Carpe Diem Poemas
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Ă?NDICE A Morte Chega Cedo___________________
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Cada um cumpre o destino que lhe cumpre______
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Colhe o dia, porque ĂŠs ele___________________
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Em Ceres anoitece
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Enquanto eu vir o sol luzir nas folhas
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Fernando Pessoa enquanto Ricardo Reis
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A morte chega cedo A morte chega cedo, Pois breve é toda vida O instante é o arremedo De uma coisa perdida. O amor foi começado, O ideal não acabou, E quem tenha alcançado Não sabe o que alcançou. E tudo isto a morte Risca por não estar certo No caderno da sorte Que Deus deixou aberto. Fernando Pessoa, in ‘Cancioneiro’
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Cada um cumpre o destino que lhe cumpre Cada um cumpre o destino que lhe cumpre. E deseja o destino que deseja; Nem cumpre o que deseja, Nem deseja o que cumpre. Como as pedras na orla dos canteiros O Fado nos dispõe, e ali ficamos; Que a Sorte nos fez postos Onde houvemos de sê-lo. Não tenhamos melhor conhecimento Do que nos coube que de que nos coube. Cumpramos o que somos. Nada mais nos é dado. Ricardo Reis, in “Odes”
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Colhe o dia, porque és ele Uns, com os olhos postos no passado, Veem o que não veem: outros, fitos Os mesmos olhos no futuro, veem O que não pode ver-se. Por que tão longe ir pôr o que está perto — A segurança nossa? Este é o dia, Esta é a hora, este o momento, isto É quem somos, e é tudo. Perene flui a interminável hora Que nos confessa nulos. No mesmo hausto Em que vivemos, morreremos. Colhe O dia, porque és ele. Ricardo Reis, in “Odes”
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Em Ceres anoitece Em Ceres anoitece. Nos píncaros ainda Faz luz. Sinto-me tão grande Nesta hora solene E vã Que, assim como há deuses Dos campos, das flores Das searas, Agora eu quisera Que um deus existisse De mim. 17-9-1914 Poemas de Ricardo Reis. Fernando Pessoa. (Edição Crítica de Luiz Fagundes Duarte.) Lisboa: Imprensa Nacional - Casa da Moeda, 1994.
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Enquanto eu vir o sol luzir nas folhas Enquanto eu vir o sol luzir nas folhas E sentir toda a brisa nos cabelos Não quererei mais nada. Que me pode o Destino conceder Melhor que o lapso sensual da vida Entre ignorâncias destas? Sábio deveras o que não procura, Que, procurando, achara o abismo em tudo E a dúvida em si mesmo. Pomos a dúvida onde há rosas. Damos Quase tudo do sentido a entendê-lo E ignoramos, pensantes. Estranha a nós a natureza extensa Campos ondula, flores abre, frutos Cora, e a morte chega. Terei razão, se a alguém razão é dada, Quando me a morte conturbar a mente E já não veja mais Que à razão de saber porque vivemos Nós nem a achamos nem achar se deve, Impropícia e profunda. Poemas de Ricardo Reis. Fernando Pessoa. (Edição Crítica de Luiz Fagundes Duarte.) Lisboa: Imprensa Nacional - Casa da Moeda, 1994.
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Fernando Pessoa enquanto Ricardo Reis Ricardo Reis é um dos três heterónimos mais conhecidos de Fernando Pessoa, tendo sido imaginado de relance pelo poeta em 1913 quando lhe veio à ideia escrever uns poemas de índole pagã. Nasceu no Porto, dia 19 de setembro de 1887. Estudou num colégio de jesuítas e formou-se em medicina. Era latinista por formação clássica e semi-helenista por autodidactismo. É um poeta clássico, da serenidade epicurista, que aceita com calma lucidez, a relatividade e a fugacidade de todas as coisas. A filosofia de Ricardo Reis é a de um epicurista triste, pois defende o prazer do momento “carpe diem” como caminho para a felicidade. Apesar deste prazer que procura e a felicidade que deseja alcançar, considera que nunca se consegue a verdadeira calma e tranquilidade, ou seja, a ataraxia sente que tem de viver em conformidade com as leis do destino, indiferente à dor e ao desprazer numa verdadeira ilusão da felicidade, conseguida pelo esforço estóico lúcido e disciplinado.
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