TFG 2021 - Rafael Kenzo - "O seu, o meu, o nosso ... Pacaembu!" - Memorial

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“ O MEU, O SEU, O NOSSO ... PACAEMBU! ” uma proposta de intervenção no complexo esportivo do pacaembu (memorial)

rafael kenzo ishimoto

trabalho final de graduação apresentado à faculdade de engenharia civil, arquitetura e urbanismo da unicamp orientador : rafael urano franjdlich

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Agradeço aos meus pais, Marcelo e Regina, a minha irmã, Letícia, e a toda minha família, por terem me proporcionado e me apoiado tanto, a Laura, pelo amor e pela paciência, ao amigo e mestre prof. Rafael Urano, por me fazer apaixonar pela arquitetura, a profa. Rosa, por ter me ensinado sobre visão de mundo, aos amigos da Amizade Falsa, Japorongos, República do Mamão, Grupinho do Ad*, Interlindos, Rossitos e a todos aqueles que estiveram comigo ao longo dessa caminhada a Adriano Bueno, Camila Kato, Claudia Gabriela, Gabriela Bozzola, Gabriella Sevilha, Ingrid Soares, Isabela Slywitch, Karine Oliveira, Mateus Rocha e Maren Sonoda, por terem de algum modo contribuído com esse trabalho e me provado o poder de construir coletivamente, a Universidade Estadual de Campinas, pela riqueza das experiências, oportunidades e conhecimentos que me proporcionou.

Muito obrigado!


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vale do Pacaembu, 1926. autor desconhecido. fotografia

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. ÍNDICE I. introdução

II. contextualização histórica

abertura -

8

uma urbanização entre colinas e vales -

12

motivações e objetivos -

10

o inverso do modelo

17

novos tempos na Belle Époque paulistana -

23

das ruas “de cima” às ruas “de baixo” -

28

a nação entra em campo -

32

o corpo e o estádio

58

- a obsolescência ou o discurso de obsolescência -

62


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III. análise do entorno

IV. considerações projetuais

-

66

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sobre o meio natural -

98

sobre o meio construído -

102

obre os usos -

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partido, programa e diretrizes projetuais

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I.

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i. introdução

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INTRODUÇÃO

- abertura Índice de um progresso que se acelera, testemunho de uma compreensão mais larga das nossas necessidades, estímulo dos mais energéticos para os rumos inaugurais por que se lança a nação, prova palpável dos resultados, remotos, mas transcendentes de que cogita a presente administração, - o Estádio Municipal de São Paulo, em troca do muito que custou aos nossos cofres, devolverá ao Brasil, física e moralmente superiores, as gerações de moços e moças que nele cultivarem suas qualidades, saudável patrimônio, esse, sem o qual não há grande país nem grande povo.¹ A inauguração, em abril de 1940, de um estádio de dimensões e de estilo monumental simbolizava o resultado do rápido progresso por que a cidade de São Paulo havia atravessado desde o final do século XIX. As cinco décadas predecessoras da inauguração do palco esportivo transformaram o retraído burgo de casas de taipa de pilão em um centro cosmopolita. Propulsionado pela riqueza do café, o estado de São Paulo se transformou na mais importante unidade econômica da federação.² A nação buscava suprimir as dissidências oligárquicas regionais em prol de um projeto unificador e nacionalista representado pelo Estado Novo (1937 - 1946). Era pauta do regime a criação de uma identidade única nacional, um “novo homem brasileiro”. Dando suporte a essa ideia, a Educação Física foi adotada no período como um mecanismo capaz de modelar os corpos e de disciplinar as mentes, apropriada, pois, pelo Estado Novo, como uma ferramenta capaz de aprimorar e regulamentar o povo brasileiro.³

Essa breve contextualização que situa o surgimento do estádio busca aludir aos elementos contidos na epígrafe, uma matéria do jornal O Estado de S. Paulo. O artigo foi escrito um dia após a cerimônia de inauguração do edifício, da qual fizeram parte importantes estadistas brasileiros, incluindo entre essas figuras o então presidente Getúlio Vargas. O trecho do artigo supracitado foi escolhido como epígrafe por condensar as questões e o espírito que originaram o Estádio Municipal de São Paulo. Percebe-se logo de início no texto a consciência do jornalista sobre as rápidas transformações por que havia passado a capital paulista e as mudanças nos costumes que esse progresso acelerado acarretou. A nação, ainda jovem, se lança[ria] em seus rumos inaugurais em direção a construção de sua própria história independente em um mundo moderno. Modernidade essa que gerava uma série de novos costumes e que demandava uma compreensão mais larga das necessidades recém criadas por esses novos hábitos. O estádio cristalizou em seu amplo espaço a expectativa de formação através do esporte das futuras gerações de uma nação emergente. Nos planos embrionários, o complexo esportivo foi idealizado pelo Departamento de Cultura como um espaço de lazer para as populações que não tinham acesso aos clubes privados paulistanos. Desde sua idealização, até a conclusão das obras, novas camadas de interesses se sobrepuseram em um turbulento caminho de negociações. Essa trajetória envolveu interesses públicos, tanto municipais, quanto federais, e privados, passando por diferentes mandatos municipais e até mesmo por diversos regimes nacionais. A troca, assim, muito que custou aos [...] cofres públicos, mas esse esforço devolver[i]a ao Brasil, física e moralmente superiores, as

1 Inaugurado o Estádio Municial, O Estado de São Paulo, 1940, p. 7. In: ASSUMPÇÃO, Ricardo Ramos. Estádio do Pacaembu: modernidade e obsolescência (1921-1970). Tese (Mestrado) - Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2019 2 SEGAWA, Hugo. Prelúdio da Metrópole - Arquitetura e urbanismo em São Paulo na passagem do século XIX ao XX. São Paulo: Ateliê Editorial, 2000, p. 12 3 LIMA, Magali Alonso de. A educação física do Estado-Novo. Tese (Mestrado) - Fundação Getúlio Vargas, Rio de Janeiro, 1980


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gerações de moços e moças que nele cultiva[ss]em suas qualidades, saudável patrimônio, o corpo, sem o qual não há grande país nem grande povo. Depositava-se nessa empreitada a esperança na formação dos jovens que viriam a construir a nação. O grande esforço despendido pelo poder público na construção do estádio traria benefícios futuros ao país. Os

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investimentos teriam o seu retorno quando o Brasil estivesse figurando entre as grandes nações do globo. A história do Estádio Municipal de São Paulo, o Estádio do Pacaembu, começava a ser escrita a partir desse momento

1.1. Fotografias de Werner Haberkorn do Estádio do Pacaembu, em 1949.

fig. 1.1. Werner Haberkorn, Vista pontual do Estádio Paulo Machado de Carvalho (Pacaembú), 1949. fotografia. Coleção Museu Paulista


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i. introdução

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- motivações e objetivos O interesse por abordar o estádio do Pacaembu como objeto de estudo surgiu de questionamentos feitos à respeito de como um edifício tão icônico na cidade de São Paulo havia se tornado em um objeto obsoleto, sendo inclusive cedido a iniciativa privada. Desde 2016 até o momento em que é escrito o presente trabalho, São Paulo possuiu gestões que ampliaram o processo de privatização de equipamentos e serviços públicos. Capitaneado pelo então prefeito João Dória Jr., esse processo privatizador abarcou uma lista extensa de espaços públicos sob o pretexto de que era necessário cortar gastos e enxugar a máquina pública. Dentro desse quadro de privatizações, houve um destaque para os equipamentos esportivos da cidade que protagonizaram debates dentro do círculos da arquitetura à respeito das intervenções arquitetônicas que esses projetos promoviam, principalmente por se tratarem, em muitos dos casos, de edfícios públicos que eram patrimônio histórico edificado da cidade. Entre os casos mais emblemáticos estavam o do Ginásio do Ibirapuera, no qual foi apresentado pelo ex-prefeito João Dória uma proposta de um shopping center no lugar das antigas instalações esportivas e o caso do Estádio do Pacaembu, projeto dos arquitetos Severo e Villares, no qual na cessão à inciativa privada, já em vigor, propõe-se que sejam construídos no lugar do antigo tobogã um complexo que envolve escritórios, restaurantes, bares e áreas de convenção. Além desses casos, houve também o caso do Autódromo de Interlagos, mas o projeto de privatização não seguiu adiante e gerou menos discussão do que os dois edifícios anteriores. Nessa altura, surgiam indagações sobre como importantes complexos esportivos da cidade entravam em um discurso de obsolescência sendo que a cidade de São Paulo carece de espaços públicos que tenham a qualidade que eles ofereciam. A hipótese inicial era a de que não faltava demanda para utilização desses equipamentos, e que um projeto de

adaptação seria necessário tanto para contrapor os projetos que já haviam sido propostos para esses espaços, como também sobre como seria possível adaptá-los para que pudessem servir democraticamente à cidade. De início, não havia clareza sobre qual edifício seria tratado, mas ao se realizar uma análise mais profunda, optou-se pelo Complexo Esportivo do Pacaembu por acreditar que o projeto condensava questões que extrapolavam os limites do campo da intervenção na pré-existência e respingava em questões mais amplas como de ocupação urbana e de seu meio ambiente. A construção do estádio, apesar de possuir uma interessante relação com a topografia original do sítio, instalou-se sobre o córrego do Pacaembu em uma região que possuía diversas nascentes, que hoje estão drenadas. fig. 1.2. In: https://g1.globo.com

1.2. Proposta de projeto apresentada para o Complexo Espotivo do Ibirapuera


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i. introdução

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Ademais o próprio bairro do Pacaembu é palco de uma discussão peculiar na cidade, pois o bairro, tombado por seu valor histórico, conflita com os interesses do capital imobiliário na medida em que congela os seus parâmetros de ocupação em uma região central e valorizada da cidade. Todo esse caldo colocou-se como um desafio a um projeto que visasse pensar sobre o estádio e que, portanto, foi decisivo para a escolha do objeto de estudo. À guisa de metodologia, pois, definiu-se que seria realizada uma pesquisa histórica como modo de compreender o valor histórico do edifício. O arquiteto catalão Ignasi de Solà Morales4 afirma que todo o projeto de intervenção deriva de um problema de interpretação da obra de existente. Diante do diálogo que essa nova arquitetura busca imprimir com a anterior, a interpretação do passado se faz necessária, pois se não há a compreensão do que o valor histórico do patrimônio histórico nos conta, dificulta-se um diálogo que possa ser frutífero entre o antigo e o novo.

1.2. Matéria no portal g1 sobre a cessão do Complexo Esportivo do Pacaembu à inicativa privada In:https://g1.globo.com

Após isso, realizou-se uma análise das condições de entorno, de modo a se compreender a situação atual em que o complexo esportivo está inserido e sobre como ele dialoga atualmente com a cidade. Por fim, realizou-se uma pesquisa de fundamentos teóricos que pudessem dar suporte a atividade projetural, de modo a torná-la mais lúcida e crítica de seus efeitos ●

4 SOLÀ-MORALES, Ignasi de. Intervenciones. Barcelona: Hurope, 2006


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II.

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ii. contextualização histórica

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CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA

- uma urbanização entre colinas e vales Rua de São Bento

Triângulo.

Há navios de vela para os meus naufrágios! E os cantares da uiara rua de São Bento…

Entre duas ondas plúmbeas de casas plúmbeas, as minhas delícias de asfixia da alma! Há leilão. Há feira de carnes brancas. Pobres arrozais! Pobres brisas sem pelúcias a alisar! A cainçalha… A Bolsa… As jogatinas…

Não tenho navios de vela para mais naufrágios! Faltam-se as forças! Faltam-me o ar! Mas qual! Não há sequer um porto morto! “Can you dance the tarantella” - “Ach, ya”. São as califórnias duma vida milionária numa cidade arlequinal... [...]1

Na coleção de poemas Pauliceia Desvairada, publicada em 1922, Mario de Andrade aborda como tema de sua lírica a sua cidade natal, São Paulo, a quem chama de Pauliceia. O poeta se debruça sobre a cidade moderna que São Paulo havia se tornado nos anos vinte e revela as tensões e a atração que esse novo locus gerava. No poema Rua de São Bento, o escritor relata o choque que a acelerada vida metropolitana impôs à antiga pacata cidade². Para tanto, ele utiliza o referencial do Triângulo como uma forma de evidenciar a transformação de um antigo local histórico da capital em um espaço dinâmico e arlequinal. O Triângulo Central, local ao qual Mario se refere no poema, era o espaço geográfico que demarcava virtualmente os limites urbanos de São Paulo até o final do século XIX. A figura era assinalada pelos vértices: Convento de São Francisco, Convento do Carmo e Mosteiro de São Bento. A cidade, até então, era uma pequena aldeia jesuítica localizada na cabeceira de uma colina íngreme no alto da Serra do Mar. A oeste, essa colina era cortada pela garganta estreita e escarpada do riacho do Anhangabaú, a leste pelo pântano lodoso do rio Tamanduateí e a norte pela várzea alagadiça do rio Tietê.³ Com o desenvolvimento da cultura do café no último quartel dos Oitocentos, a vila assistiu a um crescimento vertiginoso de sua população. No ano de 1874, ela possuía 23.253 habitantes. Em 1886, esse número era de 44.033 pessoas e, em 1900, ele saltou para 232.820, um contingente populacional cinco vezes maior. Vinte anos depois, o censo demográfico já apontava para uma população de 579.033 de paulistanos.4 Esse crescimento populacional se refletiu no território na transposição das várzeas que cercavam o Triângulo, o que permitiu o alastramento da cidade. O capital cafeeiro circulava e se multiplicava pelas artérias de São Paulo. Ele impelia a abertura de novas vias nos limites físicos da urbe e

1 ANDRADE, Mario de. Poesias Completas. Belo Horizonte: Itatiaia, 1987 2 FONSECA, Arrovani Luiz. A WLira da Pauliceia: choque e memória. XXVII Simpósio nacional de história, Natal, jul 2013 3 SEVCENKO, Nikolau. Orfeu extático na metrópole: São Paulo, sociedade e cultura nos frementes anos 20. 2. ed. São Paulo: Companhia das letras, 1992, p. 107 4 SEGAWA, op. cit., p. 15


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ii. contextualização histórica

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fig. 2.1. Jean-Baptiste Debret, Vista geral da cidade de São Paulo, 1827. aquarela s/ tela. Fundação Maria Luisa e Oscar Americano

2.1. O Triângulo Central sobre colina cortada pela várzea dos rios. Aquarela de Jean-Baptiste Debret. 1827. promovendo o crescimento urbano.5 A força expansiva urbanizadora, no entanto, encontrava seus obstáculos nas depressões entre as colinas que marcam a geografia paulistana. Segundo o geógrafo Aziz Ab’Saber, a originalidade do sítio urbano de São Paulo reside na “existência em um mosaico de colinas, terraços fluviais e planícies de inundação, pertencentes a um compartimento restrito e muito bem individualizado do relevo da porção sudeste do Planalto Atlântico Brasileiro”6. Era imperativo ao crescimento urbano a cidade transpor e urbanizar os vales que são característicos de seu relevo natural.

De qualquer lado, porém, que se atinja a cidade pelo ar, o grande espetáculo, que nos é dado observar, é a justaposição quase absoluta da área urbanizada e efetivamente ocupada da Metrópole e essa extensa área de relevo colinoso da bacia de São Paulo.7 O Triângulo assentava-se no alto de uma colina que servia inicialmente de defesa para da vila. Nas bordas da cidade um desnível de 20 metros marcava a íngrime garganta do vale do Anhangabaú. A topografia dificultava o acesso à cidade e a protegia de possíveis invasores.8 O relevo natural, que em um primeiro momento serviu aos propósitos da cidade, tornou-se posteriormente em um empecilho na medida que em

5 Ibid., p. 15 6 AB’SABER, Aziz. Geomorfologia do sítio urbano de São Paulo. Cotia: Ateliê, 2007, p. 14 7 Ibid., p. 7 8 BUCCI, Ângelo. São Paulo: quatro imagens para quatro operações. Tese (Doutorado) - Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, 2005, p. 29


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ii. contextualização histórica

que restringia a expansão urbana. O desnível dificultava o surgimento de novas construções e o acesso a outras regiões mais aplainadas. Como uma forma de vencer esse desafio, Jules Martin propôs, em 1877, a construção do Viaduto do Chá. O viaduto ligaria o centro velho a uma outra região plana sobre o Vale do Anhangabaú. A proposta parecia em um primeiro momento uma insensatez, dada a sua ousadia técnica e à possibilidade de um acesso que até então não era vislumbrado.

9 SEGAWA, op. cit., p. 15 10 BUCCI, op. cit., p. 29 11 SEGAWA, op. cit., p. 55

Apesar disso, o projeto, que até então era inconcebível, tornou-se em um marco no imaginário construtivo de São Paulo. Ele supria as necessidades de expansão da capital, que nas décadas seguintes veria o despontar de novas travessias como o Viaduto Santa Efigênia, o Viaduto São João, o Viaduto São Francisco e o Viaduto Boa Vista. Rapidamente, São Paulo se transformaria na cidade dos viadutos.9 Construção fundamental porque o Viaduto do Chá equivale, simbolicamente, à superação. Isso porque, durante os seus três primeiros séculos de existência, a cidade de São Paulo esteve restrita ao seu sítio de implantação inaugural, no chamado “triângulo histórico” ao leste do Anhangabaú. Então, a garganta desempenhava a função de defesa. Depois disso, nos cem anos que precederam a inauguração do viaduto, a cidade lutara para vencer a dificuldade imposta pela dramática geografia da garganta do Anhangabaú, a descida de 20 metros, a transposição do pequeno córrego e a subida da mesma altura do outro lado eram tarefas árduas que tomavam tempo e exigiam tropas de reforço para os carros de carga puxados por mulas. Portanto, pode-se dizer que durante um século a cidade inteira sonhara com a passagem em nível, como se fosse

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fig. 2.2. Jules Martin, 1897. litogravura. Brasiliana Iconográfica 2.2. O primeiro projeto para o Viaduto do Chá previa a construção de casas em sua parte superior. Litogravura de Jules Martin. 1879.

possível uma passagem aérea, no espaço, sobre o vazio do vale ligando os dois patamares de terra firme em cotas topográficas idênticas: Centro Velho e Centro Novo. É por isso que, no plano simbólico, o Viaduto do Chá de Jules Martin, construído em 1892, equivale ao sonho realizado: é a superação.10 Se por um lado as travessias se postavam como um desafio de natureza sobretudo técnica aos construtores, os vales foram ocupados sob a consciência de que era necessária à capital uma melhora qualitativa de seus espaços públicos.11 Esse pensamento orientou um conjunto de intervenções que ficaram conhecidas como obras de Melhoramentos Urbanos. Ajardinamento, embelezamento, descongestionamento,


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ordenamento viário, abertura de bulevares, construção de novos edifícios e de praças e parques eram temas das intervenções no espaço urbano de São Paulo e eram promovidas pelo poder público. Tendo em vista a promoção dessas melhorias, em 1911 a Câmara Municipal consultou o arquiteto francês Joseph-Antoine Bouvard a respeito de novos planos urbanos para a cidade. Bouvard, que já havia atuado na administração central das Belas Artes de Paris e em projetos de melhoramentos urbanos na Europa e na América, ficou incumbido de propor diretrizes de intervenções e de planos urbanos para São Paulo. O Plano Bouvard, como ficou conhecida a proposta, elaborou pela primeira vez para a capital um sistema de áreas verdes aliado a uma ideia de crescimento ordenado. Ele tinha como uma de suas principais diretrizes a promoção do embelezamento urbano para se alcançar níveis satisfatórios de qualidade de vida no espaço da cidade. Nele constavam orientações para o crescimento urbano ordenado, modificações no centro da cidade, prolongamento de avenidas, diretrizes para novas edificações e propostas de novos parques.

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O plano busca dar a topografia paulistana uma valorização pitoresca e transformá-la em um grande centro urbano com parques e jardins inspirados nas capitais européias, sobretudo em Paris.13 Em contraste com esse ideal, as várzeas eram vistas como locais degenerados, onde se lavavam roupas e carroças e depositava-se o lixo. Nesses locais, Bouvard propôs que fossem construídos novos parques. Entre eles, destacam-se Parque do Anhangabaú - na Várzea do Anhangabaú - e o Parque Dom Pedro II - na Várzea do Carmo -. “Era preciso deixar para trás ‘as valas de agrião da baixada do Anhangabaú’ transformando-a em um espaço público à altura do centro urbano no qual todos esperavam que São Paulo se transformasse.”14

12 D’ELBOUX, Roseli Maria Matins. Joseph-Antoine Bouvard no Brasil. Os Melhoramentos de São Paulo e a criação da Companhia City: ações interligadas, Tese (Doutorado) Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, 2015, p. 43 13 Ibid., p. 235 14 Ibid., p. 238

Em relação a proposta dos parques, é interessante notar a justificativa do partido que o arquiteto francês elabora:

Sobre a proposta que o francês apresenta, a historiadora do urbanismo Roseli D’Elboux, ao cotejar os planos de Bouvard para as cidades argentinas de Buenos Aires e Rosário e o plano de São Paulo, nota que na capital paulista houve uma inflexão tardia na carreira do arquiteto, que adota uma estética mais orgânica preconizada por Camilo Sitte e Charles Buls. Além de maior liberdade projetual que foi conferida ao arquiteto, as peculiaridades do relevo movimentado do sítio paulistano impunham novas condicionantes ao desenho.12 Entre as características do Plano Bouvard, destaca-se a sensível e cuidadosa leitura que o arquiteto fez da morfologia do relevo da região.

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fig. 2.3. autor desconhecido, 1906. fotografia. Acervo Biblioteca FAUUSP. In: D’ELBOUX, op. cit. 2.3. lavadeiras na várzea do rio Tamanduateí. 1906.


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E de fato, quanto mais estudei a topografia da capital, tanto mais examinei o que ela foi no seu princípio e no que ela se transformou, mais profunda foi a minha convicção firmada no meu espírito, de que, sem comprometer coisa alguma, era possível tirar partido, e excelente partido, do que já existe, com o fim de garantir futuro.

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15 BOUVARD apud. SEGAWA, op. cit., p. 96

Sucede que, como consequência da configuração do solo, naturalmente por assim dizer, a cidade alastra-se exageradamente, com grande prejuízo das finanças municipais, pelos espigões das colinas fáceis de alcançar, sem que as construções se estendam pelos vales, mais dificilmente acessíveis. É necessário, para o futuro, preencher os claros, o que será fácil, se se tomar a firme decisão de adotar certo número de medidas tendo como consequência um efeito bem especial, tão interessante quanto pitoresco.15 Enquanto os viadutos visavam alcançar novas colinas e liberar espaço para o crescimento da cidade, parte dos vales convertiam-se, pois, em parques urbanos. Bouvard havia estudado a urbanização de São Paulo e notado que, enquanto as regiões mais altas das colinas e dos espigões eram facilmente urbanizadas, as áreas dos vales possuíam maiores dificuldades de ocupação. Por isso, prevendo o crescimento urbano, o arquiteto propôs que esses espaços ficassem livres de construções e que fossem destinados para o usufruto público. 2.4. e 2.5. Projetos de Bouvard para o Parque do Anhangabaú (acima) e para o Parque Dom Pedro II (abaixo). 1911.

São Paulo assistiria ao rompimento de seu antigo limite triangular através de um processo de urbanização que lidava com os desafios que o seu

fig. 2.4. Joseph-Antoine Bouvard, planta do Parque do Anhangabaú, 1911. In: D’ELBOUX, op. cit. fig. 2.5. Joseph-Antoine Bouvard, planta do Parque Dom Pedro II, 1911. In: D’ELBOUX, op. cit.


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- o inverso do modelo sítio impunha. O plano de Bouvard leu a formação histórica da cidade à luz dessas dificuldades e propôs uma solução de ocupação que deixava os vales livres, tendo em vista o futuro crescimento urbano. Várzeas importantes da cidade que eram vistas como espaços insalubres se transformaram em parques urbanos que visavam transformar a imagem da capital em um grande centro urbano à moda europeia. O interessante é notar que, oito anos depois, um outro estrangeiro, desta vez um inglês, traria uma solução parecida para a ocupação do vale de um moderno bairro que surgiria na periferia paulistana ●

Se por um lado Jules Martin parecia ter um projeto impensável com a sua proposta do Viaduto do Chá, a historiadora e urbanista Raquel Rolnik, ao realizar uma análise pormenorizada dos meandros por trás dessa proposta, esclarece que o viaduto foi uma articulação bem planejada entre o poder público e o capital privado. Em 1868, a convite do empreendedor Joaquim Eugênio Lima, Martin foi a uma reunião em São Paulo para tratar de novos investimentos urbanos. Entre os planos do empreendedor estava o interesse pelo Morro do Chá, onde já havia algumas poucas ocupações na rua da Palha - hoje rua Sete de Abril - e no largo dos Curros - hoje praça da República -. Em 1880 foi constituída a Companhia Paulista do Viaduto do Chá, que contava com a participação de Eugênio Lima e Pedro Vicente de Paulo, que foi vereador por duas legislaturas e presidente da província de São Paulo. O viaduto, que teve sua aprovação cedida pela Câmara Municipal em 1887, seria fundamental para a viabilização de importantes empreendimentos imobiliários no bairro de Higienópolis e na avenida Paulista, via na qual o próprio Eugênio Lima futuramente empreenderia com loteamentos.16 A construção do Viaduto do Chá pode ser um exemplo de como os interesses do capital privado e as decisões tomadas na esfera pública estavam estreitamente vinculadas desde os prelúdios da metrópole. Os investimentos em infraestrutura conduziam o crescimento da cidade e os seus modos de ocupação. O cenário de efervescência econômica atraía cada vez mais investimentos para a estrutura da cidade. Os doze anos da gestão de Antônio da Silva Prado, primeiro prefeito de São Paulo (1899 1911), foram marcados por uma série de investimentos em infraestrutura urbana. Já no início de seu mandato, no ano de 1899, Prado criou o Serviço de Obras Municipais e encarregou o engenheiro português Victor da Silva Freire de sua diretoria. Na medida em que as obras urbanas avançavam, aumentava-se também o interesse do capital imobiliário.

16 ROLNIK, Raquel. A Cidade e a Lei - Legislação, politica urbana e territórios na cidade de São Paulo. 2. ed. São Paulo: Studio Nobel, 1997, p. 108


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ii. contextualização histórica

A lucratividade dos negócios imobiliários privados em São Paulo estavam estreitamente atrelados aos melhoramentos promovidos pelo poder público.17 Enquanto que os bairros residenciais exclusivos eram dotados de plena infraestrutura básica, os contratos com as companhias prestadoras desse serviço eram flexíveis de tal modo que nem sempre as obrigavam a atender às áreas da cidade em que se instalavam o maior número de residentes. As estratégias de implantação de infraestrutura urbana se articulavam com uma série de relações políticas que favoreciam aos donos do capital na cidade e aos seus parceiros.18

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17 Ibid., p. 130 18 Ibid., p. 133 19 Ibid., p. 136 20 D’ELBOUX, op. cit., p. 570

Em meio a esse cenário de investimentos privados na esfera pública foi criada, em setembro de 1911, a City of São Paulo Improvements and Freehold Land Company Limited, também conhecida como a Companhia City. A empresa, que tinha sede em Londres e escritórios em São Paulo e no Rio de Janeiro, atuaria no setor imobiliário e de melhoramentos urbanos. Entre os seus planos estava a criação de novos loteamentos afastados do núcleo urbano principal de São Paulo. No mesmo ano de sua inauguração, a empresa já tinha comprado 12.380.098 metros quadrados de terrenos na cidade, área equivalente a aproximadamente 37% do perímetro urbano de São Paulo.19 D’Elboux aponta que havia uma rede de interesses, da qual Bouvard fazia parte, que se organizava pelo mundo em busca de novos negócios e que era composta por “capitalistas” de várias nações européias. Junto do belga Edouard Fotaine de Laveleye, o francês teve uma participação ativa na atração do capital inglês para investimentos em terras urbanas. As atuações do arquiteto nas obras de Melhoramentos Urbanos foram fundamentais para colocar São Paulo no topo da atração por investimentos estrangeiros no contexto nacional.20 E além de contribuir na parte de negócios, Bouvard participou também da realização de projetos novos bairros para a Companhia City.

fig. 2.6. Companhia City, Triangulação, polygonação e levantamentos feitos em 19121915, 1932. Acervo da FAUUSP In: D’ELBOUX, op. cit. 2.6. Planta com os terrenos pertencentes à Companhia City na cidade de São Paulo. 1919.


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Por encomenda da Companhia, o arquiteto realizou uma proposta para o bairro do Pacaembu entre 1911 e 1912. Destacam-se, no projeto de Bouvard, a intenção de tirar partido das visuais dos vales que compunham o sítio, a proposta de conexão com a Avenida Paulista e o tratamento do fundo do vale do terreno. Em relação ao último ponto, o projeto previa que fosse criado nele um canal tratado paisagísticamente com ruas ao longo de suas margens.21

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[da companhia] pela diferenciação”.23 Uma das principais marcas desses bairros era o traçado curvilineo das ruas que se contrapunha ao modelo em grelha característico da capital. O ar de modernidade e o referencial europeu eram utilizados como publicidade para um público restrito que se sentia atraído por esses referenciais. Nesse sentido, o plano se distanciava das bases utópicas e sociais presentes no gérmen do modelo urbanístico.24

No entanto, apesar de já possuir uma proposta de urbanização do bairro, a Cia. City optou por não seguir adiante com o projeto. Ela decide então contratar arquitetos ligados ao movimento das Garden-City na Inglaterra. A empresa tinha como inspiração as Cidades Jardim inglesas como Letchworth e Welwyn.

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21 D’ELBOUX, op. cit., p. 658 22 HOWARD, Ebenezer. Cidades Jardim de Amanhã. São Paulo: Hucitec, 1996 23 WOLFF, Silvia Ferreira Santos. Jardim América: o primeiro bairro jardim de São Paulo e a sua arquitetura. Tese (Doutorado) Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, 1998, p. 85 24 Ibid., p. 268

A ideia de Cidade Jardim foi criada e difundida pelo urbanista inglês Ebenezer Howard. O modelo surgiu como uma resposta às caóticas cidades industriais bretãs que recebiam grandes massas de camponeses para trabalhar nas indústrias em meio ao processo de êxodo rural. O cerne da proposta era criar uma cidade controlada que visasse harmonizar as relações entre a cidade e o campo, buscando sintetizar o que havia de melhor nesses dois mundos.22 O modelo foi adotado pela Cia. City como referência de desenho urbano dos bairros do Jardim América e do Pacaembu. No caso de São Paulo, entretanto, ao contrário do que ocorreu com as propostas de Cidades Jardim na Inglaterra, que possuíam contornos sociais e reformistas, os bairros modelo aqui implantados eram reservados a uma clientela socioeconomicamente privilegiada. Para a historiadora e arquiteta na área de patrimônio histórico, Sílvia Ferreira Santos Wolff, essa intenção objetivava “marcar a [...] presença

fig. 2.7. Jornal Correio Paulistano, 1942. anúncio publicitário. In: COSTA, op. cit. 2.7. Material publicitário anunciando o bairro do Pacaembu. 1942


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O movimento de Howard era utilizado como uma marca de alto padrão na propaganda dos bairros jardins da capital. Para obter tal selo, a Companhia City buscava contratar arquitetos renomados para assinar os projetos de seus bairros. No caso do Jardim América e do Pacaembu, foram chamados o também importante difusor do modelo urbanístico, Raymond Unwin, e Barry Parker, ambos urbanistas ingleses.25 Sobre a reprodução de um modelo urbanístico inglês pouco interpretado em relação aos seus pressupostos originais e também em relação ao contexto brasileiro, o historiador Nicolau Sevcenko comenta:

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entraves na legislação urbana vigente que não permitia o desenho de traçados curvos, ruas mais estreitas que 16 metros e nem ruas sem saída.27 Com isso, por ter menos entraves a sua implantação, o Jardim América ficou marcado como o primeiro bairro de São Paulo a seguir os princípios do modelo de Cidade Jardim.

25 COSTA, Oswaldo Antônio. Presença e permanência do ideário da cidade jardim em São Paulo: O Bairro do Pacaembu. Tese (Mestrado) - Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, 2014, p. 202

O Pacaembu, por sua vez, conseguiu ser aprovado somente em 1925, após alterações na legislação urbanística municipal. O loteamento situava-se entre os bairros de Perdizes, Sumaré, Higienópolis e Cerqueira

26 SEVCENKO, op. cit., p. 115

O projeto de desbastar o bosque tropical da Avenida Paulista, para transformá-lo num jardim gramado e bem-comportado, era do arquiteto inglês Barry Parker, empregado do gigantesco holding internacional City of São Paulo Improvements and Freehold Land Co., responsável pelo empreendimento imobiliário das cidades-jardins, adulteração, comercial do modelo urbanístico original e revolucionário de Ebenezer Howard na Inglaterra. Tanto porque a floresta tropical não harmonizava com o urbanismo britânico, quanto porque a mata virgem impedia a visão panorâmica para a promoção das vendas e incremento do valor especulativo do que a Companhia anunciava como o primeiro bairro moderno de São Paulo iniciado com o loteamento da encosta do espigão da Paulista

27 COSTA, op. cit., p. 99

fig. 2.8. Companhia City, planta do projeto do Jardim América, 1919. In: D’ELBOUX, op. cit.

que dava para o vale do rio Pinheiros - [...]26 O Jardim América localizava-se na planície de uma várzea úmida próxima ao Rio Pinheiros na porção sudoeste da cidade e foi o primeiro projeto a ser levado adiante. O sinuoso bairro do Pacaembu sofria com

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2.8. Projeto da Cia. City para o Jardim América. 1919. In: WOLFF, op. cit.


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2.9. Proposta de arruamento no do bairro do Pacaembu. Joseph-Antoine Bouvard, 1911. In: COSTA, op. cit.

2.10. Projeto da Cia. City para o Pacaembu, finalizado por George Dodd. 1919/1920. In: COSTA, op. cit.

2.11. Planta do bairro do Pacaembu. Material publicitário produzido pela Cia. City. 1951 In: COSTA, op. cit.


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César e contava com uma área de 1.398.130 m². Diferentemente do caso do Jardim América, o Pacaembu foi implantado em condições topográficas adversas. A implantação do bairro se deu em um vale composto por encostas muito íngremes, o que exigiu fortes interferências técnicas por parte da companhia e do poder público.28 Em 1919, Parker deixou São Paulo com o final da Primeira Guerra Mundial. O seu projeto foi continuado pelo engenheiro da Cia. City, o inglês George Dodd, seguindo as diretrizes estabelecidas pelo urbanista. Entre as diretrizes mais interessantes deixada pelo Parker, vale mencionar: • as observações sobre a incoerência do traçado xadrez para a cidade de São Paulo; • cita que as áreas de fundo dos vale e encostas íngremes deveriam ser deixadas vazias, pois se contrapunham ao plano da cidade, que era composto por uma grande rede que ocupava as áreas plana e com acesso mais fácil; • demonstra preocupação com a ventilação da área do Pacaembu, alegando que as brisas predominantes vindas da região sudeste são bloqueadas pela colina; • identifica preocupação em relação a insolação do bairro, pois durante o período mais quente do dia as colinas não ofereciam sombreamento adequado; • propõe a ocupação do fundo do vale com jardins; • propõe ruas acomodadas com o relevo natural acomodadas com as curvas de nível com dimensões de 8 a 16 metros,

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• demonstra a intenção de recuperar as vistas que a cidade possuía no passado, com seus “campos abertos e magnífico cenário de montanhas”; • reforça a ligação da Avenida Paulista com o loteamento do Pacaembu.29 Sob a liderança de George Dodd, poucas diretrizes foram alteradas em relação às propostas por Parker no projeto do Pacaembu. Em linhas gerais, foram tomadas medidas como diminuir a utilização do cul-desac, a diminuição da largura de algumas vias e o abandono da ideia de prolongamento da Avenida Paulista. A medida mais drástica, por sua vez, foi a ideia de se construir um estádio de futebol no fundo do vale, onde antes se pretendia criar um Jardim.30 Em agosto de 1921, a Cia. City realizou a doação de uma área de cinquenta mil metros quadrados no bairro do Pacaembu para o poder público municipal com o objetivo de que nele fosse construído um complexo esportivo. Entre as instalações, estaria incluindo um estádio de futebol. A construção do complexo era importante aos planos da companhia, pois a cidade de São Paulo via um crescimento vertiginoso do interesse de sua população pelo esporte, especialmente pelo futebol. Mais do que um grande jardim, um espaço que aproveitasse a mais recente febre paulistana seria mister para a valorização dos lotes do bairro jardim. E à guisa de realizar tal empreendimento, a companhia recorreu ao poder público, o que já era de praxe no desenvolvimento urbano da cidade ●

28 Ibid., p. 123 29 Ibid., p. 133 30 Ibid., p. 135


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- novos tempos na Belle Époque paulistana A narrativa de Orfeu extático na metrópole, livro do historiador Nicolau Sevcenko sobre cultura modernista em São Paulo na década de vinte, inicia-se no carnaval de 1919. O ano era de grandes expectativas para os paulistanos, pois se findava um período de grandes flagelos que ficaram conhecidos como os cinco gês: a Gripe (espanhola), a Geada, os Gafanhotos, a Guerra (Primeira Guerra Mundial) e as Greves (as greves de 1917 e 1918). Nas narrativas dos cronistas do período sobre a festa, apesar das diversas perspectivas dos narradores, o historiador captou um tema que perpassava por todos os relatos: um sutil estranhamento da própria população sobre a identidade de São Paulo.31 De tal modo o estranhamento se impunha e era difuso, que envolvia a própria identidade da cidade. Afinal, São Paulo não era uma cidade nem de negros, nem de brancos e nem de mestiços; nem de estrangeiros e nem de brasileiros; nem americana, nem européia, nem nativa; nem era industrial, apesar do volume crescente das fábricas, nem entreposto agrícola, apesar da importância crucual do café; não era tropical, nem subtropical; não era ainda moderna, mas já não tinha mais passado. Essa cidade que brotou súbita e inexplicavelmente, como um colossal cogumelo depois da chuva, era um enigma para seus próprios habitantes, perplexos, tentando entendê-lo como podiam, enquanto lutavam para não ser devorados.32 Os imigrantes que chegavam em São Paulo deparavam-se com um lugar onde as coisas não tinham uma definição. Encontravam-se descontextualizados em um mundo em ebulição. A realidade lhes parecia de certa maneira fugaz de modo que carecia ao indivíduo de algum tipo

31 SEVCENKO, op. cit., p. 24 32 Ibid., p. 31 33 Ibid., p. 31

fig. 2.12. autor desconhecido, 1919. fotografia In: https:// fotografia.folha.uol.com.br/ galerias/1666177158498136-o-maiorcarnaval-de-todos-os-tempos 2.12. O Desfile dos Democráticos no inesquecível carnaval póspandemia de 1919.

de espessura capaz de lhe dar algum sentido satisfatório frente a um meio inconsistente. Somava-se a isso a tecnologia que incorporava um papel e uma potência cada vez mais transformadora e destruidora, a estrutura econômica ainda frágil com uma inflação em disparada, o quadro político instável e o conflito social latente decorrente dos abalos deixados pela guerra. O mal estar e a instabilidade psicológica eram sintomas na vida desses indivíduos desenraizados e imersos em uma nova ordem turbilhonante das coisas.33 Em meio a esse vórtice, a tradição herdada dos séculos anteriores, cujo vocabulário repousa sobre estabilidades, já não trazia mais respostas. Diante disso, não somente abria-se espaço para, como também exigia-se dos indivíduos, novos códigos e posturas para lidar com essa cambiante


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realidade. Mais pela intuição e pela ação do que pela razão e pela palavra, as metrópoles criavam com seu “vórtice e efeitos desorientadores, suas múltiplas faces incongruentes, seus ritmos desconexos, sua escala extra-humana e seu tempo e espaço fragmentários, sua concentração de tensões” a dissipação das bases de uma cultura de referências estáveis. São Paulo adquiria cada vez mais os contornos de uma metrópole. Não somente porque expandia-se materialmente vencendo vales e alcançando novas colinas, mas também e sobretudo porque via surgir no alvorecer de um novo tempo uma nova cultura moderna.34 A historiadora Margareth Rago, ao traçar um panorama dessas mudanças culturais, extrai um trecho do poema de Edmundo de Amaral, A Grande Cidade, em que o eu lírico que vivia em uma pequena cidade do interior sonhava com a capital paulista: Imaginava um S. Paulo grandioso cheio de uma vida violenta e brilhante.[...] Supunha a capital enorme, cortada de ruas sonoras pelo estridor dos carros, toda iluminada a luz elétrica, com cartazes multicores piscando luzes na noite. Mas o que mais o seduzia era a vida noturna com cafés sonoros de orquestras e rumores de cristais, cabarés iluminados onde mulheres de formas harmoniosas e magníficas dançavam com jovens vestidos de “smokings”, colando os seus corpos perfumados e macios nos músculos dos homens. Lia então tudo que chegava de S. Paulo: anúncios de cinema do “Estado de S. Paulo”, os casos policiais da “Platéia”, a “correspondência das leitoras” da “Cigarra”[...]35

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Como a historiadora bem aponta, o jovem interiorano não sabia ainda que essa agitada vida cultural era restrita a um círculo restrito de pessoas em uma esfera excludente, elitista e privatizada.36 Ele também não sabia que esse efervescente panorama não ocorria sem que houvesse uma parte da opinião pública que enxergasse nessas transformações uma degeneração da moral e dos costumes. Mas, apesar dessas colocações, pode-se dizer que São Paulo na década de 20 assistiu a uma intensa vida cultural daqueles que dela podiam participar. As famílias mais abastadas encontravam-se no Largo do Carmo à espera de uma apresentação no Teatro Municipal ou nas festas, banquetes e cerimônias realizadas no Salão do Trianon. Jovens, boêmios, artistas e intelectuais marcavam presença em bares, restaurantes, cafés e cabarés. Frequentavam estabelecimentos construídos à imagem dos cafés parisienses, como o Chat Noir, divertiam-se com as danças no Cabaret do Sapo Morto e no Salomé, ou passavam o tempo no luxuoso Bar Municipal. Nesses espaços desenvolvia-se uma rede de sociabilidade entre advogados, jornalistas, escritores, políticos, estudantes, boêmios e oficiais do exército.37 Sociabilidade essa que também ocorria nos salões literários e artísticos restritos à elite paulistana. O Salão de Veridiana Prado, o de Olívia Guedes Penteado, a casa de Paulo Prado e o salão da pintora Tarsila do Amaral estavam entre os principais centros de formação e experimentação cultural da época. Ocorriam neles encontros sociais, recitais de poesia, audições musicais, festas e bailes. Novas sensibilidades e expressões que recusavam os padrões normativos da estética e da moral burguesa eram testadas pelos artistas. Segundo Mário de Andrade, foi nesses espaços que nasceu o modernismo em São Paulo e que culminaria, em fevereiro de 1922, na Semana de Arte Moderna. 38

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34 Ibid., p. 32 35 AMARAL apud. RAGO, Margareth. A invenção do cotidiano na metrópole: sociabilidade e lazer em São Paulo, 1900-1950. In: PORTA, Paula (org.). História da Cidade de São Paulo: a cidade na primeira metade do século XX. São Paulo: Paz e Terra, 2004, p. 5 36 Ibid., p. 5 37 Ibid., p. 7 38 Ibid., p. 34


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Buscava-se, portanto, na Belle Époque paulistana, por novas formas de socialização e de diversão. O antigo hábito de repousar em casa no final de semana ou a vida social fechada na fazenda e restrita às missas de domingo foi substituída por uma nova série de costumes que eram em grande medida inspirados por hábitos europeus, sobretudo pela Paris haussmanniana.39 Para dar conta de absorver toda essa gama de novas atividades, surgiram, principalmente para a elite, novos espaços de lazer. Entre eles estavam o Jockey-Clube, na rua 15 de Novembro, o Hipódromo, na Mooca, e o Velódromo para corridas de bicycletes, na rua da Consolação. Além deles, surgiam também na cidade os clubes recreativos privados em que os mais abastados podiam praticar esportes, como o clube Tênis, o clube Harmonia ou o clube Paulistano.

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39 Ibid., p. 8 40 SEVCENKO, op. cit., p. 49

Diante dessa mudança nos costumes, foram os jovens os que mais usufruíram das novas possibilidades de fruição no espaço da cidade. Menos presos às amarras da cultura herdada, eles se lançaram com maior facilidade no turbilhão da metrópole incorporando as suas potencialidades. Entre essas transformações, o esporte surgia como uma nova atividade que tomava cada vez mais conta do cenário urbano e que foi rapidamente assimilada pelas novas gerações. Além da incorporação do esporte como uma ferramenta de disciplina do corpo e da mente, como será visto posteriormente, as atividades desportivas ganharam também a conotação de um novo estilo de vida da juventude.40

2.13. Capa do catálogo da exposição da Semana de Arte Moderna desenhada por Di Cavalcanti. 1922.

A moda passa a adquirir cada vez mais um acento desportivo. As roupas se tornavam mais leves, mais apegadas aos contornos da anatomia do corpo, mais coloridas e mais estampadas. Os rapazes raspavam as barbas e bigodes, aparavam o cabelo e trocavam o patacão pelo relógio de pulso, o chapéu pelo boné automobilístico ou de caça. As moças trajavam tecidos mais leves, transparentes e colantes. Renunciavam aos adereços, aos enchimentos, às armações e às perucas. O rosto ganhou uma feição

fig. 2.13. Di Cavalcanti, 1922. desenho. Acervo do Instituto de Estudos Brasileiros - USP - Arquivo Anita Malfatti


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A roda de tear se converte em um ventilador industrial que desconfigura as imagens da metrópole. O vórtice da modernidade.

A “luneta” enquadra a transformação de São Paulo de uma vila jesuítica para uma metrópole moderna.

A nova moda sai à desfile pelas ruas da Paulicéia.

O esporte converte-se no mais recente e popular lazer paulistano.

2.14 a 2.17. Rodolfo Lustig e Adalberto Kemeny, São Paulo, a sinfonia da Metrópole, 1929. cenas do filme


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mais natural, a cabeça ficou descoberta e o cabelo encurtou alguns palmos. O movimento ganha cada vez mais capilaridade na vida social de São Paulo. O esporte se torna uma febre paulistana. Em 1919, ano em que o Brasil levantou a taça de campeão sul americano de futebol com uma equipe que contava com nove titulares paulistas, já não restava mais dúvidas para a nascente imprensa esportiva: São Paulo era a maior potência desportiva da América Latina. O número modalidades se multiplicavam na ordem do dia e a imprensa paulistana não deixava de narrar a sua surpresa com esse fato: Nesse ano de 1919 os esportes estão tomando um desenvolvimento verdadeiramente espantoso, a tal ponto rápido, brilhante e seguro, que os mais otimistas não poderiam ter suspeitado. Dia a dia aparecem melhoramentos ou surgem iniciativas. Generaliza-se e intensifica-se a prática de atividades físicas já conhecidas e aparecem e se desdobram oportunidades para a adoção e prosperidade entre nós, de esportes que nome mal conhecíamos. Uma enumeração de todas as fases desse belo movimento de energias não caberia aqui e não é nosso intuito fazê-lo agora. Desejamos é que tão magnífico surto de progresso não morra e não esmoreça.41 A comunicação da vida social no período era registrada quase que exclusivamente pela imprensa. Foi ela quem comunicou sobre os novos eventos esportivos que não cessavam de surgir. Os jornalistas eram a ponte que permitia a construção da imagem da vida social entre o espaço da cidade e o esporte. E é a partir desses artigos que se pode notar as crescentes pressões da sociedade para que o poder público assumisse um

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papel central na promoção das atividades esportivas. Ninguém desconhece em São Paulo o entranhado carinho com que o sr. Washington Luís acompanha o envolver do esporte paulista e a sua grande simpatia pelos clubes que disputam o campeonato da associação Já por diversas vezes teve a Sua Excelência oportunidade de pôr em foco esses sentimentos, quer atendendo a todas as solicitações que lhe são feitas pelas direções de nossos clubes, quer acompanhando com mais o vivo interesse tudo quanto diz respeito aos progressos dos mesmos.42 As competições esportivas exigiam cada vez mais preparo físico, treinamentos, equipamentos, entre outras requisições. Com as crescentes demandas por um papel mais ativo do governo na promoção do esporte, ele assumiria posteriormente essa responsabilidade. Mas seria somente quando o esporte aderisse às massas que o poder público tomaria de vez esse encargo. A popularização evidenciaria o descompasso das antigas instalações esportivas com a nova proporção que o esporte havia tomado. E seria principalmente no futebol que essa inadequação se mostraria mais latente ●

41 Organização Esportiva, O Estado de São Paulo, 1919, p. 5. in: SEVCENKO, op. cit., p. 44 42 Football, O Estado de São Paulo, 1919, p. 5. in: SEVCENKO, op. cit., p. 55


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- das ruas “de cima” às ruas “de baixo” Diferentemente do que ficou incutido no conhecimento popular, o futebol não foi introduzido em São Paulo pela vinda de Charles Miller da Inglaterra. O historiador José Moraes do Santos Neto demonstra que antes do retorno de Miller ao Brasil, em 1984, no início da década de oitenta algumas escolas de São Paulo já adotavam o futebol entre as suas atividades físicas curriculares. O esporte, apesar disso, ainda não possuía naquele momento nenhuma forma de organização de competições. Nesse caso, a figura de Miller ganhou relevância não por ter sido o precursor do esporte, mas por ser um dos grandes incentivadores do futebol competitivo no período em que surgiram as primeiras agremiações e clubes voltados para o esporte bretão.43 O jovem, após regressar de uma temporada de estudos na Inglaterra, ficou conhecido como um exímio driblador e artilheiro jogando pelo São Paulo Athletic Club, um clube composto por sócios ingleses e altos funcionários do banco de Londres, da companhia de gás e da São Paulo Railway.44

os primeiros “times populares” da cidade. Além deles, haviam também os times formados por negros que não possuiam um trabalho formal e que viviam de pequenos expedientes de trabalho braçal ou de serviços ambulantes. Aos domingos, dois locais da cidade se consolidaram como os principais espaços para a prática futebolística. Os adeptos da elite, que abandonavam paulatinamente as corridas de bycicletes, transformaram o jardim do Velódromo da Rua da Consolação em um campo de futebol. Nele ocorreram os jogos dos primeiros campeonatos oficiais da Liga Paulista de Futebol (LPF). Os clubes populares, por sua vez, ocuparam a Vázea do Carmo, que como visto posteriormente transformou-se no Parque Dom Pedro II, e converteram-no no principal reduto do futebol popular de São Paulo.46

Em relação às outras equipes da cidade, o nível socioeconômico de seus atletas também não era distinto do padrão da equipe de Miller. Além do São Paulo Athletic Club, a Associação Atlética Mackenzie College, o Sport Club Internacional, o Club Atlético Paulistano e o Sport Club Germânia figuravam entre os principais times do período. Todos eles eram compostos por moços da aristocracia paulistana. O futebol se consolidou inicialmente em São Paulo nos pés de jovens de uma elite de origem europeia que possuía afinidades com quaisquer atividades que remetessem aos costumes do continente europeu.45 No entanto, apesar de ter começado como um esporte restrito a um pequeno grupo de pessoas, a atividade futebolística rapidamente ganhou adeptos nas demais camadas sociais. Jovens trabalhadores italianos, alemães e portugueses, que compunham o operariado nas indústrias em um período de transição da escravatura para o trabalho livre, criaram

43 SANTOS NETO apud. FERREIRA, João Fernando. A construção do Pacaembu. São Paulo: Paz e terra. 2008, p. 24 44 Ibid., p. 25 45 Ibid., p. 28 46 Ibid., p. 31

fig. 2.18. autor desconhecido, 1905. In: https://aventurasnahistoria.uol. com.br/noticias/reportagem/historiafutebol-brasil-charles-miller-saopaulo-athlecit-club.phtml 2.18. o time do São Paulo Athletic Club. Charles Miller está ao centro segurando a bola. 1905.


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Com a propagação crescente do esporte nos diversos estratos socioeconômicos desvelava-se os conflitos sociais entre classes, pois a popularização aproximava grupos historicamente separados pela exclusão, pela desigualdade e pelo racismo. Parte da imprensa dividia o esporte entre o “grande futebol”- das elites - e o “pequeno futebol” - dos times populares - e qualificava os times do “grande futebol” como os dignos representantes da técnica refinada do esporte bretão, enquanto que os times populares eram vistos como brutos, truculentos e incapazes de seguir as regras da association.47 Essa postura pode ser vista em alguns escritos de jornais da época: A falta de cultura que demonstram os times populares lembra um pouco as lutas greco-romanas. O fato diz respeito a um problema de falta de educação que exige tanto a ação do governo, quanto a dos homens ou instituições capazes de inculcar na multidão a noção que lhe é estranha, desse cavalheirismo que já de ser a essência e objetivo do esporte, para que ele se torne uma desejável manifestação de atividade social. [...]48 Todavia, a segregação, apesar de ter se instaurado nos prelúdios do esporte, se fragilizava na medida em que a popularização do jogo capilarizava-se por toda a esfera social. Aos poucos surgiam inúmeras equipes nos bairros operários, como foram os caso do Brás, Belém, Penha, Bom Retiro, Canindé, Ponte Grande, Santana e Ipiranga. Apesar do contragosto de alguns clubes da elite, a Liga Paulista de Futebol não conseguia impedir totalmente a participação dos clubes mais populares em seus campeonatos.49 As equipes do “grande futebol” demonstravam-se cada vez mais

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insatisfeitas com um esporte que tinha perdido a essência de um jogo entre gentlemen[s]. O ápice dessa situação foi a saída, em 1929, do Clube Athletico Paulistano, uma das equipes mais vitoriosas até o momento e que demonstrava insatisfação com a popularização que as medidas de profissionalização da liga acarretaram.50 Assim como o Paulistano, outros clubes da elite tentaram retomar a essência do que havia sido o futebol em seus tempos primevos. Porém, para esses clubes saudosistas, não haveria mais jeito. Os rapazes elegantes e moças finas já não eram mais o público predominante nos estádios durante os jogos de finais de semana. As massas aderiram ao futebol e a febre não cessaria mais. Essa verve se irradiaria às ruas “de cima” e às ruas “de baixo”, aos pátios das escolas, aos terrenos de várzea e a qualquer espaço em que houvesse um terreno minimamente plano e a possibilidade da demarcação virtual de dois “gols”. Mas não é só esse futebol assim normalmente organizado que merece as atenções dos aficionados. Há pelos bairros da cidade, dos mais chegados ao centro mais remotos, infinidades de clubes que o cultivam, com ardor em nada inferior aos da primeira [divisão]. Quem quer que tome um bonde qualquer em tarde de dominguera, e percorra os mais afastados arrabaldes, terá ensejo de apreciar a extensão granjeada em nossa terra pelo culto do esporte bretão. Nesses dias não fica uma aberta de terreno baldio, um trecho de baixada, mais ou menos plano, um trato de várzea de chão menos escorregadio, que não seja tomado por duas fervorosas equipes, na disputa de encarniçados matches. Pelos barrancos dos aterros circunvizinhos, pelos galhos das árvores próximas, torcedores em bando seguem interessadíssimos as sucessivas fases do prélio. Aplausos

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47 Ibid., p. 32 48 O espírito esporitivo, O Estado de S. Paulo, 1918. In: NEGREIROS, Plínio José Labriola de Campos. A nação entra em campo: futebol nos anos 30 e 40. Tese (Doutorado) Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 1998, p. 116 49 Ibid., p. 43 50 FERREIRA, op. cit., p. 49


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delirantes e chufas mordazes acolhem cada lance da pugna, tal como nos jogos da Antártica ou da Floresta. Mas a nota pitoresca, que falta nos torneios realizados nestas áreas aristocráticas é que, terminando o jogo naquelas, muitas vezes se vêem os jogadores, vencidos e vencedores indistintamente, arremeter para as madeiras que formam o retângulo dos gols, e, arrancando-as do solo, carregarem-nas ás costas, com todos os outros apetrechos e acessórios futebolísticos. É que, dizem eles, a lenha anda hoje muito cara e vasqueira e os últimos retardatários da assistência não são lá de inspirar grande confiança.51

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Diante dessa crescente paixão popular, os estádios se enchiam de torcedores que, imersos em um ritual coletivo, glorificavam os novos heróis modernos pela luta deixada em campo. Entrar em um estádio lotado criava no espectador um sentimento desconhecido até então. Um jogo de futebol gerava uma espécie de alheamento a quem estava no estádio de qualquer interferência externa, e por conseguinte da própria cidade. Concomitantemente, em um movimento inverso e sincrônico, a própria cidade também alienava-se de si mesma, transformando-se em organismo cujo coração pulsava com a vibração dos torcedores e cuja energia era capaz de irradiar-se por cerca de 400 quilômetros longe dali. Rapidamente, a cidade se transformava em uma grande praça de esportes aos domingos.52

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51 Ontem, por esses bairros, O Estado de São Paulo, 1920, p. 4. in: SEVCENKO, op. cit., p. 60 52 Ibid., p. 67

fig. 2.19. autor desconhecido. O foot-ball na Escola de Aprendizes Marinheiros do Ceará, 1917. fotografia. Brasiliana Fotográfica

2.19. Aprendizes de marinheiros no Ceará disputam uma partida de futebol. O esporte se alastra nas diversas esferas sociais do país.


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A cidade acompanhava, além de seu crescimento físico, um vertiginoso aumento do número de torcedores futebolísticos. Se por um lado a paixão fascinava os entusiastas, ela gerava preocupação das autoridades públicas em função da violência que esse pathos gerava. As grandes partidas da década de 20 que envolviam os principais times da cidade - o Palestra Itália, o Corinthians Paulista e o Paulistano - revelavam tensões sociais que demonstravam que os palcos do futebol paulistano já estavam pequenos, perigosos e desconfortáveis e que portanto já não estavam mais apropriados a abrigar as massas de torcedores53. O relato do jornal O Estado de São Paulo demonstra a inadequação do até então maior estádio da cidade, o Parque Antartica, para receber uma grande leva de torcedores:

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O domingo que passou serviu para nos provar que o maior estádio da cidade, o Parque Antártica, não é mais capaz de suportar a grande leva de torcedores. O embate entre Palestra e Corinthians levou mais de 35 mil espectadores ao estádio. Quando as autoridades vão olhar mais diretamente para isso? O futebol é o mais popular esporte da cidade, e ainda não temos um estádio compatível com essa popularidade.54

53 NEGREIROS, op. cit., p. 135 54 Superlotação, A Gazeta, 1929. In: NEGREIROS, op. cit., p. 130

Estavam dadas, portanto, todas as prerrogativas para que fosse construído um novo estádio de futebol. As massas teriam, enfim, um palco condizente com a proporção que a paixão futebolística havia tomado. Não havia mais como postergar essa tarefa. E se por um lado os torcedores buscavam um espaço adequado para que pudessem entoar em uma só voz os louvores ao jogo, o novo regime do Estado Novo, o qual se aproveitaria da popularização do futebol, estaria também na busca por um canto uníssono para a nação. ●

2.20. Parque Antártica lotado em jogo do Palestra Itália. 1920.

fig. 2.20. autor desconhecido, 1920. fotografia. Acervo do Palmeiras. In: https://www.lance.com.br/palmeiras/ comemora-100-anos-compra-parqueantarctica.html


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- a nação entra em campo Leônidas da Silva talvez possa ser considerado como o primeiro grande ídolo do futebol brasileiro a possuir um jogo irreverente, estilo que tanto marcou o jeito de jogar do país. O “Diamante Negro”, apelido que lhe ficou alcunhado, era um jogador caracterizado pelo drible, pelo improviso, um daqueles craques que a cada toque na bola o público se levantava a espera de uma jogada fora do repertório comum. Afinal, se o ponta de lança cruza a bola atrasada na área e ela segue fora da trajetória em que o atacante armou o cabeceio, o normal é que a bola passe “no vazio” e o que ataque seja desperdiçado. Mas esse “normal” era destinado aos atacantes quaisquer e não a Leônidas, quem podia consertar esse descompasso temporal. Se a bola está alguns segundos atrasada da posição em que o corpo havia previsto para o encontro da cabeça, esse mesmo corpo pode recuperar o tempo perdido. E prontamente o tronco se contorce na direção inversa em um movimento felino e as pernas se lançam tontas ao ar. A gravidade se perde. O corpo flutua. O som se cessa. E o cálculo prevê que o pé esteja no exato instante na posição em que a testa deveria encontrar a bola... Na veia! A chuteira beija a pelota e vai indefensável em direção ao gol. O míssil voa implacável e estufa as redes adversárias. Volta o barulho enlouquecido da torcida... E tudo isso ocorrera numa fração de tempo que nem mesmo o atacante pôde compreender. E Leônidas não podia mesmo saber que, a partir daquele momento, ele estaria eternamente marcado como o inventor da “bicicleta” no futebol. Foram por lances sensacionais como esse que Leônidas ficou gravado no imaginário do futebol brasileiro. Ele era o jogador do improviso, do inesperado, capaz de se contrapor aos ideais de ordem e de disciplina difundidos pelo esporte na época. Na década de 40, ele foi o principal jogador a se apresentar no Estádio Municipal jogando pelo São Paulo Futebol Clube. O seu jeito errático dentro e fora de campo

era extremamente popular e atraía multidões para assisti-lo no palco esportivo. E, aos que estavam na arquibancada, era impossível não ter o olhar atraído aos dribles ousados e às jogadas inesperadas do protagonista do espetáculo. O olho percorria entretido nos caminhos tortos e imprevisíveis que o Diamante Negro traçava em campo. Contudo, apesar da fixidez com que a maioria via os movimentos do jogador, àqueles que ampliavam um pouco o seu campo de visão era possível notar um sutil contraste que emergia daquela situação. Algo curioso saltava aos olhos: a irreverência dos dribles e o jeito subversivo do atacante produziam um nítido contraste com as linhas harmônicas, ordeiras e monumentais da arquitetura do Estádio do Pacaembu.55 A parte e o todo não se misturavam. A metonímia não cabia à situação. O palco e o seu ator principal eram duas figuras bastante distintas.

55 ASSUMPÇÃO, op. cit., p. 72

fig. 2.21. Alberto Sartini, 1948. fotografia. In: https://gq.globo.com/ Essa-e-nossa/noticia/2013/09/leonidasda-silva-inventor-da-bicicleta-faria100-anos-hoje.html 2.21. a lendária bicicleta de Leônidas e o Pacaembu ao fundo. 1948.


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A primeira versão do projeto do Complexo Esportivo do Pacaembu foi apresentada em 1934 pelo Escritório Técnico Ramos de Azevedo / Severo & Villares por encomenda da Companhia City. Essa versão guiou o início das obras do estádio, que ocorreu em 1936. De acordo com o projeto, no novo complexo esportivo haveria um estádio com duas arquibancadas laterais construídas sobre a elevação natural do vale que fazia parte do terreno cedido pela companhia. Além das arquibancadas, o complexo contaria com uma concha acústica em uma de suas extremidades, e com um portão com altas torres alongadas em frente a uma grande praça, na outra.56 O projeto inicial se destacava por seu estilo art déco. O estilo, segundo a historiadora da arquitetura Telma de Barros Correia, seguia princípios de hierarquização, expressos em formas escalonadas e na ênfase ao acesso principal. Ele se vinculava com a arquitetura beaux-arts na sua expressão através de volumetrias em composições marcadas pelo jogos de formas geométricas e/ou através de fachadas com elementos figurativos de forte conotação ornamental. A composição adotava regras de simetria, axialidade e de hierarquia na distribuição da planta, na organização das fachadas e na disposição da volumetria. Ademais, o estilo podia incorporar alguns momentos elementos da linguagem clássica, como colunas, óculos, frontões, capitéis, pilastras e platibandas.57 Em função do caráter hierárquico da composição e ao vínculo com uma matriz clássica da arquitetura, o art déco era utilizado em alguns edifícios, geralmente de função institucional, para expressar um caráter monumental. Ao mesmo tempo, o estilo tinha em sua essência a exteriorização do espírito moderno por meio da arte decorativa. Ele se utilizava de técnicas modernas, como o concreto armado, e era frequentemente adotado para traduzir uma noção de modernidade em edifícios com programas novos no século XX, como rodoviárias,

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aeroportos, cinemas, entre outros.58

56 Ibid., p. 25

A sutileza com que o Estádio do Pacaembu se assentava no vale e que o fazia “desaparecer” contrastava com as linhas arrojadas das torres da fachada. O projeto possuía um caráter monumental, ao mesmo tempo que carregava um “ar” de modernidade que condizia com o momento de progresso que São Paulo vivia. Apesar da escala imponente do projeto, pode-se dizer que ele se aproximava de um art déco mais baseado em formas e linhas aerodinâmicas59. O streamline, como ficou conhecida essa vertente, permititu a designers como Raymond Loewy, Norman Bel Geddes e Walter Dorwein Teague, os nomes mais renomados no cenário internacional, a reinventarem a decoração, baseando-se nas formas das máquinas e sem a necessidade de recorrer aos ornamentos.60

57 CORREIA, Telma de Barros, O art decó na arquitetura brasileira, Revista UFG, n. 12, jul 2010, p. 15

Entretanto, essa primeira versão do projeto não foi adiante. Apesar disso, ela tem importância na medida em que a versão final do complexo manteve o partido principal de ocupação do vale e o estilo art déco (porém interpretado em uma outra chave). Essa nova versão traria algumas alterações de projeto que auxiliariam futuramente em uma aproximação do estádio com a ideologia política do regime autoritário de Getúlio Vargas, outorgado em 1937. O regime do Estado Novo (1937-1946), analisado a partir do aspecto socioeconômico, é sintetizado pelo historiador Bóris Fausto como uma aliança entre a burocracia civil e militar e a burguesia industrial. O programa de industrialização visava uma verdadeira soberania nacional e um fortalecimento das bases econômicas do país.61 A fim de promover o projeto desenvolvimentista nacional, Vargas criou um Estado autoritário, o qual além de possibilitá-lo de tomar medidas que conseguissem proteger os interesses da indústria brasileira, permitia-o de controlar a opinião pública, sobretudo a dos trabalhadores, a seu favor. O intuito

58 Ibid., p. 16 59 REIS FILHO apud. ASSUMPÇÃO, op. cit, p. 28 60 REIS, Márcio Vinicius, O art déco na obra getuliana. Tese (Doutorado) Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2014, p. 13 61 FAUSTO, Boris, História do Brasil. 2. ed. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1994, p. 364


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2.22. Walter Dorwin, Sparton Blue Glass Radio 577, 1936 In: REIS, op. cit.

2.23. e 2.24. Walter Dorwin Teague, Posto de Gasolina da Texaco, Óregon, 1936 (esquerda) e Morgan, Walls & Clemens, Thomas Jefferson High School, Los Angeles, 1936 (direita) In: REIS, op. cit.

2.25. e 2.26. Rodoviária Firmina Santana, Mogi das Cruzes, 1940 (esquerda) e Marino Parolani, Cinema Urupema, Mogi das Cruzes, 1947 (direita) In: ZAMAI, Silvia Beatriz. Valorização do patrimônio cultural de Mogi das Cruzes. Tese (mestrado) - Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, 2008


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2.27. Severo & Villares, fachada da primeira versão do projeto do Pacaembu, 1934. Acervo da Biblioteca da FAUSP


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2.28. Severo & Villares, planta da primeira versão do projeto do Estádio do Pacaembu, 1934. In: https://artsandculture.google.com/exhibit/pacaembu/


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2.29 e 2.30 Severo & Villares, maquetes da primeira versão do projeto do Estádio do Pacaembu, 1934. Acervo da bilioteca da FAUUSP


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primordial era o de promover a industrialização no país sem grandes abalos sociais.62 Em meio a uma política que visava a promoção do progresso sem rupturas profundas e de caráter autoritário, a arquitetura do Estado Novo possuiu uma predominância do estilo art déco em seus edifícios públicos. Apesar de não ter sido o único estilo utilizado pelo regime, pois havia também alguma variação entre o estilo neocolonial e edifícios modernistas corbusianos, o art déco possuiu uma preponderância em relação aos outros estilos na adoção pelo regime.62 Ele se encaixava na prefiguração de um caráter monumental e sereno das construções ao mesmo tempo que era capaz de espelhar a imagem de uma nação moderna. O governo estadonovista via nessa linguagem um conteúdo inteligível de sua ideologia, dado que “não era nem tão conservadora e nem tão rupturista assim”.63 É sabido que a proposta inicial para o estádio não foi uma encomenda do governo varguista e que, portanto, ela não foi concebida em um primeiro momento com o intuito de ser uma arquitetura oficial do Estado Novo. Apesar disso, formula-se a hipótese nesse trabalho de que foi criado um vínculo do estádio com o regime, que pode ser lido sobretudo nas alterações de projeto que Prestes Maia realiza em negociação com a Companhia City e com o escritório Severo & Villares. A construção do estádio, que havia sido iniciada em 1936, ficou paralisada em 1937 por conta de entraves entre agentes privados e o poder público. Nesse período, Vargas, já estabelecido no poder autocrático, nomeou Adhemar de Barros como interventor federal no estado de São Paulo. Em abril de 1938, o novo chefe do poder executivo estadual anunciou a substituição de Fábio Prado por Francisco Prestes Maia na prefeitura da capital paulista. Até aquele momento, a construção

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da arquibancada leste do estádio, do ginásio e da piscina estavam quase finalizadas. No mesmo ano em que foi empossado, Prestes Maia, após um novo acordo com a Cia. City, retomou as obras do estádio. Além de acordos de novos prazos e financiamentos, a principal mudança na retomada das obras foi a alteração de projeto da fachada principal do estádio.

62 Ibid., p. 376

Sobre a primeira gestão de Prestes Maria, a historiadora da urbanismo Maria Cristina Leme destaca a necessidade de análisa-la sob a compreensão do quadro político e economico nacional e estadual que se instaurou. A crise do café, em 1929, e a revolução de 30 podem ser consideradas como marcos de transição da República Velha para o novo regime do Estado Novo. Elas marcam a passagem de uma atividade agrícola voltada à exportação para uma atividade industrial, no plano economico, e um rompimento da organização política descentralizada apoiada no alto grau de autonomia dos estados federados em favor do fortalecimento o poder central, no plano político.64

64 LEME, Maria Cristina da Silva. Formação do urbanismo em São Paulo como campo do deconhecimento e área de atuação profissional.Tese (Livre Docência) Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2000, p. 83

A implantação de um Estado forte e centralizado significou uma refefinição dos canais de acesso e influência no poder central, antes restrito à oligarquia cafeeira. O fortalecimento do regime necessita de uma hegemonia construída préviamente na sociedade civil. As camadas médias urbanas assumem postos recém-surgidos com a nova divisão social do trabalho e possuem um papel importante na difusão da nova classe hegemônica. À guisa de sustentar esse projeto, surge um pensamento tecnocrático que visa dominar as novas organizações políticas. Prestes Maia se alinha a essa visão. O prefeito encontra nas grandes obras que realiza na capital paulistana as justificativas de sua legitimação política. E é nessa nova forma de organização e no silêncio das instâncias de participação política

63 REIS, Márcio Vinicius, O art déco na obra getuliana. Tese (Doutorado) Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2014, p. 13


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que o prefeito encontra o êxito de sua administração. Este acervo de concretas realizações comprova de um modo insofismavel, no campo do municipalismo, a excelencia do regime administrativo e das diretrizes implantadas pelo Presidente Vargas, pois não se conceberia no regime das disputas demagógicas, dos embaraços formalísticos e da incerteza financeira.65 As alterações que o escritório Severo & Villares realiza após a reunião com Prestes Maia visam acomodar um número maior de torcedores a partir da união das duas arquibancadas laterais e transformava o estádio em um formato de “U”. Com a campanha bem sucedida da seleção brasileira de futebol na Copa do Mundo de 1938 em terceiro lugar, a pretensão de candidatura do Brasil à sede do Mundial de 1942 e a crescente popularização do futebol, o governo visava a construção de um novo templo para o futebol nacional.66 Nota-se também a partir da comparação das plantas dos dois projetos a inserção de arquibancadas na área da piscina e das quadras de tênis. No caso dessa última, a construção da arquibancada resultou em uma redução do número de quadras de tênis, que passaram de seis quadras a apenas uma. Com essas mudanças, infere-se que o novo projeto voltava-se mais para a realização de grandes espetáculos do que para a constituição de um espaço de lazer e de práticas esportivas corriqueiras e populares. Pensase na população mais como platéia do que como palco. Nessa direção o estádio também se afastava das intenções de educação através da democratização da prática esportiva que o concebido inicialmente, como será visto no próximo capítulo.

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Outrossim, em relação ao novo desenho da fachada, pode-se dizer que a composição da colunata seguida pela sequência de óculos e a simetria e hierarquia de seus elementos aproximava o edifício de um art déco com características que remetiam mais a uma linguagem clássica do que modernizante representada pelo streamline. Mesmo não adotando ornamentos, uma série de elementos faziam menções a uma linguagem clássica e o estádio ganhava um caráter ainda mais monumental com essas modificações. Em relação ao desenho da nova proposta, vale ressaltar a semelhança da fachada principal do Estádio do Pacaembu à estrutura dos portões principais do Estádio Olímpico de Berlim, construído para os Jogos Olímpicos de 1936, na Alemanha.67 Ambos projetos foram realizados em um período em que os países passavam por governos autoritários no poder e ambos possuíam um caráter monumental a partir da escala de seus elementos arquitetônicos. Outrossim, os dois projetos adotaram um estilo art déco que fazia menção a elementos de uma linguagem clássica da arquitetura. Para o historiador da arquitetura Kenneth Frampton, a incapacidade de comunicação da forma abstrata, somada à inadequação iconográfica da arquitetura modernista, condicionou a “sobrevivência de uma uma abordagem historicista da construção na segunda metade do século 20”. Isso permitiu que surgisse uma arquitetura em que o poder permitia representar a si mesmo sob uma luz positiva e progressista em um estilo historicista conscientemente “modernizado”, em versão “clássico despojado”.68 Pode-se inferir, nessa direção, que tanto o estádio de São Paulo, quanto o estádio de Berlim, possuíam representações do poder a partir de suas composições que caminhavam entre o moderno e o clássico.

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65 PRESTES MAIA apud. LEME, op. cit, p. 84 66 ASSUMPÇÃO, op. cit, p. 33 67 Ibid., op. cit, p. 28 68 FRAMPTON, Kenetth. Arquitetura e Estado: ideologia e representação, 1914-43. In: História crítica da arquitetura moderna. São Paulo: Martins Fontes, 1997


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Portanto, o vínculo com um poder autoritário do Estádio do Pacaembu ocorria por diversas faces. O caráter monumental e a enorme capacidade de espectadores vinculavam-se a uma expressão populista e grandiosa do regime. A composição arquitetônica comunicava um ideal de eternidade, através de sua matriz clássica, e de progresso, por meio de seu caráter moderno. Acresce-se a isso uma acepção da atividade esportiva no período como uma forma de disciplinar o cidadão comum, como será visto no próximo capítulo. E todos esses vínculos com um poder autoritário, ironicamente, eram contrários a como o estádio houvera sido concebido inicialmente, a partir de uma visão democrática e educativa

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fig. 2.30. Severo & Villares, Estádio do Pacaembú, 1940. In: https://www. archdaily.com.br/br/925047/prefeiturade-sao-paulo-assina-concessao-dopacaembu-a-consorcio-privado

fig. 2.32. Otto March, Estádio Olímpico de Berlim, 1936. In: https:// archello.com/story/4277/attachments/ photos-videos/2

2.31. 2.32 semelhança de fachada do Estádio do Pacaembu e do Estádio Olímpico de Berlim


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2.33. Severo & Villares, planta da versão final do projeto do Estádio do Pacaembu, 1938. In: https://artsandculture.google.com/exhibit/pacaembu/


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2.34. Severo & Villares, corte e planta da piscina e do ginásio da versão final do projeto do Estádio do Pacaembu, 1938. In: https://artsandculture.google.com/exhibit/pacaembu/


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2.35. Severo & Villares, detalhe da arquibancada da versão final do projeto do Estádio do Pacaembu, 1938. In: https://artsandculture.google.com/exhibit/pacaembu/


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2.36. Severo & Villares, vista do trampolim (direita), fachada do ginásio oeste (acima) e projeto do letreiro (abaixo), 1938. In: https://artsandculture.google.com/exhibit/pacaembu/


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2.37. Severo & Villares, cenas internas d, 1938. In: https://artsandculture.google.com/exhibit/pacaembu/


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1934

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2.38. plantas da primeira e da última versão do projeto. Nota-se um menor aproveitamento de espaços para a prática esportiva e um predomínio de arquibancadas na versão mais recente. In: https://artsandculture.google.com/exhibit/pacaembu/


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1934

1938

2.39. vistas das primeira versão e última versão do projeto. A fachada ganha um predomínio e uma imponência no edifício. In: https://artsandculture.google.com/exhibit/ pacaembu/


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2.40 a 2.60 fotos da construção do Complexo Esportivo do Pacaembu. autor desconhecido, 1937. fotografia. Acervo da Biblioteca da FAUSP

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- o corpo e o estádio Nascido no bairro do Bom Retiro, em São Paulo, Paulo Junqueira Duarte fez parte de um quadro de intelectuais que surgiram na Belle Époque paulistana nos anos 20 e 30. Apesar de ter frequentado por três anos o curso de medicina, ele passou a fazer parte, em 1927, da redação do jornal O Estado de São Paulo. Prontamente, ele se tornou em uma importante figura no meio jornalístico paulista por seu espírito combativo e por seu empenho em campanhas cívico-políticas e culturais. O jornalista, além de ter sido uma figura ativa no engajamento político, tendo participado das articulações que resultaram na Revolução Constitucionalista de 1932, realizou importantes contribuições na área da educação pública. Entre 1933 e 1934, Duarte participou de um grupo de expoentes da intelligentzia paulista capitaneado por Júlio de Mesquita Filho que elaborou um projeto cujo resultado culminou no surgimento da Universidade de São Paulo.69 Além dessa contribuição, em julho de 1935, a gestão do prefeito Fábio Prado criou o Departamento de Cultura da cidade de São Paulo a partir de um projeto elaborado por Duarte e por Mário de Andrade. O departamento era composto por cinco divisões: Expansão Cultural; Bibliotecas; Educação e Recreio; Documentação Histórica e Social; Turismo e Divertimentos Públicos. A Divisão de Educação e Recreio, por sua vez, possuía as seções de Parques Infantis e a de Estádio, Campos de Atletismo e Piscinas. O objetivo dessa divisão era realizar um programa de educação social para a crescente população urbana que via-se privada de acesso a vários serviços básicos e a áreas de lazer. De acordo com Duarte, o estabelecimento de campos de atletismo e de parques infantis beneficiariam às pessoas “que não podiam frequentar clubes a pagamento, aqueles para os quais a administração pública só olhava quando os metia na cadeira, sob o pretexto de crimes e contravenções, cuja maior responsabilidade recai justamente sobre o meio social que os

deixa ao abandono.” 70 A Divisão de Educação e Recreio definiu um programa social que tinha como um de seus objetivos a construção de um Estádio do Departamento de Cultura que seria destinado a competições e torneios esportivos e a solenidades públicas. A divisão passou a procurar por um local adequado na cidade no qual seria construído o estádio. Cogitou-se terrenos no Ibirapuera, onde já se considerava a construção de um grande parque para a cidade, e na Mooca, no espaço deixado pelo Jóquei Clube após ele ter se transferido para o bairro de Pinheiros. Contudo, influenciado pelo projeto já elaborado, em 1934, e pela doação do terreno feita pela Cia. City, em 1921, ficou definido que o estádio seria erguido no novo bairro do Pacaembu.71 Com a substituição no poder municipal de Fábio Prado por Prestes Maia, o Departamento de Cultura passou por mudanças em sua composição, sendo a alteração mais significativa a saída de Mário de Andrade da diretoria do departamento. Paulo Duarte ressentiu a saída do prefeito e do colega e teceu duras críticas à nova gestão da capital. Entre as principais contestações do jornalista estava a insatisfação com os rumos que o novo estádio municipal estava tomando. E o Estádio de São Paulo criado para um destino alto no programa de educação do povo arrasta-se até hoje, servindo apenas ao trivial do seu destino, como campo de futebol, lutas de boxe e, às vezes, comícios políticos. Parte integrante, complementar e indispensável da Divisão de Educação e Recreio, foi amputado do Departamento de Cultura ao qual não mais pertence! 72 O estádio que fora pensado a partir de um plano de educação e de

69 MENDES, Erasmo Garcia, Paulo Duarte. Perfis de mestres, São Paulo, v.8, dez. 1994 70 DUARTE apud. ASSUMPÇÃO, op. cit, p. 30 71 Ibid., p.31 72 DUARTE apud. ASSUMPÇÃO., p.89


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democratização do esporte transformou-se em uma obra mais voltada a fins populistas, segundo o jornalista. A nova gestão da prefeitura deu continuidade às obras mas conferiu ao estádio um novo viés, além de ter realizado alterações no projeto. É recorrente uma visão historiográfica que contrapõe as duas gestões, colocando Fábio Prado como um prefeito mais voltado aos aspectos culturais da capital, enquanto imputa a Prestes Maia um enfoque mais técnico e ligado a grandes obras. Duarte endossa essa visão e lamenta a descontinuidade dos propósitos do complexo esportivo. Porém, é importante situar essa narrativa na medida em que havia uma oposição da oligarquia tradicional rural paulista, da qual Fábio Prado fazia parte, e o governo de Vargas, que era apoiado por Prestes Maia.73 O período em que Getúlio Vargas se manteve no poder (1930 - 1945) foi marcado por um momento em que o governo federal visava a integração nacional em detrimento das diferenças e dos poderes regionais. A Revolução de 30 rompeu com o domínio das oligarquias de São Paulo e Minas Gerais que exerciam uma hegemonia política no período compreendido pela República Velha. O novo regime brasileiro apresentava o Estado como agente promotor da modernização e da industrialização e justificava com esse objetivo o forte controle estatal que exercia. O período do Estado Novo intensificou as medidas autoritárias e nacionalistas e criou um projeto de homogeneização nacional. A ideia de uma identidade nacional única que suprimisse as peculiaridades regionais em favor de um modelo de cidadão brasileiro moderno se configurava como uma das grandes preocupações do novo regime.74 A observação imparcial vinha entretanto revelar que não existia ainda um povo brasileiro e que seria necessário quanto antes formá-lo. O

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que se via era um povo mineiro, um povo paulista, um povo paraense, etc… etc… Imperando o bairrismo, não era possível a integração da nacionalidade num todo. Urgia uma ação imediata; tão imponente quanto não podia ficar fora da ação governamental. Em tempo, felizmente, compreendeu-se que a ‘psicologia do povo brasileiro’ era dispersiva, desagregadora, separatiista. Era necessário unir as diversas partes num todo.75 A noção do que seria um povo brasileiro estava no centro dos debates dos ideólogos do Estado Novo, como pode ser visto no trecho acima. O desafio do novo governo era realizar a tarefa de unificação que os regimes da República Liberal e da Monarquia falharam em lograr. Para formar esse povo, considerava-se necessária a homogeneização do que se entendia no período como “raça brasileira”. E nesse projeto político, as atividades físicas e esportivas desempenharam um papel importante. O Estado Novo, segundo o trabalho de Magali de Alonso Lima, utilizouse da Educação Física como uma das formas capilarizadas de poder na sociedade. A disciplina fez parte de uma estratégia, inserida no que a autora descreve como bio-poder, de inscrever no corpo princípios ideológicos que buscavam regulamentar e disciplinar o cidadão brasileiro, sobretudo a população trabalhadora.76 Engendrado pelas políticas desenvolvimentistas, o incremento da atividade industrial criava no poder federal uma inquietação com a massa de trabalhadores que se formava. Havia uma preocupação do governo com a adesão da classe trabalhadora ao projeto nacional que se estendia nos pormenores da vida social dos indivíduos. Preocupava ao governo desde a capacidade produtiva do operário até como a massa operária utilizaria o seu tempo livre. Nesse sentido, a Educação Física era compreendida no período como uma possibilidade moldadora dos

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73 Ibid., p.33 74 Ibid., p.51 75 MÜLLER apud. ASSUMPÇÃO, p.54 76 LIMA, op. cit., p. 32


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valores de disciplina a essas pessoas em seu tempo de ócio. Através do esporte seria conferido ao operário o exercício do autocontrole e da aptidão física individual. O adestramento educaria as massas e tornaria o seu desempenho mais eficiente. Acresce-se a isso o fato de que era melhor que o tempo de lazer do trabalhador fosse destinado a atividades físicas do que usufruído em espetáculos e atividades noturnas. A revista Educação Physica, a primeira revista especializada sobre essa disciplina no país, transparece esse pensamento em seus artigos: Em seguida surge outra questão: criado o descanso para os trabalhadores, que vão fazer eles durante esse tempo? O obreiro, dizse, não possuem nem a cultura, nem a mentalidade, nem o gosto das classes ricas, só pode dele fazer mau uso; tem-se visto, neste momento, a introdução do dia de 8 horas e da semana inglesa. São os cabarets, os campos de corrida e os lugares de prazer que tem prosperado. O mesmo fato se dá ainda na hora atual em que falta de trabalho deixa tantos obreiros desocupados, que nem sabem o que fazer. (...) O obreiro e o empregado, encerado em sua usino, seu escritório, ou sua loja, durante dias inteiros, que passa os seus momentos de descanso nas salas de espetáculos, dancings, cafés superlotados, para se divertir, não restabelece o equilíbrio. intoxica-se ainda mais.77 O Estado, portanto, buscava no esporte uma forma de aprimoramento e de controle da massa operária. Para isso, se fazia necessária a construção de instalações que permitissem a prática dessas atividades. Não somente o governo federal empreendia o projeto, mas as esferas estaduais e municipais também eram responsáveis por difundir o esporte em toda a esfera social. O estado de Minas Gerais, por exemplo, foi dividido em 26 zonas esportivas pelo governo estadual para que essas regiões fossem

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providas de uma estrutura mínima necessária à prática esportiva. Parques infantis, praças esportivas, estádios, colônias de férias, entre outras tipologias, eram exemplos da arquitetura esportiva que se instalava no período.78

77 A obra social de educação física, Educação Physica, n.36, 1939, p. 1011. in: LIMA, op. cit., p.35

O Estádio do Pacaembu, nesta perspectiva, estava entre os espaços em que essa ideologia promovida pelo Estado Novo era posta em prática. Foi criado no período estadonovista o Centro de Educação Física do Pacaembu de São Paulo que organizava as atividades esportivas no estádio. A instituição, ao anunciar a abertura para a população do uso instalações do complexo esportivo, deixava desvelar os intuitos disciplinadores que o regime pretendia:

79 Reportagem publicada no “Diário da noite” de São Paulo e transcrita na revista Educação Física, Rio de Janeiro, n.73, 1943, p. 33. in: LIMA, op. cit., p.92

O Estádio do Pacaembu, aberto então somente uma vez por semana para que 22 jogadores se exercitem e 60 mil pessoas os vissem, está agora quase toda semana em funcionamento, dando assistência física a perto de mil pessoas e, mais frequentadores teria, se não estivéssemos numa época de inconvenientes que a guerra nos trouxe. A organização do primeiro Centro de Educação Física, como não poderia deixa de ser, ganhou logo popularidade. Dentro em pouco estaremos com mais de 3000 frequentadores e já cogitamos de formar Centros idênticos, no Braz e na Lapa. O que exigiremos dos seus associados é apenas três fotografias, disciplina e assiduidade. O resto nós mesmos endireitamos. 79

78 Ibid.,p.88


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Por mais que o projeto do estádio tenha sido destinado a democratização da atividade esportiva para toda a população da cidade, o projeto envolvido por trás do modo com que foi realizado trazia consigo intenções de capilaridade do poder estatal. O aprimoramento dos corpos e da mente criaria um trabalhador mais disciplinado e um cidadão mais adepto a incorporar os valores nacionais. O povo brasileiro precisava

ii. contextualização histórica

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ser formado e o esporte auxiliaria na tarefa de homogeneização. Um fato do estádio, após ele ser construído, foi a réplica da Estátua de Davi que foi colocada próxima a arquibancada leste do complexo esportivo que contrastava com a linguagem moderna do estádio. O ideal de corpo humano perfeito representado em pedra servia de guia ao aprimoramento do corpo do trabalhador. ●

fig. 2.61. autor desconhecido. Estátua de Davi do Pacaembu, 1940. fotografia. Acervo da biblioteca da FAUUSP

2.61. Réplica da estátua de Davi como representação simbólica do aprimoramento do corpo


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- a obsolescência ou o discuro de obsolescência O São Paulo e Corinthians de 29 de Dezembro de 1957 marcou a última rodada do Campeonato Paulista. Ambas as equipes possuíam chances de consagrar-se campeãs naquela partida. Os ânimos se colocavam à flor da pele na capital paulista. A partida foi vencida pelo São Paulo pelo placar de 3 a 1, porém a equipe tricolor não pode comemorar o título com a tradicional volta olímpica, pois a partida ficou marcada pela confusão generalizada entre torcedores e jogadores em campo. Após o terceiro gol do São Paulo, o goleiro Gilmar, do alvinegro, partiu para cima do adversário e a partida ficou paralisada por alguns minutos. Durante esse período, Olavo, também jogador do Corinthians, chegou a agredir um dos árbitros. Revoltados, os torcedores arremessavam garrafas em direção ao palco.80 As constantes cenas de violência dentro de campo geravam discussões dentro da imprensa. Discutia-se se deveria ser permitida a venda de bebidas engarrafadas no Pacaembu, ou se era pertinente a presença de menores de 16 anos dentro de suas dependências. E além das atribuições negativas na experiência do estádio, eram realizadas também diversas críticas sobre o estado de conservação de suas instalações. Em relação às reformas das arquibancadas danificadas durante a partida de São Paulo e Corinthians de 1957, o jornal Folha da Manhã enfatizava: “O Pacaembu acabará caindo aos pedaços”81. Em outra matéria, no mesmo jornal, criticava-se a ineficiência na gestão do espaço: vai-se pouco a pouco transformando em autentica tapera, a que não falta sequer a nota sombria da pintura completamente deteriorada. [...} Alega-se, como está na moda, a falta de verbas. Seria conveniente lembrar, diante dessa desculpa, que o Pacaembu rendeu líquidos para a Prefeitura de São Paulo seis milhões e setecentos mil cruzeiros em 1956 e, em 1857, oito milhões e setecentos mil82

Aos poucos, a imagem do Pacaembu como o mais moderno estádio do país ia sendo questionada. Isso ocorria também na medida em que outros dois estádios foram construídos e ameaçavam o seu posto simbólico. No Rio de Janeiro, o Estádio Jornalista Mario Filho, o Maracanã, foi erguido para ser o estádio principal do Brasil como sede da Copa do Mundo de 1950. Com sua marca surpreendente de lotação de 200 mil pessoas, ele superava o recorde de lotação que pertencia ao Pacaembu, de 72 mil. Já ao sul da capital, a construção do estádio Cícero Pompeu de Toledo, o Morumbi, em 1952, colocava um concorrente à altura na mesma cidade. Situado no aristocrático bairro do Jardim Leonor, ao sul da capital, o Morumbi surgiu em moldes parecidos com que o Pacaembu havia feito há 10 anos atrás, servindo como atrativo para o desenvolvimento do insurgente bairro ao outro lado do rio Pinheiros.83 Além disso, tanto o Maracanã, quanto o Morumbi, o último sendo projeto do arquiteto Vilanova Artigas, possuíam uma linguagem mais esclarecida em relação ao movimento moderno e faziam com que a referência do Pacaembu como principal estádio de vanguarda também fosse perdendo força. A cada clássico que se reiza chega-se mais a conclusão de que o estádio do Morumbi está fazendo muita falta. Tornaddose cada vez mais impraticável a ida ao Pacaembu em dia de grandes jogos. Com o Morumbi não concluído, todos estão perdendo; os clubes, maiores movimentos financeiros, o público, melhores condições do espectador. Os mais diretos interessados, clubes federações, deveriam unir-se ao tricolor e colaborar na conclusão das obras do gigante do Morumbi.84 Não bastasse o surgimento de seus concorrentes, durante o final da década de 50 e início da década de 60, a administração do prefeito

80 ASSUMPÇÃO, op. cit., p. 87 81 Revogada a medida que proibia entraad de menores de 16 anos nos campos de futebol. Folha da Manhã, São Paulo, 21 de fev. 1958, p. 8. in: Ibid., p. 87 82 Pacaembu: estádio ou tapera?. Folha da Manhã, São Paulo, 21 de fev. 1958, p. 4. in: Ibid., p. 88 83 Ibid., p. 89 84 O São Paulo pretende ‘mandar’ jogos do campeonato no Morumbi. Folha da Manhã, São Paulo, 1 de ago. 1959, p. 8. in: Ibid., p. 92


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fig. 2.62. autor desconhecido, década de 50. fotografia. In: https://www.bbc. com fig. 2.63. autor desconhecido, década de 50. fotografia. In: https://www. saopauloinfoco.com.br

2.62 estádio do Maracanã na década 50 (esquerda) 2.63 construção do estádio do Morumbi (direita) no insurgente bairro do Jardim Leonor na década de 50

Adhemar de Barros era questionada pelos grandes clubes da capital por fixar o preço das entradas para as partidas no Estádio do Pacaembu. Os clubes reivindicavam para os seus ganhos próprios a possibilidade de um aumento no preço do ingresso para que se pudesse equivaler no Pacaembu ao mesmo que se cobrava nas demais praças esportivas. O auge dessa disputa ocorreu durante um dos jogos da final do mundial de clubes entre Santos e Benfica, de Portugal, que ocorreria no Brasil e que seria natural que ocorreresse em um estádio de São Paulo, já que o Estádio Urbano Caldeira, a Vila Belmiro, em Santos, não tinha

capacidade para acomodar um jogo dessa magnitude. O time de Pelé, além de estar acostumado a sediar jogos no Pacaembu, possuía uma grande quantidades de torcedores na capital, Porém, o Santos reinvindicava que os ingressos fossem ser cobrados mais caros. O aumento não foi autorizado pela prefeitura e a lendária partida foi realizada no Maracanã, o que fez com que a crônica esportiva não poupasse de críticas e de atribuições vexatórias à administração do estádio.


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Já em 1969, durante o período da ditadura militar, foi realizada uma importante intervenção no estádio do Pacaembu. Sob a gestão Paulo Maluf, membro da Aliança Renovadora Nacional (ARENA) e nomeado prefeito por indicação do presidente Artur da Costa e Silva, foi demolida a concha acústica do Pacaembu. Em seu lugar, uma arquibancada seria construída que aumentaria em 18 mil pessoas a capacidade de espectadores. Em função de sua alta inclinação, a arquibancada ficou conhecida popularmente como tobogã. Segundo Assumpção, esse fato é revelador, sobretudo do período autoritário vigente no país. O processo de demolição da concha acústica não possuiu qualquer consulta pública ou debate envolvendo a sociedade

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civil. Outrossim, o fato evidenciava que os propósitos iniciais do estádio não se faziam mais presentes. A concha acústica havia deixado de ser um elemento que compunha os ideias de novos cidadãos educadis por meio do esporte e da cultura e se tornou em um empecilho para que a capacidade de espectadores pudesse ser ampliada.85

84 Ibid., p. 95 85 Ibid., p. 104

Ao se compreender, poid, a evolução histórica por que passou o estádio, pode-se inferir que o estádio e sua história são reflexos das transformações pelas quais a cidade de São Paulo atravessou. Conclui Assumpção: É de extrema importância neste momento (2019) que sua história (do estádio do Pacaembu) seja compreendida e utilizada como reflexão para sua incidência na sociedade. O debate atual a respeito da concessão do Estádio Municipal à iniciativa privada por parte da Prefeitura de São Paulo passa pelas mesmas questões observadas já nas décadas de 1950 e 1960 de desqualificação do espaço público e do discurso de obsolescência do estádio. No entanto é necessário compreender que a obsolescência de fato e discurso da obsolescência são dois elementos radicalmente diferentes. O discurso desqualificador do Pacaembu, como demonstrado na dissertação, relaciona-se diretamente a interesses específicos do capital privado que busca suprimir a sua importância daquele espaço como um patrimônio de são Paulo. O Pacaembu, no entanto, permanece ativo e relevante como um espaço público de grande importância para a cidade. Compreender sua história é compreender também a história de São Paulo. 85

2.64. Pelé na lendária partida de Santos vs. Benfica na final do Mundial de Clubes no Maracanã

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fig. 2.64. autor desconhecido, 1962. fotografia. Acervo Folha de S. Paulo


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1969

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2021

2.65. e 2.66. Demolição da concha acústica (esquerda), em 1969, e a demolição do Tobogã, em 2021. Obsolescência de fato ou parte de um discurso de obsolescência?

fig. 2.65. autor desconhecido, 1969. fotografia. Acervo Folha de S. Paulo fig. 2.66. Tiago Queiroz, 2021. fotografia. In:https://noticias.r7.com

52 anos depois, o Tobogã também é demolido sob o pretexto de uma condição de obsolescência do estádio. Cabe a reflexão se essa obsolescência ocorreu em função da população não ver mais utilidade no uso do Complexo Esporitvo do Pacaembu, ou se isso é um reflexo de gestões que tratam com descaso os espaços públicos da cidade ●


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III.

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iii. análise do entorno

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ANÁLISE DO ENTORNO

- situação 1930 (sara)

1954 (vasp)

evolução construtiva da cidade de São Paulo in: https://www.geosampa.prefeitura.sp.gov.br

Pode-se observar pela evolução histórica da cidade de São Paulo que o bairro do Pacaembu, que se encontrava antes no extremo oeste da capital, tornou-se em um bairro em uma região central com o avanço da mancha urbana ao longo do tempo.

Os parâmetros de ocupação do bairro são compostos pelas seguintes normas:

A área assinalada nos mapas corresponde ao perímetro de tombamento do bairro. Segundo o resistro SC08/91 ficam tombados o traçado urbano, a vegetação, os parâmetros de ocupação e um belvedere público localizado na rua Inocêncio Unhate.

b) Coeficiente de aproveitamento: 1,0.

a) Taxa de ocupação máxima: 0,5.

c) Recuos de 5 m de frente, 1,5 m em cada lateral, 5 m de fundo.

2017 (pmsp)


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- área de influência e área de intervenção Definiu-se que o objeto de intervenção desse trabalho corresponderia ao Complexo Esportivo do Pacaembu e a praça Charles Miller com possibilidade de se tratar o seu entorno imediato, sobretudo de modo a melhorar condições de acesso ao local. Definiu-se que a área de influência direta sobre o bairro compreenderia aos limites estabelecidos pela resolução de tombamento do bairro. O estádio se encontra praticamente no centro da área delimitada pelo perímetro de tombamento. Por conta da manutenção de suas características originais, há uma nítida distinção do Pacaembu em relação aos bairros no seu entorno e, em função desses pontos, acredita-se que essa é a área que exerce uma influência de forma mais nítida sobre o complexo esportivo. Ao norte, o bairro é cortado pela avenida Pacaembu que dá acesso ao elevado Presidente João Goulart, popularmente conhecido como Minhocão. A sul/sudeste, o perímetro é ladeado pela avenida Dr. Arnaldo e pela rua da Consolação e a leste ele é delimitado pela avenida Sumaré.

área de intervenção área de influência (perímetro tombado pela Resolução SC 08/91)


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- hipsometria O estádio ocupa um vale na descida do espigão cujo no topo se encontra a avenida dr. Arnaldo e, mais adiante, a avenida Paulista. O estádio se encontra em uma vertente descendente à norte do espigão que caminha em direção às várzes do Tietê no caminho delimitado pela praça Charles Miller e que continua pela avenida Pacaembu. A construção ocupou uma área que é popularmente conhecida como grota, ou seja, uma cabeceira de drenagem instalada em uma vertente.

Segundo dos Santos, é uma área de franca evolução do relevo, com terrenos úmidos e instáveis, o que lhe caracteriza como pouco afeita à ocupação urbana ou, ao menos, exigente de cuidados especiais para sua ocupação. (DOS SANTOS, 2019) É possível de se ver no mapa a integração da implantação do complexo com o a topografia da região.

topografia natural do terreno antes das obras do estádio in: https://www.vitruvius.com.br

830 m (ponto mais alto) 730 m (ponto mais baixo)


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- hidrografia Na linguagem tupi-guarani, a palavra Pacaembu possui o significado de terras alagadas. O córrego do Pacaembu, para construção do estádio, passou por uma obra de canalizaçao e, com a urbanização do bairro, as nascentes da região que desembocam no rio Tietê foram drenadas. Dos Santos elabora um mapa com as possíveis nascentes que foram drenadas na região.

corpo d’água

possíveis nascentes marcadas pelo geólogo dos Santos que foram drenadas DOS SANTOS, 2019


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- hidrografia (bacias) a área se encontra sobre a subbacia Penha-Pinheiros e é cortada pelo córrego do Pacaembu. O córrego segue pelo talvehue do vale e desemboca no rio Tietê.

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rio Tietê

cór re Pac go do aem bu

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- vegetação Em função das características do modelo de bairro de cidade jardim que visava trazer uma nova integração do homem com a natureza e também por conta das condições de tombamento do bairro, o Pacaembu conta com uma densa arborização no bairro e que pode ser vista em contraste com os bairros vizinhos.

imagem aérea do bairro do Pacaembu in: https://www.wikipedia.org

vegetação


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- figura fundo Evidencia-se através dos cheios e vazios construtivos tanto um traçado que distoa de seu entorno, quanto uma menor densidade de área construída no bairro em comparação com os bairros vizinhos. Vale destacar também que mesmo com baixa taxa de ocupação, a qual é mantida pelo tombamento, o bairro encontra-se em uma região central da cidade. Isso faz com que o bairro apresente características bastantes distintas de seu entorno.

construção


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- gabarito Os gabaritos demonstram uma diferença morfológica do bairro com o seu entorno também no sentido vertical. A taxa de ocupação de 0,5 e o coeficiente de aproveitamento de 1,0 no bairro faz com que exista um limite entre 2 a 3 andares nas construções.

0 a 2 andares 2 a 4 andares 4 a 6 andares acima de 6 andares

imagem aérea do bairro do Pacaembu in: google 45


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- densidade Desse modo, essas condições morfológicas se refletem nos modos de ocupação do bairro. No mapa, é possível ver a baixa densidade de ocupação no bairro do Pacaembu quando comparado aos bairros vizinhos.

até 92 92 - 146 146 - 207 207 - 351 351 >


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- uso majoritário por quadra Em função das regras colocadas pelo zoneamento na lei de uso e ocupação do solo de São Paulo, há uma predominância de uso residencial horizontal de alto e médio padrão no bairro. As exceções ocorrem ao longo da avenida Pacaembu e da avenida Arnolfo Azevedo, nas quais é permitido um uso misto com comércio e serviços. Nos bairros vizinhos, nota-se que há também uma predominância de uso residencial, porém vertical.

residencial horizontal residencial vertical residencial e comércio ou serviços residencial e indústria ou armazéns equipamentos públicos escolas sem predominância


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- equipamentos Dentro do perímetro da área de influência não há a presença de muitos equipamentos públicos, sendo o principal o complexo esportivo do Pacaembu. Contudo, considerando-se o entorno imediato do bairro, nota-se uma presença sobretudo de equipamentos voltados à educação e à saúde. Em relação aos equipamentos de educação, em sua maioria se trata de instituições de ensino superior, sendo algumas delas bastante consolidadas na cidade de São Paulo.

cemitério consulado cultura educação esporte saúde serviços correios shopping


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santa marcelina

puc-sp

hospital santa isabel

mackenzie faap

sesi

hospital das clínicas


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- hierarquia viária As principais avenidas que cortam o bairro é avenida Pacaembu, ao norte, e as avenidas Arnolfo Azevedo e rua Major Natanael que se conecta com a avenida Dr. Arnaldo.

via arterial via coletora via local via de pedestre


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- metrô O acesso ao estádio pelo metrô é realizado hoje principalmente através da estação Clínicas, na linha verde. Há também nas proximidades a estação Higienópolis-Mackenzie, na linha amarela, e está prevista a construção da linha laranja que contará com a estação Angélica-Faap. Esta linha estará localizada muito próxima ao estádio, há poucos metros da Praça Charles Miller e provavelmente se tornará na principal estação de acesso ao estádio. Há, portanto, uma ampla condição de acesso ao estádio pelo metrô.

linha verde linha amarela linha vermelha linha laranja (em construção) estação


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faap - angélica

clínicas

higienópolis mackenzie


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- ônibus As linhas de ônibus estão localizadas nas três principais vias que cortam o bairro: a avenida Pacaembu, a avenida Arnolfo Azevedo, e a rua Major Natanael. Não há dentro do bairro uma faixa exclusiva ou um corredor de ônibus.

vias com linhas de ônibus faixas exclusivas de ônibus corredores de ônibus


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- ciclovia O bairro está conectado através da ciclovia que passa pela avenida Pacaembu e que percorre a rua Itatiara, passando pelo estádio, e que se liga com a rua da Consolação e avenida Rebouças.

ciclovia


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- conclusões Em relação ás características do meio natural, o bairro do Pacamebu possui uma importante relação com a questão hídrica, pois é um local em que surgem nascentes que desembocam no rio Tietê. Além disso, ele conta com uma densa vegetação urbanam, mantida pelas regras de tombamento. A sua morfologia preservada é um dos principais fatores que fazem com que o bairro se distingua nitidamente de seus vizinhos. Em razão do traçado urbano curvilíneo e com possui poucas vias arteriais que o cruzam, da horizontalidade do gabarito e da densa vegetação, o bairro parece estar ilhado do restante de sua região. Essa condição pode ser verificada também na densidade de ocupação do Pacaembu. Apesar dos bairros vizinhos também possuírem um predomínio residencial, a densidade com que o bairro é ocupado é bastante discrepante em relação ao entorno. Por fim, o bairro conta com uma ampla oferta de transporte público em vários modais diferentes. Muito se deve ao estádio, que necessita de uma ampla infraestrutura de tranporte em dias de jogo. Portanto, apesar da condição ilhada com que ele parece se encontrar, o Pacaembu é acessível a vários pontos da cidade.

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IV.

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iv. considerações projetuais

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considerações projetuais

- sobre o meio natural Para Ailton Krenak, a modernidade criou uma separação das pessoas com o que é definido por ele como mãe terra a partir de um processo de abstração civilizatória. A ideia de uma humanidade homogênea globalizada e de uma sociabilidade mercantilizada cinde a relação dos humanos com a natureza, criando a noção de que são entidades distintas. Para o líder indígena, somos simultaneamente humanos e não humanos e parte de uma mesma natureza manifesta de distintos modos. Diante de um momento histórico em que se compreende um novo tempo geológico da Terra, o do Antropoceno, período definido a partir do momentos em que a atividade humana passa a ter um impacto significativo sobre o clima da terra, Krenak aponta para uma outra ideia de paisagem na qual se rompe com “[...] a ideia fixa de paisagem da Terra e de humanidade”, ou seja, com “essa configuração mental que é mais do que uma ideologia, é uma construção do imaginário coletivo [...] com qual nos sentimos identificados.” 1

fórum cósmico onde devemos reescrever toda a herança recebida; a democracia estendida às coisas, em novo pacto. 3 Nesse sentido já não haveria mais uma natureza como uma entidade virgem e selvagem em uma parte de fora. O mundo seria um jardim, ou, como define o paisagista francês Gilles Clément, um jardim planetário, “cujo limite seria a biosfera: o limite da vida; onde o seu território compreenderia a abundância do que é vivo, da terra, do ar e da água, e que teria como centro as potencialidades insubmissas da vida e suas invenções; os sonhos do homem e suas utopias.” 4

1 KRENAK, Ailton. Ideias para adiar o fim do mundo. São Paulo: Companhia das Letras. 2019, p. 58 2 ÁBALOS, Inãki. ¿Que es el paisaje?. Vitruvius, 2004. Disponível em: < https://vitruvius.com.br/revistas/ read/arquitextos/05.049/572 > Acesso em: 19 de nov. de 2021 3 Ibid. 4 CLÉMENT, Gilles. Le Jardin Planétaire. Paris: Albin Michel. 1999

A modernidade construiu uma relação de paisagem-objeto, na qual se olha, se usa e se explora a paisagem, mas na qual essa paisagem que se coloca em um pé de igualdade com o ser humano. Essa postura pode ser notada, segundo Iñaki Ábalos, nos desenhos de Le Corbusier no Rio de Janeiro. Neles o arquiteto franco-suíço enquadra as curvas da topografia natural do carioca, em uma espécie de distanciamento do que seria o objeto da construção humana, a arquitetura, e a natureza, os morros, em “uma posição asséptica, estática, e contemplativa, que se materializa sem possessão.” 2 Ábalos discorre sobre uma nova relação entre a arquitetura e a natureza diferente da que fora adotado pelos modernos. Nessa abordagem, “a paisagem não é mais esse bonito fundo sobre o qual se destacam belos objetos escultóricos chamados de arquitetura, mas o lugar no qual pode instalar-se uma nova relação entre os não-humanos e os humanos: um

4.1. jardim de Gilles Clement no telhado da base de submarinos de Saint Nazaire

fig. 4.1. Gilles Clement, jardim no telhado de Saint Nazaire, 2011. In:https://www.archdaily.com.br


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iv. considerações projetuais

No projeto no telhado da base de submarinos de Saint-Nazaire o jardim que Clément pensa age como uma espécie de local de resistência que caminha na direção de um maior equilíbrio e difusão das fronteiras do homem com a natureza ao atuar sobre um espaço esquecido após a ação humana.

5 DOS SANTOS, Álvaro Rodrigues. Estádio do Pacaembu, exemplo virtuoso da integração entre arquitetura e geologia. EcoDebate, 2019, p. 3 6 WENZEL, Marianne; MUNHOZ, Mauro. Arquitetura e requalificação. São Paulo: Romano Guerra, 2012

Esses debates, em relação ao estádio do Pacaembu, são interessantes de serem pensados em função das características do sítio e do modo com que foi implantado o estádio. O geólogo Álvaro Rodrigues ao fazer uma análise das condições ambientais da área do estádio, aponta para uma relação interessante do edifício em relação ao seu sítio original, destacando como virtuosa a relação do “anfiteatro construído” sobre o “anfiteatro natural” 5. O projeto, ao incorporar o vale como desenho de sua arquitetura, necessitou de poucos ajustes de terreno, via cortes e aterros. Por acaso ou não, o Estádio do Pacaembu materializará, em 1940, esse desejo e essa vocação paulistana: ele vem a ser atualização de um estádio de futebol inscrito em vale [...] O seu ajuste paisagístico e urbanístico combina a racionalidade dos efeitos arquitetônicos imediatamente visíveis com a sensualidade dos substratos telúricos envolvidos. Encaixando perfeitamente nos taludes de uma “grota úmida” [...], o estádio se aninha no seu entorno, mais do que se ergue sobre ele, ajustando-se elegantemente como um anfiteatro construído em um anfiteatro natural[...]. Ademais, a própria marca do pênalti, calculada como centro exato do semicírculo que compõe a arquibancada norte, a da entrada, é o índice tácito de um projeto em que o campo de jogo, a arquitetura, geologia urbanismo integram uma mesma concepção irradiadora.6

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4.2. desenhos da estação intermodal de Logroño. Destaca-se o modo com que foi criado um jardim na parte superior da estação.

fig. 4.2. Ábalos + Sentkiewicz, Estação intermodal de Logroño, 2012. In:https://www.arquitecturaviva.com


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Entretanto, apesar desse sutil gesto de integração de sua arquitetura com o meio natural, o estádio o enfrentou problemas no que diz respeito às águas urbanas. Ao ser implantado sobre uma grota, ou cabeceira de drenagem, houve a necessidade de captar e drenar as nascentes que encontravam próximas ao local. Além disso, como visto, a construção foi realizadasobre o córrego do Pacaembu, o qual também teve que ser drenado. Com a urbanização do bairro do Pacaembu, houve um notável aumento no coeficiente de escoamento superficial na região. Desde o início da década de 60 haviam registros de enchentes no bairro, sobretudo ao

4.3. imagem da construção do piscinão do Pacaembu sob a praça Charles Miller. A praça teve que ser demolida para depois ser reconstruída novamente. CANHOLI, op. cit., p.203

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longo da avenida Pacaembu e da praça Charles Miller. Como solução para esse problema, escreve Aluísio Canholi, também autor do projeto, que foi proposta uma solução pouco convencional: a de um reservatório subterrâneo em baixo da praça Charles Miller e que recebesse vazão das galerias da avenida Pacaembu, da avenida Arnolfo Azevendo e da galeria da rua Itatiara.7

7 CANHOLI, Aluisio. Drenagem urbana e controle de enchentes. São Paulo: Oficina de textos. 2013, p. 213

Em razão dessas características, dos Santos também aponta, em seu relatório, que essas condições de acúmulo de águas pluviais poderia ser aproveitada para aproveitamento do próprio estádio. Cita ele:

10 Low Impact Development Manural, UACDCD. Fayetteville, 2010.

Como a região do bairro do Pacaembu que contribui com águas pluviais para o piscinão é de urbanização consolidada, com serviços básicos de infraestrutura urbana e saneamento plenamente instalados, com coleta eficiente de lixo urbano e entulhos de construção civil, sem áreas de solos expostos à erosão, as águas acumuladas pelo piscinão, diferentemente do que ocorre nos demais piscinões instalados na metrópole paulista, são relativamente despoluídas e com baixa carga de sedimentos, o que lhe confere a possibilidade de usos brutos urbanos, como águas de lavagem de áreas urbanas e de irrigação.8 Ademais, afirma também o autor que existem condições para que o estádio pudesse se tornar “totalmente suficiente para o atendimento de sua demanda hídrica, considerados seus mais diversos usos: lavagem de pisos, irrigação, piscina, sanitários, banheiros, consumo humano direto, atividades culinárias, etc. Esse objetivo poderia ser alcançado com instalada de dispositivos de acumulação de água de chuva, poços profundos para exploração da água subterrânea e pequena estação interna de tratamento de águas”.9

8 DOS SANTOS, op. cit., p.9 9 Ibid., p. 9

fig. 2.64. Aluísio Canholi, piscinão do Pacaembu, 1994. In: CANHOLI, op. cit., p. 201


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Tendo isso em consideração, acredita-se também que há um potencial para utilização das Soluções baseadas na Natureza como parte do sistema hídrico com complexo do Pacaembu. Essas soluções atuam como, o que se denomina, uma infraestrutura verde, em detrimento das infraestruturas cinzas. Utiliza-se o entendimento do funcionamento de ecossistemas naturais de modo que eles possam atuar resolvendo questões que até então eram resolvidas por infraestruturas cinzas, ou seja, geralmente projetos de construções que utilizam materiais industriais e que envolvem um grande gasto energético na sua produção.10 É interessante, portanto, pensar em relação a intervenção no Pacaembu de modo com que a natureza possa ter um papel ativo no uso do complexo esportivo e não apenas como um mero enfeite. Essa postura pode valorizar ainda mais o partido inicial do projeto arquitetônico de uma relação gentil com o terreno em que o estádio foi implantado. ●

4.4. propostas de infraestruturas verdes no lugar das infraestruturas cinzas para o manejo das águas Low Impact Development Manual, op. cit.


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- sobre o meio construído A ideia de preservação surge como fruto da modernidade. As transformações socioeconômicas a partir do final do século XVIII produziram uma nova consciência histórica. Em uma nova mentalidade que privilegia formas dedutivas de conhecimento como meio adequado para compreensão da realidade em detrimento da intuição, fé, ou revelação religiosa, a tradição é posta em cheque. Se o método científico demonstrava suas aplicações nas ciências naturais, tal como na física newtoniana, questionava-se de suas possibilidades no comportamento humano e nas instituições sociais, de tal modo que pudesse ser criada uma ciência dos homens afirmando o respeito pela capacidade da mente e pela autonomia humana.7 Em face dessa nova postura diante da realidade trazida pela modernidade, surge uma alteração na percepção de tempo de homem que se contrapõe à ideia de transcurso temporal contínuo. Ao negar a autoridade da tradição e buscar a aplicação do método científico às humanidades, fomentou-se uma atitude crítica do homem com o seu passado que configurou uma cisão entre passado e presente. Esse processo engendrou, durante os séculos XVIII e XX, debates a respeito de um novo termo: o patrimônio histórico e sua preservação. Não cabe a esse trabalho expor as diversas correntes que debateram os modos de compreensão do patrimônio histórico arquitetônico, mas é pertinente, todavia, compreender que há uma linha de pensamento protagonizada por Alois Riegl e Camilo Boito, em uma espécie de síntese equilibrada entre as posições dicotômicas de Viollet le Duc e John Ruskin, que entende que há na atividade do restauro uma condição do presente que não busca necessariamente estabelecer uma continuidade ou uma retomada do passado, mas privilegia de uma separação nítida entre os dois tempos. 9 Frente ao processo de mudança frenética da modernidade, Riegl

compreende a necessidade de conservar, ordenar, rever e atualizar as experiências passadas. O que se busca é uma ativação da memória que possa ser apropriada coletivamente, na qual os indivíduos no seio da sociedade de massa possam se reconhecer e organizar as suas práticas sociais e articular a representação de sua linguagem simbólica. 9 Se a preservação busca frear em determinados casos as transformações que a modernidade coloca em curso para que o passado possa ser lido para que possa ser apropriado coletivamente em sua identidade, fazse necessário a definição do valor históricos que os edifícios a serem preservados carregam. E desse modo, define-se os edifícios que são julgados possuírem importante valor histórico a serem preservados pelo processo de tombamento. A Resolução SC 8, de 14 de Março 1991, definiu que devido às suas características ambientais e paisagísticas, ao modelo de bairro seguindo os princípios básicos da “Garden-city” inglesa e a alta densidade arbórea e de solos permeáveis, o bairro do Pacaembu teria o seu traçado e o seu padrão de ocupação tombado. Sete anos depois, em 1998, uma nova resolução, 8/48, determinou que o complexo esportivo do Pacaembu seria um bem cultural tombado. Diante disso, buscou-se nesse trabalho por um conteúdo teórico que pudesse embasar e modular o modo com que uma intervenção fosse realizada no estádio, podendo até mesmo chegar-se na conclusão de que ela não ser realizada, de modo a respeitar o seu valor histórico. Destarte, para Ignasi de Sola Morales, o critério fundamental na atuação sobre um meio construído é a interpretação que se faz do passado de uma pré-existência. Ao se realizar uma intervenção, cria-se um diálogo do novo com o antigo que depende dos valores culturais e

7 ALMEIDA, Eneida de. O “construir no construído” na produção contemporânea: relações entre teoria e prática. Tese (Douturado) Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2010, p. 16 8 Ibid., p. 39 9 Ibid., p.40 10 SOLA MORALES, op. cit., p. 17


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históricos assumidos no presente.4 Em outras palavras, não haveriam necessariamente uma regra prévia e permanente de como se intervir no patrimônio edificado, pois sempre haveria uma nova possibilidade de intepretação.10 Contudo, apesar da ausência de regras, são apontados alguns pontos pelo autor que seriam importantes de serem considerados. Entre eles, a importância de diferenciação entre as intervenções, de modo que a intervenção corresponda com os materiais e técnicas de sua época e de modo que se possa estabelecer uma relação dialética do novo com o antigo. O contraste, contudo, dependeria também de uma sensibilidade de leitura com o antigo e que poderia se manifestar de diversas formas. Para tanto, Sola Morales apresenta diferentes possibilidades dessa sensibilidade. No anexo para prefeitura de Gotemburgo, Erik Gunnar Asplund cria a diferenciação através dos materiais, mas mantém um diálogo através da organização da planta e da ordem da fachada, criando uma mediação entre a continuidade e o contraste. Carlos Scarpa, por sua vez, estabelece um diálogo narrativo do tempo na medida em que o espectador caminha pelo percurso do edifício e cria associações simultâneas de diversos tempos. Por fim, Rafael Moneo, no Banco da Espanha, em Madrid, busca ler as leis do próprio edifício e sua organização construtiva e cria uma relação quase imperceptível de mudança externa, mas que ainda contém a sua diferenciação de leitura. O estádio do Pacaembu já possuiu diversos projetos de intervenções e o embasamento teórico realizado nesse trabalho permitiu uma análise mais crítica daquilo que já foi proposto. Em alguns casos, as intervenções desconfiguram completamente a

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4.5. a 4.7. (de cima para baixo) Anexo da prefeitura de Gotemburgo, Gunard Asplund, 1936; Castelvecchio, Carlos Scarpa, 1973; Banco de España, Rafael Moneo, 2006. In: https://www.archdaily.com.br, https://www.arquitecturaviva.com


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arquitetura do estádio, ou criam um volume que produz um diálogo pouco sensível em relação ao existente. Esses são os casos do projeto das empresas Tetra Projetos e Almeida & Fleury, o projeto das empresas Arena Assessoria de Projetos, BF Capital, Arap, Nishi & Yeda Advogados, Jones Lang LaSalle e Raí + Velasco e o projeto da empresa Masterplan Consultoria de Projetos e Execução.

de e-sports. Essa prática, no entender desse trabalho, acaba por ser demasiada radical em relação a arquitetura do estádio, pois demole-se praticamente todo um trecho que corresponde a praticamente um terço do edifício original para uma futura reconstrução que a princípio viria a simular a arquibancada existente. Nesse sentido, acredita-se que esse é um ponto negativo que a proposta do escritório traz.

Já os projetos dos escritórios Fernandes Arquitetos, e Casa Azul possuem um respeito maior em relação edifício existente, mas, no entendimento do autor, ao fechar o estádio com um volume na parte sul eles desvalorizam um das características principais do edifício que é a sua apropriação praticamente topográfica, como se o estádio fosse um vale, e que permite um espaço aberto na parte aberta da ferradura para a livre integração com o restante dos volumes esportivos. Realizam, nesse sentido, um dos mesmos problemas que a construção do tobogã trouxe.

Outrossim, há mais dois pontos em que se colocam críticas em relação as propostas dos dois escritórios. O primeiro ponto é em relação ao programa. Ambos são pensados para abrigar escritórios, restaurantes, bares e áreas de convenções. Estão ligados aos interesses privados das empresas que buscam pela cessão de uso do Pacaembu e que parece ser destinado a uma parcela da população da cidade.

Por fim, os projetos do escritório Raddar e do escritório Raí + Velasco seriam os que, a princípio, criariam uma intervenção melhor articulada com o conjunto. Ambos respeitam os gabaritos e liberam o térreo no nível do campo para uma integração livre com os outros volumes do conjunto. Além disso, ambos criam uma passagem em nível que corta o vale e liga as duas ruas lindeiras. O projeto de Raí + Velasco dialoga de modo muito sensível tanto na materialidade, quanto nas regras volumétricas que o estádio impõe. Os apoios nas duas laterais criam um vão que é vencido pela grande treliça cria um térreo completamente livre, o que é muito positivo. No projeto do escritório Raddar, entretanto, possui uma proposta de demolição das arquibancadas existentes para que se possa utilizar o espaço escavado de subsolo. Na imagem apresentada na matéria, retirase todo o trecho da arquibancada oeste para a construção de um centro

O segundo ponto se refere ao que foi observado nesse trabalho somente no momento em que foram realizados testes volumétricos de um edifício pelo autor desse trabalho para ocupar o lugar onde se encontrava o antigo tobogã. A ideia inicial do trabalho era inserir um edifício que trouxesse programas públicos e relacionados ao esporte. Ao serem realizados os estudos volumétricos, verificou-se que um volume edificado naquele trecho, por mais que fosse desenhado de modo a liberar o solo, não seria a melhor solução a ser adotada, pois retira a principal força do conjunto do complexo que é ter a sua área livre como um vale. As imagens de vista superior, tanto do projeto produzido por esse trabalho, quanto dos projetos do Raddar e Raí+Velasco não possuem a mesma potência espacial quando comparado as fotos históricas que mostram o conjunto sem nenhuma edificação. O escritório francês Lacaton e Vasal ao receberem uma encomenda para o projeto da praça Léon Aucoc, perceberam que a melhor estratégia a ser adotada era manter a praça do modo com que ela se encontrava. Sem

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4.8. à 4.10. (da esquerda para direita) projeto dos escritórios Raí+Velasco, Tetra Projetos e Masterplan Consultoria

4.11 e 4.12. (da esquerda para direita) projeto dos escritórios Fernandes Arquitetos e Casa Azul

4.13 e 4.14 https://www. arquitecturaviva.com. (da esquerda para direita) projeto dos escritórios Raddar e Raí+Velasco

In:https://www.espn.com.br


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4.15. praça León Aucoc, “Lacaton Vassal”, 1997 In: https://www.vitruvius.com

4.14. proposta do escritório Raddar para as arquibancadas do estádio In: https://www.lancenet.com

necessariamente chamar a atenção por sua imagem, a praça cumpria as suas funções, e a dupla entendeu que o melhor na situação era não alterála. Essa ideia norteou as decisões tomadas pelo trabalho de que seria mais interessante que o espaço ocupado pelo tobogã ficasse completamente livre, ou parcialmente livre de modo que houvesse uma massa capaz de competir com o vazio do espaço. Sobretudo em um momento em que discutimos a produção de construção civil relacionado ao aumento da pegada de carbono e a crise climática, seria talvez interessante pensarmos em adotar os mínimos necessários nas intervenções que promovemos. No lugar do tobogã, que já foi demolido, talvez não seja necessário inserir um novo edifício que traga muitos mais

programas, pois o uso principal pode ocorrer no que já existe no nível do solo ●


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4.16., 4.17. proposta do escritórios Raí+Velasco e proposta do escritório Raddar para um novo edifício sobre o tobogã In:https://www.espn.com.br 4.18. estudo do autor para um edifício de uso esportivo no lugar do tobogã

4.19. foto do estádio do Pacaembu na década de 1940. In:https://www.vitruvius.com.br


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- sobre os usos O neoliberalismo é um projeto político de restabelecimento das condições de acumulação de capital e de restauração das elites econômicas, segundo David Harvey. Um de seus aspectos centrais é a afinidade entre o Estado e a linguagem de uma economia ortodoxa, que submete o poder público a aparente ciência do livre mercado que e converte-se em projeto político. Na atual fase em que nos encontramos, não somente são projetados a venda de lugares, imagens e de fragmentos do espaço urbano, mas são vendidos, de fato a totalidade da política urbana como forma de acumulação de capital na tentativa de transformação da cidade em um pacote de investimentos sob o discurso de eficiência de gestão e diminuição de gastos.11

11 PRIETO, Gustavo Francisco Teixeira; LACZYNSKI, Patrícia. São Paulo à venda: ultraneoliberalismo urbano, privatização e acumulação de capital (2017-2020) . Geousp - Espaço Tempo, São Paulo, 2020, p.247 12 Ibid., p. 250 13 Pacaembu é privatizado enquanto bate recorde de utilização, UOL, 15 de setembro de 2020, p. 4. in: https:// www.uol.com.br

Em 2016, São Paulo elegeu o empresário e apresentador de televisão João Doria Jr. que se colocou como uma figura de um gestor, um empresário, alguém alheio a política. Um de seus principais pontos no seu programa de governo era um amplo projeto de privatização de bens públicos da prefeitura de São Paulo. Sob o discurso de cortes de gastos da burocracia estatal, foram tocados diversos projetos de privatização em que a prefeitura abriu mão de áreas públicas, disponibilizando-as como negócios urbanos “sem que a destinação delas tenha passado por qualquer processo de debate público a respeito de necessidades, demandas e impactos sociais de tais medidas” 12. Foram vendidos até mesmo equipamentos com balanço anual positivo, como o caso do Mercadão Central, de modo que se tornam claros os contornos ideológicos dessas medidas. Em 8 de Abril de 2019, o Tribunal de Contas suspendeu em tempo recorde a sessão de Agosto de 2018 que havia impedido a concessão do estádio do Pacaembu e, assim, foi firmado com o Consórcio Patrimônio SP o contrato de cessão. O Consórcio é formado pela empresa de engenharia Progen e o fundo de investimentos Savona, e por um valor de

4.20. e 4.21. final da Taça das Favelas com público de 35 mil espectadores e partido pelo Campeonato Brasileiro Femino de Futebol em 2019 In: https://www.uol.com.br


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outorga de 115,4 milhões de reais ele possui o direito de uso e exploração pelo consórcio pelos próximos 35 anos.

exemplo mais significativo, pode-se citar os elefantes brancos da copa do mundo.

Entende-se nesse trabalho que há um discurso de obsolescência sobre o estádio muito em função de um projeto tocado pelas gestões municipais de privatização de equipamentos públicos. O jornalista Demétrio Vecchioli em artigo no portal UOL, demonstra que o estádio foi privatizado no momento em que batia-se recorde de utilização após a construção da Arena Corinthians, em Itaquera. O jornalista demonstra que o estádio possuía cada vez mais demanda de utilização pelo futebol feminino, campeonatos de futebol de base e campeonatos amadores. Até setembro de 2019, o estádio já havia abrigado 46 partidas, contra 38 em 2018 e 22 em 2017.13

Muitos dos estádios sofreram carência de um plano urbanístico de maior peso que acompanhasse a sua construção e, desse modo, tornaramse hoje em impecilhos para as administrações públicas municipais. A Arena Patanal, em Cuiabá, por exemplo, discute hoje a inserção de uma escola municipal para a utilização de suas dependências para utilização das estruturas. O estádio de Manaus, por sua vez, foi cogitado ser para utilizado como área de banho de sol para os presidiários do município.14

Sabe-se que as demandas de público ainda não são as mesmas comparados às partidas dos grandes clubes de São Paulo no futebol masculino. Porém, a demanda pelo futebol feminino vem crescendo cada vez mais nos últimos anos e o Pacaembu vem se configurando como um importante palco para a modalidade. E independente do valor de arrecadação que a prefeitura consegue com os jogos, o que está em jogo é que existe demanda da população para uso do estádio, e uma privatização exime a prefeitura da responsabilidade que essas demandas sejam atendidas. Além disso, pensar nos usos que um estádio pode assumir para além dos dias em que há jogos de futebol vêm se tornando em uma questão central no Brasil nos últimos anos. Verificou-se que durante o período dos grandes eventos na última década, houveram promessas de um legado de infraestrutura urbana que não foi cumprido. Muitas das obras ficaram inacabadas ou mesmo não foram iniciadas e houve uma grande parcela de infraestrutura esportiva construída que hoje encontra-se sem uso. Como

Isso não significa dizer que o Pacaembu se encontra em condições análogas aos estádios supracitados, porém essas discussões foram abordadas como modo de demonstrar a importância de se pensar nas infraestruturas esportivas de grande porte. Portanto, acredita-se que esse trabalho possa servir como contribuição a essas discussões ao se tratar particularmente do caso do estádio do Pacaembu ●

4.21. arena Pantanal é utilizada como escola municipal para utilização do estádio In: https://www.bbc.com

13 Pacaembu é privatizado enquanto bate recorde de utilização, UOL, 15 de setembro de 2020, In: https://www. uol.com.br 14 Três anos após início da Copa, ‘elefantes brancos’ servem até de escola para reduzir prejuízo, BBC Brasil, 12 de junho de 2017, In: https://www.bbc.com


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- partido, programa e diretrizes projetuais Tendo em consieração os aportes históricos, de análise do entorno e teóricos, definiu-se como partido do projeto valorizar a condição topográfica da arquitetura do estádio de modo a compreender que há nela uma leitura simultânea de chão de cidade, e portanto público, chão do edifício que abriga o programa do estádio e chão natural, que é a topografia respeitada pelo edifício. A foto do fotógrafo Werner Haberkorn sintetiza essa ideia. Na cena, tirada na década de 40, pode-se observar que há simultaneamente a convivência do estádio que abriga o programa de um jogo de futebol, da natureza que circunda o complexo e da cidade que está aberta e que permite que o jogo esteja ao alcance da lente do fotógrafo sem que ele precise estar nas arquibancadas. Em uma posição inversa, fica aberto também como possibilidade aos espectadores da arquibancada a cidade ao fundo. Dessa maneira, enseja-se fazer com que o estádio possa ser compreendido como uma extensão do espaço público da cidade, tal qual um parque ou uma praça. Entende-se que a sua implantação traz condições permitem fazer com que essa leitura seja possível e que possamos compreendê-lo não somente como um equpamento em dia de jogos, mas também como um palco para o cotidiano. Ademais, compreende-se que em função das condições atuais de um menor volume de jogos, mas que como foi visto não significa dizer que não ocorrem mais jogos, o complexo esportivo poderia retomar a sua concepção original de ser um equipamento público voltado ao lazer e à educação. Se as alterações de projeto de 1938 e a construção do tobogã em 1969 visaram diminuir a diversidade de programas que poderiam ocorrer no estádio em prol da construção de mais lugares para espectadores da arquibancada, uma operação inversa poderia ocorrer agora. Seria possível pensar agora na retirada de espaços de arquibancada para que mais atividades pudessem ocorrer nas suas dependências. Portanto, além de ser um chão da cidade, acredita-se que poderiam ser realizadas intervenções que permitissem que o estádio pudesse abrigar outros tipos de usos. Como inspiração para o

4.22. e 4.23. diversidade de usos no Centro Cultural São Paulo


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programa, dada a grande quantidade de equipamentos educacionais e de saúde no entorno, remeteu-se ao Centro Cultural São Paulo, na avenida Vergueiro, em São Paulo. Em uma condição parecida por conta do entorno com vários equipamentos educacionais, durante os dias de semana o edifício abriga pessoas que vão estudar, utilizar as dependências da biblioteca realizar trabalhos em grupo, entre outros. Ao mesmo tempo, o edifício também abriga o público jovem que utiliza o espaço para ensaios de dança, apresentações ou ensaios de música. Desse modo, entre as intervenções propostas para o estádio, definiu-se o programa deveria abrigar tanto atividades voltadas à ao estudo, quanto a apresentações e ensaios de dança, música e teatro. Além disso, viu-se que na década de 40 o estádio foi apropriado pelo Estado Novo como uma maneira de inscrever no corpo o poder do regime através da disciplina. 80 anos depois, vemos que as discussões sobre o corpo continua sendo parte de um debate central, pois também se inscrevem nele diversos tipos de preconceitos e de pressões normativas. O Estádio do Pacaembu já conta com um museu que conta a história do futebol em função da importância que o palco carrega para o esporte. Do mesmo modo, seriWWWWa possível que o dentro do estádio também pudesse haver um espaço de exposição que contasse com questões ligados ao corpo e que pudesse trazer uma nova educação a respeito do tema. Portanto, as intervenções de projetos foram orientadas a partir das seguintes diretrizes: - fazer com que a natureza possua um papel ativo no complexo e não apenas como um elemento de fundo decorativo - permitir a extensão do espaço público para dentro do estádio - incorporar novos programas através de operações que respeitem e dialoguem com a arquitetura existente e que é patrimônio histórico edificado tombado.

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estádio do Pacaembu, 1940. Werner Haberkorn. fotografia


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v.

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v. referências

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v. referências

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rafael kenzo ishimoto


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