Revista Frades_Ano I_N°1_2° Semestre 2017
SUMÁRIO
Revista Semestral da Cúria da Província Franciscana Nossa Senhora da Assunção
ANO I/ N° I 2° SEMESTRE 2017 Província Franciscana N. Sra. da Assunção
Palavra do Provincial — Editorial ........................................................ 3
Rua Magalhães de Almeida, 955, Centro, Bacabal—MA CEP: 65.700-000 Caixa Posta: 02 Fone: +55 99 3621 1558
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MISSÃO Elementos Missionários na vida dos Frades Adolfo, Frederico e Heriberto Por Fr. Evaldo Dimon, OFM.............................. 4
curiaprovincial@franciscanosmapi.org.br
REFLEXÃO “Lembra-te de todo caminho andado” 50 anos no Brasil: 1964 - 2014 8 Por Fr. Adolfo Temme ......................................
Diretor Editorial
comunicacao@franciscanosmapi.org.br
Diretor Responsável Fr. Bernardo Brandão de Sousa Neto, OFM
Fr. Ivaldo Evangelista Mendonça, OFM Diagramação Fr. John Herbeth M. Cantanhede, OFM Design/Departamento de Comunicação
ENTREVISTA Entrevista com Fr. Heriberto Hembecki Vida e Missão Por Fr. Lucas Brägelmann ............................... 12 ARTIGO Íntegra do diálogo do Papa Francisco sobre a Vida Religiosa Instituto Humano UNISINOS............................. 32
Revista Frades_Ano I_N°1_2° Semestre 2017
Rogério Ouja Helmer Pinheiro Responsável Fr. Ivaldo Evangelista Mendonça, OFM
Impresso em: Gráfica Líder Rua 28 de julho, 157, Bacabal—MA CEP 65.700-000 Fone: +55 99 3621 1229
EDITORIAL
Palavra do Provincial
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Revista Frades_Ano I_N°1_2° Semestre 2017
MISSÃO 4
Elementos Missionários na vida dos Frades Adolfo, Frederico e Heriberto Por Fr. Evaldo Dimon Revista Frades_Ano I_N°1_2° Semestre 2017
r. Adolfo fez seus estudos de teologia junto com Fr. Heriberto em Petrópolis. Depois de sua ordenação em Bacabal passou a trabalhar na Pastoral Paroquial em Teresina. Era o começo de nossa presença na Paróquia de São Raimundo. No tempo dos conflitos de terra ele encontrou no meio do fogo na região da paróquia São José de Lago da Pedra, acompanhando de perto os que lutavam por seus direitos que lhes eram negados, dando força espiritual e celebrando com eles a vida nas liturgias. Seu livro Mala de Couro relata uma experiência de visitas às Comunidades Eclesiais de Base junto com Fr. Heriberto. Fr. Adolfo usava de seu talento musical para fazer o povo cantar suas dores, esperanças e alegrias. Com sua flauta mágica procura levar os corações a Deus. Ele relia a vida de santos a partir da inserção destas vidas nas situações do tempo deles e fazia a ponte para o nosso tempo e nossa missão neste mundo em que Deus nos chamou para evangelizar. A partir deste contato intensivo com a vida do povo assumiu com definição a direção da formação das lideranças no Seminário Catequético em Bacabal, hoje Centro Paroquial de São Francisco, junto com a equipe das Irmãs Catequistas. Hoje Fr. Adolfo se encontra no Eremitério da Província em Teresina onde acompanha pessoas que sejam fazer ali um retiro e ele sai também para estes serviços de assistência espiritual para outros lugares. Em muitas capelas e conventos se encontram quadros, sobretudo a cruz de São Damião, que ele preparou na oficina Revista Frades_Ano I_N°1_2° Semestre 2017
MISSÃO
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Fr. Adolfo Temme
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MISSÃO 6
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Fr. Frederico Zillner
r. Frederico fez seus estudos de teologia na Bahia. Depois da ordenação presbiteral assumiu trabalhos da pastoral paroquial em Piripiri, na paróquia de N. Sra. dos Remédios. Ele deu muita atenção aos jovens, acompanhando o movimento da JAC e como professor do Ensino Religioso na escola pública. Anos mais tarde atendeu as confissões de muitos jovens, evangelizados pela Renovação Carismática Católica de Lago da Pedra. Interessado em contribuir para um futuro melhor para os jovens, cuidou de oferecer possibilidades de aprendizagem na oficina mecânica do convento, cuidando dos carros da paróquia e soldando grades, cadeiras e portões para as comunidades. Nos anos de 80, anos de secas pesadas no Piauí, Fr. Frederico conseguiu junto com Fr. Cláudio e outras pessoas muitos recursos para uma assistência bem organizada aos mais atingidos pela seca, salvando vidas. Esta situação, sem dúvida, ajudou a levar adiante a ideia de socorrer o povo com a perfuração de poços. Durante muitos anos, Fr. Frederico dedicou-se a este trabalho, valendo-se do seu dom de detectar com a varinha o local mais promissor para a perfuração . Muitos cata-ventos que bombearam a água do cano do PCO para a caixa de água foram instalados sob sua coordenação. A assistência às comunidades o levou a enfrentar também o desafio de construções de capelas, muitas delas, com pedras da região. Depois da renúncia de D. Henrique, Fr. Frederico, estando em Bacabal, ficou encarregado da administração diocesana. Com isso assumiu também a orientação espiritual dos seminaristas que o ocupou durante muito tempo, cuidando disso depois a partir de Lago da Pedra. Hoje Fr. Frederico vive junto com Fr. Adolfo no Eremitério da Província em Teresina, atendendo aos chamados que lhe chegam de pessoas e grupos. Revista Frades_Ano I_N°1_2° Semestre 2017
r. Heriberto fez seus estudos de teologia em Petrópolis. Sua ordenação por D. Edilberto foi em Bacabal, junto com Fr. Adolfo, Fr. Frederico e Fr. Gedeão, na Igreja São Francisco. O serviço de evangelização pela pastoral paroquial iniciou na Paróquia de Santa Teresinha e o levou no decorrer dos anos a várias paróquias da Província Franciscana. Era o tempo do nascimento das Comunidades Eclesiais de Base, da divisão das áreas urbanas em quarteirões, da formação dos agentes de pastoral, sobretudo no Seminário Catequético, do qual ele assumiu um certo tempo a coordenação. Fr. Heriberto fez várias experiências de formação da juventude como professor no CONASA e em escolas públicas, na direção de um Seminário Menor da Província aqui em Bacabal e no acompanhamento dos Junioristas em Teresina. Várias vezes ele foi eleito coordenador da jovem entidade franciscana Nossa Senhora da Assunção na função de Custódio e Provincial. Isso o fez ter muitos contatos inspiradores com outras províncias e suas experiências. Nesse tempo caíram acontecimentos de muito peso como os tantos conflitos de terra com muito sofrimento e até mortes, com o apoio jurídico aos lavradores por um advogado, com apoio pelas secretarias das paróquias na ação discriminatória das terras, promovida pelo governo. Depois dos conflitos Fr. Heriberto deu apoio ao projeto da formação de futuros lavradores pelas Escolas Franciscanas Agrícolas. Na luta pela vida ficou também incluída a Pastoral da Criança. No empenho missionário de Fr. Heriberto deve ser registrada também sua dedicação à administração do CEFRAM - Centro Franciscano de Animação Missionária. Houve também a alegria que depois de 20 anos que não se juntou mais nenhum jovem aos frades, recomeçou e se sustentou a opção pela vida consagrada e franciscana entre os jovens desta região. Pensando no futuro da Província, Fr. Heriberto se dedicou, com bons resultados, à criação e organização de um grupo de benfeitores brasileiros que continua crescendo. Toda esta riqueza de respostas dadas com generosidade aos apelos do Espírito Santo pelos nossos três Frades Menores Franciscanos nos fazem lembrar as palavras de Jesus: “para que vejam vossas boas obras e glorifiquem o Pai que está nos céus” Revista Frades_Ano I_N°1_2° Semestre 2017
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Fr. Heriberto Rembecki
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REFLEXÃO
“Lembra-te de todo caminho andado” 50 anos no Brasil: 1964 - 2014
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euteronômio 8, 2-3.14-16: Moisés falou ao povo, dizendo: “Lembra-te de todo o caminho por onde o senhor, teu Deus, te conduziu estes cinquenta anos.” - Sim, Ele nos chamou, quatro jovens Franciscanos, dizendo: “Sai da tua terra e vai para a terra que eu te mostrar”. Saímos da Alemanha seguindo para o Brasil, terra que Ele nos mostrou. “Lembra-te de todo o caminho”. O Senhor nos deu um retiro de 15 dias que foi a viagem marítima, para que a passagem fosse bem lenta. Durante este tempo só vimos água, fora de uma única ilha. Na nossa frente a vastidão sem limites. Por dois dias tivemos vertigem e estômago embrulhado. Eu jurei que nunca mais iria provar comida nenhuma. Fomos no rastro de Colombo, querendo descobrir terra nova, e depois de 14 dias alguém gritou: Terra á vista! Eis o país que Deus nos mostrou, era Tutoia o primeiro solo em que pisamos. No dia 19 de junho entramos no porto de Fortaleza bem cedo, muitas jangadas estavam saindo a pescar. Fr. Rodrigo de Piripiri tinha vindo para nos buscar. Com ele fomos até a terra de N. Sra. dos Remédios. Fr. Ivo tinha vestido um hábito branco para nos recepcionar, mas depois do nosso abraço a batina ficou com toda poeira da estrada. Conhecemos a hospitalidade do povo e tivemos o primeiro contato com as comunidades rurais. Nosso português era Bom dia e Obrigado, Revista Frades_Ano I_N°1_2° Semestre 2017
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REFLEXÃO
e o resto era a linguagem do sorriso. Vimos os desafios e ficamos com vontade de ajudar. Depois, a viagem nos levou a Bacabal, onde conhecemos o grande convento e a boa colaboração com as irmãs. Os missionários partiam para longas desobrigas e outros voltavam, contando aventuras. O convívio era bom, e nós resolvemos: vamos completar os estudos para logo entrar nesta missão. Fomos até São Luís, a grande Paróquia da Glória. Sim, nós vimos glória naquela pobreza dos anos sessenta. Naqueles dias aconteceu a posse do novo bispo Dom Delgado. De tudo participamos pela explicação dos outros. Estava na hora de completar a conquista do novo país que já havíamos pisado geograficamente. Sim, era hora de conquistar a mente e os costumes, era preciso aprender esta língua de tanta poesia e mistério. Assim fomos ao estudo. Frederico e Gereão na Bahia, Heriberto e eu em Petrópolis. O convento de Petrópolis que ainda era muito conservador, em pouco tempo tirou o atraso que o Concílio impunha. As aulas de teologia, em linguagem acadêmica, eram traduzidas em Catequese nos fins de semana. Os ventos da revolução estudantil chegaram ao convento, e os professores foram prudentes. Suspenderam as aulas por um tempo, para substituí-las por seminários. Assim ganharam tempo de estudar o Concílio e suas novidades. “Lembra-te de todo este caminho. O Senhor te humilhou”, sim, ele humilhou os detentores do saber, “fazendo-te passar fome”, fome de Nova Evangelização, “e te alimentou com o maná, que nem tu, nem teus pais conheciam”. Sim, A Primeira Ornossos pais e mestres não tinham ideia deste denação em novo alimento que era chamado Gaudium et Bacabal desSpes. Era necessário desacostumar-se do velho pão. O estudo foi interrompido pela orde a criação denação em Bacabal que nesta terra era, de Adão e Eva”. conforme Fr. Heraldo, a primeira desde a criação de Adão e Eva. O seminarista Jacinto Brito, hoje arcebispo, foi o comentarista. No fim da minha primeira missa a igreja foi invadida por um jumento que rinchou e reclamou a bênção do neosacerdote. Foi assim que eu comecei a anunciar o Evangelho a todas as criaturas. Depois de completar os estudos fomos transferidos: Heriberto para Bacabal, Gedeão para São Luís, Frederico para Piripiri e eu para Teresina. Eram os dias de Dom Avelar, homem aberto, porém aristocrata. “Lembra-te de todo caminho”. Neste caminho teve diversas fases;
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REFLEXÃO 10
como na vida eclesiástica. Dom Avelar falou no início de 68: É preciso garantir a influência da elite, pois só ela possui potencial intelectual e político. Era para dizer: não se metam em conflitos. Mas no mesmo ano chegou Medellin que varreu toda inocência e quebrou a velha aliança da Igreja com a elite. Começou a fase do Acordar, surgiu a palavra OPÇÃO PELOS POBRES, quando os bispos declararam: A sociedade que condena a grande maioria a uma vida indigna do ser humano vive em situação de pecado. O Acordar ainda começou em Teresina e foi aprofundado em Bacabal, no trabalho do Seminário Catequético. Dalí surgiu a fase dos conflitos, porque uma parte da Igreja já não queria participar da “situação de pecado” e apoiava abertamente a luta do povo. O tempo em quem vivi em Lago da Pedra, o tempo em que a diocese pagava advogado para defesa jurídica, a ACR fazia trabalho de conscientização e Dom Pascásio tinha presença em toda aflição. Era tempo de graça, embora de muito sofrimento, e de grande crescimento das comunidades. Eu sabia que o desafio valia a pena. [...] romana não teve a mesma coragem de apoiar esta luta. O Papa falou em São Luís na sua homilia sobre a questão agrária: VIOLÊNCIA NUNCA! E na sua visão, a violência estava do lado dos pequenos. Com isso chegou aos poucos Não te esqueuma fase de insegurança e retrocedimento. ças do Senhor, Tive a sensação de grande perda que teu Deus que coincidiu com a morte de Fr. Estêvão, um foi teu guia pastor destemido e amigo fiel. Quando voltei do enterro dele que no foi na Alemanha neste vasto e terrível tive que me recompor: “Não te esqueças do deserto, onde havia Senhor, teu Deus que te fez sair do Egito”. serpentes abrasadoSim, Ele tinha tirado do Egito o Pau Santo, o São Manoel e o Ludovido, e a obra de Deus ras e escorpiões. Foi não será em vão. “Não te esqueças do Se- ele que fez jorrar nhor, teu Deus que foi teu guia neste vasto e para ti água da peterrível deserto, onde havia serpentes abrasa- dra duríssima e te doras e escorpiões. Foi ele que fez jorrar para alimentou com o mati água da pedra duríssima e te alimentou com ná que teus pais não o maná que teus pais não conheciam.” Qual foi a água que jorrou para mim? conheciam.” Foi a água da dimensão contemplativa, que procurei no eremitério de Teresina. O Provincial me disse: Você não tem nenhum trabalho para fora. A sua tarefa é manter aberta esta casa para quem procura o silêncio! - Eu me refiz, quando dei um retiro
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REFLEXÃO
para lavradores um ano depois em Lago da Pedra. Senti que havia uma continuidade, quando a Otacilia, grande lutadora, me disse: Eu aprendi a que a libertação da terra foi ainda uma luta pequena. Tem mais coisas em nós que precisa ser libertada! - Esta palavra foi importante para mim. Eu me pus a procurar este espaço, onde o ser é mais importante do que o fazer. “Lembra-te de todo o caminho”, de todas estas fases percorridas, necessárias para o amadurecimento. De nenhuma eu tenho remorso. No dia de hoje sinto gratidão pela mão que me guiou. Quero agradecer pela companhia dos confrades. Eles tiveram experiências ricas como eu, mas já que fui chamado a falar tive que falar do meu caminho. Quero homenagear aquele que já morreu, Fr. Gereão que trabalhou em São Luís e depois casou. Dele temos um relato vivo de nossa chegada. Quero rezar nesta missa pelo Provincial Dietmar que nos enviou, pelo Mestre Felix que nos deixou no navio e o Fr. Januário que deu todo apoio. Quero agradecer por todo carinho que recebi de qualquer pessoa, por exemplo da Senhora que no primeiro dia dos finados, no cemitério da Usina de Santana, sentiu a saudade que eu tinha dos meus entes queridos e me deu uma vela, dizendo: Acenda no túmulo dos meus avós e faça de conta que é do seu pai. “Quero cantar ao Senhor, sempre enquanto eu viver, hei de provar seu amor, seu valor e seu poder - Aleluia, eu vou louvar, oh minh’alma bendize ao Senhor, toda vida eu vou tocar, ao meu Deus vou cantar meu louvor. - Feliz que se apóia em Deus, no Senhor põe a sua esperança. Ele fez o céu e a terra, quem fez tudo mantém sua aliança.”
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Entrevista com Fr. Heriberto Hembecki Vida e Miss찾o
Por Fr. Lucas Br채gelmann
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Família
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ENTREVISTA
r. Lucas: Fr. Heriberto, o povo quer saber como foi a sua vocação, pois os jovens que estão procurando a vocação deles, gostariam de escutar a experiência de um frade. Pode contar a sua história? Fr. Heriberto: Muito bem, a minha história! Eu sou Fr. Heriberto, nasci aos 13 de junho de 19399. sou o terceiro de quatro filhos dos meus pais: João e Ferdinanda. A nossa família toda fazia parte da Igreja. O pai e a mãe foram batizados na Paróquia do Sagrado Coração de Jesus (Alemanha), lá fizeram a primeira comunhão, foram crismados e lá se casaram. Lá batizaram os quatro filhos; lá todos nós fizemos a primeira comunhão, fomos crismados e lá o meu irmão mais velho casou. Desde que entrei na Ordem fiquei muito ligado a essa paróquia. Nela aconteceu o meu envio para o Brasil e lá celebrei a minha primeira missa no dia 17 de dezembro de 1967. Nasci em Herne, cidade do Vale do Ruhr, numa região industrial com minas de carvão, um pouco antes da Segunda Guerra Mundial começar. Esse tempo marcou muito a nossa família, porque dois irmãos ficaram com parentes no interior. Essas cidades do Vale do Ruhr foram muito bombardeadas, muito destruídas. A minha não tanto, porque tinha um centro de espionagem de americanos e ingleses e, por isso foi menos bombardeado. Me lembro ainda, que meu pai que era mineiro não foi convocado para a guerra, porque tinha que trabalhar na mina. Ficou quase um ano doente no hospital. Então, ficou a minha mãe, meu irmão mais novo, claro, e eu. E foi um tempo de muita aflição, de muito alarme para procurar um Bunker, um lugar de proteção contra os ataques aéreos. Bunker era uma construção de muito concreto.
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A Vocação
u me lembro ainda que o Hospital dos Evangélicos foi bombardeado embora tivesse no telhado a Cruz Vermelha. Os doentes do Hospital protestante evangélico foram transportados para o Hospital dos Católicos. Estava tudo em chamas e o pessoal passava na frente da nossa casa. E, me lembro muito bem do momento da invasão americana. Os Revista Frades_Ano I_N°1_2° Semestre 2017
ENTREVISTA
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soldados americanos Começou um atravessaram a ponte do Rhein - Hertempo de afli- ne - Kanal e entraram na nossa cidação, de fome. de. Destruíram os muros e barricadas de defesa e gritaTínhamos que livres! Libertação!” ram: “Vocês estão Algo assim. Foi no enfrentar filas para tempo da Páscoa em 1945. Depois co- ganhar um pão, um meçou um tempo de muita aflição, de pedaço de carne, foi fome Tínhamos que enfren- tudo difícil, foi tempo tar filas para ganhar um pão, um pe- de muita fome em daço de carne, foi tudo difícil, foi tempo de muita fome em casa.” casa. Mas mesmo com a situação social e econômica difícil, começou a reorganização da vida escolar. Os irmãos mais velhos foram para o 3° e 5° ano e eu então fui começar em dezembro de 1945. No primeiro momento foi tudo misturado protestantes e católicos, mas em 1946 houve a divisão das escolas católicas das escolas dos protestantes, então fui para a escola católica onde fiquei 8 anos, até 1954. Terminei o curso primário. Naquele tempo eram 8 anos no primário, tempo bom! Depois da primeira Comunhão entrei no grupo dos acólitos, fazia parte dos jovens, e de um clube de futebol e handebol, era tudo da paróquia. Nossa vida foi toda ao redor da paróquia do Sagrado Coração e da escola primária Duengelstrasse. O pai fazia parte da associação dos homens. Durante 15 anos era o presidente: a mãe fazia parte da associação das mulheres, o pai era dos Vicentinos, do Conselho paroquial e os irmãos todos acólitos, todos faziam parte do movimento da paróquia. Em 1954, comecei um trabalho com aprendiz numa empresa que vendia ferro e nesse tempo deu um “click” para mim de ser também um padre, e depois se cristalizou ainda mais a ideia de ser um frade, e foi assim. O meu professor era muito simpático e um devoto de São Francisco. Queria ser frade, era muito amigo de três frades nossos da Província. Aluísio, Edgar e Waltram, mas não foi aceito, porque recebeu uma bala perdida. E a Ordem tinha medo de aceitá-lo, pois achava que mais tarde pudesse dar algum problema de saúde. Mas não deu. Casou e se tornou um ótimo professor. Ele convidou para o nosso retiro de encerramento da escola primária o Fr. Aluísio, que impressionou toda a turma, todos gostaram do retiro que ele pregou. Depois a ideia ficou matutando na minha cabeça e um dia, eu estava indo da empresa para o Correio. Aí vi o vigário paroquial Clemente, conversando com outros dois padres; aí me deu outro “click”. Foi mais ou menos pelas 10h, perto de uma loja chamada Kaisers Caffe, e com isso Revista Frades_Ano I_N°1_2° Semestre 2017
ENTREVISTA
fiquei pensando. Teve nessa época grandes pregações de um padre jesuíta Leppich, lá na praça pública e ao participar dessa pregação ao lado do meu pai eu disse: “Papai estou pensando... Ah meu filho, pense bem”. Depois falei com a mãe e ela disse: “Meu filho nós não temos dinheiro para pagar, seria bom, mas não temos dinheiro.” Então fomos pensando e consultei meu professor. “Heriberto, nós vamos cuidar disso!” disse ele. E chamou logo os colegas dele: Aluísio e Edgar e tivemos um pequeno encontro na casa dos pais dele; Aluísio, meu professor, meus pais e Aluísio frade que disse: “em Attendorn tem um colégio supletivo dos Franciscanos, você faz 5 anos do ginásio em 2 anos. Na Páscoa de 1956 já passei para o Colégio São Ludovico, onde encontrei Fr. Adolfo e Fr. Frederico. Em 1960, chegou o tempo de tomar decisão: “Vou ou não para noviciado?” Fiz o pedido e fui aceito e assim chegamos lá no dia 20 de abril de 1960, ano dos jogos olímpicos em Roma. Cheguei lá em Rieteberg com uma mala, uma bola para jogar um pouco e com um violão. Tentei aprender, mas não consegui Cheguei em tocar flauta. R i e t eb e rg Então foi o ano do noviciado e esse com uma ano foi muito importante para o futuro, pois mala, uma durante o noviciado de 1960 a 1961 tivemos muitas visitas dos confrades do Brasil, especi- bola para jogar almente da nossa Fundação missionária de um pouco e com Bacabal. Me lembro do Fr. Alberto, do Fr. um violão.” Ivo, do Fr. Rembert, do Fr. Bonifácio e de Dom Edilberto, bispo de Oeiras - Floriano. Dom Edilberto impressionou muito e lançou a semente para a Missão. Começamos a ler artigos sobre o Brasil. Eu pensava no início em ser um professor de história, de geografia, mas a partir daquela visita, eu não pensei muito em estudar e ser professor, ou trabalhar numa paróquia na Alemanha. Em 1961, fizemos a primeira profissão e aí fomos mudar para casa de estudo em Warendort, onde fizemos dois anos de estudo de filosofia e o começo de teologia. Gostava muito do estudo da teologia, de modo especial da História da Igreja e da Patrística. Em 1963, fizemos a grade mudança da casa velha antiga de Warendorf para Muenster, uma casa nova. No tempo de férias ajudamos na construção. Foi o último ano na Alemanha, ano de preparação para a Profissão Solene, porque naquela época a gente fazia a primeira profissão depois do Noviciado e depois de três anos era a profissão perpétua, a profissão solene. Nesse tempo já havia um gru
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ENTREVISTA 16
do Fr. Honório de Recife, Fr. Gamaliel de Petrópolis e, outros que chegaram da província de Santo Antônio para o estudo de pósgraduação. Um deles era o Fr. Crisóstomos que nos convidou para aprender português. Muita gente do juniorato começou, mas no final do ano era só Adolfo, Frederico, Gereão e eu. No dia de 13 de julho de 1963, portanto no meu aniversário, quando já tinha mais ou menos o plano certo de fazer o pedido para ir ao Brasil e continuar os estudos no Brasil, em Petrópolis ou Salvador, revelei para os meus pais esse plano... O bolo que estava em cima da mesa, ficou lá e ninguém triscou mais em nada. Voltaram para casa. Meu irmão disse meu filho, que ninguém disse mais nada, só minha que disse: “meu porque você mãe filho, porque você vai fazer uma coisa vai fazer ra tão longe, para quê? dessa, viajar pauma coisa universidade para estuAqui também tem dar”. Mas nós dessa, viajar para fomos articulando o nosso plano. O mi- tão longe, para nistro provincial Dietmar estava bem de quê? Aqui também acordo e assim iniciamos toda a papelada consulado em Duestem universidade no seldorf. Fizemos os exames que foram para estudar.” solicitados. Os confrades do Juniorato nos deram muito apoio quem não gostou do nosso plano foram os professores de Paderbom, pois estavam vendo que quatro frades iam estudar no Brasil e não com eles em Paderborn. Chegou o dia da Profissão Perpétua lá em Muesnter. Foi a primeira nesta casa nova. Aconteceu no dia 28 de abril de 1964 e logo em seguida, no mês de maio, dia 24 de maio, foi o envio, também em Muenster. O provincial fez uma pregação muito animada e convocou o povo, para nos acompanhar com as suas orações. Aconteceu também uma celebração de envio em cada paróquia natal. A minha foi em Herne, no Sagrado Coração no dia das mães, dia 10 de maio. Afinal, nós nos encontramos dia 03 de junho em Dortmund para a despedida dos confrades e do Fr. Jordão Mai. Fr. Adolfo já estava com seu irmão Fr. Guilherme, que trabalhava naquela paróquia. Almoçamos com a comunidade de Dortmund, e em seguida, viajamos para Hamburgo. Nosso padre mestre do Juniorato, Fr. Félix, entrou no trem em Muenster e nos levou até Hamburgo onde fomos recebidos pelo Fr. Januário que era naquela época o secretário das missões da província e pelo Fr. Rudolf, o coordenador da casa dos estudantes.
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A Viagem de Barco
ENTREVISTA
no outro dia, dia 04 de junho, fomos levados para o cais do rio Elba, e lá pelas 11h subimos, nós quatro, - ainda tenho uma foto muito bonita deste momento -, subimos para o navio Lichtenstein onde começou o tempo bom; 15 dias no pequeno navio cargueiro. Levava doze passageiros, estava tudo lotado. Aí saímos dia 04 de junho, passamos pelo Mar Nórdico, pela Baia da Biscaia, onde aguentamos uma tempestade muito violenta. Alguns passageiros passaram mal e ficaram nos quartos, porque não aguentavam “o sobe e desce” do navio, dava náuseas. Mas eu me dei muito bem, atravessamos a linha do Equatorial com aquele batismo meio violento para passar para o hemisfério sul e no dia 19 de junho bem cedo apontamos 17 em Fortaleza. Um dia antes tivemos uma pequena parada em Tutóia, e lá o navio pegou uma carga de torta de babaçu. A gente nem sabia o que era. Fizemos uma pequena, rápida visita pela cidade. Estranhamos o tipo de casas, casas pequenas, feias, cobertas de palha, poucas casas cobertas de telhas. Continuamos a viagem para Fortaleza. Foi uma viagem boa, animada, com muita expectativa de ver a “Terra Prometida”. Chegamos lá na madrugada. Foi uma corrida muito dramática, porque só tinha um lugar no cais de Fortaleza e o nosso oficial tinha captado em Tutóia a notícia que tinha outro navio, um navio dos Estados Unidos que também queria pegar esse lugar. Ganhamos a corrida, chegamos um pouco antes, foi um dia excelente, o sol foi se levantando; bonito e no navio tinha música, muito emocionante e lá em baixo os meninos com a jangada fazendo artes, recebendo bombons e aí veio o Fr. Rodrigo. Ficamos muito aliviados; estávamos preocupados: Quem vai chegar para nos receber? Então veio o Fr. Rodrigo com o jeito bom e fraterno e nos levou para o convento dos frades em Fortaleza. Ficamos uma semana para tirar as caixas, pois tínhamos levado muitas caixas, principalmente caixas para as irmãs da Congregação de Nossa Senhora dos Anjos e para os dois padres em Pedro II, Pe. Henrique e Pe. Revista Frades_Ano I_N°1_2° Semestre 2017
ENTREVISTA 18
Lotário. O despacho foi um grande drama. Começamos a ver como funciona esse jeitinho brasileiro. Fr. Rodrigo deu um santinho e um envelope e dentro do envelope tinha outro santinho, mas não era santinho de santo, era dinheiro e assim foi alisando a mãe de um despachante e tudo foi liberado e nós viajamos na véspera de São Pedro e São Paulo, para Piripiri - PI. Fizemos uma pequena parada em Tianguá. Chegamos à noite bem sujos, pois não tinha asfalto; só um pedaço ao sair de Fortaleza, uns 50 ou 70km, o resto era estrada de chão com muita trepidação. Chegamos bem avermelhados, cheios de poeira. Fr. Ivo veio com muita alegria ao nosso encontro e nos abençoou em seu hábito bem branco, que ficou muito bem colorido. No outro dia, acompanhamos Fr. Rodrigo para o festejo no Caldeirão, pois era á última noite com a procissão de São Pedro. Ficamos uns dias em Piripiri. Em Fortaleza tínhamos apreciado muitas quadrilhas. Outras mais, fomos ver em Piripiri. Em Fortaleza tínhamos apreciado muitas quadrilhas. Outras mais, fomos ver em Piripiri. Para nós, tudo aquilo era novo. Ainda fizemos um passeio para Sete Cidades. No dia 12 de julho, Fr. Miguel nos levou para Bacabal. Viajamos em um jipe bem menor do que o jipe do Fr. Rodrigo, nós quatro com oito malas, não sei como coube todos lá dentro. Chegamos bem cansados em Bacabal; naquela época teve a visita de Fr. Constantino Koser e de um padre Montanus do movimento Mundo Melhor. Em São Luís, nós nos separamos, Adolfo e eu viajamos de avião de São Luís para Rio de Janeiro; Frederico e Fr. Gereão para Salvador para continuar os estudos de teologia. Começou o tempo bom em Petrópolis, fazia muito frio, mas eu gostei muito da cidade, tem muita raiz alemã, muitos bairros com nomes em alemão, como seja: Mosela, Bingen, Ingelheim, etc. são vestígios de tradições alemãs. Começamos os estudos no Instituto Franciscano. Fomos ordenados diáconos em Petrópolis no dia 15 de dezembro de 1965.
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Chegada no Maranhão e Ordenação
os 17 de dezembro de 1966, aconteceu a nossa ordenação sacerdotal, em Bacabal. Nós fomos ordenados pela mão de Dom Edilberto, aquele que em 1960 passou no nosso noviciado e falou muito animado do trabalho missionário. Depois da ordenação voltamos para as casas de estudo para completar os estudos. Pois naquela época a gente se ordenava depois do terceiro ano de teologia. E asRevista Frades_Ano I_N°1_2° Semestre 2017
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ENTREVISTA
sim voltamos. Fazendo um pequeno passeio por Salvador, Campina Grande, Recife, e voltamos para Petrópolis Adolfo e eu; Frederico e Gereão para Salvador. É bom lembrar que naquela época veio para nossa ordenação a mãe do Fr. Adolfo representando as quatro famílias do Frederico, Gereão a minha e do Adolfo e, foi festa grande em Bacabal no dia da ordenação e, no dia da primeira missa. O Adolfo celebrou na São Francisco, Gereão em Santa Teresinha, eu na Santo Antônio e o FredeOrdenação Presbiteral de Fr. Heriberto em Bacabal: 17/12/1966 “A primeira ordenação em Bacabal desde a criação de Adão e Eva.” rico na Sant‟Ana, onde Fr. Lucas pregou a primeira missa; para mim foi Henrique, para Adolfo foi Eduardo e para Gereão foi um parente dele, o Fr. Gervasio que trabalhava em Tianguá.
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Começo dos Trabalhos Pastorais
o terminar o estudo em Petrópolis e em Salvador fomos chamados para trabalhar na Custódia, que tinha celebrado o seu Capítulo. Adolfo ficou em Teresina, Frederico em Piripiri, Gereão em São Luís e eu fiquei em Bacabal para cuidar ao lado de Fr. Cláudio, da Paróquia de Santa Teresinha e, cuidar do Seminário Menor para acompanhar nossos vocacionados. Mas em 1968, fr. João José voltou para a Alemanha e eu assumi a paróquia de Sant‟Ana. A nomeação foi no dia 12 de setembro, dia em que Dom Pascásio foi consagrado bispo na Alemanha. Assumi assim, a paróquia de Sant‟Ana e me lembro muito bem desse trabalho pastoral em Bacabal, junto com Fr. Eduardo, pároco da São Francisco, Fr. Cláudio Kramer, pároco da Santa Teresinha e Fr. Reinaldo José, diretor do Seminário CateRevista Frades_Ano I_N°1_2° Semestre 2017
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quético. Fazíamos toda quarta-feira uma reunião pastoral, não era só para marcar missa, mas era em primeiro lugar ver assuntos da pastoral e preparar o sermão de domingo. A gente elaborava o conteúdo comunitariamente e alguém ficava responsável por escrever e deixar o esboço para todos os frades. Foi o tempo em que em Bacabal surgiu o trabalho com as Comunidades Eclesiais de Base; foi o tempo em que a gente discutia muito as propostas de foi o tempo renovação do Vaticano II, tempo em que em que a surgiram as orientações da Segunda Confegente discurência da América Latina de Medelín, em tia muito as 1968. Por sinal, em 1968 no mês de julho propostas de renoeu fiquei de convidar as lideranças de toda vação do Vaticano Bacabal para um estudo com o pastor de II, tempo em que Tutóia, o Pe. Hélio Maranhão e ele fez um surgiram as orientrabalho bem feito, bem animado que foi o início para Bacabal ter um trabalho pasto- tações da Segunda da ral de quarteirões. Em cada quarteirão fo- Conferência América Latina de ram escolhidos líderes para cuidar do contato com a paróquia. Isso rendeu muitos fru- Medelín.” tos. Em 1970 a nossa equipe foi desfeita: Claudio e Eduardo foram transferidos para São Luís, Reinaldo José para Vitorino Freire e eu fiquei em Bacabal. Chegou o Fr. Eurico que já veio em 1969. Continuamos o trabalho com as CEB‟s dando assistência às pequenas comunidades do interior. Eurico tinha umas 10 e eu, umas 7 comunidades na região de Sant‟Ana. Em 1970 fui nomeado pároco de São Francisco ao lado da paróquia de São Francisco, ao lado da paróquia de Sant‟Ana. Tive a ajuda de fr. Antônio Fernandes, que assumia em parte dos trabalhos da Sant‟Ana. É bom lembrar que esse tempo foi muito favorável para o Ensino Religioso. Quando cheguei em Bacabal, Fr. Solano me entregou um livro para dar aulas de religião, dizendo que eu seria professor de aula de religião. Assumi três turmas, Primeira Série, Terceira Série (A e B), pois ainda estavam separados entre meninos e meninas no nosso Colégio Nossa Senhora dos Anjos. Mais tarde assumi até o Normal Primeira, Segunda e Terceira. Por livre vontade assumi aulas de religião no Colégio Bandeirante, pois muitos jovens que frequentavam a nossa Igreja na Santa
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Ana, estudavam no Colégio Bandeirante. Foi bem aceito, dei muita aula lá, foi um trabalho gratificante porque a gente se preparava para dar conta. Além disso, assumia aulas no Colégio José Sarney. Foi no tempo da Zezé e Meirinha. Com muita satisfação cuidava também da Escola Paroquial São Francisco no Ramal. Fr. Solano me deu muito apoio. Trabalhamos com 18 turmas. Dona Rivalda cuidava da administração com muita competência. Um bom número de professoras ajudava bem na catequese. Foi uma bênção para mim e para as catequistas da Sant‟Ana, porque quase todas as professoras ajudavam na catequese. Aos domingos tinha catecismo antes da missa das crianças. Eram turmas grandes. E depois, toda a criançada caminhava para a igreja. A igreja ficava lotada. Tinha muito barulho, mas muita alegria também. Era festa animada. Pois bem, essas são coisas da pastoral. Comecei também a acompanhar a Legião de Maria, que não conhecia. Apenas ouvi falar da Legião de Maria. Acompanhei Fr. Claudio para uma reunião no salão paroquial de Santa Teresinha e fui aprendendo o sistema da Legião de Maria e continuo dando assistência até hoje à Legião, porque acho um movimento muito forte e disposto a trabalhar. É capaz de entrar em qualquer lugar: onde padre não chega, a Legião chega, visita os doentes, celebra o velório e a Palavra de Deus. E assim, é um trabalho muito silencioso, mas existe e alcança muita gente.
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Lago da Pedra e Povoados
m 1973, mudei para Lago da Pedra. Fui deixar minha bagagem e encontrei Fr. Lucas na cama com malária. A mudança mesmo aconteceu no dia 14 de outubro de 1973. Quem me deixou lá foi Fr. Ângelo e Fr. Modesto. Já tinha começado o serviço do asfalto da pista de Sítio Novo para Lago da Pedra. Que bom! Fr. Godofredo e Fr. José estavam viajando. Tinha chegado lá Fr. André com a equipe do Seminário Catequético para começar um curso para dirigentes e catequistas. Então, quem me deu as boas vindas foi Fr. André e uma catequista da paróquia. Foi a Isaura de voz grossa. Foi um recepção bastante calorosa com muita gente, a igreja estava lotada, pois o povo queria ver o novo pároco. Depois da missa houve um pequeno recreio. Em seguida arrumei logo as coisas no meu quarto, de modo que no outro dia podia dizer na hora do café: “Eu chegue!”, coloquei tudo na estante, no armário, e fui acompanhar o curso de dirigentes e catequistas e comecei a aprender os nomes e escrevi logo um bilhete para os hos Revista Frades_Ano I_N°1_2° Semestre 2017
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pedeiros convidando-os para a missa de encerramento. Deu muita gente. Logo no dia 21 de outubro viajei com Fr. André, a Irmã Isabel e Isaura para Marajá do sena. Essa foi uma viagem de grande aventura, ver o grande interior de Lago da Pedra com Paulo Ramos, passando por Jejuí, atravessando o rio Grajaú lá em São Bento e estava chegando muito caminhão carregado de arroz, arroz e mais arroz. Quem nos dava toda assistência era Sérgio Dutra Reis. Ele cuidava muito bem de nós. Foi um curso com muita gente, com muita animação. Logo depois do curso em Marajá do Sena comecei a visitar as comunidades, conforme o plano que Fr. Lucas tinha preparado. No dia 31 de outubro viajamos para Nova Olinda e ficamos atolados, foi feio! Comigo ia a Ir. Gorete e o Raimundo da ACR que acompanhava o trabalho do Fr. Godofredo. O Luís, dirigente e hospedeiro de Nova Olinda aconselhou que deixássemos o carro lá. Continuamos a desobriga montados. Foi a minha primeira experiência no lombo de um burro. E, ai minha padaria! Fomos até o Juçaral do Bonfim. De lá voltamos para pegar o jipe em Nova Olinda. Voltamos apressados, pois tinha ameaça de chuva. Precisávamos atravessar o rio Grajaú do Galo Duro antes de a chuva cair. Voltamos bem alegres para Lago da pedra. Houve festa lá, pois era aniversário da Ir. Marta. Assim começou o meu trabalho de visitar as comunidades do interior de Lago da Pedra e Paulo Ramos. Fr. Godofredo havia me pedido que assumisse o interior porque ele queria ficar mais na cidade para poder dar assistência ao movimento da ACR, pois precisava viajar para Veneza e outros lugares. Aceitei de bom agrado, pois esse negócio de que um vai um dia, e na outra visita já vem outro padre não era comigo. Eu assumi com muito entusiasmo as comunidades do interior da paróquia, mas também marcava muita presença na cidade. Por exemplo, no mês de maio Fr. Godofredo tirava férias e eu ficava na Matriz, na cidade. Nesse tempo Lago da Pedra se destacava muito pela organização das comunidades, tanto urbanas quanto rurais. O número das comunidades foi crescendo, foi tomando um rumo e mais estrutura. Até 1974, os cursos aconteciam ainda na paróquia em Lago da Pedra, ou em Juçaral do Bonfim ou em Marajá do Sena, no outro lado do Rio Grajaú, mas a partir de 1075 transferi todos os cursos para o Seminário Catequético em Bacabal. Isso foi bom, porque o pessoal aproveitava melhor os 5 ou 6 dias, e foi um fortalecimento da caminhada das CEB‟s, foi um trabalho de muita conscientização. Revista Frades_Ano I_N°1_2° Semestre 2017
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Seminário Catequético
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Fr. Heriberto e turma de Catequistas em frente ao Seminário Catequético
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embro como um tempo muito gratificante o trabalho no Seminário Catequético (depois CEFO e mais tarde, CEFRAM), com as Irmãs Catequistas Franciscanas. Além dos cursos para Dirigentes e Catequistas, acompanhamos os diversos grupos, as diversas Pastorais, como sejam: Legião de Maria, Sindicalistas, Lavradores, Líderes de Pastoral da Criança, Professoras, grupos de jovens. O Centro de Formação se tornou cada vez mais um lugar de referência para outros encontros maiores, como encontro das CEB‟s, encontro dos catequistas, encontro dos homens que trabalham na terra, das Escolas Família Agrícola, encontros da ACESA, da Pastoral Familiar, Encontro da Pastoral da Criança, encontros da ACR, encontros vocacionais. Chegaram em Bacabal em 1971, alguns Cursilhistas que estavam procurando uma terra para instalar uma fazenda. Um padre de nome Sergio os acompanhou. Foram sobrevoar a área de São Bento na beira do Rio Grajaú na paróquia de Lago da Pedra. O povo foi muito iludido, foi dito: “olha, vocês devem ficar aqui, nós vamos precisar de vocês para fazer o trabalho na roça, capinar, fazer cerca...”. Quando tudo estava feito, o povo foi expulso. Foi para mim a primeira experiência para conhecer um pouco o que significa conflito de terra. Revista Frades_Ano I_N°1_2° Semestre 2017
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Fr. José foi chamado pelo DOPS em 1976 por causa de um conflito de terra no interior do Lago do Junco. Em 1977/1978 começou a chamada “Ação Discriminatória” que o governo quis fazer. Queria fazer um levantamento das terras sem informar o povo. Publicou um aviso no Diário Oficial dizendo o seguinte: “Todo mundo tem a obrigação de se apresentar através de um advogado para declarar a posse de terra. Quem não se apresentar dentro de 60 dias, perde todo o seu direito sobre a terra.” Pegamos essa notícia por um acaso e quando fomos perguntar ao juiz porque não publicava pela rádio pois o povo escumais rádio e nineles queriam ta guém lê jornal, muito menos o Diário um pretexto respondeu: Oficial, ele me “Para para dizer que nós basta ser publicado.”, quer dizer, não interessava p u b l i c a r a m que a notícia fosse conhecida, mas mas o povo não veio sim eles queriam um pretexto para para fazer a ação dizer que publicaram, mas o povo não veio para fazer discriminatória.” essa ação discriminatória. Consultamos nosso amigo Dr. Sandes. Ele disse que a coisa era séria; e assim começamos a promover essa Ação Discriminatória tanto em Lago da Pedra, como em Paulo Ramos, Lago do Junco e em São Luís Gonzaga. Essa ação ajudou a segurar muita gente na sua terra. Com a Ação Discriminatória aumentou a luta pela terra e um dos lugares mais violentos naquela época foi São José de Paulo Ramos onde a Polícia Militar entrou pelo comando de Amujaci, que era delegado regional da Lago da Pedra. Foi uma invasão muito feia, queimara a capela, queimaram as casas e o povo foi muito judiado e afinal D. Pascásio com toda informação viajou logo para Brasília; naquele tempo era ainda o Ministro do Gabinete Civil, Petrônio Portela, agiram e sustentaram uma ação em que os militares tinham que se retirar e nós celebramos uma missa de desagravo no dia 16 de março de 1980, uma única missa em toda a Diocese, em Paulo Ramos. Assim começou um grande rosário de conAssim começou flitos de terra, nós acompanhamos muitos povoados: Alto Alegre, Pau Santo, Santa um grande roTeresa, Baixão dos Caboclos, etc... No sário de conlivro de Frei Eurico sobre os Franciscanos flitos de terra. no Maranhão e Piauí, uma parte fala sobre os conflitos de terra. Foi um tempo muito difícil, muitas ameaças. Me lembro de uma notícia do Jornal Pequeno no dia 22 de junho que dizia: “Se sangue há de correr, será o sangue de D. Pascásio
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e dos frades Franciscanos Alemães”. Foi violento, foi a criação da UDR que jurou perseguir tanto os frades quanto os lavradores e os Sindicatos dos Trabalhadores Rurais. Por sinal, quando Sarney assumiu o governo em 1985, depois da morte do Tancredo no dia 21 de abril de 1985, ele pediu ajuda do povo. Ferreirinha, sindicalista de Santa Tereza e dirigente da comunidade, confiou na palavra do Presidente e fez coleta de assinaturas em favor da Reforma Agrária. Conseguiu 314 assinaturas que botou na pasta para deixar o resultado na sede do Sindicato, em Lago da Pedra. Ele foi assassinado dia 11 de agosto de 1985, por um cara que até hoje ainda anda solto. Depois veio a morte do Fon-
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Se sangue tiver de correr será o de Dom Pascásio e o dos Frades Franciscanos Alemães.”
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tenele, 17 de maio de 1986; Pe. Josimo em Imperatriz, 10 de maio; Manoel Monteiro em Pau Santo, dia 23 de novembro; e assim foi. Mas o ponto alto que até espantou fazendeiros, foi a chacina da Al Revista Frades_Ano I_N°1_2° Semestre 2017
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Aldeia, que aconteceu no dia 14 de fevereiro de 1988, quando dois carros blindados invadiram o povoado jogando bombas caseiras, tocando fogo em 30 casas e atirando no povo. Foi dia de carnaval. Pela morte de Trasíbio que estava na beira da pista que os pistoleiros alcançaram com a metralhadora e pelos muitos tiros, o povo ficou avisado e ainda teve tempo de fugir, senão, mais gente teria morrido. Isso foi demais. Naquela época tivemos até a visita do nosso Ministro Geral, Frei João Vaugh. Veio também o frei Hermano Schalueck, Definidor Geral e depois Ministro Geral da Ordem dos Franciscanos. Todo mundo achou que era demais. Foi impressionante como no dia do enterro, 15 de fevereiro, D. Pascásio tirou a cruz peitoral dele e botou no caixão do Trasíbio. Em Bacabal, parece que foi no dia 17 de fevereiro, quartafeira de cinzas, nós distribuímos as cinzas com as cinzas das queimadas. Estava acontecendo a apuração dos blocos de carnaval, mas quando chegamos perto do clube Vanguard, houve um silêncio e todos respeitaram Foi impressio- o toque da marcha fúnebre. No dia da missa de sétimo nante como no dia tinha muita gente em sinal de dia do enterro, com o povo sofrido. solidariedade 15 de fevereiro, altos do tempo dos Esses são pontos conflitos de ter- D. Pascásio tirou a cruz ra. Me lem- peitoral dele e botou bro de duas coisas: primeiro eu fui no caixão do Trasíbio. participar em 2003 do Capítulo Geral e lá foi colocado que as Vice-Províncias que tivessem certas condições deviam mudar para Província, para acabar com o Título de Vice-Província. No dia 08 de dezembro de 2004, o nosso nome oficial foi Província Franciscana Nossa Senhora da Assunção, totalmente independente da Província-mãe na Alemanha, embora que nós continuássemos a pedir ajuda financeira como ainda estamos pedindo. Segundo: de 2001 a 2007, eu me lembro que houve uma decisão muito forte, alias três: de não vender o CEFRAM que foi botado no capítulo de 2001, mas em 2002 na assembleia foi retomada essa decisão e foi votado para continuar com o CEFO (CEFRAM) e investir para realmente ser um ponto mais atraente para garantir a formação das lideranças não só nossas, mas também da Diocese; foi decidido que em São Luís se procurasse mais uma casa para os junioristas; foi uma casa perto de Ivar Saldanha, chamada de São Damião. Resolvemos também ficar com a Fazenda Limeira. É isso que eu mais me lembro daquele tempo; e
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construíram em Bacabal a nossa Enferos doentes e maria – se não me engano foi em idosos já estão 2002 para 2003 para cuidar um pouno nosso meio co dos nossos enfermos e idosos, pois estão chegando. No início da nossa e temos que Missão, ninguém se preocupava com ter mais cuidado com isso, mas hoje já é uma realidade como eles.” tivemos Fr. Bruno, Fr. Roberto, Fr. Adauto, Fr. Godofredo, D. Henrique, Fr. Pio, Fr. Eurico. Os doentes e idosos já estão no meio de nós, e temos que ter mais cuidado com eles. Quando D. Belizário foi transferido para São Luís como Arcebispo, assumi em 21 de novembro de 2005 o trabalho de administrador diocesano até 7 de fevereiro de 2007, quando chegou o D. Armando. Isso foi um trabalho provisório para segurar um pouco a caminhada da Diocese, mas não foi muito fácil cuidar da Diocese e cuidar da Província. Em 2007 fui transferido para Teresina para nossa paróquia da Piçarra, ficamos lá três anos, tempo que aconteceu a reforma da casa. Quando eu estava no juniorato (1995-2001) já tinha começado o trabalho com os benfeitores pois estávamos vendo que o recurso da 27 Alemanha não iria continuar, então fomos ouvindo a voz do Fr. Agostinho: “As paróquias irmãs e os benfeitores estão diminuindo”. Mas a província de Bacabal não acreditou muito e continuou gastando. Em 2007, quando voltei para Teresina me esforcei muito nessa parte de acompanhar o grupo dos benfeitores; agora já é um trabalho bem integral na nossa província e muito importante. São 13 presidia e eu garanto a presença nas reuniões mensais na Cúria, mas tenho visitado durante o mês de 5 a 7 presidia. Acompanho também a Pastoral da Criança que funciona em cinco bairros. É um trabalho que eu admiro muito. Tenho que tirar o chapéu, pois já salvou muitas vidas. Além das missas que Fr. Francisco marca para mim, podem ser seis no final de semana; 2 aos sábados e mais 4 aos domingos, e, geralmente, uma diária nos dias de semana. Estou aqui feliz da vida, a gente aproveita muito pouco nossa casa de praia, tão perto, mas quem sabe um dia vai cair a ficha para criar mais juízo e cuidar um pouco desse tempo necessário para nossa idade. Então aqui no passado passamos por um certo aperreio. Primeiro acompanhamos o Fr. Godofredo que já vinha há muito tempo doente. A doença se agravou em julho. Chegou a falecer no dia 17 de setembro, dia de São Francisco das Chagas. Acompanhamos o Fr. Eurico, que ficou um bom tempo conosco. Acompanhamos os últimos momentos Revista Frades_Ano I_N°1_2° Semestre 2017
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da vida de D. Henrique que faleceu no dia 19 de julho e assim tem muita coisa pra contar; você já deve estar chateado, pois falo demais! FL: Que nada, é uma história muito rica , bonita e boa para ouvir!
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Vocações Autóctones
o que mais me alegrou foi quando chegaram os jovens, jovens que começaram a participar dos grupos vocacionais, chegaram e entraram no Postulantado, entraram no Noviciado e começaram os estudos. Houve muita saída, mas um bom número ficou. Foi em 1985, depois de uns 20 anos da profissão do Fr. Modesto e Fr. Pio; aí foi o Fr. Fontineles que fez a Profissão Solene no dia 22 de julho de 1985. Infelizmente saiu, mas estava chegando gente. Tivemos tempos com 22 junioristas, o que nos animou também para ter um olhar um pouco mais esperançoso para o futuro, pois tínhamos recebido muitos frades da Alemanha, - eu me lembro que de 1952 até 1970, vieram 43 frades da Alemanha e de 1970 até 1989 mais nove. O último foi Fr. João Gierse. Então você vê que no segundo tempo já diminuiu muito, não tem mais vocação na Alemanha e era necessário que a gente desdobrasse o trabalho vocacional pois era nosso futuro e foi assim, também a pedido da Cúria Geral, que queria que as Custódias ainda dependentes da Província-Mãe, como no caso da Alemanha, os de Santarém da Província dos Estados Unidos, os de Goiás dos Estados Unidos, de Mato Grosso da Alemanha, que se tornassem Vice-Província e que pudessem participar do Capítulo Geral e não serem representadas pela voz do provincial da Alemanha ou dos Estados Unidos; pessoas boas, mas que não estavam bem por dentro de toda realidade e as-
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sim começou. Na nossa Conferência dos Frades do Brasil em 1988 a Custódia do Mato Grosso virou Vice-Província. Isso aconteceu conosco em 1992 no dia 06 de janeiro e foi o nosso confrade da Província-Mãe que era o Ministro Geral que então nos elevou para Vice-Província. Então ficou mais uma perspectiva para um futuro bom e o grupo foi crescendo. Só que no momento acontece certa diminuição, alguns desistiram como frades que já fizeram a profissão perpétua ou chegaram até se ordenar, mas a gente continua acreditando na caminhada, na bênção de Deus, nessa caminhada. Isso foi o trabalho com as vocações; e no meu tempo começou também a nível de Ordem a partir de 1980; eu me lembro que começou o primeiro encontro de formadores a nível de Ordem do Brasil e assim, aliás, em 1964 já tinha começado encontro dos superiores, eram os provinciais e custódios e assim eu sempre quis fazer parte desse encontro que foi muito proveitoso, a gente andava pelo Brasil a foa gente andara, mas queira ter contato com as va pelo Brasil escutar a camioutras Províncias, foi a fora, mas e outras provínnhada, a experiência cias e a gente tentou queria tentar fazer algo em comum, então surgi- contato com as outras ram os encontros dos formadores de- Províncias, escutar pois em 1986 dos secretário do serviço Justiça Paz sobre sua caminhada, e Ecologia, em 1987 o secretários do serviço de Evangeli- a experiência e ten- zação e Missão, em 1988 foi o encon- tamos fazer algo em tro dos Franciscanos Negros e assim comum.” foi. E além disso sempre tentei dar muito apoio para nossas escolas, seja a escola em São Luís, Fr. Alberto foi crescendo, a nossa escola em Bacabal que se espalhou depois com o Fr. Eurico, nos bairros e também com as escolas família agrícola que se espalhou um pouco no interior: Lago da Pedra, Lago do Junco, São Luíz Gonzaga e Paulo Ramos para acolher jovens do interior que pudessem fazer os estudos até o Ensino Médio. Isso foi na parte de manter com compromisso também com o povo que vivia no interior que foi expulso e depois ganhou um pedaço de terra, mas pouca terra e não tinha recurso para mandar o filho ir estudar e também para, através da família agrícola, aprender, também, a aproveitar bem a terra, isso de modo geral foi o tempo até 1995, depois de 12 anos em Bacabal em 1995, olha eu tinha 6 anos em Bacabal, de 1967 a 1973, depois dez em Lago
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da pedra, doze em Bacabal, então viajei feliz para Teresina, para o Juniorato, fiquei seis anos lá em São Boaventura, casa de formação. Para mim foi um trabalho muito bom, ajudava no serviço da formação permanente dos frades, mas ajudava um pouco no seminário da Diocese de Teresina do Sagrado Coração de Jesus e mais uma paróquia que não tinha padre, em Palmeirais, um tempo muito gratificante. Aí isso foi muito bom, eu acompanhava os encontros dos junioristas e um curso chamado ETEPA que foi D. Henrique que criou, estudo para jovens, irmãs e freis que não fizeram curso de teologia pastoral e assim por diante. Em 2001 me chamaram novamente para Bacabal, de
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2001 a 2007, mais seis anos em Bacabal, são 24 anos em Bacabal e mais 10 em Lago da Pedra, são 34 anos no Maranhão. Quando D. Belizário foi transferido para São Luís como Arcebispo, assumi em 21 de novembro de 2005 o trabalho de administrador diocesano até 7 de fevereiro de 2007 quando chegou D. Armando. Isso foi um trabalho provisório para segurar um pouco a caminhada da Diocese, não foi muito fácil cuidar da Diocese e cuidar da Província.
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06/01/1952 – Envio dos Frades pioneiros missionários (Fr. Eraldo, Fr. Celso, Fr. Teodoro e Fr. Alberto) 23/07/1964 – Comissariado de Nossa Senhora da Assunção; 10/09/1977 – Custódia de Nossa Senhora da Assunção; 06/01/1992 – Vice-Província de Nossa Senhora da Assunção 08/12/2004 – Província Franciscana N. Senhora da Assunção
Ministro Provincial: 2001 a 2007
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CAMINHADA DA FUNDAÇÃO MISSIONÁRIA DE N. SRA. DA ASSUNÇÃO
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Íntegra do diálogo do Papa Francisco sobre a Vida Religiosa
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o dia 29 de novembro de 2013, o Papa Francisco teve um encontro de três horas, no Vaticano, com 120 superiores religiosos de todo mundo. O diálogo do Papa foi reproduzido por Antonio Spadaro, jesuíta, e publicado pela revista La Civiltà Católica, 03-01-2014, nas versões italiana, inglesa e espanhola. Eis o texto. Quando o Papa Francisco fala de improviso e dialoga, seu discurso tem um ritmo que ondula progressivamente; deve-se estar atento para compreendê-lo com cuidado, porque ele se nutre da relação viva com seus interlocutores. Aqueles que o escutam falar devem prestar cuidadosa atenção não só no conteúdo do que diz como também na dinâmica da relação estabelecida. É isso o que aconteceu durante o diálogo do Santo Padre com a União dos Superiores Gerais no final de sua 82a Assembleia Geral. Sentado entre eles, tomei notas do diálogo. Tanto quanto possível, aqui tentarei expressar a riqueza dos conteúdos, mantendo o tom vívido e espontâneo do encontro, que durou três horas. Por volta da metade do encontro, por aproximadamente meia hora, o pontífice andou entre os participantes para cumprimentar pessoalmente os Superiores Gerais, tomando um mate num clima tranquilo e informal. Na verdade, os Superiores haviam pedido apenas um breve encontro para saudar o papa, porém este quis passar a manhã toda Revista Frades_Ano I_N°1_2° Semestre 2017
junto em diálogo. No entanto, decidiu não fazer uma discurso nem ouvir os discursos preparados: desejou ter um diálogo franco e livre consistindo de perguntas e respostas. São 09h25min e a chegada dos fotógrafos anuncia a entrada iminente do Papa Francisco na sala nova do Sínodo, no Vaticano, onde aproximadamente 120 Superiores o aguardavam.
ecebido com aplausos, o Santo Padre toma acento às 09h30min exatamente, olha para o relógio e congratula-se por sua “pontualidade suíça”. Todos dão risadas: o papa saudou o Pe. Mauro Jöhre, já que ele é suíço e o Ministro Geral da Ordem dos Frades Menores Capuchinhos, tendo recentemente sido eleito vicepresidente da União dos Superiores Gerais. Após algumas breves palavras de cumprimento do presidente, o Pe. Adolfo Nicolás (Superior Geral dos Jesuítas), e do secretário geral, Pe. David Glenday, comboniano, o Papa Francisco, de forma muito simples, agradeceu cordialmente a Assembleia pelo convite e ouviu, em seguida, a primeira rodada de perguntas. Os religiosos lhe perguntaram especialmente a respeito da identidade e da missão dos religiosos: “O que espera da vida consagrada?” O que pede de nós? Se estivesse em nosso lugar, o que faria para responder ao chamado de ir às periferias, de viver o Evangelho sine glossa, a profecia evangélica? O que se sentiria chamado a fazer?” E mais: “O que se deveria enfatizar hoje? Quais são as a Igreja cresce prioridades?” através do testemuO Papa Francisco começou dizendo que ele é um religioso tamnho, não do proselibém e que, portanto, sabe da expetismo. O testemunho riência sobre a qual estavam falan- que pode, realmente, do. O último papa que pertenceu a uma ordem religiosa foi o camaldu- atrair é aquele associado lense Papa Gregório XVI, eleito em a atitudes não habituais: 1831. Ele então fez referência ex- generosidade, desapego, plícita a Bento XVI: “Disse que a sacrifício, esquecimento Igreja cresce através do testemunho, de si próprio no intuito de não do proselitismo. O testemunho ajudar os outros. Eis o tesque pode, realmente, atrair é aquetemunho, o „martírio‟, da le associado a atitudes não habituvida religiosa. ais: generosidade, desapego,
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Religiosos: Pecadores e Profetas
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sacrifício, esquecimento de si próprio Dessa forma, a no intuito de ajudar os outros. Eis o Igreja deve ser testemunho, o „martírio‟, da vida religiatraente. Desperosa. Para as pessoas isso „soa como um tem o mundo! Sealerta‟. Os religiosos falam às pessoas com sua vida: „O que está acontecen- jam testemunhas de do?‟ Estas pessoas estão me dizendo uma forma diferente de alguma coisa! Elas vão além de um fazer as coisas, de agir, horizonte mundano. „Portanto – conti- de viver! É possível vinuou o papa citando Bento XVI – a ver neste mundo de forvida religiosa deve promover um cresma diferente. cimento na Igreja via atração.” Dessa forma, a “Igreja deve ser atraente. Despertem o mundo! Sejam testemunhos de uma forma diferente de fazer as coisas, de agir, de viver! É possível viver neste mundo de forma diferente. Estamos falando de uma perspectiva escatológica, dos valores do Reino aqui encarnados sobre esta terra. Trata-se de deixar todas as coisas para seguir ao Senhor. Não, não quero dizer „radical‟. A radicalidade evangélica não é apenas para os religiosos: ela é exigida de todos. Porém, os religiosos seguem ao Senhor de forma especial, seguem-no profeticamente. É este testemunho que espero de vocês. Os religiosos e as religiosas deveriam ser pessoas capazes de despertar o mundo”. O Papa Francisco reitera conceitos que já houvera citado, explorando-os mais aprofundadamente. Com efeito, continuou: “Deverão ser testemunhas reais de um modo diferente de ser e agir. Mas, na vida, é difícil as coisas sempre serem claras; elas precisas bem delineadas. A vida é complicada, consistindo de graça e pecado. Aquele que não peca não é humano. Todos cometemos erros e precisamos reconhecer nossas fraquezas. Um religioso que se reconhece como fraco e pecador não nega o testemunho ao qual é chamado a dar; pelo contrário, ele a reforça, e isso é bom para todos. O que espero de vocês é, pois, dar testemunho. Quero este testemunho especial por parte dos religiosos”.
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Evitar o Fundamentalismo e iluminar o futuro
rosseguindo com sua resposta às primeiras perguntas, o Papa Francisco tocou num dos pontos centrais de seu pensamento: “Estou convencido de uma coisa: as grandes mudanças na história ocorreram quando a realidade não era vista a partir do centro, mas Revista Frades_Ano I_N°1_2° Semestre 2017
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sim da periferia. Trata-se de uma questão hermenêutica: entende-se a realidade apenas se ela for olhada da periferia, e não quando nosso ponto de vista está equidistante de tudo. Para verdadeiramente entendermos a realidade, precisamos nos distanciar da posição central de calmaria e de paz, e nos dirigirmos às áreas periféricas. Estar aí ajuda-nos a ver e a entender melhor; ajuda-nos a analisar a realidade de forma mais correta, evitando o centralismo e abordagens ideológicas”. Portanto, “não é uma estratégia boa estar no centro de uma esfera. Para entender, precisamos nos mover ao redor, e assim poder ver a realidade de vários pontos de vista. Temos que nos acostumar a pensar. Frequentemente faço referência a uma carta do Padre Pedro Arrupe, que foi o Superior Geral da Companhia de Jesus. Trata-se de uma carta enviada aos Centros de Investigación y Acción Social (CIAS). Nela o Padre Arrupe falava da pobreza e dizia que algumas horas de contato com os pobres são necessárias. E isto é muito importante para mim: é necessário conhecer a realidade via experiência, passar certo tempo caminhando pela periferia buscando se familiarizar com ela e com as experiências de vida das pessoas. Se acaso isso não ocorrer, então corremos o risco de sermos ideólogos abstratos ou fundamentalistas, o que não é saudável”. Em seguida, o papa se deteve sobre uma questão concreta, a do apostolado dos jovens. “Aqueles que trabalham com os jovens não podem se contentar em dizer simplesmente coisas engessadas e estruturadas, como num tratado; estas coisas entram por um ouvido e saem pelo outro. Precisamos de uma nova linguagem, de uma nova maneira de dizer as coisas. Hoje Deus nos pede isto: deixar o ninho em que nos encerAqueles que trabaramos para sermos enviados. Aquele lham com jovens que vive sua consagração em clausura não podem se convivencia essa tensão interior em oratentar em dizer simção, de forma que o Evangelho possa plesmente coisas engessacrescer. O cumprimento do mandamendas e estruturadas, como to evangélico “ide por todo mundo e pregai o Evangelho a toda criatu- num tratado; estas coisas ra” (Mc 16:15) pode se realizar com entram por um ouvido e esta chave hermenêutica traduzida saem pelo outro. Precisapara as periferias existenciais e geo- mos de uma nova linguagráficas. É a forma mais concreta de gem, de uma nova maneise imitar a Jesus, que costumava ir a ra de dizer as coisas.” todas as regiões periféricas. Jesus
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foi a todas elas, visitou cada uma delas. Eu não me sentiria desconfortável indo para a periferia: não tenham medo de se dirigir a quem quer seja”. Então, qual é a prioridade da vida consagrada? O papa responde: “A profecia do Reino, que não é negociável. A ênfase deverá cair sobre os profetas, e não em brincar de sêlos. Naturalmente, o demônio nos apresenta suas tentações, e uma delas é: apenas parecer sermos profetas. Porém, não se pode jogar com estas coisas. Eu mesmo tenho visto coisas tristes a esse respeito. Não, os religiosos e as religiosas são homens e mulheres que iluminam o futuro”. Em sua entrevista à Civiltà Cattolica, o Papa Francisco afirmou claramente que os religiosos são chamados a uma vida profética. Eis o que lhes é particular: “ser profetas, particularmente, ao demonstrar como Jesus viveu na terra, e proclamar como o Reino de Deus será em sua perfeição. Um religioso jamais deverá renunciar a sua profecia. [...] Pensemos sobre o que fizeram muitos dos grandes santos, monges, religiosos e religiosas, de Santo Antônio Abade em diante. Às vezes, ser profeta envolve fazer “ruído”, não sei exatamente como dizer. Profecia faz ruído, “barulho”, algumas dizem: faz “bagunça”. Mas, na realidade, o carisma dos religiosos é como o fermento: a profecia anuncia o espírito do Evangelho”. Então, como sermos profetas vivendo o próprio carisma religioso particular? Para o Papa Francisco, precisamos “reforçar o que é institucional na vida consagrada, e não confundir o Instituto com a obra apostólica. O primeiro permanece; a segundo passa”. E continua: “O carisma continua, é forte; a obra passa. Às vezes se confundem o Instituto e a obra. O Instituto é criativo, busca sempre novos caminhos. Nesse sentido, as periferias mudam também, podendo ser feita uma lista sempre diferente”.
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Qual é a prioridade da Vida Consagrada? A profecia do Reino, que não é negociável. A ênfase deverá cair sobre os profetas, e não em brincar de sê-los.”
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“O Carisma não é uma garrafa de água destilada”
este momento as perguntas se centraram em temas vocacionais. Estamos testemunhando uma mudança profunda na geografia humana da Igreja, e o mesmo ocorre com os institutos religiosos. Na África e na Ásia as vocações crescem em número, que juntas
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contabilizam a maior parte da soma total. Tudo isso estabelece uma série de desafios: inculturação do carisma, discernimento vocacional e seleção de candidatos, o desafio do diálogo inter-religioso, a busca por uma representação mais igualitária nas organizações governamentais dos Institutos e, de modo mais geral, na estrutura da Igreja. Então, pediu-se ao papa que oferecesse orientações no que diz respeito a esta situação. O pontífice afirmou estar bem ciente das mudanças geográficas existentes na vida consagrada e que “todas as culturas são capazes de ouvir o chamado do Senhor, e que ele é livre para suscitar mais vocações em uma parte do mundo do que em outras. O que o Senhor quer dizer ao nos enviar vocações provindas das igrejas mais jovens? Não sei. Mas me faço essa pergunta. Temos que fazê-la. O desejo do Senhor se encontra, de alguma forma, aí. Há igrejas que estão dando frutos novos. Talvez, em algum momento elas não eram tão férteis, mas agora estão sendo. É claro, necessitamos repensar a inculturação do carisma. O carisma é único, porém ele precisa – como costumava dizer Santo Inácio – ser vivido de acordo com cada lugar, tempo e indivíO carisma não é uma duo. O carisma não é uma garrafa de água garrafa de água destilada. Ele precisa ser vividestilada. Ele precisa mente do energicaassim ser vivido energica- ser interpretacomo precisa do culturalmen- mente assim como precisa te. Mas, nesse sentido, há o ser interpretado cultural- perigo de cometer equívo- mente.” cos; uns dirão, o perigo de cometermos erros. É arriscado, certamente. Certamente iremos cometer enganos, não há dúvida. Mas isso não deverá ser motivo para nos fazer parar, porque há a chance de cometermos enganos maiores. Na verdade, deveríamos sempre pedir por perdão e olhar envergonhados para as falhas apostólicas devido à falta de coragem. Por exemplo, pensemos nas intuições pioneiras de Matteo Ricci. “Não estou me referindo às adaptações folclóricas dos hábitos, dos costumes”, continuou o papa. “Trata-se de uma questão de mentalidade, de modo de pensar. Por exemplo, há povos que pensam de forma mais concreta do que abstrata, ou ao menos numa forma diferente de abstração em relação àquela forma ocidental. Eu próprio vivi esta experiência quando era o provincial jesuíta na Argentina. Lembro dos muitos esforços que um Irmão jesuíta e eu expendíamos quando conversávamos mesmo sobre coisas simples do dia a dia;
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ele era de uma região onde o povo Guarani vivia, um povo que desenvolveu uma forma de pensamento muito concreta. Precisamos viver com coragem e nos confrontar com estes desafios também sobre temas importantes. Afinal, não posso formar alguém como uma pessoa consagrada sem considerar sua vida, suas experiências, mentalidade e contexto cultural. Este é o caminho. É isso o que os grandes missionários fizeram. Lembro agora as aventuras extraordinárias do jesuíta espanhol Segundo Llorente, um missionário tenaz e contemplativo no Alaska. Ele não apenas aprendeu o idioma como também a forma concreta de pensar daquele povo. Portanto, inQuando fazemos culturar o carisma é fundamental, e nossas culturas uniisso não quer dizer, de forma alguformes, matamos ma, relativizá-la. Não podemos fanosso carisma.” zer do carisma algo rígido ou uniforme. Quando fazemos nossas culturas uniformes, matamos nosso carisma”, concluiu decisivamente o pontífice, indicando a necessidade de “introduzir pessoas de várias culturas para dentro da governança das Ordens e Congregações, pessoas que expressem os diversos modos de viver o carisma”. Certamente o Papa Francisco está ciente dos riscos, mesmo em termos de “recrutamento vocacional”, feito pelas novas igrejas. Entre outras coisas, ele recordou que, em 1994, no contexto do Sínodo da Vida Consagrada e de sua Missão, bispos filipinos criticaram o “tráfico de noviços”, ou seja, a chegada massiva de congregações estrangeiras que inauguravam casas de formação no arquipélago com um olho visando o recrutamento de vocações para serem levadas à Europa. “Precisamos ficar de olhos abertos para situações como essa”, disse o papa. Ele também dispensou tempo para falar sobre os irmãos e, de forma mais geral, sobre os religiosos que não são sacerdotes. Lamentou que uma consciência adequada desta vocação específica não foi ainda desenvolvida. Referiu-se ao documento relacionado a este assunto o qual nunca apareceu e que, talvez, poderia ser retomado. Este poderia ser finalizado e, assim, facilitar as coisas para uma reflexão mais satisfatória. Nesse momento, o papa olhou para o cardeal João Braz de Aviz, prefeito da Congregação dos Institutos da Vida Consagrada, e para o Dom José Rodríguez Carballo, que estavam presentes na Assembleia, convidando-os a considerarem a questão. Ele então concluiu: “Realmente não acredito que a crise vocacional entre os religiosos que não são sacerdotes seja um sinal dos tempos,
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dizendo a nós que esta vocação chegou ao fim. Em lugar disso, deveríamos compreender o que Deus está nos pedindo”. Ao responder a uma pergunta relacionada a irmãos consagrados como superiores em ordens clericais, o papa disse que este é um assunto canônico e que precisa ser pensado neste nível de discussão.
ogo a seguir, o Papa Francisco escuta algumas poucas perguntas sobre formação. Imediatamente ele responde, indicando suas prioridades: “A formação de candidatos é fundamental. Há quatro pilares da formação: o espiritual, o intelectual, o comunitário e o apostólico. O fantasma que se deve combater é a imagem da vida religiosa entendida como um refúgio e consolo face a um mundo „externo‟, difícil e complexo. Estes quatro pilares precisam estar integrados já desde o primeiro dia em que entram para o noviciado, e não devem ser estruturados de modo sequencial. Precisam ser interativos”. O papa está ciente do fato de que o problema da formação, hoje, não é algo fácil de se lidar: “A cultura de hoje é muito mais rica e conflitiva do que aquela que vivemos em nossos dias, décadas atrás. Nossa cultura era mais simples e ordenada. Atualmente, a enculturação clama por uma atitude diferente. Por exemplo, não se resolvem os problemas simplesmente proibindo de se fazer isso ou aquilo. É necessário muito diálogo, muita confrontação. Para evitar problemas, em algumas casas de formação os jovens ficam calados, tentam não cometer erros evidentes, seguem as regras sorrindo, apenas esperando pelo dia em que lhes dirão: „Bom, terminaste a formação.‟ Isso é a hipocrisia, fruto do clericalismo, que é um dos males mais terríveis. Já disse isto aos bispos do Conselho Episcopal Latino-Americano (CELAM) este ano [2013] no Rio de Janeiro: precisamos vencer esta propensão ao clericalismo em nossas casas de formação e em nossos seminários também. Resumo tudo isso com um conselho que certa vez recebi quando era jovem: „Se queres ir adiante, pense claramente e fale obscuramente.‟ Era um convite claro à hipocrisia. Precisamos evitar isso a todo custo”. Com efeito, no Rio de Janeiro o papa identificou o clericalismo como uma das causas da “falta de maturidade e liberdade cristã” no Povo de Deus. Disso, segue-se que “se o seminário for muito grande, precisase separá-lo em comunidades menores com formadores que estejam capacitados a acompanhar, verdadeiramente, aqueles de sua res-
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“A formação é uma obra de arte, não uma ação policialesca”
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ponsabilidade. A formação é uma O diálogo deve ser sério, sem meobra de arte, não do, sincero. É importante lemuma ação poliales- brar que a linguagem dos jovens em formação, hoje, ca. Devemos formar daquela do passaé diferente do: estamos o coração dos jovens. Do vivendo uma mudança epocal. contrário, formaremos pe- A formação é uma obra de arte, quenos monstros. E então não uma ação policialesca. Deve- estes pequenos monstros mos formar o coração dos jovens. formarão o Povo de Deus. Do contrário, formaremos pequenos monstros. E então estes Isso me dá arrepios.” pequenos monstros formarão o Povo de Deus. Isso me dá arrepios”. Então, o papa insistiu no fato de que a formação não deveria se orientar somente em direção ao crescimento pessoal, mas também na busca de seu objetivo último: o Povo de Deus. É importante pensar sobre o povo para o qual estas pessoas serão enviadas durante sua formação: “Precisamos sempre pensar nos fiéis, no Povo fiel de Deus. É necessário formar pessoas que sejam testemunhos da ressurreição de Jesus. O formador tem que pensar que a pessoa em formação será chamada a cuidar do Povo de Deus. É necessário sempre pensar no Povo de Deus durante todo este processo. Pensemos nos religiosos que têm o coração tão ácido quanto o vinagre: eles não foram feitos para o povo. No final, não devemos formar administradores, gerentes, mas pais, irmãos, companheiros de viagem”. Por fim, o Papa Francisco quis destacar um risco maior: “Aceitar um jovem no seminário que tenha sido pedido a deixar o instituto religioso por causa de problemas com a formação e por razões sérias é um enorme problema. Não falo das pessoas que se reconhecem como pecadoras: todos somos pecadores, porém nem todos somos corruptos. Pecadores são aceitos, mas não pessoas corruptas”. Aqui o papa fez lembrar a importante decisão do Papa Bento XVI ao lidar com casos de abuso: “isso deveria servir como uma lição para nós a fim de termos coragem de abordar a formação pessoal como um desafio sério, sempre tendo em mente o Povo de Deus”.
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Vivendo a fraternidade “amenizando os conflitos” Sínodo da Nova Evangelização pediu que os religiosos sejam testemunhas da força humanizadora do Evangelho por meio da vida em fraternidade. Tomando como inspiração esta intervenção, fi-
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zeram-se ao Papa Francisco algumas perguntas a forma que os religiosos deveriam viver como irmãos: “Como mantermos juntos os compromissos da missão com aqueles da vida comunitária? Como podemos combater a tendência do individualismo? Como deveríamos agir em relação ao um irmão em dificuldade ou que vive ou cria conflitos? Como podemos conjugar justiça e misericórdia em casos difíceis?”. Aqui o papa lembrou-se que, no dia anterior, havia se encontrado com o superior da Comunidade de Taizé, o Irmão Alois: “na Comunidade de Taizé existem católicos, calvinistas, luteranos, etc. Todos vivem realmente uma vida de fraternidade. Por outro lado, as enfermidades da fraternidade possuem forças que as destroem. A tentação contra a fraternidade é o que mais impede o caminho para a vida consagrada. São João Berchmans costumava dizer que sua maior penitência era precisamente a vida comunitária. Às vezes, viver em fraternidade é difícil, mas se não for vivida não será produtiva. A obra, também a „apostólica‟, pode-se tornar uma fuga da vida fraterna. Se alguém não consegue viver em fraternidade, não poderá viver uma vida religiosa”.
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“A fraternidade religiosa – continuou –, com toda a sua diversidade possível, é uma experiência de amor que vai além dos conflitos. Conflitos comunitários são inevitáveis: de certo modo, eles precisam ocorrer, caso a comunidade esteja verdadeiramente vivendo relações sinceras e honestas. É a vida. Não faz sentido pensar em uma comunidade na qual haja irmãos que não vivenciam dificuldades em suas vidas. Algo está faltando em comunidades onde não existam conflitos. A realidade dita que existam conflitos em todas as famílias e grupos Revista Frades_Ano I_N°1_2° Semestre 2017
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humanos. E os conflitos precisam ser encarados de cabeça em pé: não deveriam ser ignorados. Encobri-los só cria uma panela de pressão que irá, por fim, explodir. Uma vida sem conflitos não é vida”. O valor em jogo é alto. Sabemos que um dos princípios fundamentais do Papa Francisco é que a “unidade prevalece sobre o conflito”. Suas palavras dirigidas aos religiosos devem ser lidas à luz da exortação apostólica Evangelii Gaudium (§§ 226-230), onde se pede para “aceitar suportar o conflito, resolvê-lo e transformá-lo no elo de um novo processo” (§ 227). Faz-se importante recordar que, para Bergoglio, a realização pessoal jamais é um empreendimento exclusivamente individual, e sim coletivo, comunitário. Nesse sentido, o conflito pode – e mesmo deve – envolver um processo de maturação. Em todo caso, conflitos devem ser abordados com aconselhamento espiritual: “Jamais deveríamos agir como o sacerdote ou o levita na parábola do bom samaritano, que simplesmente passaram ao longe. Mas o que deveríamos fazer? Lembro-me – disse o papa – da história de um jovem, de 22 anos, que sofria de profunda depressão. Não estou falando de um religioso, mas de um jovem que morava com sua mãe, a qual era viúva e que lavava roupas para famílias ricas. Este jovem não mais foi trabalhar e vivia ofuscado pelo álcool. A Pensemos na Termãe não conseguia ajudá-lo: toda manura que São nhã, antes de sair, ela simplesmente o Francisco viveu, olhava com grande ternura. Hoje este por exemplo. A jovem é uma pessoa importante: superou o problema, porque, no final, ternura ajuda a superar aquele olhar de ternura de sua mãe o sacudiu. Precisamos recuperar esta ternura, incluindo a ternura materna. Pensemos na ternura que São Francisco viveu, por exemplo. A ternura ajuda a superar os conflitos. Se isso não bastar, poderá ser o caso de trocar de comunidade”. “É verdade – o Papa Francisco continuou –, às vezes somos muito cruéis. Todos vivemos a sensação de criticar visando satisfação pessoal ou obter vantagens. Por vezes, os problemas na fraternidade devem-se a personalidades frágeis, casos nos quais a ajuda de um profissional, um psicólogo, deveria ser procurada. Não há porque ter medo disto: não se precisa temer cair, necessariamente, no psicologismo. Mas nunca, nunca deveríamos agir como administradores ante o conflito de um irmão. Temos que envolver o coração". “A Fraternidade é algo delicado. No Hino das Primeiras vésperas de São José, no breviário argentino, pede-se ao santo para
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cuidar da Igreja com ternura de eucaristia, „ternura eucarística‟. Eis como devemos tratar nossos irmãos: com ternura eucarística. Precisamos cuidar dos conflitos. Lembro-me de quando Paulo VI recebeu a carta de uma criança com muitos desenhos. Ele disse que o fez muito bem ter recebido uma carta dessas sobre uma mesa repleta de tantas outras que só falavam de problemas. A ternura nos faz bem. A ternura eucarística não mascara os conflitos, mas ajuda-nos a enfrentá-los como homens”.
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As relações mútuas entre os religiosos e as Igrejas locais esta altura do diálogo, os Superiores Gerais fizeram ao papa várias perguntas relativas às atividades das comunidades religiosas no contexto das Igrejas locais e sobre a relação destas comunidades com os bispos: Como podemos fomentar a comunhão entre os distintos carismas e formas de vida cristã de maneira a cultivar o crescimento de todas e um desenvolvimento melhor da missão? O papa responde que está pendente, há muitos anos, o pedido para rever os critérios das diretrizes que foram promulgadas, em 1978, pela Congregação para os Religiosos e pela Congregação para os Bispos (Mutuae Relationes), diretrizes que são concernentes às relações entre bispos e religiosos na Igreja. O pontífice é da opinião de que esta é a hora, porque “aquele documento foi útil naquele período, mas que agora está desatualizado. Os carismas dos vários institutos precisam ser respeitados e fomentados porque são necessários nas dioceses. Conheço por experiência os problemas – continuou – que podem haver entre um bispo e as comunidades religiosas”. Por Revista Frades_Ano I_N°1_2° Semestre 2017
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exemplo, “se os religiosos decidem um dia deixar uma de suas obras devido à falta de religiosos, o bispo logo se encontra com uma batata quente nas mãos. Eu mesmo passei por experiências difíceis como esta. Se me informavam que uma obra estava sendo abandonada, eu não sabia o que fazer. Na verdade, uma vez me contaram isso só após, quando já havia ocorrido. Inversamente, posso também falar de outros episódios muito positivos. O fato é que conheço os problemas, mas também sei que os bispos nem sempre estão por dentro dos carismas e das obras dos religiosos. Nós, bispos, precisamos entender que as pessoas consagradas não são funcionárias, e sim presentes que enriquecem as dioceses. O envolvimento das comunidades religiosas nas dioceses é importante. O diálogo entre o bispo e os religiosos tem que ser resgatado, de modo que, devido à falta de entendimento de seus carismas, os bispos não vejam os religiosos simplesmente como instrumentos úteis”. Por esta razão o papa confiou à Congregação para os Religiosos a tarefa de retomar a reflexão sobre o documento Mutuae Relationes e trabalhar em sua revisão.
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As fronteiras da missão: marginalização, cultura e educação s últimas perguntas estiveram relacionadas às fronteiras da missão das pessoas consagradas. Frequentemente, o papa fala sobre “partida, ida, fronteiras”. Então, os Superiores Gerais perguntaram o que poderiam ser estas fronteiras para as quais se poderia ir em partida: “Como vê a presença da vida consagrada nesta realidade de exclusão que vivemos? Muitos Institutos estão engajados na questão da educação. Nesse sentido, como vê este tipo de serviço? O que diria aos religiosos que se engajam neste campo?”. Antes de tudo, o papa afirma que as fronteiras geográficas certamente ainda existem e que é necessário estarmos dispostos a nos movimentar. Mas há também fronteiras simbólicas que não são predeterminadas e
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Que não são as mesmas para todos. Pelo contrário, “temos que buscá-las na base do carisma de cada Instituto. Portanto, precisamos fazer o discernimento segundo cada carisma em particular. Por certo, as realidades de exclusão se apresentam como as prioridades mais significativas, mas elas necessitam de discernimento. O primeiro critério é mandar as pessoas mais talentosas a estas situações de exclusão e marginalização. Estas são as situações mais arriscadas e que precisam de coragem e uma grande dose de oração. Além disso, é necessário que os Superiores apoiem e encorajem as pessoas dedicadas a esta obra”. Sempre há o risco, lembrou o papa, de se deixar levar pelo entusiasmo; isso pode resultar no envio de religiosos que tenham boa vontade, mas que não estejam preparados para as situações que encontrarão nas fronteiras dos marginalizados às quais forem enviados. Não devemos tomar decisões quanto aos marginalizados sem estarmos certos do discernimento adequado e do apoio. Junto deste desafio dos marginalizados, o papa referiu-se a dois outros importantes desafios sempre presentes: um cultural e outro que tem a ver com a educação em escolas e universidades. A vida consagrada pode oferecer um grande serviço. Ele lembrou: “Quando os padres da Civiltà Cattolica vieram me visitar, falei com eles sobre as fronteiras do pensamento, pensamento que é único e fraco. Recomendei-lhes estas fronteiras. Assim como o reitor maior dos salesianos sabe, tudo para eles começou a partir de um sonho de educação de fronteira, o sonho de Dom Bosco que levou os salesianos às periferias geográficas da Patagônia. Poderíamos dar tantos outros exemplos”. Para o papa, os pilares da educação são: “transmitir conhecimento, transmitir modos de fazer as coisas, transmitir valores. Através destes transmite-se a fé. O educador, ou educadora, deve estar à altura das pessoas que educa; ele ou ela precisa se interrogar sobre a forma como anunciar Jesus Cristo a uma geração em constante mudança”. Ele, pois, insiste: “A educação, hoje, é a missão central, central, central!” Lembrou algumas de suas experiências em Buenos Aires relativas à preparação necessária para acolher as crianças num contexto educacional, meninos e meninas, jovens que vivem situações complexas, especialmente em família: “Lembro do caso de uma menininha muito triste que, ao final, confiou à sua professora a razão de seu estado de ânimo: „a namorada de minha mãe não gosta de mim.‟ A porcentagem de crianças estudando que têm pais separados é muita alta. A situação em que vivemos no momento nos dá novos desafios que, às vezes, são difíceis de compreendermos. Como podemos proclamar Cristo a estes meninos e meninas? Como podemos proclamar
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Cristo a uma geração que está em constante mudança? É necessário estarmos atento a não ministrar vacinas contra a fé que possuem”. Ao final de três horas, por volta das 12h30min, o papa disse lamentar ter que dar fim à conversa: “Vamos deixar algumas perguntas para uma próxima vez”, disse sorrindo. Confessou que o dentista estava lhe esperando. Antes de se despedir dos Superiores Gerais, ele tem um anúncio a fazer: 2015 será um ano dedicado à vida consagrada; estas palavras foram recebidas com uma longa salva de palmas. O pontífice olha sorridente para o prefeito e para o secretário da Congregação para os Religiosos e Institutos seculares, dizendo: “É culpa é deles; é uma das ideias deles: é perigoso quando estes dois se juntam”, provocando risadas entre todos da Assembleia. Ao deixar a sala, afirmou: “Obrigado, obrigado pelo ato de fé que tiveram neste encontro. Obrigado pelo que vocês fazem, pelo espírito de fé e pela busca do serviço. Obrigado pelo seu testemunho, pelos mártires que vocês continuam a dar à Igreja, bem como pelas humilhações às quais têm que passar: é o mundo da Cruz. Agradeçoos do fundo de meu coração”.
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Oração Vocacional
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Senhor da Messe e Pastor do rebanho, faze ressoar em nossos ouvidos teu forte e suave convite; “Vem e segue-me”! Derrama sobre nós O teu Espírito, que ele nos dê sabedoria para ver o caminho e generosidade para seguir sua voz. Senhor que a Messe não se perca por falta de operários. Despertai nossas comunidades para a Missão. Ensina nossa vida a ser serviço. Fortalece os que querem dedicar-se ao Reino na vida consagrada e religiosa .Senhor, que o Rebanho não se perca por falta de Pastores. Sustenta a fidelidade de nossos bispos, padres e ministros. Dá perseverança a nossos seminaristas. Desperta o coração de nossos jovens para o ministério pastoral em tua Igreja, Senhor da Messe e Pastor do Rebanho, chama-nos-para o serviço de teu povo. Maria Mãe da Igreja modelo dos servidores do Evangelho ajuda-nos a responder, SIM. Amém. Revista Frades_Ano I_N°1_2° Semestre 2017
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