Um terapeuta já cansado? Por Contardo Calligaris

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Folha de S. Paulo, 17/05/2012

Um terapeuta já cansado? Por Contardo Calligaris

Há terapeutas que simplificam o pedido dos pacientes e os dispensam na primeira melhora Na segunda dia 7, a Folha publicou uma entrevista com um jovem psicoterapeuta nova-iorquino, Jonathan Alpert, autor de um artigo polêmico nas páginas de opinião do "New York Times". O artigo opunha a terapia "de resultados" (e milagrosamente rápida) de Alpert às terapias longas, praticadas por outros terapeutas de várias obediências. Muitos colegas (dele e meus) sentiram-se incomodados. As respostas de Alpert têm um tom de autopromoção, que inspira uma certa vergonha (não nele, claro, mas em quem lê). No entanto, à primeira vista, elas são mais triviais do que chocantes. Alpert apresenta a novidade de sua maneira de clinicar, que consiste, por exemplo, em colocar metas, definir o número de sessões para chegar até lá e avaliar o processo regularmente. Ora, qualquer um que clinique nos EUA faz isso com cada paciente -é o que pedem as seguradoras para aprovar um tratamento: diagnóstico, proposta de um número definido de sessões, meta terapêutica, reavaliação periódica. Enfim, a "novidade" efetiva é que terapeutas e seguradoras sabem que as metas de um tratamento mudam ao longo da terapia, enquanto (descobri depois) os pacientes de Alpert, misteriosamente, parecem ter sempre pedidos iniciais claros e inalteráveis. Nunca vi coisa igual. Outro tema: Alpert não gostou de "O Segredo", o best-seller de autoajuda de Rhonda Byrne. Ele acha que desejar intensamente não basta: para conseguir o que a gente quer é preciso agir e ter o acompanhamento de um terapeuta como Alpert, que nos diga o que fazer. Em suma, Alpert gostaria que seu livro fosse "O Segredo" que funciona -OK. No mais, Alpert acha que os praticantes de terapias longas desperdiçam seu próprio tempo e o de seus pacientes, enquanto ele garante mudanças radicais em 28 dias. Eu adoraria poder curar quase tudo em 28 dias e decidi ler o livro de Alpert, "Be Fearless - Change Your Life in 28 Days" (no Brasil, no fim do ano, pela Sextante, como "Seja Destemido - Mude Sua Vida em 28 Dias" ou algo parecido).


Sinto em dizer: o livro é um desastre, inclusive do ponto de vista da terapia cognitivo-comportamental, que Alpert professa em tese, mas da qual ele parece ter esquecido algumas lições essenciais. Em geral, as terapias cognitivocomportamentais são mesmo mais rápidas do que as terapias dinâmicas (como a psicanálise), pois elas são focadas em identificar e corrigir pensamentos disfuncionais, ou seja, pensamentos negativos, avaliações e crenças erradas, que são fonte de transtornos psicológicos. Ora, Alpert se esquece de que um tratamento cognitivo-comportamental DEVE continuar por bastante tempo depois de seu eventual sucesso, porque medos e fobias, mesmo "curados", são reativados facilmente por novos gatilhos de estresse; ou seja, qualquer tratamento cognitivo inclui um (longo) treinamento para administrar o estresse futuro. Além disso (e muito mais grave), na pressa de seduzir seus pacientes, presentes e futuros, com a promessa de um milagre, Alpert lhes retira qualquer complexidade: todas as dificuldades, amorosas, profissionais ou existenciais, são efeito de um medo (medo de mudar, medo de avançar na vida etc.) -ou seja, para Alpert, não há conflitos de desejos opostos, nem desejos nefastos, nem escolhas propositalmente sofridas: os pacientes só querem namorar com alguém legal e subir na vida. Eles apenas têm medo, e disso logo Alpert vai se ocupar. Na semana depois da publicação da entrevista, quatro pacientes chegaram ao meu consultório angustiados pela ideia de que eu poderia desistir deles, mandálos embora alegando que eles estão melhor e já passaram dos 28 dias. A angústia de meus pacientes pode nos indicar qual é o problema de Alpert. Talvez ele não seja nem inexperiente, nem mal treinado, nem inculto; talvez, apesar de sua jovem idade, ele esteja, sobretudo, já cansado. O exercício da psicoterapia não é gratificante: a persistência do sofrimento psíquico é grande, o próprio desejo de um paciente se curar é incerto, e os caminhos da cura são tortuosos (e misteriosos, mesmo quando a gente consegue se engajar neles). Não estranha que um terapeuta, no meio disso, prefira simplificar ao máximo o pedido de seus pacientes, dar-lhes alguns conselhos, fazê-los sorrir e logo mandá-los embora, depois de 28 dias -rápido, na primeira melhora, ilusória ou não.


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