Revista 4

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CARTAS Quero agradecer a menção sobre o Sabão Ecológico do Instituto Ação Triângulo na edição número 3. Gostei muito de outras matérias, como Planeta Soja. Se possível, gostaria de continuar recebendo sua publicação por correspondência.

SUMÁRIO 10 | POR EXEMPLO Aprender RSE | Você é um Cultural Creative? | Balanço Social

22 | OPINIÃO

Felipe Rifa, da ONG Ação Triângulo www.triangulo.org.br

Crédito responsável na visão do consumidor

Felipe, Obrigada por sua carta. Estaremos encaminhando as proximas edições

Jovens no trabalho | Desafio da Ásia | Trabalho Escravo

Gostaria de agradecer o recebimento da número 3. Quero fazer uma ressalva sobre o texto de abertura do Ensaio Fotográfico. O nome correto do documento da ONU é Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência. A recomendação é evitar a palavra “portador”. Nem sempre se consegue, já que o termo ainda é muito usado pela mídia por conta da Lei 8213/91 e o Decreto 3298/99. Quanto à Convenção da ONU, ela teve seu texto aprovado pelo Comitê Especial, porém ainda precisa ser validada na Assembléia Geral da ONU e ratificada pelos países apoiadores. Tatiana Wittmann Consultoria em Responsabilidade Corporativa do Serviço Social da Indústria - SESI/SC

24 | MUNDO DO TRABALHO

38 | RESPONSABILIDADE SOCIAL Soja responsável: Fórum Global precisa de definições de critérios

48 | INCLUIR Produtos orgânicos em prol da saúde e do ambiente | ONG Ecovida

54 | AMBIENTE Greenpeace alerta para aquecimento global e o desequílibrio que proporciona

Tatiana, Sugestões assim sempre são bem-vindas e a sua carta foi nosso estímulo para inaugurarmos esta seção de cartas.

58 | AGENDA GLOBAL Parabenizo a equipe pela excelente publicação que editam. Tive conhecimento da revista Primeiro Plano por intermédio de um antropológo e fotógrafo (Philipi Bandeira) na Aldeia Indígena Tremembé de Almofala, distante 261 quilômetros de Fortaleza (CE). (...) A Revista se adequa ao trabalho que estamos realizando na aldeia. Temos ações com as etnias (são 12) no Estado do Ceará. Everthon Damasceno gestor social

Direito à alimentação no mundo | Fome em vários países | Gincana do Milênio

62 | ENTREVISTA Diretor do Instituto Gerdau, José Paulo Martins, fala da RSE na empresa

66 | SOLUÇÕES Tomate cultivado | Software Anti-L.E.R | Biodigestor caseiro | Lâmpada eficiente

ERRAMOS (CAFEZINHO COM CAUSA, edição 3, p. 64) Ao contrário do que afirmamos, o IBD (Instituto Biodinâmico) não é a única certificadora de produtos orgânicos que possui reconhecimento internacional. Várias entidades que atuam ou têm filiais aqui no país certificam diversos produtos agrícolas, entre eles o café, para o mercado internacional. Destacam-se, além do IBD, a CONTROLUNION (antiga Skal) da Holanda, BCS da Alemanha, IMO da Suíça, ECOCERT da França, OIA (Argentina) e FVO e ICS dos EUA. A Imaflora não certifica orgânicos, mas tem parceria com o IBD e faz certificação sócio-ambiental com o selo FSC (Forest Stewardship Council).

68 | MONITOR Spread bancário brasileiro é um dos mais altos do mundo

70 | HUMOR Café brasileiro vai até os EUA e volta para ser vendido em rede de franquia


APRESENTAÇÃO

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SUPERMERCADOS As redes det0êm posição privilegiada na cadeia. É possível fazer mais em RSE

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MULTINACIONAIS Diretrizes da OCDE precisam avançar dentro das empresas

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EMBRACO Como implementar RSE respeitando a cultura de cada país?

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ENSAIO FOTOGRÁFICO Salve as Águas do Xingu. Uma campanha em prol da Amazônia

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VESTUÁRIO RESPONSÁVEL Rastreamento desde o plantio do algodão. Bom exemplo da Holanda

O

varejo é o elo de ligação entre a produção e o consumo, talvez por isso torne-se tão importante e igualmente partícipe na oferta de bens de uso diário da população. Especificamente os supermercados, alvos da matéria de capa desta edição, são atores da responsabilidade social ao colocarem produtos nas prateleiras. Se todos os elos da cadeia de valor precisam estar atentos às formas de garantir a sustentabilidade do planeta, nada mais justo que encontrarmos nos supermercados opções de produtos atentos a estas questões ou, ao menos, explicações transparentes sobre o que estamos levando pra casa. É preciso, também, que eles desenvolvam ações para atender questões em relação aos colaboradores, aos pequenos produtores e à preservação ambiental. Ao escolhermos as maiores redes presentes no país, tentamos mostrar as possibilidades de ações que estão em andamento e indicar como médios e pequenos também podem atuar com responsabilidade. Em outra reportagem, destacamos a situação atual das Diretrizes da OCDE, um pacto firmado entre 39 países para fazer cumprir normas de responsabilidade social nas multinacionais e que tem caráter voluntário, tratando de diversos assuntos como meio ambiente, trabalho, corrupção, direito dos consumidores, entre outros. Temos também reportagens especiais produzidas por algumas ONGs, como o ensaio fotográfico sobre as águas do Xingu, a matéria do Greenpeace sobre aquecimento global e da ActionAid sobre a fome no mundo . As seções e a participação de articulistas completam a variedade de informações e pontos de vista que queremos fazer chegar até você. Estamos satisfeitos em chegar ao quarto número da Revista com a repercussão obtida entre vários públicos e finalizamos o ano de 2006 com a meta cumprida de oferecer material de qualidade. O site da Revista na internet mas vai ganhar mais dinamismo e conteúdo a partir de 2007, quando estaremos completando nosso planejamento em prol da difusão da RSE e desenvolvimento sustentável.

EXPEDIENTE Diretor: Odilon Luís Faccio Edição: Maria José H. Coelho (Mte/Pr930) e Sara Caprario (MTe/Sc 625-JP) Redação: Sandra Werle (MTe/Sc 515-JP) e Sara Caprario (MTe/ Sc 625-JP) Revisão: Dauro Veras (MTb/Sc471-JP) Edição de Arte: Maria José H. Coelho e Sandra Werle Arte: Frank Maia Fotografia: Sérgio Vignes Colaboradores: Celso Marcatto, Fábio Rocha, Larissa Barros, Marilena Lazzarini, Michelle Lopes, Oded Grajew, Odilon Luís Faccio, Patrícia Audi, Pieter Sijbrandij e Ronaldo Baltar Distribuição: Luciano Marcondes Impressão: Gráfica Pallotti

Parceiros Institucionais Banco do Estado de Santa Catarina (BESC) Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese) Eletrosul Centrais Elétricas S.A. Fundação Vale do Rio Doce (FVRD) Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (Imaflora) Instituto Observatório Social Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social Rede de Tecnologia Social (RTS)

Visconde de Ouro Preto, 308 Térreo - Centro – Florianópolis (SC) 88020-040 Tel: + 55 (48) 3025-3949 www.primeiroplano.org.br E-mail: contato@primeiroplano.org.br

Os artigos e reportagens assinados não representam, necessariamente, o ponto de vista das organizações parceiras e da revista Primeiro Plano. A divulgação do material publicado é permitida (e incentivada), desde que citada a fonte.


por exemplo

O planeta em movimento

Onde se ensina RSE no Brasil DEFENSIVOS RESPONSÁVEIS

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A Fersol, que desenvolve e produz cerca de 80 produtos químicos nos segmentos de defensivos agrícolas (fitossanitário), dedetizantes (domissanitário), saúde pública e veterinária, localizada no interior de São Paulo, transformou a implantação das políticas de responsabilidade social empresarial (RSE) em uma experiência de superação dos conceitos em relação às expectativas de crescimento e lucratividade. A direção destaca alguns pontos importantes como a satisfação dos clientes, a qualidade dos produtos, o cumprimento da legislação, a conservação ambiental, a redução sustentável do uso de recursos naturais e a permanente capacitação dos colaboradores. ‘Nos esforçamos para superar os limites comuns da RSE, por acreditar que uma estratégia de desenvolvimento não pode ter como motivo principal a receita ou a promoção da empresa’, ressalta o presidente da empresa, Michael Haradom. www.fersol.com.br

Sem espaço na graduação, o tema está presente em cursos de especialização e mestrado

100 professores, no mínimo, já foram cadastrados pelo Instituto Ethos com orientações de trabalhos sobre Responsabilidade Social Empresarial, ou participações em eventos sobre o tema nas universidades do país.

U

m levantamento feito pela UniEthos - Educação para a Responsabilidade Social e o Desenvolvimento Sustentável, instituição sem fins lucrativos voltada à pesquisa, produção de conhecimento,

instrumentalização e capacitação para o meio empresarial e acadêmico nos temas da Responsabilidade Social Empresarial (RSE) e Desenvolvimento Sustentável (DS), revela que não há curso de graduação específico sobre RSE. No entanto, segundo Gustavo Baraldi, da área de Relações Acadêmicas da UniEthos, várias universidades oferecem disciplinas optativas ou até regulares sobre o tema, como por exemplo em São Paulo a Fundação Getulio Vargas, a Universidade Anhembi-Morumbi para o curso de administração e a Escola Superior de Propaganda e Marketing, no curso de Comunicação Social dentre outras. Há ainda um grande número de professores que abordam a temática da RSE nas mais diversas disciplinas, cursos e faculdades. No caso dos cursos de pósgraduação, Gustavo afirma que é mais fácil de se mensurar. O levantamento completo está no site www.uniethos.org.br/universitario, clicando em Centro de Apoio à Pesquisa e depois em cursos.


CURSO

INSTITUIÇÃO CIDADE

INFORMAÇÕES

ESPECIALIZAÇÃO Especialização em Educação Ambiental e Responsabilidade Social

Instituto Gênesis/ Faculdades JK

Palmas-TO

www.faculdadejk.com.br

Especialização em Educação Ambiental e Responsabilidade Social

Instituto Científico de Ensino Superior e Pesquisa – UniCesp

Brasília-DF

www.unicesp.edu.br

Especialização em Gestão da Responsabilidade Social

Centro Universitário Feevale

Novo Hamburgo-RS

www.feevale.br

Especialização em Gestão de Iniciativas Sociais com ênfase em Responsabilidade Social Empresarial

Universidade Corporativa do Sesi – Unisesi

Rio de Janeiro-RJ

www.unisesi.org.br

Gestão da Sustentabilidade e Responsabilidade Corporativa

Universidade Estadual de Campinas – Unicamp

Campinas-SP

www.eco.unicamp.br

Responsabilidade Social: Gestão de Projetos Multissetoriais para o Desenvolvimento Sustentável

Faculdade Integrada do Ceará – FIC

Fortaleza-CE

www2.fic.br

Mestrado Profissional Multidisciplinar em Desenv. Humano e Responsabilidade Social

Fundação Visconde de Cairu – FVC

Salvador – BA

www.fvc.br

Mestrado Profissional em Adm. - Gestão Pública, Terceiro Setor e Responsabilidade Social

Universidade do Estado de Santa Catarina --– Udesc

Florianópolis - SC

www.esag.udesc.br

Mestrado em Responsabilidade Social e Sustentabilidade

Universidade Federal Fluminense

Rio de Janeiro - RJ

www.uff.br

MESTRADO

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por exemplo Cultural Creatives, você é um deles?

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O conceito já tem mais de uma década mas ganhou força neste século, quando foi lançado o livro The Cultural Creatives: How 50 million people are changing the world (Os Criativos Culturais: Como 50 milhões de pessoas estão mudando o mundo) dos estudiosos norte-americanos Paul H. Ray e Sherry Ruth Anderson. Uma pesquisa realizada durante 13 anos identificou as características dos chamados Cultural Creatives (CC), pessoas que possuem valores comuns ligados às áreas de ecologia, consciência planetária, responsabilidade social, autenticidade e crescimento espiritual, entre outros.Estima-se que sejam 50 milhões nos Estados Unidos e entre 80 e 90 milhões na Europa, sendo que o número cresce de 1% a 2% ao ano. A renda destas pessoas chega a US$ 1,2 trilhão e impulsiona o mercado de estilo de vida saudável e sustentabilidade, que abrange US$ 800 bilhões por ano. Segundo o livro, há mais ou menos 50 anos as pessoas eram divididas entre 50% tradicionais e 50% modernos. Hoje os americanos dividem-se em 24% tradicionais, 50% modernos e 26% Cultural Creatives. Entre outras características, estas pessoas possuem gosto pela alimentação saudável e têm hábitos de leitura de jornais e revistas diferenciadas, além de consumo de alimentos orgânicos e naturais, medicina holística e alternativa, investimentos socialmente responsáveis, educação, arte e cultura, personalização das casas, psicoterapia e meditação. No Brasil não há levantamento específico, mas o conceito tem tudo para pegar. Você é um deles? Faça o teste.

TESTE ESTA LISTA PODE DAR UMA IDÉIA SE VOCÊ SE

ENCAIXA NO PERFIL DE UM CULTURAL CREATIVE.

É PROVÁVEL QUE VOCÊ SEJA UM(A) CUL TURAL CREA TIVE SE… CULTURAL CREATIVE

SN SN

Ama a natureza e fica preocupado(a) com a sua destruição.

SN

Pagaria mais impostos ou pagaria mais por bens de consumo se tivesse certeza que o dinheiro seria utilizado para preservar o meio ambiente e parar o aquecimento global.

SN

Acredita que é importante desenvolver e manter seus relacionamentos.

SN

Valoriza ajudar outras pessoas e é voluntário(a) em uma ou mais causas humanitárias.

SN SN

Importa-se com o desenvolvimento psicológico e espiritual.

SN

Quer mais igualdade para mulheres no trabalho, e mais líderes mulheres nas empresas e na política.

SN

Preocupa-se com a violência e o abuso contra mulheres e crianças no mundo.

SN

Gostaria que o governo desse ênfase na educação e bem-estar das crianças, na promoção da vida comunitária e em criar um futuro ecologicamente sustentável.

SN

Não está contente com a esquerda e a direita na política, e gostaria de encontrar novas maneiras de participação.

SN

Procura ser otimista sobre o futuro, e desconfia da visão cínica e pessimista que é dada pelos meios de comunicação.

SN

Gostaria de participar na criação de um novo e melhor estilo de vida no país.

SN

Fica preocupado(a) com a atuação das grandes corporações que, em busca de maiores lucros, criam problemas socioambientais e exploram países mais pobres.

SN SN

Tem suas finanças e despesas sob controle.

SN

Gosta de conhecer lugares e culturas exóticas e diferentes, e de experimentar outros estilos de vida.

Está consciente dos problemas do planeta (aquecimento global, destruição das florestas etc.) e quer ver mais ação, como limitar o crescimento econômico.

Vê a espiritualidade ou a religião como algo importante em sua vida, mas fica preocupado(a) sobre o papel da direita religiosa na política.

Discorda da ênfase na cultura moderna dada ao consumo supérfluo e desenfreado.

SE CONCORDOU COM 10 (OU +) QUESTÕES, VOCÊ É UM(A) CUL TURAL CREA TIVE CULTURAL CREATIVE


DIVULGAÇÃO

Balanço Social: instrumento de gestão

FÁBIO ROCHA Mestrando em Responsabilidade Social e Sustentabilidade pela Universidade Federal Fluminense, sóciodiretor da Damicos Consultoria e Negócios.

Dentro desta maravilhosa “febre” da responsabilidade social empresarial encontrase um elemento em destaque: o Balanço Social. Só que mais uma vez, as empresas, com algumas raras exceções, preocupam-se em apenas atender o pré-requisito de ter ou publicar um Balanço das suas ações sociais e não entendê-lo como um instrumento de gestão ou uma ferramenta que poderá possibilitar o aperfeiçoamento do seu programa de responsabilidade social. Temos hoje no mercado um número razoável de Balanços Sociais publicados, se pensarmos no universo das grandes empresas, principalmente das regiões Sudeste e Sul. O que devemos nos perguntar é se realmente estes documentos são efetivamente Balanços Sociais. Temos obras de arte, peças de marketing, relatório de atividades, documentos publicitários e /ou jornalísticos, informativos de ações sociais realizadas pela empresa nas comunidades, mas raramente encontramos Balanços Sociais. Balanços Sociais são instrumentos que configurem o levantamento de uma situação (impacto social das atividades da empresa), que representem a possibilidade de verificação ou resumo de determinadas ações (indicadores, credibilidade) ou o registro da empresa, em um dado momento, indicando as ações sociais, sua finalidade, sua relação com o negócio da empresa e os recursos aplicados. Outro grave problema é a falta de entendimento do conceito de responsabilidade social, gerando um Balanço Social restrito às ações sociais da empresa na comunidade (ações externas), deixando de apresentar elementos importantes como o modelo de gestão do programa de responsabilidade social e ações voltadas para os demais stakeholders (acionistas, público interno, clientes, fornecedores, entre outros). Uma preocupação também é importante é evitar que o Balanço Social seja um mero relato de ações e programas, não demonstrando a forma de gestão e os canais de relacionamento da empresa com todos os públicos interessados ou partes envolvidas (stakeholders), além das possibilidades de avaliação destes relacionamentos e das possibilidades de melhoria. Basta lembrar que responsabilidade social é uma forma de gestão e não apenas a realização de ações, projetos e/ou programas. Outro grande problema é imaginar que o Balanço Social é apenas um documento e não um processo de diagnóstico, planejamento e avaliação do programa de responsabilidade social da empresa. Isto significa que o que faz diferença não é produzir ou publicar o Balanço, mas sim a forma de construí-lo e utilizá-lo como instrumento de gestão. A formação de um comitê de elaboração do Balanço Social, a capacitação deste comitê, a sistematização das origens dos dados, a precisão dos indicadores e a execução de um plano de comunicação são também elementos que tornam esta ferramenta mais consistente e sólida. Portanto, o verdadeiro Balanço Social não deve ser uma “colcha de retalhos” e sim uma possibilidade de diálogo, uma diretriz, uma memória estatística, enfim, um instrumento de gestão. Devemos ressaltar que poderemos em breve ter a obrigatoriedade desta publicação no Brasil, o que já acontece em países como a França (desde 1977), Alemanha, Holanda, Bélgica, Espanha, Inglaterra e Portugal. Fazer e publicar o Balanço Social é mudar a visão tradicional de gestão de negócios para uma visão em que se entende que lucro e responsabilidade social andam juntos, preocupando-se com a satisfação de sua força de trabalho e com o ambiente externo. O mercado será o grande auditor das empresas.

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ELO RESPONSÁVEL Sara Caprario*

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Entrar, comprar e sair de um supermercado é uma rotina comum entre os consumidores. Tão comum que muitas vezes estes locais transformam-se até em ponto de encontro. É ali que o consumidor estabelece sua relação com o produtor ao adquirir grande parte dos itens de uso diário. Por ser um elo crucial da cadeia de valor, onde termina a produção e inicia o consumo, as redes de varejo conseguem expressar rapidamente as mudanças de hábito das pessoas. Estudos indicam que os consumidores estão mais exigentes na hora da compra e avaliam, além dos critérios de preço e qualidade, as práticas em relação às condições sociais e ambientais.

*Com a colaboração de Pieter Sijbrandij


U

ma pesquisa realizada pela empresa Indicator GFK e interpretada pelo Instituto Akatu – Pelo Consumo Consciente – mostra a evolução da percepção do consumidor em relação ao papel das empresas. Em 2000, 41% dos consumidores entendiam que as empresas devem se concentrar na geração de lucro e emprego e 35% queriam ver isso de forma ética ajudando a construir uma sociedade melhor. Em 2004 os valores se inverteram, 35% acredita que é preciso gerar lucro, mas 44% acha que fazer tudo isso precisa ser feito de modo a estabelecer padrões éticos. Este setor do varejo reage a estas demandas e desenvolve cada vez mais estratégias que levam em conta o tema responsabilidade social, apesar de, na maioria dos casos, pequenas e médias empresas consideram o assunto restrito às ações sociais. As grandes redes já incluem a RSE no planejamento estratégico, o que pode contribuir na implantação de políticas de valorização de trabalhadores, de diversificação de fornecedores e atenção aos pequenos produtores ou produtores locais. Segundo pesquisa da Associação Brasileira de Supermercados (Abras), 52% das redes de supermercados realizaram ações de responsabilidade social em 2005. Para retratar um pouco da situação atual, a Revista Primeiro Plano apresenta nesta reportagem as entrevistas às duas maiores redes de supermercados presentes no Brasil – Pão-de-Açúcar e Wal-Mart. A rede Carrefour também foi procurada mas não respondeu em dois meses de tentativas. Esta matéria apresenta quatro macro questões relacionadas à responsabilidade social: meio ambiente, saúde alimentar, fornecedores e trabalhadores. Cada um destes temas desdobra-se em outros, como vemos a seguir. IMPLANTAÇÃO DA RSE O aprimoramento das práticas de responsabilidade social é uma realidade no comércio varejista. A coordenadora técnica do programa Responsabilidade Social no Varejo da Fundação Getúlio Vargas (FGV/SP), Roberta Cardoso, diz que não há dados consolidados sobre isso, mas que os cursos a respeito do tema são cada vez mais procurados. “Fornecemos conteúdo genérico sobre as questões de RSE para os varejistas e ainda sentimos que há surpresa quando falamos que iniciativas como atenção ao público interno fazem parte da RSE”, diz ela.

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SUPERRESPONSÁVEL

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Para o gerente da Fundação Abras, Marcos Manéa, o assunto tem evoluído dentro dos planos estratégicos das empresas, o que revela real efetividade de uma política de RSE. “Os consumidores aumentam as exigências e os supermercados atendem esta necessidade, além de perceberem o tema como fator de fixação da marca no mercado”, diz Manéa. Na maior rede varejista do país, o Grupo Pão de Açúcar com 556 lojas, há mais ou menos uma década foram sendo profissionalizadas as ações, planejadas com mais cuidado e transformadas em atividades que podem servir para todo o Grupo. “Atualmente um grande avanço é que não temos mais a barreira de convencimento da importância destas iniciativas, isto já foi superado em nível de diretoria e gerencial”, diz Sônia Manastan, gerente de marketing institucional do Grupo. No Wal-Mart, maior rede varejista do planeta e há 11 anos no Brasil com 296 lojas, a adoção de novas práticas de gestão foram intensificadas há uns três anos, incluindo a responsabilidade social como ferramenta para garantir um modelo de negócio sustentável. Em 2005 foi lançado um Relatório Social que resume as ações concretizadas, como a criação do Instituto Wal-Mart, que trabalha mais na área social e em especial no desenvolvimento das comunidades carentes que ficam no entorno das lojas. O presidente do WalMart Brasil, Vicente Trius, diz que o Instituto considera os mesmos valores que pautam a empresa até hoje, ou seja, “o respeito ao indivíduo, a transparência das ações, a crença na transformação social e o respeito à diversidade cultural, de gênero e de raça”. MEIO AMBIENTE

A pergunta que se faz nesta questão é até que ponto o supermercado é co-responsável pela destinação das sobras dos produtos que vendem. Isso porque grande parte das redes trabalham com os temas de redução de embalagens, reciclagem interna e os pro-

CONCENTRAÇÃO Faturamento anual dos cinco primeiros supermercados do ranking brasileiro: R$ 43 bilhões, ou seja, 40% do total das 500 empresas pesquisadas. O índice ainda é menor do que os níveis de concentração do segmento de supermercados na Inglaterra, Alemanha e França, onde o percentual é maior do que 50%, mas já foi bem menor. Há dez anos, era de 26% e, desde 2000, mantém-se nesse patamar. gramas de diminuição do consumo de energia. Tudo isso gera redução de custos, ou seja, há um estímulo econômico. São ações importantes, mas hoje existe uma preocupação crescente em relação à responsabilidade da porta para fora. Isto é, o pós-consumo está no planejamento das ações? No Wal-Mart a palavra sustentabilidade tem sido usada com muito mais freqüência desde que a matriz, no Arkansas (EUA), lançou metas audaciosas em 2005, como reduzir em 30% o gasto de energia nas lojas e reduzir os resíduos sólidos nas lojas dos Estados Unidos em 25%. Na destinação dos restos consumidos, a rede WalMart tem algumas lojas e escritórios que fazem coleta seletiva, com programas de reciclagem e investimento em cooperativas de catadores que otimizam o reaproveitamento dos resíduos sólidos. No escritório central do WalMart Brasil, em Barueri (SP), a coleta foi implantada em parceria com o Instituto Recicle, que ensina as formas de separação. As embalagens são um dos temas em estudo dentro da política de

sustentabilidade e estão sendo revistos o tamanho e quantidade de material utilizado nas embalagens de marca própria. A direção da rede também está conversando com parceiros da indústria para reduzir o impacto na hora do transporte e do descarte. O grupo que avaliou o impacto ambiental do Wal-Mart em níveis mundiais detectou desperdícios que passaram a ser checados com mais rigor. Na marca própria de brinquedos, por exemplo, eliminou-se embalagens excessivas que podem economizar anualmente R$ 2,4 milhões no custo do frete, 3,8 mil árvores e um milhão de barris de petróleo. Segundo a gerente de marketing do Pão de Açucar, informar os consumidores da importância de reciclar o lixo e oferecer estações para separação de materiais secos foi uma das primeiras ações. Estas estações estão presentes em torno de 8% das lojas. “Fizemos uma parceria com a Unilever há cinco anos. Hoje temos mais de 50 estações montadas, mas ainda não é possível ter em todas as lojas por conta do problema de espaço de armazenagem e da própria logística de recolhimento”, diz a gerente. As várias marcas do Grupo – Pão de Açúcar, CompreBem, Barateiro, Sendas e Extra – foram contempladas e mantêm convênios com cooperativas de reciclagem. Outra questão é a utilização das embalagens, já que é possível diminuir o uso de matérias não-recicláveis, como o isopor, ou mesmo ter opções de embalagens biodegradáveis. “Nós constatamos que as empresas multinacionais já possuem uma visão quanto ao tipo de material utilizado e às possibilidades de reciclá-las”, comenta Sônia, que completa: “O nosso trabalho dentro de casa tem sido cuidar dos produtos embalados pela própria empresa, como frios e pães. O isopor ainda não foi substituído totalmente, apesar de já termos feito pesquisa com outros tipos de matéria-prima, como uma bandeja feita de amido, mas que se desmanchava ao ser colocada sob refrige-


SAÚDE ALIMENTAR

O papel que os alimentos têm na saúde das pessoas é fundamental e os supermercados, na maioria por força da lei e pela própria competitividade do mercado, atendem a demanda dos consumidores por produtos que contenham as informações nutricionais na embalagem e produtos orgânicos. A pergunta é se existe o estímulo ao consumo de produtos mais saudáveis. A gerente de marketing do Grupo Pão de Açúcar diz que a entrada de produtos orgânicos nas lojas foi uma atitude pioneira no país há mais de dez anos e hoje estimulam o consumo ao colocar gôndolas atrativas e uma variedade de produtos. “Na rede Compre Bem, mais popular, sentimos que a saída destes produtos é menor, em decorrência da diferença de preços. Mas nas outras redes do grupo (Extra, Pão de Açúcar e Sendas) as vendas têm aumentado bastante e a exigência do consumidor nos faz buscar sempre mais alternativas”. Em relação à venda de transgênicos ela não sabe responder: “Não tenho conhecimento se vendemos transgênicos ou não, até mesmo porque a questão da rotulagem não ficou definida. Sei que a empresa deve tomar uma decisão quanto a isso depois da regulamentação desta questão”. O Carrefour compromete-se em documento assinado junto com outras redes a não vender produtos transgênicos.

As lojas do Grupo possuem um projeto que tenta mostrar ao consumidor que uma alimentação saudável é fundamental para a qualidade de vida e o bem- estar. “Temos uma cozinha itinerante, onde fornecemos cursos com receitas simples, em especial destinadas ao consumidor de baixa renda que geralmente opta em comprar o que é mais barato e acaba comendo as mesmas coisas, e na maioria das vezes frituras e alimentos mais gordurosos”, conta Sônia. Ela exemplifica: “Claro que uma vez ou outra comer lingüiça, num churrasco, é um prazer. O que queremos transmitir é a importância do equilíbrio. Vendemos óleo de soja, por exemplo, porque há consumo, mas ensinamos que é possível fazer um suflê de cenoura simples ao invés de apenas ovo frito”. A cruzada global a favor da sustentabilidade iniciada na rede WalMart em reuniões em 2004 inclui a escolha de fornecedores ou a pressão sobre os já contratados para que também se tornem mais “verdes”. Em fevereiro deste ano, por exemplo, a rede anunciou que nos próximos cinco anos vai comprar frutos do mar pescados de forma responsável por empresas certificadas pela organização Marine Stewardship Council (MSC). Boa parte do café vendido nas lojas apresentam o selo da Rainforest Alliance (FSC), que se refere principalmente a uma produção ambientalmente responsável. Em apenas um ano depois de apresen-

tar metas de cuidados ambientais, a empresa tornou-se o maior revendedor de leite orgânico e o maior comprador de algodão orgânico do mundo. FORNECEDORES

A pressão por preços baixos em parte é passada para os fornecedores e às vezes provoca tentações em produzir abaixo do “socialmente responsável” para garantir rentabilidade. A questão levantada é como encontrar o equilíbrio entre encontrar fornecedores competitivos e ao mesmo tempo ter a garantia que eles produzam de maneira responsável. As claúsulas contratuais, os códigos de fornecedores e as auditorias são cada vez mais ferramentas implementadas para zelar em relação aos produtos apresentados na prateleira. No Grupo Pão de Açúcar os contratos com fornecedores são feitos de maneira a evitar empresas que utilizem trabalho escravo, infantil, ou exploração de mão de obra de maneira geral. “Temos bastante cuidado com os fornecedores e por isso são feitas exigências contratuais. Claro que podemos ter casos de fraude ou de omissão das empresas, mas se for descoberto imediatamente é quebrado o contrato”, conta a gerente de marketing. Ela diz que são feitas auditorias em especial nos fornecedores de produtos perecíveis - frutas, verduras, legumes, carnes e frios em geral - para checar processos de fabricação. Os pro1º Pão de Açúcar 2º Carrefour 3º Wal-Mart

OS DEZ MAIS EM FATURAMENTO

ração. Em alguns itens continuamos usando plástico, que apesar de não se decompor pode ser reciclado”. Mas no caso das sacolas na saída do caixa, a rede Pão de Açúcar é um bom exemplo. Além de oferecer sacolas de papelão em toda a rede, uma das lojas de São Paulo está conduzindo uma experiência inédita na área de embalagens. Num projeto piloto a loja passou a testar sacolas biodegradáveis, que se decompõem em um período médio de 90 dias. Com tecnologia inglesa D2WTM, a empresa planeja propor ao setor industrial brasileiro a produção em grande escala das sacolas.

4º Cia. Zaffari (RS) 5º G. Barbosa (SE) 6º DMA Distribuidora (MG) 7º Irmãos Bretas (MG) 8º COOP (SP) 9º Angeloni (SC) 10º Prezunic (RJ) Fonte:Associação Brasileira de Supermercados (Abras)

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SUPERRESPONSÁVEL no programa permanente de apoio à produção, qualificação comercialização de produto perecíveis, principalmente de pequenos e médios produtores. Naquele estado estão cadastrados 90 fornecedores que representam 350 famílias de produtores beneficiadas, já que o supermercado faz a compra direta do produtor que possui garantia de origem e qualidade. No Carrefour também são realizadas auditorias, mas a divulgação restringe-se a 75 auditorias em três países – Índia, China e Bangladesh – segundo o Relatório de Sustentabilidade Internacional.

NÚMEROS - Os investimentos das redes de supermercados cresceram 85,1% entre 2004 e 2005, evolução que deve ficar em 63% neste ano. - O número total de lojas aumentou 1,3% no período, para 72.884 unidades. - O quadro de funcionários cresceu 1,6%, totalizando 800.922 trabalhadores. - As lojas de 250 metros quadrados representam 45,6% do total em operação no País. Isso já tinha ocorrido em 2004, quando a participação de lojas com esse perfil atingiu 42%.

FOTOS:SÉRGIO VIGNES

TRABALHADORES

Na rede Wal-Mart os funcionários são chamados de associados. Hoje são mais de 50 mil no Brasil. Eles contam com benefícios comuns na maioria das empresas, mas o Relatório Social destaca que além disso as possibilidades de carreira são muitas. Cerca de 80% das pessoas que assumiram posições de liderança no último ano são associados que começaram trabalhando em cargos operacionais. Há um Programa de Diversidade dentro da empresa que tenta estimular o potencial de todos os indivíduos, ou seja, oportunidades iguais independente de gênero, cor ou crença. Os associados com deficiência podem atuar em todas as áreas e assumir qualquer nível hierárquico. Há também o Programa de Valorização da Mulher, que prevê a participação igualitária da mulher nas políticas salariais e crescimento de carreira. Isso depois que uma das maiores ações judiciais nesta área, em 2001, reuniu 1,6 milhão de funcionárias e ex-funcionárias alegando que o Wal-Mart favorecia os homens quanto a salários e promoções. A empresa participa dos programas Primeiro Emprego e de Aprendizagem, oferecendo vagas para jovens entre 14 e 24 anos que estejam em cursos técnicos e sem experiência profissional. A contratação de pessoas da terceira idade tem como exemplo a equi-

INO VAÇÕES INOV

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dutos de marca própria são ainda mais verificados. “As exigências para que uma empresa forneça produto que terá a marca Pão de Açúcar ou Extra são enormes, incluindo além de certificações de qualidade, certificações especiais de acordo com o tipo de produto”, comenta. Há cerca de oito anos a empresa começou a cuidar mais das questões de RSE em relação aos fornecedores e passar isso para os consumidores. O selo Abrinq, de empresas que não exploram e atuam contra o trabalho infantil, é uma forma já reconhecida pelos consumidores e isso também existe em diversos outros setores. “Sentimos que a exigência está cada vez maior em relação à compra de produtos que apresentam cuidados sociais e ambientais desde a produção até a apresentação”, afirma Sônia. O Wal- Mart vai um pouco além. O Código de Fornecedores prevê fiscalização e realiza auditorias com todos os fornecedores de sua marca própria e os resultados são divulgados ao público, o que é um grande avanço. Em um grande número de fornecedores em áreas consideradas vulneráveis para práticas não desejáveis, como vestuário e brinquedos, os resultados mostram que há um grande caminho a percorrer. Mais da metade (52,3%) dos fornecedores foram classificados como alto risco de violação das regras do código. O relatório da empresa diz que são mais de 7.200 fábricas auditadas, chegando a 13.600 auditorias. Na relação com parceiros há ainda uma preocupação com a valorização do local onde a loja está instalada e a entrada de pequenos fornecedores nas grandes redes. No Wal-Mart Brasil foi instituído um planejamento específico para garantir que nos 17 estados onde possui lojas haja uma busca de produtos regionais. São 25 escritórios de compras regionais e a empresa divulga que possui mais de 5 mil fornecedores no país, sendo que destes cerca de mil são regionais, presentes em todos os Estados onde há lojas do Wal-Mart Brasil. No Paraná o bom exemplo está

Etiqueta nutricional: exemplo inglês

Ciente de um crescente problema com a obesidade, o governo da Inglaterra intensificou sua preocupação com a saúde alimentar da sua população. Embora as etiquetas forneçam informação nutricional, os consumidores pouco utilizam estes dados-muito complexos- para fazer uma escolha consciente. Por isso os britânicos desenvolveram um sistema baseado no “sinal de trânsito”. O produto é avaliado pela entidade governamental de padrões de alimentação sob os aspectos: gorduras, gorduras saturadas, açúcar e sal. A cor vermelha indica “excesso” e a verde que “dentro dos padrões”. A rede de supermercados Sainsbury adotou o esquema em alguns dos produtos de sua


- Os cartões de crédito próprios das redes, os private labels , atingiram o maior índice de participação já registrado: 17,3%, contra 13,2%, em 2004. - O pagamento em dinheiro permanece em primeiro lugar, mas a participação caiu de 32% em 2004, para 29% em 2005. Os cartões de crédito de terceiros mantiveram-se em segundo lugar, com 19,4% dos pagamentos. - Aumento de contratações de pessoas com necessidades especiais e de terceira idade, que cresceram 72% em relação a 2004. O maior investimento nesse segmento foi em alimentação, seguido por cultura e educação. Fonte: Associação Brasileira de Supermercados (Abras)

pe “Senhoras de Atendimento”. Em diversas unidades mulheres acima de 45 anos escutam sugestões e críticas dos clientes ou ajudam na escolha de um produto. No Grupo Pão de Açúcar não há uma política específica para contratação de mulheres e negros, por exemplo. Mas, segundo a gerente, num levantamento realizado no ano passado constatou-se que a diversidade entre os 70 mil funcionários é alta. O índice é de 18,84% de mulheres nos cargos de chefia. Esse índice na rede Wal-Mart é de 35,73% de mulheres nas gerências. No caso de contratação de negros, os valores se invertem um pouco. Na rede Wal-Mart os negros assumem 11,65% dos cargos de chefia, enquanto no Grupo Pão de Açúcar esse número é de 12,91%. No caso das pessoas com deficiência, o Pão de Açúcar assume que é trabalhoso conseguir atingir os 5% da legislação, porque falta capacitação

para elas. O departamento de Recursos Humanos criou um programa especial para recrutamento e treinamento destas pessoas. “Ao mesmo tempo estamos com um amplo cronograma de reformas das unidades para nos adaptarmos às suas necessidades. A acessibilidade é uma questão que não era pensada há 20, 30 anos atrás. Hoje estamos reformulando corredores e entradas”, diz Sônia. Assim como o Wal-Mart, o Pão de Açúcar também faz parte do projeto Jovem Aprendiz, que contrata estudantes como o primeiro emprego. No ano passado 2386 jovens participaram dos programas. No caso dos idosos, a empresa começou a contratá-los para cargos específicos. Hoje as pessoas nesta faixa etária já estão fazendo carreira e assumindo cargos em qualquer setor da empresa. A preocupação dos trabalhadores e sindicatos em relação à automatização é crescente, por conta da implan-

Todos podem

própria marca. O sistema funcionou, já que o consumidor mudou seu padrão de consumo. O exemplo mais claro foi com a comida pronta congelada “chicken marsala”, que teve uma redução de 40% nas vendas. Parte da indústria de alimentos vê com desconfiança esta tendência. Segundo os jornais britânicos, grandes grupos como Kellog’s, Kraft, Nestlé, Danone e Pepsico se uniram e estão lançando uma campanha publicitária feroz para desqualificar a iniciativa alegando que a quantidade diária para uma dieta padrão (como conhecemos aqui no Brasil) é uma alternativa melhor. O governo inglês, que desenvolveu a iniciativa e promove sua adoção voluntária, ameaça legislar caso não haja compromisso suficiente em orientar o consumidor para padrões saudáveis na sua alimentação. www.eatwell.gov.uk

Com duas lojas na cidade de Jequié (BA) e cerca de 200 funcionários, o Supermercados Cardoso desenvolveu um projeto de inserção da Responsabilidade Social na própria gestão em julho de 2005. A estrutura organizacional foi modificada, sendo inserido o setor de Desenvolvimento Humano e Responsabilidade Social Empresarial. Os principais objetivos incluem a discussão de como a organização pode contribuir para o cumprimento das Metas do Milênio e do Pacto Global, assegurar a disseminação da Missão. Visão, Princípios e valores por todos os públicos com os quais interage, de forma especial para o Público Interno e disseminar os conceitos da RSE para todos os trabalhadores conscientizando sobre as necessidades de incorporá-los às atividades, desde o planejamento estratégico até o operacional. Além disso, o setor discute as variáveis propostas pelos Indicadores do Instituto Ethos e convence aqueles chamados de “descrentes” a respeito do assunto. A empresa é também associada ao Instituto Akatu – Pelo consumo consciente, junto com as redes Carrefour e Pão de Açúcar. Foi criado um Comitê de RSE a partir da necessidade de envolver o corpo de trabalhadores e os stakeholders externos (fornecedores, clientes, sindicatos, comunidade). Nas reuniões do Comitê, há um espaço diálogo onde todos têm a oportunidade de falar e colocar as suas opiniões, respeitando os colegas, escutando e agindo sempre com intenções claras. Essa mudança foi reconhecida pelo Prêmio FGV-EAESP de Responsabilidade Social no Varejo, na categoria média empresa. Um dos projetos de maior destaque entre as ações sociais da empresa está a que promove as doações de sangue. Mas a empresa atua com coleta seletiva, atenção à saúde e educação e preservação do meio ambiente.

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SUPERRESPONSÁVEL tação de check-outs cada vez mais simples e que futuramente poderiam até permitir o auto-atendimento de forma generalizada. A presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores no Comércio e Serviços (Contracs), Lucilene Binsfeld, diz que foi aberto o diálogo com o Ministério do Trabalho para discutir automatização. "Existe preocupação porque as intenções de oferecer auto-atendimento estão ganhando força e o acúmulo de funções é visível. A automação causará problemas. A tecnologia deve existir em prol das pessoas". Uma das conquistas recentes é a construção da Norma Regulamentadora (NR 17) que prevê a humanização dos check-outs, oferecendo equipamentos ergonomicamente corretos aos profissionais. No Pão de Açúcar existem testes neste sentido, mas segundo a gerente de marketing a tecnologia serve para oferecer mais conforto, ser mais ágil e poder oferecer mais serviços ao público e não para substituir as pessoas. “O consumidor gosta de ser atendido, gosta de comentar, de perguntar, de trocar idéias e de receber informações. Temos as opções para quem prefere rapidez e não vêm ao supermercado,

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por exemplo, como as compras por telefone ou via internet (delivery)”, conta ela. O Grupo está sempre buscando novidades tecnológicas, mas para melhorar os serviços. “Diferente da indústria, o varejo, o supermercado lida com pessoas e o atendimento deve ser feito por pessoas, essa é a política da empresa”, compara Sônia e resume: “Nos supermercados as pessoas encontram amigos, vizinhos, querem buscar informações dos produtos”. DIFUSÃO DA RSE

Entre as contribuições de organizações para difundir o tema entre os supermercadistas, podemos destacar o Prêmio FGV-EAESP de Responsabilidade Social no Varejo, que reconhece ações desenvolvidas por empresas do ramo em todo o país. Em 2006, na terceira edição do prêmio, foram 99 projetos inscritos e um dos ganhadores, na categoria média empresa, foi o Supermercados Cardoso. Ao inserir a RSE na gestão do negócio, os proprietários de duas lojas em Jequié (BA) envolveram todos os seus stakeholders (públicos com os quais se relacionam). A coordenadora técnica do Programa de RSE no Varejo diz que este in-

Supermercado da empresa Albert Heijn na pequena cidade de Leusden (Holanda) funciona assim: 1. Ao entrar na loja o cliente mostra seu cartão de fidelidade. Um leitor de código de barras portátil é liberado.

DIVULGAÇÃO ALBERT HEIJIN

2. O cliente vai às compras e sele-

ciona um produto que deseja. Com o leitor, escaneia o código de barras. O painel do leitor mostra o nome do produto e o preço. O cliente põe o produto direto na sua própria bolsa de compras. 3. Quando satisfeito, vai para a caixa de auto-atendimento. 4. Na caixa de auto-atendimento o cliente coloca o leitor no receptor. Um monitor mostra o valor a pagar e pede selecionar a forma de pagamento(Crédito/débito) 5. O cliente passa o seu cartão do banco, digita a sua senha, retira o seu recibo e vai embora.

centivo colabora mais principalmente com pequenas e médias empresas, já que na maioria das grandes os mecanismos de implantação de RSE fazem parte da gestão. “Algumas áreas, como a contratação de pessoas com deficiência e mesmo jovens para o primeiro emprego, seguem a legislação. Mas temos cada vez mais preocupação com questões ambientais e de cuidados na hora da contratação de fornecedores, o que significa uma difusão em cadeia”, diz Roberta Cardoso. A Fundação criada pela Associação Brasileira de Supermercados (Abras) mantém diversos cursos que abordam a responsabilidade social em diferentes setores dos supermercados. Segundo o gerente Marcos Manéa, os empresários estão mais conscientes da nova forma de pensar o consumo no mundo inteiro. “O varejo transformase num forte pólo de irradiação de atitudes socialmente responsáveis. A tendência é o reconhecimento do setor varejista como o grande disseminador da responsabilidade social”, prevê. DESAFIOS

O papel da liderança das grandes redes de supermercados pode ir mais além. Na área de meio ambiente, por exemplo, seria ideal incentivar a conscientização do público, promovendo a reciclagem no pós-consumo. No quesito saúde alimentar a informação ao consumidor precisa ser mais cuidadosa, permitindo que a escolha seja mais consciente. Na relação dos supermercados com os trabalhadores, a diversidade é um dos passos, mas é preciso abrir as discussões sobre as inovações tecnológicas e suas conseqüências para o emprego, ampliando as conversas com sindicatos e representantes. Os fornecedores também precisam receber mais atenção. Os chamados pequenos produtores precisam ter mais acesso, diretamente ou através de cooperativas. assim como as auditorias precisam ser mais divulgadas, tornando transparente a relação com o consumidor.


COMBATE À FOME Com a implantação de um programa específico, o Wal-Mart Brasil proporcionou que se evitasse o desperdício de cerca de 1500 toneladas de alimentos que foram aproveitadas por organizações sociais em 13 estados brasileiros. Este trabalho envolve a ação de funcionários especializados do Wal-Mart que separam os alimentos sem condições de serem vendidos, mas que estão em perfeito estado de consumo. Estes alimentos são coletados por diferentes organizações e bancos de alimentos diariamente nas lojas e clubes da empresa. Um exemplo é o programa Mesa Brasil - Banco de Alimentos, desenvolvido pelo Serviço Social do Comércio (SESC) e parceiro nacional do Wal-Mart, que além de coletar e distribuir os alimentos, treina as organizações sociais a fazerem uso apropriado destes produtos. O Wal-Mart Brasil também possui um fundo mútuo de contribuições para combater a fome. Todos os associados (funcionários) podem doar R$ 0,50 por mês diretamente da folha de pagamento. O Wal-Mart dobra o valor doado pelos associados. A quantia arrecadada é convertida em alimentos, comprados a preço de custo e doados para os bancos de alimentos parceiros da empresa.

BONS EXEMPLOS CARAS DO BRASIL

O Grupo Pão de Açúcar mantém o Programa Caras do Brasil, que introduz nas prateleiras dos supermercados produtos elaborados por grupos e organizações que defendem o meio ambiente e lutam contra os problemas sociais. Alimentos, produtos de beleza e peças artesanais de todo o Brasil são levados aos grandes centros consumidores, numa forma de valorização da cultura local. Ao proporcionar a comercialização de produtos de manejo sustentável e estimular o consumo consciente em todas as regiões onde atua – 13 estados brasileiros e Distrito Federal – o Caras do Brasil possibilita às pequenas comunidades um canal para escoar sua produção. Hoje são mais de 300 itens em 36 lojas do Grupo, vindos de 71 fornecedores de 19 estados brasileiros. O estágio inicial é promissor. Os principais beneficiários são os pequenos produtores, porém empresas melhor organizadas e estabelecidas poderão participar do Programa, desde que respeitados os limites de fornecimento de seus produtos e tendo como base a capacidade produtiva dos projetos comunitários, de acordo com os critérios do Grupo Pão de Açúcar/Programa Caras do Brasil.

21 GARANTIA DE ORIGEM A preocupação constante com a qualidade dos produtos vendidos fez com que o Grupo Carrefour criasse o selo Garantia de Origem, presente em vários produtos nos hipermercados Carrefour e supermercados Champion. Esse selo de qualidade pioneiro vem sendo implantado no país há quatro anos, em 40 produtos perecíveis divididos nas seguintes categorias: frutas, verduras e legumes, peixes e carnes, queijo e arroz. O Garantia de Origem é uma estratégia que o Carrefour encontrou de privilegiar os fornecedores, com a garantia da venda direta ao grande varejo, sem intermediários. Os consumidores são favorecidos porque é feito um acompanhamento dos produtos

desde sua origem. O Carrefour realiza uma auditoria que visita regularmente campos de cultivo, pastos e granjas e fiscaliza todos os aspectos de plantio, colheita, controle de pragas, pasto, abate, armazenamento, etc. Os auditores observam também os aspectos que dizem respeito à situação dos empregados: se as leis trabalhistas são cumpridas; se não há trabalho infantil; se os uniformes são adequados; se usam produtos nocivos à saúde; se estão recebendo treinamento adequado quanto à higiene, manuseio de máquinas, manipulação dos alimentos e outros. A auditoria leva em conta, ainda, na pontuação dos fornecedores, o trabalho social realizado com os empregados e a comunidade.


Opinião

DIVULGAÇÃO/IDEC

Crédito responsável na visão do consumidor

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MARILENA LAZZARINI Coordenadora institucional do IDEC - Instituto de Defesa do Consumidor

O endividamento é algo inerente à sociedade de consumo. Para consumir bens e serviços ou para expandir negócios (como o último Prêmio Nobel da Paz nos lembrou), o acesso ao crédito é uma questão fundamental em qualquer sistema econômico e social moderno. Contudo, temos visto recentemente um ambiente selvagem de oferta de crédito e indução ao endividamento que está colocando os consumidores em risco. Nos piores casos, leva as pessoas a uma espiral de listas negras, juros e dívidas que acaba por arruinar financeira e socialmente as famílias. Esse mercado irresponsável de crédito é resultado, grosso modo, da conjunção de três fatores. Primeiro, a facilitação exacerbada, senão induzida, do acesso ao crédito para o consumo. Nos grandes centros, mesmo sem solicitar, as pessoas são abordadas nas ruas e lojas. Anúncios em televisão, rádio e jornais alardeiam a incrível eficiência com que o crédito é aprovado. Mais que isso, sem que o consumidor peça, instituições financeiras “presenteiam” os consumidores com crédito. Em segundo lugar estão as exorbitantes taxas de juros. Mesmo as menores taxas, as do crédito consignado para os aposentados, são abusivas se considerados os padrões de países de nível sócio-econômico semelhante ao Brasil. Por fim, a exclusão e a fragilidade sociais de grande parcela da população geram um contexto em que qualquer possibilidade de acesso ao mercado de consumo seja encarada com voracidade e onde qualquer imprevisto, como desemprego, doenças ou acidentes, leve as pessoas ao superendividamento. O resultado acaba por ser situações de endividamento insustentáveis. As operações de crédito à pessoa física aumentaram em 80% entre 2003 e junho de 2006, enquanto a renda dos trabalhadores cresceu apenas 17%. Em outubro de 2006, a pesquisa da Federação do Comércio de São Paulo mostrou que a inadimplência atingiu 41% e o comprometimento da renda dos endividados ficou em 34%. Outros dados mostram situações ainda mais drásticas. São, portanto, urgentes ações que promovam o crédito responsável, ou seja, o crédito no qual a concessão se dá de forma criteriosa e competitiva; em que as escolhas são feitas com informações claras sobre as condições e as conseqüências – dentro das regras estabelecidas pelo Código de Defesa do Consumidor – e onde existam mecanismos que permitam que as pessoas saiam de situações extremas sem implicar sua ruína. Para que efetivamente cheguemos a esse ambiente, todos devem assumir suas responsabilidades. As instituições devem informar melhor e ser criteriosas na concessão de crédito. O consumidor não deve se iludir por prestações baixas, pois as taxas de juros podem causar a explosão da dívida. E, principalmente, o governo deve regulamentar a oferta de crédito e criar mecanismos de recuperação financeira aos consumidores.


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MUNDO DO TRABALHO

Qualidade na vida

Força jovem 25% da População Economicamente Ativa (PEA) tem entre 16 e 24 anos

COMEÇAR DE NOVO

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O número de aposentados que volta ao mercado de trabalho é cada vez maior. Alunos do curso de Psicologia da UFPA (Universidade do Pará) realizaram a pesquisa “Retorno ao trabalho remunerado entre aposentados: alguns fatores psicossociais” e concluíram que a questão financeira não é o principal motivo desta volta. O aposentado sente, principalmente, necessidade de se sentir produtivo, atualizado, de passar experiência para os mais jovens e de ampliar o círculo de amizades e conviver com outras pessoas. Um questionário foi aplicado a 32 aposentados, com idades entre 54 e 76 anos, com 11 anos de aposentadoria, em média, e tempo médio de seis anos e meio de volta ao trabalho. Fonte: Informativo Beira do Rio, da Universidade Federal do Pará, no 38.

85 milhões de jovens em todo o mundo com menos de 25 anos procuram emprego e não conseguem. Isso significa que no fim de 2005, o desemprego juvenil era de 13,5%, de acordo com o relatório sobre a evolução do emprego juvenil no mundo, apresentado pela Organização Internacional do Trabalho (OIT).

Um quarto da força de trabalho brasileira é de jovens entre 16 e 24 anos. Pelo menos nas seis regiões metropolitanas pesquisadas pelo DIEESE: Belo Horizonte, Porto Alegre, Recife, Salvador e São Paulo. A conclusão é da pesquisa A ocupação dos jovens nos mercados de trabalho metropolitanos, elaborada em 2005. A população jovem, entre 16 e 24 anos, somava 6,5 milhões de pessoas, correspondendo a 23,8% da população acima de 16 anos residente nestas áreas. Deste contingente, grande parte - 4,6 milhões fazia parte da força de trabalho local, na condição de ocupados ou de desempregados. Em outras palavras, os jovens têm expressiva presença na População Economicamente Ativa (PEA) com mais de 16 anos, representando 25% dos trabalhadores. Essa presença, entretanto, não se traduz em fácil inserção no mercado de trabalho. Pelo contrário, de acordo com os dados da PED – Pesquisa de Emprego e Desemprego – os jovens enfrentam grandes dificuldades para entrar no mercado de trabalho. Quando ocupados, suas inserções variam em função da renda familiar, da possibilidade de freqüentar escola, ao setor de atividade econômica em que trabalham, a forma de inserção, rendimentos, jornada de trabalho e região de domicílio. Por isso, os pesquisadores aconselham aos programas que buscam incluir ou formar jovens para o mercado de trabalho que levem em consideração as desigualdades de oportunidades segundo a condição familiar deste segmento da população. Entre aqueles que estão empregados e têm mais de 16 anos (15,2 milhões), os jovens representaram uma proporção de 20,7%, totalizando 3,2 milhões de pessoas. Um perfil geral indica que o jovem ocupado é do sexo masculino, possui ensino

médio completo, tem dificuldade de conciliar trabalho e estudo, desenvolve suas atividades no setor de serviços, cumpre uma extensa jornada de trabalho (acima de 39 horas em todas as regiões analisadas), é assalariado e tem carteira de trabalho assinada. O rendimento é muito variável, situado entre um e dois salários mínimos. Se for considerado o grupo de renda familiar onde este jovem ocupado se encontra, entretanto, é grande a desigualdade de oportunidades. Os jovens que pertencem às famílias mais pobres ficam muito abaixo do perfil geral: a maioria trabalha e não estuda, possui o ensino fundamental incompleto e recebe rendimentos médios inferiores a um salário mínimo. Já os jovens oriundos das famílias com melhor poder aquisitivo apresentam condições acima do perfil médio, apesar de também revelar traços preocupantes como a extensa jornada de trabalho. Para os pesquisadores do Dieese, é clara a influência da condição de renda da família sobre o perfil ocupacional dos jovens. A partir dessa constatação, é importante a elaboração de políticas públicas que, de um lado, promovam uma melhor distribuição da renda no país e, de outro, busquem o equilíbrio entre a formação escolar e profissional e a inserção do jovem no mercado de trabalho. A pesquisa foi publicada no boletim “Estudos e Pesquisas nº 24” do Dieese e foi realizada em parceria com a Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados (Seade), Ministério do Trabalho e Emprego/ FAT e governos locais. O estudo completo pode ser acessado na página do DIEESE: http://www.dieese.org.br/esp/ estpesq24_jovensOcupados.pdf


Desafio asiático: criar emprego e promover trabalho decente

REPRODUÇÃO DA REVISTA DA OIT WORLD OF WORK

Cerca de um bilhão de trabalhadores da Ásia (mais de cinco vezes a população inteira do Brasil) recebem menos de dois dólares por dia. Um trabalhador brasileiro compraria, com este valor, apenas um quilo de frango. Um bilhão de asiáticos vivem abaixo da linha da pobreza, de acordo com relatório da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Destes, 330 milhões não chegam a receber um dólar diário. Os dados foram apresentados no relatório “Alcançar o trabalho decente na Ásia” e apontam para outra situação grave: o forte crescimento do comércio, dos investimentos e da produção registrado naquele continente não foi suficiente para responder ao aumento da força de trabalho e enfrentar o crescente desemprego. Na próxima década, 250 milhões de pessoas estarão à procura de emprego naquela região. Atualmente, cerca de 1,9 bi-

lhão de mulheres e homens trabalham na Ásia. De acordo com a OIT, a diferença entre o crescimento da população ativa e a criação de novos empregos produz um déficit de trabalho decente e freia os esforços para reduzir a pobreza. Os jovens sofrem o maior impacto desta situação: em 2005, 48% de todos os jovens desempregados do mundo estavam na Ásia, ou seja, 41,6 milhões de pessoas. O risco de que os jovens sejam afetados pelo desemprego é três vezes superior ao dos adultos. O relatório da OIT foi apresentado na 14a Reunião Regional Asiática, onde representantes de trabalhadores, empregadores e governos dos países asiáticos, árabes e do Pacífico se comprometeram a promover a adoção de políticas para garantir que o crescimento econômico se traduza em emprego produtivo e trabalho decente para todos.

Outros problemas identificados pela OIT O crescimento salarial não reflete os ganhos em produtividade: na China, a produtividade laboral no setor industrial aumentou 170% entre 1990 e 1999, mas os salários reais cresceram pouco menos de 80%. Paquistão e Índia tiveram redução nos salários reais do setor industrial desde 1990 de 8,5% e 22% respectivamente. Longas jornadas de trabalho: considerando-se o número de horas de trabalho, as primeiras seis economias do mundo são da Ásia – Bangladesh, Honk Kong, Malásia, República da Coréia, Sri Lanka e Tailândia – e uma parcela importante da população trabalha 50 horas ou mais por semana. Desigualdade entre os sexos: as trabalhadoras industriais em Singapura ganham em média 61% do recebido pelos homens. Aumento da mobilidade dos trabalhadores: nos últimos anos entre 2,6 e 2,9 milhões de trabalhadores asiáticos abandonaram suas casas para trabalhar no exterior. Queda desigual no trabalho infantil: entre 2000 e 2004 na Ásia e no Pacífico o número de trabalhadores infantis entre 5 e 15 anos reduziu-se em 5 milhões. Mas na região ainda há 122,3 milhões de crianças trabalhando, 64% do total mundial. Saúde e segurança laboral: cerca de 1 milhão de trabalhadores morrem anualmente na Ásia devido a acidentes e doenças relacionadas com o trabalho. Uma deficiência em representação: a participação nos sindicatos oscila entre 3% e 8% da força laboral em países como Bangladesh, Tailândia, Malásia e a República da Coréia, e entre 16% e 19% na Nova Zelândia, Austrália e Singapura. A participação nos sindicatos é mais baixa em países onde são maiores o setor informal e o agrícola. As organizações de empregadores também enfrentam desafios como a crescente diversidade de empresas e a maior presença de multinacionais que, com freqüência, não estão afiliadas às federações nacionais.

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PROJETO ESPAÇO CIDADANIA

MUNDO DO TRABALHO

FORÇA PRODUTIVA

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O último Censo IBGE informa que 27 milhões de brasileiros, ou 14,4% da população do país, apresentam algum tipo de deficiência. As estimativas incluem pessoas com deficiências física, motora, auditiva, visual e mental, e revelam uma incidência maior no Nordeste (18%), e menor no estado de São Paulo (11,4%). Esses brasileiros têm forte potencial produtivo e muito a oferecer à sociedade. Além disso, estão protegidos por leis de inclusão: a Lei Federal 8.213, de 24 de julho de 1991, fixa cotas de emprego que variam de 2% (empresas com 101 a 200 funcionários) a 5% das vagas (em empresas com mais de 1000 empregados) para deficientes.

Empresas paulistas debatem a inclusão O Fórum Permanente de Empresas para a Inclusão Econômica de Pessoas com Deficiência, juntamente com o Instituto Paradigma e a Federação das Indústrias de São Paulo (FIESP), realizou uma série de eventos em novembro, com o objetivo de sensibilizar o industrial paulista para os desafios enfrentados pelas pessoas com deficiência que buscam inserção no mercado de trabalho. O seminário “Empregabilidade das Pessoas com Deficiência como Estratégia de Sustentabilidade das Empresas” abriu a programação, no dia 13 de novembro, e enfocou esclarecimentos sobre a Lei Federal 8.213, que fixa cotas para pessoas com deficiência. Os participantes assinalaram a importância da formação das pessoas com deficiência, para que a inclusão no mercado de trabalho ocorra com competência. O tempo médio de escolaridade dos brasileiros com deficiência é de 2,4

anos e somente 1% das mulheres desse grupo concluíram o ensino fundamental. Em contrapartida, aqueles que conseguem exercer uma função produtiva freqüentemente se destacam pela competência, dedicação e comprometimento. Presidentes e diretores das empresas que compõem o Fórum Permanente mencionaram várias vantagens que descobriram ao incluir pessoas com deficiência em seus quadros, tais como a maior motivação da equipe e melhoria da imagem institucional. Outros seminários, sobre legislação, sensibilização, recrutamento, seleção, acessibilidade e cultura organizacional ocorreram durante o mês de novembro, colocando na pauta não apenas a discussão sobre o cumprimento de cotas, mas principalmente a mudança de cultura, para que haja uma inclusão econômica, educacional e social.

Sesi/SC mapeia pessoas com deficiência Em Santa Catarina, o Serviço Social da Indústria (Sesi) lançou um programa inédito no país para conhecer melhor as pessoas com deficiência, com o objetivo de escolarizá-las, qualificá-las profissionalmente e facilitar sua contratação. Jaraguá do Sul é a primeira cidade a fazer parte do programa, que vai atingir todas as regiões do estado, em municípios escolhidos por sua representatividade industrial e pela quantidade de pessoas com deficiência. De acordo com os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Jaraguá do Sul tem cerca de 11 mil moradores com algum tipo de

deficiência. Ainda segundo o IBGE, estas pessoas em Santa Catarina são 14,2% da população total. Apesar desse número significativo, as indústrias catarinenses têm tido dificuldades para se adequar à exigência da Lei 8.213, que estabelece a necessidade de inclusão de pessoas com deficiência em seus quadros. A primeira parte do programa consiste em conhecer quem são essas pessoas, através de um mapeamento que conta com o apoio dos Correios. Os carteiros da cidade distribuirão formulários em 43.900 domicílios, para que toda a população responda e devolva aos carteiros ou no próprio correio.

Após a etapa do mapeamento, que pretende saber onde moram, quais são as deficiências, qual o nível de escolaridade e de qualificação profissional e quais as aspirações das pessoas com deficiência, os interessados serão encaminhados para o ensino fundamental ou médio, de acordo com suas necessidades. A próxima etapa é a qualificação profissional, que será executada pelo Senai/SC. Na seqüência será analisada a inclusão nas indústrias, a partir dos postos de trabalho existentes que sejam compatíveis com as necessidades e formação das pessoas com deficiência.


FOTO:DIVULGAÇÃO/OIT

Aliança combate trabalho escravo

PATRÍCIA AUDI Coordenadora Nacional do Projeto de Combate ao Trabalho Escravo da OIT no Brasil.

O Brasil é o melhor exemplo no combate ao trabalho escravo em todo o mundo, reconhecido pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) em seu relatório Uma Aliança Global contra o Trabalho Forçado em 2005. O trabalho coordenado da CONATRAE, comissão responsável pela implementação dessa política, é a grande responsável por esse sucesso. Além do trabalho incansável dessa Comissão, o Brasil vem demonstrando inovação, coragem e determinação de seu setor produtivo, ou de pelo menos parte dele, quando anunciamos as melhores práticas empresariais conhecidas internacionalmente em busca de soluções para a erradicação desse grave problema. Baseado em estudos da cadeia produtiva do trabalho escravo, a OIT, a Ong Repórter Brasil e o Instituto Ethos coordenaram a elaboração de dois Pactos Nacionais contra o Trabalho Escravo. O primeiro, firmado pelo setor siderúrgico em agosto de 2004 e o segundo, assinado em maio de 2005 por mais de 80 grandes empresas nacionais e multinacionais que, dentre as inúmeras cláusulas, comprometem-se a não adquirir produtos oriundos de fazendas que praticam esse crime. Queremos destacar então a exitosa experiência da Associação das Siderúrgicas de Carajás (Asica), que assinou o primeiro acordo. A Associação criou em 2004 o Instituto Carvão Cidadão (ICC), uma Ong cujo objetivo principal é erradicar o trabalho escravo em sua cadeia produtiva. Já foram realizadas 945 fiscalizações independentes nas carvoarias que alimentam os fornos das siderúrgicas e cancelados 253 contratos de fornecimento de carvão por não cumprirem as normas trabalhistas e as orientações determinadas pelo Instituto. Não satisfeito apenas em inibir a prática criminosa no setor, o ICC ainda foi mais além: vem promovendo a integração de trabalhadores libertados pelo Grupo Móvel de Fiscalização do MTE, identificando, qualificando e estimulando que as empresas da ASICA empregassem 53 pessoas resgatadas em condições de escravos, dando-lhes, pela primeira vez, a oportunidade de uma vida digna e livre. O ICC vem dando inúmeros passos à frente como exemplo de uma política pública que deveria ser instituída nacionalmente. Presente em Imperatriz (MA) e Marabá (PA), a Ong ainda encontra resistências internas. Não falamos que problemas não existem e que há consenso de todas as siderúrgicas quanto à importância do papel do Instituto nesse contexto. Até mesmo porque vem tratando o assunto com a transparência e o conhecimento total da CONATRAE. Ressaltamos, entretanto, que apesar das dificuldades, o ICC vem exercendo a melhor prática mundial de responsabilidade social no combate ao trabalho escravo conhecida pela OIT. Tal exemplo deveria ser seguido por outros setores, principalmente aqueles ligados à produção agropecuária., não importa se por motivações sociais ou até mesmo comerciais. A gravidade do problema do trabalho escravo no Brasil e o descaso de poucos pode de maneira substantiva prejudicar toda uma atividade econômica do País, que emprega legalmente seus funcionários, paga impostos, gera divisas e utiliza-se de práticas leais de concorrência perante seus pares.

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CONDUTA RESPONSÁVEL Odilon Luís Faccio

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aquecimento global passou a ser um dos maiores desafios da humanidade. O furacão Katrina, em New Orleans (EUA), o furacão extra-Tropical no Sul do Brasil e a seca na Amazônia são sérios avisos. Governos e empresas se mobilizam quando os efeitos econômicos dão claros sinais. Mas, as conseqüências já começam a ser calculadas, sobretudo os possíveis impactos futuros. Recentemente, o economista inglês Nicholas Stern, ex-economista-chefe do Banco Mundial, através do chamado “Relatório Stern”, calculou que é muito mais barato proteger do que remediar. No seu estudo, prevê, se o aquecimento global não for revertido, pode custar 20% do PIB global até 2050. A reversão é uma tarefa para muitos, especialmente para quem tem mais poder e opera em escala global: as empresas multinacionais. A relevância das multinacionais para os países não se deve somente ao seu peso econômico ou sua capacidade de gerar empregos – diretos e indiretos –, ou de trazer investimentos e gerar tecnologias, mas também pelo alto poder de induzir milhares de outras empresas a seguirem determinados modelos de produção e comercialização. As Diretrizes da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) para empresas multinacionais podem ser entendidas como uma das ferramentas para realizar estas ações, com a particularidade especial de que são decisões de governos. Outro ponto positivo é que as diretrizes, através do PCN (Ponto de Contato Nacional) –

DIRETRIZES DA OCDE TRANSFERE O TEMA DA RESPONSABILIDADE SOCIAL EMPRESARIAL PARA UM ESPAÇO PÚBLICO, SEM FICAR RESTRITA À ESFERA PRIVADA DAS EMPRESAS OU ONGS. uma espécie de secretaria criada na estrutura administrativa do governo de cada país – transfere o tema da Responsabilidade Social Empresarial para um espaço público, ao invés de ficar restrita à esfera privada das empresas ou ongs. Isto possibilita o tratamento mais adequado aos distintos interesses dos segmentos da sociedade. Através da mediação do Estado, os valores e as práticas da responsabilidade social podem adquirir maior grau de institucionalidade e, por conseguinte, uma maior longevidade destas práticas, trazendo enormes benefícios às futuras gerações. Assim, quebra-se o ciclo das políticas eventuais e fragmentadas de responsabilidade social para uma fase mais estável e abrangente. Quando nos referimos à responsabilidade social das empresas, as boas práticas, normalmente, são seguidas rapidamente. Estabelece-

se uma competição em padrões mais positivos. Neste aspecto, Oded Grajew, presidente do Conselho Deliberativo do Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social e membro do Conselho Internacional do Global Compact da ONU, destaca o poder dessas empresas e questiona: “O faturamento das dez maiores multinacionais é maior do que o PIB de vários países emergentes. Por que não utilizar esta força financeira e de organização para transformar a sociedade e tornar o nosso planeta um lugar mais igualitário e justo?”. Isto é possível. Imagine a seguinte situação: as empresas levam em conta na tomada de decisões o impacto sobre o meio ambiente. Imagine que as empresas regem-se por práticas corretas e justas com os consumidores e respeitam os direitos humanos e sociais. Imaginou? Agora, por fim, imagine também se as mais de 9.712 multinacionais instaladas no Brasil, de acordo com o último censo oficial do Banco Central (Bacen) do ano 2000, seguissem, pelo menos, uma parte o que recomenda as Diretrizes da OCDE. Estima-se que das 500 maiores empresas globais, 420 possuem operações no Brasil. No entanto, a realidade indica uma contradição entre a importância econômica dessas empresas e seus limites em termos sociais e ambientais. É suficiente para exemplificar que, no Brasil, menos de 1% destas empresas publicam os seus Balanços Sociais. Isto pode mudar. O crescimento do movimento da responsabilidade social das empresas no Brasil, embora seja relativamente recente, já é referência internacional.


RESPONSABILIDADE SOCIAL EMPRESARIAL (RSE) - Responsabilidade social é, essencialmente, como a empresa faz e incorpora as expectativas da sociedade nos seus negócios. Enfim, como realiza os 99% dos negócios e não o 1% aplicado em ações sociais. Assim, distingue-se RSE da filantropia, do marketing e da ação social. No caso das multinacionais, adiciona-se ainda que a empresa pode atuar de modo diferente nos países onde tem filiais em contradição com sua prática no país sede. As diretrizes serviriam como um padrão comum mínimo para atuação das empresas ao redor do mundo, como um marco referencial para governos e empresas e, assim, para evitar um duplo padrão de conduta.

As diretrizes são importantes para as multinacionais instaladas no Brasil, mas também servem para as multinacionais brasileiras instaladas em outros países, como a Petrobras, CVRD, Gerdau, Embraco entre outras. Por exemplo, se a empresa brasileira instalada na Argentina ou Chile não estiver em conformidade com as diretrizes, uma entidade local pode acionar o PCN para tratar da questão. Oded Grajew, do Instituto Ethos, enfatiza que as diretrizes podem contribuir para o avanço do movimento de responsabilidade social empresarial no país porque “ao adotar as diretrizes e levá-las para a cadeia produtiva nos países onde atuam, as múltis induzem uma mudança na maneira de fazer negócio e tornam-se referência para outras em-

presas e para a própria sociedade. O desafio é fazer com outras empresas, que não são transnacionais nem pertençam à cadeia de valor das múltis, também adotem estas diretrizes e um novo modo de gerir seus negócios. O Instituto Ethos inclui estas orientações da OCDE dentro dos Indicadores Ethos de Responsabilidade Social”. Oded reforça um argumento em favor da RSE. “Levar em conta a RSE significa ampliar possibilidades comerciais, gerar divisas, empregos e renda, contribuir para a inclusão de milhões de pessoas a uma vida digna”. Esta visão é compartilhada pelo Diretor de Recursos Humanos da empresa do setor químico Basf para a América do Sul, Wagner Brunini, “As diretrizes são muito importantes, na medida que, se propõem a estabelecer parâmetros que orientam e alinham as ações da organização para que se obtenha os resultados planejados e se mantenha o foco”. Desta forma “contribuem também com o gerenciamento e monitoramento de performance, garantindo uniformidade dentro da empresa”. Quando uma empresa já tem sua política de RSE consolidada, as diretrizes se encaixam. Um exemplo é a Basf. A empresa já possui várias diretrizes, normas e estratégias que, no seu conjunto, contribuem para o alcance da sua sustentabilidade da empresa, de seus stakeholders (partes interessadas) e do meio ambiente onde operam. A empresa tem uma estratégia global de atuação e de sustentabilidade (Estratégia Basf 2015).

DAS MULTINACIONAIS

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SOCIEDADE CIVIL A importância das diretrizes da OCDE para a promoção da RSE não é apenas uma opinião do mundo empresarial. Alguns sindicatos e ongs têm ponto de vista semelhante.Fábio Augusto Lins, diretor do Sindicato dos Químicos do ABC (SP) e coordenador da rede de trabalhadores na Basf América do Sul, acredita que as Diretrizes podem qualificar e, ao mesmo tempo, modificar o conceito preponderante de responsabilidade social, até então, filantrópico. “Uma discussão profunda sobre as diretrizes pode ajudar as empresas a diminuir suas contradições existentes nos códigos de conduta e balanços sociais”, afirma. Para Ciro Torres, coordenador de Responsabilidade Social e Ética nas Organizações do Ibase (Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas), as Diretrizes podem contribuir com a responsabilidade social das empresas, principalmente para “quebrar com o velho discurso do ‘seguimos a cultura local’ ou mesmo o do ‘seguimos a legislação local’. Isto seria válido quando se trata de um país com um governo autoritário e corrupto, por exemplo, que permita a destruição do meio ambiente e viole os direitos humanos, proibindo a formação de sindicatos e ongs”. José Drummond, assessor da Secretaria

de Relações Internacionais da CUT (Central Única dos Trabalhadores), é otimista quanto às possibilidades das diretrizes: “Caso sejam adotadas e monitoradas pela sociedade e governo, têm tudo para colaborar e muito na difusão de uma cultura de responsabilidade social”. Na visão de Lisa Gunn, gerente de informação do IDEC (Instituto de Defesa do Consumidor), as Diretrizes da OCDE “servem como ferramenta global de responsabilidade social empresarial que é adotada formalmente por governos”. ORIGEM DO PCN NO BRASIL As Diretrizes contêm assuntos complexos, envolvendo muitos interesses econômicos, comerciais e, em particular, expoem a imagem da empresa. Isto dá a dimensão do quanto estas questões são sensíveis para as empresas multinacionais. Em 2002, uma iniciativa dos trabalhadores contra o fechamento de uma unidade de iogurtes da Parmalat, no Rio Grande do Sul, resultou na primeira iniciativa no Brasil pela aplicação das Diretrizes da OCDE para Empresas Multinacionais. Em setembro daquele ano, a CUT (Central Única dos Trabalhadores) levou uma reclamação ao governo contra a empresa Parmalat, por não estar em conformidade com as recomendações da OCDE. Esta iniciativa deu impulso ao surgimento do PCN Brasil. O motivo era o não cumprimento do artigo 6º do Capítulo 4º das Diretrizes. O mesmo orientava que a empresa deveria “fornecer aos representantes dos trabalhadores e, quando apropriado, às autoridades públicas competentes, com a devida an-

SÉRGIO VIGNES

ANA CRISTINA SILVA

Por isso, Brunini enfatiza: “A existência de diretrizes/políticas que sustentam o conceito de responsabilidade social na Basf demonstra o quão estratégicos esses instrumentos podem ser para a manutenção da sustentabilidade socioeconômica e ambiental responsável de uma empresa”. A ministra de comércio exterior da Holanda, Karien van Gennip, destacou recentemente na conferência internacional do GRI (Global Report Initiative), em setembro, em Amsterdã, que as diretrizes da OCDE fazem parte da estratégia holandesa de promover a RSE, sendo uma forma de “exercer pressão suave” nas empresas. Na Holanda, as empresas que querem ser beneficiadas pelos instrumentos de exportação existentes “têm que afirmar por escrito que estão conscientes das Diretrizes e que as seguirão da melhor forma possível”.

tecedência, todas as informações que digam respeito à previsível introdução de alterações na atividade da empresa, suscetíveis de afetar, de modo significativo, o modo de vida dos trabalhadores, em especial, no caso de fechamento de unidades que impliquem demissões coletivas”. O PCN emitiu um comunicado reconhecendo que cabe à empresa a decisão de assuntos corporativos, mas, por outro, identificava que a empresa “deixou de explorar alternativas para o fechamento da unidade ao não envolver os trabalhadores e as três esferas governamentais (municipal, estadual e federal) na fase que antecedeu sua decisão, deixando, portanto, de atender àquela prescrição das Diretrizes”. Não houve nenhum tipo de conseqüência financeira par a Parmalat, no entanto, issoriscou a imagem da empresa. POLÊMICA: CARÁTER VOLUNTÁRIO O caráter voluntário e sem poder normativo pode ser uma das causas do baixo interesse pelas Diretrizes. A conseqüência é sua enorme dependência do bom funcionamento do PCN. Sem um PCN atuante, as Diretrizes podem ter pouca utilidade prática. Uma polêmica se desenvolve em torno da obrigatoriedade de cumprimento das Diretrizes. Os sindicatos e ongs querem maior rigor na cobrança das Diretrizes, e muitos governos não querem comprar briga com as multinacionais, principalmente em função da disputa por uma fatia cada vez maior dos seus investimentos externos. No momento das empresas decidirem em que país serão alocados novos investimentos, com certeza, o grau de re-


DIÓGENES BOTELHO

SÉRGIO VIGNES

O QUE SÃO AS DIRETRIZES DA OCDE As Diretrizes são recomendações

ceptividade dos governos locais é levado em questão. Esta questão é uma das mais importantes no debate. Na realidade, os sindicatos entendem que a adoção das Diretrizes não é voluntária e que todos os membros da OCDE são obrigados a segui-las. Para Ciro Torres, do Ibase, as Diretrizes seriam como que um híbrido, são obrigatórias e voluntárias ao mesmo tempo. “Os governos são obrigados a divulgar e fazer cumprir as Diretrizes. Contudo, seu maior poder está em serem utilizadas pela sociedade como uma ferramenta política, visando a imagem das grandes corporações multinacionais”. Os movimentos sociais organizaram uma rede internacional para acompanhar a aplicação das Diretrizes, a OCDE Watch, que, no Brasil, é coordenada pelo Ibase. PAPEL DO GOVERNO É responsabilidade do Estado colocar o PCN para funcionar de verdade. Contudo, somente com a sociedade civil agindo de forma organizada e desenvolvendo estratégias conjuntas de ação, poderá equilibrar o poder e a responsabilidade das grandes multinacionais. Para Oded Grajew, do Ethos, como os governos são os parceiros locais da OCDE, portanto, eles podem realizar um grande número de ações em nome da organização. Na visão do IDEC, o governo brasileiro deveria estimular o cumprimento pelas empresas, como, por exemplo, mecanismos de verificação, declaração pública de adesão e audiências públicas. Ciro Torres, do Ibase, sugere uma medida eficaz: “O Ministério da Fazenda (onde está o PCN) poderia enviar

uma carta para todas as multinacionais no Brasil sugerindo fortemente o cumprimento das Diretrizes, com um link para o site do PCN e um CDRom contendo a íntegra das Diretrizes, manuais e documentos”. MEIO AMBIENTE Em relação ao meio ambiente as Diretrizes trazem importantes recomendações. Entre elas, destaca-se especialmente aquela que recomenda que as empresas devem avaliar e ter em conta na tomada de decisões o impacto previsível sobre o meio ambiente. Mário Menezes, coordenador de Certificação Agropecuária da entidade Amigos da Terra, admite que algumas empresas têm essa preocupação, agora é preciso mudar o paradigma de produção. Sua visão é de que antes as empresas avaliavam a terra onde estavam, mas cada vez mais deve ser considerado o custo do uso dos recursos naturais: “Empresas que fazem questão de mudar as formas de produção, não apenas um departamento que cuide de meio ambiente”. Dá como exemplo o caso das grandes compradoras de soja . Elas decidiram que nos próximos dois anos não comprarão produção da Amazônia. O desmatamento hoje já chega a 700 mil km2, mas ¼ está abandonado, já que refertilizar a área é muito caro. Segundo ele é preciso que as empresas contabilizem os custos do desgaste da natureza. CORRUPÇÃO Hoje, o combate à corrupção é imprescindível para o Brasil se tornar um país digno e justo. Há corruptos e corruptores. Neste aspecto, as Diretrizes recomendam que as empresas não devem direta ou indiretamente oferecer, prometer, dar ou so-

aprovadas pelos Governos e são dirigidas às empresas multinacionais. Estabelecem princípios e padrões voluntários, com vistas uma conduta empresarial responsável. Os princípios e padrões contemplam a divulgação de informações, emprego e relações empresariais, combate à corrupção, interesse dos consumidores, ciência e tecnologia, meio ambiente, tributação e concorrência.

As Diretrizes foram elaboradas em meados da década de 70, sob a forma de anexo à Declaração da OCDE sobre Investimento Internacional e Empresas Multinacionais, adotada em junho de 1976. Em 1999 e 2000, as Diretrizes foram objeto de uma ampla revisão, da qual o governo brasileiro participou como membro observador do Comitê da OCDE sobre Investimento Internacional e Empresas Multinacionais (Cime).

O Cime é o órgão da OCDE que trata da aplicação das Diretrizes. Convida regularmente o Comitê Consultivo da OCDE para as Empresas e a Indústria (BIAC), e o Comitê Consultivo da OCDE para os Sindicatos (TUAC), bem como outras organizações não governamentais, para exprimirem os seus pontos de vista.

A OCDE tem sede em Paris e reúne 39 países industrializados com alguns convidados como Argentina, Brasil, Chile e México.

A importância da OCDE pode ser medida pelo tamanho que representa: 65% do PIB mundial. A OCDE tem como objetivo ajudar países em seus desafios econômicos diante da globalização, com crescimento e estabilidade.

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licitar pagamentos ilícitos ou outras vantagens indevidas para obter ou conservar negócios ou outras vantagens ilegítimas. Não deverão igualmente ser solicitados às empresas, nem ser delas esperados, quaisquer pagamentos ilícitos ou outras vantagens indevidas. Sobre este assunto nada foi feito no âmbito das Diretrizes. Agora, muitas batalhas contra a corrupção estão sendo travadas. Uma delas é o Pacto Empresarial pela Integridade e Contra a Corrupção, lançado em julho deste ano, na conferência nacional do Instituto Ethos, mas que teve apenas 285 adesões até meados de outubro. Dessas, cerca de 10% são de multinacionais.

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DIÁLOGO SOCIAL Existem experiências positivas de relacionamento direto entre empresas multinacionais, sindicatos e ongs. É o chamado Diálogo Social. São raros os exemplos, porém, quando os conflitos não acabam, através do Diálogo Social passam a ser tratados com civilidade e, quando é efetivo, traz significativos resultados. Provavelmente, um dos melhores exemplos é o da Rede de Trabalhadores na Basf América do Sul. A Rede foi criada em 1999 e conquistou o reconhecimento e o Diálogo Social com a Basf, reunindo-se regularmente a cada semestre. O coordenador da Rede, Fábio Lins explica: “Desde 2000 realizamos treze Diálogos Sociais com a Diretoria de Recursos Humanos da América do Sul. A cada dois anos realizamos um balanço, através do Diálogo Social Ampliado onde também participam representantes mundiais da Basf e do movimento sindical internacional, inclusive da Alemanha. No último período, realizamos seminários formativos, de dois dias sobre relações trabalhistas e sindicais para todas as chefias e gerentes. Discutimos a aplicação das normas e diretrizes internacionais”. Para Wagner Brunini, Diretor da Basf para a América do Sul, o bom nível de diálogo social da empresa com os sindicatos se deve ao fato de que a Basf possui Valores e Princípios globais, amplamente comunicados e disponíveis a todos os colabo-

radores: “Um desses Princípios é a nossa visão de respeito mútuo e diálogo aberto”. Para Wagner Brunini, o diálogo social trouxe resultados concretos para empresa: “Permitiu à Basf implementar medidas que certamente causariam conflitos na relação entre o capital e o trabalho caso não houvesse essa base de confiança estabelecida”. Para o sindicato estes avanços foram possíveis devido os apoios que conseguiram de ongs, das confederações, de sindicatos locais e da Alemanha, como Sindicato dos Químicos (IGBCE), e das centrais sindicais como a CUT do Brasil, FNV da Holanda e DGB da Alemanha. FUTURO É inegável que há um choque de expectativas entre os atores envolvidos. Os sindicatos e as ongs depositam algumas expectativas nas Diretrizes, utilizando a ferramenta como meio para estabelecer negociações e soluções aos problemas. Por outro lado, parece óbvio que muitas empresas não apostariam num espaço onde podem predominar denúncias. As Diretrizes seriam mais produtivas se fossem entendidas, muito mais como possibilidade de acordos de solução sobre determinados temas, semelhantes ao pacto contra o trabalho escravo. Seria algo como um “plus”, para fazer avançar a responsabilidade social acima da lei. A percepção desta oportunidade é essencial para o futuro. Nada mais ineficaz do que transformar as Diretrizes num eterno “cabo-de-guerra” ou, o que é pior, num instrumento que não traz resultados. Os obstáculos a serem superados ainda são enormes para que atinjam suas finalidades. O principal desafio é construir uma agenda do futuro tendo em vista os complexos interesses e temas envolvidos. O governo, através do PCN, pode tornar um espaço de debate para promover a conduta socialmente responsável das empresas. Parece pouco, mas, considerando que temos quase 10 mil ou mais empresas estrangeiras instaladas no país, com certeza, seria um avanço extraordinário para transformar nosso país mais justo e sustentável.

MULTINACIONAIS As empresas transnacionais são as grandes indutoras dos investimentos diretos estrangeiros e do comércio internacional.

Existem 65.000 empresas transnacionais no mundo

São 850.000 filiais e um patrimônio de US$ 25 trilhões

São responsáveis por 54 milhões de empregos diretos

Geram um faturamento de US$ 19 trilhões

Abrangem 66% das exportações mundiais Fonte: Livro Globalização e Investimento Estrangeiro, de Antonio Correa de Lacerda.

http://www.fazenda.gov.br/sain/pcnmulti


DIVULGAÇÃO

Envolvimento de todos Pedro de Abreu e Lima Florêncio

Coordenador do Ponto de Contato Nacional (PCN) - Ministério da Fazenda

Cada país tem autonomia para organizar seus respectivos PCNs. No Brasil, funciona como órgão interministerial. A coordenação é de responsabilidade do Ministério da Fazenda através da Secretaria de Assuntos Internacionais e é constituído por diversos ministérios e órgãos públicos. Ao mesmo tempo, o PCN procura envolver empresários, organizações sindicais, ambientalistas, consumidores e demais partes interessadas, principalmente as organizações não-governamentais. O Sr. acredita em diretrizes voluntárias? As diretrizes da OCDE para empresas multinacionais são um instituto relativamente novo e o seu sucesso depende fundamentalmente do esforço de divulgação empreendido, tanto na órbita interna governamental, quanto na externa, perante a sociedade. A efetividade das Diretrizes deriva, em grande medida, de atividades de promoção, pois seus dispositivos têm caráter de recomendação e de princípios voluntários, representando um mecanismo instigador de práticas socialmente responsáveis. Assim sendo, o instituto não tem força normativa. No entanto, esse caráter não vinculante não torna as diretrizes inócuas. Por que tão poucos resultados? Eu discordo. Qualquer juízo de valor a respeito da efetividade das Diretrizes no Brasil deve ser relativizada. Em

primeiro lugar, o Brasil é um dos poucos países do mundo que contam com esse instituto. Dentro da América Latina, somente Brasil, Argentina, México e Chile são signatários das Diretrizes. Só esse fato já é um avanço digno de nota. Em vários países do mundo, até o presente momento não foi recebida nenhuma denúncia referente às Diretrizes, e, em outros, o número de casos analisados é muito baixo, a despeito da existência de pontos focais para a aplicação das diretrizes há mais tempo que no Brasil. O PCN brasileiro, até os dias de hoje, concluiu uma reclamação e está conduzindo outras quatro. Deve-se lembrar, além disso, que um dos papéis fundamentais do PCN é o de conduzir mediações entre as partes adversas. A atividade mediadora não tem, a priori, prazo ótimo para ser concluída e varia caso a caso de acordo com a complexidade da situação. Um dos pontos chaves da concretização das diretrizes é o bom funcionamento do Ponto de Contato Nacional (PCN). O que o governo está fazendo neste sentido? Quais os principais obstáculos a serem superados? Eu considero que o PCN tem dois problemas básicos que são, na verdade, os seus maiores desafios. O primeiro é o baixo grau de institucionalização e de formalização procedimental do órgão, que demanda um esforço concentrado nesse sentido. O segundo é a sua parca visibilidade, que pressupõe um intenso trabalho de divulgação e promoção. Com relação ao primeiro problema, as ações que vêm sendo empreendidas são as seguintes: elaboração de relatórios do órgão em todos os casos analisados, criação de um modelo para apresentação de reclamações ao PCN, elaboração de um arcabouço normativo para balizar os procedimentos do órgão. Com relação ao segundo ponto, as iniciativas são a reformulação e atualização da

página da internet, exposição em seminários e encontros, além da criação de uma “mailing list” para divulgação personalizada de assuntos atrelados ao PCN. Dá a impressão que os sindicatos enxergam as Diretrizes muito mais como um espaço de denúncia e menos como um espaço de diálogo e negociação; enquanto isto, parece que as empresas investem pouco nas Diretrizes. Isto incomoda o governo? Como superar esta situação? O PCN faz o papel de mediador cedendo o espaço para que os setores discordantes possam chegar a um ponto em comum. No entanto, nem sempre as partes discordantes estão dispostas a sentar à mesa de negociação e abrir mão de posições rígidas para promover um acordo. A minha percepção como pessoa recentemente designada para o cargo de coordenador do PCN é a de que os sindicatos potencialmente encaram o PCN como um importante fórum de mediação e que a denúncia, de fato, pode servir como elemento de persuasão nesse sentido. Uma das maiores vantagens da mediação é a de evitar o litígio. Há pouco tempo atrás havia a idéia de constituir um Conselho do PCN com a participação das empresas, sindicatos e ongs. Esta idéia continua sendo considerada? Isto daria mais vida às Diretrizes? Sim, a criação de um foro consultivo com representantes da sociedade civil continua sendo considerada. Parece-me uma iniciativa adequada, em sintonia com os principais objetivos das Diretrizes e que, de fato, conferiria maior legitimidade às decisões do PCN. Antes de discutir a criação de um órgão de consulta estamos concentrando esforços na resolução que regulamenta o funcionamento e os procedimentos do PCN. Como segundo passo, será discutida a criação do conselho consultivo.

EM ANÁLISE Alguns casos estão sendo analisados pelo PCN em relação à possível não conformidade com as Diretrizes. Saiba mais no site http://www.fazenda.gov.br/sain/pcnmulti/documentos/casos-pcn.asp.

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Embraco:

atuação global respeita as culturas

COMO UMA DAS GRANDES INDÚSTRIAS BRASILEIRAS ESTÁ DESENVOLVENDO A POLÍTICA DE RESPONSABILIDADE SOCIAL TAMBÉM NAS SUAS UNIDADES DO EXTERIOR

34 RICARDO CORRÊA

Depois de consolidar o tema Responsabilidade Social Empresarial dentro do planejamento estratégico, a Embraco, líder mundial na fabricação de compressores herméticos para refrigeração com sede em Joinville (SC), iniciou este ano um trabalho de implantação do tema nas fábricas e escritórios no exterior. Os trabalhadores do México, Estados Unidos, Itália, Eslováquia e China estão sendo ouvidos para levantar os dilemas do dia-a-dia, de acordo com a cultura de cada país. No Brasil já foram realizados 15 seminários e uma consulta a 500 funcionários, desenvolvendo os “Princípios Éticos Embraco”. Em fevereiro deste ano, durante o Ciclo de Planejamento Estratégico, foram definidas cinco principais frentes de atuação da política de Responsabilidade Social Empresarial

(RSE) globalmente, que abrangem os procedimentos de gestão da diversidade, políticas de investimento social, elaboração dos princípios éticos, inclusão dos indicadores de RSE no modelo de gestão da empresa e a inclusão do tema nas outras estratégias da empresa. Essas definições servem também para planejar as ações nas unidades da Embraco no exterior. “O nosso grande desafio é que não podemos levar nenhum pacote pronto daqui pra fora. Precisamos constatar como é a realidade em cada um dos países para depois inserir as ações que vão além das iniciativas com a comunidade, hoje já existentes em alguns países”, afirma a gestora de Responsabilidade Social, Rosângela Santos Coelho. Em uma das frentes, a que inclui os indicadores de RSE, o trabalho que está sendo desenvolvido é junto com o Programa Nacional de Qualidade (PNQ). “O modelo de gestão da Embraco é baseado no PNQ, que realiza avaliações todos os anos para

Histórico das ações Em 2001 o tema Responsabilidade Social Empresarial passou a integrar o planejamento estratégico da empresa, destacando o aprimoramento da prática com impacto em sua sustentabilidade. A partir desta decisão, a Embraco realizou no Brasil um fórum Ginástica laboral foi uma das iniciativas adotadas


FOTOS:DIVULGAÇÃO EMBRACO

Seminário para elaboração dos princípios éticos na China

garantir níveis de excelência em diversos procedimentos, mas as áreas socioambientais não são amplamente tratadas neste modelo, por isso solicitamos que a consultoria em responsabilidade social empresarial incluísse seus indicadores dentro do nosso modelo. Isso já começou e em outubro já foi feita a primeira avaliação, em todas as unidades, incluindo as questões de RSE”, explica Rosângela. A questão da diversidade é outro ponto que está sendo fortemente desenvolvido, porque a organização acredita que a diversidade vai além de cor, raça e gênero. “As pessoas

“O nosso grande desafio é que não podemos levar nenhum pacote pronto daqui pra fora. Precisamos constatar como é a realidade em cada um dos países para depois inserir as ações”

são diferentes e pelo fato de a empresa estar em diversos países podemos dizer que a diversidade está no seu DNA. Mas mesmo assim temos o cuidado em cumprir a cota de contratação de pessoas com deficiência e realizamos parcerias para qualificar estas pessoas, entre outras questões”, diz a gestora. Ela acredita que há diferenças visíveis e as invísiveis, e nestas últimas é que se encontram as maiores barreiras a vencer entre o próprio corpo de funcionários. Na implantação da política de gestão da diversidade estão sendo realizados workshops que já sensibilizaram 200 lideranças da empre-

dirigido a todos os gestores, com a participação do Instituto Ethos de Responsabilidade Social Empresarial e do Instituto Akatu. Em 2002 foi realizado um diagnóstico interno com a aplicação dos Indicadores Ethos e atribuiu à Embraco a nota média de 6,17, acima da média do banco de dados do Instituto, mas mesmo assim ainda com a identificação de vários pontos de melhoria como a estruturação de um plano de ação, que já estava em andamento.

Em 2003 a empresa adotou como conceito de responsabilidade social empresarial: “Adotar uma postura ética e transparente no relacionamento que estabelece com seus diversos públicos e assegurar que não só aspectos econômicos, mas também os ambientais e sociais, sejam considerados nessas relações”. Neste mesmo ano foi lançado o Relatório Social 20012002, documento agraciado com o Prêmio Balanço Social, promovido por diversas entidades do setor. A quarta edição, lançada este ano,

segue parcialmente as diretrizes do Global Reporting Initiative (GRI), principal iniciativa mundial de padronização da prestação de contas da sustentabilidade. Em 2004 a empresa tornou-se signatária do Pacto Global, movimento liderado pela Organização das Nações Unidas (ONU), que procura incentivar as instituições que aderem ao acordo e consolidar medidas que promovam inclusão social, sustentabilidade ambiental e redução das desigualdades.

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DIVULGAÇÃO EMBRACO

Relações com a comunidade

Ação social em Hospital da Eslováquia

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As manifestações espontâneas dos funcionários deu respaldo para a criação do Programa de Voluntariado Embraco (Prove), lançado em 2003 com o objetivo de incentivar e organizar as ações ligadas à saúde e à educação, cujo público-alvo são as crianças e adolescentes. Atualmente o Prove tem 100 voluntários em trabalhos com 10 instituições cadastradas no Programa. Internamente, as atividades dos Círculos de Controle de Qualidade (CCQs) também contam com grupos que atuam de maneira voluntária na elaboração de vários projetos que vão desde as melhorias de condições de trabalho a iniciativas com a comu-

nidade local. Na área ambiental, há 13 anos foi criado o Prêmio Embraco Ecologia, destinado a despertar nas novas gerações o respeito pelo meio ambiente e a consciência em preservar os recursos naturais. Desenvolvido com a rede de ensino, passou a receber projetos e até hoje já foram mais de 448 inscrições com 49 premiações, envolvendo 58 mil pessoas. NO EXTERIOR – Nas unidades fora do Brasil também são desenvolvidas relações com a comunidade, como o concurso de poesia e as aulas de educação ambiental para crianças e jovens da Itália. Na Eslováquia ainda mantêm-se ações filantrópicas com um hospital e na China os funcionários-voluntários trabalham com educação em uma comunidade de filhos de presidiários. “São ações que iniciam voluntariamente pelas ações dos funcionários e que respeitamos, mas agora já temos o levantamento de dados para implantar a política de responsabilidade social empresarial que nos dará excelentes resultados, é nossa expectativa”, diz Elaine Arantes.

sa e a meta é que mais 500 funcionários de áreas estratégicas passem por estes cursos para tornarem-se agentes da diversidade. “Não é tão fácil, os próprios funcionários não possuem a cultura de aceitar as diferenças no cotidiano. Sabemos que preconceitos existem em todos os lugares e em todos os níveis, em menor ou maior grau. O que fazemos é minimizar isso. Até mesmo o processo de seleção e recrutamento está sendo revisto, assim como vamos passar por uma revisão das carreiras”, adianta Rosângela. Em ações concretas, destaca-se a oferta da Embraco de disponibilizar planos de saúde para companheiros e companheiras de casais homossexuais, uma continuidade importante já que há mais tempo as mulheres podem colocar os maridos como dependentes. Na Europa esta questão é mais avançada do que aqui. Rosângela conta que na Itália e na Eslováquia a diversidade é um assunto debatido há muitos anos e a empresa acompanha isso. A coordenadora corporativa de RSE da Embraco, Elaine Arantes, retornou em setembro de um giro pelas plantas da empresa na Europa e na China realizando algumas ações de levantamento e de consolidação dos princípios éticos. Ela conta que os colaboradores possuem perfil de pessoas conscientes e preocupadas com questões globais de desenvolvimento sustentável. “Longe da filantropia, os funcionários no exterior estão cientes de assuntos como escassez de água, entre outros, o que facilita o nosso trabalho”, conta ela, que trouxe na bagagem informações importantes para desenvolver o trabalho de trazer a RSE para dentro da empresa. “O fato de ser considerada uma questão estratégica é o grande avanço. Temos certeza que em breve poderemos mostrar um grande retorno no Brasil e em todas as unidades da Embraco nos outros continentes”, diz. As relações com a comunidade, que estão dentro do quesito investimento social, representam a ponta mais concreta da política de RSE, justamente por fazerem parte há mais tempo da história da empresa. No exterior estas relações ocorrem em forma de iniciativas de preservação ambiental, educação e também ações filantrópicas.


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responsabilidade social

O novo jeito de fazer negócios

IMPACTOS DA SOJA

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Os participantes de um seminário técnico organizado pelo Fórum Global sobre Soja Responsável (RTRS) chegaram a um consenso para indicar alguns impactos ambientais e sociais da produção de soja. São eles: - transformação do hábitat e perda de biodiversidade; - degradação e erosão do solo; - poluição e efeitos dos agroquímicos na saúde ambiental e humana e mudanças hidrólogicas qualitativas e quantitativas; - não cumprimento dos direitos dos trabalhadores e dos padrões da OIT; - perda dos meios de subsistência dos pequenos agricultores; - migração; - conflitos pela terra (aquisição ilegal, violação dos direitos de uso, e direitos das comunidades indigenas). O debate realizado entre os participantes do workshop vão auxiliar no desenvolvimento e aperfeiçoamento de critérios e indicadores para a produção, processamento e comercialização responsável de soja.

Soja responsável 13,1 mil quilômetros quadrados foram desmatados na Amazônia entre agosto de 2005 e agosto de 2006, de acordo com estimativa do governo. O número corresponde a uma queda de 30% em relação ao período anterior. Este é o segundo ano consecutivo de queda, desde o pico de 27.429 quilômetros quadrados registrados em 2003-2004 – o segundo maior da história.

Princípios debatidos no Fórum Global dependem da definição de critérios e indicadores objetivos

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xistem algumas contradições no debate da cadeia produtiva da soja. A dificuldade em discutir as sementes geneticamente modificadas (OGMs), a ausência de países e de representantes de produtores da agricultura familiar, dos consumidores ou dos trabalhadores da indústria. Isto ficou evidente no Fórum Global realizado este ano em agosto e setembro no Paraguai. Também conhecido como Mesa Redonda da Soja Responsável (RTRS, sigla em inglês) é um Fórum que reúne países, produtores, indústria, exportadores, ongs, varejistas e consumidores de diversos países.

A participação dos países, agentes financeiros e atores sociais ainda é desigual. Os Estados Unidos, maior produtor e exportador, e a China, maior importador, não estão presentes até o momento. As empresas, os grandes produtores, bancos e os traders têm participação ativa. As entidades do agronegócio estão bem representadas. Do ponto de vista da agricultura familiar, de sindicatos industriais e de consumidores, a ausência é significativa. É possível que exista uma certa descrença em relação aos resultados finais desse processo. No Brasil, há poucos exemplos em que um processo negociado com o


MUDANÇAS

Outras questões importantes ainda não foram discutidas e decididas como, por exemplo: a aplicação dos princípios será adesão voluntária ou obrigatória? Quem vai monitorar a aplicação dos critérios? Será emitido um certificado para quem respeitar os princípios e critérios? Quem vai credenciar as certificadoras? Outro elemento chave é qual será o comportamento dos consumidores dos produtos oriundos da Soja Responsável na hora das suas compras. Portanto, num cenário futu-

ro hipotético, se este movimento da Soja Responsável evoluir, poderá se tornar um dos fatores de seleção – inclusão ou exclusão – da modernização do conjunto da cadeia de valor. A mudança na cadeia de valor implicará custos. É certo que existem técnicas cujo custo é mínimo. No entanto, conforme está escrito no anexo da Declaração, “as despesas e cargas de aderir aos Princípios deverão ser compartilhados eqüitativamente entre produtores, processadores e consumidores”. O termo eqüitativo pode suscitar diferentes interpretações de que os custos serão distribuídos de forma igual para todos, inde-

pendente das diferenças que existem entre os atores presentes no Fórum Global. Como distribuir custos iguais para produtores tão diferentes? É preciso uma definição que deixe mais explícito que os custos – quando existirem – serão distribuídos proporcionalmente às diferentes condições dos seus membros, especialmente em relação ao “elo mais fraco” da cadeia de valor. Caso contrário, serão os consumidores e, muito provavelmente, os agricultores familiares ou as comunidades mais tradicionais que pagarão a maior parte os custos desta modernização. Em relação aos direitos sociais e trabalhistas, citados no anexo da Declara-

Por que o Fórum Global? O Fórum Global é uma iniciativa que merece atenção pelos seguintes motivos: Reúne países e atores representativos da cadeia de valor Os impactos negativos são reconhecidos e há disposição de solucioná-los através da negociação

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Os princípios da Soja Responsável são referências importantes para provocar mudanças no setor Decisão de criar critérios e indicadores O comitê coordenador deverá contemplar os diversos segmentos da cadeia de valor A iniciativa pretende se tornar uma instituição legal

FOTOS: SÉRGIO VIGNES

setor empresarial resultou em ganhos concretos para os setores mais fragilizados. Os bancos privados estão participando. Do ponto de vista do Brasil, entretanto, há a ausência do Banco do Brasil (BB) que é um dos principais financiadores da produção de soja. A 2ª Mesa Redonda ocorreu em Assunção (Paraguai) com o objetivo de promover mudanças no sistema de produção, processamento e comercialização na cadeia de valor da soja. É uma resposta às enormes pressões dos mercados, dos consumidores, dos governos e da atuação de ongs que, cada vez mais, exigem uma produção sustentável. A “Soja Responsável” poderá ser uma transição do atual sistema em direção à sustentabilidade da cadeia de valor. Pretende-se alcançar uma “soja economicamente viável, socialmente eqüitativa e ambientalmente sustentável, através da promoção dos efeitos sociais positivos e a mitigação dos impactos negativos”. Se a modernização do segmento é bem vinda, a expectativa e que traga resultados para todos. Um dos pontos principais do Fórum Global é a definição dos princípios, que são os compromissos que vão orientar as mudanças no modelo. Os princípios procuram atacar de frente os impactos negativos. Para concretização dos princípios da Soja Responsável, serão definidos critérios e indicadores objetivos que vão mensurar e monitorar a evolução das ações aplicadas.


RESPONSABILIDADE SOCIAL

www. responsiblesoy.org

Como vai funcionar? Na estrutura de gestão do Fórum Global, está previsto que sua institucionalização ocorra por meio de um Comitê Coordenador com 15 membros no total (5+5+5), sendo: cinco membros de produtores, cinco da indústria e sistema financeiro e cinco das ongs. Na câmara reservada aos produtores é essencial que se garanta a participação de membros ligados à agricultura familiar, caso contrário Fórum Global da Soja será enfraquecido. Os critérios e indicadores deverão materializar a aplicação dos princípios da Soja Responsável. Serão contratados “experts” para produzi-los num prazo de 18 a 24 meses, com consultas públicas e posterior aprovação pelo comitê diretivo. São várias questões envolvidas, entre elas: a) se os critérios e indicadores serão obrigatórios (mais rígidos) ou mais promocionais (flexíveis); b) como será a implantação, um processo de melhoria contínua ou se estabelece um mínimo aceitável (qual é o mínimo? o que é aceitável?); c) quem vai monitorar e certificar o respeito aos princípios e critérios?; d) quem cumprir os critérios, após o monitoramento, terá direito à certificação de Soja Responsável e acesso preferencial nos mercados compradores?

FOTOS:SÉRGIO VIGNES

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ção, revela uma visão sobre responsabilidade social: “A cadeia de valor da soja deverá cumprir com todas as regulações trabalhistas e as normas da OIT”. Deverá não significa um compromisso explícito de cumprir o que a lei já exige. Aqui não se trata apenas de palavras, mas qual visão de responsabilidade social vai predominar. O cumprimento das legislações nacionais é o mínimo para fazer parte da Soja Responsável. O título de “responsável” deve ser auferido para quem realiza ações que estejam acima da lei, se não, o termo “Soja Responsável” vai virar mais uma peça de marketing. A Declaração faz menção às normas da OIT (Organização Internacional do Trabalho). Porém, como se trata de Fórum Global, seria prudente que fosse incluído no texto, de maneira clara, o respeito à Declaração dos Direitos Fundamentais no Trabalho da OIT (são oito normas e quatro direitos): direito sindical e negociação coletiva; não discriminação e promoção da igualdade; não ao trabalho escravo e não ao trabalho infantil. São direitos que garantem um patamar mínimo frente à escala global da cadeia de valor da soja. A transição do atual modelo de produção para um modelo sustentável exige uma combinação de medidas emergenciais com medidas de longo prazo. A moratória contra o desmatamento na Amazônia, o respeito à legislação nacional, a proteção às áreas de conservação, a proteção de sistemas de subsistência e a adesão à Declaração dos Direitos Fundamentais no Trabalho da OIT são alicerces mínimos para as mudanças reais no modelo de produção. Seria oportuno que, desde já, fosse estabelecido um compromisso público da cadeia de valor com os princípios gerais como uma condição indispensável para ser parte da Soja Responsável, tendo em vista que a definição dos critérios e indicadores será um processo demorado.

Estas questões suscitam maior reflexão sobre a eficácia da aplicação dos princípios e critérios. A experiência mostra que não adianta ter um belo documento que não seja respeitado, mas também não resolve um documento tão genérico que não mude nada. Outra questão de fundo é sobre qual será a conduta dos agentes financeiros em relação aos produtores ou empresas da cadeia de valor: eles indicarão adaptações para que possam acessar créditos ou cortarão o crédito de quem agride o meio ambiente e direitos sociais? Quais serão os benefícios financeiros para quem aplicar os princípios e critérios? Estas opções farão toda a diferença para que princípios da Soja Responsável sejam concretizados e, com isto, tragam mudanças reais no conjunto da cadeia de valor. É o momento de tomar decisão, porque as regras estão sendo definidas. Há muitos riscos e oportunidades, tanto para quem participa como para quem não participa. Fazer escolhas nunca é fácil, e as diferentes opções escolhidas sempre trazem enormes conseqüências.


DIVULGAÇÃO/ETHOS

Reforma ou remendo político

ODED GRAJEW Presidente do Conselho Deliberativo do Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social, membro do Conselho Internacional do Pacto Global; idealizador do Fórum Social Mundial; idealizador e expresidente da Fundação Abrinq (período 19901998); membro do Conselho de Desenvolvimento Social e Econômico; ex-assessor do Presidente da República (2003)

A cada novo escândalo envolvendo políticos, a cada campanha eleitoral, a cada discurso de vitória e de posse, desde que o Brasil reconquistou a democracia, reaparece o tema da reforma política. Muitas mudanças já foram feitas mas nenhuma delas inibiu a corrupção nem impediu a degradação da imagem dos políticos e a descrença crescente da população nas instituições e na democracia. A promessa da reforma política resultou num remendo que procura deixar intocáveis os fundamentos do sistema político. Por exemplo, a última tentativa de reforma resultou na proibição dos showmícios. Tudo isto por duas razões: os nossos governantes, que têm o poder de fazer a reforma, chegaram ao poder e o exercem graças ao atual sistema político. Qualquer mudança mais profunda pode representar uma grande ameaça às suas carreiras. Por outro lado, a sociedade ainda não tomou consciência dos péssimos impactos sociais e econômicos causados pelo atual sistema, e portanto não se mobiliza para exigir uma reforma para valer. Para que não tenhamos novamente um remendo político diante das novas promessas de uma reforma, é necessária uma profunda reflexão sobre os objetivos que queremos atingir. Creio que a meta deveria ser inibir a corrupção na política e ter um sistema que coloque o interesse público em primeiro lugar, promovendo a justiça, os direitos humanos e o desenvolvimento sustentável. Neste sentido, se não quisermos novamente nos enganar, duas medidas são fundamentais. A primeira delas é o financiamento público de campanhas. É evidente que os candidatos que chegam ao poder têm que atender prioritariamente seus financiadores, por compromissos assumidos e já de olho nas próximas eleições. Geralmente as políticas resultantes não são de interesse público, mas atendem principalmente o interesse dos financiadores, na sua quase totalidade per-

tencentes à camada mais rica da população. O assunto é tão delicado que, no último remendo eleitoral, os parlamentares não quiseram obrigar os candidatos a revelar, no decorrer da campanha, a lista dos doadores. Atender os financiadores e a preocupação em garantir os recursos para as campanhas são também um enorme incentivo à corrupção. Alguns dirão, com razão, que apenas o financiamento público não inibe o aparecimento de financiamento privado clandestino. O financiamento público, destinando um valor fixo para a campanha relativa a cada cargo, a publicação diária dos gastos pela Internet e o estabelecimento de punições pesadas aos infratores tornariam muita arriscada e quase impossível a fraude. A segunda medida é a substituição dos milhares de cargos de confiança, em nível federal, estadual e municipal, por funcionários de carreira admitidos por concurso público, a exemplo do que ocorre em todas as democracias avançadas no mundo. O preenchimento destes inúmeros cargos de confiança, renovados a cada eleição, por critérios geralmente partidários, pessoais e familiares, tornam a máquina pública extremamente ineficiente (o que geralmente prejudica os pobres que dela dependem) e facilita a corrupção (não é à toa que os cargos que controlam os maiores orçamentos são os mais disputados). É claro que é preciso determinar a fidelidade partidária, debater a forma do voto (distrital, distrital misto ou outro qualquer), mas se não colocarmos o dedo na ferida promovendo as duas medidas acima citadas, estaremos novamente nos iludindo com um novo remendo. Certamente a resistência da classe política será, como sempre foi, enorme. Tomara que a indignação com a corrupção e com a péssima qualidade dos serviços públicos se transforme numa ampla mobilização e pressão por uma reforma política de verdade.

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PEDRO MARTINELLI / ISA

SALVE A ÁGUA

ENSAIO


BOA DO XINGU

rio Xingu aproximadamente 2 mil e 700 quil么metros de extens茫o


ENSAIO Considerado símbolo da diversidade biológica e cultural brasileira, o rio Xingu está ameaçado por um processo acelerado de uso e ocupação do território. O desmatamento das suas cabeceiras dobrou nos últimos dez anos e muitas nascentes estão secando, afetando a qualidade de vida de 250 mil pessoas, incluindo 18 povos indígenas. Pela proteção e recuperação das nascentes e matas ciliares, foi lançada a campanha “Y Ikatu Xingu – Salve a Água Boa do Xingu”. De forma inovadora, reúne índios, pesquisadores, organizações civis, produtores rurais, movimentos sociais e autoridades. Um exemplo de união para reverter a degradação ambiental. Uma série de articulações, reuniões e debates já resultaram na implementação de várias iniciativas de proteção e recuperação ambiental.

PEDRO MARTINELLI / ISA

acampamento índios Yudja, numa praia em frente à Aldeia Tuba Tuba


PEDRO MARTINELLI / ISA

vista aĂŠrea Aldeia Ipatse do povo Kuikuro

BETO RICARDO / ISA

lagoa Aldeia Aiha do povo Kalapalo




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Novas Tecnologias Sociais

Orgânicos: ambiente e saúde agradecem Larissa Barros e Michelle Lopes

Um produto orgânico é o resultado de um processo que tem como princípio a sustentabilidade

TECNOLOGIA SOCIAL

www.aao.org.br www.agricultura.gov.br www.agroecologiaemrede.org.br www.cnpab.embrapa.br www.ecocentro.org www.ibama.gov.br/ambtec www.sebrae.com.br

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mil é o número de agricultores brasileiros produzindo orgânicos, sendo 70% deles familiares, de acordo com dados da Söl Ecologia e Agricultura, uma organização não-governamental com sede na Alemanha

FOTOS:SÉGIO VIGNES

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O processo de conexões na agroecologia faz com que, na maioria dos casos, a produção de orgânicos esteja bastante ligada ao conceito de Tecnologia Social. No âmbito da RTS, por exemplo, pelo menos dois projetos em andamento viabilizam a comercialização de alimentos livres de fertilizantes ou agrotóxicos. São eles: Produção Agroecológica Integrada Sustentável, conhecida como sistema Pais e Certificação Socioparticipativa de Produtos Agroextrativistas. Este último foi lançado no mês de novembro. Numa parceria, Fundação Banco do Brasil, Petrobras e Rede GTA pretendem contribuir para o aperfeiçoamento de técnicas tradicionais de manejo dos recursos naturais, buscar sinergias entre instituições e produtores familiares e promover articulações no mercado local e nacional.

Seu José chega ao supermercado e vai direto à seção de frutas e verduras. Quer comprar para sua família alface com folhas grandes, verdes, bonitas. Encontra na gôndola de produtos orgânicos. Esta cena resume duas novidades ligadas à agroecologia. Como costuma dizer o engenheiro agrônomo Aly Ndiaye, foi-se o tempo em que os alimentos cultivados sem fertilizantes eram “pequenos e feinhos”. Agora, eles são tão bonitos quanto os produtos tradicionais e muito mais nutritivos. Além disso, quando um consumidor compra um orgânico, ele não está levando apenas um alimento livre de agrotóxico, mas o resultado de um processo de produção que tem como princípio a sustentabilidade do meio ambiente. O cuidado com a saúde é apenas uma dimensão que explica o consumo de orgânicos. “A questão é muito maior. Trata-se da sobrevivência do planeta. O modelo tecnológico atual adotado na agricultura não se sustentará por muito tempo”, avalia o permacultor Paulo Lenhardt, um dos fundadores da Rede Ecovida e membro do Grupo de Agricultura Orgânica (GAO). A cada dia surgem mais pro-

dutores orgânicos em função da grande demanda do mercado. De acordo com o Sebrae Nacional, o crescimento está em torno de 30% ao ano no Brasil. As estatísticas oficiais do país serão obtidas após a implementação dos mecanismos de controle estabelecidos na regulamentação da Lei 10.831/03. Esse é o principal marco legal da agricultura orgânica brasileira. “O governo tem trabalhado com os dados levantados em certificadoras e com as comissões da produção orgânica nas Unidades da Federação”, explica Rogério Pereira Dias, coordenador geral de desenvolvimento sustentável, no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa). Diante deste cenário, o governo brasileiro está unindo esforços para internalizar atividades da rede de produção orgânica. Também serão estabelecidas linhas de crédito diferenciadas para os produtores e produtoras. “O Ministério da Agricultura tem várias atividades sendo algumas específicas estabelecidas no Programa de Desenvolvimento da Agricultura Orgânica, o Pró-Orgânico. A produção orgânica é um de nossos objetivos estratégicos”, afirma Dias. As atividades do Pró-Orgânico deverão ser realizadas até 2007. A expectativa é que seja aprovada a continuidade do Programa para o Plano Plurianual (PPA 2008-2011). Além das articulações com o governo e empresas, os produtores de orgânicos estão cada vez mais organizados em associações, cooperativas e redes. Algumas já se tornaram referência naci-


onal, como a Rede Ecovida, Rede Cerrado e Articulação Nacional de Agroecologia (ANA). AGROECOLOGIA Na modalidade “participativa”, ocorre um sistema solidário de geração de credibilidade no qual a elaboração e a verificação das normas de produção ecológica são realizadas com a participação efetiva de agricultores e consumidores. Para a presidente da Rede GTA, Maria Araújo de Aquino, a certificação socioparticipativa é uma estratégia de construção da cidadania: “Os próprios grupos locais de produtores garantem a lisura uns dos outros.

Se houver qualquer irregularidade, todo o grupo pode ser prejudicado”. Os produtos são encontrados em supermercados, mercadinhos e feiras. Há ainda uma grande procura por orgânicos brasileiros no mercado internacional. Mas o escoamento da produção ainda exige aprimoramentos. No Semi Árido brasileiro, os agricultores trocam idéias em busca de soluções. “Em Esperança, na Paraíba, nossa primeira atitude foi construir um espaço agroecológico diferente da feira convencional”, lembra Diógenes Fernandes, produtor rural e técnico do Pólo Sindical da Borborema.

Experiências semelhantes foram acontecendo no Estado e, numa parceria com o governo, os produtores passaram a vender alimentos agroecológicos para escolas públicas e creches. Com o olhar no futuro, Fernandes revela os planos para 2007: “Vamos ampliar as ações. A expectativa é que, pelo menos, 100 agricultores se envolvam nesse programa, na Paraíba, em parceria com 30 instituições. Isso vai depender da capacidade de produção dos agricultores e dos municípios”. www.ecovida.org.br

FOTOS: SÉRGIO VIGNES

O que acontece quando você compra produtos orgânicos

Sua comida fica mais gostosa - Esta é a razão pela qual muitos dos famosos chefs procuram produtos orgânicos. As substâncias químicas ficam fora de seu prato - “Orgânicos” significa produzidos sem pesticidas, herbicidas ou fungicidas tóxicos ou fertilizantes artificiais.

ARQUIVO SEBRAE/NACIONAL

Você protege as futuras gerações - Um relatório do Environmental Group (Grupo de Trabalho Ambiental) diz: “Quando uma criança completa um ano de idade, já recebeu a dose máxima aceitável para uma vida inteira de oito pesticidas que provocam câncer”. Você protege a qualidade da água - Pesticidas se infiltram nos lençóis freáticos e córregos de água. Você refaz bons solos - Revertemos a perda anual de bilhões de toneladas de terra boa. Você gasta menos, com melhor nutrição - Frutas e hortaliças orgânicas contêm 2,5 vezes mais minerais que o alimento produzido artificialmente. Você paga o verdadeiro custo da comida - Uma alface convencional parece custar 50 centavos, mas não se esqueça os custos ambientais e médicos. E mesmo assim, há possibilidades de o produto orgânico ser mais barato, hoje em dia ainda não é porque a demanda é maior do que a oferta. Você contribui com o trabalho do pequeno agricultor - Comprar o produto orgânico ajuda a manter as pequenas propriedades. Você ajuda a restaurar a biodiversidade - Fazendas orgânicas criam ecossistemas fortes equilibrados e culturas mistas, em vez de monoculturas, que são mais sensíveis a pragas.

Denizon dos Santos - renda com produção de orgânicos através do Sistema “Pais”

Você reduz o aquecimento global e economiza energia - O solo tratado com substâncias químicas libera uma quantidade enorme de gás carbônico, gás metano e óxido nitroso, segundo Lovins, do Instituto das Montanhas Rochosas.

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Ecovida organiza cadeia de produtos

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RTS - Como foram os trabalhos da Rede Ecovida, este ano? Lenhardt – Concluímos o processo de regulamentação da Lei 10.831/03, pois uma vez a lei aprovada, ela vai para auditoria pública e, em seguida, para apreciação na Casa Civil, na Presidência da República. Também participamos de grandes eventos, como a Biofach América Latina, realizada em São Paulo; e o Terra Madre, evento promovido pela Slow Food, em Turim, na Itália. Levamos produtos e tivemos espaço para compartilhar nossa experiência. Algo muito bom foi consolidar a Cooperativa sem Fronteiras, que reúne organizações de produtores ecologistas da América Latina e europeus, além de consumidores. Hoje, já somos nove países, com 13.618 sócios. A idéia da Cooperativa sem Fronteiras é trabalhar a questão do comércio justo, trocando produto, tecnologias e informação. É uma relação direta entre quem produz e quem consome, eliminando o atravessador e mantendo o caráter ecológico. RTS – A Rede Ecovida é muito conhecida por promover certificação socioparticipativa? Como você entende essa tecnologia social? Lenhardt – Basicamente, como um processo de geração de credibilidade, onde um coletivo credita o outro, seguindo normas bem rígidas. Esse contexto é bem mais seguro. No sistema tradicional, um auditor verifica o andamento das ações. Em nosso caso, é o coletivo, formado pelos próprios produtores rurais, organizações de consumidores, pequenos comerciantes etc. Na verdade, os produtores trocam informações, produtos, tecnologia, mas sobretudo a questão da credibilidade. RTS – A certificação está diretamente ligada à produção de orgâni-

Quando se fala em produtos orgânicos, a Rede Ecovida está entre as principais referências nacionais e internacionais. Criada em 1998, reúne agricultores familiares, técnicos, consumidores, pequenas agroindústrias, comerciantes ecológicos e pessoas comprometidas com o desenvolvimento da agroecologia. A Rede possui núcleos nos três estados da Região Sul: Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Em entrevista à RTS, o permacultor Paulo Lenhardt conversa sobre as principais ações realizadas em 2006 e as perspectivas da Rede Ecovida para o futuro. Ele é um dos fundadores da Rede e membro do Grupo de Agricultura Orgânica (GAO).

cos, sejam alimentos, cosméticos, medicamentos e até utensílios de limpeza. Por que cresce o consumo de orgânicos? Lenhardt – Há dez anos, eu diria que era uma questão de opção. Hoje, eu digo que é uma questão de sobrevivência no contexto geral, incluindo a economia, a área social e o meio ambiente. O modelo tecnológico atual, adotado na agricultura, não se sustenta. A economia tradicional não

considera a questão ambiental. Por isso, ocorrem a degradação ambiental, o êxodo rural, o efeito estufa, desastres ambientais. Isso tudo tem um custo socializado que a humanidade não conseguirá pagar nos próximos anos. Diante desse cenário, entra a importância da produção orgânica que visa resgatar a sustentabilidade na produção. Quando falamos de agricultura ecológica, falamos de todo um processo, e não apenas do produto. RTS – Qual é o panorama, em relação à venda desses produtos? Lenhardt – Para nós, a comercialização não é um problema. A Rede Ecovida tem mais de 100 feiras espalhadas na Região Sul, onde há uma relação direta entre quem produz e quem consome. Além disso, somente no Vale do Cai, Estado do Rio Grande do Sul, temos uma demanda 20 vezes maior do que a produção atual. RTS – Quais são as perspectivas para o futuro, quanto à Rede Ecovida? Lenhardt – Estamos com um trabalho forte na formação de agricultores, principalmente os agentes de formação. Dentro da Rede, temos vários processos andando nesse sentido. Também estamos trabalhando com as bioenergias. É possível ter óleos vegetais como combustível para máquinas, tratores, caminhões. Estamos aproveitando a produção de oleaginosas. Também utilizamos óleo reciclável, aquele que sobra nos restaurantes. Na região Sul, já temos 15 equipamentos funcionando com esse tipo de reciclável. Minha caminhonete, por exemplo, já está com 80 mil quilômetros rodados. A descarga tem cheiro de pastel frito, por isso o único inconveniente é afastar os cachorros.


Como saber que aquela camiseta bacana, o jeans da moda ou a blusa fashion faz parte do mundo que você deseja? De onde vem o algodão e onde foi fabricado? Os preços pagos são justos e os trabalhadores que costuraram a sua peça favorita são bem tratados? Quem sabe disso na hora em que entra num provador ou passa pelo caixa? O consumidor moderno, mais ligado aos problemas socioambientais gostaria de saber isso. São homens e mulheres que não estão mais dispostos a roubar a cena em uma festa e depois ser lembrado que sua estrela sobe graças à situações degradantes no Brás, em São Paulo, no Nordeste do país ou na China. E para quem acha que se trata apenas de um nicho pequeno, vale ressaltar que uma pesquisa realizada no último London Fashion Week indicou que 78% consideram isso importante. O jornal britânico Times chamou isso de “black is green”, ou seja, o pretinho básico agora é verde! O mundo da moda está acordando e procura controlar as condições socioambientais sob as quais são produzidas as peças que trazem a etiqueta das suas valiosas marcas. Exigências e auditorias parecem começar a trazer seus resultados. Algumas empresas de marcas altamente valorizadas pelo público jovem como Gap e Nike deram novos passos importantes ao divulgar com bastante franqueza seu progresso quanto a melhorar a responsabilidade social nas suas vastas redes de fabricantes.

DIVULGAÇÃO KUYICHI

Moda transparente...

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FOTOS:DIVULGAÇÃO MADE-BY

Pela internet é possível rastrear desde a origem do algodão até a organização detentora da marca, passando pelas outras etapas da cadeia produtiva, como a fabricação do tecido e a costura das peças.

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Made-By® é uma iniciativa desenvolvida pela Ong Holandesa “Solidaridad” famosa por suas inovações no mercado de comércio justo. A Fundação Made-By é gerida por representantes dos produtores, das marcas privadas afiliadas e de Ongs envolvidas. Para mais informações: www.made-by.org (em inglês) tel: +31 20 52 30 666


Agora existe também uma organização chamada Made-By© que vai além. MadeBy© é uma “marca guarda-chuva”, um tipo selo de garantia, de uma cadeia produtiva sustentável que usa como símbolo um botão azul, costurado em cada peça comercializada. Made-By© não garante apenas que as condições nos ateliês de costura cumpram com as nossas expectativas, também vai à origem da matéria-prima - em geral o algodão - para ter certeza que os preços pagos foram decentes e que a lavoura respeita o meio ambiente. Mas Made-By© não pára aqui. Atenta à ansiedade dos consumidores modernos, ela não pede para confiar simplesmente na palavra, num selo, num botão. Na etiqueta de cada peça se encontra um código. No site da Made-By© esse código pode ser inserido e a cadeia produtiva se revela ao consumidor rapidamente na tela. UM EXEMPLO Assim, quando compramos uma camiseta da marca M’Braze, podemos ver na internet a organização detentora da marca. Verificamos que a camiseta foi produzida em Arequipa, no Peru, pela empresa Franky & Ricky e que está em processo de certificação SA8000. O site nos informa também que o algodão vem da cooperativa de agricultores orgânicos “Oro Blanco” de Cañete, e que a cooperativa paga preços honestos, oferece crédito e assistência técnica. Onde possível, as organizações têm seu próprio website para mais informações e contato direto.

Até agora Made-By© relaciona os consumidores europeus com produtores de Peru, Índia, Uganda e Tunísia. Em breve seguirão alguns países do leste europeu, a Turquia e a China. MadeBy©oferece um exemplo que merece nossa atenção. Não somente como alternativa para o setor vestuário, mas como uma forma de tornar a cadeia produtiva mais transparente e acessível para o consumidor. Nada impede o Brasil de seguir esta moda e promover o mundo que o consumidor moderno deseja.

FOTOS:DIVULGAÇÃO KUYICHI

Em pouco mais de um ano, 15 marcas aderiram ao Made-By©. Não se trata de marcas com pouco estilo ou destinadas aos “naturebas”, mas de moda com um valor agregado. A marca jeans Kuyichi, por exemplo, concorre num nicho com marcas famosas como Levi’s, Diesel e Calvin Klein. Esta marca conseguiu em cinco anos se estabelecer no mercado europeu e hoje está sendo vendida em 14 países na Europa.

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AMBIENTE

Cuidando da vida

Desafio do século XXI:

AQUECIMENTO GLOBAL Greenpeace

20 INCENTIVO À PRESERVAÇÃO

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O Brasil é o quarto maior emissor de gases estufa do mundo e o desmatamento das florestas responde por 75% do total de poluentes liberados na atmosfera. Para reagir, o governo brasileiro apresentou, na Convenção das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, uma proposta de incentivos para reduzir as emissões, que consiste em um mecanismo voluntário de redução nas emissões de gases estufa, vinculado a recursos financeiros de um fundo internacional. Este fundo seria composto por doações de dinheiro feitas voluntariamente por países desenvolvidos. Os países que conseguissem reduzir os índices de desmatamento receberiam a recompensa.

anos é o tempo aproximado para que o mundo reverta a tendência de destruição da Amazônia, na avaliação do Greenpeace. Para os ambientalistas, os governos devem estabelecer um cronograma de ações políticas e compromissos com vínculos legais para atingir o nível zero de desmatamento, ao invés de limitar-se apenas a sistemas voluntários de compensação financeira pela redução das emissões.

CAMINHAMOS PARA UM COLAPSO E SEM MEDIDAS EFETIVAS E SUFICIENTES PARA MINIMIZAR O PROBLEMA

O aquecimento do planeta já é o maior desafio ambiental do século 21. A temperatura média mundial já subiu 0,7º C nos últimos cem anos e este aumento já foi suficiente para provocar e intensificar furacões, enchentes, secas, derretimento de geleiras e ondas de calor e de frio por todo o planeta. Estamos muito próximos do limite, de um ponto de colapso. Se o aumento da temperatura média da Terra ultrapassar os 2º C, o clima da Terra irá passar por transformações tão rápidas e intensas que provocarão catástrofes climáticas de dimensões devastadoras. Os cientistas afirmam que a queima de combustíveis fósseis, o desmatamento e a queima das florestas tropicais, como a Amazônia, são as principais causas desse fenômeno, que pode aumentar e colocar em risco toda a vida na Terra nas próximas décadas. Durante bilhões de anos, a presença na atmosfera de vapor d’água e do dióxido de carbono (CO2), metano (CH4) e óxido nitroso (N2O), entre outros gases, deu origem ao efeito estufa, um fenômeno natural que criou as condições necessárias de temperatura para o surgimento da vida na Terra. Esses gases do efeito estufa absorvem parte da energia do Sol, re-

fletida pela superfície do planeta, e a redistribuem em forma de calor através das circulações atmosféricas e oceânicas. Parte da energia é irradiada novamente ao espaço. Qualquer fator que altere esse processo afeta o clima global. Com o aumento das emissões dos gases de efeito estufa, observada principalmente nos últimos 150 anos, mais calor passou a ficar retido. É o que acontece quando se queimam cada vez mais combustíveis fósseis e destroem-se as florestas. Baseados em evidências científicas, os especialistas chegaram à conclusão de que o aumento da concentração dos gases estufa na atmosfera é o responsável pelo atual aquecimento do planeta. A concentração de carbono na atmosfera saltou de 288 partes por milhão (ppm) no período pré-industrial para 378,9 ppm em 2005. Até mesmo cientistas do maior emissor mundial, os Estados Unidos, já se mostram convencidos de que nós somos responsáveis pelo problema. Estudo apresentado à Academia Americana para o Avanço da Ciência em 2005 mostrou de forma irrefutável que o aumento da temperatura dos oceanos deve-se às emissões provocadas pelas atividades humanas. Esse estudo foi


©GREENPEACE/FLAVIO CANNALONGA

©GREENPEACE/ALBERTO CÉSAR

©GREENPEACE/DANIEL BELTRÁ

O Brasil precisa lidar com o problema de forma responsável, tanto em relação às emissões de gases de efeito estufa, quanto em relação às conseqüências do aquecimento global, que não pode mais ser evitado. Se o Brasil realmente quiser fazer a sua parte, ao invés de incentivar tanto o avanço do agronegócio, que vem destruindo de forma assustadora a Amazônia, deveria começar por adotar como prioridade nacional a conservação da maior floresta tropical do mundo. Além disso, precisaria realmente se esforçar no desenvolvimento de uma matriz energética limpa, baseada em energias renováveis modernas, como a solar e a eólica, e realizar um levantamento das vulnerabilidades regionais e setoriais. É necessário apresentar planos de adaptação aos riscos e de mitigação das causas das mudanças climáticas. O Brasil precisa da elaboração urgente de uma Política Nacional de Mudanças Climáticas, que contemple todos esses itens. No Brasil, o aquecimento global ainda é visto mais como uma oportunidade de negócios do que como um risco real. O Mecanismo de Desenvolvimento Limpo, instrumento previsto pelo Protocolo de Kyoto, é importante para incentivar projetos ambientais que retirem gases como o CO2 e o metano da atmosfera, mas é insuficiente, por si só, para reverter o problema e as ameaças às comunidades mais vulneráveis no campo, nas áreas urbanas, na caatinga e no interior da Amazônia. Precisamos atingir essas metas antes que o temível marco dos 2º C de aquecimento se transforme em realidade. Depois desse marco, os cientistas prevêem cenários catastróficos, com efeitos devastadores para várias regiões do globo, inclusive para a Amazônia e outros pontos do Brasil. Temos pouco tempo e muito a fazer. Apenas com a conscientização de todos, governos, indústrias, cidadãos, conseguiremos vencer o que já se caracteriza como o maior desafio de nossa era.

O que pode e deve ser feito?

©GREENPEACE/SHIRLEY

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Reduzir o efeito estufa é possível com energias como a eólica (Fortaleza, 2004)

Uso de energia solar é outra opção para evitar o aumento do efeito estufa (Espanha, 1997)

Brasil: desmatamento gera 75% das emissões de gases de efeito estufa (Santarém, 2003)

um marco no debate sobre mudanças climáticas nos Estados Unidos, eliminando os argumentos dos céticos contra a responsabilidade humana sobre o aquecimento do planeta. Resultados preliminares do 4º Relatório de Avaliação sobre Mudanças Climáticas do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), que será lançado em 2007, não deixam mais dúvidas de

que o homem é responsável pelo aquecimento global acelerado. E indicam que a situação do planeta é muito mais crítica do que se imaginava. Mas o que esse aquecimento significa exatamente para a vida de cada um de nós, de toda a biodiversidade do planeta e de nosso país em particular, o Brasil? Regiões aqueceram muito, enquanto outras esfriaram de forma

espantosa. Na costa oeste do Canadá, no Golfo do Alasca, na península Antártica e no Ártico, assim como em todo o norte da Sibéria, norte canadense e na própria Groenlândia, foram registrados aquecimentos de até 3,5º C nos últimos 50 anos. Essas mudanças radicais têm conseqüências catastróficas, como uma estação de furacões no Atlântico Tropical Norte mais intensa que


AMBIENTE

o normal no ano de 2005. Enquanto os cientistas debatem qual será o aumento da temperatura até o final do século, novas evidências da perda de espécies em função de fatores climáticos surgem em todos os pontos do planeta. Especialmente nos ecossistemas mais complexos, como as florestas tropicais, onde o clima pode desestabilizar a cadeia de vida das espécies. Carlos Nobre, cientista do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), relata o desaparecimento recente de mais de 70 espécies de sapo arlequim nas Américas Central e do Sul. Isso mostra que partes de ecossistemas e espécies podem ser extremamente vulneráveis a pequenas alterações climáticas. Populações de espécies já ameaçadas terão um risco maior de extinção em função do sinergismo de pressões adversas. Diante dessas alterações no planeta, em 1988 foi criado o IPCC. Os cientistas que o integram têm reiterado que, se não houver redução das emissões de gases do efeito estufa, as temperaturas vão continuar subindo. Para enfrentar o problema, a ONU aprovou durante a Rio 92 a Convenção Quadro de Mudanças Climáticas, que resultou no Protocolo de Kyoto. Ele entrou em vigor em 2005 e estabelece que, em um primeiro período (20082012), os países industrializados

devem reduzir, em média, 5,2% suas emissões de gases de efeito estufa em relação aos níveis lançados em 1990. Essa meta, no entanto, é insuficiente. Mesmo se as emissões forem congeladas nos volumes de 1990, os cientistas estimam que até 2200 a temperatura do planeta subiria entre 0,4º C e 0,8º C. Há urgência de os países traçarem planos de adaptação para sobreviver em um mundo mais quente e com mais catástrofes climáticas.

NO BRASIL O governo brasileiro tem dito nas negociações internacionais que o

As regiões polaresn registraram aumento de 3,5 graus na temperatura nos últimos 50 anos (Groenlândia, 2005) - ao lado Calçadões, casas e bares à beira-mar poderão ser destruídos por ondas ou aumento de meio metro das águas (Rio de Janeiro, 2006) abaixo

©GREENPEACE/GILVAN BARRETO

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Cuidando da vida país faz a sua parte em relação ao problema das mudanças climáticas e o aquecimento global. Na verdade, fazemos muito pouco para reduzir de forma efetiva o desmatamento da maior floresta tropical do planeta, investimos pouco em fontes de energia renováveis ou na promoção de estudos de vulnerabilidade e planos de adaptação às mudanças climáticas. O mesmo país que tem uma posição privilegiada em relação a seu potencial de fontes renováveis de energia, quando desmata e queima a Amazônia, libera tanto carbono na atmosfera que assume o constrangedor quarto lugar no


ranking dos países que mais emitem gases de efeito estufa no mundo. No último século, a temperatura do planeta já subiu 0,7º C e, nos próximos cem anos, o aumento pode chegar entre 1,4º C e 5,8º C, dependendo do que for feito para “descarbonizar” a atmosfera. Limites mais rígidos às emissões terão que ser negociados e cumpridos já no segundo período do Protocolo de Kyoto, após 2012. Se as emissões fossem estabilizadas nos níveis de hoje, a temperatura continuaria subindo por dezenas de anos. Um enorme

ce no Brasil em agosto deste ano, documenta eventos climáticos extremos em nosso país, o testemunho das vítimas, a opinião da ciência sobre cada evento e sobre cenários futuros em um planeta mais quente, assim como uma discussão sobre soluções para o problema, que incluem ações de governo e mudanças de comportamento dos cidadãos brasileiros. Seca na Amazônia, desertificação no semi-árido brasileiro, secas intensas e furacão no sul do Brasil são alguns exemplos de como as mudanças climáticas podem afetar nosso país, com graves conseqüências sociais, ambientais e econômicas.

esforço terá que ser feito pelos países industrializados, os principais poluidores, mas também pelos países em desenvolvimento como o Brasil, que precisa assumir a sua responsabilidade. Países como o Brasil têm que crescer seguindo a “Trilha da Descarbonização”, proposta pela Rede de Ação do Clima (CAN – Climate Action Nework). Embora grande parte de nossa sociedade ainda desconheça este fato, nosso país já é muito vulnerável aos impactos das mudanças climáticas. O relatório e o documentário “Mudanças do Clima, Mudanças de Vidas”, lançado pelo Greenpea-

©GREENPEACE/STEVE MORGAN

NÍVEL DO MAR AUMENTA

Tornado com ventos de mais de 200 quilômetros por hora atingiu a cidade gaúcha de Muitos Capões. Com o aquecimento, esses tornados serão mais frequentes (Rio Grande do Sul, 2005) - foto mais abaixo.

©GREENPEACE/RODRIGO BALEIA

A elevação do nível do mar é outra das principais conseqüências do aquecimento global, provocada pelo derretimento do gelo glacial, aquele formado pela precipitação de neve e que está sobre continentes e ilhas na Antártica, na Groenlândia, nas ilhas árticas e nas geleiras de montanhas. Nas partes mais quentes da Antártica vem ocorrendo um colapso das plataformas de gelo, como o observado na Plataforma Larsen B em 2002. Outro ponto crítico é o desaparecimento de geleiras de montanhas. Nos Andes, as geleiras perderam 20% a 30% de área ao longo dos últimos 40 anos. Esse gelo que está derretendo contribuirá com a maior parte do aumento do nível do mar até 2100.

A desertificação é um problema que ameaça 16% do território brasileiro em 11 estados (Rio Grande do Norte, 2006) - foto de cima

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AGENDA GLOBAL

Por um mundo melhor

Fome de soluções Celso Marcatto* GINCANA DO MILÊNIO

www.gincanadomilenio.org.br

Os quatro pilares que definem segurança alimentar pela Cúpula Mundial de Alimentação são disponibilidade, acesso, estabilidade de fornecimento e utilização de alimentos. Em muitos países, há um desequilíbrio, já que as políticas são centradas na pro-

0,8 por cento é o índice de renda detida pelos pobres brasileiros, fatia superior à dos pobres de Colômbia, El Salvador e Botsuana (0,7%), Paraguai (0,6%), e Namíbia (0,5%). Os dados são do Relatório de Desenvolvimento Humano 2006 do PNUD. O documento diz que, nos últimos cinco anos, o Brasil tem combinado desempenho econômico com declínio na desigualdade de rendimentos e na pobreza. Hoje, o Brasil é o 10º mais desigual numa lista com 126 países e territórios

RAFAEL BAVARESCO/ACTIONAID

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Um grande jogo virtual e interativo que utiliza ferramentas de alta tecnologia aplicadas à educação. Assim é a Gincana do Milênio criada pela Fundação CERTI e a Secretaria da Educação, Ciência e Tecnologia de Santa Catarina para difundir entre os alunos da rede pública estadual os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio. Como tarefa principal da gincana, cada equipe terá que propor um projeto para resolver problemas de sustentabilidade sócio-ambiental de sua comunidade. A iniciativa mobiliza outras organizações locais, nacionais e internacionais, como a Fundação de Apoio à Pesquisa de Santa Catarina (Fapesc), Sapiens Parque, Instituto Sapientia, a ong Ashoka, o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e várias empresas do Pólo Tecnológico da Grande Florianópolis.

Avanços para assegurar o direito à alimentação dez anos depois da Cúpula Mundial dução agrícola e na disponibilidade, mas não há garantias de acesso de alimentos por parte de suas populações. Esta é, em parte, a causa pela qual milhares de pessoas ainda passam fome em países produtores, como a Índia, onde 47% das crianças são desnutri-


No Brasil, um forte movimento da sociedade civil levou ao desenvolvimento de uma agenda pública do governo para Segurança Alimentar e Nutricional. O Conselho de Segurança Alimentar (CONSEA) tem promovido o debate nacional e lançado propostas para programas de governos e ações não governamentais. O grande desafio é fazer com que a Segurança Alimentar e Nutricional se torne um princípio norteador de estratégias de desenvolvimento nos níveis local e nacional. Na Índia, uma campanha, criada a partir de um litígio da Corte Suprema para incluir o direito à alimentação como uma derivação do direito fundamental à vida, pressionou a implementação de programas concretos que aumentem a segurança alimentar junto a setores pobres da população.

ponibilidade dos alimentos, mas falham em garantir que suas populações tenham acesso a esses alimentos, contribuindo assim para a continuidade do quadro de insegurança alimentar em que vivem. Fatores externos como políticas impostas por instituições financeiras internacionais também influenciam JENNY MATTHEWS/ACTIONAID

das, ainda que o país produza o suficiente para alimentar toda sua população. O ano de 2006 fica a meio caminho entre da Cúpula Mundial de Alimentação, realizada em 1996, e o prazo para meta de se reduzir à metade o número de pessoas que passam fome no mundo, que é 2015. Apesar disso, a meta está longe de ser atingida, como mostra o estudo Fome de Soluções, realizado pela ActionAid em sete países: Brasil, Índia, Gana, Quênia, Malauí, Paquistão e Uganda. Dentre os países analisados, somente o Brasil e a Índia implementaram políticas nacionais especialmente formuladas para atender os problemas de populações vivendo em insegurança alimentar, e, mesmo nesses países, um grande número de pessoas continua desnutrida. Apesar das variações, o estudo revela barreiras comuns à maioria dos países estudados, como: as políticas agrícolas governamentais promovem a agricultura de larga escala, cultivos de produtos para venda como matéria -prima e produção para exportação à custa da agricultura familiar e de subsistência, da qual a maioria das populações rurais depende para viver. Tais políticas promovem a produção e dis-

RAFAEL BAVARESCO/ACTIONAID

PASSOS POSITIVOS EM DIREÇÃO À REDUÇÃO DA FOME

para o não cumprimento das metas. Em Malauí, como condição de financiamento para o Programa de Ajuste Estrutural, o Banco Mundial exigiu que todos os subsídios a insumos fossem eliminados, o que levou à liberalização dos mercados de fertilizantes e sementes. O país testemunhou um colapso da administração de crédito para a agricultura de pequena escala, que oferecia crédito subsidiado aos agricultores familiares. Essas medidas contribuíram para o declínio da produtividade do cultivo de milho, do qual a maioria da população do Malauí depende. Também são decisivos o comércio internacional injusto que leva os países em desenvolvimento a abrirem seus mercados a produtos agrícolas subsidiados de países desenvolvidos; a ajuda internacional em alimentos que assola a agricultura local e causa dependência; a redução na Assistência Oficial ao Desenvolvimento (ODA) para o setor agrícola, particularmente a agricultura familiar, que caiu de US$ 6.7 bilhões em 1984 para US$2.7 bilhões em 2002; e a redução, por parte dos países ricos, de recursos financeiros destinados ao desenvolvimento rural sustentável e a instituições como a Organização para a Alimentação e Agricultura (FAO).

*Agrônomo, coordenador do Programa de Segurança Alimentar de ACTIONAID Brasil

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Gana A pesquisa da SOFI indica que o número e a percentagem das pessoas subnutridas declinou significativamente na última década. Apesar disso, a segurança alimentar no norte do país se tornou mais precária nos últimos anos pelo déficit de produção agrícola para o consumo de grãos como milho e painço e aumento da área plantada de cultivos para venda como o sorgo, utilizado na manufatura de bebida alcoólica local e algodão para exportação. Gana não tem políticas estratégias e informação quantitativa sobre públicos alvo para enfrentar a pobreza e a fome. As iniciativas governamentais estabelecidas em 2003 na Estratégia de Redução da Pobreza se concentram em manter a estabilidade macroeconômica, enfatizando políticas monetárias e fiscais para reduzir taxas de juros e inflação e manter a estabilidade do câmbio. Porém, na formulação das políticas, a ênfase é na “racionalização e modernização da agricultura” como um setor competitivo privado. OBSTÁCULOS E BARREIRAS A promoção da liberalização comercial teve um impacto negativo na produção de pequena escala, particularmente sobre os setores de frango e arroz. Os pequenos produtores que costumavam contar com esses produtos enfrentam um aumento da pobreza e da insegurança alimentar.

DIVULGAÇÃO: ACTIONAID

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AÇÃO DAS AGÊNCIAS Um exemplo bem sucedido foi a criação de bancos de grãos para comunidades que sem isso teriam que vender a produção de sua safra para comerciantes itinerantes. Os bancos de grãos da ActionAid permitem às comunidades minimizar a venda de sua produção logo após a colheita, quando os preços estão mais baixos e garantem a disponibilidade de alimentos aos seus membros durante a estação seca. “Costumávamos vender nosso milho, painço, sorgo e amendoim no mercado depois da colheita e a preço baixo e depois tínhamos que comprar de volta para comer a preços altos. Agora vendo meu grão para o nosso banco e participo da decisão de como revender para nós. Isso reduziu a fome na nossa vila,” diz Safura Amadu, Banu morador da região noroeste de Gana.


Quênia Apesar da grande melhoria no status nutricional dos quenianos desde a independência, uma proporção significativa de pessoas ainda vive sob ameaça contínua de fome e inanição. A desnutrição infantil é particularmente comum em certas épocas do ano pela interrupção de sistemas de fornecimento de alimentos. A incidência da pobreza atinge estimadamente 56% da população. 82% das pessoas pobres vivem nas áreas rurais. O Quênia não desenvolveu um plano específico de ação para encaminhar as recomendações da Cúpula Mundial de Alimentação de 1996, apesar de que as questões de segurança alimentar e pobreza são enfrentadas em vários planos estratégicos governamentais e políticas setoriais. Enquanto isso, sofre-se a ausência de compromisso político, de boa governança e de estratégias de implementação. OBSTÁCULOS E BARREIRAS Os obstáculos enfrentados para garantir a segurança alimentar vão desde condições de empréstimo impostas ao país pelo FMI e Banco Mundial que exigem reformas econômicas e políticas drásticas antes de liberar acesso a qualquer fundo de ajuda, até o baixo investimento do governo no setor agrícola (menos de 3% do orçamento nacional). AÇÃO DAS AGÊNCIAS A ActionAid tem ajudado a reorganizar a atividade de produção de caju, um dos mais tradicionais cultivos do Quênia, desarticulado com a liberalização do mercado desse produto em 1998. As árvores, que antes produziam menos de 5 kgs por estação, passaram a produzir mais de 20kg. Em 2002, o projeto se expandiu e agora atinge mais de 600 membros envolvidos em produção de caju. Em 2005, escolas rurais passaram a apoiar os agricultores sobre como aprimorar e administrar seus pomares. Os agricultores agora lutam por uma política governamental que regulamente a indústria de caju.

No âmbito nacional, os países têm ainda que enfrentar problemas internos, entre os quais, a falta de acesso e controle sobre a terra e outros recursos naturais; o preconceito contra mulheres agricultoras, a falta de segurança no acesso a sementes de qualidade e adaptadas e falta de implementação de medidas de preservação da biodiversidade. Enquanto os agricultores familiares não tiverem acesso a terra e a recursos para produzir ou prover comida suficiente para garantir uma condição saudável para si mesmos e suas famílias, a eliminação da fome e da pobreza continuará a ser um objetivo inatingível. Em países onde a maioria da população depende da agricultura familiar, a eliminação da fome e a conquista do direito à alimentação requerem políticas, estratégias e ações que assegurem às pessoas o acesso à alimentação. Os estudos da ActionAid mostram que o aumento de cultivos para exportação em si não reduzem a fome e a pobreza. Além disso, a monocultura de larga escala com elevado uso de tecnologia e agrotóxicos contribui frequentemente para a deterioração am-

biental e por isso não é sustentável. POLÍTICA AGRÍCOLA No Paquistão, a política agrícola orientada para exportação resultou no maior plantio de algodão e menor produção de cultivos para alimentação. Enquanto a área de trigo plantada cresceu 3,9% entre 1992 e 2004, a área de algodão cresceu 12,3% no mesmo período. A maior parte da terra no Paquistão é controlada por uma pequena porcentagem de pessoas que produzem para exportação. Essa tendência afeta toda a produção doméstica de alimentos e leva os agricultores pobres ou sem terra a uma situação de insegurança alimentar. No Brasil, o agronegócio da monocultura da soja está crescendo, principalmente na Amazônia. A soja é responsável por 47% da produção de grãos do Brasil e ocupa 45% da área plantada de grãos, mas ocupa apenas 5,5% da mão de obra agrícola. O aumento da produção de soja está ameaçando os meios de vida tradicionais das comunidades agroextrativistas assim como a cobertura vegetal, que está sendo devastada pela monocultura.

UM CHAMADO AOS GOVERNOS A ActionAid adota uma abordagem de direitos que afirma que todas as pessoas têm o direito à alimentação e a não sofrer por fome ou desnutrição. A segurança alimentar deve estar baseada nos direitos humanos. A obrigação, a responsabilidade e transparência em garantir esse direito deve caber aos Estados, que devem, entre outras coisas: •Reorientar as políticas de desenvolvimento agrícola para promover os agricultores familiares e o desenvolvimento sustentável •Mudar o investimento em produção agrícola de larga escala para um modelo agroecológico centrado na produção de pequena escala •Garantir que os agricultores familiares tenham acesso a terra, recursos, insumos e renda suficientes para prover comida em quantidade suficiente e saudável para si mesmos e suas famílias •Estabelecer um marco político e legal e ações que discriminem positivamente ao acesso à terra, ao crédito e a outros recursos •Estabelecer políticas abrangentes de segurança de acesso a sementes que promovam e protejam os direitos dos agricultores a sementes e a biodiversidade local

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GH DIGITAL

AENTREVISTA

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Do aço à mobilização solidária Com origem familiar, o que atualmente se conhece como Grupo Gerdau teve início com uma metalúrgica. João Gerdau, em 1901, abriu a empresa e trazia como herança cultural da Alemanha a atitude de saber o que ocorre a sua volta, na comunidade onde vive ou trabalha. O crescimento dos negócios também fez evoluir, num ritmo um pouco mais lento, os cuidados com as ações de responsabilidade social. Apesar de registrar iniciativas desde a sua fundação, mesmo que filantrópicas, o tema é reforçado com a criação da Fundação Gerdau, com programas nas áreas da saúde, educação, habitação e assistência social para colaboradores e familiares. No final da década de 80 foi implementada uma política de RSE. A Fundação mais tarde virou Instituto Gerdau para unir todas as atividades e criar novas. Hoje, com forte atuação na área siderúrgica e mesmo com algumas polêmicas em relação ao cumprimento da legislação trabalhista que provocam manifestações de sindicalistas nos Estados Unidos, por exemplo, o Grupo Gerdau apresenta-se como seguidor de princípios do desenvolvimento sustentável. Algumas de suas diretrizes de RSE são apresentadas nesta entrevista com o diretor do Instituto Gerdau, José Paulo Martins.

Como o Grupo Gerdau avalia o tema sustentablidade? Além da gestão do negócio, da eficiência dos funcionários e da proteção ao meio ambiente, sabemos que são os indivíduos que fazem a sociedade melhorar. Por isso que a chamada mobilização solidária, que são as ações que envolvem o espírito voluntário dos funcionários, continua sendo um dos nossos focos de atuação. O desenvolvimento das comunidades onde a empresa está presente é imprescindível para a própria manutenção dos negócios, seja aqui ou em outro país. (Argentina, Uruguai, Chile, Colômbia, Peru, Estados Unidos, Canadá e Espanha). Esse tipo de iniciativa social é feita desde quando na empresa? De uma forma mais assistencialista no início. No final da década de 70, muito por influência das metodologias da


ENTREVISTAE JOSÉ PAULO MARTINS

Qualidade Total, a comunidade era uma das áreas de interesse e isso permitiu uma profissionalização das iniciativas soltas que ocorriam. Mas foi no final da década de 80 que o tema aflorou de maneira mais marcante e foi implantada uma política de RSE. Em 2001 foi criado o Instituto Gerdau, no momento do centenário da empresa, quando houve um debate estratégico a respeito dos papéis dos acionistas familiares. O Instituto manteve o foco em Educação e Mobilização Solidária. E como essas áreas são trabalhadas? São inúmeros projetos na área de investimento social, desde formação na área de informática até atividades culturais e esportivas desenvolvidas em comunidades. Chamamos de Mobilização Solidária tudo que é feito com apoio dos funcionários voluntários. O Grupo Gerdau investe para que estes projetos tornem-se auto-

sustentáveis, podendo ser permanentes. O Instituto é Gerdau, ou seja, nós realizamos ações no Brasil e em todos os países onde a empresa atua. Queremos estimular a difusão do conhecimento, afinal é isso que potencializa a capacidade transformadora das pessoas. Onde tem operações do Grupo Gerdau tem um ambiente de crescimento por conta desta preocupação com a qualidade de vida das pessoas. As questões ambientais também entram nestas ações? Entre os projetos existem muitos voltados à área ambiental, como coleta seletiva nas comunidades, educação ambiental, entre outros. Do ponto de vista do negócio, todas as usinas possuem um Sistema de Gestão Ambiental formulado de acordo com a norma ISO 14001. As chamadas práticas de ecoeficiência são alvos de investimento constante, com adoção de atualizações tecnológicas a cada ano.

Como se livrar da imagem de que o setor é poluidor? De uma maneira geral, o setor siderúrgico passa a impressão de ser algo sujo mesmo. Mas a tecnologia de tratamento em prol do meio ambiente, em especial há 10 anos, tem evoluído tanto que sistemas como o despoeiramento das usinas revelam mínimos impactos. Até 15 anos atrás não tínhamos pesquisa nenhuma a respeito do solo, por exemplo. Hoje os rigorosos métodos de controle e da preparação da sucata reduzem a geração de resíduos e permitem novas aplicações para os subprodutos decorrentes da produção de aço. Estas tecnologias são desenvolvidas aqui? Algumas sim, mas outras são trazidas de outros países, como o sistema de filtros para evitar que a emissão de gases dos fornos cheguem à atmosfera. O impacto na natureza sempre tem, mas a

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AENTREVISTA RAIO X

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E sobre as relações com os funcionários? Dentro das Diretrizes Éticas estipuladas o item Relação com Funcionários prioriza a formação de profissionais conscientes com sua importância estratégica no negócio. A preocupação com a capacitação contínua e de repasse de responsabilidade pessoal pelos resultados gera uma satisfação interna que sentimos no clima da empresa. Posso dizer que somos apaixonados pela Gerdau, pelo que ela representa e pelo modelo de gestão arrojado. Como é esse modelo? Nós temos um Plano de Metas e as formas de trabalho estabelecidas. Delegadas estas responsabilidades, cada um deve cumprir seus compromissos. No Grupo Gerdau, apesar do caráter industrial, não se bate cartão ponto e o que vemos são profissionais comprometidos. A liberdade proporciona mais satisfação, e

essa cultura que se estabeleceu acabou gerando melhores resultados. Isso serve para todos os níveis? Sim e é tão interessante que o compromisso fica maior ao oferecer liberdade. Essa liberdade não é só na questão de horários, mas abrange a liberdade de expressão entre os níveis. Temos uma intranet como ferramenta de comunicação e uma transparência na gestão. As lideranças surgem dentro da empresa? A gestão de pessoas é uma marca forte do Grupo, tanto que o

LEONID STRELIAEV

postura cuidadosa e o trabalho intenso nessa área permitem minimizar muito. O tratamento de água que o Grupo Gerdau faz, por exemplo, tem um índice de 96% de reaproveitamento da água utilizada. O restante evapora ou é enviado para os rios, de acordo com as exigências da legislação ambiental.

GRUPO GERDAU FUNCIONÁRIOS – 27 mil PAÍSES – Brasil, Argentina, Chile, Colômbia, Uruguai, Espanha, Canadá e Estados Unidos PRODUÇÃO – 13,7 milhões de toneladas de aço FATURAMENTO ANUAL – R$ 25,5 bilhões LUCRO LÍQUIDO – R$ 3,3 bilhões


ENTREVISTAE desenvolvimento de líderes está baseado num modelo que alavanca atitudes e performances dentro dos melhores padrões mundiais. Autoconhecimento e coaching (treinamento, qualificação) são ferramentas utilizadas na formação de líderes. Até que ponto as ações sociais das empresas devem ir para não substituir as do Estado? Acredito que é preciso envolvimento de todos, isto é, não é possível mais esperar pelo Estado, é preciso estar junto. O Grupo Gerdau assinou o Compromisso Todos pela Educação, por exemplo, com um

grupo de empresas para exigir melhorias mas também contribuir. Os indicadores brasileiros em relação à qualidade do ensino não são nada bons e quanto mais demorarmos para reverter isso, pior será para todos. A sociedade inteira deveria estar mais atenta? Claro, todos somos culpados, de uma forma ou de outra. Ou porque não acompanhamos o que os governos fazem ou deixam de fazer, ou porque aqueles que tiveram oportunidade de se educar não deram o devido retorno à sociedade. Todos somos omissos quando não olhamos para o lado,

não cobramos atitude ou não contribuímos de alguma maneira. Qual sua visão de futuro para a Responsabilidade Social? Minha utopia é que vá se focar cada vez mais o indivíduo. Se as pessoas conseguirem liberdade de crescer nos seus próprios sonhos, dentro das suas responsabilidades, veremos o desenvolvimento de um capital social valioso. A visão sobre a sociedade deve voltar-se ao indivíduo, ou seja, cada um valorizado transforma-se num conjunto que pense de maneira responsável em relação a sua própria sustentabilidade.

RELATÓRIO SOCIAL Responsabilidade social (em R$ milhões) Investimento total em projetos sociais Qualidade na educação Educação para o empreendedorismo e a competitividade Educação ambiental Educação pela cultura e pelo esporte Mobilização solidária

Gestão ambiental Reaproveitamento de águas industriais(% sobre consumo total) Emissão de gases de efeito estufa (Kg de CO2 por tonelada de aço produzido) Destinação de co-produtos da atividade siderúrgica para reaproveitamento em outros setores da economia ou internamente(% sobre o volume total gerado)

2005

2004

41,7 5,4 10,2 1,3 20,3 4,5

38,7

2005

2004

96,8

96,7

561,8

550,0

80,0

66,3

4,4 7,6 2,2 19,7 4,8

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SOLUÇÕES

Bons produtos do bem BIODIGESTOR CASEIRO

SOFTWARE ANTI L.E.R.

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Realizar várias micropausas durante uma hora de trabalho no computador ajuda a manter a saúde. Com base no resultado de estudos deste tipo é que surgem no mercado produtos como o Workrave, um software que monitora sua atividade e de tempos em tempos lembra que é hora de parar um pouquin h o . Quando chega a hora do descanso, uma pequena janela pop-up aparece lembrando da pausa, mas se você quiser continuar trabalhando ele muda de lugar na tela. No entanto, se você ignorar as pausas muitas vezes ele age de maneira menos amigável, podendo bloquear seu computador por um breve período. Por ser livre, o programa pode ser baixado direto da internet e tem mais ou menos o tamanho de cinco megabytes (5Mb). www.workrave.com

Um Biossistema Integrado (BSI) é um dos principais projetos desenvolvidos pela ONG O Instituto Ambiental, do Rio de Janeiro. Uma das aplicações foi na comunidade Sertão do Carangola, em Petrópolis, onde o biodigestor está sendo usado para tratar lixos e dejetos humanos. O BSI consiste em uma construção bem simples, que transforma resíduos domésticos em biogás, adubo e ração animal. A iniciativa conta com a parceria da Fundação Banco do Brasil, Embrapa e de instituições locais. O uso do biodigestor em pequenas comunidades também está sendo difundido em outras localidades do Rio de Janeiro, Amapá, Espírito Santo e em outros países da América Latina. Valmir Fachini, coordenador de projetos da ONG diz que o biodigestor domiciliar pode produzir uma hora de biogás a partir dos resíduos de uma família. www.oia.org.br TOMATE ECOLÓGICO O Tomate Ecologicamente Cultivado (Tomatec) foi lançado este ano pela Embrapa Solos(RJ), unidade da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária – Embrapa, vinculada ao Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento. Com exceção do tomate orgânico, apenas esse sistema é isento de agrotóxico na produção. O cultivo envolve o trabalho de conservação de solo e água com a introdução do plantio direto do tomate na palhada. Associadas ao plantio direto, foram introduzidas técnicas de fertirrigação, manejo integrado de pragas (MIP) e ensacolamento da penca de tomate. O objetivo é produzir um tomate limpo, resistente e de excelente aparência, com selo de qualidade e rastreabilidade, o que proporcionará ao produtor receber melhor preço pelo seu produto.Vale lembrar que, ao lado das culturas da batata, mamão e morango, a do tomate é uma das que apresenta maior resíduo de agrotóxico. Atualmente estão plantados com este manejo aproximadamente 12 mil pés de tomate com três produtores. www.embrapa.gov.br LÂMPADA EFICIENTE Dirigida por membros da familia Philips, a fabricante da lâmpada Pharox lançou o produto na Holanda como a alternativa em prol do desenvolvimento sustentável. Com consumo de energia 90% mais baixo do que a tradicional lâmpada de 40 watts, a Pharox tem uma vida de 50 mil horas (isso significa 35 anos se a lâmpada é acendida quatro horas por dia), quando as normais não passam de seis mil horas. A novidade é que ela emite uma luz branca quente e é ambientalmente melhor porque a produção não inclui o elemento fósforo. O cálculo da empresa é que se cada casa dos Países Baixos trocasse quatro lâmpadas por Pharox, a economia seria igual ao consumo de energia de todas as casas de Amsterdã. Ao mesmo tempo, o uso de quatro lâmpadas por quatro horas por dia geraria uma economia na conta dos usuários em torno de 47 euros por ano. A produção, por enquanto, só chega para uma empresa distribuidora de energia, a Oxxio. www.oxxio.nl/lamp


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monitor

Por dentro dos números

Reduzir o spread para ampliar o crédito Governo lança pacote de medidas visando diminuir custo financeiro das operações de crédito

RECURSOS LIVRES

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Os recursos livres, cujas taxas não são administradas como no caso dos direcionados, registraram um crescimento de 23,71% nos últimos doze meses e de 1,41% na variação mensal, alcançando 22,50% do PIB. Já os recursos direcionados, que registraram um crescimento de 15,57% em termos anuais e de 0,99% mensais, respondem por apenas 10,5% do PIB. Ao considerar a natureza das operações com recursos livres, com prazos que não ultrapassam a média de 347 dias, com taxas que encontramse entre 33% a 143,5% para transações das pessoas físicas e, entre 19,2% a 65,6% para as pessoas jurídicas e spreads médios que podem chegar a 40,1%, fica explícito o quanto o sistema financeiro nacional trava o desenvolvimento do país. A trava se dá por um lado, pelo enorme custo financeiro imposto às empresas e famílias descapitalizadas e, por outro, pela imposição de margens, no mínimo, equivalentes ao capital produtivo.

1,6 foi a média do spread bancário no trimestre (julho, agosto, setembro de 2006), no Japão. De acordo com o relatório do FMI/IFS, Canadá e Suiça registraram 1,8; Itália 2,6 e Estados Unidos 3,0 no mesmo período, quando o spread brasileiro foi de 28,7.

O governo brasileiro tem tentado, desde 1999, conter o abusivo spread bancário cobrado nas operações de crédito no país. Sem sucesso nas iniciativas anteriores, lançou em setembro um pacote com seis novas medidas, por intermédio do Conselho Monetário Nacional (CMN). A proposta é reduzir o custo financeiro das operações de crédito por meio do aumento da concorrência no sistema bancário e assim elevar o crescimento da economia e os investimentos. O tomador de crédito final deve ser beneficiado. Duas das regras do pacote fortalecem diretamente o cliente bancário. A primeira diz respeito à portabilidade e obrigatoriedade da conta salário, até hoje concessão das instituições financeiras. A partir de janeiro de 2007, os bancos serão obrigados a disponibilizar o serviço. Todo trabalhador terá à sua disposição uma conta salário na instituição em que a empresa deposita seu salário e poderá transferir os recursos para outro banco, sem custos adicionais. A segunda medida é o aperfeiçoamento da portabilidade do crédito. O correntista poderá transferir uma

dívida, contraída em determinado banco, para outro que lhe ofereça taxas de juros menores. A instituição financeira para a qual o crédito está migrando será a responsável direta pela quitação do débito com aquela onde a dívida foi contraída. A mudança só não vale para o crédito habitacional e o consignado (com desconto em folha).

INFORMAÇÕES A portabilidade cadastral, que já existia, foi reformulada no pacote. Ao trocar de banco, o cliente poderá levar seu histórico (com informações positivas e/ou negativas) para a nova instituição. Para isso, basta autorizar o novo banco a solicitar a ficha cadastral ao anterior. Com as informações, a nova instituição terá condições de analisar o perfil do cliente e, eventualmente, oferecer a ele vantagens para conquistá-lo. A quarta medida trata do cadastro positivo. Visa regulamentar a atividade das empresas que prestam


RISCOS A ampliação da abrangência da central de risco do Banco Central (BC) também é parte do pacote. Hoje apenas o histórico dos empréstimos acima de R$ 5.000 são incluídos nessa central, que registra se o tomador pagou ou não o crédito em dia. Com a alteração, a partir de março de 2007, o histórico incluirá também as operações de crédito a partir de R$ 3.000,00. Ao final de 2007, o histórico de todas

as operações de créditos, com valor igual ou superior a R$ 1.000,00, será disponibilizado na central de risco, que alcançará 42% dos clientes que contraem empréstimos no sistema financeiro nacional. Por último, o CMN atendeu uma reivindicação do setor financeiro e reduziu pela metade a alíquota de contribuição mensal dos bancos para o Fundo Garantidor de Crédito (FGC). O percentual caiu de 0,025% para 0,0125% sobre os depósitos garantidos pelo seguro. O governo espera que a economia adicional dos bancos, com essa redução, seja transferida para o tomador de crédito com a restrição do spread bancário. O FGC é um seguro que garante o recebimento de determinado valor pelo cliente, diante de eventual quebra do banco. Atualmente, esse seguro garante a cobertura de no máximo R$ 20 mil. Com a medida, o valor subirá para R$ 60 mil.

MARGEM DE GANHO BRUTO DOS BANCOS BRASILEIROS É UMA DAS MAIORES DO MUNDO O spread bancário é a diferença entre a taxa de empréstimo do banco e o custo de captação, ou seja, é a margem de ganho bruto dos bancos. O spread cobrado no Brasil é considerado um dos mais elevados do mundo. De acordo com o BC, em setembro de 2006, ao captar recursos, as instituições financeiras arcavam com um custo médio de 13,7 pontos percentuais (pp) ao ano; em seguida, os mesmos recursos eram emprestados a uma taxa média de 41,5 pp. O spread bancário era de 27,8 pp. No entanto, para pessoa física, o spread médio era de 40,1 pp, o mais elevado entre os diversos segmentos de crédito. De acordo com o último Relatório de Economia Bancária e Crédito do BC, de 2004, o spread bancário tinha a seguinte composição: 33,97% eram destinados para cobrir despesas de inadimplência; 21,56% cobriam o custo administrativo; 7,0%, o custo do compulsório bancário; 17,67% destinavam-se ao pagamento de tributos, taxas e impostos (diretos e indiretos) e, por fim, 19,80% representavam o resíduo líquido (lucro líquido).

TrêsPerguntas DIVULGAÇÃO/DIEESE

o serviço de bancos de dados de proteção ao crédito e de relações comerciais no Brasil. Para isso, será editada Medida Provisória. O objetivo principal é determinar que, além das restrições de crédito, essas empresas possam também armazenar informações positivas, como pontualidade no pagamento. A medida impedirá que uma inadimplência ocasional suje a reputação de um bom pagador.

Murilo Barella, economista do Dieese Com a queda de juros há perspectivas de diminuição do spread bancário? Isso está no horizonte, mas é difícil prever prazos porque depende da realidade econômica, das possibilidades de aumento de renda da população, já que isso pode ocasionar certa massificação das operações de crédito. O volume destas operações alcançou R$ 682,9 bi ou 32,97% do PIB, segundo informações recentes do Banco Central (setembro). É o maior montante dos últimos cinco anos. Desses, apenas, R$ 217,1 bi são recursos direcionados e R$ 465,8 bi são recursos livres. Quais os benefícios quando isso ocorrer? À medida que pagamos mais juros diminuímos o consumo de bens. Ou seja, o potencial de consumo fica represado por essas taxas e spreads, afinal, mais de 48% do volume de recursos livres são operações de pessoas físicas e a modalidade de crédito das pessoas jurídicas com o maior volume são as operações de capital de giro. Quem regula este mercado? Os próprios bancos conseguem definir essa manutenção ou diminuição dos ganhos com taxas e spreads. Isso porque os bancos possuem uma força no país que nem a abertura econômica conseguiu abalar. O crédito foi popularizado e o sistema financeiro conseguiu ocupar todos os espaços de intermediação de dinheiro. As folhas de pagamento são via banco, os empréstimos já ocorrem com desconto em folha, enfim, a “caderneta do mercadinho” deu vez ao cartão, ao sistema financeiro.

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BRASIL IMPORTA CAFÉ DOS EUA

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Ao seguir o modelo internacional, a rede de cafeterias Starbucks chega ao país trazendo café importado dos Estados Unidos. O que mais chama a atenção no anúncio da vinda da franquia é que mesmo sendo aqui - o Brasil é o maior produtor de café do mundo - o café a ser servido no balcão virá da unidade matriz, em Seattle. Talvez o produto até seja uma mistura de café colombiano com brasileiro, os maiores exportadores de café para os Estados Unidos. O Brasil possui mais de mil torrefadoras de café. É como se a fabricante de aviões Boeing, localizada em Seattle, comprasse aviões da Embraer, em São José dos Campos (SP). Mas ainda há expectativa que a rede queira diminuir a milhagem do vôo do café e compre o produto em terras brasileiras. A primeira loja da rede de cafés Starbucks no Brasil foi aberta no Morumbi Shopping, zona sul de São Paulo. Com 206 metros quadrados, esta unidade antecede outra no mesmo shopping, dentro da Livraria Siciliano. A empresa, batizada de Starbucks Brasil Comércio de Cafés, deve contratar 50 funcionários para as duas lojas.


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CONTRACAPA - arquivo em Corel -


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