Ribeirão Preto: da Figueira à Barra do Retiro

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Jose Antonio Lages

RIBEIRÃO PRETO: DA FIGUEIRA À BARRA DO RETIRO 2ª edição


Lages, Jose Antonio Ribeirão Preto: da Figueira à Barra do Retiro – povoamento da região por enttrantes mineiros na primeira metade do século XIX / Jose Antonio Lages. São Paulo – SP - Nelpa, 2010. Conteúdo: História 1. Povoamento do sertão Paulista - Brasil 2. Brasil - História: expansão territorial 3. Entrantes Mineiros - Brasil - Demografia Histórica 4. São Paulo (Estado) - História 5. Ribeirão Preto (região) - História Índices para catálogo sistemático 1. Brasil: Entrantes Mineiros: povoamento do Sertão Paulista: História 2. Entrantes Mineiros: povoamento do interior paulista: História Coordenação Editorial: Fernando Rafael L Dower Capa, Projeto Gráfico e Diagramação: Equipe Editora Nelpa: Fernando Dower e Pedro Rueda NELPA - L. DOWER EDIÇÕES JURÍDICAS LTDA. R. Dr. Barros Cruz, 63 - V. Mariana – 04118-130 – São Paulo – SP Tel.: 11 5549 8254 / 3854 5495 – Fax: 11 3854 5496 Sac@nelpa.com.br – www.nelpa.com.br


SUMÁRIO INTRODUÇÃO ..................................................................................................11 CAPÍTULO I ......................................................................................................20 A POPULAÇÃO EXÍGUA E RAREFEITA DO SERTÃO DESCONHECIDO 1. O CAMINHO DE GOIÁS....................................................................21 1.1. As sesmarias ....................................................................................25 1.2. Os registros .......................................................................................38 2. POUSOS E SÍTIOS DO CAMINHO E DO SEU SERTÃO: FLUIDEZ E DISPERSÃO DE UMA POPULAÇÃO ...................................................41 2.1. Os censos populacionais...................................................................45 2.2. Registros eclesiásticos ......................................................................55 CAPÍTULO II .....................................................................................................64 ESGOTAMENTO DAS MINAS DE OURO E REORGANIZAÇÃO DA ECONOMIA SUL MINEIRA 1. DECADÊNCIA MINEIRA NO SÉCULO XIX: MITO E REALIDADE....66 2. EXPANSÃO DE UMA ECONOMIA MERCANTIL ESCRAVISTA .......71 3. DISPERSÃO E FIXAÇÃO DA POPULAÇÃO .....................................87 3.1. A abertura de estradas ......................................................................91 3.2. A pressão demográfica sobre a terra ................................................93 3.3. A proletarização do homem livre: outra hipótese ..............................95 CAPÍTULO III ....................................................................................................99 ENTRE O PARDO E O MOJIGUAÇU: O POVOAMENTO DA FREGUESIA DE CASA BRANCA A PARTIR DE 1814 1. QUESTÕES DE FRONTEIRA SÃO PAULO-MINAS TENDO EM VISTA A PRESSÃO MIGRATÓRIA .....................................................100 2. CAMINHOS E ROTEIROS DA MIGRAÇÃO....................................105 3. CRESCIMENTO DEMOGRÁFICO A PARTIR DA EXPANSÃO MINEIRA..............................................................................................110 4. PROCEDÊNCIA MINEIRA DE GRANDE PARTE DA POPULAÇÃO .............................................................................................................114 5. OCUPAÇÕES DESSA POPULAÇÃO .............................................120


6. ORGANIZAÇÃO DAS SOCIABILIDADES NO ANTIGO SERTÃO .. 122 CAPÍTULO IV.................................................................................................. 131 FORMAÇÃO FUNDIÁRIA E DEMOGRÁFICA DE RIBEIRÃO PRETO: ESTUDO DE CASO 1. A CONQUISTA DA TERRA E SUA POPULAÇÃO INICIAL ............ 131 1.1. Simão da Silva Teixeira ................................................................... 133 1.2. A Fazenda Figueira ......................................................................... 139 1.3. Dias Campos e Reis de Araújo na Fazenda Rio Pardo................... 142 2. FAZENDAS E FAZENDEIROS........................................................ 155 2.1. Fazenda do Ribeirão Preto Abaixo ou Pontinha do Ribeirão Preto ou simplesmente Pontinha .......................................................................... 155 2.2. Fazenda Braço Direito do Ribeirão Preto ou Laureano ................... 157 2.3. Fazenda das Palmeiras ................................................................... 160 2.4. Fazenda do Ribeirão Preto Acima ou Retiro do Ribeirão Preto ou simplesmente Retiro ............................................................................... 164 2.5. Fazenda Barra do Retiro ................................................................. 167 2.6. Fazenda Cabeceiras do Ribeirão Preto .......................................... 170 2.7. Fazenda do Tamanduá ................................................................... 171 2.8. Fazenda Figueira/Esgoto ................................................................ 171 2.9. Fazenda dos Cravinhos................................................................... 173 3. AS PRIMEIRAS FAMÍLIAS .............................................................. 175 3.1. Reis de Araújo ................................................................................. 175 3.2. Borges da Costa .............................................................................. 191 3.3. Alves da Silva .................................................................................. 212 3.4. Bezerra Cavalcanti e Bezerra dos Reis ........................................... 222 3.5. Nazareth de Azevedo ...................................................................... 233 3.6. Soares de Castilho .......................................................................... 238 4. A FORMAÇÃO DO PATRIMÔNIO ECLESIÁSTICO DE SÃO SEBASTIÃO ........................................................................................ 243 4.1. A lei de terras de 1850 e a legalização da posse ............................ 243 4.2. As doações de terras para a formação do patrimônio de São


Sebastião do Ribeirão Preto...................................................................245 4.3. Quando São Sebastião foi indiciado por falta de pagamento do imposto ...................................................................................................255 4.4. A conjugação de interesses para a construção da capela ........... Erro! Indicador não definido. 5. CRESCIMENTO POPULACIONAL NO ALVORECER DO ARRAIAL DE SÃO SEBASTIÃO ..........................................................................272 5.1. Uma avaliação indireta pelas listas de qualificação de eleitores .....272 5.2. Nos registros de batismo, um crescimento acelerado .....................279 5.3. O arraial de São Sebastião em 1857: uma sociedade de plantadores e criadores .................................................................................................284 5.4. Da capela à freguesia......................................................................287 5.5. Da freguesia à ferrovia (1870-1883): Ribeirão Preto torna-se frente pioneira na expansão da cafeicultura .....................................................296 CONCLUSÕES .............................................................................................2985 FONTES DOCUMENTAIS E REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................300 FONTES MANUSCRITAS ...................................................................300 FONTES IMPRESSAS ........................................................................303 BIBLIOGRAFIA...............................................................................................303 A N E X O S ....................................................................................................300


PREFÁCIO À 1ª EDIÇÃO

Mildred Regina Gonçalves*

Os estudos históricos regionais, via de regra, produzidos pelos memorialistas locais, só recentemente têm sido utilizados pela historiografia contemporânea, dentro de uma perspectiva em que transparece preocupação analítica e interpretativa. As histórias locais, as micro-histórias, antes confinadas aos acervos municipais, vêm revelando novos enfoques e novas abordagens, abrindo um novo campo de investigação marcado pelo vigor e pelo método. É, pois, este o ineditismo deste livro, que originalmente foi uma dissertação de mestrado do autor dentro do programa de Pós-Graduação em História da Faculdade de História, Direito e Serviço Social, UNESP - campus de Franca, sob o título "O povoamento da Mesopotâmia Pardo-Mojiguaçu por correntes migratórias mineiras: o caso de Ribeirão Preto (1834-1883)". O autor dedicou-se exaustivamente às fontes arquivistas da região, restringindo-se à área limitada pelos rios Pardo e Mojiguaçu, a oeste do Caminho dos Goiases, a qual denominou Mesopotâmia Pardo-Mojiguaçu. Assim, após quatro anos de pesquisa (1991-1995), o autor conseguiu descortinar a realidade econômica e social que deu origem àquelas correntes migratórias a partir de uma revisão crítica da produção bibliográfica sobre o tema. Em relação às fontes impressas e manuscritas, utilizou os maços de população do Arquivo do Estado, referentes ao Caminho dos Goiases (termos de Mojiguaçu e Mojimirim), de Casa Branca e São Simão, bem como os registros paroquiais, inventários e demarcações de terras da mesma região. Acreditamos que esta publicação vem ao encontro das expectativas de pesquisadores, professores, estudantes e segmentos culturais comprometidos com a historiografia regional. Por se tratar de abordagem inserida em campo de investigação ainda recente, o tema em parte se reveste de peculiaridades extremamente relevantes para os estudiosos de história regional. Sua importância acadêmico-científica proporcionará aos novos pesquisadores uma contribuição notável para estudos das cidades, numa visão não fragmentada, mas conjunta e imprescindível para a identidade histórica da região como um todo. Mildred Regina Gonçalves, Profª. Dra. do Departamento de Estudos Históricos Básicos FHDSS - UNESP – Franca Setembro de 1996


PREFÁCIO À 2ª EDIÇÃO Lilian Rodrigues de Oliveira Rosa* Em carta para Godofredo Rangel, de 1907, Monteiro Lobato caracterizou Ribeirão Preto como uma cidade que o café criou da noite para o dia, “com pronunciado sabor de riqueza latente”, onde tudo era diverso das velhas São Paulo e Minas. “Ninguém mora”, afirmava o escritor, “apenas estaciona para ganhar dinheiro.”1 Lobato deitou seu olhar sobre a pujança do café, como o fizeram outros que passaram pela região no início do século XX. Observaram a velocidade da transformação econômica, o amplo processo migratório, os novos costumes, trazidos da velha Europa e transformados ao gosto do cafeicultor do interior. Contudo, foram incapazes de observar mais profundamente um processo histórico complexo, do qual o café era apenas uma fase, que mesmo duradoura, não fornecia grande parte dos elementos necessários para a compreensão da formação sócio-econômica de Ribeirão Preto. Buscar as raízes desse processo demanda uma compreensão da interiorização do Brasil, no final dos seiscentos. Mas, sobretudo, da desarticulação da economia mineira ao longo da segunda metade dos setecentos, responsável pela formação de uma área dispersora de migrantes, que buscaram novas fronteiras, terras ainda não ocupadas, nas quais pudessem se estabelecer. Seguindo o caminho inverso dos Anhangueras, essa leva migratória atravessou o rio Grande e foi se fixando ao longo do caminho. No início do século XIX, esses “entrantes mineiros” se estabeleceram na área entre os rios Pardo e Moji, onde hoje, localiza-se a região de Ribeirão Preto, tomando posse de amplas terras, onde praticavam uma policultura, ora de subsistência, ora mercantil, e a criação de gado. Com o crescimento populacional e as constantes mudanças econômicas, as grandes fazendas passaram por sucessivas divisões, permeadas por ações judiciais e por uma ampla rede de parentesco, que juntas, paulatinamente, formaram uma estrutura social de base essencialmente agrária.

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LOBATO, Monteiro. A Barca de Gleyre. São Paulo: Brasiliense, 1964, 2t.


A obra que agora tenho o prazer de prefaciar, a esperada segunda edição do livro “Da Figueira à Barra do Retiro”, escrito pelo profº. Ms. José Antônio Lages, amigo, colega de profissão e por quem nutro grande estima, assumiu por missão o que poucos trabalhos tiveram a têmpera para enfrentar: lançar um olhar profundo para além do café; compreender, a partir da história demográfica e regional, a formação social, econômica e fundiária da região ribeiropretana. Reunindo qualidades inerentes a uma grande obra de caráter científico: uma metodologia de pesquisa impecável, dados inéditos, colhidos em uma exaustiva pesquisa em vários arquivos, e uma densa análise da documentação, esta obra, em sua segunda edição, amplamente revisada, torna-se referência bibliográfica essencial. Não somente para pesquisadores que tratem da História de Ribeirão Preto e região, mas para todos aqueles que não se contentam em “apenas estacionar” nesta cidade, satisfazendo-se com as suas facetas mais conhecidas, mas, que fundamentalmente, interessam-se pelas raízes formadoras da nossa região.

Lilian Rodrigues de Oliveira Rosa, Doutoranda e mestre em História pela UNESP-Franca, docente e coordenadora dos cursos de História e de Geografia do Centro Universitário Barão de Mauá, Chefe de Divisão de Preservação do Patrimônio Histórico-Cultural de Ribeirão Preto. julho de 2009


INTRODUÇÃO Ao pesquisarmos a corrente migratória mineira, responsável pelo povoamento de amplas áreas do oeste brasileiro, particularmente do denominado “Oeste Paulista”, não ficamos restritos a estreitos marcos quantitativos de uma Demografia Histórica. Fomos buscar nas transformações por que passava a economia da transição mineração/cafeicultura, o eixo explicativo para aquele fluxo populacional que se deslocou principalmente do sul de Minas para a mesopotâmia formada pelos rios Pardo e Mojiguaçu, especificamente na província de São Paulo. Pretendemos, pois, articular o movimento de uma “economia mercantil de subsistência” no centro sul do Brasil, nas três primeiras décadas do século XIX, com a dispersão demográfica provocada pelo esgotamento das lavras de ouro/consolidação de uma agropecuária de mercado interno na província de Minas Gerais. Em relação ao quadro teórico com que pretendemos trabalhar, afastamo-nos da vertente tradicional da Historiografia que coloca a economia de subsistência como associada à economia de exportação ou complementar a ela. Essa vertente tem colocado as áreas de economia de subsistência como decadentes ou estagnadas, periféricas, negando-se a elas uma identidade própria, a ponto de colocá-la como a mais desprezível. Ele destaca, ainda, graus menores ou maiores de oposição entre a economia mercantil e de subsistência, a baixa produtividade desta e seu baixo nível de produção de riquezas. A explicação apresentada pelos autores daquela vertente da Historiografia é sempre centrada na natureza fechada e autossuficiente da organização da economia de subsistência, enquanto a economia de exportação, aberta ao mercado externo, nele se complementa, produz lucros e condições de importação. A produção de subsistência é colocada como decorrente da carência de mercado interno, limitado pelo trabalho escravo e pelo caráter dependente de toda a produção, estruturalmente voltada para complementar o mercado europeu. Pretendemos investigar o êxodo das populações mineiras para fora de sua província, a partir de um novo quadro teórico baseado nos estudos e pesquisas de Alcir Lenharo, Doublas Cole Libby, Clotide Paiva, Roberto Borges Martins e vários outros que, de certa forma, contribuíram para uma interpretação diferente da História Mineira do século XIX. Esse novo quadro teórico autonomiza a produção para a subsistência frente à economia de exportação, destaca a “produção para o gasto” com a mercantilização de excedentes e relaciona a utilização da mão de obra escrava

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com a crescente expansão do mercado interno. Uma economia com parcial isolamento dos mercados externos, grande diversificação interna, autossuficiência, crescimento constante da população livre e cativa, gerando considerável fluxo migratório, foi responsável pelo povoamento de regiões periféricas da própria província e outras do grande sertão que lhe ficavam a oeste. Pretendemos demonstrar que mais que uma expansão simplesmente demográfica, ocorreu a expansão da base geográfica de um modelo econômico peculiar que tomou força na província mineira, particularmente na sua porção sul, entre o refluxo da mineração e o início do “boom” cafeeiro. O corte espacial de nossa pesquisa se restringe à área limitada pelos rios Pardo e Mojiguaçu, a oeste do Caminho dos Goiases, território que fazia parte da freguesia de Casa Branca quando esta foi criada por alvará régio de 1814. Chamaremos a este território de “mesopotâmia Pardo-Mojiguaçu” (no original grego: meso: entre, no meio de; pótamos: rios), lembrando a mesopotâmia clássica das antigas civilizações orientais. Essa região entre rios ou mesopotâmica foi povoada pelos “entrantes mineiros” nas primeiras décadas do século XIX. Assim se referem os maços de população aos migrantes mineiros recém-estabelecidos no interior de São Paulo. Rastreando a organização religiosa e administrativa decorrente do povoamento desta área, seguiremos o fluxo dispersivo daquela população no tempo e no espaço, através das fontes documentais disponíveis. Utilizaremos para isso, os maços de população do Arquivo do Estado referentes ao Caminho dos Goiases (termos de Mojiguaçu e Mojimirim), de Casa Branca e São Simão, bem como os registros paroquiais do Sertão e do Caminho dos Goiases (freguesias de Mojiguaçu e Caconde), São Simão e Ribeirão Preto, inventários e demarcações de terras de Mojimirim, Casa Branca, Batatais e São Simão. Elegemos Ribeirão Preto para nosso estudo de caso, tendo em vista que seu povoamento também é explicado pela chegada de grande número de famílias mineiras muito antes da expansão cafeeira, sendo este um caso típico do “Oeste Paulista”. O povoamento da área ocupada, hoje, pelo município de Ribeirão Preto, teve início por volta de 1834, com a luta pela posse da terra entre duas famílias de Batatais: os Dias Campos e os Reis de Araújo. O translado de uma carta precatória do juiz municipal de São José do Mojimirim para o juiz municipal de Franca, relacionada a esta questão, identificada e catalogada no Arquivo Municipal de Franca pelo arquivista Wanderlei dos Santos, em 1990, veio a esclarecer o problema de seu povoamento inicial. O adensamento de sua população está estreitamente ligado à organização inicial de sua rede fundiária, justificando a criação da freguesia em 1870 e da vila no ano seguinte.

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UMA REVISÃO BIBLIOGRÁFICA: DE SAINT-HILAIRE A CAIO PRADO JÚNIOR Muitos autores já trabalharam com o tema da migração mineira para o interior de São Paulo. Alguns fizeram apenas referências, outros trataram do assunto de forma mais direta, mas sem utilizar critérios científicos que possibilitem maior compreensão do problema. Vamos encontrar em Saint-Hilaire o iniciador da discussão sobre o assunto, quando afirmou, em 1819, que toda a população de Franca era constituída de mineiros. Na verdade, o povoamento do interior paulista por mineiros provenientes do sul e do oeste de Minas, principalmente, é tema recorrente da Historiografia Regional. Apesar de não apresentar ainda conclusões satisfatórias, outras referências, ainda do século passado, podem ser encontradas. Uma delas, já clássica, é a de Martinho Prado - deputado da Assembléia Provincial de São Paulo, grande cafeicultor que tinha percorrido quase toda a província - que diz que apenas 20% da população era paulista nos municípios de Pinhal, Ribeirão Preto, São João da Boa Vista, Batatais, Cajuru, São Simão e também Araraquara, Botucatu e outras. Um dos clássicos de nossa Historiografia dedica várias páginas a esta questão. Caio Prado Júnior, na sua obra “Formação do Brasil Contemporâneo”, chama nossa atenção para a instabilidade do povoamento na transição do século XVIII para o seguinte: “... o quadro que a sua estrutura apresenta em qualquer momento é mais que provisório, reflete antes tendências que resultados adquiridos”. É exatamente isso que observamos, ao analisarmos o deslocamento contínuo das populações pelo Caminho dos Goiases e pelas vilas do sertão que lhe eram tributárias até o início do século XIX. Ainda, Saint-Hilaire, no seu clássico “Viagem à Província de São Paulo”, deixou registrada a extrema mobilidade da população brasileira. Na referência de Caio Prado Júnior: “emigrava-se, às vezes, por nada, e com simples e vagas esperanças de outras perspectivas. Todo mundo imaginava que havia um ponto qualquer que se estaria melhor que no anterior. Pensamento arraigado e universal que nada destruía nem experiências e fracassos sucessivos... numa palavra, o indivíduo não se ajustou bem ao meio, compreendendo-o e o dominando”. Podemos flagrar estas observações de Saint-Hilaire e de Caio Prado Júnior nas andanças e correrias do capitão José Garcia Leal que de Casa Branca passou para Batatais, depois para Franca e vemo-lo fundar a cidade de Santana do Paranaíba, em Mato Grosso; ou de um Joaquim Francisco Lopes que, de Piuí, passando também por Franca, foi desbravar e fundar fazendas em

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todo o sul de Mato Grosso e até no Paraná. Os censos anuais mostram esses aventureiros em várias localidades, mas sempre buscando o oeste. Os registros paroquiais mostram seus descendentes em gerações muito próximas em várias freguesias diferentes. Com o esgotamento dos aluviões e depósitos auríferos, a população reflui para a agricultura e a pecuária, e este refluxo determinará correntes migratórias importantes que se acentuarão no decorrer da segunda metade do século XVIII e, principalmente, na primeira metade do século XIX. Caio Prado Júnior, na mesma obra, ainda aponta outras circunstâncias secundárias, como a decadência da pecuária nos sertões do Nordeste assolados pela seca e o florescimento dela nos campos do Sul. Essa redistribuição do povoamento se fará de modo muito mais lento que a determinada pela descoberta das minas, de maneira quase imperceptível, mas consistente, estando na raiz da grande migração mineira para o oeste, objeto de nosso estudo. Caio Prado Júnior destaca a expansão dos mineiros para o sul, em direção da Mantiqueira que aí separa a capitania de Minas da do Rio de Janeiro e de São Paulo. Esta corrente migratória ultrapassa os pretensos limites de Minas e invade São Paulo, dando origem a uma longa discussão em torno de fronteiras, que será abordada no decorrer deste trabalho. Em suma, segundo ainda Caio Prado, “o movimento centrífugo da população mineira em direção, sobretudo, ao leste, sul e oeste, acha-se no momento que nos ocupa em franco progresso. A importância do fato é tanto maior que ele constitui correntes que se perpetuaram no decorrer do século XIX, formando o traço essencial da evolução demográfica desta parte do país. As zonas marginais da província e além delas, as faixas fronteiriças dos territórios vizinhos, continuarão sendo assim alimentadas até os dias que correm”. É interessante perceber nas palavras de Caio Prado Júnior a continuidade desse processo migratório, quando o citava, ainda ocorrendo em 1942.

ESTUDOS RECORRENTES: PRIMEIRAS ABORDAGENS Também obra de referência sobre o assunto é a de Mário Leite “Paulistas e Mineiros, plantadores de cidades”. Foi o autor dela, um dos primeiros a abordar o povoamento das regiões do Oeste de forma sistemática e defender a tese do “volta-atrás” ou “torna-viagem” dos paulistas e seus descendentes, que, a partir do esgotamento da mineração, refluíram novamente para São Paulo. Mário

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Leite minimiza ou desconsidera o povoamento das minas e outras regiões da colônia por um forte fluxo de elementos da metrópole, em quantidade muito superior à dos paulistas de São Paulo, Taubaté, Santos, São Vicente, Pindamonhangaba e outras. Todo o arroubo etnológico e culturalista de Mário Leite acabou deixando a questão em aberto, visto que não aprofundou os problemas econômicos subjacentes ao deslocamento contínuo de grupos humanos para fora da capitania e da província de Minas Gerais. Baseou seus estudos somente em obras de memorialistas preocupados com a História Local, sem um maior aprofundamento em nível de documentação, tratando-se, pois de uma fonte duvidosa. Tratando-se das Histórias Locais, vamos encontrar quatro obras significativas que se reportam ao povoamento mineiro do Oeste Paulista. A primeira delas é “Do Sertão do Rio Pardo à Vila Franca do Imperador” de José Chiachiri Filho. Utilizando de forma sistemática as listas de população e os registros paroquiais, Chiachiri estuda a presença dos entrantes mineiros em Franca, demonstrando suas origens em Minas e sua produção econômica, suas expectativas, seu estilo de vida. Explicita a distinção que Saint-Hilaire já percebia entre o povoamento paulista, mais antigo, e o mineiro, mais recente, por volta de 1819. Outra obra significativa nesse sentido é a dissertação de mestrado de Amélia Trevisan - “Casa Branca: a povoação dos Ilhéus”. Preocupada mais em ressaltar a fixação de açorianos na área de Casa Branca, Amélia Trevisan faz uma rápida resenha sobre a presença dos entrantes mineiros ao longo do “Caminho dos Goiases”, particularmente nas proximidades do antigo pouso que deu origem à freguesia em 1815. Outro autor, cujas pesquisas são dignas de nota é Adriano Campagnole. Dele destacamos “Memória da Cidade de Caconde” e “História da Fundação de Assis”. Também, ele ressalta a importância da migração mineira para todo o interior de São Paulo a partir de farta documentação utilizada. As obras mais recentes e que mais de perto atingiram o cerne da questão foram: “Entrantes no sertão do Rio Pardo - o povoamento da Freguesia de Batatais nos séculos XVIII e XIX”, e “Na entrada do Anhanguera - Uma visão Regional da História Paulista”, de Lucila Reis Brioschi, Carlos Bacelar e José Chiachiri Filho. Também elas analisam a fixação daqueles entrantes entre os vales dos rios Pardo e Sapucaí e seus tributários, e a formação de uma sociedade de criadores e plantadores, sem focalizar mais de perto a formação econômica e social responsável por aquele fluxo migratório. Odilon Nogueira de Matos, na sua obra “Café e Ferrovias”, tomando por base informações de Mário Leite, cita rapidamente as migrações mineiras

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para o interior paulista, mas parece sugerir sua importância maior durante o “rush” cafeeiro juntamente com as migrações fluminenses no vale do Paraíba, na segunda metade do século XIX. Apesar de fazer breve referência ao fluxo mineiro para São Paulo já no final do século XVIII, relacionando-o com a crise da mineração, não aprofunda a questão, não contribuindo, portanto, para esclarecer a conjuntura econômica subjacente àquele movimento populacional. Ao tentar explicar os fatores repulsivos que deram origem ao fluxo mineiro para fora da província, os autores, geralmente, se enveredam para explicações em nível superestrutural, de ordem secundária e de difícil comprovação documental. Comecemos com o próprio Saint-Hilaire, quando diz que o sertão era refúgio de bandidos de toda a ordem, principalmente, desertores e devedores do fisco. Outros citam a Conjuração Mineira de 1789 como tendo provocado grande pavor e muitos foram levados a se refugiarem em lugares distantes, no sertão, a salvo das perseguições da devassa. José Ferreira Carrato, em sua obra - “Igreja, Iluminismo e Escolas Mineiras Coloniais”, dedica algumas páginas a esta questão: “a grande movimentação demográfica dos povos das Minas Gerais, que se desenvolverá a partir de 1770-1780 até os dias da Regência, tem três razões fundamentais: uma, o agravamento sempre crescente da crise aurífera com o seu cortejo de dificuldades econômicas e financeiras de toda sorte; a segunda o terrorismo policial e político que se seguiu às brutais medidas régias contra os inconfidentes e suas famílias; e uma terceira derivada do natural espírito de aventura, característico das pessoas que lidavam com o ouro, nômades pela sua própria natureza de suas atividades mineradoras”. Sem apresentar referências bibliográficas ou fontes documentais, Carrato nos passa uma visão quase épica da migração mineira: “foi uma autêntica diáspora que se estabeleceu, uma fuga generalizada de milhares de pessoas, vinculadas pelo sangue ou pelas ideias aos mártires de 89, que se dirigiram para os lugares mais distantes, para os sertões mais remotos, bem longe das autoridades régias que as ameaçavam ou perseguiam”. E mais “... finalmente, da Comarca do Rio das Mortes fez os imigrantes partirem para o sul da capitania e para o sudoeste, mesmo para além dos limites mineiros, para os vales do Paraíba, do Mojiguaçu e do Pardo, na capitania de São Paulo, abrindo novos núcleos de povoamento nesse fértil e belo mediterrâneo”. A repressão que se seguiu ao Movimento Liberal de 1842 é tomada por outros autores como explicação para a dispersão demográfica a partir de Minas Gerais. Pierre Monbeig reforça essa tese. Fausto Ribeiro dos Santos, em um

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artigo intitulado “Achegas para a História de Penápolis”, fala de famílias de Piuí (MG), refugiadas do Movimento de 42, que se radicaram na região de Penápolis. E Mário Leite, com base na mesma informação, chega a afirmar: “a penetração mineira nessa região, porém, viera de muito tempo antes. Gente de Minas... aí chegou no meio do século passado, segundo a tradição tangida pelas perseguições que se seguiram à revolução mineiro-paulista de 1842”. E cita a presença naquela região das famílias Castilho, Goulart e Ferreira. Fica, portanto, mais para a tradição histórica a referência de que perseguidos pela Revolução de 1842 vieram a se estabelecer no interior de São Paulo. Na obra mais importante sobre esse movimento, do Cônego José Antônio Marinho, “História do Movimento Político de 1842”, nada encontramos a respeito, apesar de, dramaticamente, ele descrever, com pormenores, o clima de brutal repressão contra os insurgentes que muito bem poderia ter dado origem a fugas em massa para o sertão. Muitos outros autores destacam ainda a migração mineira para o vale do Paraíba paulista e fluminense nos albores da expansão cafeeira, simultaneamente ao mesmo processo nas terras do chamado “Oeste Paulista”. Alcir Lenharo cita a presença de sesmeiros e posseiros de Minas nas proximidades do Caminho Novo e de suas variantes, na região situada entre os rios Paraíba e Preto, nos limites das províncias de Minas Gerais e do Rio de Janeiro. Por ali, alguns mineiros ricos se fortaleceram no comércio de gado e gêneros para a Corte. São citadas as famílias Werneck, Teixeira Leite, Mesquita e Guimarães. Elas contribuíram, sobretudo, para a integração mercantil do centro-sul, condição “sine qua non” para consolidação das bases do Estado Nacional brasileiro, após a independência. Pierre Monbeig, em sua obra “Pioneiros e Fazendeiros de São Paulo”, faz uma fiel análise, ao mesmo tempo econômica e sociológica, do povoamento do sertão paulista, oferecendo-nos um forte embasamento teórico, abundante fonte documental e bibliográfica pertinente aos precursores e desbravadores que abriram caminho para a lavoura de exportação. Índios pacificados, negros ainda escravos ou já forros, brancos ricos e pobres das mais diversas origens, “a originalidade do mundo pioneiro é assegurada pela existência de todos esses tipos”. E dentre todos, os índios e os mineiros foram os atores que madrugaram nestas plagas: “vieram quase todos de Minas Gerais os pioneiros que, a partir de 1850, se chocaram com os índios”. Mas sabemos que a penetração mineira para o interior de São Paulo foi bem anterior, constituindo-se, talvez, no mais forte e persistente movimento migratório interno do Brasil durante todo o século XIX. Antônio Cândido ao investigar as origens sociológicas e culturais do caipira paulista, no seu clássico Parceiros do Rio Bonito, comentando as

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impressões de Saint-Hilaire, afirma: “tanto assim que... (suas impressões) devem ser compreendidas doutro modo, quando submetidas a uma interpretação econômico-social adequada. Esquecendo as divisões administrativas, notemos que o mineiro, por ele tão gabado e a cada passo sobreposto ao paulista, não é indiscriminadamente o natural das Minas Gerais: é, sobretudo, o habitante de suas áreas centrais, relativamente urbanizadas, beneficiadas pelo surto civilizador da mineração, ligados à capital do país. O habitante do sul e do oeste de Minas, pelo contrário, despertaram-lhe, por sua vida rústica e pouca educação, o mesmo desagrado que o paulista. É que eram populações disseminadas, vivendo os pobres de uma agricultura de subsistência: os remediados, da pecuária atrasada - sem núcleos urbanos, conforto, nem polidez. Aproximavam-se, inclusive étnica e historicamente, do caipira paulista, de quem se originam muitas vezes, e com o qual mantém contato incessante, pelas migrações que o vem trazendo a São Paulo de torna-viagem há mais de um século”. Antônio Cândido, talvez sugerindo um estudo do caipira paulista numa outra perspectiva, arremata: “ainda não se estudou de modo satisfatório este importante movimento demográfico, nem a área paulista-mineira, mais ou menos definida pela Mogiana, que exprime uma realidade social e cultural com vários traços específicos”. Até a literatura já refletiu essa forte presença dos migrantes mineiros no interior paulista. Jorge Andrade, por exemplo, na sua “Pedreira das Almas” fala dos perseguidos pela repressão ao movimento de 1842, ligados à família Junqueira, cujos ascendentes já estavam no vale do Rio Pardo há muito tempo. E não podemos nos esquecer de Pedro Nava em “O Círio Perfeito”, obra de memórias, onde dedica várias páginas à presença mineira nos rincões paulistas. Chega até a levantar algumas razões pitorescas da sua migração: “casais irregulares procurando pousos de melhor tolerância; busca de homísio, por parte de foragidos da justiça”. Fiquemos até aqui, com uma restrospectiva basicamente historiográfica sobre o povoamento das regiões do Oeste por migrantes mineiros, a partir de considerações que se tornaram tradicionais, contadas por memorialistas. O que importa, agora é avançar na pesquisa a respeito do quadro econômico e social que gerou aquele movimento populacional e destacar a sua importância naquela conjuntura com dados fornecidos pela Demografia Histórica. Nosso trabalho pretende justamente elucidar a formação econômica e social que deu origem ao grande êxodo humano a partir do território mineiro. Fugindo de explicações meramente conjunturais, pretendemos relacionar o povoamento de vastas

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regiões do oeste, incluindo o território paulista, com modificações estruturais por que passava a economia colonial, já no final do século XVIII, e que vão se aprofundar a partir da reorganização do comércio interno na região centro-sul, com a chegada da família real em 1808. Pretendemos demonstrar que esta expansão mineira não foi apenas uma expansão da base territorial da população de Minas. Foi também a expansão de um modelo econômico típico: uma economia de mercando interno, acomodada às novas circunstâncias e necessidades impostas pelo esgotamento de seu eixo minerador. Em outra direção, buscamos também regionalizar e quantificar a presença de grandes grupos de lavradores e criadores mineiros em uma região específica - a mesopotâmia formada entre os rios Pardo e Mojiguaçu, em São Paulo - superando o aspecto local de certas interpretações historiográficas e procurando globalizar este fenômeno ainda tão pouco conhecido, o da migração. Para isso, utilizaremos o método quantitativo, muito comum à Demografia Histórica. O processamento de dados recolhidos através do computador nos levará a compreender mais exatamente a formação de uma sociedade de forasteiros dedicados à agropecuária, numa região que se transformou em pioneira na província paulista ainda no século XIX. Utilizaremos fontes inéditas ou apenas parcialmente utilizadas por alguns pesquisadores e memorialistas, procurando integrá-las na perspectiva regional.

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CAPÍTULO I

A POPULAÇÃO EXÍGUA E RAREFEITA DO SERTÃO DESCONHECIDO

“Nomes estranhos que soavam como bens de um paraíso distante” (ANDRADE, Jorge. A Pedreira das Almas)

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1. O CAMINHO DE GOIÁS Fernando Novais chama a atenção para o fato de a ocupação do território brasileiro estar orientada pelos interesses do capitalismo mercantil europeu. A produção colonial expande sua base geográfica, orientando-se “para aqueles produtos que possam preencher a função do sistema de colonização no contexto do capitalismo mercantil, mercadorias comercializáveis na economia central.”1 Assim o século XVIII foi o momento da realização metalista do débil mercantilismo português. A procura de metais possibilitava uma ampla expansão da base territorial da colônia, enquanto sua extração atendia, já tardiamente, os interesses de um capitalismo mercantil em transformação. A partir de São Vicente e, depois, da Vila de São Paulo de Piratininga, fez-se um dos maiores movimentos de conquista de que se tem notícia na História. A capitania de São Paulo ampliou-se rumo ao interior, praticamente em todas as direções. Desde o século XVIII, a necessidade de sobrevivência levou os seus habitantes a partir para o sertão2, à procura principalmente de indígenas, e de metais e pedras preciosas. A vasta região entre os rios Pardo e Mojiguaçu, de que trataremos neste trabalho, só foi efetivamente ocupada e povoada durante a primeira metade do século XIX. A Vila de Mojiguaçu permaneceu até esta época como o último núcleo de povoamento3, a boca do “sertão desconhecido”, como a região é denominada nos mapas do século XVIII4. Mas se o povoamento inicial dessa região foi oitocentista, o seu

1NOVAIS,

Fernando A. Estrutura e dinâmica do antigo sistema colonial. Cadernos CEBRAP, São Paulo, n 17, p. 24-25, Mar. 1973. 2”Sertão” no sentido histórico do termo significa o interior despovoado, área distante das povoações e das culturas. Derivado de “desertão”, aumentativo de deserto. 3O povoado mais avançado para dentro do sertão foi Moji do Campo, depois Mojiguaçu, elevado a freguesia por provisão dos bispos do Rio de Janeiro em 1729. O arquivista Wanderlei dos Santos descobriu referência a esta provisão no Arquivo Diocesano do Rio de Janeiro (Como foram fundadas as nossas cidades?, Revista Pontalense, Pontal, v.1, p.71, 1989). Pertenceu ao termo da vila de Jundiaí até 1769, quando então passou à jurisdição do termo de São José do Mojimirim. 4O mais antigo desses mapas é a “Carta Chorográfica da Capitania de São Paulo, feita em 1766, de autor anônimo, mas que parece ter sido elaborada por José Custódio de Sá Faria, engenheiro que trabalhou sob as ordens do governador Morgado de Matheus. O objetivo desse trabalho era servir de base para a defesa dos interesses da capitania de São Paulo na demarcação de limites com Minas Gerais. (BIBLIOTECA NACIONAL, Catálogo de Exposição de História do Brasil, n 2789, Rio de Janeiro, v.1, p. 276, 1981 (Col. Temas Brasileiros) e DOCUMENTOS INTERESSANTES, SP, v. 11, p.III, 1896). Existem ainda outros mapas do século XVIII, como um de 1773, de autor anônimo, cujo original se encontra no Arquivo Histórico Colonial de Lisboa e outro elaborado por Antônio Roiz Montezinho em 1791 para o governador Bernardo José de Lorena. Na Carta Cartográfica da Capitania de São Paulo, feito por João da Costa Ferreira, em 1793, a região entre o Pardo e o Mojiguaçu aparece claramente marcada como “sertão desconhecido”. O volume 11 de “DOCUMENTOS INTERESSANTES” faz comentários sobre todos esses mapas.

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desbravamento já vinha de um período mais remoto, anterior à abertura do Caminho dos Goiases pelo bandeirante Bartolomeu Bueno da Silva, o segundo deste nome (o Anhanguera II), na primeira metade do século XVIII. Entre 1664 e 1682, quando tinha apenas 12 anos, Anhanguera foi à terra dos índios Goiases com seu pai, que identificou, pela primeira vez, a existência de ouro naquelas regiões5. Este fato o incentivou a organizar uma nova bandeira na mesma direção. Existe farta documentação sobre a bandeira de Anhanguera II. A maioria dos estudiosos que pesquisa este acontecimento afirma que ela data de 1722, depois das instruções dadas pelo governador Dom Rodrigo César de Menezes e datadas de 30 de junho de 1722, que garantiam benefícios prometidos aos descobridores das minas. Saint-Hilaire fala em duas viagens do Anhanguera à terra dos índios Goiases na década de 17206, uma em 1721 que, apesar de descobrir ouro em alguns ribeirões, acabou se dispersando e fracassando; outra, de 1726 que conseguiu, finalmente, redescobrir as jazidas encontradas no século anterior. Mas não cita a sua fonte, dando a entender que se baseava em tradições recolhidas durante suas viagens. Mas todos são concordes em atribuir a iniciativa da expedição de Anhanguera ao governo de São Paulo. Segundo Silva Braga,7 a expedição levou apenas 20 dias para chegar até o Rio Grande, com 2 dias de parada e percursos diários de 24 a 26 quilômetros, incluindo as passagens dos rios. A rapidez do percurso, sem nenhum incidente, deixa claro que o trajeto já era bem conhecido, sendo trilhado inicialmente por índios e, depois, por muitas entradas e pela própria bandeira do pai de Anhanguera.8 Tudo indica que não foi Bartolomeu Bueno da Silva quem abriu o Caminho dos Goiases, mas

5TAUNAY,

A. de E. História geral das bandeiras paulistas. São Paulo: Melhoramentos, 1991. p. 194. TAUNAY, A. de. E. História das bandeiras paulistas. São Paulo: Melhoramentos, 1975. p. 99. 6SAINT-HILAIRE, Auguste. Viagem a província de São Paulo. São Paulo: Edusp, 1975. p. 160. 7A mais importante referência documental sobre a expedição de Anhanguera intitula-se “Notícia Prática” que dá ao Pe. Manoel Diogo Soares o Alferes José Peixoto da Silva Braga, do que se passou na primeira bandeira que entrou no descobrimento de Minas dos Guayases até sair na cidade de Belém do Grão Pará, em 1727”. Este documento data de 25 de agosto de 1734, e foi publicado por Varnhagen a partir dos originais da Coleção do Pe. Diogo Soares, pertencente à Biblioteca de Évora, cod. CXVI/2-15-1, v.4. CORTESÃO, J. 2:234-235, 1957. O mesmo documento poderá ser encontrado na Revista do Instituto Histórico e Geográfico, Rio de Janeiro, v. 69, p.217-233, 1908, também encontrado em TAUNAY, A. de E. Relatos Sertanistas. São Paulo: Martins, 1976. p. 121-153. 8Cf. CARVALHO FRANCO, Francisco de Assis. Dicionário de bandeirantes e sertanistas do Brasil. Belo Horizonte/São Paulo: Itatiaia/EDUSP, 1989. p. 374.

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apenas tornou esta via oficial e mais conhecida. Nesta estrada já havia, até 1728, mais de 30 pousos,9 o que sugere o trânsito, ali, de pessoas e cargas, anterior a 1722. A Carta Régia de 9 de setembro de 1726 concedeu a Anhanguera o direito, por três vidas (mais ou menos cem anos) dos rios Atibaia, Jaguari, Pardo, Grande, das Velhas, Parnaíba, Corumbá, Meia Ponte e Claro, e ao capitão Bartolomeu Pais de Abreu, outro sócio do empreendimento da redescoberta das minas, o dos rios Mojiguaçu e Sapucaí. O governador de São Paulo, Antônio da Silva Caldeira Pimentel, discordou da grande extensão das terras concedidas pelo seu antecessor aos descobridores das minas dos Goiases (6 léguas em quadra). Alegando que nas ordens de Sua Majestade não estavam especificadas quais as passagens dos rios que se deveriam dar, convocou, em 19 de agosto de 1731, o Ouvidor Geral, o Procurador da Fazenda e outras pessoas de destaque na cidade para que votassem quais as passagens que seriam concedidas.10 O resultado dessa reunião acabou por reduzir as concessões aos descobridores em dois pareceres: a) deveriam ser dadas as passagens além do Rio Grande, em razão de se achar o caminho do Rio Grande para esta cidade descoberto há muitos anos. b) excetuando a do Rio Pardo, as demais passagens além dele deveriam ser concedidas, porquanto até o Rio Pardo inclusive, houve sempre moradores e sítios, o que não houve do Rio Pardo para adiante sem embargo de estarem descobertos e versados os rios Sapucaí e Grande. Muitos documentos deixam claro o povoamento ao longo do Caminho dos Goiases antes da expedição de Anhanguera. Documentos, já do século XVII, fazem referência à região, mas de modo difuso, disperso, sem muitas vezes uma coerência geográfica e cronológica. Batatais já é citada por Pedro Taques como um “ajuntamento de índios” em 1678, fazendo referência a um “caminho para os Batatais”, onde Manoel Lobo Franco teria conseguido uma sesmaria.11 John Manuel Monteiro faz referência a este documento, ao discutir a formação de roças e plantações no interior para o abastecimento das expedições que demandavam o sertão.12 Francisco de A. Carvalho Franco afirma que “Inácio Vieira, sertanista de São Paulo, se achava no arraial dos Batatais, por volta de 1663, em sertão

9Cf.

CARVALHO FRANCO, op.cit., p. 374. 374, nota 8. 11NEME, Mário. Dois antigos caminhos de sertanistas de São Paulo. In: Anais do Museu Paulista, São Paulo, t.23, p.59-73, 1969. 12MONTEIRO, John Manuel. Negros da Terra, Índios e bandeirantes na origem de São Paulo. São Paulo: Companhia das Letras, 1994. p.90-91. 10Idem,

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desconhecido, numa bandeira de que era capitão Manoel da Costa.”13 Uma carta de sesmaria datada de 1668, passada pelo vice-rei do Brasil em favor dos religiosos de São Bento, da então capitania de São Vicente, a localiza no “caminho que vai para o sertão dos Laneros e Batatais.”14 Partindo de Mojimirim, o Caminho dos Goiases atravessava, dentro do território paulista, os atuais municípios de Mojiguaçu, Casa Branca, Tambaú, Cajuru, Altinópolis, Batatais, Patrocínio Paulista, Franca, Ituverava e Igarapava até chegar ao Rio Grande. Este percurso atingia 89,08 léguas, pouco mais de 530 quilômetros.15 Mas, se somássemos as testadas de todas as sesmarias concedidas ao longo da Estrada encontraríamos a cifra de 690 quilômetros! Esta contradição demonstra bem a total falta de exatidão do governo na concessão daquelas terras longínquas, sem nenhuma referência exata de sua localização e do espaço ocupado. O roteiro do então denominado “Caminho dos Goiases” buscava sempre as partes mais altas, preferencialmente próximas às cabeceiras dos ribeirões para facilitar as travessias, correndo rente à linha de fronteira que se consolidou mais tarde com a capitania de Minas Gerais. Segundo o mapa de 1766, somente os rios Atibaia, Jaguari, Jaguari-Mirim, Pardo e Grande eram transpostos usando-se embarcações, sendo o rio Tietê o único que possuía ponte. Enquanto o traçado da estrada nos mapas dava preferência ao percurso através dos campos e cerrados dos interflúvios, os sítios e pousos surgiram em áreas próximas às matas que cobriam solos mais férteis, ao longo dos cursos d’água. É por isso que os pousos tomarão a denominação desses ribeirões que lhes ficavam adjacentes, como veremos mais tarde. É possível que, em pequenos trechos, a Estrada possa ter sido alterada em certas épocas, para maior comodidade dos viajantes ou para abreviar a jornada. D’Alincourt16 faz referência a essa possibilidade, quando diz que os moradores de Franca desejavam dar um traçado novo ao Caminho até o Sertão da Farinha Podre.17 Talvez isso possa explicar também a ausência de certos pousos em algumas listas de população. Sabemos da pouca exatidão

13CARVALHO

FRANCO, op.cit, p.377, nota 8. PAULO. Arquivo Público do Estado. Inventários e testamentos. c. IX, m. 271. 15SALOMÃO, Matildes Rezende Lopes; SILVA, Maria Leonor Álvares. História de São João da Boa Vista. São Paulo: Ave Maria, 1976, p. 245-246. 16D’ALINCOURT, Luís. Memória sobre a viagem do porto de Santos à cidade de Cuiabá. In: Anais do Museu Paulista. São Paulo: Imprensa Oficial, 1950. t.14. p.30. 17Denominação pela qual será conhecida toda a região do Triângulo Mineiro. 14SÃO

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daqueles censos e, com certeza, o funcionário encarregado de fazer os registros não se preocupava em anotar os moradores mais distantes ou que residiam em variantes do caminho. O seu transcurso é facilitado por uma topografia suave que não oferece nenhum obstáculo sério. As altitudes não ultrapassam 700 metros, apenas entre o Sapucaí e o Rio Grande atingem 1.000 metros. Inicialmente transitado apenas por tropas de muares, o caminho era o principal eixo de penetração para o interior, possibilitando, além do comércio, a penetração da justiça e da administração naqueles vastos sertões. Mais tarde e, principalmente já no século XIX, os carros-de-boi tornaram-se mais utilizados que as tropas, pois, embora vagarosos, transportavam uma quantidade maior de mercadorias e por um preço menor.

1.1. As sesmarias Logo após o retorno da expedição de Anhanguera II, a Coroa tomou a iniciativa de regularizar a posse das terras que ficavam ao longo do Caminho dos Goiases. Um bando18 de 19 de maio de 1726 determinava que todas as pessoas que tivessem terras no “Caminho dos Goiases, principiando na entrada do mato, da vila de Jundiaí por diante até o descobrimento que fez o capitão Bartolomeu Bueno da Silva... deveriam apresentar os títulos ou papéis por que lhe pertencem na secretaria deste governo... ”19 Percebe-se claramente por este documento que, simultaneamente à chegada da bandeira descobridora às minas, já havia moradores ao longo da estrada, em quantidade suficiente para serem chamados para regularizar suas posses. Existia toda uma política oficial de ocupação de terras a partir da concessão das sesmarias pelas autoridades desde o início da colonização. E seja por necessidade de ordem econômica, seja por uma questão estratégicomilitar, as autoridades procuram estimular a interiorização com a distribuição de imensas glebas a quem oferecia condições de ocupá-las com plantações e criações. A preocupação nesse sentido foi constante em todo o período colonial. Por outro lado, a Coroa não poderia deixar de impor algumas condições de controle para garantir a efetiva ocupação da terra e a principal delas foi a perda da posse para quem não confirmasse a efetiva ocupação econômica. Um bando de 1725, de Rodrigo César de Menezes, é elucidativo nesse sentido: “... todas as pessoas a quem se derem terras por carta de data de

18Pregão

Público ou proclamação das autoridades coloniais semelhantes aos nossos atuais editais e que possuíam força de lei. 19DOCUMENTOS INTERESSANTES. São Paulo: 1896. v. 13, p.85.

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sesmaria, as mandem confirmar no Reino pelo seu Conselho Ultramarino dentro do termo, que se lhe determinar, e que não as mandando confirmar, fiquem privadas das ditas terras, e se deem a quem de novo as pedir.”20 Com a preocupação de estabeleceram-se “nas ditas passagens, com gentes, plantações, criações e o mais necessário para as assistência do sertão”21 foi concedido o primeiro lote de sesmarias no Caminho dos Goiases, ainda em 1726, aos responsáveis mais destacados pela empreitada descobridora do ouro: Bartolomeu Bueno da Silva, João Leite da Silva Ortiz e Bartolomeu Pais de Abreu. Essas sesmarias, como foi dito, além de visarem à ocupação, serviriam também para a guarda e o auxílio ao tráfego da estrada.22 Não devemos entender a concessão dessas primeiras sesmarias como o início do povoamento ao longo do Caminho dos Goiases. Como já demonstramos, através de documentos, “o povoamento pioneiro parece ter sido, como de resto o era comumente em todo o Brasil, efetuado por anônimos posseiros”,23 muitos dos quais se estabeleceram na região muito antes das expedições dos dois Anhangueras, como já demonstramos. Desde a Restauração Portuguesa (1640), o Pacto Colonial passou por um crescente enrijecimento, voltando-se principalmente para uma progressiva centralização administrativa e um fiscalismo cada vez mais intenso. Disso resultou uma atenção toda especial da metrópole para a regularização, a normatização e a fiscalização das principais fontes de riqueza da colônia. As normas e determinações do Conselho Ultramarino, à época da economia aurífera, no contexto de uma determinada orientação geopolítica, agiam não somente nas zonas mineradoras, mas também ao longo de toda a extensão das rotas que lhes davam acesso. A quantidade daquelas normas é espantosa, muitas são repetitivas, o que demonstra, sem dúvida, as grandes dificuldades para instaurá-las. Nesse sentido, observamos a concessão de uma grande quantidade de sesmarias entre 1727 e 1736 localizadas segundo os projetos de povoamento da

DOCUMENTOS INTERESSANTES, op.cit., p.60-61, nota 19. “Registro de uma carta de sesmaria de seis léguas no Rio Jaguari, do Capitão Bartolomeu Bueno da Silva e do Capitão João Leite da Silva Ortiz”, 02 de julho de 1725. In: Sesmarias (1720-1736). APESP/IHGSP, São Paulo, p. 129, 133, 137. 22 Em cada rio, para poder instalar o serviço de barcas que deveria constar de pousos para os viajantes, pasto para os animais, plantações e criações para fornecer alimentos, os descobridores das minas de Goiás requereram sesmarias de seis léguas de testada e outro tanto de sertão, as maiores que foram concedidas, ficando as passagens dos rios no meio da gleba. A testada era a frente do terreno, ao longo da Caminho, e o sertão era o comprimento do terreno, afastando-se da estrada e buscando o interior. 23 BRIOSCHI, Lucila; BACELAR, Carlos; CHIACHIRI FILGO, José. Entrantes no sertão do Rio Pardo: o povoamento da freguesia de Batatais – séc. XVIII-XIX. São Paulo: Centro de Estudos Rurais e Urbanos-USP, 1992, p. 7. 20 21

26


Coroa. Um desses projetos era exatamente, o povoamento da Estrada que dava acesso às minas de Goiás. Carmelino Corrêa Júnior24 foi o primeiro a alertar para esta concentração cronológica e espacial na distribuição das sesmarias. Os requerimentos de sesmarias alegavam, como regra, a necessidade de fazer roças e criar gado, seja para atender as necessidades dos mineiros e transeuntes do caminho, seja para aumentar os dízimos pagos à Coroa. “Como garantia para a efetivação da sesmaria, argumentava-se possuir riqueza suficiente, principalmente escravos, para levar adiante (ou ainda, iniciar) a exploração da propriedade. Numa segunda linha de argumentação, diziam já estarem na fase de exploração da terra, necessitando apenas de uma regularização da posse.”25 O Caminho de Goiás constitui o eixo em torno do qual foram concedidas 67 sesmarias entre 1727 e 1736. Ele constitui, indubitavelmente, a razão da existência e da sobrevivência das primeiras populações que se fixaram no “Sertão Desconhecido”. Depois de 1736, rarearam-se as concessões de sesmarias, seja pelo desinteresse das terras da região, seja pela ausência mesmo de requerimentos. Não se pode debitar, no entanto, a diminuição das concessões à queda da produção do ouro goiano, pois, até a década de 1750, a produção era crescente. Não existem dados relativos à produção, mas o rendimento dos quintos das minas de Vila Boa e São Félix, as principais, sugere o pico da produção em 1755 e uma queda brusca a partir de 1761, cuja cifra não seria mais atingida.26 Brioschi ainda aponta a necessidade de manter distâncias mínimas entre os pousos (que garantissem a sua rentabilidade e sobrevivência) como razão de ter o governo, por si mesmo, limitado as concessões. Existem documentos que apontam nesse sentido27, mas a maioria dos pousos surgiu e

24CORRÊA

JÚNIOR, Carmelino. Primórdios do povoamento do Sertão do Capim Mimoso. s.d. (mimeografado). O artigo se encontra no Museu Histórico Municipal José Chiachiri Franca. 25BRIOSCHI, op.cit., p. 9, nota 23. 26PALACIN, Luiz. Goiás 1722-1822 - Estrutura e conjuntura numa Capitania de Minas. Goiânia: Gráfica Oriente, 1973. p. 47-64 e 181. 27Em 6 de dezembro de 1750, é dada autorização para a construção de um novo caminho de São Paulo para Goiás até Cuiabá. Os requerentes pretendiam, em troca da abertura da estrada, a concessão, por dez anos, do privilégio de transportar quaisquer mercadorias sobre rodas, bem como o recebimento de vinte sesmarias ao longo do percurso, na distância de três em três léguas. A construção deste novo caminho não se concretizou, mas podemos concluir que as concessões visavam a criação de apoio aos viajantes rumo às minas, verdadeiros pousos.

27


se consolidou independemente das sesmarias onde estariam localizados a princípio. Chiachiri já constata isso: “muitas dessas sesmarias talvez nem tenham sido visitadas pelos seus donos que mandaram, em seu lugar, os administradores e, às vezes, nem isso. Outras, supomos, foram abandonadas, pois em 1779, raros são os habitantes do sertão do Rio Pardo que se encontravam na relação dos agraciados com sesmarias (mesmo descendentes desses).”28 É que a maioria dos pousos surgiu em sesmarias abandonadas ou em terrenos ainda não requeridos, portanto, pela iniciativa de particulares e não do governo. Podemos ampliar esta argumentação para todo o percurso do Caminho dos Goiases. Chiachiri utiliza a relação de moradores de 1779 dos Maços de População, mas podemos retroceder um pouco. No primeiro censo realizado, o de 1765, encontramos apenas os herdeiros de Carlos Barboza de Magalhães, no Cubatão; e de Manoel Dias Abreu na Paciência - sesmeiros de 1728 e 1733, respectivamente - ocupando sítios no Caminho dos Goiases, nos mesmos lugares das sesmarias concedidas aos seus ascendentes. Chiachiri ainda aponta Domingos Jorge da Silva, que conseguira uma sesmaria em 28.01.1734 e ainda lá estava no censo de 1779, mas que não aparece no censo de 1765. E ainda Inácio Vieira Fajardo que, no mesmo ano, ganhou uma sesmaria em Itupeva e ali permaneceu por vários anos com seus descendentes. Como esses, outros poderiam ter permanecido, mas a maior parte dos sesmeiros acabou por não se fixar no sertão. Em 1727, foram concedidas duas sesmarias de uma légua e meia de testada e de sertão (falava-se também uma légua e meia em quadra) a Manoel Miranda Freire no Ribeirão das Araras e a Manoel Dias de Abreu no córrego da Paciência. Quase todas as sesmarias concedidas em 1728, possuíam uma légua em quadra. A de Antônio Pereira, no Rio Sapucaí, por exemplo, possuía duas léguas, certamente por conter uma passagem de barca, transferida a ele por Bartolomeu Pais de Abreu. Em relação às sesmarias concedidas a partir de 1732, todas possuíam meia légua em quadra, sendo que algumas poucas eram

28CHIACHIRI

FILHO, José. Do sertão do Rio Pardo à Vila Franca do Imperador. Ribeirão Preto: Ribeirão Gráfica e Editora, 1986.

28


medidas em braças. A extensão das sesmarias, até a extinção desse sistema em 1822, talvez possa explicar a não interiorização do povoamento a partir dos dois lados da referida estrada. Uma população tão escassa era incapaz de ocupar e tornar produtivos latifúndios tão extensos. A demanda dos mineiros e viajantes que iam e vinham de Goiás era pequena e não requeria grande trabalho e produção dos moradores. Podemos, pois, concluir que a prolongada hibernação do “Sertão Desconhecido”, por quase um século, esteve ligada diretamente à incipiente e incompleta estruturação agrária a partir da concessão das primeiras sesmarias, cuja profundidade da estrada para o sertão atingia 6, 2 e, quase sempre, 1 ou 1 e ½ légua. A ausência ou a insuficiência de uma integração econômica desta área com os grandes centros de consumo coloniais no século XVIII (áreas de mineração, basicamente de Minas Gerais, pois o ouro goiano foi efêmero) não criou condições para a sua ocupação e povoamento, ficando a concessão de sesmarias como letra morta na maior parte dos casos. Para não perder direito à sesmaria, o sesmeiro, muitas vezes, montava um pequeno curral ou uma pequena roça de susbistência, aparentando sinais de que a terra estava sendo explorada e deixando grandes áreas abandonadas.29 Estes “povoados”, distantes léguas uns dos outros, favoreciam o isolamento da população, contribuindo assim para a existência de espaços vazios. Mas nem nessa ocupação oportunista e interesseira os sesmeiros do Caminho dos Goiases empreenderam. A região continuou sendo chamada de “sertão desconhecido” até o início do século XIX, quando se iniciou o povoamento oficial sob o impacto da chegada dos migrantes mineiros e, nesse momento, inúmeras novas sesmarias, concedidas pelo governo da capitania de São Paulo, vão se sobrepôr àquelas do século XVIII, abandonadas ou muito parcialmente ocupadas. Vejamos o quadro sinóptico das sesmarias concedidas na Estrada dos Goiases, entre 1726 e 173630:

29Cf.

LIMA, Rui Cirne. Pequena história territorial do Brasil: sesmarias e terras devolutas. São Paulo: Secretaria de Estado da Cultura, 1990. 30Baseado In: TREVISAN, Amélia. Casa Branca, a povoação dos ilhéus. São Paulo: Faculdade de Filosofia,Letras e Ciências Humanas, 1974. Dissertação (Mestrado em História) - Faculdades de Filosofia Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, 1974. p. 34-36. CHIACHIRI FILHO, op.cit., p.32, nota 28.

29


Data da Carta

Localização

Dimensão

Sesmeiro

Justificativa

1726 02.07 Rio Jaguari

6x6

Bartolomeu Bueno da Direito de Silva e João Leite da Silva Passagem Ortiz

02.07 Rio Itaguatibaia

6x6

Bartolomeu Bueno da Direito de Silva e João Leite da Silva Passagem Ortiz

02.07 Rio Meia Ponte

6x6

Bartolomeu Bueno da Direito de Silva e João Leite da Silva Passagem Ortiz

02.07 Rio Guacurumbá

6x6

Bartolomeu Bueno da Direito de Silva e João Leite da Silva Passagem Ortiz

02.07 Rio Pasmados

6x6

Bartolomeu Bueno da Direito de Silva e João Leite da Silva Passagem Ortiz

02.07 Rio Pardo

6x6

Bartolomeu Bueno da Direito de Silva e João Leite da Silva Passagem Ortiz

02.07 Rio Grande

6x6

Bartolomeu Bueno da Direito de Silva e João Leite da Silva Passagem Ortiz

02.07 Rio das Velhas

6x6

Bartolomeu Bueno da Direito de Silva e João Leite da Silva Passagem Ortiz

02.07 Rio Mojiguaçu

6x6

Bartolomeu Pais de Abreu Direito de

02.07 Rio Sapucaí

Passagem

6x6

Bartolomeu Pais de Abreu Direito de

1½ x 1½

Manoel Miranda Freire

Passagem

1727 22.10 Carreiro das Araras do Rio Mogi

30

Para plantar e criar gado para conveniência dos


mineiros

13.11 Córrego da Paciência

1½ x 1½

Manoel Dias de Abreu

Para plantar e criar gado para conveniência dos mineiros

1728 30.03 Córrego Bocajubas (Olho d’água) e Jaguará-Mirim

½x½

Manoel Rodrigues Nunes Para plantar e criar gado para e Francisco Correa

02.04 Rio Cubatão

1x1

Carlos Barbosa de Magalhães

Para plantar e criar gado para conveniência dos mineiros e viajantes

21.01 Rio Sapucaí

2x2

Antônio Pereira

Direito de Passagem

06.07 Rio Pirapitinguí

1x1

José Correia de Fonseca

Para plantar e criar gado

26.07 Ribeirão de Furnas

1x1

Francisco Rodrigues Frade

Para plantar e criar gado

31.07 Ribeirão das Carrancas do Rio Grande da borda do povoado do Silva

1x1

Xavier Teles

Para plantar e criar gado para conveniência dos mineiros e viajantes

31.07 Ribeirão da Sepultura do Frade

1x1

Luis Antônio Quiroga

31.07 Ribeirão Araraquara

1x1

Urbano Couto Menezes

conveniência dos mineiros e viajantes

de

Sá Para plantar e

criar gado para conveniência dos mineiros e viajantes Para plantar e criar gado para conveniência dos mineiros e

31


viajantes

02.08 Ribeirão SapucaíMirim

1x1

José Goes Morais

02.08 Ribeirão Pirapitinguí

1x1

Martinho Oliveira

02.08 Ribeirão Pirapitinguí

1x1

Manoel Gomes da Costa

Para plantar e criar gado para conveniência dos mineiros e viajantes

04.08 Lugar dos Batatais

1x1

Pedro Rocha Pimentel

Ele tinha mandado fazer roças nos campos dos Batataes

06.08 Ribeirão Itupeva

1x1

Inácio Vieira Fajardo

06.08 Paragem Araraquara

1x1

João Pimentel Távora (na Estava de volta de parte que estiver Goiás e precisava de sustento de devoluta)

Para plantar e criar gado

Nunes

de Para plantar e

criar gado para conveniência dos mineiros e viajantes

Barros

-

seus escravos

07.08 Fazenda (correndo pelo Urussanga)

2000 Antônio da Cunha e Para povoar e braças Abreu e Manoel das cultivar terras Neves Pio

08.08 Ribeirão Jaboticabas (além do Sapucaí)

1x1

09.08 Ribeirão Itaqui

1x1

Jorge Silva Nobre

09.08 Ribeirão dos Barreiros (além do Rio Grande)

1x1

Jorge Muniz Paiva

Já havia feito suas roças

09.08 Lugar entre o Cubatão e o Rio Araraquara

1x1

Rafael Francisco

Já havia feito suas roças

32

Manoel Dias Menezes, Povoar e cultivar para conveniência Cel. dos mineiros e andantes


18.09 Ribeirão Jaboticabas

1x1

Matias do Couto

27.09 Passagem entre o Rio Sapucaí e o Rio Grande (ao lado das terras de Xavier Telles)

1x1

José Gonçalves de Aguiar Já havia feito suas (morador em São Vicente) roças

28.09 Lugar além do Rio César (ao lado das terras de Manoel de Castro)

1x1

Manoel Gonçalves de Já havia feito suas Aguiar, sargento-mor, roças morador em Santos

½x½

Antônio da Cunha e Para plantar e Abreu, João Bueno da criar gado Silva e Manoel Neves Pio

23.02 Paragens Rio Água Fria

½x½

Simão Bueno Xavier

26.04 Paragem Ponte Alta

½x½

Francisco Borges Chaves Já havia feito suas

Já havia feito suas roças

1732 15.11 Lugar Campinhos Além do Rio Moji 1733 Já havia feito suas roças roças.

26.04 Córrego Seco (buscando o córrego da Paciência)

½ x ½ Estevão da Cunha e Já havia feito suas roças Abreu

28.05 Paragem além do Rio Jaguari

½ x ½ João Pedroso Xavier Já havia feito suas roças (morador no caminho)

23.07 Paragem Mato Grosso e Ribeirão

½ x ½ Inácio Vieira Fajardo (morador do Moji do

Já havia feito suas roças

33


do Cercado 23.07 Paragem da Lagoa Grande e Ribeirão Pinheiro

Campo) ½ x ½ João dos Reis Araújo31 Para plantar e (morador em Moji do criar gado Campo)

15.10 Ribeirão das Pedras ½ x ½ Januário de Godoi Para plantar e Moreira (morador em criar gado Paranaíba) 30.10 Ribeirão Palmital ½ x ½ Pedro Francisco Já havia feito suas entre Pederneiras e Sarmento (morador no roças Rio Pardo caminho de Goiás) 12.11 Paragem Bocaina

½ x ½ Margarida da Silva

18.11 Paragem das Quadrilheiras

½ x ½ Antônio de Araújo Lanhoso Já havia feito suas (morador nas minas de roças. Goiás)

02.12 Paragem Barra do Itapeva

½ x ½ Jerônimo Dias Barreto (morador Caminho de Goiás)

Para plantar e criar gado

2.12 Cachoeira Grande do Rio Moji

½ x ½ João Antônio

Para plantar e criar gado

03.12 Cachoeira Grande do Rio Moji

½ x ½ Bernardo Aguiar

03.12 Paragem Olho d’água

½ x ½ Manoel Rocha Carvalho

31João

Bicudo

Já havia feito suas roças

de Para plantar e criar gado Para plantar e criar gado

dos Reis de Araújo é o primeiro dessa família que deixou enorme descendência em Mojiguaçu e no percurso do Caminho de Goiás. Sua sesmaria é de difícil localização, mas chegou a se constituir em um pouso que aparece nos mapas do século XVIII com o nome de “João dos Reis”. É provável que este pouso seja o mesmo posteriormente denominado “Ribeirão” e onde encontramos por muitos anos a presença de um descendente dele, Lino dos Reis e sua mulher Isidória. Dentre os descendentes de João dos Reis, encontramos bisnetos seus que foram os irmãos Reis, os primeiros aposseadores de terras em Ribeirão Preto, como ainda veremos.

34


18.12 Paragem do Rio Moji

½ x ½ Maria Vaz, viúva Antônio Furquim

de Para plantar e criar gado

18.12 Paragem do ½ x ½ Simplício Pedroso Xavier Já havia feito suas roças Ribeirão dos Cocais (morador no Caminho) 1734 28.01 Ribeirão do Rio Pardo ½ x ½ Domingos Jorge da Silva (duas léguas abaixo do rio)

02.11 Ribeirão Itaqui

Para plantar e criar gado

½ x ½ Domingos Vieira Cardoso Para plantar e (morador em Moji do criar gado Campo)

1735 22.02 Paragem Olho d’água no Ribeirão dos Bugres

½ x ½ Inácio Rodrigues (morador no caminho)

22.05 Rio Moji

800B Manoel de Oliveira Souza Já havia feito suas roças x (morador em Moji do 1/2 Campo)

22.05 Rio Moji

1000B Manoel Alves Tenório x 1/2 (morador em Moji do Campo)

Já havia feito suas roças

Já havia feito suas roças

35


1736 06.03 Paragem entre o ½ x ½ Amaro Nunes (morador Rio Jaguari e Inácio no caminho) Vieira. Ribeirão da Boiada, no 4500 B José de Castro Pereira Rio Pardo x (morador em Moji Mirim)

Já havia feito suas roças Já havia feito suas roças

286B Margens do Rio Pardo, Bebedor Salgado

4 x 1 João Correa de Lemos e outros, da Freguesia do Junquery e Joaquim Bezerra (de Moji Mirim)

Já havia feito suas roças

Passagem do Rio Pardo no Lambedor, Ri-beirão do Ouro.

1x3

Diogo de Toledo Lara Ordonher

Já havia feito suas roças

Entre o Rio Sapucaí- 3 x 3 Mirim e a barra do córrego Jaguarandi

José Maria Pinto da Cunha e Melo

Já havia feito suas roças

Lagoa Rica seguindo o Sapucaí-Mirim

Manoel José de Miranda Já havia feito suas e Menezes (na Freguesia roças de Jacuí, Desemboque).

1x1

Entre os Rios Pardo 1 x 1 e Sapucaí

Pedro Rocha Pimentel

Entre os Rios Sapucaí, Bugres e Bocaina

Philadelfo José Rodrigues Já havia feito suas roças e outros

3x3

Já havia feito suas roças

Vejamos a relação de proprietários de sesmarias e moradores de sítios e pousos citados nos censos: LOCALIDADE Paciência

36

SESMEIRO Manoel de Abreu

DATA CENSO 1727

MORADOR

1765 Inácio Bueno, Bento da Silva, Jerônimo Pires e Antônio Rodrigues


Olho d’água e Manoel Rodrigues Jaguaramirim Francisco Correa

e 1728

1767 Antônio Siqueira Dias e Carlos Siqueira Antunes

Cubatão

Carlos Barbosa de Magalhães

1728

1765 Carlos Barbosa de Magalhães (o mesmo)

Sapucaí

Antônio Pereira

1728

1765 Manoel de Almeida

Araraquara

Urbano Couro e Menezes 1728

1776 Manoel Cardoso

Itupeva

Inácio Vieira Fajardo

1728

1767 Pedro Vieira Fajardo

Urussanga

Antônio Cunha Abreu e

1728

1791 Domingos Pedroso

Manoel Neves Pires Itaqui

Jorge Silva Nobre

1728

1786 Antônio da Silva Maldonado e outros

Cercado

Inácio Vieira Fajardo

1733

1767 Bartolomeu Dias, Luís Pedroso de Almeida e Manoel Antunes

Pedras

Januário Moreira

Cocais

Simplício Pedroso Xavier

Rio Pardo

Domingos Vieira Cardoso 1733

1767 Lourenço Bezerra Cavalcanti32

Jaguari

Pedro Pedroso Xavier

1733

1767 Gonzalo da Costa Bezerra

Rio Pardo

Domingos Silva Jorge

1734

1779 Domingos Silva Jorge33 (o mesmo)

32Ver

de

Godoi 1733 1733

1775 Ângelo Dias 1775 Bento Dias

a respeito da família Bezerra Cavalcanti na página 217. op.cit., p. 49, nota 23.

33BRIOSCHI,

37


A partir de 1775, a região do Caminho de Goiás e o do sertão do Rio Pardo foram transferidos da Freguesia de Mojiguaçu para a recém-criada Caconde. A maior proximidade da sede paroquial facilitou as desobrigas e os registros de batismo e casamento passaram a ter melhor qualidade. São mais detalhados e nítidos, com uma melhor discriminação dos sítios e pousos. Mas a mesopotâmia Pardo-Mojiguaçu continuou a fazer parte da freguesia de Mojiguaçu, até a criação da freguesia de Casa Branca em 1814.

1.2. Os registros Para exercer a sua ação fiscal, a Coroa criou, nos pontos-chaves da penetração para as regiões mineiras, os Registros que, além da função fiscalizadora sobre a quintagem do ouro, funcionavam também como postos fiscais para a cobrança de impostos como os de passagens e os de entradas. Segundo Noya Pinto,34 a arrecadação desses direitos da Coroa em Minas Gerais, particularmente o de passagens, era bastante elevada e, na década de 1740, quase se igualou à arrecadação dos quintos.35 A Coroa, bem cedo, tratou de organizar os registros para a cobrança desses direitos nas minas de Goiás. Os 14 registros ali instalados, embora teoricamente devessem encontrar-se nas fronteiras da capitania, separada da de São Paulo em 1745, com o tempo - como, aliás, acontecia também com Minas Gerais pelas mesmas causas - foram retrocedendo, por comodidade, até as vizinhanças dos arraiais.36 No caso específico do Caminho de Goiás, no trecho paulista, foram instalados registros de cobrança de passagens nos rios que dependiam de canoa para a travessia. Pela descoberta das minas de Goiás, a Coroa concedeu a Bartolomeu Bueno da Silva e a João Leite da Silva Ortiz sesmarias de seis

34O

imposto de passagem era uma taxa cobrada sobre indivíduos e animais em trânsito, verdadeiro pedágio fixado, a princípio, em $80 por pessoa e $160 por montaria. Foi criado em 1711, sendo arrematada, pela primeira vez, em 1714. As entradas eram taxas cobradas nos registros sobre mercadorias importadas pelas áreas mineradoras. Sua instituição data de 1710, mas a documentação sobre sua arrecadação somente se inicia em 1718. Em Minas Gerais, os direitos de entradas atingiram seu pico em 1750 e 1770, mas ficam bem abaixo do das passagens. O registro anual das importâncias pagas permite ao pesquisador reconstruir as flutuações do trânsito para as regiões do ouro, no caso das passagens, e a potencialidade econômica de absorção das regiões mineradoras no século XVIII, no caso de entradas. Justificase a criação desses impostos, obviamente, pelo grande mercado de consumo que se formou nas regiões mineradoras. 35NOYA PINTO, Virgílio. O ouro brasileiro e o comércio anglo-português: uma contribuição aos estudos de economia atlântica no século XVIII. São Paulo/Brasília: Nacional/INL, 1979. p. 66-67. 36PALACIN, op.cit., p. 121-122, nota 26.

38


léguas de testada e outras tantas de sertão, com direitos nas passagens dos rios Atibaia, Jaguari, Pardo, Grande, das Velhas, Paranaíba, Corumbá, Meia Ponte e Claro, ficando os rios Moji e Sapucaí para o Capitão Bartolomeu Pais de Abreu, por renúncia feita a favor do mesmo, como consta na carta de sesmaria de 2 de julho de 1726.37 A concessão dessas sesmarias era permanente, mas a das passagens dos rios era por três vidas, cerca de cem anos. Apenas Bartolomeu Bueno da Silva havia estabelecido as primeiras estações de cobrança, foram-lhe cassadas todas essas concessões e direitos pelo Governador Caldeira Pimentel, ato aprovado pelo rei em 1733. Bartolomeu Bueno da Silva havia gasto todos os seus bens naquela empreitada e ficou praticamente na miséria, só conseguindo sustentar sua família com esmolas de amigos. Porém, pouco sobreviveu a todos esses golpes, falecendo na vila de Goiás aos 19 de setembro de 1740.38 Na verdade, os direitos de passagens na Estrada de Goiás, logo depois de autorizados, foram suspensos. Em 1746, foram restabelecidos, mas já sob a jurisdição da capitania de Goiás, criada no ano anterior. Luis Palacin, na sua obra já citada, não menciona cifras sobre entradas e passagens em Goiás, concentrando sua análise sobre os quintos.39 É provável que houvesse muitas pressões para abolir essas taxas e o governo tendesse a acatá-las. Segundo Chiachiri Filho, esses direitos cobrados no Caminho de Goiás “foram o tormento dos moradores da região, pois oneravam as mercadorias, dificultavam o seu transporte e a circulação de pessoas.”40 De qualquer forma, as evidências indicam certa irregularidade no funcionamento desses registros ao longo da Estrada de Goiás, no trecho paulista. Apenas dois censos falam explicitamente do funcionamento de uma estação de cobrança no Rio Grande, sob ordens de um administrador do filho de Anhanguera II. Alguns outros censos falam da presença de escravos no mesmo lugar, provavelmente com a função de fazer as tais cobranças. Em 1765, estava no Rio Grande, Marcelo Leite, com um salário de 2000$00041. Em 1767, estava

37CARVALHO

FRANCO, op.cit., p.12, 280, 376, nota 8. FRANCO, op.cit., p.376, nota 8. 39PALACIN, op.cit., p.47-61, nota 26. 40CHIACHIRI FILHO, op.cit., p. 151, nota 28. 41SÃO PAULO. Arquivo Público do Estado. Maços de População. Mojiguaçu, 1765, Ordem 114, lata 114. 38CARVALHO

39


José Nunes da Silva, ganhando o mesmo salário para fazer o mesmo serviço.42 Em outro contexto, no das disputas de fronteira entre as capitanias de São Paulo e Minas Gerais, de que trataremos a seguir, foram criados novos registros. Seu intuito era manter a posse do sertão do Rio Pardo para o governo paulista. O primeiro desses registros, instalado, com certeza, ainda na década de 1760, ficava na Borda do Mato, pelo que se conclui de um requerimento do Procurador da Coroa, João de Sam Payo Peixoto, ao capitão-general, em 22 de setembro de 1772: “... repartindo-se o descoberto do Rio Pardo no Distrito dessa capitania as pessoas, que do mesmo vêm, e passam pelo Registro, que se acha estabelecido na Borda do Mato, trazem ouro em pó do dito descoberto em limitadas parcelas, querendo com ele passar para a capitania das Gerais, o que se lhes não pode permitir, por ser em prejuízo da Real Fazenda ...”43 Outro registro existiu em Itapeva, antes de 1772. Informa Orville A. Derby que, em maio desse ano, esse registro foi mudado para o lado norte do Rio Pardo e, ao que parece, para as margens do Ribeirão das Canoas, nas vizinhanças da atual cidade de Mococa44. Se esta localização dada por Derby for correta, esse registro não se situava no Caminho de Goiás, se bem que próximo dele. Em 1778, foi esse registro transferido para São Matheus, próximo à sede da Freguesia de Nossa Senhora da Conceição do Bom Sucesso do Descoberto do Rio Pardo, atual Caconde. Próximo dali existiu outro registro, no lugar chamado Bom Sucesso, a partir de 1775.45 Na verdade, todos esses registros, criados pelo governo paulista, visavam garantir seus interesses fiscais numa região litigiosa. Não concorreram para o povoamento da região, pelo contrário, devido ao obstáculo que criavam ao trânsito de pessoas e mercadorias, impediam a fixação de contingentes humanos. É sintomático que o fechamento do último desses registros, o de São Matheus, em 1807, com o afastamento, por velhice, do seu último comandante, Jerônimo Dias Ribeiro, marque o momento de liberação da construção de vias e

42SÃO

PAULO. Arquivo Público do Estado. Maços de População. Mojiguaçu, 1767, Ordem 114, lata 114. 43DOCUMENTOS INTERESSANTES. São Paulo: 1896. v. 11, p. 164. 44DERBY, Orville. Biografia de Jerônimo Dias Ribeiro. Apud CAMPAGNOLE, Adriano. Memória da cidade de Caconde. São Paulo: Gráfica Latina, 1979. p. 135. 45CAMPAGNOLE, Adriano. Memória da cidade de Caconde. São Paulo: Gráfica Satina, 1985, p.136, nota 44.

40


o início do “rush” dos entrantes mineiros para a capitania de São Paulo. 2. POUSOS E SÍTIOS DO CAMINHO E DO SEU SERTÃO: FLUIDEZ E DISPERSÃO DE UMA POPULAÇÃO O trânsito rarefeito, descontínuo e inconstante entre São Paulo/Mojimirim e as minas de Goiás é que justificaram o aparecimento dos pousos - pequeninos núcleos populacionais plantados regularmente em toda a extensão do Caminho e quase sempre regados por um córrego que lhe emprestava o nome. Constituídos de um ou mais fogos,46 a população de cada um deles variava bastante. Assim, no censo de 1783, encontramos, no pouso de Casa Branca, oito moradores, e no de Taquaratan, cinquenta e três! O número de moradores variava, mas é possível que muitas outras pessoas de sítios e fazendas das redondezas sejam incluídas em um determinado pouso, sem que estejam fixados exatamente ali. Percebe-se uma espécie de cadeia, verdadeiro rosário, que os integra entre si e com os extremos do Caminho. Não eram tão isolados, como afirma Chiachiri,47 pois pelos registros paroquiais anuais, observamos a presença neles de muitas pessoas de fora, sejam de vilas e arraiais distantes ou de outros pousos e sítios próximos que para ali se dirigiam a fim de participarem de ofícios religiosos, sendo padrinhos em batizados e casamentos, por exemplo.48 A origem e organização dos pousos nos parecem alguma coisa viva e dinâmica, apesar de sua população ser fluida e dispersa. Aparecem, desaparecem e, às vezes, reaparecem depois de algum tempo. Seria o caso de Araraquara, Lages, Rocinha e até de Batatais que não aparecem em todos os censos. Falha do recenseador? É possível, mas a documentação extra-censo é pródiga em afirmar a inconstância desses núcleos.

46FOGO

era a unidade econômico-familiar básica da sociedade. Era constituída de marido, mulher, filhos, agregados (que podiam ser parentes ou não) e escravos. Seus integrantes podiam morar em residências diferentes, mas eram, no seu conjunto dirigidos pelo “cabeça de fogo”, espécie de chefe que podia ser o marido/pai, viúvo(a) ou mesmo o homem ou mulher solteira. 47CHIACHIRI FILHO, op.cit., p. 52-53, nota 28. 48Os paulistas preservaram o compadrio como relação altamente significativa. Dada a importância social do batismo para ricos e pobres indistintamente, ter um padrinho influente era também a forma de ser aceito socialmente. Dessa maneira, os favores eram mais facilmente conseguidos numa trama variada de deveres e obrigações recíprocos que definiam a natureza dessa relação.

41


A falta de constância dos moradores nos sítios e pousos realmente nos chama a atenção. A sua ocupação era o mais das vezes temporária. As roças eram abandonadas, mas sempre aparecia alguém para ocupar o local deixado por aquele que partia. Uma carta de Rafael Pires Padrinho, governador de São Paulo, ao rei, em 28 de dezembro de 1730 é bastante elucidativa: “... com facilidade, largavam de um sítio para irem formar outro em novo mato (...). Mas nos que largavam, acomodavam outras pessoas que ainda hoje permanecem neles com a abundância de todos os frutos e mantimentos, e ainda do mesmo milho semeado em roças e capoeiras que eles largaram...”49 O Caminho dos Goiases sobreviveu por mais de um século como interligação dos pousos, necessários ao abastecimento, descanso e outras necessidades dos viajantes50, com seus aspectos demográficos refletindo, sem dúvida, a conjuntura econômica da época, inclusive o fluxo e o defluxo do ouro goiano.

49BRIOSCHI, 50A

42

op.cit., p.4, nota 23. venda do milho era, talvez, o melhor negócio desses moradores. Assim, ao redor do rancho, desenvolvia-se a lavoura do milho, que possibilitava a alimentação das bestas de carga. Cf. CHIACHIRI FILHO, op.cit., p. 55, nota 28.


MAPA DO CAMINHO DOS GOIASES NA CAPITANIA DE SÃO PAULO

BASEADO NA REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO E GEOGRÁFICO DE SÃO PAULO, VOLUME XXIV, DE 1926

43


SESMARIAS, PASSAGENS (CONCEDIDAS ATÉ 1736) E POUSOS DO CAMINHO DE GOIÁS

1. Vila de Mojiguaçu 2. Anhumas 3. Oriçanga 4. Itaqui - Sesmaria de Domingos Vieira Cardoso - 1734 5. Rio das Pedras (I) 6. Taquarantan 7. Itupeva - Sesmaria de Inácio Vieira Barros e Fajardo - 1728 8. Sesmaria de Amaro Nunes - 1736 9. Jaguari-mirim - Sesmaria de Manoel Rodrigues Nunes e Francisco Correa - 1728 10. Sesmaria de João Pedroso Xavier - 1733 11. Evorava 12. Cocais 13. Olhos d'Água 14. Quilombo 15. Piçarrão 16. Ribeirão 17. Casa Branca 18. Capão 19. Estiva 20. Tambaú 21. Paciência (I) - Sesmaria de Manoel Dias de Abreu - 1727 22. Pederneiras 23. Sesmaria de Domingos Jorge da Silva - 1734 24. Cercado 25. Rio Pardo (passagem) - 1726 26. Cubatão - Sesmaria de Carlos Barboza de Magalhães - 1728 27. (Cajuru) - Sesmaria de Rafael Francisco - 1728 28. Lajes 29. Araraquara - Sesmaria de Urbano Couto Menezes - 1728 30. (Araraquara) - Sesmaria de João Pimentel Távora - 1728 31. Batatais - Sesmaria de Pedro Rocha Pimentel - 1728 32. Paciência (II) 33. Sapucaí (passagem) - direito de Passagem a Antônio Pereira - 1728 34. Santa Bárbara 35. Sapucaí-Mirim 36. Bagres 37. Salgado 38. Sesmaria de João dos Reis - 1733 39. Vieiras 40. Monjolinho 41. Calção de Couro

44


42. Rio das Pedras (II) 43. Rio Grande (registro do Anhanguera) - 1726

Naquele momento, século XVIII, o Caminho não desempenhou papel algum no povoamento do sertão que continuou denominado nos mapas da época de “desconhecido”. A sua diminuta população ficou restrita, quase sempre, ao leito do Caminho, e muito poucos se arriscaram a adentrar os ermos que lhe ficavam contínguos. Encontram-se raríssimas referências de populações afastadas do Caminho. Encontramos uma delas na já citada concessão da sesmaria a Domingos Jorge da Silva, em 1734, a duas léguas abaixo do Rio Pardo, a partir de sua travessia pelo Caminho de Goiás.51 Pela análise das listas nominativas dos maços de população e dos registros paroquiais, percebe-se uma população dispersa e fluida, sem muito compromisso em lançar raízes profundas. São poucas as famílias que permanecem citadas por uma longa série contínua e tudo indica que a sobrevivência era dura e difícil, numa vida marcada pela monotonia, sem surpresas ou imprevistos. São basicamente duas as fontes disponíveis para o estudo da população que vivia ao longo do Caminho que ligava a cidade de São Paulo às minas de Goiás: os registros paroquiais de Mojiguaçu e Caconde e os maços de população que se encontram no Arquivo do Estado.

2.1. Os censos populacionais52 Quanto ao civil, a região do Caminho de Goiás esteve adstrita a Mojiguaçu e, posteriormente, a Mojimirim. Assim, os primeiros registros da população do Caminho e do Sertão aparecem em conjunto com os registros de Mojiguaçu. O mais antigo é de 1765, realizado por ordem do governador e capitão-general Dom Luís de Souza Botelho Mourão, o Morgado de Matheus, sendo o primeiro de uma longa série que alcança o II Reinado. O Censo de 1765, não faz especificação dos pousos e sítios, mas discrimina os fogos. A partir dos censos dos anos posteriores, é possível

51SÃO

PAULO. Secretaria da Cultura. Depto. de Museus e Arquivos do Estado. Repertório das Sesmarias. São Paulo: Divisão de Arquivo do Estado, 1994, p. 125. 52SÃO PAULO. Arquivo Público do Estado. Maços de População. Mojiguaçu, São Paulo, 1765-1812. Ordem 114, lata 114; Ordem 116-A, lata 116-A, Ordem 117, lata 117. Mojimirim, 1779-1808, Ordem 116, lata 116.

45


distribuir a população de 1765 pelos seus respectivos pousos e sítios. A lista de 1767 é a primeira que os especifica, do sul para o norte: Itupeva, Jaguari, Evorava, Olho d’água, Pizarrão, Ribeirão, Casa Branca, Capão, Tambaú, Paciência (o primeiro deste nome) e Cercado (todos entre os rios Mojiguaçu e Pardo); Sapucaí, Bagres, Posse, Calção de Couro e Rio Grande (entre os rios Pardo e Grande). Encontram-se poucas referências a populações afastadas do Caminho, mas os censos populacionais fazem referências a sítios e a conglomerados humanos espalhados pelos vales de alguns ribeirões próximos ao Caminho. É o caso de Rio Abaixo e Rio Acima (com certeza, o Mojiguaçu), Urussanga, Cercado e Cercado Grande (diferente do último pouso do Rio Pardo), Tijuco, Anhumas e Mato Dentro, que aparecem citados a partir de 1775. Portanto, essas últimas localidades não constituem pousos mas, certamente, conjuntos de sítios afastados, a certa distância do Caminho. Os próprios censos se encarregavam de separar a população, discriminando-a dessas localidades, que ficavam próximas à vila do Mojiguaçu (quase que bairros suburbanos, diríamos assim) e a do Caminho e/ou Sertão. Vejamos uma listagem de pousos e sítios, com seu número de moradores (M) ou fogos (F), citados nos maços de população selecionados, entre 1765 e 1812: 1765 1767 1775 1776 1778 1780 1782 1786 1787 1791 1794 1811 1811 1812

Itaqui

81M

Rio das Pedras (I)

8F 20M

Taquaratan 10M

Evorava

5M

Olho d’Água

10M 10M

6M

9M

.

23M

4F

4M

.

4F

24M 24M 28M 65M

.

1F

6M 20M 106M

3F

24M

8M

.

7M

7M

.

18M 27M

.

.

. 64F

20M 53M 35M 15M

. 8M

.

.

Piçarra (Barreiro) Ribeirão (I)

7M 15M 5M 10M

3F

11M

Casa Branca

16M 6M

2F

29M 13M

46

. .

.

Quilombo 10M

19M 11M 16M 24M 54M 20M

16M

Cocais Piçarrão

6F

7M 12M

5M

30M 42M 35M 34M 13M 23M 29M 57M

22M 35M

Itupeva Jaguari

9F

7M 90F

.


1765 1767 1775

Capão

5M

1778 1786

6M

1787

1791 1794

9M 10M

10M

.

.

.

13M

.

16M

18M

.

22M

14M

10M

21M

Pederneiras

6M

13M

.

7M

14M

.

21M

98M

190 M

Arraial/Vila (Mojiguaçu)

184M

26F

25F

.

.

.

Rio Abaixo

72M

8F

13F

.

90M

Rio Acima

106M

22F

34F

.

.

124M

24F

19F

.

79M

8F

18F

Urussanga Cercado

6M 15M

Cercado Grande Tijuco

34F 23F

31F

34F 39F

42F

.

62F 73F

68F

.

103F

5M 8M

117 M .

.

15F 67M

3F

4F 5F

Anhumas

6F

Mato Dentro Rio das Pedras (II)

1812

148M

Paciência (I) 10M 7M

Cercado

1810 1811

53M 8M

Estiva Tambaú

1776

8M

118F 122F .

.

.

Alguns censos de Mojiguaçu não discriminam a população em seus respectivos sítios, pousos ou outros aglomerados como podemos observar no quadro abaixo: ANOS

Repartição da População

1785

Vila e Sertão

1795

Vila e Caminho de Goiás

1805

Vila e Sertão

1808

Vila e bairro do Rio Pardo

1810

Vila e Sertão

1811

Vila e bairro do Rio Pardo

47


Para Mojiguaçu, não encontramos os censos de 1766 a 1774, 1779, 1781, 1784, 1788 a 1790, 1792, 1793, 1796 a 1804, 1806, 1807 e 1809. O censo de Mojimirim de 1787 traz também uma lista de sítios e pousos que, normalmente, aparecem nas listas de Mojiguaçu: Cocais, Itupeva, Paciência, Cercado e Tambaú. Mas apenas o sítio de Itupeva aparece nas duas listas deste mesmo ano, se bem que com moradores diferentes. Outra lista de Mojimirim, de 1810, faz referências à população do Sertão e Bairro do Rio Pardo, este aparecendo vinculado às listas de Mojiguaçu de 1808 e 1810. Vimos, portanto, que as listas populacionais não são contínuas, existindo entre elas espaços vazios consideráveis. Algumas se perderam ou foram destruídas pelo tempo, outras nem sequer chegaram a ser confeccionadas. Existem ainda aquelas que se apresentam de maneira incompleta ou em péssimo estado de legibilidade. O conjunto de listas que conseguimos pesquisar apresenta muitas imprecisões. É possível perceber muitas deficiências. Mesmo os mapas gerais do resumo, ao final de cada maço, não escapam a essas deficiências, pois foram elaborados a partir das mesmas listas. As imprecisões das listas de população são as mais diversas: nomes escritos incorretamente, omissão de pessoas ou vários fogos, muitas incorreções sobre as idades dos indivíduos relacionados, e assim por diante. Mas é possível entender essas deficiências. Não era tarefa fácil para os capitães de ordenanças ou mesmo para os párocos relacionar todos os moradores do Caminho e do seu sertão numa época de extremas dificuldades de transporte, o que alongava ainda mais as distâncias. Era difícil, sem dúvida, registrar uma população pequena, mas dispersa, relacionar moradores e fogos que pouco contavam naquele deserto de homens. Apesar de todas essas deficiências e lacunas, as listas populacionais são de importância fundamental para o estudo da demografia, da sociedade e da economia do sertão paulista durante o século XVIII e início do século XIX. Mesmo contendo lacunas, é possível ter uma visão de conjunto da população, sua vida familiar, social e econômica. Vejamos agora, a evolução do Caminho e do seu Sertão. Os mapas de população apresentam, geralmente, resumos ao final de cada censo. Por eles, é possível ter-se uma visão sinóptica da população daquelas antigas freguesias (Mojiguaçu, Caconde e Mojimirim). Esses resumos não nos oferecem, para todos os anos, a população do Caminho/Sertão discriminada da população residente na sede da freguesia. Isso ocorre também com as próprias listas nominativas, como já afirmamos antes. Por isso, torna-se praticamente impossível fazer um estudo da evolução apenas da população do sertão. Seremos, então, obrigados a considerar toda a população no seu conjunto e, quando a documentação permitir, utilizaremos os

48


dados disponíveis para a população da vila e do sertão: Evolução da População da Mesopotâmia Pardo-Mojiguaçu (Freguesia de Mojiguaçu) Ano População Livre

1765* 1767 1775 1776 1777 1778 1779 1780 1782 1783 1784 1785 1786 1787 1789 1790

1032 1054 773 914 774 930 1117 1046 1179 1136 2332 1787 1348 1342 1490 1494

População Escrava

130 125 122 135 238

141

204 171

Vila

886 903 670 629 156

1036

Sertão

146 151 103 285 618

235

Fogos

172 203 145 174 131 132 165 157 172 174 383 276 244 218

Homens **

522 526 391 428 308 433 501 451 521 649 1190 865 644 642 742 766

Mulheres **

510 528 382 486 366 497 568 533 599 475 1182 922 704 700 748 728

Nascimento

25

39 52

-

Mortes

89

17 18 12

246 217 357 248

61

59 63 111 81 57

77

68 81

12

30 17

32

37 51

18

70 26

* O censo de 1765 bem como os de 1779 a 1784 não incluem a população de escravos, mas estes vêm citados entre os bens de cada morador. ** Os dados de homens e mulheres não incluem a população escrava.

Ano

1791 1793 1794 1795 1797 1798 1799 1803 1805 1806 1807 1808 1809 1810 1811* 1812 1813

População Livre

127715101379 117719041628 1786

1983 18942009 2087 22022399 2297 21342951

População Escrava

130

179

159

Vila Sertão

517

329 209

Fogos

226 231 222 186

311

49


Homens **

664 731 661 477 1069

886

855

Mulheres **

613 789 718 700 835

929

944

Nascimento

86 57 87 64 69 79

92 91 117 64

32

106

100

Mortes

49 34 70 21

83 64 82 32

32

62

* Não inclui a população de escravos, mas estes vêm citados entre os bens de cada morador. ** Os dados de homens e mulheres não incluem a população escrava.

Levando-se em conta o corte geográfico preferencial de nosso estudo, a mesopotâmia Pardo-Mojiguaçu, procuramos destacar os moradores mais antigos desta área e que permaneceram por mais tempo sendo citados nos censos, entre 1775 e 1829: Nome do Cabeça de Fogo

Primeiro Censo Citado

Último Censo Citado

Localidade

Ano

Ano

Pedro de Souza Machado e Ana Joaquina

Cocais

1791

1816

Manoel de Souza Machado e Rita Pinta

Cercado

1791

1817

Rita Vaz

Ribeirão

1783

1805

Manoel da Silva e Souza e Ana Garcia

Cocais

1791

1829

João de Costa Bezerra e Ana Francisca

Sertão (?)

1785

1825

Manoel Duarte Francisca de Paula

Sertão (?)

1785

1819

Maria José de Castro*

Taquarantan

1783

1829

Antônio Pereira Campos e Ângela Francisca

Olho d’Água

1791

1805

Bento Dias Garcia e Antônia Oliveira

Cocais

1775

1816

Antônio Dias Garcia e Maria de Oliveira

Piçarrão

1775

1805

50

Aquino


Joaquim Bezerra Pais Cavalcanti e Maria Francisca (**)

Cercado

1791

1829

* Viúva de Lourenço Bezerra Paes Cavalcanti. ** Seus descendentes fixaram-se na área da futura Ribeirão Preto e vieram estabelecer laços de família com os Reis de Araújo. Ler adiante, à página 220.

Alguns desses moradores do Sertão aparecem no censo de 1808 listados no Bairro do Rio Pardo (toda a área compreendida entre os rios Pardo e Grande, na capitania de São Paulo e que iria constituir a Freguesia de Nossa Senhora de Conceição da Franca a partir de 1814). Isso sugere talvez que fossem moradores do vale do Rio Pardo ou que vivessem ao longo do mesmo. Com certeza, a referência ao bairro do Rio Pardo, que aparece também em 1811 e em outros documentos do início do século XIX, não quer dizer apenas a área próxima a Caconde, mas a um longo trecho do rio. Chegamos a esta conclusão depois de observar que muitos moradores antigos da área do Cubatão são mencionados no referido bairro. Por exemplo, o capitão Carlos Barbosa de Magalhães, neto do sesmeiro do Cubatão, aparece no bairro do Rio Pardo em 1811, mas nunca viveu na área próxima a Caconde. Também aparece Maria Madalena, já viúva em 1811, mãe dos Reis de Araújo, primeiros posseiros da área do Ribeirão Preto, bem como seu irmão Vicente Alves, ambos fazendo parte de uma grande parentela sempre ligada às imediações do Caminho de Goiás no seu cruzamento com o Rio Pardo. Em 1835, Vicente Alves aparece no Censo de São Simão, citado numa área próxima à confluência do Ribeirão do Tamanduá com o Rio Pardo. Bento Dias Garcia, natural de São João del Rei, soldado de ordenança, já é citado no censo de 1775, então com 39 anos, com cinco filhos e um sobrinho. Um dos mais antigos moradores do Sertão tinha sua propriedade nos Cocais, próximo a Casa Branca. Permanece citado no censo até 1816. Apesar de existir como freguesia desde 1774, o primeiro censo de Caconde encontrado é de 1778. É possível que tenha sido elaborado um censo de Caconde no ano da criação da freguesia e nos anos logo posteriores, pois esta foi desmembrada da freguesia de Mojiguaçu e é perfeitamente possível perceber o reflexo desse desmembramento na redução da população total de Mojiguaçu, entre 1767 e 1775, de 1054 para 773 moradores. Observemos na evolução populacional da mesopotâmia PardoMojiguaçu quatro fatores importantes que nos chamam de imediato a atenção: 1. Uma diminuta população dispersa por uma imensa área geográfica durante o século XVIII; 2. Estagnação de seu crescimento como tendência, excetuando o ano de 1784 quando tivemos um salto de 102,20% em relação ao ano anterior, e de

51


1797 quando tivemos outro salto de 61,77% em relação ao ano anterior; 3. Somente a partir de 1798 é que detectamos um crescimento mais significativo e persistente: é possível observar que, nos anos posteriores, a população não recua mais aos níveis de 1795; 4. A oscilação frequente daquela população como podemos observar no quadro abaixo: 1765-1767: +

1783-1784: +

1793-1795: -

1767-1775: -

1784-1785: -

1795-1797: +

1775-1776: +

1785-1786: -

1797-1798: -

1776-1777: -

1786-1787: -

1798-1805: +

1777-1779: +

1787-1789: +

1805-1806: -

1779-1780: -

1789-1790: +

1806-1810: +

1780-1782: +

1790-1791: -

1810-1812: -

1782-1783: -

1791-1793: +

1812-1813: +

Observemos no quadro acima doze momentos de variação para cima e doze momentos para baixo. Todas essas variações exigem uma explicação na medida em que a documentação nos possa fornecê-la. Os refluxos da população no século XVIII carecem de uma explicação mais abalizada, pois, fora as listas nominativas, poucos são os documentos que podem nos fornecer algumas informações sobre este período. O crescimento vegetativo dessa população foi também pouco significativo para o crescimento da população absoluta: entre 1776 e 1795, tivemos 968 nascimentos e 591 mortes. Nesse mesmo período, a população da região cresceu em 941 indivíduos, em 1776, para 1177 indivíduos em 1795. Estes números nos sugerem que a região, na verdade, perdeu populações naqueles vinte anos, pois o crescimento da população absoluta foi inferior à taxa de natalidade. O estudo desses dados nos leva a concluir que o sertão sempre foi uma região de trânsito, não fixando os moradores por muito tempo. E talvez seja isso o que mais tenha contribuído para essas variações populacionais.53 A existência próxima de um pequeno centro minerador (Descoberto do Rio Pardo, em Caconde) poderia ter interferido no fluxo e refluxo daquela população entre os distritos de Mojiguaçu e Caconde. Mas as evidências praticamente não existem. Comparando os censos de Mojiguaçu e Caconde,

53CHIACHIRI

52

FILHO, op.cit., p.120, nota 28.


notamos que não existe uma forte correspondência entre o fluxo de uma população e o refluxo de outra para o mesmo ano. Até, pelo contrário, crescimento e recuo ocorrem, no mais das vezes, em ambas as regiões simultaneamente. Vejamos esses dados para os anos em que foi possível fazer tal correspondência: MOJIGUAÇU

CACONDE

1785-1786

- 27,41%

+ 4,62%

1786-1787

- 0,45%

- 12,65%

1787-1789

+ 11,03%

- 8,96%

1789-1790

+ 0,27%

+ 27,11%

1790-1791

- 0,70%

- 24,01%

1791-1793

+ 9,50%

+ 13,51%

1793-1794

- 8,69%

+ 10,07%

1794-1795

- 14,65%

- 1,33%

1795-1797

+ 61,77%

+ 10,28%

1797-1798

- 14,50%

+ 1,52%

1798-1799

+ 9,71%

+ 15,10%

1799-1805

+ 11,03%

-

1799-1801

-

- 10,52%

1801-1803

-

+ 10,01%

Na série de anos acima, a produção do ouro goiano já estava em franca decadência e não nos explicaria, de modo conveniente, as sucessivas quedas do número de moradores. Outra hipótese seria a atração desses moradores pela expansão da lavoura canavieira na própria província de São Paulo, no denominado “quadrilátero do açúcar” de Sorocaba, Piracicaba, Mojiguaçu e Jundiaí.54 Mas ficaria sem explicação o aumento brusco logo após os anos de baixa, como em 1784 (+ 102,20%), 1789 (+ 11,03%) e 1797 (+ 61,77%). A partir do último quinquênio do século XVIII, tanto para a mesopotâmia Pardo-Mojiguaçu, quanto para a freguesia de Caconde (do Rio Pardo ao Rio Grande), observamos um crescimento populacional pequeno, mas persistente.

54PETRONE,

Maria Tereza Schorer.“A lavoura canavieira em São Paulo. São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1968.

53


No caso de Mojiguaçu, este crescimento se estende de 1798 a 1805 e de 1806 a 1810, com apenas um refluxo entre 1805 e 1806. Sem dúvida, este fenômeno de crescimento populacional já se prende a uma nova conjuntura: à chegada dos “entrantes” mineiros que vai se intensificar nos anos posteriores. O adensamento populacional que se verifica não poderia ser obra do crescimento vegetativo. Apesar da precariedade dos dados, verificamos ser este crescimento muito restrito para que se possa justificar o crescimento da população absoluta: ANOS

Mojiguaçu

Caconde

Crescimento da População Absoluta

*

Crescimento da População Absoluta

*

1795-1797

+ 61,77%

(1)

+ 10,28%

+ 1,61%

1797-1798

- 14,50%

(2)

+ 1,52%

+ 1,76%

1798-1799

+ 9,71%

-

+ 15,10%

+ 3,38%

1806-1807

+ 3,88%

+ 1,59%

-

-

1807-1808

+ 5,51%

(3)

-

-

* Crescimento vegetativo neste último ano. (1) 69 nascimentos em 1797, mas 267 casamentos (!) (2) 79 nascimentos em 1798, 26 casamentos. (3) Apenas 32 nascimentos para o ano de 1808. Uma das consequências dessa alteração significativa no número de habitantes do sertão foi a criação de novas freguesias como a de Franca em 1804, Casa Branca em 1814 e Batatais em 1815. Mas esta é uma nova conjuntura que estudaremos nos capítulos subsequentes. Para um estudo comparado da evolução populacional entre as vilas focalizadas e o sertão, não dispomos de muitos dados para análise. Mas, a partir daqueles existentes, podemos concluir que, logo após a fundação das vilas, estas concentravam uma população maior que a do sertão, certamente pelo fato de requererem recursos e funcionários nomeados para a sede do termo ou da freguesia. Mas a tendência é inverter esta situação inicial, ficando a população do sertão mais numerosa que a das sedes das freguesias nos anos subsequentes:

54


ANOS

População de

População de

Mojiguaçu

Caconde

VILA

SERTÃO

VILA

SERTÃO

1765

886

146

-

-

1777

618

308

-

-

1782

46 Fogos

126 Fogos

197

236

1787

-

357

241

194

1790

-

-

274

231

1791

-

517

160

215

2.2. Registros eclesiásticos Os registros de batismo e casamento do Caminho de Goiás e do Sertão nos fornecem informações que não existem nas listas populacionais. Eles têm início em uma fase bem mais remota, 1737 (pelo menos, para os casamentos) e nos permitem uma sequência mais ininterrupta que os maços de população. Por outro lado, fornecem-nos dados mais minuciosos como data próxima dos nascimentos, origem, filiação e residência dos batizados e contraentes, como também de seus pais e padrinhos. Brioschi serviu-se de uma transcrição datilografada dos assentos de batismo elaborada por Adriano Campagnole, para o seu estudo sobre a população que vivia ao norte do Rio Pardo. Até 1786, os assentos oferecem informações, tais como nomes do batizado, dos pais, com condição social (livre, escravo, forro), nomes dos padrinhos e até sua filiação. Por determinação do vigário episcopal, a partir de 1787, os assentos passam a ser recheados com outros dados importantes como naturalidade e local de residência dos pais e padrinhos. Já os assentos de casamento foram cedidos a Brioschi por Roberto Vasconcelos Martins, que os transcreveu, do período de janeiro de 1737 a junho de 1775, muitos dos quais ilegíveis ou incompletos, além de alguns assentos de batismo do período correspondente a julho de 1738 a maio de 1739, provavelmente transcritos em livro errado pelo vigário. Estes assentos de casamento cobrem, portanto, um período mais remoto e se referem a todo o percurso que ia de Mojiguaçu até o Rio Grande, incluindo a

55


região do Desemboque, já em Minas.55 São citados os nomes de várias localidades, algumas de difícil identificação. Por ser a documentação mais recuada no tempo, citamos a súmula de alguns desses assentos, em ordem cronológica, principalmente aqueles realizados no Caminho de Goiás e no seu sertão para podermos perceber a antiguidade de alguns topônimos, e outros realizados na sede da freguesia (Igreja Matriz) que apresentam também interesse para a nossa pesquisa no que se refere à origem de algumas famílias muito antigas na região: NOIVOS

DATA

Luis de Sá Quiroga e (sic) ?

Jan-1737

Ribeirão da Sepultura do Frade

LOCALIDADE

Júlio Gonçalves de Gouveia e Margarida Bicuda

30-05-1737

Pouso Alegre, sítio do Tenente João Brito Andrade

Juliano Mulato e Escolástica Mulata, escravos 01-06-1737 do Tenente João Brito Andrade

Idem

(sic) e (sic)? nação Vaia (?), escravos do 01-06-1737 Tenente João Brito Andrade

Idem

José Nagô e Domingas Crioula, escravos do 06-01-1737 Tenente João Brito Andrade

Idem

Ignácio de Araújo56 e Ana de Souza

08-01-1739

Moji do Campo

abr/jun-1739

Idem

26-07-1740

Bocaina, sítio de Manoel Luís Gomes

Rui de

Araújo57

e (sic) Dias de Siqueira

Manoel e Perpétua, escravos

(sic) ? e Clara, escravos de Carlos Barbosa de 22-09-1743 Magalhães58

Cubatão

Matheus Angola e Joana Angola, escravos de 25-09-1743

Rio Pardo

55Nessa

época, “Desemboque” correspondia à região de Jacuí, ao Sul do Rio Grande, sendo assistida pelos vigários de Mojiguaçu (área mais tarde incorporada a Minas Gerais). 56 Inácio de Araújo era natural de Pindamonhangaba, filho de João dos Reis Araújo e Maria Peralta, bisavós dos irmãos Reis, primeiros posseiros de Ribeirão Preto, como ainda veremos. 57 Rui de Araújo era outro filho de João dos Reis Araújo e Maria Peralta, citados na nota anterior. 58 Carlos Barbosa de Magalhães e seus descentes permaneceram no Cubatão e nas Lages por muitas décadas. Ele recebeu sua sesmaria em 1728 e lá constituiu parentela, com filhos, agregados e escravos. Foi casado com Ana Garcês de Morais Santos. Seu filho, homônimo, foi casado com Joana Pires Cordeira. Carlos Barbosa de Magalhães, o pai, faleceu, com testamento, em Jacuí no ano de 1770. Em 1821, sua nora Maria Pires de Araújo (já viúva de José Barboza de Magalhães) e seus netos José, Manoel, Carlos, Geraldo e Bento, fizeram doação de um terreno para patrimônio de São Bento e Santa Cruz, onde foi construída a capela que deu origem à Cajuru conforme Livro do Tombo da Paróquia de Batatais, Fazenda das Lages, 11-11-1821.

56


Francisco Pereira Antônio Luanda e Maria Angola, escravos de Francisco Vieira da Costa e como testemunhas 17-07-1748 Timóteo dos Reis Araújo, solteiro, e José de Camargo Leme, casado

Caminho de Goiás

Francisco Vieira da Costa59 e Francisca Pires 24-04-1738 de Jesus

Moji do Campo

Timóteo dos Reis de Araújo60 e Rita Vieira

abr-jun-1750 Idem

Antônio Figueira e Maria do Souto

01-06-1751

Araraquara, casa de Ângelo Silva Rego

Antônio e Maria, escravos de Ângelo Silva Rego

24-06-1751

Idem

José Francisco de Oliveira e Inês Francisca

jun-nov-1751 Cocais

Sgto-mor Francisco da Rocha Abreu e Clara Maria, que fora escrava do contraente há 27-03-1752 muitos anos.

Pouso Alegre, junto às Pederneiras, no sítio do noivo.

Francisco Vieira da Costa foi um dos mais antigos moradores do sertão. Era português, natural da Freguesia de São Jorge de Angra. Viveu muito tempo em Minas Gerais, inclusive em Conceição dos Carijós (atual Conselheiro Lafaiete) onde teve filhos com a primeira mulher, Antônia Rodrigues de Jesus. Em 1755, estava em Jacuí, quando assinou, como testemunha, o auto de posse do sertão do rio São João pelas autoridades paulistas, ao lado do responsável maior por aquele descobrimento de exploração aurífera, Pedro Franco Quaresma. Com ele, assinam também aquela ata Manoel de Siqueira Gil e Thimóteo Reys de Araújo. Casou-se segunda vez com Francisca Pires de Jesus, também viúva do primeiro marido, Luiz de Siqueira Gil, e filha de João dos Reis de Araújo e Maria Peralta, já citados. Vários filhos de Francisco Vieira da Costa casaram-se posteriormente com membros da família Reis de Araújo, o que demonstra a empreitada comum das duas parentelas na obra de ocupação do antigo sertão. Ele é citado por Campanhole, em sua obra “Memória da cidade de Caconde” e por Carlos de Almeida Prado Bacellar e Lucila Reis Brioschi, na obra “Na Estrada do Anhanguera”, como ilhéu, morador no Caminho de Goiás que obteve permissão para explorar ouro no Desemboque, juntamente com alguns companheiros. Mas em 31.01.1815 aparece o registro de casamento, em Franca, de José Vieira da Costa (do Desemboque) com Joaquina Maria. Este, filho do capitão Francisco Vieira da Costa e Ignácia Maria (seria sua terceira mulher?). 60 Timóteo dos Reis de Araújo, nascido em Pindamonhangaba, era filho de João dos Reis de Araújo e de Maria Peralta, um dos mais antigos sesmeiros do Caminho de Goiás (ver relação de sesmarias que apresentamos neste trabalho). Timóteo estava em 1755 no Jacuí, participando do auto de posse daquela área para o governo paulista (ver nota anterior). Descobrimos em Jacuí um dos seus filhos ali nascidos, Antônio, batizado em 10/05/1765. Outro de seus filhos, Manuel José dos Reis Araújo, casado com Maria Madalena de Jesus, foi o pai dos irmãos Reis (Matheus, Vicente, Manuel, Bárbara e Ana), dos primeiros povoadores da área de Ribeirão Preto, como ainda veremos. 59

57


Manoel de Siqueira Gil e Ana Rodrigues. João Lopes da Cunha e Maria da Anunciação61 João Vieira de Araújo e Ana Rodrigues

14-05-1752

Idem

16-05-1752

Posse

14-05-1752

Pouso Alegre, Idem

Manoel de Pinho Bartolomeu e Suzana de 07-06-1753 Almeida

Rosal, sítio do Sertão

José Vieira da Costa e Maria do Rosário de 04-06-1754 Jesus

Sertão

Antônio Rodrigues de Araújo e Cristina

02-05-1755

Rio Pardo

Antônio Nunes Pais e Maria do Prado62

12-01-1756

Mojiguaçu

Antônio Crioulo e Páscoa Benguela, escravos 11-07-1757 de Carlos Barbosa de Magalhães

Cubatão

Miguel Antunes Maciel63, e Gertrudes Buena 15-07-1757 da Silva

Rio Pardo

Vicente Martins Tavares e Maria Buena da 29-06-1760 Silva

Nova povoação do Desemboque64, em casa de Lourenço Bueno da Silva

Francisco Vieira e Ana Leme da Silva65

02-07-1760

Idem

Salvador de Siqueira Gil66 e Martinha 02-07-1760 Rodrigues de Jesus

Idem

Luís Pedroso de Almeida e Maria Vieira da 07-07-1762

Tambaú, em casa de Caetano

Maria da Anunciação era também filha de João dos Reis Araújo e Maria Peralta. Maria do Prado era neta de Sebastião da Costa Garcia e Joana Peralta, esta irmã de Maria Peralta, já citada. 63A família Antunes Maciel, fixada às margens do Rio Pardo, desde os primórdios do Caminho de Goiás, deixou também grande descendência na região. Um deles, Alexandre Antunes Maciel, tentava formar, em 1852, um patrimônio para a construção de capela na Fazenda do Esgoto, área próxima a Ribeirão Preto. 64 Este Desemboque, segundo o arquivista Wanderlei dos Santos, corresponde ainda a uma vasta zona que incluia Jacuí, não podendo ser o atual Desemboque, pois, na época, este era chamado de Rio das Abelhas e a área além do Rio Grande nunca chegou a pertencer a São Paulo nem às freguesias paulistas. 65 Esta Ana Leme da Silva, que se casara com o filho do Cap. Francisco Vieira da Costa (já citado) era filha de Inácio Vieira Fajardo, sesmeiro na Itupeva desde 1728, e Ana Brito de Jesus, esta, por sua vez, filha de João dos Reis de Araújo e Maria Peralta, já citados. 66 Salvador de Siqueira Gil era filho de Luís de Siqueira Gil e Francisca Pires de Jesus (Reis de Araújo), já citados na nota 56. 61 62

58


Cunha Antônio Pedroso e Rita Gonçalves

Vaz Machado. 10-07-1762

Araraquara, sítio do defunto José Álvares Paiva

Domingos da Silva Lisboa e Gertrudes de 08-08-1763 Souza67

Mojiguaçu

Lino dos Reis68 e Isidória Nunes

10-11-1763

Idem

Jerônimo Pires e Catarina Gil

11-10-1763

Sítio do Pé do Morro

João Bueno e Maria Cardosa de Siqueira

28-04-1765

Paciência, Bueno

casa

de

Pedro e Inácia, crioulos, escravos de Manoel 15-05-1765 de Almeida

Passagem de Sapucaí

Marcos Gaspar da Costa e Tereza Maria de 22-06-1766 Jesus69

Pé do Morro

Inácio

Gertrudes de Souza era filha de Inácio dos Reis de Araújo e Ana de Souza, portanto, neta paterna de João dos Reis de Araújo e Maria Peralta, já citados. 68 Lino dos Reis e sua mulher Isidória Nunes são os moradores de mais longa permanência no Caminho de Goiás. Ele era filho de Inácio dos Reis de Araújo e Ana de Souza, portanto, era neto também de João dos Reis de Araújo e Maria Peralta. 69 Esta Maria de Jesus era moradora em Jacuí, filha de Carlos Barbosa de Magalhães, o sesmeiro de Cubatão, e Ana Garcês de Moraes Santos. 67

59


ESQUEMA DO ENTRELAÇAMENTO DAS FAMÍLIAS REIS DE ARAÚJO E VIEIRA DA COSTA Filhos do Capitão Francisco Vieira da Costa e Antonia Rodrigues de Jesus

Membros da família Reis de Araújo casados com seus filhos

casamento

Ana Rodrigues

João Vieira de Araújo

14.05.1752

Francisco Vieira

Ana Leme da Silva

02.07.1760

José Vieira da Costa

Maria do Rosário de Jesus ?

Martinha Rodrigues de Jesus Salvador de Siqueira Gil Maria Rodrigues de Jesus

Manoel de Siqueira Gil

Rita da Anunciação Vieira

Timóteo dos Araújo

Reis

Data do

Filhos de Ana Brito Reis de Araújo e Inácio Vieira Fajardo

02.07.1760 Filhos de Francisca Pires de Jesus (Reis de Araú-jo, irmã de Ana 11.05.1752 Brito) e Luiz de Siqueira Gil de

1750

Irmão de Francisca, acima

Ana e citadas

Capitão Francisco Vieira Francisca Pires de Jesus 19.05.1739 da Costa (Reis de Araújo)

PERMANÊNCIA DE LINO DOS REIS E ESPOSA NO CAMINHO DE GOIÁS ANO

AGREGADOS

ESCRAVOS

1765

Ribeirão

SÍTIO QUE OCUPAVAM

3

1

1776

Ribeirão

3

-

1782

Caminho de Goiás (?)

3

1

1784

Idem

6

1

1785

Idem

3

1

1786

Idem

5

2

1787

Idem

4

1

1789

Idem

4

1

1790

Bagres

10

1

1793

Caminho de Goiás (?)

13

1

1794

Idem

7

2

Os maços de população entre 1782 e 1789 como também os de 1793 e

60


1794 não discriminam localidades, mas podemos observar que o fogo de Lino dos Reis vem sempre próximo ao de Bernardo Machado, casado com Raquel, outro dos mais antigos moradores do Sertão, e de maior permanência ali, presente no censo a partir de 1765. Bernardo faleceu em 15-10-1805 e foi enterrado no cemitério da Posse (Livro 1 de Óbitos de Franca). Lino dos Reis deve ter falecido em 1795 ou 1796, pois seu nome desaparece das listas populacionais a partir daí. Não deixou descendência. Por esses assentos de casamento, percebemos que, já com a distribuição das sesmarias nas décadas de 1720 e 1730, vinha ocorrendo um processo de ocupação territorial permanente, com a implantação de sítios e pousos nas imediações do Caminho de Goiás. Através da posse ou da compra e venda, assentavam-se, longo do Caminho e do seu sertão contíguo, não apenas pequenos proprietários e roceiros, “forasteiros despossuídos de bens”, mas também homens de posse, pertencentes às Companhias de Ordenanças, como o Sargento-mor Francisco de Rocha Abreu, o Tenente João Brito de Andrade e o Capitão Francisco Vieira da Costa, homens que partiam para o desbravamento e conquista do sertão sem a preocupação de solicitarem sesmarias.70 De um modo geral, a documentação oficial, que é melhor preservada, pode nos levar a uma História oficializante daquele desbravamento, deixando de lado a parte mais rica e interessante desse processo que foi obra, sem dúvida, dos particulares. As fontes eclesiásticas, por isso mesmo, nos são muito úteis, flagrando a população em momentos importantes na vida de todos os homens, como o batismo e o casamento. Mesmo assim, existem alguns obstáculos na documentação eclesiástica. Sabemos, por exemplo, que grande parcela da população colonial estava fora do campo de ação da Igreja. As longas distâncias, problema especialmente grave na região do Caminho de Goiás, tendiam a relegar ao esquecimento boa parte da população, internada no sertão. Os párocos de Mojiguaçu e Caconde, através de suas desobrigas anuais, tentaram contornar este problema, mas nada nos assegura que todos os indivíduos eram assistidos por aquela ação pastoral. Outros problemas como uniões tidas como escandalosas e uniões consanguíneas proibidas levavam à falta de interesse em oficializá-las. De qualquer modo, esta documentação nos fornece informações importantes para a história do povoamento. Vejamos, por exemplo, as citações mais antigas dos topônimos nos assentos de casamento:

70Cf.

BRIOSCHI, op.cit., p. 6, nota 23.

61


TOPÔNIMOS

DATA DA PRIMEIRA CITAÇÃO

Sepultura do Frade

1737

Pouso Alegre

30-07-1737

Bocaina

26-07-1740

Cubatão

22-09-1743

Rio Pardo

25-09-1743

Araraquara

01-06-1751

Cocais

1751

Posse

1752

Boa Vista

11-05-1752

Pederneiras

1752

Rosal

07-06-1753

Desemboque (região do Jacuí)

02-07-1760

Tambaú

07-07-1762

Pé do Morro

11-10-1763

Sapucaí

15-05-1765

Não é fácil identificar a localização exata desses sítios e pousos. Seus nomes não eram fixos e podiam ser alterados facilmente, ao sabor dos tempos e costumes. Alguns nomes não se consolidaram como aqueles que estavam ligados aos seus proprietários ou principal morador. Existiam ainda os homônimos como Paciência, Araras, Ribeirão, Ribeirão das Pedras, etc. Aqueles que tomavam o nome do ribeirão contíguo ficaram com seus nomes por um período mais duradouro. O pouso ou sítio deve ser identificado como uma propriedade rural e não como um aglomerado de famílias.71 Mesmo com o surgimento, mais tarde, de núcleos urbanos próximos, muitas dessas propriedades continuaram a existir.

71CHIACHIRI

62

FILHO, op.cit., p.52, nota 28.


63


CAPÍTULO II

ESGOTAMENTO DAS MINAS DE OURO E REORGANIZAÇÃO DA ECONOMIA SUL MINEIRA

“Mas foi Marta que nos convenceu... de que não devíamos continuar aqui. Pedras, lajes, túmulos... e só uma árvore, nenhuma espiga ! Ouro, restou o das imagens e altares” (ANDRADE, Jorge. A Pedreira das Almas)

64


1. DECADÊNCIA MINEIRA NO SÉCULO XIX: MITO E REALIDADE A historiografia econômica brasileira esteve, de certa forma, até recentemente, enredada na ideia - herança de uma mentalidade colonizadora de que a atividade exportadora é a única coisa que conta. A evolução econômica do país foi descrita, durante muito tempo como uma série de “ciclos de exportação”1. Em todos eles, as regiões à margem do boom exportador eram excluídas como decadentes ou estagnadas, periféricas, negando-se a elas uma identidade econômica própria, a ponto de se colocar a economia de subsistência como a mais desprezível e condená-la ao ostracismo.2. Paul Singer percebeu o descaso dos historiadores que se esquecem ou minimizam as funções desempenhadas pela economia de subsistência. “Esta distorção, afirma ele, na análise dos fatos históricos permeia toda a historiografia brasileira e se explica pelo menosprezo com que eram encaradas as atividades de subsistência pelos contemporâneos, cujos depoimentos chegaram até nós.”3 Assim, encontramos uma Minas Gerais setencentista como a capitania do ouro, da economia dinâmica, do processo de povoamento com fortes traços urbanos, da verdadeira sustentação do antigo sistema colonial. E, por outro lado, no século XIX, a província da decadência, da estagnação econômica, da dispersão demográfica ruralizante, em meio ao retorno a atividades de subsistência simples e da marginalização do que restou das estruturas coloniais. Alguns autores estabelecem um corte radical entre a mineração e a lavoura cafeeira. Simonsen fala, por exemplo, que o país teria que esperar por uns cinquenta anos para retomar o “progresso” que somente retornaria com o café. Para ele, o Rio de Janeiro era “quase que um oásis no deserto empobrecido do centro-sul brasileiro.”4. A pequena atenção da Historiografia dedicada à economia mineira do século XIX tem sua explicação a partir do que acabamos de expor. Esta concepção da decadência mineira a partir do esgotamento das lavras de ouro já no final do século XVIII baseia-se em noções completamente distorcidas e na

Cf. Simonsen, Roberto. A história econômica do Brasil. 6. ed. São Paulo: Nacional, 1968. Ver: MARTINS, Roberto Borges. A economia escravista de Minas Gerais no século XIX. CEDEPLAR: FACE/UFMG. Apostila mimeografada, 1984, p.2. 3 SINGER, Paulo. Desenvolvimento econômico e evolução urbana. São Paulo: Nacional, 1972, p. 204. 4 SIMONSEN, Roberto, op.cit, p.194, nota 1. 1 2

65


escassez de pesquisas sobre a vida econômica e social da província. Já na década de 1950, Francisco Iglésias se queixava de que “a falta de bibliografia sobre o período é verdadeiramente chocante... A vida provincial mineira quase não existe como tema para o historiador.”5 De lá para cá, não mudou muito esta visão de uma Minas decadente após o ouro e ainda hoje, a encontramos em muitos compêndios. O próprio Celso Furtado, citado por Alcir Lenharo, se contradiz quando “fundamentando-se em cálculos conjunturais do fluxo de renda assinala, como as etapas diminuição da produção, descapitalização, desintegração da produção - incidem numa involução econômica que somente estancará na produção de subsistência de baixíssima produtividade...” e, ao mesmo tempo, reconhece que a produção de subsistência era “geradora de excedente que estava sendo transferido para as áreas produtoras de café, através de um forte comércio entre o sul de Minas e o Rio de Janeiro.”6 Mas desde a década de 1980, assistimos a uma revisão radical deste tema. Trabalhos de diversos pesquisadores, ligados principalmente ao CEDEPLAR (Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional da Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade Federal de Minas Gerais), vêm afirmando que aquela visão é francamente distorcida. Afinal, como poderia uma economia estagnada, entregue ao miasma da produção apenas para o autoconsumo, sustentar a maior população provincial do Brasil e manter o maior plantel de escravos de todas as unidades do império ao longo de todo o século passado? Na verdade, vários aspectos da Historiografia Mineira, inclusive a dos setecentos, vêm sendo questionados por um revisionismo incipiente, mas ao mesmo tempo consistente. Um desdobramento daquela visão de uma Minas decadente no século XIX, igualmente questionável, afirma a transição da economia aurífera para uma economia agropastoril: “ao iniciar-se o século passado, a economia mineira não guardava senão lampejos do antigo brilho. A mineração decaíra sensivelmente, provocando a decadência da vida urbana, que regredia a olhos vistos, com o

IGLÉSIAS, Francisco. Política econômica do governo provincial mineiro, 1835-1889. Rio de Janeiro: Instituto Nacional do Livro, 1958, p.23. 6 FURTADO, Celso. Formação econômica do Brasil. 10 ed. São Paulo: Nacional, 1970, p. 114115. Apud. LENHARO, Alcir. Rota Menor: o movimento da economia mercantil de subsistência no centro-sul do Brasil (1808-1831). Anais do Museu Paulista, S.Paulo, v.23, p.31, 1977. 5

66


despovoamento de vilas e arraiais outrora populosos, e a diminuição irremediável de sua atividade econômica e social. A agricultura e a pecuária haviam se expandido significativamente. Contudo, os seus produtos eram de baixo valor mercantil, voltados para a subsistência ou para o mercado interno. Faltava à capitania um gênero de mercado externo que substituísse o ouro.”7 Esta citação resume bem toda uma visão historiográfica que somente valoriza a produção para a exportação e que, mecânica e simplisticamente, enfoca a substituição da mineração pela agropecuária como mecanismo de sobrevivência. Interessante estudo de Carlos Magno Guimarães e Liana Maria Reis8 afirma que não houve propriamente uma mudança da atividade econômica com o esgotamento dos veios auríferos, pois nem a mineração desenvolveu deslocada do trabalho na lavoura, nas próprias áreas de mineração, nem aquelas regiões “periféricas” desconheciam a pecuária desde o início da extração do ouro. Esses autores, baseados em farta documentação do século XVIII, demonstram a complementariedade necessária entre a mineração e a agropecuária. É importante ressaltar neste nosso trabalho, em função do que falaremos a seguir, que a estrutura agrária da sociedade mineira do século XVIII não tem recebido a importância devida dos historiadores, o que tem gerado outras tantas distorções. A partir do lugar comum, de que, em Minas, a terra era esterilíssima, a maior parte dos autores chega até a negar a existência da agricultura na região à época do ouro ou lhe dão um lugar desprezível9. Guimarães e Reis evocam dados originados de várias cartas de sesmarias em que os requerentes afirmam já estar cultivando a terra ou que pretendiam fazê-lo. É o caso, por exemplo, de Manoel Gomes Ribeiro, que recebeu carta de sesmaria em 16 de janeiro de 1720. Este sesmeiro, “morador no campo, no caminho que vai destas minas para o Rio de Janeiro (...) que ele era morador de um sítio e terras onde chamam Borda do Campo Antiga e as estava atualmente cultivando em benefício comum dos passageiros.”10 E Francisco Xavier Corrêa de Mesquita, a quem foi concedida uma carta em 18 de fevereiro de 1741, achava-se “situado com sua família, fábrica de minerar, e grande quantidade de negros no novo descoberto do Rio Verde, comarca do Rio das Mortes, e porque para sustento da dita sua família,

GONTIJO, Cláudio. Notas sobre a economia mineira durante a fase escravista. Belo Horizonte: CEDEPLAR, 1984, Apostila mimeografada, pág.9. 8 GUIMARÃES, Carlos Magno; REIS, Liana Maria. Agricultura e escravidão em Minas Gerais (1700-1750). Revista do Departamento de História da UFMG, Belo Horizonte, v.1, n.2, p.7-36, jun. 1986. 9 Ver, por exemplo, ANTONIL, André João. Cultura e opulência do Brasil por suas drogas e minas. Belo Horizonte/São Paulo: Itatiaia/USP, 1982. pág. 169-170; LIMA JÚNIOR, Augusto. A capitania de Minas Gerais. Belo Horizonte/São Paulo: Itatiaia/USP, 1978, p.47. 10 BELO HORIZONTE. Arquivo Público Mineiro, códice 12 - SCAPM, p.20. 7

67


necessitava de terras em que plantar mantimentos.”11 Mafalda Zemella, no seu trabalho sobre o abastecimento de Minas no século XVIII, destaca o fato de a metrópole ter impedido o desenvolvimento das áreas de cultura, vedando o exercício da mais lucrativa que era a da cana-deaçúcar,12 e também a crença de que a decadência do ouro foi a causa principal do desvio dos habitantes das Gerais da atividade extrativista para a lavoura e para as manufaturas.13 Mas, apesar das proibições, multiplicaram-se os engenhos e era rara uma fazenda, ainda que pequena, onde não houvesse a produção de aguardente. Já em 1705, no Curralinho de Dentro, zona do Papagaio, na região do Rio das Velhas, o Capitão Antônio de Araújo dos Santos havia montado fazenda com engenho de moer cana.14 Como afirmam Guimarães e Reis: “aqui, é necessário que se leve em conta dois aspectos importantes: por um lado, o fato de que a agricultura mineira do século XVIII estava perfeitamente adaptada às condições de fertilidade e relevo existentes na capitania; por outro lado, junto a uma lavra podia se estabelecer uma lavoura, mesmo porque não há homogeneidade na formação do terreno na área das minas. Esta falta de homogeneidade reflete a existência de terras agriculturáveis, mesmo nas áreas onde predomina um tipo de terreno não adequado à agricultura.”15 Portanto, aquela argumentação da impropriedade das terras das minas para a lavoura, a inexistência ou desprezível presença dela na região não reflete a realidade. Por outro lado, a contribuição de Douglas Cole Libby foi de grande importância para fazer avançar um pouco mais a discussão desse tema.16 Para ele, não resta dúvida de que a agropecuária foi o grande sustentáculo da economia mineira do século XIX. Mas, o que ele ressalta em seus estudos é o seu caráter “mercantil de subsistência”, ou seja, a produção de alimentos básicos

Carta de sesmaria concedida em 1741 a Francisco Xavier Corrêa de Mesquita. Revista do Arquivo Público Mineiro, Belo Horizonte, v.7, p.469-470, 1902. 12 ZAMELLA, Mafalda P. O abastecimento da capitania das Minas Gerais no século XVIII. São Paulo: Hucitec/EDUSP, 1990. p.212. 13 Idem, p. 215. 14 BELO HORIZONTE. Arquivo Público Mineiro. Carta de sesmaria concedida em 1711 a Antônio de Araújo dos Santos. Revista do Arquivo Público Mineiro, p.262, 1897. 15 GUIMARÃES, op.cit., p.15, nota 8. 16 LIBBY, Douglas Cole. Transformação e trabalho em uma economia escravista. São Paulo: Brasiliense, 1988, p.13. Este trabalho busca estudar a estrutura ocupacional da sociedade mineira dos oitocentos centrada no setor de transformação da província. 11

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destinados ora ao autoconsumo, ora ao mercado interno, dentro e fora da província. Ao estudar a estrutura demográfica da Minas oitocentista, Libby, de certa forma, critica os autores que “foram incapazes de perceber qualquer resultado positivo na substituição das atividades mineradoras por um diversificado leque de outras atividades que transformaram a economia mineira em algo distinto, porém nem pior nem melhor.”17 Na verdade, o que a Historiografia sobre a Minas Provincial guardou até hoje, é mais que uma visão de decadência, é uma visão pessimista. O próprio Caio Prado Júnior, falando da crise da mineração, afirma: “Nada se acumulara na fase mais próspera para fazer face à eventualidade. Os recursos necessários para restaurar a mineração nas novas bases que a situação impunha se tinham volatizado, através de um oneroso sistema fiscal vigente. (...) A ignorância, a rotina, a incapacidade de organização desta sociedade caótica que se instala nas minas... davam-se a mão para completar o desastre.”18 O crescimento demográfico de Minas durante o século XIX foi constante. Isto incluía, pelo menos desde a década de 1810, o firme aumento do número de cativos, tendência essa, que prevaleceu por duas décadas após o término do tráfico internacional. Esses dois pequenos indicadores conduzem a um repensar da história econômica da província que, pouco a pouco, foi esboçando um quadro novo e original da realidade mineira do século XIX. Libby chega à conclusão que: “Minas Gerais pouco condiz com a visão que normalmente se tem de sociedades enquadradas nas estruturas da agroexportação escravista. A despeito das discordâncias quanto ao grau de desligamento de tais estruturas, o que emerge é um quadro no qual se destacam a pauta produtiva marcadamente diversificada, de certa forma reveladora da independência da província em relação às importações e o obstinado apego à escravidão.”19 À guisa de conclusão, podemos afirmar que o esgotamento das lavras de ouro no final do século XVIII não inviabilizou a economia mineira no seu conjunto, mas permitiu a expansão de outros setores dela, já pré-existentes naquele momento. Não houve, na verdade, uma mudança de atividade, uma passagem mecanicista da mineração para a agropecuária, caindo novamente

LIBBY, op.cit, p.14, nota 16. PRADO JÚNIOR, Caio. Formação do Brasil contemporâneo. São Paulo: Brasiliense, 1979, p.171. 19 LIBBY, op.cit., p.16, nota 16. 17 18

69


naquela noção equivocada de “ciclos econômicos.”20 O setor de produção para o consumo, subsistema da mineração, encontrou condições a partir do início do século XIX de se ampliar, permanecendo os indicadores econômicos em pleno crescimento, como ainda demonstraremos, principalmente o contingente de mão de obra escrava. Libby chamou de “economia de acomodação” ao resultado das transformações ocorridas na estrutura de produção da Minas provincial a partir do esgotamento dos veios auríferos. Nela se incluiu o predomínio de uma agropecuária mercantil de subsistência e de uma variada gama de atividades de transformação, incluindo desde indústrias rurais até uma importante produção doméstica de fios e panos, oficinas artesanais de todo tipo, um setor extrativista mineral ainda expressivo e até verdadeiras fábricas de ouro e tecidos que chegaram a utilizar mão de obra escrava (!). 2. EXPANSÃO DE UMA ECONOMIA MERCANTIL ESCRAVISTA Muitos autores já demonstram a capacidade peculiar da economia mineira de se diversificar e se ampliar desde o final do século XVIII, quando sua base de sustentação, a mineração, já dava claros sinais de desfalecimento. Vários indícios daquela “acomodação” a que Libby se refere podiam ser percebidos. De aproximadamente 70 mil cativos em 1819, este número passou a mais de 380 mil, em 1873, por exemplo. Não vamos entrar na controvérsia de que este crescimento do contingente mancípio em Minas fora resultado de volumosas importações, como quer Roberto Borges Martins,21 ou que de um processo de reprodução natural, como afirmam Luna e Cano.22 Mas Martins, com base em dados seguros, confirma que “a grande maioria dos escravos mineiros nunca esteve numa mina ou numa fazenda de café no século XIX.”23 Refuta a ideia, bastante generalizada, de que Minas tenha sido um fornecedor de mão de obra cativa

A mineração e a subsistência são atividades complementares. Esta produziu o alicerce das riquezas que aquela conheceu. Com a decadência das lavras, o setor de abastecimento infla, complica-se, exigindo nova reordenação. De fato, “sem perceber as transformações encadeadas em forma de um amplo processo, torna-se difícil dimensionar esse quadro revolto da crise e alcançar, ao mesmo tempo, os níveis de gestação da economia cafeeira”. In LENHARO, op.cit., p.38, nota 6. 21 MARTINS, op.cit., p.5, nota 2. 22 LUNA, Francisco Vidal; CANO, Wilson. A evolução natural de escravos em Minas Gerais (século XVIII) - uma hipótese. Cadernos Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Campinas, n.10, p. 13, out. 1983. 23 MARTINS, op.cit., p.15, nota 2. 20

70


para outras áreas e, em particular, para a decolagem do setor cafeeiro no Vale do Paraíba e refuta ainda que no “Oeste Paulista” a expansão cafeeira tenha sido feita por escravos mineiros. O que queremos depreender disso é que a expansão do contingente de escravos somente se justifica por uma ampliação das atividades produtivas. Mesmo sabendo, como chamam a atenção alguns autores, que grande parte desses escravos pudessem estar constituindo uma mão de obra excedente ou ociosa, conforme nos mostram os mapas de população de Minas entre 1831-40 (18,7% sobre o total) e o censo demográfico de 1872 (30,6%), aquele crescimento era espetacular e mesmo não se admitindo uma economia dinâmica, um crescimento silencioso talvez estivesse ocorrendo. Por isso, é necessário agregarmos outros dados à nossa hipótese. As exportações mineiras neste período, por exemplo, nos mostram dados consistentes, não nos passando a ideia de uma economia em decadência, conforme ainda veremos. Em 1808, ocorre a mudança da Corte Portuguesa para o Rio de Janeiro, inaugurando-se, então, uma política em prol do desenvolvimento das forças produtivas. Com ela, dá-se atenção maior à mineração,24 permite-se a construção de estradas,25 instalam-se fábricas, contrata-se a vinda de técnicos estrangeiros para tentar remodelar nossas atividades econômicas. Modificam-se as condições políticas e econômicas, favorecendo a expansão da economia mineira. Foi nesse contexto histórico que uma dispersão demográfica acompanhou a expansão econômica. Áreas pouco povoadas da província mineira e ainda completamente despovoadas das províncias limítrofes, como São Paulo, começaram a receber populações provenientes dos antigos centros mineradores. A economia que se estruturou nessa faixa não pode ser classificada como uma economia natural, pois dela saem produtos que assumem valor de troca na economia de mercado. Trata-se de uma economia de excedentes, cujos participantes dedicam-se à própria subsistência e secundariamente à troca do produto que pode ser obtido com os fatores que excedem às suas necessidades.

24

25

LENHARO, Alcir. As tropas da moderação: o abastecimento da corte na formação política do Brasil, 1808-1842. São Paulo: Símbolo, 1979, p.86. O autor cita a extração do minério de ferro que passa a ser fundido em pequenas forjas e a retomada da mineração aurífera em minas subterrâneas, como Morro Velho e Congo Soco, e a diamantífera que, a partir de 1830, reconquistou praticamente os índices da produção colonial. Diversas medidas foram, então, tomadas pelo governo do príncipe-regente Dom João, permitindo e estimulando a abertura de estradas que pudessem servir de rotas de comércio. Nesse sentido, ver LENHARO, op.cit., p.40-44, nota 6.

71


Aquela dispersão demográfica integrava-se, portanto, ao que José de Souza Martins chamou de “frente de expansão.”26 Ela se constitui em decorrência da instauração de um “estado de insuficiência econômica que se realiza, na fronteira econômica, pelo incremento demográfico, em correspondente expansão dos meios de ganhar a vida.”27 Assim, a “frente de expansão” se integra na economia de mercado de dois modos: pela absorção do excedente demográfico que não pode ser contido dentro da fronteira econômica e pela produção de excedentes que se realizam como mercadoria na economia de mercado. O que caracteriza a “frente de expansão” é justamente o uso privado das terras devolutas, em que estas não assumem a equivalência de mercadorias. Por isso, a figura central da frente de expansão é a do posseiro. É o que observamos no interior paulista, notadamente nos vales dos rios Pardo e Mojiguaçu, nas primeiras décadas do século XIX: entrantes mineiros, introduzindo um tipo de economia de excedentes baseado na agropecuária, espelhando de maneira débil a sua matriz sul-mineira, situação que perdurou até a década de 1870, quando a região se integrou à “frente pioneira” do café.28 Já no final do século XVIII e início do século XIX, ampliava-se consideravalmente a agropecuária mineira: gado bovino e seus derivados (carne, queijos, couros e solas); os suínos e seus derivados (carne e toicinho); o tabaco; os produtos da cana-de-açúcar (açúcar, rapadura e aguardente); ovinos, caprinos, galinhas e muitas manufaturas, principalmente a tecelagem doméstica que utilizava o algodão, linho e a lã, e forjas de ferro. O café já iniciara sua penetração no território mineiro, vindo do Rio de Janeiro pelo Caminho Novo. Taunay afirma que: “as primeiras lavouras mineiras devem ter surgido nos últimos anos do século XVIII. Por volta de 1800, havia pequenos cafezais no Triângulo Mineiro, afirmam as crônicas locais. Em 1809, era considerável a produção de café em Araxá. Segundo Daniel de Carvalho, documentos comprovam a existência de cafeeiros em quintais de Mariana em 1780. John Mawe, em 1809, viu na

MARTINS, José de Souza. Frente pioneira: contribuição para uma caracterização sociológica. Cadernos, São Paulo, n.5, p.105-112, 1972. 27 Idem. 28 MARTINS, op.cit., p.108-112, nota 26. 26

72


Mantiqueira cafeeiros antigos, assim como em São João del Rei.”29 A produção agropecuária de Minas, no início do século XIX, guardava um caráter pouco além de autárquico, resultante do declínio passageiro da mercantilização da sua economia, provocado pelo do esgotamento das lavras de ouro. A falta de estradas e as distâncias oneravam as mercadorias e os centros urbanos maiores, da faixa litorânea, eram abastecidos a partir de áreas mais próximas. A fazenda produzia quase tudo de que precisasse o fazendeiro, à exceção, naturalmente do sal, do ferro e de escravos. Com a escassez do metal precioso, algumas mercadorias assumiram o papel de moedas como, por exemplo, novelos de algodão30 e sal. A fazenda mineira tornou-se uma entidade econômica quase independente. Produzia-se tudo o que era necessário para a alimentação e para o vestuário. A vinda da Corte Portuguesa para o Brasil e o seu estabelecimento no Rio de Janeiro, em 1808, ajudariam no sentido de ampliar rapidamente o caráter mercantil da economia agropecuária de Minas Gerais. Nos anos seguintes, o aumento da demanda de produtos alimentares, como resultado do crescimento da cidade do Rio de Janeiro, favoreceria as exportações de produtos agropecuários de Minas. Vejamos alguns dados estatísticos: QUADRO 1 EXPORTAÇÕES DE ALGUNS PRODUTOS DE MINAS GERAIS EM 1819 PRODUTOS

QUANTIDADE EXPORTADA (1)

VALOR OFICIAL VALOR TOTAL EM MIL RÉIS (3) = POR UNIDADE EM MIL RÉIS (2) (1) X (2)

ANIMAIS Galinhas

513.412$150 87.491

$150

13.123$650

190 cabeças

$ 150

28$500

Muares

4 cabeças

25$000

100$000

Equinos

538 cabeças

10$000

5.380$000

Patos

29 30

TAUNAY, Afonso de E. Pequena história do café no Brasil. Rio de Janeiro: Departamento Nacional do Café, 1945, p.45. CUNHA MATOS, Raimundo José da. Corografia histórica da província de Minas Gerais (1837). Belo Horizonte/São Paulo: Itatiaia/USP, 1981, v.2, p.45.

73


Ovinos e Caprinos

8.343

1$000

8.343$000

Suínos

35.383 cabeças

3$000

106.749$000

Bovinos

47.461 cabeças

4$000

379.688$000

DERIVADOS DA PECUÁRIA Carne de Porco

342.291$700 9 barris

6$000

54$000

Queijos

600.857 cabeças

$100

60.085$700

Toicinho/Carne salgada

141.076 arrobas1

2$000

282.152$000

ARTESANATO DE COURO Estribos

12.232$600 35 pares

1$000

35$000

672 unidades

$600

403$200

Solas

18.584 unidades

$600

11.150$400

Selas

151 unidades

4$000

644$000

Couros de bovinos

AGRÍCOLAS Café

117.587$400 9.707 arrobas

3$000

29.121$000

Algodão

81.660 arrobas

4$000

32.664$000

Tabaco

46.256 arrobas

1$200

55.207$200

88 arrobas

3$000

264$000

26 barris

1$200

31$200

Marmelada

10.999 arrobas

1$000

10.999$000

Açúcar

13.592 arrobas

2$000

27.184$000

60 barris

1$200

72$000

Panos

11.088.952 v.2

$150

163.342$800

Toalhas / Guardanapos

16.120 dúzias

9$000

145.080$000

2.520

$600

1.512$000

Farinha de Trigo Azeite Mamona INDÚSTRIA RURAL

Aguardente ARTESANATO DE ALGODÃO

Mantas

74


OUTROS Ametista

18 arrobas

128$000

2.304$000

Salitre

1.256 arrobas

4$000

5.024$000

Facas

30 dúzias

$300

9$000

Tabuado

72 dúzias

5$000

360$000

Gamelas

20 unidades

$600

12$000

Ipeca3

398 arrobas

19$200

7.641$600

Sabão Cera da Terra Pomadas Chapéus de lã Perdizes Couro de Veado

1 arroba

2$400

2$400

104 arrobas

4$800

499$200

3 arrobas

1$200

3$840

68 unidades

2$000

136$000

5 barris

4$000

20$000

580 unidades

$300

174$000

TOTAL4

1.349.899$690

Fonte: Revista do Arquivo Público Mineiro. Livro IV. P.749, ano 1899. Apud. ALVIM Aristóteles (org.). Projeção econômica e social da lavoura cafeeira em Minas. In: Minas e o bicentenário do cafeeiro no Brasil, 1727. Belo Horizonte: Imprensa Oficial, 1929. Notas: (1) Arroba = 15 Kg (2) Vara = 1,10 m (3) Erva medicinal (4) Muitos produtos de exportação (como ouro e diamantes) não estão computados.

QUADRO 2 QUANTIDADE EXPORTADA DE ANIMAIS POR MINAS GERAIS ENTRE 1818 E 1890 (CABEÇAS) DATA

AVES

BOVINOS

CAPRINOS EQÜINOS E E OVINOS MUARES

SUÍNOS

1818-19

87.6911

62.1062

8.343

5421

40.1692

1827-28

...

67.7322

...

...

47.9072

1839-40

...

50.3702

...

...

27.5492

1842-43

78.120

45.421

7.478

1.552

44.819

1843-44

...

...

...

...

...

75


1844-45

89.895

53.457

6.488

1.181

46.958

1845-46

...

...

...

...

...

1846-47

...

...

...

...

...

1847-48

...

61.2402

...

...

26.8672

1848-49

...

...

826

...

...

1849-50

73.826

16.107

2.974

...

1.547

1850-51

86.641

55.488

8.615

1.550

39.805

1851-52

93.864

58.823

11.128

1.239

44.993

1852-53

97.086

61.425

12.669

1.374

69.072

1853-54

80.939

68.971

13.542

1.418

47.701

1854-55

78.396

75.020

17.235

1.225

24.412

1855-56

84.388

71.952

15.626

2.648

30.781

1856-57

70.091

65.549

16.697

1.777

83.179

1857-58

84.538

65.637

13.271

2.591

61.955

1858-59

61.911

63.911

11.011

3.031

39.566

1859-60

63.860

65.075

11.147

651

16.776

1860-61

40.515

30.936

7.416

864

9.298

1861-62

...

...

...

...

...

1862-63

...

...

...

...

...

1863-64

...

...

...

...

...

1864-65

90.265

56.176

10.859

858

49.022

1865-66

68.296

59.604

9.128

572

42.209

1866-67

42.324

59.495

11.042

766

30.163

1867-68

62.472

67.248

8.597

921

28.144

1868-69

65.453

78.990

12.128

1.529

36.310

1869-70

61.195

77.952

10.869

1.389

34.462

1870-71

78.408

79.560

7.639

1.644

42.521

1872-73

91.494

84.892

7.737

1.476

51.052

1873-74

88.786

82.769

7.805

1.726

36.246

1874-75

80.310

85.555

7.816

1.262

21.152

1875-76

95.055

72.230

6.120

1.175

24.481

76


1876-77

83.834

69.620

2.435

984

23.381

1877-78

97.903

66.128

3.386

1.160

16.010

1878-79

162.826

87.924

2.441

1.078

13.854

1879-80

177.681

89.186

2.306

744

17.977

1880-81

203.440

76.783

2.237

1.637

28.969

1881-82

188.919

70.173

1.483

1.282

28.497

1882-83

197.628

100.755

1.739

1.246

26.502

1883-84

187.191

148.138

1.500

1.234

25.937

1884-85

...

142.2812

...

...

...

1885-86

204.631

140.598

2.237

2.148

24.595

1886-87

363.125

200.060

10.037

3.400

53.600

1888

215.616

132.890

1.515

2.245

27.498

1889

...

147.058

...

...

18.669

1890

...

98.003

...

...

10.988

Fonte: Anuário Estatístico de Belo Horizonte, Secretaria da Agricultura. Serviço de Estatística Geral, v.2, 1922-2925. Notas: (1) Aristóteles Alvim. Minas e o bicentenário do cafeeiro no Brasil, 1727-1927. Belo Horizonte, Imprensa Oficial, 1929. (2) Roberto Borges Martins e Maria do Carmo Salazar Martins. As exportações de Minas Gerais no século XIX. Belo Horizonte, CEDEPLAR, 1982, mimeografada.

QUADRO 3 QUANTIDADE EXPORTADA DE PRODUTOS DERIVADOS DA PECUÁRIA E DO ARTESANATO DO COURO POR MINAS GERAIS ENTRE 1818 E 1890 DATA

DERIVADOS DA PECUÁRIA

ARTESANATO

Queijos (Mil Unidades)

Toucinho (T)

Solas e Couros (Mil Unidades)

1818-191

1.060

2.182

...

1827-281

425

2.909

...

1839-401

399

2.717

...

1842-43

377

3.305

11

77


1844-45

395

3.306

...

1847-481

466

4.428

11

1849-50

75

2.019

...

1850-51

439

3.410

6

1851-52

446

3.317

7

1852-53

446

3.751

8

1853-54

468

3.488

11

1854-55

410

3.447

17

1855-56

410

3.610

15

1856-57

467

4.400

11

1857-58

474

3.874

14

1858-59

397

2.894

12

1859-60

477

2.581

11

1860-61

257

1.132

...

1861-62

...

...

...

1862-63

...

...

...

1863-64

...

...

...

1864-65

521

3.826

...

1865-66

481

3.360

...

1866-67

402

2.841

...

1867-68

545

3.108

12

1868-69

616

3.852

...

1869-70

560

3.436

...

1870-71

574

3.618

...

1871-72

740

4.392

...

1872-73

654

3.627

...

1873-74

628

3.046

...

1874-75

695

3.032

...

1875-76

701

3.535

12

78


1876-77

700

2.832

0

1877-78

625

2.776

...

1878-79

738

2.427

...

1879-80

858

2.918

...

1880-81

752

3.009

...

1881-82

605

2.692

5

1882-83

885

3.450

5

1883-84

1.329

3.391

...

1884-85

...

3.543

...

1885-86

1.433

3.529

...

1886-87

2.397

5.872

...

1888

465

3.792

21

1889

1.543

3.792

21

1890

1.088

1.572

...

Fonte: Serviço de Estatística Geral de Agricultura. Anuário Estatístico, V. 2, 1922-1925, Belo Horizonte. Notas: (1) Roberto Borges Martins e Maria do Carmo Salazar Martins. As exportações de Minas Gerais no século XIX. Belo Horizonte, CEDEPLAR, 1982, mimeografada.

QUADRO 4 QUANTIDADE EXPORTADA DE ALGUNS PRODUTOS AGRÍCOLAS POR MINAS GERAIS ENTRE 1842 E 1890 Algodão (T)

Arroz (Mil litros)

Feijão (Mil litros)

Fumo1 (T)

Milho (Mil litros)

1842-43

5

3

198

2.163

307

1844-45

19

2

50

2.015

579

1849-50 1850-51 1851-52 1852-53 1853-54 1854-55 1855-56

2 5 11 5 3 4 ...

1 49 20 12 20 7 13

67 130 195 243 210 205 238

... 3.067 3.618 2.762 2.929 2.772 2.767

42 3.330 803 334 525 805 665

DATA

79


1856-57 1857-58 1858-59 1859-60 1860-61 1861-62 1862-63 1863-64 1864-65 1865-66 1866-67 1867-68 1868-69 1869-70 1870-71 1872-73 1873-74 1874-75 1875-76 1876-77 1877-78 1878-79 1879-80 1880-81 1881-82 1882-83 1884 1885 1886 1887 1888 1889 1890

5 3 ... 1 0 ... ... ... 503 679 324 387 400 531 456 509 107 74 35 15 12 3 5 16 5 1 ... ... ... ... 1 ... ...

11 21 11 14 36 ... ... ... 118 31 36 31 36 57 44 76 19 29 14 9 21 37 78 26 90 100 ... ... ... ... 66 ... ...

383 176 76 279 125 ... ... ... 178 436 216 222 279 480 319 190 318 217 162 74 134 452 189 241 598 148 ... ... ... ... 835 597 ...

2.822 3.125 2.214 2.227 1.677 ... ... ... 1.792 3.421 3.381 4.232 4.137 4.249 3.675 5.096 3.671 4.020 3.349 2.281 3.514 3.791 3.407 3.283 2.892 3.067 3.667 ... 4.011 3.362 3.386 3.159 3.667

534 616 324 769 527 ... ... ... 1.507 535 937 1.599 830 692 1.166 990 964 1.238 382 471 514 673 2.607 672 751 2.902 ... ... ... ... 617 ... ...

Fonte: Serviço de Estatística Geral da Secretaria da Agricultura. Anuário Estatístico, V. 2, 1922-1925. Belo Horizonte.

Nota:

(1) Fumo em folhas e cigarros

80


QUADRO 5 QUANTIDADE EXPORTADA DE ALGUNS PRODUTOS DA INDร STRIA RURAL POR MINAS GERAIS ENTRE 1842 E 1890 DATA

Aรงucar Aguardente Rapadura Farinha Polvilho Farinha Fubรก (Mil litros) (Mil litros) (Mil litros) (Mil litros) (Mil litros) (Mil litros)

1842-43

30

...

4

1

0

35

0

1844-45

106

...

1

1849-50

24

...

78

2

0

35

0

...

...

1

0

1850-51

108

...

78

1851-52

233

...

122

31

1

59

0

81

1

84

11

1852-53

179

...

1853-54

203

...

127

21

...

140

0

90

4

...

84

2

1854-55

189

...

164

1855-56

...

...

87

4

4

196

2

...

...

...

...

1856-57

39

...

17

7

0

95

0

1857-58

52

...

40

1858-59

59

...

39

..

2

151

4

...

...

...

...

1859-60

77

...

60

1860-61

36

...

...

41

2

129

2

4

3

69

6

1861-62

...

...

...

...

...

...

...

1862-63

43

1863-64

...

...

...

...

...

...

...

...

...

...

...

...

...

1864-65 1865-66

273

...

99

20

13

209

8

155

...

94

25

11

90

1

1866-67

99

...

128

15

5

83

4

1867-68

103

...

186

22

19

85

4

1868-69

271

...

185

47

11

64

6

1869-70

744

...

108

60

15

88

1

1870-71

210

...

140

55

16

93

4

1871-72

81

...

152

16

25

68

6

1872-73

65

...

79

16

10

26

3

1873-74

63

...

205

25

13

68

2

1874-75

48

...

115

24

14

47

1

81


1875-76

37

...

91

14

30

30

1

1876-77

22

28

37

10

15

17

...

1877-78

43

38

200

50

16

16

...

1878-79

36

47

154

40

25

18

...

1879-80

91

50

135

59

40

26

...

1880-81

...

47

96

12

...

...

...

1881-82

...

64

205

81

...

...

...

1882-83

119

44

221

147

...

...

...

1883-84

...

133

239

...

...

...

...

1884-85

...

...

...

...

...

...

...

1885-86

666

85

...

...

...

...

...

1886-87

1.513

144

294

...

...

...

...

1887-88

...

270

103

179

188

40

8

1889

...

...

...

...

...

...

...

1890

...

...

...

...

...

...

...

Fonte: Serviço de Estatística Geral da Secretaria da Agricultura. Anuário Estatístico, V.2, 1922-25. Belo Horizonte.

Da distante São Bento do Tamanduá (atual Itapecerica), a Câmara local informava ao governo provincial mineiro, em 1826, que: “as produções da cultura e criações deste termo conduzem-se, cavalos, porcos e gado de toda a qualidade de pé para o Rio de Janeiro, Imperial Cidade de Ouro Preto, São João e Sabará; e os mantimentos e os porcos mortos, em tropas e carros para todos os lugares da província, e para o Rio de Janeiro somente em tropas.”31 Informava também que havia total autossuficiência de alimentos: “O termo não precisa de importação de alimentos (a não ser o sal), antes quando há bom mercado nas vilas de Sabará, Pitangui e São João exporta para estas as suas sobras, sendo as exportações de maior vulto as desta freguesia e a de Campo Belo.”32 Mas a Câmara de Baependi ressalta, no mesmo relatório, que os moradores do termo estavam mais ocupados na cultura de tabaco exportado para a Corte e, somente de Aiuruoca e Pouso Alto, exportavam-se feijão, gado grosso e miúdo, farinha de milho, queijos e toicinho para a Corte e outras vilas

REVISTA DO ARQUIVO PÚBLICO MINEIRO. Memórias Municipais. Belo Horizonte: APM, V.3, p.64, jan/mar. 1891. 32 Idem, p. 62. 31

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além da Mantiqueira, no vale do Paraíba, mas que eram grandes as importações feitas por Baependi em termos de milho, feijão, farinha, arroz, toicinho, algodão, açúcar, aguardente e azeite de mamona, que vinham de Lavras e Campanha, outras freguesias da mesma província de Minas, bem como de café proveniente das províncias do Rio de Janeiro e São Paulo.33 Uma das atividades que experimentavam maior surto de crescimento seria a lavoura de algodão, incentivada pela demanda da Grã-Bretanha em plena Revolução Industrial. Este surto atingiu Minas Gerais, cujas exportações alcançaram níveis relativamente elevados, com 1.340 toneladas em 1818 e 1.485 toneladas em 1819. O interessante é que os gêneros de abastecimento e de exportação trilham o mesmo corredor de distribuição e se confundem nas mesmas empresas que os comercializam.34 Por esses dados, podemos afirmar que Minas Gerais conseguiu superar o esgotamento da mineração a partir do final do século XVIII, diversificando sua estrutura econômica em novas bases, expandindo sua força de trabalho escravo e mercantilizando parte de sua produção. Assim, passou de importadora a exportadora. Prova disso foi a queda dos direitos de entrada, apresentada pelo Dr. Teixeira Coelho.35 O paradigma usado para este tipo de economia foi o Sul de Minas. Como já vimos esta região, pertencente à Comarca do Rio das Mortes (São João del Rei) teve seu desbravamento feito pelas bandeiras paulistas que atravessaram a Mantiqueira em busca de indígenas e de metais preciosos desde o século XVII. O seu povoamento remonta ao século XVIII em função de uma efêmera mineração em alguns lugares, mas, principalmente, das atividades que visavam o abastecimento do importante mercado representado pelos núcleos mineradores das Gerais. Com a queda da mineração, o Sul conseguiu estabelecer-se, no início do século XIX, como o principal centro fornecedor de alimentos básicos para a Corte, principalmente depois da chegada da família real. Os estudos de Alcir Lenharo36 falam da formação de um verdadeiro mercado produtor de gêneros agrícolas e pecuários ligado ao Rio de Janeiro por uma ampla rede de transporte e abastecimento. Ele afirma que este setor da economia mercantil mineira se transformou num forte grupo de interesses

REVISTA DO ARQUIVO PÚBLICO MINEIRO. Memórias Municipais. Belo Horizonte: APM, V.4, p.247-251, abr/jun. 1897. 34 LENHARO, op.cit., p.36-46, nota 6. 35 TEIXEIRA COELHO, J.A. Instrução para o governo da capitania de Minas Gerais. Revista do Arquivo Público Mineiro. Belo Horizonte, v.8, n.2, p.397, 1903. 36 LENHARO, op.cit., notas 6 e 24. 33

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políticos na Corte, atuando entre os liberais pela queda do imperador e alcançando sua influência máxima na fase inicial da Regência, quando constituía uma forte corrente entre os moderados. Sua tese foi inspirada em 1972, por sugestão de Maria Odila da Silva Dias de que o comércio de abastecimento da Corte e consequente integração do centro-sul constituiram-se num pré-requisito para as mudanças políticas do período, garantindo a manutenção da unidade territorial da ex-colônia e a formação das bases do estado nacional. O sul mineiro tem sido estudado como o caso único no Brasil de uma dinâmica economia mercantil de subsistência baseada parcialmente no trabalho escravo, que se desenvolveu no decorrer do século XIX. Caio Prado Júnior destaca as condições extremamente favoráveis para o desenvolvimento da pecuária na Comarca do Rio das Mortes. Em primeiro lugar, a abundância de água; terras férteis, bem propícias para as indústrias rurais; relevo bastante recortado por serras quase sempre ásperas e de difícil trânsito, mas com vales suficientes para o cômodo e produtivo estabelecimento do homem.37 A vegetação também é favorável para a pecuária. Uma região de campos altos que fornece boa forragem para o gado.38 Caio Prado Júnior, citando o Roteiro do Maranhão, de autor anônimo, afirma que em 1765 começa a descer para o Rio de Janeiro o primeiro gado da nova proveniência39. Saint-Hilaire, quando esteve na região em 1819, cita um grande fazendeiro, Antônio Francisco Azevedo, que comprava, todos os anos, de cinco a oito mil bois para enviá-los à capital40. E, em 1826, sabemos que do termo de São João del Rei havia grande exportação de carnes de porco salgadas e frescas, de gado vacum e cavalar e de carneiros que eram conduzidos não só para as povoações da província, mas também para a Corte.41 Cultiva-se o milho para a alimentação dos bovinos e, principalmente, dos suínos. Existem ainda grande plantações de inhame e cará, igualmente para alimentação dos animais. Assim, a pecuária do Sul de Minas possuía um nível sem paralelo na colônia. O seu gado é de porte e qualidade superiores, sendo

PRADO JÚNIOR, op.cit., p.197-199, nota 18. SAINT HILAIRE, Auguste de. “Viagens às nascentes do rio São Francisco”. Belo Horizonte/São Paulo: Itatiaia/EDUSP, p.47-56. 39 PRADO JÚNIOR, op.cit., p.198, nota 18. 40 SAINT-HILAIRE, op.cit., p.51, nota 38. 41 Idem, p.53. 37 38

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notado pela sua força e tamanho.42 O leite é de ótima qualidade, sendo comparado por Saint-Hilaire ao da Auvérnia, na França.43 A indústria de laticínios assume um papel importante. O já então famoso “queijo de Minas” era exportado em grande quantidade para o Rio de Janeiro e outras partes do país. Não se fabricava a manteiga, nem a coalhada. O regime de trabalho nas fazendas era escravo, o que se explica pela maior sedentarização das ocupações e o emprego de mais capital. Mas o proprietário participa diretamente do manejo da fazenda, não se conhecendo ali fazendeiros absenteístas. Daí, a rudeza de seus modos e hábitos que Saint-Hilaire compara com os refinados e corteses das antigas zonas de mineração.44 Mas também alguns modos urbanos que denunciam a sua origem remota. É o próprio Saint-Hilaire que não se cansa de exprimir sua preferência pelos proprietários mineiros, em vez dos paulistas, quando de sua viagem de Goiás a São Paulo, em 1819. Diz ele: ”o proprietário dessa fazenda era criador de gado, como todos os seus vizinhos. Pelo mau estado da conservação da casa, pela desordem que nela reinava e a simplória rusticidade de seus moradores, calculei, ao primeiro olhar, que se tratava de paulistas. Não tardei em verificar que não tinha me enganado.”45 Ou quando pernoitou em um rancho próximo a Batatais: “Na manhã seguinte, fui fazer uma visita ao dono da propriedade. Tratava-se de um velho jovial e bem posto... Recebeu-me maravilhosamente bem, insistindo para que eu almoçasse com ele. Manoel Bernardo do Nascimento - era esse o seu nome - também era um mineiro da Comarca de São João del Rei.”46 Nas regiões mais a sudoeste da província, existiam grandes criações de porcos, como em Formiga, maior centro de produção de suínos na colônia. Eram áreas de pastos nativos mais pobres e onde, por isso, desenvolvia-se mais a cultura do milho. A carne de porco ocupava papel importante na dieta dos habitantes do centro-sul do país, mas sua principal utilidade é a produção de toicinho para condimentar os alimentos, principalmente o feijão. Mirian de Barros Latif afirma que os suínos eram criados até nos quintais de Ouro Preto, Sabará, São João del Rei, etc.47

Idem, p.67. Idem, p.71. 44 SAINT-HILAIRE, op.cit, p.54, nota 38. 45 SAINT-HILAIRE, Auguste de. Viagem à província de São Paulo. Belo Horizonte: Itatiaia/EDUSP, 1976, p.197. 46 Idem, p.99. 47 LATIF, Miran de Barros. As Minas Gerais. Apud ZAMELLA, op.cit., p.223, nota 12. 42 43

85


Outra criação bastante difundida na Comarca do Rio das Mortes é a do carneiro para a produção de lã, tecida em panos grossos para vestimenta de escravos e confecção de chapéus, sempre presentes nos hábitos mineiros. Há notícias de fábricas de chapéus em Conceição dos Carijós, São Gonçalo da Campanha, São João del Rei, Aiuruoca e Itabira de Mato Dentro.48 Minas Gerais tornou-se autossuficiente até mesmo em bestas de carga, passando a exportá-las para outras regiões.49 O florescimento do comércio colonial externo, a partir do final do século XVIII, por sua vez, dá condições à expansão da cultura do tabaco que era utilizado no tráfico africano de escravos. O sul de Minas aproveita-se, então, dessa oportunidade, dando origem à cultura de fumo que se expandiu de forma significativa, sobretudo em Baependi, Carrancas, Aiuruoca e Pouso Alto. Nas primeiras décadas do século XIX, a cafeicultura mineira passou a tomar vulto crescente, acompanhando, com algum atraso, a sua expansão em terras fluminenses. Mas, “as plantações de café se desenvolviam principalmente na fronteira de Minas com o Rio de Janeiro. A partir dos anos 20 do século passado, os locais de maior produção, além do município de Matias Barbosa, era Mar de Espanha, Rio Preto, Porto Novo do Cunha (Além Paraíba) e Pomba que, em 1822, não iam além de uma faixa relativamente estreita, na vertente esquerda do Paraíba.”50 A abrangência dessa organização econômica “sui generis” talvez fosse mais extensa já no século XVIII51 e, com certeza o era no XIX - incluindo o Oeste, a Mata, parte da Metalúrgica-Mantiqueira, bem mais da metade da província. O oeste mineiro, na verdade localizado mais a Sudoeste da província, depois de apresentar um rápido surto minerador em algumas localidades como Pitangui e Santo Antônio do Monte, voltou-se no século XIX para o mesmo tipo de economia que encontramos no Sul. Formiga, como já ficou registrado, era o maior centro de criação de suínos da colônia, exportados em sua grande parte, para o Rio de Janeiro.

LIBBY, op.cit., p. 186, nota 16. DOCUMENTOS INTERESSANTES: São Paulo, v. 19, p.45, 1896. 50 LIMA, João Heraldo. Café e industrialização em Minas Gerais (1870-1920). Petrópolis: Vozes, 1981, p.14. 51 LENHARO, op.cit., p. 89, nota 24. 48 49

86


O Alto Paranaíba participou também da febre do ouro, tendo como centro maior de referência o Desemboque, mas foram as atividades agropecuárias que fixaram um pequeno contingente populacional na região e a integraram à economia mercantil de subsistência, predominante. O Triângulo Mineiro, cujo povoamento efetivo só teve início no século XIX, com a pecuária, também não fugiu à regra geral. Na verdade, todas essas regiões apresentavam o mesmo padrão de economia que o Sul. Esta semelhança é reveladora de uma estrutura econômica comum. A prática de uma agropecuária relativamente dinâmica e próspera não tenderia a se expandir para áreas vizinhas, igualmente cruzadas por caminhos de tropeiros e dotadas de solos propícios à criação de gado e ao cultivo de cereais? É bastante provável que o modelo do Sul de Minas seja válido para uma imensa região que ultrapassou as fronteiras da província, atingindo o Oeste Paulista, Goiás, Mato Grosso, Paraná, e que foram povoados por mineiros criadores de gado, provenientes justamente das Gerais.52

3. DISPERSÃO E FIXAÇÃO DA POPULAÇÃO O esgotamento das lavras de ouro ainda nas últimas décadas do século XVIII53 provocou, sem dúvida, forte dispersão da população mineradora, até então concentrada na porção central da capitania numa faixa que ia de Lavras no Funil (sul) a Minas Novas (vale do Jequitinhonha), onde se localizavam os principais centros produtores. A queda acentuada da população nesses centros correspondeu à fixação de novos contingentes nas regiões periféricas, notadamente na Comarca do Rio das Mortes, que abrangia territórios do sul e do oeste da capitania. Os autores são pródigos nas suas referências a

52

53

José Chiachiri Filho chega a levantar a hipótese de que a dispersão da pecuária em território brasileiro, de origem nordestina, teria atingido o extremo sul do país. A dispersão demográfica que a acompanhou fixou nas áreas calçadistas do Rio Grande do Sul certas famílias que, provavelmente, pertenceriam aos mesmos troncos daquelas que são encontradas na região de Franca, como os Barcelos, Nogueira, Ferreira, Martins, etc. A redução dos quintos e outros rendimentos da Coroa, como as entradas, são uma prova inconteste do esgotamento das atividades de mineração. Ver NOYA PINTO, Virgílio. O ouro brasileiro e o comércio anglo-português: uma contribuição aos estudos da economia atlântica no século XVIII.São Paulo/Brasília: Nacional/INL, 1979, p.51-54.

87


esta dispersão populacional.54 O mesmo fluxo populacional, oriundo das antigas zonas de mineração e, em um segundo momento também, do Sul de Minas, atingiu não apenas o interior paulista, Goiás, Mato Grosso e até o Paraná, como ainda veremos, mas dirigiu-se também para o vale do Paraíba paulista e fluminense, no alvorecer da expansão da lavoura cafeeira. Stein e Taunay, nos seus estudos sobre a lavoura cafeeira no Vale do Paraíba, destacam famílias mineiras que acumularam capitais no sul de sua província, seja através da mineração, seja através do comércio e se estabeleceram posteriormente no vale do Paraíba, desempenhando diversas atividades econômicas e administrativas que as projetaram no cenário político do II Reinado: Werneck, Teixeira Leite, Mesquita, Guimarães, Pereira de Almeida, Nogueira da Gama, etc.55 E ainda outros como os Moraes Octávio, Meirelles, Franco e Amaral na província paulista. Para Caio Prado Júnior, este é um assunto altamente interessante: “trata-se, sem dúvida, do fato de maior importância histórica futura neste setor centro-sul do país e já francamente iniciado naquele momento. Ele revelará todos os seus efeitos quando Minas Gerais se tornar definitivamente de mineradora em agrícola e pastoril, formando nesse terreno entre as principais circunscrições do país.”56 É verdade que aqueles contingentes populacionais passaram a se dedicar, preferencialmente à atividade agropecuária, visando, sobretudo a subsistência familiar, através de muitas fazendas então abertas. Mas não podemos considerar como já dissemos antes, que houve uma mudança de atividade econômica daqueles mineiros, pois nem a mineração desenvolveu-se totalmente independente da lavoura de subsistência, nem aquelas regiões periféricas desconheciam a agropecuária desde o início da mineração57. A marca fortemente agrária da Comarca do Rio das Mortes, com o seu grande centro mercantil - São João del Rei - apenas se aprofundou com a chegada daqueles novos contingentes, dando prosseguimento a uma tendência que poderia ser percebida em período anterior. Durante todo o século XIX, a província de Minas Gerais se manteve

PRADO JÚNIOR, op.cit., p.75-76, nota 18. STEIN, Stanley. Grandeza e decadência do café no vale do Paraíba. São Paulo: Brasiliense, 1961, p.12-13,21-24,87-88 e 144. Cf. TAUNAY, op.cit., p.47-48, 184-185, 239-240, 180-181, nota 29. 56 PRADO JÚNIOR, op.cit., p.76, nota 18. 57 GUIMARÃES, op.cit., p.8-11, nota 8. 54 55

88


como a mais populosa do império. Foi aquela que apresentou maior índice de crescimento demográfico, de acordo com os poucos censos e estimativas disponíveis para o século XIX. O acervo acumulado no Arquivo Público Mineiro dos mapas de população, confeccionados em cumprimento a um decreto provincial de 17-071832, parece-nos ser a fonte mais confiável para os estudos de demografia histórica de Minas Gerais no século XIX. Além desse, existem outras estimativas para os séculos XVIII e XIX, quase sempre contraditórias, e o censo de 187258 que, de qualquer modo, nos permitem um quadro geral do crescimento populacional de Minas Gerais: 1720

Augusto de Lima Júnior59

250.000 hab.

1738

Idem

300.000 hab.

1768

Cons. Veloso de Oliveira60

400.000 hab.

1776

José João Teixeira

1795

Augusto de Lima Júnior

650.000 hab.

1821

Wilhelm Ludwig Eschewege62

514.107 hab.

1821

Luis Faria da Silva Pinto63

514.798 hab.

1826

Mapa do Governo de Minas64

563.609 hab.

1833-35

Mapas de População - APM

624.617 hab.

1872

Censo do Império

Coelho61

319.769 hab.

2.029.800 hab.

Para uma discussão dos problemas suscitados pelo recenseamento de 1872, que em Minas foi realizado em 1873 e com vários erros na soma dos dados, ver PAIVA, Clotilde Andrade, MARTINS, Maria do Carmo Salazar. Revisão crítica do recenseamento de 1872. In: SEMINÁRIO SOBRE A ECONOMIA MINEIRA. Belo Horizonte, 2, Diamantina. Anais. Belo Horizonte, CEDEPLAR, FACE, UFMG, 1983, p. 149-163. 59 LIMA JÚNIOR, op.cit., p. 40, nota 9. 60 CUNHA MATOS, R.J. Memória sobre a criação de bispados no Brasil. Apud, op.cit., p.5659, nota 30. 61 Instrução para o governo da capitania de Minas Gerais. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. RJ, v. 15, p.255, 897 e na Revista do Arquivo Público Mineiro, Belo Horizonte, v.8, p. 399, 1903. 62 ESCHEWE, W.L. von. Pluto brasiliensis. São Paulo: Nacional, s.d., 2 v( Brasiliana, v. 257 A, ENC), p.304. 63 Mapa estatístico da população da província. Apud CUNHA MATOS, op.cit. p.56-59, nota 30. 64 Mapa impresso apresentado pelo governo à Câmara dos Deputados, em 1826. 58

89


Em comparação com dados de crescimento populacional de outras províncias, o que se ressalta são justamente os índices de Minas Gerais, os maiores dentre todos. Este crescimento que acompanhou o esgotamento do eixo minerador foi simultâneo à formação de correntes migratórias, que partiam da capitania, depois província, de Minas Gerais. Os mapas de população da década de 1830, do Arquivo Público Mineiro, nos mostram alguns municípios localizados fora das zonas propriamente mineradoras e que, nessa época já possuíam populações bem avultadas. Vejamos os dados de alguns para efeito de comparação65: População de alguns municípios da área propriamente mineradora entre 1833 e 1835 MUNICÍPIO VILA TERMO Sabará

4.333 hab

50.129 hab

São João del Rei

7.058 hab

22.145 hab

São José del Rei (Tiradentes)

2.835 hab

36.308 hab

Diamantina

12.457 hab

27.046 hab

Minas Novas

3.655 hab

27.620 hab

Queluz

2.050 hab

24.725 hab

Pitangui

4.060 hab

33.330 hab

Ouro Preto

11.208 hab

*

*

56.693 hab

Mariana * Dados não disponíveis

População de alguns municípios da área não propriamente mineradora entre 1833 e 1835 MUNICÍPIO Aiuruoca/Baependi

VILA

TERMO

14.400 hab

45.373 hab.

Pouso Alegre

6.817 hab

28.074 hab

Piuí

6.010 hab

*

Pouso Alto

4.072 hab

*

65

BELO HORIZONTE. Arquivo Público Mineiro. Mapas de População. 1833-1835.

90


Santana do Sapucaí

4.394 hab

*

Lavras

3.857 hab

22.764 hab

Campanha

3.729 hab

36.469 hab

*

28.596 hab

Tamaduá * Dados não disponíveis

Uma população tão grande num meio geográfico de recursos limitados tenderia mesmo a se dispersar, ocupando terras próximas, ainda sem proprietários ou devolutas. Ã guisa de conclusão, podemos afirmar que esta “expansão mineira” para o sul e para o oeste não foi apenas uma expansão demográfica na sua base territorial. Foi também a expansão de um modelo econômico típico66: uma economia de acomodação às novas circunstâncias impostas à medida que, agora, também se articulava o mercado carioca, impulsionado pela chegada da família real em 1808. Toda uma gama de novos interesses centralizados na Corte67 repercutiu na província sul mineira organizando uma economia em novos moldes, agora marcadamente mercantis, através de uma grande rede de estradas de abastecimento.68 Torna-se necessário, portanto, entender como se desenvolve esse processo e salientar o modo como a economia mercantil de subsistência cobre o período que vai da “crise” da mineração à gestação da economia cafeeira, período esse vazio e desconexo, na versão tradicional da historiografia.

3.1. A abertura de estradas Um dos crimes mais graves na Minas colonial era abrir caminhos. A proibição de se construir estradas era um dos mecanismos utilizados para coibir o que se chamava, inclusive, de “descaminhos do ouro.”69 Talvez a mais antiga dessas proibições seja a do próprio Regimento de Minas, de 1702, que suspendia o comércio das Minas com a Bahia, excetuando-se o de gado. Os documentos registram sucessivas ordens e proibições do comércio com a Bahia

LIBBY, Douglas Cole. Entrevista concedida a José Antônio Corrêa Lages (fita mag.). Belo Horizonte: 1992. 67 PEREIRA DA SILVA, J.M. História da fundação do império brasileiro. Rio de Janeiro: SCP, 1864, p.20. 68 Apud LENHARO, op.cit., nota 24. 69 Expressão típica do século XVIII, muito encontrada na documentação da época para referirse ao desvio do metal da vigilância do fisco. 66

91


e com Pernambuco.70 Uma Ordem Régia de 29-04-1727 cobra a execução de uma carta régia anterior, de 1725, que mandava suspender a abertura de um caminho para Cuiabá e que para lá fosse possível ir somente pelo caminho dos paulistas (Caminho dos Goiases). Outra Ordem Régia de 15-09-1730, não consente que se abra outro caminho de São Paulo para as Minas.71 E, das proibições, passouse às penas: “não se abram novos caminhos ou picadas e que pelos caminhos proibidos não se possa entrar nem sair, sendo considerado contrabandista quem assim o fizer, que as mercadorias por elas sejam confiscadas metade para a real fazenda e metade para o denunciante”. Era o que dizia outra Ordem Régia, de 26-09-1733.72 Ainda outra Ordem Régia, de 09-04-1745, proibia o trânsito no caminho que Antônio Gonçalves de Carvalho e seus sócios haviam aberto de Aiuruoca para o Rio de Janeiro e a costa do mar73 e num Aviso de 22-01-1756, o governador da capitania de Minas manda que abram devassa sobre picadas que tinham feito e que se observasse a Lei de 27-10-1733, que proibia a abertura de novas picadas. E assim se sucedem as proibições da metrópole que “estimaria poder fechar a capitania do ouro e dos diamantes como uma muralha mais alta que a da Tartária, aberta uma passagem única para os arrecadadores da real fazenda e seus dragões...” 74 Com a chegada da família real, até pela necessidade de se garantir o abastecimento da Corte, através da circulação de mercadorias, houve um afrouxamento daquelas proibições e só a partir de 1810 é que os mineiros puderam sair livremente de sua capitania, sem que nenhuma licença fosse mais exigida. “Parece que o mineiro sentiu nesse instante uma sensação de alívio e uma curiosidade natural em sair da capitania. Esse foi um fator psicológico que contribuiu também para que o mineiro migrasse.”75 Uma forte pressão

DOCUMENTOS HISTÓRICOS. Rio de Janeiro, v.9, p.295, 303, 307, 313. 1912. RIO DE JANEIRO. Arquivo Nacional. Coleção Governadores do Rio de Janeiro. Livro 13, fls. 103, 1727. 71 VEIGA, José Pedro Xavier. Efemérides mineiras, Revista do Arquivo Público Mineiro, Belo Horizonte, v.3, n.1, p.124, abr/jun, 1897. 72 BELO HORIZONTE. Arquivo Público Mineiro. Efemérides mineiras. Manuscrito original, maço 12, fl. 142-143; 1733. 73 Idem, maço 12, fl. 6. 74 VEIGA, op.cit., p.43, nota 71. 75 VIANA, Benedito. Franca: ponto de passagem das migrações mineiras. Palestra proferida na UNESP - Campus de Franca, 22 mai, 1991. 70

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demográfica encontrou assim comportas por onde pudesse se escoar. Agora, cessam as razões de impedimentos de novos caminhos. Ao contrário, a própria Corte tratou da abertura de novas vias de comunicação, assim como a melhoria dos caminhos mais antigos para facilitar o fluxo de gêneros e ampliar a produção comercial. E, pelas razões que já vimos, as principais obras encontravam-se no centro-sul. A abertura de novas estradas buscava agora facilitar o escoamento de gêneros de subsistência para o mercado carioca em situação difícil com a chegada da Corte e, ao mesmo tempo, aumentar as exportações. Mas havia nisso, também, um objetivo político de que não se deve esquecer: criar um foco de centralização política, com contatos mais fáceis com o interior, que garantissem a penetração territorial do poder monárquico.76 Até aqui estivemos discutindo as razões estruturais que atuaram na expansão e aprofundamento da economia mercantil de subsistência na província de Minas Gerais, acompanhada por uma forte dispersão de sua população. Outros fatores conjunturais podem, sem dúvida, ter estimulado este processo demográfico. É o que veremos a seguir.

3.2. A pressão demográfica sobre a terra O esgotamento das possibilidades de apropriação da terra, seja por posse, seja por sesmarias cuja concessão foi extinta pelo governo imperial em 1822, foi outro fator decisivo para a origem de uma forte dispersão populacional a partir das terras mineiras. Respondendo ao quesito de que se havia disponibilidade de terras, formulado pelo governo provincial mineiro a diversas Câmaras Municipais, assim respondeu a Câmara de São João del Rei em 1826: “todo o terreno está ocupado por títulos de sesmarias e posse e não restam terras algumas devolutas.”77 A Câmara de Tamanduá deu uma resposta mais detalhada: “o terreno, de doze a dezesseis léguas de circunferência dessa vila, está todo ocupado; parte por títulos de sesmarias, parte por títulos de posse antiquíssimos transferidos a terceiros por compras e heranças, e, em algumas

76 77

Cf. LENHARO, op.cit, nota 24. REVISTA DO ARQUIVO PÚBLICO MINEIRO, op.cit., p.46, nota 31.

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partes, bem pouca capaz (segundo a qualidade da cultura e número de habitadores) de prestar a seus donos. Além desta distância, está, da mesma forma ocupado, porém com maiores sesmarias, maxime além do Rio São Francisco, e maiores extensões de posse, de maneira que dificultosamente se achará lugar que se possa dizer absolutamente devoluto.”78 Também no termo de Baependi, a situação é a mesma: “todo o terreno está ocupado por títulos de sesmarias e posses, e não resta algum devoluto, a exceção da cordilheira da Mantiqueira que divide esta com as províncias do Rio de Janeiro e de São Paulo.”79 Estes três documentos são bastante elucidativos e demonstram a falta de terras para novas propriedades, justamente em três pontos significativos da Comarca do Rio das Mortes, de forte base agrária e uma das mais populosas da província. Por outro lado, não temos notícias de conflitos por terras em Minas, pelo menos, se os houvesse, não era coisa de monta. A série de relatórios do Governo Mineiro sempre incluía extensas notícias sobre a segurança pública da província. Não encontramos descrições de violências decorridas de disputas sobre terras. Como os relatórios entram em detalhes minuciosos, dificilmente se teria deixado de caracterizar um conflito relacionado com a posse da terra como tal. É o que se confirma pela Câmara de São João del Rei: “nesta vila não corre pleito algum respeito a medições, e alguns que há de respeito a divisões entre herdeiros.”80 O relatório da Câmara de Baependi vai no mesmo sentido: “alguns pleitos há sobre medições de sesmarias neste termo conforme consta dos processos existentes nos cartórios do mesmo.”81 Mas a Câmara de Tamanduá, novamente mais minuciosa, não fala de violências, mas nos dá uma ideia diferente: “Há não poucos pleitos, e atribuem-se aos seguintes princípios: 1. A variedade de julgar em tais matérias sobre o domínio, e posse de terras. 2. O abuso com que antes, e depois da ereção desta vila, pessoas poderosas alcançaram, em seus nomes, e no de outros, duas, três, quatro e cinco sesmarias de três léguas em quadra (hoje possuídos por terceiros e quartos donos) que abrangeram terras aposseadas por outros, que, ou as deixaram então por ocasião das medições, e passados anos por si, ou por seus herdeiros, tornaram a se arranchar dentro das sesmarias, ou se deixaram ficar apesar delas, e da

REVISTA DO ARQUIVO PÚBLICO MINEIRO, op.cit., p.60, nota 31. REVISTA DO ARQUIVO PÚBLICO MINEIRO, op.cit., p.246, nota 33. 80 REVISTA DO ARQUIVO PÚBLICO MINEIRO, op.cit., p.46, nota 31. 81 REVISTA DO ARQUIVO PÚBLICO MINEIRO, op.cit., p.246, nota 33. 78 79

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resistência de seus donos, e não menos pelo abuso, com que os aposseantes sem força, e com pequenos serviços nas barras dos córregos se arrogam a propriedade de um ângulo de terras, que compreende muitas vezes uma, duas e mais léguas de extensão. 3. Há dúvidas sobre as medições porque tendo-se constantemente neste termo demarcado as sesmarias Vg. de meia légua em quadra com cem cordas no comprimento, e outras tantas de largura, estas de quinze braças de dez palmos craveiros sustentam os sesmeiros a quadra, e extensão de suas sesmarias pelo risco, e perspectiva exterior do exemplar ao diante figurado, e os aposseantes confinantes pugnão pela quadra do risco interior.”82 Podemos, então, perceber que havia uma forte pressão demográfica sobre a propriedade da terra que não conduziu a conflitos entre proprietários e não proprietários, como em outras partes do país, mas direcionou-se, através de correntes migratórias, para a fixação em áreas ainda desocupadas, em regiões mais remotas da província e mesmo além de suas fronteiras. Ainda o mesmo relatório da Câmara do Tamanduá dá um cálculo aproximado de 28 a 30 mil pessoas pra todo o termo, mas ressalta que “tem migrado para a província de Goiás e para a vila de Paracatu não poucas pessoas e calcula-se a diminuição de duas a três mil pessoas...”83

3.3. A proletarização do homem livre: outra hipótese Outra hipótese, sobre a qual devemos especular, é uma possível proletarização sutil do homem livre em Minas, pois, como já afirmamos antes, não existem disputas de terras na documentação. Se houve um processo de “cercamentos”, nos moldes europeus, trata-se de algo imperceptível de que somente as correntes migratórias seriam uma evidência explícita. Na verdade, qualquer processo que conduzia à restrição à posse da terra não se amparava em atos oficiais. A promulgação da Lei de Terras, em 1850, foi apenas o reconhecimento pelo Estado Brasileiro de que poderia existir um problema relacionado com o livre acesso à terra, o qual certas parcelas da classe dominantes sentiam na pele. Assim a Lei de Terras foi letra morta, e o governo imperial não se esforçou em executá-la. Então, podemos concluir que as limitações impostas ao acesso à terra, desde o fim das concessões de sesmarias em 1822, e bem antes disso, não provinham de um movimento conscientemente desencadeado pelas elites

82 83

REVISTA DO ARQUIVO PÚBLICO MINEIRO, op.cit., p.61, nota 31. REVISTA DO ARQUIVO PÚBLICO MINEIRO, op.cit., p.60, nota 33.

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políticas escravistas. Douglas Cole Libby, corroborando a mesma hipótese afirma que: “... em face das evidências aparentemente inconclusivas não se deve descartar a pressão demográfica como uma influência sobre o processo de diminuição da disponibilidade de terras facilmente aproveitáveis pelo elemento livre. Sem dúvida o crescimento da população cria pressões sobre os recursos disponíveis - inclusive a terra - e, assim, é parcialmente responsável pela lenta e provavelmente incompleta proletarização do homem livre mineiro.” 84 À medida que a população cresce e vão se tornando escassas as terras facilmente aproveitáveis por unidades familiares, e enquanto a posse de escravos se torna algo quase impossível, uma parcela da população livre se vê impossibilitada de sobreviver apenas da agricultura de subsistência. Forma, de certo modo, um campesinato excedente. Abrem-se, aí, duas alternativas: ou se tornam “jornaleiros”, sendo forçados, pela parcimônia das terras que cultivam, a procurar emprego entre seus vizinhos mais próximos, ou partem para o aposseamento de novas terras além da fronteira agrícola, já que esta permanecia aberta em áreas bem próximas de onde viviam. Na esteira da expansão da economia mercantil de subsistência modelada no Sul de Minas, efetivou-se também uma expansão territorial da população através de correntes migratórias em direção à fronteira agrícola. Tais correntes eram constituídas de famílias já proprietárias interessadas na expansão de seus negócios, através da apropriação de novas terras em uma conjuntura extremamente favorável, nas primeiras décadas do século XIX, impulsionada pelo crescimento e reordenação do mercado interno no centro-sul

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LIBBY, op.cit., p.93, nota 16.

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do país.85 Mas também, constituíam-se de famílias não proprietárias que fugiam da proletarização, de camponeses que não conseguiam mais sobreviver de uma agricultura de subsistência e que, agora, demandavam por novas formas de existência, longe de seus locais de origem.86

Talvez o caso mais conhecido e estudado seja o da família Junqueira. Seus primeiros membros chegaram de Portugal no início do século XVIII. Eram dois irmãos: Gabriel Francisco Junqueira que ficou na Bahia e João Francisco Junqueira que seguiu viagem para o Rio de Janeiro e, depois, para Minas Gerais. Este último, depois de se casar na capela do Carmo, em São João del Rei, em 16 de janeiro de 1758, com Helena Maria do Espírito Santo, neta de Antônia da Graça, uma das três ilhoas que deixaram larga descendência no sul de Minas e São Paulo, passou para Aiuruoca onde seu sogro, Inácio Franco recebera uma sesmaria nas margens do Angahy. Ali, João Francisco Junqueira desenvolveu plantações e criações na sua vasta fazenda de Campo Alegre, nas margens do Rio Vermelho, distrito de Encruzilhada (hoje, Cruzília). Comprou a Fazenda do Favacho, distrito de Baependi, onde construiu uma capela em 1761. Em 1785, iniciou a construção da matriz de São Tomé das Letras, em terras da Fazenda Campo Alegre, concluída pelo seu filho Gabriel. Dois netos deste português, o tenente-coronel João Francisco Junqueira (homônimo do avô) e Francisco Antônio Junqueira se apossaram de uma imensidão de terras no vale do Rio Pardo, província de São Paulo, construindo ali a Fazenda Invernada, a partir de 1812. Francisco Antônio veio se tornar o tronco paulista dos Junqueiras que povoaram as margens do Rio Pardo e se tornaram, primeiro, grandes criadores de gado e, mais tarde, grandes cafeicultores em toda a região. 86 Exemplo disso foi a família Martins Teixeira, pesquisada por Brioschi et ali. Eram originários de Piuí, dirigiram-se para a região de Batatais, onde fundaram a Fazenda Boa Vista, entre os rios Sapucaí e Pardo, em 1804. Derrubaram mata, roçaram o terreno, levantaram cruzes para demarcar a posse. Ana Martins Teixeira era a mãe, viúva e cabeça de fogo que mantinha sob seu teto vários filhos. Em 1807, vamos encontrá-la residindo com cinco de seus filhos em Batatais. Segundo o censo daquele ano, esta família “plantava para seu gasto”. 85

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CAPÍTULO III

ENTRE O PARDO E O MOJIGUAÇU: O POVOAMENTO DA FREGUESIA DE CASA BRANCA A PARTIR DE 1814

“Sonhamos com essa partida há tanto tempo” (ANDRADE, Jorge. A Pedreira das Almas)

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1. AS QUESTÕES DE FRONTEIRA SÃO PAULO-MINAS TENDO EM VISTA A PRESSÃO MIGRATÓRIA As estradas sempre foram tomadas como marcos de referência obrigatória para o povoamento pioneiro de qualquer região. Assim como o Caminho de Goiás, também no alvorescer das Minas Gerais, a única estrada que ligava esta região a São Paulo serviu também de marco para dividir os seus primitivos termos, comarcas e capitanias. Em 1714, a Câmara de Guaratinguetá estabeleceu a divisão com a comarca do Rio das Mortes (com sede na vila de São João del Rei), fincando um marco de pedra no Morro do Caxambu,1 na referida estrada, a meia distância entre as duas vilas. Em 1720, com a criação da nova capitania de Minas Gerais,2 esta mesma divisão, indicada por um ponto e não por uma linha fronteiriça haveria, necessariamente, de dar origem a conflitos logo que se começasse a desbravar o vasto sertão que ficava a oeste. Toda a controvérsia em torno da demarcação de limites teve, em sua evolução histórica, duas razões fundamentais. Até o final do século XVIII, eram os interesses do fisco dispostos a abocanhar os descobertos de ouro que, então, ocorriam na região do atual sul mineiro. A partir do final do século XVIII, foi a questão propriamente do povoamento, intrinsecamente ligado à concessão de sesmarias pelos dois governos e à abertura de novas fazendas pelos entrantes mineiros, o que também suscitava controvérsias sobre a jurisdição fiscal. Já vimos como o pequeno mas persistente crescimento populacional do caminho de Goiás e seu Sertão já refletia, ao final do século XVIII, a fixação, naquela região, de contingentes originários da comarca do Rio das Mortes, principalmente do sul de Minas. Parece que a primeira contenda teve início em 17353 com a descoberta de ouro na região que viria a ser mais tarde o distrito de Campanha do Rio Verde. Logo surgiram ali os arraiais de Santo Antônio, São Gonçalo e Santa Catarina.4 Depois de oito anos de disputas com o governo de São Paulo, a Câmara de São João del Rei tomou posse desses arraiais com todas as

Auto da Demarcação das vilas de Guaratinguetá e São João del Rei, 1714. In: DOCUMENTOS INTERESSANTES, Arquivo Público do Estado, São Paulo, v. 11, p.5, 1987. 2 Alvará estabelecendo as divisas entre São Paulo e Minas Gerais, 1720. Idem p.6. 3 O Dicionário Geográfico de Saint-Adolphe e uma Justificação de Posse de 1773, afirmam serem muito antigas as minas da Campanha do Rio Verde. Ver: DOCUMENTOS INTERESSANTES, São Paulo, v. 11, p. LXI e 489, 1897, op.cit. 4 Esses arraiais correspondem hoje, respectivamente às cidades de Campanha, São Gonçalo do Sapucaí e Natércia, todos sendo pontos de partida dos entrantes mineiros que povoaram o interior paulista a partir do final do século XVIII. 1

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formalidades, declarando que o seu território se estendia até a Serra da Mantiqueira e o rio Sapucaí. Mas quase imediatamente, a descoberta de ouro a oeste do rio Sapucaí deu origem a novas disputas com o guarda-mor da Campanha que fazia a distribuição das datas. Em 1746, Francisco Martins Lustoza descobriu minas em uma área próxima que viria a ser o distrito de Santana do Sapucaí (hoje Silvianópolis). Escudado pelo governo de São Paulo, Lustoza repeliu com homens armados a tentativa de ocupação do seu território por parte da Câmara de São João del Rei. Mas a provisão régia de 1748 foi desastrosa para São Paulo. A subordinação desta capitania ao Rio de Janeiro, sob o governo de Gomes Freire de Andrade, consolidou a expansão mineira no que se refere aos limites com São Paulo. Por determinação régia, esses limites deveriam seguir pelo Rio Grande ou pelo rio Sapucaí ou por onde melhor parecesse ao governador. Esta liberalidade da Coroa transformou o que deveria ter sido a solução definitiva da questão em instrumento causador de maiores dúvidas e conflitos no futuro. Gomes Freire, em lugar de indicar a divisa pelos rios, imaginou uma outra pelo alto das montanhas - esta, na verdade, foi a razão de toda a controvérsia de limites. Não havia, na época, conhecimento completo dos acidentes geográficos da região. Havia a errônea suposição de que as montanhas nas divisas das águas do alto Rio Grande e as bacias paulistas do Tietê e do Mojiguaçu formassem uma cadeia contínua com a Mantiqueira e ligada a esta. Decidiu-se colocar a divisa por aí.5 A demarcação dessa fronteira impossível foi confiada ao ouvidor da Comarca do Rio das Mortes, Dr. Thomaz Rubim de Barros Barreto, que tinha interesses pessoais de vingança contra o guarda-mor Lustoza pelos conflitos anteriores em Santana do Sapucaí. Este ouvidor nenhuma especialidade tinha em demarcação de limites e os interesses paulistas não foram levados em conta nesse seu trabalho. Mas também, a capitania estava acéfala e nenhuma outra autoridade estava interessada em levantar dúvidas sobre as decisões de Gomes Freire. O auto de 19 de outubro de 1749 foi o resultado da demarcação do Dr. Thomaz Rubim que acabou criando jurisprudência, apesar de todos os conflitos e pendências locais que surgiram no futuro.6 Na verdade, ele criou um novo rumo para a fronteira “até chegar ao Rio Grande, acompanhando por um lado a

Auto de Demarcação pelo Ouvidor do Rio das Mortes, Dr. Thomaz Rubim de Barros Barreto, 1749. In: DOCUMENTOS INTERESSANTES, op.cit., p.43, nota 3. 6 Alguns mapas mineiros desse período sugerem diversas variantes para a fronteira, entre as quais uma pelo Rio Pardo, ficando a área de Batatais e Franca para Minas Gerais. 5

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estrada que vai de São Paulo para Goiás.”7 Na verdade, a partir daí, cada questão de fronteira passou a ter um tratamento específico das autoridades e uma linha de fronteira definida entre os dois governos surgirá somente e definitivamente em 1938. Enquanto isso, o sertão intermediário entre as partes povoadas era descoberto e desbravado, em parte pelos esforços de exploradores de novas minas, em parte pelas expedições militares contra quilombos e criminosos fugitivos. A partir de Santana do Sapucaí e Ouro Fino, os mineiros ampliaram o seu raio de ação para o norte. Veríssimo João de Carvalho foi o principal deles e parece ter chegado à região de Cabo Verde onde fundou o arraial que levou o seu nome, Veríssimo. Mas também os paulistas chegaram até o Rio Grande e Pedro Franco Quaresma descobriu ouro em vários lugares. A Câmara de Jundiaí e o Bispado de São Paulo tomaram posse destes descobertos em 1767 e toda esta área tomou o nome de Distrito do Desemboque. Prova da primazia paulista no antigo Desemboque (área em torno de Jacuí) é que, em 1760, o vigário de Mojiguaçu já estava a fazer casamentos naquela área, em casa do capitão Francisco Vieira da Costa.8 Durante o governo de Luiz Diogo na capitania de Minas, este governador resolveu “dar um giro pelos confins da Comarca do Rio das Mortes.”9 Disso resultou a incorporação definitiva de vários arraiais e povoados reclamados pelo governo paulista, em desacordo com a demarcação do Dr. Thomaz Rubim.10 O avanço mineiro, nesse sentido, tem certa lógica econômica: a sentida redução dos quintos reais exigia a expansão da área contribuinte para desafogar a população do pesado imposto das cem arrobas, a finta. Em 1765, com a restauração da capitania de São Paulo, o novo governador, Dom Luiz Antônio de Souza Botelho Mourão, o Morgado de Matheus, tratou de restaurar a capitania ao seu antigo estado e jurisdição. Prova disso é a sua intensa correspondência com várias autoridades da colônia e da metrópole. Morgado de Matheus protestava energicamente contra a demarcação do Dr. Thomaz Rubim e denunciava a usurpação do território paulista. Enquanto a Coroa não se pronunciava a respeito de uma demarcação definitiva, e aceita por ambas as partes, nova disputa estourou nos vales de

Auto de Demarcação pelo Ouvidor do Rio das Mortes. In: DOCUMENTOS INTERESSANTES, op.cit., p.43, nota 3. 8 FRANCA. Arquivo Municipal. Livro de Casamentos de Mojiguaçu, 1737-1775 (Transcrição de Roberto Vasconcelos Martins). 9 DOCUMENTOS INTERESSANTES, op.cit., p. LII, nota 3. 10 Auto de Demarcação pelo Ouvidor do Rio das Mortes. In: DOCUMENTOS INTERESSANTES, op.cit., p.43, nota 3. 7

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diversos tributários que, para o Rio Pardo, descem do espigão entre Jacuí e Cabo Verde, exatamente na área que mais tarde levaria o nome de Caconde.11 Morgado de Matheus imediatamente remeteu uma guarda armada para o lugar, obtendo a vantagem da posse efetiva que manteve e impedindo, ao mesmo tempo, as minas, de acordo com ordens da metrópole, enquanto esperava determinações acerca dos limites. Mas as únicas determinações de Lisboa eram para se manter o “status quo” até decisões definitivas que, na verdade, nunca vieram. Assim, a partir do controle paulista das minas do Rio Pardo, nenhuma iniciativa de expansão foi tomada pelos dois governos. O mesmo não aconteceu com as autoridades locais e a população inquieta e aventurosa da fronteira. Para manter a sua jurisdição no Rio Pardo, Morgado de Matheus teve de desimpedir e repartir as datas auríferas e, estrategicamente, criar a Freguesia de Nossa Senhora da Conceição do Bonsucesso do Descoberto das Cabeceiras do Rio Pardo (Caconde) em 1774, desmembrada de Mojiguaçu, e que passou a ter jurisdição sobre todo o sertão e Caminho de Goiás, como já falamos. De fato a demora da Coroa em dar uma definição para o caso dos limites foi inteiramente favorável aos interesses mineiros. Talvez pelo amor às cem arrobas, Lisboa desconversava e guardava silêncio sobre a questão. Os sucessores de Morgado de Matheus não encamparam, como ele, a defesa do território paulista e permitiram que os interesses e caprichos individuais dos moradores da fronteira dominassem as soluções locais que acabaram sendo oficializadas. A decisão da Coroa de manter o “status quo” só poderia ser mantida numa região inteiramente deserta. Não era o caso da área litigiosa. Cada sítio novo que se formava, cada caminho ou picada nova que se abria pertubavam o equilíbrio e dava motivo para questões. O rigoroso sistema fiscal da Capitania estimulava a abertura clandestina de vias de comunicação e transporte, o que gerava todo aquele dissídio. E assim foi se conduzindo o povoamento mineiro de toda a região a oeste do Sapucaí até em áreas próximas do Caminho de Goiás. Afinal, podemos concluir que a expansão territorial mineira, desde o início, foi impulsionada, sobretudo, pela própria expansão da população dessa capitania para suas áreas vizinhas. No eclesiástico, a questão foi mais simples. A bula de 1745, que criava os bispados de São Paulo, Mariana e Goiás marcou os limites, permitindo, porém, várias interpretações. Com a definição da Mantiqueira como divisa entre os governos civis, cinco igrejas ficaram subordinadas ao bispado de Mariana, sem contestação alguma: Carrancas, Baependi, Pouso Alto, Aiuruoca e Campanha. Outras igrejas a oeste do Sapucaí e do Rio Grande permaneceram

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Esta área de posse paulista constitui, visivelmente, um enclave que penetra o território mineiro, empurrando a linha do Dr. Thomaz Rubim para leste.

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com o Bispado de São Paulo - Ouro Fino, Cabo Verde e Santana do Sapucaí com o consentimento do bispo de Mariana. Esta divisão eclesiástica ficou consolidada com o assento da mesa do desembargo do paço em 1774.12 A única resposta dada pela Coroa às representações dos governadores das duas capitanias sobre a questão de limites veio em 1798: “nada se altere quanto aos limites das capitanias até que estes se prescrevam e se fixem devendo evitar-se qualquer questão a semelhante respeito.”13 Nessa época, novos e efêmeros descobertos de ouro vinham ocorrendo na área de Caconde, o que continuava suscitando dúvidas e conflitos.14 Ressalte-se, nesta época, a figura de Jerônimo Dias Ribeiro, comandante do Registro de São Matheus, na defesa da jurisdição paulista nessa região. Ele está presente nessa história desde as lutas de Lustoza, em 1748, quando então, com 19 anos, já fazia parte do destacamento paulista no Sapucaí. Deve-se a ele, sem dúvida, o domínio paulista sobre este território que hoje, corresponde a uma espécie de enclave correspondente ao município de Caconde. Já agora, sob impulso da chegada dos “entrantes” mineiros, os interesses econômicos voltam-se mais para os campos de criação que para a mineração. As áreas que suscitam maior discórdia situam-se ao norte de Mojiguaçu, no chamado sertão do Rio Pardo, ainda a leste do Caminho de Goiás. Na administração de Antônio José da Franca e Horta (1802-1811), renovaram-se os conflitos em vários pontos da fronteira, como reflexo direto da maciça penetração de gente proveniente das vilas e arraiais do sul de Minas que ia ocupando terras através de requisições de sesmarias, mas quase sempre através da posse pura e simples. A criação da vila de Campanha, em 1798, havia trazido o centro administrativo para uma área mais próxima e mais diretamente interessada na questão de limites e as novas autoridades começaram a desenvolver grande atividade e zelo na colocação de registros e na fiscalização das estradas. Interpretavam a seu modo a demarcação do Dr. Thomaz Rubim sem se importarem com as decisões e convênios de autoridades superiores, o que acabou gerando novas pendências. Em 1805, um mineiro de Caldas plantou suas roças no alto da serra, em território certamente paulista, recebendo ordem do juiz de Mojimirim para

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Correspondência com o Governador de Minas a Dom Antônio de Noronha, 1775. In: DOCUMENTOS INTERESSANTES, op.cit., p. 336, nota 3. Aviso Régio ao governador de São Paulo, 1798. In: DOCUMENTOS INTERESSANTES, op.cit., p. 420, nota 3. “Ao longo das divisas continuaram os conflitos entre os moradores, apoiados, cada qual, pelas suas respectivas capitanias. Os registros eram atacados, as expulsões se verificavam de lado a lado. Viajantes e mineradores eram obrigados a pagar duas vezes o mesmo imposto.” In: CHIACHIRI FILHO, José. Do sertão do rio Pardo à Vila Franca do Imperador. Ribeirão Preto: Ribeirão Gráfica, 1986, p.25.

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que o novo empreendimento respeitasse a jurisdição. Em 1807, o guarda-mor de Mojimirim, à frente de 50 homens armados, obrigou o Capitão Brandão, inspetor dos guardas de Campanha, a se retirar do lugar chamado Contagem de Santa Maria (região de Caldas), às margens do Jaguarimirim. Quase ao mesmo tempo, com a desativação do Registro de São Matheus,15 moradores de Cabo Verde ocuparam o distrito, provocando também a reação do capitão-mor de Mojimirim, que nomeou outro comandante. No distrito de Franca, as questões foram também sérias. Em 1805, por insistência dos próprios moradores mineiros, tendo à frente o capitão Hipólito Antônio Pinheiro, mineiro de Congonhas do Campo, foi criada a Freguesia de Nossa Senhora da Conceição. Seu primeiro vigário foi o Padre Joaquim Martins Rodrigues, outro mineiro recém-chegado à região. Esta providência foi estratégica, no sentido de demarcar a presença paulista no Sertão do Rio Pardo, pelo menos a princípio, no eclesiástico. Um ano antes, o mapa de C.L. Miranda, representando bem o pensamento das autoridades mineiras em Ouro Preto, estabelece o rio Pardo como limite entre as duas capitanias e como mineiro todo o território de Franca! Em 1809, moradores de Franca, reagindo às pretensões anexionistas de seus conterrâneos de Jacuí e, por instigação do governador Franca e Horta, pediram a criação da vila, em requerimento enviado ao governo central, com informação favorável do governador.16 Apesar dos esforços de Franca e Horta, este negócio não chegou a ser concluído durante sua administração, sendo a vila criada somente em 1824. Mesmo após a independência, continuaram dúvidas e disputas pelo século XIX afora. Foi necessária toda essa digressão sobre os limites entre São Paulo e Minas para situarmos, a seguir, os prováveis roteiros da penetração maciça dos entrantes mineiros em território paulista. Tentaremos localizar os pontos exatos dessa fronteira em litígio, palco dessa intensa pressão migratória. Aliás, toda essa querela de limites só tem razão de ser em função do deslocamento dos

A desativação do Registro de São Matheus com a retirada do seu velho comandante Jerônimo Dias Ribeiro, é reflexo de uma decadência geral da área mais próxima a Caconde, inclusive o despovoamento que se abateu sobre a vila, como já tivemos oportunidade de demonstrá-lo até mesmo com dados demográficos. Sem vigário, com a morte do Padre Francisco Bueno de Azevedo, a própria freguesia entrou em declínio e passou a ser administrada pelos vigários de Cabo Verde. A explicação disso, talvez seja pelo fato de que a estrada de São Matheus, um dos seus núcleos mineradores, já não tinha mais trânsito, sendo mais fácil para os mineiros entrarem em São Paulo pela região aberta dos campos de Caldas, em direção a Casa Branca. Aliás, esta foi, sem dúvida, uma das vias mais importantes de penetração dos generalistas em São Paulo. 16 DOCUMENTOS INTERESSANTES, op.cit., p. 422, nota 3. 15

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grupos humanos que coloca em risco os interesses político-administrativos, principalmente fiscais, das autoridades provinciais e locais. 2. CAMINHOS E ROTEIROS DA MIGRAÇÃO

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“Os municípios de sopé dos contrafortes da Mantiqueira - Casa Branca, Mojimirim, Mojiguaçu, Limeira, Araras - receberam entrantes do sul de Minas, mineiros só de nome, pois jamais estiveram ligados à mineração. Eram lavradores, roceiros, a maioria pequenos proprietários nas suas regiões de origem - Campanha, Lavras, Aiuruoca.”17 Assim Pierre Monbeig se refere à migração mineira para o interior paulista, não deixando de ressaltar, no entanto, que mais forte ainda era a presença de migrantes mineiros no norte da província, outro ponto de penetração, quase sempre a partir do Desemboque. As origens dos caminhos que ligavam o sul de Minas ao interior paulista, transpondo a Mantiqueira, se perdem em um passado desconhecido. O volume 11 de Documentos Interessantes, ao abordar as questões de fronteira entre São Paulo e Minas, traz informações importantes sobre primitivas vias de comunicação entre as duas províncias. Por volta de 1750, sabemos da existência de um caminho que vinha de São João del Rei para Santana do Sapucaí através da Campanha. Muito provavelmente, este caminho foi prolongado através das divisas das águas pelo vale do Jaguari, com uma variante indo dar a São Paulo através de Atibaia, e outra a Ouro Fino nas cabeceiras do Mojiguaçu. Só mais tarde é que, a partir de Ouro Fino, teremos o prolongamento desta via até encontrar o Caminho de Goiás, e para o norte por Caldas, Cabo Verde e Jacuí até atingir o Rio Grande.18 Um mapa da Capitania de Minas Gerais, de 1767, já mostrava muito bem esses primitivos caminhos.19 No início do governo de Morgado de Matheus, havia nas quase desertas regiões limítrofes das duas capitanias duas estradas que limitavam uma larga zona inabitada, porém destinada, infalivelmente, a se tornar povoada e cortada por novas estradas transversais. Eram elas: o Caminho de Goiás, pelo lado paulista e, pelo lado mineiro, as antigas picadas abertas de novo pelo Governador Luís Diogo, do Desemboque, por Jacuí, Cabo Verde, Campestre, Ouro Fino e Camanducaia para Santana do Sapucaí. Ligando estas duas

MONBEIG, Pierre. Pioneiros e fazendeiros de São Paulo. São Paulo: HUCITEC, 1984, p. 140. 18 DOCUMENTOS INTERESSANTES, op.cit., p. LIX, nota 3. 17

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estradas, através da área despovoada, havia duas estradas transversais: de Camanducaia a Atibaia e São Paulo, e de Jacuí ao Caminho de Goiás, no registro paulista de Itupeva, adiante de Mojiguaçu.20 De qualquer forma, foi, sem dúvida, Mojiguaçu, a última vila do sertão, o mais antigo ponto de parada dos mineiros que penetravam o interior paulista desde a última década do século XVIII. Podemos encontrar prova disso quando o mesmo indivíduo é listado em censos de diferentes anos, ora como tendo sua procedência de Mojiguaçu, ou mesmo de Mojimirim, ora de certa localidade do sul de Minas. As ligações estreitas da população da região de Franca com a área do Desemboque sugerem a existência de uma antiga estrada que muito provavelmente ligava Batatais a Jacuí, concordando com as afirmações de Monbeig. Basta verificar que a maioria dos entrantes mineiros que se fixaram ao norte da capitania de São Paulo é proveniente mais do Oeste e do Centro que do Sul de Minas propriamente.21 Outro ponto de passagem entre Minas e São Paulo foi estabelecido a partir de novos descobertos de ouro nas cabeceiras do Rio Pardo, região de Caconde. A partir desse momento, podemos identificar o Rio Pardo como a grande via de penetração para o sertão. Os padres da nova freguesia de Caconde, criada em 1774, seguiam necessariamente uma estrada que os levava da sede da freguesia ao Caminho de Goiás nas suas desobrigas anuais. A citação do “bairro do Rio Pardo”, em documentos do início do século XIX, inclusive nos maços de população de 1811 e 1814, não deixa dúvidas de que toda a área entre Caconde e Cubatão já estava povoada, pois incluía populações com locais de moradia perfeitamente identificados ao longo do rio. O Rio Pardo era, portanto, referência fundamental para a ocupação daquele espaço intermediário entre o Caminho de Goiás e a região mineradora de Caconde. E, com certeza, ele continuou desempenhando o mesmo papel para a ocupação das áreas ribeirinhas a jusante daquele caminho. A importância dos rios na ocupação e expansão territorial também pode ser percebida no caso do Mojiguaçu. A citação também nos maços de população desde o final do século XVIII dos bairros de “Rio Abaixo” e de “Rio Acima” mostra como, que numa área mais ao sul, existiam dois conglomerados populacionais que, pelo menos na documentação oficial, tinham como referência

20 21

DOCUMENTOS INTERESSANTES, op.cit., p. LXIII, nota 3. O contingente de populações originadas de Piuí, Jacuí, Curral del Rei e Tamanduá, listadas nos censos de Franca e Batatais, é incomparavelmente maior que aquelas listadas nos censos de Casa Branca, como ainda veremos.

107


básica do espaço o vale de um rio. E podemos perceber nesse caso que a população do “Rio Acima” era sempre maior que a população do “Rio Abaixo”, mostrando o sentido leste-oeste daquela penetração. Nos “autos de medição de terras da Fazenda do Lageado”22, citado por Roberto Vasconcelos Martins23, o capitão Adriano José de Campos afirma que: “pescadores e caçadores da vila de Mojimirim e da freguesia de Mojiguaçu descobriram os grandes campos e o inculto sertão que acompanhava o rio Mojiguaçu e o rio da Onça, por volta de 1760.” Ainda no mesmo documento, encontramos o coronel José Joaquim da Costa Gavião, morador em São Paulo, mandando explorar e descobrir por sua própria conta os campos na Escaramuça, próximo ao rio da Onça, como também providenciando a abertura das primeiras picadas e caminhos. Posteriormente, toda essa imensa área lhe foi concedida em sesmaria por cartas de 19.06.1807, 07.03.1813 e 15.05.1819. A maior parte dessa área corresponde hoje ao município de Guatapará. Ainda o mesmo documento nos informa que em 1810, existia já uma estrada rente ao rio Mojiguaçu, alcançando até as proximidades da foz do rio da Onça. Servia de ligação entre o Caminho de Goiás e aquela região, por onde se podia alcançar a vila de Mojimirim. Em 19.09.1810, o capitão Adriano José de Campos passou por esta estrada ou picada vindo de Mojimirim. Em novembro do mesmo ano, passou pela mesma estrada, de volta, conduzindo gado.25 Podemos perceber, portanto, à luz da documentação disponível, que os rios Pardo e Mojiguaçu serviram como canais de penetração para o povoamento a oeste do Caminho de Goiás, seja através da navegabilidade de seu curso, seja através da ocupação progressiva de seus vales com campos de criação. Fica bastante claro, como foram justamente os vales do Pardo e do Mojiguaçu que sofreram mais cedo o desbravamento e a ocupação humana dentro da referida mesopotâmia, ficando as áreas do expigão (divisor de águas) entre eles para um segundo momento. Assim, é que se compreende porque a área dos municípios de São Simão e Ribeirão Preto foi talvez a última a ser ocupada quando todas as áreas circunvizinhas já o estavam.

Autos de medição de terras na fazenda do Lageado, 1841, maço 2K, Cartório do 1 Ofício de Mojimirim. 23 MARTINS, Roberto Vasconcelos. Pontal histórico: História para os pontalenses. Pontal: ACP, 1987, p.25. 25 Idem. 22

108


Com a liberação das estradas em 1810, portanto somente após a chegada da família real, frente às novas circunstâncias econômicas criadas pela formação do novo mercado no centro-sul e de que já tratamos o suficiente, toda a região fronteiriça entre São Paulo e Minas foi cortada por novas vias de comunicação. A partir dessa época, o principal meio de penetração dos mineiros para a mesopotâmia Pardo-Mojiguaçu passou a ser Casa Branca a partir dos campos de Caldas. Casa Branca passa a ser o ponto de partida para a ocupação desta imensa área ainda desabitada e a vila de Mojiguaçu passa a ocupar, nesse sentido, um lugar secundário, apenas como área de trânsito para aqueles que preferem vir mais pelo sul através de Camanducaia, Bragança e Atibaia. Nesta mesma época, a estrada de São Matheus, no enclave paulista, representado por Caconde, já não tinha mais tanto trânsito, desde o declínio definitivo da mineração do ouro e a consequente desativação do seu registro. Como já afirmamos em nota explicativa anterior, isto explicaria o despovoamento da sede da freguesia de Caconde e até a sua desativação após a morte do vigário, em contradição com o crescente povoamento de suas áreas do interior pelos entrantes mineiros. É que os mineiros já não estavam mais entrando por ali. A primeira menção documental de uma estrada cortando o divisor de águas entre o Pardo e o Mojiguaçu é de 1837. Trata-se do Mapa Corográfico da Província de São Paulo, desenhado pelo Marechal Daniel Pedro Müller e dedicado ao presidente da província Bernardo José Pinto Gavião Peixoto. Este mapa mostra uma estrada que ligava São Simão a Casa Branca, entroncando no Caminho de Goiás. Foi por ela, sem dúvida, que chegaram muitos dos primeiros povoadores da região de São Simão e Ribeirão Preto, secundando a outros poucos que já se encontravam nos vales dos ribeirões da Onça e do Tamanduá desde a década de 1820 ou que vieram de Batatais e Franca pelo norte. A “invasão” dos entrantes mineiros, determinada no contexto e nas condições econômicas surgidas com a instalação da Corte no Rio de Janeiro, teve no Caminho de Goiás o eixo dinâmico de sua dispersão e posterior fixação na região que viria a ser chamada por eles mesmos de “Oeste Paulista”. Uma via previamente aberta e já bastante conhecida serviu de referência necessária para aqueles que chegavam à procura de terras para pastagens e para o cultivo de gêneros, tanto para os que desciam as fraldas da Mantiqueira quanto para os que vinham do norte, pelo Desemboque. O apossamento desses territórios seria possível à medida que os

109


entrantes se afastassem do Caminho para o Oeste, dando continuidade ao sentido geral do povoamento. Acompanhando esse processo, empurrado pelas mudanças econômicas do centro-sul do país e pelas necessidades de sobrevivência de seus protagonistas, as fontes documentais crescem em termos quantitativos. Elas começam a apontar localidades diferentes dos pousos e sítios por demais conhecidos, afastados do Caminho e já em pleno sertão. O melhor exemplo do que estamos falando é o primeiro censo de São Simão, datado de 1835, constando quarteirões formados por vales de ribeirões que já se encontram, em parte, bem próximos ao município de Ribeirão Preto. Dois pontos de convergência inicial daquele povoamento ocupavam os extremos do Caminho de Goiás na província de São Paulo: Casa Branca e Franca - por ali passavam os migrantes que se espalharam por toda a mesopotâmia formada pelo Pardo e pelo Mojiguaçu. A abertura de estradas transversais ao Caminho de Goiás, como aquela que ligava Casa Branca a São Simão, permitiu a interiorização mais rápida do povoamento das áreas ainda desabitadas. 3. CRESCIMENTO DEMOGRÁFICO A PARTIR DA EXPANSÃO MINEIRA Os mineiros que vieram povoar os sertões do oeste eram, sem dúvida, de uma origem social e cultural diferente da população primitiva que desde a descoberta das minas de Goiás pontilhava os pousos e sítios do Caminho e seu sertão. Como afirma Chiachiri, “se sua proeminência na região deve-se à sua maior quantidade, é certo que para tal também colaboraram o seu nível de vida, a cultura, a educação, enfim, a sua vida com algum contato com os núcleos urbanos das Gerais.”26 Os mineiros não provinham das camadas mais abastadas da sua província. Estes não necessitam de migrar. Mas, em relação aos que ali já se encontravam, eles eram “homens de certa posse.”27 Chegavam com seus agregados e escravos (que não eram muitos), traziam algumas cabeças de gado e seu “trem”28 sobre carroças. Não perdiam o hábito do trabalho. Apesar de viverem

CHIACHIRI FILHO, op.cit., p.41, nota 14. Idem. 28 Expressão tipicamente mineira, ela serve para designar conjunto de objetos e utensílios da casa transportados no carro de boi. 26 27

110


do amanho da terra, não haviam perdido seu viés urbano, a necessidade de comprar e vender os levava com frequência às vilas de São João del Rei, Mariana, Tamanduá e Aiuruoca. Quase sempre era um filho mais velho que ia à frente sondar o terreno, conhecer a região e os vizinhos já instalados e, posteriormente, trazia toda a família e seus pertences. A migração era, pois, eminentemente, de famílias inteiras que ocupavam as fazendas na forma de condomínios que permaneciam indivisos por muitos anos até que alguma obrigação legal (inventários, doações ao patrimônio eclesiástico, registro de posse de acordo com a Lei de Terras) os levava a dividir o patrimônio comum construído pelos seus pais. A forma de ocupação da terra era a posse. A concessão de sesmarias será suspensa pelo governo imperial em 1822 e a disponibilidade de terras férteis e pastagens naturais continuará concorrendo como um convite ao apossamento. Trânsfugas e bandoleiros se misturavam com os entrantes29, mas eram raros e não se fixavam. Saint-Hilaire os cita, não havendo dúvidas de que a região podia abrigá-los da lei, do fisco e dos credores, porém nunca foram a maioria e não foram eles que formaram o perfil e o caráter da sociedade caipira do interior paulista.30 A criação da freguesia de Nossa Senhora das Dores de Casa Branca em 1814, por ato do próprio Príncipe Regente, além de representar uma iniciativa de ordem estratégica31, como ainda veremos, significava também a necessidade de se organizar a vida religiosa de uma população de entrantes que crescia consideravelmente na mesopotâmia Pardo-Mojiguaçu.32 As listas de população de Casa Branca, iniciadas no mesmo ano da criação da freguesia, demonstram claramente este crescimento populacional, como podemos ver no quadro abaixo:

SAINT-HILAIRE, Auguste de. Viagem a província de São Paulo. Belo Horizonte/São Paulo: Itatiaia/EDUSP, 1976, p. 88. 30 Ver: CÂNDIDO, Antônio. Parceiros do rio Bonito. São Paulo: Livraria Duas Cidades, 1987. Este trabalho, sem dúvida é considerado o melhor estudo sobre o perfil e o caráter do caipira paulista, escrito até o momento. 31 TREVISAN, Amélia. Casa Branca: povoação dos ilhéus. São Paulo: Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, 1979. Tese (mestrado em História) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, USP, 1979. 32 Idem, p. 46-47. 29

111


1814 1815 1816 1817 1818 1820

1822 1825 1826 1827 1829 1829 * * + + * **

Total 915 População

869 993 1133 1198 1398 1444 2495 926 1105 2718+ 17563

Fogos

166

156 170 203

Livres

796

797 777 990 1066 1172 1211 1551 877 877 2142 13455

-

216 233 408 170 170

420

-

Escravos 119

72

116 143 132 226 233 252 186# 228# 319 4108

Nascimentos

-

35

44

39

125

-

88

172 81# 150# 130

740

Mortes

-

7

23

29

44

-

43

58

78# 73#

146

440

Casamentos

-

6

17

11

17

-

17

13

12# 17#

28

145

* Dados das duas companhias de Ordenança agregadas. ** Dados de todos os distritos de Mojimirim (Mojimirim, Mojiguaçu, Casa Branca, Caconde, Batatais e Franca). + Dados de apenas uma das Companhias de Ordenança. # Dados da Primeira e Segunda Companhias agregadas.

A documentação eclesiástica de Casa Branca, de um longo período, acha-se desaparecida.33 Os primeiros assentos de batismo que pudemos encontrar datam de 1834 e podem ser vistos no Arquivo da Igreja Matriz. Por isso, a documentação básica a que recorremos para o estudo do período a partir de 1814 são os maços de população do Arquivo do Estado. Eles apresentam uma série quase contínua até 1829. Estão em perfeito estado de conservação, bastante legíveis e claros nas suas informações. Para alguns, anos aparecem dados parciais, de apenas uma das Companhias de Ordenança. Infelizmente, estas listas de população não identificam os locais exatos de moradia dos indivíduos e nem especifica a procedência de todos, sendo em grande parte assinalados como procedentes simplesmente de Minas Gerais.

33

Um incêndio ocorrido na matriz, em 1897, deve ter destruído grande parte dos livros de registros paroquiais.

112


Amélia Trevisan utilizou-se dos censos de 1814 e 1825 no seu estudo sobre Casa Branca34 detectando as modificações havidas na evolução inicial do seu povoamento e das suas condições sócio-econômicas. Também ela ressalta a importância da migração dos entrantes mineiros que sobressaíam não apenas em número em relação aos provenientes de outras localidades, mas também em importância econômica e social dentro do conjunto da população. Dentre os três senhores de engenho citados no censo de 1825, aparecem dois mineiros: o capitão Joaquim Gonçalves dos Santos, branco, 58 anos, natural de São João del Rei, casado com Maria Rosa, pai de 6 filhos e possuidor de 47 escravos(!), e o capitão João de Souza Nogueira, branco, 68 anos, natural de Baependi, casado com Maria Teodora, pai de 3 filhos e possuidor de 7 escravos. Ambos criavam gado e desenvolviam negócios diversos que os afastavam de uma mera economia de subsistência. O capitão Joaquim Gonçalves dos Santos é o avô de João Gonçalves dos Santos, primeiro presidente da Câmara Municipal de Ribeirão Preto. Podemos perceber, em uma área até recentemente sertão bravio, a reprodução daquele modelo econômico típico do sul de Minas, qual seja, uma agropecuária simultaneamente de subsistência e mercantil. Nos estudos de Trevisan, podemos detectar certos dados que nos levam exatamente nessa direção. Em 1814, o alferes Salvador Garcia Leal, o maior produtor de milho de toda a freguesia, com 600 alqueires, marcou 90 capados e vendeu 80. Inácio Alves Nogueira vendeu 120 bois. Como negociante de bois, por ocupação principal, é citado Luciano Dias de Oliveira, natural de Mojiguaçu. A ideia de que se desenvolvia na freguesia de Casa Branca uma economia de subsistência é enganosa. Mesmo a expressão “para o gasto em casa”, a que se destinava a produção da maior parte dos moradores, incluía não apenas produtos consumidos pela família, mas também vendidos às tropas do caminho. Assim é que se entende porque uma produção total de 6.156 alqueires de milho, apenas 50 foram vendidos - quer dizer vendidos a comerciantes. No ano de 1825, fica ainda mais forte a presença ali de uma economia mercantil de subsistência. Nesse ano, o Sargento-mor José Garcial Leal, branco, 72 anos, natural de Mojimirim,35 casado com Ana Cardoso, pai de 4 filhos e dono de 21 escravos, era possuidor de um engenho e vendeu 500 arrobas de açúcar por 800$000 e 200 canadas de aguardente por 256$000.

34 35

TREVISAN, op.cit., p.53 e 117, nota 31. O censo de 1822 o coloca como natural de Minas Gerais. SÃO PAULO. Arquivo Público do Estado. Maços de População, Casa Branca, São Paulo, Ordem 121, Lata 121.

113


Os criadores de gado da freguesia chegaram a vender um total de 521 bois por 2.960$000. O coronel Bernardo José Pinto Gavião, já citado, mantinha, no vale do rio da Onça, uma fazenda de criar que, com frequência, mandava bois para São Paulo. O Capitão Joaquim Gonçalves dos Santos, já citado, teve em 1825 um rendimento de 1.064$000 e o Capitão João de Souza Nogueira vendeu 20 canadas de aguardente por 38$000. Os negociantes citados no censo de 1825 eram 14, sendo 9 “significativamente” naturais de Minas Gerais. Mas os mapas de população não especificam que tipos de negócios desenvolviam, apenas afirmam que “vivem de seu negócio”. 4. PROCEDÊNCIA MINEIRA DE GRANDE PARTE DA POPULAÇÃO O censo de Casa Branca mostra a procedência da população que residia nessa freguesia. Esta informação, no entanto, não é plenamente confiável, por diversas razões: 1. O número de fogos, de cujo chefe não é dada a procedência ou a naturalidade, é bastante elevado; 2. Muitas vezes, o recenseador anota que determinado chefe de família é procedente ou natural de Minas Gerais, mas nada informa sobre a localidade exata; 3. É dada apenas a procedência ou a naturalidade do chefe de família, com total omissão desse dado para os demais membros do fogo, como agregados e escravos; mesmo da viúva ou mulher solteira, quando chefe de família, esse dado não é revelado no censo; 4. Quando é fornecida essa informação, corre-se o risco de não identificarmos exatamente a localidade de origem do morador, pois, quase sempre, é dado apenas o termo de origem, sempre muito extenso, envolvendo diversas capelas e freguesias omitidas no documento; 5. E o mais sério: a grande proporção de moradores originários de Mojiguaçu, Mojimirim e mesmo de Casa Branca nos sugere erro, omissão e descuido do recenseador: muitos moradores podem ter vindo dessas localidades, mas estavam ali em trânsito e têm sua origem exatamente em Minas. Por todas essas razões, os dados de procedência ou naturalidade nos censos de Casa Branca que pesquisamos, entre 1814 e 1829, devem ser relativizados, ficando sempre sujeitos a restrições.

114


Vejamos, agora, em números globais, o peso dos entrantes mineiros no conjunto da população da freguesia de Casa Branca, entre 1815 e 1829: 1815 1816 1817

1820 1822 1825 1826 1827 1829 * * ** * * **

Número total de fogos

156

170

203

216

233

408

317

170

422

Número de fogos com chefes naturais de Minas Gerais

22

24

28

38

44

157

149

88

145

Percentual

População

14,1% 14,1% 13,7% 17,6% 18,8% 38,4% 47,3% 51,7% 34,3%

869

993

1133 1398 1444 2495 1919 1105 2718

Número total de moradores das famílias cujos 107 chefes são naturais de Minas Gerais

189

181

Percentual

298

339

881

1001 573

1023

12,3% 19,0% 15,9% 21,3% 23,4% 35,5% 52,1% 51,8% 37,6%

* Dados de apenas uma das companhias de ordenança encontrados no APESP. ** Dados agregados das duas companhias de ordenança.

Podemos observar que a penetração dos entrantes mineiros ao norte do Rio Pardo, na província de São Paulo, área que correspondia à freguesia de Franca, é bem mais antiga, e muito mais intensa que aquela que se verificou na freguesia de Casa Branca, ao sul do Rio Pardo. Podemos perceber isso pelo menos nas duas primeiras décadas do século XIX. Comparemos os dados que pesquisamos para Casa Branca com os dados apresentados por Chiachiri para Franca.36

36

CHIACHIRI FILHO, op.cit., p. 123, nota 14.

115


1804

1813

1814

1815

1824

1825

População total

843

2499

2832

-

5827

-

Procedência de Minas Gerais

209

1494

2092

-

4372

-

24,7% 59,7% 73,8%

-

75%

-

FRANCA

Percentual CASA BRANCA População Total

-

-

-

869

-

2495

Procedência de Minas Gerais

-

-

-

107

-

881

Percentual

-

-

-

12,3%

-

35,3

Mas uma lista nominativa de habitantes da freguesia de Casa Branca, de 1833, que muito provavelmente era referente apenas a uma das Companhias de Ordenanças, e que encontramos no Arquivo Público do Estado nos fornece números bem diferentes daqueles do censo de 1829. Agora, a origem dos cabeças de fogo, mostra claramente a predominância dos “entrantes” mineiros, também na área de Casa Branca, ao sul do Rio Pardo: CASA BRANCA - 1833 DE MINAS GERAIS

159

DE LOCALIDADES DE SÃO PAULO

121

DA EUROPA (Portugal)

5

SEM MENÇÃO DA PRECEDÊNCIA

17

Fonte: SÃO PAULO. Arquivo Público do Estado. Documentos de Casa Branca, 1830-1834. Ordem 984, c. 189, p.1.

Nessa lista de 1833, encontramos vários mineiros já listados em censos anteriores e que vão aparecer no censo de dois anos depois, de São Simão: Amaro José do Vale

Francisco Landim

Bento José do Vale

Custódio José Landim

116


João Xavier do Vale

José Pereira Landim

José Alves do Vale

José Borges da Costa

Custódio José do Vale

Manoel José dos Reis *

Simão da Silva Alves Teixeira

Vicente José dos Reis *

* Não eram mineiros, mas os citamos pela sua importância para a formação da rede fundiária de Ribeirão Preto.

Notamos no censo de 1833, a presença ainda de vários moradores cujos descendentes vão se fixar mais tarde na área de Ribeirão Preto:

João Manoel de Pontes

José Garcia Leal

João Ferreira

Lourenço da Costa Bezerra

João Thomas de Aquino

Urias Egídio Nogueira

Joaquim Paes Cavalcanti

Sotéro Soares de Castilho

José Bento Nogueira Se verificarmos a origem geográfica dos entrantes presentes na região de Franca, podemos perceber que a maioria deles era, de maneira significativa, originários da região centro-oeste de Minas, como, por exemplo: Curral del Rei, Congonhas, Bambuí, Jacuí, Desemboque, Piuí, Pitangui, Tamanduá, não sendo desprezível, no entanto, o número daqueles vindos do centro-sul da província mineira. Por outro lado, a maioria significativa dos entrantes mineiros na freguesia de Casa Branca é originária de localidades do sul de Minas como, por exemplo, Campanha, Lavras, Baependi, Aiuruoca, Ouro Fino e São João del Rei, como podemos verificar pela tabela a seguir: 1815 1816 1817 1820 1822 1825 1827 1829 De Minas Gerais

9

4

6

8

30

6

4

38

117


Jacuí

3

4

7

4

8

16

4

9

Bom Sucesso

-

-

-

-

-

-

-

3

Campanha

3

1

1

3

-

20

13

20

Mandu (Pouso Alegre)

-

-

-

-

-

-

-

1

Lavras

-

-

-

2

-

30

21

16

Baependi

-

-

-

-

1

7

9

15

Cabo Verde

1

1

2

4

3

2

1

2

Ouro Fino

4

3

5

6

1

5

13

9

Tamanduá (Itapecerica)

1

-

-

-

-

12

-

-

Vila Rica (Ouro Preto)

1

1

1

1

-

3

1

-

S. João del Rei

-

2

3

2

1

13

5

7

S. José del Rei

-

2

-

-

-

3

-

1

Aiuruoca

-

1

-

1

-

14

3

6

Rio das Velhas

-

1

-

1

-

3

1

4

Santana Sapucaí

-

1

1

-

-

-

-

1

Santa Catarina (Natércia)

-

-

1

1

-

1

-

-

São Gonçalo

-

-

1

-

-

1

1

1

Pitangui

-

-

-

1

-

6

3

3

Candeias

-

-

-

2

-

-

-

1

Mutuca (Eloi Mendes)

-

1

-

1

-

3

-

-

Barbacena

-

-

-

1

-

3

-

-

Caldas

-

-

-

-

-

2

1

3

Alfenas

-

-

-

-

-

-

1

4

Pouso Alegre

-

-

-

-

-

4

1

2

Formiga

-

-

-

-

-

-

-

-

Douradinho

-

-

-

-

-

-

-

2

118


Nazareth

-

-

-

-

-

-

-

-

Dores das Gerais

-

1

-

-

-

1

-

-

Piuí

-

-

-

-

-

1

-

-

Mariana

-

-

-

-

-

2

-

-

Pouso Alto

-

-

-

-

-

-

-

1

Rio das Pedras

-

-

-

-

-

-

-

1

São João Nepomuceno

-

-

-

-

-

-

-

1

Camanducaia

-

1

-

-

-

-

-

3

Cambuí

-

-

1

-

-

-

-

-

Santo Antônio

-

-

-

-

-

-

1

1

FAMÍLIAS MINEIRAS MORADORAS NA FREGUESIA DE CASA BRANCA NO ANO DE 1829: DE CAMPANHA Cunha - da Luz - Rocha - Martins de Azevedo - Pereira - Silva Rodrigues - Silva Teixeira - Teixeira - Rodrigues Nunes Borges da Costa - Soares - Braga - Rodrigues Mendonça

DE JACUÍ

Martins de Brito - Pereira - Nunes Machado - Morais - Vieira - Paula - Duarte

DE LAVRAS

Silva - Azevedo - Pimenta - Santos - Souza - Silva Teixeira Dias - Barboza

DE BAEPENDI

Azevedo - Souza - Pires - Nogueira - Camargo - Pereira Martins Carvalho - Terra

DE OURO FINO Pinto - Nascimento - Costa Cabral - Barboza - Novais Miranda - Afonso DE SÃO JOÃO DEL REI

Gonçalves dos Santos - Carvalho - Silva - Silva Teixeira Souza Leitão - Santos

DE AIURUOCA

Pontes - Lopes Ribeiro

DE CALDAS

Pontes

119


5. OCUPAÇÕES DESSA POPULAÇÃO Vejamos a evolução demográfica dessa região no que diz respeito ao rol de ocupações de seus habitantes: Ocupações

1815 1816 1817 1818 1820

Clero Senhores Engenho

de

Agricultores

1822 1827 1825* 1826* 1829* ** **

1

1

1

1

1

1

3

5

4

8

119

47

Criadores

192 170

1

Ferreiros

2

1

Sapateiros

1

Silheiros

2

1

1

1

2

4

7

2

3

3

2

1

3

1

1

2

1

2

6

1

1

2

2

1

1

1

Fiandeiras

9

1

10

Costureiras

2

13

1

Alfaiates

1

1

1

de

1

Taberneiros Seleiros

2 de

2

Ourives Fazedor de Pedra de Espingarda

Latreiros

1

Corpo Militar

1

120

4

3

Tropeiros

Adm. Fazenda

71

84

Telheiros

Feitores Escravos

3

2

128 275 270 161

28

Carpinteiros

3

2

1 3


Negociantes

1

Jornaleiros

23

Vendeiros

2

2

1

1

4

14

8

1

22

17

42

7

3

17 8

1

Agregados

32

Pobres

1

4

1

3

3

Escravos

41

80

88

66

118 152 159 127 183

Escravas

33

50

45

46

103 102 106 101 136

* Dados agregados de duas companhias de ordenança. ** Dados de apenas uma das companhias de ordenança.

ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE ESTE QUADRO DE OCUPAÇÕES Percebemos no quadro de ocupações da freguesia de Casa Branca, entre 1814 e 1829, números inconstantes, dificilmente sugerindo tendências definidas. Isto se deve às falhas da documentação, ou mais provavelmente, a características típicas de uma economia em fase ainda de organização A maior evidência é que a maioria dos moradores dedicava-se ao trabalho na terra, sendo a agropecuária a atividade predominante. Os ofícios e outros trabalhos manuais, certamente concentrados na sede da freguesia, são ocupações de um número pouco significativo de indivíduos. Em 1816 e 1825, os agricultores estão separados dos criadores de gado. Aqueles, em sua grande maioria, plantavam e colhiam “para os gastos da casa”, enquanto os “criadores” já se dedicam a uma atividade mais mercantilizada. O crescimento do emprego de escravos é pequeno, mas persistente, acompanhando o crescimento da população em geral. No sul de Minas, eles estão presentes tanto nas famílias que plantam para o gasto ou se dedicam a atividades artesanais, quanto naquelas que vendem boa parte de sua produção. Mas, sem dúvida, em número maior neste segundo grupo que no primeiro. Um dado que nos chama a atenção é o do número de negociantes: 14 em 1825 e 17 em 1829. Podem parecer números pequenos, mas representam dados significativos no contexto de uma economia essencialmente agrária. Demonstram a presença de um setor voltado para a troca e a circulação de mercadorias, sediado em um sertão quase ainda há pouco totalmente despovoado, um setor mercantil no alvorecer de uma economia de subsistência que se modelava na origem geográfica da maior parte de seus agentes - o sul de Minas.

121


6. A ORGANIZAÇÃO DAS SOCIABILIDADES NO ANTIGO SERTÃO

O imperativo religioso sempre presidiu as diversas formas de organização da vida social no mundo colonial português. Seja a partir da própria iniciativa dos seus moradores, seja para atender a alguma necessidade estratégica, de ordem política, dos governantes, o primeiro passo para organizar

122


uma comunidade foi sempre a ereção de uma igreja, em torno da qual os pioneiros de uma conquista ou de um descoberto pudessem se reunir para iniciar uma vida marcada pelas sociabilidades. Mais tarde, esta capela poderia vir a se tornar matriz, com a criação da freguesia e distrito de paz. Só depois, geralmente, é que se criava a vila com as formalidades próprias de autonomia política local. Não foi diferente no antigo sertão paulista. O arraial de Mojimirim tornouse sede de uma nova freguesia em 1 de novembro de 1751, desmembrada que fora da freguesia de Moji do Campo, depois, Mojiguaçu. Esta pode ser considerada a mais antiga freguesia da área do sertão de que nos ocupamos. A recém-criada freguesia de Mojimirim se estendia do Rio Atibaia até o Rio Mojiguaçu,37 compreendendo sítios e sesmarias antigas como Borda do Mato (1707), a própria Atibaia (1726), a passagem do Jaguari (1726), Pirapitingui e Nunes de Oliveira (1728). Esta área correspondia, na verdade, a uma imensa sesmaria concedida em 15.11.1668 aos Religiosos de São Bento e que não fora ocupada por eles, sendo reavida pela Coroa que, novamente, a distribuiu para vários interessados nas duas primeiras décadas do século XVIII. Em 1769, a freguesia de Mojimirim, tendo sobrepujado a antiga Moji do Campo, era elevada a vila. Um imenso território ficaria sob sua jurisdição civil, desde o Rio Atibaia até o Rio Grande. Assim é que, a partir de 1769,38 todo o sertão ficava subordinado às autoridades civis de Mojimirim e às autoridades eclesiásticas de Mojiguaçu.39 A documentação pesquisada por nós reflete esta dualidade: os documentos paroquiais mais antigos do Caminho de Goiás e do seu sertão pertencem à freguesia de Mojiguaçu, enquanto os maços de população do APESP e a documentação judiciária pertencem à vila de Mojimirim. Inventários, testamentos, arrolamentos, termos de divisão e demarcação de terras desta região ainda podem ser encontrados no arquivo do Cartório do 1 Ofício de Mojimirim. Toda a área ao norte do Rio Pardo passou a integrar uma nova freguesia, a de Nossa Senhora da Conceição do Bonsucesso do Rio Pardo, com sede na atual cidade e Caconde, criada em 1775, dez anos após terem sido anunciados os primeiros descobertos de ouro nos ribeirões do Bonsucesso, Conceição e São Matheus. Foi desmembrada, no que diz respeito à Vigararia

CHIACHIRI FILHO, op.cit., p. 38, nota 14. Até esta data, a freguesia de Mojiguaçu pertencia ao termo da vila de Jundiaí. 39 CHIACHIRI FILHO, op.cit., p. 40, nota 14. 37 38

123


Geral, de Mojimirim, e, quanto ao paroquiato, de Mojiguaçu, sendo suas divisas traçadas pelo bispo de São Paulo, Dom Frei Manuel da Ressurreição.40 O padre Francisco Bueno de Azevedo foi seu primeiro vigário. Nascera em 1735 ou 1736 em São Paulo, filho de João do Prado de Azevedo e de Maria Bueno de Albuquerque. Descendia de tradicional família paulista, onde encontramos Bartolomeu Bueno da Silva e Amador Bueno.41 O nome do padre Francisco Bueno de Azevedo aparece em numerosos documentos oficiais e graças a ele dispomos hoje de registros paroquiais tão importantes para o estudo do povoamento inicial do Sertão do Rio Pardo. Paroquiou até 1799, quando faleceu. Sem vigário, a freguesia ficou eclesiasticamente vinculada à de Cabo Verde (Minas), como Bairro do Bonsucesso. Nos raros registros paroquiais, a partir de 1800, feitos pelos vigários de Cabo Verde, aparece também o bairro de São Matheus. Como já foi dito, esta conjuntura do início do século XIX é marcada pela decadência da área próxima a Caconde. Além de ficar sem vigário, o Registro de São Matheus foi desativado e seu velho comandante, Jerônimo Dias Ribeiro, se retirou. Estes fatos, aliados ao esgotamento definitivo do ouro, provocaram o despovoamento daquela região. A freguesia não chegou a ser extinta, como muitos já pensaram. Na verdade, foi reativada pelo padre Carlos Luís de Melo42 em 1820. A iniciativa de sua restauração coube ao Alferes Manoel Alves Moreira Barbosa e ao Capitão Alexandre Luís de Melo, pai (sic) do novo vigário. Em 29 de fevereiro, o Alferes Barbosa enviou ao capitão-mor de Mojimirim, José dos Santos Cruz, carta pedindo seu patrocínio para obtenção de licença destinada a fazer a nova capela. Dom Matheus de Abreu Pereira, bispo de São Paulo, em 20 de junho de 1820, concedeu a autorização para a ereção da nova igreja já que a antiga, do Bonsucesso, estava em ruínas.43 A reativação de uma das mais antigas freguesias do sertão prende-se, nesse momento à nova conjuntura da chegada dos entrantes mineiros. Desde 1810/11 verificavam-se numerosas posses e pedidos de sesmarias, todos para

CAMPAGNOLE, op.cit., p. 155. Idem, p.41. 42 SÃO PAULO. Arquivo Arquidiocesano. Registro de Provisões, 1820/27 - livro 10-1-16. Em 1825, de acordo com o Censo, o Padre Luís tinha 34 anos de idade e possuía um escravo. Em 1830, mudou-se para Cajuru, falecendo provavelmente em 1855. 43 CAMPAGNOLE, op.cit., p. 173-174, nota 40. 40 41

124


mineiros recém-chegados à região. O próprio capitão Alexandre Luís de Melo era um deles. Em 1820, requereu duas léguas de terras em quadra, na barra do Ribeirão Claro com o Rio Pardo, solicitando a concessão da carta de sesmaria. Antes, em 1814, com outros sócios, requereu outras terras, também no sertão do Rio Pardo. Miguel da Silva Teixeira foi o doador, em 18 de novembro de 1822, do patrimônio para a construção da nova igreja. Ele havia se tornado possuidor, por posse, dos “sítios do Rio Pardo” e do sítio Cuiabá. Ao todo eram 1022 alqueires de terras, dos quais doou um quarto de légua em quadra (103 alqueires) a Nossa Senhora da Conceição para a construção de sua matriz. Essas terras Miguel as havia trocado por outras que possuía em Casa Branca, junto ao Caminho de Goiás, com herdeiros de José de Morais Preto, filho de Inácio Preto de Morais, um dos descobridores do ouro nas cabeceiras do Rio Pardo.44 Miguel da Silva Teixeira era de uma família de entrantes mineiros que se estabeleceram no vale do Rio Pardo. Era irmão de Simão da Silva Teixeira, considerado o fundador de São Simão, sendo a ele atribuída a doação do patrimônio que deu origem à cidade, como ainda veremos. Mas, mesmo antes da restauração da freguesia de Caconde, já outras haviam sido criadas no antigo sertão. A grande afluência de mineiros, ao norte da capitania de São Paulo, era maior e até anterior, como já afirmara Pierre Monbeig, ou como corrobora Chiachiri: “Se os pousos foram fruto do povoamento paulista, as freguesias e as vilas serão fruto do povoamento mineiro.”45 Em ofício de 6 de agosto de 1805, o Capitão de Ordenanças Hipólito Antônio Pinheiro, entrante mineiro de Congonhas do Campo, suplica ao Governador e Capitão General de São Paulo, Antônio José da Franca e Horta, pela criação de uma freguesia ao norte do Rio Pardo. Dava como justificativas a falta de “pasto espiritual”, a grande distância da igreja mais próxima, Mojiguaçu, 40 a 50 léguas, e os riscos de serem atacados pelos índios na viagem, ainda dificultada por quatro registros fiscais.46 Em 29 de agosto de 1805, o bispo de São Paulo autorizou o Reverendo Joaquim Martins Rodrigues, outro recém-chegado de Minas, a benzer o cemitéio e erguer junto dele “uma casa de oração com a possível decência para nela se celebrar o santo sacrifício da Missa e para os mais atos da Religião e Culto Divino, enquanto não se edificava a igreja matriz”... “para a qual logo fizeram doação de uma suficiente parte de matos e campos, Vicente Ferreira Antunes, sua mulher e seu irmão, o Alferes Antônio Antunes de Almeida”.47

Idem, p. 186, nota 40. CHIACHIRI FILHO, op.cit., p. 56, nota 14. 46 Idem, p. 58. 47 Livro do Tombo n 1, p.1-3. Arquivo da Catedral de Franca. 44 45

125


Assim nascia Franca e sua freguesia de Nossa Senhora da Conceição. O patrimônio, doado pelos irmãos Antunes, fazia parte da Fazenda Santa Bárbara que, há muito tempo, era propriedade de seu pai, o primeiro Capitão de Ordenanças do Sertão do Rio Pardo, Manuel de Almeida.48 A criação da freguesia do Bom Jesus da Cana Verde, em 1814, próximo ao antigo sítio dos Batatais,49 explica-se pelo mesmo raciocínio. Era cada vez maior a presença de migrantes das Gerais em todo o vale do Rio Sapucaí e a freguesia de Nossa Senhora da Conceição (futura Franca) já não era suficiente para atender a tantos e tão distantes fregueses. Outra freguesia foi criada em 1814, na mesopotâmia Pardo-Mojiguaçu: a de Casa Branca. Na propriedade de Cocais, distante uma légua de Casa Branca, o padre Francisco de Godói Coelho, tentou lançar as bases de uma povoação, erigindo uma capela sob a invocação de Senhora de Santana de São Matheus e um cemitério na divisa de Cocais com Piçarrão.50 Com o apoio também de Bento Dias Garcia, grande proprietário mineiro que madrugou naquelas paragens, como já o dissemos, os moradores do Caminho de Goiás “d’aquem do Rio Pardo” requerem ao bispo de São Paulo a criação de uma freguesia com sede em Cocais e não no pouso de Casa Branca, lugar até então sem maior importância.51 Dom Matheus concordou com a petição, determinando que a nova freguesia seria criada sob a invocação de Nossa Senhora das Dores em Casa Branca, por ficar no centro do território, com limites desde o Rio Jaguarimirim até o pouso do Cubatão, perfazendo uma distância de 16 léguas.

Manuel de Almeida aparece nas listas de população desde 1765, nessa época já casado com Ana de Souza que, em outros registros, aparece como Ana Antunes. É escolhido como capitão da Companhia de Ordenanças em 1792 e, como tal, foi quem elaborou os censos do Registro de São Matheus e Caconde, bem como os do “Sertão e Caminho de Goiás” a partir dessa data. Permanece citado nas listas de população até 1803. Era nascido em Lisboa e morava no pouso do Sapucaí com seus três filhos e alguns escravos. Com sua morte, em 1804, assumiu seu posto Hipólito Antônio Pinheiro, mineiro de Congonhas do Campo, e que será o líder do movimento pela criação da Freguesia de Nossa Senhora da Conceição, atual Franca. 49 O primitivo Batatais não passava de um sítio ou pouso no Caminho de Goiás, de que já falamos. A povoação data de 1814, em patrimônio doado na Fazenda da Prata por Helena Maria Martins, viúva de Manoel Ribeiro Guimarães, e seus filhos. Cf. Wanderley dos Santos. 80 anos da matriz de Franca: 1913-1993. Apud. INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Enciclopédia dos municípios brasileiros. São Paulo, v. 28, p.129, 1926. Livro do Tombo, n 1, Matriz de Batatais. A segunda povoação surgiu em patrimônio doado em 1822, pelo casal Germano Alves Moreira e Ana Luíza, Apud: IBGE, op.cit., e o Livro do Tombo n 1 de Batatais. 50 TREVISAN, op.cit., p.38, nota 31. 51 SÃO PAULO. Arquivo Arquidiocesano. Petição, livro 1-2-39, fl. 115. 48

126


A escolha de Casa Branca como sede da freguesia estava de acordo com os interesses da Coroa: Dom João, o príncipe regente, pretendia incentivar a agricultura baseada em pequenas propriedades com a criação de núcleos de povoamento. Em 25 de outubro de 1814, o príncipe regente assinou alvará criando a nova freguesia: “... hey por bem que no Certão da estrada de Goyas, do Bispado de São Paulo, d’aquem do Rio Pardo, no lugar denominado Caza Branca, seja erecta huma nova freguezia com a invocação de Nossa Senhora das Dores, a qual os moradores do dito certão edificarão a sua custa no prefixo termo de quatro annos, e ficara limitada esta nova freguezia desde o Rio Jaguari athe o pouzo do Cubatão”.52 Coincidiu a criação da freguesia de Casa Branca “com a necessidade de o governador ter que erigir uma povoação para arranchar os casais de Ilhéus que Dom João pretendia remeter para a capitania de São Paulo. Como havia cinco famílias açorianas na sesmaria do Rio do Peixe, chegados em 1813, e sendo o Caminho de Goiás a via de maior comércio para o interior, projetou o governo instalar os Ilhéus nessa região.”53 O local mais adequado para construir a igreja e instalar a nova povoação foi nas terras da sesmaria que o Coronel José Vaz de Carvalho recebera em 1791 para a criação de animais e que, na ocasião, estava abandonada. Ali, portanto, próximo ao antigo sítio da Casa Branca, escolheu-se uma faixa de terras para arranchar os casais de ilhéus. A iniciativa de criação da freguesia de Casa Branca partiu, pois, dos próprios moradores, dentre os quais muito entrantes mineiros que por ali já se apossavam de terras. Mas essa iniciativa veio de encontro de uma estratégia política do governo: alojar um grupo de açorianos destinados à agricultura. Casa Branca teve, assim, uma fundação peculiar, sendo uma exceção à regra geral de patrimônio, capela e, depois, freguesia. Esta foi criada por resolução e alvará régios, em local escolhido unicamente por ser o centro geográfico da região, com o objetivo explícito de estimular a agricultura e o povoamento. Teve, pois, sua formação requerida pelos moradores, mas planejada e executada pelo próprio governo. Padre Francisco de Godói Coelho foi nomeado seu primeiro vigário colado em 24 de novembro de 1818, mas já vinha paroquiando em período anterior. Em 8

52 53

DEPARTAMENTO DE ARQUIVO DO ESTADO. Cópia manuscrita, c. 42, Ordem 282. TREVISAN, op.cit., p. 40, nota 31.

127


de fevereiro de 1819 recebeu como coadjuntor o padre Antônio Rodrigues.54 O adensamento populacional em todo o sertão próximo ao Caminho de Goiás, principalmente ao longo da bacia do Rio Pardo, continuou a exigir a ereção de novas capelas e a criação de novas freguesias. Assim foi que surgiu também Cajuru. Era uma área já povoada desde o século XVIII, pelos Barbosa de Magalhães (Cubatão, Lages, Araraquara e Lambedor ao pé do Sapucaí), como já afirmamos. Em 11 de novembro de 1821, Dona Maria Pires de Araújo, viúva de José Barbosa de Magalhães,55 resolveu doar o terreno em que estava erigida a capela de São Bento. Imediatamente seus cinco filhos56 assinaram também o contrato de doação, como herdeiros que eram. Este patrimônio eclesiástico que mais tarde daria origem à freguesia de São Bento e Santa Cruz do Cajuru possuía suas divisas a partir “da vertente da pontezinha até o córrego do Açude e deste do córrego Grande onde fazem barra as duas sobreditas vertentes até a Estrada Geral”.57 O Distrito de Paz e a Freguesia de Cajuru foram criadas pela Lei Provincial n 10 de 19.02.1846 e o município, desmembrado do de Batatais, criado pela Lei Provincial n 15 de 18.03.1865. Vem também da década de 1820, a iniciativa de moradores da região do Ribeirão do Tamanduá de erigir uma capela. Encontra-se no Arquivo Arquidiocesano de São Paulo58 provisão datada de 28 de junho de 1824 para a criação de uma capela dedicada a São Simão, no termo da vila de Casa Branca. É provável que a capela tenha sido construída logo após essa provisão. No entanto, em 14 de maio de 1835, foi expedida nova provisão para a referida capela que foi elevada a curato na mesma data.59 Sinal de que a capela já existia. A doação de um patrimônio de mil alqueires(!) de terras bastante férteis foi feita por Simão da Silva Teixeira, mineiro de São João del Rei. A FORMAÇÃO DOS NÚCLEOS DE POVOAMENTO E DAS FREGUESIAS NO ANTIGO SERTÃO

Conforme processo de habilitação de “genere et moribus”, ACM, Cota 1-57-448. In: TREVISAN, op.cit, p.37, nota 31. 55 Ver Censo de Batatais de 1814. Arquivo Público do Estado. 56 Eram eles: José Barbosa de Magalhães, Manoel Barbosa do Nascimento, Carlos Barbosa de Magalhães (o terceiro deste nome), Geraldo Pires de Araújo e Bento Barbosa de Magalhães. 57 Livro do Tombo, n 1, Matriz de Batatais. 58 SÃO PAULO. Arquivo Arquidiocesano. Registro de Provisões 1818-1827. Livro 10-1-16, p. 1214. 59 SÃO PAULO. Arquivo Arquidiocesano. Livro 8-2-23 e paróquias constituídas canonicamente, fl. 131. 54

128


Denominação Primeiras Ano de atual Denominaçoes Doação do Patrimônio

Doadores

Ano de Criação da Freguesia

Mojiguaçu

Moji do Campo

-

-

1729(?)

Mojimirim

Mojimirim

-

-

1751

Caconde

1. N.S.Conceição 2. Bom Sucesso

1822

Miguel da Silva Teixeira

Franca

Covas

1805

Vicente Ferreira Antunes e Alferes Antônio Antunes de Almeida

1805

Batatais

Batatais

1814

Helena Maria Martins e filhos

1825

Casa Branca

Casa Branca

1814

(Criação Oficial)

1815

Cajuru

Cubatão

1821

Maria Pires

1846

São Simão

São Simão

1835

Simão Teixeira

1842

1775 (Criação) 1820 (Reativação)

129


CAPÍTULO IV

FORMAÇÃO FUNDIÁRIA E DEMOGRÁFICA DE RIBEIRÃO PRETO: ESTUDO DE CASO

“As matas, o rio, as terras... as terras, Mariana, são o que há de melhor no mundo!” (ANDRADE, Jorge. A Pedreira das Almas)

130


1. A CONQUISTA DA TERRA E SUA POPULAÇÃO INICIAL O primeiro censo de São Simão,1 realizado no mesmo ano da criação de seu distrito de paz, ou seja, 1835, já mostra uma população numerosa nessa região, repartida por seis quarteirões formados pelos seus principais cursos d’água, tributários do Rio Mojiguaçu, ao sul, e do Rio Pardo, ao norte. Comparando este censo, que não traz a procedência dos moradores, com outros anteriores a 1829, de Casa Branca, pudemos identificar ali a presença de vários entrantes mineiros. O que nos chama a atenção, no entanto, é o grande número de indivíduos que não aparecem nos referidos censos de Casa Branca, sugerindo, talvez, que a região havia sido ocupada mais intensamente entre 1830 e 1835. Vejamos a relação daqueles entrantes, seus locais de procedência e os anos em que já aparecem no censo de Casa Branca: RELAÇÃO DOS MORADORES RECENSEADOS EM SÃO SIMÃO EM 1835 E QUE JÁ SÃO CITADOS EM CENSOS ANTERIORES DE CASA BRANCA QUARTEIRÃO

MORADORES EM 1835

PROCEDÊNCIA

CENSOS EM QUE APARECEM

TAMANDUÁ

1

Simão da Silva Teixeira S. João del Rei

1810/14/17/20/22/ 25/26/27/29

Vicente José dos Reis

1814/15/16/17/22

-

José Borges da Costa

Campanha

1827/29

José Bento Nogueira

Baependi

1826

José Joaquim

S. João del Rei

1826

SÃO PAULO. Arquivo Público do Estado. Maços de População de São Simão, 1835. Ordem 123, Lata 123.

131


ONÇA Amaro José do Vale Ouro Fino (Pai)

1825

Amaro José do Vale Ouro Fino (Filho)

1826/27/29

Custódio José do Vale João Terra*

Nepomuceno

João Xavier do Vale

Lavras (sic)

1827

Santana (sic)

1829

Lavras

1826

Lavras (sic)

1827

Bonsucesso (sic) 1829

João Maciel de Pontes

Caldas

1827/29

Luis Pires de Camargo

Baependi

1822/25/26/27

Antônio Rocha

Cotia

1829

Joaquim

da

Domiciano Manuel de Caldas Pontes

1829

Lavras

1827

Bonsucesso

1829

Pedro Alves de Oliveira

Manuel Joaquim dos Lavras Santos

1826/1827/1829

Joaquim Félix Pereira

Campanha

1829

João Pereira de Barros

Lavras

1825/26/27

João José da Cunha

S.João del Rei

1826/27

André Alves

Campanha

1827

Cabo Verde

1822

Lavras

1826/27

Santana

1829

PRATA (I)

José Antônio Pereira Feliciano Pires

132


José Francisco

Lavras

1829

Manuel da Cunha

Campanha

1826

João Dias

Lavras

1825/26/29

RIBEIRÃO CLARO José Luis de Almeida Antônio Nogueira

-

Jacinto

1817

Baependi

1825/26/29

José Mendes

Mojiguaçu

1827

Pedro Ângelo Pimenta

Lavras

1822/26/27/29

Antônio Cardoso

São Paulo

1820/22/26/27/29

DIVISA

Mendes

Lorena (sic) Leonel Moreira

Pindamonhangaba

1826/27

João Mendes

Nazareth

1827

Custódio José Carlos

Lavras

1825/26/27/29

Baependi

1829

Rita Rodrigues da Silva Mojiguaçu

1829

Vicente Garcia

1825/26/27/29

PRATA (II) Antônio Souza

Joaquim

de

Lavras

* João Nepomuceno Terra era casado com Hipólita Joséfina Nogueira, pais de Leonor Nogueira Terra, quarta esposa de José Borges da Costa, de que ainda falaremos.

1.1. Simão da Silva Teixeira Considerado pelos memorialistas como o fundador da cidade de São Simão, Simão da Silva Teixeira foi, sem dúvida, um dos primeiros entrantes que penetraram o sertão paulista, no início do século XIX. Filho de outro Simão da Silva Teixeira, português, com Caetana Francisca de Jesus, era natural de São

133


João del Rei, tendo nascido, provavelmente, em 1769. Sua mãe ainda vivia, demente em 1821, na Mutuca (hoje, Elói Mendes). Casou-se em 21 de fevereiro de 1802, na matriz do Pilar, São João del Rei, com Leandra de Souza da Fonseca. Enviuvando, provavelmente, em 1827, Simão casou-se, em segundas núpcias, com Catarina Maria da Silva, não tendo filhos em ambos os casamentos. Em 1810, Simão da Silva Teixeira já se encontrava no sertão paulista, pois o censo de Mojiguaçu, daquele ano, já o cita como morador no Bairro do Rio Pardo. Muito provavelmente, ele já se encontrasse nessa época no Ribeirão do Tamanduá, vertente sul do Rio Pardo, onde ele foi novamente listado em 1835, pelo primeiro censo de São Simão. Nesse ano, ele aparece com 83 anos, sendo qualificado como pardo, livre, brasileiro, casado, criador de porcos e gado e plantador de milho e feijão. Sua mulher, Catarina, tinha 43 anos, era parda, livre, brasileira e casada. Viviam com eles uma agregada de nome Ana e o casal possuía 8 escravos. Além de lavrador, Simão era também carapina (carpinteiro), o que pode ser comprovado pelas várias ferramentas que fizeram parte de seu espólio. Um escravo seu, de nome Joaquim, aprendeu com ele este ofício. Simão faleceu em 4 de outubro de 1849, com testamento já escrito desde 1846. Ele aparece citado já nas primeiras listas de qualificação de votantes da província, em 1847, 1848 e 1849. Nesta última, ele aparece com 100 anos. Adriano Campagnole e Fausto Pires de Oliveira afirmam que ele faleceu com 80 anos. Parece haver algum engano, à luz das listas do censo de qualificação eleitoral. Simão não veio sozinho para o sertão. Vários de seus irmãos vieram também. Um deles, Miguel da Silva Teixeira, batizado na capela de Santo Antônio do Rio das Mortes (Minas), já era morador na região de Casa Branca, pelo menos desde 1817, e foi o doador de terras para o patrimônio de Nossa Senhora da Conceição para a construção de sua nova matriz, em Caconde. Miguel teve cinco filhos com sua primeira mulher, Maria Antônia dos Santos, com quem se casou em Nepomuceno (este foi o primeiro casamento ali realizado). Casou-se, em segundas núpcias, com Maria Felizarda de Oliveira, com a qual não teve filhos. Miguel faleceu em Caldas, provavelmente em 1842 e, nessa época, era proprietário da Fazenda do Engano, além do Rio Pardo (fl. 89v a 90, 123 a 127v e 135v e 136 livro de Audiências do Juizado de Paz de

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Caconde). Outro irmão de Simão da Silva Teixeira foi Caetano, natural de São João del Rei, casado em primeiras núpcias, com Felícia Pereira de Macedo, com quem teve dois filhos, Rita e Gabriel. Ele aparece no censo de Casa Branca em 1825 e 1829. Casou-se, pela segunda vez, com Izabel Paulina de Assunção, com quem não teve filhos. Em 1821, era morador na Mutuca, junto com sua mãe, sendo mencionado no inventário de seu irmão Antônio, em São João del Rei. Gabriel da Silva Teixeira, filho de Caetano da Silva Teixeira, casou-se em Campanha em 01.03.1808, com Cândida Perpétua do Amor Divino, natural de Lavras, filha de José Martins Lessa e de Luzia Clara da Costa72. Este Gabriel foi proprietário de partes da Fazenda Águas Claras, freguesia de Casa Branca. Quando ele faleceu em 30.10.1822, foi seu inventariante o Sargento Antônio de Souza Freire, seu vizinho73. Gabriel e Cândida deixaram os seguintes filhos: Felícia Cãndida Balbina, casada com José Soares de Souza; Maria Cândida Perpétua, com 12 anos em 1824, casou depois com Apolinário Gonçalves de Araújo; Caetano, com 10 anos, depois casou-se; Ana, com 7 anos, parece ter falecido na infância; Matias, com 1 ano; e Quintiliano da Silva Teixiera (filho natural) com 19 anos em 1824, e que, em 1833, era cidadão votante em Casa Branca. Esse herdeiro ficou com a posse das terras da fazenda Águas Claras, as quais vendeu para Manoel Francisco Borges.74 Em 1821, Caetano da Silva Teixeira fez importante declaração, referindo-se ao fato de seus irmãos José, Simão e Miguel serem moradores da capitania de São Paulo, mais precisamente na freguesia de Casa Branca. Em 1824, aparece em São Paulo como avaliador no inventário do Alferes Salvador Garcia Leal (1 Ofício de Mojimirim, maço n 192). Caetano era também muito religioso, sendo secretário da Ordem Terceira de Nossa Senhora do Carmo, da vila de Campanha. Segundo a tradição popular, em uma excursão que Simão da Silva Teixeira fizera pelas matas virgens de sua grande gleba, acontecendo perder-se, fez a promessa de, se pudesse encontrar sua casa, ir a Minas e trazer de lá um

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CAMPANHOLE, Adriano. Memórias da Cidade de Caconde. São Paulo: Editora Gráfica Latina Ltda., 1979, p. 204. 73 Cartório do 1º Ofício de Mogimirim, caixa 63. 74 MARTINS, Roberto Vasconcelos. Fazendas de São Simão em meados do século XIX, obra inédita, 1998.

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São Simão de sua devoção, em seus ombros, e fundar uma capela e dar ao seu santo um grande patrimônio. Depois de muito custo, Simão conseguiu encontrar sua casa e cumpriu a promessa. Trouxe um São Simão de Minas, acompanhado de grande multidão, fundou uma capela e doou ao santo mil alqueires de terra, reservando para si apenas duzentos que, por sua morte, também couberam ao santo. Esta tradição está citada na obra de Fausto Pires de Oliveira, “Elementos para a História de São Simão”. Segundo Mário Leite, o São Simão trazido de Minas, não era São Simão, mas São Roque. De qualquer forma, existem atualmente na matriz da paróquia duas imagens. Percebe-se uma mais tosca e antiga que, segundo a tradição, foi a que Simão trouxe de Minas e talvez tenha sido feita por ele mesmo que era carpinteiro. A outra, bem mais nova e perfeita, veio de Portugal, doação feita por Ricardo José Gomes Guimarães. Roberto Vasconcelos Martins fez interessante estudo dos dados econômicos do primeiro recenseamento de São Simão, de 1835, dos quais extraímos os seguintes:

DADOS

Tamanduá Onça Prata (I)

Ribeirão Ribeirão da Prata (II) TOTAL Claro Divisa

População Livre

144

137

212

74

134

191

892

População Masculina

78

69

109

31

77

98

462

População Feminina

66

68

103

43

57

93

430

População Cativa

70

80

28

13

36

70

297

População Masculina

44

52

12

9

18

46

181

População Feminina

26

28

16

4

18

24

116

População Total

214

217

240

87

170

261

1189

136


Produção de Milho (Carros)

156

390

188

141

176

279

1130

Produção de Feijão (Alqueire)

117

188

64

120

157

189

835

Prod. Arroz (Alqueire)

10

145

60

93

140

185

633

-

-

-

-

17

-

17

8

15

5

13

29

16

86

7

13

3

4

4

4

35

220$

768$

1602$

5652$

Algodão (Arrobas) Criação de Porcos Gado Vacum Rendimentos

652$

1830$ 800$

137


138


1.2. A Fazenda Figueira A Fazenda Figueira, no vale do Ribeirão Tamanduá, foi, sem dúvida, o ponto da partida da população que ocupou a área correspondente ao município de Ribeirão Preto, formada pela bacia do córrego do mesmo nome e seus tributários até sua confluência no Rio Pardo. As evidências disso são diversas. De todos que aparecem no censo de São Simão de 1835, a família Reis de Araújo é a mais antiga que encontramos, aparecendo na documentação desde o século XVIII como já demonstramos. Em 1811, ali já estava Vicente José dos Reis, listado no Bairro Rio Pardo, no censo de Mojiguaçu. Próximo dele, seu tio, Vicente Alves da Silva. Este era irmão de Maria Madalena, naquele ano já viúva, a progenitora dos irmãos Reis, primeiros posseiros de Ribeirão Preto. Eles aparecem citados sempre juntos no censo, o que provavelmente, possa sugerir a proximidade geográfica da localização de suas terras. A primitiva ocupação da Fazenda da Figueira pela família Reis de Araújo pode ser confirmada pela Divisão Judicial dessa gleba de terras,2 passada em 1848 no Juízo de Mojimirim. Este documento diz textualmente que Maria Madalena fez doação, ainda em vida, da referida fazenda aos seus filhos, em partes iguais. E são citados os seus primeiros beneficiados e aposseadores: 1. Matheus José dos Reis, capitão; 2. Vicente José dos Reis; 3. Manuel dos Reis Araújo (os três já falecidos em 1848); 4. Antônio Bezerra Cavalcanti, por cabeça de sua mulher Bárbara; 5. Francisco Gonçalves Manço, por cabeça de sua mulher Ana Rosa; 6. Joaquim da Silva e Souza, por cabeça de sua mulher Antônia. Quando da divisão judicial da fazenda da Figueira, foi impetrado, no Juízo de Casa Branca um libelo civil de reivindicação por José Antônio Pereira e vários outros condôminos contra João Alves da Silva e sua mulher3, que pretendiam ter partes na fazenda, o que era contrariado pelos autores do processo. Pelos autos, obtivemos informações preciosas da ocupação inicial desta área:

Autos da Divisão Judicial da Fazenda Figueira. Cartório do 1 Ofício de Casa Branca, AC1848. 3 Libelo Civel de Reivindicação. Cartório do 2 Ofício de Casa Branca, AC-1848. 2

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1. Que existindo viúva, no distrito de Franca, Maria Madalena, com seis filhos menores, dois deles mais velhos, Matheus dos Reis e Vicente dos Reis, no ano de 1808, mais ou menos, com licença de sua mãe, procuraram os sertões de São Simão com a intenção de tomarem posse de terras devolutas (Maria Madalena foi listada no Censo de Mojiguaçu em 1803; em 1805, não é citada no primeiro censo de Franca; em 1808, aparece novamente no Censo de Mojiguaçu, cuja circunscrição se estendia até o Rio Pardo, comprovando assim a sua presença na Fazenda da Figueira). 2. Que, com efeito, tomaram posse de uma porção de terras, campos e matos que se achavam sem donos, fizeram serviços e todos os anos, como neles não moravam, iam ali plantar roças e retificar as posses para evitar que alguém se introduzisse nas ditas terras, fazendo isso durante muitos anos, sem interrupção. 3. Que há vinte e quatro anos, mais ou menos, portanto, por volta de 1824, a mesma Maria Madalena, para evitar o trabalho manual de seus filhos, ajustou com seu irmão Antônio Alves da Silva, para ir ali morar naquelas terras apossadas, com o trato de as defender de algum intruso, para ser remunerado, afinal, com um quinhão igual ao que naquelas terras coubesse a cada um de seus seis filhos, ou de outra maneira que melhor lhe conviesse. 4. Que, com esse trato foi para aquela fazenda Antônio Alves, hoje (1848) falecido, que poucos anos ali esteve, e voltando para Franca, antes quis receber, como recebeu 700$000 pelo seu trabalho, do que o quinhão (prometido). 5. Que, tendo de ficar a fazenda abandonada, com a retirada do dito Antônio Alves, Maria Madalena mudou-se para ela com alguns de seus filhos já emancipados, e ali morou tempos, governando toda a fazenda, juntamente com seus filhos, até que faleceu seu irmão, Antônio Alves. Um filho deste Antônio Alves, João Alves da Silva, tentou obter de Maria Madalena uma parte da Figueira, a título de herança do pai. Como esta não concordou, João adquiriu partes de seus primos Matheus e Vicente. Depois, vendeu-as para várias pessoas, ficando como agregado na casa de um filho de nome Antônio que tinha pequena parte na fazenda. João e outros seus irmãos haviam invadido, em 1848, a área ocupada por José Antônio Pereira na dita fazenda, feito roças e outros serviços e recusavam-se a se retirar de lá. Na época da divisão judicial da Figueira, nenhum daqueles herdeiros primitivos tinha parte mais na fazenda. Aquelas informações dadas ao juiz partiam de seus sucessores e, a acreditar nelas, a ocupação da Figueira vem de 1808. O mesmo documento nos informa as confrontações da referida

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fazenda: “divide de um lado com a fazenda de Joaquim José, por outro com Mariano Pedrozo, por outro com os herdeiros de Vicente Alves,4 por outro com os herdeiros de Vicente José dos Reis, por outro com as terras denominadas dos Cravinhos,5 pertencentes aos herdeiros de Matheus dos Reis e outras.”6 Através de várias sucessões, heranças, doações, compras e vendas, a Fazenda da Figueira transformou-se num grande condomínio e quando foi dividida, havia 72 sócios e estava avaliada em 33.000$000. Em 1856, no Registro Paroquial de Terras da freguesia de São Simão, foram anotados 19 registros de terras em nome de Antônio Borges da Costa, Antônio Soares de Castilho, Francisco Borges da Costa, Inácio Alves de Oliveira (falecido) e herdeiros órfãos, João Bento Batista, Joaquim Venâncio Martins, Joaquina Maria de Jesus, José Alves de Oliveira (falecido) e herdeiros órfãos, José Borges da Costa Filho, José Joaquim Pereira, Luiz Antônio de Oliveira, Manoel Joaquim de Camargo, Manoel José do Vale, Manoel Soares de Castilho, Maria Rita da Conceição, Rosa Francisca da Conceição, Severino Bezerra dos Reis, Flávio Antunes Maciel e Alexandre Antunes Maciel. Podemos observar que a grande maioria dos condôminos da Fazenda Figueira em 1856 eram membros e/ou descendentes das famílias Reis, Borges da Costa, Soares de Castilho, Venâncio Martins, Oliveira, Antunes Maciel e Bezerra dos Reis, considerados de presença pioneira na região de Ribeirão Preto. Percebe-se como a vasta área desta fazenda saiu das mãos da família Reis e se diluiu por várias outras. Por aí, inicia-se a dispersão e o declínio progressivos desta parentela que não soube conservar sua riqueza, ou talvez dela não tivesse consciência. Na verdade, acompanhando a sua trajetória desde o Caminho de Goiás até se estabelecerem no vale do Tamanduá, eles nunca chegaram a ser poderosos ou nunca conseguiram transformar suas imensas glebas em riqueza de fato. Pelos inventários, percebe-se a frugalidade de suas vidas, a simplicidade de suas casas, a rusticidade de seus bens. Os laços de consanguinidade e compadrio criavam lastro, asseguravam e mantinham o poder de muitas famílias antigas no sertão, como foi o caso dos Junqueiras. Embora a família Reis estivesse na região entre os

Este Vicente Alves era irmão de Dona Madalena, casado com Ana Jacinta. Aparece recenseado no bairro Rio Pardo em 1811 e, também em 1835, no primeiro censo de São Simão. 5 Conforme se pode concluir das afirmações de Osmani Emboaba Costa. História da fundação de Ribeirão Preto. São Paulo: USP, 1955, p.27, as terras da Fazenda Figueira chegavam até Cravinhos. Segundo antiga tradição oral, este seu nome se refere à presença ali de crianças escravas que eram maltratadas pelos seus senhores. 6 Divisão Judicial da Fazenda Figueira. Cartório do 2 Ofício de Casa Branca, AC - 1848. 4

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primeiros colonizadores e formadores de fazendas, não obtiveram o mesmo poder e prestígio dos Junqueiras porque, além de territorialmente seus domínios serem menores, dedicavam-se a atividades mais modestas e suas propriedades acabaram sendo retalhadas por uma sucessão de heranças. Não foi tão frequente entre os Reis, a unificação das propriedades através de casamentos, como era muito comum entre os Junqueiras. O seu poder se diluiu na região muito antes do “boom” cafeeiro. Sua presença praticamente desapareceu da Figueira, assim como, mais tarde, desapareceu também da outra grande fazenda vizinha de que falaremos a seguir.

1.3. Dias Campos e Reis de Araújo na Fazenda Rio Pardo Historiadores como Osmani Emboaba da Costa, Plínio Travassos dos Santos, Rubem Cione e outros já haviam identificado a vasta área aposseada pelos irmãos Reis e seus descendentes como sendo o local exato em que iria se desenvolver mais tarde o núcleo urbano de Ribeirão Preto a partir da formação do patrimônio eclesiástico de São Sebastião. É o próprio Osmani Emboaba da Costa quem afirma: “as fazendas do Ribeirão Preto, Laureano, Retiro e Figueira, muito anteriormente a Luiz Antônio de Souza Diniz, proprietário da fazenda Lageado, já se encontravam em poder da família Reis que ‘parece ter sido’ a desbravadora e aposseadora da região fronteiriça ao Rio Pardo.”7 Sabiamente o historiador de Ribeirão Preto diz “parece ter sido”. É que, em 1954, faltava documentação que esclarecesse de vez a questão. Até em estudos mais recentes, como o de Ernesta Zamboni, lemos “ser difícil precisar se os primeiros habitantes se apossaram de terras devolutas ou de sesmarias abandonadas.”8 Ou ainda: “Antônio Maciel, proprietário da fazenda Sertãozinho, demonstra várias vezes, que se apossou de terras, embora não haja referência sobre as origens das terras por ele herdadas e compradas. Supomos tratar-se de terras devolutas”.9 E, na área mais diretamente ligada ao objeto de nosso estudo, Zamboni afirma: “Vicente José dos Reis achava-se entre os primeiros

7 COSTA, op.cit., p. 17-18, nota 5. 8 ZAMBONI, Ernesta. “Processo de formação e organização da rede fundiária da área de Ribeirão Preto” (1874-1900). São Paulo: Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, 1978. Tese (mestrado em História). Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, 1978. 9 ZAMBONI, op.cit., 26.

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povoadores da região. Por falta de documentos comprobatórios, supomos que nas primeiras décadas do século XIX, tenha ele se apossado de terras próximas ao Rio Pardo e, nesse espaço, organizou várias fazendas”10 e “as terras situadas entre o Ribeirão do Onça e o Rio Pardo talvez tenham sido apossadas”.11 A descoberta do translado de uma Carta Precatória do Juízo Municipal de São José do Mojimirim para o Juízo Municipal da Vila Franca do Imperador, no Arquivo Municipal de Franca, pelo pesquisador e arquivista já falecido, Wanderlei dos Santos, deu início ao esclarecimento sobre a formação da rede fundiária da área de Ribeirão Preto, bem como sobre os primeiros entrantes e posseiros que a ocuparam. Este importante documento, de outubro de 1834, afirma que “uma sorte de terras” se achava em disputa judicial entre Hilário Dias Campos, Davi Dias Campos e outros com suas respectivas mulheres - todos filhos e genros de José Dias Campos e sua mulher Maria Ignácia de Jesus,12 como autores, contra os réus Manuel José dos Reis e sua mulher Maria Felizarda, e por “concumitância”, Vicente José dos Reis, o Capitão Matheus José dos Reis e suas respectivas mulheres, acusados todos de se apossarem, com violência, de terras que os autores já ocupavam pacificamente há mais de vinte anos. A análise daquela carta precatória nos traz informações interessantes. Por exemplo, uma primeira carta do Juízo de Mojimirim para inquirição de testemunhas em Franca, datada de 28.08.1834 e despachada pelo correio em 03.09.1834, somente chegou ao seu destino em 07.10.1834, extrapolando o prazo de validade de vinte dias dado pelo juiz, o que assim invalidou a referida carta. A jornada de uma correspondência oficial entre Mojimirim e Franca (por uma estrada já relativamente segura), levava (normalmente?) vinte e seis dias! Desta forma, os autores requereram outra carta que estabeleceu novo prazo de vinte dias para a inquirição de dez testemunhas que pudessem confirmar ou não a posse das referidas terras pelas famílias Dias Campos, de acordo com as seguintes questões levantadas pelo juiz de Mojimirim: 1. Se os autores eram senhores e possuidores da fazenda chamada por eles de Rio Pardo, como sucessores de seus pais que foram os primeiros que a descobriram e dela se apossaram.

Idem. Idem, p. 27. 12 FRANCA. Arquivo Público Municipal. Carta precatória do Juiz Municipal de Mojimirim ao Juiz Municipal de Franca. Maço 131, AC-1834. José Dias Campos era natural do Porto, nascido por volta de 1761. Chegou ao sertão do Rio Pardo através de Minas Gerais, Aiuruoca e Mariana, principalmente, pois vários de seus filhos aí nasceram. Em 1807, foi recenseado como “novo entrante” em Batatais. 10 11

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2. Se a fazenda possuía as confrontações alegadas pelos autores: “da parte de cima, seguem o barranco do rio para o sertão, planisfério pelo lugar de uma capoeirinha que fez Martinho Lemes da Silva, e pela extremidade da vertente do córrego da Figueira (=Tamanduá) em subida até alinhar com sua primeira barra e logo procurando esta, atravessando-a em linha a procurar o espigão de onde verte a cabeceira do córrego do Pepiripao e daqui pelo dito espigão em subida salvando as extremidades das vertentes do córrego das Areias, até encontrar a serra e por esta circulando pelas cabeceiras dos córregos ditos das Areias e do Campo e continuando em declive para o Ribeirão Preto no lugar em que se confronta com o terreno de Manuel José dos Santos, e dali atravessando até o espigão que divide terras dos herdeiros do Alferes Caetano de tal, logo pelo dito espigão em subida salvando as extremidades dos córregos das Areias até encontrar o dito espigão abaixo até fixar-se na mesma testada do Rio Pardo, na parte de baixo, no ponto da corredeira denominada Bela Vista.”13 3. Se o terreno, quando dividido entre todos os autores, não tocaria a cada um mais que meia légua em quadra. 4. Se os pais dos autores, efetivamente, haviam ocupado o terreno com culturas, criação de gado e construção de paiol, casas, estradas e outras edificações, desde 1811, seguidos pelos seus filhos, acompanhados de camaradas, até 1832, sem contradição de pessoa alguma. 5. Se Manuel José dos Reis, acompanhado de pessoas armadas, pretendeu, à força aberta, conquistar o direito de apropriar do terreno levantando edificações que foram pelos autores, prontamente, desmanchadas em 1832. 6. Se os réus (família Reis) trataram de se vingar, promovendo processo criminal contra Davi Campos Dias e seus irmãos. 7. Se os réus esperavam com isso que o terreno lhes fosse entregue, mas como isso não acontecera, promoveram nova invasão, em 1834, provocando assim os autores para este novo processo. 8. Se os pais fizeram a doação da dita fazenda aos seus filhos e estes não estavam dispostos, por nada, a abandoná-la. 9. Se os réus nunca tiveram e nem tem direito algum dentro da fazenda e se tentaram até alterar o nome do córrego do Campo para córrego das Palmeiras, como forma de provocar confusão. 10. Se os autores são tementes a Deus, homens de reconhecida

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FRANCA. Arquivo Público Municipal, op.cit., nota 12.

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verdade e consciência e obedientes às leis. Este “libelo cível de força e esbulho” transcorreu durante 12 anos até 1846 no Juízo Municipal de Mojimirim, resultando num volumoso processo de 264 folhas que pode ser encontrado no Cartório do 1 Ofício de Casa Branca. Os depoimentos das dez testemunhas são bastante elucidativos para entendermos a luta pela posse da terra que ali ocorria. Percebemos como os métodos de pressão e intimidação, ora com recursos à Justiça, ora com a violência, são muito semelhantes aos ainda hoje praticados nas áreas de expansão da fronteira agrícola. Todas as testemunhas, mobilizadas pelos Dias Campos, foram contundentes em sua defesa com graves acusações contra os réus, oferecendo ao Juiz informações além das que lhes eram pedidas para confirmar. Elas foram inquiridas, à revelia dos réus, estando presente apenas um dos autores, Hilário Dias Campos, uma espécie de síndico de um condomínio de onze sócios. A primeira testemunha, Cipriano José da Silva, afirmou que teve participação direta nas demarcações das terras em litígio e na denominação dos córregos, chegando a ser contratado como camarada pelos autores. Demonstra ter conhecimento pessoal de muitos fatos, mas alguns “por ouvir dizer”. Informa que os Dias Campos já tinham até construído um “porto” no Rio Pardo e que não tinham se acertado sobre o preço nas negociações com a família Reis, quando esta tentara comprar-lhes as terras agora em disputa. Wanderlei dos Santos, comentando a Carta Precatória, afirma que essas negociações foram conduzidas através de José Borges da Costa, mas não encontramos nenhuma citação no original do referido documento. Aquele Cipriano José da Silva era casado com Francisca Maria do Nascimento, residia em Batatais onde batizou vários de seus filhos. A segunda testemunha arrolada, Miguel Arcanjo da Fé não deixa dúvidas quanto ao pioneirismo dos Dias Campos na região do Ribeirão Preto: “no sobredito tempo em que o pai dos autores tomou posse a dita fazenda, e esta era sertão baldio e nunca soube ou ouvira dizer que naquele lugar tivesse havido outro aposseador...”14 É esta testemunha, aliás, que nos informa sobre outra demanda jurídica anterior (1832) travada no Juízo de Mojimirim entre os litigantes, vencida pelos Dias Campos. Miguel Arcanjo da Fé residia em Batatais onde batizou vários de seus filhos. Era casado com Francisca Maria de Jesus. A terceira testemunha, João Martinho Lemes, era filho de um dos confrontantes do terreno em disputa, desde a época em que toda a área era “sertão tão que em muitos lugares não dormiam à noite fazendo rondas com medo

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FRANCA. Arquivo Público Municipal, op.cit., nota 12.

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de onças.”15 João Martinho dá a entender que a ocupação da região é recente e seria possível já perceber as transformações da paisagem natural provocadas pela presença humana. Confirmava ainda a ocupação daquelas terras pelos Dias Campos com “morada, paiol, monjolo, gado vacum e cavalar, porcos, cercas e demais benfeitorias.”16 João Martinho Lemes aparece no inventário de Manoel José dos Reis, de 1839, como devedor do monte na quantia de 2$250. Residia muito provavelmente em Batatais. A quarta testemunha é irmão do anterior, Manuel Martinho Lemes, e denuncia os réus de terem armado grande número de pessoas para os seus projetos de violência, acusando-os ainda de já serem costumeiros invasores de terra, como tinham feito ainda há pouco com um tio deles mesmos, Vicente Alves. Outra testemunha nos informa que até 1833 ainda havia terras devolutas nas cabeceiras dos afluentes do Rio Pardo e de ter conhecimento pessoal dos autores e dos réus. E ainda nos informa sobre a quantia de 600$000 exigida pelos autores para vender suas terras - considerada uma exorbitância pelos réus. José Pereira Coutinho, outra testemunha, denuncia o falso testemunho de Leonardo Damásio a favor da família Reis, de quem era camarada, no processo que moveram contra os Dias Campos, por terem estes desmanchado edificações construídas nas terras em litígio. Denuncia ainda os Reis por estarem pressionando um tal de Francisco Mariano com o objetivo de usurparem as terras deste também. Um outro Antônio de tal sofria as mesmas ameaças. Para comprovar os limites das terras em questão, outra testemunha esclarece que a fazenda confrontante de Martinho Leme da Silva já havia sido vendida ao Alferes Caetano de tal, que manteve as mesmas divisas com os autores.17 Manuel Iris Ferreira, na defesa dos autores chega mesmo a se autoincriminar, dizendo haver prestado serviços aos réus em construções no território em litígio (“lugar das dúvidas”) e de ter sido pago para testemunhar contra os Dias Campos no Juízo de Mojimirim. Todas as testemunhas confirmam a ocupação pioneira por José Dias

Idem. Idem. 17 FRANCA. Arquivo Público Municipal, op. Cit., nota 12. 15 16

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Campos e seus filhos da área de Ribeirão Preto entre 19 e 24 anos antes de 1834. Todas elas ainda deixam clara a disposição firme dos autores de não arredarem pé da fazenda do Rio Pardo. O processo de “libelo cível de força e esbulho” foi por nós descoberto no Arquivo do 1 Ofício do Fórum de Casa Branca em 1993. Baseado neste documento, continuamos a explorar a questão da disputa da área de Ribeirão Preto entre as duas famílias pioneiras. O procurador dos réus, Manuel Francisco da Silva e Amorim, segue uma linha de defesa no sentido de provar a presença pioneira da família Reis de Araújo nas terras em disputa. Ele afirmava que os Reis haviam comprado, há 12 anos (1822), de José de Severino, as terras que o mesmo possuía no Ribeirão da Piedade, depois conhecido como Córrego do Campo ou das Palmeiras, terras vertentes do Rio Pardo. Este José de Severino, por sua vez, as havia comprado de Manuel Francisco da Silva e Antônio Custódio de Oliveira moradores no Cajuru, dos quais obtivera títulos que se perderam. Solicitavam ainda que fossem citados, como testemunhas dessas transações, o Inspetor João Furquim Ramos e o Sargento Luiz Ribeiro França, ambos naturais de Jacuí. A presença muito antiga da família Reis, pelo menos na região das Palmeiras, pode ser comprovada por outro documento. Em escritura particular, datada de 8 de janeiro de 1833, descoberta por Roberto Vasconcelos Martins no Cartório do 1º Ofício de São Simão, inserido inexplicavelmente no maço 16 – Divisão de Terras – Apense 53 – Fazenda Cachoeirinha – Títulos de Ananias Baptista da Silva, verifica-se que Matheus José dos Reis e Vicente José dos Reis com suas respectivas mulheres fizeram uma doação de uma parte de terras da Fazenda Palmeiras ao seu irmão Manoel José dos Reis. Eles afirmam nesse documento, ter adquirido essas terras de José de Severino. Em outra escritura particular, de 7 de julho de 1844, José Alves da Silva afirma ter comprado essas terras de Manoel José dos Reis e que as vendia para João Alves (da Silva) pelo preço de 250$000. Este último aparece na divisão judicial das Palmeiras em 1852. Voltando ao libelo cível de esbulho de terras, iniciado em Mojimirim em 1834, os Reis alegavam ainda que, quando foram reconhecer o terreno que compraram, encontraram “quase” todas as vertentes do Ribeirão Preto em estado de devolutas e somente encontraram ali serviços de Francisco de Faria. Compraram tais serviços e deram àquela imensa gleba de terras o nome de fazenda do Ribeirão Preto ou Pontinha, muitos anos antes de se iniciar a demanda com os Dias Campos.

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Capa do processo judicial da família Dias Campos contra a família Reis (de Araújo), passado nas comarcas de Mogiguaçu e Casa Branca.

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Primeira página do processo judicial da família Dias Campos contra a família Reis (de Araújo), verdadeira certidão de nascimento de Ribeirão Preto.

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Outro documento do processo, à página 139, informa que os réus embargaram sentença do juiz, favorável aos autores. No embargo, requeriam reforma da sentença, anulação de todo o processo ou medição do terreno. Ajuntam ainda outros autos, esclarecendo que a área comprada de José de Severino era constituída de cinco posses e que os serviços comprados de Francisco de Faria estavam localizados num lugar chamado Lagoinha que os autores chamavam de Furquilha. No mesmo embargo, diziam que já cultivavam o terreno, criavam gado, haviam aberto estradas e construído pontes, porteiras, etc. Apresentavam mais uma testemunha de defesa, Francisco Laureano Palhares, morador em São Joaquim (=Alterosa), província de Minas. Manuel Gomes de Oliveira, nomeado como seu procurador pelos Dias Campos, redige uma contundente defesa de nove páginas a favor de seus constituintes contra o embargo apresentado pelos irmãos Reis. Assim, ele inicia: “essa matéria, pelo que tem de frívola, velha, falsa e contraditória, se mostra merecedora de um total desprezo em vista dos autos”.18 Este procurador dos autores acusa os réus de deixar o processo correr à revelia para somente depois entrar com embargos, alegando nulidades e ter tentado conciliação ilegal após ter iniciado o processo. Condena ainda os réus pelo seu pedido ao juiz de uma vistoria ou inspeção ocular no terreno, afirmando que não havia objeto para justificá-la. Denuncia ainda a falta de títulos que comprovassem as compras alegadas pelo Capitão Matheus e documentos considerados “forjados” após a demanda posta. Considera suas testemunhas pessoas desconhecidas e distantes do contencioso. Denuncia ainda falsificação de documentos apresentados pelos réus e, inclusive, falsificação de datas. Podemos perceber que os terrenos do córrego Palmeiras passaram a ter um tratamento diferenciado no processo, talvez pelo fato de que este curso d’água seja afluente do Rio Pardo e não do Ribeirão Preto. Assim, à página 154 do processo, encontramos Manuel Francisco da Silva e sua esposa, Senhorinha Maria de Jesus, e seu sócio, Antônio Custódio da Silva e sua esposa, Maria Teodora, apresentando título de compra e venda que, antes, os Reis alegavam ter perdido... Eles afirmavam que eram senhores de uma posse de matos e campos de cultura que haviam comprado no Ribeirão da Piedade, vertente do Rio Pardo (=córrego das Palmeiras). Chegam a dar as confrontações do terreno: da parte do nascente com José Dias Campos (reconhecendo assim a presença dos Dias Campos em alguma parte da área sob litígio) e subindo pelo

18

CASA BRANCA. Cartório do 1 Ofício. Libelo cível de força e esbulho de Dias Campos contra Reis de Araújo, c. AC-1834, m. 131.

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espigão com o Alferes Matheus José dos Reis e da parte direita com Francisco de Faria. Realmente, este documento tem cheiro de um embuste, e uma “verdadeira chicana”, como afirmava o procurador dos Dias Campos. Os Reis davam os anéis para não perder os dedos, numa tentativa desesperada de ficar com alguma coisa daquela imensa gleba. Neste mesmo documento, Manuel Francisco da Silva e Antônio Custódio da Silva afirmavam terem comprado e, posteriormente, vendido aos Reis, cinco posses dos terrenos vertentes do Ribeirão Preto. Estas cinco posses que aparecem em vários autos na defesa dos réus, muito provavelmente, correspondem aos cinco assentamentos já iniciados por volta de 1835 e que resultariam nas fazendas que formaram o município de Ribeirão Preto: 1 - Palmeiras, 2 - Ribeirão Preto Abaixo ou Pontinha do Ribeirão Preto ou simplesmente Pontinha, 3 - Laureano ou Braço Direito do Ribeirão Preto, 4 – Ribeirão Preto Acima ou Retiro do Ribeirão Preto ou simplesmente Retiro e 5 - Barra do Retiro. Em outro documento19 apresentado pelo procurador dos Reis, estes afirmavam que, quando tomaram posse para sua mãe, Maria Madalena de Jesus, da fazenda reconhecida com o nome de Figueira, há muitos anos, andava com eles o filho de Francisco de Faria, chamado João Evangelista de Faria, que tomou posse para si um lugar chamado Lagoa (ou Lagoinha em outros autos), que os autores chamam de Areias. Esta posse lhes foi vendida e como estavam ainda sob o pátrio poder (da mãe, com certeza, pois o pai já falecera há muito tempo), deixaram todas essas posses incorporadas à Fazenda Figueira pertencente à sua mãe. Isto sugere que a ocupação da área de Ribeirão Preto por membros da família Reis teve como ponto de partida a Fazenda da Figueira. Percebe-se um confuso labirinto nessas argumentações. Os topônimos são incertos e contraditórios. Escrituras particulares poderiam mesmo ser forjadas com facilidade, adulteradas com o fim claro de engodo. Não havia mesmo consistência nos documentos e depoimentos das testemunhas apresentadas pelos Reis. Muito provavelmente, eles já estivessem mesmo naquelas terras desde a data em que alegavam, mas o grau de sua ocupação econômica talvez fosse irrisório, o que não deveria ser diferente com os Dias Campos, ao contrário do que todos alegavam. No transcorrer da demanda judicial, vários interessados de ambos os

19

CASA BRANCA. Cartório do 1 Ofício, op.cit., nota anterior.

151


lados faleceram e um sem número de posseiros havia ocupado toda a área em litígio. Finalmente, em 05.04.1846, conclui-se uma conciliação dos réus com Hilário Dias Campos, através da avaliação do terreno em 4.000$000, valor que lhe foi pago pelos Reis. Era uma quantia irrisória, tendo em vista a enormidade do terreno, pois já em 1839, em dois inventários que envolviam interessados Vicente José dos Reis e Manuel dos Reis Araújo - metade de todo este terreno já estavam avaliado em 9.000$000.20 Em 20.08.1846, Antônio José Teixeira Júnior, por cabeça de sua mulher, Claudina Maria (filha de Vicente José dos Reis e Maria Silveria da Anunciação), como sucessores na demanda, entravam com requerimento junto ao Juízo de Casa Branca (o processo já então havia sido transferido para ali), solicitando a conclusão dos autos. Isso depois, ainda, de esperarem correr prazos para prova de artigos de habilitação. Finalmente em 24.10.1846, em Casa Branca, o Juiz Municipal Judalício Randolfo Figueira de Aguiar deu por encerrado o processo, ficando os sucessores dos irmãos Reis como proprietários legítimos da antiga Fazenda do Rio Pardo, já agora desmembrada em Ribeirão Preto ou Pontinha, Laureano, Palmeiras, Retiro e Barra do Retiro. Portanto, 1846 marca o início da regularização da propriedade fundiária na área de Ribeirão Preto, apesar das dúvidas e incertezas que vão persistir ainda por muito tempo. Tudo indica que esse acordo entre os descendentes das duas famílias não foi aceito por todos os interessados. Antônio Dias Campos, um dos autores, continuou com a demanda por muitos anos e ainda em 1856 registrava como sua a Fazenda do Rio Pardo no Registro Paroquial de Terras de São Simão. Ele cita as mesmas confrontações encontradas no libelo de 1834. Muito provavelmente, por isso, a Igreja continuava recusando as doações de terras feitas em 1852 para a formação do patrimônio eclesiástico de São Sebastião nas Palmeiras.

20

Inventário de Vicente José dos Reis, 1839. Cartório de 1 Ofício de Mojimirim, m. 196.

152


153


ANTIGO MUNICÍPIO DE SÃO SIMÃO SITUAÇÃO GEOGRÁFICA NO SÉCULO XIX ESCALA: 1:200.000 PESQUISA: ROBERTO VASCONCELOS MARTINS DESENHO: MARCOS JOSE BAZAN JANEIRO/1998

154


2. FAZENDAS E FAZENDEIROS Aquela imensa gleba de terras em disputa entre os Dias Campos e os Reis de Araújo, cuja extensão foi calculada por Roberto Vasconcelos Martins em 13.262,00 alqueires, foi desmembrada, a partir de 1835 em várias fazendas, conforme o esquema que apresentamos abaixo. Os inventários década de 1830 já o comprovam. FAZENDA RIO PARDO Ribeirão Preto Abaixo ou Pontinha 4.050 alqueires

Braço Direito do Retiro Ribeirão Preto 4.632 ou Laureano alqueires 2.067 alqueires

Barra do Retiro 263 alqueires

Palmeiras 2.250 alqueires (+450,00 alqueires da Fazenda do Exgoto)

2.1. Fazenda do Ribeirão Preto Abaixo ou Pontinha do Ribeirão Preto ou simplesmente Pontinha Esta fazenda aparece citada pela primeira vez no inventário de Prudência Maria de Jesus, mulher do Capitão Matheus, falecida em 24.05.1835 em Cana Verde (Batatais) - o qual passou a correr naquele juízo em 03.09.1838. Por este documento, ficamos sabendo que esta fazenda teve seu valor calculado em 7.200$000 e pertencia meia a meia ao Capitão Matheus José dos Reis (meia esta herdada por ele e seus cinco filhos) e a seu irmão Vicente José dos Reis. Este faleceu em 20.01.1835, também em Cana Verde, e pelo seu inventário, que começou a correr em 16.11.1839 pudemos obter a mesma informação e também de que estas terras se encontravam em litígio (com a família Dias Campos). Segundo ainda o inventário de Vicente José dos Reis, os dois irmãos possuíam ainda em sociedade as terras da Fazenda Braço Direito do Ribeirão Preto, conhecida também como Laureano. Em 1845, após a morte de seu filho Manuel dos Reis Araújo, Maria Silveria da Anunciação, viúva de Vicente José dos Reis, doou sua meação, herdada do marido, para seus dois filhos vivos: Matheus dos Reis Araújo e Claudina Maria21. Entre essas terras doadas, estavam além da fazenda do Ribeirão Preto Abaixo ou Pontinha, também as do Laureano e da Barra do Retiro. Esta última a viúva a declarou no inventário somente em 1845, alegando “esquecimento” de seis anos antes. Na doação feita aos filhos, não constava as terras na Fazenda do Retiro que ela já havia vendido antes para José Borges da Costa.

21

COSTA, op.cit., p.19-20, nota 5.

155


Por volta de 1850, a Fazenda do Ribeirão Preto Abaixo ou Pontinha tinha suas confrontações com as fazendas do Sertãozinho, Laureano, Barra do Retiro e Retiro. Passou por vários desmembramentos através de sucessões diversas, seja por heranças, vendas ou acréscimos.22 Nos registros paroquiais de terras de São Simão, de 1856, pesquisados por Roberto Vasconcelos Martins, encontram-se os seguintes condôminos na fazenda do Ribeirão Preto Abaixo ou Pontinha: Condômino

Antecessor Por herança de seus pais, Capitão Matheus e Prudencia

Ananias José dos Reis

Antônio Batista de Carvalho Por compra a Felisbino Bezerra dos Reis Antônio Júnior

José

Teixeira

Por herança de seu sogro Vicente José dos Reis e doação de sua sogra, Maria Silveria da Anunciação

Antônio da Silva e Souza Bárbara Maria Gertrudes

Por compra a Antônio José Teixeira Júnior, Manoel Ferreira da Silva e Antônio Pereira

Felisbino Reis

Por herança de seu finado pai Antônio Bezerra Cavalcanti

Bezerra

dos

João Antônio da Silva

Por compra a Mariano Pedroso de Almeida

João Francisco Pinto

Por compra a Luis Gonçalves Barbosa

Joaquim Bezerra dos Reis

Por herança de seu finado sogro e por compra a Luis Gonçalves Barbosa

Joaquim Carlos da Silva

Por compra a Vicente Alves da Silva

Joaquim José de Lima

Por compra a Vicente Alves da Silva

José Matheus dos Reis

Por herança de seus finados pais, capitão Matheus e Prudência

Luis Borges de Aquino

Por compra a Manoel Ferreira da Silva e herança de seu finado sogro Vicente Alves da Silva

Manoel Antônio da Silva

Por compra a Luis Gonçalves Barbosa

Manoel Ferreira da Silva

Por compra a seu irmão João Alves da Silva Primo

22

COSTA, op.cit., p. 22-23, nota 5.

156


Matheus José dos Reis Filho

Por herança de seus finados pais, capitão Matheus e Prudência

Matheus dos Reis Araújo

Por compras a Antônio José Teixeira Júnior, a José Alves Ribeiro da Silva e José Correa de Souza

Miguel Bezerra dos Reis

Por herança de seus finados sogros, Capitão Matheus e Prudência

Maria Silveria Anunciação

Por compra a José Antônio da Silva

da

Severino Bezerra dos Reis

Por herança de seu finado pai Antônio Bezerra Cavalcanti

Em 1886, foi requerida sua divisão judicial23 e nessa época eram seus condôminos: Cel. Bernardo Alves Pereira (que exercia a profissão de boticário, ou seja, farmacêutico), Francisco Carlos e Macedo, João Evangelista Terra, Alexandrina Bezerra dos Reis,24 Joaquim dos Santos, José Marcelino Cardoso, Francisco Carlos de Souza, José Antônio Alves, Antônio Gomes de Abreu e Joaquim Francisco de Paula. A Fazenda do Ribeirão Preto Abaixo se subdividiu em várias outras glebas, e dela ainda resultou, já no final do século XIX, o Núcleo Colonial Antônio Prado.

2.2. Fazenda Braço Direito do Ribeirão Preto ou Laureano Esta fazenda pertencia primitivamente ao Capitão Matheus e seu irmão Vicente José dos Reis. É isso que se deduz do inventário deste último, já citado: ¼ de suas terras pertenciam ao Capitão Matheus e ¾ a Vicente José dos Reis. O historiador Wanderley dos Santos, já falecido, levantou a hipótese de que a denominação da fazenda do Laureano (Loriano em alguns documentos) tenha se originado de um antigo morador de nome Laureano de Souza que foi recenseado em 1835 em São Simão, residindo no quarteirão nº 6 do Ribeirão da Divisa.

Divisão Judicial da Fazenda Ribeirão Preto. Cartório do 1 Ofício de Ribeirão Preto, 1886, Livro n 19. In COSTA, op.cit., p.22, nota 5. 24 Alexandrina Bezerra dos Reis era, na época, viúva do seu segundo marido, Venâncio José dos Reis. Fora casada pela primeira vez com Manoel Bezerra dos Reis, este falecido em 26.12.1870. Ver outras informações sobre Alexandrina Bezerra dos Reis nas páginas 183 e 222. 23

157


Mas no inventário já citado da mulher do Capitão Matheus, Prudência Maria de Jesus, ocorrido cerca de um ano antes, não aparecem essas terras do Laureano. É possível que esta fazenda fosse chamada, então, de Bonsucesso, pois assim são mencionadas as terras que o Capitão possuía em sociedade com seu irmão (no inventário de sua mulher), com a informação de que elas estavam em litígio (com os Dias Campos, certamente). Em 1845, a viúva de Vicente José dos Reis doa a seus filhos vivos Matheus e Claudina (casada com Antônio José Teixeira Júnior) a meação de suas terras na Laureano. Esta doação ocorreu no mesmo ato em que fez a doação aos seus filhos também na Barra do Retiro. Encontramos no registro paroquial de terras de São Simão de 1853, pesquisado por Roberto Vasconcelos Martins, os seguintes condôminos na Fazenda do Laureano: Condômino

Antecessor

Antônio José Teixeira Júnior

Por herança de seu sogro Vicente José dos Reis e doação de sua sogra, Maria Silveria da Anunciação

Antônio da Silva e Souza

Por compras a Antônio José Teixeira Júnior, José Matheus dos Reis e Matheus dos Reis Araújo

José Alves da Silva

Por troca com Manoel Aleixo de Oliveira

João Alves da Silva Junior

Por compras a Matheus dos Reis Araújo, João Alves da Silva Primo, Ananias José dos Reis, Manoel Ferreira da Silva e João Pereira Guimarães

João Antônio de Siqueira

Em sociedade

Antônio Soares de Castilho Matheus dos Reis Araújo

Por compra a Antônio José Teixeira Júnior, José Alves Ribeiro da Silva e José Corrêa de Souza

Maria Silveria da Anunciação

Por compra a Matheus dos Reis Araújo

Miguel Bezerra dos Reis

Por herança de seus finados sogros Capitão Matheus e Prudência

Ananias José dos Reis

Por herança de seus pais, Capitão Matheus e Prudência

Joaquim e Ana (órfãos)

Por herança de sua finada mãe, Francisca Maria de Jesus

Joaquim Pereira de Macedo

Por compra a José Matheus dos Reis

Ernesta Zamboni fez um estudo da cadeia dominial da Fazenda

158


Laureano, detalhando seu desmembramento e posterior concentração no início do “boom” cafeeiro na região.25 Sua extensão atingia 5.002 hectares e 14 ares. Ela teve sua divisão judicial requerida em 1874 por Ananias José dos Reis, filho do Capitão Matheus e sua esposa, Prudência Maria de Jesus. Pelos autos da sua divisão, temos uma ideia das sucessões diversas que ocorreram na Laureano. Os títulos de propriedade de Ananias José dos Reis provinham de diversas compras que fizera de: 1. Antônio José Teixeira Júnior, marido de sua prima Claudina, em 1857, havidas por herança de seu sogro e pai Vicente José dos Reis e doação de sua sogra e mãe, Maria Silvéria da Anunciação (já mencionada); 2. José Matheus dos Reis, seu irmão; 3. Antônio Soares Castilho e sua mulher, Maria Nazareth. Seus herdeiros, Jeremias Afra Soares Castilho e sua mulher, Francisca Ana de Jesus, venderam essas terras que tinham no Laureano para Ananias José dos Reis em 30.10.1860; 4. Antônio da Silva e Souza que comprara uma parte da Laureano, em 10.07.1850, de Antônio José Teixeira Júnior, que, por sua vez, havia comprado do seu cunhado, Matheus dos Reis Araújo por 2.000$00. Os herdeiros de Antônio da Silva e Souza, Manuel da Silva e Souza e sua mulher, Inácia Carolina Teodora dos Reis, venderam a parte herdada a Bernardo Alves Pereira, em 31.01.1861; Esta Inácia Carolina era filha de Matheus José dos Reis, portanto, neta de Vicente José dos Reis. Outra parte da Laureano foi vendida por Antônio José Teixeira Júnior ao Capitão Gabriel de Souza Diniz Junqueira que, por sua vez, vendeu-a para João José Batista, em 23.10.1870. A Fazenda do Laureano não ficou alheia a toda a trama de disputas e invasões entre os posseiros que tentavam ocupar toda aquela área, onde iria se constituir mais tarde o município de Ribeirão Preto. Em 1853, por exemplo, Antônio José Teixeira Júnior e sua mulher, Claudina Maria, entravam no Juízo de Casa Branca contra os réus João Alves da Silva Primo e sua mulher, Ana Delfina Bezerra, e ainda seu camarada Antônio Malaquias Pedroso,26 acusados de invadir propriedade alheia, e no lugar chamado Cachoeira do Ribeirão da Onça

25 26

ZAMBONI, op.cit., p.73-86, nota 8. “Ação de obra nova” de Antônio José Teixeira Júnior e sua mulher contra João Alves da Silva Primo e Antônio Malaquias Pedroso. Cartório do 2 Ofício de Casa Branca, m. 93, c. AC-1853. Conforme pesquisa de Roberto Vasconcelos Martins, este Antônio Malaquias Pedroso veio a ser, mais tarde, doador das terras para a formação do patrimônio da capela de Sertãozinho.

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desenvolver roçadas e outras benfeitorias, com grande prejuízo para os autores. Os réus se defendiam alegando que já estavam ali desde 1851, que haviam comprado o terreno em 1849 de João Alves da Silva Júnior e sua mulher. Depois de muitas audiências, chegaram a um acordo. Em 1877, após a divisão judicial da Fazenda do Laureano, Ananias José dos Reis vendeu a João Franco de Morais Otávio,27 uma porção de suas terras no valor de 33.000$000, a maior transação comercial de terras da época. A partir desta data, as terras do Laureano voltam a um processo de concentração até 1880. Desse processo de concentração fundiária, resultou a formação da Fazenda Monte Alegre, que aglutinou também partes da Fazenda do Ribeirão Preto Abaixo ou Pontinha. Esta Fazenda Monte Alegre foi fracionada pelos herdeiros do Cel. João Franco de Morais Otávio em 1880. Mais tarde, muitas de suas partes foram adquiridas pelo Coronel Francisco Schmidt em sociedade com Arthur Aguiar Diederichsen e a Monte Alegre se transformou em uma das maiores fazendas de produção de café do mundo.

2.3. Fazenda das Palmeiras No “libelo cível de força e esbulho de terras” entre Dias Campos e Reis de Araújo podemos encontrar as informações mais remotas do que seria mais tarde a Fazenda das Palmeiras. Wanderley dos Santos sugere que a ocupação desta área por José Dias Campos e seus filhos venha desde 1811 como uma extensão além do Rio Pardo de terras que já ocupavam na região de Batatais. Eles confirmaram aquela posse em 1816, procurando estabelecer benfeitorias, porém, ao que parece não o suficiente para impedir invasões de intrusos, como os Reis de Araújo, a partir de sua ocupação muito próxima e também muita antiga na Fazenda Figueira. Assim é que, na versão da família Reis, entre 1816 e 1822, parte das terras ribeirinhas do córrego das Palmeiras foram ocupadas por Manoel Francisco da Silva, casado com Senhorinha Maria de Jesus, e Antônio Custódio, casado com Maria Teodora, que se estabeleceram em uma posse de matos e campos de cultura no ribeirão da Piedade, vertente do Rio Pardo. Este ribeirão da Piedade será chamado de córrego do Campo pelos Dias Campos e, posteriormente, batizado definitivamente de córrego das Palmeiras pela família Reis. O mesmo documento informa que aquelas terras confrontavam pela

27

ZAMBONI, op.cit., p. 77, nota 8.

160


nascente com José Dias Campos, reconhecendo assim, a presença desta família no restante da antiga fazenda Rio Pardo. Defrontavam ainda subindo o espigão com o alferes Matheus José dos Reis e, da parte direita, com Francisco de Faria. Esta confrontação com Matheus dos Reis sugere, já naquele tempo, a existência de uma demarcação possível das Palmeiras com uma outra área distinta, de propriedade do mesmo Matheus, muito possivelmente ainda uma extensão da Fazenda Figueira. E este Francisco de Faria é o mesmo que possuía serviços no lugar chamado Lagoa ou Lagoinha ou Furquilha, serviços que foram comprados pelos Reis que passaram a denominar aquela fazenda de Ribeirão Preto ou Pontinha. Seguindo a argumentação dos Reis, Manoel Francisco de Faria e Antônio Custódio efetuaram a venda dessas terras para José Severino, o qual vendeu as mesmas por volta de 1822, para os irmãos Vicente e Matheus dos Reis. Mas uma análise mais profunda do documento sugere que, mesmo tendo as adquirido antes, somente a partir de 1832 irão tentar se estabelecer nelas. Daí, os conflitos com a família Dias Campos. Por escritura particular datada de 08/01/1833, Matheus José dos Reis e sua mulher Prudência Maria de Jesus, senhores de três partes de terras no “lugar denominado Palmeiras”, efetuaram a doação de uma parte ao seu irmão e cunhado Manoel José dos Reis, nos termos abaixo: “Dizemos nós abaixo assignados, eu Matheos José dos Reis e mª m.er Prodencia Maria de J.s., q. entre os mais bens e. somos Senhores, e poçuidores com livres e geral administração, e bem assim uma sorte de Terras composta de Mattos e Campos de criar citas além das vertentes do Rio Pardo no Distrito da Freguesia de Casa Branca TR. Da Vª de Mogi-Mirim e ql. Nos passou José Severino nosso vendedor, em cujas terras somos sócios com meu irmão Vicente José dos Reis, em uma vertente que faz divisa com a fasenda de nossa Mai e sogra, no lugar denominado palmeiras: cuja sorte de terras ou vertentes, fasendo menção em trez p.es Fazemos uma PE. Doação a nosso irmão e conhado Mel. Jo. Dos Reis, o qt. Poderá possoir desfrutar, e dispor como suas q. ficão sendo de hoje para todo o sempre, e PA. Cujo fim lhe empossamos nellas com toda Acção Jus e domínio, ficando elle doado e obrigado a ql. Direito Nacional, e nós Doadores rogamos as Justiças de S.M.I. de hum e outro foro dem a esta nossa escritura todo vigor como se fosse Pública, e q. do lhe falte algum ponto em direito os avemos declarados aqui como se nelles fisemos menção e PA. Clareza lhe mandemos passar o pres.te Docum.to TAM so p.r mim asignado, e arrogo de Ma. Mer. Se asigna o meu irmão o meo irmão Vicente José dos Reis. 8 de janeiro de 1833. Matheus Joze dos Reis

161


Asino arrogo das Adoadora Prodencia Maria de Js. Vicente José dos Reis Tª presente Vicente Ferreira da Silva José Matheus dos Reis Como Tesª q. este fiz e vi asignar Narciso Frz. Leão Esta escritura foi encontrada por Roberto Vasconcelos Martins no Cartório do 1º Ofício de São Simão, maço nº 16, Autos da Divisão da Fazenda da Cachoeirinha, apenso 53 (no qual foi anexado evidentemente por equívoco). É a primeira vez que aparece citada em um documento uma referência a Palmeiras, fazenda e por analogia também o córrego. Vê-se, portanto, que a Palmeiras é a mais antiga, dentre as fazendas em que se desmembrou a antiga e grande fazenda Rio Pardo. No inventário, já mencionado da mulher do Capitão Matheus José dos Reis, em 1838, esta fazenda aparece como sua, mas em litígio com Hilário Dias Campos. Em 1845, o Capitão Matheus já falecera e seus filhos herdaram as terras das Palmeiras. Um deles, José Matheus dos Reis, foi quem fez a primeira tentativa de doação de uma gleba nas terras desta fazenda para a formação do patrimônio eclesiástico de São Sebastião, como ainda veremos. A Fazenda das Palmeiras se estendia até as barrancas do Rio Pardo, limitando-se, a leste com a Fazenda da Figueira, ao sul, com a da Pontinha e a do Retiro; e ao Oeste, com a mesma Pontinha. Vicente José dos Reis, irmão e sócio do Capitão Matheus, faleceu em 02/01/1839 em Batatais, sendo inventariado a partir de 16/11/1839 na Fazenda Figueira. Nos bens de raiz do inventário, nada constou sobre as terras nas Palmeiras, tendo em vista que Vicente José dos Reis, antes de falecer, entre 1833 e 1838, efetuara a venda das mesmas ou parte delas para Vicente José Ferreira e sua mulher Ana Jacinta Machado. Assim é que, segundo Osmani Emboada da Costa,28 eram condôminos da Fazenda das Palmeiras em 1852 os seguintes moradores: 1. Ana Jacinta, viúva de Vicente Alves da Silva e seus filhos ainda menores: 2. Luís;

28

COSTA, op.cit., p. 19, nota 5.

162


3. Francisco; 4. Antônio; 5. Jerônimo; 6. João; 7. Manuel. 8. Matheus José dos Reis (filho de José Matheus dos Reis e Honorina Maria Joana, portanto, neto do Capitão Matheus José dos Reis) e sua mulher, 9. Maria Silveria Gomes Ferreira; 10. Miguel Bezerra dos Reis e sua mulher, 11. Francelina Maria Teodora, filha do Capitão Matheus José dos Reis; 12. Antônio Bezerra Cavalcanti e sua mulher, 13. Bárbara Maria Gertrudes, irmã do Capitão Matheus José dos Reis; 14. Mariano Pedroso de Almeida (havia comprado sua parte de José Alves da Silva que, por sua vez, comprara de Manoel José dos Reis – pesquisa de Roberto Vasconcelos Martins) e sua mulher, 15. Maria Lourenço do Nascimento; 16. João Alves da Silva Primo e sua mulher, 17. Ana Delfina Bezerra, filha de Antônio Bezerra Cavalcanti e Bárbara Maria Gertrudes (Reis de Araújo). Nos registros paroquiais de terras da freguesia de São Simão, datados de 1856 e pesquisados por Roberto Vasconcelos Martins, vamos encontrar os seguintes condôminos na Fazenda das Palmeiras: Condômino

Antecessor

Antônio José Teixeira Junior Por doação de sua sogra Maria Silveria da Anunciação Ana Jacinta Machado (ou do Nascimento)

Por herança de seu finado esposo Vicente Alves Ferreira

Mariano Pedroso de Almeida Por compra a Antônio Joaquim de Oliveira, Antônio Joaquim da Cunha e Antônio de Souza Martins Maria das Dores de Jesus

Por herança de seu finado marido

Bárbara Maria Gertrudes

Por herança de seu finado marido Antônio Bezerra Cavalcanti

163


Fernando de Souza Viana

Por herança do falecido sogro Vicente Alves da Silva (ou Ferreira)

José Matheus dos Reis

Por herança de seus finados pais Capitão Matheus e Prudência

Matheus José dos Reis

Por herança de seus finados pais Capitão Matheus e Prudência

Antônio da Silva e Souza João Alves da Silva Primo

Por compra a José Alves da Silva e Manoel Ferreira da Silva

Luis Borges de Aquino

Por compra a Manoel Ferreira da Silva e por herança de seu finado sogro Vicente Alves da Silva (ou Ferreira)

Joaquim Bernardes

Por compra a Antônio Jacinto da Silva

2.4. Fazenda do Ribeirão Preto Acima ou Retiro do Ribeirão Preto ou simplesmente Retiro Roberto Vasconcelos Martins fez um minucioso estudo sobre as origens e a cadeia dominial desta fazenda. Com base em sua pesquisa que passamos as informações a seguir. Ela pertenceu em sua totalidade primitivamente a Vicente José dos Reis e sua mulher Maria Silveria da Anunciação. Falecendo Vicente em 21/01/1839, sem testamento, na vila de Cana Verde (Batatais), foi inventariado a partir de 16/11/1839, na Fazenda da Figueira. Foi inventariante a sua própria viúva. Estendia-se por 4.632 alqueires e tinha as seguintes confrontações: Palmeiras, Figueira, Cabeceiras do Ribeirão Preto, Lageado, Laureano, Barra do Retiro e Pontinha ou Ribeirão Preto Abaixo. Além de oito escravos e muitas terras, Vicente José dos Reis possuía “outra sorte de terras denominado o Retiro, composta de terras de culturas e campos de criar, contígua à fazenda da Figueira, e confrontando com a fazenda litigiosa de que acima se faz menção (tratava-se da fazenda da Pontinha do Ribeirão Preto Abaixo, cujas terras se encontravam em litígio com membros da família Dias Campos), cujo terreno foi avaliado em 8.000$000”. Foram seus herdeiros a própria mulher e os seus três filhos: Manoel dos Reis de Araújo, Matheus dos Reis de Araújo e Claudina Maria, que veio a se casar com Antônio José Teixeira Júnior. Antes de 1845, a viúva Maria Silveria da

164


Anunciação vendeu a sua parte para José Borges da Costa. Este ainda comprou outras partes de outros herdeiros e seus sucessores e logo se tornou o mais poderoso condômino da Fazenda do Retiro. A primeira esposa de José Borges da Costa faleceu em 1836 e ele se casou novamente em 1839 com Maria Felizarda, viúva de Manoel José dos Reis, falecido em 05/01/1839, sem testamento e que foi inventariado a partir de 14/11/1839 na fazenda da Figueira, sendo inventariante o próprio José Borges da Costa. Além de 5 escravos, constou no inventário “a quarta parte que o inventariado comprara do herdeiro Joaquim da Silva, na fazenda Figueira, cuja sorte de terras é em sociedade que o inventariado tem com o inventariante e cuja parte foi comprada a João Alves da Silva, cujo terreno em comum foi avaliado em 1;800$000, e vem a pertencer a este inventário 900$000.” Em 1853, José Borges da Costa e sua esposa doaram 9 alqueires da sua fazenda do Retiro para a formação do patrimônio eclesiástico de São Sebastião, juntamente com outros casais de fazendeiros. Em 1856, aparecem como condôminos na Fazenda do Retiro os seguintes proprietários, registrados no Registro de Terras daquele ano em São Simão: Condômino

Antecessor

Antônio Borges da Costa

Por troca com seu pai, José Borges da Costa

Antônio Joaquim Rodrigues

Por compra a Mariano Pedroso de Almeida

Antônio Joaquim Rodrigues Júnior

Por compra a José Luiz de Souza

Antônio Soares de Castilho Francisco José da Silva Onça

Por compras a Antônio Joaquim de Oliveira

Inácio Bruno da Costa

Por compras a Luiz Antônio de Oliveira, Manoel Rodrigues de Moura, José Joaquim Nogueira, Antônio Joaquim Nogueira, Rita Maria de Jesus e Vicente Joaquim Nogueira

João Antônio da Silva

Por compra a Mariano Pedroso de Almeida

Filhas do falecido Joaquim Manoel da Silva

Por herança do finado Joaquim Manoel da Silva

Joaquim Valadares do Souto

Por compra a Mariano Pedroso de Almeida

José Antônio Rodrigues

Por compra a Mariano Pedroso de Almeida

José Borges da Costa

Por compra a Maria Silveria da Anunciação,

165


Luis Antônio de Oliveira, Antônio Joaquim Nogueira e Antônio José Teixeira Júnior José Luciano dos Santos

Por compra a Inácio Bruno da Costa

José Luis de Souza

Por compra a Mariano Pedroso de Almeida

Luís Pacífico de Andrade

Por compra a Mariano Pedroso de Almeida

Manoel Francisco Ferreira

Por compra a Mariano Pedroso de Almeida

Manoel de Nazaré Azevedo

Por compras a Luís Antônio de Oliveira e Antônio Joaquim da Cunha

Mariano Pedroso de Almeida

Por compras a Antônio Joaquim de Oliveira, Antônio Joaquim da Cunha e Antônio de Souza Martins

Severiano Joaquim da Silva

Por troca com Mariano Pedroso de Almeida

Em 1855, o mesmo casal já havia requerido a divisão judicial da fazenda do Retiro, a qual foi encerrada em 06/09/1856. Neste momento, a fazenda do Retiro foi dividida em 22 quinhões cujos proprietários eram os seguintes: Proprietários José Borges da Costa*

Valor do quinhão 18.078$300

Antônio Soares de Castilho

1.759$500

Mariano Pedroso de Almeida*

1.5384300

Antônio Borges da Costa Sobrinho

1.497$000

Inácio Bruno da Costa*

1.451$500

Manoel Fernandes do Nascimento

1.330$600

Luís Pacífico de Andrade

1.264$000

Manoel de Nazaré de Azevedo

1.159$800

Francisco José da Silva Onça

659$800

Antônio Joaquim da Cunha

599$600

Filhas órfãs de Joaquim Manoel de Almeida

449$800

José Luis da Silva (José Luisinho)

435$800

Severiano Joaquim da Silva*

429$800

João Pereira da Mota

263$900

166


Joaquim Valadares do Souto

259$900

João Francisco, ausente, divorciado de Rita Maria de Jesus

131$900

José Luciano da Silva

65$900

João Antônio da Silva

65$900

José Antônio Rodrigues

65$900

Antônio Joaquim Rodrigues

65$900

Manoel Francisco Ferreira

65$900

Joaquim Antônio Rodrigues de Araújo

32$000

TOTAL

31.671$000

* Figuram como doadores de terrenos nesta fazenda para a formação do patrimônio eclesiástico de São Sebastião.

Roberto Vasconcelos Martins continua acompanhando as diversas sucessões na Fazenda do Retiro até quase o século XX. Podemos perceber o retalhamento desta gleba de terras principalmente onde se espalhará mais tarde os subúrbios da cidade de Ribeirão Preto. Novas divisões judiciais vão se processar, dando origem a outras fazendas e a diversos sítios e chácaras nas proximidades da vila de São Sebastião do Ribeirão Preto.

2.5. Fazenda Barra do Retiro Esta fazenda pertenceu, inicialmente, em sua totalidade a Vicente José dos Reis e sua mulher Maria Silveria da Anunciação. Segundo opinião de Osmani Emboaba da Costa, primitivamente esta fazenda fazia parte da Fazenda do Retiro. Mas esta talvez não se sustente, tendo em vista que o libelo entre os Reis e os Dias Campos fala em cinco posses dentro da primitiva Fazenda Rio Pardo, sugerindo assim que uma delas seja muito provavelmente a da Barra do Retiro. Por falecimento de Vicente José dos Reis, coube à sua esposa metade da fazenda, sendo a outra metade dividida em partes iguais aos três filhos do casal: Matheus dos Reis Araújo, Manoel dos Reis Araújo e Claudina Maria, esta então casada com Antônio José Teixeira Júnior. A fazenda Barra do Retiro só foi incluída no inventário de Vicente José dos Reis em 1845 (falecido em 1835 com inventário correndo somente a partir de 1839). A viúva inventariante deixou de fazê-lo antes alegando “esquecimento”. É difícil admitir isso: esquecer de incluir 263 alqueires no inventário do marido. Somos inclinados a admitir que por trás deste

167


“esquecimento”, muito provavelmente estava o problema da disputa judicial daquelas terras com a família Dias Campos. Por ocasião desta declaração de inclusão da Barra do Retiro no inventário, a viúva doou aos seus dois filhos vivos Matheus dos Reis Araújo e Claudina Maria (casada, como foi dito, com Antônio José Teixeira Júnior) alguns escravos e as partes que lhe couberam na dita fazenda, como também em outras. Percebe-se que a Barra do Retiro era o ponto nevrálgico da imensa Fazenda Rio Pardo em disputa. É aqui o local de assentamento primitivo que dará origem à Vila de São Sebastião do Ribeirão Preto. Assentamento este constituído por vários invasores de terras, judicialmente em disputa, entre as duas famílias de Batatais, Dias Campos e Reis de Araújo. Nesse momento quem se coloca como líder dos interesses fundiários da família Reis é justamente Antônio José Teixeira Júnior, o Carvalhinho, o mesmo que fez a conciliação com os Dias Campos e requereu a conclusão dos autos do libelo em 1846. E não foi à toa que ele acabou ficando com a maior parte daquelas terras através do artifício da sua doação por Dona Maria Silveria da Anunciação aos seus filhos nas diversas fazendas desmembradas da do Rio Pardo. E no meio de todo este “imbróglio”, São Sebastião serviu de escudo na luta pela terra e na luta pela fundação de uma cidade. Depois de várias sucessões, teve início, em 1856, a divisão judicial da Fazenda Barra do Retiro, ocasião em que foi constituído, na sua área, o patrimônio da capela de São Sebastião, como ainda veremos. Mas, às vésperas de sua divisão judicial, houve várias disputas entre os posseiros que a ocupavam, numa tentativa de assegurarem-se de melhores posições no terreno. Além das demandas, promovidas por Antônio José Teixeira Júnior, contra a formação ali do patrimônio eclesiástico, houve outras que correram no Juízo de Casa Branca. Por exemplo, Antônio Soares de Castilho e sua mulher contra Mariano Pedroso de Almeida, Manuel Fernandes do Nascimento e outros.32 Os autores argumentam que os réus, sabendo da divisão próxima da fazenda Barra do Retiro, aproveitaram para se arranchar em suas terras, tirando rego d’ água do Ribeirão Preto, alguns a títulos de concessões, outros nem se sabe. Pedem ao juiz que os réus sejam intimados a não continuarem com os referidos serviços e a se retirarem do terreno.

32

Ação de Antônio Soares de Castilho e sua mulher contra Mariano Pedroso de Almeida e outros. Cartório do 2 Ofício de Casa Branca, m. 129, c. AC-1855.

168


Mariano Pedroso de Almeida e Manuel Fernandes do Nascimento entraram em Juízo com outro processo de embargo, desta vez colocando Antônio Soares de Castilho, sob as mesmas acusações. A demanda somente foi resolvida com a divisão judicial da fazenda.33 Com a divisão, além de São Sebastião, ganharam seus quinhões: 1. José Borges da Costa que comprara partes de Antônio José Teixeira Júnior em 1855; 2. Antônio José Teixeira Júnior que comprara partes dos sócios José Borges da Costa e Manuel de Nazareth Azevedo, os quais as adquiriram de Luiz Antônio de Oliveira; 3. Francisco José Silva (Onça) que comprara partes de Antônio Joaquim de Oliveira; 4. Mariano Pedroso de Almeida que adquirira ali suas terras, em parte por compra de Antônio Joaquim de Oliveira, e em parte por troca feita com Manuel Fernandes do Nascimento; 5. Manuel Fernandes do Nascimento que comprara partes de Antônio José Teixeira Júnior e Antônio Soares de Castilho em 1855.34 José Alves da Silva possuía dois alqueires de terras na Fazenda da Barra do Retiro, os quais, na sua divisão judicial, ele os doou para o patrimônio da capela, conforme ainda veremos. O patrimônio da capela de São Sebastião dentro da Fazenda da Barra do Retiro foi constituído em terras que haviam pertencido a Luiz Antônio de Oliveira e Antônio Joaquim de Oliveira. Antes destes, essas terras pertenceram a Manoel dos Reis de Araújo e Antônio Pedro de Mendonça. Os limites entre as fazendas gêmeas do Retiro e Barra do Retiro foram motivo de controvérsias por muito tempo. Segundo Emboaba da Costa, esta linha divisória ficou esclarecida, em 1895, pelo engenheiro Dr. José Montuoro, em seu memorial referente ao sítio “Morrinhos dos Catetos”: “separava-se a Fazenda do Retiro, da Barra do Retiro, por uma linha reta que, partindo da ponta do morro do Cipó (com certeza, o espigão divisor de águas entre os córregos do Tanquinho e do Retiro Saudoso, à direita da atual Av. Francisco Junqueira, direção bairro-centro) ia atingir o Córrego do Retiro e, ultrapassando este,

33 34

Autos da divisão Judicial da Fazenda do Retiro. Cartório do 1 Ofício de Casa Branca, m.182, c. AC-1856. Autos da divisão Judicial da Fazenda do Retiro. Cartório do 1 Ofício de Casa Branca, m.182, c. AC-1856.

169


terminava no Ribeirão Preto, descia por este Ribeirão abaixo, até a barra do córrego do Laureano”.35 Outras fazendas que fizeram parte do município de Ribeirão Preto tiveram grande importância para a origem de sua formação fundiária e demográfica. Vejamos algumas delas:

2.6. Fazenda Cabeceiras do Ribeirão Preto Através das pesquisas de Roberto Vasconcelos Martins realizadas no cartório do 2 Ofício de Casa Branca, podemos verificar que, no âmbito geográfico mais próximo a Ribeirão Preto, apenas esta fazenda, que deveria se estender para os lados de Bonfim Paulista, e a dos Cravinhos, não tiveram suas origens ligadas à família Reis de Araújo. Importante documento (Cartório do 2º Ofício de Casa Branca, caixa 539) que ele encontrou no referido cartório esclarece as origens das terras situadas nas Cabeceiras do Ribeirão Preto. Trata-se da descrição dos bens de raiz no inventário de Domingos Borges da Costa, falecido sem testamento na então freguesia de São Simão.36 Essas terras têm sua origem nas posses de Manoel Luís da Silva e sua mulher, que as venderam em 01.06.1832 por 140$000 para Manoel Jacinto de Lima e sua mulher. Este novo proprietário talvez possa ser identificado como “Manoel Jacinto”, natural de Baependi, sul de Minas, casado com Joaquina Maria e que foram recenseados em Casa Branca nos anos de 1825, 1826, 1827 e 1829. Manoel Jacinto e sua mulher efetuaram a venda das mesmas terras em 31.06.1839, por 300$000 para Lino Antônio de Araújo e sua mulher. Estes últimos, em 29.11.1840, as venderam também pelo mesmo preço para José Borges da Costa e este, em 19.07.1843, transferiu-a, por 1.000$000 para seus irmãos Domingos Borges da Costa (três quartas partes) e Antônio Borges da Costa (uma quarta parte). No inventário de Domingos, em 1846, a fazenda foi avaliada em 2.000$000, pertencendo ao espólio 1.500$000, e a Antônio Borges da Costa, 500$000.37

COSTA, op.cit., p.25, nota 5. Pesquisa de Roberto Vasconcelos Martins. Inventário de Domingos Borges da Costa. Cartório do 2 Ofício de Casa Branca, c. AC-1853-1859. 37 Pesquisa de Roberto Vasconcelos Martins. Inventário de Domingos Borges da Costa. Cartório do 2 Ofício de Casa Branca, c. AC-1853-1859. 35 36

170


Outros proprietários da Fazenda Cabeceiras do Ribeirão Preto, conhecida mais tarde como Boa Vista do Ribeirão Preto e Cantagalo, foram José Teodoro de Faria, José Antônio Pinto, Antônio da Cunha e Antônio Joaquim Nogueira. Fabrício Alves da Cunha chegou a adquirir grande parte dela, mas a transmitiu a Tomás da Cunha Bueno em 1872. Sua viúva, Delfina da Cunha Bueno, requereu a sua divisão em 1885 e, nesta época, eram vinte e oito condôminos, entre os quais: 1. Joaquim Feliciano Dias da Costa; 2. Luís Pereira Barreto; 3. Antônio Joaquim da Cunha; 4. Porfírio José Nogueira; 5. Ana Teodora do Nascimento; 6. Joaquim Inácio da Costa e outros.38

2.7. Fazenda do Tamanduá Seu mais antigo proprietário conhecido é Manoel Francisco Borges, irmão de José Borges da Costa, que vendeu parte dela à Joaquim José Ferreira, já presente nas listas nominativas de Casa Branca desde 1826, muito provavelmente já residindo na sua fazenda do Tamanduá.39 Manuel Francisco Borges deixou outra parte por herança a seus filhos que a venderam aos requerentes de sua divisão judicial em 1891, entre os quais Antônio Cabral de Melo. A Fazenda Tamanduá tinha nos seus limites: ao norte, a Fazenda das Posses e a dos Cravinhos, a oeste a Fazenda Cantagalo (Cabeceiras do Ribeirão Preto); e ao sul, as Fazendas do Pântano e Bocaina.

2.8. Fazenda Figueira/Esgoto Já tivemos oportunidade de falar sobre a Fazenda da Figueira, célulamater para o povoamento da região de Ribeirão Preto. Foi, no entanto, a partir

Divisão Judicial da Fazenda Cabeceiras do Ribeirão Preto. Pesquisa de Roberto Vasconcelos Martins (texto datilografado) e COSTA, op.cit., p.29-30, nota 5. 39 SÃO PAULO. Arquivo Público do Estado. Maços de população. Casa Branca, 1826, ordem 123, lata 123. 38

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de sua divisão judicial, iniciada em 1848 e encerrada dois anos depois, que foi desmembrada a Fazenda do Esgoto que, então permaneceu indivisa com os seguintes condôminos: 1. Alexandre Antunes Maciel e seus filhos; 2. Sebastião Antônio Pereira e seus filhos; 3. órfãos de José Luciano dos Santos Júnior; 4. José Luís dos Santos; 5. Sebastião da Silva; 6. José da Silva Neiva. Alexandre Antunes Maciel foi um dos que doaram uma pequena parte de suas terras na Fazenda do Esgoto para a formação de um patrimônio eclesiástico, em 1852, vinculado a outras doações na vizinha Fazenda das Palmeiras. Em 1891, a Fazenda do Esgoto foi judicialmente dividida por requerimento de Tibério Augusto Garcia de Sena e sua mulher, Deolinda Franco. Desta divisão, resultou a origem de outras fazendas, como a das Águas Claras, cuja divisão foi requerida em 1899 por Luís Gomes do Val; a da Barra da Figueira, nas duas margens do ribeirão do mesmo nome, cuja divisão foi requerida pelo mesmo e a fazenda Barra do Esgoto, dividida por José Honório Ferreira em 1896.40 Tibério Augusto Garcia de Sena, o fundador de um dos mais antigos bairros de Ribeirão Preto - a Vila Tibério - era filho de Bernardino José de Sena e Bárbara Maria, estes listados no Censo de Minas, Distrito de Cana Verde, termo da vila de Lavras, em 1831. Bernardino era caixeiro por profissão e tinha dois filhos à época: Valentim com um ano e Cândido com nove. Tibério estava em Descalvado em 1865, quando foi escolhido secretário da Câmara local. Aparece em Ribeirão Preto, em 1878, na Lista de Qualificação de Votantes, então com 35 anos. Deve ter nascido, portanto, por volta de 1843. A partir de 1877 já aparecem filhos seus batizados em Ribeirão Preto: Lincoln, em 17.07.1877; Tibério, 10.10.1878; Itagiba, em 06.03.1881; Godofredo, em 07.10.1882; Ludmila, em 22.02.1885; Tancredi, em 1886; Mário, em 25.09.1887 e Gracco, em 19.07.1889. Deolinda Franco era filha do Cel. João Franco de Moraes Octávio, neta

40

Divisão Judicial da Fazenda do Esgoto, 1891. Cartório do 2 Ofício de Ribeirão Preto, 1891, c. 3-A.

172


paterna de André Bueno de Moraes que possuía sua propriedade no Laureano em 1878, quando então tinha 58 anos. Deolinda faleceu em 1900 e seu inventário está arquivado no 2º Ofício Cível de Ribeirão Preto, caixa 18.

2.9. Fazenda dos Cravinhos Os autos da divisão judicial da fazenda Figueira nos informam que a fazenda Cravinhos era, primitivamente, extensão da própria Fazenda do Retiro, pertencente aos descendentes de Matheus dos Reis. Não sabemos a que título, mas provavelmente através de escritura particular de compra e venda, José Antônio Pereira sucedeu aos herdeiros do Capitão Matheus José dos Reis, nas terras da fazenda dos Cravinhos. José Antônio Pereira veio a falecer, sem testamento, em setembro de 1851, sendo inventariado a partir de 07-07-1852 na fazenda denominada “Posses”, no distrito de São Simão, e município da vila de Casa Branca, residência da inventariante, a viúva meeira, Maria Madalena de Jesus. Com a partilha no inventário, constituiu-se a comunhão sobre a fazenda dos Cravinhos, ficando como herdeiros, além da esposa, os filhos de José Antônio Pereira que são os seguintes: 1. José Antônio Pereira, nascido provavelmente em 1806, solteiro em 1853; 2. Manoel Antônio Pereira, nascido provavelmente em 1820, casado com Maria do Carmo de Jesus; 3. Joaquim Antônio Pereira, nascido provavelmente em 1823, casado com Teresa Felisbina de Jesus; 4. Maria Umbelina, casada com Joaquim Borges da Costa, seu primo, com quem teve os seguintes filhos: 1.

2.

Maria Joaquina de Jesus, nascida provavelmente em 1841, casada com Antônio Cassiano de Salles. Tiveram, pelo menos, dois filhos: 1. Maria, batizada em 23.03.1860; 2. Ana, batizada em 21.10.1862. Francisco Borges da provavelmente em 1843;

Costa,

nascido

173


3. Ana Maria da Trindade ou Ana Joaquina Borges, nascida provavelmente em 1845 e que se casou com Camilo Evangelista de Oliveira; tiveram, pelo menos, três filhos: 1. José, batizado em 24.03.1872; 2. Ana, batizada em 08.06.1874; 3. Joaquim, batizado em 19.06.1875. 4. Rita Maria Porcina, batizada em 07.11.1847, que se casou com Francisco José Pereira; 5. Francisca, batizada em 13.12.1849 e falecida ainda jovem, em 1862; 6. Domingos, nascido provavelmente em 1853 e falecido ainda criança, em 1855; 7. João Borges da Costa; 8. Joaquim Borges; 9. Maria Luiza. 5. Francisco Antônio Pereira, nascido provavelmente em 1824, casado com Francisca Cândida das Dores, com quem teve pelo menos três filhos: 1. Manoel, batizado em 25.10.1845; 2. José, batizado em 18.07.1847; 3. Venerando, batizado em 17.06.1849. Se não for homônimo, pode ter se casado uma segunda vez com Ana Maria, com quem teve mais uma filha, de nome Maria, batizada em 01.11.1852. 6. Domingos José Pereira, nascido provavelmente em 1830, casado com Constância Maria de Jesus; 7. Bárbara Maria de Jesus, nascida provavelmente em 1833, casada com Antônio Fernandes dos Reis (provavelmente primeiro marido de Francisca de Paula Borges, irmã de José Borges da Costa, ou homônimo); tiveram um filho, pelo menos: 1. Maria, batizada em 12.03.1848. 8. Ana Pereira de São José, nascida provavelmente em 1834, ainda solteira em 1852; 9. João Antônio Pereira, nascido provavelmente em 1836, já casado em 1852;

174


10. Daniel Antônio Pereira, nascido provavelmente em 1840. Roberto Vasconcelos Martins ainda pesquisou diversas outras fazendas da área entre os Rios Pardo e Moji-Guaçu. Entre elas: Água Branca, Águas Claras, Baixão, Bananal, Boa Vista, Bocaína, Bom Jardim, Bom Sucesso, Cachoeirinha, Caçador, Contendas, Cravinhos, Lageado, Posses, Prata, Serra Azul, Serrinha e várias outras. 3. AS PRIMEIRAS FAMÍLIAS

3.1. Reis de Araújo Esta família é, sem dúvida alguma, a primeira que tem seu nome ligado ao povoamento inicial da área de Ribeirão Preto. Contribuiu diretamente para a sua formação fundiária primitiva, em uma disputa judicial contra os Dias de Campos, de Batatais. Foram os proprietários titulares da área, onde hoje se assenta o núcleo urbano, mas tudo indica que sua presença física ali no alvorecer da comunidade, foi modesta e de pouca repercussão, seja porque boa parte de seus membros continuou residindo em Batatais, seja porque rapidamente suas imensas glebas de terra foram transferidas a outras pessoas pelos mais diversos processos de sucessão. João dos Reis de Araújo foi o primeiro que conhecemos desta família, era nascido em Pindamonhangaba, requereu e obteve sesmaria no Caminho de Goiás em 1733 (ver relação de sesmarias do sertão que apresentamos antes). Foi casado com Maria Peralta, nascida na freguesia de Nossa Senhora da Conceição dos Carijós (atual Conselheiro Lafaiete, em Minas). Identificamos nos assentos de batismo e casamento das freguesias de Mojiguaçu41 e nos censos de Mojimirim vários de seus filhos e descendentes;42 1. Rui de Araújo, casado com (sic) Dias de Siqueira, filha de Domingos Dias de Siqueira e Maria Vieira, entre abril e junho de 1739; é citado na Genealogia de Silva Leme; 2. Ignácio Reis de Araújo, nascido em Taubaté ou em Pindamonhangaba, casado com Ana de Souza, nascida em Jacareí, filha

FRANCA. Arquivo Histórico Municipal. Assentos de batismo e de casamento de Mojiguaçu 1737-1775 (Transcrição de Adriano Campagnole e publicação de Roberto Vasconcelos Martins). 42 SÃO PAULO. Arquivo Público do Estado. Maços de população de Mojiguaçu, 1765-1813. Ordem e lata 114, 116, 116-A, 117 e 118. 41

175


de José de Souza Vasconcelos e Maria Alvarenga (estes, moradores no Bonsucesso de Pindamonhangaba) em 08.01.1739; Ana de Souza fora casada antes com Manoel Ribeiro Aranha, português; filhos de Ignácio e Ana: 1. Gertrudes de Souza, casada com Domingos da Silva Lisboa em 08.08.1763 em Mojiguaçu; Domingos é citado nos censos de 1783 nas Pederneiras e nos de 1786 e 1791 no Cercado; ela faleceu em 1778; filhos deste casal: 1.

Manoel, nascido em 1767;

2.

Antônio, nascido em 1769;

3.

José, nascido em 1772.

2. Lino dos Reis, casado com Isidória Nunes em 10.11.1763 em Mojiguacu, moradores por longo período no Caminho de Goiás, de quem já falamos antes; não deixou descendência; 3. João dos Reis Araújo (o mesmo nome do avô) casado com Tereza Nunes em 19.01.1774 na matriz de Mojiguaçu. 3. Ana Brito de Jesus, casada com Inácio Vieira (Barros e) Fajardo que obteve sesmaria no Itupeva (Caminho dos Goiases) em 1728; obteve outra na paragem do Mato Grosso e Ribeirão do Cercado (tambem no Caminho dos Goiases), em 1733, no mesmo dia (23.07) em que seu sogro João dos Reis de Araújo obteve também a sua, certamente contígua; filhos desse casal: 1. João Vieira de Araújo, casado com Ana Rodrigues em 14.05.1752 no sitio do Pouso Alegre; ela, filha do Capitão Francisco Vieira da Costa e Antônia Rodrigues de Jesus, ambos portugueses da Ilha Terceira; ele estava em Jacuí, em 1765, pois neste ano, encontramos escravos seus sendo enterrados aí, de acordo com os assentos de óbitos dessa antiga freguesia. 2. Ana Leme da Silva casada com Francisco Vieira em 02.07.1760, no Desemboque; ele, filho do Capitão Francisco Vieira da Costa e Antônia Rodrigues de Jesus, citados acima; 3. Maria do Rosário de Jesus casada com José Vieira da Costa em 04.06.1754, filho do Capitão Francisca Vieira da Costa e Antônia Rodrigues de Jesus; portanto, três irmãos de uma família casados com três irmãos de outra família. Ana Brito de Jesus casou, pela segunda vez, com Manoel Ribeiro

176


Aranha, português, viúvo de Maria Teixeira. 4. Maria da Anunciação, casada com João Lopes da Cunha em 16.05.1752; 5. Francisca Pires de Jesus (dos Reis Araújo), casada com Luiz de Siqueira Gil; seus filhos foram: 1. Salvador de Siqueira Gil casado com Martinha Rodrigues de Jesus em 02.07.1760 no Desemboque; ela, filha do Capitão Francisco Vieira da Costa e Antônia Rodrigues de Jesus, já citados; seus filhos: 1. João, batizado em Jacuí em 1766, sendo padrinhos seus avós paternos, Francisco Vieira da Costa e Francisca Pires de Jesus; 2. Isabel, batizada em Jacuí, em 23.01.1769. 2. Manoel de Siqueira Gil, nascido em Pindamonhangaba, casado com Ana Maria Rodrigues de Jesus em 11.05.1752 no sitio do Pouso Alegre, pertencente ao Sargento-mor Francisco da Rocha Abreu, junto às Pederneiras; ela, filha do Capitão Francisco Vieira da Costa e Antônia Rodrigues de Jesus, já citados; seus filhos: 1. Maria Rodrigues (que aparece nos censos entre 1791 e 1822) que se casou com José Alves da Silva, família de grande importância no povoamento do sertão do Rio Pardo e que será ainda estudada; 2. Ana, falecida em Jacuí, certamente ainda jovem, em 01.02.1762; 3. Ana (outra do mesmo nome), batizada em Jacuí, em 23.01.1769; 4. Joaquim, batizado em Jacuí em 04.06.1770. Francisca Pires de Jesus casou-se em segundas núpcias, com o Capitão Francisco Vieira da Costa, viúvo de Antônia Rodrigues de Jesus e futuro sogro de seus filhos, em 24.04.1738 ou 19.05.1739. A partir de então, tivemos os vários casamentos entre filhos das duas famílias - Reis de Araújo e Vieira da Costa -, o que vimos acima. Desse segundo casamento, identificamos uma filha do casal, de nome Quitéria, batizada em Jacuí no mesmo dia do seu segundo casamento.

177


6. Antônio José dos Reis Araújo, casado com Gertrudes Maria, aparece em vários censos, como o de 1786, 1791 e 1794 quando era morador no Rio das Pedras (Caminho de Goiás); aparecem ainda no censo de Franca de 1814, ele com 55 anos e ela com 60, tendo dois agregados, Rita com 70 anos e Ana com 16 e duas escravas, Luciana e Teresa; 7. Timóteo dos Reis Araújo, nascido em Pindamonhangaba ou em Taubaté, casado entre abril e junho de 1750 em Mogi do Campo com Rita da Anunciação Vieira (às vezes aparece Rita de Jesus Vieira), nascida em Nossa Senhora da Conceição dos Carijós (atual Conselheiro Lafaiete, em Minas), filha do Capitão Francisco Vieira da Costa e Antônia Rodrigues de Jesus; filhos deste último casal foram: 1. Antônio dos Reis de Araújo, batizado em Jacuí em 10.05.1765, casado com Mariana Alvares de Oliveira, filha de José Álvares de Oliveira e de Tereza da Cunha; ele é citado na Genealogia Paulistana de Silva Leme, como tendo nascido em 1795, mas deve ser equívoco, a não ser que seja ainda outro seu irmão citado por Silva Leme como José Antônio de Araújo; 2. Francisca Brígida da Assunção, nascida em Mojiguaçu e casada com Manoel da Costa Maldonado em 04.10.1777 em Jacuí; ele, filho de João da Costa Maldonado e Francisca Correa Barbosa; Isoldi descobriu quatro filhos deste casal; 3. Maria Vieira de Araújo, nascida em Mojiguaçu e casada com João Rodrigues da Silva em Jacuí em 07.01.1769; ele, filho de Antônio Rodrigues Moreira e Ana Maria da Silva; tiveram um filho: 3.1. Felisberto, batizado em Jacuí em 09.06.1772. 4. Manuel José dos Reis Araújo, nascido em Jacuí, casado com Maria Madalena de Jesus, nascida em Congonhas do Campo, Minas Gerais; os filhos deste último casal foram justamente os irmãos Reis, Matheus, Vicente, Manoel, Bárbara e Ana Rosa, considerados os primeiros povoadores da área do Ribeirão Preto a partir da década de 1820. Manuel José dos Reis de Araújo faleceu entre 6 e 20 de junho de 1802 e seu inventário teve início em 26.09.1805 no sítio dos Batatais. Faleceu sem testamento e deixou uma posse na paragem denominada São João, com uma capoeira de uma quarta de planta de milho, com rego d’água tirada no valor

178


de 30$000 e ainda um casal de escravos. É provável que este seu pequeno patrimônio fosse localizado na região de Jacuí, onde temos o rio São João, antiga área de mineração explorada pelo seu pai em conjunto com outros pioneiros. Foram seus filhos: 1. VICENTE JOSÉ DOS REIS O mais velho da família, batizado em 13.08.1789, no sítio dos Batatais, casado com Maria Silvéria da Anunciação, em data incerta. É citado nas listas de população de Casa Branca em fogo próprio desde 1814. O nome de sua mulher aparece neste censo de diversas formas: Maria Bezerra, Maria Paes, Maria Silveria. Na lista de 1816, não aparece a esposa, apenas um agregado, José Alves, provavelmente seu primo. Já na lista de 1817, já aparece um filho de um ano, Manuel. Conforme o inventário de Joaquim Bezerra Paes Cavalcanti, pesquisado por Eduardo Dias Roxo Nobre em Casa Branca, o nome correto da sua mulher é Maria Silvéria Anunciação Bezerra, filha do inventariado e de sua mulher, Maria Francisca do Espírito Santo. Vicente José dos Reis volta a aparecer no censo de São Simão, de 1835,43 qualificado como branco, livre, sendo ferreiro e lavrador por profissões, tendo produzido naquele ano 6 carros de milho e 8 alqueires de feijão. Consta ainda que ele sabia ler e escrever e que possuía um casal de escravos africanos. Seus filhos: 1. Manuel (dos Reis Araújo), nascido em 1816 ou 1817, ou ainda, conforme Isoldi, em 1819; falecido, provavelmente solteiro, em 1845; 2. Matheus dos Reis de Araújo, batizado em Batatais em 17.11.1822 e casado com sua prima Ana Maria Luíza em 25.10.1843, em São Simão; ele faleceu em 16.01.1861 e seu inventário está no cartório do 1º Ofício de Ribeirão Preto, caixa 1; foram seus filhos: 1. Inácia Carolina Teodora dos Reis, batizada em 13.04.1845, casada com Manuel Silva e Souza, filho de Antônio Silva e Souza; seus filhos: 1. Francisco, batizado em 22.05.1870;

43

SÃO PAULO. Arquivo Público do Estado. Maços de População de São Simão, 1835. Ordem 123, Lata 123.

179


2. Ana, batizada em 15.04.1875; 3. Brazilina, batizada em 14.07.1879; 4. Francisca, batizada em 10.07.1883. 2. Maria Carolina, casada com Antônio Ferreira Gandra em 13.12.1861 e falecida em 20.12.1892; ele nascido em 28.02.1829 em Jundiaí, filho de Felisberto Ferreira Gandra e Ana da Silva Prado (ou Ana Francisca da Silva) e falecido em 31.03.1888; seus filhos: 1. Ovídio, batizado em 15.06.1873; 2. Euclides, batizado em 13.10.1875; 3. Crescêncio, batizado em 10.11.1878; 4. Augusta, batizada em 23.08.1881; 5. Felisberto, casado com Maria Brandina dos Reis; 6. Plácido; 7. Olímpio, casado com Maria Pereira do Carmo; 8. Olídia, casada com Adolfo Alves Ferreira; 9. Manoel, batizado em 22.11.1877; 10. Antônio, batizado em 29.09.1889 (verificar). 3. Maria Eugênia, casada com José Ferreira da Rocha, filho de Cristino Antunes Maciel; seus filhos: 1. Matheus, batizado em 22.11.1871; 2. Maria, batizada em 12.08.1877. 4. Firmina Carolina, batizada em 20 de novembro de 1856, casada com Francisco Marques Viana; seus filhos: 1. Maria, batizada em 12.08.1873; 2. José, batizado em 13.03.1876; 3. Francisco, batizado em 09.06.1878. 5. Cândida Carolina dos Reis (conforme Isoldi, Leopoldina e não Carolina) casada com Inocêncio Antônio de Almeida em 18.08.1865; 6. Manuel Sabino dos Reis, batizado em 23.04.1861, casado com Salviana Maria de Jesus em 01.12.1877; ela, filha de Francisco de Paula Martins e Maria Teodora de Jesus; 7. Sabina Carolina, batizada em 23.04.1861, casada com Libânio Ferreira de Andrade em 15.07.1879; ele, filho de Vicente José

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Ferreira e Mariana de tal; filha deste casal: 1. Maria, batizada em 13.06.1880. 3. Claudina Maria (do Nascimento), batizada em 19.03.1825 em Batatais e casada com Antônio José Teixeira Júnior (apelidado de Carvalhinho) em 26.07.1840, em Casa Branca; ele era filho de Antônio José Teixeira de Carvalho e Ana Bárbara de Oliveira, nascido e batizado na Vila de Bonfim da cidade de Goiás; seus filhos: 1. Antônio José Teixeira, casado com Maria das Dores Carneiro Terra; 2. Maria Francisca das Dores Terra, casada com João Evangelista Terra; seus filhos: 1. Francisco, batizado em 09.06.1878; 2. José, batizado em 08.07.1881; 3. Olívia, batizada em 19.08.1882. 3. Elisa Malvina (Teixeira). 4. Ana, batizada em 12.04.1819 em Batatais, sendo padrinhos Matheus José dos Reis e Maria Francisca do Espírito Santo, sua avó; deve ter falecido jovem, pois não aparece no inventário de seu pai em 1835; 5. Ana (a segunda deste nome) batizada em 22.04.1821 em Batatais; foram seus padrinhos Manoel José dos Reis e Maria Madalena, mulher de Antônio Alves da Silva; deve ter falecido jovem também. Vicente José dos Reis, com seus irmãos se apossaram, a partir de 1832, da imensa gleba de terras, onde se assenta a cidade de Ribeirão Preto, entrando em litígio com Hilário Dias Campos e seus irmãos que também tinham pretensões de domínio na área. Vicente faleceu em Batatais em 1835, deixando de herança terras nas Fazendas Braço Direito do Ribeirão Preto ou Laureano, Ribeirão Preto Abaixo ou Pontinha, Retiro e Barra do Retiro. Seu inventário correu em Mojimirim, em 1839, sendo inventariante a sua esposa e está no cartório do 1º Ofício, caixa 196. 2. MATHEUS JOSÉ DOS REIS Nasceu no sítio dos Batatais em 21.09.1792 e casou-se em Franca, em 04.02.1814, com Prudência Maria de Jesus, natural de São Bento do Tamanduá (atual Itapecerica, Minas Gerais), filha de Manuel Bernardes do Nascimento e

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Liberata Joaquina da Purificação, entrantes mineiros, pioneiros na formação da freguesia de Batatais, em 1815, conforme pesquisa de Wanderlei dos Santos. Outra filha de Manuel e Liberata, também chamada de Liberata, foi esposa de Bento Barbosa de Magalhães, um dos pioneiros na formação de Cajuru. Matheus aparece em todas as listas de população de Batatais. Já era alferes em 1822 e já havia conseguido a patente de capitão em 1834, chegando a ser comandante da 3ª Companhia da Guarda Nacional de Batatais. Em 1829, registrou seu ferro de marcar gado em Franca e, na ocasião, declarou que era possuidor de 120 reses na fazenda Mata do Rio Pardo.44 Muito provavelmente, sua fazenda localizava-se às margens do Rio Pardo, lado norte, próximo à confluência do Ribeirão do Tamanduá, do lado sul, onde sua mãe e seus irmãos possuíam a Fazenda da Figueira. Junto com eles, o Capitão Matheus tentou se apossar das terras vertentes do Ribeirão Preto e do Córrego das Palmeiras, o que deu origem a uma demanda judicial com a família Dias Campos, também de Batatais, entre 1834 e 1846. Seus filhos45: 1. José Matheus dos Reis, batizado em 15.10.1815 em Batatais, casado com Honorina Maria Joana; foi quem fez a primeira doação de terras para o patrimônio da capela de São Sebastião das Palmeiras em Ribeirão Preto em 1845; filhos deste casal: 1.

Matheus José dos Reis, casado com Maria Silvéria Soares Ferreira; esta era, provavelmente, parente da segunda esposa de seu avô, o Capitão Matheus, Libânia Soares Ferreira; filho deste casal: 1. Hipólito José dos Reis, nascido em 1846 e casado com Eugênia Alexandrina da Silva; seu filho: 1. João, batizado em 08.07.1890.

2. Maria Anselma dos Reis, casada em 03.02.1869 com Bernardo Dias do Nascimento, filho de Antônio José Dias e Maria Cândida Dias; seus filhos: 1. Mariana, batizada em 07.05.1871; 2. Maria, batizada em 07.03.1880;

FRANCA. Museu Histórico Municipal José Chiachiri Filho. Livro de assentamentos de gado, da Câmara Municipal de Franca, 1825-1836, v.58, c.11. 45 Libelo Civel de Esbulho de Terras, 1834. Cartório do 2 Ofício de Casa Branca, m. 131, c. AC-1834. 44

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3. José, batizado em 05.11.1881. 3. João Urias dos Reis, nascido em 1847, casado com Maria Lourenço de Jesus, em 24.02.1874. Ela era filha de Antônio Pinto Moraes e Francisca Brígida do Carmo. João Urias ficou viúvo em 06.04.1878 e casou-se novamente em 29.09.1878 com Maria Patrocínia de Jesus, filha de José Patrocínio da Silva e Maria Batista de Jesus. Tinha sua propriedade na fazenda do Ribeirão Preto Abaixo, onde foi listado como eleitor em 1878. Parece que não teve filhos do primeiro casamento, mas do segundo, identificamos dois: 1. Maria, batizada em 24.02.1883; 2. Virgínia, nascida em 1892 e falecida em 1894. José Matheus dos Reis faleceu em 10.08.1868 de “inflamação do fígado” e foi enterrado no cemitério da capela de São Sebastião do Ribeirão Preto (que ficava na atual Praça XV). Honorina ainda vivia em 1875, pois neste ano, em 19 de setembro, um escravo seu de nome Francisco faleceu com 50 anos de picadas de formiga (!). 2. João Matheus dos Reis, batizado em Franca em 09.05.1814 e falecido em 29.01.1816 em Batatais; 3. Francelina Maria Teodora, batizada em 01.11.1819, sendo seus padrinhos o Capitão Carlos Barboza de Magalhães e Antônia Joaquina; casou-se com Miguel Bezerra dos Reis, seu primo em primeiro grau, filho de Joaquim Leonardo Bezerra e Ana Rosa de Alexandria (Reis de Araújo); seus filhos: 1. José, batizado em 08.05.1847 e casado com Ana Maria da Luz; identificamos uma sua filha: 1. Maria, batizada em 28.12.1872. 2. Henrique Bezerra dos Reis, batizado em 10.07.1850 e casado com Francisca Maria de Oliveira, falecida em 24.08.1880; seus filhos: 1. Ana, batizada em 08.01.1870 e falecida em 28.01.1870, de “inflamação”; 2. Carolina, batizada em 20.07.1872;

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3. Maria, batizada em 16.06.1875; 4. Maria, batizada em 18.02.1879; 5. Manoel, batizado em 18.02.1879, gêmeo da anterior; 6. Ana, falecida em 28.02.2876 com 6 anos. Henrique casou-se pela segunda vez com Eufrasina Maria das Dores em 22.11.1880. Ela era filha de Cypriano Bezerra da Silva e Flauzina Maria dos Reis, sendo seus avós paternos Joaquim Francisco da Silva e Maria Flauzina Bezerra e seus avós maternos, João Valério Moraes e Claudina dos Reis. 3. Manoel Bezerra dos Reis, que se casou com Alexandrina Bezerra dos Reis, filha de Manoel Bezerra dos Reis e Maria Flauzina. Manoel, marido de Alexandrina, faleceu em 26.12.1870; Alexandrina faleceu em 19.12.1888 e seu inventário está no Cartório do 1º Ofício de Ribeirão Preto, caixa 9; identificamos como seu filho: 1. Miguel Bezerra dos Reis, casado com Eufrosina Maria Bezerra dos Reis, filha de Laureano Vieira e Ana Delfina (Flauzina) Bezerra (do primeiro casamento desta); seus filhos: 1. Paulina Eufrozina (ou Flausina) de Jesus, casada com Venâncio José dos Reis Júnior (batizado em 20.03.1858) em 02.08.1879; ele era filho de Venâncio José dos Reis com sua primeira mulher, Maria Tereza de Jesus; Paulina Eufrosina (ou Flausina) faleceu em Ribeirão Preto, à Rua Lafaiete nº 26, em 03.09.1946; foram seus filhos: 1.

José Venâncio dos Reis, natural do Estado do Rio de Janeiro, casado com Laurinda Vilela (de Andrade) dos Reis, esta natural de Serra Azul, nascida em 1898, filha de Boaventura Vilela e Maria Vilela dos Reis. Laurinda faleceu em 01.02.1930, e que tiveram os seguintes filhos (primeiras núpcias de Laurinda): 1.

184

Licolina Vilela dos Reis Alves, nascida 1914, casada com Waldemar Alves,


residentes em Araçatuba; 2.

Leonidas Vilela dos Reis, nascido em 1917, solteiro em 1946, residente em Araçatuba;

3.

Laudo Vilela dos Reis, nascido em 1919, solteiro em 1946, residente em Araçatuba.

Jose Venâncio dos Reis foi batizado em 19.06.1886 e faleceu em 14.03.1919. Laurinda casou-se em segundas núpcias com Antônio Quintino de Oliveira, com quem teve dois filhos: 1.

Odette e

2.

Boaventura.

2. Malvina Amália dos Reis, nascida em 1896, casada com Osório Vilela de Andrade, ainda viviam em 1946 e residiam à Rua Lafaiete, nº 26 em Ribeirão Preto. (APHRP, (1. Venâncio, batizado em 25.12.1881; 2. Maria, nascida em 1884, sendo seus padrinhos Francisco José dos Reis e Alexandrina Bezerra dos Reis; 4. Venâncio, batizado em 12.08.1888, e 5. Durvalina, falecida em 11.02.1901.) 2. Maria Teodora Bezerra, casada em 29.01.1875 com Luiz Gonzaga Bezerra dos Reis, filho de Severino Bezerra dos Reis e Maria Bernardina de São José. Venâncio José dos Reis se casou pela segunda vez com Alexandrina Bezerra dos Reis, portanto, sogra do seu filho Miguel Bezerra dos Reis. Luiz Gonzaga era carpinteiro e foi listado como eleitor em 1878, então com 26 anos. Morreu cem 1894 e seu inventário está no cartório do 2º Ofício de Ribeirão Preto, caixa 15. Maria Teodora faleceu em 28.10.1892 e seu inventário está no cartório do 1º Ofício de Ribeirão Preto, com um espólio de 33.850$000 e

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terras na Fazenda Santo Antônio da Boa Vista. Seus filhos: 1. Flauzina, batizada em 11.06.1876 e falecida em 09.02.1878; 2. Senhora, batizada em 25.12.1877; 3. Nestor, batizado falecido ainda criança;

em

12.09.1879,

4. Maria, batizada em 19.11.1881 e falecida em 30.01.1882; 5. Severino, batizado em 08.01.1883; 6. Alexandrina, batizada em 19.06.1885, já falecida em 1892; 7. Luiz, batizado em 26.07.1885. 3. Brazilina Bezerra dos Reis, casada em 03.11.1877 com Manoel Alves dos Reis, filho de José Celestino dos Reis e Ana Ismenia Vilella; seus filhos: 1. José, batizado em 16.11.1879; 2. Francisca, batizada em 21.08.1887. 4. Eduardo, nascido em 10.02.1856; 5. Prudência Maria Teodora, casada com José Garcia Bezerra em 20.01.1867, filho de Joaquim Bezerra dos Reis e Jacinta da Fonseca. 4. Ananias José dos Reis, batizado em 19.03.1821 e casado com Francisca Bernarda do Nascimento. Ela faleceu em 05.10.1878 e ele em 25.08.1879. O inventário (acompanhado de testamento) de Ananias foi concluído em 1883, e pode ser encontrado no APHRP, Cartório do 1 Ofício, maço 517-A. Foi um inventário tumultuado e que provocou diversas disputas e impugnações. Alguns herdeiros chegaram a pedir a substituição do Tenente Isaías José Ferreira, seu genro, como inventariante, alegando que este desaparecera com documentos fraudulentamente e fizera descabíveis despesas com o funeral. Ananias deixou terras na Fazenda do Ribeirão Preto Abaixo (a antiga Pontinha) que recebeu de herança de seu pai, o Capitão Matheus e de sua segunda esposa, Libânia Soares Ferreira, no valor de 1.500$000 e outras terras nas Palmeiras, compradas do mesmo. Deixou três filhos herdeiros:

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1. Genoveva Maria do Nascimento, casada com o Tenente Isaías José Ferreira, que foi o inventariante; seus filhos: 1. Francisca, batizada em 05.11.1876; 2. Antônio, batizado em 08.06.1879; 3. José, batizado em 13.02.1881. 2. Francisca Joana Nepomuceno, casada com Manoel Antônio da Cunha, falecida em 04.01.1882, com 40 anos de idade; seus filhos: 1. João, batizado em 30.05.1880 e falecido em 08.07.1880; 2. Ermenegildo, batizado em 01.05.1870; 3. Francisca, batizada em 10.12.1877. 3. Maria Bernardina dos Reis, casada com João Antônio da Cunha (deve ser irmão de Manoel Antônio da Cunha, casado com a irmã de Maria Bernardina, Francisca). Os bens de Ananias que foram inventariados alcançaram a fabulosa cifra de 52 contos de réis e podem ser assim divididos: 11 escravos

-

10.300$000

Terras

-

18.915$000

Móveis

-

536$000

Dívidas Ativas

-

23.015$770

Monte-mor

-

52.817$270

Ananias residia na Fazenda da Prata, distrito e termo de Cajuru. Deixou 50 mil réis para matriz de São Bento de Cajuru e 50 mil réis para a capela de Nossa Senhora do Rosário, também em Cajuru. 5. Matheus José dos Reis, nascido em 1823 (sem maiores informações, pode ter falecido muito jovem); 6. João, batizado em 09.03.1817 em Batatais, sendo seus padrinhos Vicente José dos Reis e Liberata Joaquina; deve ter falecido jovem. A primeira mulher do Capitão Matheus José dos Reis, Prudência Maria de Jesus, faleceu em 1835, em Batatais. Pelo seu inventário que correu em

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1839 e que está no cartório do 1º Ofício de Batatais, caixa 134, processo nº 1824, soubemos que ele possuía terras nas Fazendas Ribeirão Preto Abaixo ou Pontinha e Bonsucesso do Rio (sic) Preto (provavelmente, outro primitivo nome da Fazenda Laureano) em sociedade com seu irmão Vicente, ambas em litígio com Dias Campos; e nas Palmeiras, estas também em litígio com a mesma família. O Capitão Matheus faleceu em 1843 em Batatais, deixando viúva sua segunda mulher, Libânia Soares Ferreira com dois filhos menores, Francisco nascido em 1839 e José, em 1841. Seu inventário correu em Batatais, estando arquivado no Cartório de 1º Ofício, na caixa 69, maço 1024. No seu inventário, nada consta de propriedades ao sul do Rio Pardo, mas apenas algumas poucas terras na freguesia de Batatais e em Uberaba, Minas.

3. MANUEL JOSÉ DOS REIS Nasceu, provavelmente em 1801, e casou-se com Maria Felizarda em data incerta. Não aparece em fogo próprio nas listas populacionais de Casa Branca que se iniciam em 1814, mas é citado no censo de São Simão, em 1835, quando foi qualificado como branco, com profissão de negociante (provavelmente de carros de boi), tendo naquele ano o rendimento de 50$000, sabia ler e escrever e possuía dois escravos, Francisco com 16 anos e João com 20 anos. Nessa época, muito provavelmente, morava na Fazenda da Figueira. Tiveram três filhos: 1. Ana Maria Luíza, nascida em 1829 e casada com seu primo Matheus dos Reis Araújo em 25.10.1843, tendo os filhos citados anteriormente; 2. Maria Teodora de São José, nascida em 1837 e casada com Joaquim Venâncio Martins,46 nascido em 1832. Ele era filho de José Venâncio Martins, nascido em 1803, e Ana Lipordina de Ávila, nascida em 1807. José Venâncio, que parece ser o patriarca de numerosa família originária da região de Alfenas (Minas), e Ana aparecem no censo de São Simão de 1835, residindo no Ribeirão da Prata. Maria Teodora faleceu “morfética” em 26.07.1876. A família Venâncio Martins, entrelaçada com os Reis de Araújo, ainda estava na

46

SÃO PAULO. Cartório do 1º Ofício de Mogimirim, op.cit., nota 29.

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Fazenda da Figueira por volta de 1878, pois vários de seus membros aparecem no censo eleitoral de São Simão daquele ano. Espalharam-se por Serrana e Serra Azul, entrelaçando-se com os descendentes de Manoel Fernandes do Nascimento, mineiro de Itajubá e um dos pioneiros na formação da freguesia e da vila de São Sebastião do Ribeirão Preto. Joaquim Venâncio Martins casou pela segunda vez com Maria Lázara de Jesus, sem descendência, e faleceu em 1883. Seu inventário está no cartório do 2º Ofício de Ribeirão Preto, na caixa 6A. Identificamos dez filhos deste casal (parece que vários deles residiram em Jaboticabal): 1. Balbino Venâncio Martins, nascido em 29.07.1857, que se casou com Maria Vicência de Jesus e teve um filho que identificamos: 1. José, batizado em 03.09.1876. 2. Ana, batizada 11.01.1860; 3. Maria, batizada em 26.11.1871; 4. Lázara; 5. Maria das Dores; 6. Renascimento; 7. João; 8. Lázaro, falecido aos 15 anos em 26.07.1882; 9. Delfina, falecida aos 25 anos em 15.05.1885; 10. Martimiano Venâncio Martins. 3. Felisbino, batizado em 19.12.1824; deve ter falecido muito novo, pois não aparece no inventário do pai em 1839. Manuel José dos Reis faleceu sem testamento, em 1839, na Fazenda da Figueira, deixando cinco escravos e terras “além do Ribeirão da Figueira” (muito provavelmente incorporadas depois à Fazenda do Retiro por José Borges da Costa que se casou com a sua viúva) e outras terras na Fazenda da Figueira. As terras alem do ribeirão da Figueira estavam na época em litígio com a família Dias Campos, apesar de seu inventário não fazer referência a isso. Apesar de citado no libelo cível de esbulho de terras pelos irmãos Dias Campos, tudo indica que ele não tivesse participação direta naquela demanda junto com seus irmãos, pois, em seu inventário de pouco tempo depois, estando aquelas terras em litígio, não havia nelas propriedades suas. Seu inventário correu em 1839 e está no cartório do 1º Ofício de Mojimirim, caixa 167. 4. BÁRBARA MARIA GERTRUDES

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Batizada em 21.10.179547 e casada com Antônio Bezerra Cavalcanti, filho de Joaquim Bezerra Cavalcanti e Maria Francisca do Espírito Santo. Voltaremos a eles, quanto tratarmos da família Bezerra Cavalcanti (descendência na página 220).

5. ANA ROSA DE ALEXANDRIA Nascida em 15.06.1798,48 casada em primeiras núpcias com Joaquim Leonardo Bezerra, da família Bezerra Paes Cavalcanti, de origem pernambucana, que ainda estudaremos com mais detalhes adiante. Seus filhos do primeiro casamento foram os seguintes: 1. Miguel Bezerra dos Reis, nascido em 1822 e casado com sua prima em primeiro grau Francelina Maria Teodora, filha do Capitão Matheus José dos Reis e Prudência Maria de Jesus; sua descendência está estudada adiante (Francelina Maria Teodora); 2. Manoel Bezerra dos Reis, batizado em 19.07.1822, em Batatais, sendo seus padrinhos o capitão Matheus José dos Reis e sua mulher em 1846, já era casado (conforme pesquisa de Isoldi) com Maria Flausina dos Reis (Casa Branca, inventário e testamento de Joaquim Bezerra Paes Cavalcanti, Cartório do 2º Ofício, caixa 15-18-1845); seu filho: 1. Joaquim, nascido em 01.02.1850. 3. Carolina Maria Bernardina, que se casou com seu primo Joaquim Bezerra dos Reis, batizado em 19.07.1822, em Batatais, sendo seus padrinhos Vicente José dos Reis e Ana Jacinta; tiveram, pelo menos, os seguintes filhos: 1. Maria, batizada em 12.11.1856 e que se casou com Francisco Carlos de Jesus, em 24.01.1880; ele era filho natural de Jerônima Maria de Jesus; 2. Manoel Bezerra dos Reis, batizado em 28.12.1859 e que se casou com Maria José das Dores, em 09.12.1882; ela era filha de Domingos José de Oliveira e Porfíria Prudenciana de Jesus.

FRANCA. Arquivo Municipal. Assentos de batismo e de casamento de Mojiguaçu, 1737-1775. (Transcrição de Adriano Campagnole e publicação de Roberto Vasconcelos Martins). 48 FRANCA. Arquivo Municipal. Assentos de batismo e de casamento de Mojiguaçu, 17371775. (Transcrição de Adriano campagnole e publicação de Roberto Vasconcelos Martins). 47

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Joaquim Leonardo Bezerra faleceu em 1838. Seu inventário encontrase em Batatais, no Cartório do 1º Ofício, caixa 120, processo nº 1566. Ana Rosa de Alexandria casou-se, pela segunda vez, com Francisco Gonçalves Manço, este já viúvo de Justina Rosa (conforme Censo de Casa Branca, 1822), sem deixar descendência. Francisco registrou seu ferro de marcar gado em 1829 na Câmara de Franca, em suas três propriedades localizadas nas Fazendas do Araraquara, do Barreiro e do Sapucaí. Faleceu em 1867, conforme a lista de qualificação de eleitores de São Simão. Ana Rosa faleceu em 1849 e seu inventário encontra-se também em Batatais, no Cartório de 1º Ofício, caixa 1, processo 1. 6. ANTÔNIA Batizada em 28.06.1808, filha de Maria Madalena de Jesus com seu segundo marido, José Manuel de Siqueira. Foi casada com Joaquim da Silva e Souza. Aparecem no Censo de Casa Branca entre 1822 e 1829. Neste último ano, tinham um filho: 1. José com 6 anos. Antônia faleceu em 1857 e seu inventário encontra-se no Cartório de 1º Ofício em Batatais, caixa 37, processo 566. O inventário de seu marido encontrase também no Cartório de 1º Ofício em Batatais, caixa 10, processo 117.

3.2. Borges da Costa José Borges da Costa, uma das figuras mais irriquietas no alvorecer de Ribeirão Preto. Seu nome se liga, inquestionavelmente, às suas origens e aparece inúmeras vezes na documentação. Mas existe um cuidado a tomar pelo pesquisador: quase todos os Borges da Costa se chamavam José ou Antônio. Tios, pais, filhos, sobrinhos eram quase todos José. Quem primeiro se dedicou ao estudo de José Borges da Costa e sua família foi Ibiapaba Martins, em um artigo publicado na Revista do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo,49 sob o título “Borges e Oliveiras na

49

Os dados biográficos de José Borges da Costa, aqui transcritos, baseiam-se In: MARTINS, Ibiapaba. Borges e Oliveiras na história de Ribeirão Preto. Revista do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo, São Paulo, v. 1.79, p. 211-233, 1984.

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fundação de Ribeirão Preto”. Mas quem esmiuçou sua genealogia foi o Monsenhor José do Patrocínio Lefort, ilustre pesquisador de Campanha, sul de Minas. José Borges da Costa era filho de outro do mesmo nome. Vamos identificá-lo como José Borges da Costa, o pai, batizado em Campanha aos 20 de abril de 1766, filho legítimo de Domingos Borges da Costa, natural de São Pedro do Ateí, Arcebispado de Braga, Portugal, e de sua mulher Madalena Cardoso, natural da freguesia de Aiuruoca, em Minas. Avós paternos de José Borges da Costa, o pai, foram Antônio Borges da Costa e Maria Gonçalves, também de Portugal; seus avós maternos, Manoel Vaz Guimarães, da vila de Guimarães, freguesia de São Tomé da Avação, Arcebispado de Braga, e Antônia Cardoso, da freguesia da Piedade, bispado de Sam Payo da Moreira dos Conegos. Um filho deste Manoel Vaz Guimarães, com o mesmo nome do pai, portanto, primo do José Borges da Costa, o filho, nascido de Campanha, transferiu-se para o Caminho de Goiás, onde viveu próximo ao sitio do Cubatão, casado com Joana Pires Cordeiro, filha de Geraldo Pires de Araújo e Bárbara Fernandes, primeiros povoadores da região de Cajuru. Manoel e Joana aparecem nos Censos de 1790 a 1799 e tem seus filhos ali batizados. Por aí se vê que a vinda de gente do sul de Minas para o interior paulista já é do final do século XVIII. Um bisneto daquele Antônio Borges da Costa, o Alferes Manuel Borges da Costa, veio a se casar com Ana Francisca de Jesus, neta de Júlia Maria da Trindade, uma das lendárias “Três Ilhoas”. Por aí, vemos o entrelaçamento dos Borges da Costa com as famosas irmãs portuguesas que vieram para Minas no início do século XVIII e deixou enorme descendência no sul de Minas e interior de São Paulo.50 José Borges da Costa, o pai, casou-se aos 17.01.1793, na matriz da Campanha, com Ana Maria da Trindade, filha legítima de Sebastião Francisco Pereira, nascido na freguesia de Guaratinguetá, bispado de São Paulo, e de Maria Guedes de Gusmão. Em 1824 e em 1825, alguns membros dessa faília moravam em Ouro Fino, no bairro São Paulo. Em 1830, a família morava em Cajuru, SP, e em 1831, em Bom Jesus da Cana Verde (Batatais), conforme os censos de Ordenanças, cf. Revista ASBRAP, ano 2000, nº 7, p. 249. Seu filho mais velho foi justamente o José Borges da Costa, de grande importância para as origens de Ribeirão Preto, citado em Silva Leme

50

GUIMARÃES, José Roberto. As três ilhoas. In: MARTINS, Roberto Vasconcelos (Org.). As três ilhoas. São Paulo: SCP, 1993, p. 235.

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simplesmente como José Borges, batizado aos 20 de outubro de 1793 na matriz da Campanha. Ainda no sul de Minas, casou-se em 1820, com Maria de Nazareth, nascida em 1802, natural de Aiuruoca, filha do Capitão Manuel Moreira da Costa com sua segunda esposa, Perpétua Maria de Jesus, filha de João Pereira da Costa e Úrsula Maria. Esses autênticos “entrantes” saíram de suas terras no sul de Minas, ainda na década de 1820. José Borges da Costa, o pai, é citado, pela primeira vez, no censo de Casa Branca, em 1825. Vinham carregando escravos e pertences, acompanhados da filharada numerosa, em que havia alguns casados e outros, solteiros. Encontramos José Borges da Costa, o filho, mencionado nas listas nominativas do Censo de Casa Branca em 1827 e 1829.51 Vários de seus irmãos são ali mencionados. Ibiapaba Martins descobriu o inventário de José Borges da Costa, o pai (Cartório da Sétima Comarca da Imperial Cidade de São Paulo), dando início a uma série de esclarecimentos sobre esta família. O andamento rápido do inventário era exigido por José Borges da Costa, o filho, em 05.04.1842, com uma denúncia contra seu irmão, o inventariante, Manuel Francisco Borges, que estava de posse dos bens e protelava a partilha por estar interessado em deles desfrutar.52 Consta desse inventário que o velho José faleceu na sua Fazenda Águas Claras, no distrito de São Simão, em 1835, e sua mulher, Ana Maria da Trindade, em 1838. Eram herdeiros nesse inventário de 1836: 1. José Borges da Costa, o filho, do qual ainda muito falaremos; 2. Manoel Francisco Borges, o inventariante, batizado em 11.12.1795 em Campanha, e casado com Maria Antônia dos Santos. Roberto Vasconcelos Martins pesquisou a descendência de Manoel Francisco Borges através de seu inventário que está no cartório do 2º Ofício de Casa Branca, caixa 55-6. Manoel e Maria Antônia aparecem no Censo de Casa Branca em 1829. Em 1835, são também listados no Censo de São Simão. Tiveram dez filhos seguintes: 1.

Ana Inácia Borges, nascida em 1822, casada com Antônio Joaquim de Oliveira; foram seus filhos:

SÃO PAULO. Arquivo do Estado. Maços de População de Casa Branca, 1825, 1827 e 1829, Ordem e Lata 123. 52 Inventário de José Borges da Costa, o velho. In: MARTINS, op.cit., p. 214-215, nota 49. 51

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1. Maria, batizada em 11.01.1845; 2. Francisca, batizada em 17.08.1846; 3. Rita, batizada em 21.01.1849; 4. Ana, batizada em 24.11.1850; 5. Manoel, batizado em 19.08.1852; 6. Lina, batizada em 19.10.1854; 7. Maria, batizada em 14.03.1860; 8. Maria, batizada em 18.08.1861; 9. José, batizado em 16.11.1862; 10. Honório, batizado em 30.05.1863. 2. Maria Inácia Borges, nascida em 1823, casada com Antônio Borges da Costa, seu primo; seu filho: 1. Jeremias, batizado em 10.06.1849. 3. José Bernardino Borges, nascido em 1827, já casado em 1852, quando do inventário de seu pai; 4. Francisco Inácio Borges, nascido em 1828, ainda solteiro em 1852, quando do inventário de seu pai; 5. Domingos, nascido em 1829, faleceu antes de seu pai; 6. Maria Vitória Borges, nascida em 1831, casada com Joaquim Antônio Barreto (em outros documentos, Bastos em vez de Barreto); 7. Maria Constância Borges, nascida em 1833, casada com José Vicente Rosa; 8. Maria Umbelina, nascida em 1834; 9. Antônio Borges, nascido em 1838; 10. Manoel Borges, nascido em 1840, já falecido em 1852. Manuel Francisco Borges ainda aparece na lista eleitoral de São Simão em 1847, residindo no 8º quarteirão. Faleceu em 18-02-1851, com testamento datado de 06-02-1851 na vila de Casa Branca. Seu inventário teve início em 12-07-1852 na fazenda denominada “Prata”, na freguesia de São Simão, município da vila de Casa Branca, sendo inventariante a viúva meeira, Maria Antônia dos Santos. A divisão judicial da fazenda Águas Claras foi requerida em 1914, quando então suas terras foram partilhadas entre dezenas de sócios.

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3. José Antônio Pereira, por cabeça de sua mulher Maria Madalena de Jesus,53 já citados anteriormente, pois foram os requerentes da divisão judicial da Fazenda da Figueira e proprietários da Fazenda dos Cravinhos, cujas origens foram pesquisadas por Roberto Vasconcelos Martins; 4. Antônio Garcia Duarte, alferes, por cabeça de sua mulher, Ana Victória de São José; aparecem no Censo de São Simão de 1835, residindo no quarteirão do Ribeirão da Prata. Antônio Garcia Duarte era natural de Aiuruoca, filho de José Garcia (este natural da ilha do Fayal, filho de Antônio Garcia e Maria Josefa, falecido no Garambeo em 01.05.1768. Este Antonio Garcia era filho de Francisco Rodrigues e Francisca Garcia, moradores da ilha do Fayal) e de sua segunda esposa Maria do Rosário. Sua primeira esposa foi Maria das Neves Freitas. Este casal morou em Pouso Alegre (MG), São Simão e Casa Branca, onde ele foi vereador à primeira Câmara Municipal (op. cit. p. 250. In revista ASBRAP, nº 4, de 1997, José Fernando Cedeno de Barros). Foram seus filhos: 1. Tenente-Coronel José Garcia Duarte, o futuro Barão de Franca, nascido em 08.11.1824 (ou 04.11.1824) em São Miguel do Cajuru (Arcângelo-MG) que se casou com Ana (ou Bernardes? ou Cândida?) Costa Junqueira em 12.06.1853 e com quem teve duas filhas, pelo menos: 1. Firmina Garia Duarte que se casou com Luciano Vieira Santiago em 23.07.1873; ele era filho de Roque Fortes Vieira. A descendência completa de Firmina pode ser encontrada na obra “Família Junqueira: sua história e genealogia”, volume 3,, de José Américo Junqueira de Mattos, entre as páginas 1163 a 1167, publicado pela Editora Família Junqueira; e 2. Inácia Garcia Duarte, nascida em Franca em 1859, casou-se em Franca no dia 29.07.1875 com o seu parente Cap. Antônio Flávio Martins Ferreira. Sua descendência pode ser encontrada entre as páginas 1033 e 1041, volume 2 de “Família Junqueira: sua história e Genealogia”, de José Américo Junqueira de

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Daí, concluímos que o principal posseiro de Figueira, José Antônio Pereira, era cunhado de José Borges da Costa.

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Mattos, publicado pela Editora Família Junqueira. Ana Cãndida Junqueira faleceu em 29.10.1872 na fazenda Bebedouro, na localidade do mesmo nome, em São Paulo. José Garcia Duarte casou-se novamente com Maria Amélia Antunes (ou Araújo? Ou de Vaz Simão?) Pinheiro (natural de Ibiraci-MG, antiga Dores do Aterrado, filha de Nicolau Tolentino de Vaz Simão e de Maria Rita Carolina Vaz Simão), a Baronesa de Franca, sem deixar descendentes. José Garcia Duarte recebeu o título de Barão da Franca em 19.11.1888. Ele faleceu em Franca em 09.02.1891. 2. Francisco Garcia Duarte, que se casou com Luiza Maria da Fonseca, deixando enorme descendência; foram seus filhos: 1. 2.

José, batizado em 08.02.1842; Antônio, batizado em 09.08.1844;

3. 4. 5.

Maria, batizada em 24.08.1845; Anna, batizada em 05.08.1847; Floriana, batizada em 07.05.1849.

3. Carolina Garcia Duarte, que se casou com Joaquim Garcia Duarte, seu primo; foram seus filhos: 1. José, batizado em 07.05.1848; 2. Firmino, batizado em 10.03.1850; 3. Maria, batizada em 22.12.1850. 4. Maria Victória Garcia Duarte Oliveira, que se casou com Manoel Joaquim de Oliveira. Este foi seu segundo casamento, pois antes ele fora casado com Maria Luiza de Souza aos 09.06.1808, em Ouro Fino (Minas). Com esta, teve um filho, Luiz Antônio de Oliveira que foi casado com Maria Umbelina Nogueira, filha de João Nepomuceno Terra e de Hipolita Joséfina Nogueira de Barros. Leonor Nogueira Terra, quarta esposa de José Borges da Costa, é irmã de Umbelina; filha de Maria Victória e Manoel: 1. Emília Garcia Duarte Oliveira Martins que se casou com Francisco de Paula Martins; seu filho: 1. João de Oliveira Martins, nascido em 03.04.1870, casou-se com Emilia, filha de Francisco Antônio de Oliveira e Maria Luiza

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de Oliveira. 5. Antônio Fernandes dos Reis, por cabeça de sua mulher, Francisca de Paula Borges. Aparecem no censo de São Simão de 1835, residindo no quarteirão do Ribeirão da Prata. Antônio Fernandes dos Reis deve ter nascido por volta de 1814; 6. Domingos Borges da Costa, batizado em Campanha em 01.03.1807, o mesmo que foi proprietário da Fazenda Cabeceiras do Ribeirão Preto, a partir de 1843; ele se casou com Ana Constância do Nascimento com quem teve um filho único: 1. Domingos Borges da Costa, nascido em 1845, casado com Inácia (ou Antônia) Marfísia do Rosário, falecida em Ribeirão Preto em 25.09.1924 (nota no Diário da Manhã, de 27.09.1924, p. 6); ele ou um homônimo seu era fiscal da Câmara Municipal de Ribeirão Preto em 1888; filhos deste casal: 1. Silvério, batizado em 26.06.1871; 2. Balbino, batizado em 04.01.1873; 3. José, falecido em 05.03.1875, com um dia de nascimento; 4. Antônia, batizada em 25.06.1879; 5. João, batizado em 23.07.1882. Inácia faleceu em Ribeirão Preto em 25.09.1924 (nota no Diário da Manhã, de 27;09.1924, p. 6). Domingos Borges da Costa faleceu em 14.12.1845, sem testamento, sendo inventariado a partir de 13.07.1846, na fazenda “Cabeceiras do Ribeirão Preto”, distrito da freguesia de São Simão, e município da vila de Casa Branca, em cujo cartório do 2º Ofício, caixa 53-9 encontra-se o referido inventário. Foi inventariante a viúva meeira, Ana Constância de Jesus (ou do Nascimento). 7. Manuel Teodoro dos Reis, por cabeça de sua mulher, Mariana Felisbina de Jesus (batizada em Campanha, em 27/10/1809, op. cit., p. 250); 8. Antônio Borges da Costa que, juntamente com seu irmão Domingos, foi proprietário da Fazenda Cabeceiras do Ribeirão Preto; ele aparece na lista eleitoral de 1847 de São Simao, residindo no 8º quarteirão; 9. Joaquim Borges da Costa, casado com Lina Honorata de Oliveira; tiveram vários filhos, a saber: 1. José Borges da Costa, batizado em 25.08.1859 em Sertãozinho, casado com Maria das Dores Lima em

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24.02.1879; ela, filha de Amâncio José de Lima e Teodora Maria de Jesus; 2. Joana de Oliveira, casada com Manoel Nazareth de Azevedo Filho, seu primo porque filho de Manoel de Nazareth Azevedo e Purcina Maria Perpétua; 3. Francisco Borges da Costa; 4. Maria Joaquina (de Jesus) Borges, casada com Antônio Cassiano de Salles; tiveram uma filha: 1. Ana, batizada em 21.10.1862. 5. Rita Borges, casada com Francisco Pereira; 6. Ana Joaquina Borges, casada com Camilo Evangelista de Oliveira; tiveram três filhos: 1. José, batizado em 24.03.1872; 2. Ana, batizada em 08.06.1874; 3. Joaquim, batizado em 19.12.1875. 7. João Borges da Costa; 8. Joaquim Borges; 9. Maria Luiza. O inventário de Joaquim Borges da Costa está no cartório do 1º Ofício de Ribeirão Preto, caixa 1878. José Guimarães, na Revista da ASBRAP, nº 7, de 2000, p. 250 cita outros filhos de José Borges da Costa e Ana Maria da Trindade: 1- Honória Lúcia de São José, batizada em Campanha em 30/08/1802. Ela faleceu entre 1836 e 1842, tendo sido casada com José Luiz de Araújo. Deixou um filho com o nome de José Honório de Araújo, e 2- Francisco Borges, batizado em Campanha em 05/10¹804. Estava em Ouro Fino em 01/12/1825, sendo padrinho de batismo juntamente com sua mãe Ana Maria da Trindade. Não aparece nos censos paulistas nem no inventário de seus pais. Acreditamos que Ana Maria da Trindade com alguns de seus filhos esteve em Ouro Fino por pouco tempo, em casa de parentes, durante a mudança da família da região de campanha para a região de Casa Branca e Batais, e eu acrescento, São Simão.

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JOSÉ BORGES DA COSTA, O FILHO, E AS ARTIMANHAS DOS INVENTÁRIOS Acompanhar este José nas suas andanças, casamentos, inventários e estripulias é reconstituir uma verdadeira epopéia no limiar da história daqueles vastos sertões, a começar pelos seus casamentos que foram quatro. Da primeira vez, casou-se com Maria de Nazareth, de quem já falamos; da segunda vez, com Maria Felizarda, viúva de Manuel José dos Reis, de quem já falamos também; da terceira, com Ana Flauzina, obscuro consórcio que só agora descobrimos e, finalmente, com Leonor Nogueira Terra, filha de outro entrante mineiro, João Nepomuceno Terra, que madrugou nas terras do Tamanduá, com sua mulher Hipólita Joséfina Nogueira de Barros. José Borges da Costa, o filho, é citado no Censo de São Simão, de 1835, como morador no quarteirão do Tamanduá. Tinha então 46 anos, era branco, livre, brasileiro, negociante, possuía onze escravos, era casado com Maria de Nazareth. José Guimarães in Revista da ASBRAP, nº 7, de 2000, pp. 250 e 251, afirma que ela era natural de AIuruoca, filha de Manoel Moreira da Costa e de Perpétua Maria de Jesus, e que se casaram cerca de 1820. Ele tinha quatro filhos, a saber: 1. Francisco Borges da Costa, nascido em 1823 (ou 1821, cf. José Guimarães, op. cit. parágrafo anterior) e que vai se casar com Maria Inácia de Oliveira; o casal vivia em São José do Rio Preto em 1868, quando do inventário de seu pai; tiveram os seguintes filhos: 1. Inácio, batizado em 19.03.1848; 2. Rita, batizada em 06.08.1849; 3. Maria, batizada em 01.06.1850. 2. Antônio Borges da Costa (ou do Nascimento), nascido em 1827 e que vai se casar com Luiza Maria de Oliveira, filha de Manoel Joaquim de Oliveira e Maria Luiza de Souza com quem terá os seguintes filhos: 1. Manuel Borges de Oliveira, nascido em 1848 e que se casou, em 31.07.1868, nada menos, com a viúva de seu avô paterno, José Borges da Costa, Leonor Nogueira Terra, como ainda veremos; 2. Maria Luiza de Oliveira, batizada em 20.01.1848, casada com Francisco Antônio Oliveira, proprietário de terras na Fazenda Retiro; ele era filho de Antônio Joaquim de Oliveira e (Ana Barbosa) Maria Luíza de Jesus (e neto paterno do Capitão Manuel Joaquim de Oliveira e Maria

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Luísa de Jesus, op. cit. ibidem). Residiam em Cajuru em 1868, quando do inventário de José Borges da Costa; seus filhos: 1. Luiza, batizada em 30.07.1867; 2. Emília, batizada em 03.04.1870, e que se casou com seu primo, João de Oliveira Martins, filha de Emília Garcia Duarte de Oliveira Martins; 3. Antônio, batizado em 20.09.1872. 3. Antônio, batizado em 01.08.1856; 4. Maria, batizada em 29.07.1857. (Antônio Borges da Costa faleceu em Casa Branca em 1865). Luiza Maria de Oliveira casou-se segunda vez com José Pedro Alves. 3. Pulcina Maria Perpétua que vai se casar com Manuel de Nazareth Azevedo (sua descendência será estudada na Família Nazareth Azevedo); 4. Maria (das Dores, com 12 anos em 1842. Nâo figurou no censo de São Simão de 1847, o que pode indicar casamento ou morte). Na verdade, conhecemos a história de José Borges da Costa principalmente através dos inventários, de que foi, ora beneficiário, ora vítima. Através do inventário de seu pai, sabemos das disputas com seu irmão Manuel “que se achava de posse dos bens e se oculta e ainda pretende atrapalhar tudo, possuído de ambição cega”55 que o levava a desrepeitar as ordens e citações. Foi pedido então o sequestro de todos os bens da herança. O sequestro foi determinado pelo juiz e, só então, Manuel se moveu. Seu juramento, como inventariante, foi prestado na Fazenda Águas Claras, distrito de São Simão, sendo descritos os bens, entre os quais terras e diversos escravos de nação e crioulos. Também foi dito que os genros do velho José receberam dote e, portanto, deveriam trazer bens à colação. Fizeram-no em face da inconformidade do inventariante, mas de maneira a provocar profundas divergências entre os herdeiros, com impugnações, acusações e injúrias. Até um escravo serviu para atiçar a briga. Chamava-se Antônio e se encontrava em

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Inventário de José Borges da Costa, o velho. In: MARTINS, op.cit., p. 214-215, nota 49.

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poder de Antônio Garcia Duarte. Dizia José Borges da Costa que o escravo, avaliado em 100$000, pertencia ao espólio. Depois de muito papel, a pretensão deste foi, afinal, repelida e o escravo ficou com Garcia Duarte. A primeira mulher de José Borges da Costa, Maria de Nazareth, faleceu em 1837 e seu inventário foi aberto no Juízo de Órfãos da Vila de Mojimirim, sendo ele mesmo o inventariante e meeiro.56 Ela faleceu na fazenda da Figueira, ainda indivisa. Numerosos bens vieram à colação: terras, escravos, móveis, animais, etc. O que valia mesmo naquela época eram terras e escravos. Mais estes que aquelas. Vejamos: Um cavalo castanho mascarado foi avaliado pela metade do preço do crioulinho Domingos. Um poldro castanho por 20$000. Outro por 10$000. Duas juntas de boi foram avaliadas por 40$000 e 45$000. Uma vaca chamada Farofa alcançou 15$000. As duas partes de terras da Fazenda Figueira, com terras de cultura, campos de criar, casa coberta de telhas, monjolos, gramados, arvoredos de espinhos foram avaliadas em 3.400$000. Já sabemos que, viúvo, José Borges da Costa casou com outra viúva, Maria Felizarda que fora esposa de Manuel José dos Reis. Ela pouco tempo carpiu a morte do marido, pois ele faleceu em janeiro de 1839 e já em novembro do mesmo ano já tinha se casado com José Borges da Costa. Este foi inclusive, seu inventariante, havendo duas herdeiras “de menor idade”, Ana e Teodora. José Borges da Costa ampliou ainda mais seus domínios. Sobre esta transmissão de herança já discorremos anteriormente,57 quando focalizamos a formação fundiária de Ribeirão Preto. Resta lembrar que Manuel José dos Reis, além de deixar terras, móveis, animais, pertences diversos, deixou cinco escravos, sendo três do sexo masculino e dois do sexo feminino. Outro inventário de que José Borges da Costa teve participação, atuando também como inventariante foi o de Maria Madalena de Jesus, mãe dos irmãos Reis, falecida em novembro de 1838.58 Este inventário e o de Manuel José dos Reis correram paralelamente, pois o primeiro teve início em 14 de novembro de 1839 e o segundo em 18 de novembro de 1839. Não foram relacionados bens de raiz no espólio, pois, ainda em vida, como já vimos, ela havia deixado todas as suas terras que possuía na Figueira para os filhos.

Inventário de Maria de Nazareth. Cartório do 1 Ofício de Mojimirim, 1837, m. 144. Inventário de Manuel José dos Reis. Cartório do 1 Ofício de Mojimirim, 1839, m. 167. 58 Inventário de Maria Madalena de Jesus. Cartório do 1 Ofício de Mojimirim, m. 145. 56 57

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Nos pertences diversos, deixados por Dona Maria Madalena, encontramos foices, tachos, fornos, machados, candeeiro, roda de fiar (ela era fiandeira), pratos, toalhas, balaios. Entre os bens de maior valor, muitas vacas, novilhas e dois escravos, estes avaliados por 140$000 e 750$000, respectivamente, o que correspondia a 90% do total do espólio. DECLÍNIO DOS REIS DE ARAÚJO E DESAVENÇAS FAMILIARES Por aí, vê-se que o grande domínio da família Reis de Araújo esvaiu-se rapidamente. E grande parte das suas terras foi parar nas mãos de José Borges da Costa, através dos mais diversos artifícios. Esta dilapidação não se fez sem muito ódio e desavenças. Exemplo disso foi a enraizada hostilidade de José Borges da Costa com Matheus dos Reis de Araújo, filho de Vicente José dos Reis, que se casara com sua prima e também enteada do próprio José Borges, Ana Maria Luíza. Em 1846, José Borges da Costa entrou em Juízo com uma queixa crime contra Matheus, acusando-o de tentativa de homicídio contra sua pessoa.59 Borges alega que Matheus foi até sua casa, armado, e tentou levar de lá a mulher e a filha que haviam ficado com a sogra dele, durante uma viagem que o mesmo fizera. Como a mulher não quis acompanhar o marido, este tentou usar da violência para tirá-la da casa de Borges, que interveio na discussão e levou um tiro de Matheus. O réu se defende, inclusive apresentando testemunhas e historiando bem os fatos. Acusa José Borges da Costa de usar de todas as pressões e artifícios para convencer a ele e a sua mulher de irem morar em sua casa, com o intuito de apoderar-se de seus bens. Como diz à folha 23 dos autos de recurso apresentado por Matheus “... sendo este homem de uma desvairada ambição, parece que até queria apoderar-se dos poucos bens que ele (Matheus) possuía por herança de seus pais”.60 Este processo crime arrastou-se no Juízo de Casa Branca por três anos e terminou com a vitória de Matheus. Mas as hostilidades não pararam por aí, e perduraram por alguns anos depois.

Autos do processo de José Borges da Costa contra Matheus dos Reis de Araújo. Cartório do 2 Ofício de Casa Branca, m. 155, c. AC-1846. 60 Recurso de Matheus dos Reis de Araújo contra a Justiça. Cartório do 2 Ofício de Casa Branca, m. 155, c. AC-1848. 59

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Já em 1843, encontramos José Borges da Costa participando como inventariante dos bens de Jerônimo Alves da Silva e de sua mulher Floriana Maria de Jesus. Em 1850, o juiz intima-o a devolver os bens que pertenciam aos dois herdeiros menores (Cartório do 2º Ofício, AC-1850, Casa Branca). Quando do falecimento da segunda esposa de José Borges da Costa, Maria Felizarda, em 1858, com testamento, e foi dado início a mais um inventário, houve grandes desavenças entre os herdeiros.61 Deste segundo casamento, José Borges da Costa não teve filho algum, mas os filhos do primeiro casamento da finada aparecem como herdeiros. À folha 28 dos autos, surge uma petição de Matheus dos Reis Araújo, não se conformando “com o estado atual do presente inventário por quanto faltam ser adscriptos e avaliados muitos bens”.62 Tratava-se de terras, casas, animais, quase todos citados de memória, culturas, cento e trinta capados gordos que o inventariante vendera ou doara, segundo a acusação. Igualmente, diversas dívidas, ao inventário, teriam sido sonegadas. Numerosos escravos teriam ficado indevidamente com o inventariante ou avaliados abaixo do valor real. Intimado, José Borges da Costa respondeu item por item. Quanto às terrras, afirmou que as chamadas da Barra do Retiro, limítrofes com as do Retiro, foram incluídas num só valor e avaliadas por 12.000$000. Os cavalos e éguas que faltavam tinham sido trocados ou morrido, os capados, vendidos, mas ainda faltava receber o pagamento, e assim por diante. O curador dos bens concordou com a pretensão dos herdeiros e considerou abusivas e escandalosas as avaliações. José Borges da Costa era, notoriamente, um homem bom de briga. Argumentou nulidades sobre o inventário, dizendo ser a Fazenda Pública interessada no caso e, não obstante, o coletor não fora ouvido. Além disso, fora nomeado como curador da Fazenda Pública Nacional Manuel de Nazareth Azevedo que era genro do próprio, pois casado com sua filha, Purcina Maria Perpétua. Denunciava ainda que o curador dos bens dos herdeiros menores de idade era o próprio coletor Ten. Antônio José Ferreira e que este não poderia aceitar a nomeação por ter que representar uma das partes contra a Fazenda Pública. E mais “ainda este mesmo e próprio curador dos legatários, esse mesmo procurador dos herdeiros é credor do inventário de não pequena quantia”.63 Houve réplica do coletor, novas denúncias e acusações à lisura do procedimento do inventariante até que os ânimos se acalmaram e os quatro

Inventário de Maria Felizarda, 1858. Apud: MARTINS, op.cit., p.224-225, nota 49. Idem. 63 Inventário de Maria Felizarda, 1858. Apud: MARTINS, op.cit., p.224-225, nota 49. 61 62

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maiores interessados, José Borges da Costa, Joaquim Venâncio Martins (por cabeça de sua mulher Teodora), Matheus dos Reis Araújo (por cabeça de sua mulher Ana) e Antônio José Teixeira Júnior, herdeiros e curador de duas herdeiras menores64 - que reservavam o direito de pugnar pelas vias ordinárias prescindem dos incidentes verificados e acordam na partilha. Esta, por sinal, foi bastante vantajosa para José Borges da Costa. Uma disposição de testamento de Maria Felizarda, que deixava para as obras do mártir São Sebastião de Ribeirão Preto a quantia de 400$000, tornou possível iniciar os trabalhos de construção da capela. Em 26 de agosto de 1861, o fabriqueiro Manuel Fernandes do Nascimento recebeu de José Borges da Costa 360$000, não antes de muitas protelações e rusgas. No entanto, a construção da capela teve início somente em1865. Viúvo recente de Dona Maria Felizarda, o nosso José Borges da Costa já estava novamente casado com Ana Flausina do Carmo. Descobrimos no Arquivo do 1 Ofício do Fórum de Casa Branca um outro inventário que esclarece esta questão.65 Parece que este terceiro casamento não durou sequer dois anos, pois em 1860, ele já estava novamente viúvo. Tantos casamentos e inventários em sua vida nos sugerem que estes eram caprichosamente programados, tendo em vista a herança deixada e a possibilidade de acrescentar mais bens aos já tão vastos domínios. É que, em 1860, José Borges da Costa entrou com uma petição junto ao Juiz de Casa Branca a favor de sua filha, já órfã, Maria do Rosário Borges, alegando que a avó da menina, Dona Maria do Carmo, esbanjava e dilapidava os bens do monte que havia ficado do falecido seu marido, Joaquim José Ferreira, aproveitando-se que o inventário já se arrastava por dois anos. Joaquim José Ferreira é citado no Censo de São Simão de 1835, na sua fazenda, no Tamanduá. Faleceu em setembro de 1858. Pouco antes, José Borges da Costa casara-se com uma de suas filhas, Ana Flausina do Carmo, que veio a falecer antes do pai. Ana Flausina do Carmo era viúva de Manoel Joaquim dos Santos, rico fazendeiro na região de Águas Claras, procedente de Lavras (MG), citado nos

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Ibiapaba Martins é que pesquisou o testamento e o inventário de Maria Felizarda, encontrado no Cartório do 1º Ofício em Mogimirim. Ele não cita o nome dos dois herdeiros menores. Inventário de Joaquim José Ferreira. Cartório do 1 Ofício de Casa Branca, m. 42, c. AC1857-1858.

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Censos de Casa Branca em 1826 e em 1829 e no de São Simão em 1835, quando residia no quarteirão da Onça. O certo é que, quando o inventário se concluiu, a menina herdeira também havia falecido, e como seu representante, José Borges participa da partilha dos bens. Assim dizem os autos dos títulos dos herdeiros: “José Borges da Costa como representante herdeiro de sua finada filha de menor idade de nome Maria, representante que já estava nessa herança por sua mãe, Dona Flausina do Carmo, falecida antes do inventariado”.66 Ainda correndo esse inventário, do pai de sua terceira mulher, veio José Borges da Costa a contrair o seu quarto e último casamento, no início de 1860, com Dona Leonor Nogueira Terra, filha de João Nepomuceno Terra e de Dona Hipólita Joséfina Nogueira. O primeiro era entrante de Lavras, a segunda, descendente dos fundadores de Baependi (Minas). João Nepomuceno Terra é citado no Censo de São Simão, de 1835 na sua fazenda do Tamanduá, então com 40 anos, nessa época com oito filhos. Leonor devia ser a mais nova, pois ainda não aparece nesse censo. Esta teve com José Borges da Costa quatro filhos, a saber: 1. João Batista Nogueira (Borges), nascido em 24.10.1860 e batizado em 01.01.1861, casou-se com Maria do Carmo do Nascimento em 23.01.1883. Ela era filha de José Inácio da Silva Onça e Maria de Nazareth de Jesus. Maria do Carmo faleceu de parto em 19.05.1887 e seu médico, Dr. Joaquim Estanislau cobrou o valor do parto no inventário (Inventário no cartório de 1º Ofício de Ribeirão Preto, caixa 8). Este casal deixou quatro filhos: 1. José, nascido em 1884 e que deve ter falecido criança; 2. Luiz, batizado em 03.05.1885; 3. Antônio, nascido em 1886; 4. Hipólita Nogueira da Costa, batizada em 18.05.1887, casada com João Batista da Costa, com quem teve uma filha, Silvana da Costa Cardoso. Ele era nascido em Bonfim Paulista e contava com 78 anos, quando faleceu em 26.03.1943 na cidade de Itabapuã. Ele era irmão de Américo Batista da Costa e Joaquim Ignácio da Costa

66

Idem.

205


(nota do Dário da Manhã do dia 28.03.1943, p. 8). Ele teve um filho, chamado Joaquim, que faleceu em 06.09.1895, com dois anos e meio de idade. João Batista casou-se pela segunda vez, com Maria Úrsula Pontes, que já era viúva de Carlos Ferreira de Andrade, filha de Matheus Luiz de Pontes e Cândida Máxima de Jesus, neta materna de Antônio Maciel de Pontes e Sabina Alexandrina de Oliveira, fundadores do Sertãozinho. João Batista e Maria Úrsula não tiveram filhos e ele veio a falecer em 1898. Seu Inventário encontrase no Cartório de 2º Ofício de Ribeirão Preto, caixa 18. Mas, no testamento de sua mãe, consta que estava vivo em 1924. 2. João Borges Nogueira, nascido em 24.06.1861 e batizado em 29.07.1862, casou-se em 08.01.1881 com Henriqueta Maria do Nascimento, filha de José Dias de Oliveira e Marcolina Francisca do Nascimento; deixaram, pelo menos, dois filhos, a saber: 1. José Borges Nogueira, batizado em 30.10.1882; 2. Antônio Borges Nogueira, batizado em 20.07.1886; com 18 anos em 1903, casou-se com Francisca de Oliveira Pontes, de 14 anos; ela era filha de Inocêncio Maciel de Pontes e Maria Madalena Pontes, descendentes dos primeiros povoadores de Sertãozinho e Pontal; Antônio era, naquele ano, telegrafista em Ribeirão Preto, quando sua mãe ainda era viva. João Borges Nogueira faleceu em 29.01.1885 e seu inventário está no cartório do 2º Ofício de Ribeirão Preto, caixa 6. Henriqueta contraiu segundas núpcias com Joaquim Carlos Cardoso. Este foi casado pela primeira vez com Maria Joaquina. Um filho deste consórcio, Diogo Carlos Cardoso, foi negociante em Ribeirão Preto e aparece no primeiro censo do Império. Pai e filhos teriam chegados em Ribeirão Preto no final de 1875 e início de 1876 (1º Ofícoio Cível, Cx. 327-A). Diogo Carlos Cardoso é natural de Mojimirim. 3. Ana Zeferina Nogueira, batizada em 15.05.1864 com três meses de idade, casou-se, em 12.10.1878, com Domingos Pinto de Paula, filho de Domingos Dias Pinto e Francisca Carolina de Paula; tiveram, pelo menos, uma filha: 1. Etelvina, batizada em 12.08.1880 e já falecida em 1895.

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Em 1895, Ana Zeferina já falecera, depois de se casar novamente com Benedito Rodrigues do Prado Sobrinho. 4. Maria Josefina Nogueira, nascida por volta de 1866, casou-se, em 14.07.1879, com Domingos Martins Ribeiro, português, nascido por volta de 1858, filho de José Martins Poças e Antônia Rita Ribeiro Martins. Deste consórcio não houve descendência, conforme testamento de sua mãe em 1924. Domingos Martins Ribeiro reconheceu como filho natural a Henrique Martins Alves Ribeiro. Em 1910, Maria Josefina Nogueira Martins redigiu seu testamento (Cx 174-A, 1º Ofício Cível, APHRP), ainda com seu marido vivo. Residia na Rua do Comércio, 55, numeração antiga. Depois da morte de Domingos, o seu filho natural Henrique chegou a ser ameaçado de morte pelo avô que veio de Portugal para o Rio de Janeiro, como forma de pressão para que desistisse da herança do pai (Cx 201-A, 1º Ofício Cível). O quarto consórcio de José Borges da Costa durou cerca de quatro anos, pois ele veio a falecer, sem testamento, em 18 de Dezembro de 1867. Seu inventário passou a correr em 1868 e seus autos encontram-se no Arquivo do Cartório do 2 Ofício, em Ribeirão Preto.67 Uma fortuna de 33.952$200 em bens e mais 6.129$270 de dívidas a receber foi transmitida aos herdeiros do primeiro casamento, com Maria Nazareth de Jesus - Francisco Borges da Costa, Maria Pereira de Jesus e Antônio Borges da Costa - e mais os quatro filhos que teve do seu quarto casamento com Leonor Nogueira Terra e de que já falamos. Dentre os numerosos bens do espólio, encontramos os de maior valor, a saber: 21 vacas, 18 novilhas, 32 capados e porcas de criar, 18 escravos e cerca de dez fazendas, com destaque para partes na Fazenda do Ribeirão Preto, adquirida da meação da sua segunda esposa e avaliada por 6.000$000. Na Fazenda do Retiro, onde faleceu, deixou morada de casas cobertas de telhas, paiol, quintal, monjolo, arvoredo de espinhos (frutas cítricas), tudo avaliado em 500$000. São relacionadas, ainda, terras na Fazenda da Figueira, havidas por herança de seu sogro João Nepomuceno Terra, avaliadas em 200$000. Tinha 51 devedores e apenas 8 credores.

67

Inventário de José Borges da Costa. Cartório do 2 Ofício de Ribeirão Preto, 1868, c. 3B.

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O inventário de José Borges da Costa só se encerrou vinte anos depois, com o casamento que tornou um dos herdeiros maior de idade. Mas, em 1895, o inventário foi reaberto, a pedido de Dona Leonor, devido à necessidade de uma sobrepartilha de bens do espólio “que não foram adscriptos e avaliados na partilha principal”68 vinte e cinco anos antes. Para esta sobrepartilha, o Juiz lançou edital, citando herdeiros incertos. Os filhos e sucessores do primeiro casamento de José Borges da Costa já haviam se dispersado ou desaparecido por volta de 1895. Francisco já falecera, como também uma filha dele, de nome Maria, e ignorava-se quem deveria representá-los na transmissão do quinhão correspondente a 1.394$285. Antônio também já falecera, como ainda um de seus filhos, Manuel, restando a viúva Luísa Maria, já casada em segundas núpcias com José Pedro Alves e uma sua filha, Maria Luíza que levaram, cada uma, um quinhão de 697$142. Um filho de Dona Leonor, já falecido, João Borges Nogueira, aparece representado pela sua viúva Dona Henriqueta Maria do Nascimento, já, na época, casada em segundas núpcias com Joaquim Carlos Cardoso, e seus dois filhos menores, José, e Antônio. Outra filha de dona Leonor, Ana Zeferina, já falecida, que havia sido casada com Domingos Pinto de Paula, era representada pela sua filha menor Etelvina, do primeiro matrimônio, e pelo seu segundo marido, Benedito Rodrigues do Prado Sobrinho, como sucessor de sua filha que faleceu depois da morte da mãe.69 O NETO QUE SE CASOU COM A AVÓ E MAIS DESAVENÇAS EM INVENTÁRIOS Tornando-se viúva de José Borges da Costa em 1867, Leonor Nogueira Terra logo arranjou um pretendente a marido: nada mais do que seu neto afim, Manoel Borges de Oliveira, que também residia no arraial do Ribeirão Preto. Os autos em que pleitearam a dispensa de impedimento se formaram em Franca, graças à intercessão do Padre Cândido Martins da Silveira Rosa, que se dirigiu ao Cônego Muniz, Vigário da Vara, pedindo sua ajuda e compreensão nestes termos:

Sobrepartilha de Bens de José Borges da Costa. Cartório do 2Ofício Cível de Ribeirão Preto, 1895, c. 3A. 69 Idem. Por aí se vê como foi também efêmero o poder de José Borges da Costa. Sequer o transmitiu aos seus filhos que se dispersaram por outras áreas do interior paulista ainda no século XIX. 68

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“Junto com esta remeto-lhe uns autos de dispensa, a favor de Manuel Borges de Oliveira e de Leonor Nogueira Terra, moradores do arraial de Ribeirão Preto, no distrito da Vila de São Simão e peço-lhe, encarecidamente, se digne tratar de conseguir do Vigário Capitular a dispensa de impedimento canônico mencionado nos referidos autos, a fim de se evitar a demora que haverá no caso dos ditos autos serem remetidos à Corte. Os contraentes justificaram os itens declarados nos mesmos autos perante mim e não perante o Vigário da Vara respectiva porque o contraente havia sido designado para marchar para a guerra; e receiando ser capturado no caso de comparecer perante o respectivo vigário da Vara justificou perante mim os ditos itens dos autos. Creio que por esse motivo não merecerá censura e os contraentes não ficarão prejudicados. Rogo-lhe, também, o favor de enviarem diretamente a mim o despacho dos referidos autos. Outrossim, se porventura, o sr. Vigário Capitular não puder dispensar no impedimento existente entre os contraentes, V.Rev. fará o favor de entregar os autos ao Sr. Lourenço Domingues Martins a quem escrevo nesta mesma data. Responsabilizo-me pela despesa feita com a dispensa, etc., etc.,”. A data da carta é 25 de agosto de 1868. A guerra a que se refere o Padre Rosa seria, evidentemente, a Guerra do Paraguai. Esclareceram os interessados em seu pedido haver impedimento de afinidade no segundo grau atingente ao primeiro, por ter sido a oradora casada com o falecido avô do orador; que o orador possuía bens no valor de 1.000$000 e a oradora no valor de 10.000$000 e tinha quatro filhos menores; e intentavam casar por amor e afeição do parentesco e por amor à família; que a oradora vivia honestamente, não fora raptada pelo orador e vivia em casa com a família. Ouvidos em casa do Padre Rosa, ao serem inquiridos confirmaram a petição inicial. E assim, casaram-se o neto de José Borges da Costa e sua viúva, Leonor Nogueira Terra. Faleceu Manuel em novembro de 1969, com apenas 23 anos, pouco mais de um ano após o seu casamento com Leonor. Seu inventário foi aberto em 1871, no Cartório do 1 Ofício de São Simão e deu motivos para uma verdadeira guerra entre parentes.70 No seu testamento, ele dizia: “ser filho de Antônio Borges da Costa e Luiza Maria de Oliveira. Casado com Leonor Nogueira Terra, teve uma filha já falecida quando do testamento.”71

70 71

Carta de Monsenhor Rosa. In: MARTINS, op.cit., p. 230-231, nota 49. Inventário de Manoel Borges de Oliveira. In: MARTINS, op.cit, p. 231-233, nota 49.

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Teve ainda uma outra filha natural, Joana, que veio a falecer durante o inventário. Era filha de Videntina de tal e foi por ele reconhecida. Como herdeiros, aparecem: a viúva meeira, a mãe do inventariado, Dona Luíza Maria de Oliveira, então já casada com José Pedro Alves, a irmã Dona Maria Luíza de Oliveira, casada com Francisco Antônio de Oliveira. O arrolamento dos bens foi feito na Fazenda do Retiro e, entre eles, constava “uma parte da Fazenda da Figueira que houve (a inventariante) do seu marido, José Borges da Costa, e igualmente outra que houve por herança do inventariado que a comprara do mesmo finado José Borges da Costa.”72 Aí, começaram as desavenças: uma petição de Antônio Joaquim de Oliveira impugnando uma dívida; outra de Francisco Joaquim de Oliveira, filho do anterior e marido da herdeira irmã, impugnando outras pretensões; outra ainda da mãe do falecido, dona Luíza Maria de Oliveira. O reconhecimento da filha natural de Manuel, já falecida sofreu impugnações por parte dos parentes dele. Luiz Antônio de Oliveira, procurador de alguns herdeiros, aponta diversas irregularidades no inventário, inclusive o fato de a viúva meeira receber 11.830$072 e a herdeira mãe apenas 2.486$034, “além de escravos e bens de raiz pagos infimamente...”73 Aponta igualmente dívidas do inventário que não eram resguardadas por comprovantes, enfim, que a herdeira e legatária fora extremamente prejudicada na partilha. Dona Leonor respondeu que não se opunha a uma reforma da partilha, mas também tinha reclamações a fazer, uma vez que o falecido Manuel quase nada trouxera à comunhão. Depois de muita discussão e várias petições, tudo se concluiu razoavelmente e foi feito o pagamento à Maria Luíza, ainda então casada com Francisco Antônio de Oliveira, que recebeu parte das terras das fazendas do Retiro e da Figueira. Dona Leonor Nogueira Terra fez seu inventário em 14 de junho de 1924, quando declarou ter 85 anos de idade. Ela veio a falecer em 1929. Seu inventário está arquivado no APHRP, processo antigo do 1º ofício de Ribeirão Preto, caixa 284-A. Neste inventário, Leonor Nogueira Terra declarou que, no estado de viuvez, teve os seguintes filhos naturais que declarou como seus herdeiros: 1. Amélia, batizada em 30.04.1871, foi

72 73

Idem. Idem.

210


2.

3.

4.

casada com Galdino Alves Correa Lobo, com descendência. Deolinda Nogueira Botelho, batizada em 27.10.1877, casada com Cândido Mendes Botelho (deve ser seu segundo casamento), com descendência (no APHRP, caixa 26-A, do 1º Ofício de Ribeirão Preto, existe um pedido de licença para casamento, por ser órfã, de Leonor Nogieira Terra para sua filha Deolinda, com José Luiz do Nascimento, em 09.01.1886). Altina Nogueira Gaya, batizada em 28.01.1875, foi casada com Jerônimo Gaya, nascida por volta de 1874 e falecida em 16.10.1939, conforme nota de falecimento publicada pelo jornal Diário da Manhã de 17.10.1939, deixando os seguintes filhos: 1. José Nogueira Gaya, casado com Elide Barbela Gaya, residente em Ribeirão em 1939; 2. Luiz Nogueira Gaya, casado com Luisa Cavalcanti Gaya, moradores em São Paulo em 1939; 3. Thomaz Nogueira Gaya, casado com Hermínia Magalhães Gaya, moradores em São Paulo em 1939; 4. Jorge Nogueira Gaya, casado com Nair Maestrello Gaya, médico em Jardinópolis em 1939. Thomaz de Aquino Nogueira, batizado em 25.02.1877, estava vivo em 1924 e residente em Ribeirão Preto, quando do inventário de sua mãe Leonor. Ele faleceu em 01.11.1943 em Ribeirão Preto e no seu atestado de óbito (APHRP, caixa 522-A, 1º Ofício Cível), encontramos as seguintes informações: ele se declara filho legítimo de Thomaz de Aquino Pereira e Leonor Nogueira Terra, casado com Isaltina Pinto Nogueira com quem teve um filho chamado José Pinto Nogueira, com 29 anos, médico.

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Em 20.09.1954, existe uma procuração no mesmo doc. em que José Pinto Nogueira afirma estar casado com Yedda Horta Nogueira e residiam, juntamente com sua mãe, à Av. Washington Luiz, 389, em Santos. Thomaz de Aquino Pereira pode ser o mesmo que aparece no registro de nascimento de Thomaz em 07.11.1875 (CIONE, História de Ribeirão Preto, vol. I, p. 93)

3.3. Alves da Silva Assim como os Reis de Araújo, a família Alves da Silva já estava enraizada no sertão desde o século XVIII. O seu patriarca, Jerônimo Alves da Silva, português de Sam Payo de Moreira dos Cônegos, Arcebispado de Braga, era casado com Agostinha Teixeira de Jesus, natural do Rio das Pedras, Bispado de Mariana, em Minas (atual Acuruí, perto de Itabirito). Os Alves da Silva muito cedo se entrelaçaram com os Reis de Araújo, através do casamento de uma das suas filhas, Madalena Maria de Jesus, com Manuel José dos Reis de Araújo, que viriam a ser exatamente os pais dos irmãos Reis que iniciaram a formação fundiária de Ribeirão Preto. Jerônimo e Agostinha são citados nas listas nominativas entre 1786 e 1808. Antes disso, é provável que tenham residido na vila do Tamanduá (atual Itapecerica, em Minas) onde nasceram alguns de seus filhos, como José Alves da Silva e no arraial do Rio das Velhas (Desemboque), onde alguns se casaram. Em 1786 e 1787, aparecem residindo no sítio de Itupeva, próximo a Mojiguaçu. Nessa primeira data, tinham cinco filhos solteiros, moravam com onze agregados, certamente parentes, e possuíam ainda um escravo de nome Pedro que os acompanha por toda a vida. Em 1728, Inácio Vieira Fajardo recebia uma sesmaria em Itupeva. Este Inácio é casado com Ana Brito de Jesus, irmã de Timóteo dos Reis de Araújo, avô dos irmãos Reis, responsáveis pela formação fundiária de Ribeirão Preto. Por aí, se vê as relações estreitas dos Reis de Araújo com várias famílias de sesmeiros e posseiros do antigo Caminho dos Goiases. A partir de 1795, Jerônimo e Agostinha aparecem relacionados como moradores do Caminho de Goiás, sem especificação do sítio que ocupavam. Mas é possível perceber, pela relação dos seus vizinhos, que, com toda certeza, já viviam ao norte do Rio Pardo, na região de Batatais. Entre 1795 e 1797,

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dentre os agregados, aparecem sua filha Madalena e seu genro Manuel com os netos mais velhos, Vicente e Matheus. Em 1803, outra família de agregados residia no mesmo fogo, a do seu outro filho, Antônio Alves com sua nora Maria e quatro netos, ainda menores, a saber: Antônio, João, Maria e Mariana. Em 1808, Jerônimo com 88 anos e Agostinha com 70, aparecem pela última vez relacionados no censo. Ele vendeu sua propriedade para Manoel Bernardes do Nascimento que a legalizou através de carta de sesmaria em 1811. Este Manoel Bernardes, como já vimos, é entrante mineiro, um dos formadores da Fazenda que dará nome à vila de Batatais, sogro do capitão Matheus dos Reis que era, justamente, neto de Jerônimo e Agostinha. MARIA MADALENA DE JESUS E MANUEL JOSÉ DOS REIS DE ARAÚJO É bastante provável que, depois de 1795, Madalena e Manuel tenham se mudado com seus pais para a região de Batatais, onde os Reis de Araújo tinham suas posses antigas. No entanto, eles não aparecem em fogo próprio nas listas de população. Manuel faleceu, sem testamento, em julho de 1802, deixando cinco filhos herdeiros, que tiveram como tutor o próprio avô, Jerônimo Alves da Silva. Seu inventário teve início em 26.09.1805, no sítio dos Batatais e a herança deixada era bem pequena: apenas dois escravos e uma posse na paragem denominada São João, com uma capoeira de uma quarta de planta de milho, com rego d’água tirada, avaliada por apenas 30$000.74 Em 15.01.1807, Maria Madalena casava-se novamente em Franca, desta vez com José Manuel de Siqueira. Este era originário de Prados, Minas Gerais. Foram testemunhas deste casamento João da Costa Maldonado e Manoel Bernardes do Nascimento. Em 05.12.1798, filhos de escravos de Dona Maria Madalena eram batizados em Batatais. Estranho é que as listas nominativas mostram Maria Madalena em fogo próprio, mas sozinha, entre 1803 e 1816. Deduzimos que seu segundo marido tenha falecido logo e ela continuou viúva. No entanto, a última de suas filhas, de nome Antônia, com certeza foi fruto deste último casamento. Além de Maria Madalena, outros filhos de Jerônimo e Agostinha foram: 2. Ana Maria da Conceição, de acordo com o censo, nascida em 1765;

74

Inventário de Manuel José dos Reis de Araújo. Cartório do 1 Ofício de Mojimirim, 1805, m. 164.

213


3. Margarida Morais, de acordo com o censo, nascida em 1767; 4. Duarte Alves Ribeiro que se casou com Joana Maria da Conceição e teve um filho: 1. José, batizado em 14.05.1787 em Mojiguaçu. 5. José Alves da Silva, de acordo com os censos de 1791 a 1822, era natural de Minas Gerais, aparecendo como originário ora de Campanha, ora de Lavras, ora de Tamanduá, nascido também em 1767, casado com Maria Rodrigues, filha de Manoel Siqueira Gil e Maria Rodrigues de Jesus. Este Manoel de Siqueira Gil, por sua vez, é filho de Luiz de Siqueira Gil e Francisca Pires de Jesus, esta filha de João dos Reis Araújo. Em 1825, José Alves da Silva já estava viúvo. Deixou enorme descendência que se espalhou pela região de Ribeirão Preto. Vejamos os seus filhos: 1. Ignácio, batizado em 12.11.1783 em Mojiguaçu; 2. Manuel Alves Ferreira, de acordo com o censo, nascido em 1787; 3. José Alves da Silva Júnior, de acordo com o censo, nascido em 1791, casado com Policena Maria de Jesus; conforme o livro de óbitos de Ribeirão Preto, ele faleceu em 26.04.1877 e, conforme seu inventário que está no Cartório do 1º Ofício em Ribeirão Preto, deixou os seguintes filhos: 1. Maria, casada com Caetano Batista Chaves; este casal teve os seguintes filhos: 1. Antônio, nascido em 1860, casado com Maria Madalena da Silva; tiveram um filho: 5.

João, batizado em 25.01.1886.

2. Emília, casada com Teodoro Batista Chaves; 3. Luis, nascido em 1875; 4. Maria, com dois meses quando da morte do avô em 1877. 2. Ana Cristina da Silva, nascida por volta de 1837, batizada na vila de Casa Branca e casada com José Antônio da Silva em 1851 em São Simão (conforme pesquisa de Isoldi); 3. Joaquim Alves da Silva Sobrinho, nascido em 1844, casado com Maria Gabriela da Costa; teve um filho: 1. Domiciano (ou Martiniano), batizado em 11.08.1883. 4. João Alves da Silva Sobrinho, nascido em 1853, casado com

214


Senhorinha Maria da Conceição; tiveram os seguintes filhos: 1.

Maria, batizada em 02.06.1878;

2.

Firmino, batizado em 05.08.1880;

3.

Virgílio, batizado em 06.01.1883;

4.

Artur, nascido em 1884;

5.

Maria, batizada em 30.10.1886.

5. Jerônimo Alves da Silva, falecido solteiro em 29.12.1877; seu inventário está no Cartório do 1º Ofício, caixa 3, em Ribeirão Preto; 6. Perceliana, casada com Antônio Joaquim de Souza; 7. Galdino Alves da Silva, nascido em 1863. 4. Francisco, de acordo com os censos de 1810 e 1812, nascido em 1794; 5. Mariana, de acordo com o censo, também nascida em 1794; 6. Bento, batizado em 21.10.1795, no sítio dos Batatais; pelo seu assento de batismo, fomos informados que seu pai, José Alves da Silva, nascera na vila do Tamanduá (atual Itapecerica, em Minas); seus avós maternos eram Manuel Siqueira Gil, de Pindamonhangaba, e Maria Rodrigues; seus padrinhos foram: José Pio Antunes e sua avó, Agostinha Teixeira; 7. Maria, batizada em 30.11.1798, no sítio do Cubatão. Pelo seu assento de batismo, somos informados que sua mãe, Maria Rodrigues, era natural do arraial do Rio das Velhas (Desemboque, em Minas). Foram seus padrinhos: Manuel Vaz Guimarães, de Campanha, e sua esposa, Joana Pires Cordeiro. Tudo indica que este Manuel era o avô de José Borges da Costa que, anos depois, irá se fixar no vale do Tamanduá e será um dos fundadores de Ribeirão Preto. 8. João Alves da Silva Júnior, nascido por volta de 1799 (conforme censo de Franca de 1814), casado com Policena Maria do Nascimento (ou de Jesus). Existe outro João Alves da Silva Júnior, nascido por volta de 1824 em Cajuru e que residiu em São Simão (conforme pesquisa de Isoldi) ou deve haver equívoco na documentação. Ele morreu em 10.10.1880, deixando vários filhos em Ribeirão Preto:

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1. Maria Madalena da Silva, batizada em 07.09.1844, casada com Antônio Alves da Silva em 23.06.1877; ele, filho de Vicente Alves da Silva e Ana Maria de Jesus; 2. Manoel, batizado em 22.10.1847; 3. Maria Marta do Nascimento, batizada em 29.09.1849, casada com Igino Batista da Silva em 22.07.1875; ele, filho de Antônio Batista da Silva e Maria Antônia de Jesus; 4. Antônio, batizado em 25.10.1851. Era eleitor no 19º quarteirão em Ribeirão Preto em 1878; casado com Maria Magdalena da Silva. Seus filhos que identificamos: 1. Maria Magdalena, batizada em 02.10.1879; 2. Anna, batizada em 30.12.1881; 3. Joaquim, batizado em 08.12.1883; 4. João, batizado em 25.01.1886. 5. Inocência Amância do Nascimento, batizada em 25.05.1857, casada com Manoel Alves da Silva, em 22.07.1875; ele era filho de Joaquim Alves da Silva e Maria Joaquina de Jesus; filhos deste casal: 1. Maria, batizada em 22.04.1882; 2. Firmina, batizada em 05.07.1879. 6. José Alves da Silva Sobrinho, nascido provavelmente em 1846, casado com Cândida Francisca de Paula em 12.02.1872; ela, filha de José Pedro Alves e Maria Teodora de Carvalho; ele tinha sua propriedade no Bananal em 1878, quando foi listado como eleitor; filhos deste casal: 1.João, batizado em 23.05.1873; 2.Antônio, batizado em 23.05.1875. 9. Maria Rita da Conceição (conforme pesquisa de Roberto Vasconcelos Martins). 6. Francisco Alves, de acordo com o censo, nascido em 1770; 7. Antônio Alves, de acordo com o censo, nascido em 1772, morava na região de Franca por volta de 1810; era casado com Maria Madalena (mesmo nome de uma das suas irmãs), aparecendo nos censos de Mojiguaçu em 1799, 1801 e 1803 e no de Batatais, em 1814; neste último censo, ele aparece então com 37 anos, casado com Maria Magdalena, com 34;

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A pedido de sua irmã Madalena, então viúva, Antônio Alves, esteve administrando a sua fazenda da Figueira, no vale do Tamanduá, entre 1812 e 1824,75 como ainda veremos. Filhos que identificamos: 1. Antônio, nascido em 1796, casado com Felicidade Maria da Conceição; seus filhos: 1. João, batizado em 01.09.1822; 2. Manoel, batizado em 23.04.1824. 2. Maria (Rita da Conceição), nascida em por volta de 1797; 3. Mariana, nascida por volta de 1798; 4. João Alves da Silva (Velho?), de acordo com o censo, nascido em 1799, e casado com Joaquina Maria de Jesus. Eles aparecem no censo de São Simão, de 1835, mas ele aqui com 40 anos, na sua fazenda do vale do Tamanduá. Era branco, livre, casado, lavrador, produzia milho e feijão, teve naquele ano rendimento de 50$000 e sabia ler e escrever. Possuía ainda nove escravos. Foi proprietário da fazenda Serrinha, a qual ele comprou de Maria Angélica de Jesus, sua primeira proprietária conhecida. Provavelmente, é o mesmo que aparece em documentos mais recentes, em Ribeirão Preto, com o nome de João Alves da Silva Velho. Ele veio a falecer em outubro de 1851, sem testamento, sendo inventariado a partir de 08.07.1852 na fazenda denominada Catingueiro, no distrito de São Simão, sendo inventariante sua viúva. Seu inventário está no Cartório do 2º Ofício de Casa Branca, no maço nº 55-3. Pelo censo de 1835, tinha oito filhos, a saber: 1. Antônio Alves da Silva Júnior, nascido em 1822 e falecido antes de seu pai, tendo sido casado com Rosa Francisca da Conceição. Seus filhos: 1. João, nascido em 1844; 2. José, nascido em 1845; 3. Maria, batizada em 16.04.1847. 2. José Alves da Silva, batizado em 26.04.1823, casado com Pulcina Maria de Jesus, foi um dos doadores de terras para a formação do patrimônio de São Sebastião das Palmeiras, doação esta que acabou não sendo aceita pela Igreja, mas fez uma segunda, na Fazenda do Retiro, que foi incorporada no patrimônio definitivo da capela. Faleceu

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Autos da Divisão Judicial da Fazenda Figueira, op.cit., nota 2.

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em 26.04.1877, em Ribeirão Preto; encontramos vários filhos deste casal, batizados em Ribeirão Preto: 1. João Alves da Silva (Sobrinho?) batizado em 02.12.1855 que se casou com Senhorinha Maria da Conceição em 31.07.1875; ela era filha de Severino Bezerra dos Reis e Maria Bernardina de São José; este casal teve três filhos que pudemos identificar nos assentos de batismo de Ribeirão Preto, a saber: 1.Maria, batizada em 02.06.1878 e falecida em 18.04.1881; 2.Firmino, batizado em 05.08.1880; 3.Virgílio, batizado em 06.01.1883. 2. Jerônimo, batizado em 30.07.1857; 3. Policena, batizada em 14.05.1860. 3. João (Inácio de Oliveira?), nascido em 1828, pois com sete anos no censo de 1835; 4. Joaquim Alves (de Oliveira?), nascido em 1830, pois com cinco anos no censo de 1835; 5. Joana (Maria de Jesus), nascida em 1825, pois com dez anos no censo de 1835; 6. Maria (Teodora de Jesus), nascida em 1832, pois com três anos no censo de 1835 e casada com João Bento Batista; 7. Manuel Alves da Silva, nascido em 1834, pois com um ano no censo de 1835; 8. Sabino, nascido em 1839. 5. José (Alves da Silva), nascido em 1810, mas que não aparece no censo de 1814, o que sugere ter falecido ainda muito jovem. 8. João Alves, de acordo com o censo, nascido em 1775; 9. Genoveva, nascida por volta de 1780, de acordo com o censo; 10. Vicente Alves da Silva, de acordo com o censo, nascido em 1789, e casado com Ana Jacinta do Nascimento em Franca em 03.03.1808. Encontramos este casal citado nas listas nominativas de 1811, no Bairro do Rio Pardo como também no censo de São Simão, de 1835. Muito provavelmente, ele já estivesse na fazenda mais tarde denominada de Palmeiras, célula-mater de Ribeirão Preto. Nesse censo, ele é qualificado como

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branco, livre, casado, lavrador e criador de porcos e gado vacum, tendo como rendimento naquele ano 20$000. Possuía pelo censo de São Simão em 1835, uma escrava, de nome Andreza, e sete filhos (certamente ainda solteiros, nessa data; outros filhos já estavam casados ou nasceram posteriormente a 1835), a saber: Manuel, Francisco, Luís, Bento, Joaquim, Antônio e Jerônimo. Vicente Alves da Silva faleceu em maio de 1838, sem testamento, sendo inventariado, a partir de 19.11.1839, na fazenda da Figueira, distrito de São Simão, sendo inventariante sua viúva meeira, Ana Jacinta do Nascimento (Inventário de Vicente Alves (Ferreira?) da Silva, Cartório do 1º Ofício de Mojimirim, maço 196 - Pesquisa de Roberto Vasconcelos Martins). Além de um escravo, o casal possuía uma parte de terras na fazenda denominada “A Palmeira”, cuja parte foi comprada a Vicente José dos Reis, como consta dos títulos pelo mesmo passado, e cujas terras foram avaliadas em 2.200$000.” Ana Jacinta veio a falecer em março de 1860, sem testamento, no distrito da capela do Ribeirão Preto, sendo inventariada a partir de 03-10-1865, na referida localidade, sendo inventariante um dos seus filhos, Luís Alves da Silva. No inventário de Ana Jacinta, aparecem as terras na fazenda das Palmeiras, distrito da capela do Ribeirão Preto, que a inventariante houve em sua meação. O casal Vicente Alves da Silva e Ana Jacinta deixou onze filhos, a saber: 1. João Alves da Silva Primo, nascido em data incerta, foi casado pela primeira vez com mulher que até agora desconhecemos e com quem teve dois filhos: 1. Joaquim Alves, idiota, nascido por volta de 1838 e falecido, provavelmente, em 22.11.1882; 2. Ana Rita que se casou com Francisco Honório Ferreira e com quem teve duas filhas que identificamos: 1. Maria, batizada em 14.10.1862; 2. Brazilina, nascida em 1867. João Alves da Silva Primo casou-se pela segunda vez com Ana Delfina (ou Flauzina, conforme pesquisa de Roberto Vasconcelos Martins) Bezerra, esta também viúva de Laureano Vieira de Almeida, falecido em 1841. Ela, filha de Antônio Bezerra Cavalcanti e Bárbara Maria Gertrudes. João e Ana tiveram três filhos: 1. Germano, batizado em 15.6.1844; não aparece no inventário de sua mãe em 1865, devendo ter falecido ainda jovem; 2. José Alves Bezerra da Silva, batizado em

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15.09.1845 e que aparece ainda solteiro no inventário de sua mãe em 1865; 3. Maria, batizada em 02.09.1848 e que não aparece no inventário da sua mãe em 1865 e que deve ter falecido também ainda jovem. Do seu primeiro casamento com Laureano Vieira de Almeida, Ana Jacinta teve os seguintes filhos: 1. Maria Cândida Bezerra, já viúva em 1865; 2. Flauzina Maria dos Reis que se casou com Miguel Bezerra dos Reis. Juntamente com a sua segunda esposa, João Alves da Silva Primo efetuou uma doação de 30 alqueires de terra em 19.12.1852, na fazenda do Retiro, para a constituição do Patrimônio do mártir São Sebastião do Ribeirão Preto. Ana Delfina Bezerra veio a falecer em junho de 1863, sem testamento, na freguesia de São Simão, sendo inventariada a partir de 1-3-1865, na fazenda do Ribeirão Preto, sendo inventariante o seu próprio marido. Este, por sua vez, faleceu em março de 1870, sem testamento, no distrito de Ribeirão Preto, sendo inventariado a partir de 7-10-1870 na fazenda do Laureano, no referido distrito de Ribeirão Preto, sendo inventariante seu filho e herdeiro, João (ou José?) Alves Bezerra da Silva. 2. José Alves (Bezerra) da Silva, casado com Pulcina Maria de Jesus, doadores de terras para a formação do patrimônio de São Sebastião nas Palmeiras e, depois, na Barra do Retiro; 3. Maria (Jacinta) do Carmo, casada com Luís Borges de Aquino, nascido no Cajuru, em 1818, morava ainda em São Simão em 1881; seus filhos: 1. Prudência, que teve dois filhos: 1. Luis, nascido em 1862; 2. Maria Sabina, nascida em 1864. 2. Ana, casada com Antônio Gonçalves; 3. Lizardo Borges de Aquino, casado com Jacinta Maria Flauzina; tiveram três filhos: 1. José, batizado em 18.09.1866; 2. Thomazia, batizada em 15.06.1873;

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3. Luís, batizado em 07.01.1876. 4. Maria Borges, nascida em 1846; 5. Maria do Carmo, batizada em 25.09.1854; 6. Brazília, batizada em 25.10.1851. 4. Manoel Ferreira da Silva (ou Alves Ferreira) nascido em 1820, já casado em 1866; 5. Francisco Alves, nascido em 1822; 6. Luís Alves da Silva, nascido em 1824, ainda solteiro em 1866; 7. Bento Alves da Silva, nascido em 1827, já falecido em 1866; seus filhos: 1. José, já casado em 1866; 2. Joaquim, nascido por volta de 1851 e ainda solteiro em 1866; 3. Maria, casada com João Rodrigues; 4. Marcelina, casada com João Teodoro. 8. Joaquim Alves da Silva, nascido em 1829, casado com Maria Joaquina de Jesus; tiveram dois filhos: 1.

Maria das Dores, casada com Firmino Martins Lemes em 02.01.1871, filho de Domingos Martins Lemes e Vicência Maria de Jesus;

2.

Manoel Alves da Silva, casado com sua prima em primeiro grau Inocência Amância do Nascimento em 27.07.1875.

Joaquim Alves da Silva faleceu em 03.11.1875, com cerca de 50 anos de “hidrofisia” e Maria Joaquina faleceu em 09.01.1878. 9. Antônio Alves da Silva, nascido em 1834, “ausente por ser criminoso” em 1866; 10. Jerônimo Alves da Silva, nascido em 1835, casado com Maria Rita da Conceição, falecido em 11.01.1862; ele possuía ainda suas terras nas Palmeiras quando do seu inventário que está no Cartório de 1º Ofício de Ribeirão Preto; seus filhos foram: 1. Flauzino, nascido em 1853; 2. Maria, nascido em 1855. 11. Maria Vicência, nascida em 1836 que se casou com Fernando de Souza Viana; tiveram um filho que identificamos:

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1. Saturnino, batizado em 16.05.1860. São praticamente nulas as notícias sobre Margarida Morais, Ana Maria da Conceição, Francisco Alves, João Alves e Duarte Alves Ribeiro na região de Ribeirão Preto e Franca. O mais provável e que tenham permanecido em áreas próximas á de seu pai, Jerônimo e Agostinha, na região de Mojiguacu. Uma pesquisa mais apurada na documentação desta região poderá revelá-los. Às vezes, é praticamente impossível desvencilhar o emaranhado de Josés, Joões e Antônios, todos com o sobrenome “Alves da Silva”. Tudo indica que tantos homônimos provocavam tanta confusão que para diferenciar-se, estes diversos parentes colocavam o sobrenome de “Primo”, “Sobrinho”, “Júnior”, e “Velho”, sem, no entanto, deixar de provocar novas confusões. Muitos desses Alves da Silva, como podemos perceber, tiveram destaque nos primórdios da formação de Ribeirão Preto.

3.4. Bezerra Cavalcanti e Bezerra dos Reis Esta família já estava entrelaçada com os Reis de Araújo e com os Alves da Silva desde a década de 1820, mas sua presença no Caminho de Goiás data da época da expedição do Anhanguera. Um tal de Joaquim Bezerra recebeu uma sesmaria no Caminho de Goiás em 06.03.1736, nas margens do Rio Pardo, no Bebedor Salgado, juntamente com seu sócio João Côrrea de Lemos. Outro chamado Lourenço Bezerra Paes Cavalcanti era recenseado já viúvo em 1767, no seu sítio no Rio Pardo, com seus dois filhos ainda menores: Cosme e Joaquim Bezerra Paes Cavalcanti. Lourenço Bezerra Paes Cavalcanti é natural de Pernambuco, filho de Thomé de Souza Bezerra e de Mônica da Silva Cavalcanti, ambos também naturais de Pernambuco. Ele se casou, pela primeira vez, em Sorocaba em 1757 com Gertrudes Paes de Faria, nascida em Sorocaba, filha de Estevão Sanches Paes e Maria Antunes Maciel, ambos casados em Sorocaba em 1705. Lourenço faleceu em 5 de maio de 1778 em Mojiguaçu. Lourenço Bezerra Cavalcanti faleceu aos 30.03.1774, no sítio e paragem do Rio Pardo, onde foi sepultado por estar distante da freguesia. Na página 61 do Livro 4 de Óbitos de Mogiguaçu (1762-18060) está registrado que morreu no sertão, onde estavam enterrados seus ossos, os quais sua terceira mulher Maria José de Crasto mandou buscar para serem sepultados na matriz de Mogiguaçu em 05.05.1778.

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O filho mais velho de Lourenço e Gertrudes, Cosme, nasceu em 1759 e aparece citado nos Censos de Casa Branca entre 1814 e 1825, vivendo em união extraconjugal com Francisca Vieira. Cosme e Francisca tiveram dois filhos, a saber: Gertrudes, batizada em 12.01.1786, e Joaquim, batizado em 19.02.1790. Joaquim Bezerra Cavalcanti, filho mais novo de Lourenço Bezerra Paes Cavalcanti e Gertrudes Paes de Faria, nasceu em Mogiguaçu em 1761 (of. Isoldi por volta de 1758) casou-se com Maria Francisca do Espírito Santo, nascida no mesmo ano. O inventário de Joaquim Bezerra Cavalcanti está arquivado na Comarca de Casa Branca (caixa nº 53-18, do 2º Ofício). Nas listas de população, ele aparece em vários sítios ao longo do Caminho de Goiás, inclusive no sítio do Cercado, próximo ao Rio Pardo. Formou por ali, a sua Fazenda do Bonsucesso, onde teve vários filhos, conforme podemos perceber nos vários censos realizados entre 1791 e 1835, listado, já viúvo, neste último ano no distrito de São Simão, quarteirão do Ribeirão da Divisa. Faleceu em 12 de fevereiro de 1845, na Fazenda do Ribeirão Claro, distrito de São Simão. Seu testamento foi descoberto em Casa Branca e pesquisado por Eduardo Dias Roxo Nobre. Pode ser encontrado no Cartório do 2º Ofício, na caixa 53-18-1845. Mas, o mesmo Joaquim Bezerra, ainda em solteiro, teve também dois filhos com a sua própria madrasta Maria José de Crasto (terceira mulher de seu pai), que receberam o nome de Gertrudes e Manoel Ignácio Bezerra (!). Essas informações nos foram passadas pela pesquisadora Celina Godoy Isoldi. Por essa mesma pesquisadora, tudo indica que o oitavo filho de Lourenço com sua esposa Maria Francisca, e que consta do inventário desta, Manoel Ignácio Bezerra, o era, na verdade, também com sua própria madrasta. Este Joaquim Bezerra ainda teve uma filha natural com a sobrinha da mesma madrasta, Maria José de Castro. Não conseguimos descobrir o seu nome, mas essa filha natural chamava-se Ana Esméria da Conceição que foi casada com Salvador de Sá. Encontramos em Mojimirim o inventário da esposa de Joaquim Bezerra Cavalcanti, Maria Francisca do Espírito Santo, corrido ali em 1822.77 Ela era filha de Francisco Teixeira da Silva, natural de Bastos (Arcebispado de Braga, Portugal) (ou de Lisboa, cf. Isoldi) e de Ana do Prado, nascida em Mojiguaçu. Entre os numerosos bens do seu espólio, avaliado em 6.859$112, destacava-se a Fazenda Bonsucesso, esta avaliada em 5.364$000 e sete

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Inventário de Maria Francisca do Espírito Santo, mulher de Joaquim Bezerra Cavalcanti. Cartório do 1 Ofício de Mojimirim, 1822, m. 141.

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escravos avaliados todos em 740$000. Foi através deste inventário que descobrimos a paternidade de Maria Silvéria, casada com Vicente José dos Reis. Assim, temos três Bezerra Cavalcanti casados com três Reis de Araújo. Para isso, vejamos os herdeiros de Maria Francisca do Espírito Santo, de acordo com o seu inventário de 1822: 1. Maria Silvéria da Anunciação casada com Vicente José dos Reis; sua descendência já foi estudada na família “Reis de Araújo”; 2. Ana Maria Bezerra, batizada em 10.06.1792, casada com José Joaquim de Alvarenga, (citados no Censo de Casa Branca, entre 1817 e 1829, sendo que ele fora casado antes de 1820 com Catarina Machado); tiveram três filhos: 1. Antônio, nascido em 1828; 2. Manoel, nascido em 1829; 3. Policena, nascida em 1832. 3. Lourenço Bezerra Cavalcanti, batizado em 03.08.1787; deve ter morrido solteiro (mas conforme os Censos de Casa Branca de 1825 e 1829, aparece um Lourenço Bezerra casado com Maria Tereza); 4. Joaquim Leonardo Bezerra, batizado em Mogiguaçu em 07.06.1787, solteiro na época da morte de Maria Francisca, mas que viria a se casar mais tarde com Ana Rosa de Alexandria (Reis de Araújo), conforme já consta nos censos de Casa Branca de 1817 e 1820; sua descendência já foi estudada na família “Reis de Araújo”; 5. Antônio Bezerra Cavalcanti, que irá se casar mais tarde com Bárbara Maria Gertrudes (Reis de Araújo); sua descendência vem a seguir; 6. Antônia (Bernardina Marcelina) Bezerra, batizada em Mogiguaçu em 26.06.1795 e casada com Henrique Fernandes Garcia, nascido por volta de 1800, citado como ora procedente de Ouro Fino, ora de Camanducaia, conforme os Censos de Casa Branca; tiveram quatro filhos: 1. Luis, nascido em 1823, deve ter falecido muito jovem; 2. Bento Fernandes Garcia, nascido em 1824; 3. Ignácio Fernandes Garcia, nascido em 1826 e casado com Maria Honória Nogueira; tiveram doze filhos, a saber: 1.

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Maria Bernardina Nogueira, nascida em 1853 e falecida em 1940, casada com Miguel Tomaz de Andrade, nascido em 1845, filho de Gabriel Tomás de Andrade e Mariana Clara Vilela, e falecido em


1916; 2. Iria Leopoldina Garcia, nascida em 1855, casada com Moisés Alves Ramos, em Mococa, em 24.02.1870; ele natural de Rezende (RJ). Seus filhos (in Isoldi, Revista da Abrasp, 1997, nº 4, pp. 165-208): 1.

Aureliana Augusta\ Ramos, casada com Justo Fernandes Garcia;

2.

Anardina Augusta Ramos, casada com Joaquim Antônio de Andrade, com descendência;

3.

Arlindo Alves Ramos, casado Cesarina Cândida de Mendonça.

3. Maria Cezarina Garcia, nascida em 1856 e falecida em 1937, casada, pela primeira vez, com Joaquim Antônio de Andrade, nascido em 1856, e, pela segunda vez, com Antônio Gabriel de Andrade, nascido em 1843; ambos eram filhos de Gabriel Tomás de Andrade com Mariana Clara Vilela; 4. Ana Bernardina Garcia, nascida em 1859, casada com João Sabino Gomes Meireles, nascido em 1853, filho de Antônio Gomes de Meireles e Carolina Brandina Nepomuceno; seus filhos: 1.

Belarmino, batizado em Mococa em 1878;

2.

Hermenegilda, batizada em São José do Rio Pardo em 18.04.1880;

3.

Maria, batizada em Mococa em 1881;

4.

Virgínia, batizada em Mococa em 1883;

5.

João, batizado em Mococa em 1887.

5. Carolina, nascida e batizada em Mococa em 1860; 6. Antônia Bernardina Garcia, casada com Antônio Gomes Meireles em 11.05.1878, em Mococa; seus filhos: 1.

Artur, batizado em Mococa em 1879, e

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2.

Anália, batizada em Mococa em 1882.

7. Adelina (ou Idelina) Bernardina Garcia, batizada em Casa Branca, em 11.06.1864; casada em Mococa com João Batista Franco Camargo; foram pais de: 1.

Maria, batizada em 1886, em Mococa.

8. Messias Garcia, casada com Augusto Ernesto Lages. Segundo pesquisa de Isoldi, este casamento foi realizado em Mocóca em 30.11.1889 pelo Padre Ernesto Augusto Lages (devia ser tio do noivo). Augusto Ernesto Lages era filho de José Coelho Lages e Cornélia Augusta dos Prazeres; 9. Justo Fernandes Garcia, nascido por volta de 1866 em Mococa, casado com sua sobrinha Aureliana Augusta Ramos em 21.07.1891; 10. Basílio Fernandes Garcia, nascido por volta de 1871, casada com sua sobrinha Mariana Garcia Andrade, nascida por volta de 1878, filha de Antônio Gabriel de Andrade e de Maria Cesarina Garcia; 11. José (não aparece in Isoldi); 4. Maria, nascida em 1827. 7. Manuel Ignácio Bezerra, nascido em 1800, e casado com Francisca Nunes de Siqueira, conforme o Censo de Casa Branca em 1814; ela era filha de Salvador Machado de Lima e Margarida Nunes de Siqueira; ele faleceu em 06.08.1850; tiveram os seguintes filhos: 1. Elias Bezerra Machado casado com Maria Bezerra das Dores em 02.11.1848 (há duvida sobre esta data) em Araraquara; 2. Elias, nascido em 22.11.1863; 3. Jorge, nascido em 14.08.1865. 2. Joaquim; 3. Manoel Bezerra Machado; 4. Antônio Bezerra Machado; 5. João; 6. Ana Jacinta Bezerra que se casou com Joaquim Álvares

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Bezerra; 7. Maria que se casou com Antônio Campos Bezerra. 8. José, batizado em 20.01.1789 e falecido em 16.07.1791; 9. José (outro com o mesmo nome), citado no censo de Casa Branca, de 1811, ainda então com 5 anos; deve ter falecido ainda jovem, pois não consta no inventário de sua mãe. Antônio Bezerra Cavalcanti e sua mulher Bárbara Maria Gertrudes, que aparecem citados no censo de Casa Branca de 1814 até 1829, foram doadores de 12 alqueires de terras para a formação do patrimônio de São Sebastião do Ribeirão Preto, no bairro das Palmeiras, em 1852, doação esta que não se efetivou, pois não foi aceita pela Igreja. Este casal deixou numerosa descendência em Ribeirão Preto. Seus filhos foram: 1. José Bezerra dos Reis, nascido em 1816, conforme o Censo de Casa Branca, de 1829; falecido antes da sua mãe, deixou descendência que ainda não conhecemos; 2. Joaquim Bezerra dos Reis, batizado em 19.07.1822, casado com sua prima Carolina Maria Bernardina, filha de Joaquim Leonardo Bezerra e Ana Rosa de Alexandria. Em 1850, Joaquim estava em sua fazenda, no quarteirão do Ribeirão Preto, distrito de São Simão. Seus filhos já foram citados na descendência de Ana Rosa de Alexandria. Carolina casou-se segunda vez com José Alves da Silva, com quem teve um filho de nome Antônio, batizado em 31.05.1863. 3. Manoel Bezerra dos Reis (ou Manoel Lourenço Bezerra), nascido em 1822, casado com Maria Frauzina dos Reis, sua prima; seus filhos foram: 1. Joaquim, batizado em 01.02.1850; 2. Alexandrina Bezerra dos Reis, que se casou em primeiras núpcias com Manoel Bezerra dos Reis, seu primo, filho de Miguel Bezerra dos Reis e Francelina Maria Teodora. Alexandrina era, pois, neta de Bárbara Maria Gertrudes (dos Reis Araújo) e este seu primeiro marido era neto de seu tio-avô, o capitão Matheus.

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Francelina era filha do capitão Matheus. Manoel Bezerra dos Reis faleceu em 26.12.1870 e deixou um filho que identificamos: 1. Miguel Bezerra dos Reis, que se casou com sua prima Eufrosina Bezerra dos Reis, os quais tiveram três filhos, a saber: 1. Paulina Eufrozina de Jesus, nascida em 09.10.1866 e casada em 02.08.1879 com Venâncio José dos Reis Júnior, nascido em 20.03.1854; tiveram os seguintes filhos: (já citados anteriormente) 1. Venâncio, batizado em 25.12.1881; deve ter falecido ainda criança, pois teve outro irmão com o mesmo nome; 2. Maria, nascida em 1884, sendo seus padrinhos de batismo Francisco José dos Reis e Alexandrina Bezerra dos Reis; 3. José, batizado em 19.06.1886; 4. Venâncio, batizado em 12.08.1888. 2. Maria Teodora Bezerra, casada em 29.11.1875 com seu primo de terceiro grau Luiz Gonzaga Bezerra dos Reis, batizado em 12.08.1854, filho de Severino Bezerra dos Reis e Maria Bernardina de São José. Ela faleceu em 28.10.1892 e ele, em 1894; o inventário de Luiz Gonzaga encontra-se no cartório de 2º Ofício, Caixa 15, em Ribeirão Preto; este casal teve os seguintes filhos: 1.Flauzina, batizada em 11.06.1876 e falecida em 03.02.1878; 2.Senhora, batizada em 25.12.1877; 3.Nestor, batizado em 12.09.1879; 4.Maria, batizada em 19.11.1881 e falecida em 30.01.1882; 5.Severino, batizado em 08.01.1883; 6.Alexandrina, batizada em 19.06.1885; 7.Luis, batizado em 16.07.1887. 3. Brazilina Bezerra dos Reis que se casou em 03.11.1877 com Manoel Alves dos Reis, filho de José

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Celestino dos Reis e Ana Ismênia Vilela; Brazilina e Manoel tiveram, pelo menos, dois filhos, a saber: 1.José, batizado em 16.11.1879; 2.Francisca, batizada em 21.08.1887. Alexandrina casou-se novamente com Venâncio José dos Reis em 28.01.1871. Ele foi Juiz de Órfãos e Ausentes em Ribeirão Preto, bem como vereador da sua Câmara Municipal, na primeira legislatura. Venâncio José dos Reis era viúvo de Maria Tereza de Jesus, com quem os seguintes filhos: 1Venâncio José dos Reis Júnior, que se casou com Paulina Eufrazina, sua prima, e cuja descendência já estudamos acima; 2- Francisco, nascido em 20.02.1852; 3- Policena, nascida em 01.11.1854 (Cartório do 1ª Oficio Cível, maço 02, 1875 – Emancipação Vênâncio José dos Reis-APHRP). Venâncio José dos Reis faleceu em 17.02.1882 (ou 17.12.1882) com 78 anos. Ele era natural de Caracol (MG) e não pertencia à família Reis de Araújo, fundadores de Ribeirão Preto. Alexandrina faleceu em 19.12.1888 e seu inventário está no cartório do 1º Ofício de Ribeirão Preto, 1888, caixa 9, tendo sido inventariante Miguel Bezerra dos Reis, seu filho. 4. Ana Delfina Bezerra (ou Flauzina, conforme pesquisa de Roberto Vasconcelos Martins), nascida em 1820 e falecida em junho de 1863. Casada em primeiras núpcias com Lauriano Vieira, com quem teve duas filhas: 1. Maria Cândida Bezerra, nascida por volta de 1840 e já viúva quando a mãe faleceu em 1863; 2. Flauzina Maria dos Reis, nascida por volta de 1841, casada com seu primo Miguel Bezerra dos Reis. Ana Delfina (ou Flauzina) casou-se em segundas núpcias com João Alves da Silva Primo, também viúvo, e com descendência citada anteriormente, na família Alves da Silva. 5. Rosa ou Maria Rosa, nascida em 1826; deve ter falecido antes da sua mãe (1861), pois não aparece no inventário dela; 6. Vicente Bezerra dos Reis, nascido em 1828, condenado por ter matado a facadas Antônio Inácio, camarada do seu cunhado João Alves da Silva Primo, preso em Casa Branca e morto na prisão em 1866; 7. Maria Flauzina, casada com Salvador Vieira de Gusmão;

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8. Carolina, casada com José Alves Ribeiro que foi casado antes com Ana Roberta de Alvarenga com quem teve sete filhos batizados em São Simão; ele era eleitor no quarteirão 18 de São Simão, em 1853; 9. Severino Bezerra dos Reis, nascido por volta de 1828, casado com Maria Bernardina de São José com quem teve os filhos seguintes: 1. Luiz Gonzaga Bezerra, batizado em 12.08.1854, e casado com sua prima Maria Teodora Bezerra; tiveram duas filhas que faleceram muito novas: 1. Eufrazina, falecida em 03.02.1878 com 20 meses; 2. Maria, falecida em 30.01.1882 com 3 meses. O inventário de Luiz Gonzaga encontra-se no cartório do 2º Ofício de Ribeirão Preto, caixa 15, sendo inventariante sua própria esposa. 2. Sabino Bezerra dos Reis, batizado em 10.08.1856 casou em primeiras núpcias com Leonella do Carmo Pimentel em 09.02.1877; ela, filha de Antônio Luiz de Oliveira Pimentel e de Claudina Maria do Carmo; Leonella faleceu em 09.09.1878 com apenas 25 anos e seu inventário encontra-se no cartório do 1º Ofício de Ribeirão Preto, 1878, caixa 3, sendo inventariante seu próprio esposo; este casal teve um filho: 1. Antônio, batizado em 05.05.1878. Sabino casou-se novamente em 24.05.1879, com Maria Umbelina Lara dos Reis, com quem teve um filho de nome Brasilino, batizado em 22.04.1880. 3. Senhorinha, batizada em 10.04.1858, casada em 31.07.1875, com João Alves da Silva Sobrinho, natural do Espírito Santo dos Coqueiros (Coqueiral, em Minas), filho de José Alves e Policena dúvida: ou Pulcina Maria de Jesus, doadores de terras para a formação do patrimônio de São Sebastião das Palmeiras; tiveram três filhos; 1. Maria, batizada em 02.06.1878 e falecida em 18.04.1881; 2. Firmino, batizado em 05.08.1880; 3. Virgilio, batizado em 06.01.1883. 4. Maria, batizada em 14.10.1860. 10. Felisbino Bezerra dos Reis, nascido em 1832, e casado com Maria

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Pedrosa do Espírito Santo; filhas desse casal: 1. Maria Felisbina dos Reis, batizada em 25.11.1866 e casada com Eduardo José da Cunha em 19.01.1880; ele, filho de Mariano da Cunha e Ana Silvéria de Jesus; 2. Delfina, batizada em 05.12.1858; 3. Ana Maria dos Reis casada em 25.01.1869 com José Soares da Silva, filho de José Soares da Silva e Juvina Maria de Jesus; 4. Maria, batizada em 27.01.1856. Há uma grande distância entre as datas de batizado destes seus filhos, havendo possibilidade de incorreção das mesmas. 11. Jesuíno Bezerra dos Reis, casado com Maria das Dores de São José; tiveram três filhos: 1. Ana, batizada em 03.08.1859; 2. Maria Bezerra dos Reis, batizada em 18.12.1860, casada com Joaquim Carlos de Lima em 30.06.1875; ele, filho de Joaquim José de Lima e de Maria Beralda de Jesus; 3. João, falecido de “febre” com 5 anos em 01.04.1876; 4. Antônio, nascido em 31.05.1863. Um dos filhos de Antônio Bezerra Cavalcanti foi o protagonista do primeiro crime de morte perpetrado na nascente Capela de São Sebastião do Ribeirão Preto, em 1853. Vicente Bezerra dos Reis matou a facadas Antônio Inácio camarada de João Alves da Silva Primo,78 cunhado do mesmo Vicente, pois casado com sua irmã Ana Delfina Bezerra. Pelos depoimentos das oito testemunhas inquiridas na Subdelegacia de Casa Branca, era, sem dúvida, um crime que envolvia discórdias e ressentimentos familiares, que não ficaram muito esclarecidos. Vicente tentou convencer o camarada Antônio Inácio a assassinar o seu patrão, quando de uma viagem que os três iriam fazer para uma cobrança de dívida. Seria um crime de encomenda, muito bem pago - uma besta arreada e um ponche! O camarada denunciou a trama ao patrão e, por vingança, foi morto.

78

Processo de crime de Vicente Bezerra dos Reis que matou a facadas a Antônio Inácio. Cartório do 1 Ofício de Casa Branca, c. AC-1853, m. 131.

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O crime cometido ocorreu dentro da casa do velho Joaquim Bezerra (que veio a falecer logo depois), em meio a uma enorme confusão, envolvendo parentes de ambos os lados. Julgado e condenado, Vicente passou o resto de sua vida na prisão, vindo a falecer na cadeia da vila de Casa Branca em 1866. Os autos deste crime constituem um dos documentos mais interessantes para apreendermos toda a trama social que se desenvolvia naquela incipiente comunidade de São Sebastião do Ribeirão Preto. O entrelaçamento entre as famílias, através de vários graus de parentesco, as sociabilidades e seus compromissos, seu horizonte cultural, seus falares, palavras de baixo calão que até hoje são usadas - tudo isso nos leva a ter uma visão surpreendente do imaginário daquela sociedade de criadores que se organizava. Mas voltemos ao patriarca da família, Lourenço Bezerra Paes Cavalcanti. Após a morte de sua primeira mulher, ele casou-se novamente com Maria José de Crasto. Com esta ele teve mais quatro filhos, os quais citaremos a seguir. Em 1822, após a morte do velho Lourenço, seus filhos, genros e noras entraram no Juizo de Mojimirim com uma petição contra a viúva Maria José. Requeriam a partilha da herança da família e a nomeação de um curador para administrar os bens da mãe e sogra, “tendo em vista que ela já tinha mais de 70 anos, achar-se decrépita e caduca e estar a dilapidar o patrimônio familiar fazendo doações absurdas a engeitados e expostos”. A viúva se defendeu em audiência na Justiça, onde ficou constatado que ela estava em perfeito juizo, não era caduca nem decrépita e as doações feitas o foram para os seus próprios filhos. O juiz julgou a questão favoravelmente à viúva. Nessa ação judicial, podemos identificar os filhos de Lourenço Bezerra Paes Cavalcanti e sua segunda esposa, Maria José de Crasto: 1. Ana Francisca do Bonsucesso, nascida em 1769, casada com João da Costa Bezerra, certamente seu parente, também nascido em 1769. Este casal aparece nos Censos entre 1785 e 1825. O apelido Bonsucesso certamente veio do nome da fazenda da família que teve sua origem remota no Cercado citado nos censos do século XVIII realizados no Caminho de Goiás. O inventário de João acha-se no Cartório do 1º Ofício de Mojimirim, 1842, maço 3. Ana faleceu em 1844; seus filhos, de acordo com o censo de 1810: 1. Ana, nascida em 1791; 2. Lourenco, nascido em 1793; 3. Maria, nascida em 1793; 4. Joaquim, nascido em 1799;

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5. Manoel, nascido em 1802; 6. Antônio, nascido em 1803; 7. Ursula, nascida em 1804; 8. Francisca, nascida em 1806; 9. Ana, nascida em 1807; 10. Tereza, nascida em 1808; 11. Rita, nascida em 1809. 2. Maria Clara, batizada em 02.05.1771 e casada com Inácio Xavier de Loyola; este casal aparece nos Censos entre 1814 e 1829, com os seguintes filhos: 1. Maria, nascida em 1802; 2. Joaquim, nascido em 1805. 3. Manoela Maria, batizada em 19.12.1772 e casada com Antônio Alves de Carvalho; de acordo com o censo de 1815, tinham os seguintes filhos: 1. Antônio, nascido em 1795; 2. Maria, nascida em 1803; 3. Lourenço, nascido em 1804; 4. Ana, nascida em 1805; 5. Ursula, nascida em 1806; 6. Manoela, nascida em 1810; 7. Joaquim, nascido em 1811. 4. José Joaquim Bezerra, batizado em 15.05.1774 no pouso do Rio Pardo, casado com Gertrudes Maria da Luz em 15.04.1802; ele aparece nos Censos de Casa Branca entre 1805 e 1816; seu inventário está no Cartório do 1º Ofício de Mojimirim, 1824, maço 81; foram seus filhos, conforme o censo: 1. Maria, nascida em 1803; 2. Lourenço, nascido em 1804; 3. Ana, nascida em 1806.

3.5. Nazareth de Azevedo

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Esta família, de valor tão expressivo para as origens de Ribeirão Preto, teve como patriarca José Nazareth de Azevedo, falecido em 1829.79 Encontramos seu testamento, transcrito no inventário que correu em Mojimirim.80 Declarava que era natural de Mojiguaçu, filho de Manuel José Pires de Azevedo e sua Mulher Maria das Dores de Jesus, já naquela época falecidos. Dizia ter 49 anos, portanto, nascido em 1780, ser casado em Franca em 23.05.1810 com Custódia Leite de Morais, filha de José de Castro Pereira e de Maria Leite de Morais, moradores na vila de Jundiaí. José e Custódia residiram por muito tempo na região de Batatais, onde os encontramos relacionados no censo a partir de 1814. Deixava para o espólio cerca de 80 cabeças de gado, a casa onde morava e que comprara do Sr. Francisco de Lima, uma chacrinha que havia sido do Sr. José de Almeida Lara, vários outros terrenos e cinco escravos que totalizavam um valor de 1.720$000. O valor do monte alcançava 4.842$125. Quando redigiu seu testamento, uma de suas filhas já havia falecido, Maria de Nazareth, que vivera casada com Manuel Inácio e com quem teve quatro filhos que também foram herdeiros de José de Nazareth Azevedo: Ana Maria de Nazareth que foi casada com João Bento de Castro, Joaquim, Maria e José. Na relação de herdeiros, encontramos os outros seus sete filhos legítimos, a saber: 1. Senhorinha Maria de Nazareth, batizada em 19.12.1811, em Franca, e casada com Antônio Soares de Castilho, de família de ricos comerciantes radicados em Ribeirão Preto, desde a formação do arraial; identificamos dois filhos seus: 1.

José, batizado em 23.06.1845;

2.

Maria Jacinta que se casou com Manoel Antônio de Pontes em 30.10.1859 em São Simão; ele, filho de Antônio de Souza Boinavida e Floriana Maria de Jesus.

Por volta de 1913, José Machado, escravo que viveu por 135 anos, relatou oralmente ao historiador Justino de Castro que Casa Branca, em 1795, possuía quatro ranchos, de propriedade de José Nazareth de Azevedo, natural de Jacuí, Minas Gerais. A casa de José Nazareth de Azevedo localizava-se na junção dos córregos Palmeiras (hoje Espraiado) e Frutuoso (hoje Pingo ou Desterro). José Nazareth de Azevedo foi o doador do terreno para a formação do patrimônio de Casa Branca. In: FURLANI, Geraldo Majela. O município de Casa Branca, 1987. 80 Testamento de José de Nazareth Azevedo, 1829. Cartório do 1 Ofício de Mojimirim, m. 83. Seu inventário também está no 1º Ofício de Mojimirim, 1837, maço 35. 79

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2. Ana Maria de Nazareth, batizada em 12.04.1819, em Batatais, e que se casou com José Alves de Oliveira com quem teve uma filha: 1. Maria Juliana de Oliveira, que se casou com o tio Francisco de Nazareth de Azevedo. 3. Antônia Maria de Nazareth, nascida em 1818, casou com Inácio Alves de Oliveira com quem teve dois filhos: 1.

Cândido Alves de Oliveira;

2.

José Alves de Oliveira.

Antônia veio a se casar, pela segunda vez, com Manoel Soares de Castilho, com quem teve três filhos: 1. Quirino, batizado em 22.08.1859; 2. Felisbina; 3. Antônio. 4. Manoel de Nazareth Azevedo, nascido em Cajuru, batizado em 15.08.1813, na freguesia de Franca e que veio a se casar com uma filha de José Borges da Costa e Maria de Nazareth, Purcina Maria Perpétua; por aí, é possível imaginar que a primeira mulher de José Borges da Costa fosse realmente parente dos Nazareth de Azevedo; Manoel foi o primeiro fabriqueiro da capela de São Sebastião, em Ribeirão Preto; filhos deste casamento: 1. Francisco Batista de Nazareth, batizado em 03.06.1846, casado com Rita Maria da Costa; seus filhos: 1.Maria, batizada em 25.02.1880 em Ribeirão Preto; 2.José, batizado em 10.10.1883 também em Ribeirão Preto. 2. Joaquim de Nazareth Azevedo, batizado em 23.04.1848; 3. Francisco de Nazareth, batizado em 20.01.1850; seu filho: 1. Antônio, falecido aos 10 anos em 06.04.1880 em Ribeirão Preto. 4. Manoel de Nazareth de Azevedo, batizado em 25.12.1851, casado com Joana de Oliveira, em 14.06.1871, em Ribeirão Preto; ela, filha de Joaquim Borges da Costa (irmão de José Borges da Costa) e Lina de Oliveira; Manuel faleceu em 04.11.1878; 5. João Batista Nazareth Azevedo, batizado em 12.12.1853, casado com Maria José do Nascimento em 26.06.1875; ela, filha de Antônio Rodrigues do Prado e Maria do Nascimento de Jesus;

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tiveram os seguintes filhos em Ribeirão Preto: 1. José, batizado em 10.06.1876; 2. Maria, batizada em 24.06.1877; 3. Maria, batizada em 23.05.1881; 4. José, batizado em 30.06.1885; 5. João, batizado em 30.05.1887; 6. Aristides, batizado em 24.02.1889; 7. Ana, batizada em 11.05.1889; 8. Acácio, batizado em 04.05.1890. 6. Maria do Rosário de Nazareth, batizada em 08.12.1855; casada com Tobias Severino da Silva, em 12.08.1874; ele, filho de Severino Joaquim da Silva e Gertrudes Maria da Conceição (ou Teodora), doadores de terras para a formação do patrimônio eclesiástico de São Sebastião do Ribeirão Preto. Foram seus filhos: 1. Maria, batizada em 27.08.1876 e falecida em 15.11.1877; 2. Guilhermina, batizada em 30.06.1878; 3. Arthur, batizado em 11.06.1880 e falecido em 29.01.1882, e 4.Maria, batizada em 01.06.1882 (e provavelmente, Jerônima, batizada em 27.07.1882). 7. Maria das Dores de Nazareth, que se casou com João Batista da Silva em 03.11.1870; ele, filho natural de Batistina Antunes Maciel; ainda há dúvida sobre a paternidade de Maria das Dores de Nazareth. 5. José de Nazareth Azevedo, batizado em 06.05.1816 em Batatais, sendo seu padrinho o capitão Carlos Barboza de Magalhães, de Cajuru; casou-se com Joana Maria de Jesus e faleceu em junho de 1858, sem deixar descendência; seu inventário está no cartório do 1º Ofício de Ribeirão Preto, caixa 58-13; 6. Francisco de Nazareth Azevedo, nascido em 1822 em Casa Branca, residia em São Simão quando se casou com Maria Juliana de Oliveira, sua sobrinha, filha de Ana Maria de Nazareth e José Alves de Oliveira; Francisco faleceu “repentinamente” em 10.05.1874; à época do falecimento de Francisco, a viúva residia na fazenda Serrinha (processo orfanológico 1º Ofício Cível Cx. 81-A APHRB); filhos deste casal: 1. Deolinda Maria de Oliveira que se casou com João Batista de Souza em 16.01.1878; ele, filho de Joaquim José de Souza e Francisca de Pádua do Sacramento; 2. Ana Luiza, batizada em 22.11.1854, casada com Manoel

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Francisco da Silva Onça, em 15.01.1872. Manoel Francisco da Silva Onça era filho de Francisco José da Silva Onça e Maria Bárbara do Nascimento (ou Mariana Barbosa do Nascimento, conforme “As Três Ilhoas”, pág. 974). Este Francisco da Silva Onça era paulista, nascido entre 1810 e 1817 (Cf. “Tres Ilhoas, pág. 973). Manoel Francisco da Silva Onça era ferreiro, sócio de seu irmão, Joaquim Francisco da Silva Onça (este casado com Maria do Carmo Oliveira, com quem teve dois filhos: Sabina, batizada em 19.06.1885 e Antônio, batizado em 29.05.1876; Maria do Carmo era filha de Antônio Maciel de Pontes, um dos primeiros povoadores da área de Sertãozinho e Pontal). Filhos de Ana Luiza e Manoel Francisco da Silva Onça: 1. Maria, batizada em 31.01.1877 e falecida dois dias depois; 2. Helena Luiza de Oliveira, batizada em 1878; 3. Júlia, batizada em 21.03.1886. 3. Senhorinha, batizada em 26.08.1856; 4. José, batizado em 19.01.1861, casado com Rita Ferreira de Jesus em 18.07.1875; ela, filha de Francisco de Paula Martins e Maria Teodora de Jesus; 5. Eufrazina, batizada em 10.11.1863; 6. Camilo Luis de Pontes, nascido em 1867; 7. Francisco, batizado em 30.04.1870; 8. Brazilia, batizada em 05.08.1872. 9. Antônio, batizado em 10.04.1867. Francisco de Nazareth Azevedo reconheceu em escritura pública Carolina como filha natural que teve com Ludovina de Toledo, em estado de solteiros. 7. Missias de Nazareth, batizada em 22.08.1815, idiota. José Nazareth de Azevedo, o patriarca da família, teve ainda três filhos naturais que reconheceu no testamento: Maria que se casou com Manuel de Almeida; Brígida que se casou com João Machado e José, filho de uma tal

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Antônia Maria que morava em Ouro Fino.

3.6. Soares de Castilho Identificamos Sotero Soares de Castilho, nascido por volta de 1765, como mais antigo desta família. Ele aparece citado no Censo de Casa Branca de 1829, como originário de Mojiguaçu, mas é bastante provável que os Soares de Castilho sejam entrantes minerios, pois não aparecem em censos anteriores, sugerindo, portanto, uma chegada recente à região. O inventário de Sotero Soares de Castilho foi descoberto e pesquisado por Eduardo Dias Roxo Nobre em Casa Branca e está no Cartório de 1º Ofício, ano 1856, caixa 53. Estava em 1829 com 64 anos, casado com Quitéria Maria de Andrade, com 48 anos. Viveram, pelo menos, até 1845, quando batizaram, em São Simão, um neto de nome Antônio. O casal possuía oito filhos, a saber: 1.

Antônio Soares de Castilho, o mais velho, citado no censo de Casa Branca, de 1829, quando se declarou natural de Mojiguaçu e casado com Senhorinha Maria de Nazareth.

Mas já era seu segundo casamento, pois antes se casara com Mariana Floriana da Silva em Caldas no dia 10.01.1825. Em terras paulistas, os Soares de Castilho começaram a se ligar aos Nazareth de Azevedo: Senhorinha era filha de José de Nazareth de Azevedo, patriarca dessa família, já citado anteriormente. Filhos de Antônio e Senhorinha: 1. Maria Bernardina, já viúva em 1869; 2. Maria Pedroza, casada com José Antunes Machado; 3. Geremias Soares de Castilho, casado com Francisca Ana de Jesus; 4. Maria Francisca das Dores, casada com Joaquim Francisco Pinto. Filhos deste casal: 1. Maria, batizada em 15.07.1857; 2. Rita, batizada em 05.02.1858. 5. Maria Sabina de São José, casada com Manuel Sabino de Pontes; este era filho de Antônio Maciel de Pontes e Sabina Alexandrina de Oliveira sendo, pois, neto de João Maciel de Pontes e de sua primeira esposa, Escolástica Maria Rosa, fundadores do Sertãozinho; filhos de Maria Sabina e Manoel

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Sabino: 1. Maria, batizada em 13.05.1860; 2. Maria, batizada em 26.11.1867. 6. Maria Jacinta, casada em 30.10.1859 com Manoel Antônio de Pontes; este era filho de Antônio de Souza Boinavida e Floriana Maria de Jesus, que já aparecem no censo de São Simão, de 1835; Maria Jacinta e Manoel Antônio tiveram um filho que identificamos: 1. Maria Jacinta, nascida em 1859. 7. José Soares de Castilho, idiota, batizado em 23.06.1845. Antônio Soares de Castilho teve uma terceira mulher, Ana Rita do Amaral, com a qual não teve filhos e foi sua inventariante, quando ele morreu em 11.01.186881. Mas conforme o livro de óbitos de Ribeirão Preto, ele teria morrido em 25.01.1868, de “hidrofisia”. Ana Rita casou-se pela segunda vez com Joaquim Manoel de Pontes em 24.01.1870 (ou 24.10.1870?) em Ribeirão Preto. Antônio Soares de Castilho deixou de herança uma morada de casas no valor de 350$000, outra na capela do Ribeirão Preto por 150$000, uma chácara na barra do Laureano, com rego d’água e monjolo, no valor de 100$000. O valor total do espólio atingiu 878$500. 2. Manoel Soares de Castilho, nascido em 1807, casado com Antônia Maria de Nazareth, outra desta família. Manuel e seu irmão mais velho, Antônio, já são qualificados como eleitores no 4 quarteirão do distrito de São Simão, localizado no Ribeirão Tamanduá (Figueira), em 1847. Mas, em processos-crime que o envolveram como réu, existem declarações dele afirmando que já estava em Ribeirão Preto entre 1840 e 1842. Encontramos este Manoel, mais tarde, no arraial do Ribeirão Preto, onde se radicou como importante comerciante. Foi ele, o mandante de um crime de morte que repercutiu intensamente no alvorecer daquela comunidade. Manuel Fernandes do Nascimento, fabriqueiro da capela de São Sebastião, foi gravemente ferido a 7 de dezembro de 1866, por Manuel Félix de Campos e veio, posteriormente, a falecer.

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Inventário de Antônio Soares Castilho. Cartório do 2 Ofício Cível de Ribeirão Preto, 1869, c. 3B.

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Segundo o depoimento do criminoso, prestado em Casa Branca, a 19 de novembro de 1867, perante o júri popular, “a mulher de Manoel Soares de Castilho começou a contar-lhe que Manoel Fernandes do Nascimento havia lhe feito umas desfeitas, querendo arrombar o quintal de seu marido, para nele abrir uma rua e, querendo vingar-se dele, queria que ele, interrogado, lhe desse um tiro e quebrasse-se-lhe um braço e que para isso lhe deu dez mil réis e uma garrifinha de champagne cheia de aguardente”.82 O assassinato de Fernandes a mando de Manuel Soares de Castilho e sua mulher, aconteceu às duas horas da tarde, na porteira da fazenda de Fernandes que corresponde hoje à atual Rua Prudente de Morais, cruzamento com a Av. Portugal, antiga estrada que ia para o bairro de Santa Cruz do José Jacques. O local até algum tempo era assinalado com uma capelinha e a pequena praça ali situada hoje leva o nome de Manoel Fernandes do Nascimento. Este veio a falecer, segundo seu inventário,83 a 10.02.1867, tendo o réu sido condenado à prisão perpétua. No entanto, encontramos o registro de um casamento de um Manoel Félix de Campos e Maria Severina Dias em 07.08.1871. Será o mesmo? Ele também aparece como eleitor em Ribeirão Preto em 1878. Maria Severina Dias faleceu em 24.08.1881 com 30 anos. Os mandantes do crime, no entanto, ricos comerciantes no arraial, foram presos, mas nem sequer entraram em julgamento, sendo logo depois libertados, apesar de categóricas afirmações do criminoso. Manoel Soares de Castilho era um homem violento e vingativo. Era o que se pode perceber por outros crimes em que ele se envolveu. Em outro processo, ele foi acusado de mandante da tentativa de assassinato contra um enteado seu, Cândido, por problemas de herança de terras (Cx 11-A, Cartório do 1º Ofício, RP, 1879, APHRP). Ele aparece ainda em outro processo como vítima, alegando que recebia ameaça de morte do próprio filho de Manoel Fernandes do Nascimento, Moisés Fernandes do Nascimento, que desejava vingar-se do assassinato do pai. Em outro processo ainda o encontramos como acusado de mandante da tentativa de assassinato do mestre de música, Figueredo Brasil (cx 2-A, Sumário de Culpa, Cartório do 1º Ofício, RP, 1875). (Pesquisas de Mauro Porto no APHRP). Ele ainda foi eleito suplente de vereador para a Câmara de Ribeirão Preto, na legislatura 1877-1880.

82 83

CIONE, Rubem. História de Ribeirão Preto. 2 ed. Matão: IMAG, 1989, p. 81-82. Inventário de Manuel Fernandes do Nascimento. In: COSTA, op.cit., p. 92, nota 5.

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Pelo inventário de Maria Antônia, falecida em 31.08.1872,84 podemos avaliar o grau de riqueza dessa família. Tinham apenas uma escrava, Joaquina crioula, de 20 anos, mas nada menos que 24 fazendas, quatro casas na vila, inclusive uma localizada à Rua do Comércio (atual Mariana Junqueira), em frente à capela de Nossa Senhora das Dores, então ali existente (cruzamento das atuais ruas Mariana Junqueira e Visconde de Inhaúma), outra casa na Fazenda do Ribeirão Preto. O espólio atingiu o valor de 31.779$598, um valor formidável para a época. Manoel Soares de Castilho deixou cinco filhos, entre os quais dois enteados, filhos do primeiro casamento de sua mulher Antônia com Ignácio Alves de Oliveira: 1. Cândido Alves de Oliveira, com 37 anos em 1872; 2. José Alves de Oliveira, com 33 anos em 1872. Os filhos do segundo casamento eram: 3. Felisbina Maria de Nazareth, casada com José Antônio Pinto; foram filhos deste casal: 1. Ana, batizada em 22.05.1870; 2. Mariana, batizada em 01.01.1872; 3. Matheus, batizado em 12.10.1872; 4. Jacinto, batizado em 10.08.1873; 5. Jacinto, batizado em 06.05.1875; 6. Maria, batizada em 29.04.1877. 4. Antônio Sotero Soares de Castilho, batizado em 02.06.1849, casado com Maria Victória de Castilho (Arantes), em 01.05.1875; ela, filha de Máximo de Arantes Marques e de Maria Joaquina do Sacramento; Antônio veio a ser tabelião em Ribeirão Preto; filho deste casal: 1. Aristides, batizado em 06.03.1880. 5. Quirino Sotero Soares de Castilho, batizado em 22.08.1859, casou-se com Ana Ozória de Jesus em 19.05.1883 e faleceu em 26.07.1891 em Ribeirão Preto; ela, filha de Joaquim Martins de Andrade e Maria Rosa de Jesus; Ana casou-se novamente com João Batista Nogueira, português (não é da família Borges da

84

Inventário de Antônia Maria, mulher de Manuel Soares de Castilho. Cartório do 2 Ofício de Ribeirão Preto, c. 3B, 1873.

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Costa), também viúvo de Maria dos Anjos Souza; identificamos um filho deste casal: 1. Evaristo Soares de Castilho batizado em 28.10.1891 que, em 1915, era um dos condôminos da antiga Fazenda do Retiro, em terras deixadas de herança pelo seu pai; um dos filhos de Evaristo ainda vivia na Ribeirão Preto do Sesquicentenário (2006): 1. Orlando Soares de Castilho casado com Araci Silva Soares de Castilho; ele é proprietário do Despachante Orlando, na Rua Álvares Cabral; o casal tem três filhas. (nos livros do Cemitério de Ribeirão, existe o assento de óbito de José, filho de Evaristo de Castilho e Maria Alves, em 12.11.1916, quadra 16, sepultura 4439). 1. Gertrudes Maria de Andrade, nascida provavelmente em 1812, casada com João Garcia Duarte; 2. Manuel do Carmo Aparecido, nascido provavelmente em 1817; 3. Maria das Dores de Jesus, nascida provavelmente em 1820 e que se casou com Manoel Pereira da Cruz; 4. José Soares de Castilho, nascido provavelmente em 1821; 5. Ana Esméria de Jesus, nascida provavelmente em 1822, casada com Vicente de Castro Pereira; 6. Maria Margarida da Conceição, nascida provavelmente em 1826, casada com Francisco Soares de Andrade. Estes seis últimos filhos de Antônio e Quitéria muito provavelmente não se radicaram em São Simão ou Ribeirão Preto, pois não os encontramos na documentação pesquisada. Sabemos da existência de numerosos Castilhos na região de Penápolis, Birigui, Araçatuba e Andradina, no oeste do Estado. É provável que façam parte do mesmo tronco dos Castilhos que vieram do Vale do Tamanduá, freguesia de São Simão, na década de 1840.

242


4. A FORMAÇÃO DO PATRIMÔNIO ECLESIÁSTICO DE SÃO SEBASTIÃO

4.1. A lei de terras de 1850 e a legalização da posse A partir de 1842, teve início na seção da Legislação da Câmara dos Deputados, a elaboração de um projeto de lei que ficará conhecida, oito anos depois, como Lei n 601 ou Lei de Terras. A demorada e difícil tramitação deste projeto se explica pelos vários interesses em desacordo que se faziam representar no Parlamento do Império e que, por isso, foi sofrendo modificações e emendas sucessivas no Conselho Pleno, no plenário da Câmara e no Senado. A Lei de Terras de 1850 contemplava como objetivos básicos a garantia de suprimento de mão de obra para a cafeicultura em expansão no Vale do Paraíba fluminense e paulista e a regularização da propriedade da terra. Assim, a pedra de toque da referida lei era a proibição de doações de sesmarias pelo governo e o estabelecimento da compra como única forma de aquisição de terras. Excluía-se assim, do acesso à propriedade fundiária o homem sem recursos, tanto o imigrante quanto o trabalhador nacional, que se transformaram em mão de obra barata para os grandes proprietários, num momento em que o sistema escravista apresentava claros sinais de crise com as fortes pressões britânicas contra o tráfico. O projeto da década de 1840 representava os interesses dos cafeicultores fluminenses, aliados à elite político-burocrática da Corte, que buscava a implementação de modificações profundas na estrutura agrária no âmbito de todo o Império. A grita dos proprietários “tradicionais” (não vinculados à lavoura de exportação) foi geral. Falava-se em “agressão à propriedade privada” com a interferência do poder central numa questão de domínio privado. Fazendeiros paulistas e mineiros, até então despreocupados com o problema da mão de obra, mas, assustados com o alto custo da demarcação e legitimação de suas terras “novas”, se opuseram à Lei 601 e procuraram mesmo modificá-la após 1850. Raymundo Faoro explicou o “lado moderno” da Lei 601 ao afirmar que “... o estatuto corresponde à tendência político-econômica de meados do século XIX, defendendo a propriedade ao mercantilizá-la, com a sua redução a valor monetário, transmissível e avaliável. No seu seio, pulsa o nervo antilatifundiário, no estilo da grande propriedade incólume à economia urbana, dirigida pelos

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potentados e caudilhos alheios à interferência do poder público”. 85 Tratava-se de estabelecer uma relação estreita entre o monopólio da mão de obra, no momento da crise da escravidão, e o monopólio da terra. Isto põe em evidência “a necessidade de uma política de Estado que equacione o problema da mão de obra em relação aos demais monopólios”.86 Ilmar de Mattos coloca a Lei de Terras de 1850 como “obra dos políticos conservadores nucleados no Rio de Janeiro, comprometidos com um projeto reformista na construção do Estado Imperial para a preservação e a expansão dos interesses de sua classe”.87 Interessa-nos aqui, por enquanto, um aspecto peculiar da Lei de Terras: o da regularização fundiária. Dizia seu artigo V: “serão legitimadas as posses mansas e pacíficas, adquiridas por ocupação primária ou herdadas do primeiro ocupante, que se acharem cultivadas ou com princípios de cultura e moradia habitual”. Costa Porto, analisando a situação do posseiro na Lei 601, afirma que: “pode-se dizer, visava proteger o simples posseiro e o sesmeiro irregular, elevando-lhes a situação de fato à categoria de situação jurídica, dando-lhes meio de adquirir o domínio pleno da terra, pela legitimação da posse ou revalidação da data”.88 Mas esta liberdade não era absoluta, estabelecendose certas condições. Vejamos o que diz o artigo VII: “o governo marcará os prazos dentro dos quais deverão ser medidas as terras adquiridas por posse, por sesmarias ou outras concessões”. E no artigo VIII: “os possuidores que deixarem de proceder à medição nos prazos marcados serão reputados caídos em comisso e perderão, por si, o direito que tenham a serem preenchidos das terras concedidas por seus títulos ou por favor da presente lei, conservando-o somente para serem mantidos na posse do terreno que ocuparem com efetiva cultura, havendo-se por devoluto o que se achar inculto”. Nada liberal este artigo VIII: ele assegura apenas a manutenção da posse e não o “direito à área ocupada”. Os trabalhos de demarcação e legitimação da posse estabelecidos pela Lei de Terras (aos posseiros) eram por demais onerosos e complicados para “homens sem cabedais e sem escravos, que não só não as cultivavam, mas

FAORO, Raymundo. Os donos do poder: a formação do patronato político brasileiro. 6º ed. Porto Alegre: Globo, 1985, p. 411. 86 MATTOS, Ilmar Rohloff. O tempo saquarema: a formação do estado imperial. 2º ed. São Paulo: HUCITEC, 1990, p. 74 e 91. 87 Ibidem, p. 93. 88 PORTO, Costa. Estudo sobre o sistema sesmarial do Brasil. Recife: Imprensa Universitária, 1965, p. 146. 85

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nem sequer as vendem e repartem.”89 “Apoderar-se de terras devolutas e cultivá-las”, esclarece Rui Cirne de Lima, “tornou-se cousa corrente entre nossos colonizadores, e tais proporções esta prática atingiu que pôde, com o correr dos anos, vir a ser considerada como modo legítimo de aquisição de domínio, paralelamente a princípio, e, após, em substituição ao nosso tão desvirtuado sistema de sesmarias”.90 Era exatamente esta a situação de milhares de posseiros de uma vasta região do interior do império, já ocupada, mas ainda não integrada à economia agrária de exportação. E, sem dúvida, era exatamente esta a situação dos ocupantes de imensas glebas do vale do Rio Pardo e seus afluentes, como a família Reis, seus filhos, sobrinhos e agregados, em meados do século passado. Esse “modo legítimo de aquisição de domínio” a Lei de Terras veio modificar, restringir, nele estabelecer normas e condições. Uma saída mais fácil para estes homens de posses sem títulos, passava pela devoção de um “santo forte”. As doações de terras à Igreja para a constituição quase sempre de um patrimônio eclesiástico que garantisse a construção e manutenção de uma capela eram registrados em livros paroquiais, registros esses que passavam a ter valor legal como título de propriedade. Doando terras à Igreja, os posseiros asseguravam para si o direito de primeiros ocupantes do terreno. Sacrossanta aliança entre o céu e o latifúndio.91 Vários patrimônios eclesiásticos, muitos deles gérmens de núcleos urbanos na região denominada Oeste Paulista, foram constituídos exatamente como forma de legalização de posses de terras. Havia, sem dúvida, outras formas de regularização fundiária, através de divisões judiciais dos terrenos em condomínio, por exemplo. Mas toda a discussão em torno da Lei de Terras gerou críticas, principalmente entre os proprietários paulistas de terras novas - ou seja, terras recentemente apossadas, as quais, então, procuraram fazer-lhes emendas, acréscimos e supressões, através de seus representantes no Parlamento; mas, ao mesmo tempo, procuraram defender-se na prática, trilhando caminhos mais fáceis e baratos para regularizar as suas posses.

4.2. As doações de terras para a formação do patrimônio de São Sebastião do Ribeirão Preto

PORTO, op.cit., p. 146. LIMA, Rui Cirne. Pequena história territorial do Brasil: sesmarias e terras devolutas. Porto Alegre: Sulinia, 1954, p.47. 91 DEAN, Warren. Rio Claro: um sistema brasileiro de grande lavoura (1820-1920). Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977, p. 52. 89 90

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Em 2 de novembro de 1845, José Matheus dos Reis - filho de um dos réus de dez anos antes, no libelo cível de força e esbulho dos Reis de Araújo contra os Dias Campos - o Capitão Matheus, foi o primeiro a doar terras para formar o patrimônio da futura capela sob invocação do mártir de São Sebastião que daria origem ao sítio urbano de Ribeirão Preto. A família, agora, já consolidara seu domínio inconteste sobre vários territórios ao sul do Rio Pardo, se bem que continuasse a demanda judicial com os Dias Campos no Juízo de Mojimirim. Discordamos dos cronistas e historiadores locais quando afirmam o “imperativo do espírito religioso” como explicação exclusiva para a formação do patrimônio de São Sebastião do Ribeirão Preto. Monsenhor João Lauriano, por exemplo, afirma que isto decorreu de um “louvável espírito religioso com que a incipiente população desejava a presença mais frequente de um sacerdote que lhe prestasse a devida assistência espiritual...”92 Ou Rubem Cione: “Devemos afirmar, para sermos fiéis à História, que a fundação de Ribeirão Preto foi imperativo e consequência das aspirações religiosas que se verificaram nos meados do século passado entre os desbravadores da terra, localizados no vale do Rio Pardo, do córrego das Palmeiras, do Retiro, do Ribeirão Preto, do Esgoto, da Figueira, etc.”93 Nem mesmo Osmani Emboaba da Costa escapa a este tipo de análise: “a José Matheus dos Reis coube o mérito da primeira tentativa de formação de um patrimônio destinado à manutenção de uma capela em honra de São Sebastião na qual se pudessem celebrar os ofícios religiosos, o que era desejo alimentado fervorosamente pelos demais moradores da região, muitas léguas afastados da matriz de São Simão que era o templo mais próximo”.94 A visão de mundo desses homens perdidos nas grandes distâncias dos sertões tinha em Deus e na salvação de suas almas um referencial para suas vidas. Acreditamos na profunda religiosidade dos primitivos povoadores da região de Ribeirão Preto, mas maximizar o imperativo religioso na formação de seu núcleo urbano nos leva a camuflar uma realidade estrutural subjacente àquele profundo sentimento espiritual: a necessidade de legitimar e regularizar a posse da terra. Assim, aqueles posseiros buscavam elevar-se à condição de cidadãos em um contexto em que a propriedade da terra se mercantilizava cada

LAURIANO, João. Apontamentos para a história de Ribeirão Preto. São Paulo: Ave Maria, 1965. 93 CIONE, op.cit., p.65, nota 82. 94 COSTA, op.cit., p.36, nota 5. 92

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vez mais, nos albores da economia cafeeira. Portanto, em 1845, José Matheus dos Reis tentou legitimar a sua posse, fazendo uma doação em terras cujo valor foi declarado em 40$000, para a formação de um patrimônio destinado à manutenção de uma capela em honra de São Sebastião. José Matheus dos Reis era um dos proprietários da Fazenda Palmeiras, desmembrada da antiga sorte de terras disputada entre sua família e os Dias Campos desde 1834. Não teve êxito a iniciativa de José Matheus dos Reis. Os termos de sua doação não atenderam às condições exigidas pela Câmara Episcopal, e nem poderia ser o contrário: “Para ficar firme e valioso o presente patrimônio, deve o constante zelador justificar os itens seguintes: 1. Que as terras que formam o patrimônio valham 120$000 para os juizamentos da mesma; 2. Que as terras de vínculo doutra capela ou morgado não tem foro, censo, obrigação, nem encargo algum, não estão hipotecadas ou por outro qualquer princípio obrigada a vendas, dívidas, dotes ou fianças; 3. Que na doação feita não há dolo, simulação, engano, nem pacto algum expresso ou simulado pelo que se obriga a restituírem em terra ou em parte no rendimento. A este item deporão os doadores bem como assinarão... 4. Que das presentes doações que formam o patrimônio não resulta prejuízo a herdeiros ou credores, havendo-os. Além dos documentos que se apresentam, devem mostrar que os doadores eram legítimos senhores e possuidores daquelas propriedades”.95 Terras é que não faltavam àqueles posseiros e, mesmo assim, eles não ampliaram, de imediato, suas doações. Decorreram alguns anos sem que a ideia da ereção da capela fosse levada adiante, mesmo com outras doações que pudessem facilitá-la. Em 1850, José Antônio Pereira doou um alqueire de campo na sua Fazenda da Figueira “que se achava quase nos limites... para as partes das Palmeiras”,96 que permitisse a instalação de uma olaria, cujas rendas caberiam ao padroeiro São Simão até a ereção de uma capela próxima. Logo depois, José Borges da Costa e sua mulher, Maria Felizarda, bem como Antônio

95 96

Idem, p. 46, nota 5. Doação de José Antônio Pereira. In: COSTA, op.cit., p. 38, nota 5.

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Alves da Silva doaram um alqueire de terreno para um cemitério público.97 São comprovações de que no imaginário daqueles homens era forte a presença do sagrado e a expectativa da construção próxima de um templo atingia a todos eles. Além disso, a iniciativa de se construir um cemitério supõe um mínimo de adensamento populacional que já exigia tal empreendimento. Todas estas iniciativas estão, com certeza, vinculadas ao projeto de vários posseiros da região de legitimarem suas posses através das doações... Mas tudo indica que o apego à propriedade falava mais alto que a devoção ao santo no momento de concretizar tal projeto. Daí, a difícil tarefa a que se propuseram de formar um patrimônio vinculado a sucessivas doações até que fossem preenchidas as exigências da Câmara Episcopal. Numa das raras vezes que Osmani Emboaba da Costa aponta em seu trabalho o verdadeiro nó górdio do problema das doações, ele afirma: “apesar da insegurança jurídica das posses alegadas, quiseram os doadores imediatamente converter em realidade seus desejos...”98 ou ainda “... demonstraram que os interessados não poderiam cumprir o exigido ... pois que um dos pontos capitais era a prova de legalidade da posse nas terras - legalidade que referente a uma fazenda pré-indiviso, era inviável”99 ou tornava mais inviável. É ainda Emboaba da Costa que escreve: “as formalidades eclesiásticas, todavia, arrefeceram o entusiasmo à constituição do patrimônio de São Sebastião apenas com terras da Fazenda Palmeiras, levando os interessados a cogitar da constituição do Patrimônio em outro local, cujas terras não estivessem judicialmente sujeitas a dúvidas.”100 Agora, fica bastante claro que tais dúvidas judiciais estavam ligadas à forma de aquisição da terra pelos Reis. Em 1846, o Juiz de Casa Branca deu por encerrada a demanda entre os Reis de Araújo e os Dias Campos, com um termo de conciliação que garantiu a posse da terra aos primeiros, mas isso, talvez, fosse insuficiente para a Igreja reconhecer a legitimidade de suas posses. Pairavam dúvidas, com certeza. Prova disso é que Domingos José Fernandes registrou suas terras em 14.04.1856 no Registro Paroquial de Terras de São Simão (cumprindo determinação da lei 601), sob a denominação de “Santo Antônio da Boa Vista”, declarando que suas terras

Doação de José Borges da Costa para um cemitério público. In: COSTA, op.cit., p. 38-39, nota 5. 98 COSTA, op.cit., p. 48, nota 5. 99 Idem. 100 COSTA, op.cit., p. 48, nota 5. 97

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divisavam “pelo nascente com os Dias ou Reis até o Rio Pardo”.101 Antônio Dias Campos, um dos autores do libelo de 1834, ainda declarava como suas essas terras no Registro Paroquial de Terras de São Simão, em 1856, com as mesmas confrontações. Vejamos, agora, as idas e vindas do processo de constituição do patrimônio eclesiástico de São Sebastião do Ribeirão Preto: PRIMEIRA ETAPA (FRACASSADA) DOADOR

FAZENDA

EXTENSÃO

AVALIAÇÃO

DATA

José Matheus dos Reis

Palmeiras

(?)

40$000

02.11.1845

SEGUNDA ETAPA (FRACASSADA) DOADORES

FAZENDA

EXTENSÃO

Mariano Pedroso de Almeida e Maria Lourenço do Nascimento

Palmeiras

4 alqueires 14.03.1852

Palmeiras

4 alqueires 12.03.1852

Palmeiras

4 alqueires 12.03.1852

Palmeiras

1 alqueire

Palmeiras

2 alqueires 12.03.1852

Palmeiras

2 alqqueire 12.03.1852

Esgoto

2 alqueires 07.07.1852

José Alves da Silva e Pulcina Maria de Jesus Matheus José dos Reis e Maria Silvéria Soares Ferreira Luís Gonçalves Barbosa e Antônia Maria dos Anjos Miguel Bezerra dos Reis e Francelina Maria Teodora Antônio Bezerra Cavalcanti e Barbara Maria Gertrudes Alexandre Antunes Maciel

101

DATA

12.03.1852

SÃO PAULO. Arquivo Público do Estado. Registros paroquiais de terras de São Simão, 1856, livro 72.

249


Ainda em 1852, estes moradores se dirigem ao vigário capitular do Bispado através de um documento implorando o aceite das doações: “Pelos títulos que se apresentam a V.Sa. verá que vários habitantes, que tinham direitos no terreno da Fazenda das Palmeiras fizeram doações de porções no mesmo terreno, e que todas unidas há de perfazer meio quarto em quadra pouco mais ou menos, o que é suficiente para o patrimônio da mesma capela. E o ponto destinado para ela tem proporções para nele se criar uma povoação, pois tem boa aguada, é alto e arejado, e tendo nas suas vizinhanças boas e grandes matas de cultura: e estando já pronto parte dos materiais necessários para se levantar a mesma capela.”102 Fica claro ainda, por este documento, que o desejo de construção de uma capela não escondia o interesse de criar uma povoação em torno dela. Agiam, portanto, de forma integrada e planejada, com a finalidade de constituir um patrimônio que pudesse servir de núcleo de interesses comunitários ligados ao comércio e a outras atividades. Dom Antônio Joaquim de Melo atende àquela petição dos moradores, contanto que a construção da capela: “seja em lugar decente, alto, livre de umidade, desviado quanto possa ser de lugares imundos, sórdidos e de casas particulares, não sendo porém em lugar ermo, despovoado e que na dita capela tenha âmbito em roda para poderem andar procissão e tudo será feito debaixo da vista do Revmo. Sr. Vigário da Vara na forma do despacho...”103. As doações atingiram apenas 90$000 e, assim, uma outra ainda foi feita em 19.12.1852 por João Alves da Silva Primo e sua mulher, Delfina Bezerra, esta já na Fazenda do Retiro. Mesmo alcançando o valor exigido, o direito de propriedade de todas aquelas terras continuava judicialmente sujeito a dúvidas. As doações nas fazendas Palmeiras e Esgoto foram recusadas pela Igreja e caíram no esquecimento. É que apesar de encerrado o libelo cível de força e esbulho dos Dias Campos contra os Reis de Araújo, em 1846, um dos autores, Antônio Dias Campos, continuou com a demanda por muitos anos. E, pelo menos, as terras

Petição para construção de uma capela nas Palmeiras. Certidão de 23 de abril de 1852 fornecida a Manuel de Nazareth Azevedo e inserta nos Autos do patrimônio da capela de São Sebastião no lugar denominado Bairro das Palmeiras, p. 5-6 verso. Arquivo da Cúria Arquidiocesana de Ribeirão Preto. In: COSTA, opc.it., p. 36-37, nota 5. 103 COSTA, op.cit., p.44, nota 5. 102

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das Palmeiras continuavam sujeitas a dúvidas ainda em 1852.

Largo da Matriz por volta de 1890, área pertencente à antiga fazenda da Barra do Retiro, fazia parte do patrimônio de terras doado à Igreja entre 1852 e 1856 para a construção da Capela de São Sebastião.

E, assim, entramos na terceira fase da formação do patrimônio eclesiástico, a última, quando outros posseiros, desta feita na Fazenda do Retiro, onde eram condôminos, requereram a divisão judicial da mesma, o que lhes facilitava e, ao mesmo tempo, garantia a posterior legitimação eclesiástica para o patrimônio pretendido. Assim, novas doações foram feitas mais tarde. O historiador Rubem Cione nos dá a relação das doações que acabaram obtendo aprovação eclesiástica: DOADORES

FAZENDA

EXTENSÃO

DATA

Mariano Pedroso de Almeida* e Maria Lourenço do Nascimento

Retiro

2 alqueires

22.04.1853

Retiro

uma oitava de terras (9 alqueires)

20.03.1853

José Borges da Costa e Maria Felizarda

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Inácio Bruno da Costa** e Maria Izidora de Jesus Severiano João (ou Severino Joaquim) da Silva*** e Gertrudes Maria Teodora João Alves da Silva e Ana Delfina Bezerra**** José Alves da Silva e Pulcina Maria de Jesus

Retiro

uma oitava de terras (9 alqueires)

19.04.1853

Retiro

duas partes de terras (12 alqueires)

16.03.1853

Retiro

30 alqueires

19.12.1852

Barra do Retiro

2 alqueires

1856

* Mariano Pedroso de Almeida era filho de (Mariano) José Pedroso (Lista de Votantes de

Ribeirão Preto de 1878). Estava vivo em 1878, quando tinha 70 anos e era eleitor com renda de 200 mil reis na Vila de São Sebastião do Ribeirão Preto. Este, com certeza, é um dos fundadores de Ribeirão Preto de raízes mais antigas na região. Filho de José Pedrozo de Almeida e Ana Maria que foram recenseados em Batatais em 1814. Ele com 41 anos e ela com 34. Tinham dois filhos, Francisco com 10 anos e o nosso Mariano com 8. Receberam carta de sesmaria em 25.11.1811, na paragem de Araraquara (próximo de Cajuru, seguindo o antigo Caminho dos Goiases). Justificaram para isso perante o governo que sua família já ocupava aquelas terras fazia 150 anos! Não chegava a tanto, mas a presença dos Pedroso de Almeida na região é anterior a bandeira de Bartolomeu Bueno da Silva II. O sertanista de São Paulo, Francisco Pedroso de Almeida, nascido em 1674, filho de Luis Castanho de Almeida e de sua mulher Maria Pedroso, andando em busca de ouro, estabeleceu-se no Araraquara. Parentes e descendentes seus se espalharam por diversos pousos do Caminho dos Goiases, mas sua presença é quase permanente na área do Cubatão, Araraquara e Cercado, próximo do cruzamento dessa antiga estrada com o Rio Pardo. Assim temos Luiz Pedroso de Almeida listado no censo paulista nos anos de 1765, 1767, 1776, e 1778, casado com Maria Vieira da Cunha em 07.07.1762, em Tambaú, em casa de Caetano Vaz Machado. Tiveram os seguintes filhos: José, nascido em 1768 que deve ser o que conseguiu em 1811 a sesmaria em terras dos seus antepassados; Ana, nascida em 1769, casada com Francisco Xavier de Azevedo, sócio do seu cunhado José na sesmaria já citada (este casal teve oito filhos, todos batizados entre 1787 e 1797 nos pousos de Araraquara e da Lage); e Joaquim Francisco Pedroso, nascido em 1773 e que teve um filho com sua escrava Zeferina, chamado Vicente, e que foi alforriado no dia de seu batismo na Lage em 12.11.1796. Um irmão de Luis Pedroso de Almeida, chamado Antônio Pedroso, casou-se com Rita Gonçalves, três dias depois, em 10.07.1762 no Araraquara, no sitio do defunto José Alvares Paiva. Outros que encontramos na mesma área foram Salvador Pedroso, João Pedroso e João Luis Pedroso. Mas os historiadores Pedro Taques e Azevedo Marques cometeram grande equivoco ao dizerem que Francisco Pedroso de Almeida e que fundou a cidade paulista de Araraquara. A antiga paragem de Araraquara nada tem a ver com a cidade paulista do mesmo nome. ** Inácio Bruno da Costa era entrante mineiro de Itajubá, filho de Antônio da Costa Moreira e de Ana Maria de Jesus (da Costa), que ali se casaram em 1818. Inácio nasceu em Itajubá e ali foi batizado em 17.10.1821, tendo como padrinhos Ignácio de Camaxo e Maria Antônia de Jesus. Em 1838, o censo de Minas registrou a presença de sua família em Santa Rita do Sapucaí. Lá

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estava seu pai com 44 anos e sua mãe com 30. Aparecem também os filhos: o mesmo Inácio com 15 anos, João com 7, José com 4, Marcelina com 11, Beatriz com 9 e Maria com 1. Pelos registros de batismo de Itajubá, Marcelina foi batizada em 11.05.1825, sendo seus padrinhos Custódio Rodrigues da Motta e Francisca Maria Gonçalves. Esta Francisca é mãe de Manoel Fernandes do Nascimento, o que sugere as duas famílias serem próximas e até aparentadas. Beatriz foi batizada em 20.05.1827. Antônio da Costa Moreira faleceu em Ribeirão Preto em 10/04/1870 com 80 anos e Ana da Costa faleceu em 25/12/1874 (com 60 anos? Dúvida). Inácio casou-se segunda vez em 23.11.1872 com Ana Silvéria Nogueira, viúva de João Martins Burralho (que já havia sido sua segunda esposa) Teve cinco filhos do primeiro casamento com Maria Izidora de Jesus: 1) José Ignácio da Costa, casado, pela primeira vez, com Pulcina Júlia com quem teve dois filhos: Zeferino, batizado em 07.06.1863 e Olímpia, batizada em 01.08.1872. Existe no Cartório do 1º Ofício de São Simão, em 1872, um inventário de que teve participação José Inácio da Costa; deve ser o inventário da sua primeira esposa. Casado pela segunda vez, com Galdina Francisca do Nascimento, José Inácio teve tres filhos: Manuel, falecido com 1 dia em 31.08.1874; Manuel Fernandes da Costa, batizado em 13.04.1879, Paulina Placidina do Nascimento, batizada em 19.08.1888, casada com Francisco Venâncio Martins (existe um assento de óbito de Ana, filha de Jose Ignacio da Costa, com 8 anos de idade, picada de cobra, aos 12.12.1876) e João Fernandes da Costa, nascido em 1893; 2) Maria Paulina, casada com Antônio Vieira de Almeida, residentes em Jaboticabal. Tiveram os seguintes filhos: Francisco, batizado em 11.05.1874; Tristão, batizado em 09.12.1878; Maria, batizada em 19.01.1872; Ana, batizada em 09.01.1876 e Inácio, batizado em 28.10.1877. 3) Joaquim Inácio da Costa, casado com Ana Teodora do Nascimento. Tiveram os seguintes filhos: Maria Inácia da Costa, batizada em 26.01.1871, casada com Antônio Alves Pereira; Antônio Inácio da Costa, batizado em 27.01.1878; Américo Batista da Costa, nascido em 28.02.1877; Paulina, batizada em 07.03.1882; Francisca Placidina do Nascimento, batizada em 13.10.1872, casada com João Batista Nogueira da Costa (filhos: Luiz, Joaquim, Sebastiana, Galdina e Francisco) e falecida em 05.10.1897; Sebastiana da Costa, batizada em 19.03.1886, casada com Manoel Fernandes da Costa; Ana, batizada em 1884; Joaquim Inácio da Costa, batizado em 08.02.1888, e João Batista da Costa que se casou com Hipólita Graciana Nogueira. Provavelmente, ainda são filhos de Joaquim Inácio da Costa e Ana Teodora do Nascimento: Jose Paulino da Costa e Horácio Antônio do Nascimento. 4) Ezequiel Inácio da Costa que se casou com Maria Vicência de Jesus. Tiveram um filho: Manoel, batizado em 10.02.1889; 5) Antônio Inácio da Costa, casado com Maria Francisca da Conceição. Tiveram um filho, Laudelino, batizado em 02.04.1889. Maria Francisca faleceu em 1892 e seu inventário encontra-se no APHRP, cartório de 2º Ofício de Ribeirão Preto, caixa 13. Do segundo casamento com Ana Silvéria Nogueira, Inácio Bruno da Costa teve nove filhos: 1) João Inácio Nogueira, batizado em 11.05.1874; 2) Antônio Inácio Nogueira, nascido em 1876; 3) Maria, batizada em 07.01.1887; 4) Missias Inácio da Costa, nascido em 1880; 5 ) Inácio da Costa Nogueira, batizado em 03.12.1882; 6) Luis, batizado em 29.03.1885; 7) Sebastião, batizado em 13.12.1889; 8) Maria Teodora, nascida em 1886 e 9) Ana, batizada em 27.04.1879, falecida ainda criança. Inácio Bruno da Costa foi cafeicultor na região de Ribeirão Preto no final do século XIX. Deixou um formidável espólio avaliado em 33.550$000. Ele faleceu em 04.10.1890 e seu inventário encontra-se no APHRP, Cartório do 1º Ofício, caixa 11. *** Nada ainda sabemos de sua procedência. De iníicio, certa confusão do seu nome nos documentos oficiais: Severino ou Severiano? João ou Joaquim? Localizamos apenas um filho seu: Tobias Severino da Silva, nascido por volta de 1852 e casado com Maria do Rozário de Nazareth, filha de Manoel Nazareth de Azevedo e Maria Purcina de Jesus. Esta Maria Purcina é filha de José Borges da Costa. Foi Tobias que vendeu parte de suas terras na Fazenda do Retiro para Jose Jacques Teodoro que construiu ali o núcleo inicial do bairo Santa Cruz. Os filhos de Tobias podem ser encontrados in retro, página 227 (original, 2ª edição). Tobias se fixou em Sertãozinho e Pontal. Em Sertãozinho ele foi delegado de polícia por volta de 1905

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com a patente de capitão. Na mesma época, ele possuía farmácia no distrito de Pontal e era comerciante de fazendas e armarinhos, bem como de secos e molhados em Sertãozinho. (informações colhidas do Almanaque de Sertãozinho de 1905, organizado por Juvenal Martins). **** Tudo indica que esta doação estava integrada às anteriores da Fazenda das Palmeiras, mas acabou sendo aceita em conjunto com outras da Fazenda do Retiro e da Barra do Retiro.

Podemos concordar com que estes seis doadores como os verdadeiros “fundadores” da cidade de Ribeirão Preto, pois suas doações foram oficialmente aceitas e regularizadas e, em conjunto, constituíram o Patrimônio de São Sebastião. Como o próprio Emboaba da Costa afirma, com toda razão, “há que admitir, por força da documentação existente, que as doações na Fazenda Retiro se destinavam ao patrimônio da capela de São Sebastião.”104 Parece que agora o santo falou tão alto quanto à necessidade urgente de legitimação das posses. Quanto à Fazenda das Palmeiras, provavelmente, a legalização de suas posses deve ter sido alcançada de acordo com o registro de terras determinado pela Lei de Terras. Ainda assim, o patrimônio da capela acabou sendo demarcado na Fazenda Barra do Retiro e não na do Retiro. Vejamos o que Emboaba da Costa nos informa a respeito: “Parece provável que, de súbito, todos ou, pelo menos, os principais doadores, adquiriram terras na Fazenda Barra do Retiro, que era relativamente pequena, para ali constituírem o patrimônio, facilitando as demarcações, o que não aconteceria se fosse estabelecido na Fazenda do Retiro, a qual abrangia 4.632 alqueires.”105 A divisão das Fazendas Retiro e Barra do Retiro foi judicialmente aprovada em 16.06.1856 e São Sebastião acabou ganhando seu quinhão, ao final de uma polêmica que se arrastava por dez anos. E novamente Emboaba da Costa nos esclarece: “... os ditos terrenos da Fazenda Barra do Retiro, onde se constituiu a capela, foram adquiridos de Luiz Antônio de Oliveira e Antônio Joaquim de Oliveira, cujos títulos de propriedade advinham de Manuel dos Reis de Araújo”,106 filho de Vicente José dos Reis, um dos réus de vinte anos antes na disputa com a família Dias Campos. É interessante perceber que quase todos os doadores guardam algum grau de parentesco entre si, sendo primos e cunhados muitas vezes e tendo como tronco genealógico a família Reis de Araújo. As próprias testemunhas dos

COSTA, op.cit., p. 56, nota 5. Idem, p. 45, nota 5. 106 Idem, p. 64, nota 5. 104 105

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assentamentos cartoriais são elas mesmas doadores em outros processos. Isto prova o intuito comum daqueles moradores de legitimarem suas posses através de uma ação conjunta - doações de terras à Igreja ou divisão judicial de suas heranças. Todos eles, seja nas Palmeiras, no Esgoto, no Retiro e na Barra do Retiro, eram possuidores de partes que se desmembravam por heranças, doações e vendas, ou foram acrescidas por compras no vasto latifúndio disputado antes entre os Dias Campos e os Reis de Araújo.

4.3. Quando São Sebastião foi indiciado por falta de pagamento do imposto A constituição deste patrimônio foi precedida, no entanto, de várias disputas entre os posseiros que ocupavam parcelas da fazenda da Barra do Retiro. Encontramos Antônio José Teixeira Júnior, vulgo Carvalhinho (porque filho de José Teixeira de Carvalho), que fez tenaz oposição à formação do patrimônio, colocando em juízo diversas denúncias e acusações contra outros condôminos. Vários processos judiciais correram em 1853 no Juízo de Casa Branca. Teixeira Júnior acusava Manuel Fernandes do Nascimento,107 um dos líderes do

107

Manoel Fernandes do Nascimento era filho de Manoel Fernandes do Nascimento, natural da Ilha da Madeira, e de Albina Maria da Conceição, natural de Delfim Moreira onde se casaram em 25.02.1797.

Foram seus filhos: 1) Francisca, nascida em 09.07.1848 e batizada em 25.12.1848; 2) Galdino, batizado em 1855; 3) Maria, batizada em 26.10.1862; 4) Moisés Fernandes do Nascimento, nascido em Itajubá por volta de 1842; 5) Abdenago Fernandes do Nascimento e 6) Marcolina Francisca do Nascimento, nascida por volta de 1839, a mais velha,casada com José Dias de Oliveira, vereador em Ribeirão Preto entre 1877 e 1880. José Dias de Oliveira faleceu em 22.11.1933, deixando os filhos Maria Marcolina, Adelaide, Henriqueta, Maria Magdalena, já falecida, Paulina casada com Antônio Pereira da Silva, Afra Theodolina, casada com Manoel Rosa Júnior, Alcides Dias de Oliveira, já falecido (foi casado com Elvira do Nascimento Dias?), e José Dias de Oliveira, já falecido, casado com Durvalina Martins de Oliveira, 52 netos, 208 bisnetos e 12 tataranetos (nota publicada no Diário da Manhã, em 23.11.1933, p 6).

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povo para construção da capela, de ter-lhe esbulhado terras na Barra do Retiro antes de comprá-las, sob a condição “dele gozar naquelas terras de um lugar de morada e aguada proporcional à sua compra.”108 Alegava que Manuel, descumprindo condição imposta, vendera as terras para Matheus dos Reis de Araújo e este a Luiz Borges de Aquino. Este último, por sua vez, vendeu-a para várias outras pessoas. Dizia que “esta capela não só ofende a restrição com que por ele fora feita aquela venda, como porque o terreno se acha pro-indiviso, como por prejudicar-lhe nos logradouros e aguadas.”109 Ele acusava ainda outras pessoas de esbulho, certamente os primeiros a construírem suas casas em torno da capela. Em um libelo civil de nulidade de contrato, Teixeira Júnior tentou anular a venda dos 30 alqueires a Manuel Fernandes do Nascimento, e ainda indiciou São Sebastião, na pessoa de seu fabriqueiro, Antônio Gomes de Meirelles, por falta de pagamento da Ciza. Ciza era o imposto cobrado pelo Estado sobre a propriedade da terra. À folha 4, pede ao juiz que nomeie para fabriqueiro “da mui nascente capela” alguém competentemente autorizado para tal. Em 08.08.1853, em uma ação de desforço, Manuel Fernandes do Nascimento e Luiz Antônio de Oliveira alegam que Teixeira Júnior vendera a eles 30 alqueires de terra em 1848 e não tem direito, agora, de tentar embargar a construção da “capela de São Sebastião e a povoação” que o povo estava construindo no referido terreno doado, sob pretexto de “embargo de obra nova”: “construíram algumas pessoas do povo/não embargadas/uma capelinha e algumas casas no mesmo lugar beneficiado, destinado para povoação na Barra do Retiro - lugar vendido por Júnior e sua mulher”,110 cinco

Manoel Fernandes do Nascimento chegou em Ribeirão Preto depois de 1842, já que seu segundo filho nasceu em Itajubá. Existe uma foto de Manoel Fernandes do Nascimento publicada in CIONE, Rubem, op.cit., vol.3, p. 564. Moisés Fernandes do Nascimento foi figura de destaque na nascente Vila do Ribeirão Preto: estudou no Seminário em São Paulo, foi juiz de paz e inspetor escolar por muitos anos em Ribeirão Preto. Foi casado com Silvânia Francisca do Nascimento e teve com ela os seguintes filhos: Aníbal, batizado em 23.04.1885; Sotero, batizado em 27.04.1874; Horácio, batizado em 21.01.1873; Plínio, batizado em 03.08.1879 e Elvira, batizada em 25.12.1881. Faleceu tragicamente em um acidente de automóvel no Santa Cruz do José Jacques. Já Abdenago Fernandes do Nascimento casou-se com Adelaide Maria do Nascimento em 26.01.1878. Faleceu em 1898 e seu inventário está no APHRP, Cartório do 2º Ofício, caixa 18. 108 Ação de Antônio José Teixeira Júnior contra Manoel Fernandes. Cartório do 2 Ofício de Casa Branca, m. 139, c. AC-1853. 109 Idem. 110 Ação de desforço de Manuel Fernandes contra Antônio José Teixeira Júnior. Cartório do 2 Ofício de Casa Branca, m. 145, c. AC-1853.

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anos antes. Manuel Fernandes do Nascimento diz já ter a licença do prelado e provisão para a futura bênção do cemitério. Mas Teixeira Júnior continuou protestando em Juízo o fato de ter sido esbulhado da posse daquele terreno: “... absurdo! falsidade! infração da Constituição do Império que garante ao cidadão o direito de propriedade em toda a sua plenitude! despotismo!...”111 Com novos e numerosos condôminos, interessados na construção de uma capela e de uma povoação na Barra do Retiro, Teixeira Júnior achou melhor requerer, no Juízo, a divisão da fazenda.112 A partir dessa divisão judicial, como já vimos, é que foi possível constituir-se, finalmente, o patrimônio eclesiástico que deu origem a Ribeirão Preto. Vale lembrar ainda que a área doada, de 64 alqueires, situava-se na margem direita do Córrego do Retiro, nos atuais bairros de Campos Elíseos e Jardim Paulista. No entanto, Manuel de Nazareth Azevedo, na qualidade de fabriqueiro113 e curador da capela a ser construída, por ocasião da divisão judicial da Fazenda Barra do Retiro, solicitou ao Juiz Municipal que designasse para quinhão do patrimônio, a área situada entre o Córrego do Retiro e o Ribeirão Preto, transferindo-o, portanto, da margem direita para a margem esquerda do Córrego do Retiro, onde se encontra hoje o centro da cidade. Em 19.06.1856, o Juiz Municipal Rodrigues Mendes deferiu o pedido do fabriqueiro e, alguns dias após, foi efetuado o pagamento ao patrimônio, com a área medida de 64 alqueires, três quartas e três pratos, avaliada em 269$830.114 Por isso, a data de 19 de junho, que assinalou a demarcação da área onde se desenvolveu a cidade, é considerada oficialmente como a da fundação de Ribeirão Preto.115 O patrimônio de São Sebastião do Ribeirão Preto ainda foi acrescido de outras doações posteriores: as de Antônio Beraldo Azevedo (Inventário no Cartório de 1º Ofício de Ribeirão Preto, caixa 10) e Ana Maria de Jesus, então

Ação de Antônio José Teixeira Júnior contra Manuel Fernandes. Cartório do 2 Ofício de Casa Branca, m. 139, c. AC- 1853. 112 Autos da Divisão Judicial da Fazenda Barra do Retiro. Cartório do 1 Ofício de Casa Branca, m. 132, c .AC-1856. 113 Fabriqueiro é o encarregado, por provisão diocesana, de zelar e administrar os bens de um patrimônio eclesiástico e sua igreja. 114 O valor do patrimônio de São Sebastião do Ribeirão Preto foi calculado em 269$830. 11519 de junho é considerado como o dia da fundação de Ribeirão Preto porque nesse dia, no ano de 1856, o Juiz Rodrigues Mendes despachou favoravelmente ao pedido de demarcação das terras que formavam o patrimônio da capela de São Sebastião da Barra do Retiro, feito pelo fabriqueiro Manoel de Nazareth de Azevedo, entre os ribeirões Retiro e Preto. 111

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moradores em Monte Belo (município de Cabo Verde, Minas Gerais) em 16.01.1887 e de Ana Zeferina Nogueira, filha de José Borges da Costa e sua quarta esposa, Leonor Nogueira Terra, em 1897.116

Capela e Matriz de São Sebastião, localizada onde hoje está a fonte luminosa da Praça XV.

4.4. A conjugação de interesses para a consrução da capela A insistente busca, por parte de vários moradores da construção de um patrimônio eclesiástico e sua capela na Fazenda das Palmeiras, desde 1845, além das implicações relacionadas à legalização jurídica de suas posses, de que já falamos, é também um ato político significativo. Não era apenas o acesso garantido à tão desejada assistência religiosa, mas igualmente, o reconhecimento daquela incipiente comunidade, de fato e de direito, perante a Igreja oficial, portanto, perante o Estado. Não era apenas o acesso aos sacramentos, mas também a garantia do registro de nascimento, de matrimônio, de óbito, registros oficiais com todas as implicações jurídicas e sociais. Aqueles posseiros de terras, tendo à frente José Matheus dos Reis, desejavam também o usufruto da formalidade civil com todo o direito à segurança que pudesse propiciar. É como se passassem de simples indivíduos

116

COSTA, op.cit., p. 80, nota 5.

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a cidadãos, de homens sem direitos a homens com direitos, elevados a uma categoria superior e aceitos como concidadãos de uma nova comunidade. É certo que Palmeiras fosse o assentamento mais antigo de toda aquela área, o “lugar das dúvidas”, como diziam os autos do libelo cível de esbulho de terras, de 1834, entre os Dias Campos e os Reis de Araújo. Ali, travava-se uma luta mais explícita pela posse da terra que precisava ser resolvida. O ribeirão das Palmeiras era assim chamado por alguns e, por outros, de córrego do Campo. Apesar de a Igreja não ter aceitado e oficializado as doações nas Palmeiras, com certeza pela insegurança jurídica das doações, não pode haver dúvida de que os devotos de São Sebastião ergueram ali uma pequena ermida, se bem que não seja possível determinar a época exata de tal empreendimento. Sabemos apenas que, no início de 1852, parte dos materiais para a construção da capela já estava ali à disposição117 e a capela só não havia sido erguida ainda por falta de autorização eclesiástica. Esta foi concedida pelo Bispo Diocesano, por Provisão de 17 de agosto de 1852, independentemente da existência e aprovação de um patrimônio que a mantivesse. De tal capela havia, ainda até pouco tempo, vestígios, como parte de um cruzeiro e, a seu lado, um esteio. Segundo a tradição oral, tal capela se incendiou e foi depois demolida. O intenso processo de sucessões na propriedade da terra, com fracionamentos diversos provocados por heranças, doações, compras e vendas, fez aumentar em muito o número de posseiros naquelas glebas. O eixo de interesse na construção da capela desviou-se, então, das Palmeiras para as fazendas do Retiro, Barra do Retiro, Ribeirão Preto e Laureano. A tradição oral nos diz também que houve intensa disputa entre os moradores das Palmeiras e os do Retiro pelo direito em sediar a capela e seu patrimônio que teriam finalmente o reconhecimento da Igreja. Não encontramos nenhum documento primário que disso fizesse referência. Uma ermida, uma pequena capela, era e o fora por muito tempo, uma aspiração de uma comunidade dispersa de homens que viviam do amanho da terra. “A assistência desejada, a confraternização acostumada e os aspectos institucionais que já apontamos, ou parte deles, eram justificativa bastante para tal aspiração.”118 Mas havia ainda algo mais que a pudesse justificar. Até a escolha do lugar onde seria construída a capela e centro da comunidade, já planejada e

117 118

COSTA, op.cit., p. 80, nota 5. MARQUES, Murilo. Cidade no Brasil: terras de quem. São Paulo: Nobel, 1991, p. 19.

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desejada119 é um ato também econômico significativo, pois determinava o custo do transporte para cada fazendeiro, segundo Warren Dean, falando sobre Rio Claro.120 O mesmo se pode dizer de Ribeirão Preto. Na verdade, “os patrimônios constituíam porções de terra cedidas por um senhor, ou por vários vizinhos, para servir de moradia e de meio de subsistência a quem desejasse morar de forma gregária e voltada para certas atividades ou que tivesse, no fundo, outro tipo de relacionamento de trabalho ou de troca com os doadores. Os grandes concessionários de terras desfaziam-se eventualmente de pequena parte do que detinham para atender à população não possuidora de chão e para se valer de sua instalação gregária próxima, produtiva e consumidora.”121 Assim, tendo à frente Manuel Fernandes do Nascimento, outros proprietários deram início a doações de terras para a formação de um patrimônio na Fazenda do Retiro. Este ponto ficava realmente no centro geográfico de uma extensa área já povoada por centenas de lavradores. É indubitável a liderança desse movimento por Manuel Fernandes do Nascimento, apesar de não ter feito ele mesmo nenhuma doação, pois é o principal alvo das ações judiciais que Antônio José Teixeira Júnior moveu no Juízo de Casa Branca para impedir a construção da capela naquelas terras do Retiro. Mais tarde, em provisão do Bispo Diocesano de 13.08.1859, Manuel Fernandes do Nascimento viria a ser nomeado fabriqueiro da dita capela. Mesmo antes da regularização definitiva das novas doações, assim como já fora feito nas Palmeiras, os moradores do Retiro construíram também a sua ermida provisória. Esta capelinha primitiva localizava-se na atual praça Rio Branco, em frente ao Palácio Rio Branco, onde funciona hoje a Prefeitura Municipal, ocupando a área do prédio de n 342. Segundo Emboaba da Costa, “a existência de tal capela é comprovada por um requerimento, deferido de Abdenago do Nascimento, transladado na ata de 5 de agosto de 1882, da

Este projeto estava muito claro entre os doadores do patrimônio de São Sebastião do Ribeirão Preto e outros interessados na criação de uma povoação naquela área. É o que afirma Manuel de Nazareth Azevedo, futuro fabriqueiro da dita capela, ao vigário Jeremias José Nogueira, em 1852: “... E o ponto destinado para ela (a capela) tem proporções para nele se criar uma povoação, pois tem boa aguada, é alto e arejado, sendo campo e tendo nas suas vizinhanças boas e grandes matas de cultura...”. In: SANTOS, Plínio Travassos dos. Ribeirão Preto histórico e para a história. Diário da Manhã, Ribeirão Preto, 28 abr. 1942. 120 DEAN, op.cit., p. 82, nota 91. 121 MARQUES, op.cit., p. 38, nota 117. 119

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Câmara Municipal: “Requerimento de Abdenago do Nascimento pedindo a esta Câmara conceder terreno no pátio da matriz e no quarteirão em que existia a antiga capelinha, visto a enorme extensão do pátio da matriz e deficiência dos terrenos do patrimônio para aforamento”. O pátio em questão compreendia a quadra Visconde de Inhaúma, General Osório, Cerqueira César e Duque de Caxias, estando a capelinha situada na quadra compreendida pelas Ruas Barão do Amazonas, General Osório, Cerqueira César e Duque de Caxias, com frente para a atual Praça Rio Branco e no centro dessa quadra.”122 É difícil precisar o ano de construção dessa primitiva capela. Documentos judiciais que encontramos em Casa Branca, do ano de 1856, já falam em “Capela da Barra do Retiro” e “Capela do Retiro”, talvez o primeiro nome que se deu ao pequeno ajuntamento humano que foi o núcleo irradiador da futura Ribeirão Preto. “Capela”, por outro lado bem poderia significar um conglomerado de residências, um arraial e, ainda não necessariamente, um templo. Mas já em 23.08.1859, dizia-se “Capela do Ribeirão Preto”. Pelo menos é isso que se vê em um requerimento que Manuel Fernandes do Nascimento, já nomeado fabriqueiro, dirigiu ao Bispo Diocesano de São Paulo, requerendo para a capela pia batismal e a faculdade de ali poderem ser administrados todos os sacramentos. O Bispo, diante do requerimento dos moradores do lugar, deu o seguinte despacho: “Quando autorizamos para batizar, preenchidas as condições, também é para celebrar casamentos. Quanto à Missa somente, havendo local decente, podem celebrar, ainda mesmo antes de preenchidas as condições. Era ut supra. Antônio, Bispo.”123 Mas no mesmo dia do requerimento de Manuel Fernandes do Nascimento (23.08.1859), era realizado o primeiro casamento em Ribeirão Preto: o de Francisco Antônio da Silva e Rita Maria. É pelo menos isso que observamos no primeiro livro de assentos de casamentos que encontramos em São Simão, de junho de 1855 a junho de 1859. Mais dois casamentos no dia 23.08, um no dia 24.08 e quatro em 25.08. Em 30.10, o Padre Jeremias José Nogueira realizava mais três casamentos e, no dia 03.11., mais um, na “Capela de São Sebastião da Barra do Retiro”. O livro mais antigo de assentos de batismos, realizados na “Capela de São Sebastião” e que pode se encontrado no Arquivo da Catedral, informa-nos

122 123

COSTA, op.cit., p.84, nota 5. COSTA, op.cit., p. 82, nota 5.

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que os primeiros batizados foram feitos pelo Padre Manuel Eusébio de Azevedo ao final de novembro de 1855. E o que nos chama a atenção: o segundo desses batizados é de uma filha de Manuel Fernandes do Nascimento e o terceiro, de escravos seus. E, em 1857, o Padre Manuel Eusébio de Azevedo é listado como eleitor no quarteirão das Palmeiras. Isto nos sugere que os batizados feitos por ele na capela de São Sebastião, a partir de 1855, muito provavelmente o foram na Fazenda das Palmeiras e não ainda na do Retiro, pois ele residia na primeira. Com o elevado donativo de 360$000 deixado em disposição testamentária por Dona Maria Felizarda, falecida em 1857, foi possível a ereção de uma igreja mais adequada ao progresso da região. Essa quantia foi entregue por José Borges da Costa, o viúvo, ao fabriqueiro Manuel em 26.08.1861. Assim, o vigário da Vara de Casa Branca, então o mesmo Padre Jeremias, cumprindo ordens do Bispo Diocesano, achou conveniente que o templo deveria situar-se ao lado esquerdo do córrego das Palmeiras, pois para a ereção da capela nesse local, já existia uma provisão diocesana e cujo padroeiro possuía ali um considerável patrimônio, em parte já legalizado juridicamente, como vimos antes. Apesar de vir ao encontro do desejo dos moradores nas imediações da fazenda das Palmeiras, em detrimento dos da fazenda do Retiro, a escolha do Padre Jeremias para a localização da igreja, todavia não prevaleceu por muito tempo, ao que parece, pelo fato do sacerdote ter reconhecido que as terras doadas, na região das Palmeiras, não tinham sido juridicamente legalizadas, o que não acontecia com as da Barra do Retiro, as quais eram de posse incontestável do padroeiro, pelas doações feitas em 1853 e de que já falamos. Assim, logo depois, a 28 de março de 1863, o Padre Manuel Eusébio de Araújo, cumprindo ordens superiores do mesmo Vigário da Vara, escolheu o local para a igreja dentro do perímetro do patrimônio estabelecido juridicamente anos antes. Esse local situava-se em frente à capelinha primitiva e foi denominado, posteriormente, Largo da Matriz e, mais tarde Praça XV de Novembro. Feita a definitiva escolha do terreno, teve início a construção do templo que, para ser concluído, levou vários anos. Discordamos de Emboaba da Costa quando este afirma que somente com o início da construção desta igreja teve início o povoado. Fomos buscar a origem do “arraial”, “povoado” ou “capela” do Ribeirão Preto nas listas de qualificação de eleitores. Em 1857, já aparece textualmente, no distrito de São Simão, o quarteirão do “ARRAIAL DE SÃO SEBASTIÃO”. Não temos a menor dúvida: o verdadeiro início do povoado já é da década de 1850, antes, portanto, da construção da igreja que viria a ser a matriz.124

124

COSTA, op.cit., p. 52 e 84, nota 5.

262


Manoel Fernandes do Nascimento Manoel Fernandes do Nascimento era filho de Manoel Fernandes do Nascimento, natural da Ilha da Madeira, e de Albina Maria da Conceição, natural de Nossa Senhora da Soledade de Itajubá (atual Delfim Moreira, em Minas Gerais), onde se casaram em 25.02.1797. Manoel Fernandes do Nascimento aparece no censo de Minas de 1832, recenseado no distrito da Matriz Nova do Itajubá (para diferenciar do Itajubá Velho, atual Delfim Moreira), então com 15 anos de idade, com sua mãe já viúva, mas comandando uma propriedade com uma vintena de escravos. No seu fogo, aparece um agregado, muito provavelmente um parente de seu pai, chamado Ignácio, com 18 anos. Pode ser um primo ou um tio. Este Ignácio tem grande chance de ser Ignácio Bruno da Costa, um dos fundadores de Ribeirão Preto também, originário de Itajubá, que chegou à região do nordeste paulista na mesma época de Manoel Fernandes. Podem ter vindo juntos.

263


Manoel Fernandes foi batizado com três meses de idade em 05.12.1816 em Itajubá Velho, tendo como padrinhos o Capitão Manoel (?) de Melo e Dona Antônia Rodrigues. O celebrante foi o coadjutor Cândido José Franca. Manoel Fernandes do Nascimento se casou pela primeira vez com Marcolina Placidina da Costa em 29.08.1834 no Itajubá Velho, e pela segunda vez com a irmã dela, Paulina Placidina da Costa (do Nascimento), portanto com sua cunhada, em data que ainda não descobrimos. Outra possibilidade é que essas irmãs tenham alguma relação de parentesco com Ignácio Bruno da Costa, já que tinham o mesmo sobrenome, mas é apenas uma hipótese. Marcolina e Paulina eram filhas de Jose Joaquim da Costa e Francisca Maria Gonçalves. Elas aparecem também no censo de Minas, de 1832, ainda menores, em companhia de seu pai já viúvo, com 41 anos de idade, no distrito da Matriz Nova do Itajubá. Por este documento, Marcolina nascera em 1821 e Paulina, em 1827. Marcolina foi batizada em Itajubá em 10.06.1821 pelo coadjutor Pe. Jose Geraldo de Souza e Silva e teve como padrinhos o Vigário Pe. Lourenço da Costa Moreira e Dona Maria Marques, mulher do Alf. João de Meirelles Leite, moradora em Guaratinguetá, por procuração que apresentou Gertrudes Floresminda Duarte. Já Paulina foi batizada em 05.05.1826 pelo vigário Lourenço da Costa Moreira e teve como padrinhos o coadjutor Pe. Pedro Nolasco Cesar e Dona Maria José Pereira por procuração que apresentou Maria da Costa (pág. 91 livro batismos). Outras irmãs: Mariana, batizada em 11.06.1824 em Itajubá; Francisca, batizada em 12.07.1828 pelo coadjutor Pedro Nolasco Cesar e teve como padrinhos o vigário Lourenço da Costa Moreira e Dona Felizarda Thomazia Amaral (pagina 118 do livro de batismos); Felizarda era filha natural do Pe. Lourenço; e Ana, batizada em 07.08.1831 em Itajubá Novo, sendo padrinhos Ignácio Teodoro de Araújo e Ana Nogueira Ramos. Francisca Maria faleceu em 25.07.1831, de complicações do parto de Ana. Manoel Fernandes do Nascimento foi fabriqueiro da capela de São Sebastião do Ribeirão Preto, nomeado pelo bispo de São Paulo, Dom Antônio Joaquim de Melo, em 23 de agosto de 1859, dia em que este bispo estava em visita á capela do Ribeirão Preto e quando realizou o batizado de várias crianças, cujos assentamentos foram anotados pelo vigário de São Simão, Pe. Antônio Pires do Prado. Com Marcolina Placidina da Costa, Manoel Fernandes do Nascimento teve os seguintes filhos: 2) Galdino, batizado em 1855; 3) Maria, batizada em 26.10.1862;

1-

264

Maria Francisca, batizada em 15.04.1835 em Itajubá, e que se casou aos 04.08.1850 com José Venâncio Martins Borralho (já na região de Ribeirão Preto), filho de José Venâncio, e teve os seguintes filhos:


12345-

6789-

Silvana, casada com Moisés Fernandes do Nascimento, seu tio, pois é irmão de sua mãe por parte de pai; Maria, casada com Lino Fernandes Martins; Paulina, casada com Antônio Ferreira; Martiniano, casado com Francisca Nascimento Martins; Lúcia do Nascimento, casada com Salviano Venâncio Martins; (em 25.11.1918, faleceu Leontina Martins, com 30 anos, filha de Salviano Venâncio Martins e Luzia do Nascimento, livro do Cemitério de Ribeirão Preto) Paulo, casado com Maria das Dores Venâncio Martins; Luís, casado com Laurinda Ferreira; Helena, casada com Francisco Bento, e José, casado com Francisca Fernandes do Nascimento;

Não foram encontrados os registros de batismo dos filhos de Maria Francisca e José Venâncio Martins em São Simão e Ribeirão Preto, o que sugere ter a família residido em outra freguesia. 2-

Sabino Fernandes do Nascimento que se casou com Ana Maria de Jesus (mais tarde, Ana Beralda) e teve uma filha: 1- Belmira (ou Delminda Marcolina Garcia), batizada em 14.06.1866, sendo seus padrinhos seus próprios avós Manoel e Paulina, e que se casou em Ribeirão Preto em 14.08.1881 com Joaquim de Oliveira Garcia, filho de Manoel Joaquim de Oliveira.

Sabino morreu aos 35 anos de “inflamação” em 16 de agosto de 1876. Deve ter nascido, portanto, por volta de 1841 ainda no sul de Minas, mas o seu registro de batismo ainda não foi localizado. 3- Laurinda Francisca do Nascimento ou Martins, batizada em Itajubá em 06.03.1839. (há informação de que nasceu em Serra Azu, mas deve ser equívoco). Casou-se com Francisco Venâncio Martins e teve os seguintes filhos: 1Firmino, (ver no livro de Serra Azul, a partir da página 461) 2Lino, casado om Maria Francisca do Nascimento (ou d’Ávila) provavelmente em fins de 1877. Tiveram os seguintes filhos:

265


1.

2.

3. 4. 5.

6. 7.

8. 9.

266

Firmino, nascido em 06.01.1880, casou-se em Serra Azul com Joana Ferreira Ramos em 30.08.1897(o pai aqui já falecera). Ela era natural de Serra Azul e filha de Jose Ferreira de Freitas e Genoveva (ou Genrosa) Fereira Ramos. Artur, nascido em Serra Azul em 1880, casou primeira vez com Maria Ferreira Nunes, natural do Ceará, filha de Ferreira e Ana Emília Vasconcelos (já falecidos). Maria faleceu em 02.06.1902, sem deixar filhos e Artur casou-se novamente com Maria de Oliveira em 02.06.1904, filha de Claudio José e Maria Cristina de Jesus. Altina, nascida em 1882 e falecida em 27.10.1883. Maria, batizada em 23.11.1884. Laurinda, nascida em 09.02.1887 e batizada em 27.03.1887, casada com Antônio da Silva Rosa em 25.01.1902, natural De Rezende (RJ), filho de Manoel Antônio da Silva Rosa e Idalina Emília da Costa. Tiveram uma filha: 1. Maria Aparecida, nascida em Serra Azul, em 10.04.1916, e batizada em 01.07.1916. Plácido, batizado em 08.06.1887. Placidina, batizada em 25.10.1888, casada com Mário Mourão em Serra Azul em 10.11.1906, nascido em Bom Sucesso (MG) em 1975, filho de Marinho de Freitas Mourão e Herculana. Antônio, batizado em 08.08.1890. Eufrásia, nascida em Serra Azul em 1892, casada em Serra Azul em 13.05.1911 com Sílvio Antônio da Silva Rosa, natural de Rezende, nascido em 1887, filho de Manoel e Idalina. Este Antônio é irmão de outro Antônio, casado com Laurinda. Duas irmãs casadas com dois irmãos. Eufrásia e Sílvio tiveram um filho: 1. Ademar, nascido em Santa Rosa do Viterbo (onde residiam os pais) em 19.06.1916 e batizado em 08.10.1916, casou-se com Sebastiana Trovão em Serra Azul, filha de José e Maria Aparecida.


Lino Venâncio Martins faleceu em 1897 e Maria Francisca do Nascimento faleceu em 20.03.1927. Seu atestado de óbito no cartório a chama de capitalista, certamente porque emprestava dinheiro. O casal residiu em Serra Azul (Capela do Espírito Santo da Serra Azul, filial de São Simão, benzida em 07.06.1884). 3- Salviano, nascido em 10.10.1857, sendo seus padrinhos Joaquim Venâncio Miranda e sua esposa (Maria Ferreira?); 4- Marcolino, nascido em 01.07.1861 e batizado em 07.08.1861, casou-se em São Simão com 18 anos com Delphina Leopoldina d’Ávila. Residiram em Mato Grosso dos Batatais (Altinópolis). Tiveram os seguintes filhos: 1. Maria Leopoldina, nascida em Serra Azul em 1880, casada com 01.12.1898 em Serra Azul com João Pedro, negociante, nascido em 1875 na Síria, filho de Puaidar e Said Curre; Maria Leopoldina e João resideiram na Fazenda da Boa Vista. Tiveram um filho, de nome Alarico, nascido em junho de 1901 e que faleceu com 6 bmeses, na véspera de Natal daquele ano. 2. Maria, nascida em 05.09.1883, batizada em 15.11.1883; 3. José, batizado em 23.11.1884; 4. Eufrásia, nascida em 21.02.1886 e batizada em 11.04.1886; 5. Líbia, nascida em 1887 e batizada em 07.03.1888 .Casou-se em Serra Azul em 18.12.1915 com José Ferraz da Fonseca, filho de Manoel e Antônia Jesus, farmacêutico em Serra Azul, falecido em Ribeirão Preto em 1969; tiveram os seguintes filhos: 1. Jarn, falecido em 25.01.1923. 2. Dalva, falecida em 19.04.1923. 3. Jose, batizado com 3 meses em 30.11.1(?) 6. José, batizado em 23.11.1884 7. Antônio, batizado em 20.05.1891 8. Luís, batizado em 28.05.1893 9. Líbia Leopoldina Martins, a segunda, nascida em Mato Grosso dos Batatais (Altinópolis) em 1898 10. Delphina 11. José, batizado em 30.11.1888.

267


5. Batista, nascido aos 26.07.1863, sendo seus padrinhos Zeferino de Souza Nogueira e Simplícia, e 6. Basílio, batizado em Serra Azul, em 07.08.1867 (ou em Ribeirão Preto aos 02.10.1867, sendo seus padrinhos Francisco Manoel de Souza e Gertrudes Brandina Ferraz), casado com Tereza. Tiveram os seguintes filhos: 1. Pedro, nascido em Serra Azul em 1890. Casado em Serra Azul com Francisca de Oliveira, filha de Claudio Jose de Oliveira e Maria Cristina; 2. Petronilha, batizada em 18.06.1893, casou-se com Antônio Ignacio da Costa, nascido em Jacutinga (MG) em 1891, filho de Manoel e Maria Joana. Em segundas núpcias, Laurinda Francisca do Nascimento foi casada com Francisco Ferreira de Freitas e teve os seguintes filhos: 123-

455-

268

Maria das Dores do Nascimento; Eufrásia, casada com Luís Venâncio Martins; Laurinda Francisca, casada com o mesmo Luís Venâncio Martins, por viuvez deste, e deixou os seguintes filhos: 1- Maria do Nascimento Martins; 2- Alzira, casada com Jonas Venâncio Martins; 3- Luiza, casada com Moacir de Carvalho Ramos; 4- Luis Theodomiro Martins, casado com Judith Geny Brandão Martins; 5- Theodorico Venâncio Martins, vcasado com Eunice Rosa Martins; 6- Silvana, casada com Florêncio Barbosa Franco; 7- Lucila Ferreira de Carvalho, casada com Dr. Antônio Ferreira de Carvalho; 8- Nair, casada com Gumercindo Velludo; 9- Cecília; 10- Mozart Villares de carvalho; 11- Oddete, casada com Dr. Francisco Vilela; 12- Laura Martins, viúva de Virgílio Venâncio Martins. Altina; Francisco Bento.

Teolinda Francisca batizada em Itajubá em 04.02.1837 e que se casou aos 10.08.1853 em Ribeirão Preto com Joaquim Antônio do Nascimento, filho de Francisco Antônio do Nascimento, e teve os seguintes filhos:


1. 2.

3. 4. 5.

(Antonio) Baldomiro, batizado em 27.02.1857, sendo seus padrinhos seus próprios avós Manoel e Paulina; Jose (Joaquim), batizado em 05.12.1858, sendo seus padrinhos Antônio Joaquim da Cunha e Antônia Joaquina do Nascimento; casou-se em Ribeirão Preto com Maria Luiza do Espírito Santo, filha de João Luis Valadares e Maria Euflausina, aos 12.10.1878. Porfírio Fernandes do Nascimento, casado em 27.05.1882 em Ribeirão Preto com Maria Silvéria do Nascimento, viúva de José Luis Valadares; Marcolina Francisca do Nascimento, casada em Ribeirão Preto aos 02.02.1881 com Joaquim Antônio Ferreira,filho de Manoel Francisco Ferreira, e Maria Eulália do Nascimento, casada em Ribeirão Preto aos 03.07.1878 com Leopoldo Olímpio Andrade, filho de Luís Pacífico de Andrade e Rita Flauzina de Jesus.

Teolinda faleceu em Ribeirão Preto em 23.06.1871. Manoel Fernandes do Nascimento casou-se segunda vez com sua cunhada, Placidina Paulina da Costa e teve com ela os seguintes filhos: 1-

Marcolina Francisca do Nascimento, batizada em Itajubá em 22.11.1843, casada com José Dias de Oliveira, vereador em Ribeirão Preto entre 1877 e 1880, falecido em 1887. Tiveram os seguintes filhos: 1-Maria Madalena, casada em Ribeirão aos 08.01.1880 com Inocêncio Maciel Pontes, filho de Antônio Maciel de Pontes e Sabina Alexandrina de Oliveira, fundadores do Sertãozinho; 2- Adelaide, casada com seu primo Abdenago Fernandes do Nascimento, filho de Manoel Fernandes do Nascimento e Paulina Placidina da Costa. 3- José Dias de Oliveira, casado com Durvalina Martins de Oliveira; 4- Henriqueta, batizada em 15.11.1867, na matriz de São Simão, casada com João Borges Nogueira, neto de Jose Borges da Costa e Leonor Nogueira Terra; ela casou em segundas núpcias com Joaquim Carlos Cardoso. 5- Afra Theodolina, batizada em 27.02.1877, sendo seus padrinhos Antônio Beraldo de Azevedo e Delmina Marcolina do Nascimento; foi casada com Manoel Rosa Júnior (ou com ou com também Francisco Gonçalves Seixas); 6- Paulina, casada com Antônio Pereira da Silva; 7- Alcides Dias de Oliveira, batizado em 17.08.1879, casado com Elvira do Nascimento Dias; tiveram um filho chamado José que faleceu em 30.09.1899 às 9 horas; 8- Maria Marcolina. 9- Teolina (não seria a mesma Afra Teodolina?), e

269


10- Maria Marcolina do Nascimento, casada em Ribeirão Preto aos 03.07.1875 com José Honório de Souza, filho de Henrique Dias da Costa e Honória Cânadida de Souza. Marcolina Francisca do Nascimento faleceu em 22.11.1933, deixando 52 netos, 208 bisnetos e 12 tataranetos e já eram falecidos os seus filhos Maria Madalena e Alcides Dias de Oliveira (nota publicada no Diário da Manhã, em 23.11.1933, p 6, pesquisa de Mauro Porto). José Dias de Oliveira faleceu 1887. 2-

Moisés Fernandes do Nascimento, nascido em Itajubá e ali batizado em 23.05.1846, casado com Silvana (Francisca do Nascimento) Venâncio Martins, sua sobrinha, e falecido em 21.01.1922. Silvana faleceu em Ribeirão Preto em 20.05.1904. Seus filhos: 1- Anibal, batizado em 23.04.1885; 2- Horácio, batizado em 21.01.1873, sendo seus padrinhos Sabino do Nascimento e Graciana Nogueira; 3- Plínio, batizado em 03.04.1874; (ou 03.08.1879) 4- Elvira, batizada em 25.12.1881 e 5- Luís, falecido com 24 anos aos 05.08.1899; 6- Mário do Nascimento, e 7- Sotero, batizado em 27.04.1874;foram seus padrinhos Abdenago Fernandes do Nascimento e Galdina Fernandes do Nascimento.

3-

Francisca Nascimento Martins, nascida em 09.07.1848 e batizada em 25.12.1848 em Ribeirão Preto (é o primeiro filho de Manoel Fernandes nascido em Ribeirão Preto) e que se casou com José Venâncio Martins, vereador da segunda Câmara Municipal de Ribeirão Preto, e com quem teve os seguintes filhos: 1- Jonas Venâncio Filho, nascido por volta de 1867. Teve um filho: 1- Jonas Venâncio Martins Filho, nascido em 1893 2- José, 3- Juvenal, 4- Luis, 5- Francisco, 6-Helena, 7-Cezarina, 8-Durvalina, 9-Deborah e 10-Breno.

270


Na edição do jornal A Tarde, de 29.03.1943, foi publicada uma foto mostrando cinco gerações desta família, representada por Francisca Nascimento Martins, então com 96 anos, já viúva, Jonas Venâncio Martins, com 76 anos, Jonas Venâncio Martins Filho, com 50 anos, Diva Martins Cintra, esposa de Wagner Cintra, com 27 anos, e Jonas Ricardo, com 2 anos. 4-

Galdina Francisca do Nascimento (ou Galdino?), batizada em 29.11.1855, (verificar: duas irmãs com o mesmo nome); foram seus padrinhos: Joaquim Tavares e Ana Teodora da Conceição; casou-se em Ribeirão Preto aos 07.01.1871 com José Inocêncio da Costa, filho de Manoel José da Costa (este já viúvo?).

5-

Abdenago Fernandes do Nascimento, casado em Ribeirão Preto aos 26.01.1878 com sua prima Adelaide Dias de Oliveira, filha de Jose Dias de Oliveira e Marcolina Francisca do Nascimento e que teve apenas uma filha de nome Paulina.

6- Galdina Placidina do Nascimento, casada com José Inácio da Costa Emboaba e que teve os seguintes filhos: 1-Manoel Emboaba da Costa, casado com Sebastiana Inácia da Costa (Bruno). Ele faleceu com 82 anos em 13.12.1960, e ela, por volta de janeiro de 1912. Tiveram quatro filhos: 1- José, nascido pot volta de 1902; 2- Galdina, nascida por volta de 1904; 3- Jerônima, nascida por volta de 1908, e 4- Eponina, nascida em 05.07.1910. Manoel Emboaba da Costa casou segunda vez com Maria de Lourdes da Costa. (em 02.02.1917, faleceu Roldão, com 10 meses, filho de Manoel Emboaba da Costa e Maria de Lourdes Costa, livro do cemitério, APHRP). 2-Paulina, casada com Francisco Venâncio Martins; 3-João, e 4-João Emboaba da Costa, casado com Laura Moreira de Oliveira. Seu filho: 1- Osmane Emboaba da Costa, grande historiador de Ribeirão Preto, casado com Célia Lima Emboaba da Costa. Ele faleceu em 12.10.1988. 7- Maria, batizada em 26.10.1862.

271


Manoel Fernandes do Nascimento chegou a Ribeirão Preto entre 1846 e 1848, já que seu segundo filho do segundo casamento, Moisés, ainda nasceu em Itajubá nesse ano. Mas sua presença já pode ser comprovada em Ribeirão Preto em 1848, quando aparece, pela primeira vez batizando sua filha Francisca no dia de Natal deste ano. Existe uma foto de Manoel Fernandes do Nascimento publicada na obra História de Ribeirão Preto por Rubem Cione, vol.3, p. 564. Mas é pouco provável uma foto tirada em Ribeirão Preto antes de 1869. Moisés Fernandes do Nascimento, foi figura de destaque na nascente Vila do Ribeirão Preto: estudou no Seminário em São Paulo, foi juiz de paz e inspetor escolar por muitos anos em Ribeirão Preto. As desavenças que explicam o assassinato de Manoel Fernandes do Nascimento continuaram mesmo após a sua morte. Em 1870, pouco depois da sua morte, Manoel Soares de Castilho, acusado de mandante do crime, entrou em juízo contra Moisés Fernandes do Nascimento por se sentir ameaçado de morte. Como prova da acusação apresentava um bilhete ameaçador de um ano antes. Exigia na Justiça um “termo de segurança de vida”, conforme previsto na lei. Talvez fosse um ato preventivo que inibisse qualquer tentativa de vingança. Mas o motivo real das discussões parecia ser a freqüente invasão das plantações de Moisés pelo gado de Castilho. O juiz mandou arquivar o processo, desqualificando a denúncia de Castilho. Este processo se acha no APHRP, 1º Ofício Cível, caixa 41-A. Moisés Fernandes do Nascimento faleceu tragicamente em um acidente de automóvel no Santa Cruz do José Jacques (esta informação precisa ser conferida). Já Abdenago Fernandes do Nascimento casou-se com Adelaide Maria do Nascimento em 26.01.1878. Faleceu em 1898 e seu inventário está no APHRP, Cartório do 2º Ofício, caixa 18.

5. CRESCIMENTO POPULACIONAL NO ALVORECER DO ARRAIAL DE SÃO SEBASTIÃO Para acompanharmos o crescimento da população dessa incipiente comunidade de plantadores e criadores, utilizamos as listas de qualificação de eleitores de São Simão e Ribeirão Preto existentes no Arquivo do Estado e que têm início em 1847, bem como os assentos de batismo dessas duas freguesias.

5.1. Uma avaliação indireta pelas listas de qualificação de eleitores Selecionamos uma série de onze listas de qualificação de eleitores, dos seguintes anos: 1847, 1848, 1849, 1850, 1853, 1857, 1861, 1865, 1868, 1873 e

272


1878. Até 1868, estas listas correspondem ao distrito de São Simão, enquanto as duas últimas já correspondem ao distrito de Ribeirão Preto. As informações que podem ser coletadas nessas listas não são muitas, não nos fornecem dados quantitativos globais da população, mas nos autorizam a fazer algumas análises e tirar conclusões indiretas a esse respeito. Através delas, podemos obter: a distribuição dos eleitores por quarteirões, o que nos permite localizar no espaço alguns personagens que já estudamos, bem como comparar aumento e queda de população em diversas áreas que viriam a formar o município de Ribeirão Preto; idade, profissão e estado civil dos eleitores. A partir de 1878, podemos contar com listas mais completas que nos fornecem também o nome do pai do eleitor, se ele sabia ler e escrever e sua renda anual em mil réis e se era elegível ou não conforme o sistema censitário do Império. As quatro primeiras listas que selecionamos merecem uma análise mais detida: 1847 - SÃO SIMÃO - 17 QUARTEIRÕES ORDEM

LOCALIZAÇÃO (*)

N DE ELEITORES

1 quarteirão

São Simão

16

2 quarteirão

São Simão

8

3 quarteirão

Tamanduá

12

4 quarteirão

Figueira

21

5 quarteirão

Baixo Tamanduá (**)

13

6 quarteirão

Ribeirão Preto

10

7 quarteirão

Serra Azul

15

8 quarteirão

21

9 quarteirão

14

10 quarteirão

19

11 quarteirão

8

12 quarteirão

15

13 quarteirão

9

14 quarteirão

22

15 quarteirão

12

16 quarteirão

Lageado

23

17 quarteirão

Sertãozinho

20

TOTAL DE ELEITORES DE SÃO SIMÃO EM 1847

246

273


Fonte: APESP, Listas de Qualificação de Votantes. São Simão, 1847, lata 5887. * As três primeiras listas selecionadas não mostram o nome dos quarteirões, mas somente aparecem numerados. Conseguimos fazê-lo, comparando a população ali residente com as de outras listas posteriores que trazem o nome dos quarteirões. ** Este quarteirão corresponde, com certeza, ao da Fazenda do Esgoto, surgida com a divisão judicial da Fazenda da Figueira, em 1850.

O quarteirão denominado de Ribeirão Preto corresponde, com certeza, às fazendas que dariam origem ao núcleo urbano mais tarde: Ribeirão Preto Abaixo ou Pontinha, Braço Direito do Ribeirão Preto ou Laureano, Palmeiras, Barra do Retiro e Retiro. Nesta lista de 1847, entre o 3 e o 6 quarteirões, podemos encontrar vários personagens, já nossos conhecidos, ligados à comunidade nascente da futura vila de São Sebastião do Ribeirão Preto:  No Tamanduá - Antônio Joaquim Gonçalves, casado com Maria do Carmo, presente ali desde, pelo menos, 1835; - Joaquim José Ferreira, casado com Ana Rita, também ali, pelo menos, desde 1826. Faleceu em 1858 e uma de suas filhas Ana Flausina do Carmo foi a terceira mulher de José Borges da Costa (ver páginas 172 e 204); - João Nepomuceno Terra, filho de Manuel Francisco Terra e Ana Victória de Jesus, entrante de Lavras, ali desde 1826, de acordo com o censo de Casa Branca deste ano, casado com Hipólita Joséfina Nogueira, filha do capitão João de Souza Nogueira e Maria Teodora de Barros; filhos deste casal: 1. José, nascido em1823, casado com Mariana Antônia;125 2. Joaquim, casado com Balbina;126 3. João, nascido em1829; 4. Manoel, nascido em1830; 5. Venerando, nascido em 1824; 6. Ana, nascida em1831; 7. Maria Umbelina, nascida em 1833 casada com Luis Antônio de Oliveira,

125 126

GUIMARÃES, op.cit, p. 371, nota 50. Idem, p. 372.

274


antigo proprietário da Fazenda do Retiro; filhos deste casal: 1. Maria Jeremias, batizada em 01.01.1848; 2. José, batizado em 12.12.1852; 3. Amélia, batizada em 21.09.1854; 4. Elias, batizado em 07.01.1856. 8. Belmira, nascida em 1834; 9. Silvestre, batizado em 11.05.1845; 10. Auta, batizada em 13.08.1848; 11. Leonor, quarta esposa de José Borges da Costa, o filho; 12. Arlindo José Nogueira, casado em 03.07.1875 em São Simão com Ubaldina Claudina de São José, sua prima, filha de Manoel Francisco Terra e Rita Claudina de São José. - José Nogueira Terra, filho mais velho de João Nepomuceno Terra, já citado; - Urias Nogueira, ainda solteiro também em 1847; - Manoel Joaquim dos Santos, casado com Ana Flauzina (que foi, depois de viúva, a terceira esposa de José Borges da Costa), já estava no Ribeirão da Onça desde pelo menos 1826 (censo de Casa Branca); a primeira esposa de Manuel Joaquim foi Maria Ignácia com quem teve os seguintes filhos: 1. José, nascido em1817; 2. Venturiano, nascido em 1820; 3. Sebastião, nascido em 1822; 4. Joaquim, nascido em 1826; 5. Maria, nascido em 1828.  Na Figueira - José Borges da Costa, casado com Maria de Nazareth, entrante de Campanha do qual muito já falamos, devia estar ali desde 1827, de acordo com o censo de Casa Branca deste ano; - Francisco Borges da Costa, filho do anterior, casado com Maria Ignácia de Oliveira (ver página 199); - Joaquim Borges da Costa, irmão de José Borges da Costa (ver página 197);

275


- José Nazareth de Azevedo; - João Alves da Silva Velho, casado com Joaquina Maria, já recenseado ali em 1835 (ver página 215 e seguintes); - José Alves da Silva Júnior, sobrinho do anterior, já casado, com Policena Maria do Nascimento (ver página 212); - Manoel José do Vale, casado com Mariana Francisca da Conceição, ali também recenseado em 1835; filhos: 1. Manuel, batizado em 18.05.1846; 2. Joaquim, batizado em 20.01.1848. - Antônio Soares de Castilho, casado com Senhorinha Maria de Nazareth (ver página 235 e 236); - Manoel Soares de Castilho, irmão do anterior, casado com Antônia Maria de Nazareth (ver página 236 a 238); - José Pedrozo de Almeida, pai de Mariano Pedrozo de Almeida, um dos doadores do patrimônio de São Sebastião.  No Esgoto - Alexandre Antunes Maciel, um dos mais antigos moradores do lugar; - Antônio Borges da Costa, filho de José Borges da Costa (ver página 199); - Ignácio Bruno da Costa, um dos doadores do patrimônio de São Sebastião (ver página 249); - Manoel de Nazareth de Azevedo, casado com Porcina Maria Perpétua, filha de José Borges da Costa (ver página 232 e 233).  No Ribeirão Preto (que inclui as microbacias do ribeirão Preto e dos córregos do Retiro, do Laureano e das Palmeiras): - Antônio José Teixeira Júnior, casado com Claudina Maria, filha de Vicente José dos Reis, o mais velho dos irmãos Reis; foi o que resistiu o quanto pôde contra a construção da capela de São Sebastião nas terras do Retiro (ver página 182); - José Matheus dos Reis, o que fez a primeira doação de terras para São Sebastião, em 1845, nas Palmeiras (ver página 184); - João Alves da Silva Primo, um dos doadores do patrimônio de São Sebastião na Fazenda do Retiro em 1852 (ver página 217 e 215). Vejamos, agora, a evolução do número de eleitores de São Simão

276


(incluindo Ribeirão Preto), em alguns anos e quarteirões selecionados, entre 1848 e 1857. 1848 - SÃO SIMÃO - 15 QUARTEIRÕES ORDEM

LOCALIZAÇÃO

NÚMERO DE ELEITORES

3 quarteirão

Tamanduá

20

4 quarteirão

Figueira

21

5 quarteirão

Ribeirão Preto (*)

19

Fonte: APESP, Listas de Qualificação de Votantes, São Simão, 1848, lata 5887. * Este quarteirão continuava a corresponder ao Ribeirão Preto, Laureano, Retiro e Barra do Retiro, Palmeiras e Esgoto.

1849 - SÃO SIMÃO - 15 QUARTEIRÕES LOCALIZAÇÃO

NÚMERO DE ELEITORES

2 quarteirão

Tamanduá

19

3 quarteirão

Figueira

24

4 quarteirão

Ribeirão Preto

23

ORDEM

Fonte: APESP, Listas de Qualificação de Votantes, São Simão, 1849, lata 5887.

1850 - SÃO SIMÃO - 17 QUARTEIRÕES ORDEM 13 quarteirão

LOCALIZAÇÃO

NÚMERO DE ELEITORES

Figueira

14

14 quarteirão

Esgoto

4

15 quarteirão

Ribeirão Preto

19

16 quarteirão

Lageado

40

17 quarteirão

Sertãozinho

19

Fonte: APESP, Listas de Qualificação de Votantes, São Simão, 1850, lata 5887.

Podemos deduzir indiretamente que até 1850, era ainda muito pequena

277


a população das fazendas em que iria se constituir o núcleo urbano de Ribeirão Preto. Ela sequer já estava dividida em unidades menores, quanto à sua organização eleitoral, sendo sobrepujada por outras áreas mais próximas de São Simão, como a Figueira, o Tamanduá e, principalmente, o Lageado. A partir de 1853, é que podemos observar um crescimento significativo do quarteirão do Ribeirão Preto, dentre os demais, e já em 1857, temos a subdivisão deste quarteirão, com o aparecimento inclusive, pela primeira vez na documentação histórica, do Arraial de São Sebastião: 1853 - SÃO SIMÃO - 20 QUARTEIRÕES ORDEM

LOCALIZAÇÃO

NÚMERO DE ELEITORES

16 quarteirão

Figueira

20

17 quarteirão

Esgoto

12

18 quarteirão

Ribeirão Preto

43

19 quarteirão

Lageado

26

20 quarteirão

Sertãozinho

24

Fonte: APESP, Listas de Qualificação de Votantes, São Simão, 1853, lata 5887.

1857 - SÃO SIMÃO - 22 QUARTEIRÕES LOCALIZAÇÃO

NÚMERO DE ELEITORES

15 quarteirão

Serra Azul

23

16 quarteirão

Figueira

8

17 quarteirão

Esgoto

15

ORDEM

18 quarteirão

Arraial de São Sebastião

24

19 quarteirão

Ribeirão Preto

24

20 quarteirão

Retiro

30

21 quarteirão

Sertãozinho

26

22 quarteirão

Lageado

74

Fonte: APESP, Listas de Qualificação de Votantes, São Simão, 1853, Lata 5887.

278


SÃO SIMÃO: NÚMERO DE ELEITORES EM QUARTEIRÕES SELECIONADOS QUARTEIRÕES

1861

1866

1868

Sertãozinho

33

10

35

Serra do Sertãozinho

31

17

37

Laureano

27

24

40

Ribeirão Preto

17

7

15

Palmeiras

7

12

9

Arraial de São Sebastião

12

18

12

Esgoto

24

17

25

Retiro

25

39

57

Figueira

13

19

42

Serrinha (Serrana)

22

13

15

Serra Azul

0

22

27

Fonte: APESP, Listas de Qualificação de Votantes, São Simão, 1861, 1866, 1868, Lata 5887.

Percebe-se, pelos números da tabela acima, uma redistribuição de eleitores entre os referidos quarteirões no decorrer da década de 1860. Podemos deduzir fato semelhante em relação à população total. Isto ocorria, sobretudo, com aqueles quarteirões que serviriam de plataforma para expansão do sítio urbano de Ribeirão Preto, como o Laureano e o Retiro. Contraditoriamente, tudo indica que a população do arraial permaneceu estagnada naquela época, vindo a crescer de maneira extraordinária somente na década seguinte, depois da criação da freguesia e da vila, como ainda veremos.

5.2. Nos registros de batismo, um crescimento acelerado Os registros de batismo de São Simão, somente se tornam regulares a partir de 1844, dois anos após a criação da freguesia. Encontramos, entre esses primeiros registros, referências e batismos feitos pelos vigários de Casa Branca na região desde 1830, sugerindo a existência de desobrigas ao estilo dos antigos párocos de Caconde ao longo do Caminho de Goiás.

279


Esses registros mais antigos poderiam ter sido anotados em livro próprio, exclusivo para aquela região, mas não o encontramos em Casa Branca. Aquelas referências a antigos moradores da área de São Simão coincidem com muitos que são listados no censo de 1835, de que já falamos. Senão, vejamos alguns desses registros da década de 1830: Data do

Nome do

Pai

Mãe

Batismo

Batizado

1830

Celestino

João Nepomuceno*

Madalena Maria de Jesus

1832

Francisca

Incógnito

Venância Pereira Barros

1834

João

Luiz Antônio Garcia

Maria Cecília de Jesus

1835

Joaquim

Custódio José Landim**

Rosa Maria de São José

1835

José

Custódio José do Vale***

Antônia Maria de Jesus

1835

Vigilato

José Bento Nogueira ****

Honória Nogueira

1835

Cândida

José Teixeira Carvalho*****

Francisca Maria de Jesus (Xavier?)

1836

Amaro

Amaro José do Vale***

Theodora Maira de Jesus

1837

José

Joaquim José do Vale***

Maria Thomasia de Jesus

1838

Generosa

João Nepomuceno*

Madalena Maria de Jesus

* João Nepomuceno aparece no censo de São Simão em 1835, estabelecido em sua fazenda no Ribeirão da Prata, então com 27 anos, com quatro filhos, produzindo milho e feijão; sabia ler e escrever. ** Custódio José Landim, com sua enorme parentela, aparece no censo de São Simão, de 1835, mas não aparece nos censos de Casa Branca anteriores, o que sugere sua chegada recente à região. *** Faziam parte da parentela dos Vale, originários de Ouro Fino, já presentes no censo de Casa Branca desde 1825 e fixados no Vale do Ribeirão da Onça. **** Citado no censo de Casa Branca de 1826 e no de São Simão, de 1835. Originário de Baependi, era irmão de Hipólita Joséfina, casada com João Nepomuceno Terra, pais de Leonor Nogueira Terra, quarta esposa de José Borges da Costa. ***** José Teixeira de Carvalho já se encontrava no vale do Ribeirão da Prata, onde foi recenseado em 1835. Pelo registro de casamento de seu filho, Antônio José Teixeira Júnior, o Carvalhinho, com Claudina Maria, realizado em 26.07.1840, em Casa Branca, temos a informação de que os Teixeira de Carvalho são originários de Goiás. Mas José Teixeira de Carvalho aparece no censo de Casa Branca de 1826, como natural de Campanha e, em 1833,

280


como sendo de Lavras. No censo de Minas Gerais realizado em 1831, encontramos um José Teixeira de Carvalho tendo 70 anos, viúvo, residente na vila de São José (Tiradentes). Pode ser um homônimo ou parente dos Teixeira de Carvalho paulistas.

Entre 1844 e 1854, dispomos dos registros de batismo de São Simão em séries contínuas e bem conservadas. Para uma população de 1189 habitantes, recenseada em 1835, o número de nascimentos a partir de 1844 atinge níveis elevados, o que nos sugere a fixação de grande contingentes de adventícios pouco antes disso: ANO

NÚMERO DE BATISMOS

1844

130

1845

122

1846

112

1847

110

1848

133

1849

108

1850

109

1851

122

1852

36

1853

90

1854

101

A área abrangida por esses registros corresponde a todo o norte da mesopotâmia Pardo-Mojiguaçu, incluindo Ribeirão Preto, até o pontal formado pelos dois rios. Esses números não indicam uma tendência definida, apresentam variações bruscas, podendo significar um deslocamento constante de populações. Os livros de registros de óbitos para este período não foram encontrados e devem ter desaparecido há muito tempo. Isso torna mais difícil ainda qualquer cálculo sobre o crescimento vegetativo da população. Os registros de batismos realizados na capela de São Sebastião do Ribeirão Preto aparecem em livro próprio a partir de 27 de novembro de 1855, e podem ser encontrados no Arquivo da Catedral. As séries entre 1856 e 1863 são contínuas e bem conservadas, excentuando o ano de 1857, cujos registros terminam em 10 de outubro e o de 1859 cujos registros somente se iniciam em 22 de agosto. Por ele, é possível imaginar um crescimento demográfico considerável na área próxima ao pequeno aglomerado humano que se formava em torno da capela:

281


ANO 1856 1857 1858 1859 1860 1861 1862 1863

NÚMERO DE BATISMOS 81 47* 49 33** 99 165 123 129

* até 10 de outubro somente ** a partir de 22 de agosto somente.

De 1864 a 1869 - exatamente o período de construção da capela de São Sebastião que viria a ser a primeira matriz - as séries são descontínuas e irregulares, impossibilitando qualquer análise sobre as taxas de natalidade ou do crescimento demográfico em geral; de 1864, existem somente 5 registros, iniciados em 24 de abril; de 1865; existem 9, todos entre outubro e dezembro; de 1866 existem 63 registros, mas somente até outubro; de 1867, existem 62, mas que se iniciam somente em março; de 1868, nenhum registro e de 1869 apenas 1. É possível que os batismos realizados pelo Pe. Manoel Eusébio de Azevedo tenham sido registrados em outro livro, desaparecido. Já os registros de óbitos e enterramentos desse período realizados no cemitério da capela de São Sebastião ainda em construção são contínuos e regulares. Mas a partir de 1870, com a criação da freguesia de São Sebastião do Ribeirão Preto, os registros de batismo tornam-se organizados, legíveis e em séries contínuas. Por eles, podemos acompanhar o vertiginoso crescimento demográfico dessa área. A partir de 1874, temos também os registros de óbitos de Ribeirão Preto (em livros separados, de livres e escravos): ANO

282

BATISMOS LIVRES + ESCRAVOS

ÓBITOS LIVRES

ESCRAVOS

TOTAL

1870

121

-

-

-

1871

134

-

-

-

1872

164

-

4

-

1873

105

-

6

-

1874

124

113

10

123


1875

192

81

6

87

1876

226

1877

193

77

7

84

76

11

87

1878

263

129

6

135

1879

316

163

20

183

1880

286

123

11

134

1881

324

122

16

138

1882

320

132

9

141

1883

327

200

13

213

A inexistência de dados sobre a população absoluta em séries contínuas impossibilita conhecermos o exato crescimento demográfico desse período. Mas existem evidências de que era muito grande e resultante, sobretudo da forte imigração. Consultando os registros de batismos e óbitos de Ribeirão Preto até 1883, verifica-se que são raríssimos os nomes estrangeiros. É que não havia ainda iniciado a chegada maciça de europeus para o trabalho nas fazendas de café. Tratava-se, portanto, de imigração originada em outras regiões do próprio Império. Levando-se em consideração estes números de nascimentos e óbitos, podemos até sugerir um considerável crescimento vegetativo, mas muitas outras evidências indicam que este crescimento era mesmo resultado da chegada intensa de contingentes de outras regiões do país. Como confirmação, vejamos que entre 1874 e 1883, houve: * 2571 nascimentos * 1325 óbitos Diferença entre nascimentos e óbitos: 1236 nascimentos em dez anos ou 123,6 nascimentos/ano. Um relatório do presidente da província, que indica uma população de 10.420 habitantes para o termo da vila de Ribeirão Preto em 1887, sugere que aquele crescimento demográfico não poderia ser resultante apenas do crescimento natural da população. A se manter a média de 123,6 nascimentos/ano, entre 1874 e 1883, teríamos em 1887, uma população de 8.282 habitantes e não de 10.420, como diz o relatório. A diferença fica, sem dúvida, por conta de novos contingentes adventícios. Concluindo, poderíamos afirmar, em números aproximados, que de um crescimento demográfico de 4.868 habitantes, entre 1873 e 1887, o crescimento natural seria responsável por 1730 e a imigração por 3.138 indivíduos, em média.

283


5.3. O arraial de São Sebastião em 1857: uma sociedade de plantadores e criadores

Primeiro prédio público de Ribeirão Preto, construído em 1888, para ser a sede da Câmara e Cadeia, ainda hoje existente, tombado pelo Patrimônio Histórico Municipal. Nesta área, foram construídas as primeiras casas e uma pequena capela provisória em Ribeirão Preto nas décadas de 1840 e 1850.

Em 1857, o arraial de São Sebastião do Ribeirão Preto que surgia em torno da ermida provisória dedicada ao mesmo santo era o local de moradia de vinte e três cidadãos, na concepção exata do termo: eleitores qualificados como tal pela lista de votantes de São Simão daquele ano. Todos alcançavam uma renda anual de 200$000, conforme o critério censitário do sistema eleitoral do Império. A grande maioria deles eram “lavradores”, termo que serve para designar não apenas plantadores, mas, no caso, principalmente, criadores de gado. A documentação eleitoral de que nos servimos não nos fornece maiores detalhes quanto à ocupação daqueles indivíduos, mas nos sugere que viviam de uma lavoura e de uma criação de subsistência, mercantilizando pequena parcela de sua produção o que lhes garantia a referida renda. Ocupavam pequenas glebas das fazendas Retiro e Barra do Retiro, então em processo de divisão judicial.

284


Podemos perceber que a maioria daqueles primeiros ribeirão-pretanos era recem-chegados à região, pois seus nomes não constam das listas de votantes do final da década de 1840. Eram qualificados como lavradores: 1. Antônio da Silva e Souza, de 46 anos, casado com Joaquina Maria das Dores, só aparece citado na lista de votantes deste ano; mas nos assentos de batismo, encontramos um filho deste casal, chamado Clemente, batizado em 26.12.1855; 2. Fidélis Dutra, de 34 anos, solteiro, só aparece na lista de votantes neste ano; 3. Fidélis Antônio de Oliveira, de 41 anos, casado com Galdina Cândida de Jesus, estava residindo na Fazenda Laureano em 1861; encontramos três filhos seus nos assentos de batismo: Antônio, batizado em 29.06.1856; Maria, batizada em 04.07.1858; outro Antônio, batizado em 18.11.1865; 4. Francisco Antônio de Oliveira de 30 anos, casado, continua citado na lista de votantes até, pelo menos, em 1873, mas residindo agora na sua propriedade na Fazenda do Ribeirão Preto, era casado com Luiza Maria de Oliveira, filha de Antônio Borges da Costa e neta de José Borges da Costa; sua descendência já foi listada anteriormente. 5. Francisco Antônio de Souza, de 28 anos, casado, só aparecendo este ano citado na lista de votantes; 6. Jerônimo da Silva e Souza, de 48 anos, casado, também só aparecendo neste ano; pode ser irmão de Antônio da Silva e Souza, citado antes; 7. José Joaquim do Espírito Santo, de 56 anos, casado com Rita Jerônima de Oliveira, morava entre 1861 e 1868 em sua propriedade, na Fazenda do Esgoto, mas, em 1873, já estava na Fazenda do Ribeirão Preto; 8. João Custódio de Oliveira, de 30 anos, casado, mudou-se depois para a Fazenda do Ribeirão Preto, onde o encontramos, pelo menos, até 1873; 9. Joaquim Francisco Pinto, de 25 anos, casado com Rufina Maria do Nascimento, fixou residência, posteriormente, na Fazenda do Laureano, era filho de Antônio Sotero da Silva; 10. João Alves da Silva Júnior, de 36 anos, casado com Policena Maria do Nascimento; originário da Fazenda da Figueira, ele chegou a residir em vários lugares, sendo que, em 1878, estava na Fazenda do Bananal, próximo a Sertãozinho; ele era filho de Antônio Alves da Silva (ver página 212); 11. Luciano Dias de Almeida, de 66 anos, casado, só aparecendo citado neste ano;

285


12. Mariano Pedroso de Almeida, de 47 anos, casado com Maria Lourenço do Nascimento, um dos doadores do patrimônio de São Sebastião na Barra do Retiro, encontrava-se ainda na vila do Ribeirão Preto em 1878; 13. Manoel Fernandes do Nascimento, de 37 anos, casado, futuro fabriqueiro do patrimônio da Igreja, um dos líderes do povo para a construção da capela e do arraial na fazenda Barra do Retiro; 14. Severiano João da Silva, casado com Gertrudes Maria Teodora, de 30 anos, doador também de terras para o patrimônio de São Sebastião na Barra do Retiro, mas só o encontramos citado neste ano; 15. Felisbino da Silva e Souza, de 26 anos, casado com Rita Maria Gertrudes e teve três filhos: Joséfa, batizada em 05.12.1858; Maria, batizada em 28.09.1862 e Jerônima, batizada em 26.11.1860; ele estava, em 1861, residindo na Fazenda do Laureano. Mais um da família Silva e Souza; 16. Teófilo Silva da Rocha, de 30 anos, casado, só aparecendo citado neste ano; 17. Tomé Roiz de Souza, de 30 anos, casado, também só aparecendo neste ano. Note-se na relação acima a presença de dois doadores de terras para a formação do patrimônio eclesiástico de São Sebastião na Barra do Retiro. Os outros doadores não tinham sua residência no arraial, pelo menos até 1857. O surgimento de algumas funções urbanas já se manifestava, de forma muito incipiente, naquele núcleo de moradores. Cinco deles são designados como “negociantes”, não se especificando, exatamente, de quê: 1. Antônio Soares de Castilho, de 51 anos, casado. Aparece citado no quarteirão da Figueira entre 1847 e 1850. Posteriormente, passou a residir na Fazenda do Laureano. Já discorremos bastante sobre os Soares de Castilho que fixaram residência em Ribeirão Preto como grandes comerciantes. Foram, talvez, os maiores interessados na constituição do patrimônio para dar origem à povoação. Encontramos a assinatura de Antônio Soares de Castilho em várias petições e outros documentos relacionados à oficialização e reconhecimento eclesiástico do patrimônio, bem como à construção da capela. Ele não figura como doador, se bem que possuía terras na Fazenda do Laureano e na Barra do Retiro, nesta, por compra que fez a Antônio José Teixeira Júnior no ato de sua divisão judicial. Muito provavelmente, tenha sido Antônio Soares de Castilho e seu irmão, Manuel, os que mais cedo e melhor perceberam como uma povoação poderia facilitar os seus interesses e os de outras centenas de lavradores e suas famílias no que se refere às necessidades de troca e às relações de sociabilidade. 2. Antônio Joaquim de Oliveira, de 34 anos, casado. Juntamente com seu

286


irmão, Luís Antônio de Oliveira, foi antigo proprietário das terras que, outrora, pertenceram a Manuel dos Reis Araújo e, depois, a Antônio Pedro de Mendonça - a Barra do Retiro -, recebendo seu quinhão, quando da divisão judicial dessa fazenda, se bem que nada deixou para São Sebastião. Ele é originário da Fazenda do Esgoto onde posteriormente, chegou a residir. Chegou a residir também na Fazenda do Retiro. 3. Francisco Gonçalves Manço Júnior, de 29 anos, filho de pai homônimo, casado com Ana Rosa de Alexandria (dos Reis Araújo). Francisco e Ana Rosa aparecem nas listas de 1861 e 1868 residindo na Fazenda do Ribeirão Preto. 4. João Valério de Morais, de 38 anos, solteiro. 5. José Francisco de Araújo, de 36 anos, casado. Além do comércio, outras funções necessárias ao atendimento dos interesses dos moradores do arraial e das fazendas próximas já estavam presentes. Assim é que encontramos Francisco José da Silva Onça, exercendo sua profissão de ferreiro e o Padre Manuel Eusébio de Araújo já residindo e sacramentando no arraial. Este, depois, mudou-se para as Palmeiras, onde o encontramos em 1861. Mas essas incipientes funções urbanas não se restringiam ao exíguo espaço do arraial. Elas existiam fora dele, se bem que em áreas próximas. O desenvolvimento das sociabilidades integrava, na verdade, um espaço bem mais amplo que os arredores da ermida provisória. Assim é que encontramos Antônio exercendo sua profissão de sapateiro na Fazenda do Ribeirão Preto; Manuel Martins como carpinteiro na mesma fazenda e Antônio Borges da Costa, irmão de José Borges da Costa, como negociante na Fazenda do Retiro, onde o encontramos ainda em 1861.

5.4. Da capela à freguesia Na década de 1860, cresceu vertiginosamente a população das fazendas contíguas ao arraial de São Sebastião, mas não a população deste núcleo de moradores. É o que deixam perceber as listas de votantes da época. A capela definitiva, futura matriz, teve sua construção iniciada por volta de 1863 e já podia abrigar os eventos religiosos depois de 1866. A existência de uma população numerosa pelos arredores já estava mesmo a exigir um templo maior e de melhores acomodações. Sentença eclesiástica, de 02.01.1868, reconheceu como legítimo o patrimônio da capela de São Sebastião e, em 26.11.1869, foi elevada à capela

287


curada, sendo seu primeiro cura, nomeado nessa mesma data, o Padre José Phillidory Torres. Informação do Vigário de São Simão, Padre Francisco Beleza, ao Vigário da Vara, diz que Ribeirão Preto possuía três mil habitantes em 1869.127 Essa população, com toda certeza, não correspondia apenas ao arraial que crescia em torno da capela, mas incluía o conjunto da população residente nas fazendas próximas do Retiro, Ribeirão Preto, Laureano, Palmeiras e Esgoto e, certamente, também a da área próxima ao pontal formado pelos rios Pardo e Mojiguaçu, onde iria surgir rapidamente o núcleo de Sertãozinho. De qualquer forma, era um número considerável, tendo em vista que, quarenta anos antes, toda aquela área estava ainda despovoada. Grande parte daquela população era adventícia, sendo poucos os que tinham sua origem de nascimento em uma área próxima, suponhamos, entre Franca e Casa Branca, ao longo do Caminho de Goiás. A presença dos entrantes mineiros era, sem dúvida, considerável. Corroborando com esta última afirmação, diz-nos textualmente, o Livro do Tombo da matriz de Ribeirão Preto, iniciado em 30 de novembro de 1885, na sua primeira página: “... Em 1852, alguns mineiros que habitavam o sertão que hoje forma a paróquia de Ribeirão Preto tomaram a resolução de edificar uma pequena ermida sob a invocação de São Sebastião...”128 Outra fonte afirma também a origem essencialmente mineira da população inicial de Ribeirão Preto. Dr. Martinho Prado Júnior, em artigo publicado no jornal “A Província de São Paulo”, em 1877, diz que “a população é quase toda do tipo louro, e oriunda de Minas Gerais.”129 O primeiro censo geral do Brasil, realizado em São Paulo em 1873, nos mostra uma radiografia perfeita da Ribeirão Preto nos seus primeiros dias como freguesia e como vila. Vejamos:

COSTA, op.cit., p. 110, nota 5. 1 Livro do Tombo da Catedral de Ribeirão Preto, 1874. 129 PRADO, Martinho. Municípios de São Simão e Ribeirão Preto. A Província de São Paulo, 18 out 1877. 127 128

288


População Total

5.552 habitantes

Livres:

4.695 pessoas

Escravos:

857 indivíduos

Homens casados:

665

Solteiros:

1.744

Viúvos:

28

TOTAL DE HOMENS:

2.437

Mulheres casadas:

658

Solteiras:

1.489

Viúvas:

110

TOTAL DE MULHERES:

2.255

Divisão por Ocupações Lavradores (Homens + Mulheres):

2.657

Criadores (dado não fornecido pelo censo) Jornaleiros (sendo 25 escravos de aluguel):

98

Serviços domésticos (sendo 73 escravos apenas);

850

Religiosos Seculares:

1

Parteiras:

1

Professores e Homens de Letras:

3 (todas mulheres)

Artistas:

29 (25 mulheres)

Capitalistas e Proprietários:

9

Comerciantes, guarda-livros e caixeiros:

20

Manufatureiros e Fabricantes:

26 (todas mulheres)

Costureiras:

176

Operários de Metais:

4

Operários de Madeiras:

17

Operários de Tecidos:

11

Operários de Edificações:

10

Operários de Couros e Peles:

3

Operários de Calçados:

2

Sem profissão alguma:

2.165

289


Brancos:

3.502

Pardos:

1.057

Pretos:

967

Caboclos:

26

Sabem ler e escrever:

281

Analfabetos:

5.268

População de 06 a 15 anos:

1.696

Que frequentam a escola:

70

Que não frequentam:

1.626

Procedência de outras províncias: de outras localidades de São Paulo:

5.456

de Minas Gerais:

96

Fonte: Censo Geral do Império, 1873. Província de São Paulo, Vila de São Sebastião do Ribeirão Preto. Arquivo Público Mineiro, Belo Horizonte.

Esses dados podem nos levar a várias reflexões. A omissão do número de criadores é uma falha lamentável do censo, pois sabemos que a maior parte dos proprietários o era; além de a pecuária ser, sem dúvida, a base econômica da região. O número dos empregados em serviços domésticos é bastante elevado para uma economia tipicamente agrária e ainda com poucas funções urbanas, em contradição com o pequeno número de jornaleiros, que chamaríamos hoje de diaristas. O número de costureiras é um dado que nos chama a atenção - 176, bem como o número dos sem profissão, descontado o número de crianças e jovens em idade escolar, o que daria 469! O número considerável de viúvas em comparação com o de viúvos nos sugere que Ribeirão Preto já seguia um padrão tradicional no que se refere a uma expectativa de vida maior das mulheres. Mas a informação mais conturbadora desse censo é o número subestimado da população proveniente de Minas. Talvez a metodologia utilizada requeresse a citação da procedência mais recente, mas mesmo assim, os números nos parecem fora da realidade diante de uma série de outros documentos fidedignos da mesma época. Outro dado que nos chama a atenção é que não existe nenhuma referência à procedência da população de outras províncias do Império. Apenas para efeito comparativo, temos outro dado de população de

290


Ribeirão Preto em 1887. Um relatório do presidente da província naquele ano fornecia o resultado de um recenseamento feito, indicando existir nesse termo, 10.420 habitantes, sendo que 1.379 eram escravos. Note-se um crescimento global extraordinário da população em 14 anos: 87,7%. Mas outro dado realmente chocante é o crescimento também do número de escravos, em plena crise de mão de obra escrava, atingindo, às vésperas da abolição, um crescimento de 60,9% em comparação com 14 anos antes.130 QUEM ERAM NOSSOS PRIMEIROS “PACATOS CIDADÃOS” Um interessantíssimo documento de 1878 mostra quem eram examente nossos primeiros cidadãos ribeirão-pretanos na acepção exata da palavra: uma lista de qualificação de eleitores dividida em 24 quarteirões. Esses tais de quarteirões, na linguagem judicial da época, não eram bem os nossos quarteirões de hoje, as quadras urbanas. Eram, de fato, bairros rurais e urbanos, geralmente definidos geograficamente pelos córregos que cortavam a região. Assim, ainda aparecem nesse documento os quarteirões do Retiro, do Ribeirão Preto, do Laureano, etc. Era, sem dúvida, a população com residência e trabalho nas fazendas próximas. Mas o que nos chama mais a atenção são os dois primeiros quarteirões, correspondentes à Vila, recém-emancipada há apenas cinco anos. Aqui, nós encontramos muitos cidadãos conhecidos, dos quais já falamos em páginas anteriores, ou seus descedentes diretos, com todas as suas qualificações. Então, vejamos: 1º quarteirão da vila CIDADÃO

Antônio Sotero Soares de Castilho

130

IDADE PROFISSÃO

28

Tabelião

ESTADO CIVIL

casado

PAI

RENDA

Manoel Soares de Castilho

400

Ver PEREIRA, José Flávio. Capitalismo e agricultura: a gênese e a organização do trabalho livre na produção cafeeira no período de 1850 a 1900. Campinas. Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, 1984. Dissertação (mestrado em História). Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Estadual de Campinas, 1984.

291


Antônio Luis Pimentel

62

Boticário

casado

José Manoel Pimentel

400

Antônio Bernardino Veloso

36

Coletor

casado

Manoel José Veloso de Almeida

400

Antônio Rodrigues do Prado

45

Carpinteiro

casado

Antônio Rodrigues do Prado

200

Antônio Joaquim dos Santos

34

Lavrador

casado

Joaquim Ignácio Ferreira

200

Agostinho Goulart da Silva

36

Carpinteiro

casado

Agostinho Goulart Alves

200

Cândido José da Silva

32

Negociante

casado

João Antônio da Silva

400

Eustáquio da Costa Rezende

45

Alfaiate

casado

José Gonçalves de Mello

400

Firmino Antônio de Siqueira

33

Negociante

casado

Joaquim Francisco de Siqueira

400

Francisco Pereira de Barros

40

Lavrador

casado

Antônio Pereira de Barros

200

Gabriel Joaquim Pinto

33

Carpinteiro

casado

Mariano José Pimenta

200

Joaquim Carneiro da Silva Braga

38

Boticário

casado

Domingos Carneiro da Silva Braga

400

Joaquim Francisco da Silva Onça

33

Empregado casado Público

Francisco José da Silva Onça

400

João Fernandes Parreira

35

Carpinteiro

casado

João Fernandes Parreira

400

João Ignácio de Souza

30

Negociante

casado

Honorato José Corrêa

400

José Antônio Pereira

48

Oficial de Justiça

casado

Antônio José Pereira

200

292


José Batista da Silva

26

Oficial de Justiça

casado

Desconhecido

200

José da Motta Fontana

26

Escrivão de Paz

casado

Vicente José de Freitas

400

José Garcia Duarte Sobrinho

36

Escrivão

casado

Francisco Garcia Duarte

400

José Joaquim de Mello

45

Carpinteiro

casado

Antônio Pereira de Barros

200

José Luiz de Miranda

62

Lavrador

casado

José Luiz de Miranda

200

José Martins da Silva

40

Lavrador

casado

Ângelo Nogueira da Silva

200

Manoel Francisco da Silva Onça

29

Ferreiro

casado

Francisco José da Silva Onça

400

Manoel Soares de Castilho

63

?

casado

Sotério Soares de Castilho

200

Mariano Pedroso de Almeida

70

Lavrador

casado

Mariano José Pedroso

200

Manoel José de França

46

Fazendeiro

casado

Manoel José de França

400

Moisés Fernandes do Nascimento

31

Lavrador

casado

Manoel Fernandes do Nascimento

400

Padre Núnzio Greco

39

Vigário

solteiro

Dantas José Greco

400

Policarpo José Pacheco

32

Carpinteiro

casado

Lins Antônio Pacheco

200

Rodrigo José dos Santos

28

Sapateiro

casado

Desconhecido

200

Sabino Bezerra dos Reis

22

Carpinteiro

casado

Severino Bezerra dos Reis

200

Vicente Moraes Salles

40

Negociante

casado

Reginaldo de Moraes Salles

200

Zeferino José Vieira

48

Carpinteiro

casado

Francisco de

400

293


Paula Vieira Zeferino Ferreira da Silva

35

Ferreiro

João Gomes da Silva

200

ESTADO CIVIL

PAI

RENDA

casado

2º quarteirão da vila CIDADÃO

IDADE PROFISSÃO

Antônio Ferreira Lopes

29

Negociante

solteiro

João Bento Ferreira Lopes

400

Antônio Alves Pereira Campos

60

Carpinteiro

casado

Antônio Alves Pereira

400

Antônio Alves Pereira Júnior

25

Lavrador

casado

Antônio Alves Pereira Campos

400

Antônio Vaz Tosta

45

Lavrador

casado

Antônio Toledo da Silva

200

Bartolomeu Custódio Braga

36

Ourives

casado

Francisco Custódio Braga

200

Bernardo Alves Pereira

62

Fazendeiro

casado

Joaquim Alves Pereira

400

Balduíno Ferreira de Mello

25

Negociante

solteiro

João Bento Ferreira Lopes

200

Diogo Carlos Cardoso

61

Fazendeiro

casado

Joaquim Carlos Cardoso

400

Félix Custódio Braga

37

Ourives

casado

Francisco Custódio Braga

200

Francisco de Macedo

25

Negociante

casado

Carlos Carneiro da Silva Macedo

400

Francisco José Ferreira Júnior

28

Agências

casado

Francisco José Ferreira

200

Firmino Borges da Fonseca

36

Negociante

casado

Manoel Borges da Fonseca

400

294


Florêncio Gonçalves de Andrade

30

Negociante

casado

Pedro Gonçalves de Andrade

400

Gabriel Gonçalves Vallim

39

Lavrador

casado

Joaquim Gonçalves Vallim

200

Honorato Antônio de Faria

23

Carpinteiro

casado

João Antônio de Faria

400

Hypólito José dos Reis

32

Agências

viúvo

Matheus José dos Reis

200

Joaquim Antônio da Silva Rosa

29

Agências

casado

Manoel Antônio da Silva

200

José Domingos de Oliveira

35

Carpinteiro

casado

Desconhecido

200

Joaquim Pereira Garcia

55

Lavrador

casado

José Theodoro do Prado

400

Joaquim Borges da Silva

37

Negociante

casado

João Borges da Silva

200

José Martins Lemes

38

Lavrador

casado

Domingos Martins de Lemes

200

Idelfonso de Assis Pinto

37

Advogado

casado

Francisco de Assis Pinto e Andrade

200

José Venâncio Cardoso

38

Carpinteiro

casado

Joaquim Venâncio cardoso

400

João Ferreira da Silva

39

Lavradore

casado

Antônio Ferreira da Silva

200

João Francisco Leite

60

Oficial de Justiça

casado

Desconhecido

400

João de Freitas Pacheco

50

Negociante

casado

Miguel José de Freitas

200

José Pedro do Prado e Silva

28

Carpinteiro

casado

José Thomé do Prado e Silva

400

José Antônio Ribeiro

26

Carpinteiro

casado

Antônio Manoel Ribeiro

400

295


José Gomes do Amaral

43

Negociante

casado

Manoel Gomes do Amaral

200

Luiz Gonzaga Bezerra dos Reis

26

Carpinteiro

casado

Severino Bezerra dos Reis

200

Ramiro Lins de Oliveira Pimentel

30

Empregado casado Público

Antônio Luiz Pimentel

400

Saturnino José da Silva

35

Negociante

Francisco José da Silva

200

casado

Alguns dados interessantes podem ser ressaltados dessas duas listas. Em primeiro lugar, por que a anotação da renda? Porque o voto no Império era censitário e somente os cidadãos com renda anual mínima de 200$000 (lê-se duzentos mil réis) podiam votar e somente aqueles com mais de 400$000 (lê-se quatrocentos mil réis) eram elegíveis. Assim, podemos observar que quase todos os elegíveis em Ribeirão Preto eram, geralmente, fazendeiros, negociantes, empregados públicos e alguns poucos lavradores. O grande número de carpinteiros sugere-nos um núcleo urbano em plena efervescência de construções de moradias, verdadeira frente pioneira da economia cafeeira que avançava sertão a dentro. Algumas figuras ilustres aqui aparecem: Mariano Pedroso de Almeida, um dos doadores de terra para a constituição do patrimônio da Igreja; membros da família Reis de Araújo e Bezerra dos Reis, como Hypólito José dos Reis, Sabino Bezerra dos Reis e Luiz Gonzaga Bezerra dos Reis; o primeiro vigário, Pe. Núnzio Greco; Moisés Fernandes do Nascimento, filho do fabriqueiro que morreu assassinado, Manoel Fernandes do Nascimento e o fundador do primeiro jornal impresso de Ribeirão Preto, “A Lucta”, Ramiro Lins de Oliveira Pimentel.

5.5. Da freguesia à ferrovia (1870-1883): Ribeirão Preto torna-se frente pioneira na expansão da cafeicultura A noção de “frente pioneira” exprime um movimento social cujo resultado imediato é a incorporação de novas regiões pela economia de mercado. Ele se apresenta como fronteira econômica, no caso brasileiro, sempre aquém da fronteira demográfica. A faixa entre uma e outras, embora sendo povoada (mesmo

296


com baixos índices de densidade demográfica) não constitui uma “frente pioneira” e não a constitui, basicamente, porque a sua vida econômica não está estruturada principalmente a partir de relações com o mercado. É essa faixa, com suas peculiaridades econômicas, sociais e culturais, que se pode conceituar como “frente de expansão”. Mas a característica imediata da “frente pioneira” é a de que se instaura como empreendimento econômico: empresas imobiliárias, comerciais, bancárias, ferroviárias, etc, loteiam terras, transportam mercadorias, compram e vendem, financiam a produção e o comércio. Passa-se, assim da produção de excedente, típica da “frente de expansão”, para a produção de mercadorias. A “frente pioneira” surge não como consequência “rebarbativa” da sociedade capitalista, mas como resultado direto da necessidade de produção desta. O ponto-chave da implantação da “frente pioneira” é a propriedade privada da terra. Aqui, a terra não é ocupada, aposseada, e sim comprada. A terra se transforma em capital e as relações sociais passam a ser reguladas pela mercadoria. Essas relações não se esgotam mais no âmbito do contato pessoal. O funcionamento do mercado é que passa a ser regulador da riqueza e da probreza. Na passagem da década de 1870 para 1880, Ribeirão Preto se integrou à “frente pioneira” da expansão da cafeicultura. As primeiras fazendas de café ainda aproveitaram recursos preexistentes e subutilizados que eram a terra e a mão de obra escrava. O último quartel do século XIX, foi o período da grande expansão do café; foi quando houve a substituição dos meios de transporte: as tropas de burro pela estrada de ferro, a substituição do braço escravo pelo imigrante. Houve como que uma verdadeira corrida ao novo Eldorado do oeste paulista, onde, além de São Simão, Cravinhos, Sertãozinho e tantos outros municípios, apareceria a inconfundível Ribeirão Preto, no coração da terra roxa. O surto de progresso ofuscaria tudo que até então se vira, e a cidade logo denominada a “capital do café” transformar-se-ia numa verdadeira cidade do “ouro verde”. Aqui, ao lado dos importantes “coronéis” do café, apareceriam os primerios representantes da classe então latente, a dos descendentes dos primeiros colonos estrangeiros (quando não, eles próprios), e que, à custa de esforço e de economia, entrariam também para a lista dos produtores de café em terras próprias. Nesse momento chega o cafeicultor, o homem já experimentado em outras regiões e em outras atividades. Para aí, se dirige o capitalista, o homem

297


dinâmico, especulador, mas também os carcamanos e os pobres. Uma nova paisagem natural e humana logo vai surgir com os imensos cafezais. Já em 1876, os irmãos Barreto, cafeicultores de Rezende, deixaram o vale do Paraíba para estabelecerem-se em Ribeirão Preto. Em 1877, já existiam as fazendas com milhares de pés de café de propriedade de Manoel Otaviano Junqueira, José Bento Junqueira, Rodrigo Pereira Barreto, Cel. João Franco de Moraes Octávio e Manoel da Cunha Diniz Junqueira. Logo chegaram outros que chegaram a ser grandes cafeicultores como Martinho Prado Júnior, Henrique Dumont, Francisco Schmidt, Iria Junqueira e Lunardelli. Modificações estruturais ocorreram na propriedade fundiária. Temos um gigantesco processo de concentração de terras, através de compras de inúmeras glebas de antigos proprietários pelos capitalistas que chegavam ávidos em plantar café. Ernesta Zamboni estudou detidamente este processo, do último quartel do século passado, na região de Ribeirão Preto, acompanhando as cadeias dominiais das fazendas do Lageado e do Laureano, desde o aposseamento de suas terras. Na década de 1870, Ribeirão Preto viu definir-se a sua organização social. Tornou-se freguesia pela Lei n 51, promulgada a 2 de julho de 1870, pelo então presidente da província Dr. Antônio Cândido da Rocha. Em 16 de julho, a freguesia foi instituída canonicamente através de provisão do bispo, Dom Sebastião Pinto do Rego. A lei n 67, de 12 de abril de 1871, elevou o arraial a vila, cujo termo foi desmembrado de São Simão. Sua primeira Câmara foi eleita em 22 de fevereiro de 1874 e instalada em 4 de junho do mesmo ano. Ribeirão integrou-se definitivamente ao mercado internacional do café em 23 de novembro de 1883. Neste dia, os trilhos da Companhia Mogiana de Estrada de Ferro atingiam a vila e colocavam seus imensos cafezais em contato direto com o mundo.

CONCLUSÕES Acreditamos ter contribuído para uma compreensão mais exata de um dos movimentos de população mais persistentes do interior brasileiro desde o século passado: o dos “entrantes” mineiros para o interior paulista. Ao esmiuçarmos os diversos fatores que deram origem a este imenso fluxo migratório do sul de Minas para a antiga freguesia de Casa Branca, acreditamos ter articulado um trabalho de caráter regional com as transformações por que passou o Brasil, após a chegada da família real ao Rio de Janeiro,

298


particularmente a formação do mercado carioca. A partir de uma revisão da produção bibliográfica, que sempre privilegiou fatores de ordem superestrutural para explicar o êxodo das populações mineiras, fomos encontrar em estudos mais recentes sobre a economia e a sociedade mineiras nos séculos XVIII e XIX o eixo explicativo daquele fenômeno: a necessidade mesma de se expandir a produção, estimulada agora pelas novas necessidades de um mercado interno em crescimento. Decorrente disso, seja com a pressão demográfica sobre a terra, seja com a proletarização do homem livre, tivemos um intenso fluxo migratório em busca de novas áreas de ocupação econômica no interior paulista. Afastamo-nos, pois, de uma visão decadentista de Minas após o boom aurífero para afirmamos a expansão mineira no século XIX. Sem pretensões de ter adentrado em uma Demografia Histórica, de tipo tradicional, a análise de fontes documentais primárias, sobretudo os maços de população, os processos judiciais e os inventários, elucidou fatos significativos e até pitorescos para uma compreensão mais detalhada do povoamento da antiga freguesia de Casa Branca, correspondente à área mesopotâmica entre os rios Pardo e Mojiguaçu. Daí, termos trilhado uma abordagem mais dependente da História Econômica e Social que da Demografia Histórica. Isso nos permitiu determinar ainda, que as migrações podem sugerir um modelo, específico da socieade patriarcal que se formou no interior paulista e que constitui um componente de peso quando se analisa a permanência ou não das famílias numa da região e suas características peculiares tais como comportamento social, patrimônio hereditário, sistemas de heranças e transformações da riqueza através das gerações. A estruturação fundiária e a formação dos laços de parentesco processos que não podem se dissociar dos movimentos de população – levaram-nos obrigatoriamente a recorrer aos estudos de genealogia que devem ser valorizados, por isso mesmo, em outra dimensão. As diferentes composições familiares, suas características próprias, de feição regional, esclarecem pontos obscuros da ocupação da área geográfica de que se ocupou nossa pesquisa. A utilização de dados quantitativos para um estudo de Demografia Histórica, em uma perspectiva regional, nos permitiu privilegiar um estudo de caso - Ribeirão Preto - como resultado exemplar do fluxo migratório dos mineiros que povoou o interior paulista. Sua estruturação fundiária, fortemente entrelaçada com a formação de seus primeiros grupos familiares, fica finalmente esclarecida a partir da publicação de fontes inéditas, como o “libelo cível de força e esbulho” dos Dias Campos contra os Reis Araújo, em 1834, lista de

299


qualificação de votantes e registros paroquiais de São Simão e Ribeirão Preto. Esses pioneiros que desbravaram a terra, mas não a ocuparam, cederam seu lugar para os Borges da Costa, Bezerra Cavalcanti, Soares de Castilho, Nazareth de Azevedo, Alves da Silva. Essas famílias, juntamente com seus agregados e seus escravos, abriram caminho para novas levas de mineiros que preparam os imensos latifúndios de criação para a grande arrancada do café. Mas mesmo antes disso, a necessidade de legalização da posse, aliada a outras questões econômicas e religiosas, levaram aqueles primeiros moradores a uma mobilização não cheia de conflitos para sua ascensão à qualidade de cidadãos reconhecidos pelo seu tempo. E a construção de uma ermida, depois de uma capela, uma freguesia e uma vila foram etapas significativas naquela ascensão. Os trabalhos de memorialistas e historiadores como Osmani Emboaba da Costa, Ernesta Zamboni e Roberto Vasconcelos Martins devem ser reconhecidos como basilares para a compreensão dos primórdios da capela de São Sebastião da Barra do Retiro, depois, São Sebastião do Ribeirão Preto. Foram fundamentais como ponto de partida para conhecermos as aspirações, ocupações, os conflitos e as expectativas daquela gente pioneira que lutou pela posse e pela ocupação dessa terra. Avançamos, no entanto, ao esclarecer a temporalidade da ocupação da área do Ribeirão Preto, muito antes do boom cafeeiro; ao desvendar as relações íntimas dessa ocupação com o povoamento rarefeito e disperso do antigo Caminho de Goiás (século XVIII), bem como com a onda de entrantes mineiros (século XIX); ao elucidar a formação dos primeiros núcleos desse povoamento com suas primeiras famílias e com sua necessidade de “plantar para o gasto” - economia que tinha seu paradigma no sul de Minas, origem de todo aquele movimento populacional.

FONTES DOCUMENTAIS E REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS FONTES MANUSCRITAS BATATAIS. Arquivo Paroquial. Livro do Tombo n 1. CASA BRANCA. Cartório do 1 Ofício. Processo crime de Vicente Bezerra dos Reis que matou a facadas a Antônio Inácio, c. AC-1853, m.131. Divisão judicial da fazenda Barra do Retiro, c. AC-1856, m.132. Inventário de José Ferreira, c. AC-1857/1858, m. 42. Libelo cível de força e esbulho de Dias Campos contra Reis de Araújo, c.

300


AC-1848, m.155. ________________. Cartório do 2 Ofício. Divisão Judicial da Fazenda da Figueira, c.AC-1850. Libelo cível de reivindicação, c.AC-1848. Processo de José Borges da Costa contra Matheus dos Reis Araújo, c. AC-1848, m.155. Ação de obra nova de Antônio Teixeira Júnior e sua mulher contra João Alves da Silva Primo e Antônio Malaquias Pedroso, c. AC-1853, m. 93. Ação de Antônio Teixeira Júnior contra Manoel Fernandes do Nascimento, c. AC-1853, m.139. Inventário de Domingos Borges da Costa, c. AC-1853/ 1859. Ação de Antônio Soares de Castilho e sua mulher contra Mariano Pedro de Almeida e outros. c. AC-1855, m. 129. BELO HORIZONTE. Arquivo Público Mineiro. Mapas de população, 1833-1835, Seção Provincial. FRANCA. Arquivo Público Municipal. Carta precatória do juiz municipal da Vila de São José do Mojimirim para o juiz municipal da Vila Franca do Imperador, 1834, m. 1831. ___________. Museu Histórico Municipal José Chiachiri. Livro de assentamento de gado da Câmara Municipal de Franca, 18251836, v. 58, c.11. MOJIMIRIM. Cartório do 1 Ofício. Ação de herdeiros-genros contra a viúva de Lourenço Bezerra Cavalcanti, 1822, m. 141. Inventário de Maria Francisca do Espírito Santo, mulher de Joaquim Bezerra Cavalcanti, 1822, m. 134. Testamento de José Nazareth de Azevedo, 1829, m. 83. Inventário de Maria de Nazareth, 1837, m. 144. Inventário de Maria Magdalena de Jesus, 1839, m. 145. Inventário de Manoel José dos Reis, 1839, m. 167. Inventário de Vicente José dos Reis, 1839, m. 167. Autos de medição de terras da fazenda do Lageado, 1841, m. 2K.

301


RIBEIRÃO PRETO. Cartório do 1 Ofício. Divisão Judicial da fazenda do Ribeirão Preto, 1886, c.19. _______________. Cartório do 2 Ofício. Inventário de José Borges da Costa, 1868, c. 3B. Inventário de Antônio Soares de Castilho, 1869, c. 3B. Inventário de Antônia Maria, mulher de Manoel Soares de Castilho, 1873, c. 3B. Divisão Judicial da fazenda do Esgoto, 1891, c. 3A. Sobrepartilha de bens de José Borges da Costa, 1895, c. 3A. _______________. Arquivo da Catedral. Assentos de batismo, 1855-1883. Assentos de óbito, 1872-1883. Livros do Tombo da paróquia de São Sebastião do Ribeirão Preto. _______________. Setor de Genealogia da Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias. Assentos de batismo de São Simão, 1830-1854 (em microfilme). _______________. Cartório de Registro de Imóveis. Livro de registro de hipoteca de terras, 1879-1888. RIO DE JANEIRO. Arquivo Nacional. Documentos Históricos, v. 9. Coleção Governadores do Rio de Janeiro, 1727, livro 13. SÃO PAULO. Arquivo Público do Estado. Maços de População de Mojiguaçu, 1765-1813, ordem 114, lata 114; ordem 116, lata 116, ordem 116-A, ordem 117, lata 117, ordem 118, lata 118. Maços de População de Mojimirim, 1779-1808, ordem 116, lata 116, ordem 118, lata 118. Maços de População de Casa Branca e São Simão, 1814-1835, ordem 124, lata 124, ordem 123, lata 123. Documentos de Casa Branca, 1830-1834, ordem 984, lata 189, pasta 1. Inventários e Testamentos, c. IX, m. 271. Listas de qualificação de votantes de São Simão, 1847, 1848, 1849, 1850, 1853, 1857, 1861, 1868, latas 5887, 5888, 5889.

302


Listas de qualificação de votantes de Ribeirão Preto, 1873 e 1878, lata 5890. ___________. Arquivo Arquidiocesano. Livro de petições, 1-2-39. Livro de registro de provisões, 10-1-16, 1818-1827. Livro de paróquias instituídas canonicamente, 8-2-23. FONTES IMPRESSAS FRANCA. Arquivo Público Municipal. Registros de casamento de Mojiguaçu, 1737-1775. Transcrição de Adriano Campagnole e publicação de Roberto Vasconcelos Martins. Registros de batismo de Caconde, 1775-1802. Transcrição de Adriano Campagnole e publicação de Roberto Vasconcelos Martins. SÃO PAULO. Arquivo Público do Estado/Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo. Sesmarias (1720-1736), 1947. Repertório de Sesmarias, 1994. Documentos interessantes para a história e os costumes de São Paulo. v. XI (1897), XIII (1897), XIX (1896).

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ANEXOS A GRANDE EXPANSÃO PARA O OESTE A expansão mineira, a partir do final do século XVIII, percorreu uma área muitas vezes maior que a sua própria região de origem. O território, que hoje constitui o Triângulo Mineiro e que era conhecido como “Sertão da Farinha Podre” fazia parte da capitania de Goiás até 1816 e era cortado pelo Caminho dos Goiases. Era uma região povoada por indígenas do grupo Caiapó e vivia de alguns resquícios de mineração no Alto Rio das Velhas (corruptela de Rio das Abelhas, na área do Desemboque atual). Já nos fins do século XVIII, começam a se estabelecer por ali as primeiras fazendas de gado dos “generalistas”, provocando o adensamento das populações, o que resultou no aparecimento de alguns povoados, todos de origem mineira, como o Desemboque, Uberaba, Araxá e outros. O Alvará de 4 de abril de 1816, assinado por D. João VI no Rio de Janeiro, anexava oficialmente o Sertão da Farinha Podre à província de Minas Gerais. A região de Paracatu foi também repovoada por correntes migratórias que para ali se dirigiram, ultrapassando mesmo os limites de Minas Gerais e atingindo Goiás. A chegada desses mineiros é que deu algum alento à “decadência” goiana, pelo menos nas áreas onde se fixaram, como no distrito de Santa Cruz. É o que afirma Cunha Mattos em sua obra Corografia Histórica da Província de Minas Gerais (1837) à página 303: “a Lei n 11 de 05 de setembro de 1838, do governo provincial de Goiás, isentava os moradores dos sertões de Anincuns do pagamento de quaisquer impostos. Era, sem dúvida, um estímulo para que se intensificasse a imigração de criadores mineiros para as terras goianas, iniciada alguns anos antes”. Mas a penetração e a conquista dos vastos sertões do sul de Goiás, sul de Mato Grosso e noroeste do Paraná pelos mineiros ou generalistas viriam a se constituir em uma verdadeira epopéia travada no Brasil Central. E sua relação com a pecuária é mais que evidente. É o que nos diz Nelson Werneck Sodré, em sua obra Oeste - ensaio sobre a grande propriedade pastoril: “embora pobre mesmo em suas manifestações, a cultura pastoril devia proporcionar ao Oeste o seu grande momento no sentido da ocupação e da dispersão humanas. Por isso mesmo, os primeiros grupos humanos que se deslocaram, nessa nova fase, para essas terras, seriam originários de Minas Gerais, de onde haviam partido os rebanhos e deviam ligar-se à cultura pastoril. O que os atirava para as terras novas era a ânsia de conquista de pastagens ricas e verdejantes, e amplas e vastas, para a fazenda de gado que criariam ou que tocariam do território mineiro”.

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OS LOPES E O POVOAMENTO DE MATO GROSSO O maior pioneiro da arrancada das levas mineiras para o sul do Mato Grosso foi, sem dúvida, Joaquim Francisco Lopes. Era irmão do lendário Guia Lopes, celebrizado por Taunay na sua Retirada da Laguna. Nasceu em Piuí, em 1805, casou-se por três vezes, e faleceu em 1868 em Jataí, província do Paraná. Em cópia de um manuscrito de próprio punho de José Ribeiro de Sá Carvalho que nos foi gentilmente cedida por Benedito Viana, de Ituiutaba, encontramos detalhes interessantes das aventuras e correrias dos Lopes nos sertões do Oeste. Sá Carvalho foi farmacêutico em Franca, de onde teria mudado para o Mato Grosso por volta de 1920. Ganhava a vida vendendo remédios, indo de fazenda em fazenda, em lombo de animais. Era um curioso pela História. De todos que encontrava, ele anotava nomes e ascendentes familiares e começava a inquirir sobre sua procedência. Assim, conversou com muitos descendentes de mineiros que foram de Franca para fundar Santana do Paranaíba, no Mato Grosso. Dessas anotações resultaram diversos artigos que Sá Carvalho publicou em jornais e revistas de Mato Grosso e São Paulo, que nos dão a conhecer hoje detalhes daquela verdadeira epopéia. Dados desse manuscrito, de que nos serviremos também a seguir, foram utilizados por Sá Carvalho para redigir o artigo intitulado Memórias do sertanista Joaquim Francisco Lopes com o subtítulo O povoamento do sul matogrossense publicado em 29.12.1929 no Diário do Sul, de Campo Grande, por ocasião do primeiro centenário da entrada dos Garcia e outras famílias mineiras nos sertões daquela província. Artigo semelhante foi publicado no Diário da Serra, n 1, em outubro de 1930, em Campo Grande. Sá Carvalho cita nesses artigos a relação dos primeiros povoadores da região, com base no levantamento dos fazendeiros radicados ali, feito em 1838, pelo Padre Francisco de Paula Fleury, vigário da Freguesia de Santana do Paranaíba. Uma relação nominal de todos os habitantes do sul de Goiás e do sul do Mato Grosso, nessa época, deve existir no Arquivo Público de Goiás. É que pela Resolução n 2, de 5 de agosto de 1848, o governo provincial de Goiás investiu a quantia de 600$000 para organizar o mapa topográfico e o cadastro da população da “Campanha do Rio Verde até a povoação dos Garcia”. O vigário de Anincuns, Pe. Francisco Azevedo Coutinho, é que ficou encarregado de fazer este trabalho. O nome correto do Padre Fleury era Francisco de Salles Souza Fleury, primeiro capelão da capela de São José do Tijuco, primitivo nome de Ituiutaba, entre 1833 e 1836, como ele mesmo diz em carta transcrita na íntegra no Livro

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do Tombro n 1, do Arquivo da Catedral dessa cidade. Depois de 1836, foi ele para a recém-criada ‘povoação dos Garcia’, no Mato Grosso como era chamada a região por esses mineiros vindos de Franca. O padre Fleury era, com certeza, de família goiana descendente de Coelho Furtado que, segundo a tradição contada inclusive por Saint-Hilaire, era francês, da nobre estirpe dos Fleury, vindo para Goiás no início do século XVIII. Essas informações foram cedidas por Benedito Viana em entrevista gravada em Ituiutaba em 1992. Esta relação de moradores citada por Sá Carvalho aparece na obra História de Campo Grande, de José Barbosa Rodrigues, como também Oeste ensaio sobre a grande propriedade pastoril, de Nelson Werneck Sodré. A primeira entrada de Joaquim Francisco Lopes data de 1829. Consta da carta que ele enviou ao Imperador em 1840, contando suas aventuras na zona do Paranaíba. Lopes fizera relações com os Garcia e os Souza, radicados anteriormente no Sertão da Farinha Podre, no Pontal do Triângulo. A convite de Januário José de Souza, Lopes aliou-se aos Garcia para uma grande entrada no Mato Grosso. A travessia do Paranaíba ocorreu em “lugar largo e manso, com matos, serradões e pântanos”, conforme nos informa Sá Carvalho. Daí, eles chegaram a uma área de campos limpos que batizaram de Santana, tomados para posse de João Garcia Leal. Este núcleo viria a dar origem a Santana do Paranaíba, verdadeira ponta de lança para a conquista do extremo oeste. Dali, a expedição dividiu-se em três grupos. O primeiro dirigiu-se para o norte, pelo vale do Rio do Peixe, hoje Rio Aporé, que faz fronteira entre o Mato Grosso do Sul e Goiás. O segundo, para o oeste, buscando as cabeceiras do Rio Santana. O último, sob o comando de Januário José de Souza e Joaquim Francisco Lopes, atingiu o Sucuriú, contornando diversos afluentes do Paraná. Januário afazendou-se no Sucuriú (São Pedro) e Lopes organizou duas fazendas no Rio do Pântano, de encomenda, para Inácio Furtado e Domingos Rodrigues, moradores de Franca. Depois, Lopes voltou para Franca, de onde resolveu mudar-se definitivamente para o sertão, com criações e aviamentos, em abril de 1831. Percebe-se a grande importância da Vila Franca do Imperador como ponto de partida para a conquista do extremo-oeste brasileiro. De lá haviam partido também os Garcia, os Souza e os Barboza. Joaquim Francisco Lopes voltou a Santana, explorando, a seguir, o Rio Verde. Fez novas viagens para o capitão José Garcia Leal, desta feita, tendo como companheiros os primeiros Barboza vindos de Franca, os irmãos Alexandre Gonçalves Barboza, Inácio Gonçalves Barboza e Antônio Gonçalves Barboza (cf. Oeste - ensaio sobre a grande propriedade pastoril, de Nelson

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Werneck Sodré, 1990, Arquivo do Estado, pp. 69, notas 9 e 10, 73 e 74). Joaquim Francisco construiu casa em 1832 na Fazenda Monte Alegre em terras que recebeu do capitão José Garcia Leal. Em 1835, estava no Taquarussú, onde deu terras ao seu irmão José, o futuro Guia Lopes, primeira posse do sertanejo que salvaria da ruína total a expedição Camisão, durante a Guerra da Tríplice Aliança contra o Paraguai. Numa descida pelo rio Paraná, encontrou-se com o cuiabano Eleutério Nunes que lhe deu notícias das riquezas da terra e das pastagens de Camapuã e Miranda. Em 27 de junho de 1836, Joaquim Francisco Lopes, acompanhado de seu irmão Gabriel, tenta uma viagem rumo a Cuiabá. Partiram da Fazenda de Januário Garcia, atravessaram o rio Ariranha, passaram pelas cabeceiras dos rios Santana e Sucuriú, chegando a um lugar chamado Paraíso, cuja posse foi feita por ele, em 1834, para seu irmão, Gabriel. Nas proximidades, numa fazenda formada para Januário Garcia, ficaram sinais de rumo para que o dono abrisse uma carreteira. Daí, eles seguiram para Camapuã, dando nome às diversas correntes d’água que encontravam. Em 25 de julho, chegaram a Camapuã. Ali encontraram rastro de gado e chegaram até o rancho do português Salvador Luiz dos Santos, que instalara uma fábrica de sal, extraído dos barreiros da região. Alguns dias depois, chegaram ao Forte Miranda, onde era comandante o capitão José Gomes. Passaram ali vários dias e, depois, empreenderam o caminho de regresso, desistindo de chegarem até Cuiabá naquele ano. Por onde passava, Joaquim Francisco Lopes ia abrindo picadões e caminhos, deixando marcada a sua presença como grande sertanista e aposseador de terras. Em dezembro de 1836, Joaquim Francisco Lopes iniciou uma das mais longas de suas jornadas. Passando por Miranda, chegou finalmente a Cuiabá por via fluvial em 21 de março de 1837. Aí, foi festivamente recebido pelo presidente da província, Pimenta Bueno, que muito se interessou pelas aventuras que os destemidos Garcia praticavam também no sertão dos Caiapós. Recebeu do presidente Bueno credenciais para abrir uma estrada de Cuiabá até a barranca do rio Paraná, passando por Pequeri e por Santana. Depois de cumprir esta tarefa, sob instruções do capitão José Garcia Leal, Joaquim Francisco Lopes foi a São Paulo onde se entrevistou com o presidente da província, Dr. Bernardo José Pinto Gavião Peixoto. Dele recebeu instruções, gente e recursos para prosseguir na abertura de um picadão, da barranca do Paraná até a Vila da Constituição (atual Piracicaba). Esta foi concluída em dez meses! Este grande serviço público que construiu deu fama ao sertanista até o final de sua vida.

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Em 1845, ele entrou para os serviços do Barão de Antonina, um dos vultos mais curiosos na história da expansão para o Oeste. Autorizado pelo Imperador, o Barão pretendia abrir uma estrada ligando o Porto de Antonina, no litoral, a Cuiabá, passando por Miranda. As expedições e viagens de Lopes nesta nova empreitada foram publicadas pela revista trimestral do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, a partir de 1847. Até 1857, Lopes trabalhou para o Barão de Antonina, juntamente como seu companheiro de andanças, o piloto John Henry Elliot. Ambos mudaram-se definitivamente para os sertões do Tibagi, no Paraná, onde passaram o resto de suas vidas. Fundaram ali a Colônia Indígena São Jerônimo de que foram diretores. Joaquim Francisco Lopes faleceu em 1868 e Elliot, em 1884. Foram sepultados no cemitério Público da Vila de São Jerônimo, em jazigos paralelos. Seus descendentes se espalham por vasta região do Paraná. Os Garcia, numerosos no Sul de Minas, originários de Aiuruoca, passaram o início do século XIX, por Casa Branca, Batatais e Franca e foram os primeiros posseiros de terras no Pontal do Triângulo (Fazenda Monte Alegre), indo, depois, como já dissemos, ao lado dos Lopes conquistar o Mato Grosso e o sul de Goiás. Esta família se divide em três ramos: os Garcia Pereira, os Garcia Leal e os Garcia Duarte. Os irmãos Garcia Leal é que povoaram o sul do Mato Grosso - o capitão José Garcia Leal, Januário Garcia Leal e José Pedro Garcia Leal. O primeiro deles foi vereador em Franca em 1828. Pouco depois, os três saem de Franca e se mudam para o Pontal mineiro, entusiasmando-se pelas terras além do Rio Paranaíba, em território hoje de Mato Grosso do Sul e Goiás. Eram conquistadores intrépidos, de uma mobilidade espantosa. Levaram com eles para as novas terras os Lopes e os Barboza, estes originários de Pouso Alegre, também sul de Minas, e que seriam os fundadores de Coxim e Rio Brilhante. Uma curiosidade: os irmãos Garcia Leal iam de Franca para suas terras no Pontal em 1829, levando com eles os Lopes, pernoitaram na Fazenda do Major Antônio Eustáquio da Silva e Oliveira, comandante do Sertão da Farinha Podre. Ocorreu ali, naquela noite, a doação de três fazendas de um paulista de Jacareí para os padres da Congregação da Missão, localizadas exatamente no lugar, onde surgiria mais tarde a cidade de Campina Verde. O paulista era João Batista de Siqueira e os Lopes assinaram o documento como testemunhas. Dos Garcia Duarte, talvez o maior expoente seja o Tenente José Garcia Duarte, o Barão de Franca. Nascido em São Miguel de Cajuru, hoje Arcângelo, termo da Vila de São João del Rei, obteve grande projeção política

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em toda a região noroeste de São Paulo, ao final do período monárquico. O Barão de Franca foi casado em primeiras núpcias com Ana da Costa Junqueira, filha do Major Bernardes da Costa Junqueira, o primeiro requerente de sesmaria no Barreiro, onde viria a se formar a cidade de Poços de Caldas. O Barão de Franca foi estudado por Mildred Regina Gonçalves em sua obra “Coronelismo e poder local (Franca: 1850-1889)”. Casou-se, em segundas núpcias, com Maria Amélia Antunes Pinheiros, a Baronesa da Franca. Esta era neta de Francisco Antônio Diniz Junqueira, que foi o primeiro Guarda-mor de Franca e lutou, ao lado do capitão Hipólito Antônio Pinheiro, para a ereção desta vila no extremo da capitania de São Paulo, contra as pretensões dos mineiros de Jacuí que queriam anexar aquela região a Minas Gerais. Os Garcia Duarte se entrelaçaram com os Borges da Costa através do casamento de Ana Victória de São José, irmã de José Borges da Costa (o filho), com Antônio Garcia Duarte, pai de José Garcia Duarte, o Barão de Franca.

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JOSÉ BORGES DA COSTA, BOM DE TERRAS E BOM DE BRIGA Uma das figuras mais irrequietas no alvorecer de Ribeirão Preto. Seu nome se liga inquestionavelmente às suas origens e aparece inúmeras vezes na documentação escrita. Neto de portugueses, e filho de outro José Borges da Costa, nasceu em Campanha, sul de Minas, em 1793. Ali se casou com Maria de Nazareth, natural de Aiuruoca. Por volta de 1825, seu pai e alguns de seus oito irmãos vieram para o sertão paulista e formaram sua fazenda Águas Claras, próximo a São Simão. Esses “entrantes” mineiros tiveram grande importância no desbravamento e na ocupação de toda a região de Ribeirão Preto. Acompanhar este José, nas suas andanças, inventários e estripulias, é reconstituir uma verdadeira epopéia no limiar da história daqueles vastos sertões, a começar pelos seus casamentos que foram quatro. Tudo indica que estes casamentos eram meticulosamente planejados com viúvas-fazendeiras, donas de grandes heranças. Assim, o nosso José foi amealhando uma fortuna fabulosa durante a vida. José Borges da Costa formou sua própria fazenda no vale do ribeirão Tamanduá, não muito longe de onde se fixaram os irmãos Reis de Araújo (tidos como os mais antigos posseiros da área de Ribeirão Preto, aqui já presentes por volta de 1812) na sua fazenda da Figueira. Ali ele foi listado no censo de 1835, tendo então 46 anos, sendo branco, livre, brasileiro, lavrador e negociante de carros de boi, possuindo onze escravos, casado e pai de quatro filhos. Na verdade, conhecemos grande parte de sua história através de vários inventários, de que foi ora beneficiado, ora vítima. Quando seu pai faleceu em 1835, entrou em várias desavenças com alguns de seus irmãos e cunhados por conta da divisão da herança. Quando morreu sua segunda mulher, Maria Felizarda, esta já viúva de Manoel José dos Reis (de Araújo), José Borges da Costa teve como desafeto o marido de uma de suas enteadas, Matheus dos Reis de Araújo, também por conta da divisão da herança. Aliás, este Matheus e o nosso José nutriam um verdadeiro ódio um pelo outro. Em 1846, José Borges da Costa entrou em juízo com uma queixa crime contra Matheus, acusando-o de tentativa de homicídio. Borges alega que Matheus foi até sua casa, armado, e tentou levar de lá a mulher, Ana Maria Luiza, e a filha, que haviam ficado com a sogra dele, durante uma viagem que o mesmo fizera. Como a mulher não quis acompanhar o marido, ele tentou usar da violência para tirá-la da casa de Borges, que interveio na discussão e levou um tiro de Matheus. O réu se defendeu apresentando testemunhas e fatos a seu favor. Acusou Borges de usar de todas as pressões e artifícios para convencer a ele e

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sua mulher de irem morar em sua casa, com o intuito de apoderar-se de seus bens. Afirmou o próprio Matheus: “... sendo este homem de uma desvairada ambição, parece que até queria apoderar-se dos poucos bens que ele (Matheus) possuía por herança de seus pais.” José Borges da Costa faleceu na Fazenda do Retiro (que se tornou sua por compra que fizera a Manoel José dos Reis e por ter casado com sua viúva, Maria Felizarda) em 18 de dezembro de 1867. Seu inventário passou a correr em 1868, e seus autos podem ser encontrados no arquivo do cartório do 2º Ofício em Ribeirão Preto. Deixou viúva sua quarta esposa, Leonor Nogueira Terra e quatro filhos menores. E mais uma fortuna de 33.952$200 e 6.129$270 de dívidas a receber, uma fábula para aqueles tempos! Resta lembrar que José Borges da Costa e sua segunda esposa foram doadores de uma pequena gleba de terras para a constituição do patrimônio de São Sebastião do Ribeirão Preto em 1853, juntamente com outros fazendeiros. Assim, ele também pode ser considerado um dos fundadores de Ribeirão Preto.

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CASAMENTOS ENTRE PARENTES: POR AMOR OU POR RIQUEZA? Casamentos entre parentes, geralmente entre primos, ou entre tios e sobrinhas, eram muito comuns naquela época. Era forma bastante conveniente de preservar a riqueza em comum das famílias do sertão. Sabemos que a maior parte desses casamentos era arranjada pelos pais dos noivos, às vezes, até antes do seu nascimento. Da mesma forma, as relações de compadrio. Compadres e comadres formavam uma verdadeira teia de compromissos uns com os outros. Os paulistas também preservavam o compadrio como relação altamente significativa, dada a importância social do batismo para ricos e pobres. Ter um padrinho influente era também uma forma de ser aceito socialmente. Dessa maneira, os favores eram mais facilmente conseguidos, numa trama variada de deveres e obrigações recíprocos que definiam a natureza dessa relação. Já vimos como três irmãos da família Reis de Araújo se casaram com três irmãos da família Bezerra Cavalcanti. Assim, a riqueza dessas famílias tendia a crescer e a se concentrar. As famílias se uniam e com elas também a propriedade das terras, escravos, bois, plantações, etc. E ficava mais difícil, posteriormente, a divisão de tanta riqueza entre herdeiros de famílias distantes. Mas um caso bastante curioso de casamento entre parentes, se bem que parentes afins e não consanguíneos, ocorreu em Ribeirão Preto com um neto do nosso já conhecido José Borges da Costa. Ele se chamava Manoel Borges de Oliveira, filho de Antônio Borges da Costa e Luiza Maria de Oliveira. Manoel acabou se casando, nada mais nada menos, com Leonor Nogueira Terra, viúva de seu avô José Borges da Costa. No caso de casamento entre parentes, a Igreja exigia as dispensas, ou seja, a suspensão da proibição. Assim, Manoel conseguiu as tais dispensas através do Pe. Cândido Martins da Silveira Rosa, de Franca. Esclareceram os interessados que “desejavam se casar por amor e afeição do parentesco e por amor à família, que a noiva vivia honestamente, não fora raptada pelo noivo e vivia em casa com seus quatro filhos menores” Faleceu Manoel Borges de Oliveira em novembro de 1869, com apenas 23 anos, pouco mais de um ano após o casamento com Leonor. Seu inventário provocou novas desavenças entre parentes.

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GARROTES, MADEIRA, ALFINETES DE OURO, PREGOS E ... CADÁVERES NA CONTABILIDADE DA IGREJA Um dos “achados” mais surpreendentes no meio da papelada do falecido historiador Pedro Miranda que sua família doou recentemente ao Arquivo histórico está um livro de contabilidade. Mas um livro de contabilidade muito especial! Na maior parte de suas páginas de papel “al masso” Gio Magnani, encontramos registros de sepultamentos realizados no cemitério da antiga capela de São Sebastião do Ribeirão Preto, localizada exatamente onde hoje está a fonte luminosa da Praça XV. O cemitério, com certeza, aos fundos, localizava-se entre a fonte luminosa e onde hoje está o Theatro Pedro II. Estão ali 284 sepultamentos realizados entre 19 de outubro de 1867 e 14 de junho de 1870 (existiu outro cemitério antes desse – ainda não localizado – pois o arraial já aparece citado em documentos eleitorais de São Simão já em 1856), grande parte de crianças e recém-nascidos (elevada mortalidade infantil). Mas o livro havia servido também registro de receita e despesa da Igreja ainda durante a construção da capela. Entram na receita doações dos fiéis em dinheiro e em espécie, como dois garrotes no valor de 25$000 (vinte e cinco mil réis), 8 frangos no valor de $700 (setecentos réis), duas açucenas, um par de brincos e um alfinete de ouro, um carro (de boi) de milho do Sr. Francisco Roiz de Faria e um capado arrematado por 10$500 (dez mil e quinhentos réis). Tudo como doações a São Sebastião! Essas ofertas em espécie eram leiloadas e todo o dinheiro apurado era empregado na construção da capela de São Sebastião. Essas anotações contábeis iniciam-se em 12 de fevereiro de 1865, com a seguinte declaração: “Peguei da venda do Sr. José Antônio Pereira 700 pregos para a obra da igreja”. As anotações encerram-se em 10 de agosto de 1870. As despesas referem-se claramente à obra de construção da capela, cujo oficial responsável foi o Sr. Jerônimo Pinto da Silva. A maior parte dos pagamentos a esse oficial vem assinada por Bernardo Alves Pereira – fabriqueiro nomeado após o assassinato de Manoel Fernandes do Nascimento -, pelo procurador Antônio Maciel de Pontes e por Ignácio Bruno da Costa, um dos doadores do patrimônio de terras da capela há mais de dez anos. Na declaração de despesas feitas para atender às necessidades da nascente comunidade religiosa ou para a construção de sua capela, encontramos uma enxada por 3$500, 500 pregos por 5$000, uma garrafa de vinho mascate por 3$000, uma garrafa grande de vinho por 1$600. Aliás, garrafas de vinho em profusão... Nem parece que era apenas para a celebração

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da missa. Havia ainda uma fechadura comprada para o cemitério no valor de 3$800 em 31 de maio de 1869. E ainda 1Kg de farinha de trigo por 1$760 e uma viagem de telhas (viagem era medida!). Ao lado das despesas miúdas, ainda havia outras mais elevadas como a previsão de benção da capela em 5 de julho de 1868 por 23$000 e o pagamento das provisões da pia batismal da capela, curada no valor de 36$300 em 7 de janeiro de 1870. Ficamos ainda sabendo que foi pago a um pedreiro o valor de 2$000 pelo conserto do telhado (da igreja talvez). O interessante de tudo isso é que todas as anotações vêm misturadas, sem nenhuma preocupação com classificação: registros de óbitos, recibos e pagamentos diversos, acerto de contas, doações dos fiéis, etc. Conclusão lógica é que a cobrança dos sepultamentos feitos ainda durante a construção da capela serviu para custear a sua própria construção. Isso fica claro com os frequentes acertos de conta entre o fabriqueiro e o vigário em meio aos registros de sepultamento. É bom que se diga que cada sepultamento custava 3$000 e somente os pobres não pagavam. Mas voltemos aos mortos. Entre eles, encontramos nossos primeiros moradores ilustres, como José Borges da Costa, deixando viúva sua 4ª mulher, Leonor Nogueira Terra. Ele faleceu por “inflamação” com 80 anos de idade em 18 de dezembro de 1867. Ali está José Pacífico de Andrade, morto aos 58 anos; Antônio Soares de Castilho, de família de ricos comerciantes do arraial e esposo de Dona Ana Rita do Amaral, morto aos 66 anos de “hidrofisia”; João Alves da Silva Primo, morto repentinamente em 21 de março de 1870; e José Matheus dos Reis, morto aos 53 anos em 10 de agosto de 1869 de “inflamação do fígado”. Este José Matheus é o mesmo que fez em 1845 a frustrada tentativa de doação de um terreno para a construção da capela na Fazenda das Palmeiras. Além de ser muito pequena, a área estava sob demanda com outras pessoas e a Igreja não aceitou a doação. Era onde Ribeirão poderia ter nascido. Chama atenção a idade de alguns falecidos naquela época tão remota: Antônio Martins com 115 anos, morto por hidrofisia em 20 de outubro de 1867, e Manoel de Oliveira Pontes com 124 anos, falecido de “velhice” em 15 de junho de 1868 (enterrado gratuitamente por ser pobre). Este primeiro livro da Igreja de Ribeirão Preto que servia para tudo, pelo menos para registrar as entradas e saídas financeiras, é uma verdadeira preciosidade histórica. Uma pesquisa mais aprofundada pode até demonstrar o custo exato da construção da capela de São Sebastião. Os dados dos registros de óbitos poderão levar a interessantes conclusões na área da Demografia Histórica. É possível acompanhar os primeiros passos de Ribeirão Preto e de sua população originária – seus gostos, seus usos, seus objetos, seu imaginário. É até possível perceber certa vacilação para se fixar o nome do arraial

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que então nascia: até 1865, escrevia-se ainda São Sebastião da Barra do Retiro. A partir de 1866, é que parece ter se fixado São Sebastião do Ribeirão Preto. Que tal se Ribeirão Preto se chamasse hoje Barra do Retiro? Nada lembraria a agitada e efervescente vida urbana de nossos dias.

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UMA POLÊMICA FINALMENTE ENCERRADA Bastante oportuno foi o lançamento do livro ”História da História da Fundação de Ribeirão Preto” do arquiteto Ricardo Barros, nas comemorações do Sesquicentenário em 2006. Seu maior mérito, sem dúvida, é o formidável resgate que faz da “construção ideológica” há cinquenta anos atrás de como teria sido a fundação da cidade. Talvez esse não fosse o objetivo principal do autor, mas tenho certeza que será assim que a boa crítica irá receber sua obra. Fazendo jus ao título do livro, Barros organiza um levantamento minucioso de documentos particulares e oficiais da década de 1950, em torno da polêmica data de fundação da cidade. Esmiúça os argumentos contrários de Osmani Emboaba da Costa, para quem a fundação aconteceu em 1856, e Plínio Travassos dos Santos, para quem a mesma ocorreu em 1853. Faz uma análise profunda mostrando limitações, insuficiências e sutilezas desses historiadores do passado. Não desconsidera os interesses do poder estabelecido cortejando a ciência (no caso, a História) na edificação da nossa cidadania. Vão aqui alguns retoques e contribuições ao debate, acreditando mesmo, de antemão, que a tese de Barros, corroborando Plínio Travassos dos Santos, vem esclarecer de vez a questão. Há cinquenta anos faltavam documentos preciosos para os nossos pesquisadores. Documentos que somente décadas depois vieram à luz. Quero citar, como exemplo, pois tem relação direta com nosso debate, o libelo cível de força e esbulho de terras dos Dias Campos contra os Reis de Araújo (18341846) sobre as origens das terras sobre as quais hoje se assenta a malha urbana de Ribeirão Preto, e a Ação de Desforço de Manoel Fernandes do Nascimento e Luiz Antônio de Oliveira com suas mulheres contra Antônio José Teixeira Júnior e sua mulher (1856), pedra angular de Ricardo Barros para comprovar a existência do arraial da Barra do Retiro desde 1853. Mas o que significa ‘fundação’ de uma urbe? As cidades nascem de uma intenção calculada? Ou são fruto de geração espontânea? É consequência de um ato político, administrativo, judicial? Ou prevalecem apenas os interesses privados? Acredito que no caso de Ribeirão Preto tudo isso esteve presente, mas concordo com Barros que os legisladores de 1954 deveriam ter aproximado o máximo possível a sua decisão legal da verdade histórica. Optaram, com exclusividade, por um outro ato oficial, judicial, de cem anos antes (1856). Ainda bem que não decidiram que a cidade fora fundada pelo juiz de Casa Branca. Alguém poderia ter dado essa ideia...

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Que era uma intenção calculada fundarem uma povoação, sem dúvida! Desde 1845, quando José Matheus dos Reis fez a primeira tentativa de formação de um patrimônio eclesiástico na Fazenda das Palmeiras várias petições, certidões e declarações confirmam o projeto dos moradores de construírem um povoado, um arraial, além de um simples templo. Mas, o que teria confundido tanto os nossos pesquisadores? Não foi apenas o desconhecimento ou o mau conhecimento da Ação de Desforço de 1853, como afirma Barros. Eles não sabiam que, subjacente a toda essa polêmica centenária, eram grandes as dúvidas sobre a propriedade legal das terras no lugar dos dois patrimônios que a população tentava organizar, nas Palmeiras e no Retiro. Acreditavam ainda que isso aqui era terras de sesmarias. Ainda em 1856, Antônio Dias Campos declarava como suas terras no Registro Paroquial de Terras de São Simão com as mesmas confrontações de 1834. Isso mesmo: dez anos depois de a ação judicial entre os Dias e os Reis ter se encerrado, ainda havia alguém da família Dias Campos contestando tal desfecho judicial. Daí a morosidade, as postergações e as contradições para se decidir que a tão desejada capela fosse construída oficialmente nas Palmeiras (onde as dúvidas eram maiores) ou no Retiro (onde eram menores). Foi preciso proceder à divisão judicial das fazendas Retiro e Barra do Retiro (concluída em 1856) para dirimir tais dúvidas e confirmar a propriedade legal das terras dessas duas fazendas, inclusive do patrimônio das terras de São Sebastião. Todo esse imbróglio judicial confundiu os historiadores até os dias atuais e deu origem, inclusive, à versão de que haveria uma disputa entre os moradores das Palmeiras e do Retiro para sediar o patrimônio eclesiástico. Mas outra faceta passa muitas vezes despercebida: subjacente aos interesses religiosos, falava mais alto o interesse econômico. Até a escolha do lugar onde seria construída a capela e centro da comunidade, já planejada e desejada, é um ato econômico significativo, pois determina o custo do transporte para cada fazendeiro. E isso, sem dúvida, ocorreu na escolha da fazenda Barra do Retiro para sediar o patrimônio. Basta olharmos a planta da fazenda do Rio Pardo, disputada entre os Dias e os Reis, para percebermos que o núcleo inicial de Ribeirão Preto ocupava o centro geográfico dessa imensa gleba. Agiam, portanto, de forma integrada e planejada, com a finalidade de construir um patrimônio que pudesse servir de núcleo de interesses comunitários, ligados ao comércio e a outras atividades. Isso nos sugere um forte espírito comunitário, uma grande conjugação de interesses dos moradores dos cinco assentamentos em que se dividiu a fazenda do Rio Pardo desde a década de 1830, tendo como eixo a família Reis de Araújo: Palmeiras (que tinha uma bacia hidrográfica específica), Pontinha, Laureano, Retiro e Barra do Retiro (bacia do ribeirão Preto). A prevalência da

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Barra do Retiro foi exatamente por ser o centro geográfico, equidistante dos vários interesses presentes. Voltando à fundação, acredito que a Ação de Desforço de 1853, onde diz textualmente “construíram algumas pessoas do povo, não embargadas, uma capelinha e algumas casas no mesmíssimo lugar beneficiado e destinado para a povoação na Barra do Retiro”, resolve de vez a questão. A título de esclarecimento, encontrei esse documento no arquivo do fórum de Casa Branca em 1993 e o cito no meu livro “Ribeirão Preto: da Figueira à Barra do Retiro”. Não contesto as afirmações contidas ali e nem entro na polêmica sobre a data de fundação, pois não era esse o objeto do meu trabalho. E nem poderia sê-lo, pois se tratava de uma dissertação de Mestrado, com todos os rigores acadêmicos. Seria outra dissertação, agora vinda à luz pelas mãos de Ricardo Barros. Outra e, me parece, definitiva leitura dos fatos e dos documentos. Mas no mesmo livro, contesto cabalmente a versão de que Ribeirão Preto surgiu com a construção da capela de São Sebastião na atual Praça XV a partir de 1863. Para isso, exploro, pela primeira vez, a documentação eleitoral de São Simão, onde aparece um quarteirão, enumerado como 18º e denominado ‘São Sebastião do Retiro’ em 1856; em 1857, ainda como 18º, ‘Arraial de São Sebastião’; em 1858, ‘Retiro do Arraial’ e, em 1859, ‘Arraial do Ribeirão Preto’. Não temos a menor dúvida: o verdadeiro início do povoado vem da década de 1850, muito antes, portanto, da construção da capela que viria a ser a matriz. Mas nas mesmas listas, não aparece, meu caro Barros, o arraial em 1853, 1854 e 1855. Seria o tiro de misericórdia na tese do Emboaba. Até porque essa é uma documentação nova, neutra, fora do contencioso. E por que não aparece? Ou ainda não aparece? A pesquisa nunca pára. Vamos a ela! Denominações vacilantes aquelas para o início de Ribeirão Preto. Bem típicas de um nascituro antes do seu batismo. Era uma área de invasão de terras, sem dúvida. Não no modelo do movimento de ocupações do “sem terras”, mas era briga de cachorro grande! E a tal capela de São Sebastião como escudo de vários interesses. Quase todos que invadiram as terras do Carvalhinho eram donos de outras glebas nas fazendas ao redor. Mas havia dois cabeças, dois líderes que acabaram não doando nada para o patrimônio da Igreja, mas foram os incentivadores, os organizadores, deixaram sua marca registrada em todos os documentos sobre as origens mais remotas de Ribeirão Preto: Manoel Fernandes do Nascimento, talvez o mais religioso de todos, futuro responsável pela fábrica (administrador dos bens da Igreja) e que acabou pagando com a

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vida a ousadia de que querer concretizar a urbe (foi assassinado em 1867 por querer abrir uma rua em terreno particular, pelo menos é a versão oficial). O outro, Antônio Soares de Castilho, aparece nas referidas listas de eleitores como negociante desde 1854. É sempre o primeiro que aparece nas listas eleitorais como morador do quarteirão do Ribeirão Preto (a fazenda) em 1853, 1854 e 1855. A partir de 1856, continua sendo o primeiro que aparece no quarteirão do arraial. Negociante em 1854, sugere-nos que já estivesse no arraial, lócus mais apropriado para atividades do comércio, de acordo com o modelo da Europa medieval transplantado pelos portugueses para sua colônia americana. Antônio Soares de Castilho foi talvez o que mais cedo e melhor percebeu como uma povoação poderia facilitar seus interesses e de outras centenas de lavradores e suas famílias no que se refere às necessidades de troca e às relações de sociabilidade. Bela aliança entre o latifúndio, o comércio e a Igreja! Mas quem são os cidadãos ribeirão-pretanos que tiveram sua residência no arraial do Ribeirão Preto em 1856? Foram, certamente, aquelas “pessoas do povo” que, juntamente com os embargados, construíram a capelinha e suas casas ao redor, três anos antes, citados na Ação de Desforço. Vejamos: Antônio Soares de Castilho Grande comerciante desde o alvorecer do arraial. A partir de 1847, já aparece como eleitor residente na fazenda da Figueira, hoje município de Serrana, e posteriormente na Fazenda do Ribeirão Preto. Mais tarde ainda vamos encontrálo na Fazenda do Laureano. Padre Manoel Eusébio de Araújo Até um padre já participava das invasões de terras. É o que a documentação deixa a entrever. É a Igreja agindo diretamente no projeto de capela e arraial! Ele aparece em vários documentos da Igreja relacionados à capela de São Sebastião da Barra do Retiro na década de 1850. Manoel Fernandes do Nascimento Um dos líderes do “povo” para a construção da capela e do arraial, ele era o principal alvo das ações judiciais de Antônio José Teixeira Junior que alegava estar sendo esbulhado de suas terras. Será o futuro fabriqueiro, responsável pelos bens da Igreja no arraial.

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Antônio da Silva e Souza Casado com Joaquina Maria das Dores. Deve ser filho ou sobrinho de Joaquim da Silva e Souza, casado com Antônia, irmã dos Reis de Araújo, primeiros posseiros de terra de Ribeirão Preto. Ainda não conseguimos levantar a descendência de Antônia. João Alves da Silva Junior Casado com Policena Maria do Nascimento. Deixou vasta descendência em Ribeirão Preto. Eram tantos homônimos da família Alves da Silva que eles procuravam se distinguir adotando como sobrenomes Junior, Primo, Sobrinho e Velho, mas sem grandes resultados práticos, pois eram sempre confusos tantos homônimos. Luiz Borges de Aquino Nascido em Cajuru em 1818, casado com Maria Jacinta do Carmo, filha de Vicente Alves da Silva e Ana Jacinta, antigos proprietários da Fazenda das Palmeiras. Mariano Pedroso de Almeida Ele e sua mulher Maria Lourenço do Nascimento doaram dois alqueires na Fazenda do Retiro para o patrimônio da capela em 1853. Severino Joaquim da Silva Ele e sua mulher Gertrudes Maria Teodora doaram doze alqueires de terras na fazenda do Retiro para o patrimônio da capela em 1853. Antônio Joaquim de Oliveira Juntamente com seu irmão Luis Antônio de Oliveira, foi proprietário de terras na Fazenda Barra do Retiro. Comprou-as do primeiro proprietário Manoel dos Reis de Araújo, filho de Vicente José dos Reis, um dos três irmãos Reis que protagonizaram a disputa com os Dias Campos pela Fazenda do Rio Pardo. Francisco Gonçalves Manço Rosa Casado com Ana Rosa de Alexandria, da família Reis de Araújo. Não deixou descendência.

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Francisco José da Silva Onça Casado com Maria Bárbara do Nascimento. Os Silva Onça eram paulistas, descendentes das famosas irmãs portuguesas, as “Três Ilhoas” que deixaram larga descendência no sul de Minas e nordeste paulista. Jerônimo da Silva e Souza Tinha 48 anos em 1856 e era casado. Deve ser irmão de Antônio da Silva e Souza. Juntamente com sua mulher Pulcina Maria de Jesus doaram dois alqueires de terras na fazenda Barra do Retiro para o patrimônio da capela em 1856. A regularização do patrimônio de São Sebastião, constituído de doação das glebas em 1852, 1853 e 1856 e a transferência de domínio para a Igreja em 1856 pode ser entendida como a legalização de um conjunto de interesses privados em andamento, o que era claramente visível na invasão de terras de parte da fazenda Barra do Retiro, sugerindo uma pressão popular para se resolver um problema que se arrastava sem solução há anos. Tanto que quando foi escolhido o local para a construção da capela em 1863, distante do local em que vinha surgindo o arraial há dez anos antes, a área escolhida incluiu o referido local, sendo por isso bastante extensa, estendendo-se desde as imediações do atual Teatro Pedro II até a atual Praça Barão do Rio Branco praça da Prefeitura – o verdadeiro marco zero e onde mais tarde foi construído o primeiro prédio público, a Casa de Câmara e Cadeia de Ribeirão Preto.

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