Globalização, petróleo e efeitos da crise O momento da economia internacional é delicado e nunca os países sentiram a força da globalização como nos últimos meses. Os acontecimentos refletem no planeta inteiro, portanto não há mais como dissociar alguns assuntos dos grandes temas que estão em discussão.
EXPEDIENTE Diretor: Odilon Luís Faccio DireÁ„o de RedaÁ„o: Maria José H. Coelho (Mte/PR 930- JP) Editora chefe Sara Caprario (MTe/SC 625-JP) RedaÁ„o: Alessandra Mathyas (MTe/SC 775-JP) Clarissa Mazon Miranda (Mte/SC 2357- JP) EdiÁ„o de Arte: Maria José H. Coelho (Mte/PR 930- JP Cristiane Cardoso Fotografia: Sérgio Vignes Colaboradores: Andréia Amorim, Clemente Ganz Lúcio, Larissa Barros, Michelle Lopes, Roberta de Biasi, Ronaldo Baltar Secretaria e DistribuiÁ„o: : Lilian Franz
Parceiros Institucionais Banco do Estado de Santa Catarina (BESC) Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese) Fundação Vale do Rio Doce (FVRD) Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (Imaflora) Instituto Observatório Social Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social Rede de Tecnologia Social (RTS) Abril de 2008
R. João Pinto, 30, Ed. Joana de Gusmão, s 803 Florianópolis - SC - Brasil - 88010-420 F: (48) 3025-3949 / Fax:3028-4615 contato@primeiroplano.org.br
Em relação à responsabilidade social e sustentabilidade não é diferente. As tomadas de decisões em alguns países podem refletir até mesmo no cotidiano das pessoas em outros lugares. Estas conexões merecem atenção de pesquisadores e estudiosos, mas ainda são tratadas superficialmente pela imprensa em geral. O tema foi debatido num evento que o Instituto Primeiro Plano ajudou a coordenar com o Instituto Ethos. Um breve resumo das discussões está numa matéria logo nas primeiras páginas. A busca por fontes energéticas é outra discussão globalizada e no Brasil a questão ganhou contornos gigantescos com a descoberta de novos campos de petróleo e gás em águas profundas do litoral brasileiro. Como lidar com a descoberta é o grande desafio imposto aos governantes e à sociedade. Este cenário e sua repercussão especificamente em Santa Catarina foram os focos de um Ciclo de Debates também promovido pelo Instituto Primeiro Plano. Mais de dez palestrantes se revezaram num evento que conseguiu aprofundar as questões e desenhar alguns caminhos para o futuro. Os impactos e os números do setor petróleo e gás são os alvos de uma publicação especial encartada nesta edição da Revista. Um documento que pode ser guardado e serve para acompanhar os próximos passos que elevam o Brasil a uma condição ímpar diante do mundo. Temos ainda uma entrevista com o ministro da Secretaria Especial dos Direitos Humanos, Paulo Vannuchi, sobre os 60 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos e sobre a realidade dos anistiados brasileiros. Nas outras seções, tecnologias sociais, mundo do trabalho, produtos do bem e uma entrevista com o cartunista gaúcho Santiago. Boa leitura!
Os artigos e reportagens assinados não representam, necessariamente, o ponto de vista das organizações parceiras e da revista Primeiro Plano. A divulgação do material publicado é permitida (e incentivada), desde que citada a fonte.
REVISTA NOVE
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MUNDO DO TRABALHO Sal·rios deveriam ser protegidos da crise
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PETR”LEO E G¡S: DESAFIOS E OPORTUNIDADES
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DIREITOS HUMANOS Ministro Paulo Van ucchi: ìDireito ‡ memÛria e ‡ verdadeî
08 | ARTIGO AndrÈa Amorim | SENAC 15 | OPINI O Maria JosÈ Coelho| REDE ETHOS DE JORNALISTAS
21| HIST”RIA E DESCOBERTAS
48 | INCLUIR - PR MIO FINEP
30 | CADEIA PRODUTIVA
52 | AGENDA GLOBAL
35 | DESAFIOS TECNOL”GICOS
62 | MEU MUNDO
41 | PR…-SAL E RIQUEZA
64 | SOLU«’ES
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06 | POR EXEMPLO
46 | CICLO DE DEBATES EM SC 18 | ARTIGO Clemente Ganz L˙cio | DIEESE
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72% menos desmatamento até 2017
Metas apresentadas pelo Governo federal exigem esforços conjuntos da sociedade e do próprio Governo
você sabia?
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... o Brasil está perto de alcançar a meta de um dos Objetivos do Desenvolvimento do Milênio que é atingir 91,5% de brasileiros com acesso à água potável. Segundo o Relatório de Desenvolvimento Humano esse número já estava em 90% em 2006, um aumento de 7% em relação à 1990.
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O ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, anunciou em dezembro a nova meta de desmatamento do governo federal para a Amazônia, que estabelece planos quadrienais que totalizam 72% de redução das áreas desmatadas até 2017. A redução seria de 40% no primeiro quadriênio contado a partir de 2006 e de 30% em cada um dos dois períodos seguintes. A base usada para se definir as metas foi o período de 1996 a 2005. "Em 10 anos, vamos diminuir em 4,8 bilhões de toneladas a emissão de CO2. É mais do que todo o esforço dos países desenvolvidos", disse o ministro. Em números absolutos, a área desmatada passaria de cerca de 20 mil km2 (ano 2005) para aproximadamente 5 mil km2 em 2017. Para que o Brasil alcance sua meta será necessário um esforço conjunto, na opinião de Minc: "Isso vai depender de o governo federal fazer a regularização fundiária e melhorar a fiscalização. Vai depender também dos governos estatais,
de contribuições de países amigos para o Fundo Amazônico e t ambém do cidadão saber a origem da madeira vindo para a sua casa". Haverá também um trabalho para definição de metas setoriais por região. O primeiro passo será uma reunião do presidente Luiz Inácio Lula da Silva com prefeitos e governadores dos Estados que mais desmatam para definir as ações de combate ao problema. "Vamos ter que ter esses prefeitos como parceiros na questão de preservação ambiental e estabelecer metas para que eles sejam os primeiros interessados em reduzir o desmatamento. Vamos mostrar disposição em ajudá-los mas também dizer que vai ter punição se não cuidarem corretamente da preservação ambiental", disse o presidente Lula durante o lançamento. O Plano Nacional de Mudanças Climáticas será revisto em 2010 para saber o que já está funcionando e o que falta ser incorporado.
BIOCOMBUSTÕVEIS O plano de metas também prevê o aumento da participação do etanol e de outros biocombustíveis na matriz energética do Brasil. Para o etanol, a meta é um aumento de 11% ao ano nos próximos 15 anos, o que resultaria em uma redução de 508 milhões de toneladas de dióxido de carbono lançadas à atmosfera no período. Outra meta do plano é dobrar a área de árvores plantadas. Segundo Minc, o plano é passar de 5,5 milhões de hectares para 11 milhões de hectares plantados, dos quais pelo menos 2 milhões corresponderiam a árvores nativas. "Essas são metas do governo para o setor privado. O próprio setor siderúrgico hoje usa o carvão de árvore nativa, o que é uma maldade porque além de cortar a cobertura vegetal, ainda destrói a biodiversidade", criticou Minc. O Ministério da Fazenda também participará do esforço pelo meio ambiente, estabelecendo incentivos fiscais para a produção de aparelhos e equipamentos menos poluentes.
Hermann Scheer
ENTREVISTA Economista diz que È possÌvel superar as barreiras impostas pelas companhias tradicionais de geraÁ„o de energia
Hermann Scheer, 63 anos, é economista e deputado do Parlamento da Alemanha pelo Partido Social Democrata. Desde 1988 preside da Eurosolar, a Associação Européia de Energia Solar, que possui 20 mil sócios em todo o mundo e cujo objetivo é pressionar governos e a própria sociedade para a necessidade da substituição das energias nucleares e fósseis pelas de fontes limpas. Também é presidente do Conselho Mundial de Energias Renováveis. Por sua luta em favor da energia alternativa, em 1999 recebeu o Prêmio Nobel Alternativo. É ainda autor de inúmeros livros de divulgação ecológica, traduzidos em diversos idiomas, inclusive em Português.
POR EXEMPLO
Ganhador do Prêmio Nobel Alternativo defende energia limpa
A Alemanha é o grande exemplo da mudança possível da matriz energética em pleno desenvolvimento econômico. Quais foram as dificuldades para se chegar ao estágio atual de conscientização da população e de adoção de políticas de governo para o fomento da energia limpa? Um dos maiores problemas era (e ainda é) a rejeição e o bloqueio das companhias tradicionais do setor de energia. Com todos os meios – até a abertura de processos no Tribunal da Justiça das Comunidades Européias (TCE) – tentaram torpedear a Lei Alemã das Energias Renováveis (EEG, sigla em alemão). A população foi manipulada com a diminuição do potencial das energias renováveis e os supostos custos imensos desta legislação. O sucesso dessa lei comprovou irreversivelmente o potencial verdadeiro das energias renováveis é também a função delas como “máquinas de empregos”. Desde então, mais de 40 países já adotaram uma legislação baseada na lei alemã. Os sucessivos governantes brasileiros estufam o peito ao afirmarem que a base energética do país é renovável (de grandes hidrelétricas). Você concorda com isso? A energia hidroelétrica é uma energia renovável, mas especialmente no caso das grandes centrais hidroelétricas, tem que se levar em consideração aspectos sociais e ambientais. O Brasil tem várias boas alternativas, pensando no imenso potencial de energias renováveis não aproveitado, como por exemplo, a energia eólica e solar. A base hidroelétrica possibilita a realização de uma matriz energética 100% renovável em poucos anos, considerando uma mistura entre a energia hidrelétrica e eólica, que se complementam perfeitamente. O que precisaria ser feito para que a América Latina, em especial o Brasil, fossem despertados para o uso maior da energia de fontes renováveis? Os agentes devem compreender as energias renováveis como perspectiva de desenvolvimento, com um potencial de emprego imenso e como chance para evitar importações caras de fontes energéticas de origem fóssil. Iniciativas políticas que visam o estabelecimento de mercados para tecnologias de aproveitamento de energias renováveis atenuam a extremas disparidades sociais no Brasil e em vastas áreas da América Latina. Além disso são importantes ferramentas de combate à pobreza.
Em seus livros, você fala de uma sociedade solar planetária? Isso é mesmo possível? A mudança da geração energética mundial para energias renováveis é possível durante este século através da introdução conseqüente das energias renováveis na matriz energética à base de sistemas de incentivo eficazes e um aumento considerável da eficiência energética. O rápido desenvolvimento tecnológico na última década mostrou que existe um potencial inovador neste setor que está longe de chegar ao fim.
Alessandra Mathyas Tradução: Johannes Kissel
Você é reconhecido mundialmente pela luta ecológica. Como é o seu dia-a-dia neste sentido? Você consegue andar a pé ou usar a bicicleta em vez de automóveis, com a agenda conturbada e internacional que tem? Como são suas escolhas na hora da compra de roupas e alimentos? De que forma não o político, mas o cidadão Scheer faz a sua parte? Scheer: Não possuo nenhum carro e, dependendo da necessidade, eu ando de bicicleta, de táxi, de carro alugado, uso transporte público ou ando de avião. Quando tenho a oportunidade, consumo alimentos de produção orgânica. E no telhado da minha casa está instalada uma usina solar fotovoltaica.
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O Brasil participa ativamente da IRENA – Agência Internacional de Energia Renovável, que será implementada em janeiro de 2009? Scheer: Até agora, o Brasil não tem um papel ativo neste processo, mas o Brasil seria um país-membro importante devido à experiência extraordinária no campo dos biocombustíveis.
OPINIÃO
ANDRÉIA S.R. AMORIM
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Especialista em sustentabilidade, projetos socioambientais empresariais. Diretora do Senac Social em Santa Catarina
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Educação para o desenvolvimento sustentável
opram novos ventos que estão impulsionando as mudanças na sociedade e que tem provocado muitas pessoas a repensar sobre o tipo de desenvolvimento que realmente poderemos promover nessa sociedade. Existe um padrão de visão de mundo, - estabelecido ao longo de mais de 200 anos e fundamentado na cultura de destruição e violência – que começa a provocar um “mal-estar” generalizado na sociedade. Esse sentimento está instigando um grupo, cada vez maior de pessoas, a buscar novos referenciais para a promoção do desenvolvimento da humanidade, agora sob o olhar da sustentabilidade, que busca o equilíbrio entre o desenvolvimento e econômico, social e ambiental. Para que as estruturas desse novo paradigma de desenvolvimento sustentável se consolidem, faze-se necessário um novo tipo de educação, que leve em consideração todas as dimensões do ser humano e que possibilite o advento de uma nova cultura, capaz de contribuir para a eliminação das tensões que ameaçam a vida de nosso planeta, buscando o equilíbrio entre as estruturas sociais contemporâneas e as mudanças atuais. Para promover as discussões sobre a adoção de uma educação sustentável, a ONU decretou em dezembro de 2002, através da resolução nº 57/254, que entre 2005 e 2014, o planeta passaria pela Década da Educação das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável, onde a UNESCO seria a líder do processo. Portanto, estamos vivendo essa década, que pretende reorientar a educação em todos os níveis, desde a pré-escola até a universidade, transcendendo ao aprendizado permanente na vida adulta, focando na aquisição de conhecimentos, competências, perspectivas e valores relacionados à sustentabilidade. Faz-se necessário extrapolar a quadrícula cartesiana imposta pelo paradigma Dominante, que reduz os currículos dos cursos a um conjunto de disciplinas que pouco se relacionam, promovendo o desenvolvimento parcial dos alunos, para se consolidar em uma educação que busque uma prática que supere a fragmentação do conhecimento, acostumando o aluno a pensar com clareza nas coisas e em seus contextos, com olhos no desenvolvimento industrial e na inovação tecnológica e a fim de assegurar que suas aplicações não contradigam uma ética da responsabilidade perante outros seres humanos e o meio ambiente. Nessa nova visão de mundo trazida pelo paradigma emergente, outras habilidades profissionais são requisitadas. A certeza de que não será a “orientação para a sobrevivência do mais forte e agressivo” o perfil que dará a tônica da seleção natural no novo mercado profissional, mas a capacidade de sustentar a defesa de valores mais éticos e a construção de cidadãos mais conscientes de si mesmos e, assim responsáveis no exercício da competência profissional, como cidadãos éticos e conscientes preparados para lidar com as inevitáveis dificuldades do dia-a-dia.
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RSE Boas & Práticas Mídia
Quanto mais os temas de responsabilidade social e desenvolvimento sustentável forem tratados com profundidade, mais avançam as práticas eficientes Os assuntos relacionados a meio ambiente, sustentabilidade e responsabilidade social estão cada vez mais presentes nas pautas de todos os veículos de comunicação do país. Mas ainda não é o suficiente. O tratamento dado ainda é superficial e pouco crítico. “O grande desafio é generalizar as práticas com o cotidiano, ou seja, conseguir mostrar como os temas estão transversalmente presentes em vários momentos”, diz Paulo Itacarambi, diretor executivo do Instituto Ethos.
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Algumas das constatações apontadas em pesquisas e estudos da Rede Ethos de Jornalistas, criada em 2000, é que falta o olhar crítico, a contextualização é primária do assunto e confusão de conceitos. Isso motivou a implantação de um ciclo de debates sistemático que provocasse entre os jornalistas atração pelo tema e nos dirigentes de veículos de comunicação a vontade de gerir seus negócios de maneira sustentável. Os seminários “RSE na Mídia” ocorriam em São Paulo, antes da Conferência Internacional do Instituo Ethos, mas já em 2007, a Rede Ethos de Jornalistas iniciou um trabalho regional, levando a discussão para outros estados. O primeiro debate foi em Salvador (BA) e neste ano ocorreu mais um destes seminários, desta vez em Santa Catarina. Com o apoio do Instituto Primeiro Plano, o evento foi mediado pela conselheira da Rede Ethos de Jornalistas, Maria José Hesseine Coelho, da Revista Primeiro Plano. Estiveram presentes Paulo Itacarambi, diretor executivo do Instituto Ethos, Cyro Martins, diretor de negócios do Grupo RBS (SC), Eugênio Esber, diretor de redação da Revista Amanhã (RS), Marleth Silva, diretora de redação do Jornal
Gazeta do Povo (PR) e Marcello Petrelli, vice-presidente executivo da RIC Record (SC). Na platéia cerca de 30 jornalistas de vários tipos de veículos. O debate iniciou com uma apresentação de cada um dos integran-
“Quando o jornalista está capacitado e lê um relatório ou balanço social ele consegue trabalhar o contraditório. Assim é que se criam referências para todos avançarem” Paulo Itacarambi, Diretor executivo do Instituto Ethos
tes da mesa, abordando como os veículos trabalham os temas dentro das redações. Eugênio Esber destacou que por ser uma revista, a Amanhã consegue oferecer um viés mais analítico e agregar inteligência ao conteúdo, mas há uma tensão permanente entre o presente e o futuro. “As redações preci-
sam de mais capacitação, já que até dentro das empresas os conceitos são confusos”, disse, e complementou que eles lançaram um Guia da Sustentabilidade com informações detalhadas sobre o tema. Para o diretor executivo do Instituto Ethos, a abordagem dos te-
“O futuro está atrelado às novas gerações. Na internet todos são editores, por isso os jornalistas precisam ser relevantes. Mais do que dizer o que aconteceu, precisa fazer entender o que está acontecendo e tentar mostrar o que vai acontecer”
“Os assuntos não estão presos a uma editoria, mas os repórteres não possuem muita familiaridade com o assunto. Mas quando a empresa se preocupa com os temas na própria operação, isso ajuda também na cobertura jornalística”
Eugênio Esber,
Marleth Silva
Diretor de redação - Revista Amanhã (RS)
Diretora de redação - Jornal Gazeta do Povo (PR)
mas ainda não encaixou. “Os assuntos ligados à responsabilidade social e sustentabilidade precisam ser mais valorizados. Há uma necessidade premente na sociedade, que precisa ser colocada, abordada. Promovam este debate, reproduzam nos jornais e na TV esses assuntos”, pediu ele aos presentes. Marleth Silva diz que as empresas tornam-se fontes quando viram referência em algum assunto. “Os casos isolados não são bem vistos, mas quando é uma prática contínua revela a verdadeira preocupação da empresa. Isso facilita o diálogo com a imprensa”. Quando o assunto em debate foi a gestão responsável dentro das empresas, foi possível perceber que ainda há muito por fazer. Marcelo Petrelli confessou que a empresa ainda está engatinhando nesse quesito, que não possui canal de comunicação com o público interno, por exemplo. Mas que há disposição para iniciar este trabalho. “Os temas relacionados ao terceiro setor já foram alvo de programas dentro da emissora, mas nosso trabalho internamente ainda precisa evoluir muito”, completou. No Grupo RBS existe a Fundação Maurício Sirotsky Sobrinho que atua com os temas, e apesar dis-
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avançam nas manchetes
Sustentabilidade das redações AtÈ que ponto a necessidade do veÌculo em ser lucrativo garante a independÍncia necess·ria diante dos anunciantes? Nos debates anteriores da Rede Ethos de Jornalistas, os debatedores frisaram a quest„o como um obst·culo a ser superado.
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- Parte do jogo – A tensão entre redação e os anunciantes faz parte do jogo e baliza os limites do faturamento da empresa. - Jornalistas na direção – uma tendência nas empresas jornalísticas, a presença de jornalistas em algumas funções de direção tradicionalmente ocupadas por profissionais de outras áreas seria favorável para a adoção de RSE. - Novo perfil – O recente avanço em direção aos meios virtuais seria equivalente à revolução provocada pela invenção da imprensa por Gutenberg ou pela criação do telegráfo ou do telefone. - Resultados positivos – Os resultados financeiros das empresas jornalísticas estão melhores do que há alguns anos, basicamente em função do equacionamento de dívidas. - Especializados – Periódicos e programas de rádio e TV especializados no tema sustentabilidade constituem um fenômeno recente. Com circulação ou alcance mais restrito, devem seguir os caminho de outras publicações ou programas segmentados: descobrir quem é seu público específico se direcionar para ele. Uma outra sugestão é inovar na distribuição, por exemplo, distribuir as notícias via internet ou para uma rede de jornais e assim os assuntos entram no cotidiano das pessoas. so não influenciar diretamente na cobertura dos temas, ajuda a difundir campanhas da própria empresa relevantes para a inclusão social ou mesmo preservação do meio ambiente. O diretor Cyro Martins disse que o incentivo à cobertura também deve partir dos editores. Para Marleth Silva a sociedade e a imprensa devem se ajudar, porque a mídia é provocada. “Se você está imerso num ambiente em que não há problemas, não faz cobertura de problemas. E nisso está a cobertura regional, que tem focos diferentes em cada lugar”. Esse paradoxo é questionado por Eugênio Esber, que diz haver um descompasso entre o viés regionalista e a necessidade de olhar globalmente para as questões de sustentabilidade. “A imprensa trabalha muito com a lanterna na popa, olhando pra trás e repercutindo. O ideal é unir isto a um olhar pra frente, perceber o que pode vir”, concluiu
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“Devemos propagar esse debate nas redações e assim conseguir tratar de sustentabilidade com liberdade, o que não é uma tarefa simples. Nossa missão é também difundir boas referências e isso estarei levando para dentro da empresa”
“Ainda há dificuldade de se entender os temas e as redações trabalham de uma maneira burocrática diante destes assuntos. O jornalismo não é manufatura, é ‘mentefatura’, serve para facilitar a leitura para o leitor, portanto o suporte onde está o conteúdo seja o menos importante”
Marcello Petrelli
Cyro Martins,
Vice-presidente executivo da RIC Record (SC)
Diretor de negócios do Grupo RBS (SC)
Não vamos inventar a roda, apenas fazê-la funcionar O exercício do jornalismo apresenta questões que merecem reflexão – como preservar a notícia, o fato jornalístico, a matéria – da superficialidade que a velocidade da transmissão impõe. Como, com o tempo cada vez mais exíguo de produção e veiculação, não quebrarmos um dos pilares do critério jornalístico – a precisão. Qual a “fórmula” para exercermos um jornalismo qualificado, correto e competente em um mundo cada vez mais competitivo entre os meios e os profissionais. Para refletir sobre estas questões e sobre o papel e o futuro da imprensa escrita devemos considerar a disputa de espaço com a mídia eletrônica que exerce o jornalismo e a comunicação informativa. Neste cenário a sobrevivência da mídia escrita depende da capacidade deste meio para reformular seu enfoque e trabalhar a qualidade do conteúdo pois, é impossível, disputar com outros veículos a velocidade com que a informação é posta à disposição. O diferencial que a imprensa escrita oferece é a precisão e análise dos fatos e acontecimentos. Em Jornalista, presidente do tempo real, temos a cobertura jornalística de guerras, crimes, acidentes, esportes, entretenimento, mas será que o imediatismo na transmissão não coloca apenas a Instituto Primeiro Plano e superficialidade da informação? Como tratar os fatos com a qualidade exigida para ser membro do Conselho transmitida como notícia? A notícia pode ser tratada de forma socialmente responsável? Consultivo da Rede Ethos A boa nova é que, seja pelos preços mais acessíveis, pela competitividade do mercado de Jornalistas ou pelo aumento da renda e consumo no país, o Brasil acompanha a tendência da Índia e China e apresenta um aumento significativo de leitores dos meios impressos no país, com destaque para o jornal. Segundo estimativas da ANJ baseada na variação de circulação dos jornais filiados ao Instituto Verificador de Circulação (IVC), a circulação dos jornais pagos no Brasil aumentou 11,8% em 2007 em relação a 2006. Um crescimento que só foi observado em 1993 e 1995. Hoje estima-se que seja comercializada uma média diária de 8,08 milhões de exemplares em todo o país. Talvez este seja o melhor momento para consolidarmos o tema da responsabilidade social e sustentabilidade nos meios de comunicação visto a reconhecida importância do jornalista na propagação do conceito e de boas práticas. Bem difundida e enraizada em setores específicos como economia e meio ambiente, a Responsabilidade Social é ainda pouco abordada em outras editorias como política, moda e polícia, entre outros. Mas o desafio que se apresenta agora é como tratar estes assuntos no dia-a-dia das redações considerando a dificuldade, entre a pauta/fato e anunciante, o que limita o jornalista a implantar o tema transversalmente, sendo o seu exercício profissional o grande desafio. A informação – o grande diferencial estratégico contemporâneo - é tratada como espetáculo quando passa a ser notícia nos meios de comunicação em massa e submetida aos interesses imediatos de audiência, público leitor e anunciantes. Devemos considerar que definimos e tratamos como imprensa o conjunto dos meios de comunicação social de massa que exercem o jornalismo e comunicação promovendo o acesso à informação de interesse público, o que não deve ter relação alguma com publicidade/propaganda e entretenimento. Desde seu surgimento a imprensa esteve ligada aos interesses de grupos, na propagação de idéias e ideais, reforçando poderosos ou tentando derrubá-los. Mas sempre tendo que lidar com o paradoxo da informação, opinião e interesse comercial. Não podemos negar jamais a importância do poder da imprensa na história. Um poder tão reconhecido que a transforma constantemente em alvo de tentativas de controle de governos e de outras instituições. A imprensa é uma das ferramentas que a sociedade dispõe para capturar o conhecimento e, a partir dele, tomar suas decisões, planejar seu futuro, reconhecer e identificar perigos e dificuldades e, portanto, jamais pode ser tratada como um produto de consumo. Os meios de comunicação têm o papel fundamental de promover a qualidade de vida, a sustentabilidade do planeta e a garantia dos direitos humanos. Esta é a base inegociável e o princípio pelo qual devem estar pautados todos os envolvidos neste processo, desde os profissionais de jornalismo, sejam editores, redatores, diagramadores, fotógrafos e demais trabalhadores, até a empresa jornalística e o público. De fato, não é preciso inventar novamente a roda. É fazêla funcionar. É trazer constantemente às pautas dos jornais, às edições das revistas, às telas de TV e aos microfones dos rádios temas que em forma e conteúdo contribuam para a promoção da responsabilidade social e sustentabilidade. Cabe a cada um exercer seu papel, pois somente assim será possível desenvolver o jornalismo socialmente responsável com base na ética e na dignidade.
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MARIA JOSÉ H. COELHO
OIT sugere poder de compra RELATÓRIO MUNDIAL SOBRE SALÁRIOS É APRESENTADO PELA ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO
você sabia? De acordo com pesquisa do IBGE, 50,7% da população ocupada têm uma jornada de trabalho de 40 a 44 horas semanais, e cerca de 32% trabalham mais de 46 horas por semana.
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www.ibge.gov.br
Não só o mercado financeiro, mas também os trabalhadores assalariados, especialmente os mais vulneráveis, devem ser alvo de políticas de proteção contra a crise econômica que já levou alguns países desenvolvidos à recessão. Essa é uma das conclusões do Relatório Mundial sobre Salários 2008/2009, divulgado dia 25 de novembro em Genebra, Suíça, pela Organização Internacional do Trabalho (OIT).
“O salário não deve ser usado como uma variável de ajuste, é importante manter o poder aquisitivo dos assalariados e não cortar o poder aquisitivo”. A projeção feita pela organização é que, em 2009, o crescimento médio dos salários seja menor do que a média recente, caindo de um crescimento dos salários médios de 1,7% este ano para 1,1% no ano que vem. Nos países desenvolvidos, o crescimento dos salários de 2008 deve ficar em 0,8%, contra uma redução de 0,5% em 2009.
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A diretora do escritório da OIT no Brasil, Laís Abramo, destaca que atualmente os governos têm investido em pacotes de estímulo fiscal, para fortalecer o mercado e o consumo internos, mas que também é necessário dar mais força às políticas de proteção social e às instituições do mercado de trabalho, como o salário mínimo e a negociação coletiva, dois pontos analisados pelo relatório. “O salário não deve ser usado como uma variável de ajuste, é importante manter o poder aquisitivo dos assalariados e não cortar o poder aquisitivo”, ressaltou. De acordo com ela, as sinalizações dadas pelo governo brasileiro, de continuidade da política de valorização do salário mínimo, são importantes, “inclusive para dinamizar o mercado interno e evitar o aprofundamento da crise recessiva, porque se não você entra numa espiral que vai levando [a economia real] para baixo”. Segundo a OIT, além da garantia da continuidade do crescimento dos salários médios, é importante que o salário mínimo seja fortalecido e preserve o seu poder de compra. O mesmo princípio de fortalecimento se aplica às negociações coletivas, por categoria, com a organização dos trabalhadores em sindicatos para a reivindicação de melhorias salariais. Fonte: Ana Luiza Zenker, Agência Brasil
Presidente do Ipea, Marcio Pochmann
Quanto da renda é de trabalho? MP: Est· em torno de 40% do PIB. A renda do paÌs n„o È formada sÛ de trabalho, tem outras formas que a gente chama de renda da propriedade (daqueles que tÍm uma propriedade e a usam para adquirir outra renda), por exemplo, quem tem uma f·brica, empresa ou estabelecimento comercial.
população se ela está satisfeita com o serviço de saúde, se a educação atingiu um nível de qualidade que não precisa de mais recursos, construção de escolas... Todos defendem o corte dos gastos. Então pergunto onde cortar?”, disse Pochmann, durante apresentação do estudo “Distribuição Funcional da Renda no Brasil”, na sede do Ipea, em Brasília. ”Do ponto de vista da composição do gasto, o Estado gasta somas significativas com juros. São 7% do PIB que comprometemos anualmente. Juros é renda da propriedade, é uma contribuição para o aumento da desigualdade da renda [nacional]”. (Ascom/Ipea)
Quais as principais razões do aumento de renda dos mais pobres? MP: S„o v·rias, por exemplo, a expans„o do emprego, elevaÁ„o dos sal·rios - seja pelo valor pago, pelo sal·rio mÌnimo tambÈm a complementaÁ„o via PrevidÍncia Social, programas como o Bolsa FamÌlia. Tem a ver com a expans„o econÙmica e a estabilidade monet·ria dos ˙ltimos anos.
nacional. Foi em dois perÌodos, um de 1996 atÈ 2001, e no perÌodo recente de 2005 a 2007, esperamos tambÈm em 2008. Como n„o h· dados mais completos, n„o avanÁamos. A distribuiÁ„o de renda melhora no paÌs quando se combinam dois elementos, aumento da participaÁ„o de renda no trabalho, acompanhado de uma reduÁ„o da desigualdade daqueles que as recebem.
A desigualdade n„o diminuiu? MP: A desigualdade diminuiu na renda do trabalho, mas n„o na renda do paÌs. Quando fazemos uma an·lise por anos, percebemos que nos ˙ltimos 17 anos somente em sete anos houve melhora combinada na reduÁ„o das desigualdades no Ìndice de Gini ñ com a reduÁ„o da desigualdade ou ampliaÁ„o dos trabalhadores na renda
Essa tendência pode ser interrompida? MP: Pode sim. Para manter È preciso decisıes que defendam sustentaÁ„o do nÌvel de atividade. Se cair, esse nÌvel na economia, teremos repercussıes no emprego, na renda e nos sal·rios.
Fonte: Ascom/Ipea
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A desigualdade entre renda do trabalho e da propriedade no Brasil está pior hoje que em 1990, último ano da chamada ‘década perdida’. O presidente do Ipea, Marcio Pochmann, alertou que a alta dos juros no país e a crise mundial, provocada pelo vale-tudo dos mercados financeiros, podem piorar a situação. Justamente num período em que o país vinha se recuperando, e a renda do trabalho crescia desde 2004. Segundo Pochmann, para reduzir os efeitos da crise no Brasil, é preciso tentar manter o nível de atividade. “Também sou favorável a reduzir o gasto público, mas o gasto com juros. Precisamos perguntar à
MUNDO DO TRABALHO
Crise amplia a desigualdade entre renda e trabalho
NA CRISE, RESPONSABILIDADE SOCIAL É GARANTIR EMPREGOS
OPINIÃO
A
CLEMENTE GANZ LÚCIO
PRIMEIRO PLANO . ANO 3 . NO 12 . DEZEMBRO 2008
Diretor técnico do DIEESE
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crise dos países ricos é muito grave, de múltiplos impactos e não se conhece sua extensão. Um sistema financeiro paralelo extremamente vulnerável e frágil, sem regulação, substituiu o sistema financeiro tradicional, promovendo uma alavancagem financeira sem precedentes para maximizar lucros, totalmente descolada da economia real. A festa acabou com gravíssimas conseqüências para a produção, para os estados e para a população. Os danos são incalculáveis e o mercado não enfrentará sozinho esse problema. Todos os países articulam espetaculares intervenções públicas e dos organismos multilaterais para fazer frente às várias dimensões do problema. O Brasil, apesar de não estar no centro da crise, não passará imune aos seus efeitos, pois o ciclo dominante no mundo no próximo período é recessivo. Os resultados do desempenho econômico dos países centrais revelam a queda brutal da atividade produtiva com graves impactos sobre o emprego e a renda. Nosso desafio é articular, a exemplo dos demais países, um conjunto de ações que nos permitam aproveitar nossa atual condição econômica favorável para atravessar a tormenta com o menor custo social possível. Os países centrais estão promovendo políticas anticíclicas de cunho monetário, fiscal, tributário e financeiro para reverter expectativas e promover investimentos, garantir renda, oferecer crédito e proteger a produção industrial e agrícola. O governo brasileiro deve agir da mesma forma. Considerar o prior cenário – crise, recessão e desemprego - como uma possibilidade que, caso ocorra, trará graves conseqüências sociais e econômicas para o país e para o seu povo. A forma para se transitar pela crise com um menor custo está também no fortalecimento do nosso mercado interno. A desigualdade que excluiu milhões de brasileiro do acesso aos bens, produtos e serviços, lentamente vêm se revertendo. Isso se deve ao aumento da ocupação, do crescimento da massa salarial e do salário mínimo, pelos resultados alcançados nas negociações coletivas, bem como pelas políticas de transferência de renda e oferta de crédito. O aumento do poder econômico dos pobres e assalariados gerou um movimento de acesso a uma base material economicamente disponível que moveu um novo ciclo positivo na atividade industrial e na cadeia de serviços, trazendo novo vigor ao mercado interno e promovendo nova dinâmica ao crescimento econômico com efeitos redistributivos. Há a oportunidade de transformar as mazelas em oportunidades, como a redução da taxa de juros para patamares civilizados, indicando ao mercado a intenção de combater a recessão. Oferecer crédito ao mercado por meio dos bancos públicos, em especial o BNDES. Reduzir o superávit primário, propiciando capacidade para o orçamento público fazer as alocações que garantirão os investimentos produtivos na infra-estrutura (portos, estradas, usinas, etc.), habitação, saneamento, transporte, entre outros. Dar folga tributária às empresas, garantir a produção agrícola, entre tantas outras medidas que necessitam ser articuladas, promovendo uma vigorosa ação do governo federal, dos estados e municípios no sentido de aumentar seus investimentos e gastos que animam a atividade econômica. Tão importante quanto a ação do governo, será a ação política e econômica do empresariado ao compreender que a preservação do emprego é, além de uma ação de proteção social diante da crise, uma medida produtiva para manter o vigor do mercado interno. A renda disponibilizada aos assalariados, em uma sociedade com tamanha desigualdade e carências sócio-econômicas, desloca-se para o consumo, o que é um fator dinamizador da atividade produtiva. É hora de coragem e visão para criar compromissos que podem ser viabilizados por meio de acordos sociais politicamente construídos.
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Era do Petróleo
Produção em muitas escalas
O pré-sal e a distribuição da riqueza
Auto-suficiência e a descoberta de novas reservas transformam o Brasil e trazem boas perspectivas de desenvolvimento
A projeção gigantesca exige preparo de gente grande. Infraestrutura e mão-de-obra são demandas imediatas
Os royalties estão na mira dos municípios que fazem parte das regiões onde houve descobertas de reservas petrolíferas Petróleo | Ciclo de Debates | 17
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PETRÓLEO
EXPEDIENTE Diretor: Odilon Luís Faccio EdiÁ„o: Sara Caprario (MTe/SC 625-JP) RedaÁ„o: Alessandra Mathyas (MTe/SC 775-JP) EdiÁ„o de Arte: Maria José H. Coelho (Mte/PR 930 - JP) DiagramaÁ„o e arte: Cristiane Cardoso Fotografia: Sérgio Vignes Petrobrás Secretaria: Lilian Franz Marlete Barbosa
PRIMEIRO PLANO . ANO 3 . NO 12. DEZEMBRO 2008
DistribuiÁ„o: Lilian Franz
PETRÓLEO é um encarte da Revista Primeiro Plano para divulgação dos resultados do evento que debateu sobre petróleo, sustentabilidade, desenvolvimento, impactos e expectativas para Santa Catarina.
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Patrocínio:
Desafios e oportunidades Perspectivas sobre a expansão da exploração do petróleo abrange várias áreas da sociedade. Em Santa Catarina o tema foi colocado em pauta em novembro num Ciclo de Debates
Os efeitos na economia brasileira e dos estados serão sentidos a partir de 2009 com a expansão da exploração de novos campos de petróleo e gás no litoral brasileiro. O tema representa desafios tanto para o desenvolvimento econômico quanto para o social. Estes assuntos foram debatidos com atores dos cenários econômico e político catarinenses, com a realização de um Ciclo de Debates em novembro. O evento trouxe à tona o momento em que estamos atravessando em relação às mudanças de utilização de matrizes energéticas, as possibilidades de desenvolvimento de tecnologias no Estado e a melhoria na qualificação de capital humano.
Nas páginas a seguir, estão mais detalhes dos temas relacionados à energia e sustentabilidade, trazendo as opiniões dos painelistas e de outros importantes atores dos principais segmentos empresariais, representações parlamentares, órgãos de pesquisa e a sociedade civil.
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O Ciclo de Debates aprofundou a análise com o objetivo de contribuir na formulação de estratégias específicas de desenvolvimento, especialmente nos setores mais diretamente impactados como, por exemplo, o de infra-estrutura portuária, setor cerâmico, gás e formação profissional.
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PETROBRAS
Era do petróleo FOTOS PETROBRAS
Auto-suficiência e a descoberta de novas reservas transformam o Brasil e trazem boas perspectivas de desenvolvimento
Poço José Bach (AL), em 1931
história do petróleo no Brasil tem pouco mais de 50 anos e se confunde com a própria história da Petrobras. Foi a empresa, criada em 1953, que alavancou a exploração e o refino de petróleo e gás no país. Hoje o Brasil é auto-suficiente em petróleo, o que o colocou em situação privilegiada mundialmente naquele momento em que o barril ultrapassou o valor de cem dólares. Obviamente que a busca por petróleo é mais antiga no país. Têm-se registros de tentativas de perfuração desde 1864, não muito atrás dos Estados Unidos, que descobriram em 1859 os primeiros poços. O Estado brasileiro também sempre esteve envolvido na organização e profissionalização deste segmento. Em 1907 foi
criado o Serviço Geológico e Mineralógico Brasileiro (SGMB), do Departamento Nacional da Produção Mineral, órgão ligado na época ao Ministério de Agricultura. Mais tarde, nos anos 30 do século passado, já havia uma espécie de campanha de nacionalização dos bens minerais, que se consolidaria com a criação da Petrobrás. De lá para cá, os milhões de barris produzidos foram importantes ferramentas de desenvolvimento econômico do país. Foram e continuam sendo, pois, conforme o Ministério de Minas e Energia, 55% da matriz energética brasileira considerada não renovável, tem sua base no petróleo (39%) e gás natural (9%). No entanto, tamanha riqueza fundamental para o país não significa que todos os brasileiros recebam algum benefício por isso. E a distribui-
Primeiras sondagens foram feitas no município de Bofete (SP), 1901
Jorro de petróleo em Candeias (BA), 1951
Guilherme Butler - 1950
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A
FONTE: RESENHA ENERGÉTICA BRASILIERA - RESUL TADOS PRELIMINARES 2007 (MME)
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ção dos royalties mostra isso (veja pág. 40)
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SÉRGIO VIGNES
Ao pesar na balança e tendo em vista o cenário mundial, o Brasil encontra-se num momento estratégico quando, depois de décadas de produção, as recentes descobertas na chamada camada pré-sal colocam o país na perspectiva de um grande produtor mundial de petróleo. E mais ainda avaliando que a grande propulsora disso deverá ser a Petrobras, que descobriu as reservas e deverá ficar com a maioria dos blocos a serem licitados futuramente. Porém, a descoberta também é uma incerteza. Segundo Luiz Carlos Cronemberger Mendes, Gerente do Ativo Sul da Bacia de Santos da
Petrobras, o grande desafio da empresa para os próximos anos será a efetiva produção de petróleo e gás extraída abaixo de
Luiz Carlos Cronemberger Mendes, gerente do Ativo Sul da Bacia de Santos da Petrobrás
uma rocha salina com cerca de 800 quilômetros de extensão (geograficamente, ao longo do litoral do Espírito Santo a Santa Catarina), abaixo mais de 2000 metros do nível do mar (ou, como é tecnicamente chamada, com uma lâmina d’água de mais de dois quilômetros). “Felizmente a Petrobras e seus parceiros vêm obtendo sucesso em suas perfurações nessa camada pré-sal, que está depositada no mar há mais de 100 milhões de anos”, comenta Mendes. Mas da descoberta feita em 2007 até a efetivação da produção, que beneficiará a população brasileira e poderá colocar o país no topo dos produtores de petróleo, ainda há um longo caminho e
SÉRGIO VIGNES
Explorar a mais de 5.000 m de profundidade é o grande desafio da Petrobrás
PAULO ROBERTO BORBA Presidente da OAB/SC
milhões e milhões em investimentos. No campo de Tupi, por exemplo, que tem uma extensão de 2000 km² e onde a Petrobras acredita ser possívível a instalação de 11 plataformas marinhas, já estão em desenvolvimento dois projetos de longa duração, com a perfuração de dois poços. O primeiro poço piloto de produção deverá iniciar as atividades em março de 2009 e o seu término está previsto para o final de 2010. Durante este período serão testadas uma série de tecnologias para só então verificar a viabilidade e as possibilidades de um projeto definitivo. “Desde a etapa de aquisição dos dados, perfuração até a produção são necessários investimentos consideráveis. Para a perfu-
ração de cada poço, que pode ser exitoso ou não, vão algumas dezenas de milhões de dólares. Esperamos que até 2010 já tenhamos perfurado 13 poços. Destes sete estarão no ativo sul da Bacia de Santos, onde a sede é em Itajai/SC”, explica o gerente. Mendes comenta que a empresa tem sido bem sucedida e que encontrou petróleo e gás nos dois poços perfurados até o momento, os quais deverão ter uma produção de 150 milhões de barris. No entanto, a grande dúvida é se há petróleo e gás ao longo de toda a extensão da camada pré salina ou se são “bolsas” de óleo. “Isso só saberemos através das perfurações e de tempo”, afirma. Ainda que não se tenha certeza da totalidade das reservas, as
“O grande desafio é aliar crescimento com inclusão social. A OAB de Santa Catarina apóia esse tipo de evento porque acredita que possamos sair mais fortes, imbuídos dos direitos de brasileiros e catarinenses”
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PETROBRAS
Camada pré-sal
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PETROBRAS
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Blocos exploratórios
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O Petróleo é nosso - Getúlio Vargas em Landulfo Alves (BA), em 1952.
previsões atuais estimam uma produção que poderá ser de 100 a 338 bilhões de boe (barris equivalentes de petróleo). Para se comparar o que isso significa, hoje o país tem em reservas provadas algo em torno de 14 bilhões de boe. E a Arábia Saudita, maior produtor mundial, tem em reservas provadas 264 bilhões boe. Dado o montante necessário para a exploração da camada pré-sal - a Petrobras estima que algumas perfurações poderão ter profundidades superiores a 24 | Ciclo de Debates | Petróleo
5.000 - o Ministério de Minas e Energia manterá as diretrizes da Resolução 8, de 21/07/2003 e da Lei 9.478/97, que tratam da exploração petrolífera no Brasil. Pela resolução, os blocos licitados passam por algumas fases antes da produção. São elas a concessão dos blocos para as empresas vencedoras, a fase exploratória de investigação de viabilidade, seguida por um plano de desenvolvimento da produção e só depois a área licitada passa a produzir, tendo a empresa um contrato de 27 anos para a exploração.
Como o petróleo que se acredita existir na camada pré-salina vem sendo considerado o mais recente grande patrimônio brasileiro, há controvérsias na condução deste processo. Empresas que já operam na costa brasileira nos blocos de exploração, desde a entrada em vigor da Lei 9478/97, não querem mudar as regras do jogo. Já a Associação dos Engenheiros da Petrobras e a Federação Nacional dos Petroleiros defendem que haja salvaguardas para o minério brasileiro. “O petróleo não pode ser somente brasileiro enquanto
PETROBRAS
Previsões positivas para o petróleo ATUAL PRODUÇÃO BRASILEIRA (em boe*)
14 bilhões PRODUÇÃO ESTIMADA COM O PRÉ-SAL(em boe)
100 a 338 bilhões PRODUÇÃO DA ARÁBIA SAUDITA, MAIOR PRODUTOR MUNDIAL (em boe)
264 bilhões
ciações de Engenheiros já manifestou seu apoio. Para o conselheiro da entidade, Paulo Metri, “um monopólio estatal nacional, socialmente controlado, é mais benéfico para a sociedade que um oligopólio privado estrangeiro”. Ele defende que toda a sociedade brasileira sairá ganhando se houver uma mudança na lei 9.478. “As empresas estrangeiras, na maioria dos casos, se associaram à Petrobras. Quando atuaram sozinhas, geraram poucos empregos e compraram pouco no país, se compararmos ao que compra a Pe-
João Antônio de Moraes, coordenador geral da FUP
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não foi explorado. Deve continuar sendo depois da produção, em benefício da sociedade”, defende João Antônio de Moraes, coordenador geral da FUP. A Federação já iniciou uma campanha nacional por uma nova lei do petróleo, que tenha como foco o controle estatal e social das reservas do pré-sal. Para isso está coletando assinaturas em todo o país para apresentar ao Congresso Nacional um projeto de iniciativa popular com vistas à mudança legal. E a FUP não está só nesta luta. A Federação Brasileira de Asso-
SERGIO VIGNES
*barris equivalentes de petróleo
FONTE: PLANEJAMENTO DA PETROBRAS 2008-2012 (EM REVISÃO)
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trobras hoje e foi comprado durante o monopólio. Com relação ao desenvolvimento de tecnologia, só a Petrobras a desenvolve no Brasil. Assim, o atendimento a políticas públicas com entes privados estrangeiros é desprezível”. A opinião é a mesma do ex-diretor de Petróleo e Gás da Petrobras, Ildo Sauer. Ele, que é professor titular de energia da USP, é enfático: “O pré-sal é nosso, o petróleo é nosso, a Petrobras é nossa”. Segundo Sauer, “é preciso valorar adequadamente as conquistas da autosuficiência e do pré-sal, que são fruto de uma política nacional apoiada plenamente pela população brasileira já há mais de 60 anos, quase 70, com a campa26 | Ciclo de Debates | Petróleo
nha `O Petróleo é Nosso`”. Sauer recorre à história da Petrobras para defender a mu-
Ildo Sauer
Ildo Sauer, ex-diretor de Petróleo e Gás da Petrobras
dança na legislação. Para ele a empresa é a maior realização histórica do povo brasileiro e assim, precisa atuar em benefício social. E para isso o petróleo não pode ser regido apenas como um “excedente econômico”. “O modelo criado em 1997, e ainda vigente, previa um prêmio para quem corresse o risco exploratório. No présal não existe mais risco, então o modelo atual não tem mais sentido. O modelo de exploração do petróleo vigente é baseado nos mesmos princípios do sistema fnanceiro internacional criado a partir dos anos 1980 e que acabou de ruir. Se o petróleo é nosso, ele deve ter a finalidade de permi-
da exploração não ficaram nos países, o que gerou graves problemas sociais e econômicos. O projeto de iniciativa popular, na visão da FUP, poderá ser uma vacina a uma situação como esta. Ainda que não se saiba se haverá ou não mudança no marco legal, o fato é que a Pe t robras trabalha com a perspectiva de exploração e produção nas reservas présalinas. Tanto que em seu Plano de Investimentos para o período 20082012 (que, segundo o engenheiro Luis Carlos Mendes está permanentemente em revisão) a previsão é investir 112,4 bilhões de dólares. Destes, a maior parte, 58% estão voltados para exploração e produção e 87% em projetos no Brasil. Assim, a empresa espera saltar dos atuais 2.298 mil boed (barris de óleo equivalentes dia, somando-se óleo, gás natural e gás natural liquefeito) para 3.394 mil boed em 2012 e chegar a 2015 ultrapassando os 4.100 mil boed. Só o mercado de gás natural, com o aumento no uso veicular, residencial, comercial e em termelétricas, refinarias e plantas de fertilizantes, deverá ultrapassar 19% ao ano.
IVAN RANZOLIN Presidente da SC Gás
“Trabalhamos para expandir nossa rede, porque assim ajudaremos a difundir o uso do combustível mais limpo. Agora que a Petrobras está implantando GNL, Santa Catarina está disputando através da implantação em São Francisco do Sul. Será de grande valia para nosso desenvolvimento”
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tir que sua riqueza resgate dívidas históricas e possibilite a construção de um futuro para o país, baseado na modernização tecnológica, na modernização da infra-estrutura, da base educacional e científica, na proteção ambiental e em todo um conjunto de ações estratégicas que venham a converter o Brasil num país diferente do que ele é hoje”, defende o ex-diretor da estatal. Seu discurso é o centro da renovação da campanha O Petróleo é Nosso, lançada em setembro pela Associação dos Engenheiros da Petrobras. A entidade apóia a FUP na busca de assinaturas para o projeto de iniciativa popular. As instituições pretendem entregar ainda neste ano legislativo o projeto. A preocupação são as novas rodadas de licitação de blocos exploratórios, onde estão também as reservas do pré-sal. “Não queremos que aconteça aqui uma nova versão da ‘Doença Holandesa’, endossa João Moraes, da FUP. Esta “doença” é como convencionou-se chamar o fenômeno ocorrido nos anos 80 na Europa, onde os países produtores de petróleo se “desindustrializaram”, pois os recursos provenientes
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PETROBRAS
Produção em muitas escalas A projeção gigantesca exige preparo de gente grande. Infra-estrutura e mão-de-obra são demandas imediatas
ara alcançar os números projetados pela Petrobras, ainda que seja uma expectativa para a próxima década, as repercussões foram imediatas. Para a produção nos primeiros poços das reservas do pré-sal a partir de 2010 são necessários anteriormente navios, equipamento de prospecção, infra-estrutura portuária e de transporte. E mão-de-obra, muita mãode-obra, desde a mais básica na construção naval, como soldadores, pintores, até PHDs em engenharia e em áreas sociais. Visualizando este novo ramo em crescimento, o governo federal criou, em dezembro de 2003, o Prominp (Programa de Mobilização da Indústria Nacional do Petróleo e Gás Natural). Este programa, que tem como parceiros nos estados empresas, centros de formação e
instituições como o Sebrae, está realizando cursos de formação em todos os níveis. Só no quarto ciclo realizado neste ano, serão mais de 20 mil vagas em 12 estados do país: Amazonas, Ceará, Rio Grande do Norte, Pernambuco, Alagoas, Bahia, Espírito Santo, Rio de Janeiro, São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Os candidatos aprovados no processo seletivo que estiverem desempregados durante o curso, receberão uma bolsa-auxílio no valor de R$ 300 mensais para nível básico, R$ 600 para níveis médio e técnico, e R$ 900 para nível superior. O PROMINP pretende treinar, até o final de 2009, cerca de 112 mil profissionais onde deverão ocorrer os projetos de investimentos planejados para o setor de petróleo e gás. Desde que foi
criado, o programa prevê a realização de 900 cursos diferentes em 6.400 turmas. Para isso deverá envolver cerca de 80 instituições de ensino, do ensino primário ao superior. (Informações sobre os cursos: http:// www.prominp.com.br) Em Santa Catarina, há uma grande expectativa com este setor. Segundo o gerente de Comunicação e Mercado do Sebrae/SC, Spyros Diamantaras, a sociedade catarinense sentirá já em 2009 os resultados do crescimento da indústria naval. Além da formação profissional do PROMINP, a contratação de serviços das micro e pequenas empresas para a demanda da Petrobras no estado, que deverá girar em torno de R$ 700 milhões, dá uma dimensão do que já significará a produção e Petróleo | Ciclo de Debates | 29
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P
PETROBRAS
Projeções do Prominp*
112 mil VAGAS EM CURSOS DE FORMAÇÃO ATÉ O FINAL DE 2009
900 DIFERENTES CURSOS EM TODOS OS NÍVEIS
6.400 TURMAS ENVOLVENDO CERCA DE 80 INSTITUIÇÕES DE ENSINO *Programa de mobilização da indústria nacional do petróleo e gás natural
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SERGIO VIGNES
exploração de petróleo e gás no litoral sul do Brasil. “O Sebrae iniciará um diagnóstico da cadeira produtiva de micro e pe-
Spyros Diamantaras, gerente de Comunicação e Mercado do Sebrae/SC. 30 | Ciclo de Debates | Petróleo
queno porte em março de 2009. A partir daí começará a etapa de capacitação e depois, a relação das empresas com a Petrobras”, explica o gerente. Muito desta demanda deve-se à produção dos quatro estaleiros de Santa Catarina, todos em Itajaí e região. Segundo explica o engenheiro Carlos Teixeira, presidente da Detroit Brasil Ltda, um dos estaleiros catarinenses, a construção de uma embarcação propicia um “efeito cascata” nos produtos dos fornecedores da região. Na indústria naval 65% do custo de construção de estaleiro vão para os componentes – materiais, peças e equipamentos, enquanto 20% é com investimento
em mão de obra. “Para a demanda de 26 navios que deverão ser construídos em Santa Catarina, mais de 70% do investimento com materiais, peças e equipamentos pode ser destinado à indústria local. É o custo com aço, tintas, caldeiras, quadros elétricos, bombas, válvulas, cabos elétricos, amarras, trocadores de calor, mobília e outros. Por isso estimamos que só em Itajaí teremos a criação de 2500 vagas nos próximos 24 meses”, opina Teixeira. Segundo ele, para desenvolver os projetos e capacitar fornecedores e classificadores locais é essencial fomentar uma indústria competitiva e inovadora. Teixeira cita como exemplo a WEG, de Jaraguá do Sul, que desenvol-
DIVULGAÇÃO PETROBRÁS
ADRIANO ZANOTTO Diretor da SC Parcerias
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Mas Santa Catarina não é o único estado que já sente as repercussões do incremento da indústria naval. O Rio de Janeiro também vivenciará o crescimento deste setor. Segundo o Sindicato dos Metalúrgicos de Niterói, onde estão situados alguns dos mais importantes es-
taleiros, os quatro primeiros meses de 2009 deverão gerar cerca de 3.800 novos postos de trabalho e garantir a manutenSERGIO VIGNES
veu o projeto de todo o sistema elétrico junto ao projetista do estaleiro Wilson Sons, renomada prestadora de serviços aos setores de comércio marítimo nacional e internacional no Brasil. Com isso, aumentou suas vendas de componentes elétricos e tornou-se a fornecedora mundial deste equipamento, vendendo US$ 20 milhões em oito projetos.
“Precisamos continuar insistindo na necessidade de critérios mais justos na definição do mar territorial dos estados brasileiros. As reservas petrolíferas da camada pré-sal chegam até Santa Catarina e isso, num futuro próximo, nos dará o direito de recebermos royalties pela extração. Atualmente, a Petrobras explora petróleo da plataforma continental na frente do nosso estado, mas as águas são consideradas paranaenses, estamos trabalhando pra mudar essa situação”.
Carlos Teixeira, presidente do estaleiro Detroit Brasil
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PETROBRÁS
proposta, a participação do transporte aquaviário deverá passar dos atuais 13% para 29% até 2025.
ção de sete mil empregos. A previsão do sindicato é que os empregos já começarão em janeiro, com 800 novas vagas na indústria de offshore (exploração petrolífera no mar) e, em março e abril, com o início da construção de quatro navios encomendados pela Transpetro ao Estaleiro Mauá, os metalúrgicos deverão enfim ficar tranqüilos quanto à manutenção dos sete mil empregos. A expectativa é que em 2010 a indústria da construção naval gere no país cerca de 50 mil empregos. Isso, segundo o Sinaval – Sindicato Nacional da Indústria da Construção e Reparação Naval e Offshore, se deve não só aos 32 | Ciclo de Debates | Petróleo
projetos já em execução, mas às 269 embarcações que estão em avaliação para a liberação de financiamento pelo Fundo da Marinha Mercante (FMM). No total, são 338 empreendimentos a serem executados pelos próximos oito anos. Demanda que deverá ser atendida pelos 26 estaleiros de porte médio e grande existentes hoje no Brasil, com capacidade de processar 570 mil toneladas de aço/ ano e em 4,7 milhões de metros quadrados de área ocupada. A indústria naval também está otimista por conta do Plano Nacional de Logística dos Transportes (PNLT), do Ministério dos Transportes. Por esta
Isso, contudo, não é o suficiente para que o Brasil tenha domínio total de suas águas. A afirmação é do professor Osvaldo Agripino de Castro Jr, que, antes de se tornar professor universitário e doutor em Direito e Relações Internacionais, trabalhou na Marinha do Brasil. Segundo Agripino, o país tem 3.200 mil km de mar, o que se convencionou chamar de Amazônia Azul (por se tratar de uma extensão equivalente ao tamanho da Floresta Amazônica). Este imenso litoral, garante o professor, não tem fiscalização adequada: nem navios, barcos e profissionais para manter o patrulhamento. “O Brasil não detém marinha mercante e quase todo o comércio exterior é feito pelos oceanos. No entanto, 95% das embarcações que fazem o transporte de exportação e importação são de bandeira estrangeira. Ao mesmo tempo, 85% do petróleo do país está no mar. Estes números mostram que é preciso um grande investimento e uma política de controle marítimo para assegurar as riquezas nacionais”, comenta Agripino. E finaliza: “se o futuro do Brasil está no mar e o gás natural mostra-se como o combustível do século XXI, é urgente que o país se volte para o leste”.
PETROBRAS
Desafios tecnológicos
A
exploração de petróleo e gás na camada de pré-sal pressupõe um desafio tecnológico. Como perfurar a mais de cinco quilômetros de profundidade no mar de forma segura por 30 ou 40 anos? Como trazer óleo e gás até a plataforma e dali transportá-los em segurança para o continente? Tecnologias para isso vêm sendo estudadas permanentemente no Cenpes Centro de Pesquisas da Petro-
bras, no Rio de Janeiro. Atualmente, o Centro atua nas quatro prioridades da Petrobras: aumento da capacitação tecnológica para a produção em águas profundas e ultraprofundas, da recuperação de petróleo das jazidas, de novas tecnologias de refino e em tecnologias alternativas para transporte de gás natural e desenvolvimento de energias renováveis. Pelo país outras instituições de ensino e pesqui-
sa estão atentas ao mercado energético. A Universidade Federal de Santa Catarina, por exemplo, que já desenvolve inúmeros projetos relativos à energia, petróleo e gás em parceria com a Petrobras há 18 anos, irá instituir o Instituto do Petróleo. Segundo o professor Jorge Mário Campagnolo, diretor do Departamento de Projetos de Pesquisa da UFSC, esta iniciativa, que congregará todos os projePetróleo | Ciclo de Debates | 33
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A liderança da Petrobras na perfuração em águas profundas é um bom começo, mas não é tudo. As pesquisas já iniciaram.
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CARLOS KILIAN /ALESC
SILVIO DREVECK Deputado Estadual
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tos em desenvolvimento e os novos, deverá ter como sede um dos novos campi a serem construídos pela universidade, na grande Florianópolis. No Campus da Ressacada (próximo ao Aeroporto Internacional Hercílio Luz), uma área de 9000m² será destinada para laboratórios de pesquisa e desenvolvimento na área petrolífera, integrando dezenas de grupos de pesquisa interdisciplinares na busca de novas tecnologias para todas as fases do petróleo. A infra-estrutura de transporte é outro ponto que demandará profissionais qualificados para a demanda petrolífera em Santa Catarina. Por isso, no Campus de Joinville, que também será construído em 2009, terá o primeiro curso do país de Engenharia da Mobilidade. Nele serão abordados basicamente os temas relacionados à logística e transporte, incluindo aí engenharia veicular automotiva, ferroviária, aeronáutica,
naval e oceânica e a engenharia de sistemas de infra-estrutura, de tráfego e logística e de controle e automação. Além destas iniciativas, a UFSC tem um Centro de Pesquisa em Gás Natural que é referência nacional a ponto de colocar a instuição numa rede nacional temática, que inclui ainda pesquisadores da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), da USP (Universidade de São Paulo) e da PUC/RIO (Pontifícia Universidade Católica). SERGIO VIGNES
“O Pré-sal irá impulsionar a economia catarinense atraindo novos empreendimentos e gerando mais emprego, renda e justiça social desde que os recursos que cabem ao estado, sejam investidos em Ciência, Tecnologia e Educação. É precisa lembrar que Santa Catarina está perdendo royalties (Recursos) por conta da atual legislação. Acredito ser o momento oportuno para redefinir os limites na costa marítima entre outros estados, bem como alterar os percentuais, conforme Projeto de Lei Nº 279 de 09.07.08 da Senadora Ideli Salvatti”.
Jorge Mário Campagnolo, diretor do Departamento de Projetos de Pesquisa da UFSC
PETROBRAS
Vantagens sustentáveis do gás natural
H
oje a região Sul do Brasil é abastecida praticamente com gás natural da Bolívia. Se por um lado o avanço do uso desta fonte energética deu um salto nos últimos anos, permitindo o uso sobretudo em indústrias e veículos de um combustível menos poluente, paira sempre a preocupação com as orientações políticas do país vizinho, além da manutenção do longo gasoduto que corta o país.
Tanto assim que em novembro, os deslizamentos de terra ocorridos em Santa Catarina, motivados pelas fortes chuvas, romperam o gasoduto em um trecho de difícil acesso no município de Gaspar, interrompendo o fornecimento de gás a boa parte de Santa Catarina e na totalidade do Rio Grande do Sul. A empresa responsável pelo gasoduto, Transportadora Brasileira Gasoduto Bolívia-Brasil
S/A (TBG), desde o rompimento informou que a recuperação total levaria não menos que três semanas. O resultado: prejuízos econômicos aos dois estados, antecipação de férias em muitas empresas e a demissão de funcionários por conta da paralisação total de alguns setores como o cerâmico, responsável pelo consumo de 45% do gás natural no Estado de Santa Catarina. Petróleo | Ciclo de Debates | 35
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O combustível menos poluente gera polêmica nos quesitos segurança e política latino-americana
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SERGIO VIGNES
Ter uma única fonte energética é mais acessível para o setor empresarial, mas também trata-se de um grande risco. Por isso a UFSC (Universidade Fe-
João José Souto, Secretário Adjunto de Petróleo, Gás Natural e Combustíveis Renováveis do Ministério de Minas e Energia 36 | Ciclo de Debates | Petróleo
deral de Santa Catarina), no seu Centro de Pesquisa em Gás Natural, está desenvolvendo equipamentos com tecnologia FLEX para a fonte primária de gás. Ou seja, o gás natural continuaria sendo o principal meio energético, mas os equipamentos teriam a possibilidade de usar outra fonte, em caso de uma necessidade, como a ocorrida em Santa Catarina em novembro. Outra perspectiva é apostar na produção nacional de gás, o que deverá se confirmar com a exploração e produção dos blocos nas bacias de Campos e Santos. Em Santa Catarina, por exemplo, nem todo o esta-
do é abastecido por gás natural. Segundo o gerente comercial da Companhia de Gás de Santa Catarina - SCGás, Carlos de Morais, já foram investidos quase R$ 300 milhões na construção de cerca de 750 km de rede, mas não foi o suficiente para levar o gás até o oeste do estado. Ainda assim o consumo vem crescendo vertiginosamente, alcançando um recorde diário em 2008 de 1803 mil metros cúbicos por dia. Atender esta crescente demanda que não é só no Sul do país, mas nacional, é um dos objetivos do Plangás, programa nacional que pretende dobrar a oferta de gás produzido no Bra-
SÉRGIO VIGNES
30,3 milhões m³ DE GÁS PRODUZIDOS EM 2008
66 milhões m³ DE GÁS A SEREM PRODUZIDOS EM 2010 *Plano de Antecipação da Produção de Gás
sil. Segundo João José Souto, Secretário Adjunto de Petróleo, Gás Natural e Combustíveis Renováveis do Ministério de Minas e Energia, a meta é passar dos atuais 30,3 milhões m³ para 66 milhões m³ em 2010. E essa definição aconteceu em função do crescimento médio dos últimos cinco anos no consumo do combustível: 7,9% ao ano. Para aumentar a produção, além do que será explorado nos blocos de Tupi, o Governo Federal já está construindo dois terminais de regaseificação - em Pecém/PA e na Baía de Guanabara/RJ e ainda estuda um terceiro, que poderá ter como sede referência o município de São Francisco do Sul, em Santa Catarina. O gás liquefeito é importado e, ao chegar no terminal, volta a sua forma gasosa para a distribuição. Além destes terminais, já estão em obra a ampliação do gasoduto Brasil-Bolívia na Região
Sul, e também de outros trechos dos gasodutos nacionais, como a Malha Nordeste, na Amazônia e no Sudeste. A meta do governo para o gás é ousada. A previsão para investir até 2010 em gasodutos, na importação do gás natural liquefeito (LNG, sigla em inglês) e no Plangás remonta mais de 27 bilhões de dólares. Segundo estudos da Agência Nacional do Petróleo (ANP), hoje as reservas nacionais provadas são de 365 bilhões m³ enquanto a produção de gás natural no país chega a 49,7 milhões m³/dia. Fazendo uma relação reserva versus produção, tem-se uma estimativa de 25 anos. Por isso, conforme consta no Plano Decenal de Expansão de Energia (PDE 2007-2016) o governo pretende manter as importações de gás liquefeito, do gás natural da Bolívia e ampliar a produção, até 2016 para cerca de 92 milhões m³/dia.
MARIA JOSÉ COELHO Presidente do Instituto Primeiro Plano
“A importância da realização do Ciclo de Debates – Gás, Petróleo, Trabalho , ficou demonstrada pela presença das instituições mais representativas do Estado e do Brasil e marca um momento impar no avanço da discussão sobre o futuro do país e de Santa Catarina neste novo cenário social e econômico a partir das descobertas de novos pólos de exploração de petróleo e gás.” PRIMEIRO PLANO . ANO 3 . NO 12 . DEZEMBRO 2008
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Projeções do Plangás*
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O pré-sal e a distribuição da riqueza Os royalties estão na mira de todos os municípios que fazem parte das regiões onde houve descobertas de reservas petrolíferas
ecente pesquisa do IPEA – Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas – mostra que menos de 20% dos 5.600 municípios do país são beneficiados pela atividade petrolífera no país. A culpa, em parte, é da legislação, que torna desigual a distribuição dos recursos que são uma compensação pela extração de uma riqueza nacional, ou seja, de todos os brasileiros. A mais recente legislação é datada da década de 1990. Trata-se da Lei 9478/ 97 e do Decreto 2705/98. Eles estabelecem que, da extração realizada em terra, 52,5% fica com os estados produtores, 25% para o Ministério de Ciência e Tecnologia (MCT), 15% para os municípios produtores e 7,5 para os municípios afetados por
operações nas instalações de embarque e desembarque de petróleo e gás natural. Já a lavra na plataforma marítima, os royalties são diferenciados: 25% para o MCT, 22,5% para estados confrontantes com os campos, 15% para o Comando da Marinha, 7,5% para um fundo especial destinado aos estados e municípios e outros 7,5% para os municípios de embarque e desembarque. Tal divisão faz com que o Estado do Rio de Janeiro e cidades da Região dos Lagos sejam os campeões no recebimento de royalties, recurso que governo e prefeituras podem usar como desejar. Desde a construção de escolas até o calçamento com mármore de uma avenida à
beira-mar... A desigualdade social dos royalties descrita no documento “Sobre Maldições e Bênçãos: é possível gerir recursos naturais de forma sustentável? Uma análise sobre os royalties e as compensações financeiras no Brasil”, há alguns anos tenta ser corrigida com projetos de lei no Congresso Nacional. A correção na distribuição de royalties, na visão dos pesquisadores do Ipea, é urgente e necessária, sobretudo com a comprovação de novos campos no litoral brasileiro. “Certamente, o tema impõe novos desafios e oportunidades para que tal riqueza seja empregada em benefícios de todos, inclusive as gerações vindouras. Além da Petróleo | Ciclo de Debates | 39
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MARCELLO CASAL JR/ABR
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Recordes mundiais de produção da Petrobras por lâmina d´água
Diretor adjunto do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Bruno de Oliveira Cruz.
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questão estratégica para o Brasil, é sabido que os recursos naturais, em especial as reservas petrolíferas, estão concentrados geograficamente em poucos países. Contudo, freqüentemente se observa um nível de desenvolvimento humano muito baixo na maioria das nações onde os recursos naturais são abundantes”, comentam os pesquisadores Bruno de Oliveira Cruz e Márcio Bruno Ribeiro. Eles ratificam sua afirmação com base dos relatórios da OPEP – Organização Mundial dos Países Produtores de Petróleo, segundo os quais, apenas quatro países têm índices bons de desenvolvimento humano e dois
estão entre os piores no ranking. Segundo o Ipea, a abundância de recursos naturais, quando bem aplicados são sim importante ferramenta de desenvolvimento econômico e social. “As experiências norueguesa, canadense e australiana na criação de fundos permanentes, cujo intuito é destinar as receitas provenientes da comercialização dos recursos naturais para a formação de um estoque de riquezas em proveito das gerações atual e futuras, podem ser um indicador de como usar de forma coerente os ganhos provenientes da exploração dos recursos naturais. Outro caso bas-
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EVOLUÇÃO TECNOLÓGICA DAS PLATAFORMAS
tante citado na literatura tem sido Botsuana, uma exceção na tragédia do crescimento da África subsaariana. Este país apresentou, entre 1965 e 1998, a maior taxa de crescimento econômico per capita em comparação com qualquer país no mundo”. Para os estudiosos do Ipea, as receitas das compensações devem ser aplicadas em projetos que, direta ou indiretamente, revertam em prol da maior capacitação científica e tecnológica dos setores envolvidos e em benefícios para as comunidades locais na forma de 42 | Ciclo de Debates | Petróleo
melhorias em infra-estrutura e qualidade ambiental. Os projetos em tramitação no Congresso sobre a distribuição de royalties vão nesta linha – da criação de um fundo soberano. O mais recente deles é de autoria da Senadora Ideli Salvatti (PT/SC). Trata-se do PLS 279, de 09/07/2008, que prevê a criação de um fundo especial (com 25% do total dos recursos) além de propor uma nova forma de se estabelecer os os limites entre estados e municípios confrontantes - um
dos principais focos de discórdia entre os estados para o recebimento de royalties, o projeto quer fazer uma nova redistribuição dos recursos. Além de estados e municípios, receberiam também as Forças Armadas, a Previdência Social e ainda o Ministério da Educação, para investimento em educação básica, profissional e tecnológica. E a explicação para a proposta vai ao encontro do que avaliaram os pesquisadores do Ipea. Diz a justificativa do projeto, que está em tramitação no Senado: “O
ROSANE LIMA
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IDELI SALVATTI Senadora da República e Coordenadora do Fórum Parlamentar Catarinense
debate ultrapassa as fronteiras do mundo do petróleo para adentrar em temas como Educação, Saúde, Previdência Social, Estratégia de Defesa Nacional e Estratégia Militar, Estratégia de Desenvolvimento Nacional e Regional etc. Enfim, trata-se do debate sobre o futuro que estamos desenhando para o Brasil.” Esta proposta vai ao encontro do pensamento do Dieese - Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Sócio Econômicos. Para o economista
Sérgio Mendonça, “se as expectativas com o pré-sal se confirmarem, será a oportunidade do Brasil de superação dos obstáculos sociais”. Como a Federação Nacional dos Petroleiros, também o Dieese acredita que a riqueza oriunda da extração de minério na camada pré-salina poderá ser um elemento fundamental para corrigir graves distorções sociais e beneficiar uma longa e duradoura cadeira produtiva nacional. “Mas para isso é preciso uma empresa fortemente pública”, garante.
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Plataforma P53, inaugurada em 30 de novembro de 2008
“O que está em jogo com a questão do petróleo e do gás é o futuro de um Brasil mais justo na distribuição de suas riquezas. É neste contexto que se coloca, por exemplo, a proposta de revisão nos critérios de distribuição e aplicação dos royalties. É uma oportunidade de ouro para compensarmos áreas historicamente fragilizadas, como a educação e a saúde. A verdadeira riqueza do petróleo e do gás deve ser a melhoria de vida das pessoas.”
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Na rota dos investimentos do petróleo e gás
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Ciclo de Debates aprofundou os assuntos relacionados à sustentabilidade e geração de novas demandas com as descobertas no setor de exploração de petróleo e gás
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uma iniciativa do Instituto Primeiro Plano, com patrocínio da Petrobras, o Ciclo de Debates sobre gás, petróleo, trabalho, sustentabilidade e desenvolvimento foi realizado em novembro no auditório da OAB/SC, em Florianópolis (SC). Entre os palestrantes estiveram Luiz Carlos Cronemberger Mendes, gerente do 44 | Ciclo de Debates | Petróleo
Ativo de Produção Sul (ATP-S) da Unidade de Negócio de Exploração e Produção da Bacia de Santos, da Petrobras, e João José de Nora Souto, secretário Adjunto do Petróleo, Gás Natural e Energias Renováveis do Ministério de Minas e Energia. A expansão da exploração de petróleo e do gás está provocan-
do efeitos sobre a economia brasileira e dos estados. As novas descobertas de campos de petróleo abre novas perspectivas, mas também representa grandes desafios. É preciso observar e acompanhar o impacto das novas descobertas na economia, na indústria naval, no mercado de trabalho, no crescimento global.
A abertura do evento foi realizada pela presidente do Instituto Primeiro Plano, Maria José Coelho, pelo presidente da OAB/SC, Paulo Roberto de Borba, e o presidente da SC Gás, Ivan Ranzolin.
Royalties Em outro painel, os palestrantes debateram as demandas que as novas descobertas trarão para a indústria naval e para o desenvolvimento econômico e social de Santa Catarina Demandas imediatas A indústria naval catarinense é a que mais vai proporcionar geração de emprego imediatamente. Para isso serão necessários profissionais qualificados em várias áreas. Fundo soberano No terceiro painel, o coordenador da Federação Única dos Petroleiros (FUP), João Moraes, destacou que a entidade está trabalhando pra mudar a legislação vigente, a Lei 9478/97, que contribuiu com a retirada da soberania num período neoliberal. Sérgio Mendonça, economista do DIEESE (Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos) apresentou estudos do impacto econômico dos setores no Brasil e em Santa Catarina.
Eixos debatidos durante o evento 1º Painel A importãncia do Petróleo e do Gás para o Brasil: cenários, desafios e oportunidades 2º Painel A importãncia do Petróleo e do Gás para Santa Catarina: as expectativas dos Atores 3º Painel Impactos econômicos e sociais do petróleo e do gás para o Brasil e para Santa Catarina 4º Painel Expectativas econômicas, sociais e ambientais para o desenvolvimento sustentável PRIMEIRO PLANO . ANO 3 . NO 12 . DEZEMBRO 2008
Expansão Mendes, da Petrobras, mostrou os números estratégicos da empresa e disse que o trabalho mantém um ritmo de crescimento tanto em óleo quanto em gás. O secretário do Ministério de Minas e Energia apresentou as estatísticas de petróleo e gás em Santa Catarina e disse que há um forte crescimento do consumo que impulsiona cada vez mais investimentos.
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Modelos para o país e para o exterior PrÍmio Finep de InovaÁ„o 2008 reconhece esforÁos inovadores em todas as regiıes do Brasil
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NORTE
Por Roberta de Biasi As experiências regionais finalistas do Prêmio Finep de Inovação 2008 – categoria Tecnologia Social – revelam as possibilidades de iniciativas que promovem a inclusão social com eficácia. O Prêmio foi criado para reconhecer esforços inovadores realizados por empresas, instituições de ciência e tecnologia e organizações sociais brasileiras, desenvolvidos no Brasil e aplicados no país ou no exterior. Além da categoria Tecnologia Social, as iniciativas foram apresentadas nas seguintes modalidades: Micro/Pequena Empresa, Média Empresa, Instituição de Ciência & Tecnologia, Grande Empresa – Casos de Sucesso em Inovação e Inventor Inovador.
Árvore que chora hoje faz sorrir
Conta a história que a seringueira era chamada pelos povos nativos da Amazônia de cauctchu, a “árvore que chora”, por conta do látex que escorre de sua casca. Antes da chegada dos colonizadores à região, ele já era utilizado na fabricação de produtos para uso local, como potes, vasos e garrafas. Hoje, a técnica foi recuperada e os chamados “encauchados” são produzidos com tecnologias de uso industrial. Agora, as lágrimas da árvore geram sorrisos: os seringueiros chegam a ganhar até 20 vezes mais, a cultura é fortalecida, e a floresta, preservada. O professor Francisco Samonek, diretor do Pólo de Proteção da Biodiversidade e Uso Sustentável dos Recursos Naturais (Polobrio), explica que no sistema produtivo convencional, o quilo da borracha bruta era comercializado a indústrias de pneus e artefatos por R$ 2,50. “A mesma quantidade, vendida na forma de artesanatos elaborados no novo sistema produtivo, proporciona ao produtor uma renda superior a R$ 50,00”, conta.
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Um dos motivos para a valorização da borracha é a mistura de substâncias naturais, como fibras vegetais, por exemplo, ao látex. O processo, chamado de pré-vulcanização, retira o excesso de água, evitando a propagação de fungos e o desgaste prematuro do material. Com a borracha mais durável, o produto final é conseqüentemente mais competitivo. Outro diferencial do encauchado é a aplicação dos mesmos grafismos usados na pintura corporal dos índios, os kenês. Além de garantirem a continuidade dos traços culturais, os desenhos agregam valor ao produto. O processo permite, ainda, que índios e seringueiros utilizem todo conhecimento tradicional da atividade. A abertura das estradas de seringueiras, o preparo das árvores, e até os utensílios utilizados no processo, são os mesmos utilizados por seus antepassados. “O tempo do público-alvo e a cultura local, especialmente a dos indígenas, são respeitados. Assim, os participantes se sentem motivados, o que facilita a aprendizagem e a rápida apropriação da tecnologia”, ressalta Samonek. E o que é bom para eles, é ainda melhor para a floresta. Além de não ser necessária a utilização de energia elétrica na produção, a re-
cuperação da atividade extrativista cria impactos positivos para o meio ambiente. Com o novo processo, não existe mais a necessidade de derrubar as seringueiras para o plantio de culturas mais rentáveis. Assim, as árvores permanecem vivas e produtivas no meio da floresta. “De nada adianta criar áreas de preservação se não forem asseguradas alternativas sustentáveis para o uso racional e lucrativo dos recursos que as florestas têm para oferecer”, completa o professor. As cerca de 350 pessoas envolvidas no projeto garantem a preservação de quase 13 mil hectares da floresta. Mantas, jogos americanos, toalhas de mesa, portalápis, tapetes, camisetas e bonés são alguns dos mais de 20 produtos fabricados nas 19 unidades produtivas espalhadas no Acre e Pará.
Aos 55 anos, a ex-dona de casa Maria Darcília é hoje proprietária da Palma Fashion, confecção que garante uma renda média mensal de R$ 600 à viúva e aos 20 colaboradores que trabalham com ela. O empreendimento só foi possível graças à iniciativa pioneira surgida há 10 anos em uma comunidade carente da periferia de Fortaleza: o Banco Palmas. É através dele que a Dona Darcília e os demais 30 mil habitantes do Conjunto Palmeiras têm acesso a empréstimos sem necessidade de comprovação de renda. O banco desenvolveu um sistema econômico comunitário que conta com uma linha de microcrédito alternativo para a população e instrumentos de consumo local (cartão de crédito e moeda própria) promovendo geração de emprego e renda aos mais pobres. “A iniciativa coloca o brasileiro na condição de agente e protagonista de sua própria transformação”, diz o coordenador do projeto, Joaquim de Melo Neto. Toda a filosofia do banco está voltada para a valorização da produção e a circulação de dinheiro na própria comunidade, incrementada com a existência da “palmas”, a moeda circulante local. Mais de 240 estabelecimentos comerciais do Conjunto oferecem descontos para quem compra com a moeda, incentivando o uso e fidelizando os consumidores. A medida já dá resultados: de acordo com dados da Federação do Comércio de Fortaleza, em 2007 as vendas aumentaram 30% em relação ao ano anterior. Para compras ou pagamentos fora do bairro, qualquer produtor ou comerciante cadastrado no Banco Palmas pode trocar a moeda social por reais. Os empréstimos em palmas realizados no Banco são cobrados sem juros; já para aqueles feitos em reais, as taxas variam de 0,5 a 3%. A concessão dos empréstimos é baseada nas relações de proximidade: os analistas de crédito vão até a casa dos interessados e conversam com a vizinhança, para realizar o que chamam de “aval ético”, um controle muito mais social do que econômico. “A palavra de ordem é solidariedade”, conta Joaquim, explicando que as pessoas que tomam o em-
préstimo têm consciência de que precisam pagar as prestações em dia para que outras possam ter acesso ao crédito. Os vizinhos também cobram uma postura responsável do mutuário, já que deram um voto de confiança ao analista. Desde a sua criação, em 1998, já são seis empresas comunitárias financiadas pelo Banco e cerca de 1.800 postos de trabalho criados. Hoje, graças à iniciativa, os 30 mil habitantes da favela têm acesso a crédito sem comprovação de renda. São 550 clientes e uma carteira ativa de R$ 420 mil. Seguindo o exemplo do Banco Palmas, já existem hoje espalhados pelo país 33 bancos comunitários em estados como Maranhão, Piauí, Bahia, Espírito Santo e Mato Grosso do Sul. Eles fazem parte do chamado “Sistema Palmas”: cada um tem gestão e moeda próprias, e poder de decisão local. Desde 2005, uma parceria com o Banco do Brasil e a Secretaria Nacional de Economia Solidária assegura toda a infra-estrutura e a tecnologia financeira aos bancos comunitários do Sistema, ampliando a gama de serviços somente autorizada aos bancos oficiais, como a abertura de conta corrente e o pagamento de aposentados.
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INCLUIR
NORDESTE
Iniciativa solidária que merece crédito
SUL
A Constituição Brasileira garante a todo cidadão o direito de escolher seus governantes e o dever de cobrar deles o atendimento às demandas sociais. Em Maringá, interior do Paraná, a associação civil Sociedade Eticamente Responsável (SER) exerce esse dever de maneira organi-
lhões de reais aos cofres públicos, revertidos em mais investimentos em obras e benefícios à população. “O poder público é insuficiente para atender a toda demanda de fiscalização e, além disso, atua sempre depois da fraude, razão pela qual os recursos nunca voltam aos cofres. O Observatório tra-
zada e efetiva. Em 2007, através do projeto Observatório Social, a fiscalização de apenas 23 das 1.519 licitações da Prefeitura resultou na economia de nove mi-
balha em tempo real, de maneira preventiva e educativa”, comenta o advogado Ricardo Bruno, presidente da SER. Segundo a Controladoria Ge-
CENTRO-OESTE PRIMEIRO PLANO . ANO 3 . NO 12 . DEZEMBRO 2008
De olhos abertos
Para inovar, tem que botar a mão na massa
Quem não gosta de comer um pão quentinho no café da manhã? Agora imagine se ele tiver sido feito em uma máquina construída com sucata de uma lavadora de roupas. Pois essa foi a solução que os estudantes Gleberson Souza, 18 anos, Pitter Wesley e Clayton Soares, ambos com 19, encontraram para combater a subnutrição dos habitantes do Jardim Vitória, bairro onde vivem na periferia de Cuiabá. A idéia de construir a máquina surgiu depois de um colega de classe confidenciar aos meninos que a única refeição que recebia no dia era a oferecida na merenda. Com a ajuda de professores da Escola de Educação Básica e Profissional Fundação Bradesco, onde cursavam o terceiro ano do Ensino Médio, eles começaram, então, a procurar nos ferros-velhos do bairro sucatas que pudessem ser reaproveitadas e transformadas em artefatos mecânicos. A solução foi encontrada nas cubas das lavadoras de roupa, às quais foram acopladas pás para preparar a mas-
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ral da União (CGU), aproximadamente 91,76% das licitações realizadas no país possuem irregularidades. Ao Observatório cabe a tarefa de contribuir para a diminuição desse número, pelo menos em Maringá. Como a equipe é de apenas quatro pessoas, Ricardo decidiu priorizar a fiscalização das licitações de maior volume financeiro. E o trabalho não é pouco. Eles fazem um estudo comparativo entre o preço máximo que a mercadoria ou o serviço pode atingir, o preço licitado e o custo no mercado, chegando até, em alguns casos, a comprar amostras para comparação. Na existência de irregularidades, um relatório é enviado à Secretaria de Controle Interno do Município solicitando esclarecimentos e providências. Para dar conta do trabalho, a equipe foi treinada por especialistas dos órgãos oficiais de controle externo, como a CGU e o Tribunal de Contas da União (TCU). Em dois anos, a associação detectou algumas irregularidades recorrentes nos processos licitatórios: especificação inadequada no edital, compras superfaturadas (algumas realizadas inclusive sem licitação), participação de
sa. Com mais alguns ajustes, a engenhoca ficou pronta em 2007, e passou a abastecer a creche do bairro. Transferida posteriormente para a sede da Escola, ficou à disposição da comunidade, que aprendeu a técnica da produção do pão e passou a compartilhar os ingredientes para fabricar o alimento. “A inovação aconteceu quando saímos da nossa zona de conforto e procuramos fazer algo que pudesse ajudar a comunidade. Literalmente, colocamos a mão na massa”, diz Gleberson. As despesas das 50 famílias beneficiadas com a máquina caíram quase pela metade. Se antes elas precisavam R$ 52 por mês para comprar os pães, hoje o valor caiu para R$ 27 com a compra dos ingredientes. Cada fornada produz cerca de dois quilos de pão e alimenta quinze pessoas. “O equipamento não tem a pretensão de resolver um problema de ordem social. Ele proporciona a diminuição dos efeitos da subnutrição de crianças, jovens e adultos da comunidade”, diz o diretor de ensino da Fundação Bradesco em Mato Grosso, Marcos Senna. Há 13 anos, a Escola de Educação Básica e Profissional Fundação Bradesco oferece, em Cuiabá, cursos de alfabetização de adultos, ensino fundamental e médio, além de formação técnica. A primeira foi inaugurada em 1962 em Osasco, interior de São Paulo. Hoje, já são 40 em todo o país.
Medicina tradicional no compasso da inovação
Vem das plantas e raízes de Minas Gerais o troféu que hoje enfeita o Instituto Kairós, ONG sem fins lucrativos criada em 2002 para promover o desenvolvimento sustentável da região. Através do projeto Farmácia Viva, são disponibilizados gratuitamente aos quase três mil moradores do distrito de Macacos, medicamentos fitoterápicos produzidos por voluntários da própria comunidade. Macacos fica no município de Nova Lima, localizado a 30 quilômetros de Belo Horizonte. Apesar da proximidade com a capital, o distrito possui apenas um posto de saúde e nenhuma farmácia. A produção de remédios “caseiros” a partir de plantas medicinais foi a solução encontrada para garantir o tratamento de saúde dos habitantes. Receitas populares, como o composto à base de rapadura que combate asma e bronquite, são transmitidas através das gerações pelos mestres griôs. São eles que garantem a manutenção cultural das comunidades a que pertencem. “A incorporação do saber tradicional ao processo é a principal inovação do projeto”, diz a superintendente-executiva do Instituto Kairós, Rosana Bianchini. Além disso, segundo Rosana, a Farmácia Viva trabalha a cadeia produtiva como um todo: desde o plantio até a produção em laboratório, o que resulta na fabricação de sete tipos de medicamentos, entre xaropes, pomadas e loções. A matéria-prima, que inicialmente precisava ser comprada, hoje vem das hortas familiares. “Praticamente cada família possui uma em casa, o que fortalece uma grande rede de educação solidária por meio de trocas de mudas, conhecimento e fortalecimento da tradição e da identidade local”, comemora Rosana. Desde a implementação do projeto, em 2004, cerca de 12 voluntários foram capacitados pelo Instituto e hoje desenvolvem a ro-
tina diária de produção dos fitoterápicos. O treinamento consiste em multiplicar o conhecimento e fortalecer as práticas locais, além de garantir o padrão de qualidade no plantio, produção e utilização dos alimentos e remédios caseiros. O ciclo se completa com ações de sensibilização realizadas nas escolas para disseminar os benefícios dos fitoterápicos entre crianças, adolescentes e seus familiares. Em paralelo, médicos e agentes de saúde da comunidade são treinados para recomendar o uso dos medicamentos. Com respaldo da “Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares no Sistema Único de Saúde”, que recomenda a fitoterapia como um recurso terapêutico e fator que incentiva o desenvolvimento comunitário, o projeto Farmácia Viva será expandido a todos os postos de saúde do município. “Além de abastecer a produção local, o objetivo é atingir novos mercados. Sempre através de um trabalho produtivo comunitário que gere renda aos moradores da região”, planeja Rosana, sem pressa. De acordo com a superintendente, o ritmo das ações deve estar em compasso com o ritmo da comunidade. Daí vem o nome do Instituto: “kairós” é uma palavra de origem grega que significa a contagem do tempo a partir das batidas do coração.
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SUDESTE
atravessadores, entrega de produto diferente do licitado, e até a compra de mercadorias que não estão à venda. Hoje, com o trabalho desenvolvido pelo Observatório, os gastos realizados com dinheiro público em Maringá estão mais transparentes: a cidade possui a sua sala de licitações em local aberto e todas as informações resultantes dos processos são divulgadas no site da Prefeitura. Além disso, as modalidades de licitação tradicional (carta-convite, tomada de preços e concorrência pública) foram substituídas pelo pregão eletrônico, quase um leilão virtual, o que favorece a concorrência e leva os preços para baixo. A partir da experiência de Maringá, os Observatórios já estão funcionando nas cidades de Goioerê e Campo Mourão, no interior do est ado. Além delas, outras 10 no Paraná e mais três em Santa Catarina, Rio de Janeiro e Pernambuco já começaram a implementar a iniciativa, dentro dos padrões estabelecidos pela SER. Para atender à Rede que começa a se formar, um software está sendo desenvolvido para registrar e padronizar a fiscalização.
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Sobre os Objetivos do Milênio Desafio para os gestores públicoTrata-se de um plano englobando propostas para o desenvolvimento sustentável e a busca de condições dignas de vida para as pessoas. Foram selecionados a partir de Conferências-consulta promovidas pelas Nações Unidas durante a década de 90, dedicadas à discussão dos desafios globais enfrentados no limiar do milênio. A Cúpula recomendou que os países ali reunidos trabalhassem os ODM, principalmente, em nível dos municípios. Pretendiase, assim, atingir as comunidades de acordo com suas características mais particulares, potencializando as ações oficializadas por parte dos Estados e das Federações.
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8 Objetivos de Desenvolvimento do Milênio
Fonte: Projeto “ODM nos Municípios Brasileiros”
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Um milênio melhor todos AÇÕES COMO “NÓS PODEMOS PARANÁ” REVELAM QUE É POSSÍVEL AVANÇAR PARA ATINGIR OS OBJETIVOS DO MILÊNIO
D
epois que líderes de 191 países se reuniram na Cúpula do Milênio, em Nova Iorque, e definiram as oito prioridades mundiais chamadas de Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODMs), muitos números de desenvolvimento humano transformaram alguns países. No Brasil, a defesa dos ODMs foi encampada por um grupo de entidades que tem obtido resultados expressivos. A iniciativa social conjunta é encabeçada pelo Fórum Permanente de Responsabilidade Social do Rio Grande do Sul (Fórum RS), Movimento Nós Podemos Paraná do SESI PR, Núcleo de Apoio a Políticas Públicas (NAPP), Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas) e pelo Observatório de Indicadores de Sustentabilidade (ORBIS). É apoiada ainda pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimen-
por Clarissa Miranda
to (PNUD), Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (INEP), Ministério do Planejamento e Orçamento, UNHabitat, projeto Conversando com as Nações Unidas (CNU), pela Presidência da República e UNICEF. Conta com patrocínio da Confederação Nacional dos Municípios e do SEBRAE. O avanço de questões referentes a desenvolvimento sustentável é um dos objetivos do Observatório Regional Base de Indicadores de Sustentabilidade (Orbis), um esforço de instituições do Paraná e que é integrado à Rede Mundial de Observatórios do Habitat Programa das Nações Unidas. Segundo a coordenadora executiva do Orbis, Luciana Brenner, ações em favor dos ODM já podem ser vistas em diversos municípios brasileiros, e o Paraná dá o exemplo com o maior número de cidades participantes. “No Paraná, ocorreu grande mobilização devido ao Movimento Nós Podemos Paraná: foram
AGENDA GLOBAL
DESAFIO PARA OS GESTORES P⁄BLICOS Apesar de simples em suas
Tais projetos já estão sendo solidificados com o desenrolar de um planejamento traçado em conjunto pelas entidades - intitulado “ODM nos Município Brasileiros” - que tem no Orbis a instituição responsável por sua execução. O primeiro passo previsto nesse projeto e que deverá se concretizar até dezembro deste ano é disponibilizar na Internet o Portal ODM Brasil. A finalidade desse é divulgar informações sobre os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, facilitando, por exemplo, que li-
deranças públicas e privadas possam mobilizar esforços orientados à definição de metas e ações municipais visando à busca de boas condições de vida de seus habitantes. Luciana Brenner explica que o Portal será também o resultado de um esforço conjunto de várias entidades. “Cada organização está contribuindo para o Portal com sua inteligência e seu conhecimento. O IPEA nos auxiliou a definir os indicadores significativos para o acompanhamento municipal. O SESI de Minas Gerais deverá contribuir com um jogo virtual. A Faculdade de Saúde Pública da USP com as questões relacionadas com os Objetivos 1, 2 e 3”. Além de disponibilizar informações relativas aos Indicadores do Milênio de todos os mais de 5 mil municípios brasileiros, o Portal pretende criar uma plataforma de conhecimento que estimule e apóie ações para o alcance dos ODM e a melhoria da qualidade de vida no Brasil.
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realizados 33 Círculos de Diálogo em cada uma das dez mesorregiões do Estado, envolvendo mais de 14 mil participantes, sendo formados 19 Núcleos Locais de Trabalho, os quais já têm em andamento mais de 150 projetos em cerca de cinqüenta municípios. Há grandes exemplos de como alinhar a administração pública aos ODM, como é o caso de Apucarana”. Em outros Estados, também são inúmeros os projetos premiados.
determinaÁıes, os oito ODMs n„o s„o f·ceis de ser atingidos, consistindo um verdadeiro desafio para os prefeitos brasileiros recÈm eleitos. ìEsse È um desafio possÌvel de ser vencido pelos municÌpios quando a comunidade local faz um pacto e parte para aÁ„o, como fazem os cidad„os paranaenses. Iniciativas anÙnimas contribuindo para a melhoria de vida de todosî, explica Luciana Brenner. Ela acrescenta que È tambÈm fundamental para sucesso da aplicaÁ„o dos ODM nos municÌpios que as empresas se engajem nessa luta. ì Trata-se de realizar, de fato, negÛcios economicamente vi·veis, socialmente justos e ambientalmente respons·veis, que contribuam para o bem comumî. Em uma segunda fase do projeto ODM nos MunicÌpios Brasileiros ser„o disponibilizados materiais did·ticos para escolas e realizadas oficinas de capacitaÁ„o em metodologias e tecnologias para apoiar estratÈgias de articulaÁ„o e execuÁ„o de aÁıes para o alcance dos ODM.
Para saber mais: orbis.org.br/ www.crppr.org.br/napp/ www.nospodemosparana.org.br/
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ENSAIO Santa Catarina não será mais a mesma. Apesar da possibilidade de reconstrução, a tragédia que abalou o Estado no final de novembro vai causar novo zoneamento de algumas cidades e exigir recomposição de muitas áreas. Muitas vidas também se foram. E se o planeta inteiro sofre com aquecimento global e desmatamento, aqui continuará entre a população o sentimento de que mais algum desastre pode ocorrer. O fotógrafo Sérgio Vignes esteve em alguns dos municípios mais atingidos na Região do Vale do Itajaí. As imagens falam por si.
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DESASTRES
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PAULO VANNUCHI,
Secretaria Especial dos Direitos Humanos
Direito à memória e à verdade
ombros a acusação de que são as responsáveis. Mesmo sob a acusação de que houve um sistema de repressão política. O regime já foi julgado nas urnas. Agora, se o Judiciário brasileiro, por meio do Supremo, quando provocado, decidir que não pode pairar qualquer possibilidade de punição para torturadores porque a Lei de Anistia, ao usar a palavra crimes conexos, inclui “torturou, estuprou, esquartejou, decapitou, ocultou cadáver”, nós acataremos. Pode ser que o sistema internacional de direitos humanos discorde disso. Essas decisões têm poder de coação moral num momento em que o Brasil alça a um novo papel internacional e caminha para ter assento permanente no conselho. Mas os Estados Unidos também já foram acusados por tortura em Guantánamo e não há nenhuma decisão internacional condenando George Bush.
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Comenta-se que alguns crimes cometidos durante a ditadura não poderiam ser punidos pela Lei de Anistia. A nossa democracia hoje comporta avaliar e punir pessoas que cometeram esses crimes? Com certeza comporta. Desde uma audiência em 31 de julho no Ministério da Justiça, há um noticiário de imprensa desfocado ou distorcido. O ministro Tarso Genro e eu teríamos defendido a revisão da Lei de Anistia. Não defendemos, não defenderemos. No governo ninguém tomará qualquer iniciativa dessa. A posição do governo se divide em dois eixos. Número um: reconhecer o direito de familiares e vítimas a todas as informações sobre violações de direitos humanos de opositores políticos do regime militar de 1964 a 1988. Número dois: qualquer idéia de punição é um termo estritamente do Judiciário. Então, quando se fala que no Brasil se faz diferente, se faz diferente porque o Judiciário de cada país é diferente. Agora, não há nada de revanchismo. É injusto que as Forças Armadas continuem carregando nos
ENTREVISTA
O ministro da Secretaria Especial dos Direitos Humanos, Paulo Vannuchi, diz, em entrevista à Agência Brasil, que considera importante que o brasileiro tenha direito à memória e à verdade sobre a ditadura militar. Ele defende a reconciliação entre a sociedade e os militares, porque o Brasil precisa se tornar uma “sociedade madura” e não tratar o tema da luta do regime militar e seus opositores de maneira maniqueísta, “como uma separação em que o bem estava de um lado e o mal do outro”. Neste final de ano comemora-se 60 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Nesta entrevista, o ministro avaliou as políticas de direitos humanos e a implementação desses conceitos nos últimos anos. Ele falou sobre o sistema prisional e a articulação com o Ministério da Justiça para implantação de um novo modelo de segurança pública no país.
O senhor compartilha da opinião do ministro Tarso Genro de que a lei pode ser reinterpretada e que não incluiria esses crimes de tortura?
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Mais do que isso. Eu diria interpretada juridicamente, porque não há nenhuma interpretação. Não houve ainda, desde 1979, nenhum procedimento judicial para o Poder Judiciário decidir, primeiro nas esferas estaduais, depois na Suprema Corte. Quando eles decidirem, não há dúvida que, do ponto de vista jurídico brasileiro, o tema estará travado. Eu não sou jurista, mas avalio que a palavra “conexos” não tem poder nominativo, foi um conchavo. Porque a lei poderia perfeitamente dizer “estão anistiados os crimes políticos e também os eventuais delitos praticados no exercício da repressão pelos órgãos policiais”. Pronto, não teria dúvida de interpretação. Segunda questão: argumentos internacionais de grandes juristas como Hélio Bicudo, Fábio Comparato, Dalmo Dallari, Baltazar Garzón dizem que ocultação de cadáver é crime continuado. Não é um crime que já passou e foi anistiado. Ele continua no dia seguinte à anistia, porque o cadáver continua ocultado. Claro que poderá haver o argumento da prescrição do crime. Na condição de ministro, com história de vida de preso político e torturado, quero dizer que o que me move não é nenhuma idéia de cadeia para essas pessoas. Não queremos fazer esta discussão com nenhum espírito de vingança. Agora, precisamos fazer o processamento da informação. A punição pode ser a filha sentar com o pai na hora de jantar e indagar: “pai você fez isso mesmo?" Se a posição for de que ninguém deve ser encarcerado, é uma posição perfeitamente dialogável, desde que você não caia na atitude de violação dos direitos humanos que é o direito à memória e à verdade - de falar que não se mexe mais nesse assunto. Como isso tem sido tratado no governo? Eu estive ontem em uma audiência de rotina com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e ele voltou a elogiar o livro que fizemos sobre os desaparecidos e considerou que o seminário promovido no Ministério da Justiça teria sido melhor se fosse feito na Universi-
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dade de Brasília ou na Ordem dos Advogados do Brasil para deixar claro que é a sociedade civil discutindo assunto com a presença dos ministros. E não parecer que é uma posição que o governo tenha tomado internamente. Eu disse a ele: presidente, todo o meu trabalho é para cumprir uma determinação sua de esclarecer os fatos sobre os mortos e desaparecidos.
Na condição de ministro, com história de vida de preso político e torturado, quero dizer que o que me move não é nenhuma idéia de cadeia para essas pessoas. Não queremos fazer esta discussão com nenhum espírito de vingança. A missão que o senhor recebeu é esclarecer as circunstâncias em que as pessoas foram mortas e indicar onde estão enterradas, para dar uma satisfação às famílias, que não é uma questão jurídica. É possível cumprir? É possível. São aproximadamente140 mortos ou desaparecidos cujos corpos não foram restituídos às famílias para fazer o funeral. Se conseguirmos encontrar um, já importa. Enquanto não é feito o funeral, os familiares podem ficar pensando: “será que ele não pode estar internado em um manicômio judiciário sem fala? Será que ele não aproveitou essa clandestinidade para constituir uma nova família? Há ainda uma hipótese mais tenebrosa. Será que pessoas sobreviveram e estão por aí vivendo com outra identidade?” O que é possível fazer com as atuais limitações do governo para tratar do assunto? O que o governo pode e vai fazer é demonstrar que não tem nenhum empenho em ocultar isso. Na hora em que esse trabalho exigir que vá se fazer uma décima primeira
diligência no Araguaia, eu defenderei que ela seja feita, mas que não se repitam as cenas que já vimos. Tem que vir com trabalho de inteligência, coletar informações do Ministério Público e fazer verificação criteriosa com representantes do Judiciário e famílias em cada um dos locais. Neste sentido, reputo como fundamental a missão do ministro Jobim [ministro da Defesa, Nelson Jobim] que é convencer os seus subordinados desse espírito de pacificação, de reconciliação embutido nesse gesto. Não precisa apontar o nome da pessoa, mas ache algum oficial que está vivo, ouça em sigilo. Se dos 60 que estariam lá, nós acharmos um, já valeu. Se forem dez, muito melhor. E também é possível que não existam mais corpos. Eu defenderei, no caso em que não exista mais o corpo, que haja uma narrativa: Rubens Paiva foi jogado de um helicóptero em cima da Baia de Guanabara na noite do dia tal. O esclarecimento dos fatos pode ajudar no amadurecimento institucional do país? Eu vou ter problema com os setores dos movimentos dos familiares quando defendo a idéia de reconciliação. Os direitos humanos projetam um mundo de paz, o mundo que temos é de guerra. A transição chama-se reconciliação. Em Angola, é MPLA (Movimento pela Libertação de Angola) e a Unita (União Nacional para Independência Total de Angola) [os dois movimentos que se opuseram durante a guerra de libertação do país, que deixou muitas vítimas, principalmente de minas terrestres] – inimigos – com pessoas sem pernas aos milhares andando pela rua, que começaram a trabalhar juntos. O Brasil tem que superar essa página, mas deixar registradas nas páginas viradas todas as informações. Isso é o que diz Michelle Bachelet [presidente do Chile], só as feridas lavadas cicatrizam. E como pode ser feito esse processo de reconciliação do ponto de vista jurídico e
O fato de se falar muito em direitos humanos pode ser interpretado como se, no Brasil, a democracia não estivesse suficientemente avançada, a ponto de as pessoas não conseguirem exercer os seus direitos, daí a necessidade de uma secretaria para defender esses direitos. Como o senhor vê essa questão? Os direitos humanos servem para reconhecer a dignidade de cada ser humano, do mais pobre, do mais desprotegido, do mais desconhecido. Ele tem a mesma dignidade, os mesmos direitos do presidente da República ou da pessoa mais rica do país. Ao mesmo tempo que as leis que garantem isso vão sendo conquistadas no mundo inteiro, diariamente ocorrem brutais violações: guerras, chacinas, genocídios. No caso do Brasil, também há violência criminal, áreas onde a autoridade pública nem pode mais entrar e, quando a autoridade policial entra, ela mesma comete outros crimes e violências, faz execuções sumárias. E como estamos em relação a esses temas? O Brasil, nos últimos 20 anos, acumulou um reconhecimento muito nítido no exterior. Em Genebra – onde está o Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU) – na primeira eleição, anos atrás, o Brasil foi o segundo país mais
...o maior avanço no governo Lula é o direito a comer, que é o primeiro direito da pessoa. Se a pessoa não comer, como ela vai lutar pela cor da pele ou pelo direito a trabalho? O senhor avalia que estamos num patamar diferente do que estávamos há 16 anos? Certamente. Tem uma avaliação de que há instrumentos, há processos políticos, econômicos e sociais que são nitidamente de melhora. Embora, muitas vezes, a sensação que se tem seja do oposto disso. Com direitos humanos, a mesma coisa. Faz 16 anos que o governo Fernando Henrique e o governo Lula têm a posição de reconhecimento do problema, de não negar. Se trabalha, se denuncia. E o maior avanço no governo Lula é o direito a comer, que é o primeiro direito da pessoa. Se a pessoa não comer, como ela vai lutar pela cor da pele ou pelo direito a trabalho? A inclusão escolar também chega cada vez mais perto da universalização. Nós temos políticas de cotas, acabamos de aprovar a convenção das pessoas com deficiência. São 25
milhões de pessoas que passaram a ter defesa da lei brasileira para terem direito a cadeira de rodas. Como tem sido tratada pela secretaria a questão dos direitos humanos no sistema prisional? O sistema prisional é, por excelência, uma questão do Ministério da Justiça e a Constituição estabelece que é um problema estadual. Começamos a montar programas em que a União atua como fator coordenador e os estados são chamados a aderir voluntariamente. A discussão com o Ministério da Justiça está em um excelente momento, que é o Pronasci [Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania]. É o primeiro programa de segurança pública que tem direitos humanos em cada página da proposta. O Pronasci prevê a construção dos presídios de juventude, voltados para detentos de idade entre 18 e 29 anos. Assim vamos tirá-los do convívio com chefes do crime, que estão acima dos 30 anos, e proporcionar todo tipo de cursos: ensino fundamental, médio e até superior, profissionalizante. As medidas que o Pronasci oferece são necessárias: valorizar a justiça restaurativa e as penas alternativas – nesse sentido o Brasil já está hoje num patamar bastante razoável. Sobretudo, um processo de investimento em cursos que o Ricardo Balestreri [secretário nacional de Segurança Pública] coordena e que delegados e policiais do Brasil inteiro estão fazendo para sedimentar essa compreensão elementar de que o bandido tem que ser preso. Ele deve ser levado a inquérito para ser processado e condenado a penas adequadas, proporcionais e severas, se for o caso, e não como acontece atualmente, quando o policial muitas vezes se define como juiz, decreta a pena de morte e já executa na hora. Esse é o nosso mecanismo preventivo nacional.
ENTREVISTA
votado no mundo para ser um dos 45 integrantes. Só perdeu para a Índia e foi o mais votado da América. Há políticas de Estado no Brasil que atravessam governos partidariamente opostos. No governo Fernando Henrique, oito anos, o governo Lula, serão mais oito. Serão 16 anos de uma marcha de acumulação e de continuidade. Cada vez reconhecendo mais os instrumentos da ONU para examinar casos brasileiros que a Justiça não examina. Um exemplo, a chacina do Carandiru: 1992, 111 mortos, quase todos negros. Tem outros casos assim, como a Guerrilha do Araguaia. Então a situação do Brasil é de que temos o reconhecimento externo porque, nesses fóruns, não ficamos escondendo os problemas.
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institucional? Se houver gente disposta a dialogar nesses segmentos, nos sentaremos para dizer que pressuposto básico é esse. Não ter medo. Se houver punição para uma dúzia de torturadores histéricos e psicopatas, é um tema do Judiciário brasileiro. Ele decidirá à luz do direito internacional e dos direitos humanos. Agora, vamos fazer um acordo para conhecer profundamente o assunto. Em algum momento se registra o ponto de vista de um dos chefes militares. Isso é incorporado ao relatório. A história passa a contar com esse registro.
Fonte: Agência Brasil, repórteres Mariana Jungmann e Ivanir José Bortot
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MEU MUNDO
Consciência nos desenhos Cartunista Santiago, do Rio Grande do Sul, tem 30 anos de trajetória. Esteve no Correio do Povo, Folha da Tarde e Jornal do Comércio, todos diários gaúchos, e participou também dos jornais O Pasquim e Coojornal. Hoje dedica-se a trabalhos especiais em revistas e publicações regionais ou nacionais. Por meio dos seus desenhos, Santiago consegue criticar ou elogiar as ações em vários segmentos, incluindo temas como meio ambiente e responsabilidade social. Ao se deparar com estes assuntos, o cartunista é crítico e confessa que no dia-a-dia não é tão fácil incorporar conceitos de sustentabilidade, mas já tem hábitos diferentes e os difunde como pode.
Santiago
“Ando com sacolinha de pano para fazer compras e levo o que posso nos bolsos para não pegar mais plástico. Não agüento essa profusão de embalagens”, afirma.
Sobre os grandes problemas relacionados ao aquecimento global ou uso de energias renováveis, ele diz que as pessoas deveriam se preocupar mais em diminuir o consumo. “Considero mais importante prevenir do que correr atrás do prejuízo. Ao invés de plantarem tantos eucaliptos para abastecer a indústria papeleira, deveríamos reduzir drasticamente o uso do papel”, diz ele. “Ando muito preocupado com a falta de debate. Todas as empresas dizem que respeitam o meio ambiente e anunciam isso em grandes campanhas publicitárias. A imprensa acaba amenizando as críticas ou mesmo sepultando efeitos maléficos destas empresas”
“Diminuo meus trajetos de carro o quanto posso, mas é difícil porque dependemos do veículo particular. Se 50% da energia dispensada ao desenvolvimento da indústria de automóveis particulares tivesse se voltado ao transporte coletivo, quem sabe teríamos boas soluções” “Sou muito observador e como consumidor percebo que não temos direitos respeitados, como a rotulagem de produtos transgênicos” “Tenho participado de associações, como a Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural (Agapan), onde contribuo com meu trabalho”
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“Os automóveis são os grandes poluidores do planeta. Poluem quando são fabricados, quando circulam e quando são descartados de maneira errada”
soluÇões
CAMPANHA CONTRA PLÁSTICOS Um estudo da Fundação Verde (Funverde) aponta que cada família brasileira utiliza em média cerca de 70 sacos plásticos por mês. Para contribuir para a redução do uso destas embalagens, a rede de franquias Mundo Verde lançou a campanha “Eu Amo o Mundo”, para incentivo ao consumo consciente e à redução de sacos plásticos. A proposta da nova campanha do Mundo Verde é oferecer um preço simbólico para que o cliente economize as sacolas plásticas. Até dia 30 de abril de 2009, o cliente que levar de casa a sua própria sacola para as compras ganha cinco centavos por cada embalagem plástica economizada. Além disso, ainda recebe sementes de Cássia Imperial (árvore típica da Mata Atlântica) e um adesivo da campanha com a mensagem do ciclo dos três Rs: Reutilize, Reduza, Recicle. Embalagens conscientes - O lançamento da campanha coincide com a chegada às lojas das novas embalagens para presentes, que faz parte da campanha em defesa de um Natal mais consciente, a ser lançada em breve pela rede. São sacolas de papel reciclado, com alças em algodão cru reciclável, disponíveis em três tamanhos P, M e G. www.mundoverde.com
ECO BRINDES Contribuir de alguma forma ou mesmo trabalhar ativamente na preservação e reconstrução do meio ambiente é associar o marketing institucional com a questão da preservação ambiental, e portanto um excelente investimento na imagem e nos valores de qualquer empresa. Oferecer um brinde ecológico ou sustentável ao seu cliente ou funcionário, é um caminho para colaborar com as questões da preservação ambiental. Os EcoBrindes personalizados da Agência Rápida tem este objetivo. São oferecidos Kits de Plantio, lápis com sementes, mudas de árvores e embalagens especiais com papel reciclado. www.agenciarapida.com.br/ecobrindes.htm
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MENOS ÁGUA OU MAIS ÁGUA A Deca oferece vários tipos de válvulas de descarga ecologicamente corretas. Neste modelo da foto, Hydra Duo, ela vem com duas opções de descarga: 3 litros (dejetos líquidos) e completa (dejetos sólidos). Economiza até 40% de água em comparação com um sistema de descarga convencional, uma vez que 80% da utilização do sanitário residencial é para remoção de dejetos líquidos. Seu design inovador permite fácil identificação do volume de descarga desejado: descarga rápida no botão menor e descarga total no botão maior. Na descarga de 3 litros (botão menor), o volume é limitado, mesmo quando o botão permanece pressionado. Isso é possível graças ao seu exclusivo mecanismo interno que limita o ciclo de descarga. Seu sistema de acionamento tipo "soft touch" permite seu funcionamento com um leve toque. A válvula tem sido reconhecida por meio de vários prêmios recebidos, tanto de design como de tecnologia.
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CAIXA LONGA VIDA NA CANETA A caneta esferográfica Bic Ecolutions Round Stic é produzida com 40% de material reciclado de embalagens pós-consumo da Tetra Pak, líder mundial em soluções para processamento e embalagem de alimentos, (pósconsumo), reduzindo o impacto ambiental. Para Rogério de Andrade, gerente de Marketing da BIC Brasil, esta nova linha confirma o comprometimento da empresa com a ética e as boas práticas de negócio em relação ao meio ambiente. ”Os nossos objetivos de desenvolvimento sustentável refletem as metas da empresa: simplicidade, funcionalidade, qualidade e valor”. Para o diretor de Meio Ambiente da Tetra Pak, Fernando von Zuben, “este tipo de parceria incentiva toda a cadeia da reciclagem, agregando mais valor e difundindo o conceito de coleta seletiva, além de aumentar o volume de material pós-consumo reciclado, pois o consumidor observa o resultado final em um produto de uso diário e de enorme penetração”. Este produto também está disponível para o mercado promocional, comercializado pela empresa Bic Graphic. Outros produtos da linha são o lápis preto BIC Ecolutions Evolution, que tem 40% de material reciclado em sua composição e utiliza sobras de embalagens de iogurtes (pré-consumo), e o corretivo líquido Bic Ecolutions Base Água, com água no lugar de solvente para não agredir o meio ambiente.