A família e seu direito a promoção da vida

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Tema:Administração dos Serviços de Saúde A Família e seu direito à Promoção da Vida- uma perspectiva em política pública.

Numa visão panorâmica pouco aprofundada e talvez ambiciosa, a família brasileira está colocada como núcleo natural e original dos valores que a constituem enquanto unidade de criação e promoção da vida. Como tal,

encontra-se presa aos limites sociais, religiosos, políticos e

econômicos, cuja importância ideológica e moral vão muito além do alcance que possam ter dos objetivos e planos historicamente reproduzidos ao longo de muitos anos. É nesta posição, onde a vulnerabilidade comumente está diretamente associada à falta de provimentos, sejam estes humanos ou materiais, que passa a receber benefícios através da atenção do estado, preocupado com o acesso à saúde enquanto bem de todos. Um direito justo, cuja conquista vai além do acesso à saúde do corpo, uma vez que este valor está agregado simbolicamente a sua própria condição de sujeito; o direito a demandar a partir de necessidades percebidas, com responsabilidades e deveres assumidos; a promover e ou resgatar uma vida saudável, buscando a cura para seus males, suas angústias e incertezas; de sonhar com um futuro melhor para seus filhos. É não apenas saber reconhecer este direito, mas assumir sua possibilidade de realizar e usufruir deste, com consciência e dignidade, preservando ou reorganizando seu potencial enquanto meio desencadeador do desenvolvimento integral de seus entes, conforme suas experiências, sua cultura. A família. O que efetivamente representa a família em nossa sociedade globalizada? Uma instituição falida, cujo valor

ideológico não mais serve, ou um bem a ser cuidadosamente

preservado? Para Cabral Apud Ferrari, 2002.“Família é aquela que propicia os aportes afetivos e o bem estar dos seus componentes; ela desempenha um papel decisivo na educação formal e informal; é em seu espaço que são absorvidos os valores éticos e humanitários e onde se aprofundam laços de


solidariedade; é também em seu interior que que se constroem as marcas entre gerações e são observados os valores culturais". Uma perspectiva transversal deste tema pode nos conduzir a considerações sobre o quê e o porquê desta preocupação em atender às famílias e comunidades, em suprir suas faltas. Ao se considerar a capacidade da família para gerenciar sua vida e seus problemas; de se organizar e produzir seus próprios recursos para superação dos desafios, uma série de questões podem ser lembradas. Colocando em pauta a corrente institucionalista,(BAREMBLITT, 1992), que aborda a auto gestão e auto-análise, a família pode ser pensada, como a primeira organização comunitária, onde há que se produzir um saber sobre sua realidade. Que realidade precisa ser considerada hoje, neste mundo globalizado em que vivemos? A que é produzida dentro deste meio sócio-afetivo, conforme ascendências e descendências parentais, com as inúmeras diferenças étnico-raciais que não apenas miscigenam, mas potencializam positiva e negativamente estruturas internas e externas, ou a que vem como herança social de um Brasil colonialista, que persiste em reproduzir dependências? Certamente estas são questões complexas e profundamente presentes em todo a história de desenvolvimento social dos brasileiros. Nesta, as necessidades são percebidas e interpretadas por quem está fora do meio em que estas se produzem. São míopes, uma vez que pouco abrangentes e desconsideradoras das demandas de quem as produz. À comunidade, e em essência, às famílias, não é viabilizada a chance real de reconhecer suas próprias necessidades, de formular suas demandas, de produzir saídas de enfrentamento e superação. Para BAREMBLITT (1994), existem necessidades básicas universais e estas não são naturais, nem tampouco as demandas são espontâneas, mas criadas a partir do que chama de produção dos experts. Cada sociedade e seus muitos segmentos, por todo o mundo, tem condições de saber sobre suas necessidades e sobretudo, de se organizar para supri-las. E estas, efetivamente, podem, neste processo, reconhecer, enunciar, compreender e protagonizar este saber sobre suas vidas e seus movimentos. Nesta caminhada, que não depende apenas de passos dados, a articulação está colocada como meio concretizador desta produção, que é, antes de tudo, interna e internalizadora.


Não há como realizar algo que não esteja internamente sustentado pelo reconhecimento do valor próprio, elaborado e construído a partir da constituição simbólica deste mesmo ser e do movimento que o faz crescer dentro e adquirir forças para superar as limitações que a alienação lhe permitiu. Nesta linha, não há como deixar de lembrar a medicalização do social, que desde o Brasil colônia vem se perpetuando entre as inúmeras formas de atendimento

e cuidados, porque engessa

potencialidades e está identificada com uma posição assistencialista, que não educa para a autonomia, mas encarcera pela dependência. Esta representa uma parte da herança social brasileira. "Quem conhece a situação da saúde no Brasil, sabe perfeitamente que nosso país não precisa prioritariamente de, digamos, tomógrafos computadorizados, pelo menos a nível de sua problemática prevalente atual. Seus problemas, que têm efeitos médicos, têm suas causas diretas nos problemas de habitação, de alimentação, vestuário, saneamento básico. Disso todos os experts sabem, o que não impede que a ênfase da política de saúde o Brasil esteja colocada na assistência e não na prevenção, principalmente se por prevenção se entende algo que modifique as condições de vida da população. [...] Acontece que o povo, as organizações de base, não podem questionar de maneira eficiente as políticas médicas do Brasil porque a primeira coisa que lhe seria respondida é que não sabem. ( Baremblit 1992, p.21).

Parece que este posicionamento alterou-se pouco ou quase nada ao longo dos anos. Esta imobilidade vem se reproduzindo através dos tempos e multiplicaram-se os modos de perpetuação da dependência. A necessidade ou não de recursos técnico-científicos para diagnosticar problemas é passível de questionamentos, ainda. O saber espontâneo que este autor refere, advindo das famílias e comunidades, que poderia, então, romper com a reprodução dos muitos ciclos limitadores, é desreconhecido enquanto tal. Não há interesse na escuta destes manifestos, não convém politica nem tecnicamente para o que vem sendo praticado até hoje. Esta, como se sabe, é uma questão extremamente complexa, uma vez que abrange infinitas dimensões da vida e da vivência dos brasileiros, além de envolver inúmeros fatores, como valores éticos, sociais e econômicos, por exemplo, tão necessários e tão esquecidos, presentemente. A efetividade do desenvolvimento social, real, pode seguir presa a tantos interesses quantos estes forem capazes de serem reconhecidos como tal. Por outro lado, não há como prescindir do reconhecimento da força que a sociedade moderna tem sobre os fatores intervenientes nesta situação, como a economia internacionalizada, a globalização, de um modo geral, a comunicação quase instantânea e a disseminação rápida das informações por


todo o mundo, além da tecnicidade que permeia as relações e a convivência entre as pessoas. Tudo isso corrobora com interesses que interferem diretamente nos processos de decisões e vontades que envolvem a implementação de políticas públicas, inclusive. Deste modo, como modificar este quadro desolador, em termos de aspirações sociais mais equânimes, mais justas e menos submetidas? Por onde pode ser colocado um limite para o encarceramento que o não saber sobre si e o mundo que o rodeia, coloca ao sujeito? Quem pode alcançar êxito em algum movimento nesta direção? Como fazê-lo de modo não-violento, seguro e sustentado? Eis um, dos muitos desafios socialmente colocados. O governo do Estado do Rio Grande do Sul, através de sua Secretaria de Saúde, já em 2003, resolveu encarar de perto este desafio. Buscou inspiração em modelo simples de intervenção, de baixo custo, fácil aplicabilidade e eficácia comprovada. O programa Educa a tu Hijo, do Centro Latinoamericano para la Educacion Preescolar-CELEP, de Cuba, foi selecionado. Superadas as questões formais, culturais, políticas e econômicas para adoção deste programa, uma série de providências foram tomadas no sentido de uma adaptação à realidade brasileira e sobretudo, gaúcha. Todo o conteúdo metodológico foi devidamente traduzido e ajustado à realidade brasileira. Um Grupo Técnico Estadual- GTE, foi criado para receber as instruções, isto é, ser capacitado e repassar estes conteúdos aos Grupos Técnicos Municipais- GTM, cujas prefeituras viriam a aderir ao programa. As diferenças étnico-culturais que fazem parte do povo riograndense, foram devidamente consideradas quando da adaptação da metodologia cubana. Em menos de quatro meses, mais de 50 municípios haviam realizado sua adesão a este projeto inovador, que passou a chamar-se Primeira Infância Melhor- PIM. Trata-se da implantação e implementação de um programa sócio-educativo voltado às famílias em vulnerabilidade social, com crianças de 0 aos 6 anos. Em seu objetivo, a promoção do desenvolvimento integral das crianças desta faixa etária, a partir de atividades previamente planejadas, conforme o nível do desenvolvimento da criança, onde recursos lúdicos orientados, são utilizados como meio de viabilização dos ganhos, que passam a ser sistematicamente acompanhados. Aspectos das áreas da comunicação e linguagem, motora,


sócio-afetiva e cognitiva são especialmente distinguidos nestas atividades, chamadas Modalidades de Atenção. As mães e ou cuidadores, são orientados para a execução destas atividades pelo Visitador, que tem a especial tarefa de planeja-las e executá-las semanalmente, junto às famílias. Quando se trata de crianças de 0 a 3 anos, a modalidade realizada é Individual e o Visitador vai à casa da família; dos três aos 6 anos, são realizadas atividades da Modalidade Grupal e esta é executada em um local da comunidade. As gestantes também foram incluídas pelo PIM, devido à importância deste período para o futuro bebê e recebem atenção individual e grupal, quinzenalmente. Em julho de 2006, considerando a trajetória inegavelmente exitosa desta política pública, o Programa é transformado em Lei estadual de nº 12.544, cuja votação legislativa obteve unanimidade por parte de todos os deputados presentes, uma vitória social e política importante. Como se percebe, a essência desta intervenção é eminentemente social e contém fatores de uma educação não-formal, buscando junto às famílias sua capacidade e responsabilidade para educar e orientar seus filhos. Atualmente, são 52.550 famílias atendidas, através do trabalho de 2.102 Visitadores, cujo trabalho beneficia em torno de 78.825 crianças, em 230 municípios gaúchos que aderiram ao Programa. Os fundamentos teóricos que sustentam esta prática encontraram em Vygotsky, Winnicott, Bowlby e Piaget a base segura para sua executabilidade. O ponto comum entre todos: a ambiente como mediador do desenvolvimento pleno do ser humano e a importância do estabelecimento de laços afetivos seguros. Além destes, a Neurociência, colocada como recurso teórico exponencial, que veio ratificar e ampliar estas referências, cujas justificativas, a cada dia, são cada vez mais evidentes, devidamente comprovadas através de pesquisas e experiências científicas. Os conhecimentos sobre a capacidade de desenvolvimento do cérebro nos primeiros anos de vida, hoje, é uma realidade palpável. Para SCHNEIDER e RAMIRES(2007,p.59), o processo de desenvolvimento, conforme estes teóricos, não acontece de modo individual, predeterminado por características inatas, mas através de um processo interativo, numa inter-relação contínua com o


ambiente e os outros que o rodeiam. Segundo

SCHNEIDER , RAMIRES e CUNHA, os estudos desenvolvidos no campo das

neurociências demonstraram que as diversas formas de percepção do mundo, de associação e de resposta em termos de aquisições do cérebro, têm períodos críticos para sua formação, passados estes, dificilmente serão construídos de modo adequado e que mesmo crianças nascidas em famílias desfavorecidas em termos econômicos, sociais ou educacionais, poderão ser beneficiadas por intervenções que conhecimento e orientação no sentido da promoção e estímulo ao seu desenvolvimento.(SCHNEIDER e RAMIRES, 2007) O investimento na primeira infância, pois, constitui não apenas um meio de se

viabilizar o

desenvolvimento humano, mas sobretudo de promover e alcançar, através das próprias famílias, os recursos que necessitam para romper o ciclo de pobreza e exclusão a que podem estar expostas.


Tema:Administração dos Serviços de Saúde A Família e seu direito à Promoção da Vida - uma perspectiva em política pública.

BIBLIOGRAFIA

BAREMBLITT, Gregório F; Compêndio de Análise Institucional e outras correntes:teoria e prática; 4ª ed; Rio de Janeiro: Record; Rosa dos Tempos, 1998. SHNEIDER, Alessandra e RAMIRES, Vera Regina; Primeira Infância Melhor: uma inovação em política pública; Brasília:UNESCO,2007. NEAD-Núcleo de Educação a Distância; Faculdades Integradas de Jacarepaguá. Administração dos Serviços de Saúde; Polígrafo. CABRAL, Claudia; ALVES, Eliana O; PASSOS,Aurilene: LADVOCAT, Cyntia; SODRÉ,Sonia Trabalho Social com Família- Terra dos Homens. 3ª ed.2002


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