Texto I Máquina de Escrever B D G Z, Remington. Pra todas as cartas da gente. Eco mecânico De sentimentos rápidos batidos. Pressa, muita pressa. Duma feita surripiaram a máquina-de-escrever de meu mano. [...]
[...] Isso também entra na poesia Porque ele não tinha dinheiro pra comprar outra. Igualdade maquinal, Amor ódio tristeza... E os sorrisos da ironia Pra todas as cartas da gente... Os malévolos e os presidentes da República Escrevendo com a mesma letra... [...]
[...] Igualdade Liberdade Fraternité, point. Unificação de todas as mãos... (...)
(ANDRADE, Mário de. Poesias completas. Belo Horizonte: Villa Rica, 1993.)
1.
Duma feita surripiaram a máquina-de-escrever de meu mano. / Isso também entra na poesia / Porque ele não tinha dinheiro pra comprar outra. Esse fragmento do texto I revela uma mudança de tom na linguagem do poema.
a) Indique em que consiste essa mudança e explique como ela se relaciona à estética modernista. b) Identifique o gênero literário empregado nesse fragmento e cite uma característica desse gênero.
Texto II
Maria Cora Uma noite, voltando para casa, trazia tanto sono que não dei corda ao relógio. Pode ser também que a vista de uma senhora que encontrei em casa do comendador T. contribuísse para aquele esquecimento; mas estas duas razões destroem-se. Cogitação tira o sono e o sono impede a cogitação; só uma das causas devia ser verdadeira. Ponhamos que nenhuma, e fiquemos no principal, que é o relógio parado, de manhã, quando me levantei, ouvindo dez horas no relógio da casa. [...]
[...] Morava então (1893) em uma casa de pensão no Catete. Já por esse tempo este gênero de residência florescia no Rio de Janeiro. Aquela era pequena e tranqüila. Os quatrocentos contos de réis permiHam-‐ me casa exclusiva e própria; mas, em primeiro lugar, já eu ali residia quando os adquiri, por jogo de praça; em segundo lugar, era um solteirão de quarenta anos, tão afeito à vida de hospedaria que me seria impossível morar só. Casar não era menos impossível. Não é que me faltassem noivas. Desde os fins de 1891 mais de uma dama, – e não das menos belas, – olhou para mim com olhos brandos e amigos. [...]
[...] Talvez por isso dei alguma atenção à Senhora que vi em casa do comendador, na véspera. Era uma criatura morena, robusta, vinte e oito a trinta anos, vestida de escuro; entrou às dez horas, acompanhada de uma tia velha. A recepção que lhe fizeram foi mais cerimoniosa que as outras; era a primeira vez que ali ia. Eu era a terceira. Perguntei se era viúva. – Não; é casada. – Com quem? – Com um estancieiro do Rio Grande. – Chama-se? – Ele? Fonseca, ela Maria Cora. – O marido não veio com ela? – Está no Rio Grande. [...]
[...] Não soube mais nada; mas a figura da dama interessou-me pelas graças físicas, que eram o oposto do que poderiam sonhar poetas românticos e artistas seráficos. Conversei com ela alguns minutos, sobre cousas indiferentes, – mas suficientes para escutar- lhe a voz, que era musical, e saber que tinha opiniões republicanas. Vexou-me confessar que não as professava de espécie alguma; declarei-me vagamente pelo futuro do país. Quando ela falava, tinha um modo de umedecer os beiços, não sei se casual, mas gracioso e picante. Creio que, vistas assim ao pé, as feições não eram tão corretas como pareciam a distância, mas eram mais suas, mais originais. (Machado de Assis. Relíquias de casa velha. rio de Janeiro: livraria Garnier, 1990).
2.
O narrador atribui a Maria Cora traços que a opõem à típica heroína do Romantismo. Aponte dois desses traços – um físico e um intelectual – e justifique por que eles não são característicos do perfil feminino romântico.
Texto III Onde estás? É meia-noite... e rugindo Passa triste a ventania, Como um verbo de desgraça, Como um grito de agonia. E eu digo ao vento, que passa Por meus cabelos fugaz: “Vento frio do deserto, Onde ela está? Longe ou perto?” [...]
[...] Mas, como um hálito incerto, Responde-me o eco ao longe: “Oh! minh’amante, onde estás?...” Vem! É tarde! Por que tardas? São horas de brando sono, Vem reclinar-te em meu peito Com teu lânguido abandono!... ‘Stá vazio nosso leito... ‘Stá vazio o mundo inteiro; E tu não queres qu’eu fique Solitário nesta vida... Mas por que tardas, querida?... Já tenho esperado assaz... Vem depressa, que eu deliro [...]
[...] Oh! minh’amante, onde estás?... Estrela – na tempestade, Rosa – nos ermos da vida; Íris1 – do náufrago errante, Ilusão – d’alma descrida! Tu foste, mulher formosa! Tu foste, ó filha do céu!... ... E hoje que o meu passado Para sempre morto jaz... Vendo finda a minha sorte, Pergunto aos ventos do Norte... “Oh! minh’amante, onde estás?...” [...]
3.
‘Stá vazio nosso leito... ‘Stá vazio o mundo inteiro;
Nos versos acima, estão presentes figuras de linguagem como recursos estilísticos.
Nomeie duas delas, explicando o efeito expressivo obtido com seu emprego.
4. No texto II, há uma forma verbal que expressa uma
súplica feita pelo eu lírico à mulher amada.
Identifique essa forma verbal e as respectivas flexões de pessoa e modo.
O dia abriu seu pĂĄra-sol bordado O dia abriu seu pĂĄra-sol bordado De nuvens e de verde ramaria. E estava atĂŠ um fumo, que subia, Mi-nu-ci-o-sa-men-te desenhado. [...]
[...] Depois surgiu, no céu azul arqueado, A Lua – a Lua! – em pleno meio-dia. Na rua, um menininho que seguia Parou, ficou a olhá-la admirado... [...]
[...] Pus meus sapatos na janela alta, Sobre o rebordo... Céu é que lhes falta Pra suportarem a existência rude! E eles sonham, imóveis, deslumbrados, Que são dois velhos barcos, encalhados Sobre a margem tranqüila de um açude... (MARIO QUINTANA. Prosa e verso. Porto Alegre: Globo, 1978.)
5.
Há no poema de Mario Quintana um mesmo sinal de pontuação – o ponto de exclamação – que aparece em versos diferentes e com sentidos distintos. Explicite o valor semântico atribuído a esse sinal em cada um dos versos.
6.
O autor utilizou nesse poema recursos formais da poesia tradicional e a eles incorporou traços caracterĂsticos da linguagem modernista. Considerando a estrutura do poema, identifique dois aspectos formais da poesia tradicional e aponte uma caracterĂstica da linguagem modernista e seu respectivo exemplo.
Romance II ou do Ouro Incansável Ladrões e contrabandistas estão cercando os caminhos; cada família disputa privilégios mais antigos; os impostos vão crescendo e as cadeias vão subindo. Por ódio, cobiça, inveja, vai sendo o inferno traçado. Os reis querem seus tributos, [...]
[...] – mas não se encontram vassalos. Mil bateias vão rodando, mil bateias sem cansaço. Mil galerias desabam; mil homens ficam sepultos; mil intrigas, mil enredos prendem culpados e justos; já ninguém dorme tranqüilo, que a noite é um mundo de sustos. Descem fantasmas dos morros, [...]
[...] vêm almas dos cemitérios: todos pedem ouro e prata, e estendem punhos severos, mas vão sendo fabricadas muitas algemas de ferro. Mil bateias1 vão rodando sobre córregos escuros; a terra vai sendo aberta por intermináveis sulcos; infinitas galerias penetram morros profundos. [...]
[...] De seu calmo esconderijo, o ouro vem, dócil e ingênuo; torna-se pó, folha, barra, prestígio, poder, engenho... É tão claro! – e turva tudo: honra, amor e pensamento. Borda flores nos vestidos, sobe a opulentos altares, traça palácios e pontes, eleva os homens audazes, e acende paixões que alastram sinistras rivalidades. [...]
[...] Pelos córregos, definham negros, a rodar bateias. Morre-se de febre e fome sobre a riqueza da terra: uns querem metais luzentes, outros, as redradas2 pedras. (MEIRELES, Cecília. Poesias completas. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1974.)
1 peneiras de madeira 2 depuradas, selecionadas
7. O poema de Cecília Meireles apresenta um tom épico e revela afinidades com as propostas que distinguiram a chamada geração de 30 da primeira geração modernista.
a) Indique duas características do poema relacionadas ao gênero épico. b) Aponte um aspecto em comum entre a perspectiva da autora sobre o país, revelada nesse texto, e a que predominou na obra de romancistas da geração de 30.