UNIVERSIDADE FEDERAL DO TOCANTINS CAMPUS DE ARAGUAÍNA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS MESTRADO ACADÊMICO EM LÍNGUA E LITERATURA
PRISCILA VENÂNCIO COSTA
GRAMÁTICA: UMA REFLEXÃO SOBRE OS FLUXOS DE SABERES ENTRE A (DES)TERRITORIALIZAÇÃO GRAMATICAL E A FORMAÇÃO DO PROFESSOR DE LÍNGUA PORTUGUESA NO CURRÍCULO DO CURSO DE LETRAS
Araguaína/TO 2019
PRISCILA VENÂNCIO COSTA
GRAMÁTICA: UMA REFLEXÃO SOBRE OS FLUXOS DE SABERES ENTRE A (DES)TERRITORIALIZAÇÃO GRAMATICAL E A FORMAÇÃO DO PROFESSOR DE LÍNGUA PORTUGUESA NO CURRÍCULO DO CURSO DE LETRAS1
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Letras: Ensino de Língua e Literatura, como requisito parcial para a obtenção do grau de Mestre em Letras. Orientador: Prof. Dr. Luiz Roberto Peel Furtado de Oliveira
Araguaína/TO 2019
1
O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001.
Para Júlio César
Língua(s)-rede Uma cadeia semiótica é como um tubérculo que aglomera atos muito diversos, linguísticos, mas também perceptivos, mímicos, gestuais, cogitativos: não existe língua em si, nem universalidade da linguagem, mas um concurso de dialetos, de patoás, de gírias, de línguas especiais. Não existe locutor-auditor ideal, como também não existe comunidade linguística homogênea. A língua é, segundo uma fórmula de Weinreich, “uma realidade essencialmente heterogênea”. (DELEUZE e GUATTARI, 2011)
Gramática(s)-rede Os nós encantam como as redes. E os nós das redes de palavras encantam mais ainda; são nós os seguintes tipos de palavras: verbos, conjunções, advérbios, preposições, pronomes e artigos. Esses tipos de palavras servem para amarrar os textos (até os nomes enlaçam, pois o uso de sinônimos e de antônimos serve mesmo para amarrar semanticamente). Os verbos são os nós principais, como os nós que tecem as redes, amarrando os sujeitos aos complementos; as conjunções amarram as orações; as preposições, as palavras; os pronomes e os artigos, palavras ou orações. (OLIVEIRA, 2017)
Autor(es)-rede Escrevemos [...] a dois. Como cada um de nós era vários, já era muita gente. Utilizamos tudo o que nos aproximava, o mais próximo e o mais distante [...]. Fomos ajudados, aspirados, multiplicados. (DELEUZE e GUATTARI, 2011)
AGRADECIMENTOS A Deus, pela dádiva de viver e poder participar desta experiência magnífica. À minha família, por todo amor, carinho, apoio e paciência. Em especial, ao meu filho Júlio César, que, em todos os momentos de ausência, depressão e euforia, esteve comigo como fiel e modesto companheiro de luta. Ao meu esposo Kledson e à minha sogra Ivane, fontes inigualáveis de apoio e confiança. À minha mãe Edinélia, à minha irmã Pérola e à minha tia Mudesta, sem as quais eu não teria felizes (re)começos. À Miracy e ao Eduardo, que muitas vezes me ajudaram quando precisei. Aos amigos e colegas de sala, pela força, motivação e pensamentos compartilhados. Em especial ao Rizomas, Rosélia e Karine, refúgio nos momentos de dor, recinto para compartilhar pequenos-grandes segredos e celebração de vitórias, fonte de energia positiva, amizade benigna e vitalícia. Ao meu orientador, Luiz Roberto Peel, pela dádiva de incorporar Alice. Eu “nunca tinha visto um coelho de colete e relógio antes” e, desde então, ando a procurar pelo segredo dos acontecimentos na profundidade das tocas e na mistura dos (in)corpóreos. Agradeço também por todo apoio e orientação oferecidos durante a pesquisa e, ainda, pelas atitudes de carinho, respeito e preocupação amigável. A todos os pensadores que compunham comigo a posição discursiva e gramatical de emissor plural(ista) neste trabalho. Às examinadoras da banca: Andréa Martins Lameirão Mateus e Orleane Evangelista de Santana, pela seriedade, compromisso e contribuições neste trabalho. À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), pelo auxílio financeiro recebido ao longo desses dois últimos anos de pesquisa. Ao Programa de Pós-Graduação em Letras (PPGL), docentes, coordenadores, secretários(as) e demais colaboradores, pela competência, organização e auxílios prestados. À Universidade Federal do Tocantins (UFT) e à Faculdade Católica Dom Orione (FACDO), pelos espaços concedidos para estudo e produção de trabalhos.
RESUMO O campo de pesquisas e de debates em torno do ensino de língua(gem) obteve um grande avanço que, provocado principalmente por estudiosos da área da linguística, depois dos anos 80, representou um rompimento com as concepções tradicionais que envolviam(vem) os aspectos nocionais e metodológicos atrelados ao ensino-aprendizagem gramatical da língua portuguesa e, ainda, a construção de uma visão mais humanista e menos preconceituosa em relação ao ensino. A esse rompimento, denominamos, inspirados em Deleuze e Guattari, de (des)(re)territorialização gramatical. Mas, se houve tal avanço no plano científico, no plano das ações pedagógicas os professores ainda sentem dificuldade em lidar com novas perspectivas em virtude de despreparo e insegurança quanto a questões teóricas e práticas. Frente a essas dificuldades, objetivamos com este trabalho investigar os fluxos de saberes que concorrem entre o movimento de desterritorialização gramatical e a formação do professor de língua portuguesa, tendo como objeto principal de análise o Projeto Pedagógico do Curso de Letras (PPC), da Universidade Federal do Tocantins (UFT), situada na cidade de Araguaína. Foram adotadas a metodologia de pesquisa documental, para analisar o PPC, a metodologia de pesquisa bibliográfica, com base em livros, artigos e outras pesquisas revisadas no âmbito das discussões científicas. Também adotamos alguns dos princípios do método da cartografia proposto por Deleuze e Guattari para a realização de uma percepção dos fluxos que perpassam a formação e a carreira do professor de língua portuguesa. Os resultados da análise demonstraram que, embora a concepção curricular do curso acompanhe o movimento de desterritorialização diante das estruturas de saberes linguísticos dominantes, com vistas a construir uma educação linguística voltada para a diversidade e firmada por políticas afirmativas e princípios da interculturalidade, seu planejamento apresenta certo desequilíbrio quanto à distribuição total de carga horária teórica e prática, e limitações quanto à disposição qualitativa da teoria gramatical. Tais resultados sugerem que seja repensado, no PPC, o arranjo das ementas e objetivos das disciplinas de conhecimentos gramaticais, no sentido de facilitar que os acadêmicos encontrem caminhos mais seguros para adquirir e articular melhor esses conhecimentos à sua prática pedagógica. Palavras-chave: Gramática. Território. (Des)(Re)territorialização. Currículo. Fluxos.
ABSTRACT
The field of research and debates on the teaching of language obtained a great advance that, provoked mainly by scholars of the area of linguistics from the 80s, represented a break with the traditional conceptions that involved the notional aspects and methodological links to the grammatical teaching-learning of the Portuguese Language, and the construction of a more humanistic and less prejudiced view in relation to teaching. To this rupture, we call, inspired by Deleuze and Guattari, grammatical (de)(re)territorialization. But if there was such a scientific advance, in the area of pedagogical actions teachers still find it difficult to deal with new perspectives because of unpreparedness and insecurity in theoretical and practical questions. In the face of these difficulties, we aim to investigate the knowledge flows that compete between the movement of grammatical deterritorialization and the formation of the Portuguese Language teacher, having as main object of analysis the Pedagogical Project of the Course (PPC) of Letters, of the University Federal District of Tocantins (FUT), located in AraguaĂna city. The documentary research methodology was used to analyze the PPC, the methodology of bibliographic research, based on books, articles and other research reviewed in the scope of the scientific discussions, and some of the principles of the cartography method proposed by Deleuze and Guattari, for the realization of a perception of the flows that permeate the training and career of the Portuguese Language teacher.The results of the analysis showed that the curricular conception of the course accompanies the movement of deterritorialization before the dominant linguistic knowledge structures, with a view to constructing a linguistic education focused on diversity and affirmed by affirmative policies and principles of interculturality. However, the curricular planning presents a certain imbalance in the total distribution of theoretical and practical hours; and limitation as to the qualitative disposition of grammatical theory. These results suggest that the arrangement of the syllabi and objectives of the grammatical knowledge disciplines be rethought in the PPC, in order to facilitate that the academics find safer ways to acquire and better articulate this knowledge to their pedagogical practice.
Keywords: Grammar. Territory. (De)(Re)territorialization. Curriculum. Flows.
LISTA DE ILUSTRAÇÃO
Quadro 1 - Definições de gramáticas ...................................................................................... 36 Quadro 2 - Conceitos das diferentes teorias do currículo ....................................................... 57 Quadro 3 - Objetivos do curso de Letras – Habilitação 1 ....................................................... 66 Quadro 4 - Habilitação em Língua Portuguesa e suas respectivas Literaturas ....................... 67 Quadro 5 - Disciplinas Obrigatórias comum às duas habilitações - Núcleo Comum ............. 70 Quadro 6 - Disciplinas Obrigatórias Específicas da habilitação H1 ....................................... 73 Quadro 7 - Disciplinas Eletivas............................................................................................... 76 Quadro 8 - Matriz Curricular – Habilitação em Língua Portuguesa e Literaturas .................. 77 Quadro 9 - Ementas das disciplinas obrigatórias voltadas para os estudos linguísticos ......... 86 Quadro 10 - Características básicas em relação ao curso ....................................................... 94 Quadro 11 - Condições educativas oferecidas pelas instituições formadoras ......................... 96
SUMÁRIO
1
INTRODUÇÃO ............................................................................................................... 13
2
COMPREENDENDO OS PROCESSOS DE TERRITORIALIZAÇÃO, DESTERRITORIALIZAÇÃO E RETERRITORIALIZAÇÃO LINGUÍSTICOS E GRAMATICAIS .............................................................................................................. 22
2.1
O(s) território(s) e o processo pelo qual se (des)(re)territorializa(m) ......................... 22
2.1.1 (Des)(Re)territorialização .................................................................................................. 24 2.1.2 Multiterritorialidade e as relações de poder ...................................................................... 27 2.2
Território(s) Gramatical(is): os primeiros agenciamentos territoriais ...................... 32
2.3
Territórios(s) linguístico-gramatical(is) da língua portuguesa: dos primeiros agenciamentos territoriais portugueses até as desterritorializações e reterritorializações brasileiras ....................................................................................... 37
2.4
(Des)(re)territorialização das concepções e do processo de ensino-aprendizagem dos aspectos gramaticais da língua portuguesa ................................................................... 45
2.4.1 Como tem sido discutido o processo de desterritorialização gramatical no plano dos debates, propostas e diretrizes em benefício de novas práticas de ensino? ....................... 48 2.4.2 Como tem se desenvolvido o processo de desterritorialização dos professores de Língua Portuguesa em relação às novas perspectivas de ensino? ................................................. 49 2.5
Destaque para algumas considerações .......................................................................... 51
3
DESCRIÇÃO E ANÁLISE DO MODO COMO OS PROCESSOS DE (DES)(RE)TERRITORIALIZAÇÃO GRAMATICAIS SÃO APRESENTADOS NO PROJETO PEDAGÓGICO CURRICULAR DO CURSO DE LETRAS DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO TOCANTINS (UFT), CAMPUS ARAGUAÍNA .................................................................................................................. 53
3.1
As teorias do currículo .................................................................................................... 54
3.2
O Projeto Pedagógico de curso: caminhos para aliar a teoria à prática .................... 58
3.3
Descrição e Análise do PPC de Letras ........................................................................... 61
3.3.1 Concepções e objetivos gerais – como a proposta curricular do curso acompanha a (des)(re)territorialização gramatical? ........................................................................... 62 3.4
Organização da matriz curricular: articulação entre a teoria e a prática no programa das disciplinas ................................................................................................ 70
3.4.1 Matriz curricular ................................................................................................................ 77
3.5
Disposição teórico-gramatical ........................................................................................ 83
3.5.1 Ementário – disciplinas obrigatórias voltadas para estudos linguísticos........................... 85 3.6
Território(s) do currículo: uma percepção acerca dos fluxos que perpassam o curso de Letras ........................................................................................................................... 91
3.7
Destaque para algumas considerações .......................................................................... 97
4
POSSIBILIDADES E POTENCIALIDADES NO ENSINO DOS ASPECTOS GRAMATICAIS DA LÍNGUA PORTUGUESA: UMA PROPOSTA DE ENSINO RIZOMÁTICO .............................................................................................................. 100
4.1
Pensamento e produção do saber: propostas para uma perspectiva curricular calcadas no conceito de rizoma, de Deleuze e Guattari, em diálogo com o Pensamento Complexo, de Edgar Morin .................................................................... 101
4.2
Método da cartografia: por uma perspectiva curricular que possibilite caminhos para articular o(s) território(s) gramatical(is) ............................................................ 109 CONSIDERAÇÕES ...................................................................................................... 113 REFERÊNCIAS ............................................................................................................ 117 ANEXO A – EMENTA DA DISCIPLINA DE INTRODUÇÃO AOS ESTUDOS LINGUÍSTICOS ............................................................................................................ 127 ANEXO B – EMENTA DA DISCIPLINA DE MORFOLOGIA .............................. 128 ANEXO C – EMENTA DA DISCIPLINA DE PRAGMÁTICA .............................. 129 ANEXO D – EMENTA DA DISCIPLINA DE PRÁTICA DE PRODUÇÃO TEXTUAL ...................................................................................................................... 130 ANEXO E – EMENTA DA DISCIPLINA DE SEMÂNTICA .................................. 132 ANEXO F – EMENTA DA DISCIPLINA DE SINTAXE ......................................... 133 ANEXO G – EMENTA DA DISCIPLINA DE ENUNCIAÇÃO E DISCURSO ..... 134 ANEXO H – EMENTA DA DISCIPLINA DE FONÉTICA E FONOLOGIA DA LÍNGUA PORTUGUESA ............................................................................................ 136 ANEXO I - EMENTA DA DISCIPLINA DE GRAMÁTICA NORMATIVA E ANÁLISE LINGUÍSTICA ........................................................................................... 137 ANEXO J – EMENTA DA DISCIPLINA DE HISTÓRIA DA LÍNGUA PORTUGUESA ............................................................................................................. 138
13
1
INTRODUÇÃO No âmbito científico, muitas têm sido as pesquisas e debates em torno do modo como
se movimentam a teoria e a prática gramatical na esfera educacional. As discussões mais ordinárias envolvem questões sobre as concepções gramaticais dos professores, sobre suas posturas quanto à compreensão e o desenvolvimento das novas perspectivas e metodologias, e, ainda, sobre o modo como a teoria gramatical é abordada em livros didáticos. Nessas discussões, os principais questionamentos são os seguintes: O que é gramática? Como ensinála? Para quê ensiná-la? Adentramos nessa empreitada, com esta pesquisa, buscando investigar e refletir sobre o modo como o currículo do curso superior de Letras tem lidado com a teoria gramatical, sendo que isso será feito a partir de uma perspectiva filosófica calcada, principalmente, nos trabalhos dos autores Gilles Deleuze e Félix Guattari. Esses filósofos, ambos de nacionalidade francesa, uniram-se em prol de uma produção intelectual cujo caráter revolucionário está voltado para o combate ao conformismo social. A esse respeito, Barcelos (2011), em uma leitura da obra Gilles Deleuze e Félix Guattari – Biografia Cruzada, escrita por François Dosse (2010), relata que Deleuze e Guattari percebiam o sistema vigente com desconfiança e a sociedade como autoritária e tirânica, assinaladora de leis, normas e regras a serem pensadas, elaboradas e seguidas, de forma a movimentar um sistema burocrático cuja função seria organizar, vigiar e estabelecer controle sobre a vida das pessoas. Nesse sentido, a parceria entre Deleuze e Guattari, retomando ao prólogo da obra supracitada, implicou em uma produção filosófica cuja proposta desafiadora seria a de sair do sedentarismo intelectual. Tal proposta é que nos instiga à produção de conceitos que rompam com as formas tradicionais de movimentar o pensamento. Um conceito, para esses filósofos,
[...] assim como uma flor ou um inseto, tem seus ambientes e seus territórios. Toda uma etologia do conceito, por meio da qual não se pode mais separar seus componentes do ambiente concreto em que eles se depositam. O que ocorre, ao contrário, quando certo conceito é levado para um outro ambiente? Quais são os acontecimentos que ocorrem com os conceitos quando estes se desterritorializam? (DELEUZE e GUATTARI,
2011c)
Foi a partir desse pensamento que nos desafiamos a pensar sobre gramática incorporando os termos (des)(re)territorialização. À primeira leitura, pode parecer colidente e desafiador falar sobre gramática a partir de Gilles Deleuze e Félix Guattari. Isso porque a filosofia provocante desses filósofos elabora, justamente, discursos defensores dos múltiplos singulares em oposição ao universal; e levanta, mesmo, críticas severas em relação à
14
representação e ao significado, denunciando uma gramaticalidade que serve apenas como marcadora de poder, como apontamento irreal de uma língua padrão igualmente ilusória. No entanto, é possível compreender a linguagem, a língua e a gramática a partir de novas concepções trazidas por esses filósofos. Nesta pesquisa tivemos como base os conceitos de território, territorialização, desterritorialização e reterritorialização, por meio dos quais procuramos desenvolver uma linha de pensamento que os incorporasse na discussão sobre gramática. O desafio se configurou em conduzir tais conceitos, assim como propõe as premissas de Deleuze e Guattari, para um novo ambiente e, a partir de então, pensar um novo conceito de gramática. Desse modo, o desígnio geral dessa empreitada foi, então, desterritorializar e (re)criar conceitos, vivenciando, por conseguinte, os acontecimentos que possivelmente viriam a fluir.
1.1
Sobre os conceitos que norteiam esta pesquisa Construímos um conceito de que gosto muito, o de desterritorialização. [...] precisamos às vezes inventar uma palavra bárbara para dar conta de uma noção com pretensão nova. A noção com pretensão nova é que não há território sem um vetor de saída do território, e não há saída do território, ou seja, desterritorialização, sem, ao mesmo tempo, um esforço para se reterritorializar em outra parte. (DELEUZE, 1995, p. 2-14)
Temos a ciência de que as sociedades, o mundo em geral, transformam-se ininterruptamente ao longo dos tempos. Essa transformação não ocorre de modo simples – e não pode ser explicada assim. O homem, a natureza, os espaços físicos e simbólicos são intrinsecamente interligados, seus processos de desenvolvimento, tendo em vista que são envolvidos pelo aspecto de conexão e multiplicidade, ocorrem de modo transversal, sendo, portanto, complexos. Para atender a essa complexidade, ou ao menos esboçá-la, é que os conceitos de territorialização, desterritorialização e reterritorialização foram elaborados por Deleuze e Guattari. Esses conceitos, apresentados minuciosamente mais adiante, tratam dessa complexidade que é o processo transformacional não somente da existência humana, mas dos seres em geral, remetendo, grosso modo, ao movimento pelo qual as diversas esferas sociais renovam os agenciamentos que a constituem, tais como, valores simbólicos, políticos, econômicos, supostas identidades etc., fazendo com seus territórios originais se transformem, ou, até mesmo, que se destruam.
15
Frente a esses termos, por ora tão incomuns, podem brotar diversas apreensões. Dentre as quais, toma a frente, nesta pesquisa, também como pretensão nova, a que se denomina como (des)(re)territorialização gramatical. O campo de pesquisas e de debates acerca do ensino de linguagem alcançou um grande avanço depois dos anos 80, principalmente no tocante à superação de concepções tradicionais que envolviam(vem) os aspectos nocionais, metodológicos e pedagógicos atrelados ao processo de ensino-aprendizagem gramatical da língua portuguesa. Tal avanço aflorou as especulações que, instigadas principalmente pelos linguistas, promoveram um rompimento com os métodos tradicionais de ensino, dando início à construção de uma visão mais humanista e menos preconceituosa em relação ao ensino dos aspectos gramaticais no ensino de linguagem, principalmente no âmbito escolar. É a esse rompimento e renovação que denominamos (des)(re)territorialização gramatical.
1.2
Problema da pesquisa
O problema percebido é que as mudanças mobilizadas no mundo científico, especialmente em relação aos estudos gramaticais, parecem não estar sendo bem compreendidas nas escolas. Muitas pesquisas demonstram que os docentes ainda não sabem lidar com novas propostas apresentadas e, como demonstraremos no decorrer desta pesquisa, parecem não se sentir preparados para desenvolver um trabalho profícuo com os conteúdos gramaticais, por despreparo e dificuldade de compreensão e adaptação em relação às inovadoras perspectivas educacionais. O que nos induziu a questionar sobre o modo como os professores vêm sendo formados desde o início da inserção dessas novas perspectivas de ensino. As incitações primárias para o direcionamento dessa pesquisa foram geradas no meio acadêmico universitário, especificamente, no curso de Letras da Universidade Federal do Tocantins (UFT), situada em Araguaína. Percebemos que boa parte dos acadêmicos – e a maioria deles em fase final do curso – tinha grande dificuldade em adquirir e desenvolver metodologias de ensino de conhecimentos básicos de gramática. Muito embora esses acadêmicos aderissem a debates sobre novas teorias e concepções conceituais e metodológicas desse ensino, eles ainda denunciavam certo despreparo no momento de aplicar essas novas perspectivas à sua prática pedagógica, especialmente no momento de realização do estágio supervisionado. Dentre os problemas constatados, destacamos os seguintes: 1) a dificuldade demonstrada pelos acadêmicos em desenvolver um trabalho com os aspectos gramaticais junto às propostas da perspectiva do texto e da abordagem de um ensino reflexivo; 2) a dificuldade
16
em relação aos conhecimentos básicos acerca da estrutura gramatical da língua; 3) a necessidade, reclamada pelos acadêmicos, de uma abordagem teórico-prático-gramatical mais abrangente, isto é, melhor disposição de disciplinas gramaticais na grade curricular; 4) as dificuldades, demonstradas pelos acadêmicos, em lidar com as críticas direcionadas ao ensino tradicional de gramática e desenvolver, ou mesmo aceitar, as novas perspectivas de ensino. A partir dessas observações, passamos a pensar sobre a ocorrência de certo problema que estivesse interferindo no modo de compreensão dos acadêmicos em relação aos processos transformacionais do ensino de gramática – o processo de (des)(re)territorialização – e uma vez que se trata de uma relação de passagem de conhecimento entre a universidade e o acadêmico, consideramos analisar, em primeiro plano, o principal caminho de transmissão/conexão de fluxos de saberes: o Projeto Político Pedagógico do Curso. Consideramos que o professor é o veículo principal na mediação desses saberes, principalmente no âmbito escolar, e que a universidade, por sua vez, está engajada nesse processo como principal orientadora na formação desse profissional, uma vez que sua responsabilidade é tentar possibilitá-lo os melhores e diversos caminhos para que ele possa romper com a tradicional dicotomia entre a teoria à prática.
1.3
Delimitação do Escopo
Esta pesquisa não visa a realizar críticas panfletárias direcionadas aos movimentos científicos promovidos por estudiosos da área da linguística e a suas propostas de abordagem dos conteúdos gramaticais; ao invés disso, almeja realizar um acompanhamento e uma reflexão sobre o modo e a intensidade com os quais esses movimentos têm sido desenvolvidos e enfrentados na realidade acadêmica-profissional daqueles comprometidos com o ensino de língua portuguesa. Tal acompanhamento não será realizado a partir de observações campais específicas ao campus universitário em foco, mas por meio de uma visão histórica mais ampla acerca das discussões, debates e problemáticas que têm permeado o ensino de língua portuguesa. Desse modo, a análise curricular feita nesta pesquisa tratou de um recorte cuja indispensabilidade configurou-se no sentido de visualizar o modo como as propostas curriculares, referentes ao curso de Letras da UFT, têm se posicionado no contexto geral da educação superior. É válido mencionar nossas intenções de pensar sobre possíveis caminhos que possam indicar uma abordagem que esteja de acordo com as necessidades as quais a própria perspectiva linguística tem apontado com vistas a promover um ensino-aprendizagem gramatical mais
17
profícuo. Ou seja, queremos pensar sobre possíveis pontes e caminhos que possibilitem encontros entre diferentes perspectivas e não criar oposições. Não se pode procurar e não queremos apresentar, no pensamento de Deleuze e Guattari, um suposto remédio para os problemas do ensino de língua portuguesa, isto porque, para esses filósofos, não há caminho – nem mesmo aonde se chegar ou de onde partir – que possam ser decididos de antemão. O importante, aqui, é o caminhar, o processo, o movimento. Os lugares ou percepções resultantes da pesquisa não estavam à espera para serem alcançados. Apenas caminhamos e mapeamos as possibilidades dos instantes reflexivos.
1.4
Justificativa
Este trabalho é relevante na medida em que pode contribuir para verificar possíveis lacunas em relação ao processo de (des)(re)territorialização gramatical nas orientações curriculares do curso de Letras e para buscar, a partir daí, possíveis caminhos para que o acadêmico possa ter acesso a um conhecimento teórico/prático mais amplo que o auxilie em sua prática pedagógica, possibilitando-o, por conseguinte, a habitar no(s) território(s) gramatical(is) da língua portuguesa para vivenciar e promover uma reterritorialização mais profícua no ensino de linguagem.
1.5
Objetivo Geral:
Investigar os fluxos de saberes que concorrem entre o movimento de desterritorialização gramatical e a formação do professor de língua portuguesa, tendo como objeto principal de análise o Projeto Pedagógico do Curso de Letras da Universidade Federal do Tocantins (UFT), situada na cidade de Araguaína.
1.5.1 Objetivos específicos: ▪
Conhecer e compreender os processos de territorialização, desterritorialização e reterritorialização linguísticos e gramaticais;
▪
Perceber como os processos de territorialização, desterritorialização e reterritorialização linguísticos e gramaticais estão sendo enfrentados pelos professores de língua portuguesa;
18
▪
Perceber e analisar o modo como o processo de desterritorialização e reterritorialização gramatical tem sido orientado no Projeto Político Pedagógico do Curso de Letras da Universidade Federal do Tocantins;
▪
Apresentar possibilidades e potencialidades para o ensino dos aspectos gramaticais da língua portuguesa.
1.6
Metodologia, procedimentos metodológicos e hipóteses
Adotamos a metodologia de pesquisa documental, tendo como objeto de análise o Projeto Pedagógico do Curso de Letras, e a metodologia de pesquisa bibliográfica, com base em livros, artigos e outras pesquisas revisadas no âmbito das discussões científicas acerca da temática em questão. Desse modo, o levantamento de dados foi feito mediante o processo de documentação indireta que, segundo Marconi e Lakatos (2015), serve-se de fonte de dados coletados por outras pessoas, podendo consistir ou não um material já elaborado. Tal processo se divide em pesquisa documental (de fontes primárias) e pesquisa bibliográfica (de fontes secundárias). São documentos de fonte primária aqueles de primeira mão, isto é: [...] provenientes dos próprios órgãos que realizaram as observações. Englobam todos os materiais, ainda não elaborados, escritos ou não, que podem servir como fonte de informação para a pesquisa científica. Podem ser encontrados em arquivos públicos ou particulares, assim como em fontes estatísticas compiladas por órgãos oficiais e particulares. (Ibid. p. 43)
A pesquisa bibliográfica, por sua vez, trata-se de levantamento de bibliografia já publicada, isto é, “livros, revistas, publicações avulsas e imprensa escrita” (Ibid. p. 44). Tais metodologias são de natureza básica, tendo pouca implicação com aplicação prática, ou seja, as especulações que foram realizadas no decorrer da pesquisa serviram para indagar e questionar sobre os acontecimentos, para perceber problemas e produzir conhecimento em seu entorno. Também incorporamos alguns dos princípios do método da cartografia em nossa postura como pesquisadores (Cf. PASSSOS; KASTRUP; ESCÓSSIA, 2015). Na perspectiva cartográfica, a realidade é entendida como um “plano de composição de elementos heterogêneos”, essa apreensão é orientada pelo conceito de rizoma que, dentre outras explicações concedidas mais adiante neste trabalho, compreende a conexão de redes e componentes hetoregêneos de naturezas distintas. Por isso não poderíamos adotar nosso objeto de análise extraído de componentes semióticos e fluxos que o contornam.
19
Desse modo, além do PPC, objeto de análise principal desta pesquisa, também procuramos perceber os contextos pelos quais esse currículo é envolto. Daí a razão de levantarmos, também, de forma crítica, os seguintes pontos: a) questões sobre o processo de (trans)formação histórica da língua portuguesa-brasileira e de seus respectivos aspectos gramaticais; b) o campo conflituoso dos debates e discussões científicas em torno do ensino de língua portuguesa; c) o andamento das concepções e práticas em torno das abordagens dos aspectos gramaticais mobilizadas pelos professores, desde as reformas da década de 70 e 80; d) a realidade cultural, educacional, socioeconômica de professores em formação inicial e continuada. Enfim, essas questões, dentre outras, não podem ser ignoradas no contexto de uma análise curricular na medida em que elas agem como fluxos que movimentam o currículo e, simultaneamente, como contra-fluxos que podem diminuir a intensidade e velocidade de tal movimento. No início das leituras e produção de escrita, nosso principal intento, com a análise, era o de verificar como o processo de (des)(re)territorialização gramatical era acompanhado pelo PCC dentro dos limites perceptivos em torno do espaço e da disposição das disciplinas básicas de teoria gramatical (morfologia, semântica, sintaxe, fonética e fonologia) na organização curricular, uma vez que a hipótese que levantamos, nas observações empíricas precedentes às especulações desta pesquisa, era a de que o processo de (des)(re)territorialização gramatical no currículo do curso de Letras estaria reforçando uma subtração/negação de conteúdos básicos gramaticais. Esse foi, em primeiro plano, nosso primeiro questionamento. O objetivo de tentar responder a esse questionamento permaneceu, contudo, no decorrer da pesquisa, percebemos que deveríamos dar igualmente atenção à maneira pela qual o currículo apresentava em sua organização caminhos para articular a teoria e a prática. Desse modo, passamos a guiar o desenvolvimento da análise a partir das seguintes perguntas: ▪
Como a proposta curricular do curso acompanha o processo de (des) (re)territorialização gramatical no bojo de suas concepções e objetivos gerais?
▪
Como a proposta curricular do curso de Letras acompanha tal processo dentro das percepções acerca da articulação entre a teoria e a prática no programa das disciplinas?
▪
Mediante as constatações em relação à disposição teórico-gramatical na estrutura curricular, as disciplinas contemplam os territórios gramaticais sob o ponto de vista quantitativo e qualitativo?
A partir desses questionamentos, descrevemos e analisamos os seguintes aspectos contidos no PPC: a) as concepções e os objetivos gerais; b) os programas e os objetos das
20
disciplinas que compunham a matriz curricular; c) as ementas e as bibliografias de dez disciplinas referentes aos estudos linguísticos. Além desses aspectos, atrelados à estrutura do currículo, buscamos, ainda, por meio de pesquisas e reflexões bibliográficas, perceber os fluxos que perpassam tanto o currículo, quanto os contextos de formação e atuação profissional de alunos e professores.
1.7
Estruturação da Dissertação
Esta dissertação está organizada da seguinte maneira: após a introdução, no capítulo segundo – Compreendendo os processos de territorialização, desterritorialização e reterritorialização linguísticos e gramaticais –, conceituamos os termos território, desterritorialização e reterritorialização, desenvolvendo uma reflexão em torno da existência do(s) território(s) linguístico(s) da língua portuguesa, e da (des)(re)territorialização, isto é, das transformações pelas quais essa língua passou quanto ao seu processo de instituição no país, bem como do seu processo de ensino-aprendizagem no plano das concepções e das práticas docentes. No capítulo terceiro – Descrição e análise do modo como os processos de (de)(re)territorialização gramaticais são apresentados no Projeto Pedagógico Curricular do curso de Letras da Universidade Federal do Tocantins (UFT), Campus Araguaína –, corroboramos sobre as teorias referentes ao currículo e pressupostos teóricos em torno do conceito de PPC e apresentamos a descrição e a análise do PPC de Letras, da Universidade Federal do Tocantins. Na análise explanamos sobre a articulação entre a teoria e a prática, bem como sobre os fluxos que perpassam o currículo e a formação do professor nos cursos de licenciaturas. Os resultados da análise demonstraram que a concepção curricular do curso acompanha o movimento de desterritorialização diante das estruturas de saberes-poderes linguísticos dominantes, com vistas a construir uma educação linguística voltada para a diversidade e firmada por políticas afirmativas e princípios da interculturalidade, e a formar um profissional crítico que seja capaz de desenvolver um trabalho interdisciplinar que possibilite a articulação entre o padrão e as diferenças linguísticos. Contudo, percebemos que, em termos de organização, há no planejamento curricular certo desequilíbrio quanto à distribuição total de carga horária teórica e prática. E, no que concerne à disposição da teoria gramatica, o planejamento oferece, no bojo de suas ementas e objetivos, caminhos teórico-gramaticais limitados e considerados, portanto, insuficientes para
21
que o professor em formação inicial tenha uma clara compreensão acerca da composição e articulação das teorias gramaticais em sua prática pedagógica. No capítulo quarto – Possibilidades e potencialidades no ensino dos aspectos gramaticais da língua portuguesa: uma proposta de ensino rizomático –, apresentamos caminhos possíveis para que os territórios gramaticais sejam contemplados por meio de uma perspectiva curricular articulada, baseada no pensamento rizomático, de Deleuze e Guattari, bem como no Pensamento Complexo, de Edgar Morin. Também corroboramos sobre o método da cartografia, igualmente oriundo da filosofia de Deleuze e Guattari, e as proposições em torno do conceito transdução, de Simodon, como sugestões para articular os territórios gramaticais. Esperamos que a leitura dos capítulos possa contribuir para a reflexão sobre o lugar, a abordagem e a importância do ensino teórico-gramatical na universidade e que as análises possam fomentar discussões em torno de propostas curriculares no sentido de buscarem, ainda mais, caminhos para promover a aliança entre uma teoria e práticas mais consistentes e calcadas na realidade.
22
2
COMPREENDENDO OS PROCESSOS DE TERRITORIALIZAÇÃO, DESTERRITORIALIZAÇÃO E RETERRITORIALIZAÇÃO LINGUÍSTICOS E GRAMATICAIS2 Neste capítulo procuramos descrever o processo de (des)(re)territorialização linguístico-
gramatical pelo qual a língua portuguesa e seus respectivos aspectos gramaticais se movimentaram no percurso de suas conexões linguísticas desde os períodos de sua formação inicial (primeiros agenciamentos territoriais), com suas filiações e precursores, até suas posteriores transformações (desterritorializações), com os desbravamentos e contato com outros povos e outras línguas; culminando na formação (reterritorialização) do território linguístico brasileiro. Ao longo desta seção apresentamos os seguintes tópicos: 1) o que se conceitua como território, desterritorialização e reterritorialização; 2) a reflexão desenvolvida em torno da existência de território(s) linguístico(s) e das suas relações de poder, por meio de um breve acompanhamento histórico-cartográfico da língua portuguesa; 3) a reflexão desenvolvida em torno dos primeiros agenciamentos para a construção de território(s) gramatical(is); 4) as desterritorializações e reterritorializações linguístico-gramaticais brasileiras; 5) uma reflexão analítica,
desenvolvida
em
torno
da
(des)(re)territorialização
gramatical
atrelada,
especialmente, às transformações investidas no processo de ensino-aprendizagem da língua portuguesa no plano dos debates, propostas e diretrizes curriculares, bem como no plano das concepções e das práticas dos professores.
2.1
O(s) território(s) e o processo pelo qual se (des)(re)territorializa(m)
Por se tratar da espacialidade humana, o território e a territorialidade abrangem diversas áreas a partir de determinadas perspectivas: a Geografia dá ênfase à materialidade, em suas múltiplas dimensões; a Ciência Política aborda sua construção a partir das relações de poder; a Economia, ao invés de território, opta pela noção de espaço, percebendo-o como um fator locacional; a Antropologia destaca sua dimensão simbólica; e a Sociologia incorpora-o na
2
Esta seção é uma versão modificada e aprimorada de um artigo apresentado e publicado pela Revista Philologus, in Anais da XII Jornada Nacional de Linguística e Filologia da Língua Portuguesa (JNLFLP), e está disponível em: http://www.filologia.org.br/rph/ANO23/69supl/061.pdf.
23
discussão em torno da construção de subjetividade, dando amplitude até a escala do indivíduo (HAESBAERT, 2009). Dentre essas e outras abordagens, será assumida, neste trabalho, aquela atrelada ao campo da filosofia, especialmente cultivada por Gilles Deleuze e Félix Guattari, com seus pressupostos rizomáticos e imanentes. Para a compressão do que se constitui como território, na filosofia deleuze-guatarriana, uma elucidação de Zourabichvili (2004) é de cunho preliminar. Segundo esse filósofo, o conceito de território é inspirado na etologia e implica, com efeito, o espaço, mas não consiste na delimitação objetiva de um lugar geográfico. O território possui um valor existencial, na medida em que circunscreve, para cada um, um campo do familiar e do vinculante, marcando as distâncias em relação a outrem e protegendo do caos3. Segundo Suely Rolnik e Félix Guattari (1996), os seres existentes se organizam segundo territórios que os delimitam, e ao mesmo tempo os articulam aos outros existentes e aos fluxos cósmicos. Nesse processo organizacional, o território pode ser percebido tanto como espaço vivido, quanto como sistema no qual o sujeito de “sente em casa”; podendo ser relativo, também, a um conjunto de projetos e representações nos quais ele pode fazer fluir uma série de comportamentos e investimentos, em tempos e em espaços sociais, culturais, estéticos e cognitivos. Para Alvarez e Passos (2015, p. 134), o território é relativo à constituição de um “ethos que é ao mesmo tempo morada e estilo”, isto porque cada território possui um conjunto de hábitos, ritmos e regras que lhe conferem uma assinatura, isto é, um conjunto de caracteres específicos que o determinam e o fazem ser como é, conferindo-lhe, não uma identidade, mas, retomando uma expressão de Zourabichvili (2004), toda uma identificação coletiva assinalada pelas relações de propriedade/apropriação e, simultaneamente, de distância. Daí, podemos apreender, portanto, que o conceito de território vem afirmar a existência e a relação de diversas e distintas categorias – um indivíduo, um grupo, um meio, um determinado espaço, não considerado objetivamente físico – que se interligam em um grande sistema de redes. Em sua dinâmica organizacional, essas categorias estabelecem certas marcações territoriais (territorializações) que lhe garantem distância e proteção – uma assinatura –, em relação a outros territórios existentes, e, ao mesmo tempo, são aptas para criar contatos com estes, a fim de apropriar-se ou partilhar de outras matérias de expressão, isto é, incorporar ou trocar hábitos, valores, pontos de similitude e até mesmo de discrepância.
3
O sentido da palavra caos não está relacionado, neste trabalho, à desordem, mas à velocidade infinita de pensamentos, desejos, conceitos, que não possuem forma concreta.
24
Essa noção de território, que na filosofia deleuze-guattariana está diretamente relacionada ao conceito de rizoma – tema abordado no capítulo terceiro –, faz-nos lembrar, por exemplo, das propostas de Edgar Morin (2007) em torno dos princípios que formam o Pensamento Complexo, especificamente o princípio hologramático, que versa sobre a relação entre a totalidade e as partes, compreendendo que unidade e multiplicidades são componentes indissociáveis e, a partir daí, considerando a impossibilidade de conceber um dado sistema social como uma totalidade fechada, mas, ao contrário, como totalidade sistêmica aberta na qual o todo e as partes se conectam e se organizam. O território, portanto, pode abranger diversas possibilidades de discussão, e, na filosofia de Gilles Deleuze e Félix Guattari, pode ganhar uma extensão de sentido ainda maior. Isso porque, na perspectiva desses filósofos, o trabalho realizado para se pensar nesse conceito é regido pelas leis de movimento e de multiplicidade, ritmo e conexões de componentes heterogêneos. O que implica pensar o território, “antes de tudo, [como] um lugar de passagem” (DELEUZE e GUATTARI, 2011d, p. 132), aberto a multiplicidades, a forças e a desejos; e não através da qualidade estática, pura ou fechada. Quanto ao seu processo de (re)construção, o território é fruto de movimentos ininterruptos de forças de transformação, pois está sempre se recriando diacronicamente por meio de um movimento transversal e múltiplo de conexões corpóreas e incorpóreas. Nesse movimento, o território está contido e contém, também, outros territórios: políticos, culturais, econômicos (HAESBAERT, 2005; SAQUET e SPOSITO, 2008), constituindo-se, portanto, como um sistema interligado que não cessa de criar agenciamentos, isto é, criar conexões para aumentar suas dimensões através dos fluxos, assim como também é perpassado por diversos contra-fluxos assinalados pelas relações de poder.
2.1.1 (Des)(Re)territorialização
Os movimentos de desterritorialização e reterritorialização correspondem ao processo de (re)criação do território, esse processo é conduzido por agenciamentos que são “precisamente [o] crescimento das dimensões numa multiplicidade que muda necessariamente de natureza à medida que ela aumenta suas conexões” (DELEUZE e GUATTARI, 2011d, p. 24). O território, então, mantém seu movimento de transformação na medida em que se conecta com outros territórios, mudando, então, de natureza através da conexão entre agenciamentos.
25
Nesse processo, o movimento de desterritorialização, conforme explica Natálio (2013), pressupõe uma prévia territorialização, constituída pelo encontro dos agenciamentos os quais são divididos, segundo Deleuze e Guattari (2011d), em dois planos: I.
conteúdo: neste
processo,
os
agenciamentos
maquínicos de corpos
correspondem à mistura de corpos que reagem uns sobre os outros; é a mistura de corpos sociais; II.
expressão:
neste
processo,
os agenciamentos
coletivos
de
enunciação compreendem as transformações incorpóreas. Essas concepções foram inspiradas pela filosofia do acontecimento, dos estoicos, os quais foram os primeiros a desenvolver a teoria desta independência: “eles distinguem as ações e paixões dos corpos (dando a palavra “corpo” uma extensão bem ampla, ou seja, todo conteúdo formado) e os atos incorporais (que são o ‘expressado’ dos enunciados) ” (DELEUZE e GUATTARI, 1980, p.101, apud LOBO, 2004, p. 201). A forma de expressão se refere “ao encadeamento do expressado nos enunciados, enquanto a forma de conteúdo constitui o que se pode chamar de trama entre os corpos. O acontecimento, como matéria de expressão, instalase entre o enunciado e as práticas que os corpos realizam” (LOBO, 2004, p. 201). A ideia de acontecimento é, portanto, paradoxal4, pois não se refere à ordem dos corpos, já que ele não é substância. No entanto, ele não é imaterial; é sempre no âmbito da materialidade que ele se efetiva – ele é o efeito dos corpos que se encontram. A filosofia do acontecimento está fortemente ancorada no mundo real. É com esse aspecto paradoxal e inteiramente voltado para a ideia de conexão e realidade que o território se engendra através dos agenciamentos. Os agenciamentos constituem a possibilidade desse processo na medida em que eles tornam possíveis os encontros e também conduzem a hábitos, a ritmos e a regras. Desse modo, um agenciamento remete a “um estado preciso de mistura de corpos em uma sociedade, compreendendo todas as atrações e repulsões, as simpatias e as antipatias, as alterações as alianças, as penetrações e expansões que afetam os corpos de todos os tipos, uns em relação aos outros” (DELEUZE e GUATTARI, 2011a, p. 33). A formação do território é complexa, pois, na medida em que se constitui pelos agenciamentos de expressão e conteúdo, desenvolve-se mediante um fluxo de forças que esses
4
A concepção de paradoxo que assumimos, aqui, vai além das concepções apresentadas comumente, tais como: sinônimo de contrário de, ou de falta de lógica. Basicamente, nos referimos a paradoxo assim como o faz Deleuze em Lógica do Sentido: “o paradoxo é a afirmação dos dois sentidos ao mesmo tempo” (DELEUZE, 1969, p. 1).
26
agenciamentos corroboram através de um processo contínuo de conexões, transformações e renovações: os movimentos de desterritorialização e reterritorialização. A desterritorialização corresponde, por exemplo, às ações que uma sociedade produz no sentido de transformar-se por meio de “linhas de fugas”, isto é, tentativas ou desejos de sair de seus percursos costumeiros e aventurar-se por outros novos: O território pode se desterritorializar, isto é, abrir-se, engajar-se em linhas de fuga e até sair do seu curso e se destruir. A espécie humana está mergulhada num imenso movimento de desterritorialização, no sentido de que seus territórios “originais” se desfazem ininterruptamente [...]. (GUATTARI e ROLNIK, 1996, p. 323)
Nesse sentido, desterritorialização de agenciamentos compreende perda, abandono ou modificação, seja de lugar, de hábito ou de valor. Não é difícil perceber essa dinâmica transformacional na realidade em que vivemos e construímos; o homem é um agente transformador por natureza, por isso tende a abandonar ou modificar muitos aspectos de sua realidade segundo a emergência de suas buscas pelo novo. O “novo” está, justamente, imbricado ao processo de reterritorialização, isto porque, segundo Deleuze e Guattari (1995), não há como sair do território sem, ao mesmo tempo, esforçar-se para reterritorializar em outra parte. Desse modo, a reterritorialização compreende novos agenciamentos, isto é, a reposição ou aquisição de novos lugares, hábitos e valores. Em suma, podemos apreender, portanto, que a desterritorialização constitui o “rompimento dos valores, tanto simbólicos, com a destruição de símbolos, marcos históricos, identidades, quanto concreto, material – político e/ou econômico,
pela
destruição
de
antigos
laços/fronteiras-políticas
de
integração”
(HAESBAERT,1995, p.181). A reterritorialização, por sua vez, constitui o processo de reposição, aquisição, renovação desses agenciamentos. Esses movimentos não são mensuráveis, não há um começo ou fim exato para a desterritorialização, assim como também não há para a reterritorialização. Esses movimentos, durante o processo, interpenetram-se e se desenvolvem de forma indissociável. Além disso, o processo ocorre em uma ordem coletiva, pois, conforme explicam os filósofos: Jamais nos desterritorializamos sozinhos, mas no mínimo com dois termos [...]. E cada um dos dois termos se reterritorializa sobre o outro. De forma que não se deve confundir a reterritorialização com o retorno a uma territorialidade primitiva ou mais antiga: ela implica necessariamente um conjunto de artifícios pelos quais um elemento, ele mesmo desterritorializado, serve de territorialidade nova ao outro que também perdeu a sua. Daí todo um sistema de reterritorializações horizontais e complementares. (DELEUZE e GUATTARI, 2011c, p. 41)
27
Isso quer dizer que a desterritorialização não acontece sozinha, é sempre um encontro entre corpos distintos, correspondendo, sempre, à ocorrência do novo e não do regresso: é preciso um território novo, novos agenciamentos, novos pensamentos; mesmo o abandono ou a destruição resultam, simultaneamente, em uma nova territorialidade. Vale ressaltar que a desterritorialização pode ser relativa e/ou absoluta. A primeira opera no próprio socius, ou seja, é o abandono de territórios criados nas sociedades e sua concomitante reterritorialização. A segunda, desterritorialização absoluta, remete ao próprio pensamento. Esses dois tipos de desterritorialização, embora sejam distintos, são indissociáveis, um perpassa o outro, sendo que para os dois movimentos também existem movimentos de reterritorialização relativa e absoluta (HAESBAERT e BRUCE, 2002). O conceito de território possui direta ligação com a terra, pois é nela em que se inscrevem os encontros e os agenciamentos que se dão entre os fluxos, as intensidades de desejo do socius. Sendo que é o socius, que abriga o pensamento, isto é, para que o pensamento exista faz-se necessário um meio, um solo, a própria terra (Ibid. 2002). Daí a relação entre os fenômenos linguísticos e a política de organização dos territórios.
2.1.2 Multiterritorialidade e as relações de poder
É válido mencionar outro conceito plausível trabalhado por Haesbaert (2005) com base na filosofia deleuze-guattariana: multiterritorialidade. Esse conceito diz respeito à experimentação de vários territórios, ao mesmo tempo; formulando, a partir disso, uma territorialização efetivamente múltipla. Esse conceito, como salienta Haesbaert, não é exatamente uma novidade, pelo simples fato de que, se o processo de territorialização parte do nível individual ou de pequenos grupos, toda relação social implica uma interação territorial, um entrecruzamento de diferentes territórios, o que pressupõe que, de certo modo, teríamos vivido sempre uma “multiterritorialidade” (HAESBAERT, 2005). Considerar a realidade vivida pela sociedade e os meios/componentes que a constituem a partir desse viés, de multiterritorialidade e entrecruzamento, é pressupor, por conseguinte, a inevitabilidade de haver conflitos de interesses. Saquet (2010, p. 25) afirma que os territórios e as territorialidades são vividos e percebidos a partir de diversas formas: “são substantivados por relações, homogeneidades e heterogeneidades, integração e conflito, localização e movimento, identidades, línguas e religiões, mercadorias, instituições, natureza exterior ao homem; por diversidade e unidade; (i)materialidade”.
28
Assim, há que se considerar que essa diversidade possui, em si, sua beleza dentro das qualidades que a concebem como sendo múltipla; mas, há, também, em tudo isso, um jogo de relações de poder que concorrem para que ela mesma, em um sentido paradoxal ou até mesmo contraditório, também desenvolva certos mecanismos de fragmentação e seleção radical. É nesse sentido que Haesbaert considera o território como sendo um espaço-processo, isto é, um espaço socialmente construído, permeado por relações sociais de poder. A partir de seus estudos das relações de espaço-poder no uso do território, o geógrafo explica que a noção de território tem a ver com o poder concreto de dominação e com o poder simbólico de apropriação, sendo que o primeiro está relacionado a um valor funcional, mais voltado para dominação político-econômica – nesse caso, tem-se como exemplo a lógica capitalista hegemônica que trata do território “unifuncional”. O segundo está, por sua vez, relacionado ao valor de uso, carregado das marcas do vivido, mais voltado para o aspecto cultural-simbólico, nesse caso o território é sempre “diverso e complexo”. Por essas questões, que envolvem as relações de poder, é que o território e o processo de territorialização devem ser trabalhados mediante a multiplicidade de suas manifestações:
[...] que é também e, sobretudo, multiplicidade de poderes, neles incorporados através dos múltiplos agentes/ sujeitos envolvidos. Assim, devemos primeiramente distinguir os territórios de acordo com os sujeitos que os constroem, sejam eles indivíduos, grupos sociais, o Estado, empresas, instituições como a Igreja etc. As razões do controle social pelo espaço variam conforme a sociedade ou cultura, o grupo e, muitas vezes, com o próprio indivíduo. (SACK, 1986, p.6, apud HAESBAERT, 2005, p.3).
Diante disso compreendemos, portanto, que cada território assume relações de poder específicas à sua natureza organizacional, visando a estabelecer um controle social, exercendo influência sobre indivíduos, relacionamentos, discursos, comportamentos etc. Ante essa dinâmica, que envolve as relações de poder e as lutas de caráter paradoxal entre os territórios, Suely Rolnik (2014, p. 1-2) realiza um questionamento bastante plausível:
De todos os fios do mundo; com quais deles poderíamos estar tecendo territórios, nos tecendo? Sem território fixo, as máquinas celibatárias erram pelo mundo. Com cada fio que se apresenta — humano ou não — elas tecem, se tecem. E a cada novo fio, elas esquecem, se esquecem. Sem identidade, são pura paixão: nascem de cada estado fugaz de intensidade que consomem. [...] A vida se expande. Há uma alegria nessa expansão. No entanto, há também uma miséria nisso tudo: é que nunca articulam-se os fios, nunca territórios se organizam. E assim o potencial de expansão contido na recémconquistada intimidade com o mundo se desperdiça. Dispersa.
29
Essa incongruência acima, evidenciada por Suely Rolnik, pode ser percebida em quase todos os aspectos da nossa vida. A nossa realidade é tecida por meio de nossas ações em um processo contínuo, complexo e natural de transformação. Essa transformação é fruto da intensidade e do desejo de nos recriarmos, e, para que ela aconteça, movimentamos e conectamos diversos componentes heterogêneos, através de fluxos e fios, criando assim, uma rede de acontecimentos. Assim as sociedades se expandem, por meio de conexões, das misturas dos grupos sociais, dos territórios, das culturas, das raças, das línguas – das desterritorializações. Todavia, embora esse caráter de multiplicidade e de metamorfose seja real, a sociedade, paradoxalmente, tem sua historicidade marcada por tentativas sócio-organizacionais segregacionistas e por uma racionalidade voltada, preferencialmente, para a criação de padrões e regras universais. Ao chegar a essa linha de debate, acerca das dificuldades que os territórios têm em se articular, é que aproximamos, afinal, o conceito de território à discussão dos aspectos relacionados à natureza da língua/gem e a seus respectivos processos de ensino-aprendizagem. Em virtude da abrangência conceitual que assume o território, a língua, no limiar dessa aproximação, é também um território, ou um conjunto de territórios que correspondem ao léxico, às gramáticas, às variedades que são também relacionadas às territorialidades. A língua é enfim, multiplicidade, plural, multiterritorial. No que se refere à língua portuguesa, quando analisamos seu contexto histórico, os estudos já realizados, os registros iniciais e seus processos de transformação diacrônica e sincrônica, encontramos um rico arsenal de pesquisas e trabalhos científicos que irão atestarlhe esse caráter plural e multiterritorial. A língua portuguesa é um território muito vasto e diversificado, pois é resultado de um longo processo de transformações corpóreas e incorpóreas que, ao longo dos tempos e através de diversos polos de irradiação, situados em diversas e distintas localizações geográficas, adquiriu uma rica heterogeneidade linguística. Dois dos componentes teóricos que asseguram essa reflexão são os aspectos históricos ligados à formação e ao processo de ensino-aprendizagem que compõem essa língua. A historicidade da língua portuguesa é diretamente envolvida por questões territoriais histórico-políticas. Segundo Hauy (2008, p. 22), essa língua e outros idiomas românicos são resultantes de uma lenta e conturbada transformação ocorrida através dos séculos, advinda de outra língua, o latim, que por sua vez era também transformação de outra, o indo-europeu, que era falado por um povo quase sem história, ao qual se convencionou chamar ariano ou ária. O indo-europeu, ao entrar em contato com outros falares, fracionou-se em diversos ramos, tais
30
como: o germânico, o itálico, o báltico, o eslavo, o celta, o albanês, o grego, o indo-irânico e o armênico. Dentre esses, o ramo itálico é o que mais interessa à história da língua portuguesa, pois a ele está vinculado o Latim, idioma que, partindo da Península Ibérica, foi propagado em várias regiões e povos e, consequentemente, articulado a vários idiomas, transformando-se por diversos fatores (políticos, econômicos, culturais) (ASSIS, 2012; HAUY, 2008; TEYSSIER, 1982). Posteriormente, como menciona Hauy (2008, p.33), retomando as expressões de Os Lusíadas, ao atravessar “mares nunca dantes navegados” e penetrar “tudo o que o Mar Oceano cerca”, o Latim, já modificado pelos portugueses5, foi levado e, perpassando por várias regiões da Ásia, África e América, transformou-se mais ainda, até adentrar no Brasil6. Atualmente,
[...] o português é língua materna (na Europa e na América, sobretudo, e em parte em África), língua segunda (particularmente em Cabo Verde e Timor-Leste), língua nacional (em Angola e Moçambique, de modo específico) e língua de herança/língua de afetos (nas muitas e diversas diásporas) de cerca de 273 milhões de falantes (mais precisamente, e segundo o Observatório da Língua Portuguesa, 272 730 000, assim distribuídos: Portugal: um pouco mais de 10 milhões; Brasil: 207 milhões; Moçambique: 27 milhões; Angola: 25 milhões; Guiné-Bissau: 1,8 milhões; TimorLeste: 1,24 milhões; Cabo Verde: meio milhão; São Tomé e Príncipe: 190 mil), o que lhe confere a quarta posição entre as línguas maternas mais faladas no Mundo. (BARROSO, 2018, p. 20)
Com base nessas informações, podemos refletir que a língua portuguesa se constitui como um território cujo crescimento agrega componentes linguísticos-heterogêneos de variação e conexão, que, como vimos, podem ser definidos pelas conexões linguísticas realizadas ao longo de sua trajetória diacrônica e sincrônica – por meio de (des)(re)territorializações. Estamos diante de uma língua cuja filiação é de memória heterogênea, sendo pluricontinental,
5
Alguns dos componentes linguísticos que fazem parte da língua portuguesa são oriundos dos seguintes povos: a) os celtas, que segundo Hauy (2008, pp. 28-31), representam o elemento de maior valor linguístico para a estruturação do português, deixando, por exemplo, palavras como cavalo, carro, bico, berço, camisa, saio, saia, cabana, cerveja, legua, vassalo, manteiga, caminho, gato, lança; b) os bárbaros, que contribuíram no aceleramento da evolução da língua, infiltrando, no léxico português, palavras como guerra, trégua, roubar, bando, banda, bandeira, baluarte, escaramuça, dardo, brandir, galopar, arauto, feudo, orgulho, rico, branco, franco, tacanho; e c) os árabes, que contribuíram com as seguintes palavras: alface, algodão, arroz, açúcar, laranja, azeitona, azeite, cenoura, espinafre, girafa, javali, jarra, almofada, alfange, arroba, quintal, quilate, alqueire, alfaiate, alcaide, dentre outras. 6
Nos séculos XVI e XVII, segundo Spina (2007), outras palavras adentraram no léxico: a) vocábulos de origem tupi, como, por exemplo, caju, cutia, curupira, tatu, capim, maracujá, capivara, jaboticaba, mingau, arara, jacaré, cipó, mandioca, jenipapo; e b) de procedência africana: iemanjá, exu, muamba, zumbi, ogum, xangô, mandinga, acarajé, vatapá, farofa, fubá, caçula, banguela, quiabo, fumo, quilombo, quitanda, senzala, mocambo, cafundó, molambo, moleque, marimbondo, dendê etc.
31
pluricultural e, consequentemente, pluricêntrica (MORELLO, 2001, ORLANDI, 1994, BARROSO, 2018). Logo, quando consideramos a língua portuguesa como um território, afirmamos que possui um conjunto de características específicas que fazem com que lhe seja atribuída uma assinatura ou um estilo em relação a outras línguas existentes no mundo e, também, que essa mesma língua possui outros territórios linguísticos que, por sua vez, também possuem características que lhe atribuem certos estilos: dialetos, socioletos, idioletos, cronoletos, sexoletos, etnoletos, tecnoletos (Cf. PINTO e RIBEIRO, 2015). Dentro dessa perspectiva, ainda assumimos que, no espaço heterogêneo que constitui essa língua, as variedades ou territórios linguísticos se entrecruzam, a partir de similitudes e discrepâncias, com os territórios gramaticais, os quais são considerados, aqui, como responsáveis por assegurar uma ordem7 comum e estável, ou padrões convencionais de reconhecimento, pois, como Neves (2008, p. 180) nos lembra, “toda língua de uma comunidade apresenta um padrão natural, uma norma em si aglutinadora da heterogeneidade, da multiplicidade, da variação linguística”. Nesses territórios, retomando um pensamento de Foucault (1992, apud VEIGA-NETO, 2016), as palavras fazem parte de uma organização gramatical pela qual a língua define e assegura sua coerência própria. No entanto, há que se demonstrar, também, a outra face dessa transformação: o fato é que, ao longo de toda sua história, essas transformações foram principalmente influenciadas por tentativas de dominação e imposição de idioma. No Brasil, os idiomas que predominavam eram indígenas, como tupi, guarani e tupinambá. Posteriormente, com a chegada de escravos, vindo de diferentes regiões da África, passaram-se a habitar e a concorrer no território brasileiro uma pluralidade de línguas e, Portugal, para impor sua hegemonia e construir uma espécie de identidade nacional, consolidou o Português como idioma oficial, impondo a utilização desse idioma através da política da administração local, da religião, e de instituições como tribunais e escolas (COELHO, MONGUILHOTT e SEVERO, 2014). Essa imposição linguística, consequentemente, prevaleceu no processo de construção gramatical e de ensino-aprendizagem; essa construção, conforme veremos, tem suas raízes na
7
A ideia da ordem está relacionada à necessidade de se criar um caminho de equilíbrio, cuja função não se dá no sentido de criar um espaço fechado e rigidamente organizado, mas de alcançar calmaria. É preciso alertar que o sentido da palavra ordem pode até ser compreendida numa instância em que ela seja oposta ao sentido do caos, desde que o sentido do caos não esteja voltado para a ideia de desordem mas para seguinte noção: “o caos não é um vazio que não é um nada, mas um virtual, contendo partículas possíveis e suscitando todas as formas possíveis que surgem para desaparecer logo em seguida, sem consciência nem referência, sem consequência” (DELEUZE e GUATTARI, 1991, p. 153).
32
tradição dos estudos da língua clássica e, ao longo dos anos, vem sendo envolvida por um extenso conjunto de discussões e debates em torno de um problema constante: a existência de “uma gramática”, que é a normativa, considerada e ensinada como sendo um marcador de poder, isto é, ditadora de regras e padrões estáticos para o bem falar e escrever, utilizada, portanto, como uma ferramenta de ensino excludente e preconceituosa.
2.2
Território(s) Gramatical(is): os primeiros agenciamentos territoriais Os primeiros agenciamentos para a construção de um território linguístico-gramatical
foram realizados por volta do século V a. C., no mundo ocidental. Segundo Junqueira (2003), o mundo grego estava, durante esse período, também conhecido como época helenística, sob o domínio da Macedônia, cujo rei, Alexandre, concretizava um ideal: difundir a cultura grega por todo império e sobre os territórios “conquistados”. Segundo Lobato (1986, apud JUNQUEIRA, 2003), o estudo gramatical pode ser organizado a partir de três períodos principais: período dos filósofos pré-socráticos, dos primeiros retóricos, de Sócrates, Platão e Aristóteles; período dos estoicos; período dos alexandrinos.
I.
Período que corresponde aos estudos iniciais dos filósofos pré-socráticos e dos primeiros retóricos, continuando com Sócrates, Platão e Aristóteles (428-347 a.C.)
Segundo Görski e Moura (2011), os primeiros a especular, sistematicamente, a respeito da natureza das palavras e das gramáticas foram os gregos e, posteriormente, os romanos. Esse período, conhecido como grego-latino, corresponde aos estudos iniciais dos filósofos présocráticos e dos primeiros retóricos, continuando com Sócrates, Platão e Aristóteles. No entanto, as linhas de pensamento de maior relevância acerca da linguagem estavam divididas entre os platônicos e os estoicos. Ambas as perspectivas compreendiam a linguagem como expressão do pensamento; no entanto, havia uma diferença que criava certa discrepância entre essas partes. A perspectiva platônica, fundamentada em princípios naturalistas – grupo que defendia que a relação entre o significado da palavra e sua forma era “natural” – defendia três pontos de vista: a) os seres e as coisas têm essência permanente; b) a verdade sobre a essência das coisas é absoluta e não variável segundo as crenças das pessoas; e c) a verdade e a essência das coisas
33
devem ser estabelecidas pelas pessoas mais justas e mais razoáveis de uma comunidade; um conselho de homens sábios (GÖRSKI e MOURA, 2011). Esses pontos de vista eram a base para a compreensão platônica de que a relação somsentido era voltada apenas para a representação das coisas, que não podia ser arbitrária ou convencional e que somente os sábios saberiam e definiriam o que as palavras podem significar. A explicação platônica, portanto, para a criação de uma língua era a de que, em algum momento da história, um determinado conjunto de homens justos e sábios definiria a forma e o significado das palavras. Isso deixa claro que as ideias de Platão eram fundamentadas em supostos ideais superiores. Aristóteles, em contrapartida, defendia a tese convencional da linguagem e da relação arbitrária entre palavra e significado. Segundo Junqueira (2003), Aristóteles foi o primeiro a realizar uma análise mais apurada da estrutura linguística. E embora tenha concebido a Gramática Geral como uma ramificação da Lógica Formal, contribuiu com estudos (em torno da teoria da frase, das partes do discurso e categorias gramaticais) que estão presentes em muitos estudos linguísticos atuais. De um modo geral, o debate principal, nessa perspectiva inicial marcada pelos diálogos e refutações entre Platão e Aristóteles, era a oposição entre naturalismo e convencionalismo no uso das palavras. Conforme citam Görski e Moura (2011, p. 16), retomando uma observação de Weedwood (2002, p. 25): “os gregos se perguntavam se a conexão entre as palavras e aquilo que denotavam provinha da natureza, physei, ou era imposta pela convenção, thesei”. Ou seja, a questão de fundo era se a linguagem fazia parte da natureza ou da cultura. Essa disputa se prolongou por séculos, dando permanência a dois grupos opostos: “naturalistas” x “convencionalistas”. A partir do Século II a. C, a discussão passou a ser levantada em torno da regularidade da língua: as palavras gregas para “regularidade” e “irregularidade” eram analogia e anomalia. Assim, os que sustentavam que a língua era essencialmente sistemática e regular, adotando uma postura normativa-purista e preocupandose em estabelecer uma língua ideal, eram chamados geralmente de analogistas; e os que tomavam a posição oposta, anomalistas, reconheciam a existência das irregularidades da língua e preocupavam-se com a língua em sua realidade, no uso (LYONS, 1979, apud SILVA K., 2018). II.
Período que corresponde aos estudos dos estoicos (séc. III-II a.C.)
Conforme Lobato (1986, apud JUNQUEIRA, 2003), foram os estoicos os primeiros a reconhecerem os estudos linguísticos como um ramo da Filosofia. Eles foram os precursores da
34
ideia de que a língua é a expressão do pensamento: a chave para se entender a mente humana. Os estoicos deram contribuições muito importantes e, embora eles tenham se dedicado a questões de pronúncia e de etimologia, seus estudos gramaticais envolveram classes de palavras e paradigmas flexionais. Foram os estoicos que apresentaram a noção de sentença como unidade significativa, o conceito de classes gramaticais e também de signo linguístico. Conforme explicam Görski e Moura (2011), os estoicos desenvolveram os elementos vitais da linguagem: signo, sentido e referente, que dão forma ao processo de significação linguística. Segundo esses autores, os estoicos também contribuíram para formular a noção de classe de palavras, definindo os substantivos, adjetivos, verbos, conjunções etc. De acordo com Lobato (1986, apud JUNQUEIRA, 2003), os estoicos se interessavam pela língua em si mesma; para eles a língua era, antes de mais nada, a expressão do pensamento e dos sentimentos, essa era a perspectiva pela qual a língua era investigada por eles. Essa era uma característica que a escola estoica compartilhava com os estudiosos anteriores: todos desenvolveram o estudo da língua pelo viés filosófico e lógico.
III.
Período que corresponde aos estudos dos Alexandrinos (séc. III/II a. C.)
A preocupação dos alexandrinos em torno da língua não era filosófica ou lógica, como a dos estudiosos anteriores, mas sim literária. Segundo Silva N. (2009) e Gurpilhares (2003), essa preocupação era instigada por dois fatores: o desejo de tornar as obras de Homero 8 acessíveis aos contemporâneos; e a preocupação em estabelecer o uso “correto” da língua, especialmente nos aspectos que envolviam pronúncia e gramática, com o objetivo de preservar e proteger o grego clássico de corrupções. Para tanto, os sábios da Alexandria elaboraram glossários e compêndios gramaticais baseados na língua escrita de grandes escritores. A partir de então, prosperou-se a trajetória dos estudos literários e linguísticos. Bagno (1999) deixa claro que esse objetivo de preservação, idealizado pelos gregos, pautava-se na investigação de regras da língua escrita a fim de estabelecer, com isso, as formas consideradas mais “corretas” e “elegantes” da língua literária. Isso logo esclarece o conceito tradicional da palavra gramática: “a arte de escrever”; advinda do grego téchne grammatiké.
8
Os textos mais conhecidos de Homero são Ilíada e Odisséia, que são lidos, comentados e analisados há mais de dois mil e oitocentos anos (MARQUES JÚNIOR, 2008).
35
Sob as considerações de Neves (2000), foram dos estudos apresentados pelos alexandrinos que se ramificou a disciplina gramatical propriamente dita. Há, portanto, uma herança gramatical advinda de uma forte influência da cultura grega e de seus interesses políticos, econômicos e sociais. A preocupação dos alexandrinos era, de fato, impor sobre os povos “conquistados” toda uma educação calcada na língua e cultura grega. Contudo, conforme pondera Neves (2001, apud GÖRSKI e MOURA, 2011), embora as gramáticas da época adotassem esse interesse pedagógico normativo, objetivando ilustrar a elite, por meio do ensino das boas construções retiradas de obras literárias, havia também uma preocupação com a estrutura da linguagem. Essa preocupação, como exemplifica a autora, foi demonstrada por Dionísio, o Trácio, em sua obra Arte da gramática, cujo estudo era voltado para as classes de palavras com base na flexão de caso9, pelo viés formal da estrutura linguística. Outro gramático alexandrino, cujos trabalhos também ganharam destaque, foi Apolônio Díscolo, o qual foi responsável pelas primeiras aberturas do caminho para os estudos sintáticos, sendo considerado por Neves (2005) como o único gramático antigo que escreveu uma obra completa e independente sobre sintaxe, representando, na época dos imperadores romanos, o ponto máximo da sabedoria gramatical da Antiguidade. O estudo da sintaxe, até então, não fazia parte dos trabalhos gramaticais dos alexandrinos; isto porque, segundo Neves (2005), esse estudo não apresentava nenhum compromisso com a lógica, Apolônio classificou sistematicamente toda a matéria linguística sobre uma base filosófica, tudo o que ele escreveu se apoiava numa filosofia da linguagem constituída exclusivamente sobre a observação da língua grega. Segundo Junqueira (2003, p. 52), os estudos realizados pelos alexandrinos marcaram significativamente o período helenístico, sendo propagados por todo o ocidente e adotados como modelos para todo processo gramatical até os dias atuais; desde seus aspectos nocionais e estruturais até os pedagógicos: A identificação das oito classes de palavras – nome, verbo, particípio, artigo, pronome, preposição, advérbio e conjunção – bem como o reconhecimento de categorias gramaticais relacionadas às classes – caso, tempo, número, gênero, etc. – e os estudos de Dionísio da Trácia [por exemplo] serviram de modelo para o estudo de outras línguas, tais como o latim. Os gregos empreenderam estudos nas áreas da Etimologia (origem das palavras), da Fonética (pronúncia) e da Gramática (morfologia).
Com base nas explicações de Görski e Moura (2011, p. 21), os casos gramaticais são “desinências (afixos) flexionais que servem para marcar a função sintática da palavra à qual se juntam. Como exemplos podem ser citados o caso nominativo (que marca o sujeito da sentença) e o acusativo (que marca o objeto direto). O grego e o latim apresentavam casos. O português não contém marcação de casos gramaticais”. 9
36
Os trabalhos iniciais de Dionísio da Trácia, bem como os de Apolônio Díscolo, contribuíram, portanto, significativamente na orientação de trabalhos de outros gramáticos que viriam a surgir posteriormente. Consequentemente, esses trabalhos representaram as linhas principais para a transmissão dos modelos gramaticais cujos propósitos eram privilegiar e tornar exclusiva o uso da língua de escritores consagrados, estabelecendo padrões normativospuristas, em detrimento das variedades desprestigiadas. Daí advém, conforme Lyons (1995, apud SILVA N., 2009), o caráter elitista atribuído à Gramática Normativa e a seus respectivos princípios/regulamentos, baseados na oposição clássica entre certo e errado, bem como toda a tradição e cultura disciplinar gramatical incorporada nos âmbitos educacionais (NEVES, 2005). Para ilustrar essa tradição, Faraco e Vieira (2016) organizaram um quadro de definições distintas de gramáticas em diferentes instrumentos de gramatização do português, disposto a seguir:
Quadro 1 - Definições de gramáticas Ano
Obra
Autor
Definição
1536
Grammatica da linguagem portuguesa
Fernão de Oliveira
Arte que ensino a bem falar e escrever.
1540
Grammatica da lingua portuguesa
João de Barros
Um modo certo e justo de falar e escrever, colhido do uso e autoridade dos barões doutos.
1770
Arte da grammatica da lingua portuguesa.
Antônio José dos Reis Lobato
Arte que ensino a fazer sem erros a oração portuguesa.
18171819
Breve compendio da Grammatica Portuguesa
Frei Joaquim do Amor Divino e Caneca
Arte que ensina a falar, ler e escrever corretamente a própria língua.
1822
Grammatica Philosophica da Lingua Portuguesa
Jerônimo Soares Barbosa
Arte de falar e escrever corretamente a própria língua.
1868
Gramática Nacional
Vicente R. da Costa Soares
Arte de exprimir nossos pensamentos d’uma maneira conforme as regras estabelecidas pela razão e pelo bom uso.
1888
Gramática Analítica da Língua Portuguesa
José de Noronha N. Massa
Arte que nos ensina as regras adaptadas à perfeição da dicção de qualquer língua, quer escrita, quer falada.
37
1888
Grammatica Portuguesa – Curso Médio
João Ribeiro
Conjunto das regras segundo as quais se fala ou se escreve corretamente a língua.
1890
Serões Grammaticaes
Ernesto Disciplina ou arte de ler, falar e Carneiro Ribeiro escrever corretamente a língua portuguesa.
1907
Gramática Expositiva
Eduardo Carlos Pereira
Estudo das regras para se falar e escrever corretamente a língua portuguesa.
1923
Gramática Elementar da Língua Portuguesa
M. Said Ali
Exposição metódica das regras que ensinam a falar e escrever corretamente.
1937
Gramática Expositiva
Mário Pereira de Exposição dos fatos atuais da língua Souza Lima literária portuguesa e das regras embasadas na velha arte de falar e escrever corretamente.
1957
Gramática Normativa a Língua Portuguesa
Carlos Henrique da Rocha Lima
Disciplina, didática por excelência, que tem por finalidade codificar o uso idiomático, dele induzindo, por classificação e sistematização as normas que, em determinada época, representam o ideal de expressão correta.
Fonte: FARACO E VIEIRA, 2016, p.24, grifos dos autores.
Em síntese, os primeiros agenciamentos territoriais gramaticais foram mobilizados com base em ideais e princípios padronizadores ligados ao contexto da época, propagados desde os primeiros estudos realizados por Dionísio da Trácia. A base dos primeiros movimentos científicos para o processo de gramatização da língua era voltada, especialmente, para construção de regras e normas, generalizadas, para falar e escrever corretamente.
2.3
Territórios(s) linguístico-gramatical(is) da língua portuguesa: dos primeiros agenciamentos territoriais portugueses até as desterritorializações e reterritorializações brasileiras
Como vimos, no tópico anterior, a nossa terminologia gramatical remonta às primeiras gramáticas da Antiguidade. Por conseguinte, as primeiras gramáticas da língua portuguesa, segundo Spina (2008), nasceram do desejo de discipliná-la e tentar afeiçoá-la ao Latim. Esse
38
desejo teve como principal decorrência o gosto pelos estudos dos clássicos, especialmente pelo ensino do Latim e do Grego, iniciados no século XVI por ilustres estrangeiros contratados por reis portugueses para serem mestres de seus filhos. A partir de então, uma série de mestres da cultura clássica passaram a dirigir colégios de preparação para a universidade, desenvolvendo um conhecimento teórico das línguas antigas que serviram como base inicial para o surgimento das primeiras gramáticas e dos primeiros dicionários da língua portuguesa. Entre as primeiras gramáticas se destacam: A Grammatica da Lingoagem, de Fernão de Oliveira, publicada em 1536; a Grammatica da Lingua Portuguesa e, em anexo, o Dialogo em Louvor de Nossa Linguagem, de João de Barros, com publicação em 1540; alguns anos depois, em 1574, Pero de Magalhães de Gândavo publica as suas Regras que Ensinam a Maneira de Escrever a Ortografia da Lingoa com um Diálogo que Adiante se Segue em Defesa da Mesma Lingua; dois anos depois nasce a Orthographia da Lingoa Portuguesa, escrita por Duarte Nunes Leão; e, em 1606, pelo mesmo autor, sai a Origem da Lingua Portuguesa (SPINA, 2008). Contudo, essas gramáticas, que tinham como modelo a Gramática de La Lengua Castellana (1942), de Antônio Nebrija, e por base as próprias gramáticas latinas, apareceram com o propósito de criar uma política cujo objetivo era enaltecer as línguas nacionais e tentar impor o estudo de línguas modernas em detrimento da língua latina (Ibid. 2008). Até aqui, a luta era travada, principalmente, entre a língua portuguesa e o latim, conforme exemplifica Spina (2008, p.288):
Tanto Fernão de Oliveira como João de Barros defenderam as excelências da língua portuguesa, censurada de pobreza vocabular pelos homens doutos da época. É tão extremado o nacionalismo de Fernão de Oliveira, que para ele a fala portuguesa “tem de seu a perfeyção da arte que outras nações aquirem com muyto trabalho” (prólogo); e mais adiante: “[...] e com tudo apliquemos nosso trabalho a nossa língua e nossa gente [...] e nam trabalhemos em língua estrangeira”.
Esse período de gramaticalização representou, portanto, o desejo de desvencilhamento do português, em relação à língua latina, e o florescer de uma nova subjetividade linguística que já seria transformada e enriquecida, posteriormente, a partir do século XVI, com a expansão das navegações, da colonização e do comércio com outros povos “conquistados” (SPINA, 2008). A partir daí é que, ao atingir o século XVII, passa a constar nos registros históricos, não somente “uma modernização do pensamento e, consequentemente, da língua na esteira das transformações culturais europeias, [mas também] uma pequena deriva, sensível mais no
39
léxico, que decorre da presença no Brasil no mundo lusitano” (PINTO, 2008, p.356). Daí o primeiro contato para uma (des)(re)territorialização linguístico-gramatical da língua portuguesa-brasileira, junto a conflitos sociolinguísticos que constituem esse processo: O que temos que “colonos” é apenas uma diluída memória de “colonizador” – e sem trauma –, e, a partir daí, de “herdeiros” de uma língua que não morreu, que continua a florescer com marcas próprias lá e cá, e, ainda, em outros espaços geográficos a que nosso colonizador a levou. Mas, é com realimentações mútuas que lá e cá usamos essa língua comum e cultivamos espaços de história e de vivência. [...] os movimentos que se aferram a um conservadorismo radical no plano linguístico apenas repetem uma característica, natural nas sociedades, de manutenção de padrões, de preservação interna da língua, numa ação que já chamei de “paradoxal defesa da língua contra os próprios falantes, contra sua capacidade de liberdade de expressão, singular na diversidade”. (NEVES, 2008, p. 176)
A fala de Neves, supracitada, é bastante significativa no que diz respeito ao caráter paradoxal das relações estabelecidas entre os territórios – que já mencionamos anteriormente – e seu conteúdo é válido quando o conferimos na história. O contato entre o território português e o território para o qual atribuímos, hoje, a denominação Brasil, inscreve na história períodos de transformações linguísticas que ocorreram mediante um cenário que, por um lado, retrata a beleza do processo de miscigenação, que constituiu um tecido cultural heterogêneo do país, e, por outro lado, retrata a violência do processo colonial alegado pelo primeiro sobre o segundo. Esse cenário controverso, construído por prosperidades e querelas, não poderia passar despercebido no que se refere aos modos pelos quais os caminhos dos territórios linguísticogramaticais brasileiros foram desbravados. Segundo Olinda (2003), investigar a história e a heterogeneidade do português brasileiro é uma condição essencial para o conhecimento das mudanças que ocorreram na gramática brasileira. Segundo essa autora, o processo de normalização de uma língua, na maior parte dos casos, está atrelado a fatores sócio-históricos, políticos e econômicos, e o resultado da seleção e fixação de uma norma é promovido pelos gramáticos, dicionaristas, escritores etc. Logo, essa é razão de esboçarmos, aqui, o cenário sócio-histórico em que se desenvolveu o processo de normalização linguística do português brasileiro. A maioria dos estudiosos costuma organizar o cenário sócio-histórico da língua portuguesa no Brasil em quatro fases distintas. A primeira fase, de acordo com Guimarães (2005), corresponde ao período compreendido entre 1500, no início do processo de colonização portuguesa, e 1654, ano da saída dos holandeses do Brasil. Nesse período, os portugueses, ao entrarem em contato com a nova terra “conquistada”, encontraram uma situação linguística bastante complexa. Isso porque havia ali mais de mil línguas indígenas, faladas por mais de um milhão de indivíduos. Nesse período, as
40
circunstâncias linguísticas eram bastante diversificadas, pois o processo de miscigenação promovera a formação de populações mestiças, nas quais passaram a coexistir a língua portuguesa, as línguas indígenas, as línguas gerais (língua tupi, tupinambá e guarani) e a língua holandesa (outra língua de Estado, também de colonizador) (SILVA H., 2015). Nesse período, conforme Coelho et al. (2014), o modelo educacional era regido pela Companhia de Jesus, a qual realizava a tarefa de evangelizar e gerir as questões dos povos indígenas. Essa tarefa exigia que os missionários conhecessem as línguas indígenas locais a fim de traduzir textos bíblicos para tais línguas. No desenvolver desse trabalho, por conseguinte, foram produzidas gramáticas e dicionários em línguas indígenas com vistas a repassá-los para novos missionários, facilitando as comunicações entre estes e os povos indígenas. Dentre as principais gramáticas produzidas têm-se: a) as gramáticas do Tupi: a Arte de grammatica da lingoa (1595), por Padre Anchieta, e a Arte de grammatica da língua brasílica (1621), por Luiz Figueira; b) a gramática da língua Quiriri: Arte de grammatica da língua Brasília (1699), por Luis Vincencio Mamiami; c) gramática da língua africana Quimbundu: Arte da Língua de Angola (1697), por Pedro Dias; d) sistematização da língua oral de Mina: A obra nova da língua geral de Mina (17311741), por Antônio Peixoto. Inicialmente, o objetivo dessas gramáticas era enfrentar as dificuldades de comunicação entre o português as línguas autóctones. No entanto, tais gramáticas, conforme destaca Coelho et al. (2004, p.16), seguiam um modelo latino de descrição, o que foi questionado, por exemplo, por “Mattoso Câmara Júnior (1965), para quem a prática de descrição das línguas indígenas pelo modelo latino teria produzido um tupi jesuítico artificial, prescritivista e gramaticalmente disciplinarizado para fins missionários”. Além disso, a educação ministrada pelos jesuítas, conforme salienta Olinda (2003, p.156), sustentava uma organização educacional que se programava a partir de suas categorias: “as escolas de primeiras letras para os filhos de portugueses e dos índios; e a educação média, colégios destinados aos meninos brancos que formavam mestres em artes/bacharéis em Letras”. A autora destaca que essa organização educacional, além de determinar os graus de acesso às letras, a uns mais e a outros menos, também não era oferecida às crianças negras, proibidas de frequentar escolas nessa época. A segunda fase corresponde ao período compreendido entre 1654, ano da saída dos holandeses do Brasil, e 1808, ano da chegada da família real portuguesa ao Rio de Janeiro.
41
Nesse período, segundo o referido autor, o quadro das relações linguísticas no Brasil passou por alterações, isto porque o português não concorria mais com o holandês, estabelecendo relação, por conseguinte, somente com as línguas indígenas, principalmente com as línguas gerais, e com as línguas africanas (GUIMARÃES, 2005). A população brasileira, que era predominantemente formada por indígenas – apesar dos extermínios motivados por diversos conflitos, mortes, doenças, e o avanço da imigração portuguesa (Cf. SILVA H., 2015) –, passou a receber, segundo Guimarães (2005), um número crescente de portugueses e de negros que eram trazidos para o Brasil como escravos. Nesse período de avanço imigratório, Portugal, visando a fortalecer o processo de colonização, passou a tomar medidas diretas e indiretas no sentido de desintegrar as línguas gerais. Uma das medidas mais conhecidas é o Diretório dos Índios, documento elaborado em 1755 e publicado em 1757 (Cf. ALMEIDA, 1997). O Diretório tornou-se lei em 1758, vigorando por 40 anos. Esse documento foi instituído com vistas a iniciar uma reforma para novas políticas de implantação da língua da coroa portuguesa no Brasil (BUNZEN, 2011, apud COELHO et al., 2014). Conforme o documento, introduzir um idioma nos povos “conquistados” era uma das formas mais eficazes para “desterrar dos povos rústicos a barbárie dos seus antigos costumes”. As línguas gerais eram consideradas pelos lusitanos como “invenção diabólica e abominável” (Cf. ALMEIDA, 1997). É válido mencionar que essa política linguística, assumida no Diretório, é considerada em Coelho et al. (2004, p.18) como:
[...] autoritária e impositiva, que se materializa, principalmente, pela via de uma política educacional que vai se delineando como interesse da metrópole, conforme se lê no documento. [...] Nota-se, com isso, que o ensino de língua portuguesa serviu, entre outros aspectos, a uma finalidade política e cultural de lusitanização e construção de uma identidade “civilizada” aos moldes das “escolas das nações civilizadas”. Logo, os letramentos, nesse momento, estavam a serviço tanto de interesses missionários, como de interesses lusitanos, estando ambos interligados.
A promoção/imposição de uma educação linguística para os indígenas foi fortemente influenciada por interesses lusitanos. A ideia de “civilizar” e homogeneizar os povos, por meio de uma língua, pressupunha os desejos lusitanos de controlar aquele “povo inferior”, transformando sua cultura e garantindo efetiva ocupação lusitana naquelas terras, pois, como explica Garcia (2007), Portugal, em meio a conflitos territoriais com a Espanha, necessitava de contingente populacional suficiente para habitar suas fronteiras para garantir, desse modo, a permanência de seus domínios.
42
Além disso, Coelho e outros autores (2014) asseveram que embora houvesse uma política educacional voltada para o ensino de leitura e escrita aos indígenas, as escolas públicas eram, essencialmente, ocupadas por filhos de portugueses, em virtude da forte imigração de portugueses para o Brasil, que totalizou, no início do século XVIII, estimadamente 600 mil imigrantes. Esse crescimento imigratório teria contribuído, como explica o autor com base em Oliveira (2009, p. 202), para “a formação de uma classe de elite e, ao redor dela, de elementos marginalizados, que não tinham acesso à escola e que tinham conhecimento rudimentar da língua portuguesa”. Além do Diretório, que também visava a estabelecer as primeiras diretrizes educacionais oficiais no Brasil, foi emitido um alvará, em 1759, por D. José I, então rei de Portugal, que estabeleceu o ensino de Gramática Latina e o exercício de aulas régias de Grego, de Filosofia e de Retórica, sendo indicada como referência para o ensino de Língua Portuguesa a Gramática Portuguesa, cuja inspiração era advinda do modelo latino de António José dos Reis Lobato (BUNZEN, 2011 apud COELHO et al., 2014). O alvará de 1759 foi uma das medidas implantadas pela Reforma Pombalina, a qual representou a substituição do método educacional jesuítico por um sistema educacional sob o controle do Estado e, consequentemente, uma crise na educação do Brasil colônia; isto porque, conforme explica Cordeiro (2009), as aulas Régias eram realizadas de forma isolada, não se articulando com as outras, cada aula era ministrada sob acompanhamento de um único professor que, muitas vezes, estava despreparado para o exercício. A terceira fase do português no Brasil se refere ao período compreendido entre 1808, ano da chegada da família real, e 1826, ano em que se formula a questão da língua nacional do Brasil (GUIMARÃES, 2005). Nesse período, com o nascimento de um sentimento de nacionalidade pelas tradições locais e pelo crescimento da imprensa, proporcionado principalmente pela fundação da Biblioteca Nacional, por Dom João VI, viabilizou-se a importação de impressos pedagógicos:
[...] a Gramática Filosófica da Língua Portuguesa, de Jerônimo Soares Barbosa e a de Antonio de Moraes Silva, Epítome da Gramática Portuguesa, publicada em Lisboa em 1806 e, posteriormente em 1813, com a segunda edição do Dicionário da Língua Portuguesa, mas terminada em 1802. Essa e a anterior inserem-se no movimento de renovação pombalina, apresentando-se favorável à reforma do ensino (Fávero e Molina, 2006, p. 57). Ambas as obras valorizam o “domínio da norma culta como fator de prestígio, pela imitação dos usos dos bons escritores” [...]. Posteriormente vem a lume a Gramática de Frei Caneca, Breve Compêndio de Gramática Portuguesa (escrita em Salvador entre 1817 e 1819). (FÁVERO e MOLINA, 2013, p. 194-195)
43
No entanto, conforme ponderam esses autores, a maioria desses documentos não assumiam, verdadeiramente, um sentimento nacionalista. A respeito disso, Cordeiro (2009) interpreta que, ao consideramos o fato de que a maioria desses documentos vinha de Portugal, deduzimos que o sentimento de nacionalismo se referia, na verdade, à nacionalidade portuguesa. Até mesmo porque o ensino não se tratava da variante brasileira do português, mas sim da europeia. Além disso, esses documentos eram elaborados conforme os moldes latinos e promoviam exercícios de memorização de tópicos gramaticais. A quarta fase, de acordo com Guimarães (2005), começa em 1826, ano em que o deputado José Clemente propôs que os diplomas dos médicos no Brasil fossem redigidos em “linguagem brasileira”. Logo após, em 1827, foi sancionado um Decreto Imperial no qual determinava que “todas as cidades, vilas e lugarejos tivessem suas escolas de primeiras letras” (BRASIL, 1827, p.71), estabelecendo ainda, no Art.6º, que os professores deveriam ensinar: [...] a ler, escrever, as quatro operações de arithmetica, pratica de quebrados, decimaes e proporções, as noções mais geraes de geometria pratica, a grammatica de língua nacional, e os principios de moral christã e da doutrina da religião cathólica e apostolica romana, proporcionados á comprehensão dos meninos; preferindo para as leituras a Constituição do Imperio e a Historia do Brazil. (BRASIL, 1827)
Nesse momento, a língua, que já era oficial do Estado, passa a se transformar de língua de colonizador em língua da nação brasileira. A partir daí afloraram outras questões e debates importantes no âmbito literário e na construção de um conhecimento brasileiro sobre o português no Brasil, conforme Guimarães (2005, p. 25): É dessa época a literatura de José de Alencar que tem debates importantes com escritores portugueses que não aceitavam o modo como ele escrevia. É também dessa época o processo pelo qual os brasileiros tiveram legitimadas suas gramáticas para o ensino de português e seus dicionários. Dessa maneira cria-se historicamente no Brasil o sentido de apropriação do português enquanto uma língua que tem as marcas de sua relação com as condições brasileiras. Pela história de suas relações com outro espaço de línguas, o português, ao funcionar em novas condições e nelas se relacionar com línguas indígenas, língua geral, línguas africanas, se modificou de modo específico e os gramáticos e lexicógrafos brasileiros do final do século XIX, junto com nossos escritores, trabalham o “sentimento” do português como língua nacional do Brasil.
É nesse período, portanto, que o português brasileiro começa a ser reivindicado, enaltecido e a ser mais expressivo, tanto por meio da literatura quanto nos âmbitos escolares, por intermédio dos instrumentos de ensino, tais como gramáticas, dicionários, enciclopédias. Segundo Mota et al. (2017), com base em Orlandi (2002), os primeiros responsáveis pelas gramáticas do século XIX não eram, inicialmente, estudiosos da linguagem, mas historiadores, médicos, engenheiros etc.; dentre estes, Júlio Ribeiro, conhecido como fundador da história da
44
gramática brasileira, e
João Ribeiro, cujos trabalhos imprimiram uma nova orientação
metodológica e remontaram a uma nova síntese do passado brasileiro, contribuíram significativamente para a produção da história do povo brasileiro. A gramatização do português brasileiro, nesse período, no qual a sociedade brasileira vivenciava um contexto de transformações sociais e políticas (com proclamação da independência, processo de industrialização, proclamação da república), esteve, portanto, diretamente voltada para a construção de “sujeito nacional, um cidadão brasileiro com sua própria língua, visível na gramática” (ORLANDI, 2002, p.159). A respeito disso, Costa salienta:
[...] o processo de gramatização brasileiro pode ser entendido como um início de um momento, que vem sendo processado desde antes de nossa independência, em que surgem novos sentidos, em que se configura uma nova subjetividade para o povo brasileiro; não se trata mais simplesmente de um povo colonizado pela metrópole portuguesa, mas de cidadãos de uma nação independente. (COSTA, 2010, p. 27, apud MOTA et al., 2017, p. 558)
Dessa forma, percebemos que a iniciativa de legitimar gramáticas e dicionários do português brasileiro foi motivada pelas diferenças linguísticas existentes entre Brasil e Portugal, que levavam os estudiosos a se questionarem sobre a unidade entre as duas nações. Essa transição linguística – motivada por diferenças quanto aos aspectos sintático-semânticos, lexicais e fonéticos – é representada, aqui, como o processo de desterritorialização do português brasileiro em relação ao português de Portugal. A construção de uma nova gramatização, pela afirmação de uma identificação, não somente linguística, mas cultural, política social, representa a reterritorialização – a busca por uma nova terra. Na passagem dos séculos XIX e XX, essa busca se intensifica por meio da uniformização de um saber metalinguístico, com a criação de compêndios gramaticais e também com o decreto que estabelece a Nomenclatura Gramatical Brasileira (NGB), o qual estabeleceu, conforme Orlandi (2002, apud BALDINI, 1999), a homogeneidade de uma terminologia. Nesse período há uma preocupação maior em construir um saber sobre a língua que, por conseguinte, será concretizada nos compêndios gramaticais. Essa preocupação se intensifica ainda mais a partir na passagem dos séculos XX e XXI. Da década de 1999 até 2014, segundo Vieira e Faraco (2016), prosseguiu-se um período de muita produção de gramáticas brasileiras, tais como: Gramática dos usos do português, de Maria Helena de Moura Neves, em 2000; Gramática Houaiss da língua portuguesa, de José Carlos de Azeredo, em 2008; Gramática do brasileiro, de Celso Ferrazi Junior e Iara M. Teles,
45
em 2008; Gramática do Português brasileiro, de Mário Perini, em 2010; Nova gramática do português brasileiro, de Ataliba Teixeira de Castilho, em 2010; Gramática Pedagógica do português brasileiro, de Marcos Bagno, em 2012; Gramática da língua portuguesa padrão, de Amini Hauy, em 2014. Atualmente, essas gramaticais representam uma “virada linguística do processo de gramatização brasileira do português”, apontado para a emergência de um novo paradigma ou de novos paradigmas de gramatização, novas configurações epistemológicas (Ibid. 2016, pp. 37-38), um movimento de desterritorialização em relação aos primeiros agenciamentos territoriais constituídos pelo pensamento gramatical tradicional, refletindo simultaneamente no processo de ensino aprendizagem dos aspectos gramaticais da língua portuguesa e dando origem a uma rede de gramáticas, cada qual com sua própria linha de abordagem. Daí começamos a avistar os territórios gramaticais da língua portuguesa-brasileira.
2.4
(Des)(re)territorialização das concepções e do processo de ensino-aprendizagem dos aspectos gramaticais da língua portuguesa
O que me parece, no fundo, é que nós - tanto leigos como estudiosos do assunto - não temos sabido muito bem fazer a avaliação dessa disciplina que incomodou e revoltou a tantos nos bancos escolares, mas que, ultimamente, tem sido tão avidamente perseguida pelo homem comum, que, agora, a busca e a respeita como algo “do bem” e não “do mal”, como antes lhe parecia. Estranho mistério! (NEVES, 2015, p. 19)
A disciplina de Língua Portuguesa foi instituída como ramo de estudo linguístico de caráter científico ao cabo do século XIX, e, embora o país já fosse independente, esses estudos ainda eram fortemente voltados para gramática da língua portuguesa e para a leitura de autores portugueses ou autores brasileiros que se sobressaíam pela imitação dos clássicos. Nesse estudo, o alunado era exposto a bons textos da tradição literária a fim de imitar e seguir o paradigma do bem escrever (SOARES, 2012, apud MOTA et al., 2017). Essa proposta de ensino, considerada atualmente como tradicional, ou tradicionalista, passou a colocar o ensino de língua portuguesa nas esteiras de um processo escolar que levava professores e alunos ao exercício exaustivo e excessivamente normativo dos aspectos gramaticais fundamentados nos estudos da metalinguagem, nas prescrições gramaticais, nos estudos de regras e nas resoluções de problemas. Nessa metodologia, os conteúdos eram organizados em blocos estanques, sendo praticados de forma centralizada, em si mesmos, tendo pouca ligação com as práticas linguísticas de uso e desconsiderando o caráter de multiplicidade da língua (SILVA, 2011).
46
Entre a passagem da década de 80 para a de 90, essa metodologia de ensino foi posta em questão, com mais força, por intermédio principalmente da ação de estudiosos da área da linguística, os quais, segundo Faraco e Castro (1999), contribuíram de forma original na percepção do modo como era tratado o ensino de linguagem, apontando fragilidades encontradas no método tradicional ao lidar com as diferenças culturais e linguísticas do aluno. De acordo com os PCN (1998, p. 18), as críticas mais frequentes ao ensino de tradicional eram as seguintes: ▪ ▪ ▪ ▪ ▪ ▪
a desconsideração da realidade e dos interesses dos alunos; a excessiva escolarização das atividades de leitura e de produção de texto; o uso do texto como expediente para ensinar valores morais e como pretexto para o tratamento de aspectos gramaticais; a excessiva valorização da gramática normativa e a insistência nas regras de exceção, com o consequente preconceito contra as formas de oralidade e as variedades não-padrão; o ensino descontextualizado da metalinguagem, normalmente associado a exercícios mecânicos de identificação de fragmentos linguísticos em frases soltas; a apresentação de uma teoria gramatical inconsistente, uma espécie de gramática tradicional mitigada e facilitada.
Nesse ínterim, desenvolveu-se um movimento de renovação, iniciado pelas reformas curriculares e de cursos de formação continuada para professores da rede pública, tendo como foco principal de discussão a concepção escolar gramatical, e mais tarde, por documentos oficiais, como os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), tendo como foco os objetos de ensino – a noção de gênero em articulação com a do texto enquanto objeto central de ensino. No geral, o principal intento dessas reformas era modificar, senão substituir, o trabalho puramente normativo com os aspectos gramaticais, em benefício de uma nova perspectiva de ensino que fosse capaz de abarcar a realidade multifacetada da língua (FARACO; CASTRO 1999; SILVA W., 2011). Nessa perspectiva, as propostas apresentadas vieram orientar para a reflexão gramatical na prática pedagógica, intermediada por práticas de produção e interpretação de textos junto à atividade metalinguística, sendo esta última um apoio para a discussão dos aspectos da língua. Para tanto, as práticas deveriam comtemplar a diversidade de textos e gêneros a fim de proporcionar ao aluno o contato com diferentes padrões de fala e escrita, levando-o a adaptar sua fala e escrita às condições do contexto de comunicação (BRASIL, 1998). Assim, a ciência linguística mudou, significativamente, os rumos do pensar e do fazer em relação ao ensino de língua(gem). Com o surgimento dos estudos variacionistas – do ramo da sociolinguística – a variação linguística foi reconhecida como um processo natural da
47
linguagem, o que contribuiu para que se iniciasse um processo de superação de preconceitos linguísticos. O desenvolvimento dos estudos sobre oralidade – do ramo da análise da conversação – contribuiu para a construção de uma concepção relativista do padrão, considerando a possibilidade de vincular a escolha do padrão à modalidade de língua, em uma atividade na qual o indivíduo, ao perceber as características particulares de cada situação, procura se adequar, atendendo às necessidades da comunicação (NEVES, 2015). O que tem nos inquietado é que, apesar desses avanços, ainda é possível perceber certa dicotomia entre dois grupos: a) aqueles que sustentam a ideia/ideal de um padrão modelar – os quais, segundo Neves (2015), são gramáticos tradicionais, que ainda adotam uma visão distorcida acerca da gramaticalidade e também o povo, que tem fascínio pela “boa linguagem”; e b) aqueles que procuram distanciar-se o máximo da tradição gramatical, o que, para Faraco e Castro (1999), não representa uma atitude positiva, uma vez que é preciso admitir que a tradição gramatical ainda é a principal fonte de referência de normatização da linguagem-padrão falada e escrita do país; além disso, ela também fornece uma metalinguagem bastante útil no trato das línguas humanas. Segundo esses autores, foram justamente as propostas dos linguistas que, de certa forma, contribuíram para o surgimento de outra visão distorcida: a “exclusão da gramática”. Diante desses dois modos de visão, criou-se e propagou-se uma noção desequilibrada em torno não somente da natureza gramatical, mas também da disciplina gramatical, que a levou à configuração de práticas instáveis: uma que reduz seu trabalho à taxonomia e à nomenclatura em si e por si, desvinculando-o das variedades, das “zonas de imprecisão ou de oscilação, inerentes à natureza viva da língua” (NEVES, 2015, p. 18), pressupondo a existência de uma língua homogênea e cultivando o preconceito linguístico; e outra que, confrontando a primeira, reduz a aula de língua portuguesa apenas ao trabalho com textos, rejeitando a gramática no tratamento escolar da língua; postura pouco favorável, uma vez que além de ignorar a importância da linguagem-padrão escrita, também cultiva certo preconceito em relação a mesma, na medida em que distancia o aprendiz da linguagem considerada de prestígio (Ibid. 2015). Além dessas práticas, é válido mencionar uma que emergiu do esforço de alguns professores em aderir às novas perspectivas pedagógicas, cujo método se constitui, conforme explica Faraco e Castro (1999), em: fazer a integração dos dois vieses, resultando em uma junção de pressupostos de entendimento e de trabalho com a linguagem de forma antagônica, isto é, na junção eclética de concepções de linguagem que ora privilegiam o trabalho com o texto, olhando a linguagem pela via da interação, ora partem para o estudo gramatical de forma
48
cristalizada e monolítica, recaindo na concepção gramatical tradicional e, ainda, usando o texto como pretexto. Diante desse quadro, consideramos que os avanços impulsionados pelos linguistas representam, de fato, uma possível linha de fuga, uma abertura para uma desterritorialização, isto é, houve, com efeito, um esforço para modificar a realidade do ensino de língua portuguesa. No entanto, esse movimento, aqui, é considerado, ainda, como abertura, pois ainda se dá de modo indeciso e, por isso, não promove de modo significativo ou com mais intensidade uma desterritorialização. As propostas não são refutáveis, pelo contrário, são bem recebidas, porém parece haver um empecilho, alguma insuficiência que impede que a teoria seja realizada na prática. Pois, se, por um lado, as propostas conseguem destaque no âmbito científico, por outro lado, nos âmbitos do ensino, parecem ter enredado práticas desnorteadas. Essa situação nos leva a pressupor que, de alguma forma, as coisas não estão claras. Concordamos com o fato de que as mudanças não ocorrem de modo fácil, rápido e significativamente abrangente, por uma série de fatores que talvez ultrapassassem os limites deste trabalho. É preciso mencionar também sobre a ingenuidade de supor uma resposta definitiva para os problemas. Contudo, é preciso examinar a realidade – e aqui recorremos à crítica foucaultiana (2000, apud VEIGA-NETO, 2016) – segundo o funcionamento das ações que a constituem, revirando-a e recusando os limites de nosso presente. Pensando em demonstrar, grosso modo, a situação descrita e perceber os fatores que têm influenciado na intensidade e na velocidade do processo de desterritorialização gramatical e, por conseguinte, no de reterritorialização, realizamos os questionamentos indicados nos subtópicos a seguir.
2.4.1 Como tem sido discutido o processo de desterritorialização gramatical no plano dos debates, propostas e diretrizes em benefício de novas práticas de ensino?
Conforme postulam os PCN, a escola deve estar apta a oferecer condições para que o aluno desenvolva seus conhecimentos através de exercícios que possibilitem os seguintes passos: a) ler e escrever em consonância com seus propósitos e com as demandas sociais; b) expressar-se de forma adequada em situações de interação oral diferentes daquelas próprias de seu universo imediato; c) refletir sobre os fenômenos da linguagem, especialmente sobre os que estão atrelados à questão da variedade linguística, promovendo o combate da estigmatização, discriminação e preconceitos referentes ao uso da língua (BRASIL, 1998b, p. 59). No documento, essas determinações correspondem a um exercício de articulação entre duas
49
instâncias: a) uso da língua oral e escrita, que responde pelas práticas de escuta e de leitura, e pelas práticas de produção de textos orais e escritos; b) reflexão sobre a língua e a linguagem, que assinala as práticas de análise linguística. Nessa perspectiva, a metodologia reflexiva, enquadrada na prática de análise linguística, trata-se, segundo Geraldi (1997), de uma atividade que ultrapassa a simples classificação, categorização, isto é, memorização de regras trabalhadas em situação de uso descontextualizado da língua e, segundo esse autor, [o] uso da expressão “análise linguística” não se deve ao mero gosto por novas terminologias. A análise linguística inclui tanto o trabalho sobre as questões tradicionais da gramática quanto questões amplas a propósito do texto, entre as quais: coesão e coerência internas do texto; adequação do texto aos objetivos pretendidos; análise dos recursos expressivos utilizados (metáforas, metonímias, paráfrases, citações, discurso direto e indireto etc.); organização e inclusão de informações. (1997, p. 74)
Em afirmação, os PCN, apoiando essa metodologia gramatical reflexiva apresentada por Giraldi, estabelecem que, “quando se pensa e se fala sobre a linguagem, realiza-se uma atividade de natureza reflexiva, uma atividade de análise linguística” (1997, p. 30); e, como propõe o documento, essa atividade deve ser engendrada a partir da articulação entre as “atividades que se podem classificar como epilinguísticas e metalinguísticas, [considerando ambas como] atividades de reflexão sobre a língua, mas que se diferenciam nos seus fins” (Ibid.). As atividades epilinguísticas têm sua reflexão voltada para o uso, no próprio interior da atividade; e as atividades metalinguísticas, por sua vez, estão atreladas a um modo de análise voltado para a descrição, por meio de categorização e sistematização dos elementos linguísticos. Desse modo, percebemos que as propostas para o ensino de língua portuguesa estão direcionadas não para um exercício que exclua o trabalho com a metalinguagem ou que leve à uma suposta escolha entre “análise linguística x ensino de gramática”. Vemos a promoção de articulação entre metodologias diferentes que se conectam entre si. Para tanto, espera-se que o profissional de Letras tenha um consistente conhecimento gramatical e domínio de concepções em torno do texto, do discurso, dos gêneros discursivos e da língua(gem) como interação. Basicamente, esse é o atual paradigma para o ensino de língua portuguesa.
2.4.2 Como tem se desenvolvido o processo de desterritorialização dos professores de língua portuguesa em relação às novas perspectivas de ensino? Neste subtópico apresentamos um conjunto de quatro pesquisas realizadas em tempo e locais diferentes. O objetivo, com esta sucinta exposição, é perceber o modo e a velocidade
50
com os quais os professores de língua portuguesa têm conseguido acompanhar o processo de desterritorialização gramatical. Pesquisa 1 – No ano de 1990, Neves realizou uma pesquisa com 170 professores do ensino fundamental (5º a 8º séries) e do ensino médio no estado de São Paulo. Os resultados da pesquisa, quanto ao objetivo de se ensinar gramática, apontaram que quase 50% dos professores faziam indicações relacionadas ao bom desempenho do aluno na habilidade de expressar, comunicar e compreender; cerca de 30% voltavam-se para as questões normativas ligadas à correção, conhecimento de regras e conhecimento de padrão culto; quase 20% voltavam-se para o aspecto teórico relacionado à aquisição de estrutura da língua ou apreensão dos padrões da língua; e 1% dos professores declarava dar aulas para cumprir o programa. Quanto à funcionalidade de ensinar gramática, a maioria das indicações fazia referência ao bom desempenho linguístico, principalmente voltado para a ideia de ascensão social na vida prática, seja em concursos e demais atividades sociais e profissionais. Embora outros tenham apontado que não “servia para nada”. Quanto ao que era ensinado, Neves registrou que os exercícios de classificações de classes de palavras e de funções sintáticas correspondiam a 75,56% das atividades. Além disso, o modo de ensino baseava-se 50% em exercitação gramatical partindo de textos; 45% a partir da teoria; e 5% das próprias lições. No geral, a pesquisa verificou que grande parte dos professores, embora tenha sido despertada para uma crítica aos valores da gramática tradicional, ainda continuava a ministrar aulas por meio de atividades meramente classificatórias. Pesquisa 2 – Uma pesquisa feita por Ferraz e Olivan (2011), com acadêmicos do curso de Letras, da Universidade Federal da Paraíba e da Universidade Federal de Santa Catarina, apontou que, em relação às concepções acerca dos conceitos sobre gramática e ensino, houve um avanço. No entanto, os resultados dessa pesquisa apontaram que, embora tivessem consciência de que deveriam modificar o ensino baseado somente na metalinguagem, os acadêmicos ainda não tinham bom esclarecimento acerca dos conceitos mínimos referentes a distinções gramaticais, não conseguindo colocá-las em prática. Pesquisa 3 – Uma pesquisa realizada por Sousa (2015), no estado do Paraná, com 68 professores (de idades e de tempos de formação variados), de 11 escolas distintas da rede municipal e estadual, também apontou avanços. Segundo a pesquisa, a maioria dos professores buscava alternativas para modificar os estudos gramaticais, utilizando, para isso, atividades lúdicas e exposição de textos. No entanto, como analisou o pesquisador, esses professores ainda realizavam um trabalho com a junção de duas perspectivas, gramática tradicional e análise
51
contextualizada, sem articulá-las entre si; isto é, por um lado ministravam aulas contextualizadas, mas, por outro lado, abordavam conteúdos gramaticais na lousa, por meio de frases soltas, como no método tradicional. Pesquisa 4 – Uma pesquisa realizada por Duarte e Oliveira (2017), no estado do Tocantins, com vinte professores atuantes na rede pública de ensino, formados pela Universidade Federal do Tocantins, entre o período de 2006 e 2016, apontou que esses professores demonstravam dificuldades de adaptação ao sair da universidade e ao adentrarem na área de atuação profissional. Nessa pesquisa, 60% relataram não ter condições de realizar um trabalho docente mediante as sugestões dadas pelos professores da universidade, isto porque lhes faltavam material, estrutura, tempo para planejamento, além de não apresentarem uma formação qualitativamente eficiente. Ao serem questionados sobre quais seriam as maiores dificuldades para um professor de língua portuguesa na escola pública, os principais problemas citados foram a indisciplina, o desinteresse, as dificuldades de aprendizagem, sendo que 50% estão relacionados à gramática. É preciso ressaltar que não buscamos definir um caráter específico de pesquisa. O conjunto de pesquisas apresentado é composto por variadas categorias, servindo apenas para termos uma pequena noção de como os partícipes do contexto educacional inerente ao ensino de língua portuguesa têm se adaptado às novas perspectivas de ensino, seja na universidade (como acadêmicos), seja nas escolas (como professores recém-formados ou veteranos). O que foi possível apreender, diante das pesquisas apresentadas, é que ocorre, com efeito, um avanço percebido pela mudança de concepções acerca dos conceitos e das metodologias que envolvem os estudos gramaticais, bem como pela tentativa de modificação de práticas iniciadas pela maioria dos professores. Entretanto, foi possível perceber que ainda há muitas incertezas em relação ao modo como realizar essa prática, por diversos fatores. Embora as pesquisas apresentadas sejam limitadas a âmbitos específicos, todos hão de concordar que a situação pode ser extensiva a todo o país.
2.5
Destaque para algumas considerações
Com este capítulo, pudemos intuir, portanto, que a língua é igualmente um território, maior do que a gramática, uma vez que inclui o léxico, a própria gramática implícita, além de outras gramáticas. O processo de (des)(re)territoriliazação linguístico-gramatical, nessa perspectiva, corresponde aos processos constitucionais e transformacionais (tanto relativos quanto absolutos) que uma língua realiza durante todo seu percurso evolutivo (diacrônico e
52
sincrônico). Tais transformações podem ser atreladas a diversos fatores: seja por influência do tempo, seja pelo contato entre diferentes componentes linguísticos, ou ainda por fatores de ordem social, econômica, cultural, religiosa, política, podendo implicar alterações em toda estrutura de uma língua, como perda, troca, substituição ou aquisição de novos componentes linguísticos. Também foi possível perceber que os primeiros agenciamentos para a construção de territórios gramaticais foram mobilizados em decorrência de diversos fatores, no sentido de criar espaços de identificações subjetivas, mas sob a ótica do controle e da disciplina, isto é, de códigos sociais de imposição de limites. Daí propagou-se uma tradição que, de certa forma, fez com que o(s) território(s) gramatical(is) da língua portuguesa se resumissem em somente um: o território gramatical normativo entendido como modelar, unidade superior e controladora – situação que, de certa forma, implicou um sentimento de aversão, tanto por parte de professores quanto de alunos, em relação ao processo de ensino-aprendizagem dos aspectos teóricogramaticais da língua portuguesa. Em virtude dessa limitação territorial, como vimos, é que foram realizados os movimentos de desterritorialização para afirmações de novos códigos, isto é, mudanças no léxico e nos padrões ou estilos literários em geral, assim como também ocorreram mudanças na organização dos aspectos gramaticais e, posteriormente, nas suas concepções e abordagens no processo de ensino-aprendizagem. No entanto, como constatamos, por meio do levantamento bibliográfico de pesquisas sobre essa temática, esse movimento de desterritorialização caminha a passos lentos e ainda não possui uma consistência teórico-prática para que professores possam se sentir mais seguros como partícipes efetivos nesse processo.
53
3
DESCRIÇÃO E ANÁLISE DO MODO COMO OS PROCESSOS DE (DES)(RE)TERRITORIALIZAÇÃO GRAMATICAIS SÃO APRESENTADOS NO PROJETO PEDAGÓGICO CURRICULAR DO CURSO DE LETRAS DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO TOCANTINS (UFT), CAMPUS ARAGUAÍNA
Como vimos no segundo capítulo, os atuais movimentos científicos em torno do ensino de língua portuguesa têm apontado para um novo paradigma de ensino em benefício de uma superação do modelo tradicional (desterritorialização). Para tanto, a proposta principal (reterritorialização) é construir um ensino que promova uma integração efetiva do trabalho da metalinguagem junto à análise linguística por meio da diversidade de gêneros textuais. Nessa perspectiva, o que se espera é que o profissional de Letras, entre outras habilidades, possa lançar mão de um conhecimento teórico-gramatical consistente e, articulado a isso, concepções necessárias em torno do texto, dos gêneros discursivos e da língua(gem) como interação, sendo sua prática pedagógica resultado dessa aliança. Esse novo paradigma de ensino requer, entre outras medidas, que, para a formação desse profissional, o corpo docente e a própria organização didático-pedagógica do curso tentem, em um esforço coletivo, engajar o acadêmico no exercício do pensar e do fazer em consonância com sua realidade. Aqui entra outro desafio bastante discutido entre os estudiosos: aquele referente à dicotomia entre teoria e prática – que, embora seja considerada falsa, ainda é uma problemática persistente. Uma das competências que devem ser adquiridas pelos professores de língua(gem) é saber realizar a transposição didática entre os conhecimentos aprendidos no percurso de sua graduação e os conhecimentos a serem trabalhados em suas aulas. Mas essa tarefa ainda parece ser um dos maiores obstáculos propostos aos novos profissionais pela universidade contemporânea. Daí a importância de que sejam realizados, nesse contexto, estudos sobre o modo como têm sido desenvolvidos os métodos e as técnicas para a qualificação desse profissional. Neste capítulo, trataremos do processo de (des)territorialização em relação às concepções e aos processos de ensino-aprendizagem inerentes aos aspectos gramaticais da língua portuguesa, dentro das temáticas que abordam o currículo e a formação de professores no curso de Letras, UFT, Campus Araguaína. Para tanto, apresentamos o que se segue: 1) um sucinto acompanhamento do percurso teórico desenvolvido em torno do currículo, abordando principalmente a teoria curricular tradicional, a crítica e a pós-crítica; 2) um apanhado dos pressupostos teóricos que envolvem o conceito de PPC, junto a uma reflexão sobre a articulação
54
entre teoria e prática; e, afinal, 3) apresentamos o tópico de descrição e análise do PPC de Letras, da UFT, dividido em quatro subtópicos nos quais abordamos as concepções e os objetivos do curso, a articulação entre a teoria e a prática, a disposição teórica gramatical no programa das disciplinas do curso e, ainda, outros fluxos que perpassam a formação e carreira de profissionais da docência.
3.1
As teorias do currículo Sem dúvida, as questões e debates voltados para a temática do currículo têm sido
cruciais no âmbito das discussões sobre educação. Os termos e as definições correlatos à natureza do currículo são diversos, mas a noção geral que temos é a de que o currículo se trata de um plano pedagógico, desenvolvido por professores, escolas e sistemas educacionais, no qual são dispostos conteúdos a serem ensinados e aprendidos; organizados e selecionados procedimentos metodológicos de acordo com os diferentes níveis da escolarização. Essa noção, no entanto, tem sido bastante repensada em vista da enorme expansão de um campo vasto e conflituoso de pesquisas e concepções acerca do desenvolvimento do conhecimento, do processo de ensino-aprendizagem e das percepções acerca do mundo educacional. Para Lopes e Macedo (2011), encontrar uma definição para o currículo não é uma tarefa fácil devido a sua hibridização no cotidiano educacional. Desde os guias curriculares propostos pelas redes de ensino até aquilo que acontece na sala de aula, o currículo vem sendo significado como “grade curricular com disciplinas/atividades e cargas horárias, o conjunto de ementas e os programas das disciplinas/atividades, os planos de ensino dos professores, as experiências propostas vividas pelos alunos (p. 19)”; e, dentro dessa correlação de conceitos, encontra-se um aspecto comum que relaciona o currículo à ideia de “organização, prévia ou não, de experiências/situações, de aprendizagem realizada por docentes/redes de ensino de forma a levar a cabo um processo educativo”. No entanto, conforme contestam aquelas autoras, essa cadeia de definições tem como pano de fundo uma série de questões que vêm sendo objeto de disputas na teoria curricular. Com o intuito de perceber o modo como tem se desenvolvido essa disputa é que revisamos esse tema – sem explorá-lo em demasia, mas apreendendo sua relevância –, associada ao percurso teórico em torno do currículo. A realização desse movimento de percepção tem sua justificativa na própria necessidade de fazermos uma (re)leitura das ações e posições dos sujeitos, dos discursos e da distribuição dos conceitos no espaço da ordem dos fatos.
55
Geralmente, o arcabouço teórico desenvolvido acerca do currículo é dividido em três concepções: as teorias tradicionais, as teorias críticas e as pós-críticas. Na vertente tradicional, desenvolvida na primeira metade do século XX, as teorias curriculares foram fomentadas, principalmente, pela administração científica, também conhecida como Taylorismo. A rápida urbanização e as necessidades de trabalhadores para o setor produtivo foram os propulsores para o aumento das demandas em torno da escolarização. Nessa corrente teórica, Franklin Bobbitt foi um dos mais conhecidos defensores do currículo instrumental e prescritivo, cuja principal função era manter o controle social através de princípios ligados à ordem e à eficiência. Nessa perspectiva, o currículo era pensado como um mecanismo de gestão e de organização burocrática, supostamente neutra, que reconhecida a figura do professor como transmissor de conhecimentos, a figura do aluno como receptor, o âmbito escolar como setor comercial ou industrial, em um tal sistema educacional que fosse capaz de especificar, de forma precisa, os resultados que pretendia obter e de estabelecer métodos para obtê-los com precisão. Desse modo, a principal preocupação era como fazer currículo, quais conteúdos selecionar e organizar para adequar o jovem aprendiz segundo os parâmetros da sociedade industrial e prepará-lo para a vida política e econômica (LOPES e MACEDO, 2011; SILVA T., 2009). A partir da década de 60, o surgimento das concepções críticas do currículo levantou uma série de propostas que, desenvolvidas no plano teórico das concepções marxistas, passaram a refletir sobre hegemonia, ideologia e poder, promovendo uma inversão dos fundamentos das teorias tradicionais. Nessa perspectiva, a preocupação se constituiu em definir o real papel do currículo, questionar seu caráter controlador e reprodutivo e confrontar o status quo. Autores como Louis Althusser, Pierre Bourdieu, Jean Claude Passeron e Paulo Freire, no Brasil, passaram a apontar para um currículo que agia como um instrumento político e ideológico cuja função era a de perpetuar os interesses (políticos, econômicos, socioculturais) das classes dominantes e legitimar as desigualdades sociais desenvolvidas no seio da sociedade capitalista. Nesse contexto é que surgiu o conceito de currículo oculto, compreendido como aqueles aspectos que não são descritos ou explícitos no currículo oficial, mas que perpassam a dinâmica escolar de forma implícita e contribuem para aprendizagens sociais relevantes (SILVA T., 2009). Surgiu, ainda, as proposições em torno da Pedagogia do Oprimido, de Paulo Freire, cujas propostas apontaram para uma prática de liberdade dos métodos de opressão da pedagogia dominante (FREIRE, 1987). Nesse movimento crítico, conforme Lopes e Macedo (2011, p.29), passaram a constar nas agendas dos estudos curriculares questões como: “porque esses e não outros conhecimentos
56
estão nos currículos; quem os define e em favor de quem são definidos; que culturas são legitimadas com essa presença e que outras são deslegitimadas por aí não estarem”. Vemos aí os primeiros movimentos para a construção de uma visão curricular que pudesse contemplar, mais que um conjunto ordenado e coordenado de conteúdos, uma estrutura crítica e assumida como espaço de defesa e das lutas no âmbito social e cultural. Na passagem da década de 70 para a de 80, surgem as teorias pós-críticas, uma terceira corrente de estudos acerca do currículo que confronta as duas anteriores. As teorias pós-críticas são aquelas influenciadas, principalmente, pela pós-modernidade e pelo pós-estruturalismo. E, embora essas teorias representem uma ruptura com as teorias críticas e com o estruturalismo, elas estão, conforme explicam Lopes e Macedo (2011), vinculadas a estas últimas correntes, assumindo alguns de seus pressupostos e confrontando outros. Nessa transição teórica – que nas discussões científicas, em geral, não representa nem aliança nem uma dicotomia –, o que claramente distingue as teorias pós-críticas das demais é sua descrença na noção de sujeito emancipado, isto é, de um “eu” puramente afetado pelos interesses de poder. Não se acredita mais em alienação, como nas teorias críticas, mas na formação de uma subjetividade história e social. Daí afloram os discursos a favor da relação entre currículo e multiculturalismo, da valorização da diferença, em detrimento de metanarrativas e discursos totalizadores e universais. E assim, nascem as propostas que, calcadas no discurso da diversidade e no multiculturalismo – diferenças de gênero, sexualidade, etnia, raça, religião etc. –, buscam a promoção de uma educação intercultural. Nesse contexto são questionadas, então, noções de verdade e de certeza, sendo que o conhecimento passa a ser compreendido como o conjunto dos resultados de discursos instáveis ou, aproveitando uma expressão de Lopes e Macedo (2011, p. 41), como o conjunto de “sistemas simbólicos e linguísticos contingentes”. Os questionamentos passam a ser produzidos, portanto, em torno da legitimidade do conhecimento e dos atos de poder que alteram suas significações conforme a perspectiva contextual, ou seja, a concepção de currículo passa a constituir-se como prática discursiva, sendo uma prática de poder, mas também de significação e atribuição de sentidos. Desse modo, como a noção de poder não está atrelada ao Estado, o conhecimento se torna uma prática discursiva capaz de veicular e produzir poder. Podemos compreender melhor a distinção entre as teorias curriculares supracitadas por meio do quadro a seguir:
57
Quadro 2 - Conceitos das diferentes teorias do currículo Teorias Tradicionais
Teorias Críticas
Teorias Pós-Críticas
ensino
ideologia
identidade, alteridade, diferença
aprendizagem
reprodução cultural e social
subjetividade
avaliação
poder
saber-poder
metodologia
classe social
significação e discurso
didática
capitalismo
representação
organização
relações sociais de produção
cultura
planejamento
conscientização,
gênero, raça, etnia, sexualidade
emancipação e libertação eficiência
currículo oculto
multiculturalismo
objetivos
resistência
---
Fonte: SILVA, 2007, p. 17, apud PINHEIRO, 2009.
Essa síntese demonstra, de forma clara, o enfoque de cada vertente teórica. A perspectiva tradicional prima pela organização técnica e mecânica do conhecimento, a partir dos princípios da eficiência. A vertente teórica crítica, como uma espécie de denúncia, desconfia do status quo, confrontando a hegemonia da cultura dominante sobre o conhecimento e orientando para a conscientização e libertação das classes marginalizadas. A terceira, em contrapartida, complementa a anterior, colocando em questionamento as noções de sujeito e as de verdade, dando ênfase à diferença e ao multiculturalismo, à desconstrução de metanarrativas e à construção de subjetividade, e, ainda, à visão do conhecimento como instrumento de poder. Cada vertente teórica acompanha as transformações e os anseios de seu tempo. Atualmente, as discussões gerais em torno do currículo são guiadas pelas noções e princípios ligados à interculturalidade, ao multiculturalismo e à valorização da diferença etc. Com esse avanço, outras problemáticas têm sido levantadas, principalmente aquelas atreladas à necessidade de uma organização que possa contemplar tais noções e princípios no(s) corpo(s) do currículo (planejamento, conhecimento, disciplina, integração curricular, prática, cultura, identidade, política). Surgem cada vez mais questionamentos sobre o caráter dos conteúdos disciplinares, sobre a inter/transdisciplinaridade e sobre a associação entre teoria e prática, entre outros. Nessa empreitada, têm-se destacado trabalhos que tomam o currículo como rede/território, segundo a concepção de uma tessitura complexa de conhecimentos, práticas, contextos. Tais trabalhos, em sua maioria, têm como referências as proposições de Michel
58
Foucault, Gilles Deleuze, Félix Guattari e Boa Ventura de Sousa Santos, bem como fazem articulação com os pressupostos de Edgar Morin. Nesta pesquisa, como abordaremos com mais detalhes no capítulo quarto, assumimos tal concepção, tendo como suporte teórico principal Deleuze, Guattari e Morin; e considerando o currículo tal qual Paraíso (2009): como um território composto de heterogeneidades, constituído por matérias de natureza distintas, por diversos saberes, múltiplos sentidos e inúmeras possibilidades, incluindo também ordenamentos, linhas fixas, corpos organizados e identidades majoritárias, com a possibilidade de linhas de fugas e de desterritorialização.
3.2
O Projeto Pedagógico de curso: caminhos para aliar a teoria à prática
Segundo Mariano (2016), um Projeto Pedagógico de Curso (PPC) é o resultado de uma ação intencional estabelecida, de modo coletivo, pelo corpo docente de uma universidade, com vistas a corresponder às opções e às escolhas de caminhos e prioridades para a formação do profissional desejado. Nesse sentido, o PPC, em sua dupla dimensão, deve primar pela orientação e condução do presente e do futuro de uma formação profissional comprometida, isto é, uma formação que esteja em conformidade com as Diretrizes Curriculares Nacionais, estabelecidas pelo Ministério da Educação, que possa atender às demandas acadêmicas voltadas para as peculiaridades do profissional desejado. Isso implica a necessidade de que os pressupostos do PPC estejam articulados com as metas estabelecidas no Projeto Pedagógico Institucional (PPI) e com o Plano de Desenvolvimento Institucional (PDI) da instituição proponente. Como bem nos assegura Vasconcellos (2004), o PPC é o plano global de uma instituição, podendo ser percebido como sistematização, nunca definitiva, de um processo de Planejamento Participativo, cujos aperfeiçoamentos e objetivos são realizados durante a caminhada, procurando estabelecer com clareza o tipo de ação educativa que se pretende realizar. Trata-se de um importante caminho e instrumento teórico-metodológico para a transformação da realidade. Por isso, o PPC, percebido como instrumento de ação política, deve estar em sintonia com novas visões de mundo, expressas nos paradigmas emergentes científicos e educacionais, com vistas a garantir uma formação global e crítica para os partícipes nesse processo, capacitando-os para o exercício da cidadania, para a formação profissional e para o pleno desenvolvimento pessoal (VEIGA, 2004).
59
Entre suas diversas finalidades, o PPC deve atingir as seguintes metas: a) revelar a intencionalidade, os objetivos educacionais, profissionais, sociais e culturais e, ainda, os rumos para o curso; b) demonstrar a reflexão que se desenvolve acerca das ações e formas de intervenção na realidade; c) possuir uma profunda coesão interna e atender às normativas institucionais e governamentais; d) estabelecer as concepções pedagógicas, bem como as orientações metodológicas e estratégicas para o processo de ensino-aprendizagem, para a sua avaliação, para o currículo e para a estrutura acadêmica do seu funcionamento (LUCE, 2011). Nesse sentido, o PPC, mais do que uma formalidade, permite: uma reflexão sobre a educação superior, sobre o ensino, a pesquisa e a extensão, a produção e a socialização dos conhecimentos, sobre o aluno e o professor e a prática pedagógica que se realiza na universidade. O projeto político-pedagógico é uma aproximação maior entre o que se institui e o que se transforma em instituinte. Assim, a articulação do instituído com o instituinte possibilita a ampliação dos saberes. (VEIGA, 2004, p.25)
Tendo em vista que o PPC de um curso atua, portanto, como um plano de reflexão e de ação que busca articular as orientações estabelecidas em seu bojo com a (trans)formação do acadêmico, é válido pensar que suas disposições pedagógicas estejam em constante (re)análise. Os estudos de Tardif et al (1991) consideram que os diversos tipos de saberes, tais como os das disciplinas curriculares, profissionais e da experiência, são os principais integrantes da prática docente, sendo que o professor se relaciona de forma distinta com cada um deles. Conforme esse autor: Com os saberes das disciplinas curriculares e de formação profissional [os professores] mantêm uma “relação de exterioridade”, ou alienação, porque já os recebem determinados em seu conteúdo e forma (...). Portanto, esses conhecimentos não lhes pertencem, nem são definidos ou selecionados por eles. (...) Não obstante, com os saberes da experiência, o professorado mantém uma “relação de interioridade”. E por meio dos saberes da experiência, os docentes se apropriam dos saberes das disciplinas, dos saberes curriculares e profissionais. (TARDIF, 1991, p.8)
Desse modo, faz-se necessário que esse processo de transição, planejado/orientado pelo currículo, seja constantemente repensando com vistas a procurar melhores caminhos para aproximar ainda mais os saberes teóricos dos saberes relativos à prática, verificando, a partir daí, quais influências a organização curricular pode exercer sobre a prática docente, bem como quais mudanças podem ser mobilizadas frente a possíveis falhas nesse processo. Como foi possível perceber no segundo capítulo [subtópico 2.4.2], as práticas docentes em relação ao ensino de língua portuguesa estão em transformação e, nesse processo, a maior dificuldade observada está relacionada ao modo como articular a teoria à prática. A esse
60
respeito, Veiga-Neto (2016, p.20) nos lembra de que não há como separar teoria e prática, isto porque “a teoria já é uma prática”. Contudo, esse autor adverte que “ao mesmo tempo, não há prática – ou, pelo menos, prática que faça sentido, que seja percebida como tal – sem uma teoria no interior da qual ela, a prática, faça sentido”. Desse modo, em virtude das problemáticas já mencionadas, em torno do processo de (des)(re)territorialização das concepções e do processo de ensino-aprendizagem dos aspectos gramaticais da língua portuguesa, inquieta-nos os seguintes questionamentos: o acadêmico de Letras, ou recém-formado, tem conseguido encontrar caminhos mais seguros a fim de incorporar o novo paradigma de ensino em sua prática pedagógica? Quais desafios a universidade têm encontrado para abrir e possibilitar o acesso do acadêmico a esses caminhos? Para refletir sobre esses questionamentos, Ferraz e Olivan (2011) colocam dois desafios diante dos responsáveis pela formação dos profissionais em Letras. Em primeiro lugar, a necessidade de considerar que o ingressante no curso de Letras não necessariamente tem domínio da modalidade padrão; sendo comum, segundo as autoras, que os acadêmicos apresentem, por exemplo, dificuldades em interpretar e produzir textos em conformidade com tal modalidade. Isso pode ser, inclusive, resultado das próprias aulas de língua portuguesa às quais tiveram acesso enquanto alunos na educação básica. O segundo desafio consiste no direcionamento teórico/prático do curso: a necessidade de fazer com que o acadêmico estimule seu conhecimento para o seu próprio domínio da língua, junto ao conhecimento de teorias que envolvem a língua(gem), e, paralelamente, prepará-lo para uma ação pedagógica a partir da discussão sobre o conceito, o modo e a finalidade do ensino de língua portuguesa. Para lidar com esses desafios, o caminho aparentemente mais urgente a se fazer é aquele sugerido pela necessidade de romper, de modo mais significativo, com as percepções conceituais e metodológicas do ensino tradicional de gramática, promovendo, para isso, um estudo mais abrangente das áreas da linguística – como um dos movimentos para a desterritorialização gramatical. Diante dessa necessidade, a principal hipótese que levantamos é a de que o espaço curricular para as disciplinas básicas de língua portuguesa vem se tornando resumido. Isso, obviamente, não significa dizer que essa abrangência dos estudos da área da linguística é antagônica aos estudos gramaticais, pelo contrário, a linguística, como já mencionamos anteriormente, tem contribuído significativamente para a promoção de debates, discussões e melhorias para esses estudos, principalmente na educação básica.
61
No entanto, retomando uma argumentação de Ferraz e Olivan (2011), pressupõe-se que se conteúdos teórico-gramaticais não são trabalhados no meio acadêmico, passam a ser, então, uma busca individual por parte dos discentes, o que pode ser visto como problema, uma vez que a opção teórico-metodológica pelas práticas de Análise Linguística – alternativa apresentada pelos linguistas face aos problemas dos estudos gramaticais tradicionais – requer conhecimento gramatical por parte do professor. Essa é a hipótese principal que tem nos direcionado no debate dessas questões e nos procedimentos analítico-reflexivos a seguir apresentados.
3.3
Descrição e Análise do PPC de Letras
A descrição e a análise apresentadas têm como corpus o PPC de Letras, da Universidade Federal do Tocantins (UFT), situada no Campus de Araguaína10. Como já exposto anteriormente, consideramos o currículo como um território composto de matérias distintas e de sentidos múltiplos; por isso, embora o foco da análise esteja direcionado para a investigação do modo como as disciplinas inerentes ao estudo da língua(gem) são organizadas e disponibilizadas na estrutura do currículo, especificamente na parte que corresponde à Habilitação em Língua Portuguesa e suas Respectivas Literaturas, também abordaremos, nesta seção, outros aspectos que contornam o curso, os quais, denominados de fluxos, compreendem o contexto populacional que o envolve (considerando a sua localização regional) e, ainda, aspectos atrelados à sua posição no contexto geral dos cursos de licenciatura. Para melhor disposição didática, organizamos esta análise da seguinte maneira: 1)
Inicialmente, analisamos como a proposta curricular do curso acompanha o processo de (des)(re)territorialização gramatical no bojo de suas concepções e objetivos gerais. Para isso, buscamos fazer uma relação entre o conjunto de concepções e objetivos apresentados pelo PPC, o caráter populacional que abriga o curso (composição étnica segundo cor e raça) e, ainda, entre os anseios contemporâneos em torno do currículo. Vale ressaltar que, por delimitação
10
Por delimitação temática não adentramos no contexto histórico de implantação dessa universidade, podemos esclarecer, grosso modo, que a UFT foi instituída pela Lei 10.032, de 32 de outubro de 2000, sendo uma entidade pública vinculada ao Ministério da Educação destinada a promover ensino, pesquisa e extensão.
62
temática, consideramos apenas o contexto regional principal no qual o curso está localizado, o estado do Tocantins. 2)
Em seguida, buscamos perceber como se dá o processo de (des)(re)territorialização gramatical segundo as propostas de articulação entre a teoria e a prática no programa das disciplinas. Para isso, demos ênfase ao modo como o programa é dividido entre as duas habilitações, à articulação dos objetivos entre as disciplinas e à divisão da carga horária prática e teórica. Tal busca fora incitada pelos próprios questionamentos apanhados no andamento da pesquisa por meio do levantamento bibliográfico em torno dos problemas enfrentados pelos professores no processo de adaptação às novas perspectivas de ensino [subtópico 2.4.2].
3)
Analisamos, ainda, se as disciplinas contemplam os territórios gramaticais dentro das constatações, acerca da disposição teórico-gramatical, realizadas a partir dos seguintes pontos de vista: a) quantitativo, percebendo o espaço desses conhecimentos no programa curricular; e b) qualitativo, avaliando o modo como se configuram no plano das ementas e principais indicadores bibliográficos.
4)
Afinal, realizamos um breve apanhado teórico, de cunho bibliográfico, para refletirmos sobre os fluxos que contornam a formação e a carreira dos profissionais da docência, acompanhando o itinerário formativo do professor e percebendo com quais forças esse profissional entra em relação, quais fluxos perpassam seu modo de vida acadêmico e profissional. Para tanto, usamos como principal referência bibliográfica as pesquisas de Gatti e Barreto (2009) reunidas em Professores do Brasil: impasses e desafios, trabalho financiado pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), cujo conteúdo fornece uma demonstração consistente em torno do panorama de formação e inserção profissional dos professores no contexto socioeconômico e cultural do país.
3.3.1 Concepções e objetivos gerais – como a proposta curricular do curso acompanha a (des)(re)territorialização gramatical?
Para refletir sobre o modo como a proposta curricular do curso acompanha o processo de (des)territorialização gramatical no aspecto de suas concepções e objetivos gerais, realizamos uma revisão sobre os seguintes aspectos: a) as concepções do curso; b) o perfil desejado do profissional de Letras; c) as habilidades na habilitação de Língua Portuguesa/Literaturas (H1). Nesta seção inicial, apresentamos os espaços físicos, sociais e
63
científicos nos quais o currículo analisado habita, o contexto sócio geográfico do estado do Tocantins e o da universidade, e, também, o lugar das aspirações científicas educacionais em torno do currículo. O objetivo de apresentar e analisar tais aspectos é perceber onde/em que o currículo do curso de Letras está situado, para quem e porquê ele se propõe e, a partir de então, relacionar essa percepção ao processo de (des)(re)territorialização gramatical. Na Habilitação em Língua Portuguesa e em suas Respectivas Literaturas, o profissional de Letras, como está exposto no documento analisado, é capacitado para atuar no ensino Fundamental e Médio, sendo destacado dentre suas competências:
[...] o domínio do uso da língua portuguesa no que concerne a sua estrutura, ao funcionamento e manifestações culturais e literárias, valorizando sua variedade e a diferença, sendo que o profissional deverá ser capaz, a partir de sua fundamentação teórica, de refletir criticamente sobre a linguagem e o ensino, fazendo uso de novas tecnologias e compreendendo sua formação como processo contínuo e autônomo. (CRUZ et al., 2009, pp. 22-23)
Para a construção desse perfil, o curso se baseia em concepções que sustentam o compromisso voltado para a promoção da “superação de um modelo de educação excludente, o qual atende aos interesses e à ansiedade de uma classe econômica socialmente privilegiada”, buscando, para isso, “atender às problemáticas dos grupos minoritários e da inclusão”, isto é, da “maioria da população que não faz parte de classes políticas e econômicas dominantes” (Ibid., 2009, p.19). As concepções do curso, portanto, estão voltadas para o fortalecimento e para a viabilização de “grupos que, ao longo da história, foram marcados pela exclusão social, tais como: índios, negros, mulheres e alunos egressos da rede pública de ensino” (Ibid., 2009, p.19), com vistas a possibilitar que tais grupos possam alçar para o centro das questões de interesses sociais, políticos e econômicos (especificamente os locais/regionais), conseguindo, assim, qualificação profissional para lidar, tanto com os processos de ensino-aprendizagem linguísticos, quanto com os problemas sociopolíticos. Segundo o documento analisado, essas concepções estão volvidas por políticas de extensão voltadas para o desenvolvimento profissional de seus partícipes; preocupando-se, ainda, com a diversidade e com o fomento de debates voltados para os temas relacionados à igualdade racial. Esse posicionamento curricular tem um caráter importante no âmbito universitário, na medida em que entra na luta contra os interesses das classes dominantes e da exploração capitalista (Cf. CUSTÓDIO, FOSTER e SUPERTI, 2013). O discurso político-curricular condiz com a realidade histórico-social do território geográfico no qual se situa, o Tocantins é
64
o estado mais jovem do Brasil, sendo criado em 5 de outubro de 1988, a partir do desmembramento do norte do estado de Goiás, em um contexto de resistências e buscas por melhores alternativas socioeconômicas e políticas diante das adversidades. Segundo Vieira (2011), Essa região tinha um dos maiores índices de analfabetismo e de baixa cobertura escolar. Em regiões como no Bico do Papagaio, o analfabetismo passava de 50%. Havia poucas escolas, principalmente públicas, e por isto o acesso dos jovens e crianças era muito difícil. Antes de ser emancipado o Estado havia algo em torno de 70 municípios nessa região. Os municípios eram grandes e havia grandes extensões territoriais. As pessoas tinham que mandar seus filhos para regiões muito distantes, para continuar seus estudos e muitas famílias da região de Miracema mandavam seus filhos para Tocantínia e Pedro Afonso. As famílias que tinham mais posses iam para Goiânia ou Maranhão.
A criação do estado do Tocantins representou, portanto, uma busca para mudar a realidade da região no sentido de possibilitar que a mesma alcançasse o desenvolvimento. Junto a essa busca foram iniciadas as primeiras mobilizações para a criação de uma universidade para o estado, essa tarefa, segundo Cruz et al (2009, p.13), foi uma das primeiras a ser assumida pelo novo governo e, de início, dentre os vários objetivos propostos nessa empreitada, objetivou-se criar uma universidade “com a cara do Tocantins, isto é, talhada, organizada e implantada para dar respostas, principalmente, às necessidades do novo Estado e da região do Norte do Brasil”. No que se refere ao seu aspecto populacional étnico, o estado do Tocantins tem uma população composta por imigrantes de várias regiões do Brasil, sendo um território fortemente marcado pela mestiçagem. Segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostras de Domicílios (PNAD) (2014), dispostos abaixo, 77,6% da população tocantinense é composta por pretos e pardos, o que pressupõe que essa população seja predominantemente negra.
Tabela 1 - Composição étnica da população do Tocantins segundo cor e raça População segundo cor/raça Total
2014 1.501.282
Brancos Negros (pretos e pardos)
329.098 1.165.041
Outros (amarelos, indígenas e não declarados)
7.143
Fonte: PNAD 2014, apud UNIBANCO, 2017. Elaborado pelo Instituto Unibanco – Gerência de Gestão do Conhecimento e adaptado pelos autores.
Além disso, também são incluídas, na composição étnica tocantinense, comunidades indígenas de variadas etnias – Karajá, Karajá Xambioá, Javaé, Xerente, Krahô, Krahô-Kanela e Apinajé, além de vinte e nove comunidades quilombolas (Cf. MUNIZ e ALBUQUERQUE,
65
2017; GONÇALVES, 2012). Diante desse contexto, o propósito curricular político-afirmativo frente à necessidade de ascensão socioeconômica e cultural dos grupos minoritários – louvável diante da necessidade cada vez mais urgente de romper com as desigualdades sociais existentes e com as raízes da exclusão – caracteriza-se como o que Negri (2006), inspirado em Deleuze, chama de ação de resistência contra o silenciamento da diferença; de afirmação das singularidades contra a abstração do universal. Essa luta busca realizar, portanto, uma manutenção da realidade e da subjetividade de sujeitos históricos, marginalizados e determinados pelas condições materiais da existência. No que se refere às concepções de linguagem, o documento adota o seguinte posicionamento: [...] enfatizamos questões de ordem social, política e econômica que perpassam as manifestações da linguagem, uma vez que essa última é o nosso principal objeto de estudo. A escolha que se concebe como língua padrão ilustra bem nosso interesse por essas questões. Não há fatores linguísticos que justifiquem tal escolha, mas não faltam argumentos de ordem social, política e econômica que expliquem a imposição de uma dada variedade linguística sobre outra. Os grupos minoritários, vítimas de inúmeros preconceitos linguísticos, normalmente, encontram-se na posição desprestigiada por terem que silenciar o seu falar e aceitar a denominada língua de prestígio. Nos estudos de linguagem, pesquisas mostram que o valor atribuído à variedade linguística depende exclusivamente da posição social ocupada por seus falantes. Igual atenção será dada às reflexões em torno da literatura, daí a presença de estudos da literatura amazonense e tocantinense, a portuguesa de expressão africana, a referente ao homoerotismo e a produções populares e indígenas. (CRUZ et al., 2009, p.19)
É notório que a concepção do curso vai de encontro com o processo de imposição de variedade linguística. Esse posicionamento se sustenta no sentido de desmitificar a ideia da existência de uma “língua padrão”, considerando-a não como “escolha”, mas como imposição (um fato histórico-social inegável), visando, portanto, a enaltecer as formas de expressões de grupos minoritários, por intermédio, especialmente, da via literária, dando lugar “aos estudos da literatura amazonense e tocantinense, da portuguesa de expressão africana, da referente ao homoerotismo e das produções populares e indígenas” (Ibid. p.19). Para tal concepção, encontramos fundamento na própria realidade étnica e no contexto de formação do estado do Tocantins, que, como já vimos, abriga uma grande diversidade cultural e, consequentemente, linguística. Assim como em todo o país. Obviamente, essa diversidade linguística não está somente ligada à diversidade étnica ou cultural, segundo Bagno (2003, p. 16), a verdade é que no Brasil, embora a língua falada pela grande maioria da população seja o português, esse português apresenta um alto grau de diversidade e de variabilidade, não por causa da grande extensão territorial do país que gera as
66
diferenças regionais, bastante conhecidas e também vítimas, algumas delas, de muito preconceito, mas principalmente por causa da trágica injustiça social que faz do Brasil o segundo país com a pior distribuição de renda em todo mundo.
Há, portanto, um entrecruzamento de fatores que implicam na realidade sociolinguística de determinada região e, sendo os fatores socioeconômicos incluídos nesse processo, é indubitável que construir caminhos que possibilitem uma formação e uma educação mais igualitária e compromissada com o fortalecimento de minorias pode implicar, portanto, não somente um melhor desenvolvimento socioeconômico, mas também contribuir para uma realidade educacional mais bem estruturada de suas gerações, com menos déficits de aprendizagem e melhores índices educacionais, com mais acesso aos capitais de prestígios e, simultaneamente, com formação mais crítica para reivindicar suas singularidades e lidar com as diferenças sociais e com a dinâmica da sociedade globalizada. Nessa perspectiva, voltando-se para políticas públicas de empoderamento de grupos minoritários – que possam debater os mecanismos de dominação e discriminação –, o curso se configura “com o objetivo de formar profissionais críticos para o magistério, os quais saibam avaliar estratégias didáticas mais adequadas que, ao permitir ou facilitar o acesso aos capitais de prestígio, não eliminem as particularidades dos indivíduos”; com o compromisso de fortalecer “as minorias, contribuindo com o deslocamento dessas pessoas das margens para o centro das questões de interesse, principalmente local e regional” (Ibid., 2009, p.20). Para a formação desse profissional, o curso tem, em consonância com as orientações das Diretrizes Curriculares Nacionais, os seguintes objetivos: Quadro 3 - Objetivos do curso de Letras – Habilitação 1 I.
Formar alunos que possuam consciência das variedades linguísticas e culturais, respeitando-as e valorizando-as;
II.
capazes de refletir teoricamente sobre a linguagem, utilizando para isso de subsídios de diferentes teorias e abordagens;
III.
capazes de fazer uso de novas tecnologias;
IV.
que compreendam sua formação profissional como processo contínuo, autônomo, dialético e permanente;
V.
competentes para a reflexão crítica em torno de temas e questões relativas aos conhecimentos linguísticos e literários;
67
VI.
que atuem no Ensino Fundamental e Médio, comprometidos com a qualidade do ensino e a formação de cidadãos críticos e participativos, tendo em vista as transformações sociais para uma sociedade mais justa e democrática;
VII.
que articulem o conhecimento teórico a reflexões em torno da prática pedagógica, atendendo às especificidades de sua área de atuação;
VIII.
que sejam capazes de refletir criticamente sobre as dinâmicas que envolvem o espaço escolar, compreendo-o sob aspectos sociais, econômicos, históricos e políticos;
IX.
interculturalmente competentes, capazes de utilizar com criticidade as diferentes linguagens, especialmente a verbal, nas mais diversas situações de interlocução, variando os registros, as modalidades e os gêneros, de acordo com as intenções comunicativas;
X.
éticos e conscientes de sua inserção na sociedade, principalmente no que corresponde a sua área de atuação profissional;
XI.
que dominem o uso da língua ou das línguas que sejam objeto de seus estudos, em termos de sua estrutura, funcionamento e manifestações culturais;
XII.
competentes para trabalhar interdisciplinarmente e em equipe.
Fonte: Elaborado pelos autores com base em Cruz et al. (2009, pp. 22-23).
Consideradas essas competências, pretende-se, ainda, que o profissional formado seja capaz de: Quadro 4 - Habilitação em Língua Portuguesa e suas Respectivas Literaturas
I.
comprometer-se com as transformações sociais necessárias à construção de uma sociedade mais justa, igualitária e democrática;
II.
compreender as dinâmicas que envolvem os processos sociais advindos de modelos econômicos excludentes;
III.
analisar criticamente os discursos e práticas que emergem das esferas de poder das instâncias públicas e privadas, agindo de modo crítico, consciente e responsável para a garantia dos princípios democráticos e da solidariedade humana;
IV.
atuar profissionalmente sob os princípios da ética, do respeito, do diálogo e da responsabilidade;
V.
comprometer-se com um ensino de qualidade;
68
VI.
compreender a dimensão social da escola, analisando o processo de ensino e aprendizagem nas relações com o contexto histórico-social e participando coletiva e cooperativamente dos projetos construídos na escola;
VII. VIII.
fomentar o diálogo e a parceria entre escola e comunidade; respeitar a diversidade cultural e linguística, levando em conta na organização de atividades escolares as características peculiares dos alunos e da comunidade na qual a escola se insere, os temas emergentes relativos a essa realidade, estabelecendo prioridades e objetivos para a prática pedagógica;
IX.
conhecer e dominar os conteúdos básicos e usos relativos à linguagem oral e escrita referentes à língua materna e às suas respectivas literaturas;
X.
refletir analítica e criticamente sobre a linguagem como fenômeno psicológico, educacional, social, histórico, cultural, político e ideológico;
XI.
desenvolver uma visão crítica em torno das perspectivas teóricas adotadas nas investigações linguísticas e literárias, que fundamentam sua formação profissional;
XII.
fazer uso de diferentes tecnologias e recursos na promoção efetiva da aprendizagem dos alunos;
XIII.
criar, planejar, realizar, gerir e avaliar as situações didáticas haja vista a aprendizagem e o desenvolvimento dos alunos;
XIV. organizar o tempo, o espaço e modos de grupamento de alunos para favorecer a interlocução e a aprendizagem; XV. utilizar diferentes estratégias de comunicação de conteúdos, definindo as mais adequadas a cada situação; XVI. estabelecer relações de autoridade e confiança junto aos alunos; intervindo nas dinâmicas do processo educacional com sensibilidade, compromisso, ética, respeito e responsabilidade; sistematizando e socializando sua prática pedagógica; XVII. elaborar projetos pessoais de estudo e trabalho; XVIII. desenvolver-se profissionalmente e ampliar seu horizonte cultural; XIX. manter-se atualizado diante de novas abordagens teóricas, analisando criticamente seu alcance. Fonte: Elaborado pelos autores com base em Cruz et al. (2009, pp. 23-24)
Até aqui foi possível perceber que a concepção curricular está engajada no movimento de desterritorialização diante das estruturas de saberes-poderes linguísticos dominantes, com vistas a construir uma educação linguística voltada para a diversidade, fundamentada na
69
interculturalidade. O termo intercultural, que, segundo Albuquerque (2014), expressa reciprocidade entre duas ou mais culturas, geralmente, associa-se a outros termos como diversidade cultural ou multiculturalismo e tem ganhado bastante destaque recentemente em discussões e debates científicos, bem como em textos constitucionais. Uma razão disso é o próprio movimento pelo qual as sociedades se transformam, tornando-se cada vez mais heterogêneas e, necessitando, cada vez mais, de interação. A cultura, segundo Lopes e Macedo (2011), está intrinsecamente ligada à educação e ao currículo; as autoras alertam que essa temática não é de abordagem simples, uma vez que a teoria curricular assume muitos significados, especialmente no panorama contemporâneo em que o conceito de cultura, especialmente o conceito geral, tem sido colocado em questão intensificando ainda mais a disputa em torno do que ensinar e de como representar as diferentes culturas no currículo:
As mudanças tecnológicas aproximando os sujeitos no espaço e no tempo, a globalização econômica, o fim da Guerra Fria, os fluxos migratórios são alguns dos ingredientes que criam uma atmosfera favorável ao maior fluxo de pessoas entre culturas. Os movimentos sociais diversos – étnicos, de gênero, LBGT (lésbicas, gays, bissexuais, transexuais e transgêneros), religiosos – se juntam às críticas marxistas denunciando a exclusão de suas culturas dessa tal cultura geral. Essa cultura, de caráter universal, é posta em questão por sociedades que se mostram, a cada dia, mais multiculturais. (LOPES e MACEDO, 2011, p. 185)
Por abrigar essa multiplicidade cultural, o território curricular é, então, conflituoso e, por isso, as propostas recentes enfocam o diálogo, a interação, numa perspectiva que vá além do controle da diversidade. Daí a importância das discussões sobre o multiculturalismo no campo do currículo movimentadas por Vera Candau e Antônio Flávio Moreira, em benefício de uma concepção curricular que contemple o equilíbrio entre igualdade social e pluralidade cultural (LOPES e MACEDO, 2011). Formar um profissional de Letras, mediante essa concepção curricular, pressupõe, portanto, a criação de caminhos para que ele possa adentrar e transitar pelos mais diversos meios linguísticos que o circundam, de forma crítica, articulatória e coemergente, isto é, de forma a perceber e reconhecer a pluralidade e a importância de promover a igualdade sem julgar e discriminar. No entanto, como verificamos no segundo capítulo, o processo de desterritorialização dos professores de língua portuguesa em relação às novas perspectivas de ensino tem caminhado a passos lentos, uma vez que o professor ainda está revisando suas concepções e suas práticas, as quais podem ser, inclusive, modelos/resultados das concepções e práticas pelas quais fora submetido em sua época escolar; e ainda não percebeu, com clareza, maneiras para
70
aliar os conhecimentos teóricos à sua prática. Diante desse contexto, fomos direcionados a analisar a organização da matriz curricular a partir de um enfoque que se volta para essa dificuldade, a partir dos seguintes questionamentos: como se dá o processo de (des)(re)territorialização gramatical no conjunto das propostas para aliar a teoria e a prática no programa das disciplinas? Essas disciplinas contemplam caminhos para uma reterritorialização mais profícua desse processo?
3.4
Organização da matriz curricular: articulação entre a teoria e a prática no programa das disciplinas
A organização do PPC de Letras, conforme o próprio documento, realizou-se em consonância com a Resolução CNE/CES 18/2002, a qual institui as Diretrizes para os Cursos de Letras, e pela CNE/CP 2/2002, que estabelece diretrizes em relação à duração e carga horária do curso. Segundo o documento, os princípios fundamentais que o norteiam são os seguintes: ▪
interdisciplinaridade;
▪
respeito à diferença;
▪
atendimento às minorias. Com base nesses princípios, o curso de Letras está organizado em duas habilitações
distintas: Língua Portuguesa e Respectivas Literaturas (H1) e Língua Inglesa e Respectivas Literaturas (H2). Desse modo, a matriz é dividida em três núcleos:
1) Núcleo Comum (do 1º ao 4º período) - correspondente às disciplinas obrigatórias e comuns às duas habilitações:
Quadro 5 - Disciplinas obrigatórias e comuns às duas habilitações - Núcleo Comum Disciplinas: Currículo, Política e Gestão educacional Didática
Objetivo Geral: Refletir sobre o currículo escolar contemporâneo a partir de teorias críticas e pós críticas.
Educação e Tecnologias contemporâneas
Refletir sobre diferentes aspectos que envolvem a inserção de novas tecnologias no universo do conhecimento e suas implicações para a educação.
Compreender a Didática como referencial teórico da educação que possibilita ao profissional da educação uma visão multidimensional de sua prática.
71
Filosofia da Educação;
Utilizar as contribuições da filosofia na reflexão pedagógica, estabelecendo relações entre os sistemas filosóficos e as teorias educacionais.
Fundamentos da Educação Inclusiva
Refletir sobre a realidade brasileira, no que diz respeito à educação especial e inclusiva, além de familiarizar-se com a organização e os recursos humanos nela envolvidos, desenvolvendo conhecimento sobre os princípios fundamentais e sua influência para os paradigmas que norteiam a inclusão.
Introdução aos Refletir sobre conceitos fundamentais nos estudos linguísticos. Estudos Linguísticos Letramento Literário Conceito de letramento literário e implicações teórico-metodológicas no contexto escolar. Letramento literário e hábito da leitura. Análise de práticas de letramento literário na escola do Ensino Básico. Língua Brasileira de Aprender Libras como instrumento necessário para atuar no ensino de Sinais pessoas com deficiência auditiva. Língua Inglesa I
Iniciar a prática de compreensão e produção oral e escrita. Dar início aos estudos da fonologia da língua inglesa.
Língua Inglesa II
Desenvolver as habilidades produtivas e receptivas da língua inglesa em nível elementar.
Língua Inglesa III
Aprimorar as habilidades produtivas e receptivas da língua inglesa em nível elementar.
Língua Inglesa IV
Aprimorar a competência comunicativa em língua inglesa.
Morfologia
Propiciar ao aluno à compreensão da estrutura e funcionamento do componente morfológico. Criar condições para que o aluno possa compreender o sistema morfológico do Português e de outras línguas; bem como analisar textos teóricos e neles identificar a constituição do léxico. A disciplina pretende possibilitar ao educador um conhecimento crítico e competente dos ordenamentos legislativo e normativo que regem a sociedade brasileira, especialmente no que se refere às relações da escola com a sociedade e os dispositivos que regulamentam a vida intra-escolar. Outra finalidade será a compreensão da maneira de se articular a realidade da unidade escolar onde atua com as exigências dos sistemas de ensino, a fim de se atingir os objetivos preconizados pela legislação do País. Utilizar os pressupostos teóricos da Pragmática na compreensão dos fenômenos que envolvem os contextos de uso linguístico, permitindo ao acadêmico conhecer a relação entre a estrutura da linguagem e aspectos sociais de significação e comunicação.
Políticas Públicas em Educação
Pragmática
Prática de Produção Investigar diferentes concepções de linguagem, assumindo, para a Textual disciplina, a noção de linguagem como processo de interação, compreendendo os mecanismos de textualidade como orientação para a produção escrita e construção de sentidos do texto falado e escrito os processos referentes à produção e circulação de gêneros textuais ou
72
discursivos, em diferentes situações de interação social, enfatizando gêneros/escrita/fala acadêmicos. Psicologia do Desenvolvimento
Oportunizar o estudo e a compreensão do desenvolvimento humano e suas relações e implicações no processo educativo.
Psicologia da Aprendizagem
Oportunizar o estudo e a compreensão dos processos de aprendizagem e suas relações com as diferentes dimensões do fazer pedagógico, levando em conta o ser em desenvolvimento e a aprendizagem continuada. Refletir sobre os estudos linguísticos que tratam da descrição da competência semântica dos falantes, das relações semânticas e dos aspectos estruturais relativos à significação linguística, nos planos lexical e sentencial.
Semântica
Sintaxe
Investigar o funcionamento, a organização e a categorização da estrutura sintática em duas perspectivas de estudos linguísticos: tradicional (estudos prescritivos) e gerativistas (estudos explicativos e descritivos), fornecendo ao graduando subsídios para que se inicie no campo da investigação linguística.
Sociologia da Educação
Conhecer as teorias e concepções clássicas e fundamentais das Ciências Sociais objetivando compreender a relação educação e sociedade.
Teoria da Literatura: Propiciar aos alunos subsídios para reconhecerem e analisarem textos texto narrativo literários dos gêneros épico e dramático. Teoria da Literatura: Propiciar aos alunos subsídios para reconhecerem e analisarem textos texto poético literários do gênero lírico. Trabalho de Conclusão de Curso I Trabalho de Conclusão de Curso II
Elaboração de projeto de pesquisa referente ao Trabalho de Conclusão de Curso. Pesquisa bibliográfica. Desenvolver, concluir e defender o Trabalho de Conclusão de Curso.
Fonte: Elaborado pelos autores com base em Cruz et al. (2009, pp. 44-94).
Como pode ser visto no quadro acima, o núcleo comum é, em quase toda a sua totalidade, composto por disciplinas de cunho teórico-pedagógico. Junto à composição desse núcleo foram evidenciados poucos objetivos consistentes e menções sobre a realização de um trabalho que propusesse uma aproximação maior com o ambiente da escola. Quando mencionamos sobre essa carência de propósitos referimo-nos à ausência de alusões a um trabalho, anterior ao estágio obrigatório, que oportunize ao aluno a percepção de como funciona a realidade do ambiente escolar (seja por meio de visitas ao ambiente escolar, seja por intermédio de curtas entrevistas com professores atuantes nesse ambiente, ou, ainda, por outras
73
ações semelhantes às que são desenvolvidas, por exemplo, por programas de iniciação científica como PIBID11). 2) Núcleo Obrigatório Específico (a partir do 5º período, quando a matriz se divide em virtude das especificidades de cada área de formação) - correspondente às disciplinas obrigatórias que atendem às especificidades da habilitação pretendida pelo acadêmico. No caso desta análise, abordamos a H1, inerente à língua portuguesa:
Quadro 6 - Disciplinas Obrigatórias Específicas da habilitação H1 Disciplinas: Enunciação e Discurso
Objetivo Geral: Refletir a respeito de aspectos que envolvem a linguagem humana a partir dos pressupostos teóricos da Análise do Discurso de linha francesa.
Estágio Supervisionado: Língua Portuguesa e Literaturas I
Caracterizar: (i) a sala de aula de língua materna como um espaço complexo que ultrapassa os muros escolares, resultando numa ressignificação do espaço e do tempo de trabalho docente; (ii) as demandas atuais para o ensino produtivo de língua materna frente ao denominado ensino prescritivo.
Estágio Supervisionado: Língua Portuguesa e Literaturas II
Focalizar a prática pedagógica de planejamento de projetos e de aulas, considerando suas implicações para a avaliação do ensino e da aprendizagem em aulas de língua materna e de literatura. Observar e investigar espaços de ensino e de aprendizagem de turmas diferenciadas (educação de jovens e adultos, educação indígena, educação especial), bem como de classes regulares dos Ensinos Fundamental II e Médio, também realizando possíveis intervenções por meio da regência de aulas.
Estágio Supervisionado: Língua Portuguesa e Literaturas III
Analisar e produzir atividades de práticas de leitura, produção textual e análise linguística para o Ensino Fundamental II, contrapondo tais atividades à abordagem tradicional do para o Ensino Fundamental II, contrapondo tais atividades à abordagem tradicional do ensino da gramática normativa. Investigar o trabalho com textos literários, proposto em materiais didáticos e realizado em sala de aula de língua materna do Ensino Fundamental II. Observar e ministrar aulas para o Ensino Fundamental II, considerando as orientações para o ensino de língua materna e literatura, propostas em diretrizes curriculares vigentes e na literatura especializada.
11
O Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (PIBID) é uma iniciativa do Ministério da Educação e é executado pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). A UFT participa desse programa, contribuindo para o aperfeiçoamento da formação de docentes em nível superior e para a melhoria da qualidade da educação básica pública brasileira. No entanto, como se trata de um programa de concessão de bolsas, há um número limitado de participantes. Cf. em: http://www.uft.edu.br/.
74
Estágio Supervisionado: Língua Portuguesa e Literaturas IV
Investigar e propor atividades de leitura e produção textual fundamentadas na noção de gênero discursivo, focalizando a intertextualidade, a mistura de gênero, o hibridismo e a multimodalidade. Investigar e propor, fundamentado teoricamente na abordagem linguística do ensino de língua materna, atividades gramaticais para o Ensino Médio. Observar e ministrar aulas para o Ensino Médio, considerando as recentes orientações para o ensino de língua materna e literatura, propostas em diretrizes curriculares vigentes e na literatura especializada.
Fonética e Fonologia
Conhecer os elementos formadores da fala, identificando-os, tanto nas formas faladas quanto nas escritas, elaborando a transcrição fonética e fonológica dos sons do português brasileiro e de outras línguas.
Gramática Normativa Investigar diferentes concepções de gramática e seus desdobramentos e Análise Linguística para a prática de análise linguística em aulas de língua materna. História da Língua Portuguesa
Refletir sobre as transformações da língua portuguesa.
Introdução às Literaturas dos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa
Presença da língua portuguesa na África. Contexto sócio-histórico e cultural dos países africanos de língua portuguesa. Etnia e nacionalidade. Usos e costumes dos povos africanos de língua portuguesa. Origens da Literatura Africana de língua portuguesa. A literatura colonial. O movimento Negritude. A literatura dos movimentos nacionais de independência. A literatura pós-colonial. Literatura e História.
Literatura Brasileira: Manifestações Literárias do Período Colonial
Apresentar um conjunto de textos significativos que caracterizam a literatura produzida no período colonial brasileiro, analisando as implicações políticas, ideológicas e estéticas que orientaram a produção literária nos períodos subsequentes.
Literatura Brasileira do Século XIX: do Romantismo ao Simbolismo
Apresentar as variáveis sociais e estéticas dos movimentos literários e as características dos principais autores em cada estilo.
Literatura Brasileira Contemporânea
Refletir sobre as tendências da literatura brasileira contemporânea, com o estudo das características das obras de seus expoentes.
Literatura Brasileira: Modernismo e Precursores
Apresentar os principais aspectos dos movimentos pré-modernista e modernista no Brasil, enfatizando as características dos autores representativos de cada estilo
Literatura Portuguesa Refletir sobre a produção literária do período que compreende o do Romantismo ao século XIX, tendo em vista a realização de leituras analítico-críticas Simbolismo das obras mais representativas do Romantismo, Realismo e Simbolismo.
75
Literatura Portuguesa Compreender a literatura portuguesa sob a perspectiva da ruptura Modernista e provocada pela revista Orpheu e os fundamentos propostos por seus Contemporânea idealizadores o Modernismo português até o pós-revolução de 1974, com a problematização da história e da identidade portuguesa, refletindo sobre os fundamentos teóricos sobre Modernismo e pósmodernismo e a análise de textos de diferentes autores. Literatura Portuguesa: do Trovadorismo ao Arcadismo
Compreender os fatores sócio-culturais da formação da sociedade portuguesa e da consolidação da identidade nacional, no período compreendido entre os séculos XII e XV, as mudanças sociais e culturais do Renascimento até o Arcadismo, identificando as principais características da produção literária em língua portuguesa correspondente.
Semiótica Discursiva Utilizar os pressupostos da teoria semiótica para a interpretação e análise de textos, refletindo sobre as contribuições dessa teoria para o trabalho de leitura na escola. Fonte: Elaborado pelos autores com base em Cruz et al. (2009, pp. 45-110).
O núcleo específico, em consonância com o que está disposto no quadro acima, é composto, em grande parte, por disciplinas de cunho teórico-específico. As disciplinas de estágios que são, em quase sua totalidade, voltadas para a vivência do acadêmico no ambiente escolar, possuem o total de 420 de carga horária, enquanto as demais possuem o total de 750. Desse modo, pressupomos que o primeiro contato do acadêmico – como sujeito em formação profissional – com o ambiente escolar, seja no Estágio Supervisionado I, momento inicial caracterizado como sendo de observação e reflexão. No que concerne à articulação entre as disciplinas do núcleo comum [quadro 3], e as disciplinas atreladas do núcleo específico [quadro 4], é possível observar que há uma preocupação em construir um trabalho crítico-reflexivo com o acadêmico, que antecede e acompanha a sua inserção no ambiente escolar. No entanto, é possível observar algumas imprecisões nessa articulação que nos levam ao questionamento sobre o modo como de fato acontece a reflexão em relação à teoria e à prática, especialmente no tocante à abordagem dos estudos da linguagem. Quando comparamos, por exemplo, a relação entre os objetivos das disciplinas inerentes aos estudos da língua(gem) e os objetivos da prática das disciplinas de Estágio Supervisionado, percebemos que somente quatro disciplinas (Didática, Letramento Literário, Gramática Normativa e Análise Linguística, Semiótica Discursiva) mencionam sobre a proposta de um exercício de reflexão de transposição didática, isto é, sobre uma reflexão que considere a transição de conhecimentos teóricos para o contexto escolar. As demais disciplinas (Introdução
76
aos Estudos Linguísticos, Morfologia, Pragmática, Semântica, Sintaxe, Fonética e Fonologia, Enunciação do discurso) têm seus objetivos basicamente voltados para o exercício de reflexão e aquisição de conhecimentos teóricos por parte do acadêmico, sem mencionar de forma explícita caminhos para relacionar esse exercício à prática pedagógica. 3) Núcleo das Disciplinas Eletivas - correspondente às disciplinas de livre escolha, atreladas à formação específica do acadêmico, sendo relacionadas a assuntos sobre língua, linguística, literatura e educação:
Quadro 7 - Disciplinas Eletivas Disciplinas
Disciplinas da Literatura
Pedagógicas e afins ▪
▪
▪
▪
Disciplinas de Língua Portuguesa e Linguística
Antropologia
▪
Crítica Literária;
▪
Análise da Conversação;
Cultural;
▪
Cultura afro-americana;
▪
Aquisição da
Educação
▪
Cultura Brasileira;
Ambiental;
▪
História da Arte
▪
Funcionalismo
Educação de Jovens
▪
Imaginário e Meio Ambiente;
▪
Estudos do Letramento;
e Adultos;
▪
Literatura de Expressão
▪
Letramento Digital;
Amazônica;
▪
Língua e Literatura
Educação Inclusiva,
Linguagem;
adaptações
▪
Literatura e Homoerotismo;
curriculares,
▪
Literatura hispano-americana;
recursos e
▪
Literatura Infanto-Juvenil;
deficiências;
▪
Literatura Pós-colonial;
▪
Linguística Aplicada;
▪
Educação Indígena;
▪
Manifestações Literárias no
▪
Linguística Textual;
▪
Educação no Campo
Tocantins;
▪
Multilinguíssimo e
Sociedade; ▪
▪
Latina I; ▪
Língua Literatura Latina II;
Mito e Cultura;
Multiculturalismo;
Cultura e História da ▪
Semiótica da literatura na
▪
Psicolinguística;
Educação.
abordagem peirceana.
▪
Semiótica e sincretismo.
Fonte: Elaborado pelos autores com base em Cruz et al. (2009, p. 47)
A respeito das disciplinas eletivas, o PPC destaca que, embora o número dessa categoria de disciplinas já esteja pré-estabelecido na matriz curricular, o acadêmico é livre para escolher
77
aquelas que mais se aproximam dos interesses de sua formação, sendo que essa escolha é condicionada, em cada semestre, à oferta e à existência de vagas. Como pode ser conferido no quadro [7], o conjunto das disciplinas eletivas possui uma variedade razoável de temas, sendo constituído, em quase todo seu bojo, por disciplinas de conhecimentos teóricos. Não foram evidenciadas disciplinas relacionadas à didática ou de reflexão sobre a prática pedagógica, não em caráter explícito. Mesmo com a relação de disciplinas referentes a modalidades de ensino mais específicas (Educação de Jovens e Adultos; Educação inclusiva, adaptações curriculares, recursos e deficiências; Educação indígena; Educação no Campo), não foram evidenciadas mais informações acerca dos objetivos ou da bibliografia, ou mesmo sobre a didática, assim também como o conjunto das disciplinas de Literaturas.
3.4.1 Matriz curricular Dando continuidade à descrição e à análise da organização curricular, apresentamos, desta feita, a composição totalizada da estrutura da Matriz do curso, tendo como enfoque, ainda, o problema da articulação entre a teoria e a prática. Quadro 8 - Matriz Curricular – Habilitação em Língua Portuguesa e Literaturas 1º Semestre Disciplinas 1 Prática de Produção Textual 2 Introdução aos Estudos Linguísticos 3 Sociologia da Educação 4 Filosofia da Educação 5 Políticas Públicas em Educação 6 Língua Inglesa I Total 2º Semestre Disciplinas 1 Teoria da Literatura: texto narrativo 2 Morfologia 3 Fundamentos da Educação Inclusiva 4 Psicologia do Desenvolvimento 5 Língua Inglesa II Total 3º Semestre
CH-T 60 60 45 45 45 60 315
CH-P 15 15 15 45
Total 60 60 60 60 60 60 360
CH-T 45 60 45 45 60 255
CH-P 15 15 15 45
Total 60 60 60 60 60 300
78
Disciplinas 1 Semântica 2 Teoria da Literatura: texto poético 3 Didática 4 Língua Inglesa III 5 Psicologia da Aprendizagem Total 4º Semestre Disciplinas 1 Sintaxe 2 Língua Inglesa IV 3 Língua Brasileira de Sinais 4 Letramento Literário 5 Pragmática Total 5º Semestre Disciplinas 1 Fonética e Fonologia da Língua Portuguesa 2 Literatura Portuguesa: do Trovadorismo ao Arcadismo 3 Literatura Brasileira: Manifestações Literárias do Período Colonial 4 Currículo, Política e Gestão Educacional 5 Estágio Supervisionado: Língua Portuguesa e Literaturas I 6 Eletiva (Pedagógica) Total 6º Semestre Disciplinas 1 Literatura Portuguesa: do Romantismo ao Simbolismo 2 Literatura Brasileira do Século XIX: do Romantismo ao Simbolismo 3 História da Língua Portuguesa 4 Educação e Tecnologias Contemporâneas 5 Estágio Supervisionado: Língua Portuguesa e Literaturas II 6 Gramática Normativa e Análise Linguística Total 7º Semestre Disciplinas 1 Literatura Brasileira: Modernismo e Precursores 2 Literatura Portuguesa Modernista e Contemporânea 3 Semiótica discursiva 4 Eletiva (Linguística ou Literatura) 5 Estágio Supervisionado: Língua Portuguesa e Literaturas III
CH-T 45 60 45 60 45 255
CH-P 15 15 15 45
Total 60 60 60 60 60 300
CH-T 45 60 45 60 45 255
CH-P 15 15 15 45
Total 60 60 60 60 60 300
CH-T 45 45 45
CH-P 15 15 15
Total 60 60 60
45 30 30 240
15 75 135
60 105 30 375
CH-T 45 45
CH-P 15 15
Total 60 60
30 45 30 30 240
15 75 15 135
30 60 105 30 375
CH-T 45 45 45 45 30
CH-P 15 15 15 15 75
Total 60 60 60 60 105
79
6 Trabalho de Conclusão de Curso I 30 Total 240 8º Semestre Disciplinas CH-T 1 Literatura Brasileira Contemporânea 45 2 Introdução às Literaturas dos Países Africanos de Língua 45 Oficial Portuguesa 3 Enunciação e Discurso 45 4 Eletiva (Linguística ou Literatura) 45 5 Estágio Supervisionado: Língua Portuguesa e Literaturas IV 30 6 Trabalho de Conclusão de Curso II 30 Total 240 Resumo da carga horária Atividades Complementares* Prática como Componente Curricular (distribuídas entre as disciplinas) ** Estágio Supervisionado Carga teórica das disciplinas Carga horária Total
135
30 375
CH-P 15 15
Total 60 60
15 15 75 135
60 60 105 30 375 210 420 420 1920 2970
Fonte: Elaborado pelos autores com base em Cruz et al. (2009, pp. 48-49). Nota: CH-T corresponde à carga horária teórica; e CH-P corresponde à carga horária prática. *Atividades de ensino, pesquisa e extensão de natureza acadêmico-científica e artístico-cultural. ** Práticas destinadas a produzir algo no âmbito do ensino, em consonância com o parecer 28/2001.
Para melhor visualizar como a matriz está dividida elaboramos o seguinte gráfico: Gráfico 1 - Resumo/Divisão da carga horária
7%
Atividades Complementares 14%
Prática como Componente Curricular (distribuídas entre as disciplinas) 14%
Estágio Supervisionado
65%
Carga teórica das disciplinas
Fonte: Elaborado pelos autores com base em Cruz et al. (2009, pp. 48-49).
Conforme o gráfico apresentado, as Atividades Complementares (que podem incluir monitoria, projetos de pesquisa, iniciação científica, projetos de extensão, seminários, simpósios, congressos etc.) correspondem a 7% da carga horária total. Essas atividades são
80
importantes na medida em que possibilitam o enriquecimento da formação do discente, contribuindo para seu crescimento crítico e profissional. A Prática como Componente Curricular corresponde a 14%, tal categoria diz respeito à prática de produção de atividades no âmbito de ensino, ou seja, ações que, realizadas pelo acadêmico junto ao acompanhamento do docente, visam a estabelecer a articulação entre a teoria e a prática e a promover exercícios de reflexão acerca das questões do ambiente escolar; no entanto, não obstante o estabelecimento de um espaço dedicado a essas práticas na grade curricular, não foram obtidas evidências, nesta análise, sobre o modo como elas são, de fato, realizadas. Os dados referentes a essa categoria não apresentam informações mais consistentes, padecendo de imprecisão no que se refere a uma análise de como ocorre a articulação entre a teoria e a prática. A prática de Estágio Supervisionado corresponde a 14%; e, assim como no caso anteriormente citado, também carece de maiores informações. Tal prática também tem seu espaço privilegiado na grade curricular para a formação do acadêmico, contudo, não foram evidenciadas informações mais claras acerca da forma como é realizada e, principalmente, sobre o modo como o acadêmico é orientado pelo docente no processo de transição/relação entre o âmbito universitário e o âmbito escolar. Não há, por exemplo, explicações mais claras a respeito do modo como os acadêmicos recebem, do professor-regente/orientador-docente, as orientações sobre a elaboração de planejamentos, sobre a preparação de aulas, bem como sobre a escolha de estratégias didático-metodológicas. A carga teórica total das disciplinas corresponde a 65%, sendo que esse percentual inclui as seguintes categorias12: ▪
fundamentos teóricos da educação – disciplinas que oferecem uma base teórica ao estudante, a partir de diferentes áreas do conhecimento: Antropologia, História, Psicologia, Sociologia e suas correlatas no campo da educação;
▪
conhecimentos relativos aos sistemas educacionais – incluem disciplinas de conhecimento pedagógico que objetivam dar uma formação ampla na área de atuação do professor, abordando a estrutura e o funcionamento do ensino, o currículo, a gestão escolar, o ofício do docente;
▪
conhecimentos relativos à formação profissional específica – agregam saberes que apresentam maior nível de aprofundamento para a atuação do profissional de Letras,
12
Essas categorias de análise foram organizadas conforme os padrões de pesquisas da UNESCO organizados pelas pesquisadoras Bernardete Angelina Gatti e Elba Siqueira de Sá Barreto (2009).
81
por meio de disciplinas como: língua portuguesa e sintaxe, semântica do português, fonética, linguística, teorias do texto etc.; ▪
conhecimentos específicos para a docência – incluem disciplinas que fornecem instrumental para a atuação do profissional de Letras como professor, com foco em conteúdos do currículo dirigidos à escola básica, didáticas específicas, saberes relacionados à tecnologia em enfoque de utilização etc.;
▪
conhecimentos relativos a modalidades e níveis de ensino específicos – agregam as disciplinas voltadas para áreas de atuação em segmentos determinados, tais como, por exemplo, fundamentos da educação especial, Libras: Língua Brasileira de Sinais.
▪
outros saberes – disciplinas que ampliam o repertório do professor, tais como temas transversais, religiões (também incluímos nessa categoria as disciplinas voltadas para a língua estrangeira);
▪
pesquisa e trabalho de conclusão de curso (TCC) – incluem disciplinas que abordam as metodologias de pesquisa e a elaboração dos trabalhos de conclusão de curso.
Segundo o Parecer CNE/CP 2/2002, a relação entre a teoria e a prática pode ser recoberta por inúmeras formas do acontecer na formação docente. Conforme o documento,
Uma concepção de prática mais como componente curricular implica vê-la como uma dimensão do conhecimento, que tanto está presente nos cursos de formação nos momentos em que se trabalha na reflexão sobre a atividade profissional, como durante o estágio nos momentos em que se exercita a atividade profissional. (Parecer CNE/CP 9/2001, p. 22)
Desse modo, há que se considerar duas maneiras distintas de prática, por isso a diferenciação entre a prática como componente curricular e a prática de ensino e o estágio; a primeira, como definido anteriormente, realiza-se com atividades práticas no âmbito universitário, por meio de exercícios reflexivos sobre a atividade profissional; a segunda, por sua vez, constitui-se na própria atividade profissional. Ambas as práticas, mesmo distintas e organizadas em períodos diferentes – pois, segundo o parecer supracitado, o estágio curricular deve se consolidar a partir da segunda metade do curso –, devem ser articuladas desde o início da duração do curso. Tal articulação, portanto, também deve ser promovida no tocante ao processo de ensinoaprendizagem linguístico. Se o estudante tiver a possibilidade de, desde o início do curso, encontrar pontes para aliar os conhecimentos teóricos referentes à língua(gem), absorvidos no âmbito acadêmico, ao contexto das atividades escolares, certamente obterá mais êxito no seu
82
fazer pedagógico e não sentirá, ao menos com tanta intensidade, o impacto da dissociação entre teoria e prática que muitos relatam sentir e consideram como um dos maiores obstáculos de sua atividade profissional. Daí a necessidade de um planejamento curricular que estabeleça, não objetivos precisamente definidos – entendendo que não existe currículo nem prática prontos e acabados –, mas objetivos que possam ser conectados por entre as disciplinas, com ação interdisciplinar, e que perpassem o contexto escolar de forma mais vizinha. É preciso ressaltar que não propomos, com esse raciocínio, que a saída para articular a teoria e a prática na formação do professor seja o modelo da racionalidade prática, visto que esse modelo direciona para o que segue:
uma atividade material transformadora e ajustada a objetivos. Fora dela fica a atividade teórica que não se materializa, na medida em que é atividade espiritual pura. Mas, por outro lado não há práxis como atividade puramente material, isto é, sem a produção de finalidades e conhecimentos que caracteriza a atividade teórica. (VAZQUEZ, 1968, p. 108, apud SILVA, 2011).
A concepção prática pela qual orientamos nossas propostas está calcada na práxis, a qual se concretiza como uma atividade que não se fecha na pura observação, nem na pura ação; mas, conforme Silva (2011), em um movimento de ação e reflexão, que abrange uma dimensão da prática social sob a direção de objetivos, finalidades e conhecimentos articulados a uma prática social de maior amplitude, algo que só pode acontecer desde que a reflexão e a ação não sejam opostas e que haja unidade entre teoria e prática. Compreendemos que, se em um planejamento curricular a teoria se sobressai em relação à prática, em termos de carga horária, isso pode indicar um desequilíbrio na estrutura, na medida em que implica em uma sensação de distanciamento entre teoria e prática – problemática que já mencionamos como justificativa e direcionamento principais para as especulações nesta pesquisa. Esse desequilíbrio, a propósito, é evidenciado de forma preocupante numa pesquisa de Gatti e Barreto (2009) – que apresentamos com mais detalhes na subseção 3.6. Segundo os dados coletados pelas pesquisadoras, embora um bom número de alunos afirme realizar atividades de pesquisa ligadas a estratégias de aprendizagem durante as disciplinas, há uma abundância de aulas expositivas e absoluta escassez de aulas práticas em todos os cursos de licenciaturas. Tal desequilíbrio, no que se refere ao processo de (des)(re)territorialização gramatical, obviamente, implica certo atraso, isto porque é numa relação mais aproximada entre os conhecimentos teóricos e o cotidiano de ação profissional que o professor em formação inicial perceberá melhor as formas a partir das quais ele poderá desenvolver um trabalho mais profícuo
83
com os aspectos gramaticais, ainda mais porque estamos tratando da necessidade de uma prática pedagógica, em torno do ensino de língua(gem), que envolva reflexão e interação.
3.5
Disposição teórico-gramatical
Neste excerto do trabalho será analisada a disposição teórico-gramatical proposta pela grade curricular. Tal análise teve sua guia de especulação voltada para o nível quantitativo, por meio de um gráfico comparativo, e, também, para o nível qualitativo, por meio de um estudo sobre as ementas das disciplinas atreladas especificamente aos estudos linguísticos. No primeiro nível procuramos responder à hipótese acerca da supressão/negação dos conteúdos gramaticais; no segundo, avaliamos os aspectos qualitativos referentes aos conhecimentos que compõem as disciplinas. Para uma visualização geral do modo como a grade curricular está dividida, elaboramos gráficos para representar a divisão e organização das áreas e atividades a partir do percentual de suas cargas horárias, conforme a figura abaixo: Gráfico 2 – Distribuição das disciplinas relacionadas aos estudos da língua
6%
36%
Língua Brasileira de Sinais
26%
Língua estrangeira
Teoria gramatical (língua portuguesa)
32%
Outros conhecimentos linguísticos
Fonte: elaborado pelos autores (2019).
A distribuição da área voltada para os estudos linguísticos se realiza da seguinte forma: 32% para a teoria gramatical da língua portuguesa (Morfologia, Sintaxe, Semântica, Fonética e Fonologia, e Gramática Normativa e Análise Linguística); 26% para a língua estrangeira (Inglês I, II, III, IV); 6% para a Língua de Sinais Brasileira (LIBRAS); e 36% para disciplinas de outros saberes linguísticos (Introdução aos Estudos Linguísticos, Pragmática, História da Língua
84
Portuguesa, Semiótica Discursiva, Enunciação e Discurso, e Letramento Literário). Com a representação dessa distribuição foi possível perceber que os estudos voltados para a teoria gramatical, em comparação com as demais categorias, possuem um percentual razoavelmente equilibrado. O que nos leva a afirmar que, ao menos no nível quantitativo, esses estudos têm seu espaço privilegiado na distribuição curricular. As razões de verificarmos o espaço concedido à teoria gramatical no currículo do curso de Letras são três: em primeiro lugar, por hipotetizar que a teoria gramatical, por variados fatores ligados ao seu processo de desterritorialização, estivesse sendo subtraída ou negada na composição curricular do curso. Percebemos que a teoria gramatical tem sido envolvida por uma rede de “afectos” negativos, tais como: sua historicidade marcada por preconceitos e imposições, a insistência de uma visão que a toma como um marcador de poder e uma ferramenta de exclusão e, ainda, o fato de não termos conseguido fazer ainda uma avaliação propícia de sua natureza disciplinar. Tais “afectos” têm implicado desencontros e sentimentos de aversão entre os corpos no âmbito educacional (aluno-professor; aluno-abordagem; alunoconteúdo; aluno-sociedade), de forma a gerar conflitos e rejeições pela abordagem/material gramatical (COSTA, OLIVEIRA e SILVA, 2018). Daí, partirmos para a segunda razão: pela preocupação e pela concepção que temos acerca da necessidade desse aporte teórico para a formação do acadêmico. É preciso ressaltar que, quando falamos sobre a necessidade de que o professor em formação inicial tenha um conhecimento mais consistente sobre teoria gramatical, estamos nos referindo não somente aos conhecimentos metalinguísticos relacionados à vertente normativa, mas – como explicaremos melhor no quarto capítulo deste trabalho –, a um conhecimento gramatical rizomático, que relacione e (re)conecte os territórios gramaticais da língua portuguesa-brasileira, isto é, que entenda o valor e a funcionalidade de cada abordagem gramatical e das variedades linguísticas, sabendo articulá-las quando for preciso. A terceira razão se dá pela própria relevância que a teoria gramatical tem no processo histórico de gramatização da língua, desde seus primeiros antecedentes teóricos. Concordamos com Vieira (2016, p.39) quando este considera, ao retomar as palavras de Borges (2013, p.2), que, embora a linha normativa tenha sua posição caracterizada e perpetuada como dogmática e doutrinária ao longo de mais de dois milênios de existência, é preciso reconhecer a importância de seu componente teórico:
Os gramáticos gregos e latinos identificaram níveis de análise, como a oração e a palavra, desenvolveram noções teóricas, como sílaba, palavra, sujeito e predicado, flexão, nome e verbo etc., e estabeleceram relações entre essas noções. Apesar de
85
adotarem padrões de exigência mais frouxos do que as teorias científicas atuais, realizaram um trabalho de teorização essencialmente igual ao que realizam os cientistas contemporâneos [...]. Até porque não vejo como seria possível estabelecer um vocabulário técnico sem, simultaneamente, identificar entidades, relações, fazer classificações etc., como contraparte empírica desse vocabulário. Assumo, então, que a gramática tradicional, dos gregos e latinos, é uma teoria das línguas de todo o direito.
Como já corroboramos no decorrer do capítulo segundo [tópicos 2.3 e 2.4], há, com efeito, um processo de (des)(re)territorialização em relação aos modos de produções gramaticais e, igualmente, no que toca às concepções e aos processos de ensino-aprendizagem inerentes aos aspectos gramaticais da língua portuguesa. Muitos são os movimentos para o alcance de uma mudança significativa nesse processo, no entanto, não podemos olhar com desprezo para o paradigma científico tradicional e ignorar ou descartar suas contribuições teóricas iniciais, ou “pré-científicas” como diriam Vieira e Faraco (2016), baseando-se em Kuhn (1962). Do mesmo modo, também não podemos deixar de evidenciar e contribuir para movimentar o novo paradigma gramatical da contemporaneidade no processo de (re)territorialização, isto é, é preciso dar lugar, também, à ciência das novas teorias gramaticais, ainda que esse novo paradigma, conforme Vieira e Faraco (2016), seja incipiente e não represente, exatamente, uma ruptura ou uma continuidade. Vemos, então, a necessidade de um trabalho que promova agenciamentos, conexões entre esses movimentos.
3.5.1 Ementário – disciplinas obrigatórias voltadas para estudos linguísticos (língua portuguesa) Nesta seção, que dá continuidade à discussão anterior, tratamos novamente sobre a disposição gramatical, mas, desta vez, procuramos evidenciar, sob um ponto de vista qualitativo, se as ementas das disciplinas de estudos linguísticos contemplam os territórios gramaticais. Para tanto, apresentamos a descrição e a análise das disciplinas inerentes aos estudos linguísticos contidas no ementário da matriz curricular. Antes de expor as disciplinas selecionadas para esta terceira seção analítica, devemos nos lembrar dos componentes que constituem uma língua e de suas interações complexas, os quais, conforme Antunes (2017, pp. 40-41), são os seguintes: 1. Léxico – que inclui o conjunto de palavras, ou, em termos mais correntes, o vocabulário da língua; 2. Gramática – que inclui as regras para construir palavras e sentenças da língua;
86
3. Composição de textos – que inclui recursos de textualização; 4. Situação de interação – que inclui normas sociais de atuação. É necessário que o professor, em formação inicial, tenha uma clara compreensão acerca da composição desse conjunto e da relação de interdependência que colocam seus componentes em permanente entrecruzamento, de forma que, em sua atividade profissional, ele não se restrinja a apenas um desses componentes, perdendo de vista sua totalidade e falseando a compressão de suas múltiplas determinações (ANTUNES, 2017). Tal conjunto retoma àquele pensamento inicial, desenvolvido no capítulo segundo, de que os territórios gramaticais não constituem apenas um conjunto de regras e descrições, mas conexões linguísticas corpóreas e incorpóreas. Na perspectiva curricular isso implica, então, pensar sobre uma proposta que promova o transitar por entre esses territórios, visando à contemplação de um arcabouço teórico mais plausível com a realidade linguística. Desse modo, nesta subseção de análise, selecionamos as disciplinas conforme sua importância, necessidade e competência no que se refere a propostas de contemplação de um trabalho transdutivo – conceito mais bem detalhado no capítulo quarto – para com esses territórios. As disciplinas selecionadas para a análise e suas respectivas ementas são as seguintes:
Quadro 9 - Ementas das disciplinas obrigatórias voltadas para os estudos linguísticos Disciplina
CH Ementa
Classificação
Introdução aos estudos linguísticos
60
Estudos linguísticos da Antiguidade: hindus, gregos e latinos. Estudos Linguísticos na Idade Média e na Renascença. Os comparatistas. Teoria da mudança linguística. Os estudos dos neogramáticos. Saussure: a língua como sistema. Dicotomias saussurianas. Concepções de língua.
Disciplina Obrigatória do Núcleo Comum (H1 e H2).
Morfologia
60
Morfologia. Estrutura das palavras. Constituintes do Disciplina Léxico. Fontes e processos de formação de palavras Obrigatória do em Português e em outras Línguas. Núcleo Comum (H1 e H2).
Pragmática
60
A linguagem em uso. Significado do falante/significado contextual. Enunciado e enunciação: pessoa, espaço, tempo. Sentido literal e sentido comunicado. Atos de fala. Máximas conversacionais. Implicaturas: subentendidos.
Disciplina Obrigatória do Núcleo Comum (H1 e H2).
87
Introdução à Análise da conversação e à Teoria da Polidez. Pragmática e ensino de língua materna.
Prática de produção textual
60
Linguagem oral, linguagem escrita. Estudo teóricoprático sobre a natureza do texto. Elementos coesivos e de coerência. Articuladores. O parágrafo: tópico frasal. Tipologia textual. A reescrita de textos. Produções de texto. O exercício da apropriação de textos da área educacional e de sua expressão científico-acadêmica. Aspectos técnicos da apropriação e da expressão científico-acadêmica.
Disciplina Obrigatória do Núcleo Comum (H1 e H2).
Semântica
60
Breve histórico da semântica. Definição de significado linguístico. Homonímia, polissemia, sinonímia. Sentido e referência. Implicaturas, acarretamento e pressuposição. Sinonímia, paráfrase, antonímia, contradição e anomalia. Dêixis e anáfora. Papéis Temáticos. Ambiguidade e vagueza.
Disciplina Obrigatória do Núcleo Comum (H1 e H2).
Sintaxe
60
Análise dos sintagmas. Aplicação da análise sintática ao enunciado simples e composto. Observação crítica de como se apresentam os fatos linguísticos (relativos à sintaxe). Análise das hipóteses teóricas que se propõem a dar conta desses fatos dentro das perspectivas de análise sintática tradicional e gerativa.
Disciplina Obrigatória do Núcleo Comum (H1 e H2).
Fonética e Fonologia da Língua Portuguesa
60
Fonética; Fonologia; definições; fonética articulatória; fonemas orais e nasais; classificação dos fonemas do português; sistema oclusivo do português; traços distintivos dos fonemas; entonação, tons e acento; fonema e alofone; função distintiva e opositiva; noção de marca; função contrastiva e a sílaba.
Disciplina obrigatória específica da H1.
Gramática Normativa e Análise Linguística
60
Concepções de gramática. Atividades linguística, Disciplina epilinguística e metalinguística. Gramática no texto. obrigatória Ensino de gramática. específica da H1.
88
História da Língua Portuguesa
30
Latim clássico e latim vulgar. Mudança linguística e Disciplina metaplasmos. O galego-português. O português obrigatória europeu. O português do Brasil. específica da H1.
Semiótica Discursiva
60
A significação para a semiótica discursiva. Percurso gerativo de sentido. Estruturas sêmio-narrativas e discursivas: sintaxe e semântica. Tensividade e foria. Quadrado semiótico. Enunciação e discursivização. Tematização e figurativização.
Disciplina obrigatória específica da H1.
Enunciação e Discurso
60
Enunciação e discurso segundo a Análise do Discurso francesa. Texto e discurso. Sujeito, história e linguagem. Condições de produção. Memória e interdiscurso. Esquecimentos. Paráfrase e polissemia. Relações de força e relações de sentido. Formações imaginárias. Formações ideológicas e formações discursivas. Ideologia e sujeito. Incompletude: movimento, deslocamento e ruptura. Polifonia. Silêncio e sentido.
Disciplina obrigatória específica da H1.
Fonte: Elaborado pelos autores com base em Cruz et al. (2009, pp. 76-94).
Conforme o quadro acima, há cinco disciplinas voltadas para teoria gramatical: Morfologia, Semântica, Sintaxe, Fonética e Fonologia da Língua Portuguesa, Gramática Normativa e Análise Linguística. Nesse conjunto, somente as duas últimas citadas são classificadas como sendo específicas à área de formação na H1, de língua portuguesa: 1. A disciplina de Fonética e Fonologia da Língua Portuguesa, em síntese, objetiva possibilitar que o acadêmico conheça os elementos formadores da fala e que realize transcrições fonéticas dos sons da língua portuguesa, em especial, e também de outras línguas, que não são especificadas/exemplificadas do PCC. Tal disciplina traz benefícios e contribuições importantes para a formação do professor, não somente para a compreensão do funcionamento da língua portuguesa, mas também para a reflexão sobre a natureza diversa e distinta dessa língua – os múltiplos sotaques, por exemplo. Ter um conhecimento consistente acerca dessa natureza pode possibilitar que o professor valorize e tenha melhor preparo crítico-reflexivo diante das variedades linguísticas, evitando preconceitos e discriminações. 2. A disciplina de Gramática Normativa e Análise Linguística, por sua vez, tem em sua nomenclatura uma referência limitada à Gramática Normativa, em contraste com a prática de Análise Linguística; contudo, objetiva possibilitar que o acadêmico
89
conheça os diferentes tipos de gramáticas e seus encadeamentos com a prática de Análise Linguística, por meio de atividades que possam mobilizar os conhecimentos acerca das concepções de gramática, atividades epilinguísticas, linguísticas e metalinguísticas, junto ao texto. Não obstante à descrição do objetivo e da ementa da disciplina em questão, não foram evidenciadas informações mais claras acerca do percurso e dispositivos teóricos que acompanham as atividades mencionadas; verificamos, por exemplo, que, no acervo bibliográfico da disciplina, há poucos registros de suportes teóricos acerca de estudo investigativo em compêndios gramaticais ou dicionários. As demais disciplinas (Morfologia, Semântica, Sintaxe) pertencem à relação das disciplinas pedagógicas do Núcleo Comum, correspondendo, portanto, às duas habilitações, H1 e H2. Desse modo, pressupomos, pela sua organização na matriz curricular, que tais disciplinas, sejam abordadas a partir de um viés mais abrangente, de modo a relacionar as duas habilitações. 3. A disciplina de Morfologia contempla conhecimentos inerentes à estrutura e
funcionamento do componente morfológico da língua portuguesa e de outras línguas, abrangendo o léxico e os processos de formação de palavras. Aqui nos chamou atenção o caráter breve e insuficiente do espaço concedido aos estudos do léxico, tal observação condiz com as especulações de estudiosos sobre o fato de que o léxico é frequentemente esquecido ou desconhecido, ocupando um lugar adicional no campo dos estudos da língua(gem), especialmente no tocante aos modelos e aplicações. Na maior parte dos casos, o processo de ampliação do léxico da língua é visto como uma questão morfológica que, geralmente, começa e se esgota no interior da gramática (ANTUNES, 2012; BARBOSA, 2009; ANDRADE e GUERRA, 2012). 4. A
disciplina
de
Semântica
contempla
estudos
sobre
a
competência
semântica dos falantes, das relações semânticas e dos aspectos estruturais referentes à significação linguística, no plano lexical e no sentencial. A ementa contempla temas variados, mas percebermos que a disciplina é, em sua totalidade, formada por estudos teóricos isolados, isto é, parece não haver uma preocupação em abordar sobre a funcionalidade/contribuição desses estudos no trabalho com o texto, por exemplo. 5. A disciplina de Sintaxe visa a investigar sobre o funcionamento, a organização e categorização da estrutura sintática, voltados especificamente para estudos prescritivos e gerativos, o que aparentemente denota isolamento e distanciamento das outras disciplinas.
90
As demais disciplinas tratam de estudos científicos inerentes a diversos aspectos da natureza da língua(gem) e são cruciais para que o acadêmico aumente sua percepção em torno da relação língua(gem)-gramática, compreendendo as (trans)formações históricas da língua, a dinâmica do processo de interação linguística, os aspectos composicionais do(s) texto(s) etc. 6. A disciplina de Introdução aos estudos linguísticos visa a refletir sobre conceitos dos
estudos linguísticos, especialmente ligados ao estruturalismo linguístico – apesar de o estruturalismo já ter tido seu apogeu, desde a década de 1960, e hoje se encontrar em relativo descrédito. 7. A disciplina de Prática de Produção Textual busca orientar o acadêmico na
compreensão dos tipos, das técnicas e mecanismos ligados à produção textual, assumindo, para tanto, a noção de linguagem como processo de interação. Consideramos imprescindível um suporte teórico gramatical na prática de produção textual, uma das competências para desenvolver bons textos escritos é o domínio do uso padrão, no entanto, não há menções sobre utilização desse suporte teórico no processo de produção textual. 8. História da Língua Portuguesa contempla estudos voltados para mudança linguística. Como já mencionamos no segundo capítulo, o processo de formação de uma língua é influenciado por diversos fatores ao longo do tempo. Analisar esse processo é crucial para que o acadêmico possa compreender a qualidade e a necessidade do(s) uso(s) e da(s) função(ões) da língua em uma realidade paradoxal que considere o seguinte: a impossibilidade de se estabelecer uma ordem linguística estática e comum a todos os falantes de uma comunidade; e, simultaneamente, a necessidade de haver uma ordem linguística comum a todos dessa comunidade. 9. A disciplina de Semiótica Discursiva contempla abordagens cujo objetivo é transmitir as peculiaridades do olhar semiótico, refletindo sobre a prática semiótica na apreensão e produção de sentindo, em especial no campo da comunicação. Essa disciplina, entre as demais disciplinas ligadas à teoria linguística, além de apresentar interesse em realizar uma articulação entre os saberes teóricos desenvolvidos e o trabalho da leitura na escola, é a que mais possui conexão com a Sintaxe e com a Semântica. No entanto, embora dê ênfase às teorias do discurso, é tímida a linha de articulação mencionada entre esses saberes teóricos e o trabalho com a teoria gramatical. 10. A disciplina de Enunciação e Discurso tem sua relevância no debate dos estudos linguísticos, seu objetivo teórico principal é combater o formalismo linguístico e a neutralidade gramatical, talvez por isso esteja aparentemente isolada e, assim como a
91
disciplina anterior, pouco interessada em abordar sobre uma articulação com a teoria gramatical. De modo geral, percebemos que, embora haja um bom quantitativo de disciplinas inerentes à teoria gramatical na estrutura curricular analisada, tais disciplinas apresentam certos aspectos indagáveis, tais como: a) ausência de alusões a trabalhos investigativos em diferentes compêndios gramaticais; b) o espaço insuficiente concedido ao léxico; c) inclinação aos estudos gerativistas; c) pouca interdisciplinaridade; e, consequentemente, d) poucas menções sobre trabalhos e exercícios que articulem os conhecimentos dessas disciplinas tanto no percurso teórico quanto no percurso da prática pedagógica do professor em formação. Tais aspectos nos levam a concluir que, além de ocorrer certa limitação em apresentar os territórios gramaticais, a orientação curricular analisada apresenta poucos caminhos para que o acadêmico perceba como articular as questões gramaticais às questões relativas ao texto – articulação necessária à prática de análise linguística, sobre a qual já mencionamos no capítulo segundo [item 2.4.1]. Tal verificação, portanto, pode ser apontada como uma possível interferência em relação ao processo de reterritorialização gramatical sobre o qual temos incidido ao longo deste trabalho.
3.6
Território(s) do currículo: uma percepção acerca dos fluxos que perpassam o curso de Letras
Como vimos no início deste capítulo, o campo do conhecimento sempre esteve perpassado por uma série de fluxos das mais diversas qualidades, o que o tornou, como considera Arroyo (2013), um território em disputa. Tal afirmação tem sua justificativa percebida no percurso histórico e conflituoso no qual o currículo se desenvolveu e ainda se desenvolve nos dias de hoje. Conforme o autor, há quatro motivos pelos quais o currículo pode ser considerado como um território em disputa: 1) a dinamicidade, a complexidade e a acirrada disputa, na qual adentramos pelo conhecimento, pela ciência e pela tecnologia; 2) as marcas históricas de relações sociais e políticas de dominação-subordinação que influenciaram a produção e apropriação do conhecimento, com a negação de conhecimentos e a segregação da diversidade de coletivos sociais, étnicos, raciais, de gênero, do campo e das periferias, e as lutas desses coletivos para a inclusão desses conhecimentos negados;
92
3) a estreita relação entre currículo e trabalho docente, na qual o segundo procura sempre manter um controle e fidelidade e, ao mesmo tempo, resistência para com o primeiro, que é estabelecido como núcleo inflexível e estruturante; 4) a centralização histórica curricular que concentra suas disputas em torno da sociedade, do Estado e de suas instituições, como também de suas políticas e diretrizes. Em um contexto como esse, de tensões e conflitos, os partícipes do processo educacional – professores, alunos/acadêmicos, todos os que convivem e movimentam o território da escola ou da universidade – certamente, encontram muitos desafios, obstáculos, corpos normatizantes que controlam a produção e a apropriação do conhecimento. Desse modo, os atos de ensinar e aprender se tornam cada vez mais complexos, na medida em que são controlados por padrões estruturantes e ao mesmo tempo perpassados por fluxos que movimentam a possibilidade de construção de um espaço educacional mais abrangente, acessível e crítico-libertador. O currículo do curso de Letras, uma vez que está incluído como um dos inúmeros campos de conhecimento existentes no meio educacional que são perpassados por essa diversidade de fluxos, também é envolvido por tensões e conflitos. O grande desafio desse curso, em meio à discussão que já corroboramos em torno do contexto histórico e do processo de ensino-aprendizagem da linguagem, é proporcionar uma formação crítica-libertadora aos futuros professores de língua portuguesa. Há uma busca, cada vez mais intensa, por um profissional que seja capaz de alcançar uma visão transversalista acerca de sua formação. Contudo, esse curso, no sistema educacional e no conjunto dos cursos para docência, insere-se como uma das categorias que são cercadas pelas represálias do sistema capitalista, possuindo registros na linha histórica que refletem na dinâmica contemporânea socioeconômica, cultural, política e, consequentemente, profissional. A formação inicial e continuada do professor se constitui como um processo de desenvolvimento pessoal, profissional, político social e econômico. Nesse processo concorrem, então, componentes ligados à vivência pré-formativa do professor, à carreira, à jornada de trabalho e à remuneração. Diante disso, consideramos que, ao analisar um currículo, seja necessário pensar não somente sobre sua estrutura organizacional interna, mas também sobre os fluxos e os componentes (in)corpóreos, que o circundam e o tornam um campo de movimento, como uma dinâmica social coletiva. Daí a importância e a necessidade de fazermos uma breve verificação sobre o modo como se caracterizam esses componentes e, a partir daí, constatar de que forma essa
93
caracterização pode afetar não somente o campo curricular, mas o itinerário da formação para a docência. Com essa breve verificação, pretendemos perceber qual a realidade que contorna o curso e a partir daí correlacionar os fluxos que movimentam tal realidade ao processo de desterritorialização gramatical. Antes desse propósito, cabe-nos uma breve explanação acerca da base conceitual tomada para abordar sobre os fluxos.
3.6.1 Fluxos molares e moleculares
Com base em Deleuze e Guattari (2010), o que denominamos aqui como sendo fluxo é algo que flui sobre o socius. O socius “não é sociedade, mas uma instância social particular na qual desempenha o papel de corpo cheio. Toda a sociedade apresenta-se como um socius ou corpo cheio no qual todos os tipos de fluxos fluem e são ininterruptos”. O problema é que o socius está sempre operando para que os fluxos do desejo sejam codificados, inscritos, registrados, para que não corram sem ser, ao mesmo tempo fechados e regulados. O vetor principal nesse processo é o capitalismo, que condiciona nosso modo de vida a se tornar modo de produção, mesmo que nesse processo consigamos movimentar nossas intensidades e criatividades. Os elementos contidos nos fluxos, nos estratos e nos agenciamentos são organizados segundo dois modelos: molar ou molecular. A ordem molar se refere às estratificações que delimitam objetos, sujeitos, representações e seus sistemas de referência. A ordem molecular, por sua vez, corresponde aos devires, às transições de níveis, às intensidades. Nessa ordem operam diversas e distintas categorias de agenciamento que promovem a transversalidade e o movimento de produção do real. Rolnick e Guattri (1996) explicam que esses planos possuem uma relação cuja lógica é de oposição binária entre o caos e a ordem. Dessa forma, esses planos são trabalhados numa esteira de equilíbrio e (in)conciliação; pois, de um lado, no plano molar, ocorre a transgressão, único movimento imaginável, que gera culpa e, consequentemente, mutilação, crime ou suicídio. Noutro lado, no plano molecular, ocorre o desmanchamento, que não desemboca em coisa alguma e gera enlouquecimento. Desse modo,
[...] somos atravessados por todos os lados por esses fluxos do real, e nos constituímos neles. Tanto podemos ser engolidos por movimentos que nos fecham em circularidades totalitárias ou conservadoras como também tais fluxos podem abrir nossa percepção, intensificando nossa sensibilidade, fazendo-a co-participar de agenciamentos
94
rizomáticos, de sínteses nômades cuja razão suficiente é a ligação da diferença pela diferença. (NASCIMENTO, 2012)
E assim, os fluxos operam como forças que atravessam os corpos sociais, podendo leválos a movimentos circulares de repetições e/ou de aberturas. Nesse processo, as forças parecem coabitar no sentido de incitar e reprimir o socius, colocando-o em uma batalha na qual é esticado, encolhido, atravessado, como um conjunto de dispositivos oscilantes entre seus pontos de caos e ordem, à procura de equilíbrio. Pensada dessa forma, a noção de fluxo é bastante válida, de um modo geral, para entendermos “com quais outras forças as forças no homem entram em relação, numa ou noutra formação histórica, e que forma resulta desse composto de forças” (FOUCAULT, 1986, apud NASCIMENTO, 2012). O que reforça nosso propósito, nesta subseção, de perceber com quais forças os profissionais da docência entram em relação. Quais fluxos perpassam seu modo de vida acadêmico e profissional?
3.6.2 Fluxos que perpassam a vida acadêmica e profissional dos profissionais da docência
A pesquisa de Gatti e Barreto (2009) trata sobre os impasses e desafios na vida profissional e acadêmica de professores da área da Pedagogia e demais licenciaturas (Biologia, Física, Química, Matemática, História, Geografia e Letras). Com o interesse de perceber a posição do curso de Letras no contexto de formação de professores para educação básica no Brasil, fizemos um recorte dessa pesquisa selecionando alguns dos aspectos nela abordados. Para melhor visualização organizamos tais aspectos nos seguintes quadros abaixo:
Quadro 10 - Características básicas em relação ao curso Escolha e expectativas em relação ao curso: O curso de Letras, segundo Gatti e Barreto (2009), é o segundo mais escolhido, dentre os cursos de licenciaturas, principalmente pelo público feminino. Dentre as principais razões para a escolha desse curso sobressai-se o desejo pela profissão, por querer ser professor; no entanto, a escolha da docência, conforme os dados da pesquisa realizada por essas autoras, também revela alto índice no quesito “seguro desemprego”, isto é, muitos veem a docência como uma segunda opção caso não consigam ou enquanto não conseguem outras oportunidades no mercado de trabalho.
95
Situação socioeconômica dos estudantes: O grupo dos estudantes dos cursos de nível superior para a docência é majoritariamente concentrado nas faixas de renda familiar média, sendo formado em grande parte por alunos de origem social modesta. Segundo Gatti e Barreto (2009), é bastante expressivo o percentual de alunos com renda familiar de até três salários mínimos e escassa a frequência de sujeitos nas faixas mais elevadas de renda. Além disso, muitos estudantes são também trabalhadores e empregam o seu tempo em outras ocupações, em detrimento do estudo. Tal situação pode sugerir, conforme essas pesquisadoras, a ocorrência de um processo de proletarização dos trabalhadores na área da educação, mas também pode indicar uma forma de ascensão de certas esferas populacionais a carreiras de maior qualificação. A bagagem cultural: A escolaridade dos pais dos alunos dos cursos de licenciatura apresentou índices heterogêneos, mas a maioria dos pais cursou o ensino fundamental, de 1ª a 4ª séries. Segundo Gatti e Barreto (2009), a escolaridade dos pais é um indicador importante no que se refere à bagagem cultural das famílias. O Brasil é um país de escolarização tardia, grande parte dos alunos é oriunda de lares de analfabetos ou de pais que frequentaram até a 4ª série do ensino fundamental. Contudo, embora essa realidade indique que a bagagem cultural da maioria dos alunos é de origem familiar humilde e com pouco acesso à escola, essa realidade também denota uma ascensão desse grupo geracional a níveis mais altos de formação. Escolaridade anterior dos alunos: A maioria dos estudantes provém da escola pública. São 65.683 os que cursaram todo o ensino médio no setor público e 13.833 os que o fizeram parcialmente; 17.903 cursaram em escolas particulares. Consumo cultural e uso de computador13: Segundo as pesquisas, a oferta de bens culturais é bastante variável conforme as localidades
13
Tal questão está ligada à oferta e ao consumo de bens culturais pelos professores. O interesse em obter informações a respeito desses aspectos, segundo Gatti e Barreto (2009), está relacionado à importância dos mediadores culturais na ação pedagógica dos professores, pois muito do que sabem, sentem, pensam e o modo como atuam nas escolas têm relação não somente com as experiências restritas de escolarização que vivenciam, mas com a sua própria experiência de vida e com as formas com as quais se relacionam com os bens culturais, na sociedade contemporânea.
96
e, também, segundo os estratos sociais de que provêm os docentes e o nível de ensino a que se dedicam. A maioria dos alunos de licenciatura, 34.111, lê entre três a cinco livros por ano, outros 26.887, na segunda posição, leem no máximo dois. Apenas 14.137 afirmaram ler mais de oito livros. Quanto ao gênero, as obras literárias são as preferidas. No que se refere à leitura de jornais, a maioria afirma realizá-la de forma esporádica; sendo a televisão, segundo eles, o meio mais utilizado para a busca de atualização. As atividades artísticas culturas preferidas são as cinematográficas, e o uso do computador é indicado por mais de 90% dos alunos. Fonte: Elaborado pelos autores com base nas pesquisas de Gatti e Barreto (2009).
Quadro 11 - Condições educativas oferecidas pelas instituições formadoras14 Número aproximado de estudantes por turma no curso: Os dados apontaram que metade dos estudantes frequenta classes que possuem entre 31 e 50 alunos. Condição de equipamentos de laboratório: A maioria indicou que os equipamentos estão atualizados e bem conservados, embora um grande número tenha indicado que não há laboratório em seu curso. Condições e utilização do acervo da biblioteca: A maioria dos alunos respondeu que é medianamente atualizado e que o utilizam com razoável frequência. Acesso de microcomputadores disponibilizados pelas instituições: A maioria dos alunos respondeu que o tem de forma limitada. Técnicas de ensino mais utilizadas pelos professores: A maioria dos alunos respondeu que são as aulas expositivas, com participação dos estudantes; um número significativamente menor de alunos indicou aulas práticas. Fonte: Elaborado pelos autores com base nas pesquisas de Gatti e Barreto (2009).
14
Neste aspecto, Gatti e Barreto (2009) analisaram as opiniões dos alunos em relação às condições educativas oferecidas pelos cursos. As pesquisadoras consideram apenas respostas de alunos concluintes, abrangendo um total de 68.955 sujeitos.
97
As características básicas em relação ao curso de Letras e ao perfil dos alunos e professores estão, portanto, inseridas nesse contexto perpassado por fluxos de diversas categorias, alguns apontam para forças de expansão do conhecimento e de melhoria de condições de vida, com a ascensão e o acesso de um grupo geracional aos âmbitos de ensino superior e suportes tecnológicos, e à possibilidade de construir uma carreira profissional. Mas, ao mesmo tempo, esses fluxos, ou contrafluxos, também podem indicar certa limitação no que se refere às condições de vida fora do âmbito de ensino, à desvalorização salarial da profissão docente, às condições do ensino superior recebido – e nem mencionamos com mais detalhes as condições do trabalho docente –, enfim, trata-se de uma trama bastante complexa na qual não são poucos os desafios a serem superados no sentido de melhorar a qualidade da educação. Tais fluxos não podem passar despercebidos em um procedimento de análise curricular, na medida em que estão ligados não somente ao percurso da formação acadêmica, mas aos resultados e implicações dessa formação no percurso profissional. E no que se refere ao processo de (des)(re)territorialização gramatical na prática pedagógica do professor de língua portuguesa, esses fluxos e contrafluxos precisam ser reconhecidos, não para se criar um cenário de impossibilidades e justificativas para desistências ou práticas descompromissadas, mas para que se perceba que em um contexto como esse não se pode eleger como bode expiatório para os problemas no ensino de língua(gem) uma determinada abordagem e propor excluí-la, mas, sim, pensar em como transformá-la junto à realidade que a envolve e que por ela também é envolvida. Também é preciso ressaltar que, além de qualquer formação inicial ou continuada, haverá mudanças mais significativas no ensino e na sua qualidade se houver investimentos nas condições de vida, trabalho e ensino.
3.7
Destaque para algumas considerações
Com este capítulo foi possível perceber que, no que se refere à suas concepções e aos seus objetivos, a estrutura curricular analisada contempla o movimento de desterritorialização diante das estruturas de saberes dominantes ao buscar promover a construção de uma educação linguística voltada para a diferença e fundamentada nos princípios e valores da interculturalidade. Tal busca é guiada pela concepção de que, embora não exista fatores linguísticos que justifiquem a escolha de uma língua padrão, há argumentos de ordem social, política e econômica que podem explicá-la. Daí o objetivo de formar um profissional crítico, que possa criar didáticas estratégicas no sentido de facilitar que seus alunos tenham tanto o
98
acesso aos capitais linguísticos de prestígios quanto o direito de manifestar suas peculiaridades linguísticas. Não obstante essa concepção curricular de caráter articulatório, percebemos que, na dinâmica de sua organização, o planejamento curricular apresenta um desequilíbrio em relação à grande quantidade de carga horária teórica sobressalente ao quantitativo de carga horária prática. O que implica distanciamento entre a teoria e a prática e, consequentemente, certo atraso no processo de (des)(re)territorialização gramatical, considerando que é numa relação mais aproximada entre os conhecimentos teóricos e o cotidiano de ação profissional que o professor, em formação inicial, apreenderá melhor as formas a partir das quais ele poderá desenvolver um trabalho mais proveitoso com os aspectos gramaticais e condizente com as perspectivas de ensino-aprendizagem contemporâneas. No que se refere à disposição teórico-gramatical na estrutura curricular, percebemos que, embora haja um bom quantitativo de disciplinas inerentes à teoria gramatical, tais disciplinas apresentam, em suas ementas, aspectos que nos levaram a concluir que a orientação curricular apresenta caminhos insuficientes para promover que o acadêmico tenha uma percepção maior acerca da articulação entre as questões gramaticais e as questões relativas ao texto, na medida em que não dispõe de certos mecanismos de aprendizagem gramaticais – como a realização de análises investigativas de compêndios gramaticais, de um estudo mais profundado do léxico, de uma teoria linguístico-gramatical que vá além do gerativismo –; tornando limitados, portanto, os caminhos para a exploração dos territórios gramaticais e, consequentemente, dificultando que o professor em formação inicial compreenda de forma mais abrangente esse conjunto teórico. Também
percebemos
outros
fluxos
que
concorrem
no
processo
de
(des)(re)territorialização gramatical, que são aqueles ligados aos contextos internos e externos da trajetória da formação acadêmica e às implicações dessa formação na carreira profissional. Percebemos que muitos desafios ligados à vida dos acadêmicos/professores, às condições do ensino recebido nas instituições de ensino, a questões de desvalorização salarial e profissional, influenciam no processo seja para aumentar sua intensidade e fazê-lo fluir ou para fazer o inverso disso. A percepção acerca desses fluxos – tantos daqueles verificados na estrutura curricular analisada, quanto daqueles relacionados ao contexto geral de formação de profissionais da docência –, pode auxiliar para que se construa práticas de reflexão e ações no sentido de modificar/aplacar
certas
(in)verdades
que
cristalizam
a
relação
entre
o
aluno/pesquisador/professor com o objeto de estudo e ensino. Pois o que vemos, retomando
99
mais uma vez às conjecturas de Costa (2018), é que muitas vezes os desafios que cercam o professor, em formação inicial ou continuada, acabam criando uma rede de “afectos” passivos negativos, fazendo com que ele crie uma ideia inadequada e limitativa acerca de suas funções e com isso sinta certo desânimo em relação às questões profissionais e, também, transmita esse sentimento e essa ideia aos alunos. Urge a necessidade, portanto, de que as instituições responsáveis pela formação do profissional docente procurem perceber esses fluxos, verificando constantemente como eles envolvem o planejamento curricular e afetam o perfil do acadêmico em seu percurso formativo. Daí o seguinte questionamento reflexivo no que se refere aos estudos linguísticos: até que ponto as limitações em torno da teoria gramatical, na estrutura curricular, promovem benefícios, no sentido de aumentar a criticidade do acadêmico em questões linguísticas individuais, e malefícios, no sentido de criar aversões em relação aos aspectos gramaticais padrões? Não é uma tarefa fácil; contudo, é necessário que se busque um equilíbrio em meio a esse movimento de fluxos. Isso não implica dizer que a universidade deva, a partir de um currículo, estabelecer uma “identidade” – de agora afirmamos que a constituição de uma identidade também pode abrigar pressupostas exclusões –, mas trabalhar na construção de uma subjetividade transversalista que seja, "de fato, plural” que não conheça "nenhuma instância dominante de determinação que guie as outras instâncias segundo uma causalidade unívoca” e que “permita responder ao mesmo tempo a suas amarrações territorializadas idiossincráticas (territórios existenciais) e as suas aberturas para sistema de valor (universos incorporais) com implicações sociais e culturais” (GUATTARI, 1992, p.11). A partir dessas constatações e reflexões é que partimos para o próximo capítulo, considerando os seguintes questionamentos: que tipo de abordagem curricular pede a realidade social contemporânea? E, no curso de Letras, qual é a proposta que poderíamos apontar como possível caminho para reterritorializar a teoria gramatical?
100
4
POSSIBILIDADES E POTENCIALIDADES NO ENSINO DOS ASPECTOS GRAMATICAIS DA LÍNGUA PORTUGUESA: UMA PROPOSTA DE ENSINO RIZOMÁTICO
Fonte: (OLIVEIRA, 2017)
E tu para que queres um barco, pode-se saber, foi o que o rei de facto perguntou quando finalmente se deu por instalado (...), Para ir à procura da ilha desconhecida, respondeu o homem, Que ilha desconhecida, perguntou o rei disfarçando o riso, como se tivesse na sua frente um louco varrido, dos que têm a mania das navegações, a quem não seria bom contrariar logo de entrada, A ilha desconhecida, repetiu o homem, Disparate, já não há ilhas desconhecidas, Quem foi que te disse, rei, que já não há ilhas desconhecidas, Estão todas nos mapas, Nos mapas só estão as ilhas conhecidas, E que ilha desconhecida é essa de que queres ir à procura, Se eu to pudesse dizer, então não seria desconhecida. (...) O capitão tornou a ler o cartão do rei, depois perguntou, Poderás dizer-me para que queres o barco, Para ir à procura da ilha desconhecida, Já não há ilhas desconhecidas, O mesmo me disse o rei, O que ele sabe de ilhas aprendeu comigo, É estranho que tu sendo homem do mar, me digas isso, que já não há ilhas desconhecidas, homem da terra que sou eu, e não ignoro que todas as ilhas, mesmo as conhecidas, são desconhecidas enquanto não desembarcarmos nelas. (SARAMAGO, 1998., p. 16-57)
Embora sejamos falantes da língua portuguesa brasileira, ela ainda parece se tratar de uma ilha desconhecida para nós, ao menos no que diz respeito ao modo pelo qual a concebemos e abordamos seus aspectos gramaticais. Como apresentado no capítulo anterior, percebemos que na dinâmica de sua organização o planejamento curricular apresenta certo desequilíbrio que implica em um distanciamento entre teoria e prática; e constatamos, ainda, que, junto a essa problemática, o planejamento oferece, no bojo de suas ementas e objetivos, caminhos teóricogramaticais limitados e considerados, portanto, insuficientes para que o professor em formação
101
inicial tenha uma clara compreensão acerca da composição e articulação das teorias gramaticais em sua prática pedagógica. Em virtude dessas constatações, tentaremos, com este capítulo, apresentar caminhos possíveis para que os territórios gramaticais sejam contemplados por meio de uma perspectiva curricular baseada no pensamento rizomático, de Deleuze e Guattari, bem como por meio do pensamento complexo, com base em contribuições de Edgar Morin. Também apresentaremos, como proposta de trabalho, o método da cartografia junto a proposições em torno do conceito de transdução, oriundo do diálogo entre a filosofia de Deleuze e Guattari e a de Simondon. Como já mencionamos, na introdução deste trabalho, não queremos apresentar, com base nos autores citados, um suposto remédio para os problemas do ensino língua(gem), mas apontar para possíveis caminhos no sentido de repensá-lo, levar nossas concepções atuais ao desconhecido, ao estranhamento, torná-las atuais enquanto esboço do que vier a ser; ir à sua procura.
4.1
Pensamento e produção do saber: propostas para uma perspectiva curricular calcadas no conceito de rizoma, de Deleuze e Guattari, em diálogo com o Pensamento Complexo, de Edgar Morin Estamos cansados da árvore. Não devemos mais acreditar em árvores, em raízes ou radículas, já sofremos muito. Toda cultura arborescente é fundada sobre elas, da biologia à linguística. (DELEUZE e GUATARRI, 2011a, p.34)
Conforme Deleuze e Guattari, “o pensamento não é arborescente e o cérebro não é uma matéria enraizada nem ramificada”; no entanto, “muitas pessoas têm uma árvore plantada na cabeça" (DELEUZE e GUATARRI, 2011a, p.34). Como menciona Souza (2012), o homem tem buscado definir e entender o processo do conhecimento humano desde as origens da filosofia grega antiga; no entanto, essa busca tem sido envolvida, até hoje, por uma perspectiva tradicional do conhecimento humano, já que, dentro da dinâmica do pensamento ocidental, ela teve como ponto de partida a visão clássica do pensamento socrático: ‘conhecete a ti mesmo’; para depois, metamorfosear-se na visão do pensamento cartesiano: ‘penso, logo sou’; até chegar à contemporaneidade, mantendo fortes características de um pensamento moldado por sistemas arborescentes fincados na representação.
Os sistemas arborescentes são sistemas hierárquicos que comportam centros de significância e de subjetivação, autômatos centrais como memórias organizadas. Acontece que os modelos correspondentes são tais que um elemento só recebe suas informações de uma unidade superior e uma atribuição subjetiva de ligações preestabelecidas. (DELEUZE e GUATTARI, 2011a, p. 36)
102
O pensamento arbóreo é guiado por uma unidade superior hierárquica, centralizadora e unificadora: nesse sistema centrado, a comunicação é controlada e limitada. Assim, o desejo do indivíduo é podado, moldado para uma condução que o faz perceber-se como um agente funcional numa performance preestabelecida: como uma espécie de máquina. Conforme destacam Deleuze e Guattari (2011b), a partir de uma revisão dos trabalhos de Pierre Rosenstiehl e Jean Petitot, dar primazia às estruturas hierárquicas significa privilegiar as estruturas arborescentes em um dado sistema, no qual o indivíduo consente apenas com um vizinho ativo, seu superior. Em um sistema como esse, o indivíduo se limita a expandir sua comunicação, já que está integrado em um lugar preciso, com canais de transmissão preestabelecidos, tendo poucas aberturas para realizar conexões. Isso nos faz lembrar dos modelos tradicionais de ensino-aprendizagem – bastante criticados por estudiosos – nos quais o professor exerce a função de único detentor e transmissor de conhecimentos, enquanto que os alunos ‘devem funcionar’ como ‘recipientes de informações’, tendo o trabalho de receber e decorar conteúdo. É, então, no sentido de romper com o modelo do pensamento arbóreo, que o conceito de rizoma assume sua relevância. É preciso fazer o múltiplo, não acrescentando sempre uma dimensão superior, mas ao contrário, da maneira simples, com força de sobriedade, no nível das dimensões de que se dispõe, sempre n-1 (é somente assim que o uno faz parte do múltiplo, estando sempre subtraído dele). Um tal sistema poderia ser chamado de rizoma. (DELEUZE e GUATTARI, 2011a, p.21)
O rizoma é a emergência do pensar e do fazer livres, em uma ordem na qual o privilégio deve ser dado à multiplicidade, às conexões, à heterogeneidade, à liberdade de criar o novo, à possibilidade de construir o inconsciente sem estar preso a uma unidade superior hierárquica. "A árvore e a raiz inspiram uma triste imagem do pensamento que não para de imitar o múltiplo a partir de uma unidade superior, de centro ou de segmento” (Ibid., p.35). O conceito botânico de rizoma faz referência a um tipo de caule que cresce em sentido horizontal e subterrâneo, cujos brotos podem se ramificar em qualquer ponto, formando, assim, um bulbo ou tubérculo. A associação à Botânica não é mera coincidência, à ideia de rizoma, bem sucedida quanto ao seu encargo conotativo diante do modelo de pensamento humano, contrapõem-se a ideia da árvore e da raiz, que representa o modelo de “pensamento mais clássico e o mais refletido, o mais velho, o mais cansado” (Ibid., p.19).
103
Para esse contraponto, Deleuze e Guattari organizaram seis princípios a fim de caracterizar, sucintamente, o rizoma. Os dois primeiros compreendem o princípio da conexão e da “heterogeneidade”: Qualquer ponto do rizoma pode ser conectado e deve sê-lo. É muito diferente da árvore ou da raiz que fixam um ponto, uma ordem [...]. Num rizoma, ao contrário, cada traço não remete necessariamente a um traço linguístico: cadeias semióticas de toda natureza são aí conectadas a modos de codificação muito diversos, cadeias biológicas, políticas, econômicas, etc. (Ibid., p.22)
Os princípios da “conexão” e da “heterogeneidade” são mecanismos de resistência aos modelos de pensamento baseados em dualismos, dicotomias e verdades não discutíveis. Para compreendermos melhor, Deleuze e Guattari argumentam, por exemplo, sobre a não existência de uma língua mãe. Segundo os filósofos, “não existe língua em si, nem universalidade da linguagem, mas um concurso de patoás, de gírias, de línguas especiais. Não existe locutorauditor ideal, como também não existe comunidade linguística homogênea” (2011b). Para eles, a língua é, “segundo uma fórmula de Weinreich, uma realidade essencialmente heterogênea” (Ibid., p.23). O rizoma rejeita, portanto, qualquer tipo de afirmação a respeito da existência de uma unidade superior; e defende a existência de cadeias semióticas de toda natureza interligadas umas às outras. O terceiro princípio é o da “multiplicidade”:
Uma multiplicidade não tem nem sujeito nem objeto, mas somente determinações, grandezas, dimensões que não podem crescer sem que mude de natureza (as leis de combinações crescem então, com a multiplicidade). [...] Nós não temos unidades de medidas, mas somente multiplicidades ou variedades de medida. A noção de unidade só aparece unicamente quando se produz numa multiplicidade uma tomada de poder pelo significante ou um processo correspondente de subjetivação. (Ibid., pp.23-24)
Reafirma-se, então, a inexistência do uno como unidade superior, trazendo à tona uma multiplicidade que cresce, necessariamente, por combinações de componentes heterogêneos e por transformações. Aqui, encontramos imbricado o conceito de ‘agenciamento’: “este crescimento das dimensões numa multiplicidade que muda necessariamente de natureza à medida que ele aumenta suas conexões” (Ibid., p.24). Uma multiplicidade cresce por combinação, sendo por isso mesmo que, quando é submetida a um poder de aprisionamento por um suposto fator dominante, suas leis de combinação são reduzidas – “as multiplicidades se definem pelo fora: pela linha abstrata, linha de fuga ou desterritorialização, segundo a qual elas mudam de natureza ao se conectarem às outras” (Ibid., p.25). O quarto princípio é o da “ruptura assignificante”, que se volta:
104
[...] contra os cortes demasiado significantes que separam as estruturas, ou que atravessam uma estrutura. Um rizoma pode ser rompido, quebrado em um lugar qualquer, e também retorna segundo uma ou outra de suas linhas e segundo outras linhas. [...] Todo rizoma compreende linhas de segmentaridade, segundo as quais ele é estratificado, territorializado, organizado, significado, atribuído etc., mas compreende também linhas de desterritorialização pelas quais ele foge sem parar. (Ibid., pp. 25-26)
Aqui,
notamos
uma
advertência
contra
as
estruturas
demasiado
significantes/cristalizantes. O rizoma é um exímio conceito contra o estruturalismo, na medida em que vem para resistir a qualquer tipo de estrutura hierarquizante e cristalizadora da racionalidade humana; ele está sempre aberto às transformações, à intromissão do novo, à quebra de paradigmas. Mas o rizoma não nega a necessidade da ordem, mas segue uma ordem paradoxal que assume tanto uma lógica provisória, sustentada nos acontecimentos presentes (o que poderíamos associar, simplificadamente, ao termo territorializado), quanto afirma a incapacidade de se estabelecer qualquer tipo de ordem absoluta (isto é, há sempre uma necessidade de desterritorializar-se, recriar-se) – o que nos remete para a ‘hipercrítica’15 de Michel Foucault. O quinto e o sexto princípios são o da “cartografia” e o da “decalcomania”: "um rizoma não pode ser justificado por nenhum modelo estrutural ou gerativo. Ele é estranho a qualquer ideia de eixo genético ou de estrutura profunda” (Ibid., p.30). Esses dois últimos princípios reforçam, também, a ineficácia de modelos estruturantes do pensamento humano e propõem a produção de um inconsciente aberto e construído por meio de mapeamento e não decalcomania. Diferente é o rizoma, mapa e não decalque. [...] Se o mapa se opõe ao decalque é por estar inteiramente voltado para uma experimentação no real. O mapa não reproduz um inconsciente fechado sobre ele mesmo, ele o constrói. [...] O mapa é aberto, é conectável em todas as suas dimensões, desmontável, reversível, suscetível de receber modificações constantemente. Ele pode ser rasgado, revertido, adaptar-se a montagens de qualquer natureza, ser preparado por um indivíduo, um grupo, uma formação social. (Ibid., p.30)
Mapear, então, significa (des)moldar a produção do inconsciente, isto é, provocar aberturas quanto à forma de pensar e agir. Quando a produção de inconsciente está presa a
Chamada assim por Veiga-Neto (2016, p. 25), a hipercrítica foucaultiana “está sempre em movimento” e “se desloca sem descanso, sobre ela mesma e sobre nós”. É uma racionalidade que se volta contra si mesma para revisar e des(re)construir, de modo permanente, suas condições de verdades, transformando suas formas de pensar e agir. 15
105
raízes dos moldes estruturalistas do pensar, por exemplo, isto faz com que passemos a limitar nossos campos de produção por meio de modelos de repetição e imitação de ações; produzindo, assim, decalques: “o mapa tem múltiplas entradas contrariamente ao decalque que volta sempre ao mesmo” (Ibid., pp. 30-31). O decalque, para os filósofos franceses,
[...] é antes como uma foto, um rádio que começaria por eleger ou isolar o que ele tem a intenção de reproduzir [...]. É sempre o imitador que cria seu modelo e o atrai. O decalque já traduziu o mapa em imagem, já transformou o rizoma em raízes e radículas [...]. Ele gerou, estruturalizou o rizoma, e o decalque já não reproduz senão ele mesmo quando crê reproduzir outra coisa. Por isto ele é tão perigoso. Ele injeta redundâncias e as propaga. (Ibid., p. 32)
As
consequências
do pensamento
arbóreo, no
âmbito
da
educação,
são
evidentes; parece haver, com efeito, uma educação cujo trabalho é montar e remontar murais de fotografias do saber. Os modos de produção do saber, aliados aos modelos estruturalistas, influenciados principalmente pela ciência ocidental, ainda são levados e condicionados à reprodução de modelos que produzem conhecimentos estáticos, hierarquizados, obsoletos, repetitivos, reduzidos à imitação. A estrutura dos modelos curriculares é um exemplo real disso: Os modelos científicos e curriculares hegemônicos determinaram a fragmentação e a especialização das ciências e das disciplinas curriculares e se constituíram numa grande árvore-decalque. Os galhos e folhas da árvore-mãe são todas as disciplinas – Física, Sociologia, Geografia, Química, Filosofia, História, Letras, Artes, Biologia, entre outras que brotaram, no século XIX, de uma matriz única, o positivismo. (DINIZ, COSTA e DINIZ, 2011, p. 324)
Mesmo com as inúmeras investidas científicas na busca por novas práticas de ensino, os modelos de currículo ainda assumem uma estrutura arborescente, no sentido de que são organizados de forma vertical, a partir da fragmentação e hierarquização do saber; ainda têm sua organização influenciada por aspirações positivistas e reducionistas; e ainda estão sob o jugo do controle político, econômico e social. Obviamente, não há como propor a não existência da organização curricular e negar a sua importância na dinâmica das diretrizes de ensino. Em consonância com Lopes e Macedo (2011), defendemos que a organização disciplinar é concebida, ao longo dos anos, como uma instituição social necessária na medida em que ela arranja e define princípios em torno das atividades, do espaço e do tempo no trabalho educacional, do modo como os professores ensinam e como são formados, dos métodos de ensino e de outras questões burocráticas atreladas às políticas, às diretrizes e aos planejamentos educacionais.
106
Entretanto, é preciso repensar constantemente sobre até que ponto essa organização contribui para melhor transposição didática ou para reforçar uma “curricularização” de conhecimentos fragmentados e dissociados entre si. Daí a relevância e justificativa para analisarmos o currículo, a universidade e a construção de prática educativas a partir da perspectiva rizomática: abrir caminhos para um novo pensar e um novo fazer educacional. Os princípios de conexão e de heterogeneidade apontam para uma organização curricular sem hierarquias rígidas e orientam para que o currículo dê lugar à diferença. A multiplicidade orienta para a necessidade de interligação entre as áreas do conhecimento, uma vez que, nas palavras de Deleuze e Guattari (2011a), não basta ser múltiplo, é preciso que fazê-lo por meio de agenciamentos e da anulação de uma dimensão superior que guie todas as outras. A ruptura asignificante propõe um caminho de cortes, territorializações e fugas, ou seja, um caminho de localizações e (des)localizações no qual a razão e as ações estejam em constante transformação. A cartografia representa a produção de saberes nos cotidianos, vinculando a aprendizagem do sujeito aos contextos internos e externos da universidade. No que concerne ao trabalho de articulação entre a teoria e a prática, a perspectiva rizomática possibilita que a formação do professor se desenvolva mediante um exercício no qual o conhecimento e a prática sejam produzidos e articulados em redes cotidianas. Conforme explicam Lopes e Macedo (2011), a lógica do cotidiano – que inicialmente foi referida a Henri Lefèbvre e atualmente tem como referentes centrais de estudos e pesquisas autores como Foucault, Deleuze e Guattari – é descrita como em rede e permite pensar sobre uma educação planejada conforme os conhecimentos que são tecidos em redes compostas na/pela inter-relação complexa de diferentes contextos. Assim, conforme explicam aquelas autoras, uma perspectiva curricular fundamentada pelos estudos nos/dos/com os cotidianos assumiria o currículo como sendo resultado daquilo que os sujeitos praticam nos espaços-tempos em que esteja pensando em sua formação, numa prática que pudesse abranger os múltiplos contextos em que os sujeitos são constituídos como redes de subjetividades. O currículo-rizoma, enfim, visa a agregar uma rede diversificada de conhecimentos, sujeitos, contextos conectados entre si. Com tal perspectiva dialoga o pensamento complexo de Edgar Morin. A proposta do pensamento complexo, assim como a do rizoma, certamente, não se trata de abrir mão da organização ou da ordem; obviamente, não se pode apreender tudo; pois, apesar das categorizações, as singularidades existem fora de uma generalidade. Entretanto, deve-se reconhecer que existe também uma realidade complexa na qual existem as partes e a conexão entre elas, no todo; assim como o todo existe nas partes. É como um conjunto de fios entrelaçados, “a complexidade é um tecido [...] de constituintes heterogêneas
107
inseparavelmente associadas: ela coloca o paradoxo do uno e do múltiplo. [...] é efetivamente o tecido de acontecimentos, ações, interações, retroações, determinações, acasos, que constituem nosso mundo fenomênico” (MORIN, 2005, p. 13). Essa proposta, na perspectiva curricular, significaria pensar em currículo como “uma tessitura comum que coloca como sendo inseparavelmente associados o indivíduo e o meio, a ordem e a desordem, o sujeito e o objeto, o professor e o aluno e todos os demais tecidos que regem os acontecimentos, as ações e as interações que tecem a trama da vida” (MORIN, 1990, apud MORAES, 2010, p.295). A proposta do pensamento complexo é de realizar uma reforma que rompa com a visão do pensamento simplificador e reducionista; e que assuma o caráter complexo da sociedade, de modo que ela seja observada de forma indissociável e abordada de forma multi e transdisciplinar. Falamos de uma reforma do pensamento e do ensino que “permita não apenas isolar para conhecer, mas também ligar o que está isolado, e nela renasceriam, de uma nova maneira, as noções pulverizadas pelo esmagamento disciplinar, o ser humano, a natureza, o cosmo, a realidade” (MORIN, 2003, p.104). Precisamos trocar o “pensamento que isola e separa por um pensamento que distingue e une”, substituindo “o pensamento disjuntivo e redutor por um pensamento do complexo, no sentido originário do termo ‘complexus’: o que é tecido junto” (Ibid., p. 89). De um modo geral, o pensamento complexo propõe uma reforma de produção do conhecimento a partir de uma reforma no pensamento – e vice-versa – que passe a priorizar a multidimensionalidade da realidade, de modo que a multiplicidade e a conexão do(s) sistema(s) sejam percebidas, uma vez que o todo e as partes são indissociáveis e retroagem entre si. A proposta de substituir a dialética, insistente na busca das verdades absolutas, pelo diálogo entre noções antagônicas, significa reconhecer que os saberes podem ser antagônicos e, ao mesmo tempo, complementares. Isso, na perspectiva curricular, significa procurar meios para que as disciplinas, mesmo estando organizadas em uma estrutura vertical, possam se comunicar umas com outras, levando em consideração que todas possuem campos distintos, mas possuem também, naturalmente, linhas de conexão que as fazem se interligarem e se ultrapassarem para criar algo novo; indo além. Para
isso,
o
currículo
deve
assumir
um
caráter transdisciplinar:
“a
transdisciplinaridade [...] diz respeito àquilo que está ao mesmo tempo entre as disciplinas, através das diferentes disciplinas e mais além de qualquer disciplina. Seu objetivo é a compreensão do mundo presente” (NICOLESCU, 1999, p. 53, apud SUANNO, 2015, p.110). Em função dessa perspectiva, o currículo pode não somente possibilitar liberdade crítica e
108
reflexiva, mas também formar um sujeito dotado de diferentes níveis de percepção acerca da realidade, que tenha condições de assumir um caráter multidimensional na tentativa de conhecer e explorar uma realidade também constituída por múltiplas dimensões e pelas interações entre elas (Ibid., p.95). Um currículo é, ou deveria ser, multiplicidade, mas “toda vez que uma multiplicidade se encontra presa numa estrutura, seu crescimento é compensado por uma redução das leis de combinação” (DELEUZE e GUATTARI, 2011a, pp.18-21). Um currículo organizado de forma vertical, a partir da fragmentação e recognição dos saberes, não dá oportunidade ao aprendiz para aprender com prazer e criar caminhos novos, tampouco enriquece sua relação com o mundo; mas, ao contrário, só o individualiza e distorce sua posição na dinâmica das interações sociais. É necessário que o currículo seja pensado e produzido como um tecido de acontecimentos, ações e interações (MORIN, 2005), e também como um território de multiplicidades, “um lugar de passagem” (DELEUZE E GUATTARI, 2011, p. 132), no qual passamos e fazemos passar segundo a diacronia de nossas vivências, expressões coletivas e singulares, por meio de movimentos, não fixos hierarquicamente, guiados por nossos desejos, a favor de uma construção profícua de espaços e caminhos para a produção de conhecimentos e produção de subjetividade. No
currículo, como em
qualquer
coisa,
deve
haver “linhas
de
articulação
ou segmentaridade, estratos, territorialidades, mas também linhas de fugas, movimentos de desterritorialização e desestratificação” (DELEUZE e GUATTARI, 2011a, p.21). Em outras palavras, é preciso haver uma ordem; a proposta não é criar um sistema educacional desordenado, mas fazer perceber que as partes (disciplinas) existem, não em uma relação de independência, não em campos isolados, mas em
uma relação paradoxal, na
qual haja autonomia e, ao mesmo tempo, dependência, podendo ser antagônicas e, simultaneamente complementares entre si. Quando acompanhamos a trajetória do processo de (des)(re)territorialização gramatical [capítulo 2], percebemos que os debates, reflexões, produções científicas e ações pedagógicas, em torno do modo como teorizar/abordar os aspectos gramaticais para ensino de língua portuguesa, oscilam entre movimentos de rupturas e linhas de continuidades. Estamos vivenciando Deleuze e Guattari (2011ª, pp.48-49), chama de intermezzo: Um rizoma não começa nem conclui, ele se encontra sempre no meio, entre as coisas [...]. É que o meio não é uma média; ao contrário, é o lugar onde as coisas adquirem velocidade. Entre as coisas não designa uma correlação localizável que vai de uma para outra e reciprocamente, mas uma direção perpendicular, um movimento
109
transversal que as carrega uma e outra, riacho sem início nem fim, que rói suas duas margens e adquire velocidade no meio.
Por isso, o mais adequado agora é viver a aliança entre o que, por um lado, propõe alguns indícios da tradição e o que, por outro lado, propõe as reivindicações da nova sociedade. O que significa que precisamos somar, ao invés de subtrair. A partir dessa percepção é que pensamos sobre um currículo que assuma o caráter de uma tessitura que possa articular os múltiplos territórios gramaticais, no sentido de promover encontros transversais.
4.2
Método da cartografia: por uma perspectiva curricular que possibilite caminhos para articular o(s) território(s) gramatical(is)
Como já introduzimos, consideramos a existência não de uma gramática da língua portuguesa, mas de território(s) gramatical(is) de uma língua multerritorial. Pensar em gramática a partir dessa perspectiva não é uma tarefa muito fácil; pois implica considerá-la como um território aberto às multiplicidades; e, como já vimos, no capítulo segundo, o contexto histórico que a envolve, seu surgimento e suas transformações, é repleto de discussões e debates mobilizados ao longo dos anos, em torno de seu caráter excludente e dominante que se propagou e fez com que passasse a ser estudada como tal. O método da cartografia consiste em mapear territórios, acompanhar processos, conhecer no mundo a ser conhecido, fazer parte da produção do saber e da transformação da realidade. Sendo a realidade, nessa perspectiva, compreendida como um “plano de composição de elementos heterogêneos” – apreensão orientada pelo conceito de rizoma que, como vimos, compreende a conexão de redes e componentes hetoregêneos de naturezas distintas. Desse modo, faz-se necessário que o pesquisador não somente busque representar o objeto ou processar informações acerca do mundo supostamente constituído, mas também implicar-se com o mundo, compromente-se com sua produção (ALVAREZ e PASSOS, 2009, p.131). Nessa perspectiva, o desafio é fazer uma reversão do sentido tradicional do método “não mais um caminhar para alcançar metas prefixadas (metá-hódos), mas o primado do caminhar que traça, no percurso, suas metas. A reversão, então, afirma um hódos-metá” (PASSOS E BARROS, 2011, p.17). Com isso, ao invés de fixar regras ou metas rígidas, de antemão, a
110
cartografia propõe que a pesquisa seja orientada por pistas,16 que servem como referência para a produção e manutenção do caminhar no próprio curso. Na perspectiva curricular, esse desafio pressupõe considerar o acadêmico não somente como um aprendiz a ser formado, mas como um pesquisador-ativo que mergulhe na experiência, acompanhando processos e produzindo conhecimentos em relação de coemergência. E no que se refere à teoria gramatical, pensamos em um currículo que possibilite que o aluno pesquisador parta rumo a esse objeto de estudo e ensino, procurando assimilar sua forma e conteúdo de modo a buscar entender e refletir sobre suas condições iniciais de constituição, seus múltiplos processos de transformação, os fluxos diversos que o circundam, sua conexão com outros territórios linguísticos e, especialmente, sua abordagem e funcionalidade no cotidiano escolar. Para tanto, faz-se necessário que o planejamento curricular proporcione a abertura de caminhos para que o aluno-pesquisador possa aumentar seus níveis de percepção acerca da realidade linguística, conseguindo, assim, associar a teoria à prática por meio de atividades teóricas inter/transdisciplinares e práticas em rede cotidianas. Isso significa que o curso de Letras deve primar por uma organização curricular rizomática que articule a teoria gramatical – abordando não somente sobre a gramática normativa, mas, também, a comparativa, a descritiva, materna etc. –, às teorias linguísticas, de modo a realizar exercícios reflexivos e práticos relativos à metalinguagem, de forma produtiva na análise linguística. Pode parecer pouco relevante ou simples realizar esse tipo de abordagem em um curso superior, ainda mais considerando que grande parte dos acadêmicos já fora submetida a esse tipo de estudo ao longo do ensino básico. No entanto, é justamente em virtude dessa situação que, enquanto sujeito em formação, os acadêmicos tenham uma outra visão acerca de como aprender determinado objeto de estudo e como desenvolver métodos para abordá-lo. Partir rumo a um objeto de estudo, guiando-se pelo método da cartografia, conforme explicam Viveiro e Oliveira (2017), requer pensar a realidade por meio de outros dispositivos que não os apresentados pelos discursos científicos tradicionais. Para isso, é preciso que se cartografem dados, e não apenas que ocorra a sua coleta, participando do processo, observando
16
As pistas do método da cartografia são resultado de um projeto de estudo e pesquisa realizado, entre os anos de 2005 e 2007, por um grupo de professores e pesquisadores que procuraram, por meio de seminários e discussões, desenvolver um método que pudesse sugerir caminhos para além da representação ou dados/objetos preexistentes. A partir da investigação dos processos de produção de subjetividade, esses pesquisadores se envolveram, principalmente, no debate metodológico organizado, tradicionalmente, em torno da oposição entre métodos de pesquisa quatitativa e qualitativa.
111
e registrando a vivência, isto é, projetando meios de pesquisa adaptados à realidade e realizando atividades imanentes às características dos participantes. Para tanto, é necessário que se habite o território, que os sujeitos/pesquisadores sejam implicados na ação reflexiva de observar o território, participando do processo de conhecer e produzir conhecimento, vivenciando e aventurando-se no devir. Isso significa possibilitar, por meio de uma dinâmica transdutiva, que o acadêmico articule os territórios teórico-científicos subjetivos, nos quais habita, aos territórios subjetivos do aluno, da escola, habitando-os também e produzindo conhecimento através de uma relação transversal. Essa dinâmica transdutiva advém do termo transdução, de Simondon, que segundo Passos e Barros (2015, pp. 24-25) significa:
operação física, biológica, mental ou social pela qual uma atividade se propaga de parte em parte, estruturando um domínio. A partir de um sistema em rede amplificante, um gérmen se propaga em várias direções, de tal maneira que cada camada constituída serve de base estruturante a uma camada em formação. [...] O trabalho de pesquisa, assim como o trabalho de intervenção socioanalítica, pressupõe uma forma de relação entre os termos que aí interagem (sujeito-objeto, analistacliente, teoria-prática).
A transdução é uma pista metodológica aliada ao método da cartografia e diz respeito à indissociabilidade entre o conhecimento e o fazer, entre a pesquisa e a intervenção, isto é, toda pesquisa é intervenção e esta se realiza por meio do mergulho na experiência, agenciando o sujeito e o objeto, a teoria e a prática, em um plano de comemergência coletiva de implicações cruzadas e forças (valores, interesses, expectativas, compromissos, desejos crenças) que impende qualquer pretensão à neutralidade ou suposição de um sujeito e/ou objeto congnoscente prévios à relação que os articula. Trata-se de ações que, inicialmente localizadas em um determinado ponto da rede na qual o objeto se insere, deslocam-se para outros pontos, desdobrando-se em novas ações (PASSOS e BARROS; 2015; TEDESCO e ESCÓSSIA, 2015). O plano de coemergência diz respeito ao processo no qual o pesquisador anula suas concepções pré-concebidas e, por conseguinte, deixa-se levar pelas aventuras que o(s) território(s) lhe(s) possa(m) proporcionar. Dessa forma, consideramos que um dos passos para habitar e transduzir por entre os territórios é, de fato, libertá-los de crenças e discursos dominantes, desterritorializando-os nesse sentido. No que se refere aos territórios gramaticais, portanto, esse processo implicaria uma mudança de postura diante, especialmente, da relação entre a funcionalidade do uso linguístico padrão e das variedades. Os estudos linguístico-gramaticais deveriam ser tomados como território político, como conjunto linguístico de rizomas coletivos. Contudo, as coisas se configuram de outro modo,
112
uma vez que todo e qualquer ensino é suscetível a intenções e discursos ocultos – ainda mais em se tratando de um ensino cuja historicidade é marcada por anseios político-sociais de dominação, preconceito e outros valores baseados em supostos ideais como o da língua portuguesa – tais estudos configuram-se como aquilo que os alunos não querem para si, pois não os conquistaram por vontade própria e, muitas vezes, não condizem com sua realidade. Uma postura coemergente, tanto por parte do professor inicial quanto transmitida e assumida pela extensão superior que o forma, implicaria em ressignificar o que se concebe como disciplina gramatical e sua relação com as demais disciplinas, na grade curricular, produzindo atrações, contágios, encontros, promovendo uma transculturalidade linguística rizomática junto a uma culturalidade padrão em uma relação de devir variável. A partir daí, a aventura se daria em caminhar pelos territórios gramaticais com liberdade, não com aquela liberdade abstrata (a sonhada), ou com a de nossa própria natureza, ou com a liberdade de Kant; mas com a liberdade de Foucault, a qual Veiga-Neto chama de “homeopática, concreta, cotidiana e alcançável nas pequenas revoltas diárias” (2016, p.20). Quando há liberdade o desejo aumenta:
É preciso mostrar às pessoas que elas são muito mais livres do que elas pensam ser; que elas têm por verdadeiros, por evidentes, alguns temas que foram fabricados num momento particular da história, e que essa suposta evidência pode ser criticada e destruída. (FOUCAULT, 1994, p. 778, apud VEIGA-NETO, 2016, p.22)
113
CONSIDERAÇÕES
Por meio de uma pesquisa de cunho documental e bibliográfica, realizamos, neste trabalho, uma investigação acerca dos fluxos de saberes concorrentes entre as mudanças de concepções e práticas pedagógicas mobilizadas em torno do ensino de língua portuguesa – incentivadas, especialmente, pelos debates e discussões da área da linguística a partir da década de 80, com vistas a superar o paradigma de ensino gramatical tradicional – e a formação do professor de língua portuguesa, tendo como objeto principal de análise o Projeto Pedagógico do Curso de Letras, da Universidade Federal do Tocantins (UFT), situada na cidade de Araguaína. Para compreender tais mudanças, tomamos como suporte teórico principal as conjecturas de Deleuze e Guattari, valendo-nos, especialmente, dos seguintes termos: território, territorialização, desterritorialização e reterritorialização, que tratam, grosso modo, do processo pelo qual as sociedades constroem, descontroem e reconstroem seus espaços físicos e simbólicos. Buscamos associar tais termos aos estudos da língua(gem), compreendendo as mudanças diacrônicas e sincrônicas referentes à língua, especificamente à portuguesa, e ao processo de gramaticalização dessa língua como um processo de (des)(re)territorialização linguístico-gramatical. Desse modo, nossos primeiros objetivos foram os seguintes: Conhecer e compreender os processos de territorialização, desterritorialização e reterritorialização linguísticos e gramaticais; e Perceber como os processos de territorialização, desterritorialização e reterritorialização linguísticos e gramaticais estão sendo enfrentados pelos professores de Língua Portuguesa. Tais objetivos foram atendidos, de forma integral, no segundo capítulo deste trabalho. Por meio de pesquisa bibliográfica e, também, documental foi possível entender que a língua se constitui como um território, maior do que a gramática, uma vez que inclui o léxico, a própria gramática implícita, além de outras gramáticas. O processo de (des)(re)territoriliazação linguístico-gramatical, que corresponde aos processos constitucionais e transformacionais (tanto relativos quanto absolutos), que uma língua realiza durante todo seu percurso evolutivo (diacrônico e sincrônico), pode ser atreladas a diversos fatores: seja por influência do tempo, contato entre diferentes componentes linguísticos, fatores de ordem social, econômica, cultural, religiosa, política, podendo implicar alterações em toda estrutura de uma língua, como perda, troca, substituição ou aquisição de novos componentes linguísticos. Compreendemos, ainda, que os primeiros agenciamentos para a construção de territórios gramaticais foram mobilizados, em decorrência de diferentes fatores, no sentido de criar
114
espaços de identificações subjetivas, mas sob a ótica do controle e da disciplina, isto é, de códigos sociais de imposição de limites. Tal visão se propagou como uma tradição que, de certa forma, fez com que o(s) território(s) gramatical(is) da língua portuguesa se cristalizasse(m) em somente um: o território gramatical normativo entendido como modelar, unidade superior e controladora – o que criou “afectos-passivos tristes”, isto é, sentimentos de aversão, tanto por parte de professores quanto de alunos, em relação ao processo de ensino-aprendizagem dos aspectos teórico-gramaticais da língua portuguesa. Vimos que os movimentos de desterritorialização foram realizados no sentido de questionar e resistir a essa limitação/cristalização territorial. Tais movimentos promoveram afirmações de novos códigos, isto é, mudanças no léxico e nos padrões ou estilos literários em geral, assim como na organização dos aspectos gramaticais e, posteriormente, nas suas concepções e abordagens no processo de ensino-aprendizagem. Esta última categoria, no entanto, caminha a passos lentos e ainda não possui uma consistência teórico-prática para que professores possam se sentir mais seguros como partícipes efetivos nesse processo, especialmente, em virtude do distanciamento percebido na relação entre a teoria e a prática.
***
A hipótese principal levantada neste trabalho era a de que esses movimentos de desterritorialização estivessem reforçando uma subtração/negação de conteúdos básicos gramaticais no currículo do curso de Letras. Desse modo, no capítulo terceiro, buscamos responder a essa hipótese, atendendo ao seguinte objetivo: Perceber e analisar o modo como o processo de desterritorialização e reterritorialização gramatical tem sido orientado no Projeto Político Pedagógico do Curso de Letras, da Universidade Federal do Tocantins. Tal objetivo foi atendido, de forma integral, por meio de uma análise descritiva e reflexiva dividida em quatro seções. Na primeira seção, verificamos, por meio da exploração do PPC do curso de Letras, que a proposta curricular analisada, no bojo de suas concepções e objetivos, acompanha o processo de (des)(re)territorialização gramatical, questionando as estruturas de saberes dominantes e buscando promover a construção de uma educação linguística voltada para a diferença e fundamentada nos princípios e valores da interculturalidade, com vistas a formar um profissional crítico que seja capaz de facilitar que seus alunos tenham tanto o acesso aos capitais linguísticos de prestígios e, ao mesmo tempo, manifestar suas peculiaridades linguísticas.
115
Não obstante essa concepção curricular de caráter articulatório, percebemos, na segunda seção de análise, que na dinâmica de sua organização o planejamento curricular apresenta um desequilíbrio percebido na grande quantidade de carga horária teórica sobressalente ao quantitativo de carga horária prática. O que implica distanciamento entre a teoria e a prática e, consequentemente, certo atraso no processo de (des)(re)territorialização gramatical, considerando que é numa relação mais aproximada entre os conhecimentos teóricos e o cotidiano de ação profissional que o professor em formação inicial perceberá melhor as formas a partir das quais ele poderá desenvolver um trabalho mais proveitoso com os aspectos gramaticais e condizente com as perspectivas de ensino-aprendizagem contemporâneas. Na terceira seção de análise, com os resultados da verificação em torno da disposição teórico-gramatical na estrutura curricular, nossa hipótese principal fora confirmada, mas apenas sob o ponto de vista qualitativo, pois, embora tenhamos constatado uma quantidade significativa e disciplinas inerentes à teoria gramatical, verificamos que tais disciplinas não apresentam, em suas ementas, caminhos teóricos e práticos suficientes para promover que o acadêmico tenha uma percepção maior acerca da articulação entre as questões gramaticais e as questões relativas ao texto. Os caminhos para a exploração dos territórios gramaticais são limitados, portanto, o que, consequentemente, dificulta que o professor em formação inicial tenha participação efetiva no movimento de reterritorialização gramatical. Na quarta seção, que não se tratou de uma análise, mas de uma percepção dos fluxos que concorrem no processo de (des)(re)territorialização gramatical – aqueles ligados aos contextos internos e externos da trajetória da formação acadêmica e às implicações dessa formação na carreira profissional –, percebemos que muitos desafios ligados à vida dos acadêmicos/professores, às condições de ensino recebido nas instituições de ensino e a questões de desvalorização salarial e profissional influenciam no processo seja para aumentar sua intensidade e fazê-lo fluir, seja para fazer o inverso disso. Com a percepção acerca desses fluxos – tantos daqueles verificados na estrutura curricular analisada, quanto daqueles relacionados ao contexto geral de formação de profissionais da docência –, vimos que, muitas vezes, os desafios que cercam o professor, em formação inicial ou continuada, acabam criando uma rede de “afectos passivos negativos”, que, a nosso ver, fazem com que o docente construa ideias inadequadas e limitadas acerca de suas próprias funções; isto é, o desânimo em relação às questões profissionais e a qualidade do ensino recebido na formação podem transmitir tanto sentimentos negativos quanto conhecimentos sob o traje de uma ideia inadequada aos alunos. ***
116
No quarto capítulo, buscamos atender ao seguinte objetivo: Apresentar possibilidades e potencialidades para o ensino dos aspectos gramaticais da língua portuguesa. Tal objetivo foi atendido de forma parcial, por razões propositais à própria guisa filosófica e temática da pesquisa. Apresentamos o esboço de uma proposta que, baseada no conceito de rizoma, de Deleuze e Guattari, em articulação com o conceito de Pensamento Complexo, de Edgar Morin, apontou para uma perspectiva curricular que se proponha a articular, de modo transdutivo, os territórios gramaticais, a partir do método da cartografia; reterritorializando a teoria gramatical. Defendemos que os conhecimentos relativos à(s) gramatica(s) da língua portuguesa do Brasil devem ser articulados e abordados em uma relação de devir variável no qual as variedades, tanto a do uso padrão, quanto as demais variedades (familiares), possam ser percebidas como um conjunto de saber-poder. Obviamente, não acreditamos na realização de um ensino neutro, sem discursividades políticas, socioeconômicas, culturais etc. Mas também não acreditamos na existência de uma língua homogênea, bem como de uma norma cuja função seja a de dominar ou subjugar, ao contrário, defendemos que o saber-poder gramatical, se livre de “afectos” negativos, ideias inadequadas e ações pedagógicas desnorteadas, pode libertar. Avaliamos que, diante de suas responsabilidades não somente com a formação de professores, mas com os efeitos dessa formação nos âmbitos escolares, a universidade deve repensar sobre a natureza, o lugar, as estratégias de abordagem e a relevância da teoria gramatical no planejamento curricular, no sentido de possibilitar caminhos teóricos e práticos mais seguros para que os acadêmicos possam receber um ensino mais abrangente e profícuo. Não apresentamos o método da cartografia, a lógica da rede e do processo transdutivo como respostas definitivas, mas tais apontamentos podem ser percebidos como possíveis pistas para ultrapassarmos o limite de nossas atuais razões.
117
REFERÊNCIAS
ALBUQUERQUE, E. F. Educação escolar indígena krahô bilíngue na escola 19 de Abril. In: SILVA, W. R.; SANTOS, J. S.; MELO, M. D. A. Pesquisas em língua(gem) e demandas do ensino básico. Campinas SP: Pontes Editores, 2014. p. 113-136.
ALMEIDA, R. H. D. O diretório dos índios: um projeto de "Civilização" no Brasil do Século XVII (Versão reduzida). Brasília: editora da UnB, 1997.
ALVAREZ, J.; PASSOS, E. Cartografar é habitar um território existencial. In: ORGS. PASSOS, E., et al. Pistas do método da cartografia: Pesquisa-intervenção e produção de subjetividade. Porto Alegre: Sulina, 2015. p. 131-149.
ANTUNES, I. Muito além da gramática: por um ensino de língua sem pedras no caminho. São Paulo: Parábola, 2017.
ANTUNES, Irandé. O território das palavras: estudo do léxico em sala de aula. São Paulo: Parábola Editorial, 2012.
ARROYO, M. G. Currículo, território em disputa. Petrópolis, RJ: Vozes, 2013.
ASSIS, M. C. História da língua portuguesa. [S.l.]: UFPB, 2012. Disponível em: http://biblioteca.virtual.ufpb.br/files/histaria_da_langua_portuguesa_1360184313.pdf. Acesso em: 12 dez. 2018.
BAGNO, M. Preconceito linguístico: o que é, como se faz. São Paulo: Loyola, 1999.
BAGNO, M. A norma oculta: língua e poder na sociedade brasileira. São Paulo: Parábola, 2003.
BALDINI, L. J. S. A Nomenclatura Gramatical Brasileira interpretada, definida, comentada e exemplificada. 1999, [s.n.] Dissertação de mestrado (Linguística) Universidade Estadual de Campinas, Campinas (SP), 1999. Disponível em: http://repositorio.unicamp.br/jspui/handle/REPOSIP/270704. Acesso em: 27 jan. 2019.
118
BARROSO, H. O Português na casa do mundo, hoje: portas, janelas e varandas. V. N. Famalicão: Húmus [ISBN 978-989–755-348-6]. Disponível em: http://hdl.handle.net/1822/55303. Acesso em: 05/01/2019, 2018. p. 19-26.
BRASIL. Parâmetros Curriculares Nacionais: terceiro e quarto ciclos: Língua Portuguesa. Brasília: MECSEF, 1998.
BRASIL. Lei de 15 de outubro de 1827. Manda crear escolas de primeiras letras em todas as cidades, villas e logares mais populosos do Império. Disponível em: http://egov.ufsc.br/portal/sites/default/files/anexos/30476-31865-1-PB.pdf. Acesso em: 05 fev. 2019.
COELHO, I. L.; MONGUILHOTT, I. D. O. E. S.; SEVERO, C. G. Norma linguística do português no Brasil: 12º período. Florianópolis : LLV/CCE/UFSC, 2014. Disponível em: http://petletras.paginas.ufsc.br/files/2016/10/Livro-texto-Norma-Linguistica_UFSC.pdf. Acesso em: 07 jan. 2019.
CORDEIRO, S. Gramáticas e o ensino das línguas portuguesa e autóctones no brasil colônia. História do Ensino de Línguas no Brasil - HELB, Ano 3 - nº3 - v. 1. ISSN 1981 6677, 2009. Disponível em: http://www.helb.org.br/index.php/revista-helb/ano-3-no-3-12009/110gramaticas-e-o-ensino-das-linguas-portuguesa-e-autoctones-no-brasil-colonia. Acesso em: 16 mai. 2019.
COSTA, P. V.; OLIVEIRA, L. R. P. F.; SILVA, S. R. Resgate do afecto-paixão rumo ao afecto-ação na concepção de uma pespectiva educacional que ressignifique o ensino gramatical. Revista Philologus, Rio de Janeiro, Ano 24, N° 72, p. 1763-1775, set./dez, 2018.
CRUZ, J. M. S. et al. Projeto Político Pedagógico do Curso de Letras. Araguaína, TO: [s.n.], 2009.
CUSTÓDIO, E. S.; FOSTER, E. D. L. S.; SUPERTI, E. Políticas públicas e diversidade cultural nas escolas no Amapá. PRACS: Revista Eletrônica de Humanidades do Curso de Ciências Sociais da UNIFAP, Macapá, n. 6, p. 165-178, dez, 2013. Disponível em: https://periodicos.unifap.br/index.php/pracs. Acesso em: 28 jan. 2019.
DELEUZE, G. Lógica do sentido. São Paulo: Perspectiva, 1969. Disponível em: http://conexoesclinicas.com.br/wp-content/uploads/2015/12/deleuze-g-logica-do-sentido.pdf Acesso em: 05 jun. 2018.
119
DELEUZE, G. O Abecedário de Gilles Deleuze. Paris: Étitions Montparnasse, 1995. Disponível em: http://escolanomade.org/wp-content/downloads/deleuze-o-abecedario.pdf. Acesso em: 06 mar.2019.
DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. O anti-édipo: capitalismo e esquizofrenia. São Paulo: Editora 34, 2010.
DELEUZE, G.; GUATTARI, F. O que é filosofia? Rio de Janeiro: Editora 34, 1992.
DELEUZE, G.; GUATTARI, F. Mil platôs: Capitalismo e esquizofrenia. Vol.1. 2 ed. São Paulo: Editora 34, 2011.
DELEUZE, G.; GUATTARI, F. Mil platôs: capitalismo e esquizofrenia. Vol. 3. 2 ed. São Paulo: Editora 34, 2011.
DELEUZE, G.; GUATTARI, F. Mil platôs: capitalismo e esquizofrenia. Vol. 4. 2 ed.São Paulo: Editora 34, 2011.
DINIZ, F. P. S.; COSTA, A. C. L. D.; DINIZ, R. E. S. Territórios, rizomas e o currículo na escola. Ver a educação, v. 12, nº. 2, p. 313-328, jul./dez. 2011. Disponível em: https://periodicos.ufpa.br/index.php/rve/article/download/1015/1479. Acesso em: 20 ago. 2018.
DUARTE, L. D. J. A.; OLIVEIRA, L. R. P. F. D. Da universidade à escola: como os professores da escola pública descontruíram seus conceitos a respeito do ensino de Língua Portuguesa. Revista Philologus, Rio de Janeiro, Ano 23, N° 69, p. 664-673, set./dez., 2017.
FARACO, C. A.; CASTRO, G. D. Por uma teoria linguistica que fundamente o ensino de língua materna (ou de como apenas um pouquinho de gramática nem sempre é bom). Educar em Revista, Curitiba: v.15, nº15, 1999.
FARACO, C. A.; VIEIRA, F. E. Gramáticas brasileiras: com a palavra, os leitores. São Paulo: Parábola Editorial, 2016.
FÁVERO, L. L.; MOLINA, M. A. G. Conhecimento linguístico no século XIX: tradição e "modernidade"? Linguística, Vol. 29 (1), pp.189-203, jun. 2013. Disponível em: http://www.scielo.edu.uy/pdf/ling/v29n1/v29n1a09.pdf. Acesso em: 21 jan. 2019.
120
FERRAZ, M. M. T.; OLIVAN, K. N. Gramática e formação de professor de língua materna: refletindo sobre o ensino e ensinando para a reflexão. In: Anais do VII Congresso Internacional da Abralin, Curitiba, v. 1, p. 2234-2248, 2011. Disponível em: https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/2241/mod_folder/content/0/Gram%C3%A1tica%2C %20Norma%20e%20Ensino/FERRAZ_OLIVAN_%20GramaticaEFormacaoDoProfessorDe LinguaMaterna.PDF?forcedownload=1. Acesso em: 15 jan. 2017.
FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. 17 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987. Disponível em: http://www.dhnet.org.br/direitos/militantes/paulofreire/paulo_freire_pedagogia_do_oprimido.pdf. Acesso em: 23 mai. 2019.
GARCIA, E. F. O projeto pombalino de imposição da língua portuguesa aos índios e a sua aplicação na América meridional. Tempo [online]. p. 23-28, Vol. 12, n.23, 2007. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/tem/v12n23/v12n23a03. Acesso em: 10 jan. 2019.
GATTI, B. A.; BARRETO, E. S. D. S. Professores do Brasil: impasses e desafios. Brasília: UNESCO, v.1. 2009. Disponível em: https://unesdoc.unesco.org/ark:/48223/pf0000184682. Acesso em: 28 jan. 2019.
GUERRA, M. M.; ANDRADE, K. de Santos. O léxico sob perspectiva: contribuições da Lexicologia para o ensino de línguas. Domínios da linguagem. Revista Eletrônica de Linguística. Volume 6, n° 1, 1° Semestre, p. 226-241, 2012.
GONÇALVES, P. R. Os territórios quilombolas no Tocantins. Alternativas para pequenas agriculturas no Tocantins - APA-TO, 2012. Disponivel em: http://www.apato.org.br/. Acesso em: 28 mar. 2019.
GÖRSKI, E.; MOURA, H. Estudos Gramaticais. Florianópolis: Universidade Federal de Santa Catarina, UFSC, 2011. Disponível em: http://petletras.paginas.ufsc.br/files/2016/10/Livro-texto-Estudos-gramaticais_UFSC.pdf. Acesso em: 28 out. 2018.
GUATTARI, Félix. Caosmose: um novo paradigma estético. São Paulo. Editora 34. 1992. Disponível em: https://monoskop.org/images/0/03/Guattari_Felix_Caosmose_Um_novo_paradigma_estetico. pdf. Acesso em: 27 out. 2018.
GUATTARI, F.; ROLNIK, S. Micropolítica: cartografias do desejo. Petrópolis: Vozes, 1996.
121
GUIMARÃES, E. A língua portuguesa no Brasil. Ciência e cultura, São Paulo, vol.57, nº2, pp. 24-28, abr.-jun., 2005. Disponível em: http://cienciaecultura.bvs.br/pdf/cic/v57n2/a15v57n2.pdf. Acesso em:10 jan. 2019.
GURPILHARES, M. S. S. As bases filosóficas da gramática normativa: uma abordagem histórica. Janus: Revista de Pesquisa Científica - FATEA, v. 1, nº1, pp. 41-51, ago.-dez., 2004. Disponível em: http://publicacoes.fatea.br/index.php/janus/article/viewFile/10/9. Acesso em: 19 nov. 2018. HAESBAERT, R. O mito da desterritorialização: do “fim dos territórios” à multiterritorialidade. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003. Disponível em: http://www.seeradventista.com.br/ojs/index.php/formadores/article/viewFile/455/419. Acesso em: 22 nov. 2018.
HAESBAERT, R. Da desterritorialização à multiterritorialidade. In: Anais do X Encontro de Geógrafos da América Latina, 2005, Universidade de São Paulo. São Paulo. p. 6774 – 6792. Disponível em: http://observatoriogeograficoamericalatina.org.mx/egal10/Teoriaymetodo/Conceptuales/19.pd f. Acesso em 21 nov. 2018.
HAESBAERT, R.; BRUCE, G. A desterritorialização na obra de Deleuze e Guattari. GEOgraphia, Niterói, ano IV, n.7, p.7-31, 2002. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_nlinks&ref=000166&pid=S01024698201400010000800010&lng=pt. Acesso em: 30 jan. 2019.
HAUY, A. B. Séculos XII, XIII e XIV. In: SPINA, S. História da língua portuguesa. Cotia, SP: Ateliê Editorial, 2008. Pp. 21 - 141.
IAFELICE, H. Deleuze devorador de Spinoza: teoria dos afectos e educação. São Paulo: FAPESP, 2015.
JUNQUEIRA, F. G. C. Confronto de vozes discursivas no contexto escolar: percepções sobre o ensino de gramática da língua portuguesa. 2003. 250 f. Dissertação de Mestrado – Departamento de Letras, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.
LOBO, L. F. Pragmática e subjetivação por uma ética impiedosa do acontecimento. Psicologia em Estudo, Maringá, v.9, n.2, p.195-205, mai./ago., 2004.
LOPES, A. C.; MACEDO, E. Teorias de Currículo. São Paulo: Cortez, 2011.
122
LUCE, M. B. Elementos do Projeto Político-Pedagógico de Curso de Graduação da UNIPAMPA. Rio Grande do Sul: Universidade Federal do Pampa, 2011.
MARCONI, M. D. A.; LAKATOS, E. M. Metodologia do trabalho científico: procedimentos básicos, pesquisa biliográfica, projeto e relatório, publicações e trabalhos científicos. São Paulo: Atlas, 2015.
MARIANO, C. H. A. Diretrizes para a elaboração dos Projetos Pedagógicos de Cursos. Paraná: Universidade Tecnológica do Paraná, 2016.
MORAES, M. C. Complexidade e currículo. Polis - Revista de la Universidad Bolivariana, V. 9, Nº 25, pp. 289-311, 2010. Disponível em: https://scielo.conicyt.cl/pdf/polis/v9n25/art17.pdf. Acesso em: 13 ago. 2018.
MORELLO, R. A Língua Portuguesa pelo Brasil: Diferença e Autoria. Tese de doutorado Universidade Estadual de Campinas, (Linguística), Campinas, 2001. Disponível em: http://repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/270728/1/Morello_Rosangela_D.pdf. Acesso em: 27 jan. 2019.
MORIN, E. A cabeça bem feita: repensar a forma, reformar o pensamento. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003.
MORIN, E. Introdução ao pensamento complexo. Porto Alegre: Sulina, 2005.
MORIN, E.; DÍAS, C. J. D. Reinventar a educação: abrir caminhos para a metamorfose da humanidade. São Paulo: Palas Athena, 2016.
MOTA, N. A.; CERQUEIRA, B. I.; AZEVEDO, I. C. M. D. Gramatização do português brasileiro nos séculos XIX e XX e início do século XXI. Entrepalavras, Fortaleza, v.7, p. 552-567, ago./dez, 2017. Disponível em: http://www.entrepalavras.ufc.br/revista/index.php/Revista/article/download/886/449. Acesso em: 16 mai. 2019.
MUNIZ, S. D. S.; ALBUQUERQUE, F. E. Educação escolar indígena no Estado do Tocantins: uma trajetória histórica do Curso de Capacitação ao curso de formação do magistério indígena. 2017. 144 f. Educação Escolar Indígena. Dissertação de mestrado (Mestrado em Letras) - Programa de Pós-Graduação em Letras, Universidade Federal do Tocantins, 2017.
123
NATÁLIO, C. Territorialização/ Desterritorialização: movimentos cinematográficos? 2013, Lisboa. Atas do II Encontro Anual da AIM. Pp. 199-211, 2013. Diponível em: http://aim.org.pt/atas/pdfs-Atas-IIEncontroAnualAIM/Atas-IIEncontroAnualAIM-18.pdf. Acesso em: 02 jan. 2019.
NASCIMENTO, Roberto Duarte Santana. Teoria dos signos em no pensamento de Gilles Deleuze. Campinas, São Paulo: UNICAMP, 2012.
NEVES, M. H. D. M. Gramática na escola. São Paulo: Contexto, 1990.
NEVES, M. H. D. M. A vertente grega da gramática tradicional: uma visão do pensamento grego sobre a linguagem. São Paulo: UNESP. 2005.
NEVES, M. H. D. M. A língua portuguesa em questão: uso, padrão e identidade linguística: In: Língua Portuguesa. Lusofonia - memória e diversidade cultural. São Paulo: Educ, 2008, p. 173-186, 2008.
NEVES, M. H. M. Que gramática estudar na escola? Norma e uso na Língua Portuguesa. São Paulo –SP: Editora Contexto, 2015.
OLINDA, S. R. M. D. Educação no Brasil no período colonial: um olhar sobre a origem para compreender o presente. Sitientibus. Feira de Santana, n.29, p.153-162 jul./dez, 2003. Disponível em: http://www2.uefs.br/sitientibus/pdf/29/a_educacao_no_brasil_no_periodo_colonial.pdf. Acesso em: 10 jan. 2019.
OLIVEIRA, L. R. P. F. Os nós e as redes que encantam: dicionário de verbos irregulares da língua portuguesa. João Pessoa: Ideia, 2017.
ORLANDI, E. P. Conhecimento linguístico, Filologia e Gramática. In: ______. Língua e conhecimento linguístico: para uma história das ideias no Brasil. Cortez: São Paulo, 2002.
PARAÍSO, M. A. Currículo, desejo e experiência. Educação & Realidade. Rio grande do Sul. V.34. N.2, pp. 277-293, mai./ago., 2009. Disponível em: https://seer.ufrgs.br/educacaoerealidade/article/view/9355/5545.Acesso em: 04 abr. 2019.
PASSSOS, E.; KASTRUP, V.; ESCÓSSIA, L. D. Pistas do método da cartografia: Pesquisa-intervenção e produção de subjetividade. Porto Alegre: Sulina, 2015.
124
PINHEIRO, G. C. G. Teoria curricular crítica e pós-crítica: uma perspectiva para a formação inicial de professores para a educação básica. Anacleto. Guarapava, Paraná, v.10, n.2, p.1125, jul./dez., 2009. Disponível em: https://revistas.unicentro.br/index.php/analecta/article/view/2096/1799. Acesso em: 27 mai. 2019.
PINTO, V. M. R.; RIBEIRO, T. L. Variedade linguística nos anúncios publicitários: análise e estudo. In: International Congress of Critical Applied Linguistics (ICCAL), Brasília, outubro, 2015, pp.1570-1589. Disponível em: http://www.uel.br/projetos/iccal/pages/en/anais/linguagem-e-discurso.php. Acesso em: 05 jan. 2019.
ROLNIK, S. Amor: o impossível. e uma nova suavidade. Territórios da Filosofia, 2014. Disponível em: https://www.pucsp.br/nucleodesubjetividade/Textos/SUELY/Novasuavidade.pdf. Acesso em 12 fev. 2018.
SAQUET, Marcos Aurélio. Abordagens e concepções de território. 2 ed. São Paulo: Expressão Popular, 2010.
SAQUET, M. A.; SPOSITO, E. S. Territórios e territorialidades: teorias, processos e conflitos. São Paulo: Expressão Popular - UNESP. Programa de Pós-Graduação em Geografia, 2008.
SARAMAGO, J. D. O conto da ilha desconhecida. São Paulo: Companhia das Letras, 1998.
SILVA, H. D. S. Disciplina: breve introdução à história das línguas no Brasil. São Paulo: Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP) - Pró-Reitoria de Extensão (Material Didático), 2015. Disponível em: http://repositorio.unifesp.br/handle/11600/39177. Acesso: em:10 jan. 2019.
SILVA, K. A. D. A analogia e o sentimento do sujeito falante. D.E.L.T.A. V.34, n.3, pp. 919940, 2018. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/delta/v34n3/1678-460X-delta-34-03919.pdf. Acesso em: 26 nov. 2018.
SILVA, N. I. D. Ensino tradicional de gramática e prática de análise linguística na aula de Português. 2009. Dissertação de Mestrado (Mestrado em Linguística) - Programa de PósGraduação em Letras (PPGL), Universidade Federa do Pernambuco, Recife, 2009. Disponível em: https://repositorio.ufpe.br/bitstream/123456789/7600/1/arquivo4017_1.pdf. Acesso em: 27 nov. 2018.
125
SILVA, T. T. Documentos de identidade: uma introdução às teorias do currículo. Belo Horizonte: Autêntica, 2009.
SILVA, W. R. Estudo da gramática no texto: demandas para o ensino e a formação do professores de língua materna. Maringá: Eduem, 2011.
SOUSA, F. R. M. D. Ensino de gramátca: concepções do professor de Português. II CONEDU - Congresso Nacional de Educação, Campina Grande, 2015.
SOUZA, R. M. D. Rizoma deleuze-guattariano: representação, conceito e algumas aproximações com a educação. Revista Sul-americana de Filosofia e Educação – RESAFE. Nº18, p. 234-259, maio-out., 2012. Disponível em: http://periodicos.unb.br/index.php/resafe/article/download/7047/5569. Acesso em: 13 nov. 2018.
SPINA, S. Prefácio. In: SPINA, S. História da Língua Portuguesa. Cotia - SP: Ateliê Editorial, 2018.
SUANNO, M. V. R. Ditática e trabalho docente sob a ótica do pensamento complexo e da transdisciplinaridade. Brasília, DF: [s.n.], 2015.
TARDIF, M.; LESSARD; LAHAYE, L. Os professores face ao saber: Esboço de uma problemática do saber docente. Teoria & Educação, nº 4, pp. 215-233. Porto Alegre: Pannônica. 1991.
TEYSSIER, P. História da língua portuguesa. São Paulo, Martins Fontes, 2001. Disponível em: https: https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/158086/mod_resource/content/1/TEYSSIER_%20Hi storiaDaLinguaPortuguesa.pdf. Acesso em: 22 dez. 2018.
UNIBANCO, I. Panorama dos Territórios. Fonte: Observatório de educação: ensino médio e gestão: 2017. Disponível em: https://observatoriodeeducacao.org.br/panorama-dosterritorios/tocantins/. Acesso em: 06 mar. 2019.
VEIGA, I. P. A. Educação básica e educação superior: projeto político pedagógico. Campinas, SP: Papirus, 2004.
VEIGA-NETO, A. Foucault e a educação. Belo Horizonte: Autêntica. 3. ed 2. reimp., 2016.
126
VIEIRA, E. Casa Civil. Governo do Estado do Tocantins. Educação no Tocantins: uma história de desafios em intensa transformação, outubro mar. 2011. Disponivel em: https://casacivil.to.gov.br/noticia/2011/10/3/educacao-no-tocantins-uma-historia-de-desafiosem-intensa-transformacao/. Acesso em: 03 mar. 2019.
VIVEIRO, M. A. D.; OLIVEIRA, L. R. P. F. D. A cela de aula: uma desterritorialização da convencionalidade. Revista Philologus, Rio de Janeiro, Ano 23, N° 69, p. 19-26, set./dez, 2017. Disponível em: http://www.filologia.org.br/rph/ANO23/69supl/001.pdf. Acesso em: 20 mai. 2019.
ZOURABICHVILI, F. Vocabulário de Deleuze. Rio de Janeiro, Versão Eletrônica: Centro Interdisciplinar de Estado em Novas Tecnologias e Informação, 2004. Disponível em: http://escolanomade.org/wp-content/downloads/deleuze-vocabulario-francoiszourabichvili.pdf. Acesso em: 20 mai. 2019.
127
ANEXO A – EMENTA DA DISCIPLINA DE INTRODUÇÃO AOS ESTUDOS LINGUÍSTICOS
Fonte: (CRUZ et al., 2009, pp. 76-77)
128
ANEXO B – EMENTA DA DISCIPLINA DE MORFOLOGIA
Fonte: (CRUZ et al., 2009, pp. 82-83)
129
ANEXO C – EMENTA DA DISCIPLINA DE PRAGMÁTICA
Fonte: (CRUZ et al., 2009, pp. 84-85)
130
ANEXO D – EMENTA DA DISCIPLINA DE PRÁTICA DE PRODUÇÃO TEXTUAL
131
Fonte: (CRUZ et al., 2009, pp. 85-86)
132
ANEXO E – EMENTA DA DISCIPLINA DE SEMÂNTICA
Fonte: (CRUZ et al., 2009, pp. 88-89)
133
ANEXO F – EMENTA DA DISCIPLINA DE SINTAXE
Fonte: (CRUZ et al., 2009, pp. 89-90)
134
ANEXO G – EMENTA DA DISCIPLINA DE ENUNCIAÇÃO E DISCURSO
135
Fonte: (CRUZ et al., 2009, pp. 94-95)
136
ANEXO H – EMENTA DA DISCIPLINA DE FONÉTICA E FONOLOGIA DA LÍNGUA PORTUGUESA
Fonte: (CRUZ et al., 2009, pp. 99-100)
137
ANEXO I - EMENTA DA DISCIPLINA DE GRAMÁTICA NORMATIVA E ANÁLISE LINGUÍSTICA
Fonte: (CRUZ et al., 2009, pp. 100-101)
138
ANEXO J – EMENTA DA DISCIPLINA DE HISTÓRIA DA LÍNGUA PORTUGUESA
Fonte: (CRUZ et al., 2009, p. 101)
139