Livro Sniper Policial

Page 1




SNIPER POLICIAL Quem autoriza o disparo letal? Uma análise jurídica... Gilmar Luciano Santos Primeira Edição – abril 2011 Para aquisição desta obra entre em contato com o autor pelo e-mail gilmarnegociador@yahoo.com.br ou pelo telefone (31) 9134-0280. ®Todos os direitos reservados Texto Gilmar Luciano Santos Revisão e Produção Editorial Francis Bossaert Gilmar Luciano Santos Revisão Jurídica Geraldo Donizete Luciano, Especialista em Direito Rommel Trevenzoli de Abreu, Especialista em Direito Sérgio Jacob Braga, Especialista e Mestre em Direito Revisão Gramatical Viviane Martins Santos Colaboração Centro de Oratória Gilmar Luciano Editoração Gráfica Probabilis Assessoria Ltda. / Francis Bossaert probabilis@probabilis.com.br / (31) 9266-6303 Distribuição e Venda Diplomata Livros - luiz.livros@yahoo.com.br (31) 3072-3135 / (31) 9675-4773 Impressão Bigráfica Editora - bigrafica@bigrafica.com.br (31) 3481-0688


Dedico esta obra a minha esposa Viviane e às minhas filhas Ana Luísa e Manuela, fontes diárias de inspiração que durante meu período de ausência me apoiaram e incentivaram a todo o momento.



PREFÁCIO

U

tilizar da arma de fogo com objetivo certo e seguro de tirar a vida de outro ser humano não é ato fácil para ninguém, mesmo para o profissional mais capacitado. O treinamento do atirador de precisão em busca da perfeição é árduo, constante, exige dedicação, persistência. Precisa saber calibrar a arma, escolher a munição, condicionar-se fisicamente para suportar longos períodos sob calor, frio, chuva, jamais desconcentrar-se diante de uma situação de perigo. No entanto, todo o treinamento não é suficiente para tranqüilizar completamente aquele que se vê em situação real de realizar um tiro de comprometimento. As dúvidas sobre o momento correto e as conseqüências jurídicas advindas de um disparo errado são fantasmas que assombram a mente do atirador no momento de pressionar o gatilho. Pior ainda é a situação do Comandante da Operação. Responsável pela ordem do disparo, sob seus ombros cairão também conseqüências pelo erro, mesmo que na modalidade de culpa inconsciente, ou seja, quando o agente não tem intenção de causar o dano, age, mesmo sabendo do risco, pois confia em suas habilidades e no treinamento. Para esses profissionais, que colocam suas carreiras em risco mesmo quando o erro é mínimo e não desejado, havia necessidade de um embasamento jurídico que pudesse alicerçar decisões sempre somadas à coragem desses profissionais, o que pode significar a diferença entre a vida e a morte de pessoas inocentes. Há muito tempo preocupado com essa lacuna jurídica, o Cap Gilmar desenvolveu um trabalho majestoso sobre o assunto com sua obra: SNIPER POLICIAL Quem autoriza o disparo letal? Uma análise jurídica...


Utilizou sua larga experiência à frente do Time Tático do Grupo de Ações Especiais (GATE), tropa de elite da Polícia Militar de Minas Gerais (PMMG), estudioso fervoroso das ciências jurídicas, principalmente no ramo do Direito Penal, Gilmar ousou mais uma vez em escrever esta obra. Com embasamento jurídico sólido e lógico, a obra relata de forma pormenorizada embasamento jurídico da ação policial do sniper e seu Comandante. É uma obra que faltava no mercado jurídico policial e poderá agora ser apreciada pelos profissionais carentes no assunto. O mercado precisava de alguém com ousadia para escrever sobre o assunto. Alguém corajoso suficientemente para sujeitar-se às naturais críticas, construtivas, destrutivas, mas de extrema importância. A todos interessados no assunto, uma boa leitura e bom proveito. Rommel Trevenzoli de Abreu

Rommel Trevenzoli de Abreu é Capitão da PMMG, Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, pós-graduado em Direito Público e integrante da Associação Nacional dos Magistrados Estaduais - ANAMAGES.


FALANDO SOBRE O AUTOR E A OBRA

N

otas de abertura tendem a ser desnecessárias (e efetivamente o são), quando se trata de um livro como este, que se destaca pela excelência de seu conteúdo, pela relevância e originalidade da matéria nele analisada e pela atualidade das questões debatidas pelo seu autor. Honra-me, no entanto, o privilégio de apresentar esta obra, cujo título “SNIPER POLICIAL - Quem autoriza o disparo letal? Uma análise jurídica...” reflete a importância que assume para a comunidade militar. Torna-se, assim, pelos inúmeros atributos que a qualificam, um texto jurídico de leitura necessária. Esta valiosa obra, da lavra do Capitão PM Gilmar Luciano dos Santos, contém significativas reflexões sobre matéria impregnada do mais alto relevo jurídico, político e social, pois discute e analisa, com extrema propriedade, as questões atinentes ao uso do tiro sniper--(atirador de elite), em situações que envolvem crises de alta complexidade. Sabe-se que o sniper não possui discricionariedade para o tiro letal ou não letal, somente agindo mediante ordem de autoridade superior competente, sendo um meio para por fim à crise. Contudo, padece o ordenamento jurídico de lei em sentido formal para indicar quem é a autoridade competente. Daí a importância desta obra. O estudo que o autor elabora destaca-se pela densa base doutrinária, iniciando-se pela análise do Estado desde suas origens, evolução histórica, elementos essenciais. Inserindo-se na ótica da Teoria da Constituição, desenvolve o texto acerca da formação do poder constituinte originário, até alcançar o movimento, chamado por J. J. Gomes Canotilho de “Constitucionalismo Democrático”, este associado ao Estado Democrático de Direito. Mais adiante, analisa juridicamente o policial militar e, por conseqüência, o sniper, na estrutura da Administração Pública, extraindo do Direito Administrativo os principais conceitos referentes à matéria, tais


como postulados interpretativos elencados na Carta da República de 1988 e legislação específica, os atos administrativos, seus requisitos, atributos e espécies, citando doutrinadores de escol, consagrados e adotados nas melhores universidades do país e do estrangeiro. O estudo põe em destaque, dentre os muitos aspectos versados, assunto dos mais importantes na seara penal e para o tema proposto, qual seja análise acerca da teoria do crime, mencionando renomados autores e as teorias mais modernas, portanto, informações essenciais tanto para aqueles que lidam com o direito penal comum, quanto para os que atuam no específico campo do direito penal militar. Ultrapassada toda a construção teórica e doutrinária, necessária para a discussão do núcleo do tema apresentado, o autor, de forma magistral, demonstra a realidade da lacuna legislativa citada alhures, que reflete negativamente em todo ordenamento normativo, haja vista a insegurança jurídica que gera, até mesmo para fins de responsabilização (do Estado? do atirador de elite? da autoridade que procedeu a ordem do disparo?), nas esferas civil, penal e administrativa, quando da ação do sniper resultar dano a outrem. A bibliografia de que se serviu o autor engloba trabalhos fundamentais, escritos no Brasil, mas de repercussão no exterior, com considerações delege ferenda, inclusive com observações úteis ao Congresso Nacional, órgão bicameral legiferante em nosso Estado, para a edição de uma lei federal que possa por termo à lacuna legislativa. Indubitavelmente esta obra representa um trabalho científico de alto valor, escrita por um jurista atento, professor competente, militar que enriquece e enobrece a corporação da gloriosa Polícia Militar de Minas Gerais, e que terá serventia a todos os estudiosos do Direito. Sérgio Jacob Braga

Sérgio Jacob Braga (OAB/MG 104.992) é graduado em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, pós-graduado em Direito Processual pela Universidade da Amazônia, mestre em Direito Público pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Professor de graduação da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais e da Faculdade do Alto São Francisco de Piumhi, onde coordena o Núcleo de Atividades Complementares. Advogado. Delegado de prerrogativas da Ordem dos Advogados do Brasil – Seção Minas Gerais. Autor de diversos artigos jurídicos e capítulos em livros.


SUMÁRIO Prefácio

..................................................................................................... 5

Falando sobre o autor e a obra ..................................................................... 7 1

Introdução ...............................................................................................11

2

Gerenciamento de crises e o emprego do Sniper Policial ...................15 2.1 Gerenciamento de crises policiais ........................................................15 2.2 Sniper no contexto do gerenciamento de crises ...................................26

3 O Estado Brasileiro ..................................................................................31 3.1 Teoria do Estado...................................................................................31 3.1.1 Conceito de Estado ....................................................................31 3.1.2 Elementos do Estado .................................................................33 3.1.3 Evolução histórica do Estado .....................................................34 3.1.4 Estado Democrático de Direito Brasileiro ...................................38 4 Administração Pública ............................................................................45 4.1 Conceito de administração pública .......................................................45 4.2 Princípios da administração pública......................................................47 4.3 Atos administrativos ..............................................................................52 4.3.1 Conceito .....................................................................................52 4.3.2 Requisitos/elementos .................................................................54 4.3.3 Atos discricionários e vinculados ...............................................59 4.3.4 Atributos do ato administrativo ...................................................60 4.3.4.1 Presunção de legitimidade ..............................................61 4.3.4.2 Imperatividade .................................................................61 4.3.4.3 Auto-executoriedade .......................................................61 4.3.5 Espécies de atos administrativos ...............................................62 4.3.5.1 Atos normativos ..............................................................62 4.3.5.2 Atos ordinatórios .............................................................64 4.3.6 Formação e efeitos do ato administrativo ...................................66


5 Serviços, Órgãos, Servidores Públicos e Militares ............................... 67 5.1 Conceitos ............................................................................................. 67 5.2 Serviço e órgãos de segurança pública ............................................... 68 5.3 Servidores públicos e militares ............................................................ 71 6 Atuação Policial Militar à luz do Direito Penal (Comum e Militar) ........ 75 6.1 Conceito de crime ................................................................................ 76 6.2 Conceito de crime militar...................................................................... 94 7 Legislação do Estado de Minas Gerais e normas internas ..................... da PMMG ................................................................................................. 101 7.1 Lei Estadual nº 5.301, de 16 de outubro de 1969 – Estatuto dos Militares (EMMG) ..................................................................... 101 7.2 Lei Estadual nº 6.624, de 18 de julho de 1975 – Lei de Organização ... Básica da PMMG ............................................................................. 102 7.3 Lei Delegada nº 56, de 29 de janeiro de 2003/Decreto Estadual nº 43.295, de 29 de abril de 2003 e Lei Delegada nº. 117 de 01 de janeiro de 2007 ..................................................... 103 7.4 Resolução nº 3.764, de 21 de junho 2004 - PMMG ......................... 106 7.5 Resolução Conjunta nº 09/2005 ....................................................... 108 8 Conclusão .............................................................................................. 121 Referências ................................................................................................. 125 Anexo I

................................................................................................. 129

Anexo II

................................................................................................. 139

Anexo III

................................................................................................. 147

Anexo IV

................................................................................................. 149


SNIPER POLICIAL QUEM AUTORIZA O DISPARO LETAL? UMA ANÁLISE JURÍDICA...

1 INTRODUÇÃO Com a promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil (CF/88), em outubro de 1988, inicia-se um novo Estado: o Democrático de Direito, insculpido na égide dos Direitos Humanos, rompendo completamente com a antiga ordem jurídica do Estado de Exceção Militar. Neste novo cenário político, a Constituição Federal de 1988 construiu o paradigma contemporâneo da sociedade brasileira, trazendo garantias e direitos fundamentais, coletivos, a distribuição e atribuição de cada órgão dentre os três Poderes. E, neste mister, a segurança surge como direito fundamental, previsto no caput do art. 5º, como direito social no art. 6º e, em especial, a Segurança Pública, recebeu tratamento individualizado no art. 144. De acordo com o mencionado art. 144, a segurança pública é uma obrigação do Estado, direito e responsabilidade de todo brasileiro, sendo que, dentre os vários órgãos que receberam esta árdua atribuição constitucional, estão as Polícias Militares. Às mencionadas instituições, cabe o policiamento ostensivo e a preservação da Ordem Pública, segundo preconiza a primeira parte do parágrafo quarto desse artigo. No universo de ocorrências policiais, que as Polícias Militares atendem, estão as de alta complexidade, que são aquelas que, por sua natureza, exigem do organismo policial uma técnica, tática, preparo, homens e equipamentos diferenciados, chamados especiais. Dentre as ocorrências de alta complexidade encontram-se as com reféns localizados, nas quais a periclitação à vida é uma constante, diretamente proporcional ao fato ocorrido. Para fazer frente às referidas ocorrências, e na busca de se dar uma solução aceitável ao fato, as Polícias Militares constituíram equipes especiais de ação, também chamadas Grupos de Operações Especiais, cujos membros são policiais exclusivamente selecionados, treinados e equipados para atuar nessas situações complexas. O ramo das Ciências Militares que estuda tais ocorrências chama-se Gerenciamento de Crises Policiais, o qual possui um objeto de estudo bem definido (as ocorrências de alta complexidade) e uma doutrina solidificada, padrão no mundo inteiro, sofrendo pequenas adaptações 11


SNIPER POLICIAL QUEM AUTORIZA O DISPARO LETAL? UMA ANÁLISE JURÍDICA...

para atender à cultura e diversidade de cada país. Segundo a doutrina de Gerenciamento de Crises, a forma de atuação das polícias, em face das ocorrências de Alta Complexidade, se dá através das Alternativas Táticas, que para Santos (2010, p.43) significa “a forma, a maneira, o modo e as opções que o comandante da operação possui para dar uma solução aceitável à crise” e, dentre as quatro alternativas apresentadas pelo autor, encontra-se o uso do Atirador de Elite, também conhecido como Sniper. O atirador de elite é um profissional especializado no tiro de precisão que pode ser letal (tiro técnico) ou não letal (tiro tático), contudo, tal policial não possui autonomia para efetuar o disparo no momento que quiser, dependendo para isso, de determinação da autoridade competente, pois é apenas um suporte, um meio à disposição da autoridade para se chegar ao fim da ocorrência. Na prática, como ocorreu no caso do Assalto ao Ônibus 174, em junho de 2000, no Rio de Janeiro e, em São Paulo no Caso Eloá, nenhuma autoridade quer correr o risco de autorizar o disparo letal do Sniper e ter que enfrentar a Justiça, adotando assim, uma postura omissa (que também configura crime) que agrava a situação, colocando em risco a vida da vítima da ocorrência. Em face da celeuma apresentada, pretendemos nesta obra, apontar qual autoridade possui a responsabilidade e competência jurídica para determinar o emprego letal do atirador de elite, no caso de ocorrências com reféns localizados, pois a inércia em utilizar tal alternativa tática pode aumentar o risco de morte do refém. Não tivemos a intenção de esgotar o assunto, nem tão pouco engessar a atuação dos organismos policiais em face do atendimento às ocorrências com reféns localizados, apenas buscamos fomentar um estudo acerca de um tema de extrema relevância e que até o presente momento não fora explorado, estudado, debatido e trabalhado deixando os Comandantes com a árdua missão de determinar o tiro letal e depois enfrentar as iras da Justiça e da opinião pública. No capítulo dois abordamos as teorias e a doutrina de gerenciamento de crises, contextualizando a atividade e o emprego do

12


SNIPER POLICIAL QUEM AUTORIZA O DISPARO LETAL? UMA ANÁLISE JURÍDICA...

sniper policial, bem como sua evolução histórica até os dias atuais na ação policial. No terceiro capítulo fizemos um estudo temático, tendo como supedâneo a teoria do Estado e a formatação do Estado Democrático de Direito, para a partir da Constituição Federal de 05 de outubro de 1988 legitimarmos a atuação da polícia militar no Brasil e, em especial em Minas Gerais. No quinto capítulo apresentamos o conceito e princípios da administração pública, bem como toda a teoria dos atos administrativos, pois o emprego do sniper e a ordem para o tiro letal, somente acontecem mediante a existência de um ato administrativo legalmente constituído, sob pena de nulidade do mesmo. Serviços, órgãos, servidores públicos e militares foram estudados no quinto capítulo, pois a segurança pública de caráter ostensivo e preventivo/repressivo é um serviço prestado por um servidor militar que deve observar não só o preconizado na CF/88, mas também nas normas infraconstitucionais penais militares. Realizamos, no sexto capítulo, uma análise da atuação policial à luz do direito penal, comum e militar, pois, toda intervenção do policial militar ou será violadora de uma norma penal (quando cometer um crime) ou estará acobertada por uma excludente de ilicitude ou de culpabilidade. Foi a partir da identificação da imputabilidade penal do militar, em face do resultado obtido na ocorrência, que buscamos identificar o gestor da crise policial. No sétimo capítulo analisamos toda a legislação mineira e da PMMG, correlata ao tema estudado e, identificamos, através de uma hermenêutica jurídica a autoridade militar que possui a competência para exarar a ordem para o tiro letal do sniper policial militar, nas ocorrências com reféns localizados em Minas Gerais. Por fim, encerramos a obra com a sugestão de edição de uma lei nacional (Federal), a fim de oferecer uma maior segurança jurídica aos policiais militares que atuam nas ocorrências de alta complexidade, bem como o de proporcionar um procedimento padrão e uniforme em toda Federação por parte dos organismos policiais.

13


SNIPER POLICIAL QUEM AUTORIZA O DISPARO LETAL? UMA ANÁLISE JURÍDICA...

14


SNIPER POLICIAL QUEM AUTORIZA O DISPARO LETAL? UMA ANÁLISE JURÍDICA...

2 GERENCIAMENTO DE CRISES E O EMPREGO DO SNIPER POLICIAL Neste capítulo abordaremos a teoria empregada, universalmente, pelos organismos policiais acerca dos procedimentos basilares, face às ocorrências de alta complexidade, principalmente as com reféns localizados. Importante ressaltar que, o emprego do Sniper não está inserido num contexto isolado da ocorrência e sim, dentro de uma macro estrutura da gestão da ocorrência, na qual a mencionada alternativa tática (sniper) é mais uma das opções que o gestor possui para dar uma solução aceitável à crise, conforme será exposto a seguir.

2.1 GERENCIAMENTO DE CRISES POLICIAIS Não obstante o tema central desta obra encontrar sustentáculo na análise das normas jurídicas vigentes no Brasil, é importante uma breve contextualização semântica e doutrinária acerca do que seja SNIPER POLICIAL e o ramo da ciência que estuda seu emprego. É na seara das ciências militares que o presente tema encontra supedâneo, sendo que, o gerenciamento de crises policiais é a matéria específica que tem por objeto de estudo as ocorrências de alta complexidade, nas quais o atirador de elite é utilizado como uma das alternativas táticas viáveis. Antes de se aprofundar no assunto, faz-se necessário abordar a origem da palavra CRISE. Segundo Santos (2010, p. 19) “crise vem do latim crisis, através do grego kpioig, cuja raiz é indo-européia sker, que significa "cortar" e origina a palavra CRITÉRIO”. A partir do entendimento do significado da palavra crise, devemos conceituar a ocorrência policial que se caracteriza em uma crise, entendida como a espécie do gênero ocorrência de alta complexidade. 15


SNIPER POLICIAL QUEM AUTORIZA O DISPARO LETAL? UMA ANÁLISE JURÍDICA...

Segundo Silva Neto, Ocorrência de Alta Complexidade pode ser definida como: Todo fato de origem humana ou natural que, alterando a Ordem Pública, supere a capacidade de resposta dos esforços ordinários e/ou extraordinários de polícia/órgãos de defesa social, exigindo a intervenção por meio de estruturação de ações e/ou operações especiais de polícia ou do bombeiro-militar, com o objetivo de proteger, socorrer o cidadão, restabelecer a ordem e paz social. (SILVA NETO apud SANTOS, 2010, p. 19)

Crise policial é “um evento crucial/criminal que exige uma resposta especial da polícia, a fim de assegurar uma solução aceitável” (SOUZA, 1993, p. 10). A partir de Santos (2010) percebe-se, que o conceito de crise encaixa-se perfeitamente na complementação didática do conceito apresentado para “ocorrência de alta complexidade”, sendo, portanto, espécie, pois toda crise policial será uma ocorrência de alta complexidade, mas nem toda ocorrência de alta complexidade será uma crise policial, como a tentativa de suicídio, por exemplo, que é uma crise, mas não policial e sim, típica de Bombeiro. É de fundamental importância saber distinguir os caracteres que diferenciam uma ocorrência policial rotineira de uma ocorrência de alta complexidade. É fácil a distinção quando se entende alguns conceitos: ocorrência policial, ação policial e operação policial. Ocorrência Policial Militar é todo fato que exige a intervenção da Polícia Militar por meio da estruturação de ações e/ou operações. Ação policial é toda forma de intervenção da polícia sem que se exija um prévio planejamento. Operação policial é toda forma de intervenção da polícia que exija um prévio planejamento. As ocorrências de alta complexidade possuem traços próprios, inconfundíveis, fugindo ao procedimento convencional de atendimento das demais, cujos seguintes caracteres devem ser observados pelo gestor da crise, a saber: a) Imprevisibilidade: talvez seja o principal diferencial da ocorrência de alta complexidade, pois ocorrências rotineiras são, por sua própria natureza, normais de acontecerem durante um turno de serviço, ao passo 16


SNIPER POLICIAL QUEM AUTORIZA O DISPARO LETAL? UMA ANÁLISE JURÍDICA...

que ocorrências complexas não fazem parte do cotidiano policial militar. Para exemplificar, todos os dias um Batalhão da Polícia Militar atende, no mínimo, uma ocorrência de furto, roubo ou briga entre pessoas, já ocorrências envolvendo reféns é algo não muito comum e, mesmo não sendo, pode haver uma ocorrência no mês ou no ano ou, ainda, duas no mesmo dia e até simultâneas. b) Ameaça direta à vida: o que se analisa neste tópico é a periclitação objetiva à vida, ou seja, nas outras ocorrências policiais pode ser que em alguma fase ocorra perigo de morte, já na ocorrência de alta complexidade o risco é direto e real e não uma mera possibilidade. c) Necessidade de uma postura organizacional não rotineira e uma flexibilidade gerencial: este é outro fator importante a ser analisado, pois as ocorrências rotineiras/ordinárias são atendidas sem muito mistério, podendo até, conforme a situação, dizer que se enquadram em uma fórmula padrão de atendimento, como uma ocorrência de briga entre marido e mulher, por exemplo. Na ocorrência de alta complexidade, o modus procedendi vai variar de acordo com a estrutura física do local, com o perfil psicológico do causador da crise etc., carecendo de uma "fórmula padrão", não confundida aqui com as alternativas táticas, pois essas não são fórmulas e sim formas e possibilidades de se resolver a crise. d) Desenvolvimento em um clima de alta pressão psicológica: diferentemente das ocorrências ordinárias que fazem parte do dia-a-dia policial, a ocorrência complexa gera uma tensão maior, tanto no policial quanto na sociedade, pois a maioria delas é de uma duração prolongada, desenvolvendo-se em um clima estressante e colocando sempre em jogo a vida de alguém e a instituição policial responsável por dar a resposta aceitável. e) Necessidade de uma articulação rápida com agilidade na implementação da resposta, por parte dos responsáveis pelo gerenciamento: aqui não se trata de ser veloz em dar a resposta e sim como dar a resposta adequada à demanda existente. Desde o primeiro policial que se depara com a crise até a chegada do comandante da mesma, várias decisões são tomadas: isolamento, delimitação dos perímetros, montagem do posto de comando, parlamentação, etc. 17


SNIPER POLICIAL QUEM AUTORIZA O DISPARO LETAL? UMA ANÁLISE JURÍDICA...

f) Exploração pela mídia: a imprensa, cumprindo seu papel constitucional, deseja vender matéria e levar ao público todo acontecimento relevante. Uma briga entre marido e mulher não possui destaque, mas o marido que chega em casa e, ao brigar com a mulher ainda a faz refém, aí sim a mídia irá explorar, pois tal fato é de relevância social e, é neste momento que a instituição policial é colocada em evidência, positiva ou negativamente conforme os resultados obtidos. g) Surgimento de conflitos de competência no tocante à competência para o gerenciamento da crise: a ocorrência “pertence” ao Batalhão X ou ao Batalhão Y, ou será que é o Grupamento de Ações Táticas Especiais (GATE) o responsável pelo gerenciamento da mesma? É de competência da Polícia Militar ou da Polícia Civil, ou será que não é de competência de nenhuma delas e sim da Polícia Federal? h) Alto poder de desestabilizar a segurança subjetiva: ao deflagrar uma crise, a comunidade vê seu clima de tranqüilidade quebrado e espera que a polícia restaure a paz social. Podemos exemplificar através de uma rebelião em uma penitenciária, ocasião em que vários familiares dos recuperandos se deslocam às portas do estabelecimento penal para obterem notícias e a comunidade vizinha fecha as portas do comércio com medo de uma fuga em massa e que um mal maior ocorra. Após fazer a distinção entre uma ocorrência rotineira e uma ocorrência complexa, é de fundamental importância para o policial, gerente e ator do “teatro de operações”, nortear os procedimentos por meio de normas gerais, pelas quais o Brasil e o Estado de Minas Gerais se comprometeram a desenvolver seus trabalhos em prol da comunidade. A base de argumentação são os tratados internacionais firmados pelo Brasil, bem como a Constituição Federal de 1988 e a Constituição do Estado de Minas Gerais. De forma ilustrativa podemos mencionar o repúdio ao terrorismo, constitucionalmente combatido e os Tratados Internacionais, principalmente emanados da Organização das Nações Unidas (ONU), tecendo normas sobre crime de genocídio, trabalho escravo etc.

18


SNIPER POLICIAL QUEM AUTORIZA O DISPARO LETAL? UMA ANÁLISE JURÍDICA...

Com égide no parágrafo anterior, podemos apresentar as regras básicas a serem seguidas por todos os gestores das ocorrências de alta complexidade e que doutrinariamente são consideradas como “política governamental básica”: a) Nenhuma concessão que comprometa a segurança dos policiais e da população deve ser efetivada; b) A liberdade dos agentes não deverá ser objeto de qualquer tipo de negociação; c) É negociado somente os direitos constitucionais; d) A gerência da crise é dada pelas normas gerais, ditadas pela Constituição Federal, bem como as leis especiais e legislação vigente. Como exemplo das mencionadas ocorrências, podemos apresentar as seguintes: ocorrências com reféns localizados, acidentes em massa, ameaça com agentes biológicos, ameaça com agentes e artefatos nucleares, atentados terroristas, artefatos explosivos localizados, rebeliões em estabelecimentos prisionais, dentre outras. Até aqui, tivemos o cuidado de contextualizar a atividade policial em face das ocorrências de alta complexidade e alguns caracteres que norteiam a atuação dos mencionados organismos policiais, a fim de solucionarem a crise e apresentarem uma reposta aceitável à sociedade. Contudo, falta explicar a maneira, a forma pela qual a polícia atua nessas ocorrências que, no mundo inteiro, têm o mesmo protocolo, ou seja, atuam de maneira uniforme, variando apenas a qualidade e a quantidade de equipamentos utilizados, mas que, em suma, agem através das alternativas táticas. Para Santos (2010, p. 43) “[...] alternativa tática significa a forma, a maneira, o modo e as opções que o comandante da operação possui para dar uma solução aceitável à mesa”. Doutrinariamente, os autores apresentam quatro alternativas táticas que estão à disposição do comando da crise para resolvê-la, dentro de uma evolução progressiva do uso da força. As alternativas táticas são: negociação, agentes não letais, sniper e invasão tática. 19


SNIPER POLICIAL QUEM AUTORIZA O DISPARO LETAL? UMA ANÁLISE JURÍDICA...

a) Negociação é o processo técnico e científico que se utiliza da verbalização técnica e tática para levar ao causador da crise a proposta do comando, a fim de que se resolva o fato de maneira pacífica sem utilizar a força tática. Devem-se empregar policiais formados e capacitados em negociação policial para o emprego desta alternativa tática. Segundo Santos (2009, p. 11) “[...] a negociação é a primeira alternativa tática a ser adotada, podendo ser aplicada com fim em si mesma (negociação técnica) ou trabalhada taticamente com as demais alternativas táticas (negociação tática)”. b) O uso de agentes não letais consiste no emprego de materiais e equipamentos que, diretamente, não causam a morte de uma pessoa, mas que possibilitam uma ação por parte da polícia que viabilize a solução da crise com o uso mínimo da força. c) Sniper (atirador de elite): esta alternativa está ligada ao tiro de precisão, que poderá ser um tiro tático para retirar a arma da mão de um suicida, um tiro tático com a finalidade de neutralizar equipamentos e outros utilizados por seqüestradores para que a equipe de invasão adentre ao local, ou pode ser um tiro letal de comprometimento para libertar o refém ou até para possibilitar a invasão tática. Para Greco (2009, p. 134): [...] a atividade do sniper, hoje em dia, tornou-se indispensável, principalmente devido ao elevado número de casos envolvendo reféns, em grave situação de risco de morte. Assim, o treinamento de um policial apto a um tiro de precisão, com certeza, se tornou fundamental. Não é qualquer policial que pode fazer às vezes do sniper, ou atirador de elite, pois o que se está em jogo, como regra, é a vida do refém, daquele que está sob a mira da arma de um delinqüente que, em muitas ocasiões, não está preocupado com a sua própria sobrevivência e, muito menos, a da vítima que está ao seu alcance.

Na linha do pensamento de Greco, devemos ressaltar que, para ser sniper não basta ser um bom atirador, é preciso que o policial se submeta a um processo seletivo, realize o curso de formação e, ao final deste, seja classificado apto e designado, após a conclusão do curso, a atuar nas ocorrências de alta complexidade. 20


SNIPER POLICIAL QUEM AUTORIZA O DISPARO LETAL? UMA ANÁLISE JURÍDICA...

Somente poderá atuar como atirador de elite o policial devidamente autorizado pelo Comando da Polícia Militar de Minas Gerais (PMMG), integrante ou supervisionado pela equipe de Snipers do GATE e, ainda, com a utilização dos equipamentos e o fuzil adequado, inserido no contexto técnico de gerenciamento de crises. A utilização da arma de fogo, em ocorrência rotineira ou de alta complexidade, que não seja realizada pelo atirador de elite habilitado para tal, não caracteriza a função do sniper, logo, não será objeto de análise neste livro. Qualquer outra tentativa de uso do tiro de precisão com arma de fogo, em uma ocorrência de alta complexidade, que não seja efetuada pelo sniper estará em flagrante violação à doutrina vigente, nacional e internacionalmente, podendo o executor do tiro e seu mandante, responderem criminal e administrativamente pelo resultado, mas que também, não será objeto de estudo desta pesquisa. Pelo entendimento jurídico e doutrinário, somente está acobertada por uma excludente de antijuridicidade e uma de culpabilidade, a ordem emanada pela autoridade competente e o tiro efetuado pelo militar capacitado para tal, do contrário, ambos (autor da ordem e atirador) deverão responder criminalmente pelo resultado causado na ocorrência. Em capítulo à frente será abordada a questão da imputabilidade penal, por ação ou omissão, dos policiais militares nas ocorrências de alta complexidade. O escopo desta obra não é o de engessar a atividade policial e sim legitimar as ações científicas e técnicas no tocante à segurança pública, pois, o que está em jogo são vidas intangíveis e infungíveis dos reféns. Logo, o policial convencional que primeiro se deparar com as ocorrências complexas, deve possuir um treinamento satisfatório capaz de lhe proporcionar conhecimento para adotar as providências iniciais, mas que, após a adoção das medidas preliminares, a equipe especializada deve ser acionada e se fazer presente no local, em qualquer localidade de Minas Gerais. No livro “Como vejo a crise”, deixamos bem claro que os policiais que primeiro depararem com a ocorrência de alta complexidade devem 21


SNIPER POLICIAL QUEM AUTORIZA O DISPARO LETAL? UMA ANÁLISE JURÍDICA...

adotar as providências preliminares, mas, na sequência devem acionar a equipe especializada em dar a solução aceitável à crise, sob pena de serem responsabilizados pela omissão. Para que este profissionalismo seja tangível e alcançado pela organização é indispensável que a equipe especializada (negociação, sniper, time tático, dentre outros) possua uma boa capacidade de deslocamento ou bases descentralizadas de apoio. No caso da PMMG, o GATE pode deslocar-se da capital, para qualquer localidade de Minas Gerais, utilizando os helicópteros e aviões do Estado, e ainda, contar com o apoio das equipes táticas pertencentes às Companhias de Missões Especiais descentralizadas no interior. Por fim, ainda falando em alternativas táticas, temos a invasão que pode ser lenta ou dinâmica: d) Invasão tática: esta alternativa é a mais drástica e perigosa, somente sendo utilizada quando não mais houver possibilidades de encerramento da crise sem que comprometa a vida dos reféns. Esta última alternativa tática deve ser adotada, após análise de todo órgão de assessoria do comando da operação, observados os critérios de tomada de decisão, pois há grande exposição física do policial e o risco de morte é eminente. A equipe de invasão tática deve estar muito bem treinada, técnica e psicologicamente, além de estar equipada com os apetrechos e acessórios próprios para tal fim, não se admitindo que policiais não pertencentes à equipe de invasão façam parte desta alternativa, sob pena de colocar em xeque o resultado almejado. Gostaríamos deixar bem claro que as alternativas táticas podem ser utilizadas em conjunto, apenas uma, ou até mesmo nenhuma, ou seja, o comando pode decidir, no caso de uma rebelião, não negociar e nem ceder a nenhuma reivindicação dos rebelados, cortando a energia elétrica, água e suprimentos alimentares, aguardando a rendição após explorar o cansaço, a fome e a sede dos amotinados. Outro ponto relevante, inserido no estudo do gerenciamento de crises policiais, refere-se ao papel do Comandante da Operação, pois, 22


SNIPER POLICIAL QUEM AUTORIZA O DISPARO LETAL? UMA ANÁLISE JURÍDICA...

cabe a ele o processo decisório e, consequentemente, a responsabilidade pelo resultado da ocorrência. Comentando o papel do Comandante, Santos (2010, p. 40) afirma que: Após definir legalmente a quem pertence a gerência da crise, é de fundamental importância definir a competência e a responsabilidade do comandante da operação. Trazemos quatro papéis básicos do comandante da operação lembrando que, qualquer tomada de decisão e o resultado geral da ação da polícia são de EXCLUSIVA responsabilidade do comandante da operação, atingindo os subordinados à medida que a legislação vigente tipificar [...]

As quatro funções de um Comandante, em face das ocorrências de alta complexidade, que o autor menciona são: planejar, coordenar, organizar e gerenciar. a) Planejar: todo o planejamento da operação, desde a instalação do posto do comando até a montagem da sala de imprensa deve ser desenvolvido pelo comando da operação. b) Coordenar: a visão holística do comando da operação é, sem dúvida, a peça primordial para o sucesso da operação. c) Organizar: muitas ocorrências assistidas pela TV ou lidas nos jornais transparecem uma nítida falta de preparo do organismo responsável pela gerência, pois percebemos “bolos”, “amontoados”, grupos de policiais que não sabem o que fazer, atrapalhando os organismos especializados e permitindo a presença de terceiros no teatro de operações. d) Gerenciar: como gerente responsável pela crise, o comandante não deve executar (ser o sniper/ser o negociador/ser o chefe do time tático etc.), sob pena de perder a gerência da crise. Em capítulo exclusivo, à frente, trataremos da imputabilidade penal do Comandante, tanto por ação quanto pela omissão na tomada de decisões. Para se tomar uma decisão, inserida no contexto da gestão de uma crise, o Comandante deve estar bem assessorado por profissionais experientes e conhecedores das alternativas táticas, pois, só assim 23


SNIPER POLICIAL QUEM AUTORIZA O DISPARO LETAL? UMA ANÁLISE JURÍDICA...

poderá decidir, tecnicamente, quando encerrar a negociação e utilizar as demais, isoladamente ou em conjunto. Bem legitimada e assentada em um caráter científico, a tomada de decisão, influirá nas conseqüências jurídicas da ocorrência, podendo ser causa de excludente de ilicitude, de culpabilidade ou até mesmo da tipicidade da conduta. Em capítulo específico iremos abordar tais circunstâncias jurídicas. Santos (2010, p 30), explicando os critérios de tomada de decisão, afirma: Qualquer tomada de decisão do comandante da operação ao policial executor mais moderno, no teatro de operações, deverá ser pautada nos seguintes critérios:

Necessidade: a ação a ser tomada, realmente é necessária ou há alternativas ou formas mais viáveis para se resolver a crise?

Validade do risco: o comandante da operação deve estar bem assessorado ao decidir encerrar uma alternativa tática e optar por outra, analisando o custo benefício, ou seja, se o risco assumido vale o resultado pretendido.

Aceitabilidade: ética e moralmente deve ser pautada a decisão tomada pelo comando da corporação responsável pelo gerenciamento da crise, pois o resultado atingido pode não ser o almejado pela sociedade e nem satisfatório para a imagem da instituição, como determinar que se encerre a negociação (quando a mesma está dando bons resultados) e determinar a invasão e, dessa invasão decorre a morte de um refém.

É imprescindível, por parte do Comando da Operação, a análise prévia dos critérios apresentados pelo autor, no parágrafo anterior, para legitimar a decisão tomada e, assim, encontrar supedâneo jurídico para a mesma. Há, ainda, um ponto importante do gerenciamento de crises a ser estudado, que são os perímetros táticos. Para Santos (2010, p. 49), perímetros táticos “são zonas de delimitações ideológicas através das quais determina-se a competência para a gerência e atuação no teatro de operações.”

24


SNIPER POLICIAL QUEM AUTORIZA O DISPARO LETAL? UMA ANÁLISE JURÍDICA...

Três são os perímetros táticos, universalmente reconhecidos e, comentando o tema, Santos (2010, p. 49) afirma que: Alguns doutrinadores ilustram apenas dois perímetros táticos, o interno e o externo. Para facilitar o trabalho das equipes técnicas no teatro de operações, sugerimos os seguintes perímetros táticos: A. Perímetro tático imediato: também conhecido como zona vermelha. É aqui que atuam as equipes especializadas: negociador, time tático, explosivistas etc. B. Perímetro tático mediato: também conhecido como zona amarela ou de transição. É aqui que é montado o posto de comando, o posicionamento do sniper e as equipes médicas. C. Perímetro tático externo/apoio: também conhecido como zona verde ou zona de segurança. É a parte mais segura do perímetro tático, sendo nela a instalação de sala de imprensa, sala para recepção dos familiares e autoridades, apoio logístico e outros. Obs1: O público externo não participa de nenhum perímetro, pois só os organismos responsáveis pela crise e eventuais pessoas que possam vir a colaborar para a solução do fato, deverão se fazer presentes nos perímetros táticos. Portanto, os curiosos ficam fora do isolamento geral. Obs2: Não há que se falar na distância em metros ou quilômetros, cada caso é um caso. Podemos ter os três perímetros em um prédio ou em dois quarteirões. Pode ocorrer que, devido ao pouco espaço, somente seqüestrador e refém se encontrem no perímetro imediato, ficando todas as equipes táticas no perímetro mediato [...].

A compreensão da teoria de gerenciamento de crises policiais, principalmente no tocante ao modus procedendi no teatro de operações, é de fundamental importância para o desenvolvimento do nosso raciocínio, pois, quando abordarmos a Resolução Conjunta nº 09/2005, precisaremos da plena compreensão dos teoremas apresentados, a fim de se identificar a autoridade com competência para determinar o emprego letal do sniper policial militar. Feitas as considerações retro-mencionadas podemos, agora, aprofundar na alternativa tática SNIPER ou ATIRADOR DE ELITE, que é o ponto e objeto de análise jurídica desta obra. 25


SNIPER POLICIAL QUEM AUTORIZA O DISPARO LETAL? UMA ANÁLISE JURÍDICA...

2.2 SNIPER NO CONTEXTO DO GERENCIAMENTO DE CRISES Os doutrinadores e historiadores não conseguiram apresentar um marco fidedigno acerca da origem do atirador de elite. Para Antony (2003, p. 23): [...] desde a Grécia Antiga se tem relatos de táticas de guerra envolvendo o lançamento de artefatos, a uma certa distância, contra a linha inimiga. O melhor exemplo seria o emprego dos arqueiros com o lançamento de flechas até cinqüenta metros, pois, com tal tática era possível neutralizar alguns guerreiros sem expor ao perigo algum dos combatentes da infantaria a pé.

Passados os tempos, as armas e os artefatos de guerra se aperfeiçoaram, surgiu a pólvora e as táticas e técnicas para neutralizar “soldados” a longa distância se aprimoraram, minimizando o contato nos combates terrestres com a neutralização de alvos pré-estabelecidos através do tiro de precisão. Durante a Guerra de Secessão Norte Americana o Coronel Hiram Berdam teria treinado um Batalhão de Atiradores com fuzis dotados de lunetas, a fim de efetuarem disparos certeiros a longa distância. De acordo com os estudiosos do assunto, o mencionado do Batalhão do Coronel Hiram recebera o nome de “SHARPSHOOTERS”, cuja tradução para a língua portuguesa seria: “ATIRADOR DE PRECISÃO” ou “ATIRADOR CERTEIRO” ou ÓTIMO ATIRADOR”. De acordo com os anais da guerra, os mencionados sharpshooters conseguiam atingir seus alvos a uma distância de setecentos metros ou mais. Infere-se, a partir de Antony (2003) que na primeira Guerra Mundial, além dos americanos, os ingleses e alemães também treinaram equipes especiais de atiradores, com o intuito de alvejarem e neutralizarem Generais e Oficiais das linhas inimigas como uma tática para deixar acéfala a tropa e, assim, implantar o medo antes do combate. Os alemães utilizavam os atiradores em duplas, sendo que um deles ficava com o papel de observação e cobertura do atirador principal, podendo, caso o principal fosse alvejado ou errasse o disparo, entrar em ação. Esse segundo atirador, hoje, é conhecido mundialmente como spoter. 26


SNIPER POLICIAL QUEM AUTORIZA O DISPARO LETAL? UMA ANÁLISE JURÍDICA...

No período entre a Primeira e a Segunda Guerra Mundial, os americanos separaram combatentes da infantaria a pé para realizarem treinamento avançado de tiro com fuzis, em campos abertos, com vistas a aumentar o aproveitamento do disparo efetuado a longa distância, já prevendo um combate tático duradouro. Durante os treinamentos os atiradores percebiam que uma pequena ave fazia um voo rápido, e, às vezes, estático próximo aos alvos, o que chamava a atenção dos combatentes. A ave se chamava snipe (seria o beija-flor brasileiro) e devido à sua agilidade e pequena compleição física, os atiradores estabeleciam competições informais entre si no intuito de verificar qual deles conseguiria acertar a mencionada ave, em pleno deslocamento, com o fuzil de alma raiada e, aquele que conseguisse a grande façanha, era considerado um exímio atirador, pois, seria um sniper. Na Segunda Guerra Mundial tanto os aliados quanto a Alemanha de Hitler utilizaram largamente o sniper em operações militares, principalmente os Russos, para neutralizarem os oficiais superiores Nazistas, que se destacavam nos campos de batalha, por serem os únicos a mascarem chicletes, tornando-se alvos fáceis para os precisos atiradores do exército vermelho de Stálin. O Sniper, nesse período de Guerra, não foi utilizado apenas para neutralização de oficiais, mas também para atingir os operadores de metralhadoras e para dar suporte tático à retirada de tropas dos campos de batalha, além de ser uma excelente plataforma de observação. Nas Guerras do Vietnã, da Coréia, das Malvinas, do Afeganistão, Chechênia e Iraque a mencionada alternativa tática foi muito utilizada e explorada pelos lados belingerantes, mas aqui, não há interesse de traçar maiores detalhes, partindo para o emprego do atirador de elite na atividade policial. O emprego da mencionada tática de Guerra foi levado à atividade policial próximo a 1950 nos Estados Unidos (EUA). Naquela época o país enfrentava um grande problema com ex-combatentes da Segunda Guerra Mundial que, perturbados mentalmente com o combate que haviam enfrentado entre 1939 a 1945, se refugiavam em casas, prédios ou em bosques e começavam a disparar contra a população civil. A partir daí, a 27


SNIPER POLICIAL QUEM AUTORIZA O DISPARO LETAL? UMA ANÁLISE JURÍDICA...

polícia solicitava apoio de caçadores habilidosos da região para auxiliar na captura do meliante e realizar sua eventual neutralização com o tiro de elite, caso fosse necessário, pois, até então, a mencionada alternativa tática não fazia parte do protocolo de ação dos organismos policiais do país. Em 1970, os EUA começaram a ser vítima de ataques terroristas, inclusive com atiradores disparando contra a população civil. Muitas ocorrências com reféns localizados foram acontecendo, necessitando da intervenção tática da polícia por meio de uma ação mais contundente e eficaz, capaz de fazer frente aos fatos narrados, ocasião em que os organismos policiais americanos buscaram no modelo policial europeu de combate a grupos terroristas, a inspiração para criar as chamadas SWATs (Special Weapons And Tactics Teams) que, traduzindo para a língua portuguesa seriam Equipes de Armas e Técnicas Especiais. Dentre as alternativas especiais adotadas pela SWAT, assim como na Europa, o Sniper aparecia como a terceira opção para se resolver a crise, utilizando-se dois policiais com fuzis especiais dotados de lunetas e binóculos para efetuar o tiro de precisão, ou seja, um atirador de elite e o auxiliar chamado spoter. Especificamente no Brasil, a primeira unidade policial a utilizar o Sniper, como alternativa tática especializada, foi o Grupamento de Ações Táticas Especiais (GATE) da Polícia Militar de São Paulo, que em 04 de agosto de 1988 estruturou suas equipes táticas, tendo a Equipe de Sniper uma estrutura própria, desvinculada da Equipe de Assalto. Em Minas Gerais, a equipe de Snipers foi criada através da iniciativa do então Major Euler Pereira Queiroz (SNIPER com curso internacional), Comandante do Grupamento de Ações Táticas Especiais (GATE), que determinou a separação dos atiradores de elite do Time Tático (equipe de invasão) tornando-se equipe Tática autônoma, com fuzis exclusivos para a mencionada atividade. Atualmente, o GATE da PMMG foi elevado à categoria de Batalhão, mantendo em sua estrutura a equipe de Snipers (atiradores de elite), estando à frente um Oficial e oito praças, sendo quatro Snipers e quatro observadores (Spoters).

28


SNIPER POLICIAL QUEM AUTORIZA O DISPARO LETAL? UMA ANÁLISE JURÍDICA...

Três são as funções da equipe: a) Plataforma de observação (coleta e repasse de informações ao Gerente da Crise, através do Spoter); b) Cobertura (zelar pela segurança das pessoas envolvidas na crise); c) Realização do Tiro de Precisão nas ocorrências atendidas pelo GATE. Tiro de Precisão (técnico ou tático) é o disparo realizado pelo Sniper, utilizando um armamento adequado, em ponto específico no corpo do causador da crise, para sua neutralização, proporcionando a atuação das demais equipes táticas da unidade, a fim de se libertar o refém com vida. Feitas as considerações no presente capítulo, podemos iniciar o estudo jurídico, a fim de descobrir qual autoridade, no Brasil e em Minas Gerais, possui a competência jurídica para determinar o emprego letal do tiro efetuado pelo Sniper policial militar, nas ocorrências policiais com reféns localizados.

29


SNIPER POLICIAL QUEM AUTORIZA O DISPARO LETAL? UMA ANÁLISE JURÍDICA...

30


SNIPER POLICIAL QUEM AUTORIZA O DISPARO LETAL? UMA ANÁLISE JURÍDICA...

3 O ESTADO BRASILEIRO O objeto de estudo desta obra consiste na análise jurídica, acerca da competência, para se determinar o emprego letal do tiro do sniper policial militar nas ocorrências com reféns localizados, no Estado de Minas Gerais. Contudo, para se chegar objetivamente à análise pragmática das normas jurídicas infraconstitucionais e, até mesmo, às constitucionais relacionadas ao tema, é necessário a compreensão de alguns aspectos da formação e competência do Estado, a teoria da Separação de Poderes (atribuições do Poder já que o mesmo é Uno), bem como a abrangência e pressuposto de atuação do poder público, em face do Estado Democrático de Direito. Somente após uma sólida construção de base axiológica é que poderemos sustentar uma assertiva acerca do tema proposto.

3.1 TEORIA DO ESTADO Para uma melhor compreensão dos papéis exercidos pelos vários organismos policiais, a partir da Constituição Federal de 1988, é imprescindível a compreensão da formatação, função e estrutura do próprio Estado que, a seguir, será abordado.

3.1.1 Conceito de Estado Axiologicamente, a palavra Estado vem do latim “status”, que significa condição, o modo de ser, ordenação, hierarquia. Para De Plácido e Silva (2000, p. 321), “[...] Estado é a expressão jurídica mais perfeita da sociedade, mostrando-se também a organização política de uma nação, ou de um povo.” O Estado, na realidade, é uma abstração jurídica criada pelo Homem, insculpido a partir da própria essência epistemológica do Direito, tendo por finalidade reger a vida de seu povo, a partir de um padrão nacional aceitável de convivência harmônica e social (SANTOS, 2009).

31


SNIPER POLICIAL QUEM AUTORIZA O DISPARO LETAL? UMA ANÁLISE JURÍDICA...

Na antiguidade Romana a palavra Estado era empregada para designar uma situação ou condição de uma pessoa ou de uma coisa (res). Logo, os romanos utilizavam classificações, a partir do Estado, para qualificar as pessoas ou coisas em suas relações jurídicas, sendo que, o status civitatis referia-se à classificação das pessoas em romanos e estrangeiros (não romanos), de acordo com a posição dos mesmos dentro da sociedade política. O status familiae fazia menção à classificação entre os incapazes (alieni júris) e os capazes (sui júris) de exercer os direitos previstos. Já o status libertatis classificava os indivíduos em livres, escravos e libertos, de acordo com a sua capacidade de autonomia pessoal perante o direito romano (CARVALHO, 2009). Na Idade Média a acepção de Estado era diferente da insculpida no Direito Romano, pois nessa o Estado era estruturado de maneira rígida e hierarquizado, sob o domínio absoluto da Igreja Católica através do Clero. Em 1513, Maquiavel deu nova interpretação ao Estado ao trazer o conceito político de unidade deste. Para Azambuja (1980, p. 6), Estado é “a organização político-jurídica de uma sociedade para realizar o bem público, com governo próprio e território determinado.” Segundo Meirelles (2000, p. 54): O conceito de Estado varia segundo o ângulo em que é considerado. Do ponto de vista sociológico, é corporação Territorial dotada de um poder de mando originário (Jellinek); sob o aspecto político, é comunidade de homens, fixada sobre um território, com potestade superior de ação, de mando e de coerção (Malberg); sob o prisma constitucional, é pessoa jurídica territorial soberana (Biscaretti di Ruffia); na conceituação do nosso Código Civil, é pessoa jurídica de Direito Público Interno (art. 14, I) [...].

Enfim, vários são os conceitos para a palavra Estado, contudo, contemporaneamente é impossível referir-se a ele sem fazer uma análise de seus elementos constitutivos a saber: povo, território e soberania.

32


SNIPER POLICIAL QUEM AUTORIZA O DISPARO LETAL? UMA ANÁLISE JURÍDICA...

3.1.2 Elementos do Estado Conforme exposto no último parágrafo do item anterior, infere-se que, para uma perfeita compreensão do Estado e suas atribuições, é fundamental o entendimento acerca de seus elementos constitutivos, pois é a partir deles e em função dos mesmos que a vida das pessoas dentro de uma nação é influenciada e direcionada, principalmente, na construção do Direito pátrio. O primeiro elemento de um Estado é o seu povo. Povo é diferente de população, pois povo é o elemento subjetivo dotado de capacidade política dentro da nação, ou seja, exerce em alguma fase da vida a cidadania. Já a população é a constituída por pessoas nacionais e não nacionais residentes em um Estado, não necessariamente possuindo os atributos da cidadania. Cidadão é atributo jurídico dado àquele nacional que está no gozo de seus direitos políticos (total ou parcial), ou seja, participa da vida política da nação de maneira passiva (podendo ser votado) ou ativa (podendo votar). Para Carvalho (2009, p. 108): O conceito de povo não se confunde com o de população. Como se viu, o povo consiste numa unidade que corresponde a conceito jurídico-político. População envolve um conceito econômicodemográfico, apenas. É o conjunto de residentes (nacionais e estrangeiros) no território do Estado.

O outro elemento constitutivo é o território, que é a unidade material, tangível, geograficamente delimitado sobre o qual o povo habita e exerce internacionalmente sua soberania. O território abrange o solo, subsolo, rios, lagos, ilhas, faixa de mar delimitada, espaço aéreo, golfos e baías, etc. O último elemento é a soberania. Para De Plácido e Silva (2000, p.763) “[...] soberania é o supremo poder ou o poder político de um Estado, e que nele reside com um atributo de sua personalidade soberana [...]”.

33


SNIPER POLICIAL QUEM AUTORIZA O DISPARO LETAL? UMA ANÁLISE JURÍDICA...

Posto isto, os três elementos fundamentais - povo, território e soberania - são o supedâneo no qual o Estado assenta seu nascedouro e, assim, rege suas normas estruturais, a fim de proporcionar aos seus nacionais uma segurança jurídica e vida social harmônica.

3.1.3 Evolução histórica do Estado Para se chegar ao atual Estado Democrático de Direito Brasileiro, insculpido a partir da promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, é necessária uma compreensão da evolução, ao longo da história, da própria sociedade e da compreensão da necessidade e indispensabilidade do Estado. Neste tópico será abordado o Estado Oriental, o Grego, o Romano, o período medieval, o Estado Moderno e o Estado Democrático de Direito. O Estado Oriental refere-se à Idade Antiga, tendo como expoentes os povos persas, hebraicos, egípcios, fenícios, mesopotâmicos, dentre outros. O poder fundamentava-se na teocracia, ou seja, havia uma prevalência do poder religioso sobre o poder político, através de uma monarquia absolutista, com baixa quantidade de direitos e garantias individuais em prol de um poder monárquico quase ilimitado. Os monarcas eram tidos como representantes dos deuses na Terra. (CARVALHO, 2009) Para os gregos, o Estado era representado pela polis ou urbis, que na tradução para o Português seria “Cidade-Estado”, altamente centrada no culto aos antepassados com uma religião politeísta presente e dominante. Havia uma rígida divisão social entre os habitantes da polis, pois tinham os homens livres (cidadãos gregos participantes da vida política), os estrangeiros e os escravos.

34


SNIPER POLICIAL QUEM AUTORIZA O DISPARO LETAL? UMA ANÁLISE JURÍDICA...

Segundo Carvalho (2009, p. 85): [...] a democracia grega baseava-se numa concepção de liberdade distinta da liberdade de pensamento constitucional dos séculos XVIII. A liberdade para os gregos era a prerrogativa conferida aos cidadãos de participar das decisões políticas. Não significava liberdade-autonomia, entendida como a independência individual em face do Estado. O absolutismo da polis absorvia a liberdade individual. A cidade-estado era uma parte essencial da vida humana [...].

Os romanos mantinham uma estrutura do Estado muito semelhante a dos gregos, cultuando os antepassados e o agrupamento familiar como base social manter, contudo, percebia-se uma nítida separação entre o poder público e o poder privado, oscilando o poder, ora na República ora na Monarquia. No mesmo mister da assertiva contida no parágrafo anterior, Carvalho (2009, p. 86) afirma que: [...] destaca-se ainda no Estado romano a consciência da separação entre o poder público e o poder privado. Assim, quando surge o império, o poder político é visto como supremo e uno, compreendendo o imperium (poder de mandar), a potestas (poder modelador e organizador) e majestas (grandeza e dignidade do poder). A idéia de auctoritas está presente na concepção de poder para os romanos e significa autoridade, mando consentido pelo prestígio de quem exerce o poder e não apenas pela imposição da força.

No período medieval (Idade Média) não havia uma unidade estatal, estando o poder concentrado nas mãos dos senhores feudais, pois, com a queda do Império Romano, a partir da tomada de Constantinopla em 1453 pelos Turcos, os romanos encontraram no interior no continente a forma de vida mais segura, tendo o feudalismo a principal estrutura social -política vigente. Em substituição a polis, neste período, tem-se a regnum que se caracteriza pelo aparecimento de um príncipe com domínio sobre seus súditos, notadamente impondo seu poder financeiro e territorial feudal.

35


SNIPER POLICIAL QUEM AUTORIZA O DISPARO LETAL? UMA ANÁLISE JURÍDICA...

O Cristianismo assume um papel importante no cenário socialpolítico, nesta fase histórica. Para Carvalho (2009, p. 87) [...] a cristandade afirma-se, no período medieval, como poder espiritual que governa as consciências com independência do poder temporal, pois com este não se confunde, embora seja aquele invocado como limitação do poder, no plano político, eis que o governo deve ser exercido para o bem comum.

O modelo feudal apresentava sérios problemas como ausência de uma moeda unida, diferenças imensas entre a conversão dos preços e pesos das mercadorias de feudo para feudo, ausência de uma autonomia e soberania locais, dentre outros. Em face dos problemas elencados no parágrafo anterior o modelo feudal, cedeu lugar um novo modelo de governo autônomo e soberano capaz de harmonizar as relações com outros governos, reduzindo as diferenças de câmbio e oferecendo mais segurança aos mercadores em trânsito. Surge então o Estado Moderno. A principal característica do Estado Moderno foi a unicidade do poder político nas mãos do rei surgindo o ideal local, territorialmente soberano, ou seja, a noção da criação do país, no caso, o Estado Nação. Carvalho (2009, p. 87) também afirma: [...] o Estado passa a corresponder à nação; há referência territorial. No plano religioso, a autoridade do Papa é contestada pela Reforma; no econômico, verifica-se a ascensão da burguesia, com o desenvolvimento do capitalismo.

Por um lado o Estado Moderno proporcionou ao cidadão uma estabilidade nacional, por outro, concentrou nas mãos de uma pessoa um poder político quase ilimitado gerando um Sub-Estado chamado Absolutista, totalitário que não reconhecia poder algum ao povo. Neste Estado Moderno, a vontade do rei era a lei, o que gerava uma grande instabilidade jurídica ao cidadão e insatisfação com a tomada das decisões, muitas vezes divorciada do interesse geral.

36


SNIPER POLICIAL QUEM AUTORIZA O DISPARO LETAL? UMA ANÁLISE JURÍDICA...

Na mesma linha do pensamento expresso no parágrafo anterior, Carvalho (2009, p. 89) declara que [...] o Estado absoluto sem vínculo surge com o predomínio do monarca, cuja vontade passa ser lei e as regras limitadoras do poder são vagas e imprecisas, apenas encontrando o poder limite no Direito Natural. A razão de Estado é invocada como principal critério de ação política. Historicamente, o Estado absoluto conduziu à unidade do Estado e à coesão nacional inexistentes no período medieval.

Assim, a partir da necessidade de se esvaziar o poder das mãos do monarca, evitando os abusos ocorridos e, para assegurar uma maior segurança jurídica imparcial e cosmopolita, surge a noção da lei como o médium ideal do Estado, formado a partir da vontade do povo e não como uma expressão unipessoal. Aí, inicia-se o processo de constitucionalização do poder através das mãos do povo. A França é a primeira nação a se ver como um Estado Constitucional, a partir do liberalismo econômico e político, ocorridos no final do século XVIII. Na mesma época, a Alemanha inaugura o chamado Estado de Direito. Com a constitucionalização do poder, este passa a pertencer à nação ou ao seu povo, surgindo a máxima da soberania nacional ou popular e a criação das Constituições escritas, como forma de materializar o novo pacto social e limitadora do poder estatal. A cerca do mencionado assunto, Carvalho (2009, p. 88) assegura que: [...] a lei é o limite da ação do poder, expressão da vontade geral. São reconhecidos os direitos fundamentais para todos os indivíduos. O princípio da separação de Poderes é também inerente à concepção de Estado Constitucional, como limitador do poder político que deixa de ser absoluto. No plano econômico, o Estado se caracteriza pelo absenteísmo, é capitalista e burguês: não há interferência do poder político no domínio econômico, pois, o Estado é apenas árbitro do livre jogo econômico, onde se garante a propriedade privada e se valoriza a liberdade, que se torna absoluta.

37


SNIPER POLICIAL QUEM AUTORIZA O DISPARO LETAL? UMA ANÁLISE JURÍDICA...

É a partir deste ponto, ou seja, com a criação do Estado Constitucional que o presente estudo irá buscar o supedâneo necessário no ordenamento jurídico, especificamente no brasileiro, para solucionar o problema posto em análise.

3.1.4 Estado Democrático de Direito Brasileiro Infere-se que Estado Democrático de Direito é aquele formado a partir das mãos do povo que, ao criar suas normas jurídicas, as respeita e as cumpre fielmente. Para De Plácido e Silva (2000, p. 323): [...] Estado Democrático. Assim se diz do Estado cujo governo se constitui sob os moldes da democracia [...] Estado de Direito é a organização de poder que se submete à regra genérica e abstrata das normas jurídicas e aos comandos decorrentes das funções estatais separadas embora harmônicas. E expressão Estado Democrático de Direito significa não só a prevalência do regime democrático como também a destinação do Poder à garantia dos direitos [...].

É a partir do entendimento do que vem a ser o Estado Democrático de Direito que o aplicador da lei, o jurista e o cidadão encontram supedâneo para cada ato, pensamento, justificação e modo de convivência social. Não há como estabelecer um discurso jurídico sem o pleno entendimento axiológico dos fundamentos e princípios estruturadores deste Estado, pois, ao contrário, estaria sofismando ou apresentando ponto de vista individual dissociado da realidade jurídica vigente. Moraes (2006, p. 17), comentando o primeiro artigo da Constituição Federal de 1988 (CF/88), declara que: [...] O Estado Democrático de Direito, que significa a exigência de reger-se por normas democráticas, com eleições livres, periódicas e pelo povo, bem como o respeito das autoridades públicas aos direitos e garantias fundamentais, proclamando no caput do artigo, adotou, igualmente, no seu parágrafo único, o denominado princípio democrático, ao afirmar que todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição. 38


SNIPER POLICIAL QUEM AUTORIZA O DISPARO LETAL? UMA ANÁLISE JURÍDICA...

Em relação ao mencionado “princípio democrático” podemos entendê-lo como sendo aquele capaz de externalizar exatamente a necessidade fundamental da participação de todas as pessoas (cidadãos na acepção técnica jurídica) na vida política da nação. A exteriorização e a criação do Estado Democrático de Direito se dá, de maneira universal, a partir da criação de uma Carta Jurídico-Política, chamada de Constituição. A palavra Constituição é derivada do latim constitutio, constituere (formar, construir, edificar, estruturar, criar). No caso da Constituição, enquanto carta política que cria uma nação, um país juridicamente, os doutrinadores a chamam de Magna Carta, como menção à Carta Magna do Rei João Sem Terra, publicada em 1215 na Inglaterra (SANTOS, 2009). Explicando o termo Constituição, De Plácido e Silva (2000, p.208): [...] assinala ou determina a lei constitucional, que evidencia a Lei Magna de um povo, politicamente organizado, desde que nela se assentem todas as bases do regime escolhido, fixando as relações recíprocas entre governantes e governados. Como sinônimas, podem ser aplicadas as expressões: lei fundamental, código supremo, magna carta ou estatuto básico. Dessa forma, a constituição estabelece todas as formas necessárias para delimitar a competência dos poderes públicos, impondo as regras de ação das instituições públicas, e as restrições que devem ser adotadas para garantia dos direitos individuais.

Na realidade, a Carta Constitucional é a maior norma jurídica que cria o Estado, cria o direito pátrio e rege as relações entre o poder público e o povo, estabelecendo regras de ação, atribuições dos órgãos e a maneira de participação popular na vida política e social. Para se entender um país, uma nação, basta conhecer a sua Constituição. Silva (1989, p.37) assegura que: A Constituição do Estado, considerada sua lei fundamental, seria, então, a organização dos seus elementos essenciais: um sistema de normas jurídicas, escritas ou costumeiras, que regula a forma do Estado, a forma de seu governo, o modo de aquisição e o exercício do poder, o estabelecimento de seus órgãos e os limites de sua atuação. 39


SNIPER POLICIAL QUEM AUTORIZA O DISPARO LETAL? UMA ANÁLISE JURÍDICA...

O poder criador de uma Constituição é uno e vem das mãos do povo, ou seja, o titular do Poder Constituinte Originário é o nacional do país e, atualmente, somente ele é aceito como legítimo entre as nações do mundo contemporâneo. O Poder Constituinte Revolucionário (aquele que cria o Estado a partir da tomada do poder por meio de revolução, guerra, etc.) não está sendo aceito pelas nações do mundo contemporâneo por não expressar a vontade do povo na elaboração do Estado atual. A Constituição cria toda a estrutura da nação, inclusive a jurídica, ou seja, o Direito vigente no país. Assim, deve-se ressaltar que toda norma jurídica produzida pelo país deve obedecer estritamente aos ditames constitucionais de sua elaboração, edição, semântica e conteúdo, sob pena de ser declarada contrária aos interesses do Estado em face de sua inconstitucionalidade. Quando se promulga uma nova Constituição cria-se uma nova ordem jurídica no país, o que não significa que as normas existentes, anteriores à edição da nova Magna Carta não tenham validade. O que ocorre é que as normas anteriores compatíveis com o novo texto constitucional são convalidadas, que no jargão jurídico, diz-se que foram recepcionadas pela Constituição e continuam a vigorar e a produzir seus efeitos jurídicos. Aquelas que não estão em consonância com a nova ordem vigente são retiradas do ordenamento por não terem sido recepcionadas pela Carta Constitucional. Uma Constituição, segundo os doutrinadores, pode ser classificada de várias maneiras, quanto ao modo de elaboração, quanto à origem etc. Para fins didáticos apresenta-se a seguinte classificação da nossa CF/88, a saber: quanto à forma é escrita (toda matéria constitucional está condensada em um único texto constitucional); quanto à origem é promulgada (veio das mãos do povo através do Poder Constituinte Originário); quanto ao modo de elaboração é dogmática, ou seja, exprime idéias e princípios básicos e fundamentais esculpidas a partir da vontade do povo e, por fim, quanto à estabilidade é rígida, ou seja, para se mudar o texto constitucional é preciso um processo legislativo solene, dificultoso e formal previsto no art. 60 da própria CF/88. É importante ressaltar que o Poder é uno, ou seja, o povo é o poder e seu titular conforme está disposto no parágrafo único do art.1º da CF/88 40


SNIPER POLICIAL QUEM AUTORIZA O DISPARO LETAL? UMA ANÁLISE JURÍDICA...

“art. 1º [...] Parágrafo único: Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”. Outro ponto importante a ser destacado é que, mesmo sendo “uno” o Poder, as atribuições para o seu exercício, na maioria dos Estados contemporâneos, foram divididas como forma de se evitar a concentração do mesmo nas mãos de um único órgão ou pessoa, como fora feito no passado e exposto neste trabalho, surgindo abusos e distorções em face do seu uso. Assim, seguindo esta linha de pensamento, a CF/88, em seu Artigo Segundo, in verbis, explica que “são Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário”. A CF/88 além de prever a separação dos “Poderes” estabeleceu as competências de cada um que, em breve síntese, pode-se afirmar que, ao Judiciário cabe prestar a jurisdição em todo território nacional (art. 92 à 125 da CF/88), ao Legislativo, como órgão de representação máxima do povo, cabe precipuamente a fiscalização do Executivo e a atividade legislativa (art. 44 e seguintes da CF/88), por fim, ao Executivo a atividade executória das atividades fundamentais à vida social harmônica, pacífica, digna e estruturada, como a construção de ruas, estradas, escolas, polícia, dentre outros, conforme está preconizado no 76 e seguintes da CF/88. Como está exposto até aqui, a Constituição é a Carta Política que cria o Estado e este é o responsável em proporcionar ao seu povo as condições ideais de vida em seu território delimitado e soberano. Mas, a vida em sociedade não seria possível se neste Estado não houvesse regras de conduta social, surgindo a necessidade da criação do Direito Pátrio. De fato, com o surgimento do Estado surge o Direito (palavra derivada do latim directum e significa aquilo que é reto, correto, conforme à justiça, etc.) a ser aplicado pelo mesmo nos limites de sua soberania e sobre seu povo e população. Estado e Direito são uma criação humana, uma verdadeira abstração jurídica, pois, ambos são intangíveis, mas, presentes na vida cotidiana de qualquer país sendo impossível separar um do outro. 41


SNIPER POLICIAL QUEM AUTORIZA O DISPARO LETAL? UMA ANÁLISE JURÍDICA...

No mesmo mister do que já fora exposto, Carvalho (2009, p. 183) garante: O Estado não pode subsistir sem o Direito, porque é uma organização jurídica. Se o Estado existisse sem regras jurídicas, não haveria como solucionar conflitos de competência entre os seus diversos órgãos. Por outro lado, cabe ao Direito regulamentar as tarefas do Estado. Sem o Direito, as funções do Estado não teriam conteúdo predeterminado, e não haveria como atingir seus fins. Nesta perspectiva, o Estado aparece como instrumento de realização do Direito. Por outro lado, o Direito se funda na coerção estatal. Sem Estado, seria absolutamente impossível a aplicação do Direito. O Estado influencia na criação do Direito, mesmo que não tenha a sua exclusividade. E, graças a seu poder coercitivo, o estado assegura a aplicação do Direito quando ele é violado, ou ameaça utilizar a força para evitar a sua violação. O Estado contribui, assim, para a realização do Direito, de um ponto de vista ainda que técnico-organizacional. Exatamente porque o Estado é instrumento de realização do Direito é que este não pode existir sem aquele. Estado e Direito têm, desse modo, uma dupla relação. De um lado o Estado influencia o Direito, de outro lado o Direito atua sobre o Estado.

É na Magna Carta que se encontram as regras e hierarquia das normas pátrias; assim, para compreender qual ente da Federação pode/ deve legislar acerca de determinado assunto ou como se dá o processo de elaboração de uma norma jurídica, dever-se observar estritamente o que a Constituição preconiza acerca de determinado assunto. Por exemplo, a União é competente para legislar sobre Direito Penal, Eleitoral, Civil, dentre outros, conforme previsto no art. 22, cuja redação in literis explica que “compete privativamente à União legislar sobre I direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral, agrário, marítimo, aeronáutico, espacial e do trabalho [...]”.

42


SNIPER POLICIAL QUEM AUTORIZA O DISPARO LETAL? UMA ANÁLISE JURÍDICA...

Em relação ao processo de elaboração da norma, este chama-se Processo Legislativo, encontra-se insculpido na Seção VIII, Subseção I, art. 59 da CF/88: Art. 59. O processo legislativo compreende a elaboração de: I - emendas à Constituição; II - leis complementares; III - leis ordinárias; IV - leis delegadas; V - medidas provisórias; VI - decretos legislativos; VII - resoluções. Parágrafo único. Lei complementar disporá sobre a elaboração, redação, alteração e consolidação das leis.

Dessa forma, para se chegar até a ocorrência de alta complexidade, identificando a autoridade competente para gerenciá-la e, consequentemente, competente para determinar o emprego letal do sniper, é imprescindível um estudo minucioso acerca do direito pátrio formado e constituído, a partir da Magna Carta de 1988, principalmente à luz do Direito Administrativo e Penal.

43


SNIPER POLICIAL QUEM AUTORIZA O DISPARO LETAL? UMA ANÁLISE JURÍDICA...

44


SNIPER POLICIAL QUEM AUTORIZA O DISPARO LETAL? UMA ANÁLISE JURÍDICA...

4 ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA A partir da perfeita compreensão da estrutura, princípios e atribuições da Administração Pública podemos inferir e inserir a atuação policial militar em face das ocorrências de alta complexidade, sempre com vistas a dar uma solução que seja aceitável ao fato delituoso. É o que será apresentado a seguir.

4.1 Conceito de administração pública É através da Administração Pública que o Estado realiza todas as suas atividades de gestão para bem servir o seu povo. A palavra administração é derivada do latim administrare e significa organizar, coordenar, planejar, gerenciar, mover e pode ser entendida como a atividade voltada para a gestão de coisas ou negócios tanto públicos quanto privados. Aqui, interessar-se-á a atividade pública, exatamente a expressão “Administração Pública”. Segundo De Plácido e Silva (2000, p.39), [...] num sentido amplo, administração pública pode ser compreendida como uma das manifestações do poder público na gestão ou execução de atos ou de negócios políticos. Assim se confunde com a própria função política do poder público, expressando um sentido de governo, cujo conceito, por vezes, se entrelaça com a da administração, por tal forma que, dificilmente, se poderá, de pronto, traçar uma diferenciação exata entre os órgãos que estruturam o governo propriamente dito e as funções que indicam seu setor administrativo.

Várias são as teorias apresentadas pelos doutrinadores acerca do conceito e sentido da expressão “Administração Pública”, como por exemplo, os sentidos - amplo, estrito, objetivo e subjetivo - trazidos pela Professora Maria Sylvia Zanella Di Pietro, mas, não interessam ao estudo da presente obra, motivo pelo qual e de maneira bem sintética, pode-se afirmar que a mencionada expressão indica os órgãos públicos e os agentes públicos que atuam e agem em face da função administrativa do Estado.

45


SNIPER POLICIAL QUEM AUTORIZA O DISPARO LETAL? UMA ANÁLISE JURÍDICA...

Meirelles (2000, p. 59) explica que: [...] a administração pública, em sentido formal, é o conjunto de órgãos instituídos para a consecução dos objetivos do Governo; em sentido material, é o conjunto de funções necessárias aos serviços públicos em geral; em acepção operacional, é o desempenho perene e sistemático, legal e técnico, dos serviços próprios do Estado ou por ele assumidos em benefício da coletividade [...].

Exposto isto, deve-se entender que a Administração Pública exerce, dentro do Estado Democrático de Direito, o papel de gerir a função administrativa, ou seja, é a Administração Pública que realiza as atividades pragmáticas na seara pública que movimenta e impulsiona o Estado a um fim. Segundo Carvalho Filho (2006, p. 3), a função administrativa é “[...] aquela exercida pelo Estado ou por seus delegados, subjacentemente à ordem constitucional e legal, sob regime de direito público, com vistas a alcançar os fins colimados pela ordem jurídica”. Para fins desta obra, nos interessa a função de cada órgão público, suas atribuições e área de atuação. No Direito pátrio, as funções administrativas foram atribuídas, constitucionalmente, a todos os órgãos de cada “Poder”, não obstante a função executiva ser a que mais expressa a verdadeira atividade da Administração Pública. Para a execução de suas atividades, a administração pública as exerce através de órgãos e de atos chamados administrativos. Os Poderes Judiciário e Legislativo também exaram atos administrativos, mas numa circunstância subsidiária à sua função constitucional, pois servem apenas para otimizarem, na maioria das vezes, o andamento das funções internas dos seus órgãos, uma vez que, para o exercício das coisas públicas é ao Executivo que cabe tal mister. Sendo assim, ficaremos apenas com o estudo da função pública, administrativa e atos administrativos de responsabilidade do Poder Executivo, através de seus órgãos constitucionalmente previstos No próximo item, abordaremos os princípios da Administração Pública. 46


SNIPER POLICIAL QUEM AUTORIZA O DISPARO LETAL? UMA ANÁLISE JURÍDICA...

4.2 Princípios da administração pública Conforme já expusemos, é na Carta Magna que se encontra toda a estrutura do Estado, pois é a mencionada Carta Jurídico-Política, que cria o Estado, seus órgãos e atribuições. O art. 37 da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 veio a estabelecer os princípios basilares da Administração Pública em nosso país, que deve ser seguido por todos os órgãos e atividades inerentes ao interesse público. Para Carvalho Filho (2006, p. 15), “[...] princípios administrativos são postulados fundamentais que inspiram todo o modo de agir da Administração Pública. Representam cânones pré-normativos, norteando a conduta do Estado quando no exercício de atividades administrativas”. No mesmo mister e corroborando com a proposição posta no parágrafo acima, o Professor Cretella Júnior (apud DI PIETRO, 2009, p. 62) afirma que “[...] princípios de uma ciência como proposições básicas, fundamentais, típicas que condicionam todas as estruturações subseqüentes. Princípios, neste sentido, são os alicerces da ciência [...]”. Os mencionados princípios Constitucionais não excluem outros reconhecidos pela doutrina, contudo, os previstos na CF/88 são: Art. 37 - A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte [...].

Em face do preconizado no referido art. 37 da Carta Constitucional de 1988, passaremos a estudar cada princípio, a saber: a) Princípio da Legalidade Pelo princípio da legalidade não se pode entender simplesmente no sentido estrito da palavra, ou seja, apenas a “Lei” como ato emanado pelo Poder Legislativo. Este princípio significa que a administração pública deverá agir sempre de acordo e nos limites previstos na norma jurídica, quer seja Lei, Decreto, Medida Provisória, Resolução ou outro previsto no art. 59 da CF/88.

47


SNIPER POLICIAL QUEM AUTORIZA O DISPARO LETAL? UMA ANÁLISE JURÍDICA...

Importante ressaltar que o princípio da legalidade preconiza que a Administração Pública deve atuar nos limites previstos na norma jurídica, não podendo ir além nem aquém da mesma e, a inexistência de norma proibitiva, não autoriza o agir e fazer como ocorre com o particular (para o particular aquilo que não é proibido é permitido). De acordo com Meirelles (2000, p. 82): [...] na Administração Pública não há liberdade nem vontade pessoal. Enquanto na administração particular é lícito fazer tudo que a lei não proíbe, na Administração Pública só é permitido fazer aquilo que a lei autoriza. A lei para o particular significa “pode fazer assim”, para o administrador público significa “deve fazer assim”. A eficácia de toda atividade administrativa está condicionada ao atendimento da Lei e do Direito [...].

a) Princípio da Moralidade Pelo princípio da moralidade deve-se entender aquele através do qual o administrador público observa a norma e a aplica fidedignamente ao caso concreto, não se valendo do cargo para auferir ganhos pessoais nem com o intuito de prejudicar terceiros. O princípio da moralidade está ligado ao da legalidade. Não há moral dissociado de uma norma legal. A moralidade significa fazer o que manda a norma. Segundo De Plácido e Silva (2000, p. 541) Moral é: [...] derivada do latim moralis (relativo aos costumes), na forma substantiva designa a parte da filosofia que estuda os costumes, para assinalar o que é honesto e virtuoso, segundo os ditames da consciência e os princípios da humanidade [...].

A moralidade administrativa institui-se como supedâneo de admissibilidade e validade de todo e qualquer ato exarado pela Administração Pública, independentemente do caso prático carecedor ou que deu origem ao mesmo.

48


SNIPER POLICIAL QUEM AUTORIZA O DISPARO LETAL? UMA ANÁLISE JURÍDICA...

Para Meirelles (2000, p. 83): [...] a moralidade administrativa constitui, hoje em dia, pressuposto de validade de todo ato da Administração Pública (CF, art. 37, caput). Não se trata – diz Hauriou, o sistematizador de tal conceito – da moral comum, mas sim de uma moral jurídica, entendida como o conjunto de regras de conduta tiradas da disciplina interior da Administração. Desenvolvendo sua doutrina, explica o mesmo autor que o agente administrativo, como ser humano dotado da capacidade de atuar, deve, necessariamente, distinguir o Bem do Mal, o honesto do desonesto [...].

a) Princípio da Impessoalidade O fim público é o que deve ser buscado pela Administração Pública e somente ele deve ser aceito pelo administrado, assim, não é a vontade ou o que interessa ao servidor público que deve ser feito, mas tão somente, o que está previsto na norma jurídica. Não são aceitos favoritismos nem atendimentos a promoções pessoais. De acordo com Di Pietro (2009, p. 67): [...] exigir impessoalidade da Administração tanto pode significar esse atributo deve ser observado em relação aos administrados como à própria Administração. No primeiro sentido, o princípio estaria relacionado com a finalidade pública que deve nortear toda a atividade administrativa. Significa que a Administração não pode atuar com vistas a prejudicar ou beneficiar pessoas determinadas, uma vez que é sempre o interesse público que tem que nortear seu comportamento [...].

a) Princípio da Publicidade No Estado Democrático Brasileiro, insculpido a partir de 1988, a regra é que todos os atos da Administração Pública devem ser publicados e disponibilizados para que o povo possa exercer a fiscalização dos mesmos. Somente em casos expressos é que o mencionado princípio pode ser mitigado, como por exemplo, o inciso LX do art. 5º da CF/88 que impõe que a lei apenas poderá restringir a publicidade dos atos processuais, quando for indispensável à defesa da intimidade ou para atender ao interesse social. 49


SNIPER POLICIAL QUEM AUTORIZA O DISPARO LETAL? UMA ANÁLISE JURÍDICA...

O respectivo princípio está correlacionado com a transparência que o serviço público deve para com o administrado, principalmente com vistas a se evitar abusos e desvios por parte do servidor. Não são admitidos, no Brasil, os chamados “Atos Sigilosos” que não estejam amparados pela lei (matériaespecífica como combate ao crime organizado – Lei Federal nº 9.034/95, de 3 de maio de 1995 ou pela própria CF/88. Confirmando a assertiva retro-mencionada, Moraes (2006, p. 306) afirma que A publicidade se faz pela inserção do ato no Diário Oficial ou por edital afixado no lugar próprio para divulgação de atos públicos, para conhecimento do público em geral e, consequentemente, início da produção de seus efeitos, pois somente a publicidade evita os dissabores existentes em processos arbitrariamente sigilosos, permitindo-se os competentes recursos administrativos e as ações judiciais próprias [...].

a) Princípio da Eficiência O referido princípio foi acrescido ao art. 37 da CF/88 através da Emenda Constitucional nº 19 de 1998. Segundo Moraes (2006, p. 309): [...] o princípio da eficiência é aquele que impõe à Administração Pública direta e indireta e a seus agentes a persecução do bem comum, por meio de suas competências de forma imparcial, neutra, transparente, participativa, eficaz, sem burocracia e sempre em busca da qualidade, primando pela adoção dos critérios legais e morais necessários para a melhor utilização possível dos recursos públicos, de maneira a evitar-se desperdícios e garantir-se uma maior rentabilidade social. Note-se que não se trata da consagração da tecnocracia, muito pelo contrário, o princípio da eficiência dirigise para a razão e fim maior do Estado, a prestação dos serviços sociais essenciais à população, visando a adoção de todos os meios legais e morais possíveis para satisfação do bem comum.

Em breve síntese, podemos afirmar que o princípio da eficiência é aquele no qual o administrador público deve assentar suas ações na busca do bem comum com máxima efetividade, a fim de se atingir o resultado almejado. 50


SNIPER POLICIAL QUEM AUTORIZA O DISPARO LETAL? UMA ANÁLISE JURÍDICA...

Além dos cinco princípios retro-mencionados, previstos no art. 37 da CF/88, ainda elencamos os seguintes: a) Princípio da razoabilidade e proporcionalidade Razoável é aquilo que é sensato, plausível, que esteja inserido no contexto da filosofia do Estado Democrático de Direito. Não será razoável o ato administrativo que não traga em seu corpo os fundamentos de fato e de direito que servem para justificá-lo. Proporcional é o ato administrativo que guarda perfeita adequação entre os fins almejados e os meios utilizados para se atingir os mencionados fins. Segundo Meirelles (2000, p. 86): [...] o princípio da razoabilidade ganha, dia a dia, força e relevância no estudo do Direito Administrativo e no exame da atividade administrativa. Sem dúvida, pode ser chamado de princípio da proibição de excesso, que, em última análise, objetiva aferir a compatibilidade entre os meios e os fins, de modo a evitar restrições desnecessárias ou abusivas por parte da Administração Pública, com lesão aos direitos fundamentais. Como se percebe, parece-nos que a razoabilidade envolve a proporcionalidade, e vice-versa [...].

a) Princípio da Motivação De acordo com o preconizado no art. 2º, caput, da Lei Federal nº 9.784/99, de 29 de janeiro de 1999, a motivação é um dos princípios insculpidos para a realização de procedimentos administrativos. A doutrina pátria, já de algum tempo, reconhece a motivação como um princípio indispensável à atividade da Administração Pública, pois cada ato administrativo precisa ser motivado indicando as razões de fato e de direito que sustentam a decisão tomada pela própria Administração Pública. Para Di Pietro (2009, p. 80): [...] o princípio da motivação exige que a Administração Pública indique os fundamentos de fato e de suas decisões. Ele está consagrado pela doutrina e pela jurisprudência, não havendo mais espaço para as velhas doutrinas que discutiam se a sua obrigatoriedade alcançava só os atos vinculados ou só os atos discricionários, ou se estava presente em ambas as categorias [...]. 51


SNIPER POLICIAL QUEM AUTORIZA O DISPARO LETAL? UMA ANÁLISE JURÍDICA...

Por fim, Meirelles (2000, p. 93) esclarece que “[...] pela motivação o administrador público justifica sua ação administrativa, indicando os fatos (pressupostos de fato) que ensejam o ato e os preceitos jurídicos (pressupostos de direito) que autorizam sua prática [...]”. h) Princípio da responsabilidade do Estado por atos administrativos Tal princípio está insculpido no § 6º do art. 37 da CF/88 que, in verbis, traz: Art. 37 [...] §6º - As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.

O mencionado princípio é de fundamental importância para o desenvolvimento da nossa argumentação, pois, caso o responsável por determinar o tiro letal do Sniper policial militar, nas ocorrências com reféns localizados, não dê a ordem e, em consequência da inércia, o refém venha a morrer, o Estado responderá objetivamente pelo erro com direito a ação regressiva em relação à autoridade que foi omissa em seu dever legal.

4.3 Atos administrativos É através de um ato administrativo chamado “ordem” que o sniper irá atuar nas ocorrências de alta complexidade, motivo pelo qual, torna-se fundamental o entendimento completo do que seja o mencionado ato administrativo, suas variáveis e implicância na atuação da administração pública, em face do Estado Democrático de Direito, a saber:

4.3.1 Conceito Após o estudo dos princípios norteadores da Administração Pública, à luz do Direito Brasileiro, é importante a compreensão de como esta Administração age e procede em face dos atos e fatos jurídicos do dia-adia da nação.

52


SNIPER POLICIAL QUEM AUTORIZA O DISPARO LETAL? UMA ANÁLISE JURÍDICA...

Segundo Meirelles (2000, p.139): Ato Administrativo é toda manifestação unilateral de vontade da Administração Pública que, agindo nessa qualidade, tenha por fim imediato adquirir, resguardar, transferir, modificar, extinguir e declarar direitos, ou impor obrigações aos administrados ou a si próprios.

Com égide no conceito retro-apresentado, por Meirelles, podemos afirmar que a administração pública se manifesta através de atos e estes atos são denominados “Atos Administrativos”, em qualquer esfera de atribuição ou competência de cada órgão, principalmente os do Poder Executivo. Quando o Poder Judiciário (prestar jurisdição) e Legislativo (elaboração das normas jurídicas) atuam fora de suas competências precípuas, também o fazem através de Atos Administrativos, como por exemplo, uma Portaria do Judiciário, concedendo recesso aos seus servidores em face de algum feriado nacional ou estadual. Para Di Pietro (2009, p. 196), “[...] pode-se definir o ato administrativo com a declaração do Estado ou de quem o represente, que produz efeitos jurídicos imediatos, com observância da lei, sob o regime jurídico de direito público e sujeita a controle pelo Poder Judiciário”. Todo ato administrativo é espécie do gênero ato jurídico, mas que em virtude de suas peculiaridades jurídicas acabam por se destacar dos demais atos jurídicos. Acerca do mencionado assunto, Mello (2002, p. 340), esclarece que: Sendo ato jurídico, aloca-se dentro do gênero fato jurídico. Este se define como: qualquer acontecimento a que o Direito imputa efeitos jurídicos. O fato jurídico, portanto, pode ser um evento material ou uma conduta humana, voluntária ou involuntária, preordenada ou não a interferir na ordem jurídica. Basta que o sistema normativo lhe atribua efeitos de direito para qualificar-se como um fato jurídico.

Para que a Administração Pública exare um Ato Administrativo (mais à frente será analisada a Ordem para o tiro do Sniper), é preciso conhecer seus requisitos (elementos), as espécies e seus atributos.

53


SNIPER POLICIAL QUEM AUTORIZA O DISPARO LETAL? UMA ANÁLISE JURÍDICA...

4.3.2 Requisitos / elementos Os doutrinadores ora usam o termo requisitos, ora elementos acerca dos atos administrativos. O Professor Hely Lopes Meirelles utiliza o termo requisitos, já a doutrinadora Maria Sylvia Zanella Di Pietro utiliza o termo elementos, mas ambos tratam do mesmo assunto, apenas com as mencionadas nomenclaturas diferenciadas. Segundo Meirelles (2000, p. 140): [...] o exame do ato administrativo revela nitidamente a existência de cinco requisitos necessários à sua formação, a saber: competência, finalidade, forma, motivo e objetivo. Tais componentes, pode-se dizer, constituem a infra-estrutura do ato administrativo, seja ele vinculado ou discricionário, simples ou complexo, de império ou de gestão.

No mesmo mister, Di Pietro (2009, p.202) afirma que: [...] o que se observa é a divergência doutrinária quanto à indicação dos elementos do ato administrativo, a começar pelo próprio vocábulo elementos, que alguns preferem substituir por requisitos [...], portanto, pode-se dizer que os elementos do ato administrativo são o sujeito, o objeto, a forma, o motivo e a finalidade.

Como está exposto, a partir da comparação dos preceitos apresentados pelos doutrinadores mencionados, apenas no tocante ao sujeito e competência há uma pequena divergência, mas será visto a seguir que fazem menção à mesma situação jurídica. Apresentamos, então, os requisitos/elementos do Ato Administrativo: a) Finalidade: de maneira bem sintética e objetiva pode-se afirmar que o princípio da finalidade diz respeito ao objetivo almejado pela Administração Pública ao exarar o Ato. Para Meirelles (2000, p. 141): [...] requisito necessário ao ato administrativo é a finalidade, ou seja, o objetivo de interesse público a atingir. Não se compreende ato administrativo sem fim público. A finalidade é, assim, elemento vinculado de todo ato administrativo – discricionário ou regrado – porque o Direito Positivo não admite ato administrativo sem finalidade pública ou desviado de sua finalidade específica [...]. 54


SNIPER POLICIAL QUEM AUTORIZA O DISPARO LETAL? UMA ANÁLISE JURÍDICA...

Di Pietro (2009, p. 209) destaca “[...] finalidade é o resultado que a Administração quer alcançar com a prática do ato [...]. Enquanto o objeto é o efeito jurídico imediato que o ato produz (aquisição, transformação ou extinção de direitos), a finalidade é o efeito mediato”. b) Forma: é o requisito do ato administrativo correlacionado à observância estrita ao preconizado em uma norma jurídica, ou seja, aquilo que é determinado como requisito de validade do mesmo sem o qual o torna nulo. Exemplo é a exigência da forma escrita para a realização de um ato e o mesmo deve ser realizado de maneira verbal pelo servidor Público, ou, no caso da lei exigir o processo disciplinar demissionário para a exclusão de um servidor e a administração adotar um procedimento sumário, tornando o mencionado ato nulo de pleno direito. Importante ressaltar que a forma do ato deve estar prevista no Direito, pois deve-se observância estrita à lei (latu sensu). Para Meirelles (2000, p. 142): [...] o revestimento exteriorizador do ato administrativo constitui requisito vinculado e imprescindível à sua perfeição. Enquanto a vontade dos particulares pode-se manifestar-se livremente, a da Administração exige procedimentos especiais e forma legal para que se expresse validamente. Daí pode-se afirmar que, se no Direito Privado a liberdade da forma do ato jurídico é regra, no Direito Público é exceção. Todo ato administrativo é, em princípio, formal. E compreende-se essa exigência pela necessidade que tem o ato administrativo de ser contrasteado com a lei e aferido, frequentemente, pela própria Administração e até pelo Judiciário, para verificação de sua validade.

Di Pietro (2009, p. 208), corroborando com os ensinamentos de Meirelles (2000), explica que: [...] no direito administrativo brasileiro, o aspecto formal do ato é de muito maior relevância do que no direito privado, já que a obediência à forma (no sentido estrito) e ao procedimento constitui garantia jurídica para o administrado e para a própria Administração; é pelo respeito à forma que se possibilita o controle do ato administrativo, quer pelos seus destinatários, quer pela própria Administração, quer pelos demais Poderes do Estado. 55


SNIPER POLICIAL QUEM AUTORIZA O DISPARO LETAL? UMA ANÁLISE JURÍDICA...

Não significa, contudo, que a forma comporte apenas a “escrita”, pois, no Direito Militar que será abordado à frente, grande parte das ordens emanadas pelos superiores, principalmente durante o atendimento a ocorrências policiais, são verbais, por uma questão lógica, não dá tempo para fazer um despacho administrativo, uma ordem de serviço ou memorando, o militar deve agir de imediato conforme a determinação legal do superior hierárquico. Neste sentido, Di Pietro (2009, p. 208) traz que [...] a obediência à forma não significa, no entanto, que a Administração esteja sujeita a formas rígidas e sacramentais; o que se exige, a rigor, é que seja adotada, como regra, a forma escrita, para que tudo fique documentado e passível de verificação a todo momento; a não ser que a lei preveja expressamente determinada forma (como decreto, resolução, portaria etc.), a Administração pode praticar o ato pela forma que lhe parecer mais adequada. Normalmente, as formas mais rigorosas são exigidas quando estejam em jogo direitos dos administrados, como ocorre nos concursos públicos, na licitação, no processo disciplinar.

c) Objeto: alguns autores usam a nomenclatura “conteúdo” para se referirem ao objeto, mas são sinônimos jurídicos, à luz do direito administrativo. Nada mais é, o objeto, do que o efeito jurídico produzido pelo ato, criando, extinguindo ou transformando um direito. Para Meirelles (2000, p. 144): [...] todo ato administrativo tem por objeto a criação, modificação ou comprovação de situações jurídicas concernentes a pessoas, coisas ou atividades sujeitas à ação do Poder Público. Neste sentido, o objeto identifica-se com o conteúdo do ato, através do qual a Administração manifesta seu poder e sua vontade, ou atesta simplesmente situações preexistentes.

Segundo Di Pietro (2009, p. 206): Objeto ou conteúdo é o efeito jurídico imediato que o ato produz. Sendo o ato administrativo espécie do gênero do ato jurídico, ele só existe quando produz efeito jurídico, ou seja, quando, em decorrência dele, nasce, extingue-se, transforma-se um determinado direito. Esse efeito jurídico é o objeto ou conteúdo do ato. 56


SNIPER POLICIAL QUEM AUTORIZA O DISPARO LETAL? UMA ANÁLISE JURÍDICA...

d) Motivo: para alguns doutrinadores o motivo é também chamado de causa. Nada mais é do que o acontecimento jurídico que autoriza a administração a exarar o ato. É na realidade o motivo, o supedâneo legal que sustenta a necessidade de elaborar o ato administrativo. Infere-se, a partir de Meirelles (2000), que o motivo pode ser determinado, expressamente, por lei como pode ficar ao alvedrio do servidor responsável por emiti-lo. Para ilustrar o que vem a ser o motivo, podemos mencionar o caso da advertência verbal que pode ser aplicada ao policial militar em face do cometimento de alguma transgressão disciplinar capitulada na Lei Estadual de Minas Gerais nº 14.310/02, de 19 e junho de 2002. No caso, o motivo será a violação da norma com o cometimento de transgressão disciplinar. Para Meirelles (2000, p. 143): O motivo ou causa é a situação de direito ou de fato que determina ou autoriza a realização do ato administrativo. O motivo, como elemento integrante da perfeição do ato pode vir expresso em lei como pode ser deixado ao critério do administrador. No primeiro caso será um elemento vinculado; no segundo, discricionário, quanto à existência e valoração.

Na mesma linha de pensamento apresentada, Di Pietro (2009, p. 210) afirma que: Motivo é o pressuposto de fato e de direito que serve de fundamento ao ato administrativo. Pressuposto de direito é o dispositivo legal em que se baseia o ato. Pressuposto de fato, como o próprio nome indica, corresponde ao conjunto de circunstâncias, de acontecimentos, de situações que levam a Administração a praticar o ato.

e) Sujeito e competência Neste ponto, também, Meirelles (2000) e Di Pietro (2009), autores nos quais se buscou sustentáculo jurídico das nossas principais argumentações neste capítulo, usam terminologias diferentes para se referirem ao mesmo requisito/elemento do ato jurídico. 57


SNIPER POLICIAL QUEM AUTORIZA O DISPARO LETAL? UMA ANÁLISE JURÍDICA...

Meirelles (2000) utiliza o termo sujeito, já Di Pietro (2009) utiliza competência. A palavra competência é derivada do latim competentia, de competere, que pode significar estar em gozo ou no uso de alguma faculdade ou ser capaz de. Para De Plácido e Silva (2000, p. 186), competência “[...] significa a capacidade, no sentido de poder, em virtude do qual a autoridade possui legalmente atribuição para conhecer de certos atos jurídicos e deliberar a seu respeito [...]”. Aqui, fica claro que a base teórica da pesquisa deve se pautar na análise da capacidade, na elucidação jurídica de ato administrativo, na deliberação do mesmo, responsabilidade e principalmente a obediência ao mandamento legal da norma. Segundo Di Pietro (2009, p. 203) pode-se definir a competência “[...] como o conjunto de atribuições das pessoas jurídicas, órgãos e agentes, fixadas pelo direito positivo [...]”, ora, a mencionada autora afirma justamente o que expusemos no parágrafo anterior, uma vez que a competência do agente, no caso o policial militar, é que está no cerne da falha em não se autorizar o emprego do Sniper. A mesma autora, ainda entende, que é de extrema relevância a compreensão de que é a lei que atribui ao sujeito (servidor público) a competência para exarar e praticar determinado ato jurídico, logo, no sistema jurídico pátrio, não basta a simples capacidade civil para a realização de atos jurídicos mas, também, a competência que, no caso, será para o Ato Administrativo. Para Meirelles (2000, p. 141): [...] a competência administrativa é o poder atribuído ao agente da Administração para o desempenho específico de suas funções. A competência resulta da lei e por ela é delimitada. Todo ato emanado de agente incompetente, ou realizado além do limite de que dispõe a autoridade incumbida de sua prática, é inválido, por lhe faltar um elemento básico de sua perfeição, qual seja o poder jurídico para manifestar a vontade da Administração [...].

58


SNIPER POLICIAL QUEM AUTORIZA O DISPARO LETAL? UMA ANÁLISE JURÍDICA...

Assim, para o mencionado jurista, a lei é o ato normativo no qual deve se pautar a análise da competência do administrador para fazer sua gestão e tomar suas decisões cabíveis no nível de suas atribuições/ obrigações. Infere-se que estão insculpidas na CF/88, como norma maior, as competências gerais de cada órgão no Brasil; contudo, não cabendo apenas à Lei em sentido estrito como ato do Legislativo, mas também, as normas infraconstitucionais emanadas dos organismos competentes, como por exemplo os decretos, resoluções, dentre outros, que serão abordados mais à frente. Sem dúvida, o coração de nossa análise repousa nesta parte do Ato Administrativo, que irá servir de supedâneo para identificar a autoridade capaz de determinar o emprego letal do sniper policial militar nas ocorrências com reféns localizados em Minas Gerais.

4.3.3 Atos discricionários e vinculados Importante ponto a ser entendido pelos responsáveis da aplicação da lei, principalmente pelos policiais militares empenhados nas ocorrências com reféns localizados, é a inteligência da diferença entre ato discricionário e vinculado, uma vez que, a “Ordem” para o disparo do sniper, é um Ato Administrativo verbal. Discricionário é o Ato Administrativo no qual a norma jurídica dá à Administração Pública uma liberdade de atuação, em face de um caso concreto, deixando ao servidor a faculdade de utilizar parâmetros, métodos, técnicas, processo decisório e a forma de gerir nos termos que ela, Administração, entenda ser o melhor e mais viável para se atender ao interesse público posto em cada acontecimento. A discricionariedade tem supedâneo nos limites previstos e determinados pela “Lei” e o interesse público, permitindo que o administrador adote a alternativa que dê a solução mais aceitável para cada caso, principalmente, as ocorrências com reféns localizados.

59


SNIPER POLICIAL QUEM AUTORIZA O DISPARO LETAL? UMA ANÁLISE JURÍDICA...

Corroborando com o pensamento posto, Di Pietro (2009, p. 212) declara que: [...] o regramento não atinge todos os aspectos da atuação administrativa; a lei deixa certa margem de liberdade de decisão diante do caso concreto, de tal modo que a autoridade poderá optar por uma dentre várias soluções possíveis, todas válidas perante o direito. Nesses casos, o poder da Administração é discricionário, porque a doção de uma ou outra solução é feita segundo critérios de oportunidade, conveniência, justiça, equidade, próprios da autoridade, porque são definidos pelo legislador. Mesmo aí, entretanto, o poder de ação administrativa, embora discricionário, não é totalmente livre, porque, sob alguns aspectos em geral a competência, a forma e a finalidade, a lei impõe limitações. Daí por que se diz que a discricionariedade implica liberdade de atuação nos limites traçados pela lei; se a Administração ultrapassa esses limites, a sua decisão passa a ser arbitrária, ou seja, contrária à lei.

Vinculados são os Atos que a Administração não possui a liberdade de atuação a não ser aquela estritamente estabelecida na lei, pois esta, de maneira objetiva, estabelece a maneira, forma, condição, requisitos e outros elementos de atuação. Para Di Pietro (2009, p. 212): [...] a atuação da Administração Pública no exercício da função administrativa é vinculada quando a lei estabelece a única solução possível, diante de determinada situação de fato; ela fixa todos os requisitos, cuja existência a Administração deve limitar-se a constatar, sem qualquer margem de apreciação subjetiva.

4.3.4 Atributos do ato administrativo Atributo é aquilo que individualiza alguém ou alguma coisa. No caso do Ato Administrativo, atributo indica os predicados do mesmo que o individualizam dos demais atos jurídicos enquadrando-o exatamente no chamado regime jurídico de direito público. Não há entre os doutrinadores uma unanimidade de pensamento acerca de quais sejam os atributos dos atos administrativos, contudo, a maioria afirma que a presunção de legitimidade, imperatividade e autoexecutoriedade o são, motivo pelo qual, apenas estes serão objeto de nossa análise. 60


SNIPER POLICIAL QUEM AUTORIZA O DISPARO LETAL? UMA ANÁLISE JURÍDICA...

4.3.4.1 Presunção de legitimidade É a principal característica do Ato Administrativo, pois pelo mencionado princípio, até que alguém prove que o Ato não é legítimo ou legal, “Ele” o é, por força de lei. Tal característica está ligada ao princípio da legalidade da Administração Pública. Para Meirelles (2000, p. 148): Os atos administrativos, qualquer que seja sua categoria ou espécie, nascem com a presunção de legitimidade, independentemente de norma legal que a estabeleça. Essa presunção decorre do princípio da legalidade da Administração, que, nos Estados de Direito, informa toda a atuação governamental [...]

4.3.4.2 Imperatividade Tal atributo dá ao Ato Administrativo o poder de se impor a terceiros mesmo contra a vontade deles, mas tal atributo está presente apenas nos atos que se impõem obrigações, nos demais não. Corroborando com a assertiva anterior, Di Pietro (2009, p. 200) afirma que: [...] a imperatividade não existe em todos os atos administrativos, mas apenas naqueles que impõem obrigações; quando se trata de ato que confere direitos solicitados pelo administrado (como na licença, autorização, permissão, admissão) ou de ato apenas enunciativo (certidão, atestado, parecer), esse atributo inexiste.

4.3.4.3 Auto-executoriedade Segundo Meirelles (2000, p. 151) “a auto-executoriedade consiste na possibilidade que certos atos administrativos ensejam de imediata e direta execução pela própria Administração, independentemente de ordem judicial.” Pelo mencionado princípio a Administração Pública, pode-se fazer valer e executar seus atos sem a necessidade de levar ou aguardar posicionamento do Poder Judiciário para a tomada de qualquer decisão. Funda-se, principalmente, tal princípio, no interesse público. 61


SNIPER POLICIAL QUEM AUTORIZA O DISPARO LETAL? UMA ANÁLISE JURÍDICA...

Para Di Pietro (2009, p. 200), “consiste a auto-executoriedade em atributo pelo qual o ato administrativo pode ser posto em execução pela própria Administração Pública, sem a necessidade de intervenção do Poder Judiciário.”

4.3.5 Espécies de atos administrativos Ponto importante a ser avaliado, acerca do Ato Administrativo, pois, a Ordem exarada ao Sniper, mesmo verbal, irá se encaixar em uma das espécies de atos. Não nos interessa apresentar todas as espécies de atos administrativos apontadas pelos doutrinadores, mesmo porque, não há uma unanimidade quanto a uma classificação dos mesmos. Para corroborar com o objetivo do estudo proposto nesta obra, analisaremos apenas os Atos Normativos e Ordinários, segundo classificação proposta por Meirelles.

4.3.5.1 Atos normativos Segundo Meirelles (2000, p. 168): Atos administrativos normativos são aqueles que contêm um comando geral do Executivo, visando à correta aplicação da lei. O objetivo imediato de tais atos é explicitar a norma legal a ser observada pela Administração e pelos administrados.

Para o mencionado autor os atos normativos são: decretos, regulamentos, instruções normativas, regimentos, resoluções e deliberações. a) Decreto: é um ato administrativo de competência exclusiva do chefe do Poder Executivo como forma explicar, operacionalizar ou fomentar a execução de algo previsto numa lei ou legislação específica. No caso das ocorrências de alta complexidade, não há ainda no Brasil, uma Lei Federal, conforme está previsto no art. 59 e seguintes da CF/88, normatizando a atuação das polícias em face das ocorrências de alta complexidade - como por exemplo, as providências iniciais, alternativas táticas a serem empregadas, a permissão ou proibição do 62


SNIPER POLICIAL QUEM AUTORIZA O DISPARO LETAL? UMA ANÁLISE JURÍDICA...

uso do tiro letal (sniper), dentre outros - ficando a cargo dos profissionais de segurança pública a tarefa de escrever e desenvolver a doutrina básica de atuação que nem sempre é convalidada pelas decisões judiciais nos casos do uso da força. Em Minas Gerais, também não há uma Lei Estadual disciplinando a atuação da Polícia Militar, em face do atendimento às ocorrências com reféns localizados, motivo pelo qual não se tem um Ato Normativo do Executivo mineiro regulamentando o tema. Mas apresentando uma possível saída ao problema em estudo, Meirelles (2000, p. 169) afirma que “[...] Decreto independente ou autônomo é o que dispõe sobre matéria ainda não regulada especificamente em lei”. Ou seja, para o autor poderia, através de um Decreto do Governo do Estado de Minas Gerais, indicar qual autoridade seria a competente para determinar o emprego letal do Sniper Policial, no caso das ocorrências com reféns localizados, nos limites do estado mineiro. b) Regulamentos: algumas leis são auto-executáveis, não carecendo de nenhuma outra norma jurídica para complementá-la, já outras leis carecem, a fim de atingir o fim social proposto, de uma outra norma para seja operacionalizada. Os regulamentos atuam como forma de operacionalizar um preceito trazido por uma lei. Para Meirelles (2000, p. 170) “[...] os regulamentos são atos administrativos, postos em vigência por decreto, para especificar os mandamentos da lei ou prover situações ainda não disciplinadas por lei [...]”. c) Instruções normativas: são, no dizer de Meirelles (2000, p. 171), “[...] atos administrativos expedidos pelos Ministros de Estado para a execução das leis, decretos e regulamentos (CF, art. 87, parágrafo único, II), mas são também utilizados por outros órgãos superiores para o mesmo fim.” d) Regimentos: são atos administrativos, interna corporis, cuja finalidade é a de reger administrativamente o funcionamento de cada órgão.

63


SNIPER POLICIAL QUEM AUTORIZA O DISPARO LETAL? UMA ANÁLISE JURÍDICA...

Segundo Meirelles (2000, p. 171): [...] os regimentos são atos administrativos normativos de atuação interna, dado que se destinam a reger o funcionamento de órgãos colegiados e de corporações legislativas. Como ato regulamentar interno, o regimento só se dirige aos que devem executar o serviço ou realizar a atividade funcional regimentada, sem obrigar aos particulares em geral.

e) Resoluções: normalmente são atos administrativos exarados pelas autoridades superiores de cada poder com o objetivo de orientar e direcionar o andamento do serviço público no âmbito de suas atribuições. Para Meirelles (2000, p. 171): [...] resoluções são atos administrativos normativos expedidos pelas altas autoridades do Executivo (mas não pelo Chefe do Executivo, que só deve expedir decretos) ou pelos presidentes de tribunais, órgãos legislativos e colegiados administrativos, para disciplinar matéria de sua competência específica.

f) Deliberações: são os atos administrativos que os órgãos colegiados emanam em matéria específica de suas atribuições. Em Minas Gerais, podem-se citar as deliberações proferidas pelo Colegiado de Integração, enquanto órgão integrante da Secretaria de Estado de Defesa Social.

4.3.5.2 Atos ordinatórios Os atos ordinatórios têm por escopo ordenar a atividade dos servidores públicos. Para Meirelles (2000, p. 173): Atos ordinatórios são os que visam a disciplinar o funcionamento da Administração e a conduta funcional de seus agentes. São provimentos, determinações ou esclarecimentos que se endereçam aos servidores públicos a fim de orientá-los no desempenho de suas atribuições.

Segundo o mesmo autor, os atos ordinatórios podem ser: instruções, circulares, avisos, portarias, ordens de serviço, ofícios e despachos.

64


SNIPER POLICIAL QUEM AUTORIZA O DISPARO LETAL? UMA ANÁLISE JURÍDICA...

Há interesse, neste estudo, apenas as instruções, circulares e ordens de serviço. a) Instruções, segundo Meirelles (2000, p. 174): [...] são ordens escritas e gerais a respeito do modo e forma de execução de determinado serviço público, expedidas pelo superior hierárquico com o escopo de orientar os subalternos no desempenho das atribuições que lhes estão afetas e assegurar a unidade de ação no organismo administrativo [...].

No âmbito interno da PMMG há várias instruções publicadas nas demais searas de policiamento ostensivo, mas ainda, não há nenhuma acerca do gerenciamento de crises envolvendo reféns localizados. Aqui pode repousar uma possível solução à lide, pois na ausência de uma norma direcionada, o Comando da instituição poderá disciplinar a matéria através de uma Instrução. b) Circulares são ordens escritas direcionadas a servidores específicos (que desenvolvem uma atividade específica), numa circunstância especial. Pelo fato da circular ser menos abrangente que a instrução, não se entende ser o ato administrativo mais viável para se declinar ou identificar a autoridade que possua a competência para gerenciar a crise e, consequentemente, determinar o tiro letal do sniper policial. c) Por último, temos as Ordens de Serviço, que são atos administrativos que contém em seu bojo uma determinação a ser cumprida pelo servidor público, em uma circunstância específica, sendo emanada por um superior hierárquico. É um ato administrativo muito utilizado pela PMMG para o desencadeamento das operações rotineiras da polícia, como operação blitz de trânsito, incursão em aglomerado e outros. Em relação às ocorrências de alta complexidade, por se encaixarem no ramo das operações especiais, não se entende que seja viável legitimar ou identificar ou buscar o responsável pela ordem de emprego do sniper, através deste ato administrativo, por ser muito superficial e imediatista seus efeitos jurídicos.

65


SNIPER POLICIAL QUEM AUTORIZA O DISPARO LETAL? UMA ANÁLISE JURÍDICA...

Para Meirelles (2000, p. 175) “ordens de serviço são determinações especiais dirigidas aos responsáveis por obras ou serviços públicos autorizando seu início ou contendo imposições de caráter administrativo ou especificações técnicas sobre o modo e forma de sua realização”.

4.3.6 Formação e efeitos do ato administrativo Como último ponto a ser estudado acerca do Ato Administrativo, deve-se entender que a formação e efeitos deste, se dá a partir de três elementos basilares a saber: a perfeição, validade e eficácia. Perfeição diz respeito à conclusão da produção do ato administrativo, ou seja, já tenha esgotado todos os passos para sua criação. Válido é o ato administrativo que foi criado em conformidade com o ordenamento jurídico vigente (lei, decreto, dentre outros). Eficaz é o ato que é capaz de produzir os efeitos jurídicos desejados no momento em que fora idealizado e criado. Logo, a ordem emanada pela autoridade para que o sniper efetue o disparo letal, deverá ser eficaz, válida e perfeita, caso contrário não produzirá o resultado desejado, qual seja, a neutralização do causador da crise com a libertação com vida da vítima.

66


SNIPER POLICIAL QUEM AUTORIZA O DISPARO LETAL? UMA ANÁLISE JURÍDICA...

5 SERVIÇOS, ÓRGÃOS, SERVIDORES PÚBLICOS E MILITARES No Estado Democrático de Direito, o servidor público é o responsável por executar as atividades estatais voltadas a atender o fim social de cada órgão e bem servir a população em cada área de atuação. Sendo assim, o policial militar atua em face de sua missão constitucional, não como um servidor público comum, mas como servidor militar com responsabilidades e atribuições especialmente recebidas para atuar no campo da segurança pública, principalmente no tocante às ocorrências de alta complexidade, que, será abordado na presente seção.

5.1 Conceitos Para Di Pietro (2009, p. 102): [...] serviço público é toda atividade material que a lei atribui ao Estado para que a exerça diretamente ou por meio de seus delegados, com o objetivo de satisfazer concretamente às necessidades coletivas, sob regime jurídico total ou parcialmente público.

Segundo Meirelles (2000, p. 63) Órgãos públicos são centros de competência instituídos para o desempenho de funções estatais, através de seus agentes, cuja atuação é imputada à pessoa jurídica a que pertencem. São unidades de ação com atribuições específicas na organização estatal [...].

Corroborando com o pensamento retro-exposto, Di Pietro (2009, p.505) afirma que “[...] pode-se definir órgão público como uma unidade que congrega atribuições exercidas pelos agentes que integram com o objetivo de expressar a vontade do Estado”. Para os fins pretendidos, neste livro, ter-se-á apenas a seara da segurança pública, deixando de lado a análise e o estudo das demais áreas de atuação do Estado na vida do cidadão e do país. O mencionado serviço de segurança pública é prestado pelos órgãos componentes do sistema de defesa social, insculpidos nas Constituições Federal e Estadual. 67


SNIPER POLICIAL QUEM AUTORIZA O DISPARO LETAL? UMA ANÁLISE JURÍDICA...

5.2 Serviço e órgãos de segurança pública O art. 144, da CF/88, disciplinou a atividade (serviço) de segurança pública no Brasil, estabelecendo as atribuições e repartindo as competências de cada órgão/instituição no cenário nacional. In verbis, o art. 144 traz: ART. 144 – “A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e dopatrimônio, através dos seguintes órgãos:” “I – polícia federal; II – polícia rodoviária federal; III – polícia ferroviária federal; IV – polícias civis; V- polícias militares e corpos de bombeiros militares. [...] § 5º - “Às polícias militares cabem a polícia ostensiva e a preservação da ordem pública [...]” § 6º - “Às polícias militares e corpos de bombeiros militares, forças auxiliares e reserva do Exército, subordinam-se, juntamente com as polícias civis, aos Governadores dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios". § 7º - “A lei disciplinará a organização e o funcionamento dos órgãos responsáveis pela segurança pública, de maneira a garantir a eficiência de suas atividades”.

Como está previsto, de maneira expressa no texto constitucional, cabe à Polícia Militar o exercício da atividade preventiva de polícia, através do policiamento ostensivo, bem como a atividade de preservação da Ordem Pública, que se caracteriza pelo exercício de atividades preventivas e/ou repressivas no intuito de manter a paz social. A título de esclarecimento, o Decreto Federal nº 88.777, de 30 de setembro de 1983, define ORDEM PÚBLICA como “o conjunto de regras formais e coativas que emanam do ordenamento jurídico da nação, tendo por escopo regular as relações sociais em todos os níveis e estabelecer 68


SNIPER POLICIAL QUEM AUTORIZA O DISPARO LETAL? UMA ANÁLISE JURÍDICA...

um clima de convivência harmoniosa e pacífica. Constitui, assim, uma situação ou condição que conduz ao bem estar.” Logo, as ocorrências de alta complexidade, principalmente as com reféns localizados, são responsáveis por quebrar a mencionada Ordem Pública e a superar a capacidade de resposta convencional do policiamento preventivo, insculpido no texto constitucional, exigindo da Instituição Policial uma ação e reação especial para restabelecer a mencionada Ordem. Contudo, cada Estado membro da Federação, possui autonomia para treinar, gerenciar e administrar a Polícia, de acordo com a política governamental vigente, pois, em obediência ao previsto no parágrafo sexto do art. 144 da CF/88, as polícias civis e militares se subordinam ao Governador do Estado. Ressaltamos que, o presente estudo não abordará as situações nas quais a Polícia Civil, Polícia Federal, Rodoviária Federal e Ferroviária Federal são competentes para gerenciar a crise, apenas nos interessa, as que a Polícia Militar possui a mencionada competência para ser a gestora. No âmbito estadual, há a previsão de existência e atuação de duas polícias, a Militar, responsável pelo policiamento preventivo e a Civil, responsável pela atividade de polícia judiciária e apuração de infrações penais. Em Minas Gerais, ambas as organizações atuam ativamente no campo da segurança pública. A Polícia Militar de Minas Gerais é um órgão público, responsável pela manutenção e preservação da Ordem Pública, através do policiamento ostensivo e preventivo, conforme está previsto na CF/88 e na Constituição Mineira. Da mesma forma que a CF/88 estabeleceu que a segurança pública é uma atribuição do Estado para com a sociedade brasileira, a Constituição do Estado de Minas Gerais trouxe a defesa social como marco relevante para a vida harmônica e segura dos Mineiros, assim prevendo em seu a art. 133 e seguintes:

69


SNIPER POLICIAL QUEM AUTORIZA O DISPARO LETAL? UMA ANÁLISE JURÍDICA... ART.133 – A defesa social, dever do Estado e direito e responsabilidade de todos, organiza-se de forma sistêmica visando a: I - garantir a segurança pública, mediante a manutenção da ordem pública, com a finalidade de proteger o cidadão, a sociedade e os bens públicos e privados, coibindo os ilícitos penais e as infrações administrativas; III - promover a integração social, com a finalidade de prevenir a violência e a criminalidade. § 1º - Na definição da política a que se refere este artigo, serão observadas as seguintes diretrizes: V – preservação da ordem pública. ART. 136 – A segurança pública, dever do Estado e direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos: I - Polícia Civil; II - Polícia Militar. ART. 137 - A Polícia Civil, a Polícia Militar e o Corpo de Bombeiros Militar se subordinam ao Governador do Estado. ART. 142 – A Polícia Militar e o Corpo de Bombeiro Militar, forças públicas estaduais, são órgãos permanentes, organizados com base na hierarquia e disciplina militares e comandados, preferencialmente, por oficial da ativa do último posto, competindo à Polícia Militar, a polícia ostensiva de prevenção criminal, de segurança, de trânsito urbano e rodoviário, de florestas e de mananciais e as atividades relacionadas com a preservação e a restauração da ordem pública, além da garantia do exercício do poder de polícia dos órgãos e entidades públicos, especialmente das áreas fazendária, sanitária, de proteção ambiental, de uso e ocupação do solo e de patrimônio cultural.

Pelo exposto, e de maneira bem objetiva, devemos entender que a Polícia Militar de Minas Gerais é um órgão do Estado que têm por atribuição Constitucional (Federal e Estadual) a realização do policiamento ostensivo, preventivo, manutenção e restabelecimento da Ordem Pública, quando a mesma for quebrada. Tal serviço é intangível, mas, de grande percepção social quando não é bem prestado. O emprego do Sniper policial encontra supedâneo exatamente quando a Ordem Pública é quebrada, principalmente, pelas ocorrências 70


SNIPER POLICIAL QUEM AUTORIZA O DISPARO LETAL? UMA ANÁLISE JURÍDICA...

de alta complexidade, contudo, nem a CF/88 nem a Constituição Mineira apontam, de maneira direcionada, qual autoridade possui a competência para determinar o tiro letal. Numa visão precipitada, poder-se-ia tentar dizer que seria o Governador do Estado a autoridade competente para autorizar o tiro do sniper, já que o mesmo é o Chefe das Polícias no âmbito estatal; contudo, o mesmo exerce Chefia política e não técnica das Organizações. Caso o entendimento fosse o contrário, ou seja, que ele Governador fosse o titular da mencionada competência, deveria ser acionado para as demais ocorrências rotineiras, algo que seria inconcebível para as inúmeras atividades exercidas pela referida autoridade. Greco (2009, p. 135) comentando a atuação do atirador de elite afirma que “[...] se esgotadas as possibilidades de negociação, de gerenciamento da crise, for dado, pelo comandante da operação o sinal verde para a atuação do sniper, ele terá sempre em foco duas alternativas [...]”. Encerrando o presente capítulo, fica claro que a atribuição Constitucional da Polícia Militar, enquanto órgão do Estado é a de gerenciar as ocorrências de alta complexidade no âmbito estatal. Contudo, as Cartas Constitucionais não direcionam (nem é o papel das mesmas) nem explicitam qual autoridade seria a competente para determinar o tiro letal do sniper, cabendo às demais normas infraconstitucionais a missão de defini-lo.

5.3 Servidores públicos e militares A CF/88 estabelece uma diferença entre os servidores públicos e os militares que, para este estudo é relevante, pois implicará em prerrogativas e obrigações diferentes para estes em relação àqueles, principalmente, no tocante à imputabilidade penal pela omissão, em face do dever de agir para dar uma solução aceitável às ocorrências com reféns localizados. O militar responde perante o direito penal militar, quando comete os crimes militares, e perante o direito penal comum, quando a ação delitiva estiver exclusivamente prevista nas leis penais comuns. Em capítulo 71


SNIPER POLICIAL QUEM AUTORIZA O DISPARO LETAL? UMA ANÁLISE JURÍDICA...

específico detalharemos as ações que enquadram-se em um ou outro ramo do direito. Para Di Pietro (2009, p. 509): [...] servidor público é a expressão empregada ora em sentido amplo, para designar todas as pessoas físicas que prestam serviços ao Estado e às entidades da Administração Indireta, com vínculo empregatício, ora em sentido menos amplo, que exclui os que prestam serviços às entidades com personalidade jurídica de direito privado [...].

No entendimento de Meirelles (2000, p. 374): [...] os servidores públicos constituem subespécies dos agentes públicos administrativos, categoria que abrange a grande massa de prestadores de serviços à Administração e a ela vinculados por relações profissionais, em razão de investidura em cargos e funções, a título de emprego e com retribuição pecuniária.

Como há a busca pela identificação da autoridade que possui competência para determinar o emprego letal do sniper policial militar, em ocorrências com reféns localizados, é importante a compreensão desta categoria de servidor e suas peculiaridades. Di Pietro (2009, p.515) afirma que: Os militares abrangem as pessoas físicas que prestam serviços às Forças Armadas – Marinha, Exército e Aeronáutica (art. 142, caput, e § 3º, da Constituição) – e às Polícias Militares e Corpos de Bombeiros Militares dos Estados, Distrito federal e dos Territórios (art. 42), com vínculo estatutário sujeito a regime jurídico próprio, mediante remuneração para pelos cofres públicos. Até a Emenda Constitucional Nº 18/98, eram considerados servidores públicos, conforme artigo 42 da Constituição, inserido em seção denominada servidores públicos militares.

O art. 42 da CF/88 dispõe que “os membros das Polícias Militares e Corpos de Bombeiros Militares, instituições organizadas com base na hierarquia e disciplina, são militares dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios.” Com égide no que fora exposto até aqui, podemos afirmar que o policial militar, gestor das ocorrências de alta complexidade nos limites de 72


SNIPER POLICIAL QUEM AUTORIZA O DISPARO LETAL? UMA ANÁLISE JURÍDICA...

Minas Gerais, é servidor militar do Estado e deve observância não só ao preconizado na Magna Carta, mas também, ao contido na Constituição Mineira, no direito penal militar e penal comum, além da Legislação pertinente, motivo pelo qual, na próxima seção, o estudo irá abordar tais peculiaridades.

73


SNIPER POLICIAL QUEM AUTORIZA O DISPARO LETAL? UMA ANÁLISE JURÍDICA...

74


SNIPER POLICIAL QUEM AUTORIZA O DISPARO LETAL? UMA ANÁLISE JURÍDICA...

6 ATUAÇÃO POLICIAL MILITAR À LUZ DO DIREITO PENAL (COMUM E MILITAR) Como fora exposto nos capítulos anteriores, a Polícia Militar é a gestora das ocorrências com reféns localizados em Minas Gerais, devendo agir dentro dos preceitos legais vigentes. Como estamos buscando identificar a autoridade que possui a competência para determinar o emprego letal do atirador de elite, nas mencionadas ocorrências, irá partir-se, neste capítulo, da responsabilização penal pelo uso de tal alternativa tanto pela ação quanto pela omissão, pois, imputando responsabilidade ao servidor chega-se à sua competência jurídica. O uso do Sniper, enquanto alternativa tática, está condicionado à ordem da autoridade competente, pois o policial encarregado pelo tiro de elite não possui autonomia de ação, estando subordinado a uma cadeia de Comando, sendo um suporte, um meio e não um fim, para que o Comando dê uma solução aceitável à crise. Corroborando com a assertiva contida no parágrafo anterior, Greco (2009, p. 135) afirma que “[...] merece ser ressaltado, ainda, que o atirador de elite somente poderá atuar após ser dada a ordem pelo seu superior [...]” O tiro técnico (neutralização com a morte do seqüestrador), por parte do sniper, em tese, amolda-se aos preceitos legais tipificados nas leis penais como crime de homicídio. Em face da ação típica (homicídio) o Estado deverá agir a fim de aplicar o jus puniendi, no caso da inexistência de circunstância justificante do tiro, ao responsável pela ordem e/ou ao policial militar que efetuou o disparo, mas que, por uma circunstância ou outra, obteve um resultado não desejado, como, por exemplo, a morte da refém e não só do seqüestrador. Sendo assim, serão analisadas agora, à luz do direito penal, comum e militar, as várias nuances que envolvem o tiro letal, apenas ressaltando que, para fins de processo legislativo, apenas a União possui 75


SNIPER POLICIAL QUEM AUTORIZA O DISPARO LETAL? UMA ANÁLISE JURÍDICA...

competência para legislar em matéria penal, conforme está previsto no inciso I do art. 22 da CF/88 que diz “compete privativamente à União legislar sobre: I - direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral, agrário, marítimo, aeronáutico, espacial e do trabalho [...]”. Logo, qualquer lei que venha a estabelecer algum tipo de imputabilidade penal em relação a qualquer ação ou omissão de alguma pessoa, no Brasil, deverá obedecer ao preconizado no mencionado dispositivo Constitucional, sob pena de nulidade.

6.1 Conceito de crime Para se imputar responsabilidade penal a alguém, no sistema jurídico brasileiro, é imprescindível a existência prévia e anterior ao cometimento do fato, que exista uma norma jurídica, no caso a penal, tipificando a conduta como crime. O princípio insculpido no direito penal, que justifica a argumentação apresentada no parágrafo acima, é o da reserva legal previsto no inciso XXXIX do art. 5º da CF/88, combinado com o art. 1º do Código Penal Comum e art. 1º do Código Penal Militar, a saber: O art. 5º, inciso XXXIX da CF/88, in verbis, afirma que “não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal”. O art. 1º do Decreto-Lei 2 848 de, 7 de dezembro de 1940 – Código Penal Comum, assim traz “não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal”. O art. 1º do Decreto-Lei 1 001, de 21 de outubro 1969 – Código Penal Militar, in verbis diz : “não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal” Pelo mencionado princípio torna imprescindível a existência de uma norma penal escrita publicada e em vigor, antes que o sujeito ativo possa praticar o crime. Sujeito ativo é aquele que pratica o ato delituoso e, sujeito passivo é aquele sobre o qual recai a ação do sujeito passivo. Para fins didáticos, vale ressaltar que, objeto jurídico é o bem, a coisa ou o direito que a norma jurídica penal pretende resguardar, à luz do direito Brasileiro. 76


SNIPER POLICIAL QUEM AUTORIZA O DISPARO LETAL? UMA ANÁLISE JURÍDICA...

Doutrinariamente, têm-se três conceitos para crime, sendo o conceito formal, o material e o analítico. Para Neves (2007, p. 31), o conceito formal significa que “[...] crime é toda e qualquer violação, registrada pela lei penal, a que se impõe uma pena.” Ainda, segundo o autor, pelo conceito material “[...] crime é a conduta humana que lesa ou expõe a perigo um bem jurídico protegido pela lei penal." Não interessa ao presente estudo nem o conceito formal nem o material de crime, pois o conceito analítico é o que fornece com maior riqueza de detalhes cada elemento constitutivo do mesmo. Uma parte da doutrina brasileira adota o sistema bipartido da análise jurídica de crime, principalmente os Paulistas (crime seria um fato típico e antijurídico). Nesta obra adotar-se-á a corrente que analisa o crime a partir de três elementos sendo: fato típico, antijurídico e culpável, motivo pelo qual iremos explanar apenas sobre este conceito. Primeiro elemento constitutivo do crime é o fato típico. Para Assis (2004, p. 68), “tipo é a descrição em abstrato do crime. Fato típico é o comportamento humano (positivo ou negativo) que provoca, em regra, um resultado e é previsto como infração penal”. O fato típico é formado por quatro sub-elementos: a conduta, o resultado, o nexo de causalidade e a tipicidade, que veremos a seguir: a) Conduta: para Neves (2007, p. 35) “[...] é toda ação ou omissão humana, consciente e voluntária, voltada a uma finalidade, portanto com dolo ou culpa [...]”. Complementando didaticamente o que fora afirmado por Neves (2007), no parágrafo anterior, a conduta ainda pode se dar por ação ou omissão, que será explicado ainda nesta seção. Dolo, segundo preconizado tanto no código penal comum como o penal militar, refere-se ao animus do sujeito ativo ao praticar o delito, ou seja, a intenção de praticá-lo ou a consciência do risco assumido em produzir o resultado. O art. 33, I do Código Penal Militar traz que o crime é doloso “[...] quando o agente quis o resultado ou assumiu o risco de produzi-lo”. 77


SNIPER POLICIAL QUEM AUTORIZA O DISPARO LETAL? UMA ANÁLISE JURÍDICA...

No mesmo mister o art. 18, I do Código Penal Comum afirma que o crime “I- doloso, quando o agente quis o resultado ou assumiu o risco de produzi-lo [...]” Corroborando com nossa assertiva, Neves (2007, p.42) declara que: [...] o art. 18, I, do Código Penal dispõe que o crime é considerado doloso quando o agente quis o resultado ou assumiu o risco de produzi-lo. Dessa previsão conclui-se que no Brasil, nos termos do Código Penal, adotam-se as teorias da vontade e do assentimento, vez que o crime será doloso quando o agente quer diretamente o resultado ou, prevendo-o, assume o risco de produzilo.

Culposa será a conduta do sujeito ativo que, nos termos do art. 18, II do Código Penal Comum, der causa ao resultado por imprudência, negligência ou imperícia. Segundo Andreucci (2007, p. 53) “a culpa é elemento subjetivo do tipo penal, pois resulta da inobservância do dever de diligência”. Com redação diferente da apresentada pelo Código Penal Comum, o art. 33, II do Código Penal Militar (CPM) traz: Art. 33 – Diz-se crime: – [...] II – culposo, quando o agente, deixando de empregar a cautela, atenção, ou diligência ordinária, ou especial, a que estava obrigado em face das circunstâncias, não prevê o resultado que podia prever ou, prevendo-o, supõe levianamente que não se realizaria ou que poderia evitá-lo.

Comentando o mencionado dispositivo legal do CPM, Rosa (2009, p. 72) afirma que: [...] percebe-se, com base na norma penal sob análise que ao tratar do crime culposo o Código Penal Militar não utiliza a expressão praticado com imprudência, negligência ou imperícia, o que não afasta em nenhum momento a incidência desta teoria aos crimes militares que são praticados com o elemento subjetivo denominado culpa [...].

Assim, pode-se perceber que tanto no Direito Penal Comum quanto no Militar, o elemento subjetivo culpa implica em um ato praticado sem a devida cautela por negligência, imprudência ou imperícia.

78


SNIPER POLICIAL QUEM AUTORIZA O DISPARO LETAL? UMA ANÁLISE JURÍDICA...

Para Neves (2007, p. 43) “imprudência é a prática de um ato perigoso, caracterizando-se, portanto, como a modalidade de culpa de quem age, ocorrendo coincidentemente com a ação produtora do resultado típico [...]”. Continuando a explicar o instituto jurídico da culpa, Neves (2007, p. 43) afirma que “negligência é a culpa por omissão, por um deixar de fazer, ocorrendo sempre antes da ação produtora do resultado típico (ex.: não dar manutenção nos freios do veículo, completando o óleo de freios, antes de iniciar o deslocamento causador de um acidente)”. Encerrando a análise e os comentários acerca da culpa, sobre imperícia Neves (2007, p. 43) conclui que: [...] a imperícia é compreendida como a falta de habilidade no exercício de uma atividade (ou profissão). Somente pode ser imperito aquele que deveria ter perícia para a ação, requerendo, pois, habilitação técnica. Desse modo, aquele que manuseia arma de fogo de outrem, sem ter destreza e habilitação técnica, provocando disparo acidental será imprudente, se houver o resultado típico. Por outro lado, o sniper (atirador de elite de forças policiais) que seleciona mal a arma ou a munição matando um refém, será imperito.

Para encerrar a análise da conduta precisamos, ainda, que a compreensão do que seja a omissão, pois os delitos não são cometidos apenas por uma ação e podem produzir os resultados por uma inércia, em face do dever de agir, por parte do sujeito passivo. Por omissão devemos entender uma inércia, uma abstenção por parte do sujeito ativo, em face de uma situação real, na qual o mesmo deveria adotar alguma providência e não adotou nenhuma. O art. 13, § 2º do Código Penal Comum apresenta a relevância da conduta omissiva e, in verbis, traz: Art. 13 – [...] § 2º - A omissão é penalmente relevante quando o omitente devia e podia agir para evitar o resultado. O dever de agir incumbe a quem: a) tenha por lei obrigação de cuidado, proteção ou vigilância; b) de outra forma, assumiu a responsabilidade de impedir o resultado; c) com seu comportamento anterior, criou o risco da ocorrência do resultado. 79


SNIPER POLICIAL QUEM AUTORIZA O DISPARO LETAL? UMA ANÁLISE JURÍDICA...

A grande problemática acerca do emprego do sniper, não só em Minas Gerais, mas também nos outros Estados da Federação, repousa no fato de que a mencionada alternativa tática tem sido mitigada por medo, desconhecimento da norma ou receio da repercussão do seu uso em ocasiões em que poderia ter sido utilizada e se evitado a morte do refém, por ser a mais recomendada ação a ser empregada. Exemplo do que acabamos de afirmar foi o recente caso do seqüestro da jovem Eloá, no Estado de São Paulo, ocasião em que o namorado da mesma, Lindembergue, mentalmente perturbado, por várias vezes ficou em condições de ser alvejado pelo atirador de elite, mas o Comandante da Operação não autorizou o seu emprego. Ao final da ocorrência, após uma invasão tática desastrosa, a refém foi baleada e morta pelo seqüestrador, algo que poderia ter sido evitado, caso o sniper tivesse entrado em ação. Comentando o mesmo caso e corroborando com nosso pensamento jurídico, Greco (2009, p. 135) afirma que: [...] casos emblemáticos marcaram a inação dos atiradores de elite, em virtude de não terem sido autorizadas as ordens de disparo, a exemplo do que ocorreu, no Rio de Janeiro, com o seqüestro dos passageiros no ônibus 174, bem como na cidade de São Paulo, que culminou com a morte da vítima Eloá, que foi atingida a tiros por seu ex-namorado, quando da invasão de sua residência pela Polícia Militar.

No CPM, o art. 29, § 2º é o dispositivo legal que apresenta a conduta omissiva como relevante para o direito castrense, que in verbis diz: Art. 29 – [...] 2º- A omissão é relevante como causa quando o omitente devia e podia agir para evitar o resultado. O dever de agir incumbe a quem tenha por lei obrigação de cuidado, proteção ou vigilância; a quem, de outra forma assumiu a responsabilidade de impedir o resultado; e a quem, com seu comportamento anterior, criou o risco de sua superveniência.

Comentando o mencionado dispositivo do CPM, Assis (2004, p. 70) afirma que “omissão (não fazer o que a lei manda) subdivide-se em: Omissão Própria, só punível a título de dolo e, Omissão Imprópria.”

80


SNIPER POLICIAL QUEM AUTORIZA O DISPARO LETAL? UMA ANÁLISE JURÍDICA...

Acerca das duas espécies de omissão, Assis (2004, p. 70) explica que: Na Omissão Própria, que são os crimes omissivos próprios, do não se fazer o que a lei manda, consuma-se o crime. São crimes de simples desobediência [...]. Na Omissão Imprópria, que são os crimes comissivos por omissão, há como núcleo a comissão – fazer o que a lei proíbe. Ex.: mãe que não alimentando o filho, mata-o por inanição. Nestes crimes (comissivos por omissão) ao lado do preceito proibitivo (p. ex., não matar), existe o dever legal de agir. Surge, pois, a figura do Garantidor ou Garante do §2º do art. 29 do Código Penal Militar.

No caso do sniper, após analisadas as circunstâncias e verificado que o tiro de elite é a melhor ou única solução à crise, caso o responsável não dê a ordem, estará cometendo um crime por omissão conforme fora exposto. Para Santos (2010, p. 40), o Comandante da operação possui as atribuições de planejar, coordenar, organizar e gerenciar e não deve executar ações operacionais, sob pena de perder a própria gerência da crise. Para que o comandante da operação policial militar possa tomar alguma decisão, como, por exemplo, encerrar a negociação e utilizar o sniper, deve analisar a validade do risco, a aceitabilidade da decisão tomada e a necessidade de tal ação. Sem passar por este processo, a decisão fica carente de um processo científico respondendo a autoridade, pessoalmente, pelas conseqüências advindas da ordem. Acerca do processo de tomada de decisão Santos (2010, p. 30), explica que: Qualquer tomada de decisão do comandante da operação ao policial executor mais moderno, no teatro de operações, deverá ser pautada nos seguintes critérios:

 Necessidade: a ação a ser tomada, realmente é necessária ou há alternativas ou formas mais viáveis para se resolver a crise?

 Validade do risco: o comandante da operação deve estar bem assessorado ao decidir encerrar uma alternativa tática e optar por outra, analisando o custo benefício, ou seja, se o risco assumido vale o resultado pretendido.

81


SNIPER POLICIAL QUEM AUTORIZA O DISPARO LETAL? UMA ANÁLISE JURÍDICA...

 Aceitabilidade: ética e moralmente deve ser pautada a decisão tomada pelo comando da corporação responsável pelo gerenciamento da crise, pois o resultado atingido pode não ser o almejado pela sociedade e nem satisfatório para a imagem da instituição, como determinar que se encerre a negociação (quando a mesma está dando bons resultados) e determinar a invasão e, dessa invasão decorre a morte de um refém.

b) Resultado: nada mais é do que modificação causada no mundo jurídico e/ou natural pela conduta delitiva praticada pelo sujeito ativo. Por exemplo, o nariz quebrado é o resultado de um soco recebido pelo sujeito passivo no caso do crime de lesão corporal. c) Nexo causal: é o liame entre a conduta praticada pelo sujeito ativo e o resultado obtido no mundo real, com a mencionada conduta. Segundo Neves (2007, p. 36), “o nexo causal é o elo que se estabelece entre a conduta e o resultado (naturalístico).” d) Tipicidade: é o amoldamento da conduta praticada pelo sujeito ativo do crime, no mundo real, ao preconizado em uma lei penal vigente. Para Assis (2004, p. 72) “tipicidade, por sua vez, é a qualidade da conduta que pode ser típica ou atípica.” Corroborando com as afirmações trazidas acerca da tipicidade, Andreucci (2007, p. 66), expõe que: A tipicidade penal nada mais é que uma formatação legal das condutas que violam os bens jurídicos que a sociedade visa proteger. A norma penal estabelece um mandamento determinante da nãoviolação do bem jurídico, mandamento este que, ao ser traduzido para a esfera penal, torna-se chamado tipo.

Segundo elemento constitutivo do crime, pela teoria analítica tripartite, é a antijuridicidade. Para Assis (2004, p. 51): [...] Antijuridicidade (ou ilicitude) constitui-se pela contrariedade da conduta ao ordenamento jurídico como um todo. Dessa conceituação, destarte, pode-se afirmar que todo fato típico é, em princípio, antijurídico, pois se está grafado na Parte Especial é contraditório ao ordenamento.

82


SNIPER POLICIAL QUEM AUTORIZA O DISPARO LETAL? UMA ANÁLISE JURÍDICA...

Devemos ressaltar que, tanto no Código Penal Comum quanto no CPM, a antijuridicidade possui a mesma denotação, bem como as causas que afastam a ilicitude da conduta praticada. Segundo Andreucci (2007, p. 66): A antijuridicidade é a relação de contrariedade entre o fato e o ordenamento jurídico. Não basta para a ocorrência de um crime que o fato seja típico (previsto em lei). É necessário também que seja antijurídico, isto é, contrário à lei penal, ou melhor, que viole bens jurídicos protegidos pelo ordenamento jurídico.

De maneira bem objetiva e sintética, entendemos que antijuricidade é sinônimo de ilicitude e vise-versa. Logo, ao longo desta obra utilizaremos uma ou outra palavra como sinônimos jurídicos. Não obstante, o preconizado no parágrafo anterior, temos dentro do ordenamento jurídico brasileiro circunstâncias que justificam a conduta praticada pelo sujeito ativo, que se amoldava ao disposto em algum tipo penal, tornando a conduta lícita e aceita juridicamente. São as causas de exclusão de crime ou excludentes de ilicitude. Tanto o CPM quanto o Código Penal Comum adotaram quatro situações expressas que legitimam a conduta praticada pelo autor do fato típico, que são: o estado de necessidade, a legítima defesa, o exercício regular do direito e o estrito cumprimento do dever legal. No Código Penal Comum, o mencionado instituto jurídico possui respaldo nos art. 23, 24 e 25; no CPM, encontra-se nos art. 42, 43, 44 e 45, a saber: a)

Código Penal Comum: Art. 23 - Não há crime quando o agente pratica o fato: I - em estado de necessidade; II - em legítima defesa; III - em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito. Excesso punível Parágrafo único - O agente, em qualquer das hipóteses deste artigo, responderá pelo excesso doloso ou culposo. Estado de necessidade 83


SNIPER POLICIAL QUEM AUTORIZA O DISPARO LETAL? UMA ANÁLISE JURÍDICA... Art. 24 - Considera-se em estado de necessidade quem pratica o fato para salvar de perigo atual, que não provocou por sua vontade, nem podia de outro modo evitar, direito próprio ou alheio, cujo sacrifício, nas circunstâncias, não era razoável exigir-se. § 1º - Não pode alegar estado de necessidade quem tinha o dever legal de enfrentar o perigo. § 2º - Embora seja razoável exigir-se o sacrifício do direito ameaçado, a pena poderá ser reduzida de um a dois terços. Legítima defesa Art. 25 - Entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem.

b)

Código Penal Militar: Art. 42. Não há crime quando o agente pratica o fato: I – em estado de necessidade; II - em legítima defesa; III - em estrito cumprimento de dever legal; IV - em exercício regular de direito. Parágrafo único: Não há igualmente crime quando o comandante de navio, aeronave ou praça de guerra, na iminência de perigo ou grave calamidade, compele os subalternos, por meios violentos, a executar serviços e manobras urgentes, para salvar a unidade ou vidas, ou evitar o desânimo, o terror, a desordem, a rendição, a revolta ou o saque. Art. 43. Considera-se em estado de necessidade quem pratica o fato para preservar direito seu ou alheio, de perigo certo e atual, que não provocou, nem podia de outro modo evitar, desde que o mal causado, por sua natureza e importância, é consideravelmente inferior ao mal evitado e o agente não era legalmente obrigado a arrostar o perigo. Art. 44. Entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem. Art. 45 O agente que, em qualquer dos casos de exclusão de crime, excede culposamente os limites da necessidade, responde pelo fato, se este é punível, a título de culpa. Parágrafo único. Não é punível o excesso quando resulta de escusável surpresa ou perturbação de ânimo, em face da situação.

É de fundamental importância o entendimento acerca das excludentes de ilicitude, pois é a partir do exato entendimento e compreensão as mesmas que a autoridade legitimará a sua tomada de decisão em autorizar o tiro letal. 84


SNIPER POLICIAL QUEM AUTORIZA O DISPARO LETAL? UMA ANÁLISE JURÍDICA...

a)

Estado de necessidade: para Andreucci (2007, p. 70) significa: Estado de Necessidade é uma situação de perigo atual de interesses legítimos e protegidos pelo direito, em que o agente, para afastá-la e salvar um bem próprio ou de terceiro, não outro meio senão o de lesar o interesse de outrem, igualmente legítimo.

Logo, para que se configure o estado de necessidade é preciso que se verifiquem os seguintes requisitos indispensáveis: a ameaça direta a um direito próprio ou de terceiro (alheio); acontecimento de um perigo atual que o sujeito ativo não provocou e não tinha como evitar; ausência da obrigação legal de enfrentar/arrostar o perigo e não exigibilidade de sacrifício do direito próprio. Somente podemos falar em estado de necessidade em face de fatos da natureza, como enchentes, vendavais, desastres não provocados pelo sujeito ativo e, por fim, contra ataques de animais. Contra agressão e ataque de ser humano trata-se de legítima defesa. De acordo com Andreucci (2007, p. 77) “não se admite legítima defesa contra ataque de animais, pois essa exculpante exige atuação humana. A repulsa a ataque de animais constituirá estado de necessidade.” Exemplo clássico que é mencionado pela doutrina é o caso de um naufrágio, no qual, havendo apenas um colete salva-vidas, uma pessoa o pega e deixa as demais morrerem afogadas. Praticamente, o contido no art. 24 do Código Penal Comum corresponde ao instituto jurídico contido no art. 43 do CPM, não carecendo de maior aprofundamento. Apenas para ilustrar, na seara militar, apresentamos o seguinte acórdão do Tribunal de Justiça Militar de Minas Gerais (apud ASSIS, 2004, p. 109): Ementa: insubordinação. Configuração do crime. Estado de necessidade. Inocorrência. Configura o crime de insubordinação a recusa de obediência à ordem direta de superior em matéria de serviços de interesse da Polícia Militar.

85


SNIPER POLICIAL QUEM AUTORIZA O DISPARO LETAL? UMA ANÁLISE JURÍDICA... A insuficiência financeira, por alegados ganhos reduzidos, não caracteriza por si mesmo o estado de necessidade, nem valida a recusa de obediência. Unânime. (TJMMG –Ap. 2.156 – Rel. Juiz Cel PM Laurentino de Andrade Filocre – J. em 21.11.2000 – O Minas Gerais de 05.12.2000)

b) Legítima defesa: segundo Andreucci (2007, p. 73), “legítima defesa é a repulsa a injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem, usando moderadamente os meios necessários.” O mencionado instituto jurídico é de grande relevância, pois é aqui que a maioria da doutrina encontra respaldo jurídico para a atuação do sniper e da ordem emanada pela autoridade competente. Devemos entender que a legítima defesa pode ocorrer em face do direito do agente ou para a defesa de direito de terceiros. Ocorre a legítima defesa própria quando a injusta agressão é direcionada contra o direito do próprio autor; já a de terceiro, ocorre quando a agressão injusta é direcionada contra direito de outrem, mesmo que não haja qualquer tipo de relação jurídica entre o defensor e o agredido. Para que se configure a legítima defesa é imprescindível a existência dos seguintes requisitos: a ocorrência de uma injusta agressão contra direito próprio ou alheio; utilização proporcional dos meios para repelir a agressão; consciência da circunstância justificante da conduta praticada. Comentando o art. 44 do CPM, Rosa (2009, p. 100) alega que: [...] Muitas vezes, ocorrem conflitos entre os policiais militares e os infratores que costumam se utilizar de armas de fogo com o intuito de causar mal injusto aos policiais militares. Desde que a resposta seja legítima e proporcional, a legítima defesa poderá ser reconhecida a favor do militar estadual [...].

86


SNIPER POLICIAL QUEM AUTORIZA O DISPARO LETAL? UMA ANÁLISE JURÍDICA...

Em relação à atuação do sniper policial, Greco (2009, p.134) entende que: [...] precisamos dizer que o sniper, na condição que normalmente é utilizado, atua em legítima defesa de terceiros. Como não temos um conceito preciso do que seja efetivamente o estrito cumprimento do dever legal, a situação do sniper melhor se amolda ao conceito de legítima defesa de terceiros, principalmente pelo fato de que, em determinadas situações, poderá, inclusive, sentenciar o agressor à morte.

Particularmente, discordamos do posicionamento de Rogério Greco, por entender que a autoridade que emanou a ordem para o disparo letal do sniper, fundamenta a decisão tomada, exatamente para a defesa da vida de terceiros (legítima defesa de terceiros); já o atirador de elite age em face de uma subordinação hierárquica, logo, em cumprimento de seu dever legal que será o próximo item de análise. c)

Estrito cumprimento do dever legal: para Andreucci (2007, p.

68): Ocorre o estrito cumprimento do dever legal quando a lei, em determinados casos, impõe ao agente um comportamento. Nessas hipóteses, amparadas pelo art. 23, III do Código Penal, embora típica a conduta, não é esta ilícita. Exemplos de estrito cumprimento do dever legal, largamente difundidos na doutrina, são o do policial que viola domicílio, onde está sendo praticado um delito, ou emprega força indispensável no caso de resistência ou de tentativa de fuga do preso (art. 284 do CPP), o do soldado que mata o inimigo no campo de batalha, o do oficial de justiça que viola domicílio para cumprir ordem de despejo, dentre outros.

Nota-se que, para a configuração do mencionado instituto jurídico, é imprescindível a existência de uma norma jurídica que dê respaldo a atuação do agente, não necessariamente a lei em sentido estrito, mas da norma jurídica, como por exemplo, um Decreto ou Regulamento. Tanto no CPM quanto no Código Penal Comum, a natureza jurídica e o entendimento do estrito cumprimento do dever legal é o mesmo, não carecendo de comentários apartados.

87


SNIPER POLICIAL QUEM AUTORIZA O DISPARO LETAL? UMA ANÁLISE JURÍDICA...

Para ilustrar apresentamos o Acórdão do Tribunal de Justiça Militar do Estado do Rio Grande do Sul (apud ASSIS, 2004, p. 112), sobre aplicação do estrito cumprimento do dever legal à luz do Código Penal Militar: Ementa: Homicídio doloso. Art. 205, cc. Art. 53, do CP militar. Agem em estrito cumprimento do dever legal e em legítima defesa própria de terceiros policiais que atiram e matam indivíduo que, encontrado armado e em atitude e local suspeitos, ao ser abordado, reage, atirando contra militares, e, após, ainda armado, refugia-se em residência alheia, ali fazendo reféns. Negado provimento ao apelo do Ministério Público, sem divergência de votos. (TJM/RS – Ap. 2.613/93 – Ac. 20.04.1994 – Rel. Juiz Antônio Cláudio Barcellos de Abreu).

Para Rosa (2009, p. 91): O militar no exercício de suas funções constitucionais poderá empregar a força para manter a ordem e também para preservar a integridade física e o patrimônio do cidadão, e ainda quando necessário para a manutenção da salubridade pública e o combate a incêndios e a realização de fiscalização de prédios e residências para evitar a ocorrência de sinistros. O emprego da força de forma legal afasta a responsabilidade do agente em razão do estrito cumprimento do dever legal.

d) Exercício regular de direito: está ligado à existência de uma norma que regule e molde a conduta do sujeito ativo, afastando a antijuridicidade da conduta. Exemplo seria o médico que, para fazer uma cirurgia, corta a perna do paciente, ora, não há que se falar em cometimento de crime de lesão corporal, pois, para o exercício profissional da medicina é necessária tal conduta, nos casos específicos. Comentando o mencionado instituto jurídico, para Neves (2007, p. 53) significa: [...] exclusão da ilicitude que consiste no exercício de uma prerrogativa conferida pelo ordenamento jurídico, caracterizada como fato típico. A pessoa, como se percebe, executa um ato que o Direito confere como prerrogativa, jamais podendo, portanto, configurar um fato ilícito [...].

88


SNIPER POLICIAL QUEM AUTORIZA O DISPARO LETAL? UMA ANÁLISE JURÍDICA...

No entendimento de Rosa (2009, p. 92): [...] O militar no exercício de suas atividades poderá proceder a revista de pessoas, a realização de operação bloqueio, ao cumprimento de mandados judiciais de busca e apreensão, e ainda o cumprimento de mandados de prisão. Neste caso, os militares estarão agindo em conformidade com a lei e, portanto atuando no exercício regular de direito [...].

Não há o que se falar, no caso do emprego letal do sniper policial militar, em exercício regular de direito, pois, no Brasil, em tempo de paz, não há a pena de morte; logo, a subtração da vida de alguém em nosso país, não estará respaldada pela mencionada excludente de ilicitude. Por outra excludente sim, mas pelo exercício regular do direito não. Caso houvesse uma Lei Federal (competência legislativa da União) normatizando a atuação do sniper no Brasil, poder-se-ia legitimar a atuação do mesmo na teoria da Tipicidade Conglobante, de Eugênio Zaffaroni, afastando inclusive a tipicidade da conduta do mesmo, nem sequer necessitando da análise de antijuridicidade ou da culpabilidade do atirador. Explicando a tipicidade conglobante de Zaffaroni, Neves (2007, p. 48) afirma que: [...] a tipicidade penal seria composta pela tipicidade legal, traduzida pela adequação da conduta à formulação legal do tipo, e pela tipicidade conglobante (antinormatividade), entendida como a comprovação de que a conduta legalmente típica está também proibida pela norma. Por esse enfoque, as clássicas excludentes de antijuridicidade que, em tese, fomentam um agir do agente, seja por imposição da norma em um fazer (estrito cumprimento do dever legal), seja pela consagração de um direito que pode ser fruído (exercício regular de um direito), não estariam a afastar a ilicitude, mas a afastar a própria tipicidade, pois se tipicidade se configura em indício de ilicitude, não pode ser típico aquilo que o Direito manda e instiga a fazer.

Como conseqüência jurídica da existência de uma Lei Federal, regulamentando a celeuma em estudo e, com égide na teoria da tipicidade conglobante, após o término da ocorrência, não se imporia a prisão em flagrante ao sniper, nem a quem lhe dera a ordem por ser a 89


SNIPER POLICIAL QUEM AUTORIZA O DISPARO LETAL? UMA ANÁLISE JURÍDICA...

conduta atípica; assim como ocorre com o médico que, após encerrar a cirurgia (cortou a perna, suturou com ponto a lesão), vai embora para a casa sem ter que responder a um processo por lesão corporal. Como último elemento constitutivo do crime pela teoria analítica tripartite, temos a culpabilidade. Para Neves (2007, p. 59): [...] culpabilidade pode ser definida como a censurabilidade da conduta do sujeito que pratica um fato típico e antijurídico. Os elementos fundamentadores da culpabilidade, pela atual teoria normativa pura, são a imputabilidade, também chamada de capacidade de culpabilidade, potencial ou real consciência da ilicitude e a exigibilidade de comportamento diverso.

Como o mencionado autor afirmou, três são os elementos constitutivos da culpabilidade: a imputabilidade penal, o potencial conhecimento da ilicitude do fato e a exigibilidade de conduta diversa, que analisaremos a seguir: a) Imputabilidade penal: significa a capacidade física, psíquica, biológica e jurídica que o sujeito ativo deve possuir, para responder perante o direito penal pela conduta delitiva praticada. De fácil interpretação e compreensão, o mencionado instituto jurídico está positivado nos art. 26 e 27 do Código Penal Comum, bem como no art. 48 do CPM, a saber: Código Penal Comum: Art. 26 - É isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. Redução de pena Parágrafo único – “A pena pode ser reduzida de um a dois terços, se o agente, em virtude de perturbação de saúde mental ou por desenvolvimento mental incompleto ou retardado não era inteiramente capaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. Menores de dezoito anos

90


SNIPER POLICIAL QUEM AUTORIZA O DISPARO LETAL? UMA ANÁLISE JURÍDICA... Art. 27 – “Os menores de 18 (dezoito) anos são penalmente inimputáveis, ficando sujeitos às normas estabelecidas na legislação especial.

Código Penal Militar: Art. 48 – Não é punível quem, no momento da ação ou omissão, não possui a capacidade de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento, em virtude de doença mental de desenvolvimento mental incompleto ou retardado.

Comentando o art. 48 do CPM Rosa (2009, p. 105) expõe que: [...] para que uma pessoa possa ser processada e julgada esta deve ter a capacidade para estar em juízo, ou seja, deve ser imputável, o que significa que em regra deve ter pelo menos 18 anos de idade na data do fato, e ainda ter a capacidade para compreender o caráter ilícito do ato que foi praticado. Se a pessoa, agente infrator, for maior de idade, mas não tiver condições de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento, em virtude de doença mental, ou de desenvolvimento mental incompleto ou retardado, não ficará sujeita a imposição de uma sanção penal, mas de uma medida de segurança [...].

Segundo Neves (2007, p. 59): A imputabilidade é atributo jurídico de indivíduos com determinados níveis de desenvolvimento biológico e de normalidade psíquica, exigidos para a compreensão da natureza proibitiva de suas ações ou de orientar o comportamento de acordo com essa compreensão.

b) Potencial conhecimento da ilicitude do fato praticado: significa dizer que, diante de todo o ordenamento jurídico, o sujeito ativo pode praticar uma conduta e não ter noção de que aquilo configure um crime. Deve-se ressaltar que, cada caso deve ser analisado isoladamente, pois, no Brasil, a regra é de que é inescusável o desconhecimento da lei, nos termos do art. 21 do Código Penal. Não se exige o pleno conhecimento da lei, mesmo porque, a legislação é muito ampla e complexa, sendo impossível, nos dias de hoje, conhecer e dominar toda norma jurídica de cada ramo do direito. O que se exige são o conhecimento e comportamento do chamado “homem médio”, “normal”, ou seja, capaz de conviver em sociedade e não praticar condutas violadoras das regras de convivência harmônica. 91


SNIPER POLICIAL QUEM AUTORIZA O DISPARO LETAL? UMA ANÁLISE JURÍDICA...

Para Neves (2007, p. 61): Consciência da ilicitude significa saber que o fato é antinormativo, ter a consciência de que se faz algo contrário ao direito, ao sentimento de justiça. Para que haja a culpabilidade, não é imprescindível que o agente tenha conhecimento da ilicitude, mas apenas que ele tenha potencial conhecimento dessa ilicitude.

Os autores, em sua grande maioria, estabelecem um vínculo entre o potencial conhecimento da ilicitude com o erro de proibição. No erro de proibição o sujeito ativo tem plena consciência do que está fazendo, ocorre que não sabe que aquilo é proibido pelo direito, daí o chamado erro de proibição. Faz algo que é proibido pelo direito penal. Um exemplo de erro de proibição, muito citado pelos doutrinadores, é o do empregado que vende a mercadoria que estava sob sua posse e se apropria do dinheiro da venda como forma de compensar o salário atrasado. c) Exigibilidade de conduta diversa: é o último elemento constitutivo da culpabilidade. De maneira simples e objetiva significa dizer que, em face do que fora praticado pelo sujeito ativo, esperava-se uma conduta diferente da realizada, ferindo assim o sistema jurídico vigente. Para Neves (2007, p. 63), a exigibilidade de conduta diversa: [...] Consiste na expectativa social de um comportamento diferente daquele que foi adotado pelo agente. Somente haverá exigibilidade de conduta diversa quando a coletividade podia esperar do sujeito que tivesse atuado de outra forma.

Neste item, interessa-nos a análise da conduta do sujeito ativo à luz do art. 22 do Código Penal Comum e do art. 38 do CPM, pois, aqui encontramos circunstâncias nas quais não havia outra forma a não ser cumprir o mandamento de terceiro, justificando assim, a ação/omissão. Art. 22 do Código Penal Comum, in verbis afirma que “[...] se o fato é cometido sob coação irresistível ou em estrita obediência a ordem, não manifestamente ilegal, de superior hierárquico, só é punível o autor da coação ou da ordem [...]”

92


SNIPER POLICIAL QUEM AUTORIZA O DISPARO LETAL? UMA ANÁLISE JURÍDICA...

O preconizado no art. 38 do CPM é o seguinte: Art. 38 – Não é culpado quem comete o crime:

 sob coação irresistível ou que lhe suprima a faculdade de agir segundo a própria vontade;

 em estrita obediência a ordem direta de superior hierárquico, em matéria de serviços. §1º. Responde pelo crime o autor da coação ou da ordem. §2º. Se a ordem do superior tem por objeto a prática de ato manifestamente criminoso, ou há excesso nos atos ou na forma da execução, é punível também o inferior.

Importante ressaltar que o policial militar, sniper, somente pode atuar mediante ordem de superior hierárquico e, salvo cometa algum erro na execução do tiro letal e também atinja a vítima ou terceiros, não responderá pelo crime de homicídio, apenas o responsável pela ordem. Corroborando com o pensamento expresso no parágrafo anterior, em relação à subordinação do sniper, Greco (2009, p. 135) esclarece que “merece ser ressaltado, ainda, que o atirador de elite somente poderá atuar após ser dada a ordem pelo seu superior [...]”. No caso, haverá um devido processo legal, mas o policial sniper deverá ser absolvido por não ter cometido crime, em face da inexigibilidade de conduta diversa, por estar atuando em estrita obediência hierárquica, além de estar também, respaldado pela excludente de ilicitude de legítima defesa de terceiros. Para Andreucci (2007, p. 65) “[...] obediência hierárquica é causa de inexigibilidade de conduta diversa, em que o agente tem sua culpabilidade afastada, não respondendo pelo crime, que é imputável ao superior”. Caso o atirador de elite cometa algum tipo de erro na execução do tiro letal e venha a obter um resultado diverso do pretendido pela gerência da crise, estando a ordem do superior devidamente respaldada. O sniper responderá pessoalmente pelo erro cometido por imprudência, imperícia ou negligência, caso o tipo penal comporte a modalidade culposa.

93


SNIPER POLICIAL QUEM AUTORIZA O DISPARO LETAL? UMA ANÁLISE JURÍDICA...

Vale relembrar que a ordem manifestamente ilegal não deve ser cumprida pelo subordinado, pois, caso a cumpra responderá em concurso com quem ordenou, conforme está disposto no art. 38, §2º do CPM, que in verbis, significa “[...] se a ordem do superior tem por objeto a prática de ato manifestamente criminoso, ou há excesso nos atos ou na forma da execução, é punível também o inferior”. Um exemplo seria a situação na qual as negociações estão fluindo bem, com a libertação de vários reféns e, no momento da rendição do seqüestrador, estando este já com as mãos para cima e sem arma alguma o atirador recebe a ordem para neutralizá-lo. Caso o sniper cumpra a ordem, responderá pelo crime de homicídio doloso juntamente com o autor da mesma. Entendido o que vem a ser crime, bem como seus elementos constitutivos (fato típico, antijurídico e culpável), é preciso apresentar o que vem a ser crime militar e a diferença do mesmo para o crime comum, quando praticado pelo policial militar, para aí identificar a verdadeira norma jurídica norteadora das ações policiais, em face das ocorrências com reféns localizados, para assim, chegar até a autoridade que possui a competência para dar a ordem ao sniper.

6.2 Conceito de crime militar É de fundamental importância a distinção entre o cometimento de crime comum ou militar, por parte do servidor militar, pois incidirá para a análise jurídica do caso, um ou o outro instituto jurídico. O conceito de crime comum já está apresentado no item 6.1, motivo pelo qual passamos a analisar o crime militar. Segundo Assis (2004, p. 39), “crime Militar – é toda violação acentuada ao dever militar e aos valores das instituições militares. Distingue-se da transgressão disciplinar porque esta é a mesma violação, porém na sua manifestação elementar e simples”. Será crime militar, a conduta praticada pelo policial militar que se enquadrar em uma das circunstâncias previstas no art. 9º do CPM, a saber: 94


SNIPER POLICIAL QUEM AUTORIZA O DISPARO LETAL? UMA ANÁLISE JURÍDICA... Art. 9º Consideram-se crimes militares, em tempo de paz: I - os crimes de que trata este Código, quando definidos de modo diverso na lei penal comum, ou nela não previstos, qualquer que seja o agente, salvo disposição especial; II - os crimes previstos neste Código, embora também o sejam com igual definição na lei penal comum, quando praticados: a) por militar em situação de atividade ou assemelhado, contra militar na mesma situação ou assemelhado; b) por militar em situação de atividade ou assemelhado, em lugar sujeito à administração militar, contra militar da reserva, ou reformado, ou assemelhado, ou civil; c) por militar em serviço ou atuando em razão da função, em comissão de natureza militar, ou em formatura, ainda que fora do lugar sujeito à administração militar contra militar da reserva, ou reformado, ou civil; d) por militar durante o período de manobras ou exercício, contra militar da reserva, ou reformado, ou assemelhado, ou civil; e) por militar em situação de atividade, ou assemelhado, contra o patrimônio sob a administração militar, ou a ordem administrativa militar; f) revogada. III - os crimes praticados por militar da reserva, ou reformado, ou por civil, contra as instituições militares, considerando-se como tais não só os compreendidos no inciso I, como os do inciso II, nos seguintes casos: a) contra o patrimônio sob a administração militar, ou contra a ordem administrativa militar; b) em lugar sujeito à administração militar contra militar em situação de atividade ou assemelhado, ou contra funcionário de Ministério militar ou da Justiça Militar, no exercício de função inerente ao seu cargo; c) contra militar em formatura, ou durante o período de prontidão, vigilância, observação, exploração, exercício, acampamento, acantonamento ou manobras; d) ainda que fora do lugar sujeito à administração militar, contra militar em função de natureza militar, ou no desempenho de serviço de vigilância, garantia e preservação da ordem pública, administrativa ou judiciária, quando legalmente requisitado para aquele fim, ou em obediência a determinação legal superior. 95


SNIPER POLICIAL QUEM AUTORIZA O DISPARO LETAL? UMA ANÁLISE JURÍDICA... Parágrafo único. Os crimes de que trata este artigo, quando dolosos contra a vida e cometidos contra civil, serão da competência da justiça comum.

Os doutrinadores fazem uma diferenciação acerca da própria classificação do crime militar, sendo que a maioria reconhece que existe o crime militar próprio e o impróprio. Crime militar próprio é o delito que está tipificado exclusivamente no Código Penal Militar e que somente pode ser cometido pelo militar, com exceção do crime de insubmissão, cujo sujeito ativo somente pode ser o civil. Um exemplo seria o crime de revolta, capitulado exclusivamente no parágrafo único do art. 149 do CPM e que somente o militar pode ser sujeito ativo do mesmo. De acordo com Assis (2004, p. 41): [...] crime militar próprio é aquele que só está previsto no Código Penal Militar e que só pode ser praticado por militar, exceção feita, ao de INSUBMISSÃO, que, apesar de só estar previsto no Código Penal Militar (art. 183), só pode ser cometido por civil.

Crime militar impróprio é o delito que está tipificado tanto no CPM quanto no Código Penal Comum, mas torna-se militar por se enquadrar em alguma das hipóteses previstas no art. 9º do Código Penal Militar. Quando a conduta praticada pelo policial militar encontrar tipificação legal exclusiva em uma norma penal extravagante (não contida no CPM) e houver a ocorrência de uma das hipóteses do art. 9º do CPPM, também ocorrerá o mencionado crime militar impróprio, como por exemplo, o crime de Tortura que está tipificado na Lei nº 9.455/95, mas torna-se militar quando praticado pelo policial militar em serviço, tudo, por interpretação do mencionado instituto jurídico. Corroborando o pensamento apresentado, está disposto assim no §4º do art. 144 da CF/88 que “[...] às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares.

96


SNIPER POLICIAL QUEM AUTORIZA O DISPARO LETAL? UMA ANÁLISE JURÍDICA...

Quando a CF/88, na parte final do parágrafo mencionado, usa a expressão “exceto as militares”, significa que, quando o crime for militar (próprio ou impróprio), cabe à organização militar exercer a polícia judiciária e não outro órgão civil. O que ocorre é que os estudiosos do direito, mas que não dominam bem a seara militar, acabam confundindo a natureza jurídica do crime, a competência para o exercício da polícia judiciária e a competência jurisdicional para julgamento do ato delituoso. São situações jurídicas distintas. Para exemplificar o que foi afirmado no parágrafo anterior, mencionamos o caso do policial militar que, estando em serviço vai atender uma ocorrência de assalto na qual o criminoso reage à abordagem, dispara contra o policial militar, mas este, mais ágil e treinado revida à agressão e mata o assaltante. Neste caso, o crime é militar impróprio (o inquérito policial deve ser feito pela Polícia Militar), mas o julgamento é do Tribunal do Júri, nos termos do art. 125, §4º da CF/88. Dessa forma, entendemos que o policial militar, estando em serviço, somente poderá cometer um crime militar, nunca um crime comum. Assim, a incidência da norma penal militar estará sempre acompanhando as ações policiais militares. Com supedâneo no pensamento contido no parágrafo anterior, podemos afirmar que o policial militar que estiver no exercício da atividade de sniper, deve observar estritamente o preconizado no Código Penal Militar, além é claro, das demais normas jurídicas militares, como Decretos, Resoluções, etc. Segundo o art. 53 do CPM, cada agente responde pelo crime praticado na medida de sua culpabilidade, logo, quando o atirador de elite cumpre a ordem legal de seu superior para efetuar o tiro letal e o faz com técnica e precisão terá ao seu lado uma excludente de ilicitude (inexigibilidade de conduta diversa), respondendo apenas o autor da ordem. Segundo o §1º do art. 53 do CPM “[...] a punibilidade de qualquer dos concorrentes é independente da dos outros, determinando-se segundo a sua própria culpabilidade [...]”. 97


SNIPER POLICIAL QUEM AUTORIZA O DISPARO LETAL? UMA ANÁLISE JURÍDICA...

Como já afirmamos, o sniper precisa de ordem de superior para agir e, o CPM apresenta, no art. 23 o conceito de Comandante e, no art. 24 o de superior, que in verbis, são: Art. 23 – Equipara-se ao Comandante, para efeito da aplicação da lei penal militar, toda autoridade com função de direção. Art. 24 – O militar que, em virtude da função, exerce autoridade sobre outro de igual posto ou graduação , considera-se superior

para efeito da aplicação da lei penal militar. Em rápido comentário, podemos inferir que os dois artigos mencionados, atribuem ao superior hierárquico ou ao mais antigo, a responsabilidade penal em face de qualquer conduta, omissiva ou comissiva, praticada na presença do referido militar. Comentando o artigo 24 do CPM, Rosa (2009, p. 59) afirma que: [...] No Direito Militar, quando um militar possui o mesmo posto ou a mesma graduação aquele que for mais antigo dentro dos critérios militares, data de promoção, nota nas Escolas de Formação, entre outros critérios, será considerado mais antigo e, portanto superior. O Código Penal Militar para evitar qualquer tipo de dúvidas ainda estabeleceu que o militar que em virtude da função, exerce autoridade sobre outro de igual posto ou graduação, considera-se superior, para efeito da aplicação da lei penal militar [...].

Com égide no que fora exposto neste capítulo, e de maneira bem sintética, podemos concluir que: a) Para se chegar à autoridade competente para determinar o emprego letal do sniper policial militar, nas ocorrências com reféns localizados, é preciso imputar responsabilidade penal a quem tenha o dever legal de agir e, que em face disto se omita; b) Sem o pleno entendimento do conceito de crime comum e militar não há como imputar responsabilidade à autoridade por não saber qual instituto jurídico aplicar; c) Estando em serviço, o militar, por força do art. 9º do CPM, somente comete crime militar, logo, esta é a norma jurídica a ser observada para se identificar a autoridade com competência e responsabilidade para exarar a ordem ao sniper; 98


SNIPER POLICIAL QUEM AUTORIZA O DISPARO LETAL? UMA ANÁLISE JURÍDICA...

d) O policial militar, sniper, somente pode agir mediante ordem de superior hierárquico, sob pena de responder pessoalmente pelo crime de homicídio; e) Agindo em estrita obediência à ordem legal de superior hierárquico, a ação do sniper está juridicamente tutelada pela excludente de culpabilidade prevista no §2º do art. 38 do CPM; f) A autoridade que se omitir em dar a ordem, responderá pelo crime por omissão; g) Deve-se observar a competência técnica e a hierárquica, para se identificar a autoridade responsável por determinar o tiro letal do sniper policial militar. No próximo capítulo abordaremos a Lei Estadual nº 5.301, de 16 de outubro de 1969 do Estado de Minas Gerais e as normas internas da PMMG, a fim de se identificar a autoridade técnica e a hierárquica.

99


SNIPER POLICIAL QUEM AUTORIZA O DISPARO LETAL? UMA ANÁLISE JURÍDICA...

100


SNIPER POLICIAL QUEM AUTORIZA O DISPARO LETAL? UMA ANÁLISE JURÍDICA...

7 LEGISLAÇÃO DO ESTADO DE MINAS GERAIS E NORMAS INTERNAS DA PMMG As normas infraconstitucionais servem de supedâneo para o exercício da atividade dos órgãos estatais na consecução de suas atribuições, motivo pelo qual, neste capítulo serão abordados os principais institutos jurídicos do Estado de Minas Gerais bem como as normas internas da PMMG, a saber:

7.1 Lei Estadual nº 5.301, de 16 de outubro de 1969 – Estatuto dos Militares (EMMG) É de suma importância a análise do preconizado na presente lei estadual, pois ela é o instrumento normativo que dá supedâneo jurídico às prerrogativas, direitos, hierarquia, função, dentre outros, dos militares estaduais. O capítulo II da mencionada lei trata da hierarquia e da precedência militar, sendo que o art. 8º, in verbis, traz: Art. 8º - Hierarquia militar é a ordem e a subordinação dos diversos postos e graduações que constituem carreira militar. § 1º Posto é o grau hierárquico dos oficiais, conferido por ato do Chefe do Governo do Estado. § 2º - Graduação é o grau hierárquico das praças, conferido pelo Comandante Geral da Polícia Militar.

O artigo em estudo não dá um fim à nossa celeuma, mas corrobora com o estudo feito acerca do direito penal militar, pois a subordinação e cumprimento à ordem superior é o supedâneo da atividade militar; logo, a competência para autorizar o tiro de elite está relacionada ao nível hierárquico da autoridade, junto à gestão da crise. O art. 11 diz que “[...] a precedência hierárquica é regulada: I - Pelo posto ou graduação; II - pela antigüidade no posto ou graduação salvo quando ocorrer precedência funcional, estabelecida em lei ou decreto”.

101


SNIPER POLICIAL QUEM AUTORIZA O DISPARO LETAL? UMA ANÁLISE JURÍDICA...

No capítulo III da norma em estudo, encontra-se a definição de Função Policial – Militar, conceito muito relevante para o gestor da ocorrência de alta complexidade que atuará em face da função atribuída ao mesmo. In verbis, o art.14 traz: Art.14 - Função policial-militar é exercida por oficiais e praças da Polícia Militar, com a finalidade de preservar, manter e restabelecer a ordem pública e segurança interna, através das várias ações policiais ou militares, em todo o território do Estado.

Percebemos que o EMMG não oferece uma resposta direta ao questionamento posto, mas reafirmou o preconizado no estudo do direito penal militar, ou seja, o superior investido na função de comando da crise é o responsável por exarar o ato administrativo (ordem) ao sniper.

7.2 Lei Estadual nº 6.624, de 18 de julho de 1975 – Lei de Organização Básica da PMMG A mencionada norma jurídica não traz nenhuma inovação no tocante à responsabilidade dos organismos policiais, em face da gestão das ocorrências de alta complexidade, muito menos apontando a autoridade que seria a responsável por exarar a ordem ao sniper. Na realidade, a mencionada lei está desatualizada em alguns pontos em relação à Constituição do Estado de Minas Gerais, carecendo de alguns ajustes jurídicos, pois, na mencionada norma jurídica a atividade de prevenção e extinção de incêndio, é atribuição da PMMG, dentre outras. Apenas para corroborar o que já foi apresentado, trazemos os art: 1º e 8º, a saber: Art. 1º- A Polícia Militar do Estado de Minas Gerais –PMMG, considerada força auxiliar, reserva do Exército, nos termos da Constituição, é organizada com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade superior do Governador do Estado , e destina-se à manutenção da ordem pública no território do Estado. [...]

102


SNIPER POLICIAL QUEM AUTORIZA O DISPARO LETAL? UMA ANÁLISE JURÍDICA... Art. 8º - As Unidades de Direção Intermediária são responsáveis, perante o Comandante-Geral, pela condução das respectivas Unidades, nos campos operacional e de apoio. [...]

7.3 Lei Delegada nº 56, de 29 de janeiro de 2003/ Decreto Estadual nº 43.295, de 29 de abril de 2003 e Lei Delegada nº 117 de 01 de janeiro de 2007 O Poder Executivo Estadual de Minas Gerais, no ano de 2003, editou a Lei Delegada nº 56/03, de 29 de janeiro de 2003 (que foi revogada pela Lei Delegada 117), dispondo sobre a Secretaria de Estado de Defesa Social e, no mesmo ano regulamentou a referida lei, através do Decreto Estadual nº 43.295, de 29 de abril de 2003, que veio a dispor sobre a Organização da Secretaria de Estado de Defesa Social. A Secretaria de Estado de Defesa Social (SEDS), dentre outras finalidades, veio a corrigir algumas mazelas e distorções existentes na execução prevista nas Constituições Federal e Estadual, no tocante à segurança pública, principalmente na seara relacionada à manutenção de preservação da Ordem Pública e combate ao crime. In verbis, o artigo 2º da Lei Delegada 56/03, afirmava: Art.2º - A Secretaria de Estado de Defesa Social tem por finalidade planejar, organizar, dirigir, coordenar, gerenciar, controlar e avaliar as ações operacionais do setor a cargo do Estado, visando à preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, à redução dos índices de criminalidade, à recuperação de presos para reintegrá-los na sociedade e à assistência judiciária aos carentes de recursos, competindo-lhe: I - elaborar, executar e coordenar, em conjunto com a Polícia Militar, a Polícia Civil, o Corpo de Bombeiros Militar, a Defensoria Pública e entidades da sociedade civil organizada, o Plano Estadual de Segurança Pública e o sistema integrado de defesa social; II - coordenar o diálogo entre o Estado e a sociedade sobre o processo de exclusão social gerador de indivíduos autores de atos infracionais, com vistas à construção compartilhada de soluções destinadas a reverter esse fenômeno no Estado de Minas Gerais; 103


SNIPER POLICIAL QUEM AUTORIZA O DISPARO LETAL? UMA ANÁLISE JURÍDICA... III - vincular suas ações ao processo de desenvolvimento econômico e social, realizando em parceria com outros órgãos de governo e com instituições da sociedade civil organizada, programas e projetos voltados para a consecução de seus fins; IV administrar o sistema penitenciário e os centros de atendimento ao adolescente em conflito com a lei do Estado de Minas Gerais, proporcionando aos indivíduos autores de ato infracional condições efetivas para se reintegrarem à sociedade como cidadãos; V - exercer outras atividades correlatas.

Ficou evidente a intenção do Governo Estadual em implantar um modelo que se faça eficiente no combate ao crime e, principalmente, acabar com os problemas de relacionamentos e troca de informações entre os órgãos de defesa social, fundamentalmente quando falamos em Polícia Militar e Polícia Civil, pois a elas cabem a segurança pública no território mineiro. No art. 3º da Lei Delegada 56/03 encontrava-se a estrutura orgânica da SEDS: Art. 3º - A Secretaria de Estado da Defesa Social tem a seguinte estrutura orgânica: I

- Colegiado de Integração da Defesa Social;

II - Gabinete; III - Assessoria de Apoio Administrativo; IV - Assessoria Técnica; V - Auditoria Setorial; VI - Superintendência de Planejamento, Gestão e Finanças; VII - Superintendência de Infra-Estrutura; VIII - Superintendência de Atendimento às Medidas SócioEducativas; IX - Superintendência de Prevenção à Criminalidade; X - Superintendência de Integração do Sistema de Defesa Social; XI - Subsecretaria de Administração Penitenciária: a) Superintendência de Segurança e Movimentação Penitenciária; b) Superintendência de Atendimento ao Sentenciado; c) Escola de Justiça e Cidadania.

104


SNIPER POLICIAL QUEM AUTORIZA O DISPARO LETAL? UMA ANÁLISE JURÍDICA... §1º - As competências e a descrição das unidades previstas neste artigo, assim como a denominação, descrição e competências das unidades de estrutura complementar serão estabelecidas em Decreto. §2º - Para a consecução do disposto no parágrafo anterior poderão ocorrer fusões, alterações de denominação, transferências e desmembramentos nas unidades da estrutura complementar. §3º - Os cargos correspondentes às unidades mencionadas neste artigo são de livre nomeação e exoneração do Governador do Estado

Pode-se perceber, pelo insculpido no inciso X do art. 3º da Lei Delegada 56/03, que dentro da estrutura orgânica da SEDS, há a Superintendência de Integração do Sistema de Defesa Social. Tal Superintendência teve suas atribuições regulamentadas através do artigo 46 do Decreto 43 295/03, a saber: Art. 46 - A superintendência de Integração do Sistema de Defesa Social tem por finalidade coordenar, supervisionar e avaliar as atividades relativas à integração entre os órgãos que compõem o Sistema de Defesa Social, competindo-lhe: I - executar políticas de ensino integrado para o Sistema de Defesa Social; II - desenvolver pesquisas científicas e executar políticas e diretrizes referentes à formação profissional dos servidores do sistema de defesa social; III - executar programas e projetos que visem prevenir desvios de conduta dos servidores dos órgãos do Sistema de Defesa Social; IV - coordenar a integração dos sistemas de informação de defesa social; V - executar políticas públicas que visem a integração do planejamento estratégico e operacional das Organizações Policiais do Estado de Minas Gerais (destaque nosso.); VI - acompanhar a execução dos contratos e convênios em sua área de execução, de forma a racionalizar e assegurar a qualidade do gasto com a manutenção das atividades sob sua responsabilidade; VII - exercer outras atividades correlatas. [...] 105


SNIPER POLICIAL QUEM AUTORIZA O DISPARO LETAL? UMA ANÁLISE JURÍDICA...

Em nenhum momento, a Lei Delegada nº 56/03 retirou a competência da Polícia Militar, através de sua cadeia legal de comando e hierarquia, a gerência da crise atribuindo-a à Secretaria de Defesa Social, por conseguinte ao Secretário de Defesa Social. Não podia ser diferente, pois, o Secretário exerce função política de coordenação do setor da segurança pública, agindo apenas no tocante às políticas públicas, ficando a PMMG com sua autonomia para gerenciar as ocorrências com reféns localizados conforme doutrina de emprego específico. O Secretário de Defesa Social exerce, como o Governador do Estado, a competência política da segurança pública, faltando-lhe a competência técnica, logo, a tomada de decisão em face de qualquer procedimento adotado em uma crise policial, não deve ser submetida ao crivo e aprovação da mencionada autoridade, ficando a autoridade militar com a competência preservada e inalterada. Contudo, a Lei Delegada nº.117 de 01 de janeiro de 2007 revogou a Lei Delegada nº 56/03 sem alterar a essência de seu conteúdo, ou seja, em nenhum momento o Secretário de Defesa Social deverá intervir nas ocorrências de alta complexidade ou outras atendidas pela PMMG, ficando a cargo da autoridade militar tal mister. Para maior detalhamento, segue no anexo II, a íntegra da Lei Delegada nº 117/2007.

7.4 Resolução nº 3.764, de 21 de junho 2004 - PMMG A mencionada resolução veio a alterar a resolução 3 745/2004 acerca do Plano de Articulação e o Detalhamento e Desdobramento do Quadro de Organização e Distribuição da PMMG, criando formalmente e dando atribuições operacionais ao Comando de Policiamento Especializado (CPE). A partir da publicação da Resolução 3 764/2004, o CPE passou a ser o gestor e coordenador das ações e operações especiais, no âmbito técnico e operacional da PMMG. Como a atividade de emprego do sniper está inserida no contexto 106


SNIPER POLICIAL QUEM AUTORIZA O DISPARO LETAL? UMA ANÁLISE JURÍDICA...

das ocorrências de alta complexidade e, por conseqüência, a partir da edição da mencionada resolução, vinculada ao CPE, este será o gestor e Comandante da Operação (gestão da crise policial) naquelas em que o Coronel Comandante, se fizer presente, pois o Comandante do GATE subordina-se técnica e operacionalmente a este. Estando o Coronel CPE presente no teatro de operações será o Comandante da Ocorrência de Alta Complexidade, mesmo que o Comandante Regional seja mais antigo, pois, no caso, por força de norma interna-corporis, a competência técnica originária deverá prevalecer e ser respeitada. Assim, o Comandante do GATE e os demais chefes de equipes táticas (negociação, sniper, time tático, dentre outros) servirão assessoria técnica para as tomadas de decisão da autoridade competente, no caso o próprio CPE. Os parágrafos 2º e 4º da Resolução 3 764, corroboram com o que afirmou-se nos parágrafos anteriores e, in literis, traz: [...] § 2º - O CPE constitui-se em Unidade de Direção Intermediária (UDI), responsável perante o Comandante-Geral, pelas atividades operacionais especializadas em BH e na RMBH, além da coordenação, controle e emprego das forças de manobra do Comandante-Geral em todo o Estado de Minas Gerais, nos termos da DPSSP nº 1, de 27Mar2002/CG. [...] §4º - Passam a subordinarem-se ao CPE as seguintes UEOp especializadas: [...] - 4ª Companhia de Missões Especiais – 4ª Cia Mesp; [...]

Atualmente, o GATE foi elevado à categoria de Batalhão e continua subordinado ao CPE. Por fim, o art. 3º traz as atribuições do CPE, a saber: I – coordenar o preparo e o emprego das UEOP subordinadas no exercício de suas atribuições específicas, incluindo os meios orgânicos e colocá-los à disposição; [...] 107


SNIPER POLICIAL QUEM AUTORIZA O DISPARO LETAL? UMA ANÁLISE JURÍDICA... III- planejar, coordenar e controlar ações e especializadas inerentes à missão da Polícia Militar;

operações

[...]

Não restam dúvidas de que o Coronel Comandante do CPE será o gestor das ocorrências de alta complexidade, quando se fizer presente, atuando em nome do Comandante-Geral, no Estado de Minas Gerais.

7.5 Resolução Conjunta nº 09/2005 Último instrumento normativo a ser estudado nesta obra trata da regulamentação, no âmbito do Estado de Minas Gerais, da atuação conjunta entre a PMMG e a Polícia Civil de Minas Gerais (PCMG), nas ocorrências policiais de alta complexidade. É uma norma de grande relevância jurídica, pois estabelece a atuação dos organismos policiais, em face das ocorrências de alta complexidade e declina a competência de cada organização presente no teatro de operações. Não obstante ser uma norma que trata da atuação conjunta entre PMMG e PCMG, ela traz mandamentos importantes em relação às competências territorial e técnica, a serem respeitadas ao se atender uma ocorrência de alta complexidade. Buscaremos para a análise da mesma, a teleologia da norma, bem como uma exegese voltada para o pragmatismo funcional, no local da ocorrência, sempre com vistas a dar uma solução aceitável à crise. A parte exordial da Resolução Conjunta nº 09, de 24 de junho de 2005 assim se apresenta: Dispõe sobre princípios norteadores, limites de competência operacional, forma de interação em apoio mútuo, autoridades policiais envolvidas e níveis de responsabilidade, forma de participação de Unidades especializadas, condutas vedadas aos policiais no local da ocorrência, meios para responsabilização sobre desvios de conduta de policiais, disseminação doutrinária das normas sobre atuação conjunta, e dá outras providências.

108


SNIPER POLICIAL QUEM AUTORIZA O DISPARO LETAL? UMA ANÁLISE JURÍDICA...

De acordo com a referida norma, as ocorrências de alta complexidade são denominadas ocorrências de alto risco, sendo que a atuação do sniper se enquadrará perfeitamente na mencionada definição, principalmente, pelo preconizado no caput e inciso I do art. 1º, a saber: Art. 1º Denominam-se ocorrências de alto risco os fatos ou intervenções policiais caracterizados pela necessidade de atuação conjunta de integrantes das Polícias Militar e Civil, em razão da possibilidade de agravamento, inclusive com risco de morte para as pessoas envolvidas, especialmente como reféns, assim considerados, dentre outros: I - seqüestros, exceto quando é desconhecida a localização da vítima; [...]

Por uma questão de lógica jurídica, quando não se souber a localização do refém, a ocorrência é de competência exclusiva da Polícia Civil ou Federal, conforme for o caso, pois trata-se de investigação criminal, ou seja, apuração de infração penal de competências constitucional da polícia judiciária, nos termos do parágrafo primeiro e quarto do art. 144 da CF/88. O art. 2º da resolução conjunta nº 09/2005 trata do Gabinete de Gerenciamento de Ocorrências de Alto Risco (GAR), responsável em última instância, pela gestão da crise, nas ocorrências que a PMMG e a PCMG atuarem em conjunto, tendo a seguinte redação: Art. 2º Fica criado e instalado, na estrutura do Sistema Integrado de Defesa Social - SIDS, em Belo Horizonte, para atuação em última instância, suplementar aos esforços ordinários do CIAD e para solução de ocorrências em que atuem conjuntamente a Polícia Civil e a Polícia Militar, o Gabinete de Gerenciamento de Ocorrências de Alto Risco (GAR), constituída da seguinte forma: I - pelo Chefe do Estado-Maior da PMMG; II - pelo Superintendente-Geral da Polícia Civil; III - pelo Assessor Jurídico do Gabinete do Comandante-Geral; IV - pelo Assessor Jurídico do Chefe da Polícia Civil; e V - pelo representante da Secretaria de Estado de Defesa Social (SEDS).

109


SNIPER POLICIAL QUEM AUTORIZA O DISPARO LETAL? UMA ANÁLISE JURÍDICA... § 1º Poderão ainda ser convidados a participar do GAR um observador do Poder Judiciário, do Ministério Público, do Corpo de Bombeiros Militar e de outro órgão ou entidade, conforme a especificidade da ocorrência indique mostrar-se necessário. § 2º O GAR acompanhará o gerenciamento da crise e poderá atuar em qualquer momento, no local da ocorrência, desde que acionado pelo Centro de Coordenação Integrado - CCI, que poderá ser instalado no local da ocorrência e composto dentro das especificidades que o fato demandar, conforme o caso, pelos seguintes integrantes, dentre outros: I - pelo Comandante do Comando de Policiamento Especializado CPE; II - pelo Chefe do Departamento Estadual de Operações Especiais DEOEsp; III - pelos representantes da PM e da PC, com responsabilidade territorial; IV - pelo representante local do chefe do poder executivo municipal que seja possuidor de responsabilidade legal para solucionar o problema; V - por profissionais especialistas relacionados ao tipo da ocorrência; e VI - por Assessor de Imprensa e Comunicação Social. § 3º A coordenação do CCI será integrada e dirigida pelos representantes da Polícia Civil e Polícia Militar e mediado por um representante da SEDS, respeitando a competência constitucional de cada Instituição.

A grande relevância não está no caput do art. 2º estipulando o GAR, mesmo porque, este serve como aporte recursal não sendo obrigatória a formação do mesmo, in locu, nas ocorrências com reféns localizados, mas está no parágrafo segundo, criando o Centro de Coordenação Integrado (CCI) o qual, após ser instalado passa a ser gestor da crise, tendo o Comandante do Comando de Policiamento Especializado (CPE), o comando compartilhado da ocorrência com o Chefe do Departamento de Operações Especiais da PCMG (DEOESP). O GAR funcionará, como já foi exposto, exclusivamente como órgão recursal para as instâncias inferiores poderem dirimir dúvidas internas, principalmente no tocante à competência para estar e gerenciar, in locu, à crise, conforme hermenêutica dos art. 21, 22 e 23: 110


SNIPER POLICIAL QUEM AUTORIZA O DISPARO LETAL? UMA ANÁLISE JURÍDICA... Art. 21. Na eventualidade de dúvidas sobre a competência para atuar na ocorrência ou a condição, principal ou subsidiária a ser nela exercida, a maior autoridade da organização policial que estiver em dúvida deverá reportar-se ao GAR. Art. 22. Para fins de condução das ocorrências de alto risco, ficam as autoridades mais graduadas atuantes no local da ocorrência subordinadas ao GAR, caso venham a ser acionados para intervir na sua condução. Art. 23. O GAR possui ascendência funcional sobre todos os integrantes da Polícia Civil e da PMMG, para os fins de tomada de decisão e realização de medidas capazes de reconduzir à normalidade o fato gerador da ocorrência.

Importante salientar que, o Comandante da unidade da PMMG e PCMG com responsabilidade territorial, no local da ocorrência, deve se fazer presente. Até o presente momento, não houve a atuação integrada entre a PMMG e PCMG, em nenhuma ocorrência de alta complexidade, após a entrada em vigência da mencionada resolução conjunta, o que não afasta e necessidade de obediência às suas recomendações. Apesar de ainda não ter sido estruturado, na prática das ocorrências com reféns localizados, o CCI é o órgão responsável pela gestão da crise, em Minas Gerais. Acreditamos que, em uma eventual atuação conjunta entre PMMG e PCMG, nas ocorrências de alta complexidade, ou de alto risco, com a estruturação do CCI, a tomada das decisões será integrada e compartilhada, contudo, a ordem de execução da decisão deverá partir da autoridade com ascensão sobre o subordinado. Para ilustrar a presente assertiva, imaginemos que apenas haja, no local da ocorrência, snipers militares posicionados e o CCI decida pelo uso de tal alternativa tática, logo, como está previsto na Resolução em análise, o Comandante do CPE é a autoridade que deve dar a ordem para que o atirador atue, pois, um policial civil não possui competência legal para exarar tal ato administrativo (ordem) a um militar. No mesmo mister do pensamento expresso no parágrafo anterior, o parágrafo 4º do art. 7º da mencionada norma afirma que ...“considera-se 111


SNIPER POLICIAL QUEM AUTORIZA O DISPARO LETAL? UMA ANÁLISE JURÍDICA...

tomada de decisões o ato de definir, com fundamento em competência legal de caráter constitucional, após ouvidas as autoridades coparticipantes do local da ocorrência, qual medida será adotada. Em relação às conseqüências jurídicas e imputabilidade penal dos membros do CCI que tomaram a decisão, em seção anterior já foi abordado o assunto, mas vale ressaltar que, o militar responde com égide no Código Penal Militar e o civil à luz do Código Penal Comum, tanto para as excludentes de ilicitude quanto pelas excludentes de culpabilidade ou pela omissão na tomada da decisão. Cada autoridade responde perante a justiça pelas conseqüências negativas criminosas do resultado obtido, na medida de sua culpabilidade e responsabilidade, como já foi explanado (art. 29 Código Penal Comum e §1º do art. 53 do CPM). Corroborando com o preconizado no art. 2º da resolução em análise, o art. 7º explicita a obrigação da autoridade com responsabilidade territorial em se fazer presente no local da crise e acionar a equipe especializada. In verbis, o art. 7º traz: Art. 7º A responsabilidade territorial implica: I - na obrigação de que o comparecimento de Unidades Especializadas ao local de ocorrência aconteça por acionamento do CIAD após solicitação da maior autoridade policial detentora de responsabilidade sobre o espaço geográfico onde esteja acontecendo o fato ou por iniciativa dos coordenadores das Polícias Civil e Militar no CIAD, na Região Metropolitana de Belo Horizonte RMBH, conforme normas internas de cada Instituição. II - na competência da maior autoridade policial com responsabilidade territorial sobre o local da ocorrência para solicitar ou permitir a presença ou permanência de policiais estranhos à sua circunscrição, para auxílio na condução dos serviços. III - na precedência da maior autoridade com responsabilidade territorial sobre o local da ocorrência, para identificar e, se necessário, fazer retirar-se do mesmo os policiais que não estejam em serviço e os que não se enquadrem nas hipóteses anteriores. § 1º Qualquer autoridade com responsabilidade territorial sobre o local da ocorrência que detectar o descumprimento do disposto nesta norma, por qualquer servidor público civil ou militar, deverá 112


SNIPER POLICIAL QUEM AUTORIZA O DISPARO LETAL? UMA ANÁLISE JURÍDICA... adotar as medidas que se fizerem necessárias para a indicação e responsabilização do servidor que contribuir para isto, até a chegada do representante da Instituição a que pertença, podendo, inclusive, agir em nome do Comandante-Geral da PMMG ou do Chefe da Polícia Civil. § 2º Responde, nos termos da lei, administrativa e criminalmente, o policial que de qualquer forma interferir, obstruir ou ainda omitir-se, no devido cumprimento do parágrafo anterior. § 3º O princípio do respeito mútuo será assegurado: I - mediante o contido nos artigos 8º e 9º desta Resolução; e II - pela possibilidade de que em toda ocorrência haja participação tanto da Polícia Militar quanto da Polícia Civil, atuando uma e outra em caráter principal ou de apoio, conforme seja competência da Polícia Militar ou da Polícia Civil a tomada de decisões. [...]

Após a análise do art. 7º, fica claro que o papel das autoridades com responsabilidade territorial limitar-se-à na atuação periférica na gestão da crise, ou seja, no perímetro mais afastado, ficando o CCI e outras unidades especiais com a responsabilidade direta em dar a solução aceitável à crise e, por conseqüente, a competência pelo processo decisório do uso do sniper, conforme está expresso no parágrafo quarto do mencionado artigo. Outro ponto importante a ser ressaltado é que, por força do art. 8º a atuação nas ocorrências de alta complexidade, deverá ocorrer de forma integrada entre a PMMG e PCMG, logo, o processo decisório sempre ocorrerá de maneira colegiada, a saber: Art. 8º Compete de forma integrada à Polícia Civil e à Polícia Militar a atuação nas seguintes ocorrências de alta complexidade: I - cujo autor encontre-se em estado de flagrante, com ou sem refém; II - nas situações de tomada de reféns em locais públicos ou privados, desde que caracterizado pelo menos em tese alguma conduta criminosa.

113


SNIPER POLICIAL QUEM AUTORIZA O DISPARO LETAL? UMA ANÁLISE JURÍDICA...

Por força do art. 9º, a unidade policial com responsabilidade territorial deverá acionar a unidade especializada e, a partir do momento que esta se fizer presente, será a responsável pela atuação imediata para solucionar a crise. É o que se depreende da leitura do mencionado artigo, a saber: Art. 9º A Unidade Policial que iniciar o atendimento destas ocorrências deverá adotar as providências necessárias mediante a complexidade da situação, convocando quando necessário, a Unidade especializada (GATE/GRE), sendo que o gerenciamento da situação será exercido pela Unidade especializada que primeiro chegar ao local.

Vale ressaltar, para fins de informação geral, que ainda não fora registrada nenhuma atuação conjunta entre o GATE e o GRE, nas referidas ocorrências de alto risco. Também, não houve uma situação, pós-edição da mencionada resolução, de uma das unidades especiais ter chegado primeiro ao local da ocorrência e exercido, exclusivamente, o gerenciamento da situação, em detrimento da presença da outra. Apresentando uma base jurídica relevante e capaz de responder à indagação feita, o art. 16 afirma claramente que cabe ao CCI a gestão da crise e, por consequente, a tomada de decisão de se empregar letalmente o sniper. Art. 15. Será de forma coordenada a administração das operações no local da ocorrência, respeitadas as peculiaridades de emprego de cada organização, previstas nos arts. 8º e 9º. Art. 16. O gerenciamento da ocorrência de alto risco será realizado pelo CCI, no perímetro imediato de até cento e cinqüenta metros, definida segundo os critérios dos art. 8º e 9º, e pelo Policial Militar mais graduado da Polícia Militar com responsabilidade territorial sobre o caso, no perímetro mediato. Art. 17. A intervenção policial de Unidades Especializadas, em ocorrências de alto risco condiciona-se ao seu acionamento pelo CIAD, conforme o caso se enquadre no art. 8º ou 9º, respectivamente, os quais, para esse fim, estarão agindo em nome do Chefe da Polícia Civil ou Comandante-Geral da PMMG.

A

114

presente

resolução

conjunta

oferece

uma

resposta,

no


SNIPER POLICIAL QUEM AUTORIZA O DISPARO LETAL? UMA ANÁLISE JURÍDICA...

entendimento jurídico deste autor, parcial ao tema proposto para estudo, pois, através de uma hermenêutica chegou-se à autoridade que, em tese, possui a competência e atribuição de exarar a ordem para o emprego letal do sniper. Contudo, por se tratar do uso extremo da força, conforme foi explicado acerca da teoria do crime, a autoridade e o sniper deverão se submeter a um processo judicial que, ao final, nem sempre a melhor interpretação técnica pode ser dada ao caso, gerando uma grande instabilidade jurídica de trabalho para os policiais, em todos os níveis de comando e execução. O ideal seria a publicação de uma Lei Federal padronizando a atuação do Sniper, em âmbito nacional, para dar um tratamento jurídico e operacional uniforme na Federação, oferecendo maior segurança jurídica ao gestor da crise, ao executor (atirador de elite) e, até mesmo, ao cidadão brasileiro destinatário final das ações e políticas de segurança pública, pois este estaria ciente da forma e limites de atuação do Estado (através da polícia), legitimando cada vez mais o modus procedendi do mesmo. Para ilustrar o pensamento exposto no parágrafo anterior, citamos a Lei nº 9.614/98, que alterou o Código Brasileiro de Aeronáutica, Lei nº 7.565/86 de 19 de dezembro de 1986, regulamentada pelo Decreto Federal nº 5.144, de 19 de dezembro de 2004, que inovando a legislação pátria, autorizou o abate de aeronaves no espaço aéreo brasileiro. Pelas normas retro-mencionadas, cabe ao Presidente da República e por delegação ao Comandante da Aeronáutica, a ordem ao piloto do “Caça Brasileiro” para abater a aeronave que não atenda as ordens legais emanadas pelo Comandante da aeronave militar nacional, após atendidas as demais exigências/procedimentos trazidos no corpo da própria lei, a saber: De acordo com a Lei Federal nº 9.614/98: Art. 1º O art. 303 da Lei nº 7.565, de 19 de dezembro de 1986, passa a vigorar acrescido de um parágrafo, numerado como § 2º, renumerando-se o atual § 2º como § 3º, na forma seguinte: Art. 303 115


SNIPER POLICIAL QUEM AUTORIZA O DISPARO LETAL? UMA ANÁLISE JURÍDICA...

§ 2º Esgotados os meios coercitivos legalmente previstos, a aeronave será classificada como hostil, ficando sujeito à medida de destruição, nos casos dos incisos do caput deste artigo e após autorização do Presidente da República ou autoridade por ele delegada. § 3º A autoridade mencionada no § 1º responderá por seus atos quando agir com excesso de poder ou com espírito emulatório.

O Decreto Federal nº 5.144/04 apresenta: Art. 1º Este Decreto estabelece os procedimentos a serem seguidos com relação a aeronaves hostis ou suspeitas de tráfico de substâncias entorpecentes e drogas afins, levando em conta que estas podem apresentar ameaça à segurança pública. Art. 2º Para fins deste Decreto, é considerada aeronave suspeita de tráfico de substâncias entorpecentes e drogas afins aquela que se enquadre em uma das seguintes situações: I- adentrar o território nacional, sem Plano de Vôo aprovado, oriunda de regiões reconhecidamente fontes de produção ou distribuição de drogas ilícitas; ou II- omitir aos órgãos de controle de tráfego aéreo informações necessárias à sua identificação, ou não cumprir determinações destes mesmos órgãos, se estiver cumprindo rota presumivelmente utilizada para distribuição de drogas ilícitas. [...] Art. 5º A medida de destruição consiste no disparo de tiros, feitos pela aeronave de interceptação, com a finalidade de provocar danos e impedir o prosseguimento do vôo da aeronave hostil e somente poderá ser utilizada como último recurso e após o cumprimento de todos os procedimentos que previnam a perda de vidas inocentes, no ar ou em terra. Art. 6º A medida de destruição terá que obedecer às 116


SNIPER POLICIAL QUEM AUTORIZA O DISPARO LETAL? UMA ANÁLISE JURÍDICA...

seguintes condições: I-emprego dos meios sob controle operacional do Comando de Defesa Aeroespacial Brasileiro - COMDABRA; II-registro em gravação das comunicações ou imagens da aplicação dos procedimentos; III- execução por pilotos e controladores de Defesa Aérea qualificados, segundo os padrões estabelecidos pelo COMDABRA; IV- execução sobre áreas não densamente povoadas e relacionadas com rotas presumivelmente utilizadas para o tráfico de substâncias entorpecentes e drogas afins; e V- autorização do Presidente da República ou da autoridade por ele delegada. [...] Art. 8º As autoridades responsáveis pelos procedimentos relativos à execução da medida de destruição responderão, cada qual nos limites de suas atribuições, pelos seus atos, quando agirem com excesso ou abuso de poder. [...] Art. 10º Fica delegada ao Comandante da Aeronáutica a competência para autorizar a aplicação da medida de destruição (destaque nosso). [...]

Como podemos perceber, a Lei (lei federal de competência da União, pois interfere diretamente na matéria de natureza penal, e aí, somente a União pode legislar) declinou, explicitamente, a competência para a autoridade determinar a medida extrema, ficando o executor da ordem isento de qualquer processo, pois trata-se do instituto já estudado da tipicidade conglobante e, ao responsável pelo ato administrativo verbal (ordem legal), a excludente de ilicitude “estrito cumprimento do dever legal”. É o que deveria acontecer também para a atuação letal do sniper em todas as unidades da federação.

117


SNIPER POLICIAL QUEM AUTORIZA O DISPARO LETAL? UMA ANÁLISE JURÍDICA...

Em breve síntese deste capítulo, podemos afirmar que: a) A atuação nas ocorrências de alta complexidade, no Estado de Minas Gerais, deverá ocorrer por força da Resolução Conjunta nº 09/2005, de forma integrada não abrindo exceção para atuação diferenciada; b) O GAR é o órgão colegiado responsável, junto ao alto escalão das duas instituições (PMMG e PCMG) por resolver qualquer celeuma ou dúvidas quanto à competência e gestão da crise, in locu; c) O CCI, no âmbito de Minas Gerais, é o órgão responsável por gerenciar a crise, devendo tomar todas as decisões a fim de dar uma solução aceitável à mesma; d) Como o CCI é um órgão colegiado, o processo decisório cabe ao conjunto, mas para exarar a ordem (ato administrativo) apenas a autoridade com ascensão hierárquica em relação ao executor é que poderá se manifestar, sob pena de nulidade da ordem; e) Como o CCI é composto por militares e civis, cada um responderá em face de suas condutas à luz de cada direito específico, ou seja, os militares o preconizado pelo Direito Militar (CPM) e os civis pelo Código Penal Comum (direito comum); f) Como atualmente o GRE da PCMG está inoperante, apenas o GATE da PMMG se fará presente no teatro de operações, ficando este, atualmente, com a execução técnica das alternativas táticas; g) O Comandante do GATE será o responsável, no perímetro tático imediato, pela execução das ordens exaradas pelo CCI, recebendo ordens diretas do Comandante do CPE; h) O Comandante do CPE, após processo decisório conjunto com os membros do CCI, é a autoridade que irá determinar ao Comandante do GATE o emprego letal do sniper militar; i) Não estando presente, no local da ocorrência, o CCI nem o Comandante do CPE, o Comandante do GATE é a autoridade que possui a competência técnica e legal para determinar o emprego letal do sniper nas ocorrências com reféns localizados;

118


SNIPER POLICIAL QUEM AUTORIZA O DISPARO LETAL? UMA ANÁLISE JURÍDICA...

j) Não estando presente no local da ocorrência o CCI, mas presente o Comandante do CPE, este será o competente para determinar o emprego letal do sniper militar, nas ocorrências com reféns localizados em Minas Gerais; k) O ideal seria a existência de uma lei federal normatizando, padronizando a atuação do sniper e, ainda, fornecendo maior segurança jurídica aos policiais que atuam nas ocorrências de alta complexidade.

119


SNIPER POLICIAL QUEM AUTORIZA O DISPARO LETAL? UMA ANÁLISE JURÍDICA...

120


SNIPER POLICIAL QUEM AUTORIZA O DISPARO LETAL? UMA ANÁLISE JURÍDICA...

CONCLUSÃO Em face de tudo que fora exposto, ao longo desta obra, podemos concluir que, a partir do advento da CF/88, inaugurou-se, no Brasil, um novo Estado, o Democrático de Direito, o qual possui por princípio o respeito e observância às normas que edita. Por força constitucional, a segurança pública recebeu destaque e atenção especial no art. 144 da Magna Carta de 1988, sendo um dever do Estado, direito, mas, responsabilidade de todos os brasileiros. Cada organismo policial recebeu sua atribuição específica, nos termos do mencionado artigo da CF/88. A Polícia Militar e, em especial a PMMG, recebeu constitucionalmente, atribuições para exercer a atividade de polícia ostensiva, preventiva e de restabelecimento da ordem pública, tanto pela CF/88, quanto pela Constituição Mineira. Para prestar o serviço de segurança pública, a Polícia Militar, como órgão público, deve observar estritamente o preconizado no art. 37 da Magna Carta, pois, o mencionado dispositivo jurídico instituiu no país os chamados princípios da administração pública. Dentre os mencionados princípios, destaca-se o da legalidade, por ser o norte direcionador das ordens emanadas para a execução do serviço de segurança pública. Para se efetivar as ações, na seara pública, o administrador deve fazê-lo através de atos jurídicos, chamados Atos Administrativos. Para a elaboração de um ato administrativo é importante a observância de alguns requisitos indispensáveis para sua validade, sob pena de serem nulos ou anulados. Os mencionados requisitos estudados foram: a forma, finalidade, objeto, motivo e competência/sujeito. Importante ressaltar que, repousou na competência para exarar o ato administrativo, o coração do estudo nesta obra, pois, a celeuma posta, exatamente, era a busca de qual autoridade possuía a competência jurídica para exarar o ato administrativo chamado “ordem”, para que o sniper pudesse efetuar o disparo letal. 121


SNIPER POLICIAL QUEM AUTORIZA O DISPARO LETAL? UMA ANÁLISE JURÍDICA...

Como conseqüência natural, verificamos que a autoridade para exarar a ordem para o emprego do sniper deveria possuir ascensão hierárquica sobre este e, ao mesmo tempo, competência legal para a tomada da decisão, com conseqüente responsabilização penal pelo resultado obtido, tanto pela ação quanto pela omissão. Por força da CF/88 o policial militar pertence à categoria específica de servidor militar do Estado, ao lado dos demais servidores militares da União, sendo, a partir daí, regido não só pelo direito comum, mas também pelo ramo especializado do direito chamado MILITAR. Através do estudo do direito penal, verificou-se que o militar comete crime militar próprio ou impróprio, por ação ou omissão, e que é de extrema relevância a identificação do superior, pois é este que possui a responsabilidade, a fim de gerenciar a crise e emanar as ordens aos subordinados, nos limites previstos na lei. O superior hierárquico com competência para gerenciar a crise policial é a autoridade que tem por dever legal, depois de esgotadas as possibilidades não letais e gradativas do uso da força, de determinar o uso letal do sniper. Sendo a única alternativa viável para salvar a vida do refém, o Comandante da Operação deve determinar o uso letal do sniper, sob pena de responder penalmente por omissão. Quando a ordem é legal, o Comandante age sob a excludente de ilicitude chamada legítima defesa de terceiros. O policial militar, na função de atirador de elite, qualificado e treinado para tal, após cumprir a ordem legal do superior e neutralizar o seqüestrador, estará acobertado pela excludente de culpabilidade chamada inexigibilidade de conduta diversa (deve cumprir fielmente a ordem do superior hierárquico). Caso o sniper cometa algum erro material na execução do disparo e obtenha um resultado diverso do pretendido (além da neutralização do seqüestrador mata também o refém) responderá pessoalmente pelo erro na modalidade culposa da ação. Como o direito militar direcionou ao superior hierárquico a responsabilidade jurídica em exarar o ato administrativo chamado “ordem legal”, para que o atirador de elite efetue o disparo, buscou-se na 122


SNIPER POLICIAL QUEM AUTORIZA O DISPARO LETAL? UMA ANÁLISE JURÍDICA...

legislação mineira e interna corporis, da PMMG, algum supedâneo que direcionasse, especificamente, a qual superior hierárquico caberia exarar a ordem. Das normas estudadas, a resolução conjunta entre a PMMG e a PCMG nº 09/05 ofereceu a resposta técnica, sendo o Comandante do CPE quando presente na ocorrência, a autoridade que deve autorizar/ determinar o uso letal do sniper e, na ausência deste, o Comandante do GATE como gestor do perímetro tático imediato e com a competência técnica, será a autoridade legitimada para tal. Ressaltamos que, por ser uma medida extrema, ultima ratio do uso da força e, por estar intimamente relacionada com o direito penal, deveria haver um respaldo para a ação do sniper, não através de uma norma interna de uma organização ou até mesmo de um ato administrativo do poder executivo do Estado Membro e sim, através de uma Lei Federal capaz de uniformizar e padronizar o comportamento das polícias no Brasil, oferecendo maior segurança jurídica aos tomadores de decisões, pois, por força constitucional, compete à União legislar em matéria de direito penal e processual penal. Um paradigma interessante que foi apresentado e que poderia ser utilizado para balizar a ação do sniper foi a edição da Lei Federal nº 9.614/98 (lei do abate), que explicitamente declinou a autoridade que possui a competência para determinar o abate de aeronaves, nas circunstâncias previstas na própria lei. Por fim, em face de tudo que fora exposto e apresentado neste livro, sugerimos a edição de uma Lei Federal regulamentando os limites e forma de atuação do sniper policial militar, nas ocorrências com reféns localizados em qualquer parte da Federação, proporcionando assim, uma maior segurança jurídica aos comandantes que possuem a árdua missão de gerenciar uma crise policial, assim como foi regulamentada a possibilidade de se abater uma aeronave suspeita de envolvimento com o narcotráfico, em tempo de paz, nos limites do território nacional (Lei 9 614/98).

123


SNIPER POLICIAL QUEM AUTORIZA O DISPARO LETAL? UMA ANÁLISE JURÍDICA...

124


SNIPER POLICIAL QUEM AUTORIZA O DISPARO LETAL? UMA ANÁLISE JURÍDICA...

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ANTONY, Márcio Moraes. Sniper policial. 1. ed. Manaus: Lorena, 2003. ANDREUCCI, Ricardo Antonio. Mini código penal anotado. 1.ed. São Paulo: Saraiva, 2007. ASSIS, Jorge César de. Comentários ao código penal militar. 5. ed. Curitiba: Juruá, 2004. AZAMBUJA, Darcy. Teoria geral do estado. 1. ed. Porto Alegre: Globo, 1980. BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de teoria do estado e ciência política. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 1999. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF,5 out. 1988. Disponível em: <http:// www.presidencia.gov.br>. Acesso em: 10 mai.2010. ______. Decreto-lei nº 1.001, de 21 de outubro de 1969. Código Penal Militar. Brasília, 1969. Disponível em: <http://www.presidencia.gov.br>. Acesso em: 20 jul.2010. ______. Decreto-lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Código Penal Brasileiro. Brasília, 1940. Disponível em: <http://www.presidencia.gov.br>. Acesso em: 20 jul.2010. ______. Decreto Federal nº 5.144, de 16 de julho de 2004. Regulamenta os §§ 1o, 2o e 3o do art. 303 da Lei no 7.565, de 19 de dezembro de 1986, que dispõe sobre o Código Brasileiro de Aeronáutica, no que concerne às aeronaves hostis ou suspeitas de tráfico de substâncias entorpecentes e drogas afins. ______. Decreto Federal nº 88.777, de 30 de setembro de 1983. Aprova o regulamento para as polícias militares e corpos de bombeiros militares (R-200). Brasília, 1983. Disponível em: <http:// www.presidencia.gov.br>. Acesso em: 20 jul.2010. ______. Lei nº 7.565, de 19 de dezembro de 1986. Dispõe sobre o Código Brasileiro de Aeronáutica.1986. Disponível em: <http:// www.presidencia.gov.br>. Acesso em: 20 ago.2010. 125


SNIPER POLICIAL QUEM AUTORIZA O DISPARO LETAL? UMA ANÁLISE JURÍDICA...

______. Lei nº 9.034, de 3 de maio de 1995. Dispõe sobre a utilização de meios operacionais para a prevenção e repressão de ações praticadas por organizações criminosas. Brasília, 1995.s §§ 1o, 2o e 3o do art. 303 da Lei no 7.565, de 19 de dezembro de 1986, que dispõe sobre o Código Brasileiro de Aeronáutica, no que concerne às aeronaves hostis ou suspeitas de tráfico de substâncias entorpecentes e drogas afins. Brasília, 2004. Disponível em: <http://www.presidencia.gov.br>. Acesso em: 24 jul.2010. Disponível em: <http://www.presidencia.gov.br>. Acesso em: 20 jul.2010. ______. Lei nº 9.614, de 5 de março de 1998. Altera o Código Brasileiro de Aeronáutica. Brasília, 1998. Disponível em: <http:// www.presidencia.gov.br>. Acesso em: 21 jul.2010. ______. Lei nº 9.784, de 29 de janeiro de 1999. Regula o processo administrativo no âmbito federal. Brasília, 1999. Disponível em: <http:// www.presidencia.gov.br>. Acesso em: 20 jul.2010. CARVALHO, Kildare Gonçalves. Direito constitucional. 15. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2009. CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 15. ed. Rio de Janeiro: Lumem Júris, 2006. DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 13 ed. São Paulo: Atlas, 2009. GASPARINI, Diógenes. Direito administrativo. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2005. GIL, Antônio Carlos. Como elaborar projetos de pesquisa. 5. ed. São Paulo: Atlas, 1996. GRECO, Rogério. Atividade policial. 1, ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2009. LAKATOS, Eva Maria; MARCONI, Marina de Andrade. Fundamentos de metodologia científica. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2010. MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 25. ed. São Paulo: Malheiros, 2000.

126


SNIPER POLICIAL QUEM AUTORIZA O DISPARO LETAL? UMA ANÁLISE JURÍDICA...

MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 14. ed. São Paulo: Malheiros, 2002. MINAS GERAIS. Constituição (1989). Constituição do Estado de Minas Gerais. Belo Horizonte: Del Rey, 2008. ______. Decreto nº 43.295, de 29 de abril de 2003. Dispõe sobre a organização da Secretaria de Estado de Defesa Social e dáoutrasprovidências. Belo Horizonte, 2003. ______. Lei delegada nº 56, de 29 de janeiro de 2003. Dispõe sobre a Secretaria de Estado de Defesa Social e dáoutrasprovidências. Belo Horizonte, 2003. ______. Lei nº 6.624, de 18 de julho de 1975. Dispõe sobre a organização básica da Polícia Militar do Estado de Minas Gerais. Belo Horizonte, 1975. ______. Lei nº 14.310, de 19 de junho de 2002. Dispõe sobre o Código e Ética e Disciplina dos militares do Estado de Minas Gerais. Belo Horizonte, 2002 ______. Polícia Militar. Lei nº 5.301, de 16 de outubro de 1969. Contém o Estatuto do Pessoal da Polícia Militar de Minas Gerais. Lex Coletânia de Legislação: Legislação do estado de Minas Gerais e Prefeitura de Belo Horizonte. São Paulo, n 33, 1969. ______. Polícia Militar e Polícia Civil. Resolução Conjunta nº 009 de 24 de junho de 2005. Dispõe sobre princípios norteadores, limites de competência operacional, forma de interação em apoio mútuo, autoridades policiais envolvidas e níveis de responsabilidade, forma de participação de Unidades especializadas, condutas vedadas aos policiais no local da ocorrência, meios para responsabilização sobre desvios de conduta de policiais, disseminação doutrinária das normas sobre atuação conjunta, e dá outras providências. Belo Horizonte, 2005. ______. Polícia Militar. Resolução 3.764, de 21 de junho de 2004. Altera, provisoriamente, o Plano de Articulação e o Detalhamento e Desdobramento do Quadro de Organização e Distribuição da Polícia Militar de Minas Gerais – DD/QOD - aprovados pela Resolução nº 3745, de 16Jan04, e dá outras providências. Belo Horizonte: 2004. 127


SNIPER POLICIAL QUEM AUTORIZA O DISPARO LETAL? UMA ANÁLISE JURÍDICA...

MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 20. ed. São Paulo: Atlas, 2006. NEVES, Cícero Robson Coimbra. Direito penal. 1. ed. São Paulo: Suprema Cultura, 2007. ROSA, Paulo Tadeu Rodrigues. Código penal militar comentado. 1. ed. Belo Horizonte: Líder, 2009. PACHECO, DenilsonFeitoza. Direito processual penal. 4. ed. Niterói : Impetus, 2006. SANTOS, Gilmar Luciano. Como vejo a crise. 3. ed. Belo Horizonte: Bigráfica, 2010. SANTOS, Gilmar Luciano. Direito para a prática policial. 1. ed. Belo Horizonte: Bigráfica, 2009. SANTOS, Gilmar Luciano. Negociação em ocorrências policiais de alta complexidade. 1. ed. Belo Horizonte: Bigráfica, 2009. SCHIRM, Helena. Apresentação de referências, citações e notas de rodapé. Belo Horizonte: Fundação João Pinheiro, 2005. SCHIRM, Helena. Apresentação de trabalhos acadêmicos. Belo Horizonte: Fundação João Pinheiro, 2003. Apostila distribuída ao Curso de Especialização em Segurança Pública (CESP). SILVA, De Plácido e. Vocabulário jurídico. 17. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000. SILVA, José Afonso da.Curso de direito constitucional positivo. 2. ed. São Paulo: RT, 1989. SOUZA, Mascarenhas Wanderley de. Como se comportar enquanto refém. 1. ed. São Paulo: Ícone, 1996. VALLON, Maria Helena Rossi. Metodologia científica. Apostila. Belo Horizonte: Fundação João Pinheiro, 2010.

128


SNIPER POLICIAL QUEM AUTORIZA O DISPARO LETAL? UMA ANÁLISE JURÍDICA...

ANEXO I RESOLUÇÃO CONJUNTA Nº 09 DE 24 DE JUNHO DE 2005. Dispõe sobre princípios norteadores, limites de competência operacional, forma de interação em apoio mútuo, autoridades policiais envolvidas e níveis de responsabilidade, forma de participação de Unidades especializadas, condutas vedadas aos policiais no local da ocorrência, meios para responsabilização sobre desvios de conduta de policiais, disseminação doutrinária das normas sobre atuação conjunta, e dá outras providências. O COMANDANTE-GERAL DA POLÍCIA MILITAR DE MINAS GERAIS, Coronel PM Sócrates Edgard dos Anjos, no uso da competência previstas no art. 2o, SS 1o, II, do R-100, aprovado pelo Decreto nº 18.445, de 15 de Abril de 1977; e o CHEFE DA POLÍCIA CIVIL DE MINAS GERAIS, delegado-Geral de Polícia Otto Teixeira Filho, no uso de atribuição que lhe confere o inciso III do SS 1º do art. 93 da Constituição do Estado de Minas Gerais, a Lei nº 5.406, de 16 de dezembro de 1969, nos arts. 17 da Lei Delegada nº 49, de 2 de janeiro de 2003, 3º e 4º da Lei Delegada nº 101, de 29 de janeiro de 2003, e o Decreto nº 43.852, de 11 de agosto de 2004, considerando ser a eficiência princípio constitucional orientador das ações da Administração Pública, conforme disposição do art. 37, caput, da Constituição Federal; considerando ser eixo essencial dentre as políticas a serem adotadas pelos Estados, definido pela SENASP/MJ, a reorganização institucional dos órgãos da segurança pública e sua integração sistêmica; considerando as competências legais da Polícia Militar e da Polícia Civil, definidas nas Constituições Federal e do Estado de Minas Gerais; considerando a oportunidade da regulamentação sobre a atuação integrada entre a Polícia Militar e a Polícia Civil, no atendimento de ocorrências de alto risco em que se faça imperiosa a concorrência de esforços; e considerando a necessidade de disciplinar limites de competência, fluidez das comunicações, interação de forças e aumento da segurança nos locais de eclosão de delitos no território do Estado; RESOLVEM:

129


SNIPER POLICIAL QUEM AUTORIZA O DISPARO LETAL? UMA ANÁLISE JURÍDICA... CAPÍTULO I DISPOSIÇÕES GERAIS Art. 1º Denominam-se ocorrências de alto risco os fatos ou intervenções policiais caracterizados pela necessidade de atuação conjunta de integrantes das Polícias Militar e Civil, em razão da possibilidade de agravamento, inclusive com risco de morte

para

as

pessoas

envolvidas,

especialmente

como

reféns,

assim

considerados, dentre outros:

I - seqüestros, exceto quando é desconhecida a localização da vítima; II - motins em estabelecimentos penais; III - assaltos a bancos; IV - bloqueio de rodovias e vias públicas de grande circulação; V - ocupação de imóveis urbanos e rurais; VI - ocorrências envolvendo, como autores, policiais civis ou militares da ativa ou inativos ou seus familiares, desde que, neste último caso, o problema leve ao envolvimento de policial; e VII - outras, por determinação da maior autoridade do CIAD - Centro Integrado de Atendimento e Despacho.

Art. 2º Fica criado e instalado, na estrutura do Sistema Integrado de Defesa Social - SIDS, em Belo Horizonte, para atuação em última instância, suplementar aos esforços ordinários do CIAD e para solução de ocorrências em que atuem conjuntamente a Polícia Civil e a Polícia Militar, o Gabinete de Gerenciamento de Ocorrências de Alto Risco (GAR), constituída da seguinte forma:

I - pelo Chefe do Estado-Maior da PMMG; II - pelo Superintendente-Geral da Polícia Civil; III - pelo Assessor Jurídico do Gabinete do Comandante-Geral; IV - pelo Assessor Jurídico do Chefe da Polícia Civil; e V - pelo representante da Secretaria de Estado de Defesa Social (SEDS). § 1º Poderão ainda ser convidados a participar do GAR um observador do Poder Judiciário, do Ministério Público, do Corpo de Bombeiros Militar e de outro órgão ou entidade, conforme a especificidade da ocorrência indique mostrar-se necessário. 130


SNIPER POLICIAL QUEM AUTORIZA O DISPARO LETAL? UMA ANÁLISE JURÍDICA... § 2º O GAR acompanhará o gerenciamento da crise e poderá atuar em qualquer momento, no local da ocorrência, desde que acionado pelo Centro de Coordenação Integrado - CCI, que poderá ser instalado no local da ocorrência e composto dentro das especificidades que o fato demandar, conforme o caso, pelos seguintes integrantes, dentre outros:

I - pelo Comandante do Comando de Policiamento Especializado - CPE; II - pelo Chefe do Departamento Estadual de Operações Especiais - DEOEsp; III - pelos representantes da PM e da PC, com responsabilidade territorial; IV - pelo representante local do chefe do poder executivo municipal que seja possuidor de responsabilidade legal para solucionar o problema; V - por profissionais especialistas relacionados ao tipo da ocorrência; e VI - por Assessor de Imprensa e Comunicação Social. § 3º A coordenação do CCI será integrada e dirigida pelos representantes da Polícia Civil e Polícia Militar e mediado por um representante da SEDS, respeitando a competência constitucional de cada Instituição.

CAPÍTULO II DA ATUAÇÃO CONJUNTA EM OCORRÊNCIAS DE ALTO RISCO Seção I Dos parâmetros da atuação conjunta Art. 3º A atuação conjunta das Polícias Militar e Civil em ocorrências de alto risco impõe a observância dos seguintes parâmetros definidos nesta Resolução: I - princípios norteadores; II - limites de atuação; III - forma de interação em apoio mútuo; IV - forma de participação de Unidades Especializadas; V - condutas vedadas aos policiais no local da ocorrência; e VI - meios para responsabilização sobre desvios de conduta de policiais.

131


SNIPER POLICIAL QUEM AUTORIZA O DISPARO LETAL? UMA ANÁLISE JURÍDICA... Seção II Dos princípios norteadores da atuação conjunta Art. 4º A atuação conjunta em ocorrências orientar-se-á pelos princípios contidos no art. 37, caput, da Constituição Federal, em especial o da legalidade, e ainda, pelos seguintes: I - responsabilidade territorial; II - responsabilidade técnica; e III - cooperação mútua.

Art. 5º A legalidade impõe a participação de policiais nas ocorrências, até o limite de competência definido nesta Resolução. Art. 6º A responsabilidade territorial é o poder conferido aos comandantes ou chefes das Unidades de polícias locais, contidas em Áreas Integradas de Segurança Pública - AISP, Áreas de Coordenação Integrada de Segurança Pública ACISP, em Regiões da Polícia Militar - RPM ou em Delegacias Regionais da polícia Civil - DRPC. Art. 7º A responsabilidade territorial implica: I - na obrigação de que o comparecimento de Unidades Especializadas ao local de ocorrência aconteça por acionamento do CIAD após solicitação da maior autoridade policial detentora de responsabilidade sobre o espaço geográfico onde esteja acontecendo o fato ou por iniciativa dos coordenadores das Polícias Civil e Militar no CIAD, na Região Metropolitana de Belo Horizonte - RMBH, conforme normas internas de cada Instituição. II - na competência da maior autoridade policial com responsabilidade territorial sobre o local da ocorrência para solicitar ou permitir a presença ou permanência de policiais estranhos à sua circunscrição, para auxílio na condução dos serviços. III - na precedência da maior autoridade com responsabilidade territorial sobre o local da ocorrência, para identificar e, se necessário, fazer retirar-se do mesmo os policiais que não estejam em serviço e os que não se enquadrem nas hipóteses anteriores. § 1º Qualquer autoridade com responsabilidade territorial sobre o local da ocorrência que detectar o descumprimento do disposto nesta norma, por qualquer servidor público civil ou militar, deverá adotar as medidas que se fizerem necessárias para a indicação e responsabilização do servidor que 132


SNIPER POLICIAL QUEM AUTORIZA O DISPARO LETAL? UMA ANÁLISE JURÍDICA... contribuir para isto, até a chegada do representante da Instituição a que pertença, podendo, inclusive, agir em nome do Comandante-Geral da PMMG ou do Chefe da Polícia Civil. § 2º Responde, nos termos da lei, administrativa e criminalmente, o policial que de qualquer forma interferir, obstruir ou ainda omitir-se, no devido cumprimento do parágrafo anterior. § 3º O princípio do respeito mútuo será assegurado: I - mediante o contido nos artigos 8º e 9º desta Resolução; e II - pela possibilidade de que em toda ocorrência haja participação tanto da Polícia Militar quanto da Polícia Civil, atuando uma e outra em caráter principal ou de apoio, conforme seja competência da Polícia Militar ou da Polícia Civil a tomada de decisões. § 4º Considera-se tomada de decisões o ato de definir, com fundamento em competência legal de caráter constitucional, após ouvidas as autoridades co-participantes do local da ocorrência, qual medida será adotada. CAPÍTULO III DOS LIMITES DE ATUAÇÃO Seção I Da atuação em local de ocorrências Art. 8º Compete de forma integrada à Polícia Civil e à Polícia Militar a atuação nas seguintes ocorrências de alta complexidade: I - cujo autor encontre-se em estado de flagrante, com ou sem refém; II - nas situações de tomada de reféns em locais públicos ou privados, desde que caracterizado pelo menos em tese alguma conduta criminosa; III - de conflitos, desordens, rebeliões ou agitações em presídios, penitenciárias, cadeias públicas e outros estabelecimentos destinados ao cumprimento de penas de natureza criminal; e IV - nas demais ocorrências consideradas pela presente resolução de alto risco, de acordo com as normas administrativas de cada instituição.

Art. 9º A Unidade Policial que iniciar o atendimento destas ocorrências deverá adotar as providências necessárias mediante a complexidade da situação, 133


SNIPER POLICIAL QUEM AUTORIZA O DISPARO LETAL? UMA ANÁLISE JURÍDICA... convocando quando necessário, a Unidade especializada (GATE/GRE), sendo que o gerenciamento da situação será exercido pela Unidade especializada que primeiro chegar ao local. I - dentro dos princípios das ação tático a Unidade policial deverá averiguar o que realmente está ocorrendo ou ocorreu, contendo e isolando o local mediato e imediato, impedindo o envolvimento de pessoas estranhas ao fato e a saída dos envolvidos, preservando o local da ocorrência; II - no início à resposta imediata para a solução da crise, deverão ser adotadas todas as providências pertinentes à sua atuação, verificando a necessidade progressiva do uso da força, indo desde a presença policial à utilização da força letal, acionando, via CIAD, as Unidades especializadas; III - as demais Unidades policiais que chegarem ao local, de acordo com a necessidade progressiva do esforço policial, deverão tomar conhecimento dos fatos e atuar em cooperação com a Unidade Policial que iniciou a ocorrência, respeitando os limites e competências de cada Instituição, aproveitando a capacidade de cada policial envolvido na operação e observando a unidade de comando; e IV - em caso de atuação das Unidades especializadas, essas serão responsáveis pelo local imediato da ocorrência. Parágrafo único. As declarações à imprensa serão procedidas pelo profissional designado conjuntamente pelo CCI ou pelo GAR.

Art. 10. São proibidos o comparecimento e, no caso de primeiro contato com a ocorrência sem possuir em relação a ela vinculação funcional, a permanência no local da ocorrência de policiais estranhos à sua administração. Art. 11. O policial civil ou militar que, após a assunção do comando das operações pelo CCI, for encontrado no local da ocorrência de alto risco, sem possuir com os fatos uma ligação funcional decorrente das normas contidas nesta Resolução será colocado à disposição da Corregedoria da Polícia Civil ou Militar, conforme pertença àquela ou esta para a adoção das medidas administrativas ou penais cabíveis. Art. 12. O Comandante-Geral da PMMG e o Chefe da Polícia Civil cientificarão um ao outro, no prazo de cinco dias úteis, contados da data da verificação da irregularidade de que trata o artigo anterior, a providência adotada em relação ao aludido policial. 134


SNIPER POLICIAL QUEM AUTORIZA O DISPARO LETAL? UMA ANÁLISE JURÍDICA... Seção II Da realização de prisões Art. 13. Considera-se em flagrante delito, nos termos do art. 302 do CPP, quem: I - está cometendo a infração penal; II - acaba de cometê-la; III - é perseguido, logo após, pela autoridade, pelo ofendido ou por qualquer pessoa, em situação que faça presumir ser autor da infração; e IV - é encontrado, logo depois, com instrumentos, armas, objetos ou papéis que façam presumir ser ele autor da infração. Art.14. A prisão de pessoas que estejam no local da ocorrência ou em razão de ilícito a ela relativo deverá ser realizada pelo policial militar ou civil que primeiro a verificar, ou ainda, poderá ser efetuada por qualquer pessoa, nos termos do art. 301 do CPP, respeitadas, para fins de encaminhamento e apresentação à imprensa, as competências privativas definidas nesta Resolução.

CAPÍTULO IV DO GERENCIAMENTO DE OCORRÊNCIAS DE ALTO RISCO Seção I Da coordenação Art. 15. Será de forma coordenada a administração das operações no local da ocorrência, respeitadas as peculiaridades de emprego de cada organização, previstas nos arts. 8º e 9º. Art. 16. O gerenciamento da ocorrência de alto risco será realizado pelo CCI, no perímetro imediato de até cento e cinqüenta metros, definida segundo os critérios dos art. 8º e 9º, e pelo Policial Militar mais graduado da Polícia Militar com responsabilidade territorial sobre o caso, no perímetro mediato. Seção II Da atuação de Unidades Especializadas Art. 17. A intervenção policial de Unidades Especializadas, em ocorrências de alto risco condiciona-se ao seu acionamento pelo CIAD, conforme o caso se enquadre no art. 8º ou 9º, respectivamente, os quais, para esse fim, estarão agindo em nome do Chefe da Polícia Civil ou Comandante-Geral da PMMG.

135


SNIPER POLICIAL QUEM AUTORIZA O DISPARO LETAL? UMA ANÁLISE JURÍDICA... Parágrafo único. Nas ocorrências em estabelecimentos prisionais, o acionamento de Unidade Especializada deverá ocorrer após ouvido o representante da Superintendência de Administração Penitenciária, da SEDS, que possua responsabilidade funcional sobre o local. Art. 18. O não acionamento do CIAD pela autoridade com responsabilidade territorial ou seu representante, ou o não acionamento pelo CIAD, de Unidade Especializada para intervir em ocorrência típica de sua competência, implicará em responsabilidade administrativa da autoridade que deixar de fazê-lo, sem prejuízo das demais sanções de natureza penal. Seção III Do fluxo de informações com o GAR Art. 19. A responsabilidade funcional para prestação de informações ao GAR, em ocorrências cujos autor e/ou vítima não sejam policiais, será do CIAD, que poderá buscar maiores informações com o CCI. Parágrafo único. Nos demais casos, os titulares da Cia PM e Delegacia Distrital com responsabilidade territorial sobre o local da ocorrência deverão reportar-se ao Comandante de BPM ou Delegado Seccional ou Regional respectivo, para eventuais esclarecimentos. Art. 20. Nas ocorrências cujo autor e/ou vítima seja policial, a comunicação de que trata o parágrafo anterior será realizada diretamente ao CIAD e, dependendo da gravidade, ao próprio GAR, pela autoridade policial que primeiro chegar ao local do evento. Seção IV Da intervenção pelo GAR Art. 21. Na eventualidade de dúvidas sobre a competência para atuar na ocorrência ou a condição, principal ou subsidiária a ser nela exercida, a maior autoridade da organização policial que estiver em dúvida deverá reportar-se ao GAR. Art. 22. Para fins de condução das ocorrências de alto risco, ficam as autoridades mais graduadas atuantes no local da ocorrência subordinadas ao GAR, caso venham a ser acionados para intervir na sua condução. Art. 23. O GAR possui ascendência funcional sobre todos os integrantes da Polícia Civil e da PMMG, para os fins de tomada de decisão e realização de medidas capazes de reconduzir à normalidade o fato gerador da ocorrência.

136


SNIPER POLICIAL QUEM AUTORIZA O DISPARO LETAL? UMA ANÁLISE JURÍDICA... Art. 24. Para fins de controle, as comunicações recebidas e procedidas pelo GAR poderão ser gravadas, e serão, de qualquer modo, objeto de relatório circunstanciado reservado e a ser assinado pelas autoridades que o integrarem.

CAPÍTULO V DISPOSIÇÕES FINAIS E TRANSITÓRIAS Art. 25. Caberá ao CIAD providenciar a concretização do serviço a que se refere o art. 24. Art. 26. É de 24 horas do término da ocorrência, sob pena de responsabilização administrativa, o prazo para o encaminhamento, ao Comandante-Geral da PMMG e/ou Chefe da Polícia Civil, dos documentos atinentes ao envolvimento de policiais como autores, ou o relato de ação ou omissão que represente descumprimento de disposição desta Resolução. Art. 27. A Academia de Polícia Civil e a Academia de Polícia Militar deverão planejar conjuntamente, para início no segundo semestre de 2005, em caráter de prioridade, curso comum de treinamento policial básico para os integrantes das duas organizações, em cronograma que contemple inicialmente as Unidades Policiais Especializadas de Belo Horizonte, dos servidores que concorrem ao CCI, CIAD e das que integram o GAR. Parágrafo único. Para os treinamentos a que se refere o caput deste artigo, poderão ser convidados os representantes dos órgãos ou entidades cuja participação no GAR ou em comitês de gerenciamento de ocorrências de alto risco se mostre necessária. Art. 28. O contato com a imprensa, para os fins previstos no parágrafo único do art. 9º será realizado permanentemente, dentro do perímetro mediato, franqueando o acesso ao perímetro imediato, tão logo as condições de segurança o recomendem. Parágrafo único. A não observância desse perímetro por integrante da imprensa ou outra pessoa estranha ao gerenciamento direto da ocorrência, inclusive policiais civis e militares, no seu perímetro imediato, deverá ser objeto de exaustiva parlamentação, até o uso da força necessária e suficiente para impedir que o profissional coloque em risco a própria vida, a de terceiros e o sucesso da operação, sob pena de responsabilidade administrativa e penal.

137


SNIPER POLICIAL QUEM AUTORIZA O DISPARO LETAL? UMA ANÁLISE JURÍDICA... Art. 29. Expediente próprio deverá ser elaborado conjuntamente pelo Chefe do Estado Maior da Polícia Militar e a Superintendência Geral da Polícia Civil, nos 60 dias subseqüentes à publicação desta Resolução, para os órgãos/entidades que podem ser solicitados a comporem o GAR ou CCI, com fim de concretização dos objetivos e operacionalização desta norma, em especial à Procuradoria Geral de Justiça e ao Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais. Art. 30. Esta Resolução entra em vigor na data de sua publicação, revogando-se as disposições em contrário. Quartel do Comando Geral e Chefia da Polícia Civil em Belo Horizonte, aos 24 de junho de 2005. 217º da Inconfidência Mineira e 184º da Independência do Brasil.

(a) SÓCRATES EDGARD DOS ANJOS, CelPM Comandante-Geral

(a) Dr. OTTO TEIXEIRA FILHO Delegado Chefe da Polícia Civil

138


SNIPER POLICIAL QUEM AUTORIZA O DISPARO LETAL? UMA ANÁLISE JURÍDICA...

ANEXO II Lei delegada 117/07 de 25/01/07 Dispõe sobre a estrutura orgânica básica da Secretaria de Estado de Defesa Social - SEDS. O GOVERNADOR DO ESTADO, no uso da atribuição que lhe confere o inciso IX do art. 90 da Constituição do Estado e tendo em vista o disposto na Resolução nº 5.294, de 15 de dezembro de 2006, da Assembléia Legislativa do Estado de Minas Gerais, decreta a seguinte Lei Delegada: CAPÍTULO I DISPOSIÇÕES PRELIMINARES Art. 1º A Secretaria de Estado de Defesa Social, de que trata o inciso IV do art. 19 da Lei Delegada nº 112, de 25 de janeiro de2007, tem sua estrutura orgânica básica definida nesta Lei Delegada. Parágrafo único. Para os efeitos desta Lei Delegada, a expressão "Secretaria de Estado de Defesa Social", o termo"Secretaria" e a sigla "SEDS" se equivalem. CAPÍTULO II DA FINALIDADE E DA COMPETÊNCIA Art. 2º A Secretaria de Estado de Defesa Social - SEDS – tem por finalidade planejar, organizar, coordenar, articular, avaliar e otimizar as ações operacionais do sistema de defesa social,visando à promoção da segurança da população, competindo-lhe: I - coordenar as políticas estaduais de segurança pública, elaborando-as e executando-as em conjunto com a Polícia Militar, a Polícia Civil, o Corpo de Bombeiros Militar, a Defensoria Pública e entidades da sociedade civil organizada; II - articular e otimizar o emprego dos recursos orçamentários e financeiros despendidos na operacionalização do sistema de defesa social; III - elaborar, coordenar e administrar a política prisional, por meio da custódia dos indivíduos privados de liberdade,promovendo condições efetivas para sua reintegração social,mediante a gestão direta e mecanismos de co-gestão; IV - elaborar, coordenar e administrar a política de atendimento às medidas socioeducativas, por meio da gestão das medidas privativas de liberdade, articuladas com o fomento e o apoio às medidas em meio aberto, visando a

139


SNIPER POLICIAL QUEM AUTORIZA O DISPARO LETAL? UMA ANÁLISE JURÍDICA... proporcionar ao adolescente em conflito com a lei meios efetivos para sua ressocialização; V - elaborar, executar e coordenar a seleção, a formação e a capacitação do corpo funcional das unidades prisionais e socioeducativas; VI - elaborar, implementar e avaliar políticas de prevenção social à criminalidade, articulando ações com a sociedade civil e o poder público; VII - articular e coordenar as ações de integração dos órgãos de defesa social, em especial no âmbito da gestão da informação e do planejamento operacional; VIII - articular e coordenar as políticas de ensino, correição e qualidade da atuação dos órgãos de defesa social; IX - articular, coordenar e consolidar as informações de inteligência no sistema de defesa social; X - exercer atividades correlatas. CAPÍTULO III DA ESTRUTURA ORGÂNICA BÁSICA Art. 3º A Secretaria de Estado de Defesa Social tem a seguinte estrutura orgânica básica: I - Gabinete; II - Assessoria de Apoio Administrativo; III - Assessoria de Comunicação Social; IV - Assessoria Jurídica; V - Assessoria de Representação Interinstitucional; VI - Auditoria Setorial; VII - Corregedoria; VIII - Gabinete Integrado de Segurança Pública; IX - Assessoria de Consolidação de Informações de Inteligência do Sistema de Defesa Social; X - Superintendência de Prevenção à Criminalidade; XI - Superintendência de Integração do Sistema de Defesa Social; XII - Superintendência de Avaliação e Qualidade da Atuação do Sistema de Defesa Social;

140


SNIPER POLICIAL QUEM AUTORIZA O DISPARO LETAL? UMA ANÁLISE JURÍDICA... XIII - Escola de Formação e Aperfeiçoamento do Sistema Prisional e Socioeducativo; XIV - Subsecretaria de Administração Prisional: a) Assessoria de Inteligência; b) Superintendência de Segurança Prisional; c) Superintendência de Atendimento ao Preso; d) Superintendência de Articulação Institucional e Gestão de Vagas; e) Unidades Prisionais; XV - Subsecretaria de Atendimento às Medidas Socioeducativas: a) Superintendência de Gestão das Medidas de Meio Aberto e Articulação da Rede Socioeducativa; b) Superintendência de Gestão das Medidas de Privação de Liberdade; c) Unidades Socioeducativas; XVI - Subsecretaria de Inovação e Logística do Sistema de Defesa Social: a) Superintendência de Infra-Estrutura; b) Superintendência de Planejamento, Orçamento e Finanças; c) Superintendência de Logística e Recursos Humanos. Parágrafo único. As finalidades, as competências e as atribuições das unidades previstas neste artigo, assim como a sua estrutura orgânica complementar, serão estabelecidas em decreto.

Seção I Das Unidades Prisionais Art. 4º Integram a estrutura orgânica básica da Secretaria de Estado de Defesa Social, subordinadas à Subsecretaria de Administração Prisional, as seguintes unidades prisionais: I - Casa do Albergado José de Alencar Rogêdo, no Município de Juiz de Fora; II - Casa do Albergado Presidente João Pessoa, no Município de Belo Horizonte; III - Cadeia Pública de Nova Serrana, que passa a ser denominada Presídio de Nova Serrana, no Município de Nova Serrana; IV - Cadeia Pública de Pedro Leopoldo, que passa a ser denominada Presídio de 141


SNIPER POLICIAL QUEM AUTORIZA O DISPARO LETAL? UMA ANÁLISE JURÍDICA... Pedro Leopoldo, no Município de Pedro Leopoldo; V - Cadeia Pública de Viçosa, que passa a ser denominada Presídio de Viçosa, no Município de Viçosa; VI - Presídio Doutor Carlos Vitoriano, no Município de Araçuaí; VII - Cadeia Pública de São Lourenço, que passa a ser denominada Presídio de São Lourenço, no Município de São Lourenço. Parágrafo único. As unidades prisionais de que trata este artigo correspondem ao perfil denominado Unidades Prisionais de Pequeno Porte, assim consideradas as unidades existentes ou que vierem a ser criadas, com capacidade para até noventa e nove presos. Art. 5º Integram a estrutura orgânica básica da Secretaria de Estado de Defesa Social, subordinadas à Subsecretaria de Administração Prisional, as seguintes unidades prisionais: I - Penitenciária Nossa Senhora do Carmo, que passa a ser denominada Complexo Penitenciário Nossa Senhora do Carmo, no Município de Carmo do Paranaíba; II - Complexo Penitenciário Feminino Estevão Pinto, no Município de Belo Horizonte; III - Penitenciária Teófilo Otoni, que passa a ser denominada Penitenciária de Teófilo Otoni, no Município de Teófilo Otoni; IV - Penitenciária José Edson Cavalieri, no Município de Juiz de Fora; V - Cadeia Pública de Governador Valadares, que passa a ser denominada Presídio de Governador Valadares, no Município de Governador Valadares; VI - Presídio de Vespasiano, no Município de Vespasiano; VII - Penitenciária José Abranches Gonçalves, que passa a ser denominada Presídio Feminino José Abranches Gonçalves, no Município de Ribeirão das Neves; VIII - Presídio Floramar, no Município de Divinópolis; IX - Presídio Irmãos Naves, que passa a ser denominado Presídio de Araguari, no Município de Araguari; X - Presídio Sebastião Satiro, no Município de Patos de Minas; XI - Centro de Remanejamento da Segurança Pública/Gameleira,que passa a ser denominado Centro de Remanejamento do Sistema Prisional de Belo Horizonte - I, no Município de Belo Horizonte;

142


SNIPER POLICIAL QUEM AUTORIZA O DISPARO LETAL? UMA ANÁLISE JURÍDICA... XII - Doutor Pio Canêdo, que passa a ser denominado Complexo Penitenciário Doutor Pio Canêdo, no Município de Pará de Minas; XIII - Penitenciária Agostinho de Oliveira Júnior, no Município de Unaí; XIV - Penitenciária de Segurança Máxima de Francisco Sá, que passa a ser denominada Penitenciária de Francisco Sá, no Município de Francisco Sá; XV - Penitenciária de Três Corações, no Município de Três Corações; XVI - Penitenciária Dênio Moreira de Carvalho, no Municípiode Ipaba; XVII - Penitenciária Regional de Patrocínio, que passa a ser denominada Penitenciária Deputado Expedito de Faria Tavares, no Município de Patrocínio; XVIII - Penitenciária Doutor Manoel Martins Lisboa Júnior, no Município de Muriaé; XIX - Penitenciária Francisco Floriano de Paula, no Município de Governador Valadares; XX - Penitenciária Professor Aluízio Ignácio de Oliveira, no Município de Uberaba; XXI - Penitenciária Professor Ariosvaldo de Campos Pires, no Município de Juiz de Fora; XXII - Penitenciária Professor Jason Soares de Albergaria, no Município de São Joaquim de Bicas; XXIII - Penitenciária Professor João Pimenta da Veiga, no Município de Uberlândia; XXIV - Presídio de Sete Lagoas, no Município de Sete Lagoas. Parágrafo único. As unidades prisionais de que trata este artigo correspondem ao perfil denominado Unidades Prisionais de Médio Porte, assim consideradas as unidades existentes ou que vierem a ser criadas, com capacidade para receber entre cem e sete centos e noventa e nove presos. Art. 6º Integram a estrutura orgânica básica da Secretaria de Estado de Defesa Social, subordinadas à Subsecretaria de Administração Prisional, as seguintes unidades prisionais: I - Penitenciária Nelson Hungria,que passa a ser denominada Complexo Penitenciário Nelson Hungria, no Município de Contagem; II - Penitenciária José Maria Alkmin, no Município de Ribeirão das Neves; III - Casa de Detenção Antônio Dutra Ladeira, que passa a ser denominada Presídio Antônio Dutra Ladeira, no Município de Ribeirão das Neves; IV - Presídio de São Joaquim de Bicas, no Município de SãoJoaquim de Bicas; 143


SNIPER POLICIAL QUEM AUTORIZA O DISPARO LETAL? UMA ANÁLISE JURÍDICA... V - Presídio Regional Inspetor José Martinho Drumond, que passa a ser denominado Presídio Inspetor José Martinho Drumond, no Município de Ribeirão das Neves; VI - Presídio Professor Jacy de Assis, no Município de Uberlândia. Parágrafo único. As unidades prisionais de que trata este artigo correspondem ao perfil denominado Unidades Prisionais de Grande Porte, assim consideradas as unidades existentes ou que vierem a ser criadas, com capacidade para receber a partir de oitocentos presos.

Art. 7º Integram a estrutura orgânica básica da Secretaria de Estado de Defesa Social, subordinadas à Subsecretaria de Administração Prisional, as seguintes unidades prisionais de perícia e atendimento médico: I - Centro de Apoio Geral São Francisco, que passa a ser denominado Centro de Apoio Médico e Pericial, no Município de Ribeirão das Neves; II - Hospital de Toxicômanos Padre Wilson Vale da Costa, no Município de Juiz de Fora; III - Hospital Psiquiátrico Judiciário Jorge Vaz, no Município de Barbacena. Parágrafo único. As unidades prisionais de que trata este artigo correspondem ao perfil denominado Unidades Prisionais de Perícia e Atendimento Médico, assim consideradas as unidades existentes ou que vierem a ser criadas com a finalidade de realizar perícia e atendimento médico. Seção II Das Unidades Socioeducativas Art. 8º Integram a estrutura orgânica básica da Secretaria de Estado de Defesa Social, subordinadas à Subsecretaria de Atendimento às Medidas Socioeducativas, os seguintes Centros Socioeducativos: I - Centro Sócioeducativo Santa Terezinha, no Município de Belo Horizonte; II - Centro de Reeducação Social São Jerônimo, no Município de Belo Horizonte; III - Centro de Internação Provisória Dom Bosco, no Município de Belo Horizonte; IV - Centro de Internação Provisória São Benedito, no Município de Belo Horizonte; V - Centro Socioeducativo Santa Clara, no Município de Belo Horizonte; VI - Centro Socioeducativo Santa Helena, no Município de Belo Horizonte; 144


SNIPER POLICIAL QUEM AUTORIZA O DISPARO LETAL? UMA ANÁLISE JURÍDICA... VII - Centro Socioeducativo de Sete Lagoas, no Município de Sete Lagoas; VIII - Centro Socioeducativo São Cosme, no Município de Teófilo Otoni; IX - Centro Socioeducativo São Francisco de Assis, no Município de Governador Valadares; X - Centro Socioeducativo Nossa Senhora Aparecida, no Município de Montes Claros; XI - Centro Socioeducativo de Divinópolis, no Município de Divinópolis; XII - Centro Socioeducativo de Uberlândia, no Município de Uberlândia; XIII - Centro Socioeducativo de Juiz de Fora, no Município de Juiz de Fora.

CAPÍTULO IV DA ÁREA DE COMPETÊNCIA Art. 9º Integram a área de competência da Secretaria deEstado de Defesa Social: I - o Colegiado de Integração do Sistema de Defesa Social; II - o Colegiado de Corregedorias do Sistema de DefesaSocial; III - o Conselho de Criminologia e Política Criminal; IV - o Conselho Penitenciário Estadual; V - o Conselho Estadual de Trânsito. § 1º A instalação de unidades descentralizadas do Conselho Penitenciário Estadual será determinada por decreto, atendidos os critérios de oportunidade e necessidade. § 2º Ao Conselho Estadual de Trânsito compete a coordenação do sistema estadual de trânsito e o julgamento de recursos administrativos, nos termos da legislação em vigor. § 3º A presidência do Conselho Estadual de Trânsito cabe ao Secretário de Estado de Defesa Social, sendo passível de delegação.

Art. 10. A Polícia Militar, a Polícia Civil, o Corpo de Bombeiros Militar e a Defensoria Pública do Estado de Minas Gerais subordinam-se ao Governador do Estado, integrando, para fins operacionais, a Secretaria de Estado de Defesa Social.

145


SNIPER POLICIAL QUEM AUTORIZA O DISPARO LETAL? UMA ANÁLISE JURÍDICA... CAPÍTULO V DISPOSIÇÕES FINAIS Art. 11. Fica o Poder Executivo autorizado a criar até quarenta unidades prisionais e até sete unidades sócio-educativas no período de 2007 a 2010. Parágrafo único. A denominação e a organização das unidades prisionais e das unidades sócio-educativas referidas no caput serão estabelecidas em regulamento. Art. 12 O parágrafo único do art. 2º da Lei nº 16.301, de 7agosto de 2006, que disciplina a criação de cães das raças que especifica e dá outras providências, passa a vigorar com a seguinte redação: "Art.2º................................ Parágrafo único. O registro de que trata o caput será feito pelo Corpo de Bombeiros Militar de Minas Gerais, que será competente para a operacionalização do disposto nesta Lei." Art. 13. A Secretaria de Estado de Defesa Social é o órgão gestor do Fundo Penitenciário Estadual. Art. 14. Fica revogada a Lei Delegada nº 56, de 29 de janeiro de 2003. Art. 15. Esta Lei Delegada entra em vigor na data de sua publicação. Palácio da Liberdade, em Belo Horizonte, aos 25 de janeiro de2007; 219º da Inconfidência Mineira e 186º da Independência do Brasil. Aécio Neves - Governador do Estado.

146


SNIPER POLICIAL QUEM AUTORIZA O DISPARO LETAL? UMA ANÁLISE JURÍDICA...

ANEXO III LEI Nº 9.614, DE 5 DE MARÇO DE 1998 Altera a Lei 7.565, de 19 de dezembro de 1986, para incluir hipótese destruição de aeronave.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA ,Faço saber que o CONGRESSO NACIONAL decreta e eu sanciono a seguinte Lei: Art. 1º O art. 303 da Lei 7.565, de 19 de dezembro de 1986, passa a vigorar acrescido de um parágrafo, numerado como § 2º, renumerando-se o atual § 2º como § 3º, na forma seguinte: "Art. 303. ..................................................................................... ........................................................................................................ § 2º Esgotados os meios coercitivos legalmente previstos, a aeronave será classificada como hostil, ficando sujeito à medida de destruição, nos casos dos incisos do caput deste artigo e após autorização do Presidente da República ou autoridade por ele delegada. § 3º A autoridade mencionada no § 1º responderá por seus atos quando agir com excesso de poder ou com espírito emulatório."

Art. 2º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

Brasília, 5 de março de 1998; 177º da Independência e 110º da República. FERNANDO HENRIQUE CARDOSO Iris Rezende Lelio Viana Lobo

147


SNIPER POLICIAL QUEM AUTORIZA O DISPARO LETAL? UMA ANÁLISE JURÍDICA...

148


SNIPER POLICIAL QUEM AUTORIZA O DISPARO LETAL? UMA ANÁLISE JURÍDICA...

ANEXO IV DECRETO Nº 5.144, DE 16 DE JULHO DE 2004 Regulamenta os §§ 1o, 2o e 3o do art. 303 da Lei no 7.565, de 19 de dezembro de 1986, que dispõe sobre o Código Brasileiro de Aeronáutica, no que concerne às aeronaves hostis ou suspeitas de tráfico de substâncias entorpecentes e drogas afins. O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, no uso da atribuição que lhe confere o art. 84, inciso IV, da Constituição, e tendo em vista o disposto nos §§ 1o, 2o e 3o do art. 303 da Lei no 7.565, de 19 de dezembro de 1986, DECRETA: Art. 1º Este Decreto estabelece os procedimentos a serem seguidos com relação a aeronaves hostis ou suspeitas de tráfico de substâncias entorpecentes e drogas afins, levando em conta que estas podem apresentar ameaça à segurança pública. Art. 2º Para fins deste Decreto, é considerada aeronave suspeita de tráfico de substâncias entorpecentes e drogas afins aquela que se enquadre em uma das seguintes situações: I - adentrar o território nacional, sem Plano de Vôo aprovado, oriunda de regiões reconhecidamente fontes de produção ou distribuição de drogas ilícitas; ou II - omitir aos órgãos de controle de tráfego aéreo informações necessárias à sua identificação, ou não cumprir determinações destes mesmos órgãos, se estiver cumprindo rota presumivelmente utilizada para distribuição de drogas ilícitas. Art. 3º As aeronaves enquadradas no art. 2o estarão sujeitas às medidas coercitivas de averiguação, intervenção e persuasão, de forma progressiva e sempre que a medida anterior não obtiver êxito, executadas por aeronaves de interceptação, com o objetivo de compelir a aeronave suspeita a efetuar o pouso em aeródromo que lhe for indicado e ser submetida a medidas de controle no solo pelas autoridades policiais federais ou estaduais. § 1º As medidas de averiguação visam a determinar ou a confirmar a identidade de uma aeronave, ou, ainda, a vigiar o seu comportamento, consistindo na aproximação ostensiva da aeronave de interceptação à aeronave interceptada, com a finalidade de interrogá-la, por intermédio de comunicação via rádio ou sinais visuais, de acordo com as regras de tráfego aéreo, de conhecimento obrigatório dos aeronavegantes.

149


SNIPER POLICIAL QUEM AUTORIZA O DISPARO LETAL? UMA ANÁLISE JURÍDICA... § 2º As medidas de intervenção seguem-se às medidas de averiguação e consistem na determinação à aeronave interceptada para que modifique sua rota com o objetivo de forçar o seu pouso em aeródromo que lhe for determinado, para ser submetida a medidas de controle no solo. § 3º As medidas de persuasão seguem-se às medidas de intervenção e consistem no disparo de tiros de aviso, com munição traçante, pela aeronave interceptadora, de maneira que possam ser observados pela tripulação da aeronave interceptada, com o objetivo de persuadi-la a obedecer às ordens transmitidas. Art. 4º A aeronave suspeita de tráfico de substâncias entorpecentes e drogas afins que não atenda aos procedimentos coercitivos descritos no art. 3º será classificada como aeronave hostil e estará sujeita à medida de destruição. Art. 5º A medida de destruição consiste no disparo de tiros, feitos pela aeronave de interceptação, com a finalidade de provocar danos e impedir o prosseguimento do vôo da aeronave hostil e somente poderá ser utilizada como último recurso e após o cumprimento de todos os procedimentos que previnam a perda de vidas inocentes, no ar ou em terra. Art. 6º A medida de destruição terá que obedecer às seguintes condições: I - emprego dos meios sob controle operacional do Comando de Defesa Aeroespacial Brasileiro - COMDABRA; II - registro em gravação das comunicações ou imagens da aplicação dos procedimentos; III - execução por pilotos e controladores de Defesa Aérea qualificados, segundo os padrões estabelecidos pelo COMDABRA; IV - execução sobre áreas não densamente povoadas e relacionadas com rotas presumivelmente utilizadas para o tráfico de substâncias entorpecentes e drogas afins; e V - autorização do Presidente da República ou da autoridade por ele delegada. Art. 7º O teor deste Decreto deverá ser divulgado, antes de sua vigência, por meio da Publicação de Informação Aeronáutica (AIP Brasil), destinada aos aeronavegantes e de conhecimento obrigatório para o exercício da atividade aérea no espaço aéreo brasileiro. Art. 8º As autoridades responsáveis pelos procedimentos relativos à execução da medida de destruição responderão, cada qual nos limites de suas atribuições, pelos seus atos, quando agirem com excesso ou abuso de poder. 150


SNIPER POLICIAL QUEM AUTORIZA O DISPARO LETAL? UMA ANÁLISE JURÍDICA... Art. 9º Os procedimentos previstos neste Decreto deverão ser objeto de avaliação periódica, com vistas ao seu aprimoramento. Art. 10. Fica delegada ao Comandante da Aeronáutica a competência para autorizar a aplicação da medida de destruição. Art. 11. O Ministério da Defesa, por intermédio do Comando da Aeronáutica, deverá adequar toda documentação interna ao disposto neste Decreto. Art. 12. Este Decreto entra em vigor noventa dias após a data de sua publicação.

Brasília, 16 de julho de 2004; 183o da Independência e 116o da República. LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA Márcio Thomaz Bastos José Viegas Filho Celso Luiz Nunes Amorim Jorge Armando Felix

151


SNIPER POLICIAL QUEM AUTORIZA O DISPARO LETAL? UMA ANÁLISE JURÍDICA...

152


SNIPER POLICIAL QUEM AUTORIZA O DISPARO LETAL? UMA ANÁLISE JURÍDICA...

DADOS DO AUTOR Gilmar Luciano Santos é Capitão da Polícia Militar de Minas Gerais (PMMG), bacharel em Ciências Militares pela Academia de Polícia Militar de Minas Gerais, trabalhou por sete anos no Grupo de Ações Táticas Especiais (GATE), no qual atuou como negociador em ocorrências com reféns localizados durante cinco anos. Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas G erais ( PU C Minas ) , especialista em Direito Público pela Associação Nacional dos Magistrados Estaduais (Anamages), Especialista em Segurança Pública pela Fundação João Pinheiro / Academia da Polícia Militar e mestrando em Filosofia pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), é professor de Direito Penal, Direito Processual Penal e Direito Constitucional. Professor de oratória e criador do Centro de Oratória Gilmar Luciano, prepara os alunos para sustentações orais, entrevistas, palestras e seminários utilizando as ferramentas da Programação Neurolinguística e Psicanálise. Trabalha como consultor nas áreas de defesa pessoal, chefia e liderança, motivação e sucesso, atendimento ao cliente e em gerenciamento de crises. Gilmar Luciano Santos é também autor de:  Como vejo a crise: gerenciamento de ocorrências policiais de alta complexidade (livro);  Negociação em Ocorrências de Alta Complexidade (livro);  Liberte-se do medo de falar em público e das demais fobias (DVD);  O Direito para a prática policial (DVD);  Curso de oratória (DVD). 153


Apoio:


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.