Família, ética e desenvolvimento humano

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FAMÍLIA, ÉTICA E DESENVOLVIMENTO HUMANO

Las cualidades de los padres quedan inscritas en el espíritu de los hijos, igual que los dedos de un niño en las alas de una fugitiva mariposa.

José Marti

A educação nas famílias constitui um processo sócio-histórico e cultural presente no cotidiano de vivências e na transmissão geracional de saberes, valores, hábitos, normas e padrões de convivência. A família ocidental do século XXI, em algum momento de sua história cultural se viu em meio a rumos diferentes em relação à educação ética, familiar e social. Antes, assumia a responsabilidade pela educação dos filhos, sem maiores dificuldades, depois, enfraquecida, passou a delegar à escola esta responsabilidade, que, juntamente com o ensinar, assumiu como atribuição. Educar e ensinar era, em outros tempos, uma incumbência essencial da família, que então se sentia empoderada e suficientemente forte para assumir este desafio. Os referenciais éticos e parâmetros sociais através dos quais a família buscava seu fortalecimento e autonomia lhes eram aparentemente seguros. Acreditava que sabia o que era correto, justo, verdadeiro, bom para si e para os seus, não titubeava ante pressões internas ou externas, conseguia colocar limites seguros e, sobretudo, manter a coerência em termos de atitudes, atos e ideais. Havia certeza e firmeza nas palavras e gestos, este era o suporte. O exemplo recebido servia como base para dizer, fazer e ser.


Mas, o que aconteceu, então? Onde foram parar a segurança e a responsabilidade da educação familiar? Onde ficou perdida, por exemplo, a autoridade de pais e mães? Os valores, que tão bem alicerçavam decisões e definiam competências? Para todas estas questões existe uma infinidade de explicações e justificativas. A que mais parece ajustada ao contexto em que vivemos é exatamente a perda de referências seguras, de modelos éticos e morais socialmente aceitáveis para nosso tempo. Estes, assim como os comportamentos, foram mudando brutal e inexoravelmente. Hoje, a família tornou-se refém dos acontecimentos, das opiniões, dos modismos e informações que lhes chega por todos os lados. A sociedade, como um todo, mudou; o conceito de educar/ensinar, mudou; a escola deixou de ser um centro educativo que tem crianças e jovens a educar, para ser mais uma empresa que tem clientes a conquistar e manter. O significado desta mudança talvez ainda não consigamos considerar clara e eficazmente em nosso tempo, mas suas consequências já podem ser identificadas através da grande crise que se percebe por exemplo, na relação professor-aluno e ou instituição de ensino-professores. O ato de educar, aparentemente perdeu seu sentido mais nobre de facilitar o conhecimento através da transmissão de saberes. O próprio termo ensinar perdeu sua virtude e isenção e muito mais a responsabilidade por sua execução. O relativismo que permeia as relações das pessoas com os valores aprendidos e ou apreendidos, aparentemente, é um dos responsáveis por estes desvios de rumo. Quem tem certeza absoluta sobre o que pode ser melhor para si ou para seus filhos? A responsabilidade pelas nãorespostas dadas está socialmente junto à incapacidade de distinguir caminhos seguros, não apenas para nossos filhos, mas para a própria ética da responsabilidade, em si mesma. É mais fácil creditar responsabilidade aos modernos conceitos da psicopedagogia da educação, que assumir postura ética coerente, com atitudes firmes e hábitos saudáveis frente aos filhos colocados no mundo. Colocar limites ou sanções, repreender, dizer não, passou a fazer parte de uma pedagogia retrógrada, que faz mal, deixa as crianças "traumatizadas". Mais fácil permitir, então. O quanto a globalização, o excesso de informações ou as informações desqualificadas


podem ter afetado este estado de coisas, não se sabe. Sabe-se sim que fazem parte deste universo de perdas e ganhos do desenvolvimento humano atual. As modernas concepções de vida e (não) responsabilidade fizeram com que a força e o sentido do formar/educar da família se perdesse no tempo, passando a ser meras referências de outra época. A distância entre uma e outra, no entanto, mostra-se imensurável quando a memória passou a ser apenas memória e não atitude apreendida com exemplos vivenciados em família. De roldão, seguem uma infinidade de desvios de rumo, sejam estes pessoais, na inter-relação entre pessoas afetivamente próximas ou mesmo nas relações de trabalho, negócios, política, enfim, onde quer que esteja o sujeito, carregando sua temporalidade, aí está sua fragilidade. A etimologia da palavra família está ligada ao significado de conjunto de famulis, ou seja, de servos e domésticos, na civilização romana e também entre os gregos. Só bem depois é que o termo passou a abranger mulheres e filhos, incluindo laços de sangue que agrupavam as pessoas nas gens, de genere, de gerar, enfim. A evolução da palavra através das civilizações atravessou culturas sociais e religiosas, perdendo, talvez, uma concepção pouco nobre para representar mais que uma associação da natureza, a integração de laços afetivos e de bens humanos. É, pois uma instituição bastante antiga e muito importante para o desenvolvimento humano. Mas não se pode disso inferir que seria a família suficientemente forte para suportar o peso de ideologias sócio-políticas que não têm sua base em valores humanos e éticos consistentes. A evolução do mundo e da própria sociedade trouxeram mudanças para todos os níveis do desenvolvimento. Abriu-se mão de uma referência cujo modelo já não mais servia para a educação deste tempo, mas, ao que parece não se conseguiu colocar neste espaço outro modelo que fosse forte o suficiente para agregar as qualidades de ser, de viver e educar em tempos modernos. A História registra as mudanças, os cidadãos modernos da civilização ocidental, "produtos" da era industrial, científica e tecnológica, com tantos aparentes recursos a seu dispor, depara-se com um grande impasse e talvez desafio: como dar conta destas avassaladoras e rápidas alterações


colocadas pela modernidade sem o alicerce de princípios éticos seguros e fundamentais da vida humana? Onde buscar força para sustentação de novas e seguras bases de uma nova Ética que consiga viabilizar o desenvolvimento sem a perda da cultura, dos valores constituintes do ser e da própria identidade? Em que lugar social se pode educar/ensinar pela vivência se não na família? Como já foi dito, é na família o lugar que primeiro o sujeito pode apreender-se e aprender sobre o mundo. Não se pode seguir correndo o risco de mais perdas entre conflitos e embates morais, éticos, angústias e ansiedades de uma sociedade identificada com valores materiais, longe da crença e esperança que a espiritualidade promove dentro de cada um, na essência do ser humano. O não reconhecimento da capacidade de transcendência do homem, potencial tão esquecido enquanto via de marca e significância do sujeito no mundo, pode levar à desesperança, à tristeza profunda, ao vazio existencial e à depressão. Esta última, quase uma característica da existência do homem atual. E esta, ao que se percebe, é outra característica do homem moderno: vai à lua, realiza descobertas científicas e tecnológicas valiosíssimas para a saúde (ou doença) do homem, mas não aprendeu a lidar com seus próprios sentimentos, suas angústias e falibilidades. Ressignificar a família e seus valores institucionais, éticos e morais, sem ideologias sóciopolíticas comprometidas, demagógicas, com conceitos fragmentados e ou fragmentadores de uma vivência saudável, real, produtiva, digna e possivelmente feliz, eis um outro grande desafio de nosso tempo.

Bibliografia: BALANDIER, G. (1976). As dinâmicas sociais. São Paulo: DIFEL.

___________. A desordem. Elogio do movimento. Rio de Janeiro:Bertrand Brasil, 1997.


___________. Introdução à Esquizoanálise, Belo Horizonte:Biblioteca do Instituto Félix Guattari. 1998.

CABRAL, Claudia; ALVES, Eliana O; PASSOS, Aurilene: LADVOCAT, Cyntia; SODRÉ,Sonia Trabalho Social com Família- Terra dos Homens. 3 ed.2


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