Pablo Lobato {Jacopo Crivelli Visconti} Paulo Nazareth {HĂŠlio Nunes} Pedro Motta {Eder Chiodetto}
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Pablo Lobato {Jacopo Crivelli Visconti} Paulo Nazareth {HĂŠlio Nunes} Pedro Motta {Eder Chiodetto}
Não há dois sem três A segunda edição da 3X3 anuncia um percurso sendo traçado. E assim como o dito popular, estamos seguros da continuidade desse trajeto, pois o comum é que não haja dois sem três. Sua continuidade também parece assegurada pela possibilidade que temos de vislumbrar o dia em que um grupo considerável de artistas for entrevistado, permitindo, assim, o registro de pensamentos simbólicos heterogêneos, os quais constituirão um fragmento da futura história da arte produzida no Brasil. Para a segunda edição, resolvemos nos dirigir ao fértil circuito mineiro. Sem considerar qualquer particularidade geográfica que condicione a produção dessa região, as conversas de Eder Chiodetto com Pedro Motta, Jacopo Crivelli Visconti com Pablo Lobato e Hélio Nunes com Paulo Nazareth reforçam alguns pontos de grande importância para o debate levantado sobre a relação do artista com a sua biografia, com a paisagem que o circunda e com o mercado de arte. Também é relevante considerar nas entrevistas a maneira transver-
sal com que o sistema universitário participa da formação de suas linguagens poéticas. A figura do artista errante, daquele cujas práticas dialógicas transformam o porvir da obra através da mediação de uma rede de interlocutores, ou a figura daquele que se opõe aos valores que constituem os princípios da “marca de registro”, são alguns assuntos abordados pelos críticos e artistas. Ainda que o encontro dos três artistas tenha sido uma construção ao longo dos meses que separam a segunda da primeira edição da 3X3, a prática em “cadeia” de Paulo Nazareth, os “caminhos de comunicação” de Pedro Motta ou o uso do arquivo na produção de Pablo Lobato, tanto quanto o embate com a paisagem apresentado por eles por diferentes meios, pode ser um cruzamento possível entre a produção desses artistas. De fato, ao final, todos parecem se situar no que Pablo Lobato define como as “zonas incertas”, as quais podem definir os procedimentos, o modo de circular e conceber um corpo coeso de obras. Josué Mattos
expediente 3X3 #02 revista eletrônica / setembro de 2012 edição Josué Mattos colaboradores desta edição Eder Chiodetto, Hélio Nunes, Jacopo Crivelli Visconti, Pablo Lobato, Paulo Nazareth, Pedro Motta. design gráfico Moysés Lavagnoli produção Suzy Araújo revisão Denize Gonzaga capa Pablo, Lobato, Castell, 2012. videoinstalação, 7’21”
A segunda edição da revista eletrônica 3X3 recebeu o apoio do Programa de Múltiplos do 3C http://www.3c.art.br/programa-de-multiplos
Pablo Lobato, estudo para a série Um a zero, 2012 impressão mineral sobre papel de algodão 80x80 cm
Pablo Lobato por Jacopo Crivelli Visconti
Jacopo Crivelli Visconti - Desde a primeira montagem da obra Expiração, você convida colaboradores a escrever sobre a obra - ou simplesmente a partir das reflexões que ela pode suscitar - e os textos resultantes passam a ser considerados parte do trabalho. A obra O que exatamente vocês fazem, quando fazem ou esperam fazer curadoria?, que você concebeu e realizou com Yuri Firmeza, consistia também numa série de depoimentos de curadores nacionais sobre suas práticas. Além disso, você já realizou trabalhos em colaboração com outros artistas, e sei que, durante a produção de um novo filme, gosta de discutir com outros diretores. Gostaria que você falasse desse caráter “dialógico” do seu trabalho, se é que ele de fato existe.
Pablo Lobato - Sim, ele existe como vocação, mas não chega a definir uma maneira de organizar o sensível. Foi no cinema onde mais pratiquei a relação com o outro, durante e depois da criação. Mas cada situação impulsiona um modo construtivo, e é por aí que procuro me orientar. A experiência solitária sempre vai existir; é impossível levar alguém para o lugar onde a coisa pega, quando os sentidos ainda fogem numa velocidade indescritível. O que muda de uma pesquisa para outra é quanto tempo esse momento solitário dura. Em alguns dos meus trabalhos, ele é mais presente, como em Front Light e Repouso, por exemplo, mas uma hora ou outra surge a provocação e o diálogo. Ninguém faz nada sozinho.
Nos exemplos que você traz, existem boas diferenças pra considerar. No caso da obra Expiração, eu precisei ficar mais de um ano diante do arquivo pra encontrar o tipo de corte ali proposto. Só depois desse período de concepção, quando procedimentos já se firmaram, é que os colaboradores dos textos chegam. Para a instalação com os curadores, eu e Yuri trabalhamos juntos durante todas as etapas. Desde a concepção, passando pela gravação – quando entram em cena as vozes dos curadores – edição, finalização e montagem. Já em Ventos de Valls, meu novo filme, as trocas e os diálogos se estendem mais. Trata-se de um investimento que teve início em 2005, que gerou uma ação na Espanha, em 2009, e dessa ação, o filme.
Muitos trabalhos em artes visuais são concebidos a partir de discussões, trocas e colaborações entre diversos criadores. Mas quase sempre temos um só nome assinando ao final, concentrando valores e atendendo melhor a lógica dessa economia. No cinema, isso é um pouco diferente. JCV - Você poderia falar um pouco desse filme? Pelo que entendi está em fase final de realização; a previsão é que ele seja exibido em canais convencionais de cinema, como festivais e o próprio circuito de salas, ou num âmbito artístico, ou em ambos? PL - Fase finalíssima. Trilha sonora pronta; fiquei acertando algumas cores para em breve estar com as cópias na mão. Fiquei possuído por uma vontade de criar algo desde a primeira vez que escutei a saga
dos Panadés, família emigrante que deixou a Espanha para viver no Brasil, em 1957. O mergulho começou mais objetivamente em 2005, quando viajei a cidades da Catalunha, entre elas Barcelona, Valls, Cerviá e Pla de Santa María. Em 2009, fui agraciado pela bolsa da Fundação John Simon Guggenheim (New York), que custeou uma ação, entendida como o primeiro resultado da pesquisa. Tal ação, em suma, consistiu em criar para a família Panadés um campo de experiências sensíveis – pela primeira vez em mais de cinquenta anos. Seis irmãos, acompanhados de alguns descendentes, incluindo Ana (minha filha, uma criança de três anos de idade), viveram na cidade de Valls durante 15 dias, entre outubro e novembro de 2009. Instalados numa casa rural próxima a que passaram a infância do pós-guerra espanhol, os irmãos experimentaram paisagens e tempos propícios à ativação de um “devir-criança”. Contaminada pela presença de Ana, uma memória inaugural atuou no corpo coletivo. O filme Ventos de Valls, segundo resultado da pesquisa, deriva dessa ação e pode ser visto como um ensaio dedicado à memória e à infância. A ideia é inscrevê-lo em alguns festivais para depois lançá-lo em salas de cinema, internet e DVD. Os museus e galerias no Brasil não oferecem boas condições para a experiência do cinema, mas não quero fechar possibilidades. O meu primeiro longa-metragem, Acidente, ficou mais vinculado aos festivais de cinema no ano do seu lançamento e hoje é mais exibido no circuito das artes visuais. Pablo Lobato, Ventos de Valls, em fase de finalização. vídeo, 88’. foto de André Baumecker
Pablo Lobato, Front light #1, 2012. impressão de tinta mineral em papel de algodão 60×60cm
JCV - Lygia Pape falava em Espaços Imantados para descrever espaços teoricamente banais, afirmando que aglomerações de pessoas, reunidas, por exemplo, ao redor de um contador de histórias ou um saltimbanco, carregavam de uma aura especial. As “imagensons” de Expiração funcionam de maneira quase análoga: aparentemente banais, tornam-se imantadas, cintilantes, pelo simples fato de colocar nelas um prazo, um término. PL - Sensibilizar e imantar coisas – muitas vezes ordinárias, dadas – se tornou um gesto recorrente no meu trabalho. Não busquei dar ênfase a isso, como num programa, mas o tempo deixou esse gosto mais evidente. Muitas vezes procuro chegar a esses resultados de forma econômica, mudando pontos de vista, aproximando ou subtraindo conteúdos. Um dos procedimentos que herdei do cinema documentário e que faço migrar para outras linguagens é essa economia do gesto. Às vezes um corte é suficiente para acionar forças antes inativas. Front Light é quase emblemático nesse sentido. No caso de Expiração, a forma que encontrei pra imantar trechos de um arquivo esquecido acaba por promover também uma espécie de corpo a corpo com as noções que temos do universo digital. Surgem aí outras implicações que extrapolam a sensibilização de algo. Mas, pensando em retrospecto, fica claro que o desejo de partilhar um tipo de força disponível, que estava apenas esboçada nessas “imagensons”, foi o que me levou a inventar a máquina de expirar. JCV - Para além de qualquer outra implicação, essa sua operação recupera a
Pablo Lobato, Front light #2, 2012. impressão de tinta mineral em papel de algodão 60×60cm
Pablo Lobato, Front light #3, 2012. impressão de tinta mineral em papel de algodão 60×60cm
precariedade e o valor que o filme e a fotografia (principalmente “caseiros” como os de Expiração) tinham antes do advento do digital, quando as imagens iam desbotando, amarelavam, expiravam; e mesmo antes de filmar ou fotografar, pelo custo e a finitude dos rolos de filme, era normal parar para pensar, escolher, decidir ações que o digital tornou sem dúvida mais raras. Você já pensou nisso, essa é em absoluto uma questão para você? PL - Sim, isso me motiva. A imagem que você traz nos é bastante comum. O amarelar da imagem passa em nós, nos roçando. O desbotar da memória é a sua persistência. A sensibilização de algo está vinculada ao toque e assim o afeto se torna possível. O mundo digital opera mudanças em nossa ideia de finitude, trazendo a impressão de que esta será sempre um traço contornável. O corte da expiração cria outro relevo pra esse ambiente, como uma nova zona de toque, que modifica a densidade das “imagensons”. JCV - Num e-mail que você me enviou faz algum tempo, quando estava escrevendo sobre Bronze Revirado, você dizia: “Uma vontade, que não deixa de ser também uma necessidade, está cada vez mais presente no meu modo de trabalhar. A vontade de fazer ver. / Não se trata de algo que irá, a princípio, trazer singularidades ao meu trabalho. A grosso modo, trata-se de uma necessidade inerente a qualquer processo artístico. / A diferença que talvez exista, também não tão relevante, é que procuro pensar essa necessidade.” De alguma maneira, me parece que essa “necessidade de Pablo Lobato, Front light #4, 2012. impressão de tinta mineral em papel de algodão, 60×60cm
Pablo Lobato, Front light #5, 2012. impressão de tinta mineral em papel de algodão 60×60cm
Pablo Lobato e Cao Guimarães, Acidente, 2006. vídeo, 72’, HDV
Pablo Lobato e Cao Guimarães, Acidente, 2006. vídeo, 72’, HDV
fazer ver” poderia ser relacionada ao que dizíamos antes, de mostrar o que tem de único em (imagens de) momentos e lugares familiares. PL – Sim, mas hoje já procuro separar a “necessidade de fazer ver” do “fazer ver”. Algumas experiências nos inquietam sobremaneira. Diante delas, passamos a ter de servir a uma força que não está apenas em nós. Sabemos disso e só mesmo a vontade realizadora que vai nos mostrando o quanto os métodos e a vontade de “fazer ver” conduzem menos uma determinada experiência e situação do que os sentidos que estes “únicos” já informam. A ideia de tradução, que por um tempo me pareceu dar conta da criação, hoje me parece presa a vetores que não interessam tanto. Tenho pensado em outros modos de construção, como a construção pelo corte, por exemplo. JCV - Uma questão central em seu trabalho é a necessidade de expandir a
Pablo Lobato, Ventos de Valls, em fase de finalização. vídeo 88’ foto de André Baumecker
experiência cinematográfica. Você comentou uma vez que começou a produzir trabalhos que fossem além do universo cinematográfico, por sentir que a sala de cinema, com sua rigidez, não lhe permitiria experimentar a construção de ambientes especiais como os que você imaginou para Bronze Revirado, ou ainda uma instalação complexa e aberta, no sentido que continua crescendo e refletindo sobre si mesma, como Expiração. Por outro lado, você está agora finalizando um longa-metragem que requer, para ser fruído de maneira ideal, uma sala de cinema mais ou menos convencional. Como você vê esse trânsito? PL - É natural e sinto que tende a ficar mais rico, pois sempre saio de uma pesquisa em artes plásticas mais instigado a retornar ao cinema e vice-versa. Apesar de o sistema das artes visuais ser mais aberto a diferentes proposições, sigo tendo ideias em cinema que não acham lugar nesse campo. A “rigidez” da sala de cinema muitas vezes é bem-vinda. Vejo a sala escura antes como um dispositivo para participações do que como um lugar para contemplação. É sabido que para além da visão e da audição, as imagens e os sons nos chegam pelo sistema háptico, que está ligado também ao nosso campo perceptivo tátil. Ao considerar esses alcances, algumas noções sobre arte participativa ou interativa entram em parafuso, por estarem presas a concepções motoras em que o corpo é visto de forma isolada, por perspectivas monistas do ser ou dualistas da coisa. Vista da instalação Expiração, Pablo acionando as máquinas no momento da abertura. Casa das Onze Janelas, Belém, 2012. foto de João Castilho.
Pablo Lobato, Queda, 2010. vídeo , 14’35’’
JCV - Quais são, a seu ver, as vantagens e, se tiver, as desvantagens, de transitar constantemente entre estes campos, artes plásticas e cinema? PL - A vantagem é dar mais condições de expressão aos sentidos que cada experiência em questão traz. A desvantagem é ter, às vezes, de ir na contramão de lógicas que precisam de um maior grau de estabi-
lidade. Encaixar as coisas em seus lugares é mais cômodo e gera um melhor ritmo para o mercado. Mas não funciono assim. Penso que se o artista não consegue forjar novos modos sensíveis para que algo, a princípio inviável, exista, quem é que vai cuidar disso? A ciência e a filosofia seriam uma resposta, mas não acho uma boa ideia abrir mão dessa empreitada. Procuro não
negar o esforço quando estou vendo alguma coisa que preciso partilhar. A alegria de criar não nega o esforço de criar. Às vezes as respostas demoram, mas você sabe que o que realmente interessa está posto em jogo. Ficar em zonas incertas diminui as garantias, mas nos deixa mais acordados, além de aumentar as linhas de fuga. JCV - Este número da revista 3X3 foca
a produção artística mineira e, a partir do que você acabou de dizer, sinto-me quase na obrigação de perguntar se você se sente parte de um contexto mineiro. Digo que me sinto nessa obrigação porque a qualidade e quantidade de videoartistas mineiros é única no contexto nacional, e vários desses videoartistas, por exemplo Cao Guimarães, com quem você já colaborou, e Eder
Vista da instalação Coroa, Terminal Rodoviário de Belo Horizonte, 2008.
Vista da instalação Expiração 04, Itaú Cultural, São Paulo, 2012. foto de Eduardo Fraipont
Santos, têm transitado por essas duas áreas, produzindo tanto instalações quanto longas-metragens. Você também foi um dos fundadores da Teia, que é um agente importante desse setor... PL - Faço parte de um contexto mineiro, pois nasci e cresci nesse estado, nessa paisagem. É inegável que o meio, cidade ou estado interfira no seu modo de criar. Mas hoje em dia as pessoas colaboram à distância com bastante facilidade. Os limites geográficos definem menos as possibilidades de troca. Apesar de num primeiro momento ter me concentrado no cinema, nunca senti que minha pesquisa em arte estava aderida a uma linguagem. Talvez por isso tenha trocado menos com as primeiras gerações de videoartistas, mais vinculadas a questões específicas deste meio. A Teia faz 10 anos este ano e é hoje uma referência quando se fala em audiovisual e até mesmo em experiências coletivas dentro da arte. Criamos um centro para seguir fazendo aquilo que queríamos muito realizar. Procuramos trabalhar com bastante liberdade, sozinhos, em duplas, alternando funções ou com pessoas de fora. JCV - Vários dos seus trabalhos surgem da dinâmica entre a dispersão e a aglomeração. Penso em trabalhos como Repouso e Troca de Papéis, em que flores e panfletos, respectivamente, são reunidos apenas o tempo necessário a tirar uma fotografia, ou traçar seu contorno no chão, mas lembro também das folhas de papel que voam em Queda, e até nos nomes de cidades mineiras que você e Cao Guimarães aproximaram, poeticamente, em Acidente. Até Expiração,
Vista da instalação Expiração 05, Casa das onze janelas, Belém, 2012. Foto do artista
Vista da instalação Expiração 01, Museu Inimá de Paula, Belo Horizonte, 2010. Foto de Gabriel Caram
de certa forma, funciona de maneira análoga, ao selecionar e juntar algumas “imagensons”, como num buquê de flores, já sabendo que essa composição não durará muito. Você concorda com essa interpretação? E, se concordar, é algo consciente e/ou que lhe parece relevante? PL - Sim, depois de um tempo passei a perceber melhor essa dinâmica, que não deixa de ser uma forma de desviar das minhas patologias. Existe uma necessidade, não rara para quem cria, que é libertar-se de si mesmo. Procuro me esquivar de uma atenção seletiva e experimentar cada vez mais uma “atenção flutuante”. Durante as filmagens de Acidente, esse exercício era muito claro e também prazeroso. Estávamos viajando por cidades desconhecidas, tínhamos muito pouco tempo em cada lugar. Era preciso ficar num estado de suspensão, prestando atenção em tudo, aberto ao encontro sem muito procurar. Isso está claro no filme, ao lado de toda a sorte que nos acometeu. Nas fotografias que documentam a ação Repouso, para aceitar a concentração que existe naquelas formas geométricas, a concebo como uma pausa no movimento, que continua. Por isso as flores são deixadas ao tempo. A densidade que procuro construir em meus trabalhos não visa à estabilidade, e sim à propagação de forças. As palavras que você traz, dispersão e aglomeração, podem ressoar aí. Quando meditamos, por exemplo, a concentração inicial, contida, é necessária como passagem para um estado de extrema liberdade. Algumas obras de arte me parecem funcionar de modo análogo a esse lugar de passagem.
Pablo Lobato, Bronze Revirado, 2011, videoinstalação, 4’52”.
Paulo Nazareth, sem título, da série Aqui é Arte, 2006.
Paulo Nazareth por hélio nunes
Propus ao Paulo Nazareth primeiro conversarmos, definirmos uma linha; posteriormente, faríamos a entrevista. Mas o papo foi tão produtivo, nas diversas linhas e entrelinhas, que optei pela transcrição: traduzi nosso “mineirês” e deixei de lado as inúmeras risadas – de graça e sem graça –, bem como as interjeições e o excesso de reticências. Ainda assim, é uma interlocução picotada; bem adequada, acredito, aos trabalhos, mesmo não os abordando detidamente. Confio que as imagens salvarão o leitor caso ele se canse, já que minha capacidade de recriar está muito aquém do tom original desta conversa entre amigos. Hélio Nunes - Você gostaria de ter uma linha de entrevista? Paulo Nazareth - Não. Na verdade, você é o entrevistador e eu sou... HN - Como foi a viagem [por terra, aos Estados Unidos, passando por toda a América Latina]? PN - Foi boa... Acho que ficou meio esquisito na volta. Esquisito, não: deu um sentimento meio que de aborto. Quando eu estava voltando, parei no México e tive
que vir de avião. Teve a mudança da língua e o trajeto de volta para o Sul para a fronteira. E o português, em alguns lugares, vai ganhando uma gramática misturada com o espanhol: a maneira de falar... E mesmo entrando na Argentina, nessas fronteiras, também, há um espanhol que é mesclado. [HN - O aborto, me parece, foi por não haver oportunidade de repetir esse processo.] HN - Pois é, você foi a pé daqui para os Estados Unidos... PN - A pé, de carona e de ônibus. HN - Chegando lá, você fez o quê? PN - Cruzei a fronteira... HN - Lavou o pé... PN - Lavei o pé e voltei para a Guatemala para levar as bananas. HN - Você não chegou a Nova Iorque? PN - Cheguei e passei dois dias: em um deles fiquei andando, divagando, e acabei chegando à praça, em Wall Street, onde estava o acampamento dos Ocupa [Occupy Wall Street]; passei a noite. Então, foram dois dias em Nova Iorque e depois eu voltei. HN - Veio descendo... PN - Para a Guatemala; passei do México
para a Guatemala, para o projeto das bananas. Eu estava contando com: tirar o visto para o Pedro Calel, que ia dirigir a Combi, os papéis da Combi e também com uma licença sanitária para as bananas. Negaram o visto para o Pedro, negaram a licença das bananas... HN - E o carro já não adiantava nada... PN - E o carro também. Como era carro velho, carro velho não entra nos Estados Unidos, só carro novo ou antigo. HN - Mas, você não veio do México para cá? PN - Guatemala, México, Miami, para a feira de arte [Miami Art Basel] e lá eu consegui a Combi com um cubano que tinha ido para Miami, e as bananas no porto. E depois disso eu fui para San Diego, Tijuana e Cidade do México. Aí eu perdi o passaporte. Foi isso. HN - Quais as dificuldades? Você dormia onde estivesse? Chegava e conversava com as pessoas? PN - Eu dormi em vários lugares: em hotéis baratos... HN - Você morou na casa de uma família... PN - Na Guatemala, eu fiquei dois meses com o Pedro, que iria levar a Combi; ele era
o pai dessa família. No Golfo de Santa Clara, Norte do México, eu fiquei com os pescadores uns nove dias. HN - As pessoas te acolhiam, assim, tranquilamente? PN - Sim... Essa estória foi o seguinte: em alguns lugares eu conheci pessoas... Em Miami, por exemplo, na feira, eu conheci um judeu que me chamou para fazer umas gravuras em seu ateliê; ele tem uma prensa, e acabei passando uns dias lá. Em San Diego, eles me chamaram. Tinha uma menina que eu conheci na Cidade do México que me chamou para ficar na residência dela, em um projeto de residência artística. Quando eu fui para Tijuana, foi um ex-aluno dela que me recebeu. HN - Então, a maior parte foram artistas? PN - No final, a maior parte era artista, estudante de arte... Por exemplo, o amigo desse cara que me recebeu em Ensenada. A maior parte era artista sim. No Golfo de Guerrero Negro, era um casal de estudantes de turismo alternativo: eu fiquei na casa dos pais de um deles; em albergue, em La Paz, e depois na casa de outras pessoas.
Paulo Nazareth, sem título, 2011. impressão fotografica 69x92cm
HN - A viagem durou quantos meses? PN - Foram 13 meses e sete dias: um ano, um mês e uma semana. Sete meses daqui até pisar na Cidade de Nova Iorque e depois foi esse trânsito, até o dia que tive que sair do México de avião. HN - De que modo pode-se dizer que essa viagem faz parte de seu trabalho? Ou de que modo as várias coisas que você fez
durante a viagem seriam ações individuais, deslocadas de seu conjunto de trabalhos? PN - Há um eixo que é esse deslocamento da América do Sul à América do Norte. E penso nessas ramificações, nesses fragmentos, como coisas que funcionam em partes, mas que fazem partes desse... HN - É um trabalho com vários trabalhos? PN - É uma cadeia.
Paulo Nazareth, sem título, 2011/2012. impressão fotográfica 69x92cm
HN - E a barreira da língua? Você não fala espanhol, nem inglês, não é? PN - Espanhol eu falo bem pra caramba! Espanhol e português... HN - É tudo igual? PN - Igual com as suas diferenças, de acento, de sotaque. Eu até voltei falando... HN - E sua teoria de que todas as línguas são iguais?
PN - A língua universal? Isso é verdade: a Gramática Universal! HN - Na Índia você a usou, não é? E nessa viagem? Ou não precisava, por ser América Latina? PN - A América Latina, para mim, é muito perto. É o que te falei do português no Sul do Brasil. Por exemplo, “dois com cinquenta” e não “dois e cinquenta”, e alguns nomes,
Paulo Nazareth, sem título, da série Notícias da América, 2011. impressão fotográfica 30x40cm
Paulo Nazareth, Pão e Circo, 2012. impressão fotográfica 93x70cm
como “sinaleira”... HN - E como essa questão da língua refletiu no seu trabalho? Antes seus panfletos eram bilíngues, português e inglês, traduzidos no Google... PN - No meu tradutor: eu tenho uma maquininha de traduzir, que tem 29 línguas. HN - Precisou da maquininha na viagem? PN - Não.
HN - Os seus panfletos vão ser trilíngues agora? PN - Não, para o espanhol, não tem necessidade... Principalmente na leitura, há a possibilidade de entendimento. Então, eu escrevi algumas coisas em espanhol que não preciso traduzir. HN - E agora que decidiu realizar a viagem para África, o que você tem planejado?
PN - Vou tentar conseguir um barco do Rio de Janeiro para a África do Sul. Aí eu vou até Argélia ou Marrocos, atravesso o Mediterrâneo para Portugal ou Espanha. HN - Você já montou uma rede lá? Ou vai na cara e na coragem? PN - Eu vou montando a rede no caminho. Ainda tenho que entrar em contato com algumas pessoas, mas é possível mon-
tar uma rede a partir da África do Sul e ir seguindo... HN - Lá é bem mais complicado, não? É mais longe, as culturas são mais distintas... PN - Não sei, acho isso tudo muito tranquilo. Vou viver, eu não vou morrer, não! O pessoal fala muito: – Olha, você não é branco, nem é preto! Você vai morrer na África! HN - E tem um sangue indígena, vai fazer sucesso...
PN - O pessoal fala que o povo lá é bravo, sanguinário, bruto!... não: eu acho que são muito amáveis. Disseram-me que as mulheres são mais amáveis que os homens... HN - Voltando um pouco. Esta estória do pé, de não lavar o pé. Parece muito com penitência, promessa... PN - Na verdade, eu ia para os Estados Unidos... Sempre que me perguntam de onde sou - e eu sou de Governador Valadares -, há dois comentários: primeiro que lá é quente demais; depois me perguntam por que eu não quis ir para os Estados Unidos. Eu nunca tive esse desejo de ir para os Estados Unidos, tinha até uma... HN - Ojeriza? PN - Ah... Tem muitos outros lugares! Não era meu objetivo ir para os Estados Unidos. Mas entrando nesse jogo da arte, nesse circuito e tudo, uma coisa levou à outra, me levou para lá. Aí era um pouco disso: – Não, eu não posso ir lá sem passar pela América Latina, e negar tudo; então, antes de chegar aos Estados Unidos, eu tenho que passar por outros lugares... HN - A proposta original era que você fosse para lá, diretamente? PN - Foi durante a residência no JA.CA [Jardim Canadá Centro de Arte e Tecnologia] que um curador da Bienal de Harlem me convidou. Ele queria se encontrar comigo e eu o chamei para ir ao Palmital [conjunto habitacional popular, em Santa Luzia, região metropolitana de Belo Horizonte]. Mas não sei o que aconteceu; sei que a gente nunca se encontrou. Aí, vendo o trabalho lá, ele me convidou para uma residência no Brooklyn, numa parceria entre o JA.CA e a Residency
Unlimited. Eu ficaria dois meses na residência, produziria algo e, então, participaria da Bienal. Aí eu falei: – O negócio é o seguinte: eu quero ir por terra, não só tomar um avião aqui e descer no Brooklyn. E aí começaram as negociações... Eu iria... mas então a Chica [Francisca Caporali] me chamou. Estava planejando ir por terra, mas disse: – Eu vou! e tal. Aí ela me chamou e falou: – Oh, Paulo, fala a verdade. O que é que você está tramando? Se a gente acertar, você vai por terra, não é? Respondi que não ia de avião. Por isso, eles não puderam manter, pois quem pagaria a passagem seria o MinC e daria problema etc. Aí o Pedro [Motta] foi para lá. Então, o pessoal da Mendes Wood estava me namorando, queriam que eu fizesse a exposição lá, em maio. Eu disse que tinha a tal residência e propus que me dessem R$ 4.000,00 para financiar a viagem... HN - Você foi daqui para lá com R$ 4.000,00?! PN - Teve esse dinheiro e eu fui, dessa maneira: por terra. A princípio, a proposta seria chegar em 15 dias, mas seria correria. Acharam que não dava tempo; daí 30 dias, 40. E desses 40, já que vou 40, pensei, posso gastar mais tempo, 60 dias. Aí acabou... HN - Um ano, um mês e uma semana... PN - Marcaram uma data para que eu chegasse a Nova Iorque e acabei não chegando... Aí desandou a coisa e eu nunca me encontrei com o tal do curador. HN - Mas você tinha intenção de encontrar com o tal curador? PN - Tinha! Tinha sim, eu ia me encontrar com ele. HN - Pois é, fiquei pensando quais as
Paulo Nazareth, sem título, da série Notícias da América, 2011. impressão fotográfica 30x40cm
chaves para abordar o seu trabalho. No artigo para o seu livro Paulo Nazareth: Arte Contemporânea/LTDA. Rio de Janeiro: Cobogó, 2012, tentei ligar você à crítica institucional... Você não viajou para fazer uma introspecção na América Latina. Era uma viagem de conhecimento, de certa forma, mas de conhecimento da instituição arte, não? Você concordaria comigo? PN - Sim... [Entenda-se: “Não.”] HN - Você foi conhecer a América Latina? Tal como um Che? Ou, então, vamos pensar em On The Road, do Kerouac? Você está longe disso, não? PN - É... HN - É uma viagem porra loca? Não. É uma viagem já pensando na arte, certo? PN - Sim. É um objeto de arte. É essa arte da viagem, tal como me disse o menino em El Salvador: arte de conduta, que é a maneira que escolho para viajar, meu comportamento, como vou me conduzir. HN - Naquela conversa sua com a Janaína Melo, você já fala dessa questão da conduta... Paulo Nazareth, sem título, da série Notícias de América, 2011. impressão fotográfica 18x24cm
PN - Por exemplo: eu vou, mas não levarei mala, vou viajar com meus sacos, de chinelo, de que forma vou passar a fronteira... HN - O pé, já era para carregar terra, já era pensado assim, aqui? Ou chegou lá e pensou outra coisa? PN - Eu não queria chegar aos Estados Unidos sem passar pela América Latina, essa extensão de terra. Então, eu queria me impregnar de alguma maneira dessa terra, dessa cultura, com essa relação: saí de Valadares e cheguei aos Estados Unidos, mas tem uma extensão de terra, de gente, de cultura entre esses dois lugares, dando importância a essa terra, sem aquele negócio de Nova Iorque como Meca, “I love NY” etc. Não. HN - Na verdade, de Nova Iorque você não trouxe nada, só uma impressão superficial, certo? PN - O dia que eu fiquei andando, no primeiro dia, à deriva, me perdendo, era o dia de vagar pela Nova Iorque desse imaginário que eu tenho, que todo mundo tem, que a
gente vê nos filmes, nas músicas. Foi um pouco de me perder pela cidade desse imaginário. Então, eu não tive uma residência, foram dois dias. E aí, por coincidência, eu fui parar em Wall Street, com o movimento dos Ocupa, que me receberam: – Ah, chegou mais um! Daí, me mostraram uma barraca... HN - E qual foi a impressão desse movimento? PN - Foi um dia importante. Eu passei a noite e de manhã veio a polícia. E nessa coisa da língua... eu fico com o meu imaginário: – O que está acontecendo? A polícia veio de manhã, revistando todas as barracas, e eu saí pelos fundos... Fiquei pensando no que aconteceria, porque meu visto era de turismo e negócios. E se eles me pegassem? HN - Turismo, ora! PN - O que que eu estou fazendo ali, não é?! HN - Seus trabalhos sempre foram politizados... PN - Um politizado mais ou menos... HN - Pois é, com a Janaína você fala que é manso... mas o seu trabalho não é manso. Lembro-me no Dente de Elefante, de uma frase aparentemente desconexa, algo como: “Continuam matando os elefantes e continuam escravizando os negros”. É político. Pode não ser militante, mas é político. Nessa viagem, há frases como: “Nós temos direito a essa paisagem” ou “Eu também sou americano”. Você acha que essa viagem fez com que seu trabalho ficasse mais explícito? PN - Talvez. Paulo Nazareth, sem título, da série Para Venda, 2011. impressão fotográfica 90x67cm
HN - Você estava na fronteira do Arizona. O que foi vendido foi...? [Tentávamos nos lembrar da Compra Gadsden, depois da Guerra Mexicano-Americana.] PN - Novo México, Califórnia... HN - Pois é, você acha que voltou menos manso? PN - Acho que eu continuo manso. HN - Ok. O que significa esse “manso”? PN - Não sei! Na verdade, têm aqueles cachorros que mordem o calcanhar. Talvez seja um pouco disso: aqueles pequeninhos que ficam escondidos, e quando você fica distraído, vêm, mordem seu calcanhar e correm... HN - Vamos voltar à questão da linha. Sua biografia é muito importante para o seu trabalho. É biografia ou são fatos abertos, como os biografemas do Barthes? Pois é ruim determinar a obra de um artista segundo sua biografia, não? PN - É um pouco de biografia, mas é uma biografia que eu vou escrevendo. É uma escolha: eu fico pensando em uma história que eu quero escrever, como essa de passar antes pela América Latina... A história que eu quero contar e fazer. HN - Mas, por exemplo, o fato de você ter vindo de Governador Valadares e de morar hoje no Palmital; essas coisas são realmente importantes no seu trabalho ou são só motes que você usa? Paulo Nazareth, sem título, da série Notícias da América, 2011. impressão fotográfica 30x40cm
PN - Eu acho que são importantes, sim. E são escolhas também, porque eu escolhi ficar no Palmital; é uma escolha voltar para o Palmital. HN - É uma escolha por causa do seu trabalho de arte ou uma escolha pessoal? Ou não há separação? PN - Meu trabalho vai tendo essa relação e eu vou cada vez mais alinhavando isso. HN - Você tem uma vida fora da arte? PN - Eu tenho. Há coisas que eu não coloco aí, não é? Nem tudo eu vou expor. Na verdade, eu não quero fazer um Big Brother. HN - Esse entrelaçamento arte e vida faz parte do seu trabalho. PN - Eu penso muito nisso, o tempo todo nessa relação, e no que eu exponho ou não: porque algumas coisas não são para expor, pois eu não quero uma banalização da vida. HN - Uma pergunta que quero lhe fazer há muito tempo: existe um Paulo fora da arte e outro Paulo que é, como dizem, uma “persona”? Não sei se essa é a melhor palavra: há artista que, no momento da ação, incorpora algo que não é necessariamente ele mesmo. Não é uma atuação, não é um personagem, mas é uma separação. Você faz esse tipo de separação? PN - Não, não tenho isso não. Mas, como diz meu pai, eu tenho dois nomes: um da firma e outro de batismo. O de batismo é Paulo da Silva, que é importante para mim também. Tem alguns panfletos onde eu coloco isso: “ser da Silva... da selva.” E “NaPaulo Nazareth, sem título, da série Notícia da América, 2011. impressão fotográfica 30x40cm.
Vista da instalação Mercado de bananas, Art Basel Beach, Miami, 2011.
Paulo Nazareth, sem título, da série Aqui é Arte, 2006. impressão sobre papel 12x22cm
zareth” vem da minha avó, e também é importante: Nazareth de Jesus... No Brasil não tem, mas no México eu vi muito “Jesús”; as pessoas se chamam assim, mas aqui não é popular e dizem até que é pecado... HN - Antigamente era comum... PN - Não, você pode se chamar “de Jesus”, mas como primeiro nome é pecado, pois não se é digno desse nome... E minha avó era Nazareth de Jesus, apesar de ela ser indígena, filha de Krenaks, cujos pais deixaram a aldeia naquele período de perseguição, indo alguns para a cidade, outros para trabalhar nas fazendas. Ela tem essa origem e é praticante de Candomblé, mas tem um nome cristão: Nazareth de Jesus. HN - Biografia... PN - Vou traçando essa minha biografia, mas que é também a daquele anônimo; a biografia da minha avó, da minha família cruzando com outras biografias e outras histórias. HN - Você se lembra da proposta do Bourriaud, no Radicante? Pensando em figuras vegetais, como a do rizoma – mas vamos deixar de lado o rizoma –, a figura do modernismo seria aquela árvore de raiz pivotante, em que os galhos que são desimportantes vão sendo cortados até sobrar o pivô, a origem. Ele propõe uma outra figura para o sujeito no “altermodernismo”, saltando a ideia do rizoma: seria a da hera, aquela trepadeira que é um mesmo indivíduo, mas com várias raízes, sem uma origem única; por onde ela vai passando, faz raízes. Daí, Bourriaud propõe que o mais importante na arte contemporânea não é a origem, não é de onde se veio, mas para onde se vai. Você se encaixaria nisso? Porque sua origem é
muito importante para você... PN - É. Eu costumo pensar nesse ponto: eu nasci em 1977; divido minha história, a história antes e depois de 77, mas existe 77 e depois, e vou fazendo essa ligação. Então eu sou um ponto nessa história que é a minha história também. HN - Pois é. As obras que o Bourriaud procura analisar se assemelham ao que você faz: a questão da viagem, do percurso, da caminhada, conhecer o exótico etc. Todas, segundo ele, negam essa origem única. Enquanto você faz isso tudo, sempre coletando experiências, mas sem deixar de lado aquela sua raiz. Então, de certa forma, a análise dele não se encaixa no seu caso. Mas você também não é um artista “radical”, naquele sentido da raiz: os galhos também são importantes... Recorrentemente eu penso em você como uma espécie de etnógrafo, apesar de isso não se encaixar bem também... Às vezes eu acho que você está gozando da nossa cara... PN - Pode ser... Na verdade, eles até escreveram isso num jornalzinho de Washington: “Esse cara está rindo da gente!”, em inglês, não sei se entendi, e “O cara tem esse monte de banana podre, e sai andando rindo, com o pé sujo, na feira, está rindo da gente!”, está na internet. HN - Você tem uma visão crítica do mundo da arte. O que motivou isso? PN - Tenho. Na verdade, tem também essa relação comigo mesmo, de entrar... é o caso de pensar também em uma autocrítica. Eu entrei para a escola de arte, falei: – Vou ser artista. E estou entrando no mercado de arte, então, eu vou vender.
Paulo Nazareth, sem título, da série Aqui é Arte, 2006. impressão sobre papel 12x22cm
HN - Seus panfletos, “Isso é arte”, “Aqui é arte”, “Lá é arte”... Alguns trabalhos tinham até um carimbo demarcando que aquilo era arte; depois você fez uns panfletos que vendia a R$ 0,50, com variações até R$ 1,00, não é? PN - Ainda vendo. HN - Isso é metalinguística. Será que o Paulo está saindo da metalinguagem, entrando na crítica social, mesmo? PN - Eu estou misturando. Esses panfletos vêm quando eu começo a pensar na relação da firma, da assinatura, como marca, como produto. O primeiro trabalho que eu fiz com essa ideia, eu mandei para o Salão de Jataí; isso foi em 2004, quando eu comecei a criar a firma Paulo Nazareth Arte Contemporânea Ltda. Foi um vidro de saliva de homem brasileiro... HN - Nesse vidro de saliva tinha lá o carimbo “isso é arte”? PN - Não, tinha uma etiqueta: “Saliva de homem brasileiro etc.” HN - Ainda não havia a ideia de delimitar o que é arte e o que não é? Quando isso começa? PN - Mais ou menos nessa época. Primeiro a Paulo Nazareth Arte Contemporânea Ltda., depois a Paulo Nazareth Edições... É isso: criar essa quase instituição... HN - O que essa instituição mimetiza? Uma galeria, um museu? PN - Uma produção de arte, uma empresa mesmo... Paulo Nazareth, sem título, da série Notícias da América, 2011. impressão fotográfica 30x40cm
Paulo Nazareth, Cabeça, 2011. videoperformance
HN - Um laboratório? PN - Eu chamo de “firma”. HN - Depois da Fábrica do Warhol... PN - Isso? Mas na precariedade... Por isso eu chamo de “firma” mesmo, que é coisa de fundo de quintal. HN - E a “firma” é o “firmar”, da assinatura, conferir ao objeto um status... Ou isso não é importante? PN - Eu penso na relação da marca mesmo, que agora está se tornando... [ganhando visibilidade, importância etc.] HN - Tenho lá meus panfletos guardados...
PN - É o Paulo Nazareth que vira a firma, a marca: – Isso é Paulo Nazareth: vale! – Isso é Paulo da Silva: não vale. – Nazareth: vale! HN - É para destacar a ironia disso? PN - Tem... Na verdade, meu trabalho tem essa ironia, esse jogo com o próprio nome: Paulo da Silva não vende, porque “da Silva” é qualquer Zé. Eu gosto de ser eu, Paulo da Silva. Você me perguntou se existe uma separação: de alguma maneira sim, mas essa separação faz parte do trabalho. Pode pensar no Paulo da Silva, porque eu fico pensando nisso também. Já aconteceu várias vezes:
eu estou lá no Palácio das Artes... Aconteceu também na feira de arte de São Paulo. Estou no Palácio das Artes e quero entrar no lançamento de um livro; tinha um segurança que, por acaso, era lá do Palmital. Ele não me deixava entrar: – Ah, não! – É lançamento de livro..., eu retrucava. – Não, não pode entrar! – Só vou dar uma olhada... Deixa eu entrar aí... É lançamento, eles estão querendo vender livro, quanto mais gente entrar, melhor! – Ah, não! Eu insistindo para entrar e o cara: – Vou chamar reforço! Não pode não! Aí eu fiquei naquela vergonha: porque o cara é lá do Palmital, ele não vai me deixar entrar. Então, uma das responsáveis chega lá e fala: – Ah! É o Paulo Nazareth! E vem... Aí eu fiquei com duas vergonhas: porque eu não podia entrar, então era o Paulo da Silva; mas o Paulo Nazareth pode entrar...
Mas é a mesma pessoa! A mesma cara, o mesmo pé sujo, chinelo e tal, o cabeludo, cabelo crespo, cabelo de preto! É o mesmo! E tinha isso: o cara é lá do Palmital, igual a mim, preto do mesmo jeito... HN - A ideia dele é: “Ele não pode entrar porque eu não posso entrar”. Então você ficou com vergonha dele. PN - No segundo momento eu fiquei com vergonha disso: porque eu posso entrar? Por que o Paulo Nazareth pode entrar e eu, como qualquer um, não posso? Eu como artista... E o mesmo aconteceu agora na SP-Arte: acabo de voltar da viagem, notícias de América... saiu o nome do Paulo Nazareth em todos os jornais, praticamente, dos Estados Unidos, porque saiu no New York Times, sai em todos, Miami, Washington, tudo... Aqui, Estado de Minas,
São Paulo, Rio etc. Fica a cara do Paulo espalhada por aí... Dentro da feira, o trabalho que eu estava apresentando era Pão e Circo, que é a minha cara com um pão na boca, nos olhos, no ouvido... Essas fotos grandes com minha cara lá... E todo mundo: – Você é o Paulo Nazareth! Sei lá o quê... Acaba a feira, aí o Paulo Nazareth vai embora, fica o Paulo da Silva, andando lá, descalço. E aí o Paulo da Silva vai mexendo – o Paulo da Silva trabalha para o Paulo Nazareth – nos lixos lá, olhando o que tem. Aí o segurança vem porque é esquisito. E junta um montão! – Você está trabalhando em algum estande? – Estou sim, na Mendes Wood. – Você se importa de nos acompanhar até lá? Já com certa agressividade. – Vou sim... espera aí, vou só pegar os negócios aqui. E vai juntando segurança. Nisso vem um cara
que me reconhece: – Ah! Paulo Nazareth! Daí vem um gringo, de outra galeria: – Ah! Paulo Nazareth! E nesses reconhecimentos, os seguranças começaram a sair fora. Então eu digo para o cara que sobrou: – Então vamos lá na Mendes Wood? Cadê os outros? Vamos reunir... E vou descendo. – Não, não, ele responde. – É o cabelo de preto, que fica preto dentro de um espaço de arte voltado para esses granfinos aí, não é? – Não, não, eu não falei nada disso... A gente estava preocupado com a sua segurança... Pensamos que você estivesse perdido... O seu estande é para aquele lado de lá... ok? etc. E nesse momento eu fiquei com vergonha também, mas nesse momento é o Paulo da Silva e não importa que minha cara esteja lá de todo tamanho na galeria; é o Paulo da Silva, que é estranho estar ali.
Pedro Motta, Rea巽達o Natural, 2008/2010. impress達o de tinta mineral em papel algod達o 100x100cm
Pedro Motta por Eder Chiodetto
Eder Chiodetto - Pedro, vamos começar a falar um pouco da sua formação, sei que você veio do desenho... Pedro Motta - Formei-me em 2002 pela Escola de Belas Artes da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), em desenho mesmo. Lá na universidade, a gente tinha cinco cadeiras e nenhuma delas contem-
plava a fotografia. Mas optei pelo desenho porque era o único ateliê que me permitia usar fotografia, com a qual eu já trabalhava. EC - E o caminho para ir estudar Artes Plásticas? PM - Meu pai é professor de cinema da UFMG. Ele é formado em música, estudou cinema e ocupou a cadeira de professor de
cinema, semiótica, lá da Belas Artes. Minha mãe é professora universitária da faculdade de educação. EC - Qual o nome deles? PM - José Adolfo Moura e Cecília Motta. O meio das artes, e das universidades principalmente, sempre me foi familiar. Na verdade meu pai é músico; eu cheguei a
estudar música por um bom tempo. Agora, se você me perguntar alguma coisa, eu não sei nada mais, é uma coisa absurda. EC - Mas isso foi na adolescência? PM - Isso foi na infância e no começo da adolescência. EC - Então ter um filho artista não foi um trauma na família? (risos)
Pedro Motta, sem título, da série Arquipélago #2, 2008/2010. impressão 101x101cm
Pedro Motta, sem título, da série Arquipélago #2, 2008/2010. impressão 101x101cm
PM - (risos) Não, nada assim. Na verdade, eu queria fazer comunicação e sempre desenhei, desde a infância, a adolescência inteira. Fiz escolinha de arte na minha infância toda e aí eu comecei a namorar um pouco a fotografia. Meu pai fotografava um pouco, conhecia processos alternativos de fotografia, e isso foi natural, recorrente. Eu tenho até um tio-bisavô, Eugênio Nardi, que é fotógrafo, um cara importante.
Pedro Motta, sem título, da série Arquipélago #2, 2008/2010. impressão 101x101cm
EC - Quando você começou a trabalhar com fotografia? PM – Em 1996, num projeto que meu pai coordenava, de música, chamado música na escola. EC - Você documentava esse projeto?
PM - Sim, se tratava da implantação de música no ensino fundamental, nas escolas estaduais. E foi a melhor escolha prática que tive, porque eles não faziam exigência técnica e eu tinha até liberdade poética, de criar. As aulas eram meio paradas e eu ficava
esperando alguma coisa acontecer. E isso durou bastante tempo, um ano e meio, dois. Nessa época, pensando em que faculdade fazer, optei pela Belas Artes. Não tinha uma cadeira de fotografia, mas na Comunicação Social eu não tinha interesse pelo
jornalismo, muito menos pela publicidade. EC – Mas desenho e fotografia... você tinha que optar por um ou outro... ou você achava que ambos poderiam andar juntos? PM – Não, a fotografia realmente abafou o desenho. A partir do momento em que
Pedro Motta, sem título, da série Caixa d’água, 2006. impressão, 53x80cm
Pedro Motta, Iceberg, 2012. impress達o de tinta mineral em papel algod達o 49x57cm
Pedro Motta, Estatuto da divisão territorial, 2012. impressão de tinta mineral em papel algodão, 33x33cm.
eu comecei a me interessar por fotografia, o desenho foi exterminado praticamente. EC - Você acha que essa sua habilidade com o desenho lhe ajudou, por exemplo, a pensar a composição na fotografia? PM - Ah, sem dúvida foi fundamental. Ele é o divisor de águas. Sobretudo agora que
eu estou voltando com ele na série “Estatuto da Divisão Territorial” (2012). Fiquei muito tempo trabalhando a partir da fotografia e percebo que agora estou me libertando um pouco, e mais livre para pensar meu trabalho em outras linguagens dentro das artes plásticas.
EC - Você começou com a fotografia de caráter bem documental e aos poucos ela foi migrando para outra dimensão. Quando se deu essa passagem? PM - Foi mesmo dentro da universidade. Meus orientadores eram o Roberto Bethônico e a Wanda Tofani. Eu chegava com a foto-
grafia e eles vinham com o aporte das artes plásticas. Meu trabalho surge desse embate. Foi fundamental para a parte técnica da fotografia; eu busquei em outros lugares, como nos Festivais de Inverno da UFMG. EC - Sua fotografia começa marcadamente de caráter documental. Em que mo-
Pedro Motta, Estatuto da divis達o territorial, 2012. impress達o de tinta mineral em papel algod達o 33x33cm
Pedro Motta, Estatuto da divisão territorial, 2012. impressão de tinta mineral em papel algodão 33x33cm
mento você achou que ela poderia servir como uma linguagem que transcendesse essa plataforma? PM - Foi na escola mesmo. Desde sempre me interessei por fotografar a inserção da natureza no meio urbano e vice-versa. Sempre me interessei em ver detidamente
o local por onde passo no meu dia a dia. Nessa época, eu morava em Lagoa Santa, onde havia um lixão próximo. Foi uma das minhas primeiras fontes de criação. Como quase todo fotógrafo, tive a fase de fotografar bicho morto, sangue, a transformação da matéria orgânica... Logo depois comecei a
me interessar por land art e surgiram minhas primeiras intervenções na natureza. Muitas delas já uniam fotografia e desenho. EC - Sua produção é bastante centrada no seu território, aos redores de Belo Horizonte. Fale um pouco disso. PM - Em 2010, comecei a morar em duas
cidades simultaneamente: Belo Horizonte e São João Del-Rei, onde construí uma casa com minha mulher. Em função desse deslocamento recorrente, sempre dirigindo gosto muito de dirigir em estrada; é quando consigo um alto grau de reflexão para pensar no meu trabalho, é como um gesto
Pedro Motta, Paisagem Suspensa, 2010/2012. impress達o 100x100cm
Pedro Motta, Paisagem Suspensa, 2010/2012. impress達o 100x100cm
Pedro Motta, Paisagem Suspensa, 2010/2012. impress達o 100x100cm
Pedro Motta, Paisagem Suspensa, 2010/2012. impressão 100x100cm
meditativo para mim -, consegui observar as mudanças rápidas que ocorrem na paisagem. Diversas séries minhas aconteceram a partir desse deslocamento: a primeira foi Espera (2005), dos pontos de ônibus à margem da estrada. Depois surgiu a série Arquipélago (2008-2010) - selecionada para o 32.º Panorama da Arte Brasileira do MAM-SP e finalmente o Estatuto da Divisão Territorial (2012). EC - Se tivermos que nomear, o que seria o grande eixo conceitual da sua obra. Eu me arriscaria a dizer que é o embate entre natureza e cultura. Você concorda?
PM - Acho que é claramente isso... E sem dúvida o meio onde nasci e fui criado, entre o campo e a cidade, ajudou a determinar isso. Minha tia morava no interior e eu passava as férias lá na roça. A natureza, o convívio com animais, andar na trilha se conectou à afetividade que remonta a esse tempo. A primeira foto marcante que fiz, para mim, foi lá no curral da minha tia. Tinha na parede da casa uma pintura de uma pastoral europeia que me intrigava. Levei-a para o curral e fiz a foto dela. Hoje percebo que essa inquietação que me levou a ser artista já estava nesse gesto do garoto de 15 anos que fez isso intuitivamente. Nunca usei essa imagem num trabalho, mas até hoje ela é enigmática e um ponto de referência para mim nessa questão de intervir no espaço para ativá-lo de alguma forma.
Pedro Motta, sem título, da série Reação Natural, 2008/2010. impressão em papel algodão, 100x100cm.
EC - Quando você fala dessas reminiscências de infância, me lembra muito uma dedicatória que o Mario Cravo Neto fez para mim num catálogo de uma mostra dele. Ele escreveu: “Eder, tantos anos passam e nós
inevitavelmente somos os mesmos que éramos quando criança!”... PM - É verdade... Utimamente comecei a colocar moedas no trilho do trem para vê-las amassadas. Quando criança diziam que
se fizéssemos isso o trem iria descarrilhar... Era o máximo imaginar isso... EC - Fale um pouco sobre a intervenção com os canos desenhados sobre as fotografias dos cupinzeiros que você fotografou na
estrada entre BH e São João Del-Rei. PM - Eu fotografei esses cupinzeiros na época em que minha casa estava sendo construída, mas eu já estava louco por morar nela, resgatar meu espaço de ateliê
Pedro Motta, sem título, da série Reação Natural, 2008/2010. impressão em papel algodão 100x100cm
num lugar mais sossegado que uma metrópole. Comecei a imaginar esses canos subterrâneos como caminhos de comunicação e contato entre os cupinzeiros. Essa série integra um projeto maior que estou chamando de Campo fértil. Ele pretende ser um mapeamento de toda essa região, com interferências da paisagem e pesquisa dessa transformação. O cupinzeiro é o sintoma de uma paisagem infértil, um descontrole ambiental. Essa paisagem da região do Campo das Vertentes é muito destruída, com grandes erosões pelo uso extensivo da terra. EC - Trabalhar nesse eixo de natureza contraposta à cultura fica no limiar de um discurso que pode resvalar para um certo romantismo ou um engajamento panfletário, não?
Pedro Motta, sem título, da série Reação Natural, 2008/2010. impressão em papel algodão 100x100cm
PM - E também para uma certa melancolia... mas esse é um traço de mineiridade que acho inevitável. Mas eu não falo desse tema com questões universais, mas sim do microcosmo do meu pequeno quintal, do meu entorno. EC - Mas para mim fica claro que, embora esse seja um eixo fundamental da sua produção, fica fácil perceber que em nenhum momento você está preocupado com uma relação de causa e efeito do ponto de vista sociopolítico, mas sim como esse embate entre o natural e o artificial podem gerar questões estéticas e reflexivas por caminhos mais labirínticos. Há, para mim, a percepção de uma certa sensualidade nesse atrito... E isso fica notório quando suas fotografias parecem a contemplação de esculturas, ready-mades...
PM - É isso... e hoje em dia me interessa muito também conseguir o efeito da dúvida. Deixar as pessoas em suspenso quando elas querem saber se interferi ou não na paisagem, se aquilo já estava assim ou não. É um site specific e a fotografia apenas registrou? Ou o artista produziu tudo? Gosto dessa dualidade que já estava na fotografia do curral que fiz na adolescência. EC - Não estaria na busca dessa dualidade sua opção pela fotografia mais que pelo desenho? PM - É verdade. No desenho a gente pode tudo e a fotografia sempre desliza entre um testemunho e uma criação. É uma areia movediça. EC - Fale-me um pouco das sua referências. Quais são suas antropofagias pessoais? PM - A fotografia americana dos anos 1960 é bem importante, sobretudo a fotografia do Robert Frank, que é suíço, mas sua obra “The Americans” é super importante para mim, por conta do deslocamento territorial que ele percorre. Depois disso vem a linha de caráter mais construtivo, capitaneado pelo casal Becher. O fotógrafo japonês, [Hiroshi] Sugimoto, é outro cara que sempre me alimenta também. Tem os cineastas: Andrei Tarkovsky, Werner Herzog e o Peter Greenaway, por exemplo. Mas hoje em dia quem me influencia mais são os artistas plásticos brasileiros com Nuno Ramos e Cildo Meirelles à frente. Pedro Motta, sem título, da série Reação Natural, 2008/2010. impressão em papel algodão 100x100cm
EC - Vamos falar da série Paisagem Suspensa (2010/2012), que está exposta no Paço das Artes atualmente. PM - Eu estava interessado em trabalhar com escultura, com volumes em grandes escalas. De novo vem a memória infantil e chego na imagem desses balões, signo de leveza, carregando o peso da terra, do minério. Parte dessa série foi realizada numa região em MG (com residência viabilizada pelo JA.CA - Jardim Canadá Centro de Arte e Tecnologi), rica em minério, portanto bastante explorada e alterada ao longo do tempo. Foi um trabalho bem árduo; tive que ter uma equipe estudando a meteorologia para controlar o vento, outra equipe para perfurar o solo exatamente como eu precisava. O mais incrível foi ver ao vivo esse momento dos balões flutuando. Foi um êxtase que só eu e mais duas pessoas que estavam me assistindo conseguiram ver como um site specific. A fotografia é outra experiência. Depois em Nova Iorque continuei a série no espaço urbano, mas ali trabalhei com construção digital. EC - São uns quinze anos de carreira, não? PM - É, é mais ou menos isso... EC - E agora? Onde você quer chegar? PM - Ué, não quero chegar a lugar nenhum. Eu quero é chegar em casa (risos). Meu lugar é minha casa, meu cupinzeiro. Mineiro é assim, gosta de ir pra dentro de casa como o cupim.
Pedro Motta, sem título, da série Reação Natural, 2008/2010. impressão em papel algodão, 100x100cm.
bios:
EDER CHIODETTO
HÉLIO NUNES
JACOPO CRIVELLI VISCONTI
Eder Chiodetto (São Paulo, 1965) é mestre em Comunicação e Artes pela Universidade de São Paulo (USP), jornalista, fotógrafo, curador independente e crítico de fotografia. É autor do livro O Lugar do Escritor (Cosac Naify), um dos vencedores do Prêmio Jabuti 2004 e coordenador editorial da coleção “Fotoportátil” (Cosac Naify), entre outros títulos. Atua como curador do Clube de Colecionadores de Fotografia do MAM-SP e realiza, desde 2004, projetos autorais de curadoria para diversas instituições no Brasil e no exterior. Atuou como repórter-fotográfico (1991-1995), editor (1995-2004) e crítico de fotografia (1996-2010) no jornal Folha de S. Paulo. Como docente, ministrou aulas na Universidade Metodista de São Paulo (UMESP) e na Faculdade de Fotografia do Senac-SP. Atualmente coordena os Grupos de Estudo e Criação em Fotografia em São Paulo. Em 2009, foi eleito o melhor curador de fotografia do país, em eleição realizada pela revista Clix/ Fotosite. Em outubro deste ano realizará a mostra “Mitologias - Fotografia Contemporânea Brasileira”, na galeria Shiseido, em Tóquio, Japão.
Hélio Nunes (Belo Horizonte, 1974) é artista e pesquisador (e burocrata das artes). Trabalha principalmente com o que já foi conhecido como “crítica institucional”. Doutorando em Artes na Escola de Belas Artes (EBA), da UFMG, bolsa CAPES, com o projeto Fotografia do museu, pretende abordar o quiasma museu/espaço/ visibilidade/expectativa/espectador e verificar o postulado do museu como pan-óptico. Mestre em Artes pela EBA-UFMG, bolsa FAPEMIG, com a dissertação Pintura para catálogos: notas sobre o arquivamento da arte, defendida e indicada para publicação em 2009. Graduado também pela EBA-UFMG, habilitação em pintura, em 2005. Integra o grupo de estudos e pesquisa “Estratégias da arte numa era das catástrofes”, liderado pela Prof.ª Dr.ª Maria Angélica Melendi de Biasizzo.
Jacopo Crivelli Visconti é crítico e curador independente. Nascido em Nápoles (Itália), em 1973, é doutor em Arquitetura pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU-USP). Como curador da Fundação Bienal de São Paulo (2007-2009), foi responsável pela participação oficial brasileira na 52ª Biennale di Venezia (2007) e na Bienal de Cuenca (Equador, 2007 e 2009), entre outras exposições. Foi, entre 2009 e 2011, um dos curadores da feira de arte contemporânea Volta, que acontece em junho na Basiléia (Suíça). Escreve regularmente para revistas de arte contemporânea, arquitetura e design, além de catálogos de exposições e monografias de artistas. Entre os trabalhos recentes mais representativos como curador de arte contemporânea, estão: A revolução tem que ser feita pouco a pouco, Galeria Raquel Arnaud, São Paulo (2012); Solo Projects da feira Pinta, Nova Iorque (EUA) (2011 e 2012); Lições da linha, Sesc Bom Retiro, São Paulo (2011); Sismógrafo, Palácio das Artes, Belo Horizonte (2011); Ponto de equilíbrio, Instituto Tomie Ohtake, São Paulo (2010); Feijão com arroz, Museo Municipal, Guayaquil (Equador) e Trendy, Miami (EUA) (2010); Sandra
Cinto: Imitação da água, Instituto Tomie Ohtake, São Paulo (2010); Solo Projects da feira Arco, Madrid (Espanha) (2009 e 2010); Paisagem Incompleta, Palácio das Artes (Belo Horizonte, MG) (2009).
PABLO LOBATO
PAULO NAZARETH
PEDRO MOTTA
Nasceu em Bom Despacho, Minas Gerais (1976), e vive em Belo Horizonte. Antes de ter as artes visuais como principal campo de atuação, sua prática artística concentrou-se no cinema. Com um interesse continuado pela produção audiovisual, seu trabalho hoje se desenvolve em uma zona indeterminada entre essas disciplinas. Em 2011, foi vencedor do Prêmio Sergio Motta de Arte e Tecnologia e selecionado para o Programa Rumos Artes Visuais. Integrou a mostra Panorama da Arte Brasileira, no MAM-SP, e o 17º Festival Internacional de Arte Contemporânea SESC-Videobrasil, no SESC Belenzinho, SP. Em 2012 realizou a exposição individual Do Corte, na Luciana Brito Galeria, SP, e participou de exposições na Noruega, França, EUA, China, Argentina e Chile. Atualmente dedica-se a finalização do filme Ventos de Valls, que deriva de uma ação realizada na Espanha em 2009, financiada pela Fundação John Simon Guggenheim, NY. Seu trabalho integra as coleções do Museu de Arte da Pampulha, Belo Horizonte, do Museu de Arte do Rio Grande do Sul, Porto Alegre e do Museu de Arte Contemporânea do Paraná, Curitiba.
Governador Valadares, Minas Gerais (1977). Vive e trabalha ao redor do mundo. Participou de inúmeras exposições coletivas, incluindo Il va se passer quelque chose, Maison de l’Amérique Latine, Paris (2012); MYTHOLOGIES, Cité Internationale des Arts, Paris (2011); Caos e Efeito, Itaú Cultural, São Paulo (2011); Por aqui formas tornam-se atitudes, SESC Vila Mariana, São Paulo (2010). Teve mostras individuais no Museu de Arte da Pampulha, Belo Horizonte (2007) e no Centro Cultural São Paulo, São Paulo (2009). Participou também de uma grande variedade de programas de residência artística em Buenos Aires, Argentina (Taller Imaginario, 2010); Belo Horizonte, Brasil (JA.CA, 2010); Jacarta, Indonésia (RuangRupa, 2009 e The Galeri Nasional, 2008), Jatiwangi, Indonésia (Jatiwangi Art Factory, 2008) e Nova Déli, Índia (Khoj Studios, 2006), entre outros. Seu trabalho integra a coleção permanente da Pinacoteca do Estado de São Paulo; do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro - Coleção Gilberto Chateaubriand; Astrup Fearnley Museum of Modern Art, Oslo e do Thyssen-Bornemisza Art Contemporary, Viena.
Belo Horizonte, 1977. Vive e trabalha entre Belo Horizonte e São João Del-Rei, Minas Gerais. Formado em 2002 pela Escola de Belas Artes, UFMG. Entre suas principais exposições, destacam-se: Museu da Pampulha (2004), 32.º Panorama da Arte Brasileira (2011), MAM-SP (2011), What Now?, Bendana-Pinel Art Contemporain, Paris (2012), 2.ª Bucharest Biennale, Romênia (2006), 5.ª Bienal Internacional de Fotografia e Artes Visuais de Liège (2006), Fotografia Contemporânea Brasileira, Neue Berliner Kunstverein, Berlim (2006), 14.ª Coleção Pirelli/Masp de Fotografias (2006). Livros publicados: Temprano, Funarte, 2010 e Paisagem Submersa, Cosac Naify, 2008. www.pedromotta.net
www.3c.art.br