiu: – Amanhã nós vamos levar embora nosso neto, minha velha! Vamos levar o seu neto, o nosso neto. As aves estavam de novo querendo comer Kanaraty. Então o avô urubu disse: – Aaah! Vamos levar o nosso neto. Saíram por volta das cinco horas da tarde. – Vamos lá, meu neto! Kanaraty montou nas costas do avô e este recomendou ao rapaz: – Você não pode olhar para baixo, meu neto!

[51] Para encerrar o período de reclusão era preciso fazer a festa de Mawurawa. Se Kanaraty saísse sem dançar, os mama'e “espíritos” iam ficar bravos e algum mal aconteceria com o rapaz. Na festa de Mawurawa há um cantor e dançante principal que é acompanhado por mulheres que se posicionam à frente dele, enfileiradas uma ao lado da outra. O mesmo ocorre na festa do Ywyra. Na presente narrativa, as duas festas ocorriam simultaneamente, em diferentes casas. O kapiture figurava como cantor e dançante do Ywyra, em uma casa, enquanto Kanaraty participava do Mawurawa na casa dos urubus. Ao perceberem o que Kanaraty fazia, as aves abandonaram a dança Ywyra e foram para a casa dos urubus participar com o rapaz do Mawurawa, deixando o kapiture “matriarca” sem acompanhantes. [52] Mawutsini sabia que Kanaraty estava bem, mas ficava lamentando o neto para enganar Kanarawary.

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Narrativa 7 - Kanaraty Como Dois Irmãos Ficaram Inimigos

[IL-6] Kanaraty sendo levado pelo avô urubu para a casa deste (Desenho de Wary Kamaiurá). [IL-7] Na próxima página: cerca de buriti do tipo que foi usado para delimitar o espaço onde Kanaraty ficou recluso para ser tratado e se recuperar do período em que ficou preso na copa da árvore (Desenho de Páltu Kamaiurá).

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Ele e a esposa levantaram vôo e vieram voando em círculos, trazendo Kanaraty. Os avós sempre repetiam: – Não olhe para baixo, meu neto! Você não pode olhar para baixo, você não deve olhar para baixo. Vieram se aproximando da terra. Pronto, já estavam voando baixo. Pousaram e o avô falou: – Espera um pouquinho para descer, meu neto. O urubu fincou o esporão na terra, e então a avó disse: – Agora você pode descer, meu neto! Kanaraty desceu. Ele trazia consigo os porta-penas cheios. O avô urubu então aconselhou: – Meu neto, você deve se vingar de seu irmão! Faça uma anta, meu neto. Amarre-a toda e coloque chifres nela. Reze-a, pfu, lá na ilha de mato. Leve-a para longe, a uma distância assim, nessa direção. Faça tudo junto com seu avô Mawutsini [53]. – Está bem! – respondeu Kanaraty. – Não sei por que será que você e seu irmão ficaram inimigos! Vinguese de seu irmão, meu neto. Não sei porque ele é assim seu inimigo! Aí a avó urubu disse: – Junte sempre um pouco de sua caça para nós, meu neto. Depois me chame para comer. Virei junto com teu avô para comer. – Farei sempre assim. – disse Kanaraty. A avó continuou: – Quando por aí você matar alguma caça, chame-nos para comer e nós viremos! – Está bem, assim farei, vovó. – Pode ir, meu neto. – disse a avó. – Sim. Enquanto isso, lá na casa de Kanaraty o avô Mawutsini se lamentava:

[53] Em uma outra versão do mito, contada por Kanutary (Koka), o bicho é o tapire “boi” e quem o criou foi Kanarawary. Depois de se desculpar com Kanaraty por ter tirado a escada, ele o chamou para caçar com a intenção de fazer com que o bicho o matasse. Porém o avô avisou Kanaraty e ensinou como fazer para que o bicho se voltasse contra o seu criador.

– Coitado de meu neto! Meu neto, meu neto. Coitado de meu neto.

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Narrativa 7 - Kanaraty Como Dois Irm達os Ficaram Inimigos

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A porta da casa fez barulho – ntryk, ntryk! O avô sabia que era Kanarawary: – Ah! Alguém que nem se parece com meu neto fica querendo me enganar! Que venha depressa o meu neto! A porta fez barulho novamente – ntryk, ntryk. – Ah! Acho que é o meu neto! Oh! Lá estava Kanaraty em pé, bonito, com o corpo pintado! – Ah! É mesmo o meu neto que está aqui! Por que será que você e seu irmão ficaram inimigos, meu neto? – ficou falando o avô. O dia veio surgindo e Kanaraty foi para o banho batendo palmas e assobiando no caminho: pok pok pok, warî, warî, warî! As cunhadas ouviram e disseram: – Vamos para a lagoa atrás de Kanaraty! Vendo isto, Kanarawary falou consigo: – Deixe as coitadas, estão se consolando com o avô, pensando que é Kanaraty. A esta hora o corpo dele está sequinho lá no pau, esta todo coberto de cupins. Ele está bem morto! As mulheres passaram por Kanaraty quando ele voltava do banho: – Você chegou, Kanaraty? –disseram elas. Ele respondeu muito zangado: – Que Kanaraty o quê, ora! Vocês ficam vindo se banhar desse jeito, atrás de mim! É por causa de coisas assim que o marido de vocês me tem inimizade. É isto que faz ele ficar contra mim! Kanaraty veio para casa muito bravo, entrou pisando duro – tuk, tuk, tuk! Pois bem. No outro dia ao amanhecer ele chamou o avô: – Vamos, vovô! – Vamos. Ele e o avô foram amassar embira – tryk, tryk, tryk –, depois ficaram fazendo o animal com ela. Oh! Estava ele lá pronto. Era enorme! Estava lá em pé, abanando o rabo. Então Kanaraty disse para o bicho:

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Narrativa 7 - Kanaraty Como Dois Irm達os Ficaram Inimigos

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– Fique quietinho aí! Amanhã seja rápido, não demore a chifrá-lo. Depois leve-o para lá. Mais tarde, ele e o avô voltaram para casa. No outro dia, ao nascer do sol Kanaraty chamou o irmão: –Kanarawary! –Sim! Você chegou? – respondeu o irmão na hora. [hôj hôj hôj hôu úe [54]] – Cheguei sim. Vamos fazer flechas. – Já estou indo aí! – Vamos caçar amanhã. – Está bem. Kanaraty estava se vingando. Ele e o irmão ficaram fazendo flechas. Kanarawary dizia para si: “Nem acredito que você tenha voltado”! – Aqui estão as penas para as flechas. – disse Kanaraty. Ah! Era um montão de penas. Eles ficaram preparando as flechas. Quando elas ficaram prontas, Kanaraty disse: – Então amanhã nós vamos caçar. O dia veio surgindo, e quando clareou ele chamou o irmão: – Vamos lá? – Vamos! Foram para uma ilha de mato e lá nada encontraram. Então foram para outra. Lá nos campos do Morená não tem muitas não. Tem apenas três pequenas ilhas e uma outra, perto. Os dois ficaram gritando: “hó’ hó’ hó’”, como sempre fazemos para desentocar um animal. Nada! Então Kanaraty disse: – Acho que naquela ilha de mato ali tem. Lá tem muito bicho. Foram para outra ilha de mato e Kanaraty gritou: “hó’ hó’ hó’”! Nada! – Naquela lá tem, acho que tem. Naquela ilha tem muito! Eh! Era lá que Kanaraty havia deixado o bicho que fez [55]. Eles foram indo. Quando chegaram lá, Kanaraty disse para o irmão:

[54] O narrador grita em resposta a um grupo que chegava na aldeia.

[55] Nos campos do Morená, dentro do cerrado, há umas três ilhas de mato, bem redondinhas. O bicho estava numa ilha de mato que fica próximo a um lugar chamado Takwatsiat.

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Narrativa 7 - Kanaraty Como Dois Irmãos Ficaram Inimigos

[IL-8] Na página anterior: depois de se recuperar na casa dos urubus, Kanaraty é trazido de volta para sua aldeia terrena, onde deveria se vingar do irmão (Desenho de Páltu Kamaiurá e Karatsipa Kamajurá). [IL-9] Na próxima página: Kanarawary preso nos chifres da anta criada por Kanaraty seguindo instruções do avô urubu para se vingar do irmão. Após ser mostrado às esposas, ninguém sabe para onde a anta o levou (Desenho de Páltu Kamaiurá e Karatsipa Kamajurá).

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“Ho' ho' ho'”, tyk ehe. – Ereome ko kwãj 'ang! Ûû, imomot a'iwî je. – Hokoj ijow kwe, Kanarawary! Ejemoako'ike kwe! Ty ty ty ty. nuruky! Eme'ypype katu je kutuk. A'akoa pupirat a'iwîa je. – Amoetek eraha kora'e wa! Emirekomer awa katy ane ke eraha kora'e wa! Tu tu tu tu tu hemirekoher awa rowake rupi. Aaa! Emirekomera! Amÿja: – Ké! Pe pokwãjme te 'anga wite peko wa. Na te poronetaram 'anga wite wite pejekome ko kwãj, kunu'umet! Moronetaram, jene remyminõmera poronetaram pejekome korine wa. Peje mo'atare'yme kowa, jene remyminõmera poronetaram pejekome korine wa! A'eherame te 'ang a'apytsotsotsotsoke tete kwa. Mangaty a'ang erahaw ko'y pa! Nane he je upe kwa. A'epe wejue ne 'ang erojekotsîme heme kopa. A'epe we ne 'ang ikow ko py. A'eherane je 'ang jene ja'ywõtawame jene remietsakame ko py. Mangaty a'ang naaan ero'yahawi kopa, ijukame je ko. Opap.


– Você fique aqui. Tome cuidado, não vá deixar o bicho escapar! Ele foi andando na frente, gritando hó’ hó’ hó’, chegou até o animal e mandou: – Vá, vá depressa! E gritou para o irmão: – O bicho foi para aí, Kanarawary! Fique atento! O animal veio correndo no rumo de Kanarawary – tu tu tu tu... e nuruky! Chifrou-o na barriga, trespasssando-a bem abaixo do umbigo. O rapaz ficou preso nos chifres do bicho. Então Kanaraty ordenou: – Leve-o para longe! Leve na direção das mulheres dele! O bicho foi correndo – tu tu tu tu tu –, levando Kanarawary e passou em frente das esposas dele. Ah! As esposas! Elas ficaram muito assustadas. Então o avô falou para Kanarawary e Kanaraty: – Ah! Vocês estão desse jeito por sua própria culpa. Que vocês fiquem assim como história, rapazes. Vocês vão ficar como história, vão ficar como história para os nossos netos. Pela inimizade entre vocês, vocês vão ficar como história para nossos netos. E é por isso que estou agora contando essa história. Estou contando mal. Nem sei para onde o bicho levou o rapaz. Acho que foi para lá mesmo, para o Morená, que o bicho o levou rodopiando. Acho que ele ainda está lá. É aquela visagem que de repente aparece pra gente. Pra onde mais ele levaria Kanarawary depois de tê-lo matado [56]? Acabou.

[56] Depois Kanaraty casou-se com as viúvas do irmão.

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narratiVa 8

jawara pOrOneta: Mangawa apitap jOetyK MO’ypytawet História da Onça: OrigeM dO jOgO de bOla e da luta HuKa-HuKa

Por Tarakwaj, e registrado por Etienne Samain, em 8 de setembro de 1977, na Aldeia Ypawu. Foi transcrita, em 5 de dezembro de 1994, com assistência de Tatap em Campinas-SP. Na mesma cidade, foi realizada a revisão, em 26 de fevereiro de 2006, com assistência de Páltu e de Kanutary (Koka).


Narrativa 8 - Jawara Poroneta Hist贸ria da On莽a: Origem do Jogo de Bola e da Luta Huka-Huka

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Esta história versa sobre a origem do jogo de bola tradicional dos Kamaiurá e da luta huka-huka, como mostra o título sugerido por Kanutary (Koka). A trama envolve um rapaz que foi procurar uma esposa em aldeia de outra etnia, a das onças. O rapaz convive algum tempo com a esposa sem o conhecimento dos pais dela, mas os sogros acabam descobrindo sobre o relacionamento. Depois de submeterem o rapaz a alguns testes, nos quais ele se sai bem, os sogros o aceitam. O mesmo não ocorre com os cunhados e outros membros do grupo, que odeiam o rapaz e tentam matá-lo no decorrer dos jogos de bola e das lutas praticadas pelas onças, que estariam na origem do jogo tradicional de bola e da luta huka-huka dos Kamaiurá. O rapaz havia aprendido com a esposa a jogar e a lutar bem, e saía vencedor em todas as disputas. Porém estava consciente do perigo que corria, então decidiu fugir e voltar para sua aldeia, abandonando e deixando inconsolável a esposa grávida. Os sogros foram até lá e levaram a alma do rapaz, causando a sua morte. Na narrativa são descritas várias disputas, envolvendo o rapaz e a esposa, de um lado, e o sogro e a sogra de outro, bem como entre o rapaz e diferentes espécies de onças. O mangawa apitap “jogo de bola”, constituía um elemento tradicional da cultura kamaiurá. Era disputado entre dois distintos grupos, como forma de competição intertribal, e também jogado entre os próprios Kamaiurá, para treino e diversão. Com a introdução do futebol na aldeia, o jogo caiu em desuso. Tarakwaj, autor da presente versão da narrativa, ainda praticava o jogo, que foi presenciado por Kanutary (Koka). Na literatura consultada, encontramos somente menções à existência do jogo tradicional de bola entre os Kamaiurá. Assim, julgamos oportuno incluir aqui uma descrição do mesmo, elaborada com base em pesquisa feita com Kanutary (Koka).

Contextualização

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Narrativa 8 - Jawara Poroneta História da Onça: Origem do Jogo de Bola e da Luta Huka-Huka

[IL-1] Na página anterior: detalhe de ilustração da aldeia (Desenho de Way Kamaiurá).

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A bola era pequena, do tamanho de uma bola de pingue-pongue, e branca. Era feita com resina de mangaba, que depois de fervida ia endurecendo e podia ser moldada como uma bola. Alternativamente, era uma bola oca por dentro, elástica e que, ao bater no chão, produzia um ruído. Para a confecção deste tipo de bola, camadas da resina eram passadas sobre partes do corpo do indivíduo e, com auxílio de uma semente, era depois retirada em forma de tiras. Estas eram usadas para envolver uma semente, de modo a moldar uma bola. Depois esta era cortada ao meio para a retirada da semente, sendo as metades novamente unidas e envoltas com novas camadas de resina. As partidas eram disputadas no mangawa rape “campo da bola” ou mangawa apitawa rape “campo do jogo de bola”, localizado bem no centro do pátio da aldeia. O campo era delimitado nas laterais por duas linhas curvas e opostas, formando uma área mais estreita, com cerca de dois metros no centro, alargando-se nas duas extremidades (Ver [IL-04]). As linhas eram demarcadas inicialmente com o pé, sendo depois aprofundadas com a ponta de um pau. As duas equipes, digamos A e B, que iriam disputar a partida, posicionavam-se nas extremidades opostas do campo. Cada equipe era constituída de seis ou oito homens, que se postavam em fila, afastados um do outro em cerca de um metro. O principal jogador de cada grupo ocupava o primeiro lugar na fila e ficava a aproximadamente quatro metros do centro do campo, de modo que a distância entre os dois times era de cerca de oito metros. Nas linhas laterais do campo, à direita e à esquerda dos principais jogadores, havia cavidades (quatro no total), com aproximadamente dez centímentros, nas quais era colocado um remédio – mangawa hoang – misturado com terra, que os jogadores passavam nos joelhos, preparando-se para a peleja. O campo e a


disposição dos jogadores aparecem representados, nesta narrativa, em desenho feito por Wary Kamaiurá sob a supervisão de Kanutary (Koka), a partir de um esquema feito por este ao explicar como era o campo e a disposição dos jogadores de cada equipe (Ver [IL-04] e [IL-05]). Observese que o mesmo traçado do campo aparece em pinturas corporais e também no apenap, uma cerca baixa em forma de quadrângulo que delimita o cemitério situado no pátio central da aldeia kamaiurá. No desenvolvimento do jogo, a bola podia ser movimentada somente com os joelhos e com a cabeça, exceto no primeiro lance, quando a mão era usada para iniciar o processo de levantamento da bola. O jogador A lançava a bola com a mão na direção do jogador B, este rebatia com o joelho, atirando-a na direção de A, que por sua vez rebatia com a cabeça, e assim por diante. Os demais jogadores tinham por tarefa recuperar a bola quando esta se desviava da linha de jogo. Cabeceando a bola, ou impulsionando-a com o joelho, conforme a altura em que ela estivesse, iam trazendo-a até o principal jogador. O objetivo de cada jogador principal era fazer com que a bola acertasse alguma parte do corpo do adversário, o que definia a vitória. Quando isto acontecia, as equipes trocavam de lado no campo. Nas disputas formais, envolvendo distintos grupos, costumavam jogar pela manhã e também à tarde. Se o grupo visitante obtinha a vitória no jogo, os jogadores entravam nas casas dos vencidos e pegavam como prêmio todos os pertences (redes, cestas, armas, adornos) que ali estivessem. Quando a disputa era vencida pelos jogadores do grupo anfitrião, eles tomavam todos os pertences dos visitantes, que então regressavam sem nada para sua aldeia.

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Narrativa 8 - Jawara Poroneta História da Onça: Origem do Jogo de Bola e da Luta Huka-Huka

Do mesmo modo que na narrativa, o jogo era sempre precedido pela luta chamada joetykap, em kamaiurá, e conhecida pelos não-índios como huka-huka, denominação dada por eles. Trata-se possivelmente de uma formação onomatopáica, relacionada aos gritos que os contendores emitem durante a luta. Diferentemente do jogo de bola, a luta se conservou e é de grande relevância na cultura kamaiurá e alto-xinguana em geral. Está presente no Kwaryp “Quarupe” e em outras celebrações, e é bastante conhecida através da mídia. Os meninos começam a aprender a luta imitando os adultos, e passam a ser sistematicamente treinados durante o período de reclusão pubertária. Antes de participar de uma luta em competições formais que envolvem membros de outras tribos, o indivíduo deve observar uma série de prescrições rituais. Nas competições oficiais, os primeiros a lutar são os campeões. Na hora da luta o jajat “chefe cerimonial” faz a chamada dos campeões do grupo anfitrião, e estes vão se posicionando diante do grupo adversário. Ficam emparelhados, de joelhos, com as mãos apoiadas no chão e cabeça abaixada. Terminada a chamada, todos voltam para seus lugares, exceto aquele que iniciará o certame, e que fica ali aguardando o seu adversário. Os dois lutadores ficam de pé, um diante do outro, curvados para a frente, e em um dado momento, mantendo-se sempre um voltado para o outro, começam a girar da esquerda para a direita, com passos rápidos e fortes pisadas no chão (tu tu tu tu), gritando “huk huk huk huk”. Logo se põem de joelhos, apoiando-se com as mãos no chão e fixandose mutuamente nos olhos, até que de repente se atracam, segurando-se pelos braços, buscando cada um agarrar a perna do outro na altura da coxa e/ou derrubá-lo no chão. O primeiro a fazê-lo é o vencedor. E assim vão lutando todos os campeões chamados. Há também o desafio

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pessoal, quando alguém chama um adversário para a luta. Na presente narrativa, o desafiante chegava junto à casa (ou diante) do adversário e batia forte os pés no chão – tuk tuk tuk, o que significava um desafio para lutar.


Narrativa 8 - Jawara Poroneta História da Onça: Origem do Jogo de Bola e da Luta Huka-Huka

jawara pOrOneta: Mangawa apitap jOetyK MO’ypytawet MOrOnetajat: taraKwaj

[1] Inaudível.

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'ang wite ne je py Etienne. Ohome je jawara rajyra katy, hawa. Hy, tyky, e'yjrywa rehe, e'yjyrywa rehe. – Umame ereo, jyjryp? – Kujãmenam jepen aha py, jyjryp. – Awa katy ko'yt, jyjryp? – Ywyra'itywa pojy rajyra katy, jyjryp. – Hehê, ere te ome ko kwãj! Eymawa rapyÿja ywypypek ekwa kora'e wa, jyjryp. Ohuka a'eramuê korin a'e wa, jyjryp. – Taha tete anen – Hehê, ereome ko'yt! Mawite a'ang ne rereko pa, jyjryp! Okoj ohome ko'. Ohome ko'ÿÿÿÿ, eymawa rapyÿja ywypyp. A'ea te je ewokoj o'ytypeir okome kwa: tsiw tsiw tsiw. Oeme je ko', o'itsem ane je ohom. – Po te je potarine pa? – ojam je. Oeme je. -------– mo ko kwãj [1] Ojetsaukate je: “tsiwm” – ojame je. Ojerepe je. – Ejor ane! – Arehekik a'e! – ojame je. O'ute je ko'ÿÿ, ohome je ikaty ko', tyk tyk tyk i'ypyp: – Po ereko? – Hehê!


História da onça: Origem do Jogo de Bola e da Luta Huka-Huka Por Tarakwaj Diz que é assim, Etienne. Um rapaz estava indo para a aldeia da onça-pintada porque queria casar-se com a filha dela. No caminho encontrou com um amigo e este perguntou: – Onde você vai, amigo? – Estou indo à procura de uma mulher de outra etnia para me casar com ela – respondeu o rapaz. – Quem é ela, companheiro? – É a filha da onça-pintada, a filha do perigo da mata ciliar [1]. – Está bem, então vá – disse o colega. Era muito difícil alguém se casar com a filha da onça. Os pais dela não aceitavam nenhum pretendente que tivesse qualquer defeito, por mínimo que fosse, como uma cicatriz, uma feridinha ou um machucado. Se tivesse, era logo morto. Dizem que atrás da casa dela havia muitas ossadas de pretendentes que tinham tentado anteriormente. O amigo informou ao rapaz que o chefe-onça tinha uma criação – um gavião que ficava preso em uma gaiola de varas [2]. A onça o mantinha ali para tirar penas dele, quando precisasse. Antes de se despedir, o colega aconselhou o rapaz sobre como proceder ao chegar na aldeia das onças: – Você fique esperando a moça-onça junto à gaiola do gavião. Quando ela sair da casa faça-lhe um sinal. Se ela sorrir ao olhar para você, então é porque te aceitou, amigo. – Está bem. Deixe-me ir lá tentar – disse o rapaz.

[1] Os Kamaiurá usam termos e expressões alternativas para referência a vários animais. A onça-pintada, jawat, é com freqüência chamada de ywyra'itywa pojy “o perigo da mata ciliar” (ou ripária). Creio que, pelo menos em parte, isto se relaciona às relações de evitação existentes entre parentes afins e que se manifestam, entre outros, na proibição de pronunciar o nome do parente, não raro coincidente total ou parcialmente com nomes de animais (Ver Seki, 2000). [2] O conteúdo deste parágrafo e do anterior não aparece explicitado no original em Kamaiurá, mas é informado pelos auxiliares de transcrição e tradução. Segundo eles, a criação na gaiola era um gavião japakan˜l “gaviãode-penacho”.

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Narrativa 8 - Jawara Poroneta História da Onça: Origem do Jogo de Bola e da Luta Huka-Huka

– Po ereko? – Hehê, jakarerame jepe ajot ne katy py. – Hehê, jaha te peme ko kyn! Ero'itseme je erahame ko' o'apyÿja pype, “hééw”! O'ewram i'apÿjwara rehe. Anite. Ojuerekome ko'yt, okome je i'ypype ko'. Okome je i'ypype ko'. Aaah, tuma ojoerekom, tuma ojoerekom, jawa'ipawa pytera rupi tete, ijya ko', tup. 'ara je o'at, “tsirowa hyhy, tsirowa hyhy”, tuk tuk tuk, i'irûa je: – Jaha ko'yt jerejuetyk – ojam je. – Jaham! Tu tu tu, ojuetyk ojuerekom, wemirekoa 'ape pyhyke je. A'erawi ete je mangawa'apim awa tuk tyk! O'iran jet, mangawa 'apim. O'iran jet, o'iran jet, o'iran jet. Awuje je ikwahap erahame ko'. – Té! – i'i awa. Okome je ko'û. O'irane je, tuk tuk tuk tuk, emirekoa je: – Tsirowa hyhy, tsirowa hyhy – a'uate je emirekoa. – Jaham? – Jaham! Ijuerahataip awa ojueraham, tu tu tu tu tu, wemiriko 'ape pyhyke je. A'erawi wemireko 'apepyhyke je. Awuje'. Mangawa rupit, itatsinga je, itatsing. Nyk! Ipyhykete jue je. Tyk! Amoa, awyje'. Tyk tyk, yha! Ojewyte je. Tyk tyk tyk tyk, ojewyte je, awuje'. O'itsem awa. – Jaham! – jaham!

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– Então vá, amigo! Tomara que nada de mal aconteça com você. O rapaz seguiu seu caminho rumo à aldeia das onças. Ao chegar lá, foi para perto da gaiola do gavião e ficou esperando. A filha da onça estava varrendo a casa – tsiw tsiw tsiw –, e depois saiu fora para jogar o lixo. Ao vê-la, o rapaz ficou se perguntando: – Será que ela vai gostar de mim? Ela já ia entrando de volta na casa. Então o rapaz saiu de trás da gaiola e fez “psiu”! Ao ouvir o sinal, ela parou e se virou para ver quem era. – Vem cá! – disse o rapaz. – Espera aí um pouquinho! – ela disse. A moça-onça entrou na casa e logo tornou a sair. Foi indo na direção dele. Foi andando – tyk tyk tyk –, até chegar perto dele. – Como vai? – ela disse. – Estou bem! – respondeu o rapaz. – Como está? – repetiu ela. – Estou bem. Eu vim aqui para te namorar! – ele explicou. – Está bem! Vamos para lá. Ela o levou para dentro da casa e logo soltou um arroto: “hééw”! Fez isto bem junto às narinas do rapaz, mas ele agüentou firme o bafo fedorento dela e não cuspiu de nojo [3]. Então os dois ficaram juntos. Ele foi permanecendo lá, foi vivendo com a moça-onça. Ele ficava num compartimento que a moça-onça havia delimitado num canto da casa com uma cerca de buriti [4] [Ver [IL-3] e [IL-7] da Narrativa 7]. Aaah! Os pais dela não sabiam. O pai e a mãe dela estavam caçando, ficavam só caçando lá pelo meio do mato. Um dia, ao amanhecer, o rapaz e a moça-onça ouviram a fala dos pais dela, que haviam voltado da caça: “tsirowa hyhy tsirowa hyhy [5]”. Depois ouviram as pisadas do pai-onça – tuk tuk tuk! Ele estava chamando a esposa para lutar [6].

[3] É amplamente conhecido o fato de que as onças têm um bafo muito fétido. Essa característica é destacada aqui e em outras passagens da narrativa. [4] O compartimento feito pela moçaonça na casa, delimitado com uma cerca de buriti, é similar ao que se faz para abrigar rapazes e moças em reclusão pubertária, bem como indivíduos que ficam reclusos em outras passagens da vida. [5] A expressão tsirowa hyhy, que na narrativa aparece como uma fala das onças, ainda hoje é usada pelos Kamaiurá quando se dirigem a membros de outro grupo, desafiando-os para lutar. A expressão tem um sentido pejorativo, significando algo como: “somos inimigos, adversários; você não é de nada, vem me enfrentar”. [6] Ver Contextualização para uma descrição do jogo e da luta.

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Narrativa 8 - Jawara Poroneta História da Onça: Origem do Jogo de Bola e da Luta Huka-Huka

[IL-2] Os pais da moça-onça jogam bola no centro da aldeia. Desse jogo, resultou o que é conhecido atualmente como o jogo de bola kamaiurá (Desenho de Wary Kamaiurá).

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A'awite tete je ojuerekom awa ko'yt. O'iran jet, o'iran jet ojuerekom. Awujeeee. Apome ko', apoa rehe oyke ko', akutsi. A'ea jepe te je ewokoj oje'ypypirari kwa: – Owa'e a'e, owa'e! Mawite te je rereko pa? Ne rajyra rehe, okoma'ea jue te, ne potaw ekat kwãj! – Õaje'! Pîîîî! Pîîîî! Pîîîî! Tajyra je ohome ko'yt. – Ne 'apÿjwara ke ewapytym a'e! Amynyjua mo'itseme je o'irûa 'apÿjwara rupi, tsuruk, tsuruk, awyje, i'apÿja rupi, awyje.


Eles começaram a lutar lá no centro da aldeia. Tu tu tu tu – faziam os pés deles batendo forte no chão, nos passos ritmados e rápidos do hukahuka. Logo o marido pegou nas costas da esposa, vencendo assim a luta [7]. Depois foram jogar bola – tuk tyk! E assim fizeram no dia seguinte, e no outro, e no outro, e no outro. – Puxa! São muito bons! – diziam as pessoas, admiradas. De lá de dentro da casa o rapaz ficava olhando a luta e o jogo de bola, e foi aprendendo. Já estava sabendo bem. E assim foi indo. Os pais da moça-onça foram novamente caçar no mato. Aí a moça chegou para o rapaz batendo os pés – tuk tuk tuk tuk – e, usando a fala dela, chamou-o para lutar: – Tsirowa hyhy, tsirowa hyhy! Vamos? – Vamos! – ele respondeu Aí foram para o lugar onde as onças sempre lutavam. Começaram a girar – tu tu tu –, e tão logo se atracaram ele pegou nas costas da esposa. Lutaram outra vez e ele pegou novamente nas costas dela. Terminada a luta, passaram ao jogo de bola [8]. Ela levantou a bola, que era uma pedra branca, e atirou nele. O rapaz rebateu logo. Ela jogou novamente e ele tornou a rebater a bola. Daí os competidores trocaram de lado no campo de jogo. Quando acabou o jogo, entraram na casa.

[7] Diferentemente do que ocorre na luta huka-huka praticada atualmente, na presente narrativa o rapaz sempre agarrava as onças com quem lutava nas costas, e não na perna. Conforme alguns Kamaiurá, isto mostra que o rapaz era muito bom de luta, pois pegar o adversário nas costas é mais difícil.

[8] O mangawa apitap “jogo de bola”, cuja origem é tratada na narrativa, constituía um elemento tradicional da cultura kamaiurá. Ver Contextualização para a descrição do jogo.

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Narrativa 8 - Jawara Poroneta História da Onça: Origem do Jogo de Bola e da Luta Huka-Huka

Pîîîî! Pîîîî! Pîîîî! – Ejerotsaukate ko rane kwãj! Pîîîî! – Ejerotsaukate ko rane kÿn! Tsuruky, wééw'û ! Nite. – Aetea jepe ta'e? – Wééw! Nite. – Aetea jepe nip a'e, matyt. Tyryryryry – ã, apyÿja uhwapyk, eryryry! –Ãã! 'ã te nipe je kujãmemyte 'ã wa, matyt! – Ejerokokatu ke kora'e! Ohome kõõõ', i'ypyp ohome ko': – Ta'ÿj! 'am ane to'ut ne rehe okoma'ea ko'yt! – Etsakatuke kora'e 'ang! Ûûûû! Owyterip, û, erep, ije'apotawera rekat. A'ep jepe je, ije'apotawera rekat. A'ea je o'ine tete ojeaupit. Ikatu jepe je 'anga rehe ije'apotawera rekat eraham, nite'. A'erawi je ijya 'a katy jepe je ije'apotawera rekat eraham. Erojeaupite te je ero'am. Nite. –'ã tehe je kujãmemyte 'ã wa, matyt! 'ã, itakuru'ia je. Ja'iwe je awatsia mopiririk emirikoa. – Ta'ÿj! Jarahan ete ne rehe okoma'ea ko kwãj! – 'ãnga juek e'u kora'e, ije hek, 'anga ta'um. Awatsia jue i'ume ko'yt, hemirekoa jue te je ewokoj o'u kwa: tyryk tyryk tyryk, awuje'.

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E assim eles continuaram vivendo por um tempo. A moça ficou treinando o rapaz. Os pais dela ainda não sabiam que o rapaz estava lá morando com a filha. Pois bem. Um dia, enquanto andava caçando no mato, o pai-onça encontrou uma cotia. Quando ele entesou o arco para flechá-la, ela disse: – Espera aí! Espera aí! Por que você quer fazer isso comigo? Aquele que está vivendo com tua filha é quem deveria estar procurando alimento para você! – Ah! Então é assim? – disse o pai-onça. Ele ficou furioso ao saber que a filha estava vivendo com alguém e voltou logo para a aldeia, atirando flechas no rumo da casa – piîîî piîîî piîîî [9]! A onça-filha percebeu que o pai estava sabendo de tudo e que estava vindo para a casa dela. Então ela chegou para o rapaz e disse: – Você tem que tampar o seu nariz. Aí ela enfiou algodão nas narinas dele. As flechas assobiavam já bem perto da casa. – Apareça! Mostre-se! – ordenou o pai-onça. – Apareça! – reforçou a mãe-onça. O rapaz estava escondido lá em seu recanto, atrás da cerca de buriti, e não saiu. Então o pai-onça entrou na casa e deu um arroto: “weéw'um” – expelindo seu bafo muito fedido. Pensou que o rapaz não suportaria o cheiro e sairia do esconderijo. Mas ele agüentou firme. Vendo isto, o pai-onça ficou intrigado: – Será que é ele o que estou procurando para ser meu genro? – disse. O pai-onça arrotou de novo e nada. O rapaz não mostrou qualquer reação.

[9] Era costume das onças voltar da caça, do banho ou de qualquer lugar onde fossem, jogando flechas no caminho, sempre em direção à casa. Iam seguindo em frente, recolhiam as flechas do chão e tornavam a jogar. Faziam isto até chegar à casa. A última flecha era recolhida pelas esposas, que a entregavam aos maridos.

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Narrativa 8 - Jawara Poroneta História da Onça: Origem do Jogo de Bola e da Luta Huka-Huka

Oket ohom. O'iran ohom tewikwatsowa jukam. Ûû! Tewikwatsowa apim, a'e 'iwî inung. Oka'aruk o'up, oka'aruk o'up, ohom etsak. Uhu hu hu! – Ããã! Otsarem 'am o'up. Ohom: – Ta'ÿj! Toho ane te ne rehe okoma'ea je remiara tsorome wa. – Ehê. – “'anga wite je rekoe'ymamuê te rak, je tutyrá remiará ojerokoa'ip o'upe wã”, erek a'e. Amynyjua reraham, tsuruky, amynyjua ape rupi ohome ko'. – “Aaaah! 'anga wite je rekoe'ymamuê te rak, je tutyra remiara ojerokoa'ip o'upe pa”! Tsuky, upit, turururu, ja'iwe o'ut. Tyk tyk tyk tyk, ero'itsem eraham – Tupawa a'e? Kaparim tupawa ko'yt! Poky! Ma'anuara a'oka 'anga rehe! I'ajuku'êa pype! – Ejote ko'yt! Ta'ÿj! 'am ane to'ut ne rehe okoma'ea ko'yt! Uû! Erepe ko', ikatu erep. Ikatu je erep eraham. Erojeaupit ete je ero'am. Ipopewyra rehe erep eraham, i'akanga rehe, auje'. 'akyheri i'irûa, ikypypea rehe, ipepowyra rehe, heaa rehe… Té! Jere'ywa kytsing! – Awuje rake kora'e wa Ojuerekom je ko'. I'upap awa. 'aro'ate ko', tuk tuk tuk! – Po kora'e 'ang! Tuk tuk tuk... – Tsirowa hyhy, tsirowa hyhy – a'uat. – Mewe atsa 'ikîke e'awy myrã a'e'ang! 'aro'at:

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– Parece que é mesmo ele, minha velha! – disse o pai-onça à esposa. Então ele abriu a cerca de buriti – tyryryryry –, olhou o rapaz e falou: – Ah! Este deve ser mesmo o meu sobrinho, minha velha [10]! Mas ele queria testar mais o rapaz. Saiu para o pátio e ordenou: – Filha, que venha aqui aquele que está vivendo com você! – Fique preparado! Tome bastante cuidado! – disse a moça-onça ao rapaz, depois de transmitir-lhe o recado. Humm! O rapaz foi para a praça da aldeia e sentou-se perto dos pais da esposa. Humm! Eles puseram-se a lambê-lo e a olhar todo o corpo dele à procura de algum defeito. Primeiro o pai, depois a mãe da moça-onça. O rapaz ficou sentado quietinho, com a cabeça levantada. As onças continuaram examinando minuciosamente o corpo dele, verificando se havia algum defeito, cicatriz. Nada encontraram. Depois passaram a examinar os pés dele. O rapaz ficou lá tranqüilo, com a cabeça levantada. As onças não encontraram nada. Aí o pai da moçaonça disse: – Este é mesmo o meu sobrinho, minha velha! Depois o sogro queria ver se rapaz comia cascalho. Então avisou à filha: – Filha, vamos levar aquele que vive com você para comer cascalho. Bem cedinho a moça-onça torrou grãos de milho e entregou ao marido: – Você vai comer somente isto. Eu comerei cascalho. E assim fizeram: ele comeu apenas milho e a esposa comeu cascalho – trek trek trek!

[10] A onça ficou testando o rapaz para ver se ele era o marido ideal para a filha, e acabou concluindo que ele era mesmo o seu “sobrinho”. Mais adiante na narrativa, o rapaz se refere ao sogro como “meu tio”. Lembre-se que entre os Kamaiurá a forma preferencial de união matrimonial é aquela envolvendo primos cruzados.

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Narrativa 8 - Jawara Poroneta História da Onça: Origem do Jogo de Bola e da Luta Huka-Huka

–Tsirowa hyhy, tsirowa hyhy! Tuk tuk tuk, opowanywanyk a'iweru je. – Ta'ÿj! To'ur ane ne 'irûa kora'e wa, taetsakin! Tu tu tu tu tu...Ûûûû, otutyra 'apep pyhyke te je. 'akyheri emirekoá, ûûû, i'apepe pyhyke te je. – 'a tehe je kujãmemyte 'a wa, matyt! Mangawa pyhyke te ran. Ãah! Pea wite warip a'iweru je ohome o'am. Ããã! Itatsing atsã je, etsake katu ete jepe je erup, tûm! Ipyhykete jue je. – Mewe atsã 'ikîke myrã e'awy a'e! Tû! Ipyhykete jue je. Akyher amoa, awuje. Emireko akyheri. Aa! Opeuma retsake katuete jepe je erup, tû! Ipyhykete jue je, akyher je. – Mewe atsã 'ikîke e'awy matyra kora'e! Imomotete jue je, awyje'. “Tsirowa hyhy”, tsining tsining tsining... Ãã! Tepya nung eraham. Tak tak, uwaah! Ojewyt ohom, tsining tsining tsining, tepya rerojewyt eraham. Owaah! Ojewyt ohom, tepya werojewyt eraham. Tuk tuk tuk, tsining tsining tsining! Tepya werojewyt eraham. Tsining tsining tsining, tak tak tak, ãããm opap. 'auje'. O'itsem. O'iran ete jue: “tsirowa hyhy tsirowa hyhy tsirowa hyhy tsirowa hyhy, i'i'i'iw, tyru ru ry, tajyra katy o'itsem ohom. Ããã! Tajyra katy ohome ko'. Etsake katu ete jepe je erup, tû! Ipyhykete jue je. – Meweatsa' 'ikî ke myra' e'awy a'e! 'akyher emirekoat, iwite wejue: – Mewe atsã 'îkîke matyt e'awy a'e, ama e'awy a'e! Imomote je. 'a katy ane, 'anga katy tajyrá o'iru'a nite. Tak tak, yhááá! Ojewyt, tak tak taaaak, 'ããme katu opap. O'iran, o'iran 'awuje'.Ûû! Ku'emamuêwe, tsuruk, ta'yt. Ûû, o'itsem je o'ut ta'yra, tsuruky.

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Aí o pai-onça queria testar o rapaz para ver se ele não tinha nojo de carne podre. Passado um dia, ele saiu para matar anta [11]. Hum! Atirou numa anta e deixou-a morta lá no mato. Dois dias depois ele foi lá para ver. Uhu hu hu – lá estava a anta com um monte de moscas à volta: – Ããã! Já está muito fedida! – constatou o pai-onça. Ele então voltou para a aldeia e chamou a filha: – Filha! É para aquele que está com você ir lá no mato buscar a caça que matei! – Está bem – disse ela. A moça-onça sabia que o pai ia seguir o rapaz, às escondidas, para ver a reação dele ante a caça fedida. Então ela o instruiu sobre o que dizer, de modo que o pai pudesse ouvir: – Você fale bem assim: “É desse jeito que a caça de meu tio ficava se estragando enquanto eu não estava aqui”! O rapaz levou algodão e enfiou nas narinas, enquanto ia pelo caminho. Quando chegou ao lugar onde estava a anta morta, ele fez do jeito que a esposa havia aconselhado: – Aaaah! É desse jeito que a caça de meu tio ficava se estragando enquanto eu não estava aqui! – disse ele, enquanto pegava a anta e a colocava nas costas para levar. O sogro estava lá espreitando e viu tudo. Aí ele correu para chegar em casa antes do genro. O rapaz veio andando rápido pelo caminho – tyk tyk tyk, carregando a caça. Entrou na casa e perguntou: – Onde é que é pra pôr? – perguntou à moça. Póky! Ele colocou a anta no lugar indicado. Oh! Quanto bicho havia nele! Os vermes da carne podre da anta tinham passado para o corpo do rapaz. A cavidade junto à clavícula estava cheia deles! O sogro chamou a filha:

[11] No original em Kamaiurá, o narrador utiliza o termo tewikwatsowa “ânus largo”, em lugar de tapi'it “anta”, para referir-se ao animal.

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Narrativa 8 - Jawara Poroneta História da Onça: Origem do Jogo de Bola e da Luta Huka-Huka

[IL-3] Esquema que mostra o jogo de bola. (Desenhado por Kanutary (Koka)). [IL-4] Na próxima página: homens kamaiurá jogando o jogo de bola (Desenho de Wary Kamaiurá).

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– Filha! Diz ao que vive com você para vir aqui. O rapaz foi até lá. Humm! A sogra começou a lambê-lo. Lambeu-o todo. Foi lambendo bem enquanto ele ficava lá, com o pescoço erguido. Lambeu as axilas, a cabeça. Aí foi a vez do sogro. Lambeu o dorso dos pés do rapaz, as axilas, a área em torno dos olhos... Puxa! O corpo dele ficou todo limpinho. – Já está pronto. – disseram. O rapaz passou na prova. Depois comeram a anta todinha e foram dormir. Quando amanheceu, ouviram-se pisadas fortes – tuk tuk tuk! – Escuta só! Estão começando a lutar! – a moça-onça avisou ao marido. As onças iam para perto do adversário, batiam forte os pés no chão – tuk tuk tuk –, desafiando-o para a luta e o outro respondia “tsirowa hyhy, tsirowa hyhy”. Ao amanhecer do outro dia, o pai-onça veio até a casa da filha e ficou pisando duro no chão – tuk tuk tuk –, e chamou: – Filha! Que o teu marido venha lutar! Eu quero ver! – Você tem que acertar o velho só de leve. – recomendou a moçaonça ao marido. O rapaz foi lutar com o tio. Começaram a girar. Hum! Logo ele pegou nas costas da onça e, assim, venceu a luta. Depois lutou com a sogra. Hum! Pegou nas costas dela e venceu de novo. – Este é mesmo o meu sobrinho, minha velha! – disse o pai-onça ao ver o desempenho do rapaz. Passaram depois ao jogo de bola. O sogro foi andando até o lugar de onde deveria jogar. Ãããh! Pegou a bolinha de pedra [12] e ficou lá em pé, mirando bem para acertar o rapaz. Tum! Jogou a bola, mas o rapaz a pegou. Quando foi a vez dele jogar, a esposa recomendou: – Você deve jogar de leve no velho!

[12] Os auxiliares explicam que, na concepção das onças, quando elas pulam na caça e a mordem, elas a estão acertando com flechas ou outra arma. Elas usam pedra branca para matar o “alimento” delas. A onça é a dona da bola do jogo, que era uma pedra branca.

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Narrativa 8 - Jawara Poroneta Hist贸ria da On莽a: Origem do Jogo de Bola e da Luta Huka-Huka

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Narrativa 8 - Jawara Poroneta Hist贸ria da On莽a: Origem do Jogo de Bola e da Luta Huka-Huka

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O rapaz jogou e o velho rebateu a bola. Jogaram novamente. Depois o rapaz teve que jogar com a sogra. Ah! Ela ficou mirando bem o genro e atirou a bola, mas não o acertou. Era a vez do rapaz jogar, e a esposa novamente recomendou: – Você deve jogar só de leve com a velha! Atire a bola de leve na mamãe! Ele jogou devagar e a sogra rebateu a bola. Depois lutaram e jogaram de novo, e o rapaz saiu sempre vencedor. Tsining tsining tsining! Em cada jogo, as onças apostavam contra o rapaz e levavam os objetos apostados – colares, arcos, flechas e outras coisas. Como ele vencia, elas traziam os objetos de volta. Ah! Iam devolvendo as coisas – tsining tsining tsining. Quando tudo terminou, entraram nas casas. No dia seguinte, novamente lutaram e jogaram bola. De um lado do campo estavam jogando o rapaz e a esposa. Do outro, jogavam o sogro e a sogra. “Tsirowa hyhy, tsirowa hyhy, tsirowa hyhy”! – diziam. O pai foi na direção da filha assobiando: “i'i'i'iw, tyrurury”. Ããã! Foi na direção da filha. Ficou mirando bem e jogou a bola: tum! Mas ela rebateu. Quando chegou a vez do marido jogar, a moça-onça recomendou: – Você deve jogar no velho só de leve! Depois, quando jogava com a sogra, ela falou de novo: – Você deve jogar na velha só de leve! Jogue de leve na mamãe! Ele seguiu as recomendações da esposa. Depois os jogadores trocaram de lado no campo, e assim ficaram jogando até o fim da manhã. No outro dia, ah! No outro dia bem cedo chegou o filho da onça, vindo de outra aldeia, onde morava. Hum! Ele foi entrando direto na casa do pai. – Como está, filho [13]! – É, vou indo! – respondeu o filho.

[13] Em lugar do vocativo pi'a, que se aplica a um parente mais novo do sexo masculino, o termo usado aqui pelo pai para dirigir-se ao filho é takwãj, que também designa o pênis.

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Narrativa 8 - Jawara Poroneta História da Onça: Origem do Jogo de Bola e da Luta Huka-Huka

[IL-5] Na página anterior: o esquilo que se encontrava na aldeia das onçaspintadas e, no caminho para o banho, desafiou o rapaz para uma luta de hukahuka. Com sua agilidade, venceu o rapaz em poucos instantes. O esquilo era invencível na referida luta. Porém, devido ao seu pequeno tamanho, as onças o desdenhavam e não permitiam que ele participasse das freqüentes disputas que faziam com o rapaz no pátio da aldeia (Desenho de Páltu Kamaiurá).

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– Po ereko, takwãj? – E'ê, 'ang ako a'e wa! – E'aw ane te ko kwãj! Wa'yra mo'awpe je ko'. O'upe je ta'yra ko'. Hû, oje'enga momote je: – Takwãj! – Haj! – Ne renyra rak i'irû kor a'e wa. – Hehê, na 'iwî ta'e wa! – Eremo'irû ne rajyra rane wa! Ne re'yj awa pojya wi ne remirurera heme rane wa, eremo'irû rane wa! – Ije nipe kori ja? Ne renyra te nipe 'ang oko ehe wa, takwãj! Ta'apîatsã o'up o'awp, ohom. Okoj je ohom. Ohome ko'yt, oyk ohom. O'iran, oka'aruk, kwara o'itsem, 'ame je ko'yt, oje'enga reroem: – Kunu'umet! Pe tutyra rak wajyra omo'irû a'e wa! – Tsirowa hyhy, tsirowa hyhy! – Tsirowa hyhy, tsirowa hyhy! Ããã! O'irã te je ituri kwa: u'u'u'u hu hu hu! Tsirowa hyhy, tsirowa hyhy, tsirowa hyhy! Awyje'! Tuk, tuk tuk tuk opowanywanyk oem. A'ep atsã jepe je ewokoj makariari, taraû'î: – Ejot! – Nhe te pa'e pa! “Ije, ije!” i'i nip okom ere, awa utsua wite ere! A'eramuê je yja mokukujt.


– Deite-se um pouco para descansar. – disse o velho. O filho deitou-se e logo o velho começou a falar com ele: – Filho! – Sim! – Tua irmã se casou! – Está bem, deixe ela pra lá! – disse o filho da onça. Ele estava muito chateado. O pai havia saído da antiga aldeia, onde ainda morava o filho, para evitar que o pessoal perigoso de lá se casasse com a moça-onça. Ele cobrou isso do pai: – Pois é! Você casou sua filha! Você a trouxe de lá para afastá-la do perigo de seu povo, no entanto casou-a com esse aí! – Ora, é claro que não fui eu que fiz isso! Foi tua irmã que ficou com ele, meu filho! O filho da onça ficou só um pouquinho ali deitado e depois foi embora muito bravo. Chegou na sua aldeia e, no dia seguinte à tardinha, quando o sol já estava bem baixo ele fez uma fala [14], contando para o pessoal o que tinha acontecido: – Rapaziada, o tio de vocês casou a filha dele! As onças ficaram furiosas: – Tsirowa hyhy, tsirowa hyhy, tsirowa hyhy, tsirowa hyhy – faziam elas, demonstrando descontentamento. Ããã! Ficaram muito bravas e decidiram vir à aldeia do tio. No dia seguinte, chegaram lá gritando: “u'u'u'u hu hu hu”. Era um sinal de ameaça, ante a presença de um estranho. Entraram na aldeia falando: “tsirowa hyhy, tsirowa hyhy, tsirowa hyhy”! Começaram a pisar duro no chão – tuk, tuk tuk tuk –, chamando para a luta. Lá na aldeia estava um esquilo [15] que, embora pequeno, era invencível na luta, era um verdadeiro campeão. Ele queria muito

[14] A fala ocorreu no centro da aldeia.

˜ ˜l, que alguns [15] O nome é tarau' traduzem como caxinguelê.

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Narrativa 8 - Jawara Poroneta História da Onça: Origem do Jogo de Bola e da Luta Huka-Huka

Tairo'yra o'ut ijupe ko'. Tu tu tu tu, tuk, nuk! Ja'iwe i'apepyhyk. Ûû, imomot. 'akyheri je ipitsuna ma'ea, jawaruna. I'apepyhyk ete jue je, û, imomot. 'akyheri jepe je ywarana. Oje u'u'u'u'ume tete jepe a'ang je, i'apepyhyk ete jue je, imomote je ko'. – 'anga wite wara hema'ang pe nairo'yra pe'anup pa, kunu'umet! Awuje'. “Tsirowa hyhy, tsirowa hyhy” ojan je ohom, tepya nung je eraham, tsining tsining. Pea katy a'ewana etsake katu ete jepe je erup. Tairo'yrat, pum, ipyhykete jue je, ipepyk, tum, i'awym, ipepyk, awuje'. Akyheri ipitsuna ma'ea. Iwite wejue jepe je, etsak erup, thûm! Ipyhyk ete jue, ipepyk. Ywarana rakyheri, iwite wejue jepe je, thum, ipyhyk ete jue, ipepyk. Awuje'. Ta'ypîatsã ma'eat, tûm! Awuje'. Tsining tsinîng tsining tsining, tepya nung, Nyk, nyk, uuwaa! Tsinî tsinî tsinî, ããã, tepya werojewyt. Tyk tyk, aaa, tû! A'a te wejue. 'ãããme je, tepya opap. 'ã ohom. Oyk ohom, ikeawa tete, o'iran je o'ut ku'emamuê we: “u'u uu u'u uhwa'uhu”! Tsirowa hyhy, tsirowa hyhy, kujamen, tuk tuk... – Po kora'e 'ang! Jawara ne je okoj kopy. Wyra'itywa pojy, iwite wejue o'ut. Tuk, tu tu tu tu...wairo'yra 'apepyhykete jue je, hûû, wairo'yra 'ape momot. Iwite we jue je ywarana. – Ije nip a'e! – ojam jepe je. Uû, i'apepyhyk ete jue je, û, i'ape momot. Ipitsuna ma'ea akyheri, û, iwite wejue je. i'apepyhyk ete jue je, imomot.

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lutar primeiro com o rapaz. Pegou um pouco de terra, como fazem os lutadores antes da luta, para a mão não escorregar, e ficou batendo os pés – tuk tuk tuk –, desafiando o rapaz: – Vem! – ele chamou. Mas as onças não permitiram, porque achavam que ele era muito pequeno: – Ora essa! De jeito nenhum! Você fica aí se metendo, fica só dizendo “eu”, “eu”, como se fosse gente grande! Nada disso! Então o esquilo soltou a terra que segurava na mão e foi lá para um canto. O  cunhado-onça-pintada veio em direção ao rapaz batendo fortemente os pés, chamando-o para lutar – tu tu tu tu tuk! Mal começaram e o rapaz pegou nas costas dele e o derrubou. Aí veio a onça preta lutar com o rapaz. Logo ele pegou nas costas dela e a derrubou também. Depois foi a vez da onça parda. Ela veio pra cima dele com muita raiva, mas o rapaz pegou nas costas dela e a derrubou, como fizera com as outras. Ele lutava muito bem. – Desse jeito o cunhado de vocês nem vai senti-los, rapaziada! Ele luta muito bem! – disse o pai-onça. A luta terminou e já ia começar o jogo de bola. “Tsirowa hyhy, tsirowa hyhy”. As onças pagaram aos jogadores para matar o rapaz e, dando por certo que isto iria acontecer, foram correndo pegar as coisas oferecidas como pagamento: tsining, tsining! O primeiro a jogar com o rapaz foi o cunhado, que era onça-pintada. Ficou de lá mirando cuidadosamente, jogou a bola de pedra – tum! Porém o rapaz rebateu, atirando de volta no cunhado, mas sem acertá-lo. Do mesmo modo ocorreu com a onça preta, e depois com a onça parda. Aí a jaguatirica, aquela pequena, queria jogar com o rapaz e começou a pegar as coisas, o pagamento.

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Narrativa 8 - Jawara Poroneta História da Onça: Origem do Jogo de Bola e da Luta Huka-Huka

A'erawi jepe je i'apya kwara retsake katu ete jepe erup. Tûm! Ipyhykete jue je, ipepyk. Ipepyk, awuje'. Tsinî tsinî tsining tepya nung eraham. Tak tak tak uhaa, a'ea te jue je. Tak tak tak, tsinî tsinî, tak tak, tsinî tsinî! Aaaa! Tepya opap. Ããã, ohom. A'eramuê je taraû'îa opytame ko'. Ojemime je ko' o'upe je. Uû, ojemonome ko', akyheri ohuk o'ute ko': – Jyjryp, jaha 'yp a'e! – Hehê! – 'ã te he ereko pa, jyjryp! – Hehê, 'ang ako a'e wa! Ojuerahame kot 'yp – Jyjryp! – ojame je – ne 'utawa rehe nipytu'êite awa kora'e wa. – Hehê! – ojam je. – Ejar ane ke kora'e wa, jyjryp! – Hehê! Mapawam o'iran aka'aruk korin a'e wa. – Ije jue rame te oro'uuka kwa, jyjryp! Etsak ane te ko kwãj! A'epe je opyryrym, nyk, ja'iwe atsã je i'apepyhyk. – Atsi! – Ijerame te rak oro'uuka kwa 'ang! Etsak kora'e wa, jyjryp! Ekwake kora'e wa, jyjryp! Ne'utawa rehe 'ang ijoerekow kura'e wa 'ang! – Ehê! Mapawam o'iran aka'aruk korin a'e wa. O'iran, “hu hu hu! Tsirowa hyhy, tsirowa hyhy, tsirowa hyhy, tsirowa hyhy”, o'itsem o'ut. Tuk tuk tuk tuk ...oem. Tu tu tu tu... Uûû, i'apepyhyk ete jue je. Ojepyk. Ta'ypîatsã ma'ea jepe je o'ut, i'apepyhyk ete jue je. Tû, i'apea rehe imomot, auje'. Okoja rupi te je ran, itatsinga. Té je itatsing. Etsake katu ete jepe je, ipitsuna ma'ea, tu! Ipyhyk ete jue je, ipepyk. Ipepyk ywarana o'ut. Takyherete je a'ea ran awa, tairo'yra je o'ut. Nÿk! Ipyhyk ete jue je. Maapawame je ywarana o'ute ko':

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Tsining, tsining, tsining tsining... Foi pegando e colocando tudo lá. Mas o rapaz venceu – nyk nyk uuwaaa! Aaaa! Ela foi trazendo as coisas de volta. Ela fez isso sozinha e demorou muito. Já era tarde quando acabou. Hum! As onças foram embora para sua aldeia. Chegaram lá somente para dormir e, no outro dia, retornaram bem cedo. Queriam lutar até o fim para matar o rapaz. Chegaram gritando: “u'u uu u'u uhwa'uhu”, “tsirowa hyhy, tsirowa hyhy”! – Escuta! São as onças chegando! – disse a onça-moça para o marido. O “perigo da mata ciliar” veio de novo para lutar! Como da outra vez, o cunhado veio em direção ao rapaz, batendo fortemente os pés no chão, desafiando-o para a luta. O rapaz foi lutar com o cunhado e logo o pegou nas costas. Huumm! Derrubou-o. Então veio a onça parda: – Agora eu vou lutar com ele! Hummm! O rapaz pegou-a nas costas e a derrubou. O mesmo aconteceu com a onça preta. Terminada a luta, passaram ao jogo de bola. O primeiro a jogar contra o rapaz foi o cunhado. Ficou mirando bem no pé do ouvido dele, atirou a bola de pedra – tum! Mas o rapaz foi direto na bola e revidou. Ficaram assim jogando e o rapaz não perdeu nenhuma vez, continuava invicto. Tsinî tsinî tsining – começaram a devolver as coisas. Vinham trazendo, trazendo... Aaaah! Quando terminaram, as onças foram embora. Hummm! Assim que elas partiram, o esquilo, que havia ficado o tempo todo escondido, apareceu de repente junto ao rapaz: – Amigo, vamos banhar? – Vamos. – respondeu o rapaz. – Vejo que você ainda está vivo! – continuou o esquilo. – Pois é, ainda estou aqui. – disse o rapaz. – Amigo, as onças não desistiram de te comer! – disse o esquilo, enquanto iam no caminho para o banho.

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Narrativa 8 - Jawara Poroneta História da Onça: Origem do Jogo de Bola e da Luta Huka-Huka

– Ajuka rape 'ang ko'y ka! Etsake katu ete jepe je erupe ko', ere'akapewy kutuke je, tû, ru ru ru ru tuu. – Pe potasi'a ke pemo'akym a'e wa! –'anga wite a'ang pe nairo'yra pe'anu ko pa, kunu'umet! Ãããã, a'eramuê te je ran ywarana ohome je o'ine ko'. Aah! Jeretsapirange je 'ang. Tuk, tû! Itatsinga pype ne je ewokoj iapimonom ywirowirok. Tu! Tak tak tak ,tsinî tsinî tsinî tepya nung. O'ine tete je ko'. Tak, yyaa! A'ea te jue je. Tuk, yya! Tak tak tak, 'aame tuwamuê je ohom. Eeee je ohom. Opytame ko'. – Ekwake kora'e wa, jyjryp! – Hehê! Ojuerahame je 'ype ran: – Ekwake o'irã kora'e wa, jyjryp! Ne mojoroa'iwa korin a'e wa, jyjryp! Ne mojoroa'iwa korin a'e wa, jyjryp! Uû, jepe ojuerekom. I'utawa rehe jepe ne je ewokoj ijuerekow awaw ko'. Awuje te je eapyo kwa, o'iran je ohome ko'. Ohome je ko'. Taraû'îa ko': – Ahan a'e wa tukanawa tsim, po'yra tsîme ko'yt. Ojetsîjetsîm. – Aha rane 'yp a'e wa, pe. – Ehê! Awuje je o'ara pype ta'yra ko', o'ara pype ta'yra je ko'. – Aha rape ko ka! Tyk tyk tyk, ããã, oyk ohom. – Erejo ko'yt? Erejo ko'yt? – ojam je.

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– É sim, eu sei. – disse o rapaz. – Deixa tudo aí e vai embora, amigo! – Está bem. Ficarei mais um dia e depois eu vou. – Olha, se naquele dia eu tivesse lutado com você, eu teria vencido e com isto elas teriam te comido. Quer ver só? Vamos lutar! Começaram a se mover em círculos e, num piscar de olhos, o esquilo pegou nas costas do rapaz, vencendo assim a luta. – Nooossa! Ainda bem que você não lutou comigo lá! – disse o rapaz. – Pois é! Eu teria causado a tua morte. Veja bem, amigo. Era só você cair, e elas teriam pulado sobre você e o teriam comido. Você deve ir embora, amigo. Elas estão pensando em te comer hoje! – disse o esquilo. – Está bem. Farei isso. Vou ficar aqui só mais uma tarde e depois vou embora. No outro dia, as onças vieram novamente para lutar. Chegaram gritando: “hu hu hu”! “Tsirowa hyhy, tsirowa hyhy, tsirowa hyhy, tsirowa hyhy”. Entraram na aldeia e começaram a pisar duro – tuk tuk tuk tuk! O rapaz saiu da casa e desafiou o cunhado. Começaram a lutar e logo o rapaz venceu a luta. Vingou-se. Aí aquela pequena, a jaguatirica, veio lutar com ele e perdeu. Ele pegou nas costas dela, depois lhe deu um empurrão, derrubando-a. Passaram ao jogo de bola. A onça preta pegou uma pedra branca. Puxa! A pedra era muito branquinha! A onça ficou mirando bem o rapaz e atirou a pedra nele. A pedra veio zunindo, mas ele rebateu e jogou de volta na onça. Por último veio novamente o cunhado. Jogou a pedra no rapaz e ele a rebateu. Aí a onça parda veio mais uma vez. Estava com muita raiva e dizia consigo: – Eu vou matar esse sujeito!

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Narrativa 8 - Jawara Poroneta História da Onça: Origem do Jogo de Bola e da Luta Huka-Huka

– He'ê – ojam je – ajo kora'e wa. Aka! Awa rekow pa! 'ame tuwamuê je ohuk o'ut. – O'iran je 'utawa rehe je rekotawa jepe heme pa! Ywarana te ajuka pota kowa. Ãã, je iywirowirok a'iwî ipo'yrapekanga rupi. Ije rame te rak aporojuka wã. O'iran awyje'. Okipe je okome ko'. A'ea te je ewokoj ojan okom moweweram. Uma te je owytera katy ikow pa! Okawytera katy 'anga wite atsã je moweweram ekotawa ko'. A'ea rupi te je ewokoj moweweram ikow wa, tuuuu! Awuje emirekoa ko'yt jereowa'ypé. O'iran jepe je o'utawa ran ko': “hi'hi 'i' i'iw ú huhuhuuuu”! Nite'. – Oho rake kora'e wa! – Okyje, okyje, okyje! – ojam awa je. Ã je ojewyt ohom. A'ea wite tete okome ko'yt. Awyje je ko'yt. – Jaha etsake ko kwãj, matyt! – ojam je. Ojuerahame je ko'yt. 'anga wite waripe je ojoero'ine ko'. Hu, mowewerame je ojan okom. 'anga wite je ojoero'ine ko' – Hu, a'ea wite pea kwãj, matyt! – Ehê! – Peme jaha ko kwãj, matyt. – Ehê! Ojuerute te je o'iran ko'yt. 'anga wite waripe je ojoero'ine ko'. Opyhyk je okoj korin a'e wa. O'ãmyhyk je okoj korin a'e wa.

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O rapaz foi direto na pedra que ela jogou e, ao revidar, mirou em baixo da barriga dela. Atirou a pedra e acertou bem no lugar que queria. A onça caiu. – Desse jeito vocês não podem mais deter o cunhado de vocês, rapazes! – disse o sogro-onça. Aaah! Então a onça parda atingida foi se sentar num canto. Ah! Ficou lá sangrando. A pedra que o rapaz acertou nela passou raspando por baixo da barriga e foi arrancando a pele. Ela ficou lá sentada. O pessoal veio trazendo as coisas para o vencedor. O rapaz seguia lutando e vencendo. E assim continuaram, e já era bem tarde quando as onças foram embora. Lá se foram as onças. O esquilo ainda ficou lá na aldeia, e tornou a aconselhar o rapaz: – Você deve ir embora, amigo! – Está bem. – ele concordou. Os dois estavam indo novamente juntos para o banho e no caminho o esquilo insistiu: – Vá embora amanhã, amigo. Elas vão te enganar! Elas vão te enganar! Hum! As onças estavam à espreita, querendo comer o rapaz. Mas não tiveram êxito, pois ele estava vigilante. No dia seguinte ele foi embora. Primeiro ele avisou ao esquilo: – Vou vestir o meu cocar e colocar o meu cinto. Ele ficou se aprontando, e depois mentiu para a esposa: – Eu vou banhar, meu bem! – Está bem, pode ir. – ela respondeu. Ela estava grávida, já perto de dar à luz. O filho estava bem perto de nascer. Mas o rapaz saiu dizendo para si: – Eu vou é ir embora daqui!

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Ele rumou para a sua aldeia. Aaah! Quando chegou lá, o pessoal veio cumprimentá-lo: – Você chegou! Você chegou! – ficaram dizendo. – Sim, eu cheguei. Que horror! Ninguém agüenta ficar lá! Numa hora assim, as onças chegaram de repente e no outro dia já estavam querendo me comer. Eu quase matei a onça parda! Deixei-a com o peito todo esfolado. Por pouco não matei as onças. Então o rapaz ficou um tempo em reclusão dentro da casa. Depois começou a correr sempre, treinando para ser campeão e ficar veloz como as onças. Sabe-se lá porque, ele treinava correndo na direção do fundo das casas, em vez de fazer isso dentro da praça da aldeia! Ele ficava treinando lá – u u u u. Enquanto isso, lá na aldeia dos sogros a esposa dele já estava com o rosto todo murcho de tanto chorar. O cunhado e as onças da outra aldeia continuavam decididos a comer o rapaz e, pensando que ele ainda vivia com a esposa, vieram outra vez. Um dia chegaram lá gritando: “hi'hi'i'i'iw, ú huhuhúuuuu”! Mas não houve qualquer resposta. – Ele foi embora. – disse a esposa do rapaz. – Ele ficou com medo, ficou mesmo com medo! – diziam as onças. Ããã! Elas partiram desapontadas. Pois bem. As coisas foram ficando assim, até que depois de algum tempo o sogro tomou uma decisão: – Vamos pegá-lo lá na aldeia dele, minha velha! – Está bem! – ela concordou. Então eles foram para lá, acomodaram-se num lugar próximo e ficaram tocaiando. Hum! De lá o sogro viu alguém treinando corrida: – Olha aquele lá! Parece que é ele, minha velha! – Parece sim. – ela disse.

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Narrativa 8 - Jawara Poroneta História da Onça: Origem do Jogo de Bola e da Luta Huka-Huka

[IL-6] Na página anterior: onça à espreita (Desenho de Páltu Kamaiurá).

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O'irã ko'yt, ja'iwe ojuerut, 'anga wite waripe je ojoero'in. Ãããã! Ituramuê, 'ame kwara ruamuê, huuuu, moweweram ojan, mapawame je ojewyt, hu, ja'iwe je ipyhyk a'iweru. Opeuma pyhyk a'iweru je. A'ea wi o'ute ko'yt, ojekyjt o'ut. A'ep ihwaema ko'yt. Opeuma je opyhyk. Opeuma je opyhyk. Opeuma je opyhyk. Tajoa je weraha, atyuwa weraha. Werahaaaa, i'ãmyhyke ko'. Auje je ko'. Omanom okajyme ko'. Opyhyke je kwa, o'ãmyhyke je kwa. Ohom a'iweru. Atyuwa te'ang opyhy kwa, emirekoa te'ang otsarõ kwa. Opap.


– Vamos para mais perto! No dia seguinte vieram e ficaram mais perto da aldeia, tocaiando. Desta vez eles iriam pegar o rapaz, iriam pegar a alma dele! Pois é. No outro dia vieram cedinho e ficaram bem perto, à espreita. Ãã! O rapaz veio correr de manhã. Huuuu! Ficou treinando corrida, indo e voltando de um lado da aldeia para o outro. Voltou uma última vez e – zaz! Logo as onças agarraram o infeliz, agarraram o genro. Aí a sogra e o sogro pegaram a alma dele e levaram. O rapaz veio de lá para morrer. Ficou muito mal, gritando de dor [16]. Pois é. Logo ele morreu e desapareceu. Foi-se o infeliz. Alguns dizem que quem veio buscar a alma dele foi o sogro. Outros dizem que foi a sogra. Outros dizem que foi a esposa. Acabou.

[16] Quando algum ente pega a alma, a energia vital de uma pessoa, ela adoece e, se sua alma não for resgatada, daí a algum tempo (uma semana, um mês) ela morre. Ao tratar alguém que está muito doente, o pajé vai à mata, ou ao lugar onde a pessoa sentiu algum sinal (dor, arrepio etc) a que se seguiu a doença, recupera a alma do enfermo e a traz de volta. Diz-se então Pajea i'anga werut “o pajé trouxe a alma dele”. Quando entra na casa e o paciente começa a sentir calor e a suar, o pajé sabe que a alma está com ele outra vez. Aí a pessoa sara.

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gLOssáriO

Aikakunî

nome de uma tribo e de seu chefe. O dono dos cintos e colares feitos com caramujo

Ajanama

nome de um personagem mitológico

akangatsî

adorno de cabeça (um tipo de “peruca”) confeccionado com plumas, entremeadas com penas de aves

– akawang

pintura de cabeça (esp.) feita com pasta de urucum

akwama'e

homem; macho

ama

mamãe (vocativo)

apenap

cerca baixa, feita com pequenas toras de kami'ywa, que circunda o cemitério situado no pátio central da aldeia

api

titio (vocativo usado por Ego masculino para referir-se/ dirigir-se aos irmãos da mãe)

Apyap

denominação de um dos subgrupos que estão nas origens dos atuais Kamaiurá

apykap

banco

ariwepo

folhagem (esp.) que outrora servia de alimento para os Kamaiurá

Arupatsi

denominação de um dos subgrupos que estão nas origens dos atuais Kamaiurá

- 453 -


Glossário

- 454 -

atatari

socó (armadilha de varas para pesca)

awa

pessoa, ser; alguém; indivíduo; “ninguém” (em contextos negativos);”quem?”; marca de plural (sufixada a formas verbais e nominais)

awa katu

seres humanos propriamente dito

awaratsing

tigre

awatsi

milho

ea'ima'e

expressão usada para referência a japoneses e chineses, lit. “os que têm olhos pequenos, apertados”

- ekwap

cultivar; passar por

emekwarama'e

os que têm orifício no lábio

– emyminõ

neto (específico para falante masculino)

– eymap

xerimbabo, animal de criação

hemema'e

os que têm beiço proeminente (pelo uso do botoque)

howa'amap ~ owa'amap

esteios principais da casa tradicional kamaiurá


i'akangyra ma'e

tucano (esp.)

ipikyt

peixinho; piaba

itã

concha (esp.) usada para raspar a casca de mandioca

itamuku

concha (esp.) alongada, de aproximadamente quinze centímetros de comprimento

Iwajohokap

nome de uma antiga aldeia kamaiurá

jajap

escarificador; arranhadeira

jajat

chefe cerimonial

jaje

tia, titia (vocativo)

jakui

nome de uma flauta e do ritual a ela relacionado

jakyran

cigarra grande (esp.)

Jamurikuma

nome de uma cerimônia

Jamutukuri

nome de um local situado próximo à lagoa do Ypawu

- 455 -


Glossário

- 456 -

Jamyrá

autodenominação dos antigos Kamaiurá

januhãjerep

aranha (esp.)

Janypawu

nome de um lago

japakanî

gavião (esp.), identificado como gavião-de-penacho (Spizaetus ornatus Accipitridae)

japi'i

xexéu; japim; japi (Cacicus cela Emberizidae)

japi'ia rujap

guaxe (Cacicus haemorrhous Emberizidae), lit. xexéupoderoso, superior

jarawyp

bacaba (Oenocarpus bacaba Arecaceae)

jatawatsi

martim-pescador

jauna kujã

ente feminino sobrenatural

Jawaratsîtyp

nome da atual aldeia kamaiurá

Jawaratymap

nome de uma antiga aldeia kamaiurá

jawari

jogo de arremesso de flechas


jawari'a

flecha (esp.), cuja ponta é constituída de um coquinho

Jawarun

Diawarum

jawat

onça-pintada

jawyry kujã

rainha da mata; mãe da mata (ente sobrenatural)

Jawyrypywana Kwat

“Toca das Ariranhas” - nome kamaiurá do Posto Indígena Leonardo Villas Bôas

Jay

Lua; nome de um dos irmãos gêmeos heróis civilizadores dos Kamaiurá

je reyj

meu irmão; meu parente próximo; meu outro eu

jeke'a

cipó (esp.) da mesma família do taraku'aemo; produz uma fruta similar à deste

jene kawa'ip

expressão usada para designar representantes de alguns povos sul-americanos, particularmente bolivianos, peruanos

jenea rujap

“(os que são) nós poderosos” ou “nós estrangeiros”

jenemy'op

nome de uma árvore (esp.) e também da folha dessa árvore. As folhas são usadas na festa Taurawana. Têm também uso medicinal

jeru'a

cabaça (esp.). É grande, com volume de aproximadamente vinte litros. Tem a casca lisa e formato um pouco achatado

- 457 -


Glossário

- 458 -

joetykap

huka-huka (luta corporal)

jumi'atotõ

flauta (esp.) tipo trompete, transversal, com o comprimento de aproximadamente sessenta centímetros, feita de uma espécie de taquara com diâmetro maior

Juriku

nome de personagem mitológico, o dono do caramujo

juta'yp

jatobazeiro (Hymenaea courbaril Caesalpinaceae)

jutsi'ahuku

nome de uma árvore (esp.) alta, de tronco não grosso, que os auxiliares identificam como sendo “uxi”. Dá frutas doces, amarelas, parecidas com o oiti

jutsi'akangahu'a

árvore (esp.)

jyouuu

grito em resposta ao aviso de um grupo de pescadores que chegam da pescaria

jyrypará

ponta de flecha (esp.)

ka'apaje

galinha-do-mato; wina (Formicarius colma Formicariidae), lit. “pajé da mata”

Ka'atyp

denominação de um dos subgrupos que estão nas origens dos atuais Kamaiurá

Kajkakunî

ver Aikakunî

kakã

cacã; ave (esp.) (Caramidae)


kaka'e

gralha (Corvidae)

kakatsi

gavião-de-anta (Daptrius ater Falconidae)

kamajyp

flecha (esp.)

kamara

subordinado; súdito

kami'ywa

tapinhoã (Mezilaurus crassiramea Laureaceae)

kamure aparok

brincos (adorno auricular) confeccionados com penas retrizes de arara, cujos cálamos são montados em pedacinhos de cana de ubá

Kanaraty

nome de um personagem mítico

kapiture

curica (ave Psittacidae)

Kara'ia'ip

denominação de um dos subgrupos que estão nas origens dos atuais Kamaiurá

karamemã

presente; caixa; bolsa; coisa valiosa

karapytang

acará (peixe, esp.)

kaw

grito

- 459 -


Glossário

- 460 -

kawa'ip

índio

kawî

cauim (um mingau ralo feito com pedaços de uma espécie mais seca de beiju misturados com água)

kawun

marimbondo (esp.)

kewere

reza

kewere jat

dono da reza

kõõõ

grito usado por mulheres ao procurarem alguém no mato

ku'ahap

cinto, cinturão

kujã

mulher, fêmea

kujahamuku

cabaça (esp.). É fina e comprida

kujatyty

perdiz

kupepaj

pendente

Kurukitsa

nome de uma região situada na atual área da Associação Terra Indígena do Xingu (ATIX)


kwa'yp

landim; jacareúba; guanandi-carvalho (Calophyllum brasiliensis Clusiaceae /Guttiferae)

kwakwapirik

árvore (esp.) não muito alta. Produz frutas pequeninas que quando maduras ficam vermelhas e se abrem, deixando à mostra a semente, também vermelha. Servem de alimento para as ararinhas

kwara jumi'a

cigarra (esp.). É dona da água e também é a flauta do Sol

Kwaryp

nome de uma árvore de madeira amarelo-avermelhada lisa ou de madeira preta desenhada; nome da cerimônia em homenagem aos mortos; os troncos usados na cerimônia

Kwat

Sol - nome de um dos irmãos gêmeos heróis civilizadores dos Kamaiurá

mait

cigarra (esp.); mariposa (esp.)

makwara'i

peixe (esp.) pequenino, que vive em córregos

mama'e

espírito

Mangatyp

denominação de um dos subgrupos que estão nas origens dos atuais Kamaiurá

mangawa apitap

jogo de bola

mangawa apitawa rape

campo do jogo de bola

- 461 -


Glossário

- 462 -

mangawa rape

campo da bola

manikujup

pau-de-sobre; sobre; faia (Emmotum nitens Icacinaceae)

Manitsawá

nome de um rio

maraka'yp

cantor, instrumentista especialista

matawi

pindaíba (Annonaceae)

mawu

capororoca (Myrsinaceae)

Mawurawa

nome de uma festa

Mawutsini

ser mítico antropomorfo criador dos Kamaiurá

mejûkawî

tipo de beiju

mijat

bicho, animal

minata

coqueiro acumã (Syagrus flexuosa); coquinho produzido pelo coqueiro

minga

ingá-feijão (Leguminosae – Mimozoideae)


mo'ohet

um mingau engrossado, feito com o sumo da mandioca brava

mo'yt

cinto (esp.) constituído de uma fieira de discos feitos da concha de caramujo, usado um pouco abaixo da cintura

moangyjat

feiticeiro

moitara

nome de encontros intertribais para troca de produtos

moitse'ê

palheteira (?) - nome de uma flor (Clitoria racemosa Fabaceae) e também nome das raízes da planta

mokajyp

macaúba; coco-de-catarro (Acrocomia aculeata Areaceae)

morerekwat

chefe, cacique, capitão da aldeia

moronetajat

narrador especialista

morototowyp

morototó (Didymopanax morototonii Araliaceae)

motap

comida

my'awang

uirapuru-vermelho (?) (Pipra aureola Pipridae)

Myrena

região na confluência dos rios Kuluene, Batovi, Ronuro, onde ocorreu a criação dos Kamaiurá e várias ações míticas

- 463 -


Glossário

- 464 -

Myrena jat

Os Senhores do Morená

myrytsi

buriti

myrytsi'ywi

buritirana; caranaí (Mauritella aculeata Palmaceae)

nuitu/nujtu

mulher que descende em linha direta de um chefe ou é esposa de chefe e/ou líder

nuitumet

mulheres, mulherada

nywã

sobrinho (vocativo)

oka'apat

rede de pesca (esp.)

okat

pátio da aldeia

oken

abertura, vão da porta

okena juru

abertura, vão da porta, lit. “boca do oken”

okenap

porta

owaj

rabicho (uma fina vareta feita da nervura central da folha de buriti), parte da indumentária feminina tame'aop


paje

pajé

parawatã

abacaxi-do-mato

pi'a

vocativo usado por homens para se dirigir a um parente mais novo do mesmo sexo

pinop

coco-babão; guariroba-do-campo; jerivá (Syagrus comosa Palmaceae)

pira'utat

“comedor de peixe”. Expressão usada para referência ao martim-pescador, ao maguari e outras aves que se alimentam de peixe

pirapy'yta

cesto cargueiro (esp.)

pitahwã

bem-te-vi-grande (Pitangus sulfuratus Tyrannidae)

Pitahwãtap

nome de uma aldeia

-po'yt (i-)

colar (esp.)

poroneta

história

ta'ÿj

vocativo para indivíduos de sexo feminino mais jovens que o falante

takwãj

pênis; vocativo para filho

- 465 -


Glossário

- 466 -

Takwatsiat

nome de um lugar

tame'aop

uluri

tame'aop

árvore (esp.) araçari (Sororoca bonplandii Moracea). É de porte médio. Suas folhas são ovaladas, repicadas nas bordas

tame'aowa jam

cordel do uluri, feito com fibra do buriti

tamÿj

avô; neto

tanahang

formiga (esp.). É preta, pequena, vive na terra

Tapea Jaú

um dos nomes de Jay “Lua”: uma volta no caminho para se chegar a um determinado ponto que, em linha reta estaria mais próximo do ponto de partida

Tapea Kana

um dos nomes de Kwat “Sol”: caminho em zigue-zague, ou que serpenteia, como os meandros de um rio (lit. “torto, quebra do caminho”); curva do caminho; esquina de uma rua

tapi'it

anta

Tapyhÿ

denominação de um povo indígena


tapyÿj

rancho (em geral); “casa das flautas” também mencionada na literatura como “rancho das flautas”, “rancho dos homens”, “casa dos homens”

taraku'aemo

cipó (esp.), tem a grossura de um lápis

taratsika'it

lagartixa-do-mato (esp.)

taraû'î

esquilo; caxinguelê

tawarerõ

gafanhoto (esp.)

Tawua

nome de uma lagoa

tere'û

araponguinha (Tityra cayana Cotingidae)

tewikwatsowa

lit. “ânus largo”. Expressão usada para designar a anta

Tsaukuma

um nome inicialmente dado aos gêmeos Sol e Lua

tsîu'ae

curió (esp. não bem identificada)

tsitsika

nome de um passarinho que “tem tudo preto, até o ninho. Ele é o dono do preto”

Tsukahamãj

Txukahamãj (Mêtuktire)

- 467 -


Glossário

- 468 -

tuawi/tuwawi

esteirinha quadrangular feita com varetas de talos de buriti entrelaçadas com fios de algodão

tukananahwap

moquém piramidal

tumutumuri

marimbondo (esp.). É amarelo, riscado de preto, de cabeça vermelha e faz buracos no chão

tupã

trovão; o dono das bordunas

tupahamyp

esteios principais da casa

tupe

nome de um cesto grande, platiforme, redondo

Tyeweka

nome de um lago

typy'ak

polvilho

typyra'aty

massa de mandioca ralada, lavada e espremida; farinha dela resultante

tyre'ym

órfão (lit. “sem acompanhamento”)

tywytywy'i

pintura (esp.). Pequenos ângulos negros, dispostos um em cada lado das faces, com os vértices voltados para o nariz

-ujap (t-ujap, r-ujap)

grande, poderoso, perigoso, sobrenatural, falso


uluri

termo da língua Bakairi (Karib) usado pelos povos alto-xinguanos como denominação de uma peça da indumentária feminina chamada tame'aop em Kamaiurá

urua

nome de uma flauta

wajaka'yp

árvore (esp.) grande, de tronco grosso, cuja madeira é considerada frágil, de pouca durabilidade, difícil de usar

wajnymy'î

beija-flor-da-mata-virgem; ariramba (Trochilidae)

wamuk

coco (esp.)

Wawaniwani

nome de personagem mitológico; nome de uma antiga aldeia trumai

wawara

planta (esp.), parecida com abacaxi

Wawitsa

nome de uma região situada na atual área da Associação Terra Indígena do Xingu (ATIX)

weme'ywyt

casca do jeke'a

wynawi

nome de uma reza de origem Aruak

wyra'utang

jaburu (Jabiru mycteria Ciconidae)

- 469 -


Glossário

- 470 -

wyrahet

aves

wyraowapirun

ave (esp.) identificada pelos consultores kamaiurá como tuiuiú (Mycteria americana Ciconidae), lit. “ave de cara preta”

y'a

nome genérico para cabaça e também de uma espécie grande e redonda maior que o jeru'a

y'apem

borduna

y'awijam

cabaça (esp.); é estreita e comprida

y'ym

fuso para fiação de algodão

y'ywa maraka

canto da flecha

Y'ywatyp

nome de uma antiga aldeia kamaiurá

Yjajat

dono da aldeia; chefe cerimonial; guardador das tradições

ymawara Poroneta

mito

Ypawu

nome de uma lagoa em cujas proximidades está situada a Aldeia Kamaiurá

ypytsat

seres que habitam as profundeza


yrykujup

tinta vermelho-amarelada, extraída de uma espécie do urucum, usada em pintura do corpo de mulheres

yrypary

cesta (esp.) gameliforme usada para carregar mandioca

yrywu

termo genérico para urubu

yrywutsing

urubu branco; urubu-rei (Sarcoramphus papa Cathartidae)

yrywutsing mokõj akanga ma'e

urubu bicéfalo, entidade sobrenatural, lit. “urubu-de-duascabeças”

ytsingyp

nome de uma espécie de árvore, grande, de tronco grosso. É “parente” da pindaíba

ytsingywa ra'yt

nome de uma espécie de árvore, “parente” da pindaíba. É alta e tem tronco fino, sendo usada na feitura da casa, lit. “filho do ytsingyp”

ywit

embira

ywyra

árvore, pau; nome de uma festa/dança

ywyra'itywa pojy

“perigo da mata ciliar”. Expressão usada para referência às onças

ywyrapapytang

arco preto

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a vOZ da autOra

Há 41 anos deixei a neve, o frio, o clima predominantemente sombrio dos rigorosos invernos de Moscou, onde cursava a Pós-Graduação, e vim passar um ano no Brasil. Meus professores de lá sempre incentivavam os alunos estrangeiros a empregar os conhecimentos adquiridos em benefício dos seus países de origem e, no caso dos lingüistas, ressaltavam a relevância do estudo das línguas indígenas. Assim, embora minha vinda tenha sido motivada por razões de ordem pessoal, fiz planos para iniciar a pesquisa de uma língua indígena, empreitada difícil então, quando no Brasil imperava o clima sombrio da exceção / ditadura. Após várias tentativas fracassadas, conheci a Dra. Carmen Junqueira, que me propiciou a oportunidade de uma estadia entre os Kamaiurá, como sua assistente de pesquisa. Tão logo o avião do can [1] partiu de Goiânia, vi-me num mundo que até então me era totalmente desconhecido. Voamos sobre uma vastidão de verde, cortada aqui e ali por rios serpenteantes e lagoas. Diante de tanta beleza, senti que pouco a pouco eu ia me afastando dos problemas da chamada “civilização”. Meu primeiro contato com os índios ocorreu no PI Leonardo [2], onde desembarcamos e passamos uns dois dias à espera de que Takumã, o cacique kamaiurá, fosse avisado de nossa chegada e autorizasse a ida para a aldeia, situada a cerca de doze quilômetros do posto. Chegamos na aldeia à tardinha, e seria difícil descrever com palavras o mundo de impressões que me envolveram. As casas cobertas de sapé, os seres bronzeados que acorriam à chegada do trator em que viajávamos pareciam inscritos na paisagem e delas inseparáveis. Muitos se aproximavam e estendiam a mão dizendo: “Você tá bom? Como chama nome seu? Tem papai? Tem mamãe?”.

[1] CAN: Correio Aéreo Nacional [2] PI Leonardo: Posto Indígena Leonardo Villas Bôas, localizado na porção setentrional do Alto-Xingu.

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A Voz da Autora

Logo nossas redes estavam armadas e a bagagem acomodada. As impressões continuaram – cheiro peculiar de fumaça, urucum, óleo de pequi; ruídos de fogos junto às redes sendo assoprados, sons produzidos por mulheres acalentando as crianças. E lá fora, o céu tão estrelado que dava a impressão de poder ser alcançado com a mão. Por vezes, cantos no pátio da aldeia. Com o passar dos dias, fui conhecendo melhor as pessoas, fazendo amigos. Todos sempre solícitos, amistosos. Comecei também a aprender a língua e a conhecer o dia-a-dia do povo, seus costumes, sua vida dura e suas alegrias. Por motivos de ordem política, somente pude voltar ao Ypawu vinte anos depois, já como docente e pesquisadora da unicamp. A primeira estadia entre os Kamaiurá marcou-me para sempre, tanto enquanto pessoa quanto como docente e pesquisadora. Não foi sem dificuldades. Noites mal dormidas pelo frio (eu não sabia manter o fogo aceso), o meu despreparo para buscar lenha e água, as caminhadas ao sol até a lagoa para banho e para lavar roupa e vasilhas; o banheiro no mato... Nada disso impediu que eu fosse cada vez mais dominada por um sentimento de paz interior, que me acompanharia por um longo tempo após deixar a aldeia, mesmo nas crises de malária. A experiência inicial com os Kamaiurá influenciou minha opção pelo trabalho com línguas indígenas. Embora eu tenha trabalhado com vários outros povos e línguas, os Kamaiurá são je re'yjawa ˜ “o meu povo”, e tento sempre aprender mais sobre eles, sua língua e sua cultura, que sempre constituíram o centro de minhas atenções. ****

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A Voz da Autora

Lucy Seki é PhD (Filologia, especialidade Línguas Indígenas Americanas) e Mestre (Filologia, especialidade Língua e Literatura Russa) pela Universidade Patrice Lumumba (Moscou), e Bacharel em História pela Universidade Federal de Minas Gerais-uFmg. Professora titular da área de Lingüística Antropológica da Universidade Estadual de Campinasunicamp, suas áreas de interesse são a descrição lingüística, a sociolingüística, a comparação tipológica e a comparação histórica. É atualmente considerada a maior especialista nas línguas Kamaiurá (Tupi-Guarani) e Krenak (Macro-Jê), trabalhando também com a Tupari (Tupi). Em janeiro de 2010, ela foi eleita membro honorário da Linguistic Society of America (Baltimore). Mais informações: Coleção Lucy, na Biblioteca Digital Curt Nimuendaju: http://biblio.etnolinguistica.org/lucy Gramática do Kamaiurá, Língua Tupi-Guarani do Alto Xingu. São Paulo: Editora da UNICAMP/Imprensa Oficial do Estado de SP: 2000.

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Índice de Imagens

Ilustração de capa, "Sol e Lua". Ilustração de Célia Harumi Seki, 2008.

01

Detalhe das Apresentações, “Brinco Kamaiurá”. Acervo pessoal de Lucy Seki.

07

“Entrada da Aldeia Ypawu”. Fotografia de Célia Harumi Seki, 1989.

12

Detalhe da Apresentação, “Borduna kamaiurá”. Acervo pessoal de Lucy Seki.

14

Detalhe dos Agradecimentos, “Peças de colar de coquinho”. Acervo pessoal de Lucy Seki.

19

Detalhe do Prefácio, “Brincos kamaiurá”. Acervo pessoal de Lucy Seki.

21

Detalhe do Guia de Pronúncia e Convenções Notacionais, “Colar de caramujo”. Acervo pessoal de Lucy Seki.

25

“Kamaiurá sentados no banco”. Fotografia de Lucy Seki, 1968.

29

Cocar estilizado, releitura de Fotografia de Lucy Seki, 1991.

30

“Tarakwaj”. Fotografia de Lucy Seki, 1989.

32

“Awmari”. Fotografia de Etienne Samain, 1977.

33

“Kanutary (Koka)”. Fotografia de Lucy Seki, 2005.

34

“Janumakakumã”. Fotografia de Lucy Seki, 1968.

36

“Tatap”. Fotografia de Lucy Seki , 1989.

37

“Yrywuary”. Fotografia de Lucy Seki, 2005.

38

“Páltu”. Fotografia de Lucy Seki, 1996.

39

“Wary”. Fotografia de autor desconhecido, 2008.

40

“Kamaiurá treinando para a cerimômia do Jawari”. Fotografia de Lucy Seki, 1968.

43

Detalhe da Parte I, 1. O Povo kamaiurá, “Peças de colar de coquinho”. Acervo pessoal de Lucy Seki.

45

“Lagoa do Ypawu”. Fotografia de Célia Harumi Seki, 1999.

45

“Mapa 1-Localização das aldeias no Parque do Xingu”. Cedido pelo Instituto Socioambiental-ISA, 2011.

47


Índice de Imagens

- 482 -

“Mapa 2-Migrações dos Kamaiurá”. Mapa de Lucy Seki, 1997.

51

“Mapa 3-Região do Morená”. Desenho de Wary Kamaiurá, 2005.

53

“Cuia pequena”. Acervo pessoal de Lucy Seki.

56

“Aldeia Ypawu”. Fotografia de Célia Harumi Seki, 1999.

57

“Takumã coloca sapé na casa tradicinal kamaiurá”. Fotografia de Célia Harumi Seki, 1999.

59

“Mulher kamaiurá prepara beiju”. Fotografia de Lucy Seki, 1977.

61

“Tradicional arco kamaiurá”. Acervo pessoal de Lucy Seki.

62

“Fuso kamaiurá”. Acervo pessoal de Lucy Seki.

63

“Mulheres fiando”. Fotografia de Carmen Junqueira, 1977.

64

“Uluri”. Acervo pessoal de Lucy Seki.

66

“Huka-huka”. Desenho de Kanawayuri Kamaiurá, 1994.

69

“Pente kamaiurá”. Acervo pessoal Lucy Seki.

74

Peças de colar de coquinho. Acervo pessoal de Lucy Seki.

76

Detalhe da Parte I, 2. O Estudo da Mitologia Kamaiurá, “Unha de tatu-canastra utilizada como ferramenta”. Acervo pessoal de Lucy Seki.

77

“Rede”. Ilustração de Páltu Kamaiurá, 1994.

79

“Lucy Seki na Posto Leonardo”. Fotografia de Carmen Junqueira, 1968.

81

“Lucy Seki na aldeia Ypawu com os Kamaiurá”. Fotografia de Célia Harumi Seki, 1999.

83

“Grupo kamaiurá estudando”. Fotografia de Luciana Dourado, 1994.

85

“Kanutary (Koka) mostra esquema da bola para o neto Wary em Campinas”. Fotografia de Lucy Seki, 2005.

92

“Kamaiurá tocando flauta uruá”. Ilustração de Páltu Kamaiurá, 1994.

95

“Banco de madeira”. Ilustração de Yakalu Kamaiurá, 1994.

99

“Kamaiurá tocando flauta uruá”. Fotografia de Lucy Seki, 1968.

105

Grafismo Kwarywa Tapaka. Fonte: Pintura Corporal da Sociedade Kamaiurá. Kamaiurá, Wary e Kamaiurá, A. Páltu, 2006 (Ver Bibliografia).

107

“Mawutsini”. Desenho de Wary Kamaiurá, 1995.

108

“Taratsika'it ‘lagartixa-do-mato’”. Desenho de Páltu Kamaiurá, 2006.

114


“Casa tradicional dos Kamaiurá”. Fotografia de Lucy Seki, 1968.

122

“Mulher e pássaro martim-pescador”. Desenho de Páltu Kamaiurá, 2006.

127

“Mulher subindo no pé de buriti”. Desenho de Wary Kamaiurá, 2006.

128

“Mulher e passáro maguary”. Desenho de Páltu Kamaiurá e Takumi Kamaiurá, 2006.

130

“Awaratsing ‘tigre’”. Desenho de Wary Kamaiurá, 2006.

136

Grafismo Apyryrî. Fonte: Pintura Corporal da Sociedade Kamaiurá. Kamaiurá, Wary e Kamaiurá, A. Páltu, 2006 (Ver Bibliografia).

143

“Os irmãos gêmeos Kwat ‘Sol’ e Jay ‘Lua’”, 2006.

144

“Árvore de kami'ywa ‘tapinhoã’”. Desenho de Wary Kamaiurá, 2006.

150

“Mulheres esculpidas por Mawutsini”. Desenho de Wary Kamaiurá, 2006.

152

“Tame'aop uluri”. Desenho de Páltu Kamaiurá, 2006.

156

“Mulher e tatu”. Desenho de Takuni Kamaiurá, 2006.

160

“Mulher e anta”. Desenho de Wary Kamaiurá, 2006.

164

“Cabaça jeru'a”. Desenho de Wary Kamaiurá, 2006.

180

“Paca”. Desenho de Wary Kamaiurá, 1994.

184

Grafismo Já'ê Kwatsiat. Fonte: Pintura Corporal da Sociedade Kamaiurá. Kamaiurá, Wary e Kamaiurá, A. Páltu, 2006 (Ver Bibliografia).

199

“Mulheres voltando da roça”. Desenho de Karatsipa Kamajurá, 2005.

200

“Cobra deixa o ventre da mulher”. Desenho de Páltu Kamaiurá, 2005.

206

“Irmão corta a cobra em pedaços”. Desenho de Wary Kamaiurá, 2005.

212

“Cana de flecha e taquara”. Desenho de Paltú Kamaiurá.

218

Grafismo de Páltu Kamaiurá, 2004. Fonte: Pintura Corporal da Sociedade Kamaiurá. Kamaiurá, Wary e Kamaiurá, A. Páltu, 2006 (Ver Bibliografia).

223

“Anta criada pelos irmãos Kwat ‘Sol’ e Jay ‘Lua’”. Desenho de Wary Kamaiurá, 2005.

224

“Urubu-rei bicéfalo pousa na anta pútrida”. Desenho de Karatsipa Kamajurá e Wary Kamaiurá, 2005.

236

“Arara-canindé”. Desenho de Karatsipa Kamajurá, 2005.

239

“Jacu”. Desenho de Páltu Kamaiurá, 2005.

240

- 483 -


Índice de Imagens

- 484 -

Grafismo Tapaka. Fonte: Pintura Corporal da Sociedade Kamaiurá. Kamaiurá, Wary e Kamaiurá, A. Páltu, 2006 (Ver Bibliografia).

245

“Milharal”. Desenho de Páltu Kamaiurá e Karatsipa Kamajurá, 2005.

246

“Irmãos queimando na roça”. Desenho de Karatsipa Kamajurá, 2005.

258

“Irmão traidor se joga no fogo”. Desenho de Páltu Kamaiurá, 2005.

260

“Cabaças”. Desenho de Karatsipa Kamajurá, 2005.

264

“Milho sorrindo”. Desenho de Páltu Kamaiurá, 2005.

270

“Pilão e mão de pilão”. Desenho de Karatsipa Kamajurá, 2005.

274

“Jajap ‘arranhadeira’”. Desenho e Karatsipa Kamajurá, 2005.

277

“Tucano de plumas vermelhas”. Desenho de Karatsipa Kamajurá, 2005.

281

Grafismo Tapaka Pira ywyte Kang. Fonte: Pintura Corporal da Sociedade Kamaiurá. Kamaiurá, Wary e Kamaiurá, A. Páltu, 2006 (Ver Bibliografia).

285

Detalhe de “Tronco de palmeira com coquinho de macaúba”. Desenho de Karatsipa Kamajurá e Wary Kamaiurá, 2005.

286

“Menina com a mão no ânus da anta”. Desenho de Wary Kamaiurá e Karatsipa Kamajurá, 2005.

292

“Anta atravessa a lagoa levando menina”. Desenho de Karatsipa Kamajurá, 2005.

296

“Anta chega com menina no pé de tapinhoã”. Desenho de Karatsipa Kamajurá, 2005.

302

“Pirapy'yta ‘cesto cargueiro’”. Desenho de Páltu Kamaiurá, 2005.

317

“Tukananahwap ‘moquém piramidal’”. Desenho de Wary Kamaiurá, 2005.

318

˜ Grafismo Kwarywa tapaka. Fonte: Pintura Corporal da Sociedade Kamaiurá. Kamaiurá, Wary e Kamaiurá, A. Páltu, 2006 (Ver Bibliografia).

325

“Flor moitse'e”. Fotografia de Páltu Kamaiurá, 2008.

326

“Árvore de kami'ywa ‘tapinhoã’”. Desenho de Wary Kamaiurá, 2006.

332

Detalhe de “Cerca de buriti”. Desenho de Páltu Kamaiurá, 2006.

360

“Kanarawary observa Kanaraty subindo em árvore pela escada”. Desenho de Wary Kamaiurá, 2006.

388

“Kanarawary desmancha a escada”. Desenho de Wary Kamaiurá, 2006.

390

“Kanaraty sendo levado pelo avô-urubu”. Desenho de Wary Kamaiurá, 2006.

394


Detalhe de “Cerca de buriti”. Desenho de Páltu Kamaiurá, 2006.

396

“Kanaraty nas costas do avô-urubu”. Desenho de Páltu Kamaiurá e Karatsipa Kamajurá, 2005.

398

“Kanarawary preso nos chifres da anta criada por Kanaraty”. Desenho de Páltu Kamaiurá e Karatsipa Kamajurá, 2005.

402

Grafismo Aru'Atapaka. Fonte: Pintura Corporal da Sociedade Kamaiurá. Kamaiurá, Wary e Kamaiurá, A. Páltu, 2006 (Ver Bibliografia).

405

Detalhe de “Ilustração da Aldeia”. Desenho de Wary Kamaiurá, 2005.

406

“Pais da moça-onça jogam bola”. Desenho de Wary Kamaiurá, 2005.

416

“Esquema que mostra o jogo da bola”. Desenho de Kanutary (Koka), 2005.

424

“Kamaiurá jogando o jogo da bola”. Desenho de Wary Kamaiurá, 2005.

426

“Esquilo”. Desenho de Páltu Kamaiurá, 2005.

428

“Onça à espreita”. Desenho de Páltu Kamaiurá, 1994.

440

Detalhe da Bibliografia, "Cesta kamaiurá". Acervo pessoal de Lucy Seki.

445

“Kamaiurá treina para festa do Javari”. Fotografia de Lucy Seki, 1968.

451

Detalhe do Glossário, “Tatuzinhos talhados em madeira”. Acervo pessoal Lucy Seki.

453

“Lagoa Ipavu”. Fotografia de Lucy Seki, 1968.

472

Detalhe da Voz da Autora, “Mulher kamaiurá enfeitada para festa de Jamurikuma”. Desenho de Ajumã Kamaiurá, 1995.

475

“Lucy Seki no rio Tuatuari”. Fotografia de Célia Harumi Seki, 1999.

477

Peças de colar de coquinho. Acervo pessoal de Lucy Seki.

478

" Kamaiurá tocando flauta uruá/casa do gavião”. Fotografia de Lucy Seki, 1968.

479

Detalhe do Sumário, “Colar de coquinho”. Acervo pessoal Lucy Seki.

480

"Aldeia Kamaiurá". Fotografia de Lucy Seki, 1968.

490

- 485 -



Sumário

Kanutary (Koka) Je'enga Ka'ahera Rehe Apresentação de Kanutary (Koka) Agradecimentos Prefácio Guia de Pronúncia e Convenções Notacionais Moronetajat - Os Senhores das Histórias

14 15 19 21 25 29

Parte I: Os Kamaiurá e o Estudo de seus Mitos 1 O Povo Kamaiurá 1.1 O Alto Xingu

43 45 45

1.2 Contatos com Não-Índios

54

1.3 Aspectos Demográficos e Socioculturais

57 70

1.4 Explorações acerca da Concepção Kamaiurá sobre a Origem dos Índios/Seres Humanos 1.5 A Língua Kamaiurá

2 O Estudo da Mitologia Kamaiurá 2.1 Breve Histórico e Estado Atual do Conhecimento 2.2 A Presente Coletânea: Questões Metodológicas e Critérios de Edição (a) Coleta (b) Contexto Imediato (c) Transcrição (d) Tradução e Questões Relacionadas (e) Organização da Coletânea e Critérios de Edição

75 77 77 80 80 82 84 86 89


Sumário

2.3 Características Gerais da Narrativa Mítica Kamaiurá (a) Traços Prosódicos (b) Uso de Elementos Extra-Verbais (Cinésicos) (c) Ideofones, Gritos, Murmúrios (d) Uso de Partículas (e) Uso de Diálogos, Discurso Direto (f) Coesão Referencial e Identificação dos Participantes (g) Repetições, Paralelismos (h) Polifonia

Parte II: Narrativas Míticas Narrativa 1:

93 96 97 98 99 100 101 102 103 105 107

Mawutsini I: Kawa'iwa 'ypy / A Origem dos Índios Narrativa 2:

143

Mawutsini II: Mawutsinia Porawykawa Memyret: Kwat Jaya Nite A Criação do Sol e da Lua Narrativa 3:

199

Kawa'iwa 'ypy/Moîa Poroneta A Origem dos Índios ou a História da Cobra Narrativa 4: 'ara Poroneta História da Luz do Dia

- 488 -

223


Narrativa 5:

245

Awatsia Poroneta História do Milho Narrativa 6:

285

Tapi'ira Poroneta História da Anta Narrativa 7:

325

Kanaraty: Ojoywyna Jomo'atare'ymawera Ojoerekom Como Dois Irmãos Ficaram Inimigos Narrativa 8:

405

Jawara Poroneta História da Onça: A Origem do Jogo de Bola e da Luta Huka-Huka

Bibliografia

445

Glossário

453

Voz da Autora

475

Índice de Imagens

481

Sumário

487

- 489 -





Ficha Técnica Coordenação Editorial

Edição

Pesquisa Iconográfica

Cristina Astolfi Carvalho

Lucy Seki Célia Harumi Seki

Diagramação e Arte Final Célia Harumi Seki

Fotografias Lucy Seki

Preparação (Kamaiurá)

Carmen Junqueira

Lucy Seki

Célia Harumi Seki Luciana Dourado

Preparação (Português) Cristina Astolfi Carvalho

Ilustrações Aisanain Páltu Kamaiurá

Projeto Gráfico e Capa

Ajumã Kamaiurá

Célia Harumi Seki

Karatsipa Kamajurá Kanawayuri Kamaiurá

Revisão (Kamaiurá)

Takuni Kamaiurá

Lucy Seki

Yakalu Kamaiurá Wary Kamaiurá

Revisão (Português) Marcelo Magalhães


Este livro foi composto com as fontes Optima, Herculanum e foi feita uma adaptação com a fonte Guarani Roman para a grafia kamaiurá. Foi impresso pela Walprint Grafica e Editora, que utilizou papel Couché fosco 115g/m2 para o miolo e Cartão Triplex 300 g/m2 para a capa. A tiragem é de 1.000 exemplares.




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