Do luto ao (re)nascimento da esperança Robson Gonçalves1 O Brasil tem sentido de forma intensa as consequências climáticas causadas pelo fenômeno El Niño. Meteorologistas do Sistema Metroclima previam que os efeitos deste fenômeno climático, que começaram a ser sentidos no Estado do Rio Grande do sul desde o outono, tenderiam a se acentuar no inverno (CEIC, 2015). De fato, o Estado vem sofrendo com a forte incidência de chuvas e já existem estudos meteorológicos que indicam que temporais farão parte do cenário gaúcho até o final do ano. Os temporais registrados, sobretudo no mês de outubro, atingiram boa parte do Rio Grande do Sul, causando estragos significativos para a população. Porto Alegre, por sua vez, foi uma das cidades mais atingidas pelas enxurradas com estimativa aproximada de 12 mil habitantes prejudicados diretamente pelos estragos da chuva. A capital gaúcha registrou a maior cheia do Rio Guaíba desde 1941, fato que transformou a região das Ilhas em um verdadeiro cenário de catástrofe. Segundo dados da Defesa Cívil do município (ZERO HORA, 2015), cerca de 2 mil pessoas que vivem no bairro Arquipélago foram atingidas pela cheia do Guaíba. Podendo presenciar ruas sendo transformadas em córregos, mais do que móveis, 1
Visitador do Programa Primeira Infância Melhor, Porto Infância Alegre - Região Ilhas. Graduando de Psicologia – UFRGS.
eletrodomésticos e suas próprias casas, muitas famílias viram a água levar também sua esperança de uma vida mais digna. Diante dessa situação de desastre natural, a Prefeitura do Municipal de Porto Alegre (PMPA) tem mobilizado todos os seus serviços para atender as famílias atingidas da melhor forma possível. Assim, foi criado o GT Enchentes que é um Grupo de Trabalho composto por representantes do Poder Público Municipal com o propósito de desenvolver estratégias para enfrentar problemas gerados pelas chuvas, bem como pensar planos de ação no sentido de diminuir o máximo possível danos provocados pela provável ocorrência de novos temporais. A PMPA decretou situação de emergência que foi reconhecida pela esfera Federal devido ao resultado catastrófico provocado pelo vendaval e o aumento do nível das águas do Guaíba, que atingiu, sobretudo, as famílias em situação de vulnerabilidade na região das Ilhas. (PREFEITURA MUNICIPAL DE PORTO ALEGRE, 2015) Pelo menos 600 moradores de Porto Alegre ficaram desabrigados, destes cerca de 230 foram alojados no Ginásio Municipal Osmar Fortes Barcellos - o Ginásio Tesourinha. Há registros de pessoas que mesmo sem terem onde ficar, decidiram não deixar suas casas por medo de serem saqueadas (ZERO HORA, 2015). Devido a gravidade e a proporção da demanda, a rede de serviços municipal, representada pelas secretarias da PMPA, que já trabalhavam de forma articulada, se uniu ainda mais a fim de potencializar os serviços prestados. Esta mobilização também é evidente por parte da comunidade gaúcha, que em atos de solidariedade tem ajudado de forma intensa e acolhedora os principais prejudicados pelas chuvas. Muitas doações de roupas, materiais de higiene, limpeza e alimentos têm chegado ao local, além de grupos de voluntários que se disponibilizam a colaborar com prestação de servições tanto na região das Ilhas, quanto nos locais onde estão os abrigados. Como não poderia ser diferente, o Programa Primeira Infância Melhor - Porto Infância Alegre (PIM PIA) também está engajado nesta luta em prol das famílias desabrigadas. Devido ao fato de que no Ginásio Tesourinha estão abrigadas predominantemente famílias pertencentes a região das Ilhas, que é uma das regiões atualmente atendidas pelo PIM PIA, coordenadores, assessores e visitadores tem se mobilizado ativamente para promover ações junto àquelas famílias. A essa ação demos o nome de MUTIRÃO PIM PIA, onde desde o segundo dia de abrigamento destas famílias estávamos, representados pela Secretária Adjunta Municipal da
Educação e Coordenadora do PIM no município de Porto Alegre, Maria da Graça Paiva, desenvolvendo ações que vão ao encontro da promoção de processos de solidariedade, empatia e resiliência. Quase diariamente, os visitadores do PIM PIA, sobretudo os que atendem na Região Ilhas, estão se dirigindo ao Ginásio Tesourinha com o intuito de resgatar junto a essas famílias, gestantes, crianças e jovens a esperança de uma vida melhor. Através de momentos de escuta sensível e ativa, espaços de atividades lúdicas e contação de histórias, busca-se proporcionar a todas as pessoas e, especialmente, crianças abrigadas a possibilidade de uma (re)construção positiva de suas próprias histórias. Neste processo de intervenção do qual, enquanto visitador do PIM PIA, tenho participado, muitas questões têm emergido. É notável, com cada vez mais clareza e indubitabilidade, a importância de fazermos uma política pública que, como o PIM, respeita a cultura e a individualidade de cada sujeito (RAMIRES; SCHNEIDER, 2007). Durante esses dias de atuação com as crianças e famílias, agora ainda mais vulneráveis, certificamos o quanto é necessário que todas as ações sejam fundamentadas em processos de sensibilização. Muito mais do que necessidades materiais, estes sujeitos precisam que seus direitos sejam garantidos a partir de uma política de humanização. Diante de situações dramáticas como essas, é imprescindível que nossas ações sejam empáticas e voltadas ao fomento das potências de cada um. A água e o vento destruíram não só casas, mas também sonhos. Nossa aposta, no entanto, está na elaboração desses lutos e no resgate dos sonhos, da esperança, da vida. É de suma importância que o trabalho investido seja focado na humanização das ações e no acolhimento integral das infâncias. Acreditamos que cada uma das crianças desabrigadas pode ser - e é - protagonista de sua própria história. Em virtude disso, as incentivamos a contar-nos histórias. Histórias que, ainda que no mundo do faz-de-conta, permitem a essas crianças construir um mundo onde, mesmo em meio a dificuldades, sempre é tempo de recomeçar. (DE CONTI; MELO, 2013). Às vezes, sentir o vento soprar e ver a água cair faz parte da vida. Nosso papel está para além do barco ou do guarda-chuva, somos responsáveis por doar os sorrisos, os abraços e as palavras de ânimo, somente assim poderemos contemplar o (re)nascer das forças, dos sonhos e das canções.
Enquanto visitador do PIM PIA, participar deste momento tão duro para essas famílias foi um grande e potente desafio. Essa experiência pode agregar um conhecimento que está além dos muros da universidade e, inclusive, das muitas teorias que encontramos nos livros. Tenho para mim que momentos como estes, embora difíceis, podem ser significativos instrumentos para mudança de perspectiva de vida. Buscar aprendizado com a dor é fundamental para nos fortalecermos. Acredito ser estritamente necessária a reflexão sobre nossas próprias ações, principalmente considerando a função que ocupamos no contexto das famílias atendidas pelo Programa. Ao retomarmos os atendimentos domiciliares, será fundamental termos sensibilidade e empatia para compreender que estamos lidando com pessoas em processo de elaboração de lutos e superação de perdas. Incumbe-nos refletir sobre como fazer de nossas visitas semanais espaços potentes, onde as famílias possam falar de suas questões, tendo a certeza de que serão acolhidas. Talvez não seja o momento de realizarmos somente o que entendemos como a visita padrão preconizada pelo PIM, mas seja o instante de transformarmos nossa visita também em um espaço terapêutico. Compreendendo que ser terapêutico está para além de ter um consultório ou seguir determinadas teorias. Ser terapêutico é saber ouvir, acolher as demandas e ajudar a transformá-las em reflexões. Assim, ao mesmo tempo em que as famílias estão (re)construindo suas vidas, o PIM PIA estará (re)tomando suas atividades e ambos processos precisam andar em harmonia. Pode ser que instrumentos como nosso espaço de atendimento grupal demande ser transformado em um espaço semelhante ao de grupo de ajuda, onde as famílias possam encontrar forças a partir do apoio mútuo proporcionado por outros membros da comunidade, que fazem parte do Programa e que estejam passando por situações semelhantes. Por fim, cabe dizer que a ideia não é definir soluções a priori, mas estimular a reflexão sobre o nosso fazer diante de acontecimentos como estes para que a política pública que compomos esteja cada vez mais a serviço do bem estar e da qualidade de vida das famílias atendidas pelo Programa Primeira Infância Melhor, Porto Infância Alegre.
REFERÊNCIAS CENTRO INTEGRADO DE COMANDO. Notícias. Disponível em: http://www2.portoalegre.rs.gov.br/ceic/. Acesso em 23 de outubro de 2015. CORREIO DO POVO. El Niño mantém chuvaradas até o Natal no Estado. Disponível em: http://www.correiodopovo.com.br/Noticias/570216/El-Nino-mantemchuvaradas-ate-o-Natal-no-Estado. Acesso em 26 de outubro de 2015. DE CONTI, Luciane; MELO, Adriana Bezerra. A construção de espaços de narrativização em contextos de acolhimento institucional. In: CRUZ, Lilian Rodrigues da; RODRIGUES, Luciana; GUARESCHI, Neuza. (Org.). Interlocuções entre a Psicologia e a Política Nacional de Assistência Social. Santa Cruz do Sul: EDUNISC, 2013. PREFEITURA MUNICIPAL DE PORTO ALEGRE. Notícias. Disponível em: http://www2.portoalegre.rs.gov.br/portal_pmpa_novo/. Acesso em 26 de outubro de 2015. RAMIRES, Vera Regina; SCHNEIDER, Alessandra. Primeira Infância Melhor: uma inovação em política pública. Brasília: UNESCO, Secretaria de Saúde do Estado do Rio Grande do Sul, 2007. ZERO HORA. Cheia atinge 2 mil pessoas nas ilhas de Porto Alegre. Disponível em: http://zh.clicrbs.com.br/rs/porto-alegre/noticia/2015/10/cheia-atinge-2-mil-pessoasnas-ilhas-de-porto-alegre-4875129.html. Acesso em 23 de outubro de 2015.