Relat贸rio Lil谩s
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Mesa Diretora da Assembleia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul Ano 2013 Deputado Pedro Westphalen Presidente
Deputado Paulo Odone Primeiro Vice-Presidente
Deputado Aldacir Oliboni Segundo Vice-Presidente
Deputado Gilmar Sossella Primeiro Secretário
Deputado Márcio Biolchi Segundo Secretário
Deputado Marcelo Moraes Terceiro Secretário
Deputado Jorge Pozzobom Quarto Secretário
Comissão de Cidadania e Direitos Humanos Deputado Jeferson Fernandes Presidente
Deputado Valdeci Oliveira Vice-Presidente
Titulares Deputado Edegar Pretto Deputado Aldacir Oliboni Deputado Giovani Feltes Deputado Álvaro Boessio Deputado Décio Franzen Deputado Adolfo Brito Deputado Jorge Pozzobom Deputado Elisabete Felice Deputado Cassiá Carpes Deputado Miki Breier
Suplentes Deputado Adão Villaverde Deputado Marisa Formolo Deputado Miriam Marroni Deputado Nelsinho Metalúrgico Deputado Alexandre Postal Deputado Maria Helena Sartori Deputado Dr. Basegio Deputado Mano Changes Deputado Adilson Troca Deputado Pedro Pereira Deputado Jurandir Maciel Deputado Catarina Paladini
Rio Grande do Sul. Assembleia Legislativa. Comissão de Cidadania e Direitos Humanos. Relatório Lilás – 2012-2013 Porto Alegre: Assembleia Legislativa: 2013. 172 p. 1.Direitos Humanos 1. Mulheres
CDU: Bibliotecário responsável: CRB:
À Márcia Santana Que nos deixou tão prematuramente, e sempre lutou por uma vida sem violência para todas as mulheres.
Sumário Capítulo I Perspectivas, práticas e avanços no enfrentamento à violência de gênero 1. Constitucionalidade da Lei Maria da Penha – Rúbia Abs 2. Femicídio: um tema para debate – Airton Michels 3. Secretaria de Políticas para as Mulheres do RS e o Programa RS Lilás: Autonomia para as Mulheres Gaúchas – Márcia Santana
Capítulo II Enfrentando a violência em Rede 4. A perspectiva integral em Rede no Rio Grande do Sul – Télia Negrão 5. Rede de Atendimento às Mulheres em Situação de Violência: considerações e ensaios acerca do atendimento nos Centros de Referência da Mulher e Casas Abrigo municipais no Rio Grande do Sul – Departamento de Promoção de Politicas para Autonomia da Mulher da Secretaria Estadual de Politicas para Mulheres 6. As Delegacias Especializadas no Atendimento à Mulher e os desafios de enfrentamento à violência doméstica e familiar – Nadine Anflor 7. Patrulha Maria da Penha: Polícia Comunitária e enfrentamento a violência de gênero – Nádia Rodrigues Silveira Gerhard 8. Experiência do grupo de acompanhamento de agressores desenvolvido em Bento Gonçalves – Isabel Trevisan 9. O Ministério Público e a questão de gênero – David Medina 10. A Defensoria Pública do Estado na defesa dos direitos humanos das mulheres em situação de violência doméstica e familiar – Miriane Tagliari 11. Um olhar sobre as mulheres apenadas do estado do Rio Grande do Sul – Maria José Diniz 12. Atendimento na rede pública (SUS) à mulher vítima de violênciaa mulher vítima na Rede Pública – SUS – Claudiomiro Ambrósio
Capítulo III Mudando culturas, mudando o mundo – Movimentos Sociais e a luta pelo fim da violência de gênero 13. Homens e mulheres na luta pelo fim da violência de gênero – Elisiane Pasini 14. Frente Parlamentar dos Homens pelo Fim da Violência contra as Mulheres – Edegar Pretto 15. Campanha Ponto Final na violência contra Mulheres e Meninas – Renata Jardim 16. A violência contra a mulher não é o mundo que a gente quer – Marcha Mundial de Mulheres – Íris de Carvalho e Vanessa Gil 17. O movimento de mulheres camponesas e o sentido da luta de enfrentamento à violência cometida contra as mulheres – Isaura Isabel Conte 18. A violência contra as mulheres também tem cor - as dimensões de raça e gênero nas políticas públicas – Maria Luísa Pereira de Oliveira
Apresentação A Comissão de Cidadania e Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul tem a honra de apresentar a 1ª edição do Relatório Lilás. Esta publicação foi idealizada pela Frente Parlamentar dos Homens pelo Fim da Violência contra as Mulheres, pioneira no Brasil, através do seu Grupo de Trabalho, que identificou a necessidade de reunir em uma única obra dados e reflexões a respeito da violência de gênero em nosso estado. Já conhecida pela publicação do Relatório Azul, que tornou-se um marco na reflexão e debate das questões ligadas à cidadania e no registro dos casos de violação dos direitos humanos, a CCDH inova mais uma vez, trazendo estas informações ao conhecimento da população gaúcha, de forma sistematizada e específica. Esta edição está organizada em três grandes grupos: 1. Perspectivas, práticas e avanços no enfrentamento a violência de gênero; 2. Enfrentando a violência em Rede e 3. Mudando Culturas, mudando o mundo – movimentos sociais pelo fim da violência de gênero. O Rio Grande do Sul tem sido apontado como um dos estados que apresenta os mais elevados índices de violência contra as mulheres, especialmente os femicídios, fato esse que não raro se relaciona com tradições culturais que consideram mulheres menos detentoras de direitos e de igualdade. Entendemos que é papel do parlamento gaúcho contribuir no debate e no desenvolvimento de políticas públicas que eliminem a violência contra as mulheres, um fenômeno com profundas raízes culturais, que ocorre em todas as classes sociais e não respeita fronteiras. Esperamos que o Relatório Lilás sirva de instrumento para contribuir com novas ações na construção de uma sociedade baseada em relações de igualdade, respeito e que não permita nenhuma forma de violência contra mulheres e meninas.
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Por que Relatório Lilás? Já conhecida pela publicação do Relatório Azul, a Comissão de Cidadania e Direitos Humanos da Assembleia Legislativa inova mais uma vez com a publicação do Relatório Lilás. A escolha da cor lilás está relacionada a cor adotada pelas feministas e muitos movimentos de mulheres. Ela representa a igualdade, pois surge da combinação de duas cores primárias, o azul e o vermelho, que devem ser misturadas na mesma proporção. Pela aspiração constante da igualdade entre homens e mulheres, pelo sonho de uma sociedade de fato justa e solidária, batizamos este de Relatório Lilás. Organizado pela Frente Parlamentar dos Homens pelo Fim da Violência contra as Mulheres, o Relatório Lilás faz uma reflexão sobre a temática dos Direitos das Mulheres e ao mesmo tempo oferece um panorama da violência de gênero no Estado do Rio Grande do Sul.
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CapĂtulo I
Perspectivas, práticas e avanços no enfrentamento à violência de gênero
1. Constitucionalidade da Lei Maria da Penha
Rubia Abs da Cruz1 Resumo: O presente artigo tem como objetivo relatar as ações que envolvem a análise pelo Supremo Tribunal Federal (STF) de dispositivos da Lei Maria da Penha (ADC 19 e ADI 4424). O artigo buscará relatar as ações políticas e jurídicas que envolvem a análise de dispositivos da Lei Maria da Penha (ADC 19 e ADI 4424) no Supremo Tribunal Federal (STF). Em relação a parte jurídica, o voto do Relator foi pela procedência da ADC 19, a fim de declarar a constitucionalidade dos artigos 1º, 33 e 41 da Lei 11.340/2006, conhecida como Lei Maria da Penha. Essa norma elaborada inicialmente pelo movimento feminista para proteção às mulheres, criou mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, entretanto, proporciona tratamento desigual (ou diferenciado) aos iguais, perante a Constituição Federal. Os Ministros e Ministras endossaram o princípio do tratamento desigual às mulheres, em face de sua histórica desigualdade perante os homens dentro do lar. Importante citar os artigos analisados na ADC 19 pelo STF: Art. 1º - Esta Lei cria mecanismos para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8º do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Violência contra a Mulher, da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher e de outros tratados internacionais ratificados pela República Federativa do Brasil; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; e estabelece medidas de assistência e proteção às mulheres em situação de violência doméstica e familiar. Art. 33º. - Enquanto não estruturados os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, as varas criminais acumularão as
1 Rúbia Abs da Cruz é advogada, fundadora da Themis e atualmente atua como Diretora de Direitos Humanos na Secretaria de Justiça e Direitos Humanos do Estado do Rio Grande do Sul.
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competências cível e criminal para conhecer e julgar as causas decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, observadas as previsões do Título IV desta Lei, subsidiada pela legislação processual pertinente. Parágrafo único - Será garantido o direito de preferência, nas varas criminais, para o processo e o julgamento das causas referidas no caput. Art. 41º. - Aos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher, independentemente da pena prevista, não se aplica a Lei 9.099, de 26 de setembro de 1995. Segue abaixo a informação processual da ADC 19, que demonstra o trabalho das organizações, aceitas no Amicus Curiae, que figura juridicamente como Intervenção de Terceiros, por terem interesse no litígio. Dados Gerais Processo: ADC 19 DF2 Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO Julgamento:13/12/2008 Publicação: DJe-022 DIVULG 02/02/2009 PUBLIC 03/02/2009 Parte(s): PRESIDENTE DA REPÚBLICA ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO CONSELHO FEDERAL DA ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL MAURÍCIO GENTIL MONTEIRO E OUTROS THEMIS - ASSESSORIA JURÍDICA E ESTUDOS DE GÊNERO IPÊ - INSTITUTO PARA A PROMOÇÃO DA EQUIDADE INSTITUTO ANTÍGONA RÚBIA ABS DA CRUZ Decisão Petição/STF nº 166.238/2008 PROCESSO OBJETIVO ‘ADMISSÃO DE TERCEIRO. 1. Eis as informações prestadas pela Assessoria: A Assessoria Jurídica e Estudos de Gênero - THEMIS, o Instituto para a Promoção da Eqüidade ‘ IPÊ e o Instituto Antígona, organizações integrantes e representantes do Comitê Latino Americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher ‘CLADEM/Brasil, em petição subscrita por profissional da advocacia, requerem sejam admiti2 http://stf.jusbrasil.com.br
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dos no processo em referência, na qualidade de amicus curiae. Tecem considerações sobre o mérito e apresentam instrumento de mandato desacompanhado dos atos constitutivos. Registro que o processo está na Procuradoria Geral da República. 2. A regra é não se admitir intervenção de terceiros no processo de ação direta de inconstitucionalidade, iniludivelmente objetivo. A exceção corre à conta de parâmetros reveladores da relevância da matéria e da representatividade do terceiro, quando,então, por decisão irrecorrível, é possível a manifestação de órgãos ou entidades ‘artigo 7º da Lei nº 9.868, de 10 de novembro de 1999. No caso, está em questão a Lei nº 11.340/2006, denominada Lei Maria da Penha. Os Institutos têm como objetivo a proteção da mulher. 3. Admito-os como terceiros. 4. Publiquem. Brasília, 13 de dezembro de 2008. Ministro MARÇO AURÉLIO Relator. A Decisão do Supremo Tribunal Federal publicada no site do Supremo3 tratou da Constitucionalidade em relação aos artigos citados, mas irei destacar os argumentos relacionados com o artigo 1º, que trata da igualdade entre homens e mulheres e farei um breve comentário sobre os artigos 33 e 41, que seguem. Assim, faço breves considerações, de acordo com a decisão. O Relator, Ministro Marco Aurélio, considerou constitucional o preceito do artigo 33, da Lei 11.340/2006, segundo o qual, enquanto não estruturados os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, as varas criminais acumularão as competências cível e criminal para conhecer e julgar as causas decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, “observadas as previsões do Título IV desta Lei, subsidiada pela legislação processual pertinente”. Ele ressaltou não haver ofensa ao artigo 96, inciso I, alínea “a” e 125, parágrafo 1º, da CF, mediante os quais se confere aos Estados a competência para disciplinar a organização judiciária local. Além disso, entendeu que “A constitucionalidade do artigo 41 dá concretude, entre outros, ao artigo 226, parágrafo 8º, da Constituição Federal (CF), que dispõe que o Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações”. Assim como o ministro Ricardo Lewandowski, afirmou que o le3 http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=199845
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gislador ao votar o artigo 41 da Lei Maria da Penha, disse claramente que o crime de violência doméstica contra a mulher é de maior poder ofensivo. Ou seja, fora do âmbito da Lei 9.099/96 que previa como de competência do Juizado Especial Criminal que trata de crimes de menor potencial ofensivo. A violência diária é crime de grande potencial ofensivo. Embora nem sempre tenha que ser penalizada com cárcere, a violência doméstica contra a mulher deverá sim ser penalizada com medidas alternativas e reconhecida como um problema social, que desencadeia várias formas de violências consideradas mais graves no âmbito penal. Somente com o reconhecimento da potencialidade da violência cotidiana, será possível trabalharmos na prevenção e na reeducação de padrões socioculturais, apostando na socialização e respeito das diferenças e das relações. A violência cotidiana gera várias consequências, inclusive sociais, já que a violência aprendida dentro de casa, tende a se reproduzir nas ruas! O Mapa da Violência4 – em pesquisa conduzida pela Secretaria de Políticas para as Mulheres (SPM) – mostra ser muito alto o índice de assassinatos de mulheres no Brasil. De acordo com a pesquisa, de 1980 a 2010, aproximadamente 91 mil mulheres foram assassinadas, sendo 43,5 apenas na última década. O Espírito Santo lidera o ranking nacional, com taxa de 9,4 homicídios para cada100 mil mulheres. Na sequência estão Alagoas (8,3), Paraná (6,3), Paraíba (6,0) e Mato Grosso do Sul (6,0). Ainda segundo o Mapa da Violência, 68,8% dos incidentes acontecem na residência, o que leva a conclusão de que é no âmbito doméstico onde ocorre a maior parte das situações de violência experimentadas pelas mulheres. Seguirei com o artigo 1º. da Lei Maria da Penha, que dispõe sobre o tratamento diferenciado em relação às mulheres e que foi questionado basicamente devido a igualdade constitucional entre homens e mulheres! O Ministro do Supremo Tribunal Federal, Marco Aurélio, afirmou que o dispositivo se coaduna com o que propunha Ruy Barbosa, segundo o qual a regra de igualdade é tratar desigualmente os desiguais. Isto porque a mulher, ao sofrer violência no lar, encontra-se em situação desigual perante o homem. A essa afirmação do Ministro, acrescento uma das hipóteses da pesquisa realizada enquanto coordenadora da 4 http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/20607-lei-maria-da-penha-completa-seis-anos-de-vigencia
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Themis, publicada no livro “Nominando o Inominável, onde uma das hipóteses é de que a mulher encontra um equilíbiro na relação, mesmo que temporário, quando busca ajuda externa na polícia e no Judiciário. Isso demonstra a desigualdade na relação, embora a Constituição promova a igualdade de todos, ou de “todas” perante a Lei! O que também se coaduna com a afirmação de Boaventura de Souza Santos: “Temos o direito a sermos iguais quando a diferença nos inferioriza. Temos o direito a sermos diferentes quando a igualdade nos descaracteriza”. Também destacou o Ministro, que a violência contra a mulher é grave, pois não se limita apenas ao aspecto físico, mas também ao seu estado psíquico e emocional. Importante observação, pois a violência diária ocorre especialmente com a retaliação da auto-estima da mulher, gerando várias conseqüências negativas. Por seu turno, o ministro Joaquim Barbosa concordou com o argumento de que a Lei Maria da Penha buscou proteger e fomentar o desenvolvimento do núcleo familiar sem violência, sem submissão da mulher, contribuindo para restituir sua liberdade, assim acabando com o poder patriarcal do homem em casa. Na análise dos votos dos Ministros quanto à igualdade entre homens e mulheres, foi possível sentir que valeu à pena! Valeu ter ajudado na construção da Lei, ter participado de audiências públicas, batalhas para aprovar a Lei, apresentar Amicus Curiae ao Supremo pela Constitucionalidade da Lei Maria da Penha na ADC 19, capacitar pessoas sobre a Lei, realizar o I Encontro Nacional de Promotoras Legais Populares para Implementação da Lei, fazer trabalho de advocacy com os Ministros junto com a Articulação de Mulheres Brasileiras – AMB e as ONGs do Consórcio e do Observe, enfim, foi possível perceber as nossas ideologias na decisão. Mudamos concepções e crenças. Modificamos a cultura jurídica, talvez não a cultura machista, mas parte dela. Enfim, valeu à pena! Fizemos um bom trabalho!!! E foi um bom trabalho desde o início, quando CLADEM e Cegil ajuizaram o caso Maria da Penha Fernandes perante à Comissão Interamericana de Direitos Humanos, e ainda antes, quando adquirimos o direito à educação, ao voto, as delegacias de mulheres e aos conselhos de diretos, entre outras tantas possibilidades que se abriram às mulheres nos mais variados campos. Comemoramos quando o caso foi admitido pela CIDH e alcançamos o mérito da decisão com as Recomendações ao Brasil! O movimento feminista, acompanhando o caso, iniciou um trabalho de elabo-
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ração dessa possível e futura Lei Federal. Pretensiosas e esperançosas, bravas mulheres, como, Silvia Pimentel, Leila Linhares, Valéria Pandjiarjian, Rosane Lavigne, Miriam Ventura, Ella Wiecko, Myllena Calasans, Iáris Ramalho, entre outras, colaboraram na elaboração dessa Lei. Outras integrantes da Themis, Advocacy, CLADEM, Cepia e Agende também colaboraram, e outras tantas foram fundamentais, como a Ministra Nilcéa Freire, que recebeu nosso documento em formato de Projeto de Lei e fez os devidos encaminhamentos. Destaco também Jandira Feghali, à época Deputada Federal, e que promoveu as audiências públicas nas capitais do Brasil sobre o tema, trabalhando no Projeto de Lei, encaminhado pela Secretaria de Políticas para as Mulheres. Mas intimamente o que mais me motivou a lutar pela Lei, foram as mulheres atendidas na advocacia feminista da Themis, nas palestras e oficinas realizadas, nas audiências de juizados especiais criminais ou em varas de família. Posso dizer que em especial, pelo aprendizado com as Promotoras Legais Populares. As PLPs, que inicialmente despertaram em mim um misto de dúvida e confiança, e que com o tempo, se tornaram a minha grande esperança de um mundo melhor. Assim como aprendi com os movimentos feministas e de mulheres negras, com as cidadãs positivas, com as Jovens Multiplicadoras de Cidadania – JMC´s e com as Mulheres da Paz!!! Tantas mulheres que me relataram as mais diversas formas de violências sofridas. Vidas perdidas ao longo da caminhada! Vidas sem amor! Vidas com muita dor! Enfim, como dizia, valeu à pena! Os argumentos dos Ministros me deixaram feliz! Foi um dia de vitória e por coincidência, ou não, eu estava em Brasília e pude comemorar com a Secretaria de Políticas para as Mulheres, com a então Ministra Iriny Lopes, com ApareCida Gonçalves, Regina Adami, Ana Paula Gonçalves, Ane Cruz e outras que estiveram envolvidas desde que o Consórcio de ONGs, apresentou a modelo de projeto de lei, até sua aprovação enquanto Lei Maria da Penha. Outra batalha vencida! Agora seguimos buscando juntas uma nova cultura jurídica e social para a definitiva implementação da Lei! O Ministro Dias Toffoli lembrou da desigualdade histórica da mulher em relação ao homem citando desigualdades na própria justiça. “Tanto que, até 1830, o direito penal brasileiro chegava a permitir ao marido matar a mulher, quando a encontrasse em flagrante adultério.” Entretanto por uma questão cultural, até meados de 1970, talvez um
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pouco mais, os homens ainda eram absolvidos sob o argumento da “legítima defesa da honra”, conforme construção jurisprudencial, quando o homem alegava ter matado por adultério, mesmo que não em flagrante. Construção jurisprudencial absolutamente machista e desigual, sem a menor equivalência ao menos jurídico-penal, entre honra e direto à vida! Felizmente, conforme assegurou o Ministro Toffolli, o direito brasileiro vem evoluindo e encontrou seu ápice na Constituição de 1988, que assegurou em seu texto a igualdade entre homem e mulher. Igualdade entre homens e mulheres é uma realidade jurídica que precisamos alcançar em todos os países que fazem parte do sistema interamericano, em especial, latino-americanos e caribenhos. Participando do Cladem Regional foi possível observar a impunidade em índices mais perversos que os nossos, nos países da região. Na Guatemala, casos de femicídio5, em sua maioria, sequer contam com inquéritos policiais. Não são formalizados ou encaminhados ao Judiciário. A impunidade é absurda e a morte de uma mulher nessas circunstâncias é banalizada e naturalizada. No Brasil em casos de femicídio (mesmo que não tenha essa nomenclatura tipificada, chamando-se de homicídio) é realizado um inquérito policial, ocorrendo a investigação criminal e posterior denúncia do Ministério Público ao juiz, ou seja, na maioria das vezes o procedimento chega ao Tribunal do Juri, mesmo que o réu seja absolvido ou o crime acabe prescrito. Ao menos se exige um rito processual e julgamento. Na Guatemala não há sequer o indiciamento na maioria dos casos. Situações semelhantes se encontram em Honduras, El Salvador e até no México. As mulheres que vivem em regiões como as citadas, não crêem no valor de suas próprias vidas! São submissas por sobrevivência! Nesse sentido votou a ministra Carmen Lúcia, lembrando que o “Direito não combate preconceito, mas sua manifestação”. “Mesmo contra nós há preconceito”, observou ela, referindo-se, além dela, à ministra Ellen Gracie e à vice-procuradora-geral da República, Deborah Duprat. Importante referir essa citação da Ministra, pois em graus diferenciados, as violações de direitos em relação às mulheres acabam se manifestando. Importante mencionar nesse sentido, que a decisão da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, relacionada à Lei Maria da Penha, colabora com medidas preventivas e punitivas para todos os países do 5 Quando os homens assassinam mulheres devido a violência de gênero e cultura patriarcal.
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Sistema Interamericano, em maior ou menor medida. É valorada como jurisprudência internacional, em especial para os países que ratificaram as Convenções. A dignidade humana é valor imperativo e fundamento da nossa Constituição Federal. Para além da Lei Maria da Penha, contamos com a Constituição Federal e com a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher e com a Convenção Interamericana pela Eliminação de todas as Formas de Discriminação Contra a Mulher, estando o Estado, portanto, obrigado a agir com zelo na prevenção e punição da violência contra mulher. A Comissão Interamericana de Direitos Humanos recomendou ao Brasil medidas nesse sentido, justamente por ter negligenciado no caso de violência doméstica com tentativa de homicídio denunciado por Maria da Penha Fernandes (entre tantos outros). O caso permaneceu impune e sem julgamento definitivo por mais de 12 anos no Brasil. Com base nas Recomendações da CIDH, foram realizadas capacitações em relação à violência doméstica e familiar contra a mulher para policiais civis e militares, mas também junto a vários profissionais da área do direito. Da mesma forma a CIDH recomendou uma legislação específica. Criamos e aprovamos a Lei Maria da Penha e agora buscamos sua efetiva implementação, seja junto ao Observe, como em ações pontuais em diversos Estados brasileiros. Apresento dados do Conselho Nacional de Justiça junto aos juizados e varas especializadas nos processos de violência doméstica contra a mulher. Tal levantamento revelou um crescimento de 106,7% no número de procedimentos instaurados, com base na Lei Maria da Penha, no período de julho de 2010 a dezembro de 2011. Desde a sanção da Lei Maria da Penha (Lei 11.340) – em 2006 – até dezembro de 2011 foram instaurados 685.905 processos nos Estados. Outra informação importante é que 408 mil desses procedimentos foram julgados e encerrados. O número de prisões em flagrante e de prisões preventivas decretadas foi ainda maior. A apuração do CNJ mostra que, entre os tipos de procedimentos, as prisões em flagrante aumentaram 171%, alcançando 26.416 em dezembro de 2011. Já as decretações de prisões preventivas chegaram a 4.146, tendo sido ampliadas em 162%. A região Sudeste foi a que registrou maior número de procedimentos (250 mil), seguida da região Sul (110 mil). Quanto aos proces-
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sos julgados e encerrados, o Sudeste também liderou as ocorrências (130 mil), à frente do Centro-Oeste (90 mil). Dentre os estados, o destaque em termos de aplicação da lei tem sido o Rio de Janeiro, com 157.430 procedimentos instaurados. Em segundo lugar vem o Rio Grande do Sul, onde foram abertos 81.197 procedimentos, destacando-se nesse Estado o importante trabalho de coleta de dados do Ministério Público Estadual. Também figuram na lista das unidades da Federação com maior aplicação da Lei Maria da Penha: Minas Gerais (com 64.034 procedimentos), Paraná (26.105) e Espírito Santo (21.505). Não é por acaso que nesses Estados contamos com Defensorias Públicas mais estruturadas e organizadas. Precisamos de mais defensores públicos para assegurar o acesso à justiça. Precisamos de mais policiais civis para realização dos inquéritos policiais. Precisamos políticas públicas específicas que contribuam na prevenção da violência doméstica e familiar contra a mulher. Sim, precisamos meios de assegurar os direitos adquiridos, e embora na prática ainda soframos violações, também devemos reconhecer que conquistamos muitos direitos, inclusive na mais alta Corte do nosso país! E rapidamente trazendo dados sobre o julgamento da ADI 44246, o Supremo Tribunal Federal reconheceu que nos crimes de lesões corporais leves a ação penal é pública incondicionada, quando aplicável a Lei Maria da Penha (violência doméstica). O que significa que o Ministério Público poderá dar início à ação penal pública mesmo sem representação da vítima.7 A ação direta de inconstitucionalidade (ADI 4424) ajuizada pelo procurador-geral da República, Roberto Gurgel sobre a aplicação de dispositivos da Lei Maria da Penha, questionava a aplicação de dispositivos da Lei 9.099/95 após a edição da Lei Maria da Penha de 2006. Concluindo, não resta dúvida que ações afirmativas são absolutamente necessárias para construirmos um mundo mais igualitário! A Lei Maria da Penha e a decisão do Supremo Tribunal Federal reafirmam
6 http://www.jb.com.br/sociedade-aberta/noticias/2012/04/15/adi-4424-decisao-do-stf-sobre-lei-maria-dapenha-deve-ter-eficacia-ex-nunc/
7 http://mpf.jusbrasil.com.br/noticias/3018354/adi-sobre-lei-maria-da-penha-e-julgada-procedente-pelo-stf
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essa conclusão. Parabéns a todas as mulheres que de uma forma ou de outra, contribuíram para essa conquista histórica! Parabéns ao Consórcio de ONGs, ao Observe, ao NEIM - Universidade Federal da Bahia e a Secretaria de Políticas para as Mulheres, que estão possibilitando contarmos essa história!
Referências: CRUZ, Rubia Abs da; PASINI, Elisiane, AZEVEDO, Ielena. Nominando o Inominável: Violência contra a mulher e o Poder Judiciário. Porto Alegre: Editora Themis, 2008. CEDAW - Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, 2003. CRUZ, Rubia Abs da. Advocacy Feminista e a Lei Maria da Penha. In: WOLF, Cristina Scheibe; FÁVERI, Marlene de; RAMOS, Tânia Regina Oliveira (Org.). Leituras em rede gênero e preconceito. Florianópolis: Editora Mulheres, 2007. LEI MARIA DA PENHA – Lei Federal 11.340/06. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/_Ato2004-2006/2006/Lei/L11340.htm h t t p : / / w w w. s t f . j u s . b r / p o r t a l / c m s / v e r N o t i c i a D e t a l h e . asp?idConteudo=199845 http://www.agenciapatriciagalvao.org.br/index.php?option=com_content &view=article&id=2693&catid=43 http://stf.jusbrasil.com.br/noticias/3016738/adc-19-stf-declara-a-constitucionalidade-de-dispositivos-da-lei-maria-da-penha http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/19156-procedimentos-instaurados-pelalei-maria-da-penha-cresceram-mais-de-100 http://www.observatoriodegenero.gov.br/menu/noticias/brasil-tem-maisde-150-mil-processos-referentes-a-violencia-contra-mulher http://www.jb.com.br/sociedade-aberta/noticias/2012/04/15/adi-4424-decisao-do-stf-sobre-lei-maria-da-penha-deve-ter-eficacia-ex-nunc/
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2. Femicídio: um tema para debate (UM RAIO X DOS FEMICÍDIOS NOS CINCO ANOS DA LEI N° 11.340/06)
Secretaria da Segurança Pública/RS8 Resumo: O artigo foi elaborado pela SSP/RS a partir da análise dos relatos dos crimes praticados no Estado, durante os cinco anos da Lei nº 11.340/06 – “Lei Maria da Penha”. Além disso, consolida-se como uma das formas de estimular o debate e o enfrentamento à violência doméstica e familiar contra as mulheres. Embora seja possível verificar uma evolução no combate à violência de gênero, ainda assim é necessário ampliar as medidas de prevenção e a construção de políticas públicas capazes de promover a integração da rede de órgãos e instituições responsáveis.
“Femicídio: um tema para debate” A Secretaria de Segurança Pública do Rio Grande do Sul, a partir de 2011, colocou o enfrentamento à violência doméstica e familiar na pauta de suas principais ações. Nesse sentido, elaborou pesquisa para diagnosticar e analisar os crimes rotulados na Lei Maria da Penha e apontar os principais problemas dos quais as mulheres são vítimas. O resultado desse trabalho é o estudo “Femicídio: um tema para debate”, que apresenta um raio X dos femicídios nos cinco anos de aplicação da referida Lei, permitindo a construção de ações mais eficazes no combate a esse tipo de crime. O estudo identificou que 50,4% dos femicídios têm como autor o atual marido ou companheiro; 25,5% são cometidos por ex-companheiros ou ex-maridos, e que, em 83,48% dos casos, o assassinato ocorre na residência da própria vítima. O estudo apontou que em 41,7% desses casos, já havia registros de outros delitos que antecederam o homicídio, do que se conclui ser esse um crime anunciado. Detectou-
8 Gabinete do Secretário - Airton Michels - Fórum Pró-equidade de Gênero e Raça/Etnia - Adélia Rosaura Porto, Jaqueline dos Santos, Luís Fernando Linch, Thaís da Rosa Alves, Leonardo de Miranda Pinheiro
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se, também, que, a cada 10 mulheres assassinadas, 6 possuíam filhos. A análise dos femicídios, bem como das circunstâncias de como ocorreram, impõe especial atenção da Segurança Pública no combate à violência doméstica e o aprimoramento da atuação policial na prevenção e investigação desses crimes, bem como da efetiva transversalidade e integração dessa atuação com todo o sistema de justiça. Além disso, em face de sua complexidade, é também uma responsabilidade de toda a sociedade e das demais áreas de Estado e necessita de investimentos em políticas sociais, econômicas, científicas e culturais. Nesse contexto, esta Secretaria cumpre o seu dever de elaborar e aprofundar os estudos e estatísticas sobre violência doméstica e colocá-los à disposição de ONGS, universidades e órgãos públicos, para que o governo e a sociedade trabalhem juntos no enfrentamento a este fenômeno. E mais, a partir desses estudos, planeja suas ações, construindo projetos no âmbito de sua competência institucional, ampliando o número de delegacias especializadas nos municípios com maiores índices de violência, integrando seu banco de dados ao do Poder Judiciário, no que tange às medidas protetivas de urgência, capacitando e sensibilizando policiais civis, militares e peritos. Na Brigada Militar foi implementa da a Patrulha Maria da Penha, que é responsável pelo acompanhamento e fiscalização das medidas protetivas de urgência. Esse projeto, inédito no Brasil, foi proposto com fundamento na pesquisa aqui apresentada e tem a finalidade de impedir a continuidade do ciclo da violência e da morte anunciada pelas ocorrências de agressões anteriores. Isto porque o femicídio, na sua ampla maioria, inicia com ameaças, lesão corporal, maus tratos. É o derradeiro de uma série de outros crimes. A Patrulha aqui referida acompanhará, em ações conjuntas com as Delegacias Especializadas, as medidas protetivas solicitadas e que, em caso de descumprimento, possam colocar em risco a integridade e segurança da vítima. Com rondas e visitas periódicas na residência da vítima e também onde estiver o agressor, prestará informações, disponibilizará contatos, dialogando e orientando as partes. Dessas visitas, será elaborado relatório a fim de melhor instruir o inquérito policial e o processo judicial. O diferencial desse projeto, que iniciará nos Territórios de Paz de Porto Alegre, é a presença do Estado, pela atuação da Polícia Militar, junto às mulheres em situação de violência, com o intuito de garantir a sua segurança e evitar a continuidade dos crimes praticados contra
Relatório Lilás
23
elas. A violência doméstica atinge não só as mulheres, mas também seus filhos e a sociedade. É reprodutora das violações de direitos humanos e multiplicadora das estatísticas criminais. Combatê-la com a proposição de novas atitudes e ações eficazes resultará em melhoria nos índices de segurança pública para todo o estado do Rio Grande do Sul.
1. Objetivo A violência contra a mulher é um crime aos direitos humanos e representa uma grave adversidade em nossa sociedade atual. A Declaração Universal dos Direitos Humanos assegura, segundo o artigo I, que: Todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotadas de razão e consciência e devem agir em relação umas às outras com espírito de fraternidade.
Seguido do artigo II: Toda pessoa tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades estabelecidos nesta Declaração, sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição.
Neste contexto, a pesquisa cumpre o dever de investigar, informar e manter atualizado o debate em torno dos dados mais recentes sobre a violência de gênero, pois origina-se diretamente dos bancos de dados da Secretaria de Segurança Pública, os quais contêm as narrativas mais atuais sobre o fenômeno no Estado. Com o propósito de promover o enfrentamento da violência de gênero e a interrupção do ciclo de crimes, bem como pretende trazer a tona o detalhamento das informações em relação aos “femicídios”9. Desta forma, auxiliar no processo de análise, planejamento e tomada de decisão por parte das organizações pú-
9 O termo femicídio foi utilizado para identificar as mortes de mulheres com recorte de gênero, pela condição de ser mulher, registradas nos órgãos de segurança do Estado enquadrados na “Lei Maria da Penha” - Lei 11.340/06.
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Relatório Lilás
blicas e privadas, pesquisadores e toda a rede de órgãos e instituições responsáveis pelo enfrentamento da violência contra a mulher.
2. Metodologia Os dados foram extraídos através do chamado “Sistema Consultas Integradas”, da Secretaria da Segurança Pública do Estado, o qual funciona como mecanismo de acesso integrado as informações contidas nos bancos de dados. Em razão do grande volume de informações e da limitação natural de pesquisadores, foram estudas apenas as mortes consumadas durante os cinco anos da Lei Maria da Penha no Rio Grande do Sul, no período de agosto de 2006 a agosto de 2011. A pesquisa foi estruturada a partir de um cronograma : a extração dos dados, leitura das narrativas, separação dos casos com vítimas mulheres, inserção nos bancos de dados, cruzamento e análise das informações. Por conseguinte, o trabalho identificou outras possíveis áreas de pesquisa relacionadas ao tema, as quais poderão ser objeto de estudo no futuro, como: a mulher vítima de femicídio e o suicídio do autor; a mulher rural vítima de femicídio; a mulher vítima de estupro e femicídio; a mulher vítima de femicídio e seus filhos menores de idade. Devido à grande quantidade de informações, optou-se por organizá-las em três bancos de dados, estruturados da seguinte maneira: banco de dados do fato, contendo a data do fato, dia do femicídio, dia da semana, mês, turno, município, bairro, tipo de logradouro, endereço, local da ocorrência, instrumento/arma utilizado, presença de drogas e outras. O banco de dados da vítima contém informações como: o número de vítimas, idade, etnia/raça, profissão da vítima, escolaridade, vínculo entre a vítima e o autor, se há filhos com o agressor, faixa etária dos filhos, os crimes praticados pelo autor e por outros agressores em relação à vítima e em relação a outras mulheres, as agressões mais frequentes, a última agressão registrada e observações. E, finalmente, um banco de dados do autor, onde se cadastra as informações referentes ao sexo do agressor, a sua idade, etnia/raça, profissão, escolaridade, a quantidade e o tipo de antecedentes contra a vítima e outras vítimas, a situação criminal do autor (em liberdade, recolhido, foragido, morto ou desaparecido), decorridos 30 dias do assassinato, se houve suicídio do autor e observações.
Relatório Lilás
25
3. Resultados obtidos 3.1. A relação da vítima com o assassino (a) Ao analisar a relação existente entre a vítima e o assassino, foi possível observar que ex-maridos e ex-companheiros representam 25,5% dos criminosos, enquanto familiares totalizam 15%. Juntos, os maridos e companheiros atuais representam 50,4% ou a metade dos assassinos. Segundo Cardoso (1996), em quase todas as agressões domésticas, o marido ou companheiro foi o responsável pela agressão. Padrasto / Madastra - 0,95% Amante - 0,95% Tio(a) / Sobrinho(a) - 0,63%
Cunhado(a) - 1,26% (ex)Genro / Nora - 1,58% Irmão(ã) - 2,21% Pai / Mãe - 3,47% Ex-Namorado(a) 3,79%
Ex-Namorada(a) 4,10%
Filho(a) 5,00%
Marido Companheira(a) 50,47%
Ex-Marido Ex-Companheiro(a) 25,55%
Fonte: SPI/Procergs - Extração em: 03/01/2012
3.2. Local do fato A pesquisa em torno do local do crime apontou que em 83,48% dos casos, o assassinato ocorre na residência da própria vítima. Um indicativo semelhante ao que é encontrado na literatura (Giffen, 1994;
26
Relatório Lilás
Soares et al., 1996). Este fato acontece, em razão do local, o crime é praticado de forma encoberta e normalmente sem interrupções de outras pessoas, sob a privacidade da casa. Isto reforça a ocorrência da violência contra a mulher no espaço doméstico e familiar, no “espaço da mulher”, local em que as relações de desigualdade de gênero são naturalizadas e reproduzidas. Residência de terceiras 4 - 1,47% Interior de automóvel 2 - 0,74%
Outros 4 - 1,47% Estabelecimento Comercial 9 - 3,31%
Via pública 26 9,56%
Residência 227 83,46%
Fonte: SPI/Procergs - Extração em: 03/01/2012
3.3. Instrumento/arma utilizada
Relatório Lilás
27
O emprego de instrumentos para cometer o crime é muito representativo. Em 85% dos femicídios as mulheres foram executadas com o auxílio de armas, sendo a arma de fogo é o meio mais utilizado. Estatisticamente, arma de fogo corresponde a 47% dos instrumentos, seguidos da arma branca, que corresponde a 38%, o que mostra a necessidade de incluirmos o tema da arma de fogo no debate sobre a violência doméstica. (ALVIN, 2006).
Instrumento/ Arma
Frequência
%
Arma de fogo
131
47
Arma branca
106
38
Força física
20
7,2
Ferramentas*
7
2,6
Fogo
6
2,2
Pedra/Madeira
5
1,18
Envenenamento/ Medicamento
3
1,1
Atropelamento
1
0,4
3.4. Motivo do femicídio O motivo mais frequente do femicídio é o divórcio/separação, correspondendo a 51% das ocorrências ou mais da metade dos casos analisados. Em seguida encontram-se discussões/brigas, com 41% e em terceiro lugar, o ciúmes/traição com 5% das situações. De acordo com Romio (2010), os motivos do femicídio configuram-se como conflitos entre parceiros afetivo-sexuais, que é ocasionado por razões que vão desde recusa da mulher em reatar o relacionamento à situações de vingança, por conta de separação ou ciúmes.
28
Relatório Lilás
Calúnia - 1 0,93%
Doença/Depressão - 2 1,85% Ciúmes/Traição - 6 5,56%
Divórcio/Separação - 55 50,93%
Discussão/Briga - 44 40,74%
Fonte: SPI/Procergs - Extração em: 03/01/2012
3.5. Quantidade de antecedentes registrados com o mesmo autor Analisadas as situações de 326 mulheres mortas, descobriu-se que 190 ou 58,3% delas não apresentavam registro contra o futuro assassino e 136 ou 41,7% já haviam reportado situações de violência contra ele. Contudo o que mais chama a atenção é que destes 136 casos, 56 mulheres (41,18%), já haviam registrado, no mínimo, uma ocorrência
Relatório Lilás
29
contra o assassino. Outras 31 vítimas (22,79%) haviam reportado duas ocorrências com o mesmo autor. As vítimas que sofreram três agressões representaram 16,9% ou 1/6 dos casos. Ressalta-se ainda o alto índice de mulheres que reportaram de 4 a 15 agressões. Índice que chegou a 19,14% das vítimas.
8
3; 2,21%
1; 0,74%
7 1; 0,74%
10 1; 0,74%
15 56; 41,18%
5; 3,68% 5; 3,68%
5
10; 7,35%
6
4
23; 16,91%
1
3
2
31; 22,79%
Segundo Carmo e Moura (2010), a vítima possui uma relação com o agressor de dependência, que pode ser financeira ou emocional, o que a faz viver em uma situação de violência constante. Levando-se em consideração o contexto ao qual a mulher se encontra, o funcionamento da violência doméstica é um sistema circular.
30
Relatório Lilás
3.6. Crimes registrados pelas vítimas em relação ao autor do femicídio. Através da análise dos dados, foi possível descobrir quais crimes antecedem os assassinatos. Ameaças e lesões corporais estão presentes em 82,5% dos casos. E neste sentido é necessário destacar as duas tentativas de homicídio as quais, apesar de não chamarem a atenção percentualmente são significativas, pois já anunciavam o crime gravíssimo que seria praticado.
Crime
Frequência
%
Ameaça
141
41,7
Lesão Corporal
138
40,8
Outros crimes*
24
7,1
Vias de fato
13
3,8
Dano
5
1,5
Estupro
4
1,2
Incêndio
4
1,2
Desobediência
2
0,6
Difamação/Injúria
2
0,6
Homicídio tentado
2
0,6
Maus tratos
2
0,6
Abandono Material
1
0,3
Fonte: SPI/Procergs - Extração em 03/01/2012 * Violação de domícilo, perturbação da tranquilidade, crimes contra a liberdade individual, crimes contra a administração pública, outros furtos, outros crimes.
3.7. Tempo decorrido entre o último registro de violência e o assassinato Uma descoberta extremamente significativa foi que, 6,7% dos assassinatos ocorreram no período de 24 horas depois do último registro. Ademais, dentro do primeiro mês, (considerando-se os dados do mesmo dia) este índice chegou a 33% ou 1/3 dos crimes. Também cha-
Relatório Lilás
31
ma a atenção o fato de a metade das mulheres (49,6%), foram assassinadas até 3 meses depois de comunicar a agressão. Ao analisar o período de até um ano, esses casos chegam a 76% ou ¾ dos casos.
Tempo
Frenquência
%
No mesmo dia
9
6,7
1 mês
36
26,7
2 meses
13
9,6
3 meses
9
6,7
4 meses
8
5,9
5 meses
6
4,4
6 meses
2
1,5
7 meses
7
5,2
9
6,7
1
0,7
8 meses 9 meses 10 meses 11 meses 1 ano
3
2,2
2 anos
10
7,4
3 anos
8
5,9
4 anos
3
2,2
5 anos
7
5,2
mais de 5 anos
4
3
Total
135
100
3.8. Quantidade de crimes reportados pela vítima em relação a outro(s) agressor(es). Das vítimas que registraram violência doméstica contra outro autor, 16% delas já haviam sofrido de 4 a 8 agressões prévias e 43% das vítimas possuíam mais de 2 agressões. Isso reforça vários estudos que demonstram a existência de uma espécie de “ciclo de violência” no qual a mulher está inserida antes de ser morta.
32
Relatório Lilás
1,75%
1,75% 1,75% 5,26% 5,26%
5
6 7 8
4 47,37%
17,54%
1
3
2 19,30%
3.9. Tipos de crimes sofrido com outro(s) agressor(es). Analisando o histórico das vítimas e aprofundando-se o tipo de agressão sofrida anteriormente, verificou-se que a ameaça e a lesão corporal são os crimes mais praticados contra estas mulheres, embora tenhamos situações graves como maus tratos e tentativas de homicídios. Crime
Frequência
%
Ameaça
54
42,5
Lesão Corporal
54
42,5
Outros crimes
9
7,1
Vias de fato
4
3,1
Dano
3
2,4
Calúnia
1
0,8
Homicídio
1
0,8
Maus Tratos
1
0,8
Total
127
100
Relatório Lilás
33
3.10. Quantidade de crimes praticados pelo autor do homicídio contra outras mulheres anteriormente. Uma importante descoberta foi a de que os autores dos homicídios já costumavam agredir outras mulheres com que conviviam. Mas estas vítimas anteriores, por assim dizer, conseguiram romper o ciclo de violência e escaparam do possível homicídio.
11
10 1,32% 3,95% 1 2,63% 3 2 7,89% 6
4
1,32% 1
8 59,21%
3
23,68% 18
2
45
1
Das outras vítimas que denunciaram violência praticada pelo assassino, cerca de 9% já haviam comunicado de 4 a 11 agressões prévias e 41% delas possuíam mais de 2 agressões. 3.11. Tipos de crimes praticados pelo autor do homicídio contra outras mulheres anteriormente. Verificou-se que em 152 casos o autor do femicídio já tinha agredido outras mulheres anteriormente, e os crimes mais frequentes são a ameaça e a lesão. Este dado é relevante, pois indica que a violência
34
Relatório Lilás
contra a mulher é ainda maior do que se pode perceber e grande parte dela está oculta, transmitindo aos agressores uma falsa sensação de poder e impunidade, que vai se estendendo através das suas relações e acaba de forma trágica no assassinato.
Crime
Frequência
%
Ameaça
77
50,7
Lesão corporal
50
32,9
Outros crimes*
7
4,6
Vias de fato
6
3,9
Abandono Material
2
1,3
Corrupção de menor
2
1,3
Dano
2
1,3
Maus Tratos
2
1,3
Estupro
2
1,3
Difamação/Injúria
1
0,7
Homicídio tentado
1
0,7
Total
152
100%
3.12. Faixa etária da vítima e do autor do homicídio Identificou-se que para cada 10 mulheres assassinadas, três delas morreram com idade entre 18 e 27 anos. Além disso, as vítimas com idade entre 28 e 37 anos correspondem a 25% ou ¼ dos casos. Em relação aos autores, 1/3 deles tem idade entre 28 e 37 anos. Na maioria dos relacionamentos a vítima é mais nova. Além disso, verificou-se que 54,5% das meninas com idade entre 0 e 11 anos foram assassinadas por autores com idade entre 18 a 27 anos.
Relatório Lilás
35
Faixa etária Vítima
de 0 a 11 anos de 12 a 17 anos de 18 a 27 anos de 28 a 37 anos de 38 a 47 anos de 48 a 59 anos mais de 60 anos
Faixa etária do autor
de 12 a 17 anos
de 18 a 27 anos
de 28 a 37 anos
de 38 a 47 anos
de 48 a 59 anos
mais de 60 anos
quantidade
0
6
1
2
0
2
% do total
0
1,9
0,3
0,6
0
0,6
quantidade
0
7
4
2
0
0
% do total
0
2,2
1,3
0,6
0
0
quantidade
4
20
30
18
16
3
% do total
1,3
6,4
9,6
5,8
5,1
1
quantidade
0
14
26
23
13
3
% do total
0
4,5
8,3
7,4
4,2
1
quantidade
1
9
16
24
13
4
% do total
0,3
2,9
5,1
7,7
4,2
1,3
quantidade
0
6
9
7
4
3
% do total
0
1,9
2,9
2,2
1,3
1
quantidade
0
6
5
1
6
4
% do total
0
1,9
1,6
0,3
1,9
1,3
Total
5
68
91
77
52
19
% total
1,60
21,80
29,20
24,70
16,70
6,10
3.13. Status do autor até 30 dias do femicídio É possível notar que, em 31% ou pouco menos de 1/3 dos casos os autores estavam respondendo o processo em liberdade. Um pequeno grupo (4%) estava foragido ou procurado. Outros 19% cometeram suicídio após o femicídio e praticamente a metade (46%) estava recolhida na prisão.
36
Relatório Lilás
31%
142 Recolhido
98 Em liberdade
46%
1%
4 Foragido
19%
3%
58 Morto
9 Procurado
Os dados evidenciam que no Estado do Rio Grande do Sul o índice de autores que são presos, logo após a prática do femicídio, chega a praticamente metade dos casos. Enquanto foragidos e procurados representam 4% deles. 3.14. Se a vítima possui filhos com o autor e a idade dos mesmos. Descobriu-se que a cada 10 mulheres assassinadas, seis possuíam filhos com o autor do crime. Contudo, o mais significativo é que do total de filhos, 62% são crianças: possuem até 10 anos de idade. Se considerar os filhos de até 15 anos, chega-se ao percentual de 87%. 2 De 30 a 45 anos
2 De 21 a 25 anos 8 De 16 a 20 anos
9%
2 2 % %
4 Menos de 1 ano 4% 20 De 1 a 5 anos 24%
21 De 11 a 15 anos
25%
33% 28 De 6 a 10 anos
Relatório Lilás
37
Esta descoberta é de suma importância, pois que demonstra a necessidade de políticas públicas diferenciadas, no sentido de manter as crianças amparadas depois que a mãe é assassinada e o pai é preso. Elas são vítimas invisíveis do femicídio. Verdadeiros órfãos da violência! 3.16. A escolaridade da vítima e do autor10 Através do cruzamento da escolaridade da vítima e do autor, verifica-se que há uma grande concentração em torno dos que possuem ensino fundamental, representando 77,2%, para os autores e 72,2% para as vítimas. Observa-se também que as vítimas possuem maior escolaridade que o agressor. Isso fica evidenciado através do cruzamento entre o ensino médio com o fundamental e o superior com o fundamental com 15,8% e 2,5%, respectivamente. Escolaridade da vítima
Escolarida- Não-alfabede do autor tizado (a)
Não-alfabe- Quantidade tizado (a) % do total Semi-alfabetizado (a)
Semi-alfaEnsino funbetizado damental (a)
Ensino médio
Ensino superior
Total
0
0
2
1
0
3
0
0
1,30%
0,60%
0
1,90%
Quantidade
0
1
4
2
1
8
% do total
0
0,6%
2,50%
1,30%
0,60%
5,10%
Ensino fun- Quantidade damental % do total
6
10
87
11
0
114
3,80%
6,30%
55,10%
7%
0
72,20%
Ensino médio
Quantidade
0
1
25
3
0
29
% do total
0
0,6%
15,80%
1,90%
0
18,40%
Ensino superior
Quantidade
0
0
4
0
0
4
% do total
0
0
2,50%
0
0
2,50%
Quantidade
6
12
122
17
1
158
% do total
3,80%
7,60%
77,20%
10,8
0,60%
100%
Total
10 O número final de indivíduos, no primeiro quadro, está menor que nas tabelas individuais, pois trata-se de um cruzamento e neste optamos por não considerar os dados sem informação. O cruzamento para se tornar válido deve possuir as duas variáveis. Isto é, tanto à vítima quanto o autor precisavam ter a escolaridade informada.
38
Relatório Lilás
Vítima
Frequência
%
Autor
Frequência
%
Não-alfabetizado (a)
16
7,3
Não-alfabetizado (a)
28
12,6
Ensino fundamental
156
71,6
Ensino fundamental
171
77,4
Ensino médio
37
17
Ensino médio
21
9,5
Ensino superior
9
4,1
Ensino superior
1
0,5
Total
218
100
Total
221
100
3.17. Etnia11 da vítima e do autor O cruzamento entre a etnia da vítima e do autor indicou que não há diferenças significativas entre as frequências observadas, bem como não se observou discrepância entre a etnia das partes e a composição étnica estadual, apontada pelo IBGE. Etnia da vítima
Frequência
%
Etnia da autor
Frequência
%
Branca
285
88,2
Branca
262
84,2
Negra
36
11,1
Negra
49
15,8
Asiática/ Oriental
2
0,6
Asiática/ Oriental
0
0
Indígina
0
0
Indígina
0
0
Total
323
100
Total
311
100
11 Etnia/raça: enquadrou-se em quatro tipologias os indivíduos: branco, negro (cor preta, parda, mulata e albina), asiático/oriental e indígena, a partir de uma análise sociológica. Partimos dos dados registrados na confecção da identidade dos participantes informados ao IGP/DI (Instituto Geral de Perícia), no qual é retirada esta informação através da certidão de nascimento e/ou da certidão de casamento; e, quando não encontrada, é realizada por auto-declaração. Assim, ao cadastrar uma ocorrência o servidor tem acesso aos dados cadastrais do participante. (Lei 10.639/2003; Lei 11.340/2006, art.8º, V, VIII e IX; e, Lei 12.288/2010, art. 1º, IV).
Relatório Lilás
39
No caso dos femicídios, a grande maioria das vítimas pertencentes à etnia branca com 88,2% e a etnia negra com 11,1%. Isto também reforça estudos anteriores os quais indicam que, ao contrário do senso comum, a violência doméstica não está associada com classe social, escolaridade ou etnia, tanto da vítima como do agressor. (FONSECA; LUCAS, 2006)
Referências ALVIN, Filipa. Mulheres (In)visíveis: Relatório da Campanha Acabar com a Violência Sobre as Mulheres. Lisboa, 2006 ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO RS. COMISSÃO DE CIDADANIA E DIREITOS HUMANOS. Lei Maria da Penha. 2010 CARDOSO, N. M. B., Mulheres em situação de violência conjugal: incidência, conceitos, fatores associados e conseqüências da violência. Revista Barbarói, 4/5:69-80. 1996. CARMO, P. C. C. S.; MOURA, F. G. A. Violência doméstica: a difícil decisão de romper ou não com esse círculo. Fazendo Gênero 9: Diásporas, diversidade, deslocamento. 23 a 26 de agosto, 2010. COORDENADORIA DA MULHER/RS. Cartilha Violência contra a mulher. Fique alerta para os sinais e denuncie. 2009. CFEMEA. Centro Feminista de Estudos e Assessoria Lei Maria da Penha: do papel para a vida. Brasília, 2007 FONSECA, P. M.; LUCAS, T. N. S. Violência contra a mulher e suas consequências psicológicas. Trabalho de conclusão do curso de Psicologia. Fundação Bahiana Para o Desenvolvimento das Ciências. Salvador, 2006. GIFFEN, Karen. Violência de gênero, sexualidade e saúde. Cadernos de Saúde Pública, 10:146-155.
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3. Secretaria de Políticas para as Mulheres do RS e o Programa RS Lilás: Autonomia para as Mulheres Gaúchas Resumo: Este texto irá trazer um levantamento das políticas públicas de gênero implementadas pelo Governo do Estado do RS a partir da criação da Secretaria de Políticas para as Mulheres Márcia Santana12 O dia 1º de janeiro de 2011 tornou-se um marco histórico na conjuntura do Brasil e do Rio Grande do Sul. Milhões de brasileiras e de brasileiros assistiram à posse da primeira mulher a liderar o país. Desde então, a presidenta Dilma Rousseff vem abrindo frentes e possibilitando novos caminhos para fortalecer a histórica luta feminista pela afirmação dos direitos humanos das mulheres e das meninas, dando seguimento através da Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República (SPM Nacional) à institucionalização das políticas para mulheres no país. O Brasil disse sim à continuidade de um projeto de desenvolvimento socioeconômico democrático, com um olhar mais voltado à equidade de gênero, mais cuidadoso e afirmativo no enfrentamento das desigualdades no país. O Rio Grande do Sul compreendeu a necessidade do alinhamento com o Governo Federal ao eleger Tarso Genro, gestor que reconhece a importância do empoderamento das mulheres na elaboração, articulação e execução de políticas públicas voltadas para a sociedade gaúcha. Ele criou a primeira Secretaria de Políticas para as Mulheres do Governo do Estado do Rio Grande do Sul, através da Lei nº. 13.601 de 1º de janeiro de 2011. A criação da Secretaria de Políticas para as Mulheres do RS (SPM/
12 Márcia Santana foi a primeira Secretária de Estado da SPM/RS. Assistente social, foi diretora da Fundação de Proteção Especial do Estado do RS; presidenta da Associação de Mulheres Viamonenses Mariá; sócia-fundadora do Movimento pelo fim da Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes do RS; secretária-executiva da Rede Nacional de Frentes Parlamentares em Defesa da Infância no Brasil; e, no Congresso Nacional, foi assessora técnica da Comissão Parlamentar de Investigação da Exploração Sexual de Mulheres, Crianças e Adolescentes. Foi chefe de gabinete da Deputada Federal Maria do Rosário. Faleceu em 13/03/2013.
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RS) é uma das materializações das lutas feministas que ao longo da história da humanidade exigiram a igualdade entre os gêneros. No século XXI, os temas “Mulheres”, “Gênero” e “Direitos Humanos” vêm se consolidando não como uma problemática baseada no conceito de desigualdade, mas como uma temática essencial para a promoção da justiça socioeconômica de forma equânime. Para tanto, a SPM/RS instituiu o Programa RS Lilás: autonomia para as mulheres gaúcha13. O programa tem o objetivo de garantir mais participação, mais igualdade e mais desenvolvimento para as mulheres que vivem no Rio Grande do Sul. O programa reúne projetos e ações que pretendem ampliar a visibilidade e mudar a realidade de violência e de discriminação contra as mulheres em solo sul-riograndense. O RS Lilás estimula a integração e o empoderamento das mulheres em todas as esferas da sociedade.
Secretaria de Políticas para as Mulheres do RS A Secretaria de Políticas para as Mulheres do RS14 atua nos programas de governo, visando à promoção dos direitos da mulher para a eliminação das discriminações que as atingem, bem como à sua plena integração social, política, econômica e cultural. Na esfera governamental, constrói políticas de equidade de gênero, consolidando-as como políticas de Estado. Compete à SPM/RS assessorar a administração pública na formulação, coordenação e articulação de políticas para as mulheres; elaborar e implementar campanhas educativas de combate a todo tipo de discriminação contra a mulher no âmbito estadual; elaborar o planejamento de gênero que contribua na ação do governo estadual com vista à promoção da igualdade entre os sexos; articular, promover e executar programas de cooperação entre organismos públicos e privados,
13 O lilás é a cor que simboliza a luta das mulheres dentro de uma perspectiva feminista. O “colorir” o território gaúcho de lilás significa expandir as políticas públicas para mulheres, identificando onde os serviços, as ações, os projetos e os programas estão sendo efetivados. O RS Lilás significa esse conjunto de propostas que se estruturam em torno das políticas públicas para mulheres no Rio Grande do Sul
14 A Secretaria de Políticas para as Mulheres do Governo do Estado do Rio Grande do Sul (SPM-RS) foi criada através da Lei nº. 13.601. (Diário Oficial - 1º de janeiro de 2011 - Art. 40, Seção XI, pág. 7), pelo Governador do RS, Tarso Genro. www.spm.rs.gov.br
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voltados à implementação de políticas para as mulheres; articular as políticas transversais de gênero do Governo; implementar e coordenar políticas de atendimento e proteção às mulheres em situação de vulnerabilidade e violência. A implantação de estratégias de promoção dos direitos humanos depende de esforços da sociedade civil, setor privado e público. Assim, para estabelecer políticas públicas que rompam com ações pontuais, fragmentadas e inacessíveis as muitas mulheres gaúchas, em 03 de maio de 2011, o Governo do RS aderiu ao Pacto Nacional pelo Enfrentamento à Violência contra as Mulheres. O Estado foi o último ente da federação a aderir ao Pacto. A assinatura do Pacto foi uma das primeiras ações da recém-criada Secretaria de Políticas para as Mulheres do RS. Em vigor desde 2007, o Pacto é um acordo de cooperação federativo que prevê a implantação de políticas públicas articuladas entre a União, os Estados e os municípios. Segundo o texto base do Pacto da SPM Nacional, entende-se que “a violência constitui um fenômeno de caráter multidimensional, que requer a implementação de políticas públicas amplas e articuladas nas mais diferentes esferas da vida social, tais como: na educação, no trabalho, na saúde, na segurança pública, na assistência social, a justiça, na assistência social, entre outras. Esta conjunção de esforços já resultou em ações que, simultaneamente, vieram a desconstruir as desigualdades e combater as discriminações de gênero, interferir nos padrões sexistas/machistas ainda presentes na sociedade brasileira e promover o empoderamento das mulheres”15.
Nesse sentido, a SPM/RS promove ações transversais e federa-
15 Os eixos estruturantes do Pacto são: o fortalecimento dos Serviços Especializados da Rede de Atendimento e Implementação da Lei Maria da Penha; a proteção dos Direitos Sexuais e Reprodutivos e Implementação do Plano Integrado de Enfrentamento da Feminização da Aids; o combate à Exploração Sexual e ao Tráfico de Mulheres; e a promoção dos Direitos Humanos das Mulheres em Situação de Prisão. Para aderir ao acordo, o RS incluiu mais um eixo ao documento: autonomia econômica, financeira e social para as mulheres.
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tivas, focadas no empoderamento das mulheres; no enfrentamento à violência contra as mulheres; na geração de trabalho e renda para a autonomia financeira das mulheres; e no fortalecimento dos centros de referência da mulher, dos organismos de políticas públicas para as mulheres e dos conselhos de direito da mulher dos municípios gaúchos. Numa atuação coordenada, a Secretaria de Políticas para as Mulheres do RS desenvolve ações em parceria com o Centro Estadual de Referência da Mulher “Vânia Araújo Machado” (CRMVAM), com o Comitê Gestor de Políticas de Gênero do RS, em diálogo com o Conselho Estadual dos Direitos da Mulher (CEDM), órgãos vinculados à SPM/RS.
Centro Estadual de Referência da Mulher “Vânia Araújo Machado” O Centro Estadual de Referência da Mulher “Vânia Araújo Machado” (CRMVAM)16 é um órgão público de acolhimento seguro e de busca ativa de mulheres em situação de violência doméstica, vinculado a SPM/RS. O CRMVAM oferece o serviço público Escuta Lilás, que é acessado pelo telefonema gratuito através do número 0800.541.0803. É uma central onde assistentes sociais, psicólogas/os e advogadas/os – presencialmente ou por telefone - orientam as mulheres em situação de violência sobre seus direitos e as encaminham aos serviços públicos competentes, de acordo com cada situação. O Escuta Lilás é um importante instrumento que, em conjunto com o Ligue 180 - Central de Atendimento à Mulher do Governo Federal - oferece atenção específica e integral às mulheres gaúchas17. Em caso flagrante de violência, as mulheres devem acionar a Brigada Militar - Disque 190. Em contato com o Escuta Lilás, o CRMVAM acessa a “Rede de Enfrentamento à Violência Contra as Mulheres” com-
16 Vânia Araújo Machado era formada em Educação Física e sua luta em defesa dos direitos da mulher a levou a ser a primeira gestora da Coordenadoria Estadual da Mulher (criada em 1999, pelo então Governador RS Olívio Dutra). Em 05 de outubro de 2000, Vânia faleceu depois de perder seu filho. A história de Vânia Araújo Machado virou um símbolo da luta contra a mortalidade materna no Rio Grande do Sul. Seu nome foi dado ao Centro Estadual de Referência da Mulher, que atende mulheres que sofreram todo o tipo de violência. 17 Muitas das ações do CRMVAM estão em sintonia com a regulamentação da Lei Federal Nº 11.340/2006 (Lei Maria da Penha).
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posta por: Delegacias, Casas-abrigo, Defensoria Pública, Ministério Público, Juizados, Postos de Saúde, Centros de Perícia, Centros de educação, reabilitação e responsabilização dos agressores, organismos de políticas para as mulheres, núcleos de enfrentamento ao tráfico de pessoas, movimento de mulheres e Centrais de Atendimento à Mulher nos municípios. Em 2012, foram mais de 2 mil atendimentos realizados pela SPM/ RS às mulheres vítimas de violência doméstica, através do Escuta Lilás, ligado ao (CRMVAM). Neste período, a SPM/RS, em parceria com muitos municípios capacitou mais de cinco mil agentes multiplicadores para o enfrentamento à violência doméstica, através de palestras, oficinas, cursos de formação e qualificação da rede atendimento às mulheres em situação de violência.
Comitê Gestor de Políticas de Gênero do Governo do RS O Comitê Gestor de Políticas de Gênero do RS18, vinculado à SPM/ RS, foi criado para garantir a efetiva transversalidade de gênero nas ações e articulações entre as diferentes Secretarias e Órgãos do Governo Estadual. Monitora a implantação das políticas para as mulheres de acordo com a implementação do Plano de Políticas para as Mulheres do RS. O Plano é formulado pelo Governo do Estado em diálogo com
18 O Comitê Gestor de Políticas de Gênero do Governo do RS foi criado através do Decreto 47.868 de 08 de março de 2011, pelo Governador do RS, Tarso Genro. Coordenado pela Secretaria de Políticas para as Mulheres do RS, o Comitê é composto por representantes do Gabinete do governador; do Gabinete do vice-governador; da Governadoria do Estado (Casa Civil; Casa Militar; Procuradoria-Geral do Estado; Secretaria do Planejamento, Gestão e Participação Cidadã; Secretaria Geral de Governo; Secretaria de Desenvolvimento e Promoção do Investimento; Secretaria Executiva do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social; Secretaria de Comunicação e Inclusão Digital; e Gabinete dos Prefeitos e Relações Federativas; da Secretaria da Educação; da Secretaria da Saúde; da Secretaria da Cultura; da Secretaria da Segurança Pública (Brigada Militar, Instituto Geral de Perícias, Susepe e Polícia Civil); da Secretaria da Fazenda; da Secretaria da Administração e dos Recursos Humanos; da Secretaria da Economia Solidária e Apoio à Micro e Pequena Empresa; da Secretaria de Habitação e Saneamento; da Secretaria da Justiça e dos Direitos Humanos; da Secretaria do Trabalho e do Desenvolvimento Social; da Secretaria de Políticas para as Mulheres; da Secretaria do Turismo; da Secretaria do Esporte e do Lazer; da Secretaria de Obras Públicas, Irrigação e Desenvolvimento Urbano; da Secretaria do Meio Ambiente; da Secretaria da Agricultura, Pecuária e Agronegócio; da Secretaria de Desenvolvimento Rural, Pesca e Cooperativismo; da Secretaria de Infraestrutura e Logística; e da Secretaria da Ciência, Inovação e Desenvolvimento Tecnológico. Participam ainda, convidadas/os de Autarquias, de Empresa de Economia Mista, de Fundações, do Poder Legislativo, do Poder Judiciário, do Ministério Publico, da Defensoria Pública e do Conselho Estadual dos Direitos da Mulher.
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a sociedade civil, a partir de conferências. Em 2011, a IV Conferência Estadual de Políticas para Mulheres mobilizou mais de 12 mil mulheres gaúchas – em conferências municipais e regionais - na avaliação da realidade socioeconômica, política e cultural e dos desafios para a construção da igualdade de gênero no Estado, demandando diretrizes para as políticas públicas para as mulheres do RS. De forma inédita, o Comitê elaborou o Plano de Ações do RS para o Programa Pró-Equidade de Gênero e Raça. Esse Programa é uma iniciativa do Governo Federal, por meio da Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República, em parceria com a OIT e a ONU Mulheres e reafirma os compromissos de promoção da igualdade entre mulheres e homens inscrita no Plano Nacional de Políticas para as Mulheres e na Constituição Federal de 1988.
Conselho Estadual dos Direitos da Mulher do RS O Conselho Estadual dos Direitos da Mulher do RS (CEDM)19 é um órgão público de caráter autônomo, deliberativo, normativo, fiscalizador, vinculado à Secretaria de Políticas para as Mulheres do RS, e responsável pela interlocução entre a sociedade civil e o Estado nas questões relativas aos direitos das mulheres, objetivando garantir o pleno exercício de sua cidadania. O CEDM tem a competência de propor políticas e atividades que visem à defesa dos direitos da mulher, à eliminação das discriminações que a atingem e à sua plena inserção na vida socioeconômica, política e cultural; estimular, apoiar e desenvolver o estudo e o debate sobre a situação da mulher no Estado; acompanhar as ações do Poder Executi-
19 O Conselho Estadual dos Direitos da Mulher do RS (CEDM) foi criado em 25 de abril de 1986, através do Decreto Nº 32.227, alterado pelo Decreto nº 39.669/1999 e instituído pela Lei 12.686/2006. Em março de 2012, o governador Tarso Genro sancionou a nova Lei do CEDM (Lei 13.947/2012), uma vez que o Conselho passou a ser vinculado à recém criada Secretaria de Políticas para as Mulheres do RS (Lei 13.601/2011). Desde 2011, a Comissão Provisória do Conselho Estadual dos Direitos da Mulher do RS, instituída pelo Governo do Estado, desenvolveu ações conjuntas com a Secretaria de Políticas para as Mulheres do RS para a reativação do Conselho Estadual. A Comissão Eleitoral do CEDM foi escolhida pela Comissão Provisória do Conselho Estadual dos Direitos da Mulher, a SPM/RS e o movimento de mulheres em plenária, no auditório do Instituto de Previdência do Estado do Rio Grande do Sul (IPE), conforme o Diário Oficial de 22 de maio de 2012. A Comissão Eleitoral foi responsável pela elaboração do Regimento Eleitoral para as Eleições do Conselho Estadual dos Direitos da Mulher do Rio Grande do Sul, vinculado à Secretaria de Políticas para as Mulheres do RS, através da Lei Estadual 13.947/2012.
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vo relativas às políticas de gênero e propor medidas com o objetivo de eliminar todas as formas de discriminação contra a mulher; acompanhar e opinar sobre a elaboração de programas sociais e legislações nas questões de interesse da mulher; receber e examinar denúncias relativas à discriminação da mulher e encaminhá-las aos órgãos competentes para as providências cabíveis, acompanhando sua apuração; promover intercâmbios com organismos nacionais e internacionais, públicos e privados, com o objetivo de implementar políticas e programas do Conselho; manter canais permanentes de comunicação com o movimento de mulheres e apoiar as atividades das entidades da sociedade civil relacionadas com a questão da mulher, sem interferir em seu conteúdo e orientação, a fim de preservar sua autonomia; propor, deliberar e acompanhar o reordenamento institucional, sempre que se fizerem necessárias modificações nas estruturas públicas e privadas destinadas ao atendimento dos direitos da mulher20. Em parceria com o Conselho Estadual dos Direitos da Mulher do RS, a SPM/RS vem fortalecendo as políticas públicas para as mulheres de forma descentralizada, em mais de 250 municípios gaúchos. Vem capacitando agentes públicos dos organismos de Políticas para as Mulheres e conselheiras dos Conselhos Municipais dos Direitos da Mulher. 20 Em 18 de setembro de 2012, tomaram posse no CEDM: a) 08 (oito) representantes do Fórum Estadual da Mulher das seguintes entidades: Movimento de Mulheres Marlene Martini Carneiro (MMMC); Central Única dos/as Trabalhadores/as do RS (CUT/RS); Marcha Mundial de Mulheres/RS; Central dos Trabalhadores e das Trabalhadoras do Brasil (CTB/RS); União de Negros e de Negras pela Igualdade (Unegro/RS); União Brasileira de Mulheres (UBM); Coletivo Feminino Plural/RS; Ação da Mulher Trabalhista (AMT/RS). As suplentes são: Associação Cultural de Mulheres Negras (ACMUN/RS); Sindicato dos/as Profissionais de Enfermagem, Técnicos, Duchistas, Massagistas e Empregados/as em Hospitais e Casas de Saúde (SINDISAUDE/RS); Federação dos Trabalhadores e das Trabalhadoras em Instituições Financeiras do RS (FETRAFI/RS); Federação dos/as Trabalhadores/as da Alimentação (FTIA); Federação dos/as Empregados/as no Comércio de Bens e Serviços do Estado do Rio Grande do Sul (FECOSUL); Secretaria de Mulheres do Partido dos Trabalhadores (PT/RS); Secretaria de Mulheres do Partido Socialista Brasileiro (PSB/RS); Secretaria de Mulheres do Partido Comunista do Brasil (PC do B/RS); b) 14 (quatorze) entidades eleitas nos fóruns regionais, entre elas: Mulheres em Movimento (Uruguaiana) e Associação dos/as Pecuaristas e Agricultores/as Familiares (APAFA - Alegrete), da Campanha e Fronteira Oeste; Ação Social Diocesana Santa Cruz do Sul e Cooperativa Uniforte (Santa Cruz), da Central, Vale do Rio Pardo e Jacuí Centro; Associação de Mulheres Viva Maria (Pinhal), do Litoral; Lions Clube de Canela (Canela), da Serra, Vale do Taquari e Hortênsias; Gesto (Pelotas) e Grupo de Apoio ao Esporte e a Cultura (GAEC), da Sul e Centro Sul ; Associação de Mulheres Multiplicar (Canoas), da Vale do Caí e Vale do Rio dos Sinos; Guayí (Porto Alegre) e Fundação Luterana de Diaconia (FDL), DA Metropolitano do Delta do Jacuí. Somandose a 11 (onze) representantes dos seguintes órgãos do Poder Executivo: Secretaria de Políticas para as Mulheres; Secretaria de Desenvolvimento Rural, Pesca e Cooperativismo; Secretaria da Cultura; Secretaria do Planejamento, Gestão e Participação Cidadã; Secretaria da Educação; Secretaria de Habitação e Saneamento; Secretaria da Justiça e dos Direitos Humanos; Secretaria do Trabalho e do Desenvolvimento Social; Secretaria da Saúde; Secretaria da Ciência, Inovação e Desenvolvimento Tecnológico; e Secretaria da Segurança Pública.
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Em 2012, a SPM/RS firmou parceria com a Federação dos Municípios do RS e o Gabinete dos Prefeitos e Relações Federativas do Governo do Estado, para ampliar as ações do Programa RS Lilás institucionalizado em políticas para as mulheres.
Para não concluir No mercado de trabalho, as transformações na estrutura produtiva, a crescente industrialização, os processos de urbanização e a promoção de ações afirmativas proporcionaram a maior inclusão das mulheres. No entanto, as disparidades no acesso a cargos de chefia e equiparação salarial entre os sexos ainda prejudicam mais as mulheres, com agravantes para as mulheres negras e indígenas. No empoderamento, a participação política das mulheres vem aumentando, mas ainda é necessário conquistar a paridade de gênero para garantir a diversidade de ideias nas ações de promoção da cidadania. A SPM estimulou a participação das mulheres no pleito de 2012. O RS elegeu 35 prefeitas, 13 a mais, que em 2008. O RS elegeu 695 vereadoras, 134 a mais, que em 2008. No enfrentamento à violência doméstica, a Rede vem sendo ampliada através de serviços especializados disponíveis em delegacias, juizados, promotorias, defensorias, casas abrigo, centros de referência, entre outros. E é justamente o acesso a esses serviços que vem evidenciando os crimes contra a mulher no RS como: ameaças, maus tratos, estupros, lesão corporal e homicídios, combatidos pela Lei Maria da Penha e computados nas estatísticas. Pela primeira vez, as políticas públicas de garantia dos direitos das mulheres ocupam um espaço de destaque na Lei de Diretrizes do Orçamento do Estado do RS. A questão da violência doméstica, a inclusão produtiva da mulher e as ações para promover e efetivar os direitos serão, assim, prioridades do Estado nos próximos anos. O aumento dos recursos incluem conquistas obtidas através da maior inserção das mulheres nas regiões de votação do orçamento do Estado, através do Programa de Participação Popular Cidadã (PPC) e de convênios firmados entre o Governo do RS e a União, num alinhamento de ações. Esses e outros motivos justificam a relevância da existência de organismos públicos de políticas para as mulheres, em todo o território brasileiro.
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CapĂtulo II
Enfrentando a violĂŞncia em Rede
4. Perspectiva integral em Rede no Rio Grande do Sul
Telia Negrão21
Resumo: Este artigo tem como objetivo dimensionar a importância da rede para de atendimento às mulheres em situação de violência. A violência contra as mulheres, como uma violação aos direitos humanos, é fonte de denúncias, mobilizações e também de consideráveis desafios no campo das políticas públicas no Brasil e no mundo. Constitui na atualidade áreas de conhecimento e também de gestão, frente à persistência desse problema e o crescimento da indignação social com a impunidade. A introdução de uma nova legislação para a violência doméstica e familiar em 2006 e a definição do papel do estado como responsável pelo atendimento às mulheres vítimas de violência sexual (2003) e a notificação obrigatória da violência (2008) estabeleceram um novo patamar para enfrentamento do problema. No ano de 2012, quando se verificam elevados índices de violação de direitos humanos das mulheres, com o crescimento dos homicídios e de crueldades, em especial no Rio Grande do Sul, uma Comissão Mista Parlamentar de Inquérito nacional estimulou a divulgação de estudos e diagnósticos e a realização de avaliações. Foram identificados alguns avanços, retrocessos, obstáculos e também as lacunas existentes nesse campo. As redes de atendimento, como forma de articular as políticas públicas integradas, foram interpeladas após 40 anos das primeiras denúncias e pelo menos três décadas de tentativas de respostas. Tendo isso em vista, o objetivo deste artigo é dimensionar a importância das redes para assegurar a atenção integral às mulheres em situação de violência e refletir sobre obstáculos encontrados, a fim de superá-los. Grande parte dos dados aqui apresentados origina-se do movimento de mulheres e feminista. O fenômeno que caracteriza todo o processo de desenho e efe-
21 Telia Negrão. Graduada em Comunicação Social/ UFPR, Mestre em Ciência Política/UFRGS e Especialista em Gestão Pública Participativa/UERGS. Coordenadora do Coletivo Feminino Plural e da Regional RS Rede Feminista de Saúde. E-mail: teliabr@gmail.com. Associada ao NIEM/UFRGS.
tuação das políticas públicas, a partir da década de 1990, teve como proposta organizar e articular políticas públicas transversais em formato de rede e na perspectiva da integralidade. Aliás, a indivisibilidade, universalidade e também a equidade de direitos, como elementos inseparáveis, trazem o questionamento da verticalidade como modelo de gestão predominante (Negrão, 2004). Mas trabalhar em redes é também um aporte específico do movimento de mulheres brasileiro, o qual foi elaborado na década de 1980 durante o processo da reforma sanitária e da concepção do Programa de Atenção Integral à Saúde da Mulher (PAISM) em 1982. Por isso, sempre que se fala de integralidade, o movimento de mulheres e feministas é mencionado como construtor de um fundamento de políticas públicas. Do mesmo modo, a integralidade, a intersetorialidade, a multisetorialidade, a articulação são os elementos organizadores de políticas públicas de redes e fortaleceram-se com o processo de globalização e de novas teorias, que, por sua vez, questionaram o pensamento cartesiano e fragmentado (Morin, 2001). Nessa perspectiva, o imaginário de redes passou a integrar a agenda de importantes estudiosos contemporâneos como Castells (1999), o qual maquinou uma interessante conexão entre fenômenos para sintetizar sociedade nos últimos cinquenta anos: os avanços na farmacologia e bioquímica, a informática, o trabalho em redes e o surgimento de um novo movimento feminista. Segundo sua análise do mundo contemporâneo, pessoas, instituições e políticas públicas integram um mesmo cenário, que é caracterizado por fronteiras nacionais crescentemente invisíveis pela velocidade nas informações, pela contraditória convivência com guerras e pelas profundas desigualdades sociais e a fome. Quanto aos direitos humanos, o movimento de mulheres obteve nas décadas de 1990 e 2000 o reconhecimento de que a sua cidadania está diretamente vinculada à possibilidade de uma vida sem violência (Viena, 1993; Beijing, 1995), o que deve ser assegurado por meio de leis e políticas públicas. No Brasil, mesmo com enorme atraso e limitada à violência domestica e familiar, a Lei Maria da Penha/2006 foi concebida com ênfase nos fundamentos contemporâneos de integralidade e multisetorialidade, constantes dos artigos 9º e 35, os quais tratam do atendimento às vítimas e da construção de redes de atenção. Remetem-nos a pensar seu significado e sua aplicação. Uma lei complexa por natureza, inspirada na Convenção de Belém do Pará (1995), vem revelando-se
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como um desafio aos agentes públicos e à sociedade. No campo do Direito, pela articulação de facetas cível e criminal numa mesma norma, e para todos os campos à qual convoca ressaltam-se ainda os outros fatores: a dificuldade de incluir a dimensão de gênero (e outras como raça) nas políticas; de compreender a violência contra as mulheres como violação de direitos humanos mergulhada num complexo sistema de valores, culturas, histórias e construção de hierarquias (ONU,1993); e de romper com modelos verticais e fragmentados de gestão. São inúmeras as conseqüências das resistências de várias ordens na cidadania das mulheres, desde que elas passaram a fazer trajetórias em busca de defesa e proteção, as quais ficaram mais evidentes após a nova Lei. As dificuldades de encontrar saídas foram denominadas de “rotas críticas” (OPAS, 2000), pois concorrem para a revitimização das mulheres e a persistência do sofrimento nas suas vidas e de seus filhos. Em relação ao primeiro obstáculo de incluir a dimensão de gênero nas políticas públicas, compreendemos o quanto é difícil evitar a simples troca da palavra “mulher”, como categoria social, ou “sexo”, como categoria biológica, por outra de “gênero”, como categoria cultural ou histórica. Afinal, ao longo da história da humanidade foram construídos sistemas de poder que estão impregnados nas relações humanas, de forma a atuarem na construção de subjetividades (emoções, pensamentos, representações sociais), legitimarem práticas, comportamentos e permearem as instituições, sendo vistos quase como “naturais”. A família, parte desses sistemas, constituiu-se como um espaço destinado à mulher, uma esfera privada, relacionada a funções reprodutivas (maternidade) e ao cultivo das emoções (ideia de que as mulheres são boazinhas ou são perversas). Ao homem foi reconhecido o público – governos, política, trabalho remunerado, militarismo, armas, conhecimento, ou seja, tudo o que gera poder. Ao ver-se privada de circular entre essas esferas foram geradas novas desigualdades, as quais se articulam com outras esferas além do gênero, como: a social, a racial, a geracional, por sexualidade e deficiência. A desigualdade de gênero definiu leis que precisaram e ainda precisam ser revogadas e outras precisam ser criadas, para que as mulheres pudessem ser tratadas como iguais em direitos aos homens, tanto na família como na sociedade em geral. A compreensão sobre as mulheres como pessoas de menor valor, desiguais em direitos, menos
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capazes, as identificam como objetos, ao invés de sujeitos, podendo ser usadas e manipuladas. Exemplo disso são as imagens estereotipadas veiculadas na mídia, nas redes sociais e na indústria cultural, em especial na música, que tratam as mulheres como mercadorias de valor reduzido. Dessa maneira, são vistas como inferiores e, por sua vez, torna-se aceitável socialmente que sejam mandadas pelos homens e que tenham suas vidas por eles decididas, “nem que seja na marra”. A isso se relaciona a violência contra as mulheres – o exercício de um poder com base na força, o que lhes limita o direito a viver como cidadãs, ou seja, na plenitude de direitos. Nessa condição de inferioridade, os serviços públicos, ao constituírem-se no estado moderno, aplicaram a compreensão geral sobre a mulher o sinônimo de mãe, redundando em políticas exclusivamente materno-infantis. A maternidade é a principal função reconhecida e o papel para o qual se destinou, mesmo após seu efetivo ingresso no mercado de trabalho, na educação e na política. O questionamento do movimento de mulheres e feministas do Brasil, a partir da década de 1970 do século passado, foi pela efetivação de direitos para a igual cidadania e por medidas para erradicar as causas e consequências da longa trajetória de desigualdades. Primeiramente, abraçou a luta pela democratização do país, quando muitas se somaram para lutar pelo fim do regime de exceção que havia se instalado em 1964. Já no final dos anos de 1970, este esforço se uniu às denúncias contra os julgamentos de assassinatos de esposas, namoradas, amantes, com base na tese da legítima defesa da honra, dando origem à frase “quem ama não mata” (assassinato de Ângela Diniz por Doca Street) e formando uma agenda que seguiu nos anos de 1980: igualdade no casamento e no trabalho, direitos sociais, a proteção à maternidade, fim da violência, saúde integral e direitos sexuais e reprodutivos. O Programa de Assistência Integral à Saúde da Mulher – PAISM – surgiu como uma oportunidade de exercitar o conceito de integralidade nas políticas públicas, ou seja: as mulheres são pessoas inteiras, diferentes entre si, têm necessidades de saúde, são constituídas de dimensões físicas, psíquicas, sexuais e reprodutivas, devendo observar todos esses aspectos de forma integral. Essa visão orientou as reflexões sobre políticas públicas “para as mulheres” e posteriormente com dimensão de gênero, mantendo-se como uma marca do processo de disputas das décadas seguintes.
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A Constituição Federal de 1988 declarou a igualdade de direitos deveres entre os sexos, instituiu a proteção especial para vítimas de violência doméstica e familiar e assegurou o planejamento familiar e a proteção às trabalhadoras. É certo que desde 1975, quando as Nações Unidas declararam o Ano Internacional da Mulher e a Década da Mulher, o Brasil passou a firmar vários documentos nessa perspectiva. Mas seu ápice foram as conferências que caracterizaram as décadas de 1990 a 200022. Organizações de mulheres, chamadas a atuar no âmbito internacional, inseriram-se na globalização mundial para a defesa dos direitos humanos e para defender esse enfoque nas políticas públicas. No entanto, o Brasil não tem avançado na velocidade e no ritmo necessário para impedir a violência contra as mulheres. A prova disso foi o que recentemente apontou a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito, em curso no país no ano de 2012: faltam investimentos e planos e orçamentos para estruturar as políticas de atendimento e prevenção, de redes e de qualificação de agentes públicos para o trabalho. Os números da violência contra as mulheres e o aumento dos femicídios no Rio Grande do Sul são indicadores do profundo fosso de gênero e um descompasso entre a norma e a vida. Menos de 10% dos municípios brasileiros (e gaúchos) dispõe de serviços, mesmo isolados, o que redunda em graves consequências: morte, danos físicos, psíquicos, sexuais e reprodutivos; impunidade e naturalização das violências; a desistência. No tocante à violência, relatórios mundiais estimulados pelas Nações Unidas também demonstram que a violência contra as mulheres é muito semelhante em todo o planeta (Krug, 2003) e que as legislações são limitadas à violência intrafamiliar, como se não ocorresse em outras relações e não fosse um problema presente em todos os campos da vida. A busca de saída para o sofrimento é marcada por caminhos repetidos sem encontrar solução, resultando de um lado na perda da fé na justiça para si, na sua desistência (Schreiber & d´Oliveira, 2008) e de outro, na confirmação de mitos ou representações sociais de que as mulheres são fracas, não perseveram e preferem conviver com a violência. Para se entender bem do que estamos falando, trazemos um con22 Conferência de Direitos Humanos de Viena (1992), Conferência de População e Desenvolvimento do Cairo (1994), Conferência de Beijing (1995) e por fim a Conferência de Durban (2000), formulando as bases dos chamados “Direitos Humanos das Mulheres”.
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ceito de rota crítica de um estudo da Organização Panamericana de Saúde em dez países latino-americanos. Ela é descrita como a sequência de decisões tomadas e ações executadas por uma mulher atingida para sair da situação de violência e as respostas encontradas em sua busca de ajuda. É também o início de uma caminhada difícil, na qual se considera como começo a ruptura do silêncio para alguém de fora do círculo familiar, e que enfrentará uma sequência de múltiplos itinerários de busca de ajuda, nas seguidas situações de violência enfrentadas, ao longo de uma ou de várias relações violentas (Sagot, 2000). Marcados por dificuldades, estes caminhos e descaminhos foram descritos no Brasil (Meneghel, 2011) e vem subsidiando estudos no Estado (Negrão, 2011), e inspiraram a elaboração do Dossiê do Movimento de Mulheres do RS à CPMI. Há entre eles convergências na conclusão de que há despreparo de agentes públicos para o atendimento às mulheres que buscam ajuda, pois desconhecem as normas que regem essa atenção e não estão sensibilizados para tratar nem com relações de gênero e nem com violência; que as poucas políticas existentes são frágeis, sem estrutura própria, e estão em sua grande maioria desarticuladas, fragmentadas, carecendo de fluxos e protocolos; a legislação em vigor – Lei Maria da Penha, Lei da Notificação Compulsória, Lei do Assédio Sexual e Normas Técnicas - não é cumprida nem quantitativa nem qualitativamente à altura das demandas de atendimento. Ademais, ações de saúde voltadas para o HIV não dialogam com ações para a violência sexual, estabelecendo uma nítida perda de oportunidade para ofertar a atenção integral e multissetorial às mulheres e a quebra do ciclo da violência. Os estudos apontam para a importância da criação e fortalecimento das redes de atenção às mulheres em situação de violência de forma a interromper e encerrar histórias reais de violações que começam na infância e seguem toda a vida. Com dezenas e talvez centenas de mulheres a percorrer esses serviços todos os dias, está dada a dimensão do problema e a necessidade de solução. Por que as redes de atendimento? Segundo definição da Secretaria de Políticas para as Mulheres, as redes de atendimento são: “a atuação articulada entre as instituições/serviços governamentais, não governamentais e a comunidade, visando à ampliação e melhoria da qualidade do atendimento; à
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identificação e encaminhamento adequado das mulheres em situação de violência; e ao desenvolvimento de estratégias efetivas de prevenção” (SPM, 2009).
Este conceito tão nítido levou vários anos para ser elaborado e contou com os aportes de uma geração de experiências de várias legislações nacionais e internacionais23, cuja trajetória é importante registrarem. Nesta história breve, delegacias da mulher foram as primeiras políticas públicas para a violência contra as mulheres no Brasil, a partir de 1984 (São Paulo), e proliferaram nas décadas de 1980 e 1990. No trabalho cotidiano, as equipes policiais, ao lado do movimento de mulheres presente em gestões de estados e municípios, passaram a defrontar-se com as lacunas na atenção. O risco de retornar para junto do agressor, os sofrimentos psíquicos e emocionais, os problemas de ordem econômica e social, os filhos, separação, pensão de alimentos, gravidez fruto de violência sexual, doenças sexualmente transmissíveis, HIV e Aids e, por fim, as desistências motivaram perguntas sem respostas em função da natureza desses serviços. A experiência de países europeus e da América do Norte, como as casas abrigo ou albergues para mulheres vítimas de violência passaram então a ser adaptadas para o Brasil, enquanto foram surgindo os primeiros serviços de atendimento a vítimas de violência sexual e aborto previsto em lei (São Paulo, Código Penal de 1940). As redes locais começaram a ganhar formato ao serem complementadas por serviços de orientação jurídica através das Defensorias Públicas, trabalho até então suprido unicamente pelo movimento de mulheres. No final da década de 1990 surgiram os primeiros centros de referência, locais para acolhimento, informação e encaminhamento das mulheres, no entanto entre 1985 a 2002, a criação de DEAMs e de Casas-Abrigo foi o principal eixo da política nacional de combate à violência contra as mulheres, com ênfase na segurança pública e na assistência social. Ainda sob a vigência da Lei 9099/95, essas políticas ganharam um novo desenho nacional na década de 2000, com as Normas Técnicas do Ministério da Saúde, da Justiça e dos órgãos nacionais de políticas para mulheres. Mas persistiu a lacuna de uma lei nacional para definir o 23 No Brasil, as redes de atendimento às mulheres se baseiam numa legislação internacional - Convenção de Belém do Pará e na Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação à Mulher, na Constituição Federal, que prevê a proteção para pessoas em violência intrafamiliar, no Código Penal, que trata dos crimes contra a pessoa e os crimes sexuais, no Estatuto da Criança e do Adolescente, quando se trata de menores de 18 anos e na Lei Maria da Penha para a violência domestica e familiar, entre outras.
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enfrentamento à violência contra as mulheres no Brasil. Com a criação da Secretaria Especial de Políticas para Mulheres (SPM), em 2003, e a definição de uma Política Nacional de Enfrentamento à Violência Contra as Mulheres as ações ganharam maior investimento e a política foi ampliada para promover a criação de novos serviços, os Centros de Referência e defensorias especializadas e de subsidiar a construção de Redes de Atendimento. As redes de apoio surgem, portanto, como um segundo momento na linha da vida das políticas públicas para as mulheres no Brasil, a partir da metade da década de 1990. As quais focalizam a missão das delegacias especializadas (prevenção, apuração, investigação e enquadramento legal), definem sua limitação pela sua natureza, demandando novos serviços no antes e no depois. As redes de atendimento, quanto à sua formação, absorvem a experiência colaborativa que o movimento de mulheres vinha realizando no acolhimento das mulheres desde 1970, prestando orientação e fazendo a defesa das mulheres que as procuravam, mas também em sua forma de atuação política. No entanto, a intenção de retirar das delegacias a função de portas de entrada, deslocando para centros de referencia e postos de saúde é um desafio que persiste, em razão da fragilidade das redes especializada e setoriais. Após a Lei 11.340/2006, a atenção de caráter integral e multidisciplinar passa a ser uma regra: “A assistência à mulher em situação de violência doméstica e familiar será prestada de forma articulada e conforme os princípios e as diretrizes previsto na Lei Orgânica da Assistência Social, no Sistema Único de Saúde, no Sistema Único de Segurança Pública, entre outras normas e políticas públicas de proteção, e emergencialmente quando for o caso”(Capítulo III, Art.9º).
Este artigo diz que as mulheres em situação de violência devem ser protegidas quanto ao vínculo no trabalho e usufruir do atendimento quanto a doenças sexualmente transmissíveis e a AIDS nos casos de violência sexual. Na aplicação dessa legislação, algumas estudiosas explicam que atenção às mulheres deve ser multiprofissional e multidisciplinar, o que significa o exercício da intersetorialidade das políticas públicas e também um novo olhar:
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“... é necessária uma forma de agir com uma importante dimensão interativa, baseada na escuta, na orientação, no acolhimento, com ênfase na comunicação com a mulher usuária e entre os profissionais, na direção de projetos assistenciais negociados e construídos em conjunto para cada caso, tendo como referência a garantia de direitos e a emancipação (Lucas d’Oliveira ET AL, 2009)
Para esse grau de resposta, fica evidente a necessidade de formação de profissionais para o atendimento adequado, a formação de uma rede e um compromisso forte com os direitos humanos. A rede de atendimento à mulher em situação de violência, segundo a Norma Técnica dos Centros de Referência (SPM,2009) e outros instrumentos de políticas públicas, é composta pelos seguintes serviços: Centros de Referência (como portas de entrada e atendimento multidisciplinar), Casa Abrigo (para as mulheres em risco de vida e seus filhos), Delegacia Especializadas para o atendimento às mulheres (para registro da ocorrência e encaminhamento à justiça e MP), Defensorias para as Mulheres (para orientar sobre direitos e oferecer assistência jurídica gratuita), Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher (para acolher as representações e julgar os casos), Central de Atendimento à Mulher – Ligue 180 (atendimento telefônico para orientação), Centro de Educação e Reabilitação ao Agressor (medidas de reeducação e tratamento), Serviços de Atendimento a Vítimas de Violência Sexual (cumprimento de Norma Técnica dos Agravos à Violência Sexual), que compõem a rede especializada; essa rede está articulada com as redes setoriais de assistência (Centros de Referência da Assistência Social/CRAS e Centros de Referência Especializados da Assistência Social/ CREAS), com o Sistema Único de Saúde e com o Sistema de Segurança Pública (Policia Civil, Militar, Guardas Municipais e Instituto Médico Legal). Um conjunto de Normas Técnicas e de diretrizes nacionais orienta a implantação e o funcionamento de serviços, destacando-se: a) Norma Técnica de Uniformização dos Centros de Referência para Mulheres Vítimas de Violência, considerados como portas de entrada para a atenção às mulheres; b) Norma Técnica dos Agravos Decorrentes da Violência Sexual Contra Mulheres, Crianças e Adolescentes (Ministério da Saúde) que prevê o acolhimento, encaminhamento, profilaxia para DSTs, HIV e Aids, anticoncepção de emergência e abortamento previsto em lei; c)
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Norma Técnica da Casa Abrigo, que operacionaliza a sua existência nos municípios e regiões e normatizam o abrigamento de mulheres em risco de vida e seus filhos; d) Diretrizes das Delegacias da Mulher e Postos da Mulher, no âmbito da segurança pública. Esse conjunto de normativas assegura os parâmetros mínimos para o cumprimento de fluxos numa perspectiva de rede, permite que se identifiquem serviços e potenciais locais para atendimento e orienta para um patamar de padronização nacional, embora possam ocorrer adaptações locais e regionais. Tendo como orientação os mecanismos e os instrumentos acima arrolados, relacionamos aqui a rede existente no Rio Grande do Sul, segundo o Relatório do Movimento de Mulheres à CPMI da Violência Contra a Mulher24, que tem como base dados obtidos junto ao governo: 01 Juizado Especializado de Violência Doméstica e Familiar, situado na Capital (de abril de 2008 até maio de 2012, tinha 20.000 processos em andamento)25. Considerando os parâmetros definidos pelo Conselho Nacional de Justiça, o qual estima a necessidade de um juizado a cada 2 mil a 5 mil processos em trâmite26, somente na Capital seriam necessárias de 4 a 9 varas. O Juizado em funcionamento não dispõe de equipe multidisciplinar permanente. Quanto à estrutura policial, há 15 delegacias especializadas (DEAMS) em funcionamento e uma recém criada e 27 postos policiais de atendimento à Mulher. Eles enfrentam, na sua maioria, problemas estruturais e de recursos humanos e não contam com esquipe multidisciplinar. Apenas a DEAM em Porto Alegre funciona 24 hora/dia e nos finais de semana. Na Capital está o único núcleo da Defensoria Pública de atendimento à Lei Maria da Penha e cerca de 23 Centros de Referência 24 Audiência da CPMI em 7 de maio de 2012
25 Conselho Nacional de Justiça. Manual de Rotinas e Estruturação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, 2010. Pag. 18, orienta os seguintes parâmetros: Juizados com até 2.000 (dois mil) processos em trâmite: Juiz 1 Assessor de Juiz 1 Diretor de Secretaria/Escrivão 1 Servidores do Cartório 2 Oficiais de Justiça 2 Equipe Multidisciplinar 1 psicólogo 1 assistente social Equipe de Execução 1 servidor 1 psicólogo; Juizados com 2.000 (dois mil) a 5.000 (cinco mil) processos em trâmite: Juiz 1 Assessor de Juiz 1 Diretor de Secretaria/Escrivão 1 Servidores do Cartório 4 Oficiais de Justiça 5 Equipe Multidisciplinar 1 psicólogo 1 assistente social Equipe de Execução 1 servidor 1 psicólogo 1 assistente social Juizados com 5.000 (cinco mil) a 10.000 (dez mil) processos em trâmite: Juiz 2 Assessor de Juiz 2 Diretor de Secretaria/Escrivão 1 Servidores do Cartório 6 Oficiais de Justiça 8 Equipe Multidisciplinar 3 psicólogos 3 assistentes sociais Equipe de Execução 2 servidores 2 psicólogos.
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para Atendimento a Mulheres em Situação de Violência compõem essa rede, tendo abrangência municipal. Criados na sua maioria com recursos federais, eles encontram dificuldades de funcionamento dentro das normas preconizadas. As casas-abrigo, equipamento com a função de receber as mulheres em caráter sigiloso e seguro, desenvolvendo metodologia para auxiliá-la com a ruptura de relações de violência, estão presentes em 11 municípios gaúchos, entre eles a Capital. Nenhum destes equipamentos recebe as mulheres após o horário de final de expediente, devendo existir casas de passagem para situações emergenciais, o que não ocorre. Em resumo, é essa a rede existente no Rio Grande do Sul, estado com 495 municípios. Algumas estratégias para suprir o cumprimento de Medidas Protetivas, como as Patrulhas da Lei Maria da Penha, são úteis e educativas, mas não tem abrangência estadual. Em relação aos serviços de violência sexual, há uma evidente lacuna no atendimento, constatando-se a falta de acesso das mulheres pelo desconhecimento de sua existência e pelos obstáculos para receber todo o previsto na Norma Técnica. Aliás, ações de monitoramento do movimento de mulheres, reportadas no Relatório à CPMI, constataram a condição quase clandestina desses serviços quando se trata de buscar informações por telefone. Em situações emergenciais, é através dos contatos pessoais que se obtém os meios para a realização de procedimentos de interrupção da gestação, já que muitos profissionais se negam a fazê-lo. Por outro lado, segundo o relatório, citando levantamento realizado em 2011/2012 pelo Projeto Mulheres Não Esperam Mais27, “em que pesem os programas de prevenção e tratamento da epidemia do HIV e da Aids no Brasil, e da existência de uma extensa rede distribuída pelo país e a normatização existente a respeito da relação entre violência e HIV/AIDS, na prática ela não se dá de forma adequada e rotineira dentro das redes instituídas”. O ideal, portanto, de redes de atendimento articuladas e organizadas em nível municipal, microrregional e cobertura estadual é difícil de ser obtido sem a superação de dificuldades básicas ao trabalho em rede, ou seja, a existência de serviços especializados que possam atuar 27 Este levantamento é uma das partes do Estudo Multicêntrico realizado em oito países, como parte da Campanha A Campanha “Women Won’t Wait – Mulheres Não Esperam Mais - Acabemos com a Violência e a AIDS Já”, é uma iniciativa original, criada em 2006, para abordar a interface entre a Violência contra a Mulher (VCM) e a AIDS, com base na agenda da UNAIDS “Ação país para Mulheres, Meninas, Igualdade de Gênero e HIV”.
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junto com as redes setoriais. No caso, o centro de referencia, o juizado, a delegacia, a casa abrigo, a defensoria, serviço de atendimento à violência sexual e o Ministério Público, entre muitos outros públicos e comunitários, além de conveniados, em parceria com as redes sociais do movimento de mulheres. Ademais, com a existência e o mapeamento desses serviços, a troca de informações e a criação de espaço de trocas permitem o reconhecimento mútuo dentro dessa rede, assim como a construção de pactos que vão gerar, ao longo do tempo, um fluxo de atendimento com caminhos a atribuições bem definidas. A confiança, o aprendizado conjunto, a capacitação compartilhada e a disseminação de informações úteis dentro dessa rede são capazes de produzir sinergias, potencializando o esforço de cada um(a) dos integrantes dessa articulação. No entanto, é pré condição a existência de serviços previstos em planos municipais de enfrentamento à política, que ganham maior complexidade na medida em que vão sendo implantados serviços e que se articulem com outras políticas municipais. O que se verifica, nos relatórios e estudos sobre as redes no Estado, é a precariedade quanto à oferta de serviços para composição de redes de atendimento, que é fruto da falta de investimentos, revelando quão pouco é prioritário o tema das políticas para as mulheres e da violência. Especificamente nas administrações municipais e também na estadual, por anos e anos. Esse quadro precisa ser revertido com um plano estadual de implantação de redes locais e regionais, com orçamento compartilhado, de forma a cobrir todo o estado. A rede de atendimento às mulheres em situação de violência traz consigo uma causa e um problema difícil de ser solucionado, marcado por desafio e frustrações. Mas é preciso lembrar que estamos falando da violação dos direitos humanos das mulheres. O baixo reconhecimento deste problema, como uma questão pública, torna premente o esforço coletivo e pactuado e mais harmônico entre os poderes. Referências BIGLIA B, San Martin C. Estado de wonderbra. Entretejiendo narraciones feministas sobre las violencias de género. Barcelona: Virus Editorial; 2007. Cad. Saúde Pública, MENEGHEL ET AL. Rotas críticas de mulhe-
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res em situação de violência: depoimentos de mulheres e operadores em Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil. N. 27(4), Pag 743-752, abr, 2011. Disponível em: http://www.lume.ufrgs.br/handle/10183/49622 CASTELLS, Manuel. O Poder da Identidade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1999. (A era da informação, economia, sociedade e cultura; v.2.). Ciência & Saúde Coletiva. Atenção integral à saúde de mulheres em situação de violência de gênero – uma alternativa para a atenção primária em saúde. LUCAS D’OLIVEIRA, Ana Flávia Pires, SCHRAIBER, Lilia Blima, HANADA, Heloisa, DURAND, Julia. Ciênc. saúde coletiva Vol.14 N.4 Rio de Janeiro July/Aug. 2009. Disponível em: http://psicologiasocial.uab.es/athenea/index.php/atheneaDigital/article/view/536 KRUG, E.G. Relatório Mundial Sobre Violência e Saúde. OMS, Genebra, 2003. Morin, Edgar. Os sete saberes necessários à educação do futuro. Cortez Editora /Unesco – 2001. NEGRÃO, Telia. Nós e rupturas da rede de apoio às mulheres. In: Violência, Gênero e Políticas Públicas, Strey, Marlene, AZAMBUJA Mariana, Jaeger, Fernandes (orgs). Porto Alegre: EDIPUCRS, 2004. p. 215-258 Revista de Administração Pública. Intersetorialidade e Redes Sociais. ALMEIDA FILHO, Naomar. Intersetorialidade, transdisciplinaridade e saúde coletiva: atualizando um debate aberto. v.34, nov.dez, 2000. Relatório do Movimento de Mulheres do Rio Grande do Sul à CPMI da Violência Contra as Mulheres. Maio, 2012. Relatório do Diagnóstico sobre as redes de atendimento à mulher, crianças e adolescentes, idosos e deficientes. Prefeitura Municipal de Porto Alegre, Coletivo Feminino Plural. 2011. SAFFIOTI, H.I.B. O poder do macho. 1ª ed. São Paulo, Ed. Moderna. 1987. SECRETARIA DE POLÍTICAS PARA AS MULHERES. Política Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres, Brasília, 2008.
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5. Rede de Atendimento às Mulheres em Situação de Violência: considerações e ensaios acerca do atendimento nos Centros de Referência da Mulher e Casas Abrigo municipais no Rio Grande do Sul Departamento de Promoção de Politicas para Autonomia da Mulher28 Resumo: O presente artigo se propõe a dar visibilidade a uma das importantes ações realizadas pela Secretaria de Políticas para as Mulheres do Rio Grande do Sul (SPM/RS), isto é, o fortalecimento e a expansão da Rede de Atendimento às mulheres em situação de violência29, as quais se destacam a reestruturação do Centro Estadual de Referência da Mulher “Vânia Araújo Machado”, e a reativação do ESCUTA LILÁS (0800 541 0831) serviço de atendimento telefônico direto ao atendimento das mulheres e de equipamentos da Rede. O fortalecimento destas ações e serviços estão vinculados a Politica Nacional de Enfrentamento à Violência contra a Mulher30, ao Pacto Nacional de Enfrentamento à Violência contra a Mulher31, que preconiza a implementação da Lei Maria da Penha e a garantia de atendimento se28 Secretaria Estadual de Politicas para Mulheres 29 Refere-se à atuação articulada entre as instituições/serviços governamentais, não-governamentais e a comunidade, visando à ampliação e melhoria da qualidade do atendimento; à identificação e encaminhamento adequado das mulheres em situação de violência; e ao desenvolvimento de estratégias efetivas de prevenção. 30 A Política Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres tem por finalidade estabelecer conceitos, princípios, diretrizes e ações de prevenção e combate à violência contra as mulheres, assim como de assistência e garantia de direitos, conforme normas e instrumentos internacionais de direitos humanos e legislação nacional. 31 Consiste em um acordo federativo entre o governo federal, os governos dos estados e dos municípios brasileiros para o planejamento de ações que consolidem a Política Nacional pelo Enfrentamento à Violência contra as Mulheres por meio da implementação de políticas públicas integradas em todo território nacional.
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guro e de qualidade às mulheres. Diante deste desafio, uma das ações de envergadura para a SPM/RS é reconhecer e identificar os equipamentos especializados para o atendimento e acolhimento às mulheres em situação de violência, como os Centros de Referência da Mulher em Situação de Violência e as Casas Abrigo. Esses serviços devem constituir-se como “territórios seguros” para o atendimento, proteção e acolhimento das mulheres. Através do Centro Estadual de Referência da Mulher “Vânia Araújo Machado”, em parceria com o Ministério Público Estadual foi realizado um levantamento/mapeamento junto às cidades que declaravam contar com CRMs (Centros Municipais de Referência da Mulher, num total de 22) e/ou CAs (Casas Abrigo, totalizando 11) específicas para mulheres. A partir desse mapa, foi encaminhado um questionário para esses municípios, com o objetivo de levantar os dados acerca do seu real funcionamento, fluxos, articulação com a rede de atendimento, recursos humanos e materiais. Este instrumento de trabalho deu origem ao I Encontro Estadual de Centros de Referência para Mulheres e Casas Abrigo do RS, que foi realizado em agosto de 2012, no Palácio do Ministério Público Estadual do RS, em Porto Alegre. O encontro permitiu a aproximação desses equipamentos, muitos pela primeira vez tendo a possibilidade de trocar e compartilhar as experiências sobre os atendimentos realizados. O Encontro procurou evidenciar as dúvidas e incertezas decorrentes do desconhecimento do real funcionamento da Rede municipal e estadual de atendimento as mulheres no RS. Estabeleceu um diálogo entre os atendimentos realizados pelo CRMVAM/ESCUTA LILÁS (0800 541 0803), sobre as dificuldades e problemas para a implementação da Lei Maria da Penha, bem como para a garantia de um atendimento seguro às mulheres. Estiveram presentes no encontro os CRMs dos municípios de Bento Gonçalves, Cachoeirinha, Canela, Canoas, Caxias do Sul, Novo Hamburgo, Santa Rosa, Santiago, São Leopoldo, Sapiranga, Três de Maio e Gravataí. Participaram municípios que já contavam com Núcleo de Atendimento Especializado à Mulher em Situação de Violência, como Viamão e Boqueirão do Leão. Municípios que estavam investindo na implantação de CRMs somaram-se ao encontro como: Porto Alegre, Caraá, Panambi, Parobé, Torres, sendo os quatro últimos beneficiados nesta implantação a partir de recursos do Orçamento do Estado de-
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mandados através da Participação Popular Cidadã/PPC. Quanto às Casas Abrigo, os municípios presentes foram Caxias do Sul, Porto Alegre, Santa Rosa, Sapiranga e Três de Maio. Com a centralidade no tema “Rede de Atendimento às Mulheres em Situação de Violência: conceitos, orientações e diretrizes para um atendimento especializado de qualidade”, o encontro foi ganhando contornos significativos. Revelou o quanto ainda os processos de estruturação e fortalecendo da Rede são complexos, e o quanto as dimensões culturais, jurídicas e sociais acerca do debate de gênero, direitos humanos e políticas para mulheres precisavam ser refletidos e ressignificados. Pluralidade de ideias, concepções diversas e muita vontade de “tecer a rede ideal” permearam o trabalho.
Primeiras aproximações - Rede de Atendimento no RS: Como serviços especializados o RS conta hoje com 22 CRMs32 ; 11 CA33; 15 DEAMs34; Núcleos de Atendimento às mulheres em situação de violência, Casa de Passagem, Núcleos e Postos de Atendimento às mulheres nas delegacias comuns; Promotorias Especializadas, Defensoria e Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra às mulheres em Porto Alegre; Programa Escuta Lilás 08005410803; serviços de saúde voltados para atendimentos aos casos de violência sexual e doméstica. A Rede não especializada é composta pelos Centros de Referência de Assistência Social (CRAS); Centros de Referência Especializado em Assistência Social (CREAS); Ministério Público, Defensorias Públicas, Rede de Saúde (hospitais gerais, serviços de atenção básica, programa saúde da família); Delegacias comuns; Policia Militar e Policia Federal. Todos esses serviços que compõem a rede governamental entrelaçam-se com as ONGs, compondo uma estrutura de enfrentamento 32 Bagé, Barão, Bento Gonçalves, Cachoeirinha, Canoas, Canela, Capão da canoa, Caxias do Sul, Cruz Alta, Gravataí, Imbé, Ivoti, Novo Hamburgo, Porto Alegre, Santa Rosa, Santana do Livramento, Santiago, São Leopoldo, Sapiranga, Veranópolis, Três de Maio 33 Bagé, Canoas, Caxias do Sul, Cruzeiro do Sul, Passo Fundo, Pelotas, Porto Alegre, Santa Cruz do Sul, Santa Rosa, Três de Maio e Viamão 34 Canoas, Caxias do Sul, Cruz Alta, Erechim, Gravataí, Ijuí, Lageado, Novo Hamburgo, Pelotas, Rio Grande, Santa Cruz do Sul, Santa Maria, Santa Rosa, Passo Fundo, Porto Alegre
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e suporte com o foco direcionado ao melhor atendimento à mulher em situação de violência e, ainda, na capacitação destas mulheres para o efetivo rompimento com a violência, através da sua promoção e do seu empoderamento. Os dados do levantamento realizado com os CRMs e CasasAbrigo apontam que 7.717 mulheres foram atendidas por estes equipamentos no RS no ano de 2011. Importante destacar que, para fins de apuração destes dados, foram considerados os 21 questionários nos quais identificados apenas 17, pois foram os retornos tabulados até o momento do encontro. Em relação aos recursos humanos, observa-se a presença de ao menos um/a técnico/a de apoio como assistente social, psicólogo/a e assessor/a jurídico/a em todas as Casas Abrigo. Profissionais como nutricionistas, pedagogos/as e enfermeiro/as que a diretriz nacional propõe como necessário, são raros. A maioria conta com a presença de auxiliar de serviços gerais, enquanto outros profissionais de apoio como cozinheiro/a, motorista, técnico/a administrativo/a, recreacionista, berçarista e segurança quase inexistem. Pode-se, assim, afirmar que estas Casas estão operando com uma equipe abaixo do estimado para o seu bom funcionamento. Apenas 11 CRMs contam com assistente social, 13 com psicóloga/o, 11 com assessoria jurídica, 13 possuem coordenador/a, 13 dispõem de profissionais de apoio, além de 07 estagiárias/os de nível superior. Estes profissionais são cedidos por outros órgãos, ocupam cargos de confiança, enquanto outros são contratados. Destes CRMs, 10 confirmaram receber capacitação específica sobre o tema da violência contra a mulher. Quase todos os equipamentos reconhecem a importância da Rede de serviços e contam com este apoio operacional. Como dificuldades, foram apontadas: a necessidade de maior agilidade no atendimento pela Brigada Militar, a falta de Casas Abrigo ou de Albergues, assim como a falta de maior capacitação dos profissionais nas temáticas de gênero, violência e Lei Maria da Penha. Há quem indique, também, a falta de transporte para agilizar o atendimento às demandas. Quanto aos aspectos físicos, orçamentários e materiais dos serviços CRMs e CAs, ainda que as diretrizes preconizem espaços físicos amplos, iluminados, ventilados, com condições salubres para as usuá-
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rias, filhas/os e técnicas/os que ali trabalham, esta não é uma realidade dos serviços. Os CRMs e CAs funcionam muito aquém das condições mínimas indicadas pela Política Nacional. Os dados apontados indicam que os serviços apresentam estruturas ambientais precárias, bem como insuficiência de equipamentos básicos como computadores, linhas telefônicas, Internet e carro para o atendimento das demandas. Há evidências de que todos enfrentam dificuldades orçamentárias. Todos os CRMs e CAs reconhecem a importância da integração da Rede de enfrentamento à violência contra mulher como CRAS, CREAS, Defensoria Pública, Ministério Público, Judiciário, casa de apoio, albergues, Secretaria de Saúde, hospitais geral, para o bom desenvolvimento das ações, investindo na sua articulação permanente. Os dados dos questionários respondidos pelos CRMs e CAs demonstraram interesse por mais capacitações, formações, novas edições de cursos, outros eventos, assim como espaços de supervisão especializadas. Destacou-se que a natureza do trabalho com a violência contra mulher traz sofrimentos e angústias, sentimentos de impotência, e exige também um acompanhamento e fortalecimento dos trabalhos das/os profissionais que atuam nestes equipamentos.
Considerações finais: Conforme foi possível constatar, com base nos dados identificados pelos questionários, bem como nas questões debatidas durante o I Encontro, o funcionamento dos equipamentos de apoio às mulheres em situação de violência ainda está abaixo das expectativas no que se refere às condições de atendimento. Somos 497 municípios e temos apenas 22 CRMs e 11 CAs. A composição de uma Rede especializada necessita ser implementada e qualificada. Os órgãos existentes vêm funcionando de forma limitada, reduzida e em alguns casos de forma sofrível, seja pela precariedade de quadro técnico, seja pela inexistência de equipamentos ou pela falta de organismos de gestão de políticas para mulheres que atuem de forma efetiva. Alguns equipamentos especializados em atender à violência contra a mulher ainda encontram-se vinculados a Secretarias de Saúde em
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programas como CAPS, Assistência Social e Segurança Pública, carecendo de autonomia, visibilidade e orçamento. Há uma necessidade de formação continuada e permanente para os/as profissionais que atendem nesses espaços, mas há igualmente necessidade de formação e capacitação para os serviços que compõe a rede como um todo, bem como uma formação diferenciada que considere também a especificidade do atendimento à mulher. Percebemos que a política voltada para as mulheres vem avançando e crescendo no Brasil e no RS, ainda que de forma muito tímida. Faz se necessário definir o “lócus” desta política, afirmando-se num espaço específico com profissionais capacitados, local e orçamento próprio. Precisamos enquanto política estadual estabelecer um financiamento para a manutenção destes equipamentos, repasse de recursos/ convênios para estes serviços que são municipais e necessitam de suporte orçamentário para sua sustentabilidade. São necessárias alianças com movimentos sociais, conselhos de direitos e ONGs, para garantir a implementação de uma política efetiva no Estado. Estes atores e atrizes são parcerias estratégicas para a implementação da Politica Nacional em consonância com os preceitos legais, normativos para a construção de um Estado mais justo, mais igual, para que as mulheres gaúchas possam viver livres de forma de violência e discriminações. Referências CRUZ, Ane; ARAÚJO, Jadilza e SILVA, Taís Cerqueira. Política Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres – Secretaria de Políticas para as Mulheres - Presidência da República. Coleção Política Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres. Brasília, 2011 SILVA, Taís Cerqueira. Rede de Enfrentamento à Violência Contra as Mulheres. Secretaria de Políticas para as Mulheres - Presidência da República. Coleção Política Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres. Brasília, 2011. CRUZ, Ane. Pacto Nacional pelo Enfrentamento à Violência contra as Mulheres. Secretaria de Políticas para as Mulheres - Presidência da República. Coleção Política Nacional de Enfrentamento à
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Violência contra as Mulheres. Brasília, 2011. SILVA, Taís Cerqueira. Diretrizes Nacionais para o Abrigamento de mulheres em situação de risco e de violência. Secretaria de Políticas para as Mulheres - Presidência da República. Coleção Política Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres. Brasília, 2111.
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6. A Lei Maria da Penha e as Delegacias Especializadas no Atendimento à Mulher
Nadine Tagliari Farias Anflor35
Resumo: O presente artigo analisa o papel das Delegacias Especializadas no Atendimento à Mulher – DEAMs - no enfrentamento à violência doméstica, os avanços já conquistados e alguns desafios a serem superados após a Lei Maria da Penha. Vítimas de violência doméstica, milhares de mulheres procuram diariamente vencer a dor, a impotência e o medo. Após a condenação do Estado Brasileiro na Comissão Interamericana de Direitos Humanos pela demora injustificável de conclusão de um processo penal envolvendo o tema, as mulheres conquistaram uma legislação específica de proteção: a Lei 11.340 de 22 de setembro de 2006, mais conhecida como Lei Maria da Penha. Nesse sentido, o artigo busca demonstrar o avanço jurídico já alcançado, principalmente quanto às inovações trazidas nas atribuições da Polícia Judiciária, mas mais do que isso, reafirma a importância da existência de órgãos especializados na Polícia Civil como principal ação afirmativa de enfrentamento à violência contra a mulher e questiona a necessidade de outras políticas públicas de prevenção e assistência às vítimas.
1. VITIMIZAÇÃO FEMININA ATRAVÉS DOS TEMPOS: Historicamente as sociedades primitivas sobreviviam e defendiam-se de ataques baseados na força física, a sobrevivência dependia de atividades compatíveis com a força corporal do homem, enquanto à mulher cabia apenas a função doméstica e a criação dos filhos. A elas foi reservado o papel da submissão, aos homens, a figura de provedor e protetor, moldando-se assim a típica sociedade patriarcal.36
35 Graduada em Direito pela Universidade de Passo Fundo, Pós-graduada em Direito Público pela Faculdade Projeção de Brasília, Especialista em Direito Sanitário pela Unisinos e Escola de Saúde PúblicaRS, Delegada de Polícia Titular da Delegacia de Polícia Especializada no Atendimento à Mulher de Porto Alegre-RS e Coordenadora das DEAMs da Polícia Civil do Estado do Rio Grande do Sul. 36 PORTO, Pedro Rui da Fontoura. Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher. 2007, p.14.
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Na Idade Média considerava-se normal o homem agredir a mulher. Nessa época a mulher foi vitimizada não apenas pelo seu marido, mas também pelas religiões que tinham na figura feminina o portal do pecado. Sobre elas pesavam as acusações de bruxaria, capazes de levarem as mesmas à fogueira e à tortura. Tanto a Igreja como os soberanos admitiam a violência. Os homens tinham o direito de bater em suas mulheres e ninguém intercedia por elas, tendo em vista que achavam um direito do marido castigar a esposa quando achasse necessário.37 Uma das maiores violências cometidas contra as mulheres foi a caça às bruxas; o cenário de horror foi a Europa: “As pilhas de lenhas e gravetos já estavam acesas e a multidão inquieta aguardava o início do ritual que conhecia tão bem. Afinal, execuções eram espetáculos imperdíveis, que atraíam a atenção de pessoas vindas de vários cantos. Em meio ao ruído abafado dos comentários sobre os horrores que havia cometido, surgiu enfim a condenada. A turba, que já estava agitada, aproveitou para liberar a tensão reprimida: objetos, palavras de ódio, risos e piadas partiam de todas as direções contra a terrível criatura. Não houve muitas delongas. A sentença foi lida rapidamente, o carrasco num gesto piedoso, estrangulou a condenada para que não enfrentasse as chamas viva e, em poucos minutos, seu corpo ardia, diante da aclamação selvagem da assistência”.38
Durante mais de 300 anos, a Europa, em suas praças, assistiu ao extermínio de mais de sessenta mil mulheres, vítimas de perseguição por religiosos e tribunais leigos da Inquisição. Uma célebre vítima condenada à fogueira foi a heroína francesa Joana d’Arc, em 30 de maio de 1431, porque julgaram-na bruxa devido a visões que tinha desde criança.39
37 LUTHEMAIER, Rejane Madalena. A Violência contra a mulher: aspectos nos julgamentos quando a vítima é mulher. 1994. 38 LADEIRA, Cadu; LEITE, Beth. Bruxas: as mulheres em chamas. 1993. 39 LADEIRA, Cadu; LEITE, Beth, op.cit.
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Conforme LADEIRA e LEITE: “A aversão à mulher como ser mais fraco e, portanto, mais propenso a sucumbir à tentação diabólica era moeda corrente em todas as regiões da Europa — dos pequenos vilarejos camponeses aos grandes centros urbanos. Nos sermões de padres por toda a Europa, proliferava a concepção de que a bruxaria estava ligada à cobiça carnal insaciável do “sexo frágil”, que não conhece limites para satisfazer seus prazeres. Com seu “furor uterino”, para o homem a mulher era uma armadilha fatal, que podia levá-lo à destruição, impedindo-o de seguir sua vida tranqüilamente e de estar em paz com sua espiritualidade.O clima de desconfiança em relação às mulheres teve também predileções profissionais. Quando não era o caso de grandes perseguições orquestradas para expurgar males como a peste, certos ofícios tipicamente femininos tinham precedência na lista de denúncias. Curandeiras, vitais para uma sociedade onde a medicina ainda era uma ciência incipiente, tornavam-se herejes e apóstatas da noite para o dia, cozinheiras também viviam sob constante desconfiança, assim como as parteiras”.40
Em 1786, na Inglaterra, era considerado desumano bater na mulher com imoderação. Houve um avanço, podendo o homem bater em sua mulher com moderação. Quem se excedia era julgado e podia ser punido. AZEVEDO, em sua obra, transcreve da obra de Langley e Levy41 o pensamento de um jurista inglês, que o marido podia castigar a esposa a fim de corrigir os seus erros, porém de forma moderada: “O marido, de acordo com a antiga lei, pode aplicar um moderado corretivo em sua esposa. Por ter ele de responder pelo comportamento da esposa, a lei achou razoável outorgar-se ao marido o poder de conter a es40 LADEIRA, Cadu; LEITE, Beth, op.cit. 41LANGLEY e LEVY apud AZEVEDO, Maria Amélia. Mulheres espancadas: a violência denunciada. 1985, p.26.
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posa com castigos domésticos aplicados com a mesma moderação permitida a um homem para aplicar corretivos em seus filhos ou aprendizes”.
No Brasil não foi diferente. A discriminação da mulher na sociedade foi fruto de leis e costumes criados; ela não teve, até certo ponto, direito ao voto, à vida pública, à autoridade, a determinados cargos, à melhor educação, a melhores profissões (e mais rentáveis), à propriedade e aos negócios. A partir de 1962, quando da promulgação do Estatuto da Mulher Casada, a mulher passa a ter mais direitos, pois até então tinha de ter autorização do marido para trabalhar fora.42 Com maior liberdade, a mulher brasileira começa a fazer parte da força de trabalho, não esquecendo de ser mãe e esposa, contribuindo com a renda familiar. Até então sempre trabalhou, mas somente neste século foi pago salário pela sua jornada de trabalho.43 O movimento feminista surgiu a partir da década de 80, trazendo como bandeira de luta a violência contra a mulher. Os homicídios chamados crimes de paixão, que repercutiram no país inteiro, ocasionaram passeatas e protestos e contribuíram para o surgimento de instituições de defesa das mulheres. A luta da mulher foi longa e sua conquista foi reconhecida internacionalmente pelos inúmeros tratados, convenções e declarações que foram sendo firmados e inseridos nas legislações internas.
1. A CRIAÇÃO DAS DEAMs: 25 ANOS DE CONQUISTAS O movimento de mulheres no Brasil, que incansavelmente buscava combater a discriminação, o preconceito e a violência, fortaleceu-se nos anos 70, mas somente nos anos 80 surgiram suas primeiras conquistas. Foi na década de 1980 que a violência contra as mulheres se constrói como um grave problema social em torno do qual se cons42 LUTHEMAIER, op.cit. 43 Ibidem.
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tituem as mobilizações políticas no Brasil (GROSSI, 1998). Frente ao crescente e alarmante número de mulheres assassinadas por seus cônjuges e à absolvição sob o argumento de legítima defesa da honra, a categoria “violência contra a mulher” virou um dos principais signos políticos dos movimentos feministas, que conta com adesão das mais diferentes parcelas da população (HEILBORN; SORJ, 1999). Integrantes desse movimento buscavam respeito e espaço na sociedade, cientes da existência da violência de gênero e da violência doméstica como uma epidemia, pensaram, inicialmente, em dar visibilidade ao problema, buscando, portanto, um espaço institucional dedicado à defesa dos direitos das mulheres. Assim, surgiram as Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher (DEAMs), como experiência pioneira, genuinamente brasileira, para que a sociedade reconhecesse a natureza criminosa da violência baseada em diferenças de gênero à qual a mulher estava submetida. Nesse sentido, como primeira política pública de enfrentamento à violência contra a mulher, em 1985, foi criada a Delegacia de Defesa da Mulher, em São Paulo, constatando-se, desde logo, uma grande demanda, o que motivou a expansão das “Delegacias da Mulher” em todo o país. No Estado do Rio Grande do Sul, em 08 de março de 1988, a Polícia Civil instalou sua primeira “Delegacia de Polícia para a Mulher” na Cidade de Porto Alegre, expandindo-se, inicialmente, o mesmo trabalho especializado para os Municípios de Caxias do Sul e Canoas. Atualmente contamos com 16 DEAMs localizadas nas Cidades de Porto Alegre, Canoas, Gravataí, Novo Hamburgo, Santa Maria, Santa Cruz do Sul, Rio Grande, Pelotas, Erechim, Passo Fundo, Ijuí, Cruz Alta, Caxias do Sul, Lajeado, Santa Rosa e Bento Gonçalves, além de 20 Postos Policiais da Mulher. Em 2011 foi criada a Coordenadoria das DEAMs e apenas em 2012 as Delegacias de Polícia para a Mulher tiveram formalmente reconhecida a sua condição de Delegacia Especializada, passando a se chamar “Delegacia de Polícia Especializada no Atendimento à Mulher”. No Brasil, temos mais de 400 Delegacias Especializadas que representam a luta pela não violência contra as mulheres e oferecem instrumentos legais de repressão dos delitos em que elas figuram como vítima. Essa luta não é contra os homens, mas é uma luta pela igualdade, pois em que pese a Constituição Federal, no artigo 5º, I,
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tenha reconhecido a igualdade formal entre os gêneros masculino e feminino, prevendo que “homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações”, isso não bastou para promover a igualdade material, que decorre de mudanças culturais e de valores ainda a serem alcançados. Daí a necessidade da discriminação positiva, consistente em medidas especiais, capazes de assegurar o progresso de grupos ou segmentos sociais. E a existência de Delegacia da Mulher foi a grande ação afirmativa, no entanto, já percebemos que se outras políticas públicas de prevenção, assistência e enfrentamento da violência não forem instituídas, continuaremos criando e instalando órgãos policiais especializados sem alcançarmos o desejo da vítima, que é ter autonomia e uma vida sem violência. Precisamos que ocorra, na prática, uma total integração da rede de atendimento, composta por órgãos municipais e estaduais e que as políticas públicas para as mulheres sejam políticas de Estado e não de Governos. Assim, não basta a existência de um local para denúncia, é fundamental que a vítima seja acolhida por psicólogos e assistentes sociais, a fim de que ingresse em um processo de empoderamento, conseguindo, então, romper com o ciclo da violência.
2. LEGISLAÇÃO BRASILEIRA REFERENTE À MULHER: 2.1 Fundamento Constitucional de Proteção à Mulher: Um dos princípios mais importante trazidos com a Constituição Federal de 1988 foi o da igualdade, ou seja, todos são iguais perante a lei44, tanto os homens como as mulheres são iguais em direitos e obrigações45, inclusive na sociedade conjugal46. No entanto, essa igualdade, muitas vezes ainda é uma igualdade apenas formal – legal. Pre44 CF, 1988, Art. 5º, caput. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindose aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade. 45 CF, 1988, Art 5º, I. Homens e Mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição. 46 CF, 1988, Art 226, §5º.Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher.
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tendendo-se com o avanço de legislações sobre o tema transformá-la numa igualdade material – real, na exata medida de sua desigualdade. A proteção da mulher deve ser um dos objetivos a ser alcançado pelo Poder Público, pois nem todas as mulheres possuem uma posição de independência em relação aos homens. No Brasil, algumas mulheres ainda dependem do marido ou do companheiro. Há, porém, outras trabalhando no mercado informal e grande parte delas, apesar de exercerem os mesmos postos dos homens, não tem reconhecida a tão sonhada igualdade, recebendo salários bem menores. Preocupada com a violência intrafamiliar, a Constituição Federal, em seu art. 226 §8º traz o dever do Estado de assegurar a assistência à família, na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência, no âmbito de suas relações. De acordo com PORTO (2007, p.17): “A Constituição demonstra, expressamente, a necessidade de políticas públicas no sentido de coibir e erradicar a violência doméstica, especialmente aquela contra os integrantes mais fragilizados da estrutura familiar – idosos, mulheres e crianças”. Nessa esteira da evolução surgiu a Lei Maria da Penha – Lei 11.340 de 22 de setembro de 2006; do empenho enaltecedor de uma mulher: Maria da Penha Maia Fernandes, vítima de violência doméstica que corajosamente recorreu à Comissão Interamericana de Direitos Humanos, órgão integrante da OEA (Organização dos Estados Americanos) e conseguiu a condenação do Estado Brasileiro pela demora injustificável de conclusão do processo penal que apurava os crimes cometidos pelo seu ex-marido. Maria da Penha foi vítima de tentativa de homicídio, por duas vezes, e somente 19 anos depois do fato criminoso viu o agressor finalmente preso pelos delitos que cometeu. Em que pese as inúmeras tentativas de reconhecimento de sua inconstitucionalidade, já superadas pela decisão do Supremo Tribunal Federal, através da ADC n.19, de 09 de fevereiro de 2012, que declarou, de forma unânime, sua constitucionalidade, observa-se, na prática, a importância desse novo regramento, bem como a conquista de vários anos das mulheres vítimas de violência que buscavam uma intervenção mais imediata e efetiva do Poder Público, logo após terem sofrido qualquer tipo de violência doméstica. Com o passar dos anos ficou evidente que a Lei 9.099/95 não vinha resolvendo questões como a violência familiar, apresentando-se como um desrespeito à dignidade feminina, por estar atrelada a impor-
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tâncias simbólicas em dinheiro, como o pagamento de cestas básicas. Nas Delegacias de Polícia era possível constatar a falha do sistema até então existente; mulheres vítimas de agressões e ofensas proferidas pelos seus companheiros retornavam ao órgão policial e diziam “ele pagou a cesta básica e já está me ameaçando de agressão novamente!”. Muitas desistiam de denunciar novos fatos por saber de antemão que a comunicação do crime não surtiria os efeitos necessários. A Lei 9.099/95 causava indignação na vítima e era sinônimo de impunidade. Questionava-se até que ponto a informalidade, celeridade, oralidade e economia processual, como nova tendência de direito penal, não colocava em risco as vítimas de violência doméstica e familiar.
3. AS INOVAÇÕES NO ÂMBITO DA POLÍCIA JUDICIÁRIA: A Lei Maria da Penha valorizou com grande intensidade a função da autoridade policial que, de regra, é a primeira a ter contato com as vítimas. Estabeleceu um capítulo específico de medidas a serem adotadas pela Polícia Judiciária, a fim de garantir proteção física imediata à mulher e seus dependentes. Em seus artigos 10, 11 e 12, localizados no Capítulo III, é possível encontrar novas medidas a serem tomadas ainda no âmbito policial, tais como: o acompanhamento policial à ofendida até o local da ocorrência a fim de assegurar a retirada de seus pertences (sem a necessidade de mandado de busca e apreensão) e a possibilidade de encaminhar ao Judiciário, em 48h, expediente apartado com o pedido da ofendida para a concessão de medidas protetivas de urgência. Sendo esta a grande inovação legal. A possibilidade de solicitar, no mesmo momento do registro da ocorrência policial, as chamadas medidas protetivas de urgência que prevêem o afastamento do agressor do lar; proibição de aproximação da ofendida e familiares; prestação de alimentos provisionais ou provisórios; a suspensão da posse ou restrição do porte de armas; entre outras; e a certeza de que essa solicitação será analisada em curto espaço de tempo, trazem, agora sim, a celeridade do atendimento. Em Porto Alegre, após a criação do Juizado da Violência Doméstica, houve uma aproximação bastante significativa da Polícia Judiciária com o Poder Judiciário. Em casos de extrema gravidade, havendo ne-
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cessidade imediata de análise da medida protetiva solicitada, a própria equipe da DEAM, logo após o registro da ocorrência policial, encaminha a vítima até o Juiz de Direito que analisa o pedido na presença da mesma, sem a necessidade de aguardar o decurso do prazo previsto em lei. Além disso, a previsão do art. 41 da referida Lei, que afasta a aplicação da Lei 9.099/95 aos crimes praticados com violência doméstica ou familiar contra a mulher, trouxe outra mudança a ser comemorada, a possibilidade de prisão em flagrante do agressor. Nesse sentido, louvável também a previsão de possibilidade de prisão preventiva do agressor, conforme nova redação do art. 313 do Código de Processo Penal, precisamente quando há a comprovação de que medidas mais brandas, como a determinação judicial de afastamento, não lograram conter os impulsos agressivos do mesmo.
4. DADOS ESTATÍSTICOS DA VIOLÊNCIA DE GÊNERO NO RS: Conforme dados estatísticos da DEAM de Porto Alegre, em 2012 foram registradas 12.792 ocorrências policiais com vítimas mulheres, sendo que 90% dessas ocorrências com históricos de violência doméstica ou familiar. Durante esse mesmo ano, de acordo com estatísticas criminais do Departamento de Gestão e Estratégia da Secretaria de Segurança Pública, foram mortas 91 mulheres no Estado do Rio Grande do Sul. Todas elas assassinadas pelos seus maridos, companheiros, ex-companheiros, namorados, filhos, pais ou padrastos.
Cor/Etnia da Vítima
%
BRANCA
75
82,4
NEGRA
14
15,4
não informado
2
2,2
Total geral
91
100,0
Relatório Lilás
81
Idade das Vítimas
%
15 a 19 anos
10
11,0
20 a 24 anos
17
18,7
25 a 29 anos
16
17,6
30 a 34 anos
9
9,9
35 a 39 anos
10
11,0
40 a 44 anos
9
9,9
45 a 49 anos
4
4,4
50 a 54 anos
6
6,6
55 a 59 anos
3
3,3
mais de 60 anos
7
7,7
Total geral
91
100,0
Situação do autor
82
%
RECOLHIDO
40
44,4
EM LIBERDADE
29
32,2
MORTO(suicídio)
20
22,2
DESAPARECIDO
1
1,1
Total geral
90
100,0
Relatório Lilás
Idade dos autores
%
15 a 19 anos
4
4,4
20 a 24 anos
15
16,7
25 a 29 anos
12
13,3
30 a 34 anos
14
15,6
35 a 39 anos
11
12,2
40 a 44 anos
12
13,3
45 a 49 anos
6
6,7
50 a 54 anos
9
10,0
55 a 59 anos
3
3,3
mais de 60 anos
4
4,4
Total geral
90
100,0
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS: A Lei 11340/06 deve ser reconhecida como resposta a uma situação de descaso das autoridades brasileiras frente à questão da violência doméstica, acobertada até então pela cultura de que “em briga de marido e mulher não se mete a colher”. Não são poucas as mudanças que a Lei Maria da Penha estabelece, tanto na tipificação dos crimes de violência contra a mulher, quanto nos procedimentos judiciais e policiais. Ela tipifica a violência doméstica, altera o Código Penal, o Código de Processo Penal e prevê, ainda, inéditas medidas de proteção para a mulher em risco de morte. A alteração legislativa trouxe à autoridade policial a possibilidade de autuação em flagrante dos autores de crimes ocorridos no ambiente doméstico ou familiar com violência de gênero. Atualmente é possível dar uma resposta à vítima logo após o delito ter sido cometido, evitan-
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do-se, assim, a frustração que anteriormente ocorria por ouvir sobre a impossibilidade de ver seu agressor preso, pois se tratava de delito de menor potencial ofensivo. Nessa linha, também há de ser comemorada a possibilidade de acompanhamento à vítima para a retirada de seus pertences do domicílio, sem a necessidade de aguardar uma decisão judicial, baseandose apenas em uma Ordem de Serviço expedida imediatamente pela autoridade policial. Em alguns casos, no mesmo momento em que há o acompanhamento dos policiais ao local do fato, o agressor já é intimado para prestar esclarecimentos, percebendo incontinenti a intervenção do Poder Público diante da situação. A violência doméstica é um problema crucial do Brasil, daí porque a necessidade da Lei 11.340/06, fazendo-se imperativo que agora a sociedade exija sua implementação, pressionando os poderes públicos para que a vítima tenha uma Delegacia mais adequada; um Judiciário eficiente, com Varas Especializadas e Equipe Multidisciplinar; que sejam criadas as redes de atendimentos, Coordenadorias da Mulher, Centros de Referência, casas de passagem e casas abrigo para onde, em casos de emergência, essas vítimas possam ser encaminhadas. É preciso, ainda, que a sociedade ofereça opções para essas mulheres, principalmente independência econômica, para que possam sustentar seus filhos. Sabemos que a criminalidade vem aumentando em índices alarmantes, no entanto, enquanto as violências que ferem homens são geralmente praticadas no espaço público, às violências contra mulheres, em sua imensa maioria, acontecem dentro dos lares ou em espaços fechados; via de regra por pessoas de suas relações afetivas: maridos, companheiros, irmãos, pais ou padrastos, tios ou avós. Por vergonha e constrangimento, permanecem subterrâneas, encobertas por inúmeros valores culturais que banalizam os fatos, provocando lesões também nos dependentes. Por isso a comemoração desses instrumentos poderosos da Lei Maria da Penha, que, claro, precisam ser adaptados a cada realidade, mas que com certeza são em benefício de uma sociedade melhor e menos desigual.
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Referências AZEVEDO, Maria Amélia. Mulheres espancadas: a violência denunciada. São Paulo: Cortez, 1985. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/legislacao/const/. Acessado em 12/01/08. CUNHA, Rogério Sanches; PINTO, Ronaldo Batista. Violência Doméstica. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. LADEIRA, Cadu; LEITE, Beth. Bruxas: as mulheres em chamas. Disponível em: http://super.abril.com.br/superarquivo/1993. Acessado em 15/01/08. LUTHEMEIER, Rejane Madalena. A violência contra a Mulher:aspectos nos julgamentos quando a vítima é mulher. São Leopoldo, maio de 1994. Trabalho de Conclusão do Curso de Direito, Centro de Ciência Jurídicas, Universidade do Vale do Rio dos Sinos, 1994. DIAS, Maria Berenice. A lei Maria da Penha na Justiça. Porto Alegre: RT, 2007. PORTO, Pedro Rui da Fontoura Porto. Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher. Porto Alegre, Livraria do Advogado Editora, 2007
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7. Patrulha Maria da Penha: Polícia comunitária e enfrentamento a violência de gênero 47
Nádia Rodrigues Silveira Gerhard48
Resumo: A violência contra as mulheres traz sérias e graves consequências não só para o seu pleno e completo desenvolvimento, comprometendo o exercício da cidadania e dos direitos humanos, mas da mesma maneira, compromete o desenvolvimento socioeconômico do país, uma vez que é gasto em torno de 1,8% do PIB brasileiro em despesas advindas de todo o atendimento com a saúde, sistema de segurança pública, justiça, advogado, entre outros que envolvem a violência doméstica. Neste ínterim, destacamos, também, que a cada cinco dias de trabalho, a mulher, vítima de violência, tem um dia de falta, ou seja, a violência deixa de ser uma questão privada, para tornar-se objeto de preocupação social. A violência tem sido concebida como toda relação em que há abuso de poder (Corsi,2003), podendo manifestar-se de diferentes formas, agressão verbal, psicológica, patrimonial, sexual, agressão física, enfim toda a ação ou omissão que cause sofrimento da mulher e, por consequência, da família. No decorrer dos anos, estamos assistindo um aumento exacerbado de óbito e maus tratos de mulheres vítimas de violência doméstica em nosso Estado. Tivemos no ano de 2010, oitenta e quatro (84) mulheres mortas, em 2011, quarenta e cinco (45) e no ano de 2012, noventa e três (93) mulheres morreram dentro de seus lares, local que deveria servir de refúgio, de acolhimento, de proteção, de unidade familiar. Estas mulheres tiveram suas vidas ceifadas por agressores que, infelizmente, não foram devidamente impedidos pelo poder público. A população exige soluções rápidas, mas o que observamos é a amplia47 Em apenas cinco meses, de 20 de outubro de 2012 até 20 de março de 2013, a Patrulha Maria da Penha já atendeu 570 mulheres com Medida Protetiva de Urgência, realizou mais de 1.800 fiscalizações e 5 agressores foram presos, por desobediência. Salienta-se, que a atuação da Patrulha acontece, como projeto, somente nos 4 Territórios de Paz em Porto Alegre: Rubem Berta, Lomba do Pinheiro, Morro Santa Teresa e Restinga. 48 Tenente Coronel da Brigada Militar – Coordenadora Estadual da Patrulha Maria da Penha – RS
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ção das dificuldades para resolver a complexa questão. Segundo dados apontados pela Secretaria da Segurança Pública do Estado do Rio Grande do Sul (SSP/RS), estudos revelam que a violência doméstica atinge milhares de mulheres, independentemente da idade ou classe social. A maioria dos casos ocorre dentro de casa e os agressores são os maridos, companheiros ou pessoas com quem a vítima possuía relação afetiva. De acordo com as estatísticas apresentadas, de cada três mulheres uma sofreu ou irá sofrer violência doméstica no Rio Grande do Sul. O exposto inquieta toda a sociedade gaúcha e por este motivo, se fez necessário alavancar políticas transversais que resultassem na erradicação desses índices com a mobilização de todos os órgãos da Secretaria de Segurança Pública, Brigada Militar, Polícia Civil, Instituto Geral de Perícias e SUSEPE com a criação de uma Rede de Atendimento da Segurança Pública para enfrentar definitivamente a violência doméstica. As práticas tradicionalmente utilizadas para o atendimento à violência doméstica por parte da Brigada Militar situam-se em ações prédelito ou em ações pós-delito. No primeiro caso, na maior parte das vezes consistem na prevenção pela ação de presença, real ou potencial, sendo aquela a representada pela presença física do policial em determinado local, e esta consiste na capacidade de comparecimento a locais de risco. No campo das ações pós-delituais, satisfaz à polícia tradicional a coleta das provas, o interrogatório e a prisão de pessoas e a apreensão de objetos, com a finalidade de estabelecer autoria e materialidade de infrações penais. Tais práticas mostram-se não inteiramente eficazes, ainda que em um caso possam evitar alguns crimes (deslocá-los, na verdade) e, em outro, possam apontar a autoria de infrações: de acordo com a filosofia de Polícia Comunitária, a atuação policial abrange bem mais do que isso, iniciando pela interação comunitária, envolvimento, comprometimento, formação de redes de cooperação, prevenção propriamente dita, atendimento a fatos consumados, investigação, apuração penal e acompanhamento pós-traumático, dando ao cidadão e à cidadã, efetivamente, o pleno atendimento na esfera de atuação dos órgãos policiais, especificamente da Polícia Militar. Desta forma, com o objetivo de comprovar a efetividade das práticas de Polícia Comunitária, foi instalado, na Brigada Militar, um programa de pleno atendimento policial às mulheres vítimas de violência
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doméstica, com atendimento e fiscalização da “Patrulha Maria da Penha” através de policiais militares capacitados, contemplando a adequação de recursos, meios e práticas de polícia às necessidades das vítimas e buscando seu envolvimento completo na solução da violência doméstica, entendendo-se o cidadão, a cidadã e a sociedade não apenas como clientes, mas como parceiros e parceiras nos serviços desempenhados pela polícia e o policial militar, como um organizador das potencialidades comunitárias, em lugar de ser apenas um prestador de serviços, exercendo com plenitude todas as dimensões do conceito de polícia ostensiva e de preservação da ordem pública (ordem, consentimento, fiscalização e sanção de polícia), constitucionalmente atribuídas, lato senso, aos órgãos policiais definidos no art.144, e, strictu senso, à Polícia Militar. As estatísticas comprovam que a simples medida protetiva não tem alcançado a segurança e tranqüilidade que as mulheres que se encontram em tal situação merecem. Observamos que, mesmo “amparadas” por tal instrumento, muitas vezes as mulheres voltam a ser agredidas, violentadas e até assassinadas pelos mais diversos motivos. O fim de um relacionamento, uma desavença conjugal, um sentimento de posse e propriedade sobre a companheira são razões que têm levado nossas mulheres às agressões constantes e, não raras vezes, à morte. Por este motivo, foi criada a Patrulha Maria da Penha que realiza rotineiras e coordenadas visitas residenciais com o objetivo de atuar de forma preventiva, proporcionando um acompanhamento aproximado da situação familiar em que vive tanto a vítima das agressões, quanto os seus dependentes. Neste momento também buscando quebrar o ciclo de violência aprendido pelos pequenos (filhos e filhas) e que tendem repeti-lo na fase adulta. Com o intuito de efetivamente enfrentar a violência doméstica, a Patrulha Maria da Penha tem como objetivo primordial a fiscalização das Medidas Protetivas de Urgência solicitada pela vítima e o fiel cumprimento destas por parte de seu agressor, cabendo salientar que esta é uma lacuna que até o presente momento não havia sido preenchida, deixando as mulheres vulneráveis e à mercê de seus algozes, que ao serem cientificados das proibições, potencializavam sua raiva, seu desejo de impor sua vontade e demonstrar o exercício do seu poder masculino com a finalidade de subjugar a mulher, considerada como de sua propriedade.
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Todas as ações e fiscalizações da Patrulha são devidamente registradas visando robustecer os inquéritos policiais e até mesmo decisões judiciais. A Patrulha Maria da Penha atua com viatura exclusiva, não sendo despachada pelo telefone de emergência, 190, para atendimento de ocorrências. A viatura é devidamente caracterizada para fácil identificação de sua atividade diferenciada e inédita junto à sociedade. Conta com verdadeiros protagonistas: policiais militares masculinos e policiais militares femininas, que são capacitados para o correto e eficaz atendimento às vítimas de violência doméstica, destacando-se um atendimento mais humanizado e qualificado. Estes policiais são instrumentalizados, visando ao nivelamento conceitual e operacional acerca do campo de atuação da Polícia Militar, a partir da redefinição de funções institucionais dos órgãos do sistema de segurança pública elencados na Constituição Federal de 1988. Durante as cinqüenta horas de aulas, os policiais militares aprendem como agir com maior qualificação e sensibilidade, facilitando o diálogo, a orientação e a real captação das informações necessárias à atuação do Estado na situação de desamparo da mulher vítima, e restabelecendo desta forma o estado de ordem e segurança nos lares. A conscientização dos policiais militares propicia a prevenção e a reprimenda dos delitos de gênero, pois em não sendo dada a devida atenção à primeira ocorrência, pelo policial militar, com o passar do tempo, esta mulher poderá se tornar mais uma vítima de homicídio, ou utilizando um termo mais adequado: femicídio. Faço um breve comentário a respeito do termo femicídio, pois foi ao longo dos últimos 40 anos, que os movimentos feministas e estudiosos da área começaram a perceber o caráter sexista implícito neste tipo de morte, sugerindo uma abordagem diferenciada para o assunto. Diferente da classificação penal, criaram uma identificação política para os homicídios de mulheres em razão do gênero, passando a chamá-los de femicídios. O conceito de femicídio foi utilizado pela primeira vez por Diana Russel, em 1976, no Tribunal Internacional sobre Crimes Contra as Mulheres, realizado em Bruxelas. Ainda, cabe à Patrulha Maria da Penha a orientação das vítimas sobre como proceder em variadas situações, o esclarecimento de dúvidas frequentes e encaminhamento das vítimas, que necessitem para a rede de atendimento. Destaco, nesta rede de atendimento, o Centro de
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Referência da Mulher, a Secretaria da Saúde, Casa Albergue, Casa de Passagem, Coordenadoria da Mulher, Assistência Social, Defensoria, Ministério Público, Conselho Tutelar, entre outros parceiros. Por outro lado, os policiais militares que atuam diretamente no telefone de emergência, 190, na sala de operações, também são capacitados, a fim de realizar um despacho mais completo para a guarnição de serviço que irá atender a uma ocorrência Maria da Penha, já repassando aos policiais militares, que estão na rua, toda a informação necessária a respeito da vítima. Esta guarnição passa, então, a fazer um atendimento mais qualificado pois não irá atender apenas mais um caso onde existe uma mulher, vítima de violência doméstica. Esta guarnição de serviço vai atender “O caso” de uma mulher vitimada, que tem um nome e sobrenome conhecidos e que já possui um histórico pretérito. E, dependendo da situação, a Guarnição de Serviço também poderá de imediato realizar a prisão do agressor que está descumprindo uma medida protetiva, conduzindo as partes para o flagrante na DP, por exemplo. Existe, ainda a distribuição de cartilhas de conscientização contra a violência doméstica que são distribuídas pelos policiais militares em fiscalizações de trânsito, no atendimento a ocorrências de gênero, nas palestras, seminários, encontros, entre outros... A multidisciplinariedade no atendimento se faz fundamental para que haja uma melhor eficiência e eficácia no atendimento da Polícia Militar e para que as vítimas sejam atendidas em sua plenitude e que se sintam seguras para não só denunciar o agressor, mas também para procurar ajuda para si e para todos os envolvidos. É um projeto ousado e pioneiro em âmbito nacional que, uma vez proporcionando o resultado esperado, se pretende ampliar para os outros 15 municípios que possuem Delegacia Especializada no atendimento à mulher no Estado do Rio Grande do Sul, tornando-se referência para aplicação também em outras unidades federativas do nosso País. Temos em mente que o silêncio é cúmplice da violência e por este motivo estamos oferecendo subsídio, apoio e proteção para que não existam mais mulheres que sofram deste mal que assola todas as classes sociais. Reeditamos um antigo ditado: No Rio Grande do Sul, em briga de marido e mulher, a Segurança Pública, mete a colher! Estamos lhe auxiliando a escrever uma nova história para o nosso Estado, com um enredo mais digno para as mulheres e famílias viti-
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mizadas e, porque não, reescrevendo um antigo ditado: “Em briga de marido e mulher, aqui no Rio Grande do Sul, a Segurança Pública, mete a colher.”
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8. Experiência do grupo de acompanhamento de agressores desenvolvido em Bento Gonçalves
Isabel Pires Trevisan49
RESUMO: Este artigo pretende descrever o trabalho desempenhado junto a um grupo de agressores enquadrados na Lei Maria da Penha e a necessidade de implantação integral desta lei importantíssima que prevê o desenvolvimento de políticas públicas como a reeducação do homem que agride mulheres. Desde o ano 2000, venho trabalhando como Delegada de Polícia na Delegacia de Pronto Atendimento de Bento Gonçalves. Sou responsável pelo registro de todas as ocorrências policiais e das prisões em flagrante do município. Concomitantemente, a partir da implementação da Lei Maria da Penha, assumi o Posto Policial para a Mulher. Nesses doze anos, acompanhei a prisão de inúmeros criminosos que furtaram, roubaram e mataram. Todos chegavam algemados, cabeça baixa e logo dirigiam-se para a cela. Não era preciso mostrar o caminho, parece que adivinhavam. Não havia discussão, revolta ou indignação, resignados portavam-se como se entendessem ser aquela a resposta para o crime que cometeram. Nunca vi nenhum chorar ou desesperar-se. Entravam na cela, sentavam e aguardavam pacientemente a conclusão das formalidades, para posteriormente serem encaminhados ao Presídio. Alguns até dormiam. Aliás, muitos dormiam tranquilamente enquanto nós, policiais, agilizávamos o término do procedimento e atendíamos as inúmeras diligências pertinentes ao órgão policial. E os agressores de mulheres? Aqueles homens que ameaçaram, bateram e mataram suas companheiras, filhas, irmãs ou mães? Como era sua reação ao serem presos? Uma verdadeira tragédia! Chegavam gritando, protestando, justificando, sentindo-se injustiçados, mártires. Eles sempre têm uma expli49 Delegada de Polícia, titular da Delegacia de Polícia de Pronto Atendimento e Posto Policial para a Mulher de Bento Gonçalves. Especialista em Educação, Sexualidade e Relações de Gênero, pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e especialista em Gestão da Segurança Pública na Sociedade Democrática, pela ULBRA.
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cação para o que fizeram, e, normalmente a responsável era/é a mulher. Não raro, a vítima transforma-se em culpada pelas lesões sofridas ou por sua própria morte. Seguidamente, dizem que batem ou matam as mulheres “de tanto que as amam” (Deus me livre de alguém me amar tanto assim!) Chegavam a chorar de tanto que se emocionavam com suas próprias convicções. Durante anos, fiquei analisando esse espetáculo dantesco e pensando: Adianta prendê-los? Ou, adianta só prendê-los? Se esses agressores entram e saem do Presídio acreditando que estão certos e que errados são os que os punem. Que são mártires de uma causa que só eles entendem qual é? Durante essa experiência, compreendi que os agressores de mulheres, diferente dos demais criminosos, não se vêem como delinquentes, mas em suas próprias palavras: “ Homens trabalhadores, honestos, pais de família que apenas querem educar suas mulheres.” Inúmeras ocasiões procurei convencê-los de que também eram criminosos, mas, o tempo entre saírem da viatura policial e entrarem na cela era muito pequeno para tentar explicar uma coisa tão complexa para eles. Com a visibilidade que a violência contra a mulher ganhou ao longo dos anos, notadamente com a promulgação da Lei Maria da Penha, a situação pouco mudou. A diferença é que: agora os agressores de mulheres ao serem presos entendem que o ato realizado não é permitido, mas ficam inconformados e reclamam que após a instituição da referida lei, eles não podem mais “nem bater nas mulheres”. Como se antes pudessem! Em suma, obedecem porque são obrigados, não por acreditarem ter feito algo errado. A partir dessa perspectiva, passei a desafiar os movimentos de mulheres em que participava e a sugerir que poderíamos trabalhar não só com as mulheres em situação de violência, mas também com os agressores, no sentido de desconstruir suas ideias machistas, que se encontravam tão arraigadas no seio da sociedade. No início houve muita resistência. Afinal, havia o entendimento de que os órgãos responsáveis pelo combate à violência contra a mulher deveriam atender somente as mulheres. Acolhê-las, protegê-las e empoderá-las, já os agressores deveriam ser punidos. Como se isso, e só isso, tivesse a capacidade de diminuir a violência. Ademais, no caso particular da violência contra a mulher, onde normalmente os crimes são cometidos com extrema crueldade, é difícil
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separar o profissional do ser humano e deixar de sensibilizar-se com a situação da vítima. Nesse desiderato trabalhar com a vítima parece mais fácil. E realmente é. É uma boa causa a ser defendida. Uma missão a ser cumprida. É bonito. Mas, e com os agressores? Com os que batem? Com os que humilham? Com os que matam? Quem gostaria de conversar? Penso que nem eu e nem você. É difícil trabalhar com os agressores, ouvi-los. Suas justificativas para a violência contra a mulher ferem os ouvidos ... e o coração! Aliado a isso, os operadores da segurança pública são capacitados para reprimir os crimes, não para educar pessoas. Esta tarefa parece estar a cargo das escolas, porém é necessário dividi-la com todos os setores da sociedade. Nós todos temos que discutir a questão da desigualdade de gênero. Processar e prender os que cometem crimes, sim! Mas também ouvi-los, questionar suas atitudes, desconstruir suas ideias misóginas, sexistas e machistas. Imbuída dessa ideia, a rede de atendimento à mulher em situação de violência do município reuniu-se para participar de encontros com alguns grupos de agressores. Inicialmente, foram convidados os acusados de crimes com penas de até dois anos de prisão, dentre esses delitos, os crimes mais comuns foram: ameaça, perturbação da tranquilidade, injúria, calúnia, difamação e lesão corporal. Participaram das reuniões representantes de toda a rede de atendimento à mulher do município, bem como da Polícia Civil, do Ministério Público, da Defensoria Pública, do Poder Judiciário e outros. Participei dos encontros com agressores com o intuito de ensinarlhes algo, mas na verdade aprendi. Assim, falei um pouco e ouvi muito. O que mais me chamou a atenção foi a necessidade que tinham de contar a sua versão, de justificar os seus atos e, principalmente, situações que para nós são pequenas e simples, para eles pareciam grandes e insolúveis. Cada um tinha a sua lógica, por mais ilógica que pudesse parecer. E todos, invariavelmente, se esforçavam para mostrar que estavam corretos ao agredir as mulheres, tanto verbal como fisicamente. Vi muitos agressores convencidos de que estavam certos. Mas não vi nenhum feliz! Por incrível que pareça, a violência contra a mulher fere tanto as vítimas, quanto os agressores. Aliás, fere toda a sociedade! Após ouvir muitos discursos inflamados de “agressores que se
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consideravam vítimas das mulheres”, perguntava: Tudo bem, o senhor pode ter razão, mas o senhor é feliz? Era essa a relação que tinha sonhado para a sua vida? Cada dia que o senhor passa brigando é um dia a menos de vida que tem para ser feliz. O tempo vai passando. E um dia talvez nem o senhor, nem ela, terão mais tempo para serem felizes. Não importa quem tem razão, o que importa é que vocês vivam bem, sem violência. Como? Não sei. Cada um de vocês vai descobrir. Alguns poderão se separar. Outros se reconciliar. Outros mudar de casa. Outros de emprego. Não sei. O que importa é que a violência tem que terminar, porque ela não traz felicidade para ninguém. Depois de ouvir seus desabafos, esclarecia a todos, que eu não estava ali para discutir quem tinha ou não tinha razão. Nem para julgar seus relacionamentos, mas para desafiá-los a resolver os seus problemas sem violência. Qual a forma? Não sei. Cada um tinha que procurar o seu caminho, desde que não fosse com violência. O mais formidável desses encontros é que após os agressores ouvirem as histórias uns dos outros, todos procuravam se ajudar mutuamente, dando opiniões, sugestões e incentivos para resolver os problemas de forma pacífica. Assim, esses encontros mostraram-se além de educativos, desafiadores e comprometedores, no sentido de que não houvesse reincidência. Destarte, acredito que é fundamental chamarmos os agressores para a discussão da questão da violência de gênero. Não como um encontro entre amigos, mas para uma conversa séria nas Delegacias, nos Fóruns e em locais onde o agressor perceba que cometeu um crime e pelo qual será punido, mas que tem a possibilidade de voltar ao convívio social, desfazendo-se dessa lógica binária que separa homens e mulheres. Sim, penso que agressores de mulheres são pessoas que têm dificuldade de conviver em sociedade, é preciso reaprender a fazê-lo. Além da criminalização da violência de gênero, urge que se possibilite aos agressores a revisão dos padrões assimétricos de poder instituídos entre homens e mulheres, que os levam a subjugar suas vítimas e voltar a reproduzir a violência perpetrada anteriormente. Aprende-se a ser violento. Vivemos em uma cultura que sempre aceitou a violência contra a mulher. Um repertório de ditados populares naturaliza as desigualdades entre homens e mulheres. Pensar do ponto de vista cultural de como mudar esse conceito é um dos caminhos para
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diminuir a violência. Portanto, só a lei e só as prisões não resolvem o problema. Ajudam, mas não resolvem. A punição, de certa forma, é educativa, porém é preciso conscientização quanto à necessidade de resolver as diferenças de forma pacífica. Caso contrário, teremos a revitimização das mulheres, porquanto seus agressores aos serem punidos sentem-se injustiçados e ao término do cumprimento de suas penas reincidem no crime, algumas vezes de forma ainda mais violenta. Nesse desiderato, acredito que uma das alternativas possíveis para o fim da violência, seja a educação tanto de homens como de mulheres, para a igualdade de gênero. Primeiro na família e depois na escola. Mas quando essas duas, sobrecarregadas que estão de tantas responsabilidades, não derem conta, resta o sistema criminal, que deverá buscar na repressão, uma forma de educação. Acredito que todos nós devemos trabalhar nesse sentido e que a união de esforços, e não glórias solitárias poderão efetivar o fim da violência contra as mulheres. Tenho consciência que a nossa colaboração é apenas um início, é possível contribuir com muito mais, mas estamos participando com a nossa parcela, no sentido de favorecer uma mudança cultural em que a reação a qualquer violência contra as mulheres seja natural para toda a sociedade e não atos isolados e heróicos. Finalmente, relembro a frase de Martim Luter King, citada por Maria da Penha em seu livro “Sobrevivi, posso contar”: O que me preocupa não é o grito dos violentos, mas o silêncio dos bons!
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9. O Ministério Público e a questão de gênero
David Medina da Silva50
Resumo: O Ministério Público é uma instituição preocupada com os altos índices de mulheres assassinadas no Estado. Dessa forma, diversas ações foram realizadas em 2012 na capital e no interior do estado do Rio Grande do Sul, visando acabar com a inaplicabilidade da Lei Maria da Penha, devido às vítimas não estarem dispostas a dar continuidade aos processos judiciais ajuizados contra seus agressores. Além disso, há iniciativas para que os agressores também recebam ações públicas para que rompam com o ciclo de violência familiar. Nas últimas décadas, o Ministério Público esteve à frente de muitas questões relacionadas à efetivação da cidadania, com destaque para a proteção da infância e da juventude, dos consumidores, dos idosos, bem como da tutela de direitos ligados à saúde e à educação. A partir de 2006, com a Lei Maria da Penha, abriu-se um novo horizonte na defesa dos direitos humanos: a proteção das mulheres vítimas de violência doméstica e familiar. A violência de gênero constitui um dos temas centrais de nossa sociedade, pois assume índices epidemiológicos e consome cerca de 10,5% do PIB51. Sem dúvida, é altíssimo o número de assassinatos de mulheres por maridos, companheiros, etc. O “femicídio”, como vem sendo chamado esse tipo de assassinato, costuma ser o ápice de uma sucessão de violações, já que são inúmeras as formas de violência praticadas contra as mulheres: lesões corporais, ameaças, violações sexuais e patrimoniais, entre outras. Desta forma, compete ao Ministério Público participar do enfrentamento do problema tanto na prevenção, por meio da indução de políticas públicas, instaurando inquéritos e ajuizando ações civis, quanto na punição aos agressores, promovendo a responsabilidade penal e a prisão dos autores de violência doméstica e familiar contra as mulhe50 Promotor de Justiça, Coordenador do Núcleo de Apoio ao Combate à Violência Doméstica do Ministério Público do Rio Grande do Sul e do Centro de Apoio Operacional Criminal. 51 UNITED NATIONS. The World’s Women 2010, Trends and Statistics. Department of Economic and Social Affairs, New York, EUA, 2010.
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res. Além disso, Promotores e Procuradores de Justiça têm a atribuição de atender pessoalmente as vítimas e atuar na efetivação das medidas protetivas previstas em lei, além de manter um cadastro das vítimas de violência de gênero. Em nível nacional, cabe à Comissão Permanente de Combate à Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher (COPEVID), que compõe o Grupo Nacional de Direitos Humanos (GNDH), traçar diretrizes de atuação do Ministério Público e aprimorar suas práticas institucionais por meio de discussões, seminários, orientações, capacitações, cartilhas e outras medidas. O Ministério Público está convicto de que a violência de gênero não é apenas um problema feminino. Pelo contrário, interessa a toda sociedade, já que hoje todos, homens e mulheres, sofrem com o espantoso aumento da criminalidade, fenômeno indissociável da cultura de violência que prolifera desde a mais tenra infância dentro do próprio ambiente familiar. Durante o ano de 2012, o Ministério Público realizou diversas atividades para promover a conscientização dos direitos das mulheres. No dia 08 de março foi lançada uma cartilha e um comercial de TV de 30 segundos sobre o tema, para veiculação nos meios de comunicação locais. A iniciativa decorreu de uma mobilização, em todo o Brasil, do Grupo Nacional dos Direitos Humanos do Conselho Nacional dos Procuradores Gerais, presidido pelo Procurador-Geral do MP gaúcho, Eduardo de Lima Veiga, e pela Copevid. Em maio, a Promotora de Justiça de São Gabriel e vice-coordenadora da Copevid, Ivana Machado Battaglin, participou de atividades para a promoção da campanha nacional para sensibilizar os operadores jurídicos e levar punição aos assassinos e estupradores de mulheres em todo o Brasil. A mobilização incluiu roteiros no Senado, com a senadora Ana Rita, relatora da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito da Violência Doméstica, junto ao cientista político José Pennafort, e na Secretaria Nacional de Políticas para as Mulheres. A campanha foi lançada em 07 de agosto, em Brasília, para que, entre outros, seja cumprido o artigo 9º da Lei Maria da Penha, que prevê assistência à vítima articulada entre os sistemas de saúde e segurança, bem como políticas públicas de proteção. Além das discussões nacionais, houve também debates regionalizados sobre a proteção às vítimas de violência doméstica. Caso de Torres, no Litoral Norte gaúcho. Lá, em 06 de agosto, o Ministério Públi-
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co discutiu, junto à sociedade, quais expedientes estão em andamento. Também tratou da celeridade das medidas protetivas, assim como das políticas públicas para o atendimento às vítimas em âmbito local. Segundo Ivana Battaglin, uma das painelistas no evento, “o ciclo da violência precisa ser compreendido pelos operadores jurídicos e pela comunidade em geral para proporcionar um acompanhamento às mulheres, além da proteção da família”52. Essa audiência é um exemplo da ação propositiva do Ministério Público. Ela foi organizada pelo Promotor de Justiça Vinicius de Melo Lima, e contou com a participação de autoridades municipais, Brigada Militar, Proerd, Organizações Não Governamentais (ONGs), professores, assistentes sociais, agentes comunitárias de saúde e visitadoras do programa Primeira Infância Melhor. Foram identificadas deficiências nas políticas públicas, como a ausência de Centros de Referência e de CasasAbrigo para as vítimas de violência doméstica em Torres. Nesse evento, foram entregues as cartilhas lançadas em maio pelo Ministério Público. A partir das informações coletadas nessa audiência pública, foi ajuizada, pelo Promotor Vinícius de Melo Lima uma ação civil pública para a implantação de políticas públicas para o atendimento às vítimas de violência doméstica. Foi solicitado, em caráter liminar, que a Justiça obrigue o Município e o Governo do Estado a criarem um Centro de Referência para Atendimento da Mulher e uma Casa-Abrigo, além de disponibilizarem equipe multidisciplinar. Mas, para que se rompa com o ciclo de violência, a ação civil pública também requer a instalação de um serviço de atendimento ao agressor. Um levantamento junto ao Judiciário de Torres dá conta que, nos últimos 12 meses, há em trâmite 378 procedimentos e processos relativos à Lei Maria da Penha. Já dados da Brigada Militar revelam que, entre janeiro e julho, foram feitos 66 chamados decorrentes de violência doméstica, mas menos da metade das vítimas, mesmo após aconselhadas, registraram ocorrência na Delegacia de Polícia. Conforme Vinícius de Melo Lima, decorridos cinco anos da entrada em vigor, a Lei Maria da Penha padece de uma dupla crise: de interpretação e de implantação. A primeira demanda uma interpretação dos direitos fundamentais que prestigie as mulheres vítimas de violência, para que se rompa a cul52 BATTAGLIN, Ivana. Disponível em http://www.mp.rs.gov.br/noticias/id29219.htm. Acessado em 28/09/2012.
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tura do segredo e o ciclo da violência. Já a segunda, tratada na investigação conduzida pelo Ministério Público, deriva da insuficiência das políticas públicas, mais especificamente a falta de centros de referência e de casas-abrigo. Pergunta-se: aonde vai se refugiar a mulher vítima de violência doméstica, após o registro policial?53 Outra atuação do Ministério Público no interior do Estado é encontrada em Ijuí. Nessa comarca, em 19 de setembro, foi lançado um projeto piloto para que as vítimas de violência doméstica possam romper o ciclo em que vivem: o Projeto “Sala de Espera”54, o qual prevê assistência psicológica e jurídica às mulheres. Uma das responsáveis pela iniciativa é a Promotora de Justiça Criminal Catiuce Ribas Barin e diversos integrantes da rede municipal de proteção à mulher, com apoio do Juiz da 2ª Vara Criminal, Eduardo Giovelli. Na prática, o Projeto funciona da seguinte forma: antes das audiências preliminares referentes à Lei Maria da Penha, tanto vítima quanto agressor serão levados a uma sala especial no Fórum, onde será exposto um material audiovisual, haverá palestras e acolhimento com profissionais especializados no tema. A intenção é que ambos reconheçam o contexto em que vivem e sejam incentivados a interromper o ciclo. Ademais, são informadas as opções jurídicas e os direitos das mulheres que poderão ser tratados na audiência. O Projeto apresenta, ainda, todos os serviços públicos da rede de atenção às vítimas de violência doméstica, além do agendamento imediato de consultas para tratamento de alcoolismo e dependência de drogas, que também são fatores propulsores da violência doméstica e familiar. Segundo a Promotora de Justiça Catiuce Ribas Barin55, “o projeto Sala de Espera proporcionará oportunidade de esclarecimentos às mulheres, bem como aos agressores, auxiliando-os psicojuridicamente e possibilitando a aproximação das mulheres com operadores da lei, incluindo o Ministério Público, bem como com psicóloga da Universidade local, que poderá disponibilizar tratamento sequencial e gratuito às partes”. 53 LIMA, Vinícius de Melo. Disponível em http://www.mp.rs.gov.br/dirhum/noticias/id29433.htm. Acessado em 28/09/2012. 54 Disponível em http://www.mp.rs.gov.br/imprensa/noticias/id29428.htm. Acessado em 28/09/2012. 55 BARIN, Catiuce Ribas. Disponível em http://www.mp.rs.gov.br/imprensa/noticias/id29428.htm. Acessado em 28/09/2012
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Por derradeiro, combater a violência doméstica e familiar contra a mulher constitui mais um desafio lançado às atribuições constitucionais do Ministério Público na construção de uma sociedade com menos crimes e mais respeito aos direitos humanos, pautada na equidade entre homens e mulheres, independentemente de classe, etnia, religião, origem ou orientação sexual.
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10. A Defensoria Pública do Estado na defesa dos direitos humanos das mulheres em situação de violência doméstica e familiar
Miriane Tagliari56
Resumo: O presente estudo visa abordar uma breve evolução histórica sobre a Defensoria Pública do Estado do Rio Grande do Sul e a defesa dos interesses individuais e coletivos da mulher em situação de violência doméstica e familiar, com o advento da Lei 11.340/2006. Mais especificamente, este ensaio pretende, de forma breve, relatar a criação e a experiência do Núcleo de Família e Defesa da Mulher Vítima de Violência Doméstica e Familiar da Defensoria Pública.
1. INTRODUÇÃO O presente estudo tem por finalidade realizar uma breve evolução histórica da Defensoria Pública, a ampliação e o fortalecimento de suas atribuições, com enfoque na defesa dos direitos da mulher em situação de violência doméstica e familiar, prevista na Lei Maria da Penha. Num segundo momento, busca-se revelar a estrutura e a experiência do núcleo especializado da área, tanto com relação à orientação e defesa jurídica, como também quanto ao atendimento psicológico da mulher que procura a Defensoria Pública. A consecução da tarefa aqui proposta é extremamente oportuna e relevante, uma vez que a intenção maior é a divulgação deste importante serviço que está à disposição da mulher em situação de violência doméstica e familiar.
56 Natural de Getúlio Vargas/RS. Formada em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade Integrada do Alto Uruguai e das Missões – URI – Campus Erechim. Atuou como advogada nos anos de 2003 a maio de 2006. Aprovada no II Concurso para ingresso na carreira de Defensor Público do Estado do Rio Grande do Sul, tomou posse na carreira em 18 de maio de 2006. Desde então atuou nas comarcas de Rio Grande e Porto Alegre. Atualmente é pós-graduanda em processo civil pela UNIRITTER, chefa de gabinete do Defensor Público-Geral do Estado e Dirigente do Núcleo de Família e Defesa da Mulher Vítima de Violência Doméstica e Familiar da Defensoria Pública do Estado.
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2. A DEFENSORIA PÚBLICA E A LEI MARIA DA PENHA A história do nosso País mostra que as origens da Defensoria Pública remontam às Ordenações Filipinas, com a denominada afirmação da pobreza em julgamentos. Porém, foi com a promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil, em 05 de outubro de 1988, que o direito de acesso à Justiça aos economicamente hipossuficientes teve o seu conceito alargado e incluído entre os direitos e garantias fundamentais, no seu artigo 5º, inciso LXXIV, nos seguintes termos: “O Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos”. Para a concretude desse direito, a mesma Carta Constitucional, no artigo 134, criou a Defensoria Pública, uma instituição permanente essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a orientação jurídica e a defesa, em todos os graus de jurisdição, dos necessitados. Também, criou a carreira de Defensor Público, prescrita em seu parágrafo único, com ingresso mediante concurso público de provas e títulos. Em fevereiro de 1991, o Estado do Rio Grande do Sul deu origem à Defensoria Pública Estadual através da Lei Complementar nº 9.230. Todavia, somente em maio de 1994, cumpriu-se efetivamente a previsão constitucional com a posse dos primeiros Defensores Públicos do nosso Estado. Nascia, então, a Defensoria Pública Gaúcha. Desde o nascedouro, a trajetória dessa Instituição é marcada pela luta diária de seus agentes por um verdadeiro Estado Democrático de Direito para a população que muitas vezes não tem voz e não tem vez em nossa sociedade; pela defesa dos direitos humanos; pela igualdade perante a Justiça, com paridade de armas e pela cidadania plena aos assistidos. Através do empenho cotidiano de todos os Defensores Públicos pelo fortalecimento da Instituição, vê-se, nos últimos anos, que a atuação da Defensoria Pública ganhou maior amplitude, por sua potencialidade de viabilizar acesso à justiça às pessoas hipossuficientes economicamente e àquelas que se encontram em situação de vulnerabilidade. Paralelamente a essa corporificação da Defensoria Pública no nosso Estado e também nas demais do País, encontramos os movimentos de mulheres em constante batalha pela eliminação de todas as formas de discriminação contra a mulher, pela erradicação da violência,
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como também pelo respeito ao direito à igualdade em sua plenitude e à própria dignidade humana da mulher. Muitas foram as mobilizações, as campanhas e os debates até a aprovação, no ano de 2006, de uma lei para coibir a violência doméstica e familiar praticada contra a mulher, uma das recomendações da Corte Interamericana de Direitos Humanos ao Brasil, em razão do caso Maria da Penha Maia Fernandes, por descumprimento do previsto no artigo 7º da Convenção de Belém do Pará57 e nos artigos 1º, 8º e 25 da Convenção Americana de Direitos Humanos58. A Lei 11.340/2006, denominada Lei Maria da Penha, considerada um grande avanço na luta pelos direitos das mulheres, veio garantir, nos artigos 27 e 28, o direito da mulher em situação de violência doméstica e familiar ao acesso aos serviços da Defensoria Pública, ou de assistência judiciária gratuita, em sede policial ou judicial, mediante atendimento específico e humanizado. A referida lei veio alargar as atribuições da Defensoria Pública, pois além da defesa do(a) suposto(a) agressor(a), que pela legislação criminal já possuía o direito de acesso aos serviços da Defensoria Pública, trouxe a previsão da orientação jurídica integral e da defesa dos direitos da mulher vitimizada pela violência doméstica e familiar, tanto no âmbito cível como no criminal, traduzindo-se como uma verdadeira quebra de paradigma quanto à atuação institucional. Neste ponto é oportuno lembrar que antes da Lei Maria da Penha, as mulheres em situação de violência doméstica e familiar já eram atendidas pela Defensoria, principalmente na área de família. Entretanto, com o advento da Lei Maria da Penha o atendimento ganhou nova roupagem, necessitando de um atendimento específico voltado à situação de vulnerabilidade enfrentada pela mulher vítima de violência doméstica e familiar, para que ela seja informada e orientada sobre seus direitos, possibilitando que deles se apodere. O atendimento é muito mais amplo, uma vez que envolve a orientação jurídica sobre as consequências de todas as suas opções e a defesa da mulher em todas as áreas envolvidas naquela situação de vulnerabilidade, posta como garantia de que não se fará menoscabo dos seus direitos. Envolve, também, a postulação de medidas protetivas de urgência; o ajuizamento das ações 57 Disponível em http://www.sepm.gov.br/legislacao-1/convencoes-internacionais/convencoes-internacionais. Acesso em 29/09/2012. 58 Disponível em http://www.pge.sp.gov.br/centrodeestudos/bibliotecavirtual/instrumentos/sanjose.htm. Acesso em 29/09/2012.
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judiciais necessárias; o acompanhamento em audiências e demais atos processuais, bem como o encaminhamento para os serviços da rede de atendimento e as ações extrajudiciais de suma importância. Não há dúvida de que a previsão legal de atuação da Defensoria Pública na defesa da mulher em situação de violência traduz-se em verdadeiro respeito ao princípio da igualdade, previsão essa que se volta à premissa de que se deve tratar desigualmente os desiguais, na busca da verdadeira igualdade. A referida lei consolida o acesso à justiça aos dois pólos, vítima e agressor(a), justamente porque a mulher, que sofre qualquer forma de violência, encontra-se em situação de vulnerabilidade e, portanto, merece a proteção especial do Estado para sair desta condição de vulnerável, recuperar o protagonismo de sua própria vida e, sobretudo, viver uma vida sem violência. Essa atribuição solidificou-se ainda mais com a entrada em vigor da Lei Complementar nº 132/2009, que alterou a Lei Complementar nº 80/199459 (Lei Orgânica da Defensoria Pública), prevendo expressamente como função institucional da Defensoria Pública a promoção dos direitos humanos, bem como a defesa dos interesses não só individuais, mas também os coletivos das mulheres em situação de violência doméstica e familiar (Artigos 1º e 4º, incisos XI e XVIII). Ademais, em 09 de fevereiro de 2012, o Egrégio Supremo Tribunal Federal julgou a Ação Declaratória de Constitucionalidade nº 19 e a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4424, afastando qualquer dúvida quanto à constitucionalidade da Lei Maria da Penha e, por conseguinte, quanto à atribuição da Defensoria Pública na defesa da mulher em situação de violência. Assim, consagra-se que a Defensoria Pública possui importantíssimo papel na rede de atendimento das mulheres que encontram em situação de vulnerabilidade pela violência doméstica e familiar sofrida.
59 Lei Complementar 80/1994 – Organiza a Defensoria Púbica da União, do Distrito Federal e dos Territórios e prescreve normas gerais para sua organização nos Estados, e dá outras providências.
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3. A DEFENSORIA PÚBLICA: A EXPERIÊNCIA DO NÚCLEO DE FAMÍLIA E DEFESA DA MULHER VÍTIMA DE VIOLÊNCIA DE PORTO ALEGRE. A Lei 11.340/2006 estabelece que o Estado poderá criar núcleo de Defensoria Pública especializado no atendimento às mulheres em situação de violência doméstica e familiar, devendo atuar do forma integrada com as demais instituições do sistema de justiça e as áreas de segurança pública, assistência social, saúde, educação, trabalho e habitação. A Defensoria Pública do Estado do Rio Grande do Sul, em cumprimento à Lei Maria da Penha, criou o núcleo especializado através da Lei Estadual n.º 13.087/08, levando o nome de Núcleo de Família e Defesa da Mulher Vítima de Violência, denominado pela sigla NUDEM. O núcleo, localizado na capital do Estado, foi regulamentado administrativamente pela Resolução DPGE n.º 01/2008 e vinculado ao Centro de Apoio Operacional da Defensoria Pública do Estado(CAOPER). Neste ponto, importa referir que, conquanto o núcleo tenha sido criado apenas na capital do Estado, nas demais comarcas do interior do Estado, onde existe atendimento da Defensoria Pública, da mesma forma há atendimento das mulheres em situação de violência doméstica e familiar. Em todas as comarcas que possuem mais de um(a) Defensor(a) Público(a), um atua na defesa da mulher em situação de violência e o outro na defesa do(a) suposto(a) agressor(a). Feito este recorte, volta-se a tratar sobre a estruturação do núcleo de Porto Alegre, a qual foi viabilizada pelo convênio firmado entre a Defensoria Pública e a Secretaria de Reforma do Judiciário, com recursos do PRONASCI, em novembro de 2008, projeto este comandado pelas Defensoras Públicas Fernanda Terezinha Tomé e Samara Wilhelm Heerdt. Por intermédio deste projeto tornou-se possível a criação de um espaço físico para o atendimento, com equipamentos de informática adequados, veículo para transporte das mulheres e Defensores, material gráfico de divulgação, contratação de estagiários, entre outras ações. O núcleo realiza atividades de apoio e de execução, atuando judicial e extrajudicialmente. O órgão de apoio é formado por uma Defensora Pública dirigente e quatro Defensoras Públicas apoiadoras, que possuem suas atribuições em diversas comarcas do Estado. O núcleo atua dando suporte aos Defensores Públicos lotados no interior do Estado que atuam na área e, mais intensamente, de forma extrajudicial
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na educação em direitos, realizando palestras, participação em seminários, audiências públicas, ações voltadas à construção de políticas públicas para as mulheres. Além disso, o núcleo atua na Comissão dos Direitos da Mulher do Conselho Nacional dos Defensores PúblicosGerais, trabalha na divulgação dos serviços da Defensoria Pública na área; na distribuição de material socioeducativo, bem como buscando o aprimoramento do trabalho em rede com as demais instituições responsáveis pela proteção e defesa dos direitos das mulheres. Com o objetivo de fortalecer o trabalho em rede e trabalhar na conscientização e promoção dos direitos humanos das mulheres, o núcleo participa das reuniões de rede, seminários e atendimentos nos Territórios da Paz, bem como participa de todas as frentes parlamentares da Assembleia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul que possuem atuações marcantes na luta pelos direitos das mulheres. O núcleo de atendimento especializado é formado por dois Defensores Públicos que atuam na sede central da Defensoria Pública do Estado, junto à Unidade Central de Atendimento e Ajuizamento, e uma Defensora Pública que atua na defesa das mulheres em situação de violência junto ao Juizado Especializado de Violência Doméstica do Foro Central. Além disso, na capital, as audiências são descentralizadas pelo Juizado de Violência Doméstica do Foro Central para os Foros Regionais, a fim de facilitar o deslocamento da mulher para a audiência. Por essa razão, atualmente nos cinco Foros Regionais de Porto Alegre há um Defensor Público com atribuição para atendimento e acompanhamento das mulheres nas audiências do procedimento da Lei 11.340/2006. Quanto aos recursos humanos, em que pese a Lei 11.340/2006 mencione que o atendimento das mulheres deve ser multidisciplinar, a Defensoria Pública do Estado do Rio Grande do Sul não possui quadro de apoio de servidores, caso em que o núcleo conta apenas com o apoio de uma psicóloga cedida do quadro da extinta Caixa Estadual, duas estagiárias do curso de psicologia e três estagiárias do curso de direito, um para cada Defensor Público com atuação na área, que prestam um valoroso trabalho na Instituição. Desde a sua origem, o núcleo proporcionou inúmeros atendimentos jurídicos e psicológicos às mulheres em situação de violência doméstica e familiar que procuraram ou foram encaminhadas pela rede atendimento aos serviços da Defensoria Pública. O gráfico a seguir demonstra o aumento gradual do número de
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atendimentos jurídicos realizados nos anos de 2009, 2010 e 2011 pelo NUDEM, em Porto Alegre: 4000
3663
3500
2876
3000 2500 2000
1989
1500 1000 500 0
Ano 2009
Ano 2010
Ano 2011
Fonte: Relatórios de atividades e SIGA (Sistema Integrado de Gerenciamento de Atendimentos)
Neste ano de 2012, no período de janeiro a agosto, já foram computados 2.522 atendimentos de mulheres, revelando que o número de atendimentos certamente superará as estatísticas dos anos anteriores. Todavia, embora os números sejam considerados positivos, em termos de estatísticas, ainda há muitas mulheres que registram ocorrências das Delegacias de Polícia de Porto Alegre não buscam o auxílio da Defensoria Pública, pois os números destas são superiores ao de mulheres atendidas na Defensoria Pública em razão da situação de violência sofrida. Depreende-se que isso se deve, dentre outras, pelas seguintes causas: desistência por parte da vítima; dificuldade ou falhas nos encaminhamentos da rede de serviços de atendimento à mulher ou desconhecimento do serviço da Instituição. Todas essas causas devem ser fundamentalmente trabalhadas pelo núcleo e pela própria rede de atendimento para que os serviços disponíveis sejam mais utilizados. Como já referido, no período de janeiro a agosto do corrente ano de 2012, 2.522 mulheres em situação de violência doméstica e familiar foram atendidas pelo núcleo, o que resultou em orientações jurídicas, acionamentos da rede e o ingresso de diversas ações judiciais que se fizeram necessárias. Nesse diapasão, importa fazer referência às principais ações ajui-
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zadas pelo núcleo especializado da Defensoria Pública em Porto Alegre, no período de janeiro a agosto de 2012, consoante tabela que segue: Espécie de ação Ações de alimentos Medidas protetivas de urgência Execução de alimentos Ação de Guarda Divórcio Dissolução de União Estável Investigação de Paternidade Revisional de alimentos Internação compulsória Regulamentação de visitas Outras Ações
Número 767 536 431 223 187 135 94 72 33 21 34
Fonte: Relatórios de atividades e SIGA (Sistema Integrado de Gerenciamento de Atendimentos) Período: Janeiro a agosto/2012
Da análise dos dados da tabela, verifica-se que o maior número de ações ajuizadas são as relacionadas à subsistência própria da mulher e da sua prole, bem como a regulamentação da guarda dos filhos, do divórcio e da dissolução de união estável. Tais números refletem que a maioria das situações de violência contra as mulheres é praticada pelos maridos e companheiros, fato que reforça a tese histórica demonstrada pelo movimento feminista e comprovada pela criminologia feminista de que a violência contra a mulher é fundamentalmente praticada por pessoas próximas e não por desconhecidas. Outrossim, imprescinde ressaltar os atendimentos psicológicos realizados às mulheres em situação de violência pela Defensoria Pública. O projeto de atendimento psicológico da Defensoria Pública, iniciado em 2009, constitui-se em uma atitude pioneira criada por uma instituição pública no nosso Estado. O serviço é realizado atualmente por uma psicóloga e duas estagiárias do curso de psicologia. Esses atendimentos se dividem em entrevistas de acolhimento, com escuta psicológica, na Delegacia de Polícia da Mulher de Porto Alegre e no Juizado de Violência Doméstica do Foro Central, bem como em sessões ou consultas psicoterapêuticas, com agendamento, regularidade e sigi-
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lo, na unidade central de atendimento da Defensoria Pública. Os atendimentos psicológicos buscam restituir os recursos internos da mulher para administrar a própria vida; enfrentar o constrangimento pela exposição da situação de violência; não se sentir culpada pela dispersão da família; não ter medo de ficar materialmente desamparada ou sofrer a retaliação do agressor; ativar recursos egoicos, especialmente sua autoestima, sua motivação, sua capacidade de discernimento e reconhecer-se como detentora de direitos; buscar o rompimento de eventual tendência à repetição de escolhas capazes de conduzi-la a novas relações igualmente problemáticas e destrutivas. O número de consultas e de sessões de psicoterapia é ilimitado para cada mulher, ou seja, as sessões persistem até a mulher sentir-se mais forte e apta a encerrar o atendimento psicológico. Os resultados obtidos com os atendimentos psicológicos são muito positivos e a procura por este serviço tem sido cada vez maior. Enquanto durante o ano de 2011 foram atendidas 1104 mulheres, nos meses de janeiro a agosto de 2012 já foram 894 mulheres atendidas pelo serviço psicológico da Instituição. Esse serviço resulta diretamente no empoderamento da mulher em situação de vulnerabilidade, fortalecendo-a para percorrer o processo de rompimento do ciclo de violência e tomar as decisões que lhe cabem acerca do exercício dos direitos previstos em lei.
4. CONCLUSÃO Em breve síntese, constata-se que a Lei Maria da Penha, considerada uma grande conquista legislativa no enfrentamento à violência contra a mulher, veio ampliar a atuação da Defensoria Pública, considerada uma Instituição essencialmente garantidora dos direitos humanos. Diante da peculiar situação de vulnerabilidade gerada pela violência, toda a mulher que se encontra nessa condição tem o direito à assistência jurídica integral e gratuita através da Defensoria Pública, o que restou consolidado pela Lei Maria da Penha e pela Lei Complementar nº 80/90(Lei Orgânica da Defensoria Pública). Trata-se de uma especial proteção do Estado à mulher em situação de violência doméstica e familiar, espaço onde a violência se torna, na maioria das vezes, invisível e natural. Em consonância com a Lei 11.340/2006, a Defensoria Pública do
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Estado criou o núcleo especializado na área, o que sem dúvida representa um importante avanço, principalmente no que diz respeito ao envolvimento com a rede de enfrentamento à violência doméstica e familiar contra a mulher. Todavia, não se pode olvidar que há muitos desafios ainda a vencer pela Instituição, tanto internamente com a ampliação estrutural e em recursos humanos, como o fortalecimento do trabalho em rede. A Defensoria Pública, tida como uma Instituição garantidora do direito a ter direitos, possui importante papel na defesa dos direitos humanos das mulheres em situação de violência doméstica e familiar, necessitando, portanto, ser cada vez mais presente e forte em nosso País para que possamos ter uma sociedade mais justa, igualitária e livre de violência e discriminação. Referências BRASIL. Lei Complementar nº 80, 12 de janeiro de 1994, com a redação dada pela Lei Complementar nº 132, 2009. Organiza a Defensoria Pública da União, do Distrito Federal e dos Territórios e prescreve normas gerais para sua organização nos Estados, e dá outras providências. CONSTITUIÇÃO FEDERAL, CÓDIGO CIVIL, CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL, CÓDIGO COMERCIAL/organizador Yussef Said Cahali; 13ª Ed. rev., atual. e ampl. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011. Convenção Americana de Direitos Humanos (CADH). Disponível em http://www.pge.sp.gov.br/centrodeestudos/bibliotecavirtual/ instrumentos/sanjose.htm. Acesso em 29/09/2012. Convenção Interamericana para prevenir, punir e erradicar a violência contra a mulher (Convenção de Belém do Pará). Disponível em http://www.sepm.gov.br/legislacao-1/convencoes-internacionais/convencoes-internacionais. Acesso em 29/09/2012.
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11. Um olhar sobre as mulheres apenadas no Estado do Rio Grande do Sul
Maria José Silva Diniz60
Resumo: Este artigo relatará as algumas ações desenvolvidas pela Coordenadoria Penitenciária da Mulher da Superintendência dos Serviços Penitenciários do Rio Grande do Sul. De forma pioneira o Governo do Estado criou esta coordenadoria, colocando luz sobre as necessidades e histórias das mulheres apenadas gaúchas. Em abril de 2011, foi criada uma nova estrutura na Superintendência dos Serviços Penitenciários do Rio Grande do Sul, a primeira Coordenadoria Penitenciária da Mulher do país, órgão integrante do Gabinete do Superintendente. A coordenadoria tem a finalidade de prestar assessoramento e apoio direto e imediato ao superintendente em assuntos relacionados às mulheres em situação de prisão e seus filhos. Com o aumento expressivo do efetivo carcerário feminino do Estado, de 640% nos últimos quinze anos em comparação com os homens de 171%, o sistema prisional gaúcho, mais uma vez, pioneiro nas ações, inicia sua reconstrução, pois às mulheres presas sempre foi dado o que sobra do sistema masculino (com todo o tipo de violações de direito do gênero feminino), como espaços de trabalho, lazer e maternidade. Entre outras ações, a coordenadoria busca números estatísticos que revelem causas e consequências do aprisionamento feminino e, a partir daí, promover, articular, integrar de forma transversal, as políticas para mulheres, além de orientar as funções técnicas e administrativas desenvolvidas nas unidades organizacionais da SUSEPE e articular a rede de atendimento às mulheres na recuperação da cidadania e de sua capacidade profissional, visando à inserção no mundo do trabalho e na inclusão social. Atualmente, temos em torno de 2000 mulheres em situação de prisão, distribuídas em 63 Estabelecimentos Prisionais de todo o Estado, sendo que destes somente quatro são exclusivamente femininos: Peni60 MARIA JOSÉ SILVA DINIZ é agente penitenciária e coordenadora da Coordenadoria Penitenciária da Mulher da SUSEPE
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tenciária Feminina Madre Pelletier; Penitenciária Estadual Feminina de Guaíba; Presídio Feminino Estadual de Torres; Instituto Penal Feminino de Porto Alegre/Anexo; os demais são masculinamente mistos e destes, dois são Anexos Femininos das Penitenciárias Moduladas de Charqueadas e Montenegro; as demais são uma ala ou alojamentos dentro dos estabelecimentos masculinos. Salientamos que, segundo os dados do perfil destas mulheres, o grande número de entradas no sistema prisional é por algum envolvimento com o tráfico de drogas (art. 33 CP), elas são jovens de até 27 anos, não completaram o ensino fundamental e são da região metropolitana. Foi desenvolvida juntamente com a Escola de Serviços Penitenciários uma pesquisa objetivando identificar e conhecer a realidade dessas mulheres e visando trabalhar a diminuição da reincidência após o término do cumprimento de suas penas e a prevenção de novas entradas, daquelas mulheres que tenham algum vínculo no cárcere. Para tanto, está sendo confeccionada, após a coleta de dados, uma cartilha informativa que será distribuída para todas as mulheres em situação de prisão e demais visitantes do sistema penitenciário. Entre tantas realidades que podemos perceber, cito como exemplo, o Anexo Feminino Normelina Muniz da Penitenciária Modulada Estadual de Charqueadas, onde atualmente estão recolhidas sessenta e cinco mulheres. Constatou-se que destas, trinta e cinco foram presas por estarem transportando materiais ilícitos para dentro dos espaços prisionais do Complexo de Charqueadas. Neste processo de transporte, como maconha, crack e cocaína, misturam-se outros produtos com entrada proibida nos estabelecimentos prisionais, como aparelhos de telefone celular e bebidas alcoólicas (mais frequentes nos espaços de regime semiaberto). Neste tipo de delito, verificamos que mulheres são convencidas através de ameaças e agressões, a violentarem seu corpo com a inclusão destes materiais no interior de sua vagina (não raro no ânus), conforme relato de uma das entrevistadas. Segue abaixo alguns relatos de mulheres durante as entrevistas: “Meu companheiro me forçou a levar, fui pega na primeira vez...” (sic N.C.); “A maioria das mulheres que cai no sistema faz isso só para ajudar os companheiros, não vivem do tráfico.” (sic S.P.); “O mais triste é saber que não posso levar meu filho no médico, a família lá fora sofre muito. Aqui eu aprendi a dar valor a minha mãe também.” (sic P.R.); “Eu disse para o meu filho: a mamãe fez coisa errada e precisa ficar
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nesta escola para aprender; ele respondeu: aprende logo mamãe, sai daqui logo; isso foi o que mais me doeu.” (sic H.S.); “A liberdade não tem preço, somente visitem os parentes não tentem levar nada de ilegal para dentro da cadeia.” (sic L.N.). Isto mostra que as mulheres estão sendo aprisionadas pela violência de seus maridos, companheiros ou namorados. Quando ocorre o encarceramento destas mulheres, vítimas de violência, nós encontramos um percentual expressivo de filhos sob tutela de avós maternas, o que indica que o ônus da criação dos filhos recai sobre as mulheres, e estas sofrem mais o abandono do que os homens, pois quando vão para a prisão, poucas recebem visita dos companheiros. Dados mostram (DEPEN) que 85% dos homens presos recebem visitas, enquanto 8,7% das mulheres as recebem por parte dos maridos e familiares. Neste panorama, a mulher sempre fica desamparada, sofrendo com as situações de cuidado com os filhos, com a manutenção da família e o abandono do companheiro. A Coordenadoria Penitenciária da Mulher busca ações efetivas para ressaltar que a prevenção também objetiva evitar que as mulheres expostas ao sistema prisional venham a cometer crimes motivadas pelo medo ou pela ânsia de poder ajudar seus maridos e companheiros, o que fatalmente as leva ao encarceramento. Na busca da construção destas ações, construíram-se parcerias com Conselhos da Comunidade, Coordenadorias Municipais de Mulheres, Executivos Municipais, Legislativo, Judiciário, Secretaria Estadual de Políticas para Mulheres, Ministério das Mulheres, Sociedade Civil Organizada, entidades de Ensino e todos os demais setores da Superintendência dos Serviços Penitenciários. Atualmente, é possível contar com quatro estabelecimentos prisionais exclusivamente femininos e dois mistos. São eles: Presídio Estadual Feminino de Torres – abriga 106 mulheres, sendo 88 em regime fechado e 18 em semiaberto; não há gestantes ou crianças; PERFIS - 69 brancas, 20 negras e 16 pardas; - 48 de 18 a 29 anos; 40 de 30 a 45 anos; 13 de 46 a 60 anos e 4 acima de 60 anos; - 03 analfabetas; 04 alfabetizadas, 65 com ensino fundamental incompleto, 10 com ensino fundamental completo, 13 com ensino médio incompleto e 10 com ensino médio completo. Penitenciária Feminina Estadual de Guaíba – total de 217 mulhe-
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res, todas em regime fechado; não há gestantes, crianças são duas com faixa etária de 5 e 6 meses. PERFIS – 149 brancas, 48 negras e 39 pardas; -118 de 18 a 29 anos, 101 de 30 a 45 anos, 17 de 46 a 60 anos, 02 acima de 60 anos; - 05 analfabetas, 06 alfabetizadas, 155 com ensino fundamental incompleto, 20 com ensino fundamental completo, 24 com ensino médio incompleto, 23 com ensino médio completo, 04 com ensino superior incompleto. Penitenciária Feminina Madre Pelletier – total de 286 mulheres, todas em regime fechado; 15 gestantes e 13 crianças com faixa etária de: 1 recém nascido, 2 com 6 meses, 5 com 5 meses e 5 de até 4 meses; PERFIS – 199 brancas, 45 negras e 35 pardas; - 126 de 18 a 29 anos, 121 de 30 a 45 anos, 35 de 46 a 60 anos, 01 acima de 60 anos; - 04 analfabetas, 03 alfabetizadas, 163 com ensino fundamental incompleto, 42 com ensino fundamental completo, 33 com ensino médio incompleto, 28 com ensino médio completo, 06 com ensino superior incompleto, 03 com ensino superior completo. Instituto Penal Feminino de Porto Alegre – total de 147 mulheres, destas nenhuma em regime fechado, 143 em regime semiaberto e 4 em regime aberto; PERFIS: 104 brancas, 22 negras e 24 pardas; - 48 de 18 a 29 anos, 78 a 30 a 45 anos, 23 de 46 a 60 anos, 02 acima de 60 anos; - 03 analfabetas, 08 alfabetizadas, 95 com ensino fundamental incompleto, 19 com ensino fundamental completo, 13 com ensino médio incompleto, 11 com ensino médio completo, 02 ensino superior incompleto. Anexo/Penitenciária Modulada de Montenegro – total de 107 mulheres todas em regime fechado; não há gestantes nem crianças; PERFIS – 80 brancas, 08 negras,e 13 pardas; - 52 de 18 a 29 anos, 34 de 30 a 45 anos, 12 de 46 a 60 anos, 04 acima de 60 anos; - 03 analfabetas, 12 alfabetizadas, 66 com ensino fundamental incompleto, 10 com ensino fundamental completo, 04 com ensino médio incompleto, 05 com ensino médio completo e 02 com ensino superior. Anexo Feminino Normelina Muniz/PMEC – total 64 mulheres todas
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em regime fechado; não há crianças nem gestantes; PERFIS – 45 brancas, 09 negras e 07 pardas; - 24 de 18 a 29 anos, 30 de 30 a 45 anos, 07 de 46 a 60 anos; - 1 analfabeta, 4 alfabetizadas, 14 com ensino fundamental incompleto, 32 com ensino fundamental completo, 06 com ensino médio incompleto, 4 com ensino médio completo. Os demais estabelecimentos prisionais em que existem mulheres em situação de prisão são masculinamente mistos, num total de 57 atualmente; cada um deles conta com pelo menos uma cela ou alojamento, variando o efetivo entre duas a 60, dependendo da região não tem capacidade para as vagas estipuladas. Reformas realizadas em alguns Estabelecimentos Prisionais masculinamente mistos: - No Presídio Regional de Santa Maria, um alojamento que era ocupado por homens do regime fechado e que hoje estão todos na nova penitenciária passou por profundas reformas, para dar condições de alojar mulheres em regime fechado. Também, foram disponibilizados mais banheiros para suprirem a demanda do cárcere feminino. Em dezembro de 2011 foi concluída a reforma nas celas da galeria “B”, também destinada para o efetivo feminino do regime fechado. Tais reformas foram possíveis graças à abertura da nova penitenciária voltada para o efetivo masculino. E em janeiro de 2012, foi concluída a reforma de outro alojamento da ala “B” do PRSM, que agora em condições de uso foi destinada as apenadas do regime semiaberto sem encaminhamento de carta de emprego. Em sequência, outro alojamento foi reformado e desta vez fora contemplada as presas dos regimes aberto e semiaberto, este último para aquelas que já possuíam carta proposta de emprego. O atual quadro de reformas tem reduzido significativamente a situação, antes definida como superlotação, propiciando o plano de “individualização da pena”. Ademais, tem-se proporcionado à ala feminina cursos profissionalizantes e frentes de trabalho no interior do estabelecimento. No que tange a assistência à saúde, as melhorias advém com parcerias com a prefeitura local, através dos “mutirões da saúde” que em determinada data desloca sua unidade móvel para atendimento médico e odontológico. Nesta área do atendimento está em tratativas com a Prefeitura o “Programa da Saúde Prisional”, que se concretizado melhorará em muito a assistência médica das apenadas do PRSM.
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- No Presídio Regional de Pelotas, foi realizada a pintura da galeria, troca de beliches por triliches, criação de cela de isolamento e sala para desenvolvimento de curso de corte e costura e reforço escolar. - No Presídio Estadual de Canguçu, uma sala foi reformada e transformada em cela feminina, juntamente com a construção de um banheiro para as presidiárias. - No Presídio Estadual de Iraí, em meados de junho/2011, as presas que eram alojadas em apenas uma cela, com quatro camas, foram separadas. - No Presídio Estadual de Soledade, em 2011, foi reformada uma cela. Nela estavam alojados os apenados do serviço externo, que foram remanejados para outro espaço. Duante a reforma fizeram pintura, manutenção da instalação hidráulica e elétrica, colocados vidros nas janelas e quatorze camas. Recentemente, foram construídas prateleiras para melhor acondicionar os alimentos. - No Presídio Estadual de Getúlio Vargas, do ano de 2011 para este ano, a alteração em nível estrutural para as mulheres foi a mudança de uma cela com capacidade para seis, para outra cela maior, com capacidade para quinze pessoas e também foi colocado vidros em todas as janelas, vaso sanitário novo e feita nova pintura. Outras questões ligadas à saúde também foram adaptadas para as mulheres, com atendimento médico e dentário especializado e personalizado, além de cursos e palestras. - No Presídio Estadual de Palmeira das Missões, foi reformada a cela feminina, na qual colocaram lajotas novas no piso e consertaram o banheiro. - No Presídio Estadual de Espumoso, em 2011, a cela em que estão recolhidas as mulheres foi toda reformada. Podemos destacar algumas ações em alguns estabelecimentos especificamente, tais como: Na Penitenciária Feminina Madre Pelletier existe uma equipe de saúde prisional, composta por quatro médicos, uma enfermeira, duas técnicas em enfermagem, dois dentistas, uma assistente social e uma psicóloga. Em média são realizados sessenta atendimentos diários; além disso, existe programa de desintoxicação para tratamento de dependência química, ações educativas referentes ao planejamento familiar, grupo de gestantes e pré-natais. Há a rede externa de atendimento em hospitais da rede pública (SUS), que dão suporte ao fluxo de atendi-
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mento médico, onde são criadas as referências e contra referências nos encaminhamentos médicos especializados; também são conduzidas às emergências hospitalares e ambulatoriais. Nos demais estabelecimentos anteriormente citados, já estão unidades de saúde prisional já estão funcionando, elas são compostas de acordo com a quantidade de mulheres a serem atendidas e a cidade onde ela está vinculada. O Presídio Feminino de Torres é a única exceção, mas a proposta já está em andamento. Nos estabelecimentos da PFMP, da Penitenciária de Guaíba e no Anexo Feminino/PMEC existe o NEEJA, com 64, 11 e 16 mulheres estudando, respectivamente. Salientamos que, na PFMP 46 mulheres já estão estudando no período noturno, tendo em vista que durante o dia exercem atividade laboral. Trata-se de mais um projeto pioneiro no sistema carcerário do Estado, integrando as atividades do Núcleo de Educação de Jovens e Adultos e Cultura Popular (NEEJACP). Foram realizados cursos profissionalizantes como Programa Cozinha Brasil, pintura predial interna e externa em parceria com a Fundação Maçônica, nas casas de regime fechado. Está em andamento o Curso de Capacitação em Gastronomia e Serviços, em parceria com o Gabinete do Governador do Estado. Relativo ao trabalho prisional, apresentamos o seguinte diagnóstico: Presídio Feminino Estadual de Torres – 44 mulheres ligadas a algum tipo de atividade laboral, 12 ligadas ao PAC; Penitenciária Feminina Estadual de Guaíba – 140 ligadas a atividades laborais, 46 delas em PAC; Penitenciária Feminina Madre Pelletier – 211 mulheres ligadas a atividades laborais, sendo 120 em PACs; Instituto Penal Feminino de Porto Alegre – 82 mulheres ligadas a atividades laborais, destas 49 em PACs; Anexo/Penitenciária Modulada de Montenegro – 45 mulheres ligadas a atividades laborais e 42 delas em PACs; Anexo Feminino Normelina Muniz/PMEC – 44 mulheres ligadas a atividades laborais e 24 delas em PACs. Nas Penitenciárias Femininas de Guaíba e Madre Pelletier: foram realizados cursos de Pintura Predial interna e externa, pelo Grupo Educa em parceria com a Fundação Maçônica; primeira etapa já concluída; Programa Cozinha Brasil: no Anexo Feminino Normelina Muniz/
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PMEC em Charqueadas, na Penitenciária Modulada Estadual de Uruguaiana, no Presídio Estadual de São Gabriel e na Penitenciária Modulada Estadual de Ijuí; No Presídio Estadual de Alegrete: o Projeto Mulheres Mil em parceria com SPM/RS formou mulheres no curso de Tratadoras de Cavalos, cursos de Panificação e Construção Civil; No Presídio Estadual de São Gabriel: foi realizado curso de Patch Apliquê em parceria com o CREAS, em projeto extramuros; Com início previsto para o mês de setembro, o Curso de Capacitação em Gastronomia e Serviços está disponível para as mulheres em situação de prisão do RS, projeto em parceria com o Gabinete do Governador; A jornada noturna do NEEJA, na Penitenciária Feminina Madre Pelletier, foi uma demanda da Conferência Temática; Início do culto de religião de matriz africana nos presídios femininos - demanda da Conferência Temática; Curso de corte e costura (PAC Paisano/bombachas) no Anexo da Penitenciária Estadual Modulada Ap Jair Fiorin; Na Penitenciária Estadual de Santana do Livramento foi realizado curso de manicure; No Presídio Estadual de Rosário do Sul foi realizado curso de cabeleireiro; No Presídio Regional de Bagé está sendo realizado curso de artesanato, em parceria com a Secretaria Municipal de Assistência Social; No Presídio Estadual de Iraí estão sendo realizados cursos de crochê e artesanato; No Presídio Estadual de Santa Rosa desenvolvidos cursos de manicure, pedicure, artesanato e pintura predial; No Presídio Regional de Santo Ângelo foram desenvolvidos cursos de decoupage em caixas de MDF, confecção de ovos (chocolate) e cestas de Páscoa e pintura em tecido; No Presídio Estadual de Santo Cristo foi desenvolvido curso de informática; No Presídio Estadual de São Luiz Gonzaga está em andamento um curso de informática oferecido pelo SENAI.
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Projeto Mamografia: O Projeto Mamografia está em andamento junto à saúde prisional, o qual tem por objetivo viabilizar o mama móvel para atender todas as mulheres em situação de prisão, efetuando exames de prevenção de câncer de mama e, sendo o caso, encaminhamento para tratamento adequado. Após uma reunião com a Coordenadoria Penitenciária da Mulher, a Saúde Prisional do Estado do RS, o Departamento de Tratamento Prisional e o IMAMA está sendo realizado o mapeamento das necessidades, baseado em dados como idade, número de mulheres que necessitam e estabelecimento onde se encontram. Isso só foi possível graças a uma parceria entre a Saúde Prisional e o IMAMA. Quanto à parte de materiais, no Presídio Feminino Estadual de Torres e na Penitenciária Feminina de Guaíba as mulheres fazem uso de uniformes, os quais são disponibilizados pela SUSEPE. Esta Coordenadoria, no intuito de melhorar as condições de higiene e valorizar a autoestima das mulheres sem as devidas condições financeiras de manutenção dentro do sistema penitenciário, disponibiliza kits de material de higiene, contendo: papel higiênico, absorvente, sabonete de glicerina, escova e creme dental. No ano de 2011, as mulheres em situação de prisão, em parceria com a SPM/RS, participaram pela 1ª vez das conferências de políticas para as mulheres, a nível Municipal, Estadual e Nacional; foram escolhidas duas delegadas do regime fechado para participar da Conferência em Brasília, em dezembro do mesmo ano (únicas no Brasil). Foi construída, também, a 1ª Conferência Temática de Políticas para as Mulheres em Situação de Prisão (regime fechado), da qual originou o início do trabalho da inserção da religião de matriz africana nos espaços prisionais, de acordo com as normas de segurança e as características de cada um deles. Pela primeira vez, as mulheres em situação de prisão apresentaram uma oficina no Fórum Social Temático 2012/Porto Alegre, com relatos e respostas do aprisionamento feminino. Um dos principais problemas relativos a estrutura física dos espaços prisionais masculinamente mistos, no interior do Rio Grande do Sul, é a falta de salas de aula e pavilhões de trabalho para o público, o que inviabiliza a execução de estudos e trabalho para as mulheres. Destaques de ações referentes aos servidores:
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Curso de capacitação as servidoras da SUSEPE para atenção integral às mulheres em privação de liberdade Objetivo - Capacitar às servidoras da SUSEPE que trabalham diretamente com as mulheres privadas de liberdade, tanto em estabelecimentos femininos, como nos estabelecimentos masculinamente mistos, para o entendimento das relações de gênero. Proporcionando atenção integral nas diversas dimensões da execução penal. Esta capacitação foi a primeira do país, sendo considerada pelo DEPEN como boas práticas, com a intenção de realizar a capacitação em todos os Estados do Brasil.
Grupo de Estudos sobre Gênero e Sistema Prisional Esta atividade faz parte do Programa de Capacitação das Servidoras da SUSEPE para atenção integral às mulheres em privação de liberdade. O projeto foi aprovado em 2011 e viabilizado através da Secretaria Nacional de Políticas para as Mulheres e conta com servidores de todo o RS. Objetivo Específico - Oportunizar um espaço de reflexão e problematização da prática cotidiana no que se refere ao tema, visando levantar as principais necessidades de estudo a respeito do tema. O grupo está em andamento, ou seja, é feita uma reunião mensal com os servidores dos estabelecimentos prisionais, com as mulheres em situação de prisão e com alguns convidados de entidades parceiras. Em agosto de 2012, foi realizada uma atividade alusiva ao 6º ano da criação da Lei Maria da Penha, onde as servidoras desta Coordenadoria, juntamente com servidoras da Penitenciária Feminina de Guaíba, distribuíram material informativo aos visitantes das Penitenciárias de Charqueadas e Montenegro, respectivamente. O material contou com cartilhas da Lei e folders com endereços da rede de delegacias e centros de referência. O Comitê gaúcho da Memória, Verdade e Justiça Carlos de Ré, na linha de identificar os espaços públicos de resistência na cidade de Porto Alegre onde houve tortura e morte durante a ditadura civil-militar brasileira, identificou um destes espaços: hoje o Canil da BM na Peni-
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tenciária Feminina Madre Pelletier. Na intenção de realizar a primeira atividade feminista no Brasil, solicitou a SUSEPE, através desta Coordenadoria Penitenciária da Mulher, a possibilidade de construção de um ato simbólico e, neste ato, entregar ao Secretário de Segurança Pública do RS a solicitação de retorno do espaço para as mulheres em situação de prisão da PFMP. Esta Coordenadoria está construindo junto com elas o que gostariam que este espaço se tornasse a partir deste retorno. Para tanto, a intenção é que, também neste dia, mulheres representando as demais entreguem um documento com este relato. Teremos o depoimento de mulheres que estiveram em situação de prisão durante a ditadura civil militar, que lá sofreram torturas durante o regime, alguns depoimentos são inéditos e serão levados à Comissão Nacional da verdade. Apresentamos a seguir, alguns gráficos estatísticos das mulheres em situação de prisão do Estado do RS, referentes ao 2º semestre de 2012. Atualmente, conforme atualização de dados desta Coordenadoria, existem aproximadamente: 32% de mulheres que exercem algum tipo de atividade laboral dentro de Estabelecimentos Prisionais; 24% recebem remuneração através de verba orçamentária; 31% recebem remição; 14% trabalham em PACs; 8% estudam dentro dos espaços prisionais; 3% já exerceram o direito ao voto enquanto recolhidas aos Estabelecimentos (Prisão Provisória); 60% dos Estabelecimentos Prisionais possuem bibliotecas com possibilidades de acesso às mulheres em situação de prisão.
Idade 46 a 60 anos
11%
18 a 29 anos
35%
30 a 45 anos
53%
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mais de 60 anos
1%
Tipo de prisão
Provisória Definitiva
36%
64%
Atividade Laboral PAC
14%
Cozinha /Adm
5%
Não
41%
Cozinha Geral
18%
Artesanato
13%
7% 2%
Limpeza interna Limpeza adm
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Trabalho na época do delito
Emprego Formal
23%
Desemprengada
33%
Emprego Informal
20%
Autônoma
24%
Regime
Semi Aberto
3%
Aberto
11%
Fechado
86%
Atividade / Ensino
EJA
15%
Não
9%
63%
10%
Educação nas Prisões
Artesanato Curso Profissionalizante
1%
Outros
2%
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Relatório Lilás
Relat贸rio Lil谩s
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Cor Parda
10%
Negra
23%
Branca
59%
Indígena
7%
Amarela
1%
Detida portando Material ilícito = 906
Celulares
40% 60%
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Drogas
Filhos Maiores
31%
Menores
Grávida
67%
0,01%
Não Possui
1%
Estado Civil Viúva
7%
União Estável
28%
Solteira
49%
9%
Separada
7%
Casada
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Religião De Matriz Africana
Outras
Sem Religião
2%
4%
13%
Adventista
1%
Budista
1%
Luterana
1%
Espírita
2%
Católica
57%
Evangélica
19%
Responsáveis / Filhos Outros
10%
Irmãos
13%
Parentes Maternos
44%
Pais
17%
Parentes Paternos
16%
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Relatório Lilás
Tipo de crime Outros
22%
Tráfico
78%
Esta Coordenadoria Penitenciária da Mulher, representada pelas servidoras que a integram, o Departamento de Segurança e Execução Penal e o Gabinete do Superintendente, sabem que ainda temos muito o que realizar em conjunto com os demais setores da SUSEPE, SPM/ RS, sociedade civil organizada e Judiciário (visto a necessidade de uma Vara de Execuções Criminais feminina), para que estas mulheres que, na sua maioria acabam nas prisões por levar drogas para os seus maridos ou companheiros, sob ameaças e/ou agressões, não sejam tratadas como traficantes e fiquem marcadas perante a sociedade como tal. Para que após a sua liberdade, consigam reorganizar suas vidas trazendo consigo as questões de seus filhos; precisamos construir sim, condições de cumprimento da pena com as garantias legais e condições de retorno para a sociedade.
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12. Atendimento na rede pública (SUS) à mulher vítima de violência
Claudiomiro Ambrósio61
Resumo: Este texto visa refletir sobre os dados referentes ao atendimento das mulheres vítimas de violência que recorrem a rede pública de saúde. O Ministério da Saúde tem tido uma preocupação grande com a identificação do índice de mulheres atendidas pelo Sistema Único de Saúde - SUS, vítimas de violência, em especial doméstica. Devido a isto o Ministério da Saúde têm desenvolvido vários programas, organizado vários encontros e encaminhado aos órgãos competentes projetos de leis para identificar vítimas de violência doméstica que são atendidas pelas instituições hospitalares no Brasil. A Organização Mundial da Saúde (OMS, 2002) caracterizou, a violência como “o uso intencional da força física ou do poder, real ou em ameaça contra si próprio, contra outra pessoa, ou contra um grupo ou uma comunidade, que resulte ou tenha possibilidade de resultar em lesão, morte, dano psicológico, deficiência de desenvolvimento ou privação de liberdade”. A Assembleia Geral da Organização dos Estados Americanos – OEA, definiu violência contra a mulher, em 1994 através da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a violência contra a mulher (Convenção de Belém do Pará), como “qualquer ato ou conduta baseada no gênero que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto na esfera pública quanto privada”. Conforme Sidnei Alves e Dionis Blank, da Faculdade de Direito da UFPEL, a violência contra a mulher ocorre em todas as fases da vida (desde a infância até a velhice) e é fruto de uma ordem social que se baseia em uma estrutura patriarcal, na qual as relações de poder se dão a partir do homem, que é quem detêm o “papel ativo na relação social e sexual entre os sexos, ao mesmo tempo em que restringe a sexualidade feminina a passividade e a reprodução”. Por essa ordem, ao homem compete ser o provedor e mantenedor da prole, e à mulher compete submeter-se e cumprir os deveres conjugais. A violência contra a mulher 61 Gerente Administrativo do Hospital Conceição - GHC
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pode ocorrer em todos os âmbitos de relações interpessoais, seja na família, no trabalho ou mesmo pelos órgãos do estado, entre outros. A expressão refere-se a diversos tipos de violência, física, psicológica ou sexual. No Brasil, conforme dados do Ministério da Saúde, no ano de 2011, trinta e sete mil e oitocentas (37,8mil) mulheres na faixa etária entre 20 e 59 anos foram atendidas pelo SUS, devido algum tipo de violência. Dessas, cinco mil quatrocentas e noventa e seis (5496) precisaram ser internadas. Esse número é quase 2,5 vezes maior que o de homens atendidos por motivo semelhante. Segundo a socióloga Wânia Pasinato, pesquisadora do Núcleo de Estudos da Violência da USP, estudos indicam que entre os homens que presenciaram cenas de violência doméstica na infância, tendem a ser mais frequentes os atos de violência contra a mulher. As mulheres vítimas da violência deixam de produzir e de se desenvolver no mercado de trabalho também é comum que as vítimas incorporem a violência e a agressividade em seus relacionamentos e nas formas de comunicação. Destaca-se também que, apesar de a Lei Maria da Penha, criada há seis anos, ser uma referência nacional e conhecida pela maioria da população, a violência contra a mulher ainda é um grave problema social. Ela defende que para enfrentar a questão é preciso fortalecimento das políticas públicas e incremento no orçamentário. Pesquisas de opinião indicam que mais de 95% da população já ouviram falar da Lei, que prevê punições severas para os agressores. Ela tem contribuído para que a violência contra a mulher cada vez mais seja vista como violação de direito fundamental, como crime, mas as estatísticas mostram que a questão continua sendo um grave problema social. Dados do Mapa da Violência 2012, estudo feito pelo sociólogo Julio Jacobo, atualizado em agosto deste ano, revelam que, dentre os anos de 1980 a 2010, foram assassinadas no país quase 91 mil mulheres, das quais 43,5 mil somente na última década. De 1996 a 2010 as taxas ficaram estabilizadas em torno de 4,5 homicídios para cada 100 mil mulheres. Em audiência no Senado Federal, realizada em 2011, o Secretário de Atenção à Saúde, Helvécio Magalhães, apresentou as políticas públicas do Ministério da Saúde que garantem atendimento adequado e humanizado às mulheres vítimas de violências. A audiência aconte-
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ceu durante a 10º Reunião da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) da Violência contra a Mulher. Um dos temas em destaque foi a proposta feita pelo Secretário para que os laudos feitos em mulheres vítimas de violência sexual nos serviços de referência, credenciados pelo Ministério da Saúde, possam ser utilizados como prova pericial. Com isso, as mulheres não teriam que se submeter a novo laudo do Instituto Médico Legal (IML). “Isso pode ser um avanço, uma modernização, uma proteção e uma humanização do atendimento à mulher vítima de violência. Nossa proposta é que a CPMI inclua isso no seu relatório e que agilize a tramitação dessa mudança”, destacou Magalhães. Destacou também que, pela primeira vez, o Ministério da Saúde passa a integrar o Conselho Nacional da Política Penitenciária e está ajudando a reformatar a política de saúde prisional. Representantes do Ministério da Justiça e Educação também participaram da audiência e durante o debate foi reforçada a necessidade das ações intersetoriais, por meio de iniciativas conjuntas. “As ações de combate à violência devem ser compartilhadas com políticas integradas. A capilaridade do SUS, por meio, principalmente, das 38 mil equipes de Saúde da Família e os mais de 40 mil Centros de Atenção Básica e Primária presente em todo território nacional permitem a aproximação e interação da população com diversos serviços ofertados”, reforçou Magalhães. As ações de combate à violência contra as mulheres, no âmbito da saúde, incluem o treinamento dos profissionais em toda rede pública de saúde, A ampliação dos serviços Sentinelas de notificação de violência e dos serviços que prestam assistência às mulheres em situação de violência e aborto legal. Hoje são 552 serviços de atendimento às mulheres em situação de violência sexual e doméstica, além dos 65 serviços de abortamento legal. Portanto, a ação de identificação de vítimas de violência organizada pelo Ministério da Saúde nos oportunizou notar que ainda há no Brasil, em especial no Rio Grande do Sul, grande número de mulheres vítimas de violência doméstica, cabendo ao Estado o papel de dar sequência através da Secretaria de Segurança Pública dos comunicados de violência enviados pelos hospitais.
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Capítulo III
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Mudando culturas, mudando o mundo – Movimentos Sociais e a luta pelo fim da violência de gênero
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13. Homens e mulheres na luta pelo fim da violência de gênero
Elisiane Pasini62
Resumo: Este artigo falará sobre a violência de gênero, a qual é marcada por uma socialização machista, patriarcal e sexista, que naturaliza e banaliza comportamentos abusivos e violentos. As desigualdades de gênero estão inscritas nos corpos, as quais, legitimam a cultura da violência contra as mulheres. O fim da violência de gênero é uma luta de toda a sociedade!
1. Gênero e sexo: desconstruindo concepções e práticas sociais O conceito de gênero surgiu quando estudiosas feministas buscaram contrapor as teorias biologizantes, as quais buscavam explicar os comportamentos de homens e de mulheres embasados em diferenças físicas, o que de fato não bastam para compor esse arsenal diversificado. Quando falamos em sexo, estamos falando em corpos de homens e de mulheres (algumas concepções intitulam macho e fêmea), ou seja, as diferenças biológicas que caracterizam o homem e a mulher. Por outro lado, quando falamos em gênero, estamos falando de construções culturais, de valores, atribuições, comportamentos, atitudes para os corpos de homens e de mulheres. Então, nascemos com corpos diferentes, mas o que isto vai significar para a/na sociedade dependerá do contexto, da época histórica, dos grupos e das culturas em que está inserido. Gênero é culturalmente determinado e, portanto, não é fixo63. Há diferentes possíveis modelos de gênero, “(...) o que é feminino e o que é masculino têm significados diferentes nas diversas culturas” (Go62 Doutora em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP. Assessora Técnica do Departamento de DST, Aids e Hepatites Virais no Ministério da Saúde. Compôs a Coordenação Executiva da Organização Não Governamental (ONG) Themis Assessoria Jurídica e Estudos de Gênero, 2009-2011, onde representou a organização junto a Rede de Homens pela Equidade de Gênero (RHEG). E-mail: lispasini@gmail.com 63 Segundo PISCITELLI (2004): “Afirmando que as noções de gênero, incluindo ideias sobre masculinidade e feminilidade, se expressam em metáforas cujas raízes e utilizações na vida social não são fixas, essas abordagens sustentam que tais noções podem ser alocadas, indistinta e/ou simultaneamente, a homens e mulheres”. (PISCITELLI, 2004, p. 86)
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mes at all., 2010, p. 95). Falar sobre o tema de gênero é falar em masculinos e femininos e na forma como eles se relacionam. Os masculinos e femininos circulam entre os corpos e, portanto, podem ser alocados em corpos de homens ou em corpos de mulheres. Em outras palavras, uma mulher pode ter atitudes masculinas (compreendida em uma determinada sociedade) sem ser entendida como masculina, assim como o homem pode ter atitudes femininas, sem ser considerado como feminino64. Segundo Strathern, gênero deve ser pensado como uma “categoria de diferenciação” (Strathern, 1988, p.9) que tem como referência o imaginário sexual. Nas suas concepções esta categoria marca relações e ações sociais que não se fixam, portanto, na relação corpo biológico – sexo – gênero, esta é uma forma de compreender como as pessoas de um determinado grupo social entendem, definem e atribuem valores às diferenças entre homens e mulheres. Não se trata de um corpo sexuado, mas, antes, de uma prática constituída por experiências corporais e culturais em um determinado contexto. Respeitar relações igualitárias de gênero é abordar diferentemente as mulheres e os homens, as suas construções e performances de feminilidades e masculinidades. Na maior parte das vezes, tais valores diferenciados implicam em relações de poder, que transformam as diferenças em desigualdades. Segundo Scott, “o gênero é um elemento constitutivo das relações sociais baseado nas diferenças percebidas entre os sexos, e o gênero é uma forma primeira de significar as relações de poder” (Scott, 1990, p. 85). A violência de gênero é uma das diversas expressões dessas relações de poder entre os masculinos e os femininos, que objetiva manter uma relação de desigualdade e de subalternidade. O fato de ser masculino ou feminino pode mudar a performance, agenciamento e o lugar na sociedade. Tanto o corpo da mulher, como o gênero feminino são historicamente subordinados.
64 Segundo Bonetti, Fleischer (2007): “Entendemos gênero como uma forma de atribuir sentido a determinadas diferenças, que partem, sobretudo, da imagética (que encerra imagem, ou revela imaginação) sexual, mas a transcendem, dotando de sentido as mais diversas manifestações das experiências humanas. Como ensina Strathern. Tais diferenças não são desprovidas de valor, que variam enormemente de acordo com uma complexa combinação entre contextos, situações e sentidos. Em conseqüência, entendemos que as coisas do mundo têm, na sua base, um atributo relativo ao gênero”. (Bonetti, Fleischer, 2007, p. 18)
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2. Violência contra as mulheres uma luta de todas as pessoas As mulheres ao longo da história tem sido as mais exploradas, violentadas e subjugadas por uma sociedade que, ainda hoje, reproduz valores patriarcais, machistas e sexistas. Dados recentes apresentados pelo Mapa da Violência no Brasil de 2010, realizado pelo Instituto Zangari, revelam a ocorrência de 10 assassinatos de mulheres por dia65. Já a Análise da Violência contra as Mulheres no RS nos 5 anos da Lei 11.340/2006 – Femicídio (Agosto 2006 – Agosto 2011) demonstrou 51% dos femicídios foram motivados pela separação ou por divórcio. Ainda se trata de um corpo, mas não é de um corpo qualquer, silencioso, mas sim, de um corpo marcado por regras e condutas, ainda mantido na objetivação social. Trata-se dos corpos de mulheres, agenciando masculinidades e feminilidades. “(...) para compreender e atuar no campo da violência de homens contra a mulheres, a partir da perspectiva de gênero, é preciso incluir análises sobre os processos de socialização e sociabilidade masculinas e os significados de ser homem em nossas sociedade que promovem e alimentam as bases simbólicas da violência baseada em gênero”. (Medrado, 2010, pg. 7)
Ora, os homens não são naturalmente ou biologicamente violentos, mas, sim, muitos estão sujeitados a normatizações de modelos e padrões culturais machistas que orientam as práticas sociais. “(...) a identidade masculina envolve dois aspectos-chaves e duas pressões distintas, mas que se sobrepõe. Uma delas é a que estimula os jovens a aderir a versões de masculinidade que promovem a ideia de que os homens são superiores às mulheres, ou dizem que eles não devem envolver-se em questão de saúde sexual, que a violência contra as mulheres é aceitável, ou que 65 Entre 1997 e 2007, 41.532 mulheres morreram vítimas de homicídio - índice de 4,2 assassinadas por 100 mil habitantes. Algumas cidades brasileiras, como Alto Alegre, em Roraima, e Silva Jardim, no Rio de Janeiro, registram índices de homicídio de mulheres perto dos mais altos do mundo.
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a criação dos filhos não é uma tarefa do pai. Ao mesmo tempo, os jovens sofrem pressão para aderir a uma versão violenta da masculinidade associada à participação em gangues, ou ao menos, para admitir como válida uma versão da masculinidade que encoraja o uso da violência. Às vezes, diferentes fatores convergem para explicar como os rapazes são capazes de resistir a essas pressões, mas há muitos pontos em comum”. (Barker, 2008, pg. 204)
Um desafio dos movimentos feministas está na busca da equidade de gênero e dos direitos humanos das mulheres, na intenção de desnaturalizar os atos de violências, isto porque, ainda hoje, a violência é aceitável e entendida como parte do comportamento humano. É preciso ir além, sair de modelos limitados e estereotipados e embasados na desigualdade de gênero, não se trata de questões biológicas e, sim, de questões culturais e, portanto, passíveis de mudanças. Outros artigos nessa coleção discorrerão sobre a Lei Maria da Penha, entretanto, pretendo contribuir, mesmo que brevemente, na discussão aqui proposta entre sexo e gênero. A Lei Maria da Penha traduz uma importante mudança de paradigma no enfrentamento da violência contra a mulher. O fato de ter por base uma perspectiva de gênero no entendimento das desigualdades entre homens e mulheres e da violência contra a mulher, fortalece a necessidade de uma nova e/ou outra compreensão das concepções culturais. A lei incorpora a prevenção integrada e multidisciplinar, estimula à criação de bancos de dados e estatísticas, prevê medidas protetivas de urgência e uma competência única para procedimentos cíveis (direito de família) e criminais, na resolução de conflitos decorrentes da violência contra as mulheres. Além disso, a Lei busca também reeducar a sociedade em que sugeri uma série de propostas pedagógicas. E, fundamentalmente, está embasada no fato de que as pessoas que cometem violência contras as mulheres independe de orientação sexual, significando que tanto homens como mulheres podem ser a pessoa atuante da agressão. Aliás, alerto para o fato de que apesar da lei utilizar o termo violência de gênero e bem orientar para o fato de que as mulheres que cometam violência contra uma mulher também serão punidas, as ações da
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lei se dirigem apenas aos homens. Segundo Medrado e Mello (2008), o termo utilizado na Lei para designar os (as) autores(as) de violência aparece sempre no masculino. Na Lei permanece tendo um sexo agressor: o homem! É preciso implementar ações que possam também incluir os homens, para além da punição, afinal, como já foi exposto, é preciso dessencializarmos comportamentos, hábitos e atributos em que as diferenças estão marcadas a partir de corpos de homens e de mulheres. Como lutaremos por transformações, se continuarmos acreditando que as mulheres são vítimas e os homens os algozes? A equidade de gênero é uma questão central para a efetividade dos direitos das mulheres, pois as desigualdades observadas em relação às mulheres no acesso ao trabalho, à saúde, e à permanência da violência doméstica e sexual, são indicadores de ausência de cidadania.
3. Campanhas de homens pelo fim da violência contra as mulheres “(...) um rapaz de 25 anos (Marc Lepine) invadiu uma sala de aula, na cidade de Monteral, Canadá. Ele ordenou que os homens (aproximadamente 48) se retirassem da sala, permanecendo somente as mulheres. Gritando: ‘vocês são todas feministas!?’, esse homem começou a atirar enfurecidamente e assassinou 14 mulheres, à queima roupa. Em seguida, suicidou-se. O rapaz deixou uma carta na qual afirmava que havia feito aquilo porque não suportava a ideia de ver mulheres estudando engenharia, um curso tradicionalmente dirigido ao público masculino”. (www.lacobranco.org.br)
Depois desse crime, um grupo de homens se juntou para afirmar que existem homens que repudiam a violência contra a mulher, mas existem também aqueles que repudiam essa atitude. White Ribbon Campaign - Campanha do Laço Branco - é uma das tantas iniciativas que acontecem no mundo inteiro em busca de uma sociedade livre de violências. O laço branco tornou-se símbolo do lema de jamais cometer um ato violento contra as mulheres e não fechar os olhos frente a essa violência.
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Uma boa prática para demonstrar que nem todos os homens são violentos e, além disso, que muitos homens são parceiros no enfrentamento das violências contra as mulheres. No Brasil, a campanha é coordenada por um conjunto de organizações não governamentais e núcleos acadêmicos. Promovida pela Rede de Homens pela Equidade de Gênero (RHEG)66, a campanha entrou no calendário nacional com a aprovação da lei que instituiu o dia 6 de dezembro como o Dia Nacional de Mobilização dos Homens pelo Fim da Violência contra as Mulheres. Outras iniciativas devem ser reconhecidas como, por exemplo, a Frente Parlamentar dos Homens pelo Fim da Violência Contra as Mulheres, no Rio Grande do Sul, que conta com a adesão de mais de 49 municípios. A Frente tem impulsionado vários debates e ações em todo o Estado, com o objetivo de acabar com a violência contra as mulheres. Também é importante ressaltar as experiências de programas de atendimentos a homens autores de violência. Na publicação “Atendimento a homens autores de violência contra as mulheres: experiências latino-americanas” (2010) é possível percorrer alguns países e comparar a atuação brasileira. Em todas as iniciativas (governamentais e não governamentais) há o mesmo objetivo: fazer com que os homens agenciem de outra forma a resolução de conflitos e que se tornem aliados no enfrentamento às violências contra as mulheres. Todas e todos juntas e juntos no enfrentamento à violência contra as mulheres e na busca de uma sociedade com igualdade de direitos. Está em nossas mãos construir uma sociedade livre de violências, porque violência contra a mulher não é um problema só das/para as mulheres. Referências BARKER, Gary T. Homens na Linha de Fogo juventude, masculinidade e exclusão social. Rio de Janeiro, 7 Letras, 2008. BONETTI, Alinne; FLEISCHER, Soraya (orgs.). Entre saias justas e jogos de cintura. Santa Cruz, EDUNISC, Editora Mulheres, 2007. MEDRADO, Benedito; FRANCH, Mônica; LYRA, Jorge; BRITO, Maíra. (orgs.). Homens: tempos, práticas e vozes. Recife, Instituto Papai/ Fages/NEPO/Pegapacapá, 2004. 66 Mais informações nos sites: lacobranco.org.br
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MEDRADO, Benedito. Prefácio. IN: TONELI, Maria J. F.; LAGO, Mara C.; BEIRAS, Adriano; CLÍMACO, Danilo (orgs.). Atendimento a homens autores de violência contra mulheres: experiências latino americanas. Ilha de Santa Catarina, 2010. PISCITELLI, Adriana. Pioneiros: Masculinidades em Narrativas sobre Fundadores de Grupos Empresarias Brasileiros. In: SCHPUN, Mônica R. (org.) Masculinidades. Rio de Janeiro: Boitempo Editorial e Edunisc, 2004. SCOTT, Joan. 1990. Gênero: uma categoria útil de análise histórica. Revista Educação e Sociedade. Porto Alegre, 16 (2): 5-22, jul/dez. STRATHERN, Marilyn. The Gender of the Gift: problems with women and problems with society in Melanesia. Londres, University of California Press, 1988.
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14. Frente Parlamentar dos Homens pelo Fim da Violência contra as Mulheres Edegar Pretto67 Resumo: Este artigo tem por objetivo relatar a experiência positiva de sensibilização do público masculino através do trabalho desenvolvido pela Frente Parlamentar dos Homens pelo Fim da Violência contra as Mulheres da Assembleia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul. A luta para transformar as relações de gênero e eliminar a violência contra as mulheres não pode ter êxito sem a participação dos homens. Existem exemplos de sucesso pelo mundo todo de trabalhos que visam comprometer os homens na prevenção à violência contra as mulheres. Como exemplo, podemos citar a campanha do Laço Branco que orienta homens e meninos a usar laços brancos como símbolo de seu compromisso pessoal de que jamais cometerão nem tolerarão atos violentos contra as mulheres. Iniciada em 1991, a campanha do Laço Branco já alcançou 47 países. Em Honduras, uma prefeitura formou homens para educar a comunidade sobre violência de gênero. Além disso vinculou a capacitação dos homens sobre este assunto com a compra de equipamentos de futebol. Muitos homens participaram ativamente da campanha e clubes de futebol começaram a utilizar cartazes antes dos jogos e nos intervalos falando sobre os direitos das mulheres. Na Austrália, o governo do estado de New South Wales também utilizou atletas famosos para sua campanha de educação da comunidade intitulada “A violência contra a mulher – viola todas as regras”, dirigida aos homens de 21 a 29 anos de idade. Na Inglaterra existe a Coalizão pelo fim da violência contra a mulher (EVAW - End Violence Against Women Coalition), que reúne várias entidades governamentais e não governamentais, inclusive compostas por homens. Dentre as campanhas se destaca a “School Safe 4 girls” 67 Deputado estadual e coordenador da Frente Parlamentar dos Homens pelo Fim da Violência contra as Mulheres.
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Escola segura para as meninas – onde homens falam com os meninos sobre violência de gênero. No Brasil também existem ações neste sentido, geralmente vinculadas a organizações não governamentais (ONG’s). Mas é a primeira vez que o Parlamento se envolve em uma campanha de sensibilização de homens para o fim da violência de gênero. Em maio de 2011 foi lançada na Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul, com a adesão de todos os deputados, a Frente Parlamentar dos Homens pelo Fim da Violência contra as Mulheres. A ideia nasceu a partir do questionamento - Como os homens poderiam ajudar nesta luta pelo fim da violência de gênero? - oriundo do movimento feminista que discutia em audiência pública na Assembleia Legislativa os cinco anos de vigência da Lei Maria da Penha – lei federal nº 11.340/2006. Foi uma surpresa quando depois do lançamento da Frente descobrimos que a iniciativa era inédita no Brasil, e mais tarde descobrimos que era a primeira Frente de deputados que lutam pelo fim da violência contra as mulheres no mundo. Depois dos quase dois anos de atuação da Frente, muitas pessoas ainda acham estranho o fato de homens lutarem pelo fim da violência de gênero, visto que são justamente eles os agressores. Entendemos que para acabar com este mal que assola toda a sociedade em todo o mundo, é preciso um esforço de todos, mulheres e homens, jovens, adultos e até crianças. Afinal, não é natural bater nas mulheres e nas meninas, abusar sexualmente ou humilhá-las. A proposta da Frente Parlamentar é justamente falar com os homens, sensibilizá-los e trazê-los para esta luta. Para isso contamos com um Grupo de Trabalho qualificado, formado por mulheres e homens, de diversas instituições governamentais e da sociedade civil, que reúne-se mensalmente para planejar e acompanhar as ações da Frente. Além disso, a Frente também tem como objetivos lutar pela estruturação da Rede de Atendimento às vítimas de violência doméstica e debater a ampliação do orçamento público para políticas públicas para as mulheres. Para alcançar estes objetivos, a Frente aderiu a quatro importantes campanhas internacionais: a campanha do Laço Branco, que é coordenada pela White Ribbon Campaing, do Canadá. No Brasil, a Campanha do Laço Branco é coordenada pela Rede de Homens pela Equidade de Gênero (RHEG); a campanha Ponto Final na Violência contra as Mu-
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lheres e Meninas que é coordenada pela Rede Feminista de Saúde, Coletivo Feminino Plural e Rede de Homens pela Equidade de Gênero (RHEG); a campanha UNA-SE pelo fim da violência contra as mulheres, do Secretário-Geral das Nações Unidas (ONU), Ban Ki-moon; e a campanha Homem de verdade não bate em mulher, do Banco Mundial. A Frente Parlamentar já promoveu dois encontros de homens gaúchos pelo fim da violência contra as mulheres, sempre na semana do dia 6 de dezembro68, que marca a mobilização dos homens pelo fim da violência contra as mulheres. Em ambos tivemos a participação de mais de 500 homens, dentre eles podemos destacar a adesão de policiais militares, músicos, humoristas, jogadores de futebol, lutadores de MMA e tradicionalistas, que em 2012 organizaram a primeira Cavalgada pelo Fim da Violência contra as Mulheres. Também foi criada a Rede das Frentes Parlamentares dos Homens pelo Fim da Violência contra as Mulheres, com a participação das Câmaras Municipais de Vereadores, que foram convidadas a se engajar a esta causa. O objetivo é reunir todas as frentes do estado, subsidiar os vereadores com informações sobre o tema e construir atividades conjuntas e descentralizadas. Atualmente a Rede conta com a participação de mais de 40 Câmaras Municipais com Frentes Parlamentares. Também já foi protocolada a criação de uma Frente no Senado Federal e mais de 15 estados solicitaram informações para a criação de suas frentes. Outra iniciativa da Frente foi o lançamento da Campanha Cartão Vermelho para a violência contra as mulheres, que ocorreu no ano de 2011 num jogo entre os dois maiores times gaúchos: Grêmio e Internacional. Em agosto de 2012, em parceria com a Campanha Ponto Final na Violência contra Mulheres e Meninas, Secretaria de Políticas para as 68 O dia 06 de dezembro é o dia nacional de mobilização dos homens pelo fim da violência contra as mulheres porque nesse dia, no ano de 1989, um rapaz de 25 anos (Marc Lepine) invadiu uma sala de aula da Escola Politécnica, na cidade de Montreal, Canadá e ordenou que os homens (aproximadamente 48) se retirassem da sala, permanecendo somente as mulheres. Gritando: “vocês são todas feministas!”, começou a atirar enfurecidamente e assassinou 14 mulheres, à queima roupa. Em seguida, suicidou-se. O rapaz deixou uma carta na qual afirmava que havia feito aquilo porque não suportava a ideia de ver mulheres estudando engenharia, um curso tradicionalmente composto por estudantes homens. O crime mobilizou a opinião pública de todo o país. Assim, um grupo de homens do Canadá decidiu se organizar para dizer que existem homens que cometem a violência contra a mulher, mas existem também aqueles que repudiam essa atitude. Eles elegeram o laço branco como símbolo e adotaram como lema: jamais cometer um ato violento contra as mulheres e não fechar os olhos frente a essa violência. Foi então lançada a primeira Campanha do Laço Branco (White Ribbon Campaign): homens pelo fim da violência contra a mulher. No Brasil, o lançamento oficial da Campanha foi realizado em 2001.
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Mulheres do governo do Estado, Federação Gaúcha de Futebol (FGF), Confederação Brasileira de Futebol (CBF) e Banrisul, a dupla Grenal69 entrou em campo vestindo as camisetas da Campanha Cartão Vermelho para a violência contra as mulheres. Foram distribuídos os cartões da campanha aos torcedores torcedoras. Em campo os jogadores apresentaram a faixa da campanha com a inscrição “Violência contra a mulher NÃO”. Na mesma ação, os clubes receberam o troféu Maria da Penha por terem aderido a campanha da Frente Parlamentar. A exibição da partida do Campeonato Brasileiro ganhou repercussão no país. Entre outras ações da Frente podemos destacar audiências públicas em diversos municípios, lançamentos de frentes parlamentares municipais, participação em palestras, manifestações sociais e a criação da certificação para instituições públicas e privadas engajadas pelo fim da violência de gênero, com três categorias de troféus: empresa, instituição ou prefeitura, comprometida pelo fim da violência contra as mulheres. Por compreendermos que a violência de gênero está correlacionada com a questão cultural e educacional, apresentamos proposta à Secretaria Estadual de Educação do Rio Grande do Sul para a criação de um programa que levasse o assunto para as salas de aula. Solicitamos também à Universidade Estadual do Rio Grande do Sul - UERGS, a criação de uma disciplina de educação em Direitos Humanos com enfoque no enfrentamento a violência de gênero, obrigatória no primeiro semestre de todos os cursos de graduação oferecidos pela instituição. O Estado do Rio Grande do Sul promove a atualização do currículo do Ensino Médio, por isso levamos ao Conselho Estadual de Educação a sugestão de inclusão do tema do enfrentamento a violência de gênero na formação dos jovens e adultos que cursam o ensino médio nas escolas públicas e privadas do nosso estado. Após discussões do Grupo de Trabalho da Frente, protocolamos o projeto de lei PL 107/2012 que assegura ao cônjuge ou à pessoa em união estável do consumidor responsável pela unidade consumidora o direito de fazer constar na fatura de serviços o seu nome, com o objetivo de resolvemos o problema de milhares de mulheres que não constam como titulares em contas de serviços de água, luz e telefonia, mas que precisam de comprovante de residência para inúmeras atividades. Por 69 A dupla Grenal é formada pelos dois maiores times de futebol do estado do RS: Grêmio Foot-ball Porto Alegrense e Sport Club Internacional, que protagonizam o maior clássico do futebol gaúcho.
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uma prática machista, o homem aparece como titular das contas e assim, somente o nome dele aparece na fatura, dificultando a comprovação de residência para as mulheres. Após a grande divulgação nos meios de comunicação estadual e nacional, a primeira repercussão internacional do trabalho da Frente Parlamentar dos Homens pelo Fim da Violência contra as Mulheres ocorreu por meio da Rádio do Vaticano, com uma entrevista que foi ao ar na Itália, em todas as rádios católicas do Brasil e em países de língua portuguesa, na Europa e África. O resultado de todo esse trabalho e reconhecimento resultou em um convite do Governo Federal, através da Ministra de Políticas para Mulheres da Presidência da República, Eleonora Menicucci, a integrar a missão brasileira que participou da 57ª Sessão da Comissão que debate a situação da mulher (CSW) na ONU, ocorrida em março de 2013 em Nova Iorque, nos Estados Unidos, onde foram apresentadas à Secretária Executiva da ONU Mulheres e ex-Presidenta do Chile, Michelle Bachelet e aos 193 países que compõem a ONU, as experiências positivas desta iniciativa pioneira de homens na Assembleia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul. A consolidação desse trabalho foi possível graças às ações desenvolvidas de forma conjunta por um Grupo de Trabalho empenhado em extinguir toda e qualquer forma de violação dos direitos humanos das mulheres. Estamos comprometidos com a pauta construída pela luta dos movimentos de mulheres como a ampliação do horário de funcionamento e do número de delegacias e postos especializados no atendimento da mulher, a criação de novos Juizados Especiais de violência doméstica e familiar, a constituição de organismos municipais de políticas para mulheres, como coordenadorias e secretarias e a construção de centros de referência e casas abrigo para o atendimento de mulheres que sofrem violência. Seguiremos firmes nessa luta de toda sociedade, para que meninos e homens não cometam atos violentos, nem aceitem nenhum tipo de violência contra mulheres e meninas.
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15. Campanha Ponto Final na Violência contra Mulheres e Meninas
Renata Teixeira Jardim70
Resumo: A violência contra as mulheres é reconhecida como um problema de saúde pública e uma grave violação aos direitos humanos. O movimento feminista vem impulsionando diversas estratégias de ação na defesa dos direitos das mulheres e em especial no direito a uma vida livre de violência. Foi assim que em 2009 surgiu a Campanha Ponto Final na Violência contra as Mulheres e Meninas no Brasil e em outros três países. Este artigo pretende apresentar tal iniciativa, indicando alguns de seus resultados. Atualmente, a violência contra as mulheres é reconhecida como um problema de saúde pública e uma grave violação aos direitos humanos. Com o aumento do número de estudos na área, os resultados reforçam a difusão deste tipo de violência em diferentes países e regiões do mundo. Na América Latina e Caribe, estima-se que entre 25% e 69% das mulheres tenham sofrido violência por seu parceiro íntimo em algum momento de sua vida, enquanto que entre 5% e 46% das meninas tenham experimentado alguma forma de abuso sexual (OMS, 2002). Assim como os altos índices de femicídio – assassinato de mulheres pelo fato de serem mulheres – revelam que nossa região ainda está absorvida por uma cultura machista e perversa que submete às mulheres as formas mais cruéis de violência. Frente a esta realidade, o movimento feminista vem impulsionando diversas estratégias de ação na defesa dos direitos das mulheres, em especial o direito a uma vida livre de violência. Foi assim que em 2009 surgiu a Campanha Ponto Final na Violência contra as Mulheres e Meninas no Brasil e em outros três países da região. Este breve artigo pretende apresentar tal iniciativa, indicando alguns de seus resultados verificados a partir de instrumentos de avaliação e monitoramento. 70 Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos e Mestre em Antropologia Social pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Atuou como assistente de coordenação da Campanha Ponto Final Brasil. Hoje integra a coordenação do Coletivo Feminino Plural, é coordenadora técnica do Centro de Referência para Mulheres Vítimas de Violência Patrícia Esber da cidade de Canoas e é Presidente em exercício do Conselho Municipal dos Direitos da Mulher de Porto Alegre.
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Ponto Final na Violência contra Mulheres e Meninas! A Campanha Ponto Final na Violência contra as Mulheres e Meninas é uma estratégia impulsionada pela Rede de Saúde das Mulheres Latinoamericanas e do Caribe (RSMLAC) desde 2009. Brasil, Haiti, Guatemala e Bolívia foram os países eleitos para implementar esta campanha pioneira, os quais receberam apoio da agencia de cooperação internacional OXFAM. Guiadas por pressupostos políticos teóricos comuns, a Campanha teve em cada país um percurso próprio, conforme cada contexto nacional. A proposta da Campanha Ponto Final é atuar na eliminação da aceitação social de todas as formas de violência contra as mulheres e meninas, focalizando a ação, principalmente, na mudança de padrões culturais que sustentam e promovem estas violações (DINYS, 2008). Para tanto, a campanha enfatiza ações no campo da prevenção, atuando em diferentes níveis ao mesmo tempo, envolvendo homens e mulheres, jovens e adultos. Incorporando ainda, importantes lições aprendidas na luta para a erradicação da violência contra as mulheres, como a adequação das intervenções conforme cada contexto cultural, considerando as necessidades imediatas das mulheres e meninas em situação de violência, bem como o confronto dos papéis de gênero sem prescrever condutas em particular71. No Brasil, a Campanha Ponto Final foi constituída nacionalmente por duas redes – Rede Feminista de Saúde, Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos e Rede de Homens pela Equidade de Gênero - e uma organização da sociedade civil, o Coletivo Feminino Plural – na época era sede da Secretaria Executiva da Rede Feminista de Saúde e do Observatório da Lei Maria da Penha da região sul. Tais organizações foram responsáveis pelo posicionamento nacional da Campanha e da ampliação de número de organizações envolvidas e comprometidas na luta pelo fim da violência contra as mulheres. Construiu-se, assim, um diretório de atores com mais de uma centena de apoiadores individuais e institucionais, como a Federação Nacional dos Jornalistas, Associação Mulheres pela Paz, Associação Brasileira de Enfermagem, Fundo 71 O estudo de Alexandra Guedes (2007), sobre as estratégias de mudança de comportamento para abordar a violência de gênero implementadas na América Latina e Caribe foi a base para a construção das estratégias a serem adotas pela Campanha Ponto Final, em especial as lições aprendidas pelas organizações estudadas.
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de População das Nações Unidas, Ministérios, secretarias estaduais e prefeituras. Tais apoiadores têm como principal tarefa a inserção do tema da violência contra as mulheres na agenda política. Se por um lado, no nível macro busca-se a partir de difusão de materiais e mensagens que questionam a naturalização das desigualdades de gênero com foco na violência contra as mulheres, por outro lado, é no nível interpessoal e comunitário que o trabalho de transformação desta cultura, que naturaliza e justifica a violência contra as mulheres, se intensifica e mostra seu lado mais efetivo. A região definida para o desenvolvimento do projeto denominado “experiência local no Brasil” foi a zona leste da cidade de Porto Alegre, por ser mapeada como uma localidade onde as mulheres exercem forte liderança comunitária. Através de alianças com as entidades do movimento de mulheres e de associações locais foi construído um plano de ação em duas etapas. A primeira com vistas à capacitação de lideranças para a constituição de equipes de multiplicadoras – equipes locais - das ações da Campanha e posteriormente a identificação e formação de grupos locais de agentes de mudança – pessoas que se comprometem a mudar seu comportamento frente à violência e a mobilizar outras72 - com o apoio das equipes constituídas na primeira etapa. Dentre as ações desenvolvidas em nível local destacam-se: a realização de capacitações; visitas de porta em porta – para garantir o comprometimento individual e ofertar informações sobre serviços e leis; colocação de adesivos com a mensagem “aqui não entra violência contra as mulheres”; difusão de materiais informativos e de reflexão para o público jovem, adulto e infantil; atividades culturais; grupos de reflexão; atividades de denúncia e mobilização.
Alguns resultados da experiência Pode-se afirmar que o desenvolvimento da Campanha Ponto Final se constituiu em uma grande oportunidade para um repensar das estratégias de enfrentamento da violência contra as mulheres no Brasil e na região. A proposta de questionar esta violência, na perspectiva de discutir, provocar a reflexão sobre padrões culturais e incluir novos elementos no debate, amplia o caráter da intervenção e se apresenta como 72 A primeira etapa da Campanha concentrou-se na comunidade do Campo da Tuca. Já a segunda etapa agregou-se novas equipes locais e planos de ação no Morro da Polícia, Morro da Cruz e São José.
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um avanço em relação à iniciativas já existentes, focadas na implementação de políticas públicas para coibir o fenômeno através da punição. Ao buscar a reflexão sobre as causas no sentido da prevenção, traz a esperança de que é possível derrotar a violência, trabalhando-se com uma cultura de respeito, de não violência, de exercício do diálogo e do pensamento crítico. Permite desconstruir esquemas hierárquicos no campo do pensamento e da ação. O resultado desta experiência tem sido a evidente mobilização social gerada pela Campanha, através de seu caráter agregador e sua visão de não responsabilização do movimento de mulheres e das próprias mulheres pelo enfrentamento da violência de gênero, mas de toda a sociedade. Destaca-se, neste sentido, a contribuição no Brasil da Rede de Homens pela Equidade de Gênero no processo de implementação da Campanha e da Frente Parlamentar de Homens pelo Fim da Violência contra Mulheres, liderada pelo Deputado Edegar Pretto, no fomento de ações compartilhadas e estratégias direcionadas especificamente aos homens. Verifica-se que os processos de mudanças de atitudes, que demandam maior tempo de intervenção, podem ser percebidos ao longo de todo o processo nos quatro países no qual a Campanha se desenvolveu. Entre as diversas manifestações de resultados percebe-se que a Ponto Final foi um potencializador para inserção do tema da violência contra as mulheres e meninas no cotidiano das comunidades e instituições parceiras. Ouvir sobre e participar de oficinas geraram reflexões e posicionamentos de muitas mulheres e jovens nas comunidades onde se realizaram as experiências locais, com rompimento da situação de violência através da denúncia e de pedidos de socorro. Sinais de que a Campanha Ponto Final provocou deslocamentos em termos socioculturais, motivando o reconhecimento da violência e sua superação73. No Brasil houveram muitas histórias contadas por homens e mulheres, tanto jovens e adolescentes, quanto mulheres adultas e idosas, sobre as conseqüências das ações da campanha em suas vidas e em suas comunidades74. Relatos sobre descobertas pessoais de novas 73 Sobre os resultados da Campanha Ponto Final, ver Informe Técnico “La prevención primaria para confrontar la violência contra lãs mujeres. Experiencia em cuatro países de América Latina y Caribe – Estudo Multicéntrico”. 74 Os relatos foram colhidos no processo de avaliação da Campanha no Brasil que estão documentadas no Informe Técnico citado anteriormente.
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práticas afetivas e familiares e o rompimento de situações de violência. Houve também descobertas dolorosas, incluindo a identificação, dentro da família, de violência sexual antes não percebida. As contribuições da campanha ajudaram as pessoas a fortalecer as suas próprias convicções sobre a emissão e renovação de compromissos. Para algumas mulheres significou descobrir um “outro mundo” em que não só poderia viver sem violência, mas também foi importante para o crescimento pessoal, de lutar por seus direitos e fomentar a solidariedade. E como disse uma das participantes da Campanha, diz-se “ponto final na violência, mas na verdade é um recomeço na vida, na luta”. Referências DINYS, Luciano. Adaptando la campaña We Can al contexto latinoamericano y caribeño. Santiago de Chile: RSMLAC, 2008. GUEDES, Alexandra. Estrategias de cambio de comportamiento para abordar la violência de gênero em América Latina y Caribe: OXFAM, 2007. NEGRÃO, Telia. Informe Técnico La prevención primaria para confrontar la violência contra lãs mujeres. Experiencia em cuatro países de América Latina y Caribe – Estudo Multicéntrico: RSMLAC, 2012. ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE. Relatório Mundial sobre Saúde e Violência. Genebra, 2002. Disponível em: www.who.int/entity/ whr/.../whr01_djmessage_po.pdf. Veja também o site da Campanha Ponto Final: www.campanhapontofinal.com.br.
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16. A violência contra a mulher não é o mundo que a gente quer Marcha Mundial de Mulheres Íris de Carvalho75 e Vanessa Gil76 Resumo: O presente artigo tem por objetivo ampliar o conceito de violência para todas as formas de preconceito e discriminação contra as mulheres. Resgata a opressão sobre o gênero feminino como construção histórica, embasada na divisão sexual do trabalho, ao passo que discute as possibilidades para sua superação.
Violência Contra a Mulher: A Face do Sexismo A última década foi marcada por grandes mudanças na sociedade brasileira. A maior participação das mulheres no mundo público, a sua crescente escolarização e a significativa redução da taxa de natalidade, entretanto, as mulheres ainda vivem inúmeras situações de violação dos seus direitos, impedindo-as de ter uma vida livre. Todos os dias nós podemos acompanhar os casos de violência contra as mulheres e o nível de crueldade com que estes são cometidos. Ao analisarmos o registro de ocorrências no “disque 180”, identificamos que, já no primeiro semestre 2012, foram registrados 388,9 mil atendimentos e que os companheiros e cônjuges das mulheres continuam sendo os principais agressores. Isto nos permite reafirmar que a relação entre homens e mulheres é baseada na desigualdade e que entre as inúmeras manifestações dessa desigualdade está a violência sexista. 75 Historiadora formada pela UFSM e Feminista militante da Marcha Mundial das Mulheres. Em 2010 foi Técnica em Feminismo e Educação Popular no Projeto Reorganização Produtiva das Trabalhadoras Rurais do Vale Rio dos Sinos Serra - convênio entre a Assessoria Especial de Gênero, Raça e Etnia (Aegre) do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) e a ECOPOLIS. Em 2011, foi assessora em Gênero e Sexualidade na Secretaria Estadual de Educação do Rio Grande do Sul. Atualmente, realiza oficinas em escolas em torno dos temas gênero e sexualidade, feminismo e políticas públicas para a igualdade de gênero.
76 Cientista social formada pela UFRGS, especialista em Pensamento Marxista Clássico e Atualidades pela FAPA e pós-graduanda em Gestão Pública na Perspectiva de Gênero e Promoção da Igualdade Racial pela PUCRS. Militante da Marcha Mundial das Mulheres Contato: nessagil@gmail.com 51 84633110
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A violência sexista é toda violência que uma mulher sofre simplesmente pelo fato de ser mulher. Têm seus alicerces na relação desigual entre os dois gêneros, fazendo com que os homens exerçam sobre as mulheres uma relação de poder. Esta relação constitui um dos recursos fundamentais para a manutenção da dominação e exploração das mulheres. Tal desigualdade permite que todas as mulheres estejam sujeitas a situações de violência e opressão, mesmo que não as percebam como tais. Dessa forma, as piadas dos programas humorísticos e alguns comerciais que vendem os seus produtos usando imagens de mulheres e, com isso, reforçam seu lugar no espaço doméstico, como os de produtos de limpeza, ou os que estimulam a ideia do corpo feminino como acéfalo e local de diversão masculina, por exemplo, propagandas de cervejas e carros. Essas são formas especificas de estimular a violência. Neste aspecto, Soihet (2002) diz: [...] quer a física, espancamentos, estupros, etc. - , tão bem conhecida, quer aquelas outras formas sutis, engenhosas, compreendendo, a chamada violência simbólica, que, na verdade marcaram fortes desigualdades. Impossibilidade de acesso a todas modalidades de trabalho, além de desvalorização do trabalho feminino, discriminação quanto à educação, incapacidade política, civil, restrições ao exercício da sexualidade, todas são, igualmente, formas de violência [...] (SOIHET, 2002, p.373).
Outra ótima definição de violência pode ser colocada como aquela que se opõe a ética, exposta por Chauí (2011) assim: A violência se opõe à ética porque trata seres racionais e sensíveis, dotados de linguagem e de liberdade como se fossem coisas, isto é, irracionais, insensíveis, mudos, inertes ou passivos. Na medida em que a ética é inseparável da figura do sujeito racional, voluntário, livre e responsável, tratá-lo como se fosse desprovido de razão, vontade, liberdade e responsabilidade é tratá-lo não como humano e sim como coisa [...] (Chauí, 2011, p. 380).
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Divisão sexual do trabalho e a violência sexista: uma só história Assim como todos os aspectos da opressão das mulheres, a violência sexista foi construída socialmente e tem sua base material na divisão sexual do trabalho, sustentada na construção de uma cultura patriarcal e misógina que desqualifica as mulheres, impondo uma relação de dualidade. Sobre a divisão sexual do trabalho, Kergoat (2003), diz: [...] a divisão sexual do trabalho é a forma de divisão do trabalho social decorrente das relações sociais de sexo; essa forma é adaptada historicamente e a cada sociedade. Ela tem por características a destinação prioritária dos homens à esfera produtiva e das mulheres à esfera reprodutiva e, simultaneamente, a apreensão pelos homens das funções de forte valor social agregado (politicas, religiosas, militares, etc). Essa forma de divisão social do trabalho tem dois princípios organizadores: o princípio da separação (existem trabalhos de homens e trabalhos de mulheres) e o princípio de hierarquização (um trabalho de homem “vale” mais do que um trabalho de mulher). Eles são válidos para todas as sociedades conhecidas, no tempo e no espaço. (...) esses princípios podem ser aplicados graças a um processo específico de legitimação, a ideologia naturalista, que empurra o gênero para o sexo biológico, reduz as práticas sociais a “papéis sociais” sexuados, os quais remetem ao destino natural da espécie. No sentido oposto, a teorização em termos da divisão sexual do trabalho afirma que as práticas sexuadas são construções sociais, elas próprias resultado de relações sociais. (Kergoat, 2003, p. 55).
Essa divisão ganha nitidez quando focamos no trabalho doméstico e de cuidados77. São as mulheres que, mesmo estando no mercado 77 Entendemos que por trabalho dos cuidados ou care, como o trabalho doméstico realizado sem remuneração. Para aprofundamento do tema: Hirata, 2010.
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de trabalho, darão conta das roupas, da comida, da limpeza da casa, do cuidado com as crianças e com os idosos. A estes trabalhos se dá o nome de trabalho reprodutivo, ou seja, aquele que precisamos realizar para que a vida se reproduza, para que todos fiquem saudáveis e para que possam trabalhar fora do espaço doméstico, ou seja, no espaço público. O trabalho realizado fora do espaço doméstico é o conhecido como trabalho produtivo, pois elas produzem mercadorias, entre outras coisas. Esse é o espaço historicamente masculino e por isso mais valorizado. Entretanto, sabemos que um não se realiza sem o outro e que em nenhum momento da história foi possível abrir mão da força de trabalho feminina dentro ou fora do lar. É sabido que nos períodos de guerras, quando os homens estavam fora de casa, o Estado fomentava e estimulava que as mulheres fossem ocupar os postos de seus maridos nas indústrias. Passado a guerra, elas eram estimuladas a voltar ao lar e a exaltar as suas qualidades de esposa, mãe e dona de casa, e os homens retornavam aos seus postos de trabalhos. Ao longo da história, mesmo com todos os avanços alcançados, as mulheres ainda são forçadas a ocupar os espaços domésticos com maior responsabilidade e impedidas de utilizar seu tempo de forma livre. Os dados comprovam essa situação, segundo o Comunicado 149 do IPEA78, 90% das mulheres realizam o trabalho de cuidados, enquanto para os homens esse percentual cai para 50%. Quando há filhos, o tempo gasto com esse trabalho pode chegar entre as mulheres a 33,8 horas semanais, enquanto para os homens praticamente não há alteração. Ou seja, as crianças seguem como uma responsabilidade imensamente maior das mulheres.
Mulher, um sinônimo para resistência Evidentemente, não se pode dominar metade da humanidade e não esperar que ela esteja em constante resistência. Para manter as mulheres subjugadas, ao longo dos tempos formaram-se mitos e crenças classificando as mulheres como profanas ou virtuosas, conforme a construção cultural de determinada época. As religiões tiveram um papel determinante nesse sentido. O cristianismo, por exemplo, incutiu nos corações e mentes ocidentais a imagem da Santa, ligada ao este78 Comunicado 149 IPEA, Disponível em: http://www.ipea.gov.br/portal/index.php?option=com_ content&view=article&id=14307
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reótipo da mulher dócil e materna79. Invariavelmente, ainda hoje as mulheres são qualificadas como puras ou impuras, que cumprem ou não o papel social. Estas representações dizem que elas devem ser intuitivas, sensíveis cuidadoras, delicadas, amáveis, carinhosas e boas donas de casa. Entretanto, estas manifestações de violência em geral são justificadas como argumento de que as mulheres não estão cumprindo bem esses papéis. Igualmente, quando frequentam os espaços públicos se presume que estão disponíveis sexualmente e com isso se justifica o assédio ou várias expressões utilizadas com esse fim. Ou seja, nesse cenário, a violência torna-se justificável quando a mulher não corresponde aos modelos que a sociedade define como ideal. Diante do exposto, a violência contra a mulher não pode ser entendida apenas como violência física e menos ainda como violência doméstica. Essas são duas das mais cruéis expressões, pois ferem o corpo e a confiança emocional, mas pode-se violentar uma mulher de inúmeras formas, sem sequer tocar seu corpo e sem sequer conhecê-la. Comete-se um ato de violência quando recusa empregá-la, por entender que o trabalho não é de (ou para) mulheres. Violenta-se uma mulher quando se reproduz piadas desqualificando-a, ou quando a negam enquanto um ser humano livre e repleto de potencialidades. Torna-se um agressor todo aquele que encontra em si qualquer coisa de superior a uma mulher. Frente a essa realidade, as mulheres organizam sua resistência em movimentos como a Marcha Mundial das Mulheres, que afirma: “Seguiremos em marcha até que nós todas sejamos livres”!
Referências CHAUÍ, Marilena. Ética e Violência no Brasil. Revista Centro Universitário São Camilo; São Paulo, v.5, n.4. 378-383, out./dez., 2011. HIRATA, Helena. Teorias e Práticas do Care. In: Faria, Nalu (Org), MORENO, Renata (Org). Cuidado, Trabalho e Autonomia das Mulheres. São Paulo: SOF, 2010.
79 Para melhor compreensão do papel da mulher nas revoluções e revoltas, ler SAADAWI, 2002.
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SAADAWI, Nawal El. A Face Oculta de Eva: as mulheres do mundo árabe. São Paulo: Global, 2002 SOIHET, Rachel. Formas de Violência, Relações de Gênero e Feminismo. In: Revista Gênero. Vol.2, n.2, 2002. DIEESE. Anuário das Mulheres Brasileiras 2011. São Paulo, v. 2001 IPEA. Comunicado 149. Disponível em: http://www.ipea.gov.br/ portal/index.php?option=com_content&view=article&id=14307 KERGOAT, Danièle. Divisão Sexual do Trabalho e Relações Sociais de Gênero. In: Desafios para as Políticas Públicas – trabalho e Cidadania ativa para as mulheres. EMÍLIO, Marli (Org.), GODINHO, Tatau (Org.), NOBRE, Miriam (Org.), TEIXEIRA, Marilane (Org.). São Paulo: Coordenadoria Especial da Mulher, 2003
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17. O movimento de mulheres camponesas e o sentido da luta de enfrentamento à violência cometida contra as mulheres
Isaura Isabel Conte80
Resumo: Por meio deste texto buscaremos abordar questões de fundo da origem das violências cometidas contra as mulheres. De outro modo, mostra-se a importância das organizações, especialmente autônomas, de mulheres frente a este fator. A existência do atual Movimento de Mulheres Camponesas (MMC), que no Rio Grande do Sul surgiu de experiências anteriores, como a Organização das Mulheres da Roça (OMR) em 1983, posteriormente transformada em Movimento de Mulheres Trabalhadoras Rurais (MMTR/RS) em 1989, é indício de que as mulheres empobrecidas do campo necessitavam e necessitam de Organizações específicas em vista de se colocaram enquanto sujeitos na sociedade. Esta primeira consideração vem a ser fundamental, pois aponta a realidade de profunda exclusão e a naturalização deste contexto com relação às mulheres. Se no início da década de 1980, as mulheres perceberam ser possível colocarem-se em luta, de serem sujeitos políticos e que poderiam vir a incidir no processo democrático do país. As camponesas começaram a dar passos para a conquista da saída da invisibilidade por meio de suas Organizações. Existir enquanto sujeito de direitos – pois era esta a primeira reivindicação do Movimento que se constituía – foi uma forma de afirmação da existência enquanto mulher/ pessoa que morava e trabalhava no campo. Esta busca, por sua vez, foi uma maneira de romper com a violência naturalizada da não existência das mulheres empobrecidas no campo, apesar de tanto trabalharem e lutarem para provar que existiam enquanto trabalhadoras. Ao romperem com a “não existência” enquanto indivíduo, constituindo-se seguradas especiais da previdência rural com direitos de aposentadoria e reconhecimento da profissão, talvez, mais do que conquis80Doutoranda em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Mestra em Educação pela UNIJUÍ e militante do Movimento de Mulheres Camponesas.
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ta efetiva, viria a provocar mudanças de ordem simbólica na sociedade, para si mesmas, para os homens e também na comparação com eles. Para elas, ficava cada vez mais evidente que podiam e tinham o direito de se organizarem e de reivindicarem, ou seja, começaram a perceber algo que até então não haviam percebido e, desta forma, iniciava-se o rompimento com a tal “ordem estabelecida”: a ordem do lugar da mulher da roça. Os aprendizados da construção de um Movimento que foi conduzido e somado a convicção da necessidade de ser pensado e gerido pelas próprias mulheres, foram, de um lado, ensinando e desacomodando as próprias mulheres e, de outro, desacomodando e incomodando muitos homens e também uma parcela de mulheres, além de instituições, que foram obrigadas a se posicionar diante da realidade que estava sendo remexida e alterada “na sua ordem” e na sua “essência” (masculina, obviamente). Diante disso, não foram poucos os setores da própria esquerda, além da oposição “natural” da direita contra a organização autônoma das mulheres empobrecidas em Movimentos. Como em outros tempos, elas foram acusadas de divisoras da luta. Logo, as mulheres organizadas em Movimento buliram com um paradigma bastante cristalizado em boa parte da história humana: o paradigma violento de que a mulher é inferior e secundária, a criatura de pouca valia. De outro modo, mostravam capacidade de estratégia política e articulação, sendo que estes fatores parecem ser os que mais incomodam nos dias atuais. Neste sentido, afirmo, ancorada na militância neste Movimento e na luta que conduzimos por meio dele, que um dos maiores embates no enfrentamento à violência cometida (e em grande medida naturalizada) contra as mulheres dá-se pelo fato da existência de Movimentos específicos de mulheres, sem negar a importância de articulações femininas no interior das demais organizações sociais populares. Por meio de coletivos e movimentos específicos percebe-se uma afirmação primeira e tão elementar de que nós mulheres somos ou deveremos ser sujeitos. Então, a busca e a afirmação de que somos sujeitos é um contraponto fortíssimo à concepção patriarcal da inferioridade feminina. Assim, ao existir e, inclusive, afirmar-se como Movimento feminista, o MMC enfrenta a violência simbólica e estrutural da sociedade patriarcal e capitalista que explora e oprime as mulheres. De maneira geral, atualmente, na sociedade contemporânea
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percebe-se que já não é tão tranquilo e não passa despercebida a desconsideração das mulheres, pois o somatório dos Movimentos de enfrentamento ao patriarcado e ao poder centralizado no masculino exige que elas ocupem o cenário e o imaginário social há alguns anos. Diante desse fato, muitas vezes faz-se de conta que as mulheres estão incluídas, quando de fato não estão ou não deveriam estar, segundo as velhas e arcaicas concepções discriminatórias. O “normal” foi sempre ignorá-las, porque o lugar delas não era, e ainda não é em vários países do mundo, o universo público. Então, agora, ter que citá-las e admitir que estejam presentes parece ser inconveniente por parte de alguns. A presença feminina exige uma postura diferenciada, que desacomoda e faz pensar. Neste sentido, Gebara (2002) fala da necessidade de as mulheres se darem conta de que têm direito à reapropriação do poder que lhes foi roubado. Ao que pudemos constatar o MMC, desde suas primeiras formas de existência, tem questionado a sociedade e as próprias mulheres em vista do desacomodamento, ou seja: deslocamento de um lugar que disseram ser delas. Em Movimento aprende-se a superar a primeira manifestação de violência, que é a proibição de uma gama de possibilidades pelo fato de se ter nascido mulher. Aprende-se que é possível deixar para trás o ser menos, e buscar pelo ser mais, parafraseando Freire (1987). O olhar sobre a sociedade é bastante revelador e para as mulheres saírem da posição do ser menos, exige mexer no complexo campo das relações estabelecidas. Tais alterações vão remexer tanto na esfera da cultura, e por isto, também, das relações pessoais, como da economia - espaço de poder. Verifica-se, então, que ao buscarem pelo espaço de poder que lhes pertence, há reação tanto por parte da sociedade de forma generalizada, que manifesta suas opiniões, como por parte dos próprios companheiros. Não raras vezes, as reações são de tentar frear esta busca, por isto, que a violência física, psicológica, moral, patrimonial, sexual, entre outras, são manifestadas por parte dos homens contra as mulheres. Não há dúvida de que o impacto maior das violências atinge bem mais as mulheres do que os homens na sociedade, basta verificar as cifras gastas pelo Estado brasileiro com a violência cometida contra as mulheres. Grosso modo, no Brasil, são gastos em torno de 10% do PIB e na América Latina este número é cerca de 14%.
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A violência contra as mulheres é a manifestação mais dura e cruel da discriminação devido ao fato de os homens, independente de raça e classe social, se acharem no direito de violentar. Se não bastasse isso, grande parte das leis foi feita por eles (considerando-se universais) e estão em muito mais cargos de poder, de chefia e de maior reconhecimento do que as mulheres. Isso garante aos homens poder, o qual pode ser utilizado sobre as mulheres a fim de que continuem em uma condição confortável. É correto dizer, então, que todas as formas e violência atingem as mulheres, entretanto, não devemos debatê-la na generalidade como se fosse mais um caso, ou considerá-la na mesma medida em que acontecem casos de violência entre os homens ou a violência de uma mulher contra um homem. Diante disso, ao tratarmos de violência entre as pessoas, a descrevemos como um fenômeno universal, multifacetado, com uma diversidade enorme de manifestações, com impacto e consequências nos mais diversos campos, seja do bem estar físico e mental, seja na economia, na política ou na saúde e sexualidade. A violência masculina contra as mulheres é fruto do modelo patriarcal de sociedade, (o patriarcado se constitui num sistema de relações sociais que garante a subordinação da mulher ao homem e se mantém através da ideologia e da cultura capitalista), em que as relações pessoais afetivas estão fundamentadas na propriedade, no domínio e no controle da mulher. E, é isto que “garante” o ser masculino violentar uma mulher – por ser considerada coisa ou propriedade sua, para provar sua “macheza”, para mostrar quem é superior e para demonstrar poder sobre alguém considerado inferior. Essa violência contra as mulheres constitui um terreno extremamente favorável em ilustrações de força da dominação dos homens e de sua profunda legitimação social. Tornou-se naturalizado como algo aceito, inclusive pelas mulheres, porque elas aprenderam que são inferiores, incapazes, frágeis e que seu destino é este, afinal, os homens são assim mesmo. Dessa forma, as formas de impedimento que acabam excluindo as mulheres de importantes papéis econômicos e políticos deliberativos, além do controle sobre sua sexualidade é uma demonstração de uma violência velada, mas cruel. Outro diferencial relaciona-se aos espaços em que acontecem as violências. Enquanto os homens pobres sofrem violência nos espaços públicos, e de um modo geral, cometido por outro homem, as mulheres
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sofrem violência masculina, dentro de casa, no espaço privado em 90% dos casos. Seu agressor? Alguém com que mantém relações afetivas: pai, marido, namorado, companheiro, irmão mais velho etc. Outro elemento a ser levado em conta nos casos de violência é a condição sócio-econômica das mulheres para poder reagir frente à situação. As estatísticas apontam as mulheres pobres como a maioria das que registram queixas em delegacias, que procuram os serviços médicos e não negam a origem das agressões; as mulheres da classe média chegam a denunciar as agressões, mas com cautela e as mulheres ricas, em geral, não registram queixa policial, procurando solução via jurídica para resguardar as convenções sociais e o patrimônio. Contudo, sabe-se que o número de queixas realizadas está muito longe de mostrarem a realidade dos fatos, pois a maioria das mulheres agredidas demora cerca de 10 anos para efetuarem a primeira denúncia. Referências FREIRE, PAULO. Pedagogia do Oprimido. 32. ed.São Paulo. Paz e Terra, 1987. GEBARA, Ivone. Cultura e Relações de Gênero. São Paulo: Cepis, 2002.
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18. A violência contra as mulheres também tem cor - as dimensões de raça e gênero nas políticas públicas
Maria Luísa Pereira de Oliveira81
Resumo: O presente artigo tem como objetivo abordar as questões relacionadas a violência de gênero com um enfoque especial sob os aspectos raça/etnia. Os estudos sobre o tema da violência contra as mulheres no Brasil vêm recebendo particular atenção desde a década de 1970, especialmente em função da tensão colocada pelos movimentos de mulheres e feministas. O sério problema da violência apresenta-se sob diferentes formas de manifestação: assassinatos, estupros, agressões físicas e sexuais, abusos emocionais, prostituição forçada, mutilação genital, violência racial, por causa de dote ou orientação sexual. A violência pode ser cometida por diversos perpetradores: parceiros, familiares, conhecidos, estranhos ou agentes do Estado (Schraiber, 2002). Pesquisando os serviços de saúde de uma grande capital brasileira, a mesma autora conclui que, assim como já demonstrado em outros países, a violência física e sexual teve alta magnitude entre as mulheres usuárias dos serviços básicos de saúde. Os companheiros e familiares são os principais perpetradores, e os casos são, em sua maioria, severos e repetitivos. No entanto, permanece escasso o conhecimento sobre a ocorrência desse tipo de violência e a questão raramente aparece nos diagnósticos e na assistência dos serviços de saúde, apesar da magnitude e das importantes repercussões do fenômeno nas condições de saúde de toda a população. Com referência a pesquisas recortadas pelo marcador raça, o desconhecimento aumenta ainda mais. Estudos de autoras e autores brasileiros alinham-se com pesquisas internacionais que atestam que a violência contra a mulher prevalece também como um grave problema de saúde pública, responsável pela vitimização de quase uma em cada três mulheres no Brasil (OMS, 81
Militante da ONG Maria Mulher
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2004). Entre as explicações para a persistência do fenômeno da violência encontra-se a naturalização das relações de poder hierárquicas entre os sexos, que estão protegidas pela resistência do poder público na efetivação da legislação já existente para coibir a violência contras mulheres. A política brasileira de enfrentamento às violências contra mulheres está formulada em dois documentos principais: I e II Plano Nacional de Políticas para as Mulheres (2003 e 2007) e no Pacto Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres (2007). No ano de 2006. no marco da Convenção de Belém do Pará, foi sancionada a Lei 11.340 - a Lei Maria da Penha - que reconhece a violência contra as mulheres como uma violação dos Direitos Humanos, conceitua diferentes formas de violência e cria mecanismos para o seu enfrentamento, com medidas de proteção, assistência e prevenção. (Relatório da Campanha Ponto Final, 2012) O documento assinala que o quadro de violência contra as mulheres, a nível nacional, assume proporções gravíssimas: o telefone 180 (disque-denúncia nacional da Secretaria de Políticas para Mulheres) registrou em 2010 mais de 100 mil pedidos de ajuda, demonstrando que a violência contra as mulheres é um grave problema e que as políticas públicas ainda não acolhem suficientemente a demanda e não reduzem os elevados índices. Importante vitória na legitimação de uma política como a Lei Maria da Penha foi obtida com o julgamento da Ação Declaratória de Constitucionalidade, no Supremo Tribunal Federal, defendida pela Advocacia Geral da União- AGU, quando a Suprema Corte decidiu, por unanimidade, que a lei não fere a constituição por proteger exclusivamente as mulheres e nem ofende o princípio da igualdade por esse direcionamento. No entanto, o Pacto Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres (elaborado como uma ferramenta de gestão para ampliação e fortalecimento da rede de atendimento às mulheres através de financiamento aos estados e municípios para criação de serviços) ainda não foi adotado em sua integralidade, impedindo assim, a qualificação dessa rede de serviços em todo o país. Segundo o Mapa da Violência 2012, os alarmantes índices de homicídios em que as vítimas são mulheres colocam o Brasil na 7ª posição entre os 84 países do mundo, dos quais se consegue dados a partir de estatísticas da Organização Mundial da Saúde – OMS. A taxa de 4,4 homicídios para cada 100 mil mulheres caracteriza o Brasil como um dos países de elevados níveis de femicídio, vocábulo que denomina os
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assassinatos de mulheres motivados pelas discriminações de gênero, permeadas de formas de dominação, exercício de poder e controle sobre as mulheres. O Mapa da Violência também conclui que, em 68,8% dos atendimentos a mulheres vítimas de violência, a agressão aconteceu na residência da vítima, confirmando a tendência mundial de que os femicídios geralmente acontecem na esfera doméstica. No país, foi possível verificar que 42,5% do total de agressões contra a mulher enquadram-se nessa situação. Mais ainda, se tomada a faixa dos 20 aos 49 anos, nota-se que o índice está acima de 65% das agressões tiveram autoria do parceiro ou do ex-parceiro. Outro aspecto confirmado pelos dados brasileiros é o de que altos níveis de femicídio são acompanhados de elevados níveis de tolerância com a violência contra as mulheres e, em alguns casos, são o resultado de dita tolerância. Compartilhando muitas das características das agressões contra as mulheres encontradas em outros países, o contexto brasileiro apresenta diversos sinais que evidenciam a complexidade do problema nacional. O fenômeno da violência contra as mulheres atinge todas, independente do pertencimento social, econômico ou racial/étnico (Saffioti,1987). No entanto, indicadores sociais apontam que as mulheres negras encontram-se mais vulneráveis à violência em função da combinação de fatores sociais, como baixa escolaridade, elevado nível de desemprego e subemprego, e, sobretudo, devido à forma como se dão as relações raciais na sociedade. Isso estabelece relações de poder entre as diferentes raças, hierarquiza as relações entre a população negra e a população branca e permite a transmissão e a reprodução da ideologia da raça dominante. Esse último aspecto determina que as mulheres negras estejam mais expostas aos efeitos da violência e com menores condições de acesso a oportunidades que poderiam facilitar o enfrentamento da violência sofrida. O impacto do racismo também pode ser verificado na produção de violência contra as mulheres negras relacionada a causas externas como homicídios e suicídios, analisadas num estudo que descreve dados epidemiológicos do DATASUS sobre a situação da violência fatal das mulheres segundo raça/cor em todas as unidades da federação brasileira em uma série histórica de 6 anos -2003-2005/2006-2008. O estudo evidenciou maiores coeficientes de violência fatal comparando-se mulheres negras com mulheres brancas: 74,1%, no primeiro triênio e 77,8% no segundo triênio da série para mulheres negras.(Bairros e Oliveira, 2011)
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A comparação entre os coeficientes de violência entre mulheres negras e mulheres brancas revelou uma vulnerabilidade maior à morte por causas externas entre as mulheres negras. As observações da autora Werneck (2010) auxiliam na compreensão do fenômeno de que o racismo está enraizado na modernidade ocidental. Para a autora, foi através da inferiorização dos povos de pele escura residentes em diferentes partes do mundo que se deu a estruturação da modernidade ocidental. O que implica dizer que, a partir do racismo, os resultados do mercantilismo, da exploração colonial e da profunda acumulação de riquezas concentram-se nas mãos dos povos de pele clara, estabelecendo as bases da revolução industrial, das relações sociais desenvolvidas a partir dela e das políticas públicas da era moderna – ou seja, com fortes implicações em conceitos como cidadania e democracia. Por sua vez, podem ser traduzidos em sistemas econômicos, políticos, culturais e simbólicos ancorados na subordinação de mulheres e homens de pele escura, negr@s e indígenas, especialmente. Além da apropriação do Estado e suas políticas públicas pelos interesses dos grupos racialmente dominantes. O percurso do racismo é dinamizado por sua associação a outros mecanismos (eixos) de subordinação, entre eles o heterossexismo. Mulheres de pele escura, em particular as mulheres negras e as mulheres índias, arcarão com os custos mais altos da iniquidade, no que se refere às ações de manutenção da vida. A história e a imagem social das mulheres negras estão fortemente associadas à violência, tal situação instaura-se a partir dos processos de fundação da diáspora africana – a captura e o tráfico transatlântico, ao longo de todo o regime escravocrata. Diferentes relatos historiográficos disponibilizam numerosos exemplos do grau de destituição física, material e simbólico que este período da história representou para as mulheres negras. Essa situação está invisibilizada e naturalizada nas narrativas formadoras da nacionalidade brasileira. Como por exemplo, a queda do regime escravocrata representou pouca ou nenhuma alteração nesta perspectiva, visto que, mais de cem anos após a conquista da abolição, as mulheres negras ainda apresentam alto grau de vitimização e desempoderamento. O que se traduz nos piores indicadores sociais e na profunda desvalorização que enfrentam. Apresentando, em algumas situações, graus extremos de destituição material, política e simbólica, o que vai requerer respostas multifacetadas e profundas.
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A violência é um fenômeno complexo que tem suas origens nas diferentes demandas de grupos e indivíduos por hegemonia material, política e simbólica, bem como nas reações e impactos destas disputas. Ou seja, a violência deve também ser compreendida em suas dimensões cultural, ideológica e política, que atingem pessoas e sociedades, enraizando-se em seus modos de organização e relação. A partir dessa compreensão, pode-se identificar a constituição da noção de violência racial para compreender a forma peculiar como determinados tipos de violência incidem de modo característico sobre a população negra. A história do Brasil inicia-se sob o imperativo da violência direta, através da intervenção física, primeiro com o extermínio da população indígena por contaminação de doenças, por imposição de trabalhos forçados ou pelas guerras de disputa pelo espaço. O mesmo ocorre com a população africana retirada à força de seu lugar de origem e submetida aos mais cruéis tratamentos. Esse processo teve inicio em solo africano quando milhões de pessoas foram caçadas, aprisionadas e transportadas nos navios tumbeiros. Essa viagem de 40 dias exigia que os aprisionados conseguissem chegar com uma boa aparência, antes de serem expostos e vendidos nos mercados para executarem trabalhos forçados. Nos períodos colonial e imperial, a legalização da violência dava aos escravizadores o direito de vida e de morte sobre os escravizados. Dessa forma, o sistema escravista abarcava uma organização extremamente repressiva em que o castigo físico (tortura) era a ação direta do relacionamento entre o escravizador e o escravizado. Atualizando tal cenário, observa-se uma violência indireta quando exercida, entre outras ações, pela subtração de bens e recursos materiais, resultando em uma modificação prejudicial no estado físico da pessoa ou de grupos submetidos à ação violenta. (Olinto e Olinto, 2000). Nas sociedades em que a violência é parte da cultura, sua utilização será legitimada para aqueles segmentos detentores de certos privilégios - raciais, de gênero, de classe social e será fortemente confrontada (criminalizada e violentamente combatida) no caso dos grupos inferiorizados. Werneck (2010) afirma que a violência faz parte da cultura em que vivem os diferentes sujeitos nas sociedades do racismo patriarcal capitalista, como o caso da sociedade brasileira. A autora complementa apontando que a violência configura, uma ferramenta tida como legítima, de afirmação e de superioridades. Nesse sentido, o racismo pode ser descrito como patriarcal e capitalista na contemporaneidade, mesmo que reconheça
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aspectos ainda mais complexos em seu percurso, devendo ser reconhecido também como forma de violência estrutural que atinge tanto as grandes populações, como os indivíduos em sua singularidade. Assim, de acordo com a autora, o racismo necessita ser compreendido como elemento catalisador de diferentes formas de violência, ao mesmo tempo em que também se constitui em violência. Tal cenário confirma, mais uma vez, a imperiosa necessidade da implementação de ações que garantam a incorporação efetiva das dimensões de gênero e raça nas políticas públicas para mulheres, com o reconhecimento de que são estruturantes de todas as relações sociais. As políticas públicas somente serão efetivas mediante a garantia da participação das mulheres negras em todas as fases dos processos de formulação, monitoramento e avaliação. Referências: Bairros, F. e Oliveira, M.L.P de. Violência fatal: a vulnerabilidade das mulheres negras. Trabalho apresentado no III Seminário Internacional Rotas Criticas da Violência. Maio, 2011. Porto ALEGRE. Campanha We Can na América Latina e Caribe. Análise Situacional sobre a violência contra as mulheres. INFORME PRELIMINAR. Rede Nacional Feminista de Saúde, Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos. Porto Alegre, 2009. Relatório Final da Campanha Ponto Final na violência contra Mulheres e Meninas. Rede Feminista de Saúde, 2012. SCHRAIBER, Lilia Blima; D’OLIVEIRA, Ana Flávia PL; FRANCA-JUNIOR, Ivan and PINHO, Adriana A. Violência contra a mulher: estudo em uma unidade de atenção primária à saúde. Rev. Saúde Pública [online]. 2002, v. 36, n. 4, pp. 470-477. ISSN 0034-8910. Violência Contra a Mulher e Saúde no Brasil - Estudo Multipaíses da OMS sobre Saúde da Mulher e Violência Doméstica, 2004. Waiselfisz, Julio Jacobo. Mapa da Violência 2012. Os novos padrões da violência homicida no Brasil. São Paulo, Instituto Sangari, 2011. Werneck, Jurema. Mulheres negras e violência no Rio de Janeiro. Participação das Mulheres no Acompanhamento da Política Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres a partir do II PNPM. (Ano I).RJ, 2010.
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Agradecimentos Agradecemos ao grupo de trabalho da Frente Parlamentar dos Homens pelo Fim da Violência Contra as Mulheres, que planeja, avalia e estimula as ações da Frente. À todas e todos que contribuiram na elaboração da primeira edição do
Relatório Lilás. Expediente Edição / Organização:
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