Revista #INCITARTE JANEIRO 2020 - Eduardo Martini A Incansável Fênix dos Palcos

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CARTA

DO

E DI TOR

E X P E D I E N T E Diretor de Redação: Paulo Fernando Góes Colaboradores: Bruno Bernardino Bruno Cavalcanti Cacá Valente Cláudio Martins Deolinda Vilhena Leonardo Torres Luiz Felipe Botelho Marlon Zé Paulo Neto Ubiratan Brasil Designers: Arthur Felippe Rodrigo Almada Pedro Barbosa Colunista Convidada: Vilma Melo Edição: Daniel Terra Mídias Sociais: Isabela Oliveira Marketing: Rodrigo Medeiros Produção: Wanderson Neri

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A t e r c e i r a e d i ç ã o d a Outra novidade para 2020 Revista #INCITARTE vem é o novo site do Quero recheada de conteúdo Teatro (queroteatro.com.br), interessante sobre o tea- a startup da qual fazemos tro nacional e internacio- parte. Além da comercianal. Nosso jornalista Paulo lização de ingressos proNeto conseguiu uma en- mocionais sem taxa de trevista exclusiva com conveniência, o site abriHeather Headley, estrela gará também todo o conda Broadway que tem um teúdo que antes era publiTony de Melhor Atriz em cado em incitarte.com.br. sua estante, e Deolinda A programação completa Vilhena nos deleita com da cidade também estará outra entrevista exclusiva disponível ao público, em com Thomas Jolly, o novo ordem alfabética. gênio do teatro francês. Os vídeos do Quero Teatro Enquanto isso, no Brasil, agora serão semanais, os mesmos nomes que se no YouTube, Instagram, queixam que a arte está Facebook e no próprio site. sendo atacada e que falta Mais curtos, eles trarão enpúblico no teatro carioca, trevistas, polêmicas, homenão ajudam a promover nagens, bastidores, games um veículo como este, no- e números musicais. Um toriamente sério e criado rico material para amanpara preencher uma lacu- tes do teatro que buscam na na divulgação de espe- entretenimento. Que aprotáculos teatrais. Às vezes é veitemos o verão mas que mais fácil chegar nos bas- também aproveitemos o tidores da Broadway do que o teatro oferece de que no teatro da esquina melhor pra assistir! É só nade casa. Infelizmente. vegar por nossas redes e escolher. Bons espetáculos! Se nosso caminho até a versão impressa e mensal parece distante na cidade maravilhosa, a versão paulista (ainda digital) da Revista #INCITARTE é uma realidade bem mais próxima. Talvez até, já na próxima edição. O público paulista é muito mais generoso e os produtores de lá, no primeiro contato com nosso trabalho, entenderam logo o valor Paulo Fernando Góes aqui agregado. DIRETOR DE REDAÇÃO


ÍNDICE 6 | ENTREVISTA Entrevista exclusiva com HEATHER HEADLEY, a estrela da Broadway de musicais como “Aida”, “The Lion King”, “The Color Purple” e “The Bodyguard”, em Londres.

10 | EM BOA COMPANHIA Conheça Jacyara de Carvalho e PV Israel, atores da Cia Bagagem Ilimitada, responsável pelo sucesso “Furdunço do Fiofó do Judas”, indicado em 3 categorias do Prêmio do Humor.

17 | EVOÉ Confira as últimas novidades do teatro carioca por Leonardo Torres, do Teatro em Cena.

18 | REGISTRO Cia “Os Melhores do Mundo” disponibiliza nas mídias digitais o acervo de seus espetáculos registrados em DVD.

20 | CINEMA Estreia no cinema o musical da Broadway, “Cats”. No Brasil, Dulcina de Moraes e Sergio Britto ganham filmes documentais.

24 | NA COXIA Os desafios da gestão teatral no Rio de Janeiro em 2019 e as expectativas para 2020.

36 | MEU OFÍCIO Filomena Mancuzo e Diego Teza discorrem sobre o ofício da produção teatral e da tradução, respectivamente.

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EDUARDO MARTINI

A INCANSÁVEL FÊNIX DOS PALCOS Drama, comédia, gestão teatral e indicação a prêmios. Confira a matéria completa sobre Eduardo Martini, assinada por Bruno Cavalcanti.

82 52 | HOLOFOTES Quem são os nomes de destaque na atual cena teatral.

TEATRO PELO MUNDO

TEATRO NA WEB Voltado para atores, conheça o Teatro Essencial on-line de Denise Stoklos.

56 | NEW YORK

“Moulin Rouge!”: com músicas do filme e do universo pop, a superprodução finalmente estreia na Broadway e divide a opinião dos diretores Ulysses Cruz e Marcio Azevedo.

60 | LONDRES O sucesso da experiência imersiva de “O Lobo de Wall Street” e a remontagem de “Tio Vânia” no West End.

62 | PORTUGAL Com mais de 40 anos de estrada, a Companhia TIL (Teatro Infantil de Lisboa) apresenta “Heidi O Musical”, em 10 sessões semanais.

64 | PARIS Deolinda Vilhena conta quem é Thomas Jolly, o gênio do teatro francês que virá ao Brasil em 2020.

70 | BUENOS AIRES

“Don Gil de Las Calzas Verdes”: comédia de encontros e desencontros estreia em janeiro.

72 | TEATRO PELO BRASIL O dramaturgo Luiz Felipe Botelho fala sobre o teatro na capital pernambucana no espaço tempo de uma lauda.

74 | PONTE AÉREA Quatro dicas de espetáculos para assistir em São Paulo, por Ubiratan Brasil, jornalista do Estado de S.Paulo.

76 | PALAVRA DE CAMAREIRA Maquiador e camareiro Valtinho conta sobre o dia em que esqueceu o vestido de Lana Lee, personagem de Edwin Luisi em “Tango, Bolero e Cha Cha Cha”, no congelador do hotel.

78 | NAS REDES Confira os posts do réveillon de Mariana Xavier, Carolina Dieckmann, Daniela Mercury, Bruno Cabrerizo, Claudia Raia, Jarbas Homem de Mello, César Boaes e Adeílson Santos.

84 | LEITURA DE PALCO Gerald Thomas lança “Um Circo de Rins e Fígado”, livro com 24 peças de sua autoria.

90 | MÚSICA No palco sem personagens: estrelas do teatro musical, Juliane Bodini, Beto Sargentelli e Sabrina Korgut estreiam em shows solo.

93 | UMA PEÇA QUE NOS MARCOU Ivan Parente fala sobre sua experiência trabalhando com Marília Pêra e Miguel Falabella em “Alô, Dolly!”.

94 | ESPECIAL Conheça os vencedores do DID, o Prêmio Destaque Imprensa Digital, que celebra os destaques do Teatro Musical.

100 | VAQUINHAS Com financiamento coletivo permanente, o Teat(r)o Oficina Uzyna Uzona, de José Celso Martinez Corrêa, em São Paulo, pede ajuda para manutenção dos seus gastos fixos.

102 | COLUNISTA CONVIDADA A atriz e diretora Vilma Melo disserta sobre representatividade nos palcos cariocas em 2019.

86 TV

“O Cravo e a Rosa”: novela ganha bem-sucedida adaptação teatral, protagonizada por Izabella Bicalho.


O PODER DE HEATHER HEADLEY Vencedora do Grammy e do Tony Awards, estrela da Broadway concede entrevista exclusiva e opina sobre a arte no Brasil Por PAULO NETO

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Heather Headley. FOTO: Divulgação.

ENTREVISTA


ENTREVISTA

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eather Headley nasceu na ex-colônia britânica Trinidad e Tobago (pertinho do Brasil) mas radicou-se, desde adolescente, nos Estados Unidos. Filha de um pastor, sempre esteve em contato com a música. Aos 4 anos, começou a tocar piano. A atriz, cantora, compositora e produtora musical acaba de completar 45 anos e tem no currículo uma exultante carreira. Foi Nala, no elenco original de “O Rei Leão” da Broadway, em 1997. Dois anos depois, ganhou o Tony de Melhor Atriz em “Aida”. Em 2009, ganhou o Grammy de Melhor Álbum R&B Gospel Contemporâneo. Em 2012, foi indicada ao Olivier Awards pela atuação como Rachel Marron, na montagem londrina de “The Bodyguard” (O Guarda-Costas). Em 2016, retornou à Broadway, depois de 17 anos, para assumir o papel de Shug Avery, que havia sido de Jennifer Hudson no revival de “A Cor Púrpura”. Atualmente, está terminando as filmagens da série “Sweet Magnolias”, baseada no romance de Sherryl Woods, sobre a intensa amizade entre três mulheres, desde a adolescência à idade adulta, na Carolina do Sul. Uma história de sororidade e força feminina. Na entrevista que Heather concedeu com exclusividade à Revista #INCITARTE, ela fala sobre sua transição, do palco para o streaming, além de sua temporada como Shug Avery em “A Cor Púrpura”. A atriz ainda sonha em interpretar Maria, de “A Noviça Rebelde” e confessa que não sabia do atual momento que o Brasil vive em relação às produções teatrais. O musical “A Cor Púrpura” foi um sucesso no Rio de Janeiro e agora está em cartaz em São Paulo. Conte-nos um pouco sobre sua experiência quando fez parte do elenco, na montagem da Broadway, há quatro anos. Heather Headley: Que felicidade saber que “A Cor Púrpura” está sendo bem-sucedido no Brasil! É uma história muito dolorida, mas belíssima. Dessas que preenchem nossos corações. Um musical sobre resiliência e força feminina, mas que também atinge qualquer ser humano, de qualquer gênero ou idade. Tive uma experi-

ência muito engrandecedora quando fiz parte do elenco, em 2016, em Nova York. John Doyle, nosso diretor, rapidamente, tornou-se um dos melhores diretores com quem já trabalhei. Uma das melhores pessoas com quem já colaborei, dentro e fora do palco. Aprendi muito com

ele e com aquele elenco fabuloso. Nós éramos uma família maravilhosamente divertida e positiva. Nós éramos uma igreja, às vezes: extraímos luz sempre. Éramos irmãos, colegas e fazer parte de “A Cor Púrpura” foi um dos meus melhores trabalhos. Heather Headley em “A Cor Púrpura” (2016) como Shug Avery. FOTO: Matthew Murphy.

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Como Nala, com Jason Raize. Heather integrou o elenco original de “O Rei Leão” (1997) na Broadway. FOTO: Joan Marcus/Disney.

Você está filmando agora a série “Sweet Magnolias”, para a Netflix. Como foi fazer esta transição do palco para a tela? HH: É uma disciplina completamente diferente e de muito prazer. São horas e horas de filmagens e meu cérebro é desafiado o tempo todo com novas cenas e novos diálogos, a cada dia, mas tem sido uma experiência muito divertida. É uma equipe talentosa e terei muita saudade deles quando encerrarmos estes dias de gravações.

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O teatro musical é sua grande paixão? Você pretende direcionar sua carreira para plataformas paralelas, como o streaming e também o cinema? HH: É como ter vários filhos. Você pode até se sentir mais próxima de um ou de outro, mas nunca você escolheria apenas um, em detrimento de outro. Entretanto, se eu fosse forçada a escolher, seria sempre o canto. Um veículo onde eu pudesse cantar. O canto é o meu filho mais velho e com o qual não viveria sem.


ENTREVISTA Você terá cenas cantando na série “Sweet Magnolias”? HH: Quando estrear você verá (risos). Com Sherie Rene Scott e Adam Pascal em “Aida” (1999), musical com canções de Elton John e Tim Rice que lhe rendeu o Tony de Melhor Atriz. FOTO: Greg Gorman.

Qual papel do teatro musical você ainda tem vontade de interpretar? HH: Nossa, acho que Maria, de “A Noviça Rebelde”. Mas já sou inteiramente grata por todas as mulheres guerreiras que pude interpretar.

Com Lloyd Owen no musical “O Guarda-Costas” (2012), em Londres, onde viveu o papel que imortalizou Whitney Houston. FOTO: Geraint Lewis.

Você sabia que o Brasil é o terceiro celeiro mundial de musicais (depois da Broadway e do West End) e que as produções correm o risco de serem drasticamente diminuídas por conta das novas diretrizes do governo atual? HH: Eu não sabia. Que complicado este momento para vocês. Infelizmente, a cultura é uma das mais atingidas quando um governo começa a redirecionar gastos. Entretanto, eu acredito que sempre existirão patrocinadores e entusiastas da arte que estarão sempre apoiando. Tenho essa crença positiva. Eles conseguirão manter a arte viva. E o Brasil é um país com expressão artística forte e mundialmente conhecida. Então, acho que a arte estará sempre segura no país de vocês

POR: PAULO NETO

Jornalista, crítico de teatro e cinema. Colaborou com as revistas Drops Magazine e Aimé. Jurado do Prêmio Guarani de Cinema-RS e votante do Prêmio Cenym de Teatro.

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CIA BAGAGEM ILIMITADA COMPLETA CINCO ANOS COM FÔLEGO E RESISTÊNCIA Grupo se destacou na cena carioca com o musical “Furdunço do Fiofó do Judas”, indicado em 3 categorias ao Prêmio de Humor Por BRUNO BERNARDINO

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ompanhias teatrais costumam ser feitas à base de sonhos – quem as constrói costuma ser muito apaixonado pela arte de fazer teatro. É o caso da dupla de amigos Jacyara e PV Israel, que trabalharam juntos em uma livraria. Em meio aos livros, começaram a fomentar a ideia do que viria a se tornar a “Companhia Bagagem Ilimitada”, que tem como proposta a construção de uma dramaturgia que alie a pesquisa de linguagem à lite-

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ratura e abarque a abordagem de temas que motivem seus integrantes. Assim foi com “Cotidianas”, que marcou a estreia do grupo em 2015. A montagem, inspirada em livros de Heloísa Seixas e Edney Silvestre, tinha como um de seus temas a perda de memória e a convivência de três senhoras, sendo uma homofóbica e outra travesti. A proposta se manteve na webserie “Jurema home house”, criada pelo grupo, assim como nas encenações


EM BOA COMPANHIA

Em cena de “Furdunço do Fiofó do Judas”, musical costurado pelas emblemáticas músicas da Rainha do Xaxado, Marinês. FOTO: Eitô Muniz.

de “Chilenos ou franceses” (2016) e na de “O mar já não existe” (2017). Antes disso, ainda em 2014, a companhia foi contemplada com o Prêmio Troféu Giostri Editora, pela peça “Funeral de Nininha”, um de seus primeiros trabalhos. Além dos espetáculos que mantêm em seu repertório, a dupla trabalha com contação de histórias em escolas, editoras, praças públicas e até ônibus, em um projeto itinerante que realizaram com a empresa 1001. A última

peça realizada pelo grupo foi “Furdunço do Fiofó do Judas”, um musical com dramaturgia autoral que traz à cena a cultura popular nordestina costurada pelas músicas de Marinês, cantora e compositora pernambucana, conhecida como a Rainha do Xaxado. Confira a seguir a história do grupo na entrevista que a Revista #INCITARTE realizou em comemoração aos cinco anos do grupo, completos em 2 de fevereiro, dia de Iemanjá.

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EM BOA COMPANHIA Em apresentação em praça pública, em um de seus trabalhos com contação de histórias. FOTO: Bruno Souza.

Como foi o começo dessa história? Jacyara: Nos conhecemos na Livraria Travessa do Leblon, em 2014. Eu comecei a fazer teatro aos cinco anos e estava no meu primeiro trabalho fora da arte. Quando conheci o PV, a gente se afinou em um primeiro momento e já nos tornamos amigos. Dividindo trajetórias pessoais: eu com minha experiência de teatro em Brasília, o PV fo r m a d o n a CA L . Percebi que havia muito em comum entre nós, mas estava resistente em formar uma parceria, porque já vinha de companhias que não tinham dado certo. O PV não desistia e, ficava me falando para unirmos nossas forças e eu, muito canceriana, tinha medo que não desse certo. Mas de tanto ele insistir, acabei topando e aqui estamos”. PV: Ali começou nossa história e hoje, nossa afinação é tamanha, que a gente escreve junto e eu não sei mais o que é meu e o que é da Jacyara. Criamos uma conexão muito afinada. A cada jornada, nós chamamos parceiros para participarem do projeto conosco, mas a princípio, somos apenas nós dois.

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Vocês já foram contemplados com o apoio financeiro de patrocínios ou editais? Jacyara: A gente entende que isso [a falta de verba para realização de peças] não é um problema só nosso, todo mundo está trabalhando na raça e na resistência. Então fizemos como muitas produções que hoje em dia recorrem às vaquinhas, pois este é um movimento que não é só da Bagagem Ilimitada. Fazemos tudo na ousadia, apostando na ideia e no nosso amor pela cultura popular brasileira e, especificamente em “Furdunço”, a cultura popular nordestina! Para nossa próxima temporada de “Furdunço”, que talvez aconteça em março, estamos tentando editais. PV: Todo mundo no Rio e s t á n e s s a l o u c u ra d e falta de grana. Para rea-

lizar “Furdunço do Fiofó do Judas”, não tivemos patrocínio e fizemos um empréstimo que ainda estamos pagando. A r re c a d a m o s d i n h e i ro com amigos e familiares. Fizemos uma vaquinha. Não se consegue fazer nada sozinho. Nós estamos em um momento de resistência no máximo que essa palavra pode significar. Se a gente não abraça as pessoas que estão próximas e vamos juntos para ganhar lá na frente, nós não conseguimos tirar nenhum projeto do papel. Nós vínhamos em um processo de fazer muitas peças pequenas, sempre nos apresentando em porões e teatros pequenos. Quando terminamos “O mar já não existe”, decidimos dar um passo maior. Foi um clique, pois não nos vemos mais como amadores. Ambos vivemos da nossa companhia, vivemos de teatro.


EM BOA COMPANHIA

Como manter acesa a chama do teatro em um grupo quando não se está em cartaz com um espetáculo? PV: Nós estamos sempre na ativa. Não temos mais 20 anos. Eu e Jacy já conversamos muito de que precisamos ressignificar nosso trabalho. A gente trabalha com teatro, passa vários perrengues. Mas precisamos trabalhar. Então, eu e Jacy já trabalhamos como camareiros, já fui diretor de palco, maquiador, operador de som. Vamos fazendo dinheiro dessa maneira. A gente não trabalha só pensando “temos uma companhia, estamos no palco”, mas atuando em várias frentes. Somos ope-

rários. A “Bagagem” possui vários braços. Jacyara: Há muito a ser dito. Não vão derrubar a gente. Por mais que passemos dificuldades, há muito a ser feito, há muito o que se manifestar, há muita arte a ser criada. Nosso discurso social, artístico e político está em todo nosso trabalho. É uma sede de continuar falando e transformar a realidade que vemos e vivemos em arte. E assim, com leveza, levar uma mensagem de positividade e reflexão. Dá para passar boas mensagens de uma forma leve, gostosa e prazerosa. Mas que faça as pessoas saírem do espetáculo reflexivas, que as faça pensar.

“Furdunço do Fiofó do Judas”: peça deve estrear nova temporada em 2020. FOTO: Eitô Muniz.

Como foi o processo de construção da dramaturgia inédita de “Furdunço do Fiofó do Judas”, que é costurado pelas canções de Marinês? PV: Foi uma loucura! Todos os textos da Bagagem são autorais e precisam fazer algum sentido para a gente, passar uma boa m e n s a g e m , s e m f a ze r panfletagem. Não temos p ro b l e m a n e n h u m e m descartar textos, não temos apego. E começamos nesse processo de pesquisa, mas percebemos que o texto não estava compondo. Um dia, fomos para casa e abrimos um vinho, nos perguntando o que poderia ser legal. Na época eu estava trabalhando como diretor de palco e a Jacy como camareira, para juntar dinheiro e pagar as

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EM BOA COMPANHIA contas. Ficamos nos perguntando o que a gente gostaria de ver em um musical. Foi o nosso primeiro musical! Começamos pensando que gostaríamos de falar sobre a força feminina, dali delineamos quem seria o vilão da história... E aí fomos brincando. A Jacy ficou mergulhada no folclore e cultura nordestina, estudando durante cinco meses, enquanto eu ouvia música. Um dia, em casa, eu ouvi “Peba na Pimenta”, da Marinês. Ela foi a primeira mulher a cantar forró, na década de 50 e tem uma história belíssima. Jacyara: E nesse instante, tudo casou. Decidimos que o vilão deveria ser o diabo. E como o diabo é uma alegoria, pensamos “a quem recorrer contra ele?” e vieram as quatro prostitutas que precisam ser fortes para lutar contra o mal. Há toda uma mensagem por trás, da força feminina e a luta contra a opressão, mas de uma forma leve e divertida.

Devido ao sucesso de “Furdunço”, a Bagagem Ilimitada posteriormente apresentou o “Furdunço Forró Show”. FOTO: Samyta Nunez.

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Como tem sido o trabalho da Cia com contação de histórias? Jacyara: Temos cerca de 50 histórias autorais, sobre os mais variados assuntos: sobre bullying, sobre a questão dos indígenas, por exemplo. Contando histórias lúdicas conseguimos representar situações da vida real que necessitam de reflexão. Já fizemos contação em editoras, praças, dentro de ônibus itinerante, escolas. Tem sempre essa procura e estamos atentos para renovar sempre nossas histórias. Recentemente, fomos chamados para contar histórias de Monteiro Lobato, para que as crianças passem a ler o autor. Mas é preciso pensar que as histórias dele muitas vezes têm cunho racista e, por isso, é preciso reimaginá-las sob a óti-

ca atual. Então trouxemos uma nova temática: estávamos andando e encontramos a Emília sentada em uma praça em Botafogo. Nessa hora, as crianças se surpreendem: “A Emília?!” E prosseguimos a história: acontece que a Emília diz que desde que Monteiro Lobato escreveu o “Sítio do Pica-pau Amarelo” muita coisa mudou na cabecinha dela. Ela viu que a realidade é diferente, que as florestas estão sendo destruídas, que é preciso cuidado na forma como chamamos as pessoas (por exemplo, a Tia Anastácia). Dessa forma, estimulando as crianças a lerem Monteiro, por ter sido um autor importante na literatura infantil brasileira, mas repensando-o no contexto atual. É preciso reinventar o que já foi feito.


EM BOA COMPANHIA

Em tempos de polarização política como o que o país está vivendo, vocês já sofreram algum embate ao abordarem temas controversos? PV: Nunca. É uma preocupação nossa não fazer panfletagem. Nosso trabalho já é político. Fazemos uma extensa pesquisa para construir nossos textos e, felizmente, conseguimos passar nossa mensagem sem ter embate. Não temos problema nenhum com o embate. A peça “O mar já não existe” era um espetáculo sem falas, que se passava em um porão em um ambiente de guerra. Falava da questão tão latente nos dias de hoje da violência contra a mulher. O público foi muito variado, pessoas da extrema esquerda à extrema direita e todos tiveram a mesma reação de tensão pelo que assistiam. Eu fico com receio de falar qualquer coisa no final da peça, por exemplo. É preciso ter muito cuidado com o que é dito no término, pois

nosso desejo é que a peça termine e a pessoa vá para casa refletindo sobre o que assistiu, com seus próprios pensamentos. Jacyara: “Cotidianas” se passa em um asilo e há duas personagens que são muito amigas: uma senhora homofóbica e outra travesti. A partir dessa amizade, conseguimos atingir diferentes pessoas com seus pensamentos e preconceitos e fazê-las se enxergar naquelas personagens. Em “Chilenos e franceses” falamos sobre a banalização da morte por causa da busca pelo poder... A personagem assassinava seu marido e depois viajava para Paris tomando champanhe com o dinheiro dele. São temas que estão muito em voga e precisam ser discutidos.

Jacyara em “Chilenos e Franceses”, uma das peças do catálogo da Bagagem. FOTO: Daniel Debortoli.

POR BRUNO BERNARDINO Formado em Jornalismo pela Universidade Veiga de Almeida. Com especial interesse por tudo que envolva cultura e artes, atualmente cursa Artes Visuais na Universidade do Estado do Rio de Janeiro.

Quais são os planos para o futuro da Cia? PV: Estamos em processos. Estamos finalizando um musical de música brega que está bem legal. Ajudamos na produção de “A Hora da Estrela”, que esteve em cartaz em dezembro no Teatro Gláucio Gill. E estamos pensando em um novo projeto nosso, além dos outros inúmeros trabalhos que nos envolvemos.

Jacyara: Estamos com uma ideia bem legal, em fase de pesquisa para esse projeto em que falaremos sobre o consumo. Mas o consumo de tudo, desde o plástico que utilizamos quando bebemos uma garrafa de água ao consumo de pessoas (como a gente consome a si mesmo e aos outros), ao consumo

do mundo em geral. Já está claro para nós que precisaremos pensar até em como produzir isso, já que o consumo está em tudo! Desde o papel em que escrevemos as ideias à energia elétrica que usaremos no teatro, por exemplo. E, em breve, iniciaremos nova temporada de “Furdunço”!

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EVOÉ TAL PAI, TAL FILHO O ator Diego Montez viverá um grande desafio em sua carreira: interpretar o pai, Wagner Montes, no musical “Silvio Santos Vem Aí”, previsto para chegar aos palcos em março em São Paulo. “Está sendo muito emocionante, uma experiência muito doida”, diz Diego. Ele já passou por um workshop e por um teste de caracterização. “O momento de maior emoção para mim foi no teste, quando o pianista começou a tocar o ‘Wagner Montes lá lá lá lá’. Ali deu um baquezinho. Teve gente na banca que chorou. Eu chorei”, confidencia. Diego Montez. FOTO: Reprodução Twitter.

DE PORTAS ABERTAS

QUESTIONANDO PADRÕES

Afastado dos musicais desde 2009, Rodrigo Pandolfo não descarta a possibilidade de voltar a cantar no teatro. “Acho que nenhum outro musical ‘me chamou’. Daqui a pouco, sinto que algum musical vai me chamar e eu vou fazer novamente. A porta não está fechada. Quero mais é cantar à vida!”, diz o artista. Atualmente, ele pode ser visto no cinema como o Juliano de “Minha Mãe É Uma Peça 3”.

A nova peça da dramaturga Renata Mizrahi é o infantil “Gabriel Só Quer Ser Ele Mesmo”, que questiona os padrões de gênero impostos pela sociedade, através de um menino criado só por mulheres, tão interessado em balé quanto em futebol. “A hipermasculinização e hiperfeminilização se impõem às crianças desde o começo da vida. Com este espetáculo, quero provocar a reflexão sobre o quanto deixamos as crianças serem quem são”, adianta a autora.

POR: LEONARDO TORRES

Rodrigo Pandolfo FOTO: Jeff Segenreich / Divulgação

Jornalista cultural, escritor e crítico teatral com mestrado em Artes da Cena. É fundador do site Teatro em Cena, redator do Portal POPline e jurado do Prêmio Brasil Musical.

COM A BENÇÃO DE DONA FERNANDA Também vencedor de diversos prêmios, o monólogo “Ricardo III” reestreia neste mês de janeiro no Teatro Poeirinha, em Botafogo. Fernanda Montenegro já assistiu e indica o espetáculo: “todas as glórias para Gustavo, pela inteligência, pela qualidade de ator, pela coragem de enfrentar um texto dessa ordem e nos prender o tempo todo com tanta integridade e com tanto talento!”.

DUZENTOS LIKES André Loddi recentemente usou o Instagram para reclamar de algo que outros artistas de teatro já haviam tornado público: o número de seguidores como critério para escalação de elencos. “Tô perdendo trabalho pois não tenho ‘ks’ o suficiente. (...) Aí quando divulgo minhas peças ou trabalhos não chego a 200 likes”, escreveu. O ator tem 25,6 mil seguidores. Não é pouco!

TOM NO PETRAGOLD A superpremiada montagem brasileira de “Tom na Fazenda” caminha para seu quarto aniversário em cartaz. O espetáculo, eleito o melhor de 2019 pela APCA - Associação Paulista de Críticos de Artes, já está com uma nova temporada marcada no Rio de Janeiro. Será em fevereiro no Teatro PetraGold, o antigo Teatro do Leblon. Tom na Fazenda FOTO: José Limongi/Divulgação.

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REGISTRO

“OS MELHORES DO MUNDO” NOS MEIOS DIGITAIS Prestes a lançar filme de sua peça mais famosa, Companhia “Os Melhores do Mundo” disponibiliza material na Internet Por REDAÇÃO

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Cia. de Comédia “Os Melhores do Mundo” chega ao seus 25 anos colecionando risadas das diversas plateias que os assistem. Os números não negam. São mais de 648 mil curtidas no Facebook e 61,2 mil seguidores no Instagram. O já considerado clássico personagem Joseph Klimber (interpretado por Welder Rodrigues) foi tão assistido que virou figura do imaginário popular. “Os Melhores do Mundo” se reuniram em

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1995, em Brasília, quando o grupo “A Culpa É da Mãe” (1991-1995) se desfez. Os fundadores Adriana Nunes, Ricardo Pipo e (o já citado) Welder Rodrigues, juntos desde a peça “A Culpa é da Mãe” (1991), se uniram a Adriano Siri, Jovane Nunes e Victor Leal. Em 2000, de mudança para o Rio de Janeiro, a trupe passou a fazer trabalhos na televisão, em programas como “Casseta e Planeta”, “Zorra Total”, “ M a l h a ç ã o” e “ L i n h a Direta”. Essas apre-

sentações impulsionaram a visibilidade do grupo, tornando-os conhecidos nacionalmente. Na onda de sucessos, vieram peças como “Hermanoteu na Terra de Godah” (1995), “Sexo – A Comédia” (1996), “ Not í ci a s Po p u l a re s” (1997) e “Dingou Béus” (1998). Em tempos de internet, a Cia. disponibiliza muito de seu material no Youtube (youtube.com/ ComediaMM). Confira um pouco do que você pode encontrar na página deles a seguir:


REGISTRO

Documentário sobre os 18 anos do grupo: Quando completaram 18 anos de existência, o grupo reuniu seus integrantes para relembrar a h i s tó r i a c o n s t r u í d a . Gravado em Nova Iorque, o resultado está disponível no Youtube, em um vídeo de pouco mais de 35 minutos com depoimentos que contam não só a história do grupo, mas como foi o processo (que durou uma semana) da criação do espetáculo “Sexo – A Comédia”. E n c o nt re e m : ht t p s : // www.youtube.com/watch?v=yjhVjH71Lm0

Especial de Natal Dingou Béus: Com mais de 2 milhões de visualizações desde que foi postado, em 2017, a peça Dingou Béus está na íntegra na página do grupo. h t t p s : // w w w.y o u t u b e . com/user/ComediaMM/

Sexo – A Comédia: Gravado em 2013, no New World Stages, em Nova Iorque, o show de 1h20 está completo no canal da compania no Youtube . https://www.youtube. com/watch?v=DRxQb5V7uOQ

He r m a n ote u n a Te r ra de Godah: Apresentado há 23 anos pela companhia, é um dos maiores e mais longínquos sucessos do grupo, que disponibiliza vários trechos da peça em sua página no Youtube. Podemos rir com Micalatéia e a saga de Hermanoteu, um obediente bom pastor do tempo do Antigo Testamento da Bíblia. O sucesso do espetáculo rendeu a ele um DVD e prêmios, como o de “Melhor espetáculo de comédia”, no Prêmio Smiles do Humor Brasileiro. O filme da peça tem direção de Homero Olivetto (responsável pelo roteiro de Bruna Surfistinha).

Me l h o re s B a n d a s d o Mundo: Na comemoração de 20 anos, o grupo reuniu diferentes bandas para interpretarem os sucessos musicais da companhia. Participaram do projeto bandas como: Raimundos, Maskavo, Criolina, Madrigal de Brasília, Móveis Coloniais de Acaju e Plebe Rude.

FOTOS: Divulgação

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CINEMA

“CATS”: DA BROADWAY AO CINEMA Clássico de Andrew Lloyd Webber ganha as telonas com estrelas como Jennifer Hudson, Taylor Swift, Ian McKellen e Judi Dench Por REDAÇÃO

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versão cinematográfica de “Cats” acaba de ser lançada (em 20 de dezembro de 2019), sob direção de Tom Hooper (o mesmo que fez o magistral “Les Misérables”). Com um elenco estelar, o filme é uma adaptação de Andrew Lloyd Webber, do fenômeno felino do poeta T. S. Eliot, baseado no musical homônimo. Entre as estrelas internacionais presentes estão a ganhadora do Oscar, Jennifer Hudson, a popstar Taylor Swift, os atores James Corden, Idris Elba e Rebel Wilson, o cantor Jason

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Derulo, Ray Winstone, os veteranos Ian McKellen e Judi Dench, a dançarina do Royal Ballet, Frankie Hayward, entre outros. O filme, um musical de comédia dramática, conta a história de uma tribo de gatos chamada Jellicles, que todo ano precisa tomar a grande decisão de escolher um dos gatos para ascender para o Heaviside Layer, e conseguir uma nova e melhor vida. Cada um dos gatos conta a sua história para a líder e anciã, Deuteronomy, interpretada por Judi Dench.

O cenário do filme era muito maior do que os atores, para que estes estivessem na perspectiva dos gatos. FOTO: Divulgação.

Para transformar os atores nos memoráveis gatos do musical, o diretor Tom Hopper utilizou um processo em tela verde que nomeou de “pelagem digital”, para criar uma transformação perfeita. O design dos sets é um caso à parte, com todo o cenário de três a quatro vezes maiores que os atores, para que estivessem na perspectiva dos gatos. A popstar Taylor Swift, como a personagem Bombalurina. FOTO: Divulgação.


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“No centro deste incrivelmente divertido, cômico e fantástico musical, há uma história muito oportuna sobre a importância da inclusão e da redenção”, conta o diretor, Tom Hopper. “Dirigir ‘Cats’ é como dirigir um grupo de atletas de nível internacional. Pessoas como ‘Le Twins’, talvez os dançarinos de hip hop mais famosos do mundo. E Frankie Hayward é incrível! Uma das melhores bailarinas do mundo e bailarina

principal do Royal Ballet”. Para Jennifer Hudson, é a música que a conecta à arte. “Eu cresci cantando na igreja e, por lá, é assim que nos conectamos e relacionamos. Por meio da música. Quando eu soube que participaria de ‘Cats’, a pressão foi quase imediata”, revela a atriz e cantora no papel de Grizabella. Taylor Swift lembra-se que, desde suas primeiras

lembranças de infância na Pensilvânia, já atuava. “Eu adorava ser teatral, contar uma história e sempre trouxe esse elemento narrativo para os meus shows”, diz. Ela é responsável, ao lado de Andrew Lloyd Webber (ganhador do Oscar pela música ‘You must love me”, do filme ‘Evita’), pela nova composição feita especialmente para o filme, “Beautiful Ghosts”. “É um musical atemporal”, conclui a popstar, que interpreta a

Jennifer Hudson, ganhadora do Oscar pelo filme “Dreamgirls”, interpreta Grizabella. FOTO: Divulgação.

personagem Bombalurina. A veterana e conhecida das telas, Judi Dench, se emociona ao lembrar que participou e passou para o elenco de “Cats”, em 1981, porém antes da estreia lesionou seu tendão de aquiles, o que a impos-

sibilitou de prosseguir na produção. “Pensei que fosse o fim da minha história com ‘Cats’, mas acabou não sendo”, orgulha-se. Participando como ator em seu primeiro filme, Jason Derulo conta que sempre

foi obcecado por canto e dança. “Comecei na cozinha, praticando o moonwalk. E acredito que nesta vida precisamos escolher algo que gostemos tanto que queiramos fazer o tempo todo”, diz o recém ator, que interpreta no filme o JANEIRO 2020

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papel de Rum Tum Tugger. O ganhador do Tony Award, Andy Blankenbuehler, foi o coreógrafo responsável pelas danças no filme, que foram ensaiadas diariamente à perfeição das telas. Ele usou como base a coreografia original de Wayne McGregor, não sem dar seu toque pessoal em novos movimentos. A cereja final deste “bolo” de dança, música e atuação fica a cargo de Steven Spielberg, que assina a produção executiva do filme.

Judi Dench havia participado da audição para “Cats” em 1981, mas agora, em 2019, brilha como a anciã e líder do bando, Deuteronomy. FOTO: Divulgação.

VEM AÍ...

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olecionando elogios do público no Festival do Rio em dezembro do ano passado, o documentário “A Última Gravação” trouxe imagens inéditas dos últimos quatro anos de vida do ator, diretor e produtor Sergio Britto. De Isabel Cavancanti e Célia Freitas, o filme apresenta uma faceta mais íntima de Sergio, distanciada da imagem intelectual do apresentador do programa “Arte com Sergio Britto”. Em uma das passagens, Sergio conta que uma vez urinou em cena quando fazia a

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FOTO: Divulgação.

A última gravação

peça “Ato sem palavras 1”, de Samuel Beckett, e então passou a usar fralda durante as apresentações. Em outra, o ator revela seu despudor na busca por sexo, aos 87 anos: “Cheguei em uma cidade e procurei saber: Onde se trepa nesse lugar? Perguntaram se queria homem ou mulher. Disse:

prefiro que seja homem”. O documentário é resultado de mais de 50 horas de gravações, entre 2008 e 2011. A diretora e narradora do filme, Isabel Cavalcanti, estava dirigindo uma peça com Sergio e tão logo o espetáculo ganhou o palco, as câmeras começaram a rodar. Ele abriu as portas


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Dulcina

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documentário é uma homenagem à atriz, diretora e produtora Dulcina de Moraes. A diretora Glória Teixeira utilizou como fonte de informações os depoimentos de famosos artistas, imagens de arquivo e pesquisas que ajudaram a elucidar a dimensão do que foi a vida da brilhante Dulcina, falecida em agosto de 1996. No elenco, Françoise Forton, Bidô Galvão e outros. Para a Revista #INCITARTE, a diretora Glória Teixeira declarou: “Quando comecei a escrever o filme “Dulcina”, tinha a intenção de homenagear e contar a quem vier assistir quem foi e continua sendo Dulcina de Moraes – uma mulher

FOTO: Divulgação.

de seu camarim e de sua casa para falar da vida, das amizades, da velhice, da morte e, sobretudo, do profundo amor pelo teatro. A amizade com a diretora perdurou até o fim da vida de Sergio. “Nossa relação transitou por vários lugares, de amigo, filho, ator, um companheiro artístico visceral.”, pontua Isabel. O filme ainda não tem previsão para entrar em cartaz no circuito.

batalhadora, forte, decidida, à frente do seu tempo, visionária. Dulcina não pensava somente em ser uma artista famosa, mas direcionava suas habilidades a formar pessoas e se entregou a esse sonho. Quando comecei a gravar os depoimentos, fui notando que além da Dulcina, eu apresentava também dezenas de artistas, ícones da cultura brasileira, falando sobre suas vidas pessoais - não enquanto personagens -, relatando suas experiências, falando de como construíram sua história ao lado da grande mestra. E estes, por sua vez, também são pilares da

construção do teatro brasileiro. Num terceiro momento, já da edição, com 40 horas aproximadas de gravação, o editor Pablo Ferreira e eu traçamos um documento que retrata as principais mudanças que ocorreram no teatro brasileiro desde a década de 30 até os momentos atuais. O filme mostra a imensa contribuição dada por essa mulher ao país, não apenas às pessoas ligadas ao fazer artístico e cultural, mas a um povo, pois se faz conveniente conhecermos e homenagearmos os grandes nomes que marcaram nossa história.”

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GESTÃO TEATRAL:

OS DESAFIOS DE 2019 E AS EXPECTATIVAS PARA 2020 Entrevistamos os gestores do Teatro PetraGold, Clara Nunes e Espaço ABU para conhecer a visão empresarial destes espaços artísticos Por BRUNO BERNARDINO

G

erir um teatro não foi fácil em 2019. É o que mostrou a entrevista que a Revista #INCITARTE realizou com gestores de três distintos espaços no Rio de Janeiro – o Espaço Abu, recém-inaugurado em Copacabana, o Teatro PetraGold (antigo Teatro do Leblon, reaberto em junho após um período de casa fechada) e o Teatro Clara Nunes, no shopping da Gávea, que este ano completa 43 anos. Nas entrevistas, foram abordadas questões como a atual desvalorização do preço do ingresso e a consequente desvalorização da arte e do artista e a atual necessidade do naming rights, o processo em que os teatros são rebatizados com o nome de uma empresa privada em troca de uma cota de patrocínio. Embora sejam tempos difíceis para o teatro, as pautas para espetáculos continuam disputadas e, na entrevista a seguir, questionamos sobre como funciona o processo de curadoria que os gestores utilizam para escolher as produções que vão ao palco. Cada teatro tem suas dificuldades e lida com elas de formas diferentes. Os desafios são muitos, em um momento do país em que há pouco investimento no teatro (e na arte, em geral) e o público se acostumou a não pagar pelos ingressos. Porém, as expectativas para 2020 também são altas. Confira a seguir.

ESPAÇO ABU O Espaço Abu foi inaugurado em julho de 2019, com o espetáculo “Chuva”, da Cia Tábula Rasa. A crise enfrentada pela cultura carioca não foi empecilho para que os sócios Felipe Vasconcelos, Beatriz Castier e Ana Gawry realizassem o sonho de abrir um pequeno teatro para receber projetos de artes cênicas, literatura, cinema, fotografia e música, com lotação para 40 pessoas. Os três sócios respondem pela entrevista.

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Quais foram as principais dificuldades da gestão teatral em 2019?

O naming rights é uma tendência da administração teatral?

Espaço Abu: Nos quase 5 meses de vida do Espaço Abu, podemos sinalizar que as principais dificuldades estão relacionadas à falta de segurança da cidade, à crise econômica e ao movimento contra a cultura do país, o que fortalece a opção do público por permanecer em casa.

Espaço Abu: Entendemos que sim, por ser uma forma de garantia dada aos administradores de que, minimamente, parte das despesas ordinárias serão cobertas, uma vez que o montante proveniente do percentual de bilheteria/ mínimo diário das produções é bem inferior ao custo de manutenção de um espaço cultural.


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Ana Gawry, Felipe Vasconcelos e Beatriz Castier, responsáveis pelo Espaço Abu: “Estamos enfrentando as dificuldades relacionadas à formação de plateia de um novo espaço cultural, que se agravam ainda mais com a situação da cidade e do país”. FOTO: Divulgação.

Quais são as dificuldades que os produtores trazem para um gestor teatral? Espaço Abu: Até o momento, não tivemos quaisquer problemas com os produtores das peças que estiveram em cartaz no Abu. Poderíamos supor que as dificuldades estejam relacionadas com a ausência de análise dos riscos financeiros envolvidos nas produções, considerando o contexto atual do país.

Atualmente, como você avalia a receptividade do público com os espetáculos, de uma maneira geral? Espaço Abu: Estamos enfrentando as dificuldades relacionadas à formação de plateia de um novo espaço cultural, que se agravam ainda mais com a situação da cidade e do país. No entanto, focando especificamente a receptividade do público que esteve presente no Abu, podemos dizer que ela foi muito boa.

Quais os critérios de curadoria para um espetáculo receber a pauta do seu espaço? Espaço Abu: Por ser um espaço novo, no momento priorizamos espetáculos que já estiveram em c a r t a z o u q u e te n h a m sido recomendados. Adicionalmente, devido às características do Abu, é fundamental que o elenco seja formado por poucos atores e que o cenário possa ser montado e desmontado em cada dia de

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NA COXIA apresentação, caso haja outras atividades na grade. Por fim, destacamos que a abordagem na solicitação da pauta e a qualidade do projeto têm grande peso nas nossas escolhas. Como tem sido a atuação das ONGs em seu espaço?

Espaço Abu: Não. A bilheteria cobre apenas uma fração pequena de todas as despesas do espaço. Quais as perspectivas para a cena teatral em 2020? Espaço Abu: Não sabemos o que está por vir. Então só podemos afirmar que continuaremos lutando pela cultura.

Espaço Abu. FOTO: Divulgação.

Espaço Abu: Por enquanto não tivemos nenhuma atuação com ONG’s, ação que está prevista para o próximo ano.

Um espaço teatral consegue viver só de bilheteria?

Teatro PetraGold. FOTO: Reprodução Facebook

Espaço Abu. FOTO: Divulgação.

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TEATRO PETRAGOLD Reinaugurado em ju nho de 2019, o antigo Te a t ro Le b l o n t ra n s fo r m o u - s e e m Te a t ro P e t ra G o l d , u m e s p a ço de cultura apoiado pelo Grupo PetraGold, que revitalizou a Sala Marília Pêra para o projeto. O responsável por levar ao grupo a ideia de reabrir o teatro foi André Junqueira, que atualmente administra o PetraGold e concedeu à #INCITARTE uma entrevista contando sobre sua experiência com a administração nesta reabertura. Confira.

Quais foram as principais dificuldades da gestão teatral em 2019? A n d ré J u n q u e i ra : N ó s começamos em junho de 2019, após o teatro ficar um tempo fechado. O nosso grande desafio era saber se conseguiríamos colocar público dentro do teatro. Precisamos pensar sobre quem viria assistir a um espetáculo. Outro desafio era saber quem ocuparia as pautas do teatro. Ele estava se formando, queríamos dar uma identidade a ele. Muitas produções não acreditavam no potencial que o espaço tinha a oferecer. Então, em 2019, indo na contramão de tudo o que estava acontecendo, enquanto teatros estavam fechando,

pois tudo está muito caro, eu e meu sócio fomos falar com o CEO do PetraGold e apresentamos o projeto de ocupação do teatro para diminuir os custos da produção. Eu também sou produtor e sei que nós, produtores, às vezes entramos em um teatro e, quando saímos, estamos devendo mundos e fundos. E o público de uma maneira geral está muito mal-acostumado. Hoje em dia, parece que é uma ofensa pagar pelo ingresso do teatro, porque as pessoas só vão se tiverem o convite ou um ingresso gratuito. Não sei o porquê, se quando eu vou ao médico eu não peço uma consulta de graça; eu vou ao supermercado, compro e pago pelos itens. A única forma que o artista tem para receber é o ingresso, é o meio de sobrevivência dele. Há um grande descaso com a maneira que as pessoas estão pensando. E nem acho que a culpa seja totalmente delas. Isso foi uma forma de pensar que veio sendo construída. A própria Lei Rouanet [recém-extinta e transformada em Lei de Incentivo à Cultura] contribuiu para isso. Os espetáculos ganhavam milhões – não estou dizendo que sou a favor ou contra a lei – e tinham que dar uma contrapartida em ingressos gratuitos e as pessoas acabaram se acostumando a não pagar pelos ingressos. Para que alguém vai vir assistir um espetá-

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NA COXIA culo a R$ 30, se pode ver um grande musical gratuitamente? Eu acho que o desafio maior foi colocar o público dentro do teatro de novo. Trazer o público pagante. Porque as pessoas vão ao cinema e pagam quase R$ 50 por pipoca e refrigerante, mas acham um absurdo se um ingresso do teatro é R$ 20. Esse pensamento foi engendrado na população. Como tem sido a atuação das ONG’s em seu espaço? André Junqueira: A formação de plateia é necessária e eu acredito que as ONG’s também sejam, mas o que tem acontecido no Rio e em São Paulo é que o público consumidor destas ONG’s são pessoas que podem pagar pelo ingresso. Moram na zona sul e não na comunidade, por exemplo. As pessoas que realmente não podem pagar pelo ingresso não vêm, pois não têm como Teatro PetraGold. FOTO: Cristina Granato.

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chegar ao teatro sem dinheiro para o transporte. Este trabalho das ONG’s tem sido feito de uma maneira errada e, ao invés de contribuir para a formação de plateia, está destruindo-a e desvalorizando o trabalho do artista. Aqui no PetraGold não trabalhamos com ONG’s. Como temos um subsídio e um suporte financeiro que nos ajuda a pagar o aluguel do teatro (não paga todas as despesas, mas ajuda bastante), nós assumimos o compromisso de disponibilizar o ingresso social, que custa R$ 20. É um preço que se equipara ao oferecido pelas ONG’s. A pessoa deve chegar na bilheteria e falar que não tem dinheiro para comprar um ingresso inteiro, então terá acesso ao ingresso social. São ingressos para pessoas que realmente não podem pagar pelo preço original. O que não podemos é dar o ingresso de graça. Para isso, exis-

tem projetos como o “Eu faço cultura” [programa do Ministério da Cidadania em parceria com a Caixa Seguradora], que é uma ferramenta do governo que distribui ingressos subsidiados e, neste caso, vale a gratuidade. Sem isso, se eu deixar as pessoas entrarem no teatro de graça, não consigo pagar meu iluminador, meu técnico de som e os atores das peças. Não pode ser de graça, senão não há salários. Queremos colocar mais pessoas dentro do teatro e fazê-las entender que, ao pagar por um ingresso, elas não estão fazendo isto apenas em benefício próprio. Não é só neste lugar de egocentrismo de “pagar para absorver cultura”, mas sim o de ser cidadão. De contribuir para a geração de emprego e de toda uma indústria cultural que há por trás. Ao pagar por um ingresso, você está incentivando o crescimento do país, sabe?


NA COXIA De uma maneira geral, como tem sido a receptividade do público às peças da casa? André Junqueira: Ao longo de 2019, nós tivemos vários espetáculos, todos com este formato e conseguimos fazer bilheteria e colocar gente pagando para estar no teatro e agradecendo pela programação. Estamos vindo de uma sucessão de peças boas, então as pessoas já identificam a nossa programação como de qualidade. As produções estão nos procurando e nossa programação para 2020 está bem bacana, temos projetos até julho.

André Junqueira, gestor do Teatro PetraGold: “A formação de plateia é necessária e eu acredito que as ONG’s também sejam, mas o que tem acontecido no Rio e em São Paulo é que o público consumidor destas ONG’s são pessoas que podem pagar pelo ingresso”. FOTO: Divulgação.

Quais as perspectivas para a cena teatral em 2020? André Junqueira: Em 2020, vamos tentar reforçar isso, associando o teatro PetraGold aos bares da região (que hoje agradecem a volta do teatro, porque a galeria onde estamos localizados estava morrendo), e a outros lugares. Mais uma vez temos a certeza de que a arte e o teatro movimentam não só a cultura, mas o país. Movimenta a economia e a população de uma maneira geral, porque as pessoas passaram a vir para cá. Tem bar aqui que só abria de quarta a domingo, e agora abre de segunda a segunda. Então vamos

fazer algo em que as pessoas possam vir ao teatro e ter outras experiências, como por exemplo, poder ir a um bar e consumir dois pastéis e um chopp com o ingresso do teatro, que é aqui do lado. Vamos criar um Clube de Fidelidade do Teatro PetraGold, para estimular o consumo aliado. Para que tenhamos uma valoração do ingresso e as pessoas entendam porque precisam pagar por ele. Que ao ir ao cinema, ao teatro e ao restaurante, estão contribuindo para estes trabalhadores possam sobreviver.

Quais os critérios de curadoria para um espetáculo receber a pauta do seu espaço? André Junqueira: Estamos querendo dar diversidade à programação e abraçar todo tipo de espetáculo e público que consuma estes espetáculos. Temos um cuidado muito grande em avaliar se é um elenco profissional trabalhando, pois somos uma casa profissional. Eu procuro trazer ao público apenas peças de qualidade, então priorizo a qualidade e a seriedade da ficha técnica das pessoas envolvidas. Além disso, temos um outro critério que é apostar em novidades, então estamos abertos a novos dramaturgos, por exemplo. Queremos trazer ao PetraGold espetáculos que sejam legais, e que abranjam todos os gêneros: dramas, comédias, romances, besteiróis, musicais, etc.

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NA COXIA Um espaço teatral consegue viver só de bilheteria? André Junqueira: Eu acredito que, atualmente, não. Os valores são muito caro s , a m a n u t e n ç ã o d e uma casa como o Teatro PetraGold é um absurdo. Nos moldes em que estava acontecendo, em que os teatros particulares cobram o mínimo às produções, porém ainda assim, valores altos, os teatros até sobrevivem, mas as produções não. Sem produção, não há teatro. Deveria haver uma lei para que as casas de espetáculo sejam subsidiadas pelo governo, de alguma forma. Se isso acontecesse, elas estariam abertas para receber as produções de uma forma mais amável e carinhosa. É o que estamos tentando fazer com a ajuda da iniciativa privada. O Grupo PetraGold usa verba própria, abrindo mão de lucros para investir em um teatro como esse, para ser possível que artistas subam ao palco. O que está acontecendo é que os artistas não têm para onde ir e os teatros estão fechando. E os que permanecem abertos, cobram valores altíssimos que as produções não têm como pagar. E se eles não cobram isso, não conseguem pagar os aluguéis e funcionários. Ao longo dos anos, pela falta de verba, as casas de teatro perderam o critério de avaliação de suas peças, pois precisaram aceitar to-

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André Junqueira e Eduardo Wanderley. FOTO: Divulgação

da produção que tivesse dinheiro para pagar. Então não há mais público cativo de teatros específicos. Se entra qualquer produção, como manter a qualidade? O público vai assistir, não gosta, toma como verdade que o teatro não é bom e passa a ir ao cinema. Tem sido uma mecânica difícil de chegar a um equilíbrio. O projeto que fiz no teatro, com o Grupo PetraGold é algo que eu gostaria de repetir em outros teatros e apresentar ao governo. Por exemplo, o governo me daria uma quantia pequena e eu faria com que todos os teatros pudessem receber todas as produções, como estamos recebendo aqui no PetraGold, sem a cobrança do mínimo. Nós emprestamos a iluminação para as produções, ajudamos com a mídia na rua, chamada na rádio, busdoors espalhados pela cidade. Mas para isso, eu fui atrás das empresas de mídia e consegui as parcerias. Desta forma, o Teatro PetraGold con-

segue receber e abraçar as produções que entram aqui. Para o futuro, meu desafio é expandir isso para mais dois ou três teatros, fazer com que as pessoas assistam a espetáculos de qualidade. Isso seria para a cidade do Rio, depois para outras cidades. E que seja dessa forma, que as pessoas possam vir ao teatro. Possam e queiram pagar pelo ingresso.


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TEATRO CLARA NUNES Em maio de 1977, a cantora Clara Nunes abriu as cortinas de um novo teatro carioca, o Clara Nunes. Desta forma, tornou-se a primeira ca nto ra b ra s i le i ra a construir e inaugurar seu próprio teatro. Realização de um sonho, o teatro foi inaugurado com um show da própria cantora, o “Canto de Três Raças”, sob direção de Arlindo Rodrigues. Ao longo dos anos, a casa ficou famosa por receber grandes espetáculos, musicais e shows. A Revista #INCITARTE entrevistou Lidy Marx, a atual administradora do espaço e o resultado você confere a seguir.

Quais foram as principais dificuldades da gestão teatral em 2019? Lidy Marx: Com a paralisação e diminuição da lei Rouanet a maior dificuldade foi ter grandes e bons projetos, que tenham apelo de público. O Teatro Clara Nunes é uma casa de grande porte com seus 750 lugares, na Zona Sul carioca e tivemos muita dificuldade por sermos um teatro 100% particular. Hoje, sem o naming, sobrevivemos dos ingressos vendidos. Os produtores não têm dinheiro para fazer uma boa divulgação ou para pagar o mínimo que a casa precisa. Tivemos muita dificuldade em fechar projetos com o mínimo garantido. Assim, a casa é sacrificada, porque sem o mínimo, nem todos os projetos têm apelo de público. Há atualmente um esvaziamento do público nos teatros e um vício nas promoções. Às vezes, o público tem condições de pagar pelo ingresso, mas espera entrar em uma lista de ONG, ou em uma promoção que barateie o ticket. Isso diminui o preço do ticket médio e, automaticamente, o teatro que depende de ingressos vendidos, perde no valor destes ingressos e mal consegue respirar e sobreviver. Temos funcionários e salários para pagar. As pessoas acham que é tudo perfeito, mas o teatro precisa de dinheiro para sobreviver e pagar suas contas básicas. Falta consciência de que o ingresso é o verdadeiro patrocinador de teatros como o nosso, que é particular. É preciso mudar esta consciência, inclusive dos produtores, de enxergarem o teatro como uma pessoa que precisa de um mínimo de porcentagem para sobreviver.

Foto: Reprodução Facebook.

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O naming rights é uma tendência da administração teatral? Lidy Marx: O naming é quase necessário. Ter patrocinador equivale a ter uma verba que está saind o d e o u t ro l u g a r q u e não é apenas a bilheteria. Com a atual bilheteria defasada pela quantidade excessiva de promoções, não temos mais venda de ingressos com valor da inteira ou mesmo meia. São muitas listas amigas, listas promocionais, atuação de ONG’s. Acaba que o naming tem sido necessário para manter os teatros. Por exemplo, o Teatro Clara Nunes não tem naming. Sobrevivemos com os ingressos vendidos. Se eles não são vendidos, como s o b rev i ve m o s ? É n e s ta hora que as empresas entram querendo ser parceiras dos teatros, com patrocínios que ajudam os espaços a resistirem. O teatro é como toda empresa e tem contas para pagar: tem imposto, funcionário, condomínio, conta de luz... São várias as contas. Então se faz necessário ter um investidor que traga um outro capital que não venha única e exclusivamente do ingresso vendido.

Quais são as dificuldades que os produtores trazem para um gestor teatral? Lidy Marx: Os produtores estão fazendo tudo sem dinheiro, então o primeiro item da lista a ser enxugado é o pagamento do teatro. Aqui falo com as duas visões, pois também trabalho como produtora e pensava assim antes de gerir teatro: às vezes, o produtor acha que o teatro já tem dinheiro. Hoje, como gestora, vejo que não funciona dessa maneira. É preciso educar um pouco os produtores para que vejam que o teatro é uma peça importante. Não adianta querer dar apenas 15% ou 20% para o teatro, porque senão a casa não sobrevive. Precisamos todos ser mantenedores dos teatros, porque senão, é mais uma casa na cidade que se fecha. Menos um espaço para fazer cultura, fazer teatro, ter seus trabalhos sendo expostos. É preciso mudar a consciência de todos, inclusive dos produtores, de enxergarem o teatro como uma pessoa que precisa de um mínimo de porcentagem para sobreviver. Não adianta querer ficar com a maior parte da bilheteria e não pensar no

Dedé Ferreira em “Palhaços” no Teatro Clara Nunes. FOTO: Reprodução / Facebook.

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teatro. Sem o palco, o ator não tem como se apresentar. É claro que o teatro não quer tirar tudo do produtor, pelo contrário, estamos ali para auxiliar e ser a casa do produtor naquele momento. Mas o produtor precisa pensar em ajudar o teatro, que também está na base da sobrevivência. Eu só consegui enxergar esses dois lados, por trilhar os dois caminhos, sendo produtora e gestora. E sei que é uma dificuldade, mas precisamos fazer um exercício de enxergar que é preciso manter a casa, porque se mais uma casa fecha, é menos um espaço para trabalhar e, automaticamente, os outros espaços ficam mais concorridos.


NA COXIA Quais os critérios de curadoria para um espetáculo receber a pauta do seu espaço? Lidy Marx: A maior dificuldade que temos hoje é a visão dos produtores. Muitos produtores têm visões equivocadas dos próprios projetos e, às vezes, montam projetos que não cabem no teatro, ou que não é o público, ou a logística não funciona. Antes de realizar um projeto, é preciso entender que projeto é este sendo montado e qual o perfil de cada teatro. Nem toda peça cabe em qualquer teatro, em termos de estrutura e público. Às vezes o produtor faz uma peça cult em um lugar em que o público não é receptivo a este tipo de peça. Assim, tanto o espetáculo quanto o teatro são sacrificados e fica parecendo que a peça é ruim.

Mas não é que seja ruim, só está no lugar errado. Automaticamente, o teatro não tem público e não tem dinheiro. Cada espetáculo tem seu tipo de público e de teatro específicos. Cada um tem um perfil. Ao fazer um projeto, é preciso pensar em qual teatro ele cabe. No Teatro Clara Nunes, temos brigado claramente com grandes casas para grandes musicais. Estamos dentro do Shopping da Gávea, que é considerada a Broadway carioca e é um lugar em que as pessoas amam fazer teatro. É um shopping que respira teatro e cultura. Você passa nos corredores e tem artistas de quatro teatros. É o único shopping da América Latina que tem

quatro teatros dentro. Ou seja, estes corredores do shopping da Gávea são de frequentadores dos quatro teatros. Tem público circulando o tempo todo, é artista e produtor circulando o tempo todo. Mas ali no Teatro Clara Nunes, nós temos um perfil diferente dos outros três. Por sermos a maior casa e a segunda maior da zona sul, a gente vem brigando para trazer grandes musicais e shows, o que tem dado certo. Na curadoria, eu analiso todo o perfil do projeto. Há projetos que não cabem na casa, não por serem bons ou ruins, mas por não serem o perfil do público da casa. Os musicais vêm funcionando bem no Clara Nunes, nós temos feito a

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NA COXIA formação de um público que gosta e frequenta musicais. Ao mesmo tempo, quando fazemos uma peça mais “cabeça”, mais “teatrão”, ela não funciona aqui. Os próprios feedbacks dos frequentadores demonstram isso. Acaba que você vai aprendendo a lidar e enxergar o espaço que está na sua mão para administrar e aprendendo, em experiência de acertos e erros, o que funciona e o que não. Por sermos uma casa muito grande, precisamos de peças que tenham apelo de público. Duzentas pessoas em um espetáculo no Clara Nunes, significa que o teatro está com menos da metade dos lugares ocupados. Tudo para mim hoje se resume em visão. É preciso saber qual é o seu produto e onde ele cabe.

Como tem sido a atuação das ONG’s em seu espaço? Lidy Marx: A ONG é uma faca de dois gumes. Ao mesmo tempo em que ela ajuda quando o espetáculo está sem público, está viciando as pessoas. Nem todo mundo que está pagando mais barato por meio das ONG’s de fato precisa pagar menos. Qualquer pessoa coloca o nome na lista. E, acaba que hoje, às vezes, fazemos apenas peças para quem está nestas listas de ONG. Elas viciam o público a pagar pouco e estamos em um teatro que precisa do valor de sua bilheteria. Ao mesmo tempo que a ONG ajuda em peças sem patrocínio (porque as que têm patrocínio, não sentem tanto essa diferença), em peças que precisam do valor do ingresso, a ONG

prejudica. As pessoas já esperam para ver se o espetáculo vai para a lista de ONG. Automaticamente, sacrifica-se o espetáculo e a casa. Particularmente, eu tenho me irritado bastante com as ONG’s e tenho visto que vai chegar em um ponto em que vou acabar criando uma regra que só pode ONG com peças que tenham patrocínio e não precisem do valor dos ingressos necessariamente. Agora, com bilheteria, não vamos deixar mais. Estamos caminhando para esse corte. Pela falta de organização, por ver nitidamente que essas pessoas conseguiriam pagar os ingressos, sem o benefício. Isso vicia o público em pagar barato e castiga o teatro.

Lidy Marx, gestora do Teatro Clara Nunes, no shopping da Gávea: “Às vezes, o produtor acha que o teatro já tem dinheiro. Hoje, como gestora, vejo que não funciona dessa maneira”. FOTO: Reprodução / Facebook.

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Quais as perspectivas para a cena teatral em 2020? Lidy Marx: O Clara Nunes vem com projetos muito grandiosos em 2020. Estou sentindo uma grande melhoria para este ano. Estou bem confiante e otimista. O teatro está com pauta há bastante tempo e eu tenho recebido bons e elaborados projetos, daqueles que sabemos que vão dar certo. Além disso, o Teatro Clara Nunes vai vir com algumas surpresas. Vamos voltar à formação de público de teatro, à educação do público de chegar no horário e não ficar aquela fila gigantesca antes do espetáculo, há muitos atrasos. Vamos voltar ao que era antes, ao teatro de verdade e estamos com muitos projetos legais para 2020. Para concluir: eu escuto muitas frases boas e estava conversando com o Antônio Fagundes, que me contou uma maravilhosa que eu carrego para minha vida. Ele conta sobre um diálogo que teve com o dentista, em que pergunta:

“Vem cá, por que você não vai nas minhas peças?”. E o dentista fala: “Você não me convida”. E o Fagundes responde: “Mas você também não me convida para vir aqui no seu consultório, eu pago para vir aqui. Se você quer assistir minhas peças, precisa pagar por elas também. Não me peça de graça a única coisa que eu tenho para vender”. O ingresso é o pagamento para consumir a arte do artista. Falta valorizar a arte, valorizar o nosso produto, que é o espetáculo teatral. O produto que o artista tem para vender é a sua arte, valorizada por meio do ingresso. Compre ingresso, vá assistir ao teatro. As pessoas não pensam, quando vão a um bar ou restaurante, em pedir dois chopps de cortesia, mas estão viciadas em pedir ingressos gratuitos. Valorizem os artistas e os espetáculos. Se ninguém comprar os ingressos, essa é uma arte que vai acabar.

Público aplaude o elenco de “Palhaços” no Teatro Clara Nunes. FOTO: Reprodução / Facebook.

POR BRUNO BERNARDINO

Formado em Jornalismo pela Universidade Veiga de Almeida. Com especial interesse por tudo que envolva cultura e artes, atualmente cursa Artes Visuais na Universidade do Estado do Rio de Janeiro.

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FOTO: Jor ge Bi s

Stella Freita, Analu Prestes e Mario Borges no sucesso “As Crianças”, também tradução de Teza. FOTO: Bárbara Lopes / Agência O Globo

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DIEGO TEZA Tradutor

ofício de tradutor surgiu para mim recentemente e quase por acaso. Até poucos anos atrás, eu nunca tinha lido nenhuma peça de teatro na vida, e quando li me apaixonei perdidamente. Me u p ri mei ro impulso foi transpor para o nosso idioma e comecei a traduzir várias, porque eu queria que mais pessoas tivessem acesso às histórias que eu li. Mal sabia eu que aquela paixão se tornaria a minha grande vocação. O meu trabalho começa, na grande maioria das vezes, com uma pesquisa de textos contemporâneos: autores que ainda são

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desconhecidos do público brasileiro. Começo lendo as peças, e me pergunto se aquele texto escrito em um outro idioma conversa com a realidade do nosso país. Me atraem temas universais e que reflitam o momento atual, temas esses que às vezes ainda nem se apresentam na nossa sociedade ou se mostram de forma muito tímida. Faço isso também considerando o interesse dos atores, diretores e produtores e também, não menos importante, do público. Os desafios do ofício também me atraem: Fazer ou não a transposição das características do texto para o Brasil?

Essa ou aquela palavra? Traduzir sotaques? Como adaptar gírias e expressões idiomáticas? Alguns questionamentos que durante o processo me enlouquecem e me divertem. Traduzir é um ofício solitário e, ao mesmo tempo, não. Quando começo a traduzir eu me encontro com um, dois, vários personagens que durante um tempo convivem comigo. Com eles, eu converso, eu os escuto, às vezes até travamos algumas boas discussões. Através dessas histórias e desses personagens fico sabendo de coisas que jamais saberia. Em um piscar de olhos sou transpor-


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tado no tempo e no espaço e, de repente, eu estou no convívio de uma companhia de atores na Segunda Guerra Mundial (“O Camareiro”); sou levado para uma c o n fe rê n c i a d e u m a médica sobre Alzheimer (“A Outra Casa”); me vejo em Uganda, diante de uma família com um grande dilema a ser resolvido (“O Jornal – The Rolling Stone”); ou para uma casinha onde três cientistas nucleares se reencontram (“As Crianças”); ou até em encontros pessoais, com uma mulher que conta sobre o seu relacionamento

com o marido (“Meninas & Meninos”); e com um homem que fala sobre a história da sua mãe (“Todas As Coisas Maravilhosas”). No teatro, a tradução continua nas salas de ensaio, na maneira como o elenco lê e diz o texto, e também de como esse texto será montado. Mas acredito que a parte mais importante da tradução é o público. O espectador sai do teatro com a compreensão daquilo que ele acabou de assistir, e isso é o que mais me fascina nesse ofício. Ser tradutor é ser uma ponte. A ponte que

liga o trabalho do autor aos atores e do espetáculo montado até os espectadores. E é na noite de estreia que reencontro todos esses personagens que me fizeram companhia durante todo esse processo. E lá estão eles, tão familiares e por vezes tão diferentes de como eu os imaginei. Ver cada peça encenada, ver os personagens tomando vida, me dá prazer e me faz ter a certeza que eu escolhi o caminho certo.

Kiko Mascarenhas e Tarcísio Meira em “O Camareiro”, peça traduzida por Teza. FOTO: Gal Oppido.

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Produtora de grandes espetáculos do grupo “Os Fodidos Privilegiados”, Mancuzo é discípula de Antônio Abujamra: “Aprendi com ele que o palco é um abismo e, para estar nele, é preciso ter asas!”. FOTO: Divulgação.

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FILOMENA MANCUZO Produtora

rodução é uma arte: a arte de fazer acontecer aquilo que foi idealizado por alguém! A produção está em tudo! Produzo porque sou atriz, sou artista. Sempre digo que a maioria das pessoas começam pela atuação e, no decorrer dos trabalhos, vão desenvolvendo outros ofícios, se descobrindo. Por isso, sou também figurinista, iluminadora, cenógrafa e diretora, mas o que mais faço é produzir. Foi assim que comecei a produzir:

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de repente, na década de 1980, eu, uma jovem atriz acabando de me formar e comecei a fazer produção com shows, eventos, prêmios, dança, grupos teatrais, famosos, anônimos. Trabalhava com quem estava começando e com quem já tinha muito tempo de carreira, mas sempre produzindo com o mesmo afinco, dedicação e prazer. No início, ficava muito nervosa, achava que não daria tempo e que não conseguiria. Produzir é um

trabalho que demanda muita responsabilidade, não podemos errar. Mas sempre deu certo porque o teatro é uma magia. Entre os anos 1980 e início deste século, faziam-se espetáculos em sua maioria sem patrocínio, somente com a bilheteria. A lei Sarney de 1991, que depois virou Rouanet, não tinha visibilidade e muitos não entendiam, muitas empresas achavam que não conseguiriam dar


MEU OFÍCIO

seu imposto para a cultura, mas isso foi mudando. Depois de 2000 e alguns anos, muitos projetos passaram a ser incentivados por leis culturais, mas eu, na maioria das produções, fiz sem patrocínio. Sobrevivo da arte faz 33 anos. Sou de São Paulo, cheguei ao Rio em janeiro de 1986. Nunca desisti ou quis sair d e s te m e i o a r t í s t i co e produtivo que amo muito, sou feliz pois s e m p re te m o s b o n s

resultados. Não enjoo do trabalho, pois estou sempre fazendo novas produções. Volto sempre a fazer produções com quem já fiz, porque o trabalho de produzir não é constante para quem idealiza, mas sim para quem exe c u t a . E s t o u a q u i executando, hoje reestreando, ensaiando, em turnê e em cartaz! Mesmo em tempos difíceis e t a lvez e s te te m p o que estamos vivenciando agora seja o mais hercúleo para a produ-

ção cultural em geral. A empresas estão descrentes, segurando verbas que poderiam destinar à cultura. Apoios estão sendo negados, mas a arte vence sempre.No próximo trimestre, estreio “Homo Tapiens”, 30 anos da Orquestra Brasileira de Sapateado, reestreio “Mona Canta Lisa”, com Mona Vilardo e inicio a turnê de “Loloucas”, com Heloísa Périssé e Maria Clara Gueiros. Já trabalhei com grandes artistas, atores, diretores e gostaria de encerrar o texto falando sobre o maior deles e que muito me ensinou, o diretor de teatro Antônio Abujamra, a quem dedico muito do que sei e em quem penso interiormente sempre quando estreio algum trabalho. Aprendi com ele que o palco é um abismo e, para estar nele, é preciso ter asas!

Produção de Filomena, o espetáculo “Loloucas”, com Heloísa Périssé e Maria Clara Gueiros, vai entrar em turnê em 2020. FOTO: Dado Marietti.

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EDUARDO MARTINI

A INCANSÁVEL FÊNIX DOS PALCOS Por BRUNO CAVALCANTI

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uando chegou em São Paulo, em meados dos anos 2000, o paulistano de alma e criação cariocas Eduardo Martini considerava a mudança um renascimento artístico, pessoal e profissional. Na época, gozando de certo sucesso e prestígio no Rio de Janeiro, Martini achou na terra da garoa o terreno perfeito para semear trabalho que, com o tempo, germinaria, transformando o nome do ator numa referência para a produção do teatro cômico paulistano. “Cheguei na cidade para ficar alguns poucos meses em cartaz, e estou há quase 20 anos. São Paulo me abraçou e não me largou mais”, relembra o ator que, ao longo dos

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anos, aprendeu que a palavra-chave para se manter em produção é a reinvenção. “Me considero uma fênix, já caí muito, mas sempre volto renovado”, diz. Foi nesta máxima que Martini se agarrou entre o final de 2018 e início de 2019, quando enfrentou um turbilhão de crises nos c a m p o s f i n a n c e i ro , pessoal e profissional. “Eu vivi um verdadeiro inferno que me deixou muito pra baixo, eu não via muita perspectiva em tudo o que estava acontecendo, só queria parar”, garante. Entre uma operação não planejada e o pedido de substituição de um espetáculo que não o satisfazia, Martini ainda precisou lidar com um golpe de uma antiga produtora e com

o afastamento de pessoas que considerava muito próximas. “Eu pensei que iria enlouquecer”, diz, ciente, hoje, de que havia naquele cenário todo uma linearidade necessária para que pudesse seguir em frente. “O teatro sempre me salvou, e foi através dele que percebi um monte de coisas i m p o r t a n te s p a ra o meu crescimento”. E foi justamente essa fascinação com o ofício que exerce há mais de 40 anos que voltou a dar um rumo na vida e na carreira do ator que coleciona sucessos do quilate de “I Love Neide - Manual de uma Cinquentona…”.


FOTO: Claudia Martini.

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UMA LÁGRIMA PARA ALFREDO

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om um texto em mãos e um orçamento de R$ 340,00, o ator produziu, dirigiu e atuou em “Uma Lágrima para Alfredo”, comédia do ator e dramaturgo Raphael Gama (com quem Martini dividia a cena) sobre o encontro de duas senhoras na sala de espera de um hospital. Ambas recebem a notícia de que seus respectivos maridos estão internados em estado grave e criam uma relação de cumplicidade até descobrirem que são casadas com o mesmo homem. “As pessoas se matam de rir e se emocionam ao mesmo tempo, é uma coisa impressionante”, contextualiza. O espetáculo foi concebido para um festival de teatro na cidade de Mairiporã, na região metropolitana da capital paulistana, e acabou fazendo carreira pelo interior, além de ganhar o primeiro lugar na competição promovida pelo festival da cidade.

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“Uma Lágrima para Alfredo”: comédia do ator e dramaturgo Raphael Gama (na foto, com Martini) foi produzida com orçamento de R$ 340, lotou o teatro às terças-feiras e concorre em 3 categorias no Prêmio de Humor idealizado por Fábio Porchat. FOTO: Divulgação.

Em São Paulo, o espetáculo foi um dos grandes sucessos da temporada, com sessões lotadas no Teatro Folha em plenas terças-feiras. Não bastasse o aval do público, o espetáculo acaba de receber três indicações ao Prêmio do Humor, a laureação idealizada pelo ator e empresário Fábio Porchat para homenagear os profissionais que fazem humor em São Paulo e no Rio de Janeiro. A peça concorre nas categorias melhor texto, melhor espetáculo e melhor performance para Martini, que, no começo deste ano, recebeu o mesmo prêmio na

Categoria Especial pelo conjunto da obra construída na cidade. Figurando entre os favoritos a vencer a premiação, que acontece em março de 2020, o ator já se vê como um vencedor. “Ser indicado é uma coisa muito grande, significa que estão olhando para o seu trabalho. A competição para mim não existe, são todos trabalhos muito individuais, muito diferentes. Eu já ganhei um prêmio, que é esse reconhecimento saindo de uma crise pessoal e entrando numa produção de R$ 340,00, de onde eu ressurgi como uma fênix”, diz.


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MULHERES SEM ESTEREÓTIPOS

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nterpretando a espanhola Yolanda, Martini se diz ainda mais satisfeito pelo fato de ter conseguido construir uma série de trabalhos que, embora dialoguem, sejam tão diferentes entre si. “Eu fiz três mulheres, três personagens femininas completamente diferentes, e é isso que me deixa feliz, o fato de a minha personalidade não ser maior que a da personagem. Fiz a Neide, em ‘I Love Neide’, fiz a Valentina em ‘O Filho da Mãe’ e agora essa Yolanda, que são absurdamente diferentes e complementares. Para um ator, não há felicidade maior”. Antenado com a revolução de costumes promovida pela juventude contemporânea, o ator diz não temer represá-

lias pelo fato de ser um homem interpretando mulheres tão diversas. “Eu acho isso maravilhoso. As mulheres se sentem homenageadas e os homens acham tudo aquilo divertidíssimo. Mas tomo muito cuidado, porque são personagens que podem cair facilmente num estereótipo, que podem cair num deboche, então tomo muito cuidado para encontrar o cognitivo dessas personagens. Elas precisam ter pelo menos uma dose cavalar de amor, como todo ser humano tem, para serem críveis”, acredita. “Mesmo a Neide Boa Sorte, que dizem ser

politicamente incorreta, nunca teve uma represália, e eu acho que é porque de fato eu acompanho esse desenvolvimento das co i s a s . Q u a n d o fa l o como a Neide, tenho mais liberdade. Não acredito, por exemplo, que exista beijo gay, existe beijo, uma boca tocando a outra e ponto. Quanto mais a gente separar fica pior”. O ator acredita que o problema não esteja necessariamente na figura de um homem interpretando uma mulher, ou na revolução promovida através das redes sociais, mas sim no trabalho feito com o único intuito de chocar. “É essa necessidade do choque que causa tanto problema. Não tem porque. Quando você coloca uma dose de humanidade na personagem, todo mundo se entende”, garante o ator que, justamente com uma personagem feminina, ganhou a popularidade e o carinho do público massivo.

“I Love Neide”: um dos maiores sucessos da carreira do ator. FOTO: Divulgação.

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Rapha Veles, Dani Calabresa, Hebe Camargo, Fabio Rabim e Neide Boa Sorte no SBT. FOTO: Divulgação.

SUCESSO NA TELEVISÃO

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o propor uma brincadeira com a apresentadora Hebe Camargo, Martini criou aquela que se tornaria sua personagem mais icônica, a desbocada Neide Boa Sorte, que não apenas divertida a apresentadora, como também se tornou uma espécie de companhia para o público acostumado a acompanhar os programas de Hebe. “ Eu q u e r i a c r i a r u m a velha engraçada, desbocada. Eu tinha comprado uma peruca em Nova York e usava uma dentadura. E entrei. A

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Hebe ria muito e pedia para eu voltar, o público gostava e, no meio disso, teve aquele primeiro apagão dos aeroportos, e no programa seguinte eu fiz uma crônica sobre isso, e aí a Neide passou a ser uma personagem do cotidiano do público”, relembra o ator, que fez da personagem outra forma de se reinventar. Em 2000, após completar 40 anos e se mudar para São Paulo para a temporada de sucesso do monólogo “Na Medida do Possível”, Martini contou com a presença da apresentadora Adria-

ne Galisteu na plateia, que não só adorou o espetáculo como convidou o ator para um número em seu programa “É Show”, então na Rede Record. O sucesso foi tão grande que o ator permaneceu ao longo de três anos, e depois seguiu com a apresentadora para o SBT para a estreia de “Charme”, onde ficou por mais dois anos até ser dispensado por uma desavença com a produção. “Vários diretores passaram pelo programa da Galisteu, e aí um deles pediu para que eu dimi-


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nuísse meu tempo, e eu diminuí. Ele pediu para eu cortar uma página do meio, eu expliquei que não era daquele jeito que se fazia e ele foi se queixar ao diretor geral, que me chamou. Eu provei que ele estava mentindo, mas mesmo assim pediram para que eu saísse”, relembra o ator que, no mesmo momento, entrou na sala de Regiane de Souza, produtora de Hebe Camargo. O sucesso na TV, contudo, não era novidade para o ator que, entre 1992 e 1993 compôs o elenco de “Deus nos Acuda”, novela de sucesso de Silvio de Abreu que contava com um elenco estelar formado por nomes como Francisco Cuoco, Glória Menezes, Marieta Severo, Jorge Dória, Aracy Balabanian, Ary Fontoura, Cláudia Raia, Edson Celulari e, claro, Dercy Gonçalves, de quem Martini lembra com muito carinho.

Castro que era um Lord e me ensinava muita coisa, eu só tive coisas boas, fui muito feliz!” O processo para entrar na novela, contudo, não foi dos mais simples. Indicado a Silvio de Abreu pela amiga Cláudia Raia, com quem dividira o palco na clássica mont a g e m d e “A C h o r u s Line”, em 1986, Martini enfrentou uma grande pressão, principalmente do autor da novela. “O Silvio dizia: se você não for bem, o Querubim reencarna e aí você sai da novela e acaba”, relembra Martini que, ao longo da exibição, recebeu cinco notas 10 na coluna da crítica de TV do jornal O Globo, Patrícia Kogut.

“Eu tinha cenas muito legais com a Dercy Gonçalves, eram muito engraçadas, e isso nos dava a chance de crescer. Eu acho o Silvio de Abreu o melhor autor de comédias que existe, e a Glória Perez é a melhor no drama. Eu digo que ela é conectada com o astral”. O sucesso da novela deu ao ator a chance de trilhar caminho ainda mais sólido no teatro dentro daquilo que sempre acreditou. “É essa dose de cognitivo que eu gosto de colocar no meu trabalho, e acredito que falte, porque somos seres humanos, passíveis do erro, mas o importante é saber se retratar para que deixemos uma sensação melhor”.

Como o anjo Querubim, com Dercy Gonçalves e Cláudio Corrêa e Castro, na novela “Deus nos Acuda” (1992): indicado a Silvio de Abreu pela amiga Claudia Raia, trabalho rendeu 5 notas 10 na coluna de Patricia Kogut. FOTO: Divulgação/TV Globo.

“Trabalhar com ela era sensacional. O Jorge Dória havia me alertado de que ela era uma víbora, porque eles tiveram uma briga, mas eu nunca tive um problema com ela, foi uma professora incrível. E também tinha o Cláudio Corrêa e JANEIRO 2020

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O TABLADO E A FAMÍLIA

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oi essa confiança no trabalho e no cognitivo das personagens que fez com que Martini vencesse, por exemplo, a resistência de seu pai para com a carreira que desejava desempenhar. “Meu pai foi transferido para o Rio de Janeiro em 1975 para ser superintendente financeiro da Itaipu, e queria que eu fosse prestar algum vestibular, construir uma carreira sólida, então fui e prestei arquitetura na Universidade Gama Filho, no bairro da Piedade”, conta o ator que, antes do dia da prova, já estudando no Tablado, descobriu que havia passado no teste de “Um Tango Argentino”, texto de Maria Clara Machado dirigido por Sura Berditchevsky. Na montagem, Martini não só estreou escondido do pai, como também foi colega de nomes como Fernanda Torres e Elizângela. “Ninguém soube da estreia porque no dia havia uma festinha para comemorar o aniversário do meu irmão, então estreei, fui pra casa e, no dia seguinte, prestei o vestibular”, relembra o ator que, teria passado sem mais problemas, não fosse um pequeno deslize do acaso.

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“Papo com o Diabo”: Espetáculo volta ao palco do Teatro União Cultural em janeiro. FOTO: Divulgação.


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Viviane Araújo e Eduardo Martini nos bastidores de “Até que o Casamento Nos Separe”. FOTO: Thiago Bernardes/Editora Globo.

“No dia seguinte, meu pai encontrou um amigo na praia que havia assistido ao espetáculo e o parabenizou pela minha estreia”, diverte-se. O episódio rendeu a Martini um gelo de pelo menos três meses de seu pai, o superintendente financeiro Milton Martini que, com o tempo, passou a acompanhar de longe a carreira do filho, até perto do fim da vida, quando revelou ser fã do jovem Martini. No dia da morte do pai, Eduardo subiu ao palco para encenar “O Filho da Mãe”, um de seus sucessos mais duradouros, no Teatro Vannucci, no Rio de Janeiro. JANEIRO 2020

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SEM EGO Suzy Rego e Martini também viveram par romântico de “Até que o Casamento Nos Separe”. FOTO: Cláudia Martini.

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ntre outras obras de sucesso, o ator também contabiliza textos como “Quem tem Medo de Itália Fausta”, “Quem Matou Maria Helena?” “Até que o Casamento nos Separe” e “Papo com o Diabo”, estas últimas d u a s co m p o n e nte s da programação que, a partir de janeiro, rein a u g u ra rá o Te at ro União Cultural, centro de cultura no bairro do Paraíso que, graças a má administrações passadas, entrou em processo de sucateamento até encerrar atividades em meados de 2018. Além das duas comédias, o ator também levará à cena o drama “Chorávamos Terra Ontem à Noite”, de Eduardo Ruiz, que estreou e cumpriu temporada discreta no Teatro Décio de Almeida Prado, e a triunfante “Uma Lágrima para Alfredo”, todas estreladas pelo próprio Martini que, garante, não planejou a “mostra”.

“Não tem nada de ego nessa história, principalmente porque eu tenho muito mais contas para pagar, muito mais responsabilidades, não quero fazer um Te at ro Ed u a rd o Martini, mas precisei fazer isso porque as p e s s o a s fo ra m d e sistindo das pautas e eu precisava colocar espetáculos prontos. Mas não tem ego, se o seu projeto for melhor que o meu, ele vai entrar, essa é a ideia, fazer um ponto de cultura onde as pessoas tenham uma boa experiência desde o momento em que retiram os ingressos na bilheteria até o momento em que retiram o carro do estacionamento, nada além”, garante. Essa, contudo, não é a primeira vez que o ator assume o teatro. Em 2015, Martini esteve à frente da programação do espaço, que se tornou referência na fusão de linguagens e manifestações culturais. O trabalho foi encerrado no final do mesmo ano, e Mar-

tini pretende, agora, retomar de onde parou, tendo como principal mote o desejo de formar público. “Eu pretendo que a pessoa que saia deste teatro procure outros. Outros teatros, outros espetáculos, outras experiências tão bacanas quanto as que eu gostaria de proporcionar. Formar e fomentar público é essencial, através da boa experiência, através da educação, através de cursos, pretendo fazer desse espaço um polo de cultura, um ponto para o encontro mesmo”. E nem mesmo o atual momento de desmonte e s u c a te a m e n to amedrontam Martini, que garante: “Desde que eu me entendo por gente o momento da cultura é sempre péssimo, horrível, esquisito, é sempre tudo de ruim. E eu acredito que, se não temos o poder de mudar, nós precisamos nos mud a r, n o s a d e q u a r e continuar fazendo.

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CAPA Com Blota Filho em “Chá das 5”, texto de Regiana Antonini: mulheres sem estereótipos. FOTO: Divulgação.

Desde sempre a cultura está em crise, a saúde está em crise, a educação está em crise e ninguém faz nada para mudar. Fernanda Montenegro ia no banco e fazia empréstimo, e pagava não sei como. Eu faço a mesma coisa, não espero fomento, não espero nada disso, porque não forma um espetáculo. O que forma é ator e texto!”. 50

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Na programação, além das peças de Martini estão agendados também shows de Marq uinhos Mo u ra , Marcelo Nogueira interpretando Agnaldo Rayol e espetáculos como “Araca”, monólogo de Raphael Gama sobre a intérprete Aracy de Almeida, “Velórios”, de Patrícia Villela, um projeto de contos com Ailton Guedes e o infantil “Rei Mídias”.

Para a programação, Martini ainda negocia uma temporada com Angela Ro Ro e um show com a cantora Claudette Soares e o pianista Caçulinha cantando o repertório de Noel Rosa. Em paralelo, se prepara para o lançamento de “Dois mais Dois”, filme dirigido e roteirizado por Marcelo Saback, no qual vive um


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milionário excêntrico viciado em sexo, q u e d eve c h e g a r às telonas ainda no primeiro semestre de 2020, e deve iniciar o processo de gravação de duas séries para plataformas de streaming. “Trabalhar já é maravilhoso, é isso que faz o meu dia ser um enxame de felicidade. Minhas coisas maravilhosas estão nas pequenas coi-

sas, e isso não poderia ser melhor”, finaliza o Eduardo Martini que, em 2020, comemora 60 anos de vida e planeja encenar, pelo menos, mais quatro espetáculos, fora os que, com sua verve incansável, ainda não escolheu.

POR: BRUNO CAVALCANTI

Bruno Cavalcanti é jornalista formado pelo Centro Universitário FIAM FAAM. Colaborou em publicações como Revista BRAVO! e Sex Sites. Atualmente, é repórter da Folha de São Paulo, assina a coluna “Conexão Sampa”, no portal da jornalista Anna Ramalho e é repórter e crítico teatral no site Observatório do Teatro. É jurado do Prêmio Destaque Imprensa Digital, autor do livro “Porque a Gente é Assim - Música Popular e Comportamento” e da peça “Papo com o Diabo”.

Em 2019, Martini ganhou o Prêmio de Humor na Categoria Especial pelos 40 anos de carreira com constante contribuição para o teatro de humor em São Paulo. FOTO: Divulgação.

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FOTO: Julia Assis.

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VICTOR MAIA

Victor Maia vence mais um desafio no musical “Brilha La Luna”

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tor, bailarino, cantor e coreógrafo, Victor Maia já participou de vários musicais consagrados e, mais recentemente, foi destaque no papel de Thalia, em “Brilha La Luna - Um novo musical”, com canções do grupo Rouge. Ele interpretou uma drag queen empoderada e humana, que luta pelo preconceito dentro de um reality show de música. O trabalho de Victor merece muitos aplausos pela sua interpretação, pelas coreografias, pelo canto e também pelo equilíbrio firme e forte no saltão da sua personagem. Victor é destaque há sete anos na função de coreógrafo do programa semanal “Caldeirão do Huck”, na Rede Globo. Já coreogra-

fou o especial do “Criança E s p e ra n ç a” e m 2 0 1 6 e 2018 e em 2014, trabalhou como preparador corporal e coreógrafo no quadro “Artista Completão”, no “Domingão do Faustão”. Em 2019, foi preparador teatral da comissão de frente da Mangueira, campeã do carnaval. “A dança na minha vida me ajudou a melhorar meu estado de saúde, meu preparo físico, minha relação com a arte e exacerbou a minha sensibilidade em relação à música. A dança aproxima as pessoas. Faz com que celebrem juntas, compartilhem alegrias, amores e emoções. E o mundo só precisa disso para melhorar: amor e celebração. Que se dance hoje e todos os dias”, declara Victor.

A APTR e sua incansável luta pelos direitos da classe artística

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colegiado da Associação de Produtores de Teatro está de olhos bem abertos para o cenário político da cultura. Mobilizando encontros com a classe artística e políticos para discutir medidas adotadas pelo governo, a APTR tem obtido êxito em algumas batalhas. Em dezembro do ano passado, conseguiram reverter, no diálogo, um projeto de lei que acabaria com a exclusividade da utilização dos recursos para a cultura do Fundo Estadual de Cultura. Em outro momento, conseguiram a revogação da resolução que excluía 14

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ocupações do MEI.Tem sido uma verdadeira força-tarefa. Em sua página no Facebook, a associação escreveu sobre o caso: “Ratificamos a importância da continuidade de mobilização do setor para garantir e preservar os recursos do FUNDO ESTADUAL DE CULTURA exclusivamente para a cultura. Apesar da promessa do Presidente da República em revogar a Resolução 150, que retirava do MEI várias funções do setor cultural, lembramos da fundamental manutenção da vigília, até a publicação deste ato. O deputado fede-

ral Marcelo Calero informou que, mesmo com a revogação, existe a possibilidade de manter a votação de Projeto de Decreto do Legislativo no Senado e na Câmara”.Os encontros promovidos pela APTR costumam ter transmissão ao vivo pelas redes sociais. Vale acompanhar. Instagram: @aptroficial.


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jornalista e dramaturgo Gustavo Pinheiro estreou no dia 31 de outubro, no Sesc Ginástico, o espetáculo “Os Impostores”, dividindo a dramaturgia c o m Ro d r i g o Po r te l l a ( d i r e t o r d e “ To m n a Fa z e n d a ” ) , q u e t a m b é m a s s i n a a d i re ç ã o da peça. No elenco, estavam Carolina Pismel, Guilherme Piva, Murilo Sampaio, Pri Helena, Suzana Nascimento e Tairone Vale. Uma sem a n a d e p o i s , o a u to r j á e s t a v a ve n d o n a s cer no palco do Teatro PetraGold mais um dos seus textos inéditos: “ Re l â m p a g o C i f r a d o”. Dirigida por Leonardo Netto e Clarisse Derzié Luz, a peça com Ana Beatriz Nogueira e Alinne Moraes mostra o e m b a t e e n t re d u a s médicas e suas diferente s fo r m a s d e e n te n der a vida e a profissão. Ana Beatriz foi indicada ao Prêmio Cesgranrio de Teatro pelo seu trabalho.2020 mal começou e outro texto inédito de Gustavo estreia no dia 10 de janeiro no Theatro Bangu. “Antes do Ano que Vem” traz Mariana Xavier no pa-

pel de Dizuite, uma faxineira da Central de Apoio aos Desesperados (CAD), uma espécie de CVV, que atende aos telefonemas dos insatisfeitos com a vida quando a psicóloga plantonista falta o trabalho. A direção é de Ana Paula Bouzas e Lázaro Ramos. Em 2015, Gustavo ve n ce u a s e l e ç ã o “Brasil em Cena”, do CCBB, com o texto “A Tropa”. A peça mostrava um acerto de contas entre um pai e seus quatro filhos tendo como pano de fundo a história do Brasil nos últimos 50 anos: dos escândalos de corrupção da Lava-Jato ao desaparecimento de presos políticos na ditadura. A peça viajou por oito cidades e teve 10 mil espectadores, além de estar disponível em l i v ro . At u a l m e nte , Gustavo participa do roteiro da série de televisão inspirada na peça homônima.

FOTO: Elisa Mendes.

Um autor e um recorde: Gustavo Pinheiro estreia 3 textos inéditos em um intervalo de 72 dias

GUSTAVO PINHEIRO JANEIRO 2020

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Beà: 24 anos e duas indicações ao Prêmio Shell

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zia Hab FOTO: Riz

itá.

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ua pouca idade não deixa de mostrar o quanto a diretora musical, Beà, é afortunada por mentores que tornaram sua relação com a música e a arte ainda mais vívida. Aos 24 anos, a carioca da gema, nascida na Região da Lapa, contrabaixista, sonoplasta, compositora e diretora musical é, pelo segundo ano consecutivo, indicada ao Prêmio Shell de Teatro na categoria música, desta vez pelo espetáculo “Meus Cabelos de Baobá”. Em 2018, em 31 anos de existência da premiação, ela se tornou a primeira mulher negra a ser indicada na categoria, pelo espetáculo “Esperança na Revolta”, da Confraria do Impossível. “Sou de 95, e naquela época a grande febre era o Mamonas Assassinas, eu era fanática por aquela guitarra, aqueles sons… E no auge dos meus 6 anos, já queria uma guitarra! Minha mãe me deu aos 11 anos uma e minha avó pagou aulas pra mim. Mas foi um homem preto, artista de rua, que me aconselhou a experimentar o violão primeiro. E a partir dali, tudo começou”, frisa. Mesclando entre o autodidatismo e o encontro com professores como a musicista e professora comunitária Regina Rocha e o produtor Marcelo Daguerre, responsável por sua imersão no mundo da produção e direção musical, Beà encontrou no baixo o som “que parecia o útero da terra”, e neste som, se deixou ficar. O caminho de estudo do baixo e dos outros instrumentos que toca não foram fáceis, “Foi um processo muito doloroso, tive um professor que dizia para os meninos que estavam tocando mal, que eles pareciam mulherzinhas. Eu era a única mulher da sala naquela época e fui também a

BEÀ única que ficou até o fim do semestre com aquele professor”, desabafa. A também integrante, preparadora vocal e responsável pelos arranjos melódicos e harmônicos do grupo Dembaia, acredita e afirma que a vitória de um igual é uma vitória coletiva. “Quando a Larissa Luz ganhou com Elza no ano passado, comemorei junto. Era como se eu também tivesse ganhado, afinal, no momento político que a gente tá vivendo, nosso momento enquanto pretos que tem toda uma ancestralidade, ninguém ganha. São todas essas mulheres que vivem as mesmas coisas pra estudar música, afinal, somos potência de Orunmilá, somos potência do universo”, afirma



TEATRO PELO MUNDO | NEW YORK

“MOULIN ROUGE!” FINALMENTE CHEGA À BROADWAY Espetáculo investe pesado em cenografia para recriar clima lancinante do filme de Baz Luhrmann Por CLÁUDIO SOUZA

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pós longa espera por fãs do cinema e do teatro, a adaptação teatral do filme “Moulin Rouge!” chegou à Broadway em julho de 2019, após prévias na cidade de Boston. A produção se esmerou para levar o famoso cabaré do longa-metragem com todos os detalhes para o palco, incluindo o famoso elefante onde acontece uma das cenas icônicas do filme.

Há quase pelo menos 20 anos, houve especulações sobre uma versão teatral do longa-metragem, que apesar do apelo junto ao público, recebeu apenas prêmios técnicos no Oscar - melhor figurino e melhor direção de arte. Agora, devidamente atualizado - diga-se de passagem com novas canções do mundo pop -, o musical espera alcançar algo a mais de sucesso que o filme.

O desejo de adaptar o filme de Baz Luhrmann para os palcos não é tão recente.

Em cena, o casal protagonista Christian e Satine (Ewan McGregor e Nicole Kidman

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no cinema) são vividos por nomes já conhecidos na Broadway. Ele é interpretado por Aaron Tveit, nome que ganhou destaque no musical “Next to Normal” e depois foi visto em um papel coadjuvante na versão cinematográfica de “Les Misérables”, que levou o musical para o cinema sob a direção de Tom Hooper. A cortesã que ilumina o Moulin Rouge chega aos palcos na pele morena de Karen Olivo, destaque nos musicais “In The Heights” (2008) e na remontagem de “West Side Story”.


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FOTOS de Matthew Murphy

A versão teatral ganhou músicas de Lady Gaga, Beyoncé, Katy Perry e Adele, além da trilha original do filme.

Estão lá também todos os outros famosos personagens que compõem a trama metalinguística (a famosa história dentro da história). O veterano da Broadway Danny Burstein interpreta o trapaceiro de bom coração Harold Zidler, enquanto Sahr Ngaujah dá vida ao Toulouse-Latrec. O duque, vilão da estória, está nas mãos do ator Tam Mutu. Alguns personagens mudaram de gênero, como o dançarino Le Chocolat, que no filme é interpretado pelo ator Deobia Oparei e na versão da Broadway é

vivido pela atriz Jacqueline B. Arnold. A trilha sonora não decepciona os fãs, trazendo as canções que fazem parte da memória afetiva do público, como “Your Song”, “Elephant Love Medley”, “Lady Marmelade” e “Come What May”. Os acréscimos ficam por conta de obras posteriores de nomes como Beyoncé, Rolling Stones, Adele, Katy Perry, Pink e Lady Gaga, entre outros grandes nomes. A direção é assinada por Alex Timbers, com libreto de John Logan. As coreografias,

responsáveis por parte do deslumbre do público, são trabalho de Sonya Tayeh, enquanto figurinos e cenografia são assinados por Catherine Zuber e Dereck McLane. Baz Lurhmann supervisiona a obra junto com Catherine Martins. Por hora, o espetáculo segue com uma já confirmada turnê pelos Estados Unidos em 2020 e duas estreias internacionais: no West End, em Londres e em Melbourne, na Austrália, ambas em 2021.

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ão deu certo. Infelizmente. Primeiro que não foi Baz Luhrmann quem dirigiu. Ele declinou. Disse que já tinha feito o filme e que ele achava melhor entregar para gente jovem fazer. Entregaram. Todo mundo, exceto John Logan (escreveu o libreto), é bem jovem. Ficaram trabalhando durante 3 anos na construção dessa transposição para o palco. Em 2017 fizeram um workshop de 6 semanas para entender melhor… Enfim, cercaram de todos os lados para não haver erro. E... Não deu certo. Começa no miscasting do casal principal, passa pela coreografia repetitiva e chega numa música que ignora quase que totalmente a trilha do filme de 2001, acrescentando Beyoncé, Katy Perry e dezenas de mash-ups... Hummmm. É uma pena. Custou bem caro. Isso é visível pois enveloparam todo o teatro, penduraram lustres de cristal, construíram camarotes e é um tal de sobe e desce,

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SUPERPRODUÇÃO DA BROADWAY DIVIDE A OPINIÃO DOS DIRETORES TEATRAIS ULYSSES CRUZ E MARCIO AZEVEDO

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FOTO: Emilio Madrid-Kuser/ BroadwayWorld.com

entra e sai de cenários, tudo para criar uma tentativa imersiva que... Tiraram, na minha opinião, o que sustentava o filme: como Orpheu - ele de novo (também está em “Hadestown”) - o herói romântico desce ao inferno da prostituição e das drogas para resgatar a heroína romântica que morre no final. Não tem nada disso. É só um casal que não cria empatia com o público tentando escapar das garras do vilão. A atriz tosse na primeira cena e na última antes de morrer???? Quem não viu o filme se pergunta: por que ela morreu? Como é difícil fazer um musical dar certo. Esse tinha tudo. O público reage meio sem entender direito o que está rolando. Reage pouco e os aplausos são burocráticos. O teatro é bem grande mais de 1.000 pessoas com certeza -, os ingressos estão esgotados e custam bem caro, mas... Melhor esquecer.


O : Ro b e r t o C FOT

a rd os beleza de Nicole o Kidman e da força de Ewan. Apenas no sagrado momento do Tango de Roxanne, o filme é muito melhor que a peça. Mas, se eu pudesse destacar um único momento, seria a volta do segundo ato. Caramba… “Bad Romance”, o maior sucesso de Lady Gaga, é a releitura mais bem sacada e cantada, misturado com “Toxic” de Britney Spears e do clássico “Sweet Dreams”, do Eurythmics. É genial. Enfim, se você estiver em Nova York, permita-se lançar a sorte de conseguir ingresso e viver essa hemorragia de sensações que é Moulin Rouge. Ah, detalhe! Tente a sorte de ser levado a sentar num dos lugares reservados ao público no palco, dentro da cena.

PROJETO DE INCENTIVO A JOVENS ARTISTAS Levando em consideração os ideais boêmios tão proclamados no texto - Liberdade, Beleza, Verdade e Amor - a produção do musical desenvolveu o “Bohemian Project”, em parceria com a New York Academy of Art. A iniciativa visa fomentar a economia criativa e proporcionar aos jovens profissionais desse meio ingressos acessíveis, oportunidades de trabalho e geração de receita para projetos, entre outras ações.

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ow! Sold out todos os dias e com ingressos disputados por 400 dólares, o musical é um sonho ao vivo em vermelho. Impecável! Irretocável! Moderno, dinâmico, excitante. Cheio de novidades, como o prólogo, onde boa parte do elenco recebe o público e a entrada do ator protagonista, Aaron Tveit (que protagonizou “Catch me if you can” e “Next to normal”), que leva o público ao delírio. O teatro inteiro envelopado, um figurino riquíssimo e coreografias de tirar o fôlego de qualquer um. Os números musicais são 100% assertivos, com destaque para as novidades de Beyoncé com sua “Single Ladies” e Adele com “Rolling in the Deep”, que é o grande solo dramático de Aaron. O “Elephant Song” e sua torre Eiffel faz todo mundo se emocionar e torcer por aquela história de amor. Nas quase três horas de musical, você se esquece da

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POR CLÁUDIO SOUZA Jornalista formado pela FACHA com MBA em Comportamento do Consumidor pela ESPM-RJ. É o criador do portal “A Broadway é Aqui!”, dedicado ao teatro musical e jurado do Prêmio Brasil Musical. Também atua como Coordenador de Conteúdo no Mundo do Marketing.

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“O LOBO DE WALL STREET” EM LONDRES Wall Street novaiorquina é transportada para dentro de um prédio de quatro andares no centro de Londres Por PAULO NETO

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xperiências teatrais imersivas estão na moda. São encenações realizadas, não necessariamente dentro de salas ou teatros, mas em ambientes 360 graus (rooftops, galpões ou prédios), onde o público é convidado a mergulhar no universo reconstituído e a interagir com o elenco, se quiserem. Recentemente, em São Paulo, houve a muito bem-sucedida montagem do musical “Zorro”, onde esplêndidos números de flamenco se espalhavam pelo amplo salão, com um elenco fabuloso capitaneado por Bruno Fagundes, no papel-título. Em “Zorro”, o público assistia sentado, rodando o pescoço e atento ao ambiente inteiro.

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Em Londres, o mergulho imersivo do momento é a adaptação de “O Lobo de Wall Street”. Sucesso nos cinemas, em 2013, pelas mãos de Martin Scorsese, a história narra a vertiginosa jornada ao inferno do mundo financeiro do protagonista, Jordan Belfort, um corretor que aplica operações fraudulentas com seguros vinculados à Bolsa de Valores novaiorquina. Belfort é perseguido por agentes do FBI numa caçada empolgante e hilária. Nesta experiência imersiva, não há assentos. Percorre-se o local, seguindo o elenco, por quatro andares e é possível escolher de qual lado você quer ficar (pertencer): ao lado do protagonista ou dos investigadores do FBI que o caçam. “Você pode ficar ao

Nas primeiras sessões, alguns membros do cast foram agredidos por alguns espectadores. Após o incidente, medidas de segurança suplementares foram adquiridas: botões de alarmes e gestos que indiquem que o elenco esteja “em perigo”.

lado de Belfort. Ou contra ele” - avisa a produção. Quem opta por filiar-se ao FBI terá uma experiência mais low-profile, com menos interações. Montada em um prédio, no centro de Londres, a empreitada convida o público a seguir os atores em suas mazelas e glórias. A classificação indicativa é 18 anos. Há avisos alertando para cenas de forte conteúdo sexual. Há também cartazes proclamando o correto “Consentimento é essencial”. O protagonista é um macho-alfa misógino, inconsequente, machista e hedonista até a espinha. No filme, Jordan Belfort narra e perpassa, em detalhes gráficos, todas as suas viagens excessivas com drogas pesadíssimas. Na montagem londrina, há um aviso para os espectadores: se alguém for pego com substâncias ilícitas, serão sumariamente expulsos do local.


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Em suma, mergulhar no universo da Wall Street novaiorquina em pleno centro de Londres é inusitado e inovador, mas não necessariamente, uma garantia de qualidade. Entretanto, pode configurar-se uma experiência realmente singular para quem se dispuser a tantos loopings e mergulhos. STRATTON OAKMONT 5-15 SUN STREET, LONDON, EC2M 2PT Ingressos a partir de 58 libras. Até 19/1/20

POR PAULO NETO Jornalista, crítico de teatro e cinema. Colaborou co m a s rev i s t a s D ro p s Magazine e Aimé. Jurado d o P rê m i o G u a r a n i d e Cinema-RS e votante do Prêmio Cenym de Teatro.

Serviço: Harold Pinter Theater Panton Street, SW1Y Londres Ingressos a partir de 15 libras De 14/1/2020 até 2/5/2020 FOTO: Divulgação.

Dirigida por Alexander Wright, responsável pela adaptação, nos mesmos moldes imersivos, de “The Great Gatsby”, de F. Scott Fitzgerald, a produção do “Lobo” é dúbia: consegue ser empolgante e asfixiante em momentos distintos. Desconfortável pode ser também para o elenco. Nas primeiras sessões, alguns membros do cast foram agredidos por alguns espectadores. Após o incidente, medidas de segurança suplementares foram adquiridas: botões de alarmes e gestos que indiquem que o elenco esteja “em perigo”.

“TIO VÂNIA”, DE TCHÉKHOV, RETORNA AO WEST END O clássico russo de Antón Tchékhov foi escrito em 1890 e já foi montado diversas vezes no mundo todo. O tio do título é um homem desesperançoso, na virada do século 20, esvaziado de qualquer positividade, cansado e embebido de um niilismo que o afoga. Mesmo diante de tanta falta de vida, o irascível Tio Vânia agarra-se às poucas pessoas que restam diante de seu olhar de mundo, como a sobrinha Sonya e o médico Astrov, que preenchem seus dias nublados com conversas existencialistas. Além de constituir-se uma peça sobre frustrações humanas, paixões ocultas e desencanto, a obra de Tchékhov é também um retrato sardônico da Rússia pré-revolucionária, ardendo com a derrocada dos Czares. Adaptada pelo irlandês Conor McPherson, do musical “Girl From The North Country”, e dirigida por Ian Rickson (que volta a montar Tchékhov depois de

“A Gaivota”, de 2007), a nova montagem chega a Londres em janeiro com dois nomes famosos no elenco. Tio Vânia será interpretado pelo baixinho e potente Toby Jones, que tem uma enorme carreira no cinema, onde já viveu o escritor Truman Capote e o diretor Alfred Hitchcock. É também conhecido como a voz de Dobby, o Elfo doméstico dos filmes da saga Harry Potter. Outro nome conhecido do cast é o também britânico Richard Armitage, o Thorin da trilogia de filmes “O Hobbit”, que retorna ao West End depois de sua atuação em “As Bruxas De Salem” (The Crucible), de Arthur Miller. Ciarán Hinds, das séries “Rome” e “Game Of Thrones” e Rosalind Eleazar, da produção da BBC “Rellik”, também estão no elenco. A remontagem estreia no West End no dia 14 de janeiro.

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“HEIDI – O MUSICAL” Por CACÁ VALENTE

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uem não se lembra de alguma história de infância onde a protagonista, ou o protagonista, tenha sido criada pela avó, avô ou um bom velhinho? Da minha memória afetiva, lembro logo da novela da TV dos anos 60, “A pequena órfã”, da extinta TV Excelsior. Reprisada pela TV Globo no início dos anos 70. O bom velhinho Gui da TV, interpretado pelo ator Dionísio Azevedo, acudia a menina loirinha, Toquinho, que sofria maus tratos no orfanato. Em Portugal – creio que a novela não tenha sido exibida por cá –, podemos substituir a novela pelo desenho animado “Heidi” – este também exibido no Brasil. Sucesso nos anos 1970 e um clássico mundial escrito pela suíça Johanna Spyri, em 1880. Heidi, a órfã, depois da morte dos pais, passa a viver com a Tia, Dete, mas esta, após 5 anos, se vê impossibilitada de cuidar da pequena e transfere os cuidados para o avô paterno da menina. Heidi passa a viver com o avô – um velhinho de poucas palavras e temido na região – nos Alpes Suíços. Nesta nova vida, Heidi conhece o menino Pedro,

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FOTO: Divulgação.

TEATRO PELO MUNDO | LISBOA

A inclusão, a igualdade entre gêneros e a importância da educação são alguns dos temas destacados na produção da Companhia TIL, a mais antiga companhia de Teatro infantil de Portugal, com mais de 40 anos de estrada.

um pequeno pastor, e se tornam amigos. Já ambientada ao lugar e mais acarinhada pelo “velho da montanha”, Heidi é convencida pela Tia a ir com ela para uma casa em Frankfurt, Alemanha, fazer companhia a uma menina. Lá, conhece uma menina paraplégica confinada a uma cadeira de rodas, Clara, e a ríspida governanta da casa, Sra. Rottenmeier, responsável pela educação e bem-estar de Clara. Este musical da Companhia TIL – Teatro Infantil de Lisboa –, estreou em novembro do ano passado e pretende-se alongar até junho de 2020. De terça a sexta-feira em duas sessões e sábado e domingo uma. Portanto, dez sessões por semana – quando a Companhia não vê a necessidade de fazer uma extra no final de semana. Com capacidade para 300 pessoas, o Teatro Armando Cortez tem andado lotado. A autora, Ana Saragoça, procurou ser fiel ao livro de Spyri, assim como o Desenho


TEATRO PELO MUNDO | LISBOA Animado o foi. Para o musical foram criadas canções originais que procuram transmitir ideias de igualdade e inclusão. Não há diferença entre menina e menino – Heidi tem comportamentos mais livres, por ter sua vida nos Alpes, diferente de uma menina criada na cidade da época. O importante é pensar. “O grande poder está na mente e no coração (...) que bom é saber pensar”, diz a canção. A inclusão, a igualdade entre gêneros, a importância da educação são alguns dos temas mais destacados nesta produção. A autora lembra que, no desenho animado, as crianças não iam à escola e reforça o esforço de Heidi em incluir a menina Clara nas brincadeiras das crianças, não havendo limites e regras. Diferente da TV e do livro, a autora evitou cair no clichê da redenção: a Clara não volta a andar, antes ela é integrada ao convívio das crianças como ela. E, mais uma vez, a canção nos faz lembrar “momentos parvos nós temos, escusa estarmos a negar (...) ninguém pode nada sozinho”. A docilidade, pureza de pensamento e sabedoria ingênua da pequena Heidi encantam não só os pequenos, mas os pais também. A Companhia, com mais de 40 anos de estrada, a mais antiga companhia de Teatro infantil de Portugal, está acostumada em

formar público. Já está na plateia a terceira geração. Os avós, pais, filhos e netos já estiveram, e continuam a estar, a frente de um de seus espetáculos. É um programa para toda família. EQUIPA CRIATIVA Encenação e Coreografia: Victor Linhares Texto: Ana Saragoça Musica e direção musical: Quim-Tó Cenografia: Kim Cachopo Figurinos, Caracterização e Adereços: Pessoa Júnior Desenho de Luz: Tiago Santos INTERPRETAÇÃO Catarina Ramos; Henrique Macedo; Kim Cachopo; Maria Curado Ribeiro; Marta Lopes Correia; Miguel Vasques; Paulo Neto; Tiago de Almeida TEATRO ARMANDO CORTEZ Estrada da Pontinha, 7 1600-583 Lisboa INFORMAÇÕES ADICIONAIS Sessões Público Geral (Famílias): Sábados, Domingos e feriados às 15h Sessões Escolares: de Terça a Sexta às 11h e às 14h30 (mediante marcação prévia) PREÇOS 11 € - adulto 8,56 € - crianças 32,60 € - pack Família

POR CACÁ VALENTE

“Heidi” está em cartaz de terça a domingo, realizando 10 sessões por semana. Isso quando a Companhia não vê a necessidade de fazer uma extra no final de semana. FOTO: Divulgação.

Designer, Mestre em História da Arte, Gestor e Produtor Cultural por mais de 20 anos, tendo contribuído para Petrobras, Secretaria de Estado de Cultura do Rio de Janeiro e Secretaria de Cultura do Rio de Janeiro. Atualmente mora em Portugal, onde desenvolve projetos de cultura, turismo e artesanato.

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TEATRO PELO MUNDO | PARIS Thomas Jolly: simplesmente genial. FOTO: Divulgação

THOMAS JOLLY OU DO PRAZER DE DESCOBRIR UM GÊNIO Por DEOLINDA VILHENA

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homas Jolly vem ao Brasil pela primeira vez. Mas quem é Thomas Jolly? Essa pode ser a pergunta feita por nossos leitores. Poderia respondê-la das mais variadas maneiras, prefiro usar como resposta a legenda da foto de capa do caderno especial da revista L’Express em outubro de 2018: Thomas Jolly – o novo gênio do teatro.

Hoje, é um dos mais cobiçados diretores da França.

Ator, cenógrafo, encenador, chefe de trupe – em 2006, criou com amigos La Piccola Familia – e desde 1º de janeiro ocupa o cargo de Diretor do Centro Dramático Nacional Le Quai, na cidade de Angers, região do Pays de la Loire.

E como toda unanimidade é burra, dizia Nelson Rodrigues, enquanto o público aplaude e lota as salas por onde seus espetáculos passam, a tal da academia e alguns críticos – a velha turma que em pleno século XXI ainda acredita que sucesso e talento não combinam – torcem um pouco o nariz e ousam chamar de “divertissement” um repertório que exibe Henry VI e Richard III, uma tetralogia do bardo inglês, também conhecido como Shakespeare e Thyeste, tragédia antiga de Sêneca, um dos mais cruéis textos escritos para o teatro. Freud deve explicar.

Thomas Jolly exibe aos 37 anos um currículo invejável. Em menos de dez anos, trocou o limbo sombrio em que vivem as jovens esperanças do teatro, pelos refletores do Olimpo onde transitam apenas os que tiveram acesso ao panteão dos grandes.

Descobri Thomas Jolly em 2014, aliás eu e o mundo bem informado do teatro. Mais precisamente no dia 21 de julho de 2014, quando La Piccola Familia subiu ao palco do La FabricA às 10h da manhã para dar início à primeira das apresentações

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de Henry VI, um espetáculo-rio composto por três peças de Shakespeare, quinze atos, cento e cinquenta personagens, dez mil versos ao longo de 18h, ao final ele seria consagrado como o maior sucesso da 68ª edição do Festival de Avignon. Dois anos antes, em fevereiro de 2012, Brigitte Salino, crítica mais importante do Le Monde dizia: “Esse garoto é uma promessa. O nome dele é Thomas Jolly, ele tem 30 anos, ele é magro como um galho, com grandes olhos negros e determinação incomum. A prova: ele se atacou a Henri VI de Shakespeare, ou seja, três peças raramente realizadas, das quais ele apresenta neste momento a primeira parte oito horas bem-sonhadas que testemunham um incontestável sentido do palco.”. Lamentavelmente, eu não estava entre os 600 escolhidos pelos deuses do teatro para aplaudir de pé, um pouco an-


TEATRO PELO MUNDO | PARIS tes das 4h da manhã do dia 22 de julho de 2014, e gritar “merci, merci, merci” ou ainda “Richard III, Richard III”, ou mais, “la suíte” – ou, em português, a continuação. Procurem essas imagens na Internet, é um dos mais belos momentos que o teatro já me proporcionou, ousaria dizer, o mais belo se lá eu estivesse. Mas, minha companheira foi a Avignon única e exclusivamente para ver Henry VI, a partir da sua narrativa e de suas impressões comecei a levantar a ficha desse “menino” – ele tem a idade do meu filho, por isso sei que o chamarei eternamente de menino. Desde então, muito tem sido escrito sobre ele e seu teatro, as solicitações para entrevistas aumentam a cada temporada e bendita seja a Internet que permite, a uma pessoa que mora em Salvador, “o melhor lugar do inferno”, acompanhar a cena teatral francesa como se estivesse no Carrefour de l’Odéon, sentada no Les Éditeurs. Entretanto, foi preciso esperar 2017 para ver um espetáculo assinado por Thomas Jolly ao vivo e em cores. Cheguei no Théâtre du Châtelet na tarde do dia 18 de fevereiro, para o encontro com o encenador da ópera cômica Fantasio, de Offenbach, no Foyer Nijinski, antes da representação. De cara fui seduzida pelo entusiasmo, pela inteligência e pelo carisma do jovem diretor. Ao final do encontro fui

Henry VI: 18 horas de espetáculo. FOTO: Divulgação

até ele, me apresentei e disse que ao longo da temporada ainda assistiria Le Radeau de la Meduse e que gostaria de conversar com ele. Perguntou-me se tinha os seus contatos, disse que não, mas saberia como encontrá-lo. Após ver Fantasio minha cabeça fervia diante da beleza e da leveza de tudo que havia visto, trazia ainda todas as leituras sobre o espetáculo feitas pelos críticos e pelo público nas redes sociais. Sim, a encenação de Thomas Jolly para a obra de Offenbach era ao mesmo tempo: inventiva, poética, inspirada e altamente lúdica. Eu, que até então conhecia suas obras principais – Henry VI e Richard III – apenas via na Internet, pois seus espetáculos têm sido transmitidos logo após a estreia e os vídeos, na íntegra, permanecem disponíveis possibilitando aos que não podem vê-los no teatro, o contato com o trabalho desenvolvido por Thomas e La Piccola Familia. Graças a Fantasio fui oficialmente

apresentada ao trabalho genial desse feiticeiro da cena. No dia 27 de junho de 2017 lá estava eu lépida e fagueira nos Ateliers Berthier – segunda sala do Odéon Théâtre de l’Europe – para ver Le Radeau de la Méduse, criação de Thomas Jolly com uma turma de formandos da escola de atores do Teatro Nacional de Strasbourg,

Fantasio: ópera cômica de Offenbach na encenação de Thomas Jolly. FOTO: Divulgação

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cidadã e que busca interrogar os fundamentos do ser humano. Um pouco antes de voltar do meu exílio voluntário de 15 meses em Paris, fui ver uma palestra de Thomas no Louvre (31 de janeiro de 2018), Représentation du pouvoir et théâtre. Mais uma vez nos encontramos e agora ele já sabia quem eu era. Conversamos alguns minutos, tempo suficiente para eu entender que Thomas Jolly tinha se transformado numa estrela, e a paixão dos jovens fãs pelo ídolo era emocionante, houve mesmo quem levasse presentes porque no dia seguinte ele fazia

Le Radeau de la Meduse com os formandos da escola do TNS. FOTO: Jean-Louis Fernandez/ Divulgação

dirigido por Stanislas Nordey e do qual Thomas era artista associado. Apresentado em 2016 no Festival de Avignon, sucesso de público e merecedor de excelentes comentários da crítica, como este de Fabienne Darge (Le Monde): “o diretor adapta brilhantemente a peça do autor alemão Georg Kaiser sobre os náufragos”. Como sempre faço, escolhi o dia em que haveria o encontro com a equipe artística do espetáculo. Detesto o processo, mas amo depois de ver o espetáculo conversar com quem o fez. Ao final procurei Thomas Jolly e disse a ele: “vou levá-lo ao Brasil, pode demorar um ano ou dez, mas vou levá-lo ao Brasil”. Ele respondeu com um sorriso sem igual: “avec plaisir”. Ou seja, com prazer. Tomou nota do seu e-mail no programa da peça e a partir daí trazê-lo ao Brasil tornou-se não uma obsessão, mas

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uma meta, um objetivo a ser alcançado. Ao lado de Ariane Mnouchkine e Gabriel Villela, Thomas Jolly passou a compor a minha trinca de ases do teatro. Em comum, eles têm a paixão por Shakespeare e o fato de fazerem o teatro que amo: teatro popular de raiz. Aquele do serviço público como a água, a eletricidade e o gás de Jean Vilar ou aquele de Antoine Vitez: popular é o teatro elitista para todos. O teatro como uma arte Thomas Jolly em Richard III, de William Shakespeare. FOTO: Divulgação

aniversário. O mais incrível é ver a tranquilidade com a qual ele administra essa relação e sobretudo, a delicadeza e atenção dele para com todos que o procuravam. Não me lembro de, em quarenta e três anos de teatro ter encontrado, nesse nível de genialidade, alguém mais disponível. Mas havia uma coisa que me entristecia: ainda não tinha visto Thomas Jolly em cena. Ter sido apresentada ao diretor não me bastava, vê-lo em cena era


TEATRO PELO MUNDO | PARIS fundamental para que se operasse definitivamente a magia ou que se quebrasse. Desde que vi o DVD de Richard III estava fascinada pelo trabalho de ator de Thomas Jolly. Seduzida pelo monstro Richard III a tal ponto que ver, ouvir e cantar I’m a dog em casa tornou-se algo muito natural.

Thomas Jolly é Atrée em Thyeste de Sêneca, Avignon 2018. FOTO: Jean-Louis Fernandez/ Divulgação

Quando Olivier Py anunciou a programação da 72ª edição do Festival de Avignon dei pulos de felicidade: Thomas Jolly abriria o festival com Thyeste de Sêneca. Depois da explosão com Henry VI (2014), do sucesso com Le Radeau de la Méduse (2016), a honraria maior lhe havia sido concedida: a abertura oficial do festival e na Cour d’Honneur do Palácio dos Papas. E em cena estaria Thomas Jolly no papel de Atrée.

Humanidade – título conferido pela Unesco. Quem faz teatro, e reconhece Avignon como o mais charmoso e importante festival de teatro do mundo, que se difere de todos pelo seu incentivo à criação e sua grande produção anual, a Cour d’Honneur é a consagração de um diretor, dentro do mundo teatral francês com suas regras e especificidades.

Não conto para vocês o tamanho da tristeza de não poder estar em Avignon nesse 6 de julho de 2018, e o mais grave, tinha ido em 2017. E por mais que ver a Shizuoka Performing Arts abrir o festival com uma montagem de Antígona dirigida por Satoshi Miyagi tenha sido uma experiência linda, nem de longe se compara a ver a estreia de Thyeste. Poucas vezes senti tanto não estar presente a uma estreia, um herdeiro direto de Jean Vilar, o mais vilariano dos novos diretores franceses em sua ética e seu discurso ocuparia a Cour d’Honneur, o mais bonito dos pátios de um palácio, o mais majestoso, o mais popular, Patrimônio Mundial da

Dizem que Aristóteles disse que “ver o horrível faz bem ao homem”. Chego a acreditar que todos os que passaram pela Cour d’Honneur entre os dias 6 e 15 de julho de 2018, serão beatificados, porque só quem viveu as duas horas e meia de Thyeste pode entender a força dessa tragédia, a história de dois irmãos, Thyeste e Atrée, que disputam o trono de Argos, numa disputa tão cerrada a ponto de o segundo assassinar os filhos do primeiro, cortá-los em pedaços, cozinhá-los e oferecê-los como refeição para o irmão, que não suspeita de nada. Adepto do espetáculo total, Thomas encheu a cena de elementos fascinantes que

contribuíram para o encantamento do espectador: “podem dizer o que quiser: que Thomas Jolly exagerou, que inundou seu espetáculo de música, que o saturou com efeitos especiais, que fez um show de rock e transformou o palco em um set de filmagem de filmes de ficção científica. Tudo isso é verdade e tanto melhor. Porque é graças a tudo isso que se chega à peça de Sêneca e o que ela tem a dizer nos deixa (um eufemismo) sem palavras.”1 Foi disposta a conhecer Thomas Jolly ator que em janeiro de 2019 saí de Paris – missão quase impossível – para ir até Charleroi na Bélgica assistir a duas apresentações de Thyeste. Não sei quantos dos leitores da Revista #INCITARTE já fizeram uma peregrinação em suas vidas. Eu já fui a Lourdes, a Lisieux, a Jerusalém, ao Círio de Nazaré e à Lavagem do Bonfim, e no

1 Joëlle GAYOT. Thyeste : cauchemar en cuisine dans la Cour d'honneur. Visto em 25 de novembro de 2019. https://www. franceculture.fr/theatre/thyeste-cauchemaren-cuisine-dans-la-cour-dhonneur

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TEATRO PELO MUNDO | PARIS Os agradecimentos na Cour d’Honneur FOTO: Christophe Raynaud de Lage/ Divulgação

quesito teatro, desde maio de 2000, faço peregrinação anual à Cartoucherie de Vincennes, mas ir a Charleroi e ver Thyeste foi tão forte que precisei dias depois, pegar um trem e ir a Lyon, dias antes de voltar para o Brasil. Era uma necessidade. Pensam que foi suficiente? Thomas Jolly é um vírus muito forte. De férias em Paris desde 14 de dezembro, nem esquentei a cama e já peguei o trem para Rouen, para ver mais duas vezes Thyeste e dessa vez com a emoção maior de estar nas terras de Monsieur Jolly.

Junte a esse talento todo a coerência do discurso de Thomas e suas ações. Ao ouvi-lo é impossível não pensar em Vilar, em Planchon, em Vitez, em Chéreau e em Ariane, choro emocionada porque isso significa que ao menos na França “la relève de la garde est assurée”. O teatro francês tem uma nova geração de encenadores como Thomas Jolly, Julien Gosselin e Jean Bellorini, todos na casa dos trinta e poucos anos, que me deixa tranquila na garantia da qualidade do teatro nas terras de Molière para os próximos anos.

Aliás, para lá voltarei em breve, preciso ver Un Jardin de silence, espetáculo com Raphaëlle Lannadère ou simplesmente L e Babx, linda homenagem à Barbara – ícone da canção francesa que morreu em novembro de 1997 – dirigido por Thomas, que também está em cena como ator e cantor. Imperdível, na opinião da crítica parisiense e segundo meus amigos Fabrício Matheus e Tuna Dwek, que viram o espetáculo na temporada do La Scala Paris.

Enquanto no Brasil... Muitos do que fazem teatro se perdem em discursos vazios, outros pregam o ódio, incentivam as lamentações, aplaudem os fundamentalistas identitários, sejam de esquerda ou sejam de direita. Queria tanto ver nos jovens daqui a preocupação em louvar o fato de termos “em nossas cidades esses espaços negros vazios e silenciosos onde a criação pode surgir. É uma esperança ver o público se reunir lá, todos os públicos que constituem o

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tempo de uma representação uma comunidade efêmera. O teatro agrega porque a cultura é um bem comum. Nestes tempos duvidosos de divisão, o teatro se torna um local de resistência e uma evidência tranquilizadora de inteligência e de discernimento cidadão.” Não foi por acaso que entre tantos escolhi Thomas Jolly para fazer a aula inaugural do Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas da Universidade Federal da Bahia, PPGAC esse, do qual serei coordenadora a partir de 3 de março – data de aniversário de Ariane Mnouchkine, Antonio Araújo e Pedro Carlos Rovai, data da passagem de Tônia Carrero, ou seja altamente simbólica para mim. Desde a primeira vez que ouvi Thomas falar em público, a forma como ele se dirige aos jovens me impressionou, os jovens o identificam como sendo um deles, isso pode explicar o porquê de seus espetáculos terem cerca de 35% da taxa de ocupação composta por


TEATRO PELO MUNDO | PARIS jovens com menos de 25 anos, quando a média desse público não ultrapassa dez por cento na maioria dos teatros. E eu preciso do otimismo de Thomas Jolly, quando ele responde a uma pergunta sobre o fato de ser ou não ser otimista: “Venho da região da Normandia portanto vou dar uma resposta típica de lá: sim e não. Sim porque quanto mais estivermos a olhar para as telas, quanto mais mergulharmos nas relações virtuais, nas redes sociais, na internet com os smartphones, mais fará sentido nossa presença aqui, juntos, no mesmo lugar. É essa a solução que precisamos hoje em dia. Os teatros vão continuar a ter muito público, as óperas também, todos os palcos das artes performativas, e é assim há 2.500 anos, se não houvesse uma real necessidade para a existência das artes elas já teriam desaparecido, mas continuam a existir. Ao mesmo tempo, e é algo que não consigo entender, neste período tão conturbado que estamos a viver, com tantas fragmentações, a divisão esteja sendo usada como instrumento político, é perigoso. Para mim a política é algo nobre, a palavra vem T h o m a s Jo l ly e m Un Jardin de silence. FOTO: Divulgação

do grego pólis, que significa a cidade, a unidade e não é isso que acontece. A cultura é, em simultâneo, um recurso para vivermos em conjunto e um instrumento narrativo. São duas coisas que nos faltam hoje, faltam histórias que nos tragam sentido à vida, o futuro é muito vago, e isso gera uma angústia que anula a nossa vivência em conjunto, por isso não entendo por que os políticos não impulsionam a cultura para combater todas essas divisões. A cultura e a indulgência podem salvar o mundo, por isso, continuo otimista.” Na aula inaugural, Thomas Jolly certamente nos falará da trajetória de um menino nascido em Rouen, que optou pelo teatro aos 11 anos de idade, que se reivindica um filho do teatro público, explicando que nunca precisou investir um tostão em sua formação, graças a um sistema implantado no pós-guerra na França. Mas nos falará também, e muito, da relação da sua companhia La Piccola Familia com o público, esse que se conquista e que é o único verdadeiro mecenas do teatro, como diz Mnouchkine. E nos contará um pouco sobre as ações culturais desenvolvidas por eles ao longo desses quase quatorze anos de história, em creches, escolas, pátios de igreja, hospitais e prisões. E do uso que fazem da nova tecnologia – Internet e redes sociais – para conquistar novos públicos. No Brasil, estamos atrasadíssimos em relação ao uso desses instrumentos, ainda

não os fizemos parceiros do teatro, o resultado das eleições de 2018 no Brasil mostra que nossos políticos, infelizmente, aprenderam isso antes dos nossos artistas. Passamos da hora de virar o jogo. Fui buscar o melhor técnico, agora é captar todas as mensagens e sair para o abraço.

POR DEOLINDA CATARINA Deolinda Catarina França de Vilhena, 60 anos de idade, 43 de teatro dos quais 17 anos trabalhando com e para Bibi Ferreira. Em 1999 a jornalista e a produtora concordaram em ceder espaço para a pesquisadora e professora universitária: Mestre em Artes pela Escola de Comunicações e Artes da USP (2001), Mestre ( 2 0 0 2 ) e D o u to r a ( 2 0 07 ) em Estudos Teatrais pela Université de la Sorbonne Nouvelle – Paris 3. PósDoutora pela Universidade de São Paulo (2008-2010) e pela Université Paris Ouest Nanterre La Défense (2017). Desde 2011 sou Professora da Escola de Teatro da UFBA e Professora Permanente do Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas. Minhas pesquisas têm como objeto de estudo a produção, a administração e a gestão teatral, os festivais, a formação e qualificação dos profissionais na área da cultura. Trabalho 320 dias por ano para poder passar 45 dias de férias em Paris fazendo o que mais gosto na vida: ver teatro. Pouca gente na universidade e no teatro brasileiro conhece mais o teatro feito em Paris hoje que essa abusada que escreve essas linhas...o detalhe é que eu viajo com o meu dinheiro!

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TEATRO PELO MUNDO | BUENOS AIRES

“DON GIL DE LAS CALZAS VERDES” ESTREIA EM JANEIRO

Ensaio de “Don Gil de Las Calzas Verdes”, espetáculo do renomado diretor Pablo Maritano. FOTO: Divulgação

Texto original de Tirso de Molina de 1615 ganha versão atual de Gonzalo Demaria Por MARLON ZÉ

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relação entre corpo e identidade é um problema da Arte Barroca. Mas a coisa não fica por aí. Em um giro contemporâneo surpreendente (mais que contemporâneo, o Barroco dá a sensação de que sempre está a frente dos nossos tempos, herdeiros de uma tradição romântica), o tema desejo feminino é contrapesado com um tema mais complexo: a função de definição do olhar alheio sobre a identidade de cada um. Este seria o “tema principal” da montagem, tanto que o olhar (equivocado ou não) das personagens sobre o próprio desejo se reflete no “outro” como definição. Se levarmos em conta que para o Barroco o corpo não define identidade (o corpo é modificado pela alma), concluímos

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que a transitoriedade do gênero atribuído é acompanhada mais pelo equilíbrio dos desejos próprios e dos outros do que por uma identidade imutável. Seríamos todos Trans perante o desejo, devemos aceitar e seguir com ele, porque as consequências em não fazer isso seriam terríveis. Isso é tão real que o famoso Dom Gil do texto nem existe, senão que é apenas uma projeção dos corpos e desejos alheios. Outro ingrediente fundamental da obra é o “embrollo” (confusão) do enredo, que nesta comédia alcança sua máxima expressão. Com suas inumeráveis identidades mentidas e seu paradoxismo de maldade e riso, o século de ouro espanhol era uma dívida na cena Portenha.


TEATRO PELO MUNDO | BUENOS AIRES Dona Juana, esposa de Valladolid, nobre porém pobre, foi abandonada por seu prometido Dom Martin, a favor da burguesa rica de Madrid, Doña Inês. Para não levantar suspeitas pela mudança de matrimônio, Dom Martin se faz passar por Dom Gil de Albornoz. Dona Juana o persegue até Madrid, se fazendo passar por um homen, também chamado Gil, vestida com calças verdes para seduzir Dona Inês e destruir o novo casamento. Dona Inês, que tem outro pretendente - o ciumento e violento Dom Juan -, fica perdidamente apaixonada por este forasteiro de aparência delicada. Para complicar mais as coisas e manipular a pobre Dona Inês, Dona Juana se faz passar também por outra mulher, Dona Elvira, inventando que foi abandonada por um tal de Dom Miguel (inexistente) e que este Miguel não é outro que, por sua vez, se faz passar por Dom Gil de Albornoz. Como Dona Elvira está supostamente apaixonada por Dom Gil das calças verdes (ambos impressionados por Dona Juana, disfarçada de homem e mulher), a ideia que Dona Inês propõe é que ela ignore Dom Gil de Albornoz/Dom Miguel - que na verdade é Dom Martin - para então assim ficar com Dom Gil verde. Soma-se ao enredo também Dona Clara, prima de Dona Inês, a

quem Dom Gil das calças verdes (Dona Juana) seduz para não levantar suspeitas, mas tanta mentira deslavada junta acaba sendo descoberta por Dona Inês. Para acalmar a confusão de personalidades e desejos (e antes de confesar quem é), Elvira trama o encontro de todos os apaixonados: Elvira, Inês, Martin, Juan e Clara, para descobrir quem de todos o Gil verde é. DON GIL DE LAS CALZAS VERDES SIGLO DE ORO TRANS Tirso de Molina, versão livre de Gonzalo DeMaria Direção: Pablo Maritano Música e adaptações: Dolores Costoyas Cenografia: Mariana Tirantte Figurino: Maria Emilia Tambutti Iluminação: David Seldes Assistência Dramatúrgica: Juan Dasso Elenco Dona Juana: Payuca del Pueblo Dona Inês: Monina Bonelli Dom Martin: Roberto Peloni Caramanchel: Ariel Perez de Maria Dona Ana: Maiamar Abrodos Dom Juan: Rodrigo Arena / Julian Rugnone A Loucura: Ivan Garcia Osorio: Fabian Minelli Quintana: Emiliano Figueredo Dona Clara: Martina Nicolle Aguazil: Julian Rugnone / Rodrigo Arena Dom Diego: Naty Menstrual Duração: 70 minutos Teatro San Martín Entradas em: alternativateatral.com

FOTO: Divulgação.

POR MARLON ZÉ Ator, Diretor e Figurinista Brasileiro, atualmente mora na Capital Argentina e estuda Dirección Escénica de Ópera no Instituto Superior de Arte do Teatro Colón.

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TEATRO EM RECIFE O dramaturgo Luiz Felipe Botelho fala sobre o Teatro na capital pernambucana no espaço-tempo de uma lauda Por LUIZ FELIPE BOTELHO

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ezembro de 2019. A datação é necessária pois, se o agora avança forte e confuso, como garantir até quando irá perdurar o que aqui está registrado? Mesmo com fortes marcas locais, a cena teatral desta cidade obviamente reflete um contexto maior: o país em crise explícita de humanidade, o mundo sacudido pelo acirramento de embates político-econômicos, uma realidade inusitada construída ao longo de quase duas décadas de rápida evolução das tecnologias digitais de comunicação. Antigos problemas estruturais se agravaram: divulgar, atrair público, carência de recursos, infraestrutura, escolas, políticas. Se o mercado para o profissional de teatro sempre

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foi incipiente por aqui, hoje não está melhor. Felizmente, apesar do desmantelamento do pouco que se tinha, a essência teatral É e pronto! Já com vários anos de lida, grupos daqui persistem produzindo regularmente, como o Magiluth, O Poste, Teatro de Fronteira e as companhias Fiandeiros e Cênicas de Repertório, todos também oferecendo opções específicas de atividades formativas e de compartilhamento de experiências. Tais iniciativas de difusão de conhecimento, que se juntam às desenvolvidas também por muitos outros veteranos da cena local, são um complemento importante à ação dos três núcleos mais antigos de formação em Artes Cênicas da cidade:

De memórias e vivências individuais tem surgido espetáculos como “Soledad - A Terra é Fogo Sob Nossos Pés”, com Hilda Torres, sobre o Feminino. FOTO: Rick de Eça

TEATRO PELO BRASIL | RECIFE

os Cursos de Interpretação para Teatro do SESC Santo Amaro e SESC Piedade e a Licenciatura do Centro de Artes e Comunicações da Universidade Federal de Pernambuco. No âmbito das propostas também voltadas para o encontro da própria classe teatral, destacam-se as múltiplas possibilidades criativas do pequeno espaço da Casa Maravilhas, os encontros crítico-artísticos semanais do Marsenal no Recife Antigo, os saraus do Grupo João Teimoso e os diálogos virtuais e presenciais do grupo Batendo Texto Nas Coxias. Com repercussão que varia do restrito à viralização, as redes sociais são hoje o principal veículo de divulgação da grande quantidade de


TEATRO PELO BRASIL | RECIFE de conteúdo e qualidade de experiência que não se encontra na tela de um PC nem de um aparelho celular. Foi-se o espaço, foi-se o tempo. Outro algo já começa daqui.

POR LUIZ FELIPE BOTELHO

Atores e autores dialogam e exploram possibilidades de elaboração da cena, do olho no olho do teatro domiciliar ao amplo escopo dos espetáculos ao ar livre. É o caso de “A Paixão de Cristo”, “O Baile do Menino Deus” e o recente “Boi Voador” (foto), todos apresentados na grande praça do Marco Zero do Recife. FOTO: Cesar de Almeida

artistas de teatro no Recife. São amadores, iniciantes, veteranos, profissionais. Por que insistem? Encantamento, paixão, resistência? Atores e autores dialogam e exploram possibilidades de elaboração da cena, do olho no olho do teatro domiciliar ao amplo escopo dos espetáculos ao ar livre. Três destes últimos retornam anualmente atraindo milhares de pessoas: A Paixão de Cristo, O Baile do Menino Deus e o recente Boi Voador, todos apresentados na grande praça do Marco Zero do Recife.

pesquisas e oficinas tem surgido desse trânsito entre a alma e o mundo, notadamente no trabalho das atrizes Hilda Torres, sobre o Feminino, e Jhanaina Gomes, sobre o Ser Mãe. Também nesse trânsito, vêm as dramaturgias de jovens autores como Alexsandro Souto Maior, Alexsandro Silva, Cleyton Cabral e Giordano Castro. Independente de gênero, todos falam do humano nostálgico, da infância resgatada, da alegria que entremeia dores de crescimento, do mundo em convulsão.

Num foco oposto, intimista, constroem-se narrativas com base nos meandros esquecidos da história – recente ou não – e no modo como memórias e vivências individuais podem dialogar com a sensibilidade de qualquer plateia. Vários espetáculos,

O tempo da lauda se esvai. Estas palavras são um trailer de algo bem maior, com muito mais nomes, realizações, experiências, desdobramentos, reflexões. Paciência. Aqui no Recife ou em qualquer hora e lugar, a experiência teatral oferece vida ao público, tipo

Dramaturgo, mestre em Artes Cênicas, arquiteto, ator, roteirista e diretor de teatro e audiovisual. Trabalha desde 1993 na Massangana Produções Audiovisuais e Ed u c a t i v a s , l i g a d a à Fundação Joaquim Nabuco. Nessa produtora, além de criar roteiros e dirigir séries e documentários para TVs educativas, desenvolveu cursos e oficinas de criação focadas nos diálogos possíveis entre linguagens como teatro, cinema, TV, histórias em quadrinhos, videogames e RPGs. Escreveu 31 peças (e dirigiu algumas delas) – 3 inéditas, 26 já encenadas, 5 premiadas e 8 publicadas, como “Janos Adler”, “Menino Minotauro”, “Reis Andarilhos”, “Os errantes de Barramal”, “Mau mau miau”, “O segredo da arca de Trancoso”, “Coiteiros de Paixões” e “Cordéis Minimalistas”. “O segredo da arca de Trancoso”, de 1997, tem sido montada em vários estados do Brasil e já foi encenada pelo elenco do Teatro Nacional D. M a r i a I I , e m L i s b o a . “Coiteiros de paixões”, de 2004, foi montada pela Cia. Teatro Promíscuo de São Paulo e traduzida para o espanhol e o francês.

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PONTE AÉREA | SÃO PAULO

QUATRO DICAS IMPERDÍVEIS EM SÃO PAULO Por UBIRATAN BRASIL

O CAMAREIRO

FOTO: Priscila Prade

FOTO: Divulgação

A COR PÚRPURA

O filme dirigido por Steven Spielberg em 1985 ainda é uma forte lembrança, mas que logo se dissipa quando o espectador assiste ao número de abertura de “A Cor Púrpura, o Musical”: trata-se de um longo e maravilhoso conjunto de cantos, que mistura spirituals, blues e gospels para apresentar a trama. É o ponto de partida para um tour de force de um elenco formado apenas por atores negros (uma raridade em montagens nacionais, infelizmente) apresentar a história de Celie, a jovem que, no início do século passado, é abusada pelo pai, que além de separá-la dos filhos, também a deixa longe da irmã caçula. Casada com Sir, que a trata como escrava, Celie vence os obstáculos até se firmar como mulher independente. Nesse momento, a plateia já está totalmente rendida à magia desse poderoso musical. LOCAL: Theatro Net SP Rua Olimpíadas, 360 - 5° Piso, São Paulo HORÁRIO: Sexta, às 20h30 | Sábado, às 17h e 21h30 | Domingo, às 19h PREÇO: A partir de R$ 37,50 DURAÇÃO: 180 min CLASSIFICAÇÃO: 12 anos

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Só pela presença de Tarcísio Meira valeria assistir a “O Camareiro”. O veterano ator, eterno galã de novelas, vive Sir, um velho intérprete que luta para manter seu repertório de Shakespeare em cartaz, em meio aos bombardeios que ameaçam um teatro inglês, durante a Segunda Guerra Mundial. Seu ponto de apoio é Norman (Cassio Scapin), o fiel camareiro que o ajuda tanto a se vestir como a se lembrar do texto shakespeariano. Na verdade, ele é seu principal incentivador de vida. Escrito por Ronald Harwood e já duas vezes levado ao cinema, o texto tem direção segura de Ulysses Cruz, que cria um ambiente de refúgio em meio ao caos do lado de fora, uma bela metáfora aos dias atuais em que a arte, mesmo fustigada, ainda é o melhor caminho da salvação. LOCAL: Teatro FAAP R. Alagoas, 903 - Higienópolis, São Paulo HORÁRIO: Sexta e sábado, às 21h | Domingo, às 18h PREÇO: A partir de R$ 100 DURAÇÃO: 120 minutos, com intervalo. CLASSIFICAÇÃO: 12 anos


PONTE AÉREA | SÃO PAULO

FOTO: Sillas H

LYSON GASTER NO BOROGODÓ

FOTO: Duda Portella

PRETOPERITAMAR O CAMINHO QUE VAI DAR AQUI

“Pretoperitamar – O Caminho que Vai Dar Aqui” não é um simples musical biográfico, que busca contar de forma linear a trajetória de Itamar Assumpção, músico que faria 70 anos em 2019. Assim como ele, o espetáculo é múltiplo, assemelhando-se até a uma opereta. Com direção geral e idealização de Anelis Assumpção, Itamar é lembrado por performances únicas no palco, com os atores utilizando o marcante par de óculos escuros para declamar poesia marginal. Uma luta inglória do artista que queria ser popular sem perder o preciosismo. A dramaturgia é assinada por Grace Passô e Ana Maria Gonçalves, artistas que souberam dimensionar a linguagem politizada de Itamar sem perder o interesse e a dimensão dessa criação. Um espetáculo sensorial. LOCAL: Sesc Pompeia R. Clélia, 93 - Água Branca, São Paulo HORÁRIO: Quinta a sábado, 21h | Domingo, 18h De 9 a 19 de janeiro PREÇO: A partir de R$ 12 CLASSIFICAÇÃO: 16 anos

POR UBIRATAN BRASIL

Lyson Gaster era o nome artístico de Agostinha Belber Pastor, uma espanhola que foi criada em Piracicaba, interior de São Paulo, e que criou uma companhia teatral que levava seu pseudônimo. Suas viagens pelo interior do Brasil entre os anos 1920 e 1948 foram saudados por artistas como Procópio Ferreira e Eva Todor, que elogiavam seu pioneirismo. Tal personagem é o tema do espetáculo “Lyson Gaster no Borogodó”, que apresenta a artista que, ao lado de outros, construíram o que seriam os primórdios dos musicais de hoje a partir do teatro de revista. Com direção de Carlos ABC, o espetáculo traz preciosidades do cancioneiro, como Rua do Ouvidor, além de músicas já consagradas como “No Rancho Fundo” e “Luar do Sertão”. Uma rara oportunidade de se (re)descobrir uma figura já esquecida. LOCAL: Teatro Itália Avenida Ipiranga, 344 – República, São Paulo HORÁRIO: Quinta a sábado, 21h | Domingo, 19h De 18 de janeiro a 15 de fevereiro PREÇO: R$ 30 DURAÇÃO: 90 min CLASSIFICAÇÃO: Livre

Editor do Caderno 2, do Estado de São Paulo, desde 2011. Como repórter, cobriu desde a cerimônia do Oscar até a Feira do Livro de Frankfurt. Trabalhou também como repórter esportivo, com coberturas de duas Copas do Mundo e duas Olimpíadas.

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COM A PALAVRA, O CAMAREIRO

Valtinho, dos hospitais às maquiagens Profissional conta sobre o dia em que esqueceu o vestido de Lana Lee, personagem de Edwin Luisi em “Tango, Bolero e Cha Cha Cha”, no congelador do hotel Por REDAÇÃO

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Edwin Luisi em “Tango Bolero e Cha Cha Cha”: vestido no congelador. FOTO: Tudo Novo de Novo.

alter Rocha, mais conhecido como Valtinho, respira teatro desde que era criança, quando, ainda muito novo, tinha aula de artes cênicas como matéria curricular, ao lado de matérias como matemática e português. “Gostava de atuar, mas não segui a carreira, não dava pra mim, acabei me formando em Patologia

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Valter Rocha. FOTO: arquivo pessoal

Clínica, atuando por mais de 10 anos em hospitais e laboratórios”, conta. Paralelamente, fez cursos, workshops de maquiagens e cabelos, porém atuando muito como autodidata. Até que um dia, o indicaram para maquiar e pentear em um espetáculo profissional. “Foi quando pedi licença sem vencimentos no hospital e fui fazer a temporada de ‘Péricles, O Príncipe de Tiro’. Foi meio assustador, um elenco de primeira linha. Achava até que era demais para mim, um mero mortal. Mas dei cont a d o re c a do e nunca mais larguei o teatro. Pedi demissão do hospital”, recorda-se. Nesse tempo, Valtinho passou a trabalhar como maquiador e camareiro, costurando, maquiando e penteando os atores quando necessário. Colecionando histórias, ele se recorda de quando

fazia o premiado espetáculo “Tango, Bolero e Cha cha cha”. Trabalhava como camareiro e maquiador do ator Edwin Luisi, que fazia a personagem de Lana Lee, uma atriz trans brasileira com carreira em Paris. “Um dia, não sabemos como, tinha um chiclete colado no primeiro vestido com o qual ele começava a peça. Pesquisei e para tirar o chiclete sem problemas, era preciso colocar a peça no congelador para, depois que endurecesse, saísse com mais facilidade. Coloquei o vestido no congelador da geladeira no quarto do hotel”, conta. “No dia seguinte, cheguei no teatro, fiz a maquiagem, coloquei a peruca, os enchimentos e já quase na hora de ele entrar, fui pegar o vestido... Cadê? Havia esquecido dentro da geladeira do hotel, que era bem longe do teatro. Gelei, foi horrível! Pegamos um vestido já velho, com um rasgo. Rapidamente, costurei, passei a ferro e o vesti! Foi muito tenso! Hoje, rimos muito dessa história. Ufa”!



NAS REDES

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casal mais famoso do teatro musical, Claudia Raia e Jarbas Homem de Mello, passou o réveillon na badalada cidade de Trancoso, na Bahia. Eles fizeram curtíssima temporada no Rio de Janeiro do espetáculo “Conserto Para Dois” e prometem reestreiar o elogiado musical em junho, em São Paulo.

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ntusiasta do teatro, a c a n to ra D a n i e l a Mercury lançou nas plataformas digitais a música “Triatro”, que promete agitar os foliões no Carnaval 2020. Daniela já homenageou o teatro no trio, com direito a cantoria com Wilson di Santos, vestido como a freira Maria José, sua personagem na comédia “A Noviça Mais Rebelde”. Para o clipe de “Banzeiro”, Daniela convidou a Companhia Baiana de Patifaria, trupe capitaneada por Lelo Filho que está em cartaz há mais de 30 anos com o besteirol “A Bofetada”.

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NAS REDES

B

rindando a chegada de 2020, César Boaes e Adeílson Santos tem muito o que comemorar. A trupe de São Luís do Maranhão volta ao cartaz com o Cabaré Pão com Ovo no lindíssimo Teatro Arthur Azevedo, de 16 a 19 de janeiro. Em agosto de 2019, a Cia Santa Ignorância se apresentou por lá lotando todos os 756 lugares da casa, inclusive nas sessões extra. A gente foi até lá pra conferir o sucesso do grupo e o vídeo com a cobertura do Quero Teatro estará disponível em YouTube.com/queroteatro a partir de 12 de janeiro.

L

inda como sempre, Carolina Dieckmann também postou foto desejando feliz ano novo aos seus 5,4 milhões de seguidores no Instagram. No ano passado, a cantora apresentou “Karolkê”, espetáculo despretensioso onde canta músicas populares acompanhada pelo músico Feyjão. Na apresentação do Teatro Fashion Mall, uma ilustre da plateia se animou e levantou para cantar no karaokê de Carol. Quem? Ivete Sangalo! Sorte de quem estava lá. JANEIRO 2020

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NAS REDES #TEATRO

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ator ítalo-brasileiro Bruno Cabrerizo passou o réveillon na Itália, visitando seus dois filhos, Gaia e Elia. Namorado da atriz Carol Castro, Cabrerizo vai beijar em cena o ator Ciro Sales, no espetáculo off Broadway “O Marido de Daniel”, que estreia no dia 15 de janeiro no Teatro PetraGold, no Leblon. A direção é de Gilberto Gawronski e no elenco, também estão Alexandre Lino, Dedina Bernardelli e José Pedro Peter.

M

ariana Xavier está com tudo em 2020. Sucesso nas telonas como a Marcelina do filme “Minha Mãe É uma Peça 3”, a atriz vai estrear seu primeiro monólogo, dirigida por Ana Paula Bouzas e Lázaro Ramos, em texto inédito de Gustavo Pinheiro. No dia 10 de janeiro, as cortinas do Teatro Bangu (RJ) abrem-se ao público para apresentar Dizuite, uma faxineira da Central de Apoio aos Desesperados (uma espécie de CVV) que passa a atender as ligações quando a psicóloga plantonista falta ao trabalho. Já estão confirmadas temporadas da comédia em Campinas, São Paulo e Brasília.

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TEATRO NA WEB

DENISE STOKLOS E SEU TEATRO ESSENCIAL ON-LINE Direcionado para atores, aulas vão de vídeos gratuitos a lives e mentorias presenciais para pequenos grupos Por REDAÇÃO

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enise Stoklos n a s ce u e m I r at i , no Paraná e é uma importante dramaturga, encenadora e atriz brasileira com ascendência ucraniana. Começou sua carreira em 1968, enquanto cursava sociologia e jornalismo. Trabalhou no Rio e em São Paulo, antes de mudar-se para Londres, em 1977, onde estudou mímica e desenvolveu um estilo próprio. Nos anos 1980, foi para a Califórnia, onde montou o espetáculo “Elis Regina”. Nos anos seguintes, participou de uma novela da Rede Bandeirantes, apresentou “Mary Stuart” em Nova York e chegou a receber um Prêmio da Fundação Guggenheim (dona de uma série de museus internacionais). Denise já representou suas vinte peças em sete idiomas, apresentou-se em

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cerca de trinta países e escreveu sete livros. É ela a responsável pelo importante método do teatro essencial. Na internet, a dramaturga tem uma forte presença, sendo responsável por ministrar diferentes cursos (alguns 100% on-line e gratuitos) que estão disponíveis tanto em sua página na web, quanto em seu canal no Youtube. Por lá, ela costuma fazer lives e postar muito conteúdo direcionado para atores. DENISESTOKLOS.COM.BR


TEATRO NA WEB

9 passos para criação da sua solo performance: É um programa onde Denise mostra passo a passo como criar uma solo performance do zero. “Para que você possa transformar sua forma de atuar através da metodologia do teatro essencial, para que você possa se tornar capaz de criar suas próprias oportunidades sem depender de convites para trabalhar com sua paixão”! Treinamento ator essencial: Neste curso, Denise reúne de maneira estruturada orientações que propõe aos participantes para que estes possam desenvolver, fortalecer e expandir seu próprio trabalho artístico por meio do teatro essencial. Imersão Ao Vivo Teatro Essencial: Evento ao vivo de 3 dias, que acontece 1 vez ao ano, na cidade de São Paulo.

Hiperconectada, as vídeo aulas de Denise no YouTube fazem sucesso entre os atores. FOTO: Lee Kyung Kim

Confira a seguir algumas das aulas disponíveis no site de Denise: Treinamento Teatro Essencial: É um curso que reúne de maneira estruturada as orientações que Denise propõe para que os participantes possam desenvolver uma mudança significativa na sua expressão e na sua vida, pra que elas se tornem cada vez mais essenciais e conectadas com seu jeito de ser. “É um programa que criei com base nos meus 50 anos de carreira, e inclui a maior sistematização e organização sobre as técnicas que utilizo no meu trabalho e que desenvolvi junto aos meus alunos”, escreve Denise.

Mentoria Teatro Essencial: A “Mentoria” é um programa intenso sobre transformação com artistas de teatro e também profissionais de outras áreas. Direcionado para grupos pequenos (entre 4 a 10 participantes), aqui Denise proporciona uma atenção personalizada, acompanhando um estudo de caso específico sobre cada participante. Os encontros ocorrem quinzenalmente com a duração total de seis meses, em que o sujeito traz um desafio central que é encarado com força e potência através dos princípios bases do Teatro Essencial. Este programa inclui: encontros on-line, seminários, laboratórios temáticos, estudo de caso, workshop de imersão presencial, oficinas técnicas customizadas, acompanhamento personalizado, coaching de vida e profissão, participação em comunidade exclusiva no Facebook e eventos culturais acompanhados por Denise Stoklos, dentre outras surpresas.

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LEITURA DE PALCO

UM CIRCO DE RINS E FÍGADOS: O TEATRO DE GERALD THOMAS Diretor de teatro com carreira internacional lança livro reunindo 24 peças Por REDAÇÃO

Marco Nanini e Fabiana Gugli no espetáculo “Um Circo de Rins e Fígados” (2005). FOTO: Flavio Colker

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ecentemente, em dezembro de 2019, foi lançado o livro “Um Circo de rins e fígados: o teatro de Gerald Thomas”, que consiste em uma reunião das peças escritas e montadas por Thomas no Brasil e no exterior. A obra apresenta os textos integrais de 24 peças acompanhadas de suas respectivas críticas

TO: Jair Magri Gerald Thomas. FO

de época, e traz ainda ensaios da organizadora Adriana Maciel, do jornalista Dirceu Alves Jr. e da professora de teoria do teatro Flora Süssekind.

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O livro configura-se como o mais completo em língua portuguesa sobre a profícua JANEIRO 2020

produção autoral desse dramaturgo brasileiro, abrangendo até mesmo o texto de sua peça mais recente, “Dilúvio”, encenada no Teatro SESC Anchieta no final de 2017. Os textos teatrais escritos por Gerald Thomas são


LEITURA DE PALCO

do teatro brasileiro. Criado pela Tuut design, o projeto gráfico do livro tomou como ponto de partida uma declaração de Gerald Thomas, que define uma peça de teatro como um organismo vivo. Segundo ele: “Quando o ator respira, o público está respirando junto, então o nosso pulmão atinge o pulmão do público. Logo, o teatro funciona como um órgão enorme, um coração, por exemplo, que inspira e expira, e o público inspira e expira junto com o ator. Isso faz com que o teatro se transforme em um pequeno universo”. O conceito adotou uma estética que transmite ousadia e experimentação, marcas do trabalho de Gerald. A lombada do livro fica exposta quando a capa é aberta, revelando que a marca desse projeto é sua estética visceral na

vivos: emolduram-se à vivacidade dos atores em cena. Organizá-los em um único volume é um registro importante da força da palavra no palco, sem que seja somente ela a motriz de um diretor inquieto, provocador e tão importante para a história

exploração das partes para formar um todo que traduza a sua essência. Atualmente, Gerald Thomas está preparando “Gastrointestinal Prayer”, um solo com a atriz Lotte Andersen que estreia em Copenhagen, em março de 2020. Para o Brasil, ele está escrevendo uma nova peça inspirada em Rembrandt, prevista para estrear em São Paulo no segundo semestre de 2020. Um circo de rins e fígados: o teatro de Gerald Thomas Organizadora: Adriana Maciel Edições SESC São Paulo 2019 Páginas: 594 Preço: R$ 95,00

O texto de sua peça mais recente, “Dilúvio”, encenada no Teatro SESC Anchieta no final de 2017, também está registrado no livro. FOTO: Ramón Vasconcelos

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TV

“O CRAVO E A ROSA, O MUSICAL” A ousada e bem-sucedida ideia de Izabella Bicalho de transformar uma novela em teatro musical Por REDAÇÃO

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m dezembro do ano passado, cumpriu apenas uma semana de temporada no Teatro PetroRio das Artes, no shopping da Gávea, o espetáculo “O Cravo e a Rosa, o Musical”, uma prática de montagem com produção do CEFTEM (Centro de Estudo e Formação em Teatro Musical), em parceria com a atriz e produtora Izabella Bicalho, que assina o texto da produção. Livremente inspirada na novela homônima de Walcyr Carrasco, a peça traz à memória do espectador cenas clássicas da novela que já foi reprisada quatro vezes, desde sua primeira exibição em junho do ano 2000. Baseada no clássico de Shakespeare “A Megera Domada”, a história mostra a relação incendiária de Catarina e Petruchio, vividos na novela por

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Adriana Esteves e Dú Moscovis. A doce Bianca, irmã de Catarina, quer se casar com Lucêncio, mas para tal, seu pai coloca como condição o casamento da geniosa Catarina. Atraído p e l o d ote , Petruchio aceita a difícil missão de conquistar a megera. Catarina é uma mulher à frente do seu tempo, feminista e idealista que luta pelo direito das mulheres, para poderem votar e conquistar respeito. Ela não quer casar e nem ocupar o pa-

Paulo Oliveira (Petruchio) e Izabella Bicalho (Catarina): química entre casal de atores. FOTO: Rodrigo Lopes.


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pel destinado às mulheres da sua época. Petruchio também não acredita no casamento e quer apenas cuidar da sua produção de queijos da fazenda e praticar seu hobby preferido: as artes culinárias.

ca usual em montagens de formatura - o elenco se sobressai como um todo e está pronto pra entrar no circuito com a mesma grandiosidade de musicais estrelados e com patrocínio.

O jogo de mandos e desmandos entre o casal rende divertidíssimas cenas ao espectador do musical, como a cena em que Petruchio pega carona no carro de Catarina, duvidando da sua direção. Os atores se revezam no papel de galinhas, figurantes, coro e arrancam boas gargalhadas da plateia. A direção de Rafaela Amado soube explorar a qualidade e a quantidade do elenco. Revezandose em dois grupos nos papéis principais - práti-

O cenário traz panelas de cobre suspensas que logo remetem ao universo rural pra onde a trama caminha. A direção musical do espetáculo é de Cláudia Elizeu e as músicas originais ficaram por conta de Tony Lucchesi e Menelick de Carvalho, dupla do teatro musical em ascensão meteórica. A trilha escolhida inclui clássicos como “Rosa”, de Pixinguinha, canções originais e também a música tema da abertura da novela, “Jura”, um samba da

Adriana Esteves e Dú Moscovis como Catarina e Petruchio, na novela dos anos 2000 que já foi reprisada quatro vezes. FOTO: Divulgação/TV Globo.

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década de 1920 composto por Sinhô e já gravado por Noel Rosa e Zeca Pagodinho. Faltou apenas a canção “Tua Boca” (Mel, tua boca tem o mel…), que, embora se inclusa destoasse das demais, foi trilha marcante da novela na voz de Belo. Sobre como surgiu a ideia do espetáculo, Bicalho explica: “A ideia nasceu da minha paixão pela novela, visto que novelas foram as minhas primeiras experiências artísticas quando eu era criança! Esta novela especificamente foi uma das últimas de direção do Walter Avancini, um diretor incrível que trouxe coisas maravilhosas para a TV. No caso de ‘O Cravo e a Rosa’, foi uma novela direcionada

Leandra Leal e Rodrigo Faro viveram Bianca e Heitor na novela das 18h. FOTO: Divulgação/TV Globo.

para o público das 18h que sutilmente discutia a transformação dos papéis do homem e mulher na instituição do casamento. Um trabalho único que juntava o entretenimento com a reflexão de forma divertida e emocionante. Portanto, a ideia de fazer um

musical veio da paixão que tenho por este trabalho tão significativo”. No teatro, a versão apresentada ganhou ares mais feministas e políticos que o folhetim leve apresentado primeiramente no horário das 18h. Algumas tramas foram atualizadas em seu discurso, sem nada afetar a graça e leveza da novela original. “No musical, a discussão sobre os papéis dos homens e da mulher no casamento é o tema central, como pano de fundo as mudanças políticas importantes que aconteceram neste período da década de 1920. Outra mudança diz respeito ao triângulo amoroso de Bianca, Hugo Minervini (Heitor) e Luiza Lewicki (Bianca). FOTO: Rodrigo Lopes.

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Pedro Paulo Rangel e Suely Franco: Mimosa e Calixto marcaram a carreira do casal de atores. FOTO: Divulgação/TV Globo.

Heitor e Professor. Este também ganhou um final inesperado. Tudo inspirado pelas discussões contemporâneas sobre o papel de ambos na sociedade atual. As Sufragistas, mulheres que lutavam pelo direito de voto, também estão fortalecidas na nossa trama” – completa Bicalho.

Até o fechamento desta edição, o musical não tinha retorno aos palcos confirmado. Porém, o espetáculo tem potencial para ser um novo “Book of Mormon”, a montagem universitária da Unirio que rompeu as barreiras do campus estudantil e fez diversas temporadas de sucesso no Rio de Janeiro. “O Cravo e a Rosa, o Musical” pode ficar anos em cartaz sustentado pela bilheteria, visto que certamente agradará jovens e idosos que assistiram ou não a novela. Para acompanhar o espetáculo, siga no Instagram @ocravoearosa.musical.

Lis Maia (Mimosa) e Rodrigo Becker (Calixto): como na novela, casal arrancou boas gargalhadas da plateia. FOTO : Ro d r i g o Lopes.

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NO PALCO SEM PERSONAGENS Estrelas do teatro musical, Sabrina Korgut, Beto Sargentelli e Juliane Bodini estreiam em shows solo Por REDAÇÃO

Juliane Bodini (ao centro), com o elenco de “Dançando no Escuro” (2017), adaptação do filme de Lars von Trier, onde viveu a protagonista Selma. FOTO: Nana Moraes.

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antar é um chamado. É o que percebemos entrevistando três cantores que, acostumados ao universo dos musicais, resolveram se arriscar em carreiras solo. São eles: Sabrina Korgut, que despontou com o show “Femminile”, um especial de músicas italianas; Beto Sargentelli, que foi destaque em “2 Filhos de Francisco” e agora, em carreira solo, lança “Nas 4 estações”; e Juliane Bodini, que estreou o show “Brio”, com repertório eclético de releituras que vão de Sade a Dominguinhos, Adriana Calcanhotto e Whitney Houston. Confira a entrevista que a Revista #INCITARTE realizou com os três para saber como tem sido esse novo passo na carreira dos artistas. Quais as principais diferenças entre cantar em um musical e cantar em um show solo? Sabrina Korgut: A grande novidade é me redescobrir em cena. A Sabrina Korgut despida de qualquer personagem. Mesmo com toda experiência e carreira, ainda assim é um lugar novo e confesso que fascinante. Beto Sargentelli: As diferenças para cantar já existem tanto entre os musicais e seus estilos quanto na carreira fonográfica. Na carreira de ator, é fundamental que haja versatilidade vocal e cênica para viver personagens distintos sem se tornar um ator limitado a viver apenas um

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estilo e tipo de personagem. Especificamente nos musicais, é fundamental que se estude muito para cantar todos estilos de música, o ideal é que nos tornemos um Ator/ Cantor Crossover (Versátil, que passeie pelos estilos). Em minha trajetória tive e tenho o prazer de utilizar estilos de canto variados, Legit, Belting, MPB, Rock, Pop e Sertanejo. Já na música, junto ao meu produtor musical, definimos o estilo POP, que abraça e agrega muitas variações de estilo, como norte da carreira solo e lançamento de minhas músicas, justamente pelo estilo ser abrangente e me deixar livre para “temperar” as canções e composições livremente a cada lançamento.

Juliane Bodini: Nossa! A maior e mais desafiadora diferença entre as duas situações é, sem dúvida, que quando estou cantando em algum musical não sou eu quem está ali, é a personagem do momento, dando voz a algum discurso, seja ele qual for. Quando estou cantando no meu show, por exemplo, ou no karaokê, ou no chuveiro, sou eu que estou ali desnuda, sem poder usar a bengala de uma personagem que vem antes de mim para dar conta daquela canção. Isso é desesperador. Fico com muita vergonha. Para mim, cantar sendo eu mesma é muito mais difícil, mas ao mesmo tempo instigante.


MÚSICA De que forma a experiência com musicais reflete na sua carreira solo? E nas escolhas daquilo que você canta? Sabrina Korgut: Cantar sempre fez parte da minha vida, desde criança e da minha carreira com musicais. O canto me permite muitas coisas. Me permite tocar corações, ativar memórias, trazer alegria e o trabalho como atriz me permite ir mais fundo nas interpretações. Beto Sargentelli: Engraçado, pois ao mesmo tempo que há relação por se tratar do canto em si, não vejo influência alguma dos espetáculos que fiz em minhas composições e/ou escolha de repertório para os meus shows. Claro que incluo algumas canções dos musicais que fiz em meu show, mas são basicamente canções que já eram do mercado fonográfico, músicas do Queen e Elton John, por exemplo.

Juliane Bodini: Estar em cena é o que eu mais amo fazer na vida, sendo um espetáculo apenas com texto ou um espetáculo musical. Sou muito apaixonada pela ideia de atrelar a canção a um texto teatral, por isso o meu amor pelos musicais também. Quando estou em cartaz em algum musical, eu fico sempre muito radiante pela oportunidade que estou tendo de juntar as duas coisas que mais amo fazer: atuar e cantar. Certamente, o musical me dá uma base muito sólida e me prepara para me aventurar na música, pois tenho a oportunidade de interpretar as canções através dos personagens que me são dados e isso me faz adquirir certo estado interno que tanto me ajuda na hora de interpretar uma canção. Engraçado que a maioria dos musicais que eu fiz foram musicais brasileiros e todos eles muito alinhados ao meu gosto musical. Gosto muito de M P B , B o s s a Nova e t u d o que é muito brasileiro. O primeiro musical da Broadway que eu fiz foi esse ano, o “Company” e amei cantar aquelas músicas superdifíceis e de arranjos complicados. Confesso que depois dessa experiência, fiquei encantada pela Broadway também. Quero mais!

“Recebi o convite de Hélio Bernal, o empresário de Zezé Di Camargo e Luciano, para me lançar na carreira Pop.” FOTO: Cíntia Carvalho.

“Mesmo com toda experiência e carreira, ainda assim é um lugar novo e confesso que fascinante.” FOTO: Roberto Cardoso Jr.

Como foi a descoberta da música para você? Sabrina Korgut: Eu sempre gostei do repertório italiano. A língua já traz uma sonoridade interessante. E quando resolvi pesquisar com mais atenção o que as músicas diziam, percebi que existia algo que dialogava com o feminino. Amor, dor, paixão, a sedução… E resolvi resgatar esse repertório e decifrar as suas camadas. Beto Sargentelli: A música sempre foi algo muito latente desde sempre em minha vida, assim como o teatro. Nasci em família de artistas, meus avós eram músicos mesmo não tendo isso como principal profissão, meu pai era ator, cantor e músico, além de fotógrafo. Minha mãe é cantora e também pedagoga. Recentemente descobri que meu tio, mesmo não tendo seguido carreira, fez parte da companhia de Plínio Marcos na adolescência. Sem contar o fato de eu ser sobrinho neto de Osvaldo Sargentelli (que era sobrinho de Lamartine Babo!), que dei-

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MÚSICA xou seu legado junto ao samba e a história da música no Brasil. Enfim, aos 12 anos comecei a cantar e tocar violão e bateria, tive 5 bandas de variados estilos como vocalista e paralelamente a isso, com a mesma idade, comecei a fazer teatro e entrei em minhas primeiras companhias de teatro ainda muito moleque. Eu jamais deixei a música (enquanto mercado) de lado, mas ela acabou ficando em segundo plano quando comecei a ser bem-sucedido na carreira de ator, devido à falta de tempo hábil, pois foquei na graduação em artes cênicas e as temporadas também são muito exigentes e tomam a maioria dos dias da semana. Além também de agora ser produtor e produzir meus próprios espetáculos e estar sempre ministrando meus workshops e aulas particulares pelo Brasil. Mas meu retorno na marra para o mercado fonográfico se deu quando, logo após protagonizar o musical “2 Filhos de Francisco”, recebi o convite de Hélio Bernal, o empresário de Zezé Di Camargo e Luciano, para me lançar na carreira Pop. Mesmo em meio a loucura de agenda venho tirando tempo e madrugadas para dar conta de tudo e não me arrependo nem um minuto. Estou amando fazer tudo e de tudo.

Juliane Bodini: Quando eu tinha 11 anos, meu pai me a p re s e n to u Je s s é e E l i s . Fiquei muito encantada com aquilo tudo, com aquela sonoridade tão brasileira e de tanta qualidade para os meus ouvidos e comecei a futucar tudo que conversava com aquilo ali. Eu ouvia Chico, Tom, Vinicius, Novos Baianos, Gal, Caetano, Gil, Maysa, Doces Bárbaros, Nara Leão, Dolores Duran, Carmen M i ra n d a , B et h â n i a , C l a ra Nunes, Pixinguinha, Adoniran Barbosa, Dominguinhos, Elba, Zé Ramalho... Enfim, eu era uma criança velha. Eu descobri que eu cantava quando eu tinha 8 anos. Um belo dia, ouvindo Ivete Sangalo cantando “Sá Marina” num cassete lá em casa, eu percebi que quando imitava a Ivete cantando, eu fazia igual. Aí eu pensei: “ih, eu acho que sei cantar”. Minha mãe não aguentava mais, porque era todo dia um tal de “canta, canta” pra cá, um “canta, canta” pra lá. Pedia de presente: microfones, karaokês, DVDs da Elis e por aí ia... Acho que não dava pra fugir do meu destino. Precisava da arte para viver.

Como tem sido a experiência da carreira solo? Sabrina Korgut: Um momento para eu olhar com carinho para mim e para a artista que sou. Escutar a minha voz, libertar meus movimentos, ser plena do meu feminino e proporcionar um belo espetáculo para o público.

Beto Sargentelli e Bruno Fraga como Zezé di Camargo e Luciano no musical “2 Filhos de Francisco” (2017). FOTO: Manuela Scarpa / Brazil News.

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“Quando estou cantando no meu show, ou no karaokê, ou no chuveiro, sou eu que estou ali desnuda, sem poder usar a bengala de uma personagem que vem antes de mim para dar conta daquela canção. Isso é desesperador. Fico com muita vergonha.” FOTO: Los Padrinos Fotografia.

Beto Sargentelli: Tem sido uma delícia. O primeiro single lançado, “Nas 4 Estações”, está sendo um sucesso de streamings em todas as plataformas de música e visualizações do clipe no Youtube, além de nosso show de lançamento no Paris 6 Burlesque, onde tivemos a casa lotada. E vem mais coisa boa por aí, acredito que até a publicação desta entrevista já teremos lançado a segunda música e seu respectivo clipe que vem com muitas surpresas bacanas! Juliane Bodini: Minha carreira solo ainda é um embrião que estou estudando milímetro por milímetro para que seja exatamente o que eu gostaria ou sempre sonhei que fosse. Sou muito detalhista. Vou gravar um single e vou lançá-lo depois do carnaval. Depois disso, devo fazer um show de lançamento, mas tudo com muita calma para que eu esteja exatamente certa do que estou fazendo. Mas confesso que estou começando a gostar dessa coisa de cantar sendo eu. É tudo novo e excitante!


UMA PEÇA QUE ME MARCOU

“ALÔ, DOLLY!” Trabalho com Miguel Falabella e Marília Pêra marcou a carreira de Ivan Parente Por REDAÇÃO

“Ninguém saía da sala de ensaios nem para tomar água quando Miguel e Marília estavam contracenando”, relembra Ivan. FOTO: Caio Gallucci.

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peça que mais me marcou foi a que me trouxe de volta aos palcos dos musicais de São Paulo, através das mãos do diretor Miguel Falabella, em 2012: Alô, Dolly! Fiquei ‘afastado’ por seis anos viajando com os espetáculos da Black & Red, do diretor Billy Bond, onde eu atuava, escrevia e também dirigia. Quando eu resolvi sair da companhia, foi totalmente sem perspectiva de trabalho. Cheguei a ouvir que estava velho para voltar

a atuar nos musicais de São Paulo ou que o mercado não iria me absorver mais, mas Falabella me chamou dois meses depois para integrar o Ensemble do musical “Alô, Dolly”, onde ele seria o protagonista ao lado da grande Marília Pêra. Os ensaios eram regados à gargalhadas e aprendizados. Marília e Miguel nos brindavam com cenas hilárias e improvisos milimetricamente perfeitos. Aprendíamos com eles e ainda ganhávamos para isso

FOTO: Osmar Lucas.

Ivan guarda com carinho o lenço que recebeu de Marília Pêra quando teve de deixar o espetáculo para ensaiar “A Madrinha Embriagada”. FOTO: Mila Maluhy.

FOTO: Paula Kossatz.

(risos). Ninguém saía da sala nem para tomar água quando os dois estavam contracenando. Eu fui premiado com uma cena ao lado da Marília que me marcou pra sempre, fazia um juiz e ela se fazia de advogada, hilária, presente, humilde e pronta para o que eu precisasse. Nessa cena, eu era um juiz que se emocionava com tudo e um dia ela tirou da bolsa dela um lenço de pano e deu pra eu enxugar minhas lágrimas. Ela fez isso a temporada toda, até que no meu último dia do musical (porque tive que sair antes para começar a ensaiar ‘A Madrinha Embriagada’ e ela ficou bravíssima), ela me deu esse lenço, que guardo na minha gaveta até hoje. Sempre me emociono quando me lembro desse musical porque, primeiro, é o musical que o Miguel mais ama, segundo, foi minha volta aos palcos do eixo Rio-São Paulo, e terceiro, por contracenar com Marília Pêra e ao lado de um dos elencos mais amorosos que já participei na minha vida toda. Coxia incrível! Pessoas incríveis! Aprendizados mil! Difícil de esquecer…

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FOTO: Luís França

ESPECIAL

PREMIAÇÃO ON-LINE CONECTA TEATRO À INTERNET Destaque Imprensa Digital celebra os melhores do teatro musical e une veículos de imprensa cultural da web Por CLÁUDIO SOUZA

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m 10 de dezembro de 2019, o público conheceu os vencedores da terceira edição do prêmio Destaque Imprensa Digital (ou DID, como também é conhecido), uma cerimônia completamente on-line que reconheceu os talentos do teatro musical na última

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temporada. Idealizado por Joaquim Araújo, o prêmio conta ainda com organizadores de outros veículos da imprensa digital on-line especializada em cultura. A premiação reúne também 18 jurados de diversos portais digitais no intuito de prestar uma homenagem aos artis-

tas que se destacaram no palco ao longo do último ano. A cerimônia completa de 2019 dos anos anteriores está disponível em destaqueimprensadigital.com.br. Ao todo, 32 musicais foram avaliados em 2019 e 10 categorias contempladas com troféus,


ESPECIAL revelados em uma transmissão ao vivo no Teatro Doutor Botica. E, como não poderia faltar, a cada ano, os artistas relembraram músicas dos espetáculos que concorreram naquela edição. Ao longo de seis apresentações, participaram neste ano Sara Sarres, João Felipe Saldanha, Thiago Machado, Giulia Nadruz e Bruno Narchi acompanhados ao piano por Anderson Beltrão e Rodolfo Schwenger. A abertura, ficou a cargo dos vencedores do ano anterior na categoria melhor musical estrangeiro “Peter Pan

- O Musical da Broadway” e contou com um dueto de Mateus Ribeiro e Karina Mathias. Vencedores edição 2019 Em 2019, o musical “Elza”, que levou ao palco a trajetória de Elza Soares, faturou quatro troféus no DID: destaque para atriz (Larissa Luz), direção (Duda Maia), destaque musical brasileiro (Sarau Agência) e direção musical (Pedro Luís, Larissa Luz e Antônia Adnet). Já “Chaves - Um Tributo Musical”, que celebra o conhecido humorístico de Roberto Gómez Bolaños levou três troféus: melhor roteiro

original (Fernanda Maia), ator coadjuvante (Diego Velloso) e atriz coadjuvante (Carol Costa). Também de inspiração latina vem outro vencedor: “Zorro - Nasce Uma Lenda”, que faturou o prêmio de melhor coreografia (Bárbara Guerra e Johnny Camollese). O novato Arthur Berges, protagonista da montagem de “Escola do Rock” foi o vencedor na categoria de melhor ator, enquanto o destaque de musical estrangeiro ficou para “Billy Elliot”. As duas produções são assinadas pela produtora Atelier de Cultura. Giulia Nadruz, Thiago Machado e Bruno Narchi: Companhia Paralela concorreu na categoria Destaque Musical Estrangeiro por “Tick, Tick... Boom!”

FOTO: Luís França

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ESPECIAL

INDICADOS/VENCEDORES DESTAQUE COREOGRAFIA • Alberto Venceslau | Se Essa Lua Fosse Minha• Alonso Barros | Pippin • Bárbara Guerra (Coreografia) e Johnny Camollese (Coreografia de Flamenco) | Zorro – Nasce Uma Lenda • Deborah Colker | O Frenético Dancin’ Days • Victor Maia | 70? Década do Divino Maravilhoso – Doc. Musical

DESTAQUE ROTEIRO ORIGINAL • Fernanda Maia | Chaves – Um Tributo Musical • Marcos Nauer | 70? Década do Divino Maravilhoso – Doc. Musical • Newton Moreno | As Cangaceiras – Guerreiras do Sertão • Vinicius Calderoni | Musical Elza • Vitor Rocha | Se Essa Lua Fosse Minha

DESTAQUE ATOR COADJUVANTE • Beto Sargentelli | Billy Elliot – O Musical • Cleto Baccic | Escola do Rock – O Musical • Diego Velloso | Chaves – Um Tributo Musical • Pedro Arrais | As Cangaceiras – Guerreiras do Sertão • Thiago Machado | Tick, Tick… Boom!

DESTAQUE ATRIZ COADJUVANTE • Bel Lima | Pippin • Carol Badra | As Cangaceiras – Guerreiras do Sertão • Carol Costa | Chaves – Um Tributo Musical • Inah de Carvalho | Billy Elliot – O Musical • Lia Canineu | Sunset Boulevard

DESTAQUE ATOR • Arthur Berges | Escola do Rock – O Musical • João Felipe Saldanha | Pippin • Julio Assad | Sunset Boulevard • Marco França | As Cangaceiras – Guerreiras do Sertão • Mateus Ribeiro | Chaves – Um Tributo Musical

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Karina Mathias e Mateus Ribeiro: a dupla vencedora de 2018 na categoria Melhor Musical Estrangeiro por “Peter Pan - O Musical da Broadway”, abriu a noite da premiação com um dueto. Mateus Ribeiro também foi indicado na categoria Destaque Ator por seu trabalho como protagonista de ‘’Chaves – Um Tributo Musical”. FOTO: Luís França

DESTAQUE ATRIZ • Amanda Acosta | As Cangaceiras – Guerreiras do Sertão • Larissa Luz | Musical Elza • Marisa Orth | Sunset Boulevard • Sara Sarres | Escola do Rock – O Musical • Totia Meireles | Pippin

DESTAQUE DIREÇÃO • Duda Maia | Musical Elza • Fred Hanson | Sunset Boulevard • Mariano Detry | Escola do Rock – O Musical • Sergio Módena | As Cangaceiras – Guerreiras do Sertão • Zé Henrique de Paula | Chaves – Um Tributo Musical


ESPECIAL DESTAQUE DIREÇÃO MUSICAL • Carlos Bauzys | Sunset Boulevard • Daniel Rocha | Billy Elliot – O Musical • Fernanda Maia | As Cangaceiras – Guerreiras do Sertão • Jules Vandystadt | 70? Década do Divino Maravilhoso – Doc. Musical • Pedro Luís, Larissa Luz e Antônia Adnet | Musical Elza

DESTAQUE MUSICAL BRASILEIRO • As Cangaceiras – Guerreiras do Sertão | Velloni Produções Artísticas e SESI – SP • Chaves – Um Tributo Musical | Move Concerts

João Felipe Saldanha, protagonista de “Pippin”: musical da dupla Möeller&Botelho concorreu em 5 categorias, incluindo Destaque Ator para Saldanha. FOTO: Luís França

• Musical Elza | Sarau Agência • Merlin e Arthur – Um Sonho de Liberdade ao Som de Raul Seixas | Aventura Entretenimento • Se Essa Lua Fosse Minha | Lumus Entretenimento

Sara Sarres concorreu na categoria Destaque Atriz pelo seu trabalho em “Escola do Rock O Musical”. FOTO: Luís França

DESTAQUE MUSICAL ESTRANGEIRO (Versão brasileira) • Billy Elliot – O Musical | Atelier de Cultura Produções Artísticas • Escola do Rock – O Musical | Atelier de Cultura Produções Artísticas • Pippin | Möeller & Botelho • Sunset Boulevard | IMM Entretenimento e EGG Entretenimento • Tick, Tick… Boom! | Companhia Paralela

POR CLÁUDIO SOUZA

Jornalista formado pela FACHA com MBA em Comportamento do Consumidor pela ESPM-RJ. É o criador do portal “A Broadway é Aqui!”, dedicado ao teatro musical e jurado do Prêmio Brasil Musical. Também atua como Coordenador de Conteúdo no Mundo do Marketing.

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EM CARTAZ

A MENTIRA

A GOLONDRINA

Autor: Florian Zeller Direção e adaptação: Miguel Falabella Elenco: Miguel Falabella, Zezé Polessa, Karin Hils e Frederico Reuter. Sinopse: Um grande sucesso em sua temporada européia, o espetáculo “A Mentira”, de Florian Zeller, ganha em julho sua primeira montagem brasileira. Com assinatura da Atual Produções, o espetáculo foi adaptado e dirigido por Miguel Falabella, que também protagoniza a peça ao lado de Zezé Polessa, Karin Hils e Frederico Reuter. Com uma brilhante narrativa, “A Mentira” abre um diálogo instigante sobre fidelidade, honestidade e a realidade da monogamia em casamentos, conseguindo momentos tensos de mentiras – ou confissões acidentais – que fazem a audiência prender sua respiração, dosados habilmente com momentos de grande comédia. Classificação: 14 anos Teatro: Oi Casa Grande, Av. Afrânio de Melo Franco, 290 - a Dias/Horários: Sexta e sábados, às 20h e Domingo, às 18h Preço: A partir de R$ 40 (meia) Ingressos: tudus.com.br Instagram: @amentirabr

Autor: Guillem Clua Tradução: Tania Bondezan Direção: Gabriel Fontes Paiva Elenco: Tania Bondezan e Luciano Andrey Sinopse: Texto do espanhol Guillem Clua, “A Golondrina” foi inspirado no ataque homofóbico que aconteceu na Bar Pulse, em Orlando/EUA, e discute liberdade, diversidade e aceitação. A montagem brasileira tem produção de Odilon Wagner, direção de Gabriel Fontes Paiva e os atores Tania Bondezan e Luciano Andrey no elenco. O que nos torna humanos? Para Amélia (personagem de Tânia Bondezan) a resposta encontra-se na capacidade de sentir a dor dos outros como se fosse nossa. E este é o sentimento que corre ao longo da espinha dorsal de “A Golondrina”, sucesso de crítica e público em São Paulo. Duração: 90 minutos Classificação: 14 anos Teatro: Sesc Ginástico Av. Graça Aranha, 187, Centro Dias/Horários: De 16/01/2020 a 06/02/2020. De quinta a sábado, às 19h, e Domingos, às 17h Preço: R$ 30 (inteira) Descontos: Leve 1 kg de alimento e pague meia entrada. Ingressos: Somente na bilheteria Instagram: @agolondrinateatro

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RICARDO III

DIVALDO FRANCO E JOANA DE ÂNGELIS UMA MISSÃO DE AMOR

Autor: William Shakespeare Adaptação: Gustavo Gasparani e Sergio Módena Direção: Sergio Módena Elenco: Gustavo Gasparani Sinopse: “Ricardo III” narra um pedaço da história da Inglaterra. É um dos primeiros dramas históricos escritos por William Shakespeare e encerra em si um dos contos mais tenebrosamente sedutores que já se ergueram em cena. O texto traz uma visão rica dos bastidores políticos no que se refere à imoralidade e à ambição desmesurada para se alcançar o poder. Mesmo tendo se passado pouco mais de quatro séculos, os temas abordados servem para refletirmos sobre o mundo em que vivemos. “Ricardo III” discute a luta por poder, intrigas, e a hipocrisia da política. Duração: 90 minutos Classificação: 12 anos Teatro: Teatro Poeirinha, R. São João Batista, 104 Botafogo Dias/Horários: De 2 de janeiro a 16 de fevereiro. Quinta à sábado às 21h e Domingo às 19h Preço: R$ 30,00 (meia) Ingressos: Tudus.com.br Instagram: @ricardoiiiteatro

Texto e direção: Cyrano Rosalém Elenco: Rogério Fabiano e Érica Collares Sinopse: Um encontro emocionante de fé, amor e caridade entre o médium Divaldo Franco, um dos mais importantes divulgadores da Doutrina Espírita, e sua mentora espiritual, Joanna de Ângelis. Duração: 60 minutos Classificação: Livre Teatro: Teatro Vannucci, Rua Marquês de São Vicente 52, Shopping da Gávea Dias/Horários: De 2 de janeiro a 20 de fevereiro. Quintas às 18h Preço: R$ 70 Ingressos: tudus.com.br

Acesse queroteatro.com.br/emcartaz/

e confira a programação completa do teatro carioca!

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VAQUINHAS

TEAT(R)O OFICINA UZYNA UZONA ABRE FINANCIAMENTO COLETIVO PERMANENTE PARA MANUTENÇÃO DE DESPESAS

Zé Celso, após sessão de “Roda Viva”, no Teat(r) Oficina. O espetáculo esteve em cartaz recentemente na Cidade das Artes, no Rio de Janeiro. FOTO: Jennifer Glass.

Espaço que sedia companhia de Zé Celso foi reconhecido pelo jornal britânico ‘The Guardian’ como o teatro mais bonito e intenso do mundo Por REDAÇÃO

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o ano passado, o Teat(r)o Oficina Uzyna Uzona completou 61 anos sem ter grandes presentes de bodas de diamante. Segundo o grupo de José Celso Martinez Corrêa, o Zé Celso, estes têm sido os piores

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anos de investimento no trabalho da companhia e, consequentemente, na manutenção do espaço em que trabalham. Após três anos sem patrocínio, em colapso e precariedade do trabalho, o Teat(r)o Oficina criou um financiamento

contínuo na Benfeitoria, visando a continuidade de suas produções e manutenção do acervo e do edifício utilizado por eles, no Bixiga, em São Paulo. Os espetáculos têm em sua equipe por volta de


VAQUINHAS

60 pessoas. O trabalho é caro, valioso e exige dedicação. Manter a companhia ao longo do ano, seguir montando os espetáculos e manter o teatro que foi eleito o melhor do mundo pelo jornal The Guardian, é um desafio complicado. Além do prédio do Teat(r)o Oficina, que é de propriedade do Estado de São Paulo, mas tem todas as despesas – água, luz, limpeza, reparos – inteiramente mantidas pelo grupo, a Companhia mantém a casa de produção, um depósito de objetos de cena na rua São Domingos, um acervo de figurinos na rua major Diogo e um

depósito no sacolão, embaixo do minhocão, para grandes objetos. Além da montagem dos espetáculos, existe uma despesa mensal para esse acervo e para o time que realiza esse trabalho, sem falar na necessidade de treino dos atores e cyberartistas, nos trabalhos diários de música, dança, tecnologias e estudos. Criado coletivamente há 6 décadas por quase 2.000 pessoas, entre artistas e atuadores de todas as áreas, o Teat(r)o Oficina tem em seu diretor e encenador, Zé Celso, um símbolo de resistência. O prédio que sedia a companhia, uma obra de arte de Lina Bo Bardi e Edson Elito, é

tombado como patrimônio nacional e está localizado numa área que é um mangue fértil da cidade, que luta para não ter toda forma de vida, diversa e potente, esmagada pela especulação imobiliária. No Teat(r)o Oficina, arquitetura e encenação são indissociáveis e, por essa alquimia, em 2015, foi reconhecido pelo jornal britânico The Guardian como o teatro mais bonito e intenso do mundo, seguido pelo Epidaurus, na Grécia.

Confira em: https://benfeitoria.com/ teatroficina?ref=benfeitoria-pesquisa-projetos

Localizado no bairro do Bixiga, em São Paulo, a obra de arte de Lina Bo Bardi e Edson Elito foi tombada como patrimônio nacional. FOTO: Divulgação.

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COLUNISTA CONVIDADA

VILMA MELO

Falamos na Magia do Teatro, mas penso: E Magia Negra do Teatro? Sim, porque existe uma nítida defasagem entre a representatividade no teatro, e a representatividade negra na magia da cena carioca. Mas o que é a cena negra? A quantidade de artistas negros atuando dentro de qualquer dramaturgia, ou dramaturgia delineada especificamente para a atuação de artistas negros? Em 2017 houve uma virada na cidade, intensificou-se a produção de espetáculos negros, ao menos alguns estiveram mais fora da margem e inseridos no eixo cultural, que nos foi imposto socialmente. Ele existe, está aí e não podemos ignorá-lo. Muitos destes espetáculos mantém uma trajetória que atravessa este fatídico ano de 2019, onde somos espectadores e alvo de vários naufrágios. Mas, ainda

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bem que a lista de espetáculos é enorme, tanto que não seria possível escrevê-los aqui, pois sem dúvida acabaria com o espaço que me resta e ainda necessitaria de muito, muito mais. A cena preta carioca existe, re-existe, resiste brava e linda! Tanto que cito aqui o espetáculo “Esperança na Revolta”, que teve o diretor André Lemos, como primeiro negro em 31 edições do Prêmio Shell de Teatro do Rio, digo trinta e um anos, a ser laureado nesta categoria. E para nossa felicidade este ano não está diferente: das 9 categorias, temos 7 indicações para temática negra: dramaturgia, ator, atriz, figurino, iluminação, música e inovação, além, é claro, do espetáculo “OmbelaA origem das chuvas”, liderando o Prêmio CBTJ com 15 indicações. A produção de espetáculos negros vem se impondo

de tal forma que já não é possível ignorar. Está sendo tranquilo? Fácil? Claro que não! Mas não vim a essas páginas falar sobre o que todos já sabem: Da nossa batalha contra a invisibilidade, da nossa luta diária por mais representatividade, por poder ser, por poder estar. O Rio é uma vitrine. Colonial. A escalação de artistas é de uma responsabilidade social tamanha, pois dela também advém a mudança. A sociedade se vê retratada ou, o que desejam retratar dela. Neste próximo ano precisamos realmente agir como agentes transformadores, ao pé da letra, já que em 2019 começamos a deixar reto o que antes era curva. Estamos atrasados em relação a história? Sim! Porém firmes, fortes, íntegros e dignos. Não sei se em 2020, mas eu espero que ainda nesta minha humilde existência, eu não precise mais falar sobre a cena para artistas negros, e sim sobre a cena para nós: Artistas.


FOTO: Karen Gadrét.

COLUNISTA CONVIDADA

JANEIRO 2020

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