A LENDA DO MENINO DA GRALHA ou a história do menino que vivia no meio do mar e queria ter asas
Texto escrito para a criação homónima do Teatro do Mar, inspirado na lenda original.
MARESIA - Há muito, muito tempo, um pedaço de terra soltou-se nas águas e nasceu uma ilha feita de rochedo e areias. Parecia uma língua sobre o mar, um olho a espreitar entre as ondas, uma ponte para um lugar mais perto dos peixes e das algas.
Os pássaros desenhavam a sombra dos voos nas curvas suaves da superfície: brancos, outras vezes negros, voando em bandos de encontro ao sol... Ainda sem nome, a ilha flutuava nas águas, inspirando histórias e lendas, servindo de abrigo a barcos e pescadores.
Um dia chegaram os romanos, um povo antigo, estrangeiro, que ocupou a costa de Porto Covo. Construíram tanques de salga na ínsula, pequenas construções onde o peixe era salgado e colocado a secar ao sol. Estes sequeiros de peixe deram origem ao nome da ilha: Piscis Sequei rum, (repetir até se transformar numa nova palavra) pis siquei ruu… pissiqueiro… pessigueiro… pessegueiro! Ilha do Pessegueiro, embora na verdade nunca lá tivesse existido uma árvore que desse pêssegos… Depois, os romanos foram embora e as salgas de peixe foram desaparecendo aos poucos. Séculos depois surgiram os corsários, velhos piratas que navegavam nos mares e atacavam a terra para roubar, destruir e matar. Usavam a encosta da ilha para se esconder e atacar durante a noite, enquanto todos dormiam. Então, os homens ergueram fortalezas, grandes e sólidas construções, pensadas por sábios engenheiros, para vigiar e proteger a terra dos temíveis piratas.
Passava horas esquecidas a olhar os cĂŠus e o horizonte do mar.
(Os pรกssaros sobrevoam as รกguas e a ilha)
MENINO – E o que é a Esperança? GRALHA– Esperança é acreditar que é possível que o mundo seja como… um mar tranquilo… MENINO – Ahhhh, gosto tanto de te ouvir falar. Dizes coisas tão bonitas. Queria ser como tu, saber muitas coisas e ser assim, liiiiiivre… (dança, como se voasse), quem me dera que esta ilha fosse o lugar mais bonito do mundo.
GRALHA – Tens esperança no coração, menino. Quem sabe o teu sonho se torne realidade. Um dia, todas as crianças do mundo visitarão esta ilha. E a tua história será contada por elas. A história do menino que vivia no meio do mar e queria ter asas… (Brincam)
GRALHA – O teu pai age como julga que é certo.
Talvez seja o medo que o faz assim. O medo cega e ensurdece os homens, fá-los ficar pequeninos e não os deixa ver para além dos muros onde vivem. É preciso tocar-lhes o coração para poderem escutar. (Por detrás da muralha do Forte, o Capitão, escondido, observa o menino e a gralha) Rapaz!… Hum, lá anda ele a falar sozinho. Aquele mariola passa o tempo a brincar com aqueles pássaros malditos… e eu com tanta coisa para lhe ensinar. Ele precisa aprender a fazer o que lhe digo. Saber disparar um canhão ou lutar com uma espada é uma arte. O rapaz tem que me obedecer… ai, tem, tem… e aquele pássaro de mau agoiro, aquela ave negra dos infernos vai desaparecer… vai desaparecer para sempre! CAPITÃO –
CAPITÃO
– Fugiu? Como é isso possível? E os guardas do cais, deixaram-no passar? SOLDADO
– Ele não usou nenhum ba... ba... barco, meu Capitão.
CAPITÃO
– Não usou nenhum barco? A nado é que ele não foi. Como é que ele pode ter fugido? Não pode ser.