Mercado Imobiliário, Legislação Urbana e a construção da Cidade

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Universidade Federal do Rio de Janeiro Faculdade de Arquitetura e Urbanismo Trabalho Final de Graduação II Banca Final

Rafael Bastos Ferreira Orientador: Guilherme Lassance Coorientadora: Maria Cristina Cabral



Mercado Imobiliário, Legislação Urbana e a construção da Cidade

Rafael Bastos Ferreira

Orientador: Guilherme Lassance Coorientadora: Maria Cristina Cabral

Universidade Federal do Rio de Janeiro Faculdade de Arquitetura e Urbanismo Trabalho Final de Graduação II – Banca Final

Rio de Janeiro Março de 2016



Epígrafe "(...) Descontrolada e imperfeita, é uma cidade superpovoada em um país deserto, uma cidade em que se erguem milhares e milhares e milhares e milhares de edifícios sem nenhum critério. Ao lado de um muito alto, existe um muito baixo; ao lado de um racionalista, um irracional; ao lado de um de estilo francês, há outro sem estilo algum. Provavelmente estas irregularidades nos refletem perfeitamente, irregularidades estéticas e éticas. Estes edifícios que se sucedem sem nenhuma lógica demonstram uma total falta de planejamento. Exatamente igual à nossa vida, vamos vivendo sem ter a mínima ideia de como queremos ser. Vivemos como se estivéssemos de passagem (...). Somos os inventores da cultura do inquilino. Os edifícios são cada vez menores, para dar lugar a novos edifícios, menores ainda. Os apartamentos se dividem em ambientes, e vão desde os excepcionais 5 ambientes com varanda, sala de jogos, dependência de empregados, depósito, até a quitinete, ou caixa de sapatos. Os edifícios, como quase todas as coisas pensadas pelo homem são feitos para nos diferenciar uns dos outros. Existe uma fachada frontal e posterior, e os pavimentos baixos e os altos. (...) As vistas e a luminosidade são promessas que raramente condizem com a realidade. (...)


Estou convencido de que as separações e os divórcios, a violência familiar, o excesso de canais de cabo, a falta de comunicação, a falta de desejo, a abulia, a depressão, os suicídios, as neuroses, os ataques de pânico, a obesidade, as contraturas, a insegurança, o estresse e o sedentarismo são responsabilidade dos arquitetos e empresários da construção." Transcrição de trecho: Medianeras. Dirigido por Gustavo Taretto. Argentina, Espanha e Alemanha: Eddie Saeta S.A., 2011. Filme.



Agradecimentos Ao Guilherme, por ter aceitado o desafio de orientar um trabalho final de graduação teórico; pela orientação sempre tão assertiva e esclarecedora, que me guiou por esse tema complexo e atual, evitando cair em várias armadilhas; pelas conversas e quase desabafos sobre as visões de cidade e de mundo, desde as aulas no Ateliê Integrado II; pela parceria constante, pelas indicações essenciais, pelas tiradas brilhantes, por todo o apoio e pelos ensinamentos, principalmente por me mostrar que as melhores relações são aquelas onde todo mundo sai ganhando (win-win). À Maria Cristina, brilhante indicação do Guilherme e da Fabíola para coorientação, pela colaboração para a lapidação do arcabouço teórico deste trabalho. Às professoras Fabíola Zonno e Cláudia Nóbrega, por seu trabalho incansável pela defesa dos trabalhos teóricos na FAU, e pelas brilhantes aulas de Pesquisa e Fundamentação Teórica, além das de História e de Teoria, sem as quais esse trabalho não seria possível. À banca avaliadora, pelos comentários tão pertinentes e críticas extremamente construtivas, que ajudaram muito a complementar e finalizar o trabalho.


Ao Eduardo Horta, entusiasta do trabalho desde o início, que me deu força para bancar o tema no TFG I e achar o caminho para seguir. Ao João Sodré e ao Alvaro Puntoni, do gruposp, pela recepção super calorosa em terras paulistanas, pelas maravilhosas conversas, dicas, sugestões e pela grande ajuda, no Rio, em São Paulo e nos muitos e-mails. À Sandra Angélico e toda equipe da IdeaZarvos!, pelas conversas e pela partilha da visão de mercado e cidade. À Amanda Silveira, minha parceira de todas as horas, sempre pronta para o que der e vier, pelas melhores conversas, pelas inesquecíveis viagens, pelo desafio de viver, crescer e amadurecer juntos nesse mundo, com quem aprendi a importância de modificar lugares, confrontar-se, e de perder-se para tornar-se grande. Aos meus grandes amigos e agora sócios no Studio21: Jéssica Mendes, Taissa Rodrigues, Leandro Martins e Renan Paes. Os melhores parceiros que eu poderia ter, e os mais fiéis e solícitos companheiros para todos os momentos. Aos muitos amigos que fiz na FAU e fora dela, pelo Brasil e pelo mundo, que sempre me acompanharam e me apoiaram durante essa e tantas outras jornadas. À Miriam e Joshua, pelas orientações e sugestões, pelo amor fraterno e pelos ensinamentos, com quem venho aprendendo cada vez mais o meu justo lugar, o justo valor das coisas, e o direito de ser feliz.


A todos aqueles que me apoiaram e me inspiraram de alguma forma, neste trabalho ou em muitas outras aventuras mundo afora, e que não tenham sido citados, os meus mais profundos e sinceros agradecimentos. À toda minha grande família: meu pai, meu irmão e minhas quatro irmãs, meus tios e minha incrível tia, meu avô e minhas super avós, meus já numerosos sobrinhos e sobrinhas, minha inigualável madrinha, nossos muitos animais de companhia esses anos todos, e especialmente à minha mãe, Márcia, pela luta incansável no dia-a-dia para que eu pudesse ter todas as oportunidades possíveis e impossíveis, pelo amor, pelo carinho e pela atenção sem fim, por ter me dado a vida e me proporcionado a melhor criação de todas, por ser meu maior exemplo e pelo muito de dela que existe em mim.


Resumo O presente trabalho se propõe a analisar, criticar e fazer um contraponto à produção arquitetônica atual dos edifícios residenciais para o mercado imobiliário carioca. Através da observação das etapas de concepção e desenvolvimento, bem como uma análise formal e qualitativa dos ambientes construídos e de sua relação e impacto no entorno, desenvolver uma análise crítica do processo de elaboração desses empreendimentos. Por meio de uma experimentação prática, com a adoção de determinados parâmetros projetuais, a construção da crítica se materializa num projeto possível, como modelo para uma produção mais responsável. Além da construção de uma discussão teórica sobre a prática projetual e construtiva do mercado atual, que se faz necessária pela escassez do debate sobre a cidade que surge sob os guindastes após o período de euforia econômica e realização de grandes eventos, o trabalho ensaia alternativas para as problemáticas encontradas nas edificações atuais, respeitando a legislação vigente e as dinâmicas do mercado imobiliário. Como objeto de estudo, temse o edifício residencial vertical, fruto de iniciativas de mercado voltadas para as classes média e média-alta, tipologia predominante nas grandes cidades e centros urbanos mais adensados, como na cidade do Rio de Janeiro.



Sumário 1.

Introdução .............................................................................................. 3

2.

Mercado Imobiliário .............................................................................. 8 2.1. Dinâmicas de produção do mercado .............................................. 8 2.2. Financeirização do mercado imobiliário ...................................... 16 2.3. Cenário pré-crise no Rio de Janeiro ............................................. 19

3.

Legislação Urbana ............................................................................... 24

4.

Papel do Arquiteto ............................................................................... 32 4.1. Arquitetos como protagonistas .................................................... 34

5.

Das dificuldades às oportunidades: uma análise conjuntural .............. 63 5.1. Problemáticas ............................................................................... 63 5.2. Potencialidades ............................................................................ 65 5.3. Modo de vida do carioca .............................................................. 69

6.

Estudo de caso: Cenário Botafogo ....................................................... 80 6.1. Experimentação Prática ............................................................... 90

7.

Conclusão........................................................................................... 107

8.

Bibliografia ........................................................................................ 111

9.

Créditos das imagens ......................................................................... 120

Apêndice A ................................................................................................ 123



1. Introdução Entre os anos 1930 e 1960, a arquitetura brasileira teve uma produção de grande visibilidade e qualidade reconhecida internacionalmente, em especial a arquitetura carioca do período, motivo pelo qual se tornou vitrine da produção arquitetônica brasileira. Na última década, se observarmos os lançamentos imobiliários residenciais e comerciais do mercado, é possível perceber uma certa massificação e repetição de elementos e composições. Exceto pela produção de casas privadas, a arquitetura que se faz no Rio de Janeiro segue uma repetição formal, com projetos muito semelhantes em planta, implantação e acabamentos. O padrão adotado na ocupação de áreas da cidade como a Barra da Tijuca, de condomínios fechados com grandes áreas de lazer, foi bemsucedido em termos de venda, e replicado em diversos bairros. O desenvolvimento da arquitetura residencial multifamiliar se tornou um negócio em todos os aspectos. Tratado como produto, o projeto de uma edificação,

ou

o

empreendimento,

segue

parâmetros

puramente

mercadológicos de concepção, retirando do arquiteto diversas funções de estudo, prática projetual e desenvolvimento da ideia. Se os agentes do 3


mercado imobiliário regem todo o processo de desenvolvimento do produto, os arquitetos se tornam coadjuvantes na construção da cidade, meros prestadores de serviço da construção civil. Fenômenos como o avanço do capital financeiro sobre o mercado imobiliário agravaram ainda mais esse cenário. Por outro lado, a legislação urbana do Rio de Janeiro se apresenta, muitas vezes, mais como um entrave do que como reguladora do processo de ocupação. Regida por decretos da década de 70, e complementada por inúmeros instrumentos ao longo dos anos, como leis, planos e zoneamentos, a legislação da cidade não é unificada, nem prática ou simples de entender. Ao mesmo tempo, diversos interesses foram moldando a lei, tornando-a uma grande colcha de retalhos. Muitas vezes, desatualizada e engessada, a legislação não prevê questões mais atuais, nem se adaptou a realidade do momento, o que acaba sendo um grande empecilho no projeto e na viabilidade de determinados empreendimentos ou experimentações. Dentro desse contexto, aconteceram transformações de forma muito acelerada na última década. O momento economicamente favorável que o Brasil vivenciou, bem como a euforia pela realização de grandes eventos na cidade, como a Copa do Mundo de 2014 e as Olimpíadas de 2016, aqueceram o mercado da construção civil de forma ímpar. Além das grandes obras de 4


infraestrutura, a construção de unidades residenciais foi recorde, muito impulsionada também pela facilidade de acesso ao crédito, a ascensão das classes sociais e os juros mais baixos. Esses fatores tornaram a cidade um grande canteiro de obras, que agora começam a ser entregues, e revelar a imagem que se formou por trás dos tapumes. Dessa forma, se faz necessária a reflexão sobre o rumo que tomou a Arquitetura Carioca até chegar ao estágio atual. A discussão sobre a produção do mercado imobiliário nos ajuda a entender a cidade que está surgindo de todos esses eventos, e planos das autoridades e dos incorporadores. Por meio de uma análise qualitativa e comparativa, dos atores e dos processos, buscaremos entender essa complexa dinâmica. Apresentando brevemente o trabalho, cabe colocar que muito mais do que crítica, este estudo pretende se posicionar de maneira propositiva. Ao discorrer sobre cada fator que envolve a produção habitacional para o mercado, dentro do recorte da classe média e média-alta, bem como os agentes envolvidos, buscamos apresentar alternativas e possibilidades para as questões abordadas como problemáticas. O trabalho inicia analisando toda a dinâmica do mercado imobiliário, desde os processos de desenvolvimento de produto, o fenômeno da financeirização, e faz uma explanação sobre o cenário do Rio de Janeiro antes 5


da crise econômica atual. Segue abordando a questão da legislação urbana, como se coloca e que desafios apresentam a lei que rege a ocupação da cidade. Apresentados esses dois fatores, o estudo aborda o papel do arquiteto nesta dinâmica, destacando as funções que são transferidas para outros profissionais durante o desenvolvimento de um empreendimento. Além disso, aborda também o exemplo de arquitetos que foram bem-sucedidos em suas experiências como empreendedores. Na sequência, através de uma análise de todos os fatores abordados anteriormente, são explicitadas as problemáticas encontradas no processo, e também as potencialidades que podem ser aproveitadas como resposta às questões colocadas, bem como uma análise do modo de vida do carioca, que nos ajuda a entender os ideais de qualidade que buscamos. Através de um estudo de caso no bairro de Botafogo e de uma experimentação prática de projeto, em contraponto a um empreendimento residencial lançado de fato, o trabalho busca mostrar que o capital imobiliário pode ser o agente catalisador de projetos diferenciados, concluindo que é possível projetar atendendo plenamente a legislação, o mercado imobiliário e determinados parâmetros arquitetônicos e qualitativos, buscando a construção de um novo modelo de cidade.

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2. Mercado Imobiliário 2.1.

Dinâmicas de produção do mercado

Entendemos como dinâmicas de mercado as práticas adotadas por seus principais agentes: os incorporadores imobiliários. Incorporação, no sentido mais amplo da palavra, tem sentido de união, de aglutinação, junção. E quando falamos de uma incorporação imobiliária, o sentido é a unificação de um terreno e uma edificação. Segundo o autor da lei que rege as incorporações imobiliárias no Brasil e autor de inúmeros livros sobre o tema, professor Caio Mário da Silva Pereira, “considera-se incorporador e se sujeita aos preceitos dessa lei toda pessoa física ou jurídica que promova a construção para alienação total ou parcial de edificação composta de unidades autônomas, qualquer que seja a sua natureza ou destinação”1. Fica claro então que o objetivo principal de um incorporador é a comercialização de unidades que este incorporou a um terreno, e as quais vinculou frações ideais. Outro fator importante definido em lei para que a atividade seja considerada uma incorporação imobiliária é que a alienação da fração ideal correspondente às unidades autônomas seja realizada antes da conclusão das 1

PEREIRA, Caio Mário da Silva. Condomínio e Incorporações. 10a ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998

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obras, ou seja, a venda em planta. Sendo a incorporação imobiliária uma atividade voltada para a venda, o mercado trata um empreendimento como um produto, com o objetivo óbvio de auferir lucro. No processo de elaboração de um empreendimento, percebemos determinadas variáveis que atuam sobre a sequencia de planejamento, implantação e comercialização. Carlos Alberto Maciel, arquiteto e urbanista, professor da UFMG e sócio dos escritórios OVO e Arquitetos Associados, em seu artigo Arquitetura, indústria da construção e mercado imobiliário, define essas condicionantes variáveis entre pragmáticas e não pragmáticas: “Nesse processo é possível diferenciar, de um lado, condicionantes que podem ser entendidos como pragmáticos, cujos fundamentos são mais facilmente aferidos por se tratarem de definições que se dão – ou deveriam dar-se - em instâncias técnicas - variáveis de projeto de arquitetura e engenharia, técnicas construtivas, custos efetivos de implantação, custos efetivos de comercialização - ou legais – restrições de legislação de uso do solo, prevenção e combate a incêndio, impacto ambiental, entre outras; e de outro lado condicionantes cujo valor ou precisão são intangíveis, que podem ser denominados de não- pragmáticos. Estes decorrem de preconceitos e formulações parciais sobre o mercado por parte de agentes do processo, em especial de corretores de imóveis, e resultam na criação de valores não-

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intrínsecos ao objeto. Tais valores, em geral, se orientam pela necessidade de diferenciação e representação social que o objeto pode proporcionar a seus compradores - ou consumidores, ou usuários.”2

Nessa lógica, características como a legislação, parâmetros de projeto, custo de implantação, comercialização e o tempo para essas atividades seriam considerados pragmáticos. A legislação muitas vezes tem o maior peso nas decisões em relação a um empreendimento, pois baliza as possibilidades de uso, área edificável e volumetria. Os projetos são definidos de forma a otimizar todas as etapas da implantação, a diminuir os custos e maximizar os lucros. Diversos artifícios projetuais são adotados para seguir essa metodologia: a) Atingir, em relação a área total do empreendimento, a maior proporção

possível

de

área

comercializável,

reduzindo

circulações, concentrando o acesso às unidades, e reduzindo as áreas de garagem, utilizando vagas presas;

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MACIEL, Carlos Alberto. Arquitetura, indústria da construção e mercado imobiliário. Ou a arte de construir cidades insustentáveis. Arquitextos, São Paulo, ano 14, n. 163.00, Vitruvius, dez 2013 <http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/14.163/4986>.

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b) menor perímetro possível de fachada, eliminando reentrâncias, diminuindo uso de material e mão de obra para sua construção; c) menor área possível de janelas, reduzindo o custo com esquadrias e diminuindo a qualificação da mão de obra necessária; d) concentração de prumadas, de forma mitigar os custos com as instalações; e) estruturas simples e com vãos pequenos, mais uma vez para facilitar a execução e diminuir a necessidade de mão de obra mais qualificada; f) repetição, de unidades (através do espelhamento), do pavimento tipo, dos blocos idênticos em condomínios, sem seguir uma modulação, no entanto; g) flexibilidade, dentro das plantas pré-definidas, dentro da lógica do item anterior, com pequenas possibilidades de modificação, como a junção de um quarto à sala, união de dois quartos, ou uma parte da parede da cozinha que se transforma em bancada voltada para a sala de estar. Apesar de a busca por uma maior eficiência construtiva e projetual ser benéfica e até desejável, através de atitudes que reduzam custos e potencializem os lucros, muitos dos artifícios citados são aplicados de forma 11


pouco arrojada. A repetição, por exemplo, se dá em cima de elementos definidos, como uma unidade padrão adotada, e não por meio de técnicas como a modulação para o projeto, que poderia agregar grande qualidade ao empreendimento, como mostra a experiência na prática da arquitetura, principalmente no Modernismo, além de facilitar os processos construtivos por meio da racionalização estrutural. Da mesma forma, a flexibilidade das plantas é um mero artifício de marketing, sem se comprometer com lógicas como da planta livre ou da racionalização da disposição de estruturas e instalações, o que permitiria de fato uma flexibilidade total nas unidades. Dentro dos parâmetros que definem os valores (custos e lucros) de uma incorporação, estão definições de padrão construtivo (que variam de acordo com o público alvo do empreendimento), o valor do terreno, percentuais de lucro e o custo do trabalho de construtores, corretores e demais profissionais, decisões técnicas e pré-determinadas. A margem de manipulação dos valores fica em duas variáveis: o custo da construção e o lucro do incorporador. Para diminuir custos, na maioria das vezes os incorporadores concebem os empreendimentos atendendo os requisitos mínimos previstos em lei ou regulamentos, e transferem os custos de determinados aspectos para os usuários finais.

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“Um claro exemplo dessa prática é a total desconsideração de aspectos relacionados ao clima - como a correta orientação e a instalação de elementos de proteção e atenuação solar. Ao deixar de implantar elementos de atenuação solar durante a fase de construção, amplia-se o lucro inicial e se transfere ao usuário final o ônus pelo pior desempenho energético da edificação.”3

O fator tempo é o mais crítico quando se trata do lucro do incorporador. Dependendo do regime de construção adotado (na construção por empreitada – ou a preço fixo – os custos de construção são do incorporador, que vende as unidades a um preço fixo e arca com a obra, custe o que ela custar; na construção a preço de custo – ou por administração – são os compradores que arcam com todo o custo da obra, o incorporador tira seu lucro do valor embutido nas vendas, e o construtor cobra uma taxa de administração pela realização da obra), o tempo de construção e de venda fazem toda a diferença na aferição dos lucros. Com um planejamento eficiente, um projeto estrutural e arquitetônico otimizado, e estratégicas

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MACIEL, Carlos Alberto. Arquitetura, indústria da construção e mercado imobiliário. Ou a arte de construir cidades insustentáveis. Arquitextos, São Paulo, ano 14, n. 163.00, Vitruvius, dez 2013 <http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/14.163/4986>.

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assertivas de vendas, em teoria, deveriam garantir o êxito de um empreendimento. No entanto, a adoção de medidas de racionalização não acontece na prática. O tempo de construção é reduzido através da simplificação do projeto, com formas pouco complexas, pouca altura, repetição de elementos, permitindo assim uma melhor assimilação da mão de obra disponível, que é pouco qualificada. A redução do tempo de venda, no entanto, depende das condicionantes variáveis não pragmáticas. Dentre elas, destacam-se a aparência de novidade x segurança da repetição do comum e do reconhecível; programa de necessidades; delimitação do público alvo; e o valor da diferença (MACIEL, 2013). A definição dessas variáveis se dá através da interpretação dos agentes do mercado, como os incorporadores, corretores de imóveis e profissionais do marketing contratados para desenvolvimento do conceito dos empreendimentos. Em geral, são ditados por fatores relativos a percepção do consumidor, e como atingem seu público-alvo. Fenômenos mercadológicos (e psicológicos), como o reconhecimento de padrões estabelecidos socialmente, porém com uma roupagem adequada aos novos tempos, são aplicados diretamente na arquitetura do empreendimento, e são responsáveis pela compartimentação tradicional dos apartamentos, por exemplo. Estratégias de marketing são responsáveis por imprimir ao produto a sensação 14


de algo novo, diferente, que atraia a atenção do consumidor; ao mesmo tempo, ele deve ser capaz de reconhecer todos os elementos tradicionais aos quais está acostumado, de forma que sinta segurança em investir na compra da unidade. Esse conservadorismo do mercado, que busca corretamente minorar os riscos, mas numa dosagem excessiva, acaba por afetar diretamente as possibilidades formais do projeto arquitetônico, que tem suas diretrizes definidas por razões puramente mercadológicas. Outro exemplo claro da predominância de definições mercadológicas à revelia das definições de projeto é a montagem do programa de necessidades. Se na teoria o arquiteto seria o profissional mais capacitado para elaborar o programa de um projeto, de acordo com as variáveis do lugar, dos possíveis usuários e das expectativas do empreendedor, na prática são os próprios empreendedores, corretores e publicitários que tomam as definições que balizarão o trabalho do arquiteto. De forma muitas vezes empírica, baseados na experiência que possuem e nas tendências em voga, os agentes do mercado acabam por priorizar aspectos quantitativos, como número de vagas, áreas de lazer e os supostos diferenciais no empreendimento, como materiais de acabamento e itens entregues com as unidades (armários de cozinha, por exemplo), de forma a atrair o consumidor. Os aspectos qualitativos e arquitetônicos, como sua implantação, orientação, relação com 15


o entorno, possibilidades formais, ventilação e iluminação, por falta de formação técnica desses profissionais para atentar a essas questões, acabam relegados a um segundo plano ou nem mesmo são contemplados. A alavancagem das vendas no menor tempo possível acaba por afetar diretamente a arquitetura dessas edificações. As pesquisas de mercado auxiliam na definição do público-alvo, os publicitários definem o conceito e a campanha, os corretores alinhados com as tendências do mercado afirmam o que vende e o que não vende no momento, e os incorporadores encomendam um projeto seguindo todas essas diretrizes, de forma que o principal atrativo para a compra de uma unidade acaba se tornando o apartamento decorado.

2.2.

Financeirização do mercado imobiliário

As relações decorrentes do processo de desenvolvimento de um produto para o mercado imobiliário se tornam ainda mais profundas e evidentes com o fenômeno da financeirização das grandes incorporadoras. Se por um lado a abertura de capital é uma resposta ao problema da falta de capitalização do setor da construção civil e a possibilidade de obter investimentos sem a necessidade de endividamento com bancos, sociedades anônimas de capital aberto respondem diretamente aos acionistas em várias diretrizes tomadas, principalmente administrativas e financeiras. A pressão 16


para lucros maiores é constante, e isso agrava o processo já explicitado de alienação do trabalho do arquiteto em prol de definições mercadológicas. “No contexto de financeirização da economia, a financeirização da produção imobiliária ocorre como estratégia de capitalização para aumento da produção. Os grandes grupos de incorporação e promoção imobiliária produzem habitação antes de tudo como mercadoria. Essas habitaçõesmercadoria são frequentemente padronizadas. Produção da moradia em larga escala, uniformizada.”4

Dessa forma, empresas como a Cyrela Brasil Realty, a Gafisa e a PDG, que entre 2005 e 2007 realizaram seus IPOs (Primeira Oferta Pública de ações no mercado, na sigla em inglês e jargão do mercado), se tornaram as maiores incorporadoras do país, produzindo em larga escala por todo Brasil. Se a crise dos subprimes em 2008, iniciada nos Estados Unidos justamente por questões imobiliárias e financeiras, criou um cenário de queda das ações e expectativas negativas, o programa Minha Casa Minha Vida (MCMV), lançado pelo Governo Federal em 2009, ajudou a reaquecer o setor da 4

CARVALHO, H. A cidade como um canteiro de negócios: a produção da habitação e do espaço urbano pelos grandes promotores imobiliários no Brasil e na França. O caso das aglomerações urbanas de São Paulo e Paris. Dezembro de 2011. 347 f. Tese (Trabalho Final de Graduação) – FAU-USP, São Paulo, 2011.

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construção civil, direcionando grande parte dos investimentos para empreendimentos do programa. Neste caso, o Estado agravou ainda mais todo o processo de produção imobiliária através da alienação do trabalho do arquiteto, já que as exigências necessárias para a aprovação de projetos do MCMV foram reduzidas enormemente, bem como instaurado um regime de urgência para o andamento do processo de aprovação. Dentro do contexto de financeirização, os projetos do MCMV são extremamente atrativos, pois têm baixo custo, produção simplificada e massificada, subsídio do Governo para compra das unidades e financiamentos diretos com os bancos estatais. “O Estado assume um posicionamento claro de suporte ao mercado, seja ele financeiro ou imobiliário. Essa sustentação se materializa por meio da criação de mecanismos de incentivo à valorização do patrimônio privado desses grupos de promoção imobiliária (...). Estes mecanismos, por sua vez, geram consequências diretas sobre a produção privada da habitação e sobre a valorização do capital financeiro destes grupos.”5

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CARVALHO, H. A cidade como um canteiro de negócios: a produção da habitação e do espaço urbano pelos grandes promotores imobiliários no Brasil e na França. O caso das aglomerações urbanas de São Paulo e Paris. Dezembro de 2011. 347 f. Tese (Trabalho Final de Graduação) – FAU-USP, São Paulo, 2011.

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As decisões relativas à produção habitacional em todo o Brasil passaram a ser tomadas por grupos financeiros, que têm pouca intimidade com a arquitetura e o urbanismo. Os grandes acionistas das empresas citadas anteriormente são, em geral, fundos de investimentos americanos e grandes bancos. A PDG, por exemplo, possuía em 2009 cerca de 41% das suas ações controladas pelo banco BTG Pactual, envolvido atualmente na Operação Lava Jato da Polícia Federal, através da prisão de seu CEO André Esteves, acusado de interferir no andamento das investigações. Hoje, cerca de 6% da empresa é controlada pelo Bank of America Merril Linch.

2.3.

Cenário pré-crise no Rio de Janeiro

Desde meados dos anos 2000, com o fortalecimento da economia do país, o crescimento do mercado consumidor, a ascensão das novas classes e o maior acesso ao crédito, o mercado imobiliário por todo país teve um crescimento expressivo. Na cidade do Rio de Janeiro, em especial nos últimos 5 anos, além do momento favorável que a economia brasileira vivia, o clima de euforia pela escolha da cidade como sede dos principais jogos da Copa do Mundo de 2014 e também dos Jogos Olímpicos de 2016 contagiou o mercado imobiliário. O aquecimento da construção civil veio a reboque de uma série de obras de infraestrutura por toda cidade, como corredores expressos de 19


ônibus, novas linhas de metrô, duplicação de estradas e avenidas, bem como a construção dos polos olímpicos, em especial na Barra da Tijuca, onde se concentrarão a maior parte das competições. Não por acaso, o valor do metro quadrado naquele bairro sofreu uma valorização de 91,5% de 2008 para 2011, segundo o índice FipeZap. Todo esse boom imobiliário foi responsável pela proliferação de empreendimentos imobiliários por toda cidade, mudando drasticamente a paisagem urbana e o ambiente construído de diversos bairros. Muitos dos empreendimentos lançados no auge da euforia do mercado foram entregues nos últimos meses ou estão em vias de conclusão, e os efeitos que essas novas construções vão causar e os impactos efetivos disso na cidade começam a ser sentidos. “A definição de programa, tipologia, tecnologia construtiva e padrão de construção é realizada predominantemente pelos incorporadores e corretores de imóveis”6, e assim, estes são os principais responsáveis pela construção efetiva da cidade e pela imagem que se forma na paisagem urbana. Ao mesmo tempo, são responsáveis também pelas decisões espaciais das

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MACIEL, Carlos Alberto. Arquitetura, indústria da construção e mercado imobiliário. Ou a arte de construir cidades insustentáveis. Arquitextos, São Paulo, ano 14, n. 163.00, Vitruvius, dez 2013 <http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/14.163/4986>.

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edificações, como por exemplo a redução de 18% do tamanho médio dos apartamentos de 2 quartos lançados no Rio entre 2002 e 2014, segundo dados da Ademi-RJ levantados pelo jornal O Globo, caindo de 71,28 m2 para 58,40 m2. A tendência em voga no mercado, e replicada à exaustão na maior parte dos empreendimentos, é a supervalorização das áreas comuns em condomínios, quase como uma contrapartida pela redução do tamanho das unidades, já que essas áreas funcionariam como uma extensão dos apartamentos. A experiência bem-sucedida dos condomínios-clube da Barra da Tijuca vem sendo aplicada nos últimos anos em lançamentos imobiliários em toda cidade, inclusive áreas mais nobres como a Grande Tijuca e na Zona Sul. Na Zona Norte, que já possuía boa infraestrutura urbana, diferente de regiões da Barra e toda baixada de Jacarepaguá, a chagada das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) serviu para impulsionar os lançamentos e o interesse do mercado na região. Regiões da Tijuca, Grande Méier e Grande Irajá receberam enormes condomínios, com a predominância de unidades de 2 quartos entre 56 m2 e 65 m2, e uma lista extensa de atrativos nas áreas comuns, como áreas gourmet, espaços teen, lan houses, academias de ginástica, playgrounds, piscinas, churrasqueiras, diferentes salões de festa destinados a faixas etárias diferenciadas, e em alguns condomínios maiores, 21


até mesmo pequenas lojas de conveniência e serviços básicos. Todas as amenidades oferecidas comodamente dentro da ‘segurança’ das grades do condomínio, com os custos rateados entre todos os moradores. A justificativa do mercado, no entanto, recai sobre a legislação. Em entrevista ao jornal O Globo, a presidente financeira e de desenvolvimento do Sindicato da Habitação do Rio (Secovi-RJ), Maria Teresa Mendonça Dias afirma que “no Rio, nós passamos hoje por uma grande falta de espaço, e a legislação também traz algumas restrições em relação às áreas edificáveis. Então, para otimizar espaço e aumentar a rentabilidade, as construtoras continuam diminuindo o tamanho dos imóveis”7. Na mesma reportagem, representantes dos corretores de imóveis e da Associação de Dirigentes do Mercado Imobiliário (Ademi-RJ) acusam: o problema é a legislação restritiva no Rio.

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TAVARES, Karine. Apartamentos cada vez menores. O GLOBO, Rio de Janeiro, 31 de março de 2012. Caderno Economia – Imóveis.

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3. Legislação Urbana A legislação urbana é o principal balizador da atividade do mercado imobiliário. Como instrumento de planejamento e regulamentação, serve para definir as diretrizes de transformação e crescimento da cidade, e influencia diretamente no ambiente construído. Junto com as regulamentações de pânico e incêndio, e as normas da ABNT, a legislação urbana determina os parâmetros do que é possível ser executado pelo mercado em cada lugar, bem como seus limites máximos e mínimos. Os tipos de uso de um empreendimento, a área máxima edificável, e muitas vezes até mesmo a volumetria são consequências do que permite (ou restringe) a lei. E assim sendo, juntamente com as escolhas tomadas pelo incorporador com base nesses parâmetros, a legislação é outro fator protagonista na construção da cidade e na imagem que se forma a partir das suas definições. “Esses dispositivos legais têm muito mais responsabilidade sobre a forma das cidades do que o trabalho dos arquitetos dedicados ao projeto dos edifícios”8.

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MACIEL, Carlos Alberto. Arquitetura, indústria da construção e mercado imobiliário. Ou a arte de construir cidades insustentáveis. Arquitextos, São Paulo, ano 14, n. 163.00, Vitruvius, dez 2013 <http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/14.163/4986>.

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As possibilidades ou restrições impostas pela legislação também afetam diretamente o valor dos terrenos, alterando seu potencial construtivo e os tornando mais ou menos atrativos para o mercado. Dessa forma, quanto mais engessada for a constituição das leis que definem os parâmetros urbanísticos, “pouca margem para experimentação de novos arranjos e tipologias é deixada ao arquiteto” (MACIEL, 2013). Da mesma forma, o mercado reage às restrições da legislação dentro de concepções conservadoras e práticas, como na diminuição do tamanho das unidades ao longo dos anos. A cidade do Rio de Janeiro é regrada pelo Regulamento de Zoneamento, conhecido pelo número de seu decreto, o 322 de 3 de março de 1976. Apesar de ser um grande compêndio balizador, que define o uso do solo, gabarito, afastamentos e uma centena de outras questões, a aplicabilidade do Decreto 322 é coadjuvada por uma infinidade de outros decretos, leis complementares e ofícios, que regulam e modificam o Zoneamento de acordo com os interesses na época em que foram promulgados. Além disso, com a necessidade de um conjunto de medidas mais específicas para determinadas áreas da cidade, uma série de outros instrumentos normativos, como os Projetos de Estruturação Urbana (PEUs), foram implementados, bem como as diretrizes elaboradas pelo Novo Plano 25


Diretor da Cidade do Rio de Janeiro, aprovado em 2011, uma das obrigações do Estatuto das Cidades. Assim, a Legislação Urbana do Rio de Janeiro se configura como uma grande colcha de retalhos, com inúmeras especificidades e muitos casos de necessidade interpretação por parte dos técnicos da Prefeitura sobre qual normativa prevalece em cada questão. Dentro desse cenário de legislação restritiva e confusa, e mercado imobiliário conservador e centralizador de decisões, o arquiteto se torna mero coadjuvante no processo, respondendo apenas pelo projeto (ou estudo de massas e viabilidade) que alcance o potencial construtivo máximo, atendendo a todos os parâmetros urbanísticos. Uma ilustração para esse fenômeno atual é retratado por Rem Koolhaas em seu livro Nova York Delirante: o arquiteto Hugh Ferriss foi contratado em 1922 para criar uma série de desenhos e perspectivas ilustrando a ocupação máxima possível nos lotes em Nova York, após a Lei de Zoneamento de 1916, de forma a auxiliar o entendimento de construtores e demais arquitetos sobre as possibilidades de potencial construtivo previstas na legislação.9

9

KOOLHAAS, Rem. Nova York delirante: um manifesto retroativo para Manhattan. Tradução de Denise Bottmann. São Paulo: Editora Cosac Naify, 2008.

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O processo de desenvolvimento urbano da cidade do Rio de Janeiro vem se reproduzindo sob o viés do chamado “empreendedorismo urbano”10, cujos conceitos foram amplamente embasados e amparados na aprovação do Novo Plano Diretor (Lei Complementar 111/2011). A reboque da realização dos grandes eventos na cidade – Copa do Mundo de 2014, Jogos Olímpicos de 2016, etc. – o poder público, em especial a esfera municipal, desenvolveu um planejamento totalmente empreendedorista, alinhado com os interesses privados, como única forma de promover as reformas necessárias na cidade e de realizar uma renovação urbana. Como exemplo, podemos citar a realização dos Jogos Olímpicos de 2016, que justificou a construção de duas linhas de BRT e o alongamento da linha do metrô até a Barra da Tijuca, sem que essas soluções, no entanto, respondessem aos anseios da população ou às necessidades reais, demonstradas em estudos de demanda. No âmbito da legislação, fica evidente a inclusão no Plano Diretor de instrumentos que permitiram a realização do plano de revitalização urbana da zona portuária da cidade, o Porto Maravilha. Foram criadas as bases legais 10

MEDEIROS, Mariana G. P.; SANTOS, Ângela M. S. P.; VASQUES, Pedro Henrique R. P. Política Urbana no Rio de Janeiro: entre a cidade do plano e a cidade real. Cadernos do Desenvolvimento Fluminense, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, n. 2, julho de 2013.

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para grandes contratos de parcerias público-privadas, como a Operação Urbana Consorciada, utilizada no Porto Maravilha. Através desse instrumento, a Prefeitura delegou a um consórcio vencedor de uma licitação, além das obras previstas para revitalização da área, total a gestão da região, incluindo serviços como coleta de lixo e controle de tráfego. Na prática, é a cessão total do controle e ordenamento de uma região da cidade, por parte do poder público, para o capital privado, mediante aporte financeiro. Outro instrumento legal criado no Novo Plano Diretor foi a outorga onerosa através dos Certificados de Potencial Adicional Construtivo, onde novamente mediante aporte financeiro, a Prefeitura cede permissões para construções acima do limite anteriormente previsto, fazendo caixa e permitindo que o capital privado construa mais do que originalmente poderia. Essas relações estão alinhadas com as tendências globais de desenvolvimento urbano, e expõem o intuito do poder público de colar no Rio de Janeiro a imagem de cidade-global, principalmente através na nova roupagem de áreas da cidade e do desenvolvimento setores que antes eram problemáticos (como o transporte público, por exemplo). As lógicas de organização social, econômica e espacial estão subordinadas ao mercado global, com foco especial para os períodos de realização dos grandes eventos, onde a atenção do mundo todo estará voltada para a cidade. 28


A reflexão sobre esta dinâmica é a percepção de possibilidade de mudanças conjunturais e profundas, mesmo em um cenário legislação defasada e confusa. As transformações urbanas, por mais que atendam interesses de determinados grupos ou anseios políticos, são possíveis mesmo que através do fluxo de capitais. O desejo de tornar-se cidade-global esbarra em outras necessidades estruturais que, num primeiro momento, ainda não foram contempladas, a medida que as obras de primeira necessidade para os grandes eventos foram de infraestrutura, transportes e de “maquiagem urbana”. A construção da cidade de todos os dias, e não apenas aquela para os 20 dias de jogos olímpicos ou futebolísticos, ainda continua relegada a parâmetros da década de 70, enquanto os polos olímpicos e o Porto Maravilha recebem investimentos e parâmetros urbanos modernos, permitindo uma grande renovação de partes da cidade, ainda que de caráter questionável. A legislação urbana do Rio de Janeiro favorece a repetição de um padrão que não é mais compatível com os tempos atuais e o modo de vida do carioca, nem do cidadão-global. Se por um lado as grandes obras e os novos marcos arquitetônicos (como o Museu do Amanhã do arquiteto catalão Santiago Calatrava, na Praça Mauá) expõem uma cidade que tenta se renovar e se diz contemporânea, por outro lado seus próprios instrumentos legais dificultam a 29


experimentação arquitetônica e a construção de um novo projeto de cidade, mais inclusiva e democrática, como prevê o Estatuto das Cidades. Mudanças substanciais são necessárias na forma como se dá o regulamento urbano no Rio de Janeiro, principalmente em relação à conceitos ultrapassados de planejamento urbano. Situações cada vez mais atuais, como a sustentabilidade, não são contempladas pela legislação atual, nem iniciativas que visem reduzir o uso do automóvel particular, priorizem o transporte público e os corredores viários de massa, nem o uso da bicicleta e iniciativas locais como alternativas para o cotidiano.

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4. Papel do Arquiteto Ocorre na prática uma alienação do trabalho do arquiteto e urbanista. Com as definições de projeto nas mãos dos incorporadores e dos corretores, e o conceito do empreendimento vindo dos profissionais de marketing, cabe ao arquiteto a função de especialista em legislação urbana. “Dentro dessa lógica, é mais eficiente o arquiteto que, compreendendo mais profundamente a legislação e suas brechas, consegue atingir o máximo aproveitamento das exceções da legislação (áreas não computáveis, alturas e afastamentos excepcionais) para gerar maior área comercializável”11.

No Rio de Janeiro, mesmo quando há uma certa liberdade de concepção por parte dos incorporadores, o trabalho do arquiteto é prejudicado pela falta de flexibilidade da legislação urbana da cidade, muito restritiva em vários aspectos. Da mesma forma, ainda que em determinada situação local a 11

MACIEL, Carlos Alberto. Arquitetura, indústria da construção e mercado imobiliário. Ou a arte de construir cidades insustentáveis. Arquitextos, São Paulo, ano 14, n. 163.00, Vitruvius, dez 2013 <http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/14.163/4986>.

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legislação seja mais flexível, a especificidade do mercado carioca, em especial dos últimos anos de boom imobiliário, é uma tendência de comportamento conservador. É inerente ao trabalho do incorporador o esforço na minoração dos riscos e maximização dos lucros, e esse controle, quando excessivo, acaba engessando a possibilidade de novas alternativas e perpetuando a aposta em fórmulas já testadas e bem-sucedidas, repetidas continuamente. Essa situação tende a ser mais persistente com o fenômeno da financeirização de grandes incorporadoras, que com o capital aberto em bolsa, passam a atender os interesses de investidores, com o objetivo único e exclusivo de gerar lucro para os acionistas. Além disso, existe um certo despreparo por parte dos arquitetos para lidar com uma incorporação imobiliária. Se o entendimento da legislação já é pouco aplicado no ensino da graduação, os conceitos de incorporação, mercado e viabilidade de um projeto são inexistentes no curso acadêmico. Eduardo Andrade de Carvalho, sócio da incorporadora Moby, afirma em seu artigo O papel dos arquitetos diante do mercado imobiliário: “É preciso que o arquiteto entenda, em primeiro lugar, que um empreendimento imobiliário não é exclusivamente um prédio: ele é - até juridicamente - uma empresa, e as suas unidades são produtos que serão vendidos. Um edifício desenvolvido por uma incorporadora precisa ser economicamente viável, se é possível dizer 33


assim, em si mesmo”12. A falta de prática de alguns arquitetos para lidar com as dinâmicas de mercado e de uma incorporação acabam relegando os projetos das incorporadoras para aqueles arquitetos já acostumados a lidar com o mercado imobiliário - e com os vícios projetuais de aproveitamento máximo de todos os parâmetros urbanísticos possíveis, visando apenas a maximização dos lucros.

4.1.

Arquitetos como protagonistas

Como forma de virar o jogo na relação com o mercado imobiliário, algumas experiências bem-sucedidas de arquitetos tomando a dianteira na realização de empreendimentos são notáveis. Ao deixarem a posição de coadjuvantes na dinâmica da produção imobiliária, os arquitetos passam a ter controle sobre todos os aspectos do projeto, permitindo uma maior experimentação e respostas projetuais mais próximas das necessidades dos usuários e das relações com a cidade, e ainda assim gerando lucro.

12

CARVALHO, Eduardo Andrade de. O papel dos arquitetos diante do mercado imobiliário. Revista AU, São Paulo, edição 205, abril de 2011.

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gruposp e o edifício Simpatia Em meados de 2006, o escritório paulista de arquitetura gruposp, capitaneado por Alvaro Puntoni e João Sodré, fizeram primeiras tentativas de contato com donos de terrenos, apresentando projetos de edificações viáveis para esses locais e buscando parcerias para a realização desses projetos. Apesar de não obterem êxito na empreitada, que foi motivada pelas teses de mestrado e doutorado de Alvaro Puntoni, que abordavam a temática da habitação, a iniciativa dos arquitetos chamou atenção do mercado imobiliário, e através da imobiliária Axpe e da incorporadora IdeaZarvos!, surgiu o convite para realização dos estudos preliminares para o que viria a se tornar o edifício Simpatia 236 (informação verbal).13 Premiado pelo IAB/SP em 2008 e pela Bienal Iberoamericana de Arquitetura em 2010, o projeto do edifício Simpatia foi um dos destaques entre a primeira leva de lançamentos da IdeaZarvos!, que vem causando uma grande transformação no bairro da Vila Madalena e movimentando o mercado imobiliário em São Paulo. Os arquitetos e a incorporadora, alinhados com o objetivo de criar uma edificação que se encaixasse na paisagem do bairro, até então tradicionalmente repleto de casas e vilas, além de soluções

13

PUNTONI, Alvaro; SODRÉ, João. Entrevista 1. [Fev. 2016]. Entrevistador: Rafael Bastos. São Paulo, 2016. 20160202_153543.m4a (137 min.).

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projetuais que dessem respostas às demandas da cidade e do público-alvo do empreendimento (jovens-adultos, 25-35 anos, solteiros ou recém-casados, padrão classe média-alta), desenvolveram um produto que se tornou referência de projeto e de moradia. “O edifício serve-se da topografia acidentada, a situação típica de vale, que existe entre a rua Simpatia – no nível mais alto – e a rua Medeiros de Albuquerque – no nível mais baixo – definindo a ocupação em dois blocos: um superior e aéreo– a estrutura habitacional – e outro inferior e arraigado – os serviços e espaços dos automóveis.”14

As 13 unidades do edifício possuem a planta totalmente livre, permitindo uma flexibilidade total de organização interna dos cômodos. Toda a infraestrutura e hidráulica está instalada na fachada, junto aos pilares, permitindo assim que as áreas molhadas sejam dispostas em praticamente qualquer parte do apartamento. As lajes foram entregues no osso, sem contra piso, e cada usuário fica responsável por escolher seus acabamentos e

14

FERNANDES, Gica. "Edifício Habitacional na Rua Simpatia / gruposp" Maio 2013. ArchDaily Brasil. Acessado 30 Set 2015. <http://www.archdaily.com.br/98/edificio-habitacional-na-rua-simpatia-gruposp>

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facilmente realizar as divisões internas e as instalações com a utilização de divisórias de gesso acartonado. As áreas comuns têm um programa reduzido, com jardins com árvores frutíferas, piscina e uma lavanderia coletiva. Na fachada voltada para a rua Simpatia, um grande painel com uma obra do artista Andrés Sandoval transforma o logradouro em galeria de arte à céu aberto. No trecho do lote no nível mais baixo, onde encontra a rua Medeiros de Albuquerque, questões de segurança, logística e legislação urbana impediram a criação de uma segunda entrada.15 Num gesto chamado pelos arquitetos de “gentileza urbana”, foi feito um recuo na grade da divisa, e no espaço resultante desse alargamento a calçada foi criada uma pequena praça para o bairro.

15

TRANCOSO, Úrsula. “Projetado pelo Grupo SP, Edifício Simpatia, em São Paulo, dispõe de pequena praça para pedestres e de apartamentos com planta livre e flexível” Junho 2011. aU. Acessado em 20 fev 2016. <http://au.pini.com.br/arquitetura-urbanismo/207/artigo219600-1.aspx>

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Croqui do corte

38 Pavimento tipo

Primeiro pavimento

Térreo

Subsolo


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Arquitetos Associados e o edifício Estúdios Capelinha 244 O arquiteto e professor da UFMG Carlos Alberto Maciel, titular do escritório Arquitetos Associados, de Belo Horizonte, assumiu o papel de incorporador para realizar seus projetos, que no mercado encontrava resistência. Na busca por mais liberdade na hora de projetar e experimentar transformações no jeito de morar, foi preciso o próprio arquiteto se tornar o empreendedor. Buscando viabilizar seu projeto para o edifício Estúdios Capelinha, no bairro da Serra, na capital mineira, Maciel reuniu um grupo de 10 pessoas para investir na construção do empreendimento. Para cuidar da venda e locação das unidades, fez uma parceria com a arquiteta Silvia Santana, da imobiliária Ovo. E dessa forma, foi construído o edifício com 10 unidades. “Tudo isso traz também uma nova experiência ao arquiteto - a de atuar no mercado imobiliário e de se inserir em uma área negligenciada para ter mais autonomia. "E até aumentar a possibilidade de rendimento", lembra Carlos Alberto. Além das melhorias nos ganhos, há outra mais difícil de quantificar: a do entorno urbano. "Se cada arquiteto resolvesse empreender, talvez a cidade também melhorasse."”16 16

FLORESTA, Cleide. “Ao assumir a construção de prédio, em Belo Horizonte, Carlos Alberto Maciel foge da compartimentação” Maio 2012. AU.

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Um dos diferenciais adotado no projeto é a planta livre. As 10 unidades, divididas entre dúplex no térreo e tríplex nas coberturas, com área de 70 m2 a 90m2, tem apenas os banheiros totalmente fechados. “Em projetos para os quais fomos contratados, tentamos introduzir essas questões, mas havia resistência dos empreendedores. Percebemos que a única maneira de fazer isso era assumindo esse papel”17, afirma Carlos Alberto. Eliminando completamente a compartimentação padrão adotada pelo mercado, a planta livre permite ao usuário usufruir da integração total dos espaços, ou da liberdade de escolha da definição dos espaços internos. Com os arquitetos no controle de todas as etapas, foi possível adotar soluções pouco frequentes no mercado, e a escolha de materiais e acabamentos foi apurada, permitindo inclusive um custo final de construção mais otimizado. Para equilibrar a escolha dos elementos e fechar a conta da incorporação, algumas estratégias foram essenciais: o piso das áreas sociais é

Acessado 20 fev 2016. <http://au.pini.com.br/arquitetura-urbanismo/218/carlosalberto-maciel-arquitetos-associados-belo-horizonte-mg-258103-1.aspx> (Grifo nosso) 17

Idem.

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de granilite para baratear a construção, ao mesmo tempo em que a integração entre áreas internas e externas foi priorizada com grandes esquadrias. A implantação num lote urbano de 10m x 40m levou a projetar as aberturas das unidades voltadas principalmente para a frente e os fundos. As unidades intermediárias possuem um recuo mais acentuado, permitindo aberturas para as laterais e permitindo ventilação cruzada. O projeto se aproveita da declividade existente no terreno para criar garagens no subsolo e “todas as unidades desfrutam de área externa privada: as unidades do térreo possuem gramado nos recuos, e as coberturas usufruem de um terraço com vista para a serra do Curral. Em ambos os casos, as lajes são recobertas por 50 centímetros de terra, suportando a plantação de pequenos arbustos”.18 A experiência de se enveredar no mercado imobiliário como empreendedor em busca de uma maior liberdade projetual e da possibilidade de gerar de fato mudanças na cidade deu tão certo, que Maciel vem investindo em outras empreitadas do tipo na cidade de Belo Horizonte.

18

Estúdios Capelinha 244 (2008/2011), Belo Horizonte. In: MONOLITO: Prédios de apartamentos. Ed. 26. Págs. 64-69. Editora Monolito: São Paulo, setembro de 2015.

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Smart! e o edifício Amélia Teles 315 Em 2008, os arquitetos Márcio Carvalho e Ricardo Ruschel resolveram apostar no modelo de arquiteto-incorporador para conseguir executar projetos que não tinham espaço nas empresas onde trabalhavam. Assim surgiu em Porto Alegre a incorporadora Smart!. A dupla aponta como ideais a busca por uma arquitetura contemporânea e autoral, que não é muito explorada pelo mercado imobiliário de maneira geral, principalmente na capital gaúcha. Dos empreendimentos realizados desde o início da empresa, entre residenciais e comerciais, todos são de pequeno porte, com no máximo 20 unidades. A estratégia adotada pela empresa é apostar em uma equipe enxuta para desenvolvimento dos projetos; abordagem multidisciplinar com um relacionamento mais próximo dos clientes; uso da tecnologia como aliada na otimização de processos, como a plataforma BIM; total possibilidade de personalização das unidades; e foco no estilo de vida do público-alvo de cada projeto. Os empreendimentos contam com consultoria para desenvolvimento do design de lifestyle, e a incorporadora adotou os dois termos junto ao seu nome-fantasia: Smart! Design + Lifestyle. Ao se diferenciar no mercado, que produz em larga escala produtos muito parecidos, a Smart! consegue atingir um nicho não explorado pelas grandes incorporadoras, numa tendência 47


chamada de pós-luxo, onde não há exaltação de elementos ou ostentação de materiais, os traços autorais, a simplicidade e a as possibilidades de customização são o carro-chefe dos projetos. Os arquitetos buscaram inovar até mesmo na forma de receber a remuneração, já que não recebem salário pelo trabalho que exercem, apenas remuneração em cima de resultados. A iniciativa vem dando certo: em seis anos, a empresa teve um crescimento de 1000%19. Um exemplar da primeira leva de lançamentos da Smart! em projeto e incorporação é o edifício Amélia Teles 315. Construído em 2011 no bairro Petrópolis, em Porto Alegre, o edifício tem 8 apartamentos de 102 m2 a 127 m2, distribuídos em quatro pavimentos, além do térreo que conta com 12 vagas de garagem. A planta das unidades é totalmente livre, inclusive sem vigas, possível através da adoção de lajes nervuradas. Na época do lançamento, os valores de venda variavam entre R$ 360 mil e R$ 450 mil. Entregues sem acabamentos de piso e teto, o projeto possibilita ao comprador escolher quais materiais utilizar para revestir, dá opção de deixar a laje nervurada exposta ou colocar rebaixo de gesso, bem como a escolha da 19

CAJANO, Pamella. “Smart! Lifestyle + Design cresce 1.000% em seis anos” Junho 2015. Investimentos e notícias. Acessado em 20 fev 2016. <http://www.investimentosenoticias.com.br/financas-pessoais/imoveis/smartlifestyle-design-cresce-1-000-em-seis-anos>

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compartimentação interna ou manutenção de ambientes integrados. Segundo os arquitetos, a maior parte dos adquirentes “optou pela configuração com 1 dormitório integrado ou semi-integrado à área social”20. Na fachada frontal, as unidades possuem uma abertura principal com esquadria de 9,4 metros de largura, com abertura possível de 2/3 do vão. Além disso, com as áreas comuns do edifício reduzidas ao máximo, foi criado na laje de cobertura um telhado verde acessível aos moradores, com paisagismo que utiliza espécies nativas e que demandam pouca irrigação.

20

FERNANDES, Gica. "Edifício Amélia Teles, 315 / smart!" 12 Mar 2012. ArchDaily Brasil. Acessado 21 Fev 2016. <http://www.archdaily.com.br/37575/edificio-amelia-teles-315-smart>

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Adamo-Faiden e o edifício Once O escritório Adamo-Faiden foi criado em 2005, em Buenos Aires, da parceria dos arquitetos Sebastián Adamo e Marcelo Faiden. Depois de uma temporada estudando e trabalhando na Europa, a dupla retornou à Argentina no cenário pós-crise, e se estabeleceu projetando e construindo casas e edifícios de apartamentos de pequeno porte, através da experimentação de novos programas e possibilidades formais, com uma arquitetura sólida e simples. A notável produção do escritório tornou o estúdio uma referência em arquitetura no cone sul. Uma particularidade da legislação argentina é um grande diferencial para que a dupla de arquitetos tenha se convertido em empreendedores imobiliários: o fideicomiso. O instrumento legal permite que o dono de um bem (fiduciante) transfira sua propriedade para outra pessoa administrar (fiduciário), sob um contrato de confiança e com objetivos e prazos préestabelecidos. Durante a vigência deste contrato, a posse sobre o bem deixa de ser do dono original, mas também não passa para o administrador (fiduciário), permanecendo plenamente autônoma e protegida de embaraços por dívidas de ambas as partes. O fiduciário deve administrar o bem de acordo com o previsto em contrato, e ao final do prazo, entregar os bens com as benfeitorias realizadas ao destinatário final (beneficiário), que nesse caso 53


pode ser o próprio fiduciante, dono original do bem, ou outra pessoa, física ou jurídica (fideicomissário). Essa relação se encaixa perfeitamente para operações imobiliárias como incorporação de edifícios. No caso das empreitadas do escritório Adamo-Faiden (e vários outros na Argentina), os arquitetos atuam como fiduciários de um terreno, cujo dono (fiduciante), cede aos arquitetos para a incorporação de um projeto do escritório, recebendo em troca, ao final da vigência do contrato de fideicomiso, parte dos lucros da venda das unidades ou até mesmo unidades do edifício. Como a propriedade do terreno não passa para os arquitetos, permanecendo autônoma durante todo o contrato, não há riscos caso haja problemas com credores por ambas as partes, e o fideicomiso do terreno protege o empreendimento. O escritório atua como administrador de todo o processo, ficando responsável pelo projeto, a escolha dos fornecedores e prestadores de serviço, pelo balanço orçamentário de toda a empreitada e até mesmo pela organização de um grupo de investidores, se necessário, para levar a frente a obra. É possível que os investidores da obra sejam diretamente os compradores de unidades da edificação, e que recebam ao final somente as unidades na qual investiram; ou que os investidores sejam remunerados com percentuais de venda das unidades após a finalização do contrato de 54


fideicomiso. Concluída a obra, com o destino dado às unidades (seja venda, entrega aos compradores, etc.), o contrato de fideicomiso se dissolve, uma vez que tenha sido cumprido o objetivo pré-estabelecido.21 Através desse mecanismo, foi possível que muitos arquitetos por toda Argentina realizassem a incorporação de seus projetos, com um controle maior sobre todo o desenvolvimento do produto e com relações mais simples entre donos de terreno, construtores e compradores. Um desses exemplos é o edifício Once, do escritório Adamo-Faiden. Situado no bairro de Núñez, na periferia de Buenos Aires, a edificação conta com seis ambientes, programaticamente indefinidos, mas com espacialidade específica, permitindo a apropriação do espaço de diversas maneirasse expandindo as possibilidades de habitar. Além do térreo, as unidades estão dispostas em três pavimentos, mais uma cobertura com telhado verde, acessível aos usuários. As fachadas de frente e de fundos possuem largas aberturas, com esquadrias de piso ao teto de 3,15m, voltadas para varandas onde tanto jardineiras quanto uma estrutura de toldos micro perfurados ajudam a proteger os ambientes, dando privacidade e conforto 21

NARVÁEZ, Gustavo. “Fideicomiso para la construcción” Colegio de Arquitectos de la Povincia de Santa Fe. Acessado 21 fev 2016. <http://www.capsf.org.ar/index.php%3Foption%3Dcom_content%26view%3Darticl e%26id%3D100%26Itemid%3D211>

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térmico. Com o escritório sediado no terceiro andar do edifício, os arquitetos desenvolvem projeto e crítica à produção atual do mercado, principalmente na América Latina: “Se queremos renovar o sentido da nossa profissão dentro de nossas sociedades, cabe hoje nos perguntarmos sobre aquela porção de futuro que silenciosamente delegamos. Assumir esse espaço significaria incorporar um novo material de trabalho que ampliaria nossa noção de projeto. Entendido nesses termos, nosso trabalho começaria agora com a descrição de uma situação que requer uma reorganização espacial específica. Presente e futuro, descrição e reorganização, perderiam sua inércia individual ao serem reunidas nesta nova noção de projeto. Incorporar a programação ao nosso âmbito

significaria

recuperar

definitivamente

o

interesse

pelo

acontecimento. Projetar os programas permitiria mantermo-nos próximos das necessidades públicas para assim retroalimentar constantemente nossas ambições privadas. Nos permitiria construir nossa própria demanda e decidir sobre sua pertinência. Construiria uma noção de arquiteto crítico e propositivo de maneira simultânea. (Marcelo Faiden)”22

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Texto traduzido. Edifício Once, Adamo Faiden, Buenos Aires, 2011. In: ARQ: Ciudad y negocio = City business. Ed. 79. Ediciones ARQ. Escuela de Arquitectura, Pontificia Universidad Católica de Chile. Santiago do Chile, 2011. (Tradução nossa).

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5. Das dificuldades às oportunidades: uma análise conjuntural 5.1.

Problemáticas

A prática projetual imposta pelo mercado evidencia um favorecimento dos aspectos quantitativos em detrimento de parâmetros qualitativos, especialmente os ditames arquitetônicos do conforto térmico e ambiental. A opção pela diminuição da área dos apartamentos e o consequente aumento no número de unidades, apesar de numa primeira análise representar um lucro mais elevado (menos área construída com mais unidades para venda), tende a resultar em apartamentos com problemas de iluminação natural e ausência de ventilação cruzada, o que afeta diretamente a vida dos moradores. Não raro, unidades de empreendimentos residenciais não recebem luz natural a maior parte do tempo, enquanto outras sofrem com uma insolação demasiada, sem que nenhuma resposta arquitetônica para proteção tenha sido elaborada; e apartamentos situados no meio de edifícios possuem todas as aberturas voltadas para somente uma fachada, dificultando a circulação dos ventos dentro da unidade. Existe também o fenômeno da replicação de um tipo planta de apartamento na grande maioria dos lançamentos imobiliários pela cidade. Em 63


diferentes bairros, diferentes empreendimentos de diferentes padrões, possuem uma planta de apartamento muito similar, que vem se tornando quase uma planta-padrão de mercado. De maneira semelhante, o projeto de condomínio também segue de certa forma um padrão, oriundo dos condomínios-clube da Barra da Tijuca repletos de salas de atividades variadas nas áreas comuns, adaptados à realidade financeira e ao tamanho do empreendimento. Esses dois aspectos dos empreendimentos se repetem em vários os bairros, sem levar em conta as especificidades do lugar, ou flexibilizar as opções de planta. Além disso, outro fator importante é o impacto na paisagem urbana causado pelas construções decorrentes do boom imobiliário dos últimos anos, bem como sua relação com o entorno onde estão inseridas. Na cidade do Rio, a aprovação dos projetos de arquitetura dos empreendimentos é baseada somente nos parâmetros urbanísticos e normas de pânico, incêndio e acessibilidade. O mérito do objeto arquitetônico em si só é considerado para o caso de imóveis tombados e regiões dentro das Áreas de Proteção do Ambiente Cultural, por exemplo. O que poderia ser interpretado como uma carta branca para projetos variados e experimentações de ordem formal serve, no entanto, para uma replicação de edifícios onde a definição dos elementos de fachada, por exemplo, segue a cartilha do custo mínimo e maior rapidez 64


construtiva, dentro dos conceitos do mercado. Se a tipologia dos empreendimentos para a classe média pouco varia, quando se trata de produtos para o mercado de luxo, a diferença é apenas na escolha de materiais mais nobres nos revestimentos internos e externos. Nos empreendimentos comerciais, os edifícios são projetados e erguidos com grandes fachadas de vidro, impróprias para o clima tropical e tornando essas edificações eternos reféns dos aparelhos de ar condicionado. Outro exemplo na proliferação dos grandes condomínios é a concentração dentro de seus muros grande parte dos atrativos, o que faz com que estes acabem por se voltar de costas para a rua, produzindo pela cidade longos caminhos murados, sem nenhuma atividade voltada para o logradouro. O artifício da fachada-ativa, por exemplo, não favorecido pela legislação, é facultado ao incorporador e limitado ao zoneamento da região do empreendimento, e que poderia em muitos casos criar um comércio local diferenciado e favorecer a vivência do espaço público.

5.2.

Potencialidades

O cenário de crise é o melhor momento para reavaliação dos processos de desenvolvimento de produto e busca de novas estratégias. Com a queda no valor dos imóveis, e estagnação das vendas e o acesso dificultado ao crédito, 65


fica evidente que o modelo de produção estabelecido durante o superaquecimento do mercado não é sustentável. Da mesma forma, a crise econômica torna o consumidor mais atento e exigente, que busca se adaptar a uma nova realidade de custos altos e orçamento mais apertado. Fenômenos como a alta no preço dos combustíveis e o crescente trânsito na cidade do Rio de Janeiro tem levado os compradores a buscarem imóveis mais próximos de seus locais de trabalho ou próximos aos grandes corredores de transporte, em áreas já consolidadas com opções de comércio e lazer, segundo dados da Ademi-RJ23. Se o entorno imediato da Barra da Tijuca antes era convidativo pelos baixos preços, a falta de infraestrutura e a dependência do automóvel para todas as tarefas do dia já são fatores que começam a pesar na escolha de empreendimentos nesses locais. As grandes apostas do setor são em áreas já estruturadas da Barra, como nas proximidades dos polos olímpicos e regiões favorecidas pelos novos corredores de transporte; a região do Porto, que começa a ter sua primeira fase de obras de infraestrutura entregues, o que deve pressionar por uma demanda de lançamentos residenciais; e regiões mais tradicionais da Zona Norte, como Grande Méier, Madureira e São Cristóvão.

23

Pesquisa aponta preferência dos cariocas. O GLOBO, Rio de Janeiro, 28 de novembro de 2013. Especial Mercado Imobiliário.

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Essas transformações tem o potencial de conduzir o padrão dos empreendimentos do mercado imobiliário para outro patamar. Com a mudança nos hábitos de consumo, conforme dados da consultoria Plano CDE e pesquisa do SPC Brasil24, o brasileiro reduziu seus gastos com saídas para comer fora e com lazer na rua, e vem priorizando cada mais o lazer dentro de casa, desde a Copa do Mundo de 2014. Acontecimentos como esse devem pesar na escolha de imóveis mais adequados para uma população que passa mais o tempo livre em casa e não está disposta a arcar com os altos custos de condomínios cheios de amenidades, cujos valores são rateados entre todos os moradores. Na era da individualidade e da personalização, existe uma demanda grande pela customização dos produtos para atender ao gosto e às necessidades do usuário. Mesmo aqueles produzidos em série, como carros e celulares, ganham a cara do usuário por meio de uma série de personalizações e complementos estéticos e funcionais. O mercado imobiliário tem capacidade de se adaptar à essa realidade adotando plantas flexíveis e diferentes tipologias num mesmo empreendimento, atendendo um público-

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Contra crise, classe média corta refeições fora de casa e lazer. G1, São Paulo, 16 de junho de 2015. Disponível em < http://g1.globo.com/economia/seudinheiro/noticia/2015/06/contra-crise-classe-media-corta-refeicoes-fora-de-casa-elazer.html>. Acesso em 30 Set 2015.

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alvo maior. Existe na construção civil o receio da perda da economia de escala quando há uma variação grande de plantas ou muitas mudanças no produto original de venda a pedido do comprador. Os arquitetos, no entanto, têm pleno domínio de técnicas projetuais para otimizar projetos e atender, aliados aos profissionais de corretagem e a pesquisas de intenção, as demandas de mercado. A flexibilização das plantas tem como atrativo também um valor final de venda mais baixo para o consumidor, que poderá posteriormente adaptar o imóvel a todas as suas necessidades, sem ficar restrito as compartimentações das unidades habitualmente negociadas no mercado. A adoção de uma variedade de plantas é uma opção mais simples para o incorporador, que necessita de menos planejamento estratégico de projeto e execução do que a planta flexível. Além de atender uma gama maior de potenciais compradores, a diversidade de moradores e formatos de família é benéfica para a cidade, que se torna mais plural. Outro apelo eficaz mesmo em tempos de crise é a adoção de princípios da sustentabilidade e da eco-eficiência. A adoção de soluções como maior aproveitamento da luz natural, proteção contra insolação excessiva, aberturas visando a cruzamento dos ventos, reuso de águas e fontes de energia alternativa, além de atrair a atenção do consumidor pelo discurso ecológico, atraem também pela economia gerada e consequente redução de custos. 68


Soluções de fachada que levem em consideração a orientação em relação ao sol, e em alguns casos, a adoção de elementos arquitetônicos como brises, ou espaços verdes nos telhados e áreas comuns em terraços, acabam agregando valor ao imóvel pela estética além da funcionalidade. A tecnologia também é uma grande aliada, principalmente no quesito de eficiência energética. Com o barateamento do custo dos componentes eletrônicos, a automação residencial passou a ser vantajosa, pelo controle total da casa em um mundo cada vez mais conectado, e também pela economia gerada já que todos os aparelhos e funcionalidades da casa podem ser programados, gerando também conforto e ganho de tempo. A adoção desses equipamentos como padrão de mercado já começa a aparecer em lançamentos imobiliários, sem afetar o custo final para o consumidor de maneira considerável.

5.3.

Modo de vida do carioca

Outro fator importante que pode ser levado em consideração como uma potencialidade nesses tempos de crise, tanto para o mercado de maneira geral como para os arquitetos que busquem uma saída para as dinâmicas tradicionais, é a conceituação do modo de vida do carioca. O padrão de 69


moradia replicado pelo mercado imobiliário na cidade do Rio de Janeiro, que em muitos aspectos é sustentado pela legislação atual, obedece à lógicas mercadológicas já explicitadas, e quando se apropria do conceito do modo de vida, o faz por meio de estratégias de marketing como forma de seduzir o comprador, muitas vezes rotulando como lifestyle. O tema, no entanto, é mais complexo do que artifícios de propaganda possam sugerir. Além do estereotipo propagado pela mídia nacional e internacional do carioca malandro, boêmio, do culto ao corpo e à praia, existem aspectos relevantes do jeito de morar do carioca que foram renegados e até mesmo reprimidos pela cidade que se construiu e constituiu nos últimos anos. Podemos destacar o tradicional bairrismo do carioca, que tem o hábito de favorecer o comércio e os atrativos locais do lugar onde mora, ou de um bairro específico. Essa relação dos moradores com o lugar onde vivem é um dos aspectos mais afetados pelos condomínios fechados e pelos condomíniosclube. A possibilidade de criar projetos que respondam a essa característica já foi experimentada em São Paulo com sucesso pela incorporadora IdeaZarvos! no tradicional bairro da Vila Madalena. Em entrevista, a arquiteta Sandra Angélico, da equipe de vendas da incorporadora, define a aposta nesse modo de vida:

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“Esses condomínios fazem grandes muros que fecham um quarteirão inteiro, onde tudo está voltado para dentro, e você vira as costas para cidade. Então, é esse movimento de resgate de coisas simples. Se você tem um prédio em frente à pracinha, por que você precisa ter uma pracinha dentro do seu prédio, se é só atravessar a rua e usar a pracinha? A Vila (Madalena) permite muito isso também, tem essa aposta nesse bairro, que é essa. São as casinhas, a pracinha, a padaria na esquina, a farmácia. Voltar a arquitetura para a cidade. Para que eu vou construir se tem ali fora a mesma coisa? É só criar uma integração agradável entre meu prédio e aquela pracinha que vai ficar tudo bem, as pessoas vão se sentir seguras para usar.”25

De certa forma, esse movimento contrário ao padrão dos grandes condomínios repletos de áreas comuns também acompanha o sentimento do consumidor que busca um custo de vida menor. Ao fomentar uma relação mais próxima do que a cidade tem a oferecer, e criando respostas aos espaços urbanos nessa relação com o empreendimento, os projetos podem agregar qualidade e se tornar mais atrativos a uma boa parcela dos compradores.

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ANGÉLICO, Sandra. Entrevista 2. [Fev. 2016]. Entrevistador: Rafael Bastos. São Paulo, 2016. 20160203_103728.m4a (41 min.). A entrevista na íntegra encontra-se transcrita no Apêndice A desta monografia.

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Diferente de outras cidades, de uma maneira geral o carioca busca uma apropriação do espaço público como extensão da sua casa. A relação da casa com a rua é explícita desde o papel das varandas nos edifícios na zona sul até o fenômeno das cadeiras na calçada para o bate papo dos vizinhos no subúrbio. O papel crucial exercido pelas pracinhas de bairro e pelos grandes parques urbanos, como o Aterro do Flamengo e o Parque Madureira, como espaços de intenso convívio social e para o lazer, tornam ainda mais explícita essa particularidade dos habitantes do Rio. E a grande maioria dos empreendimentos lançados atualmente perde qualidade ao negar esses aspectos. As varandas também representam um atrativo importante nas unidades residenciais na cidade, não só pelo espaço em si, mas pelo que ele representa e pelo uso que os moradores dão. A arquiteta Helena Lacé, autora da tese de doutorado “Varanda e Modo de Vida da Zona Sul Carioca”, descreve em artigo publicado pelo Vitruvius a importância da relação do carioca com a varanda: “A importância da presença da varanda no espaço de moradia do carioca se deve a diferentes significados desse ambiente que são relevantes para o seu modo de vida. Na varanda, o carioca preserva seus hábitos,

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expressa seu comportamento cultural, se reconhece e revela, pelas mais diversas formas de apropriação desse espaço, seus hábitos de moradia. (...) Essa característica é o que confere a esse ambiente da casa conhecido por vários nomes, mas aqui referido como varanda, três significados básicos: o significado de espaço de transição entre a casa e a rua que permite à varanda operar como filtro e posto de vigília, assim como posto de exposição e lugar iminente do encontro, o significado de espaço de socialização, sendo ela utilizada para o convívio e o lazer da família, para receber visitas e para se ter contato com a rua sem ter que sair de casa e o significado de espaço de integração com o meio ambiente, tendo ela a possibilidade de atuar não só como elemento de adequação climática, mas também como instrumento de ampliação da moradia que favorece a contemplação da paisagem e o contato com a natureza dentro da segurança do lar. (...) Por ser importante para os hábitos de moradia das pessoas, ela valoriza o imóvel ao conferir maior qualidade ao espaço arquitetônico. Motivo pelo qual, nos últimos anos, diversos prédios construídos há tempos em diferentes regiões da cidade do Rio de Janeiro vêm acrescentando varandas em suas fachadas.”26 26

BRANDÃO, Helena C. L. A varanda na Cidade Maravilhosa Uma questão de identidade cultural ou de regulamentação. Arquitextos, São Paulo, ano 13, n. 147.01, Vitruvius, ago 2012. (Grifo do autor) <http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/13.147/4457>

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A própria integração com o meio ambiente, explicitada na citação anterior, é uma característica da vida na cidade do Rio. As condições geográficas, ambientais e climáticas da cidade favorecem essa integração, bem como a inserção da malha urbana em meio a acidentes geográficos e grandes áreas verdes. A relação do carioca com as visadas da cidade, mesmo as menos turísticas, é notável, principalmente quando se trata da vista que um imóvel proporciona. O clima, predominantemente quente e úmido, característica tipicamente tropical, ao mesmo tempo demanda e possibilita gestos projetuais que amenizem essa condição. Edificações de grande qualidade foram construídas na cidade entre os anos de 1940 e 1970, levando em conta esses aspectos e a relação deles com o modo de vida das pessoas. De fato, foi no período de grande verticalização da cidade, que se intensificou a partir dos anos de 1930, que foram erguidos boa parte dos edifícios mais icônicos da arquitetura brasileira, em especial a modernista. Os amplos e arejados apartamentos do período são muito disputados até hoje no mercado, muitas vezes com valor superior ao de lançamentos nos mesmos bairros, que não tem a mesma qualidade. Toda leva de obras com arquitetura autoral, que surgiram do traço de profissionais como Affonso Eduardo Reidy, dos irmãos Roberto e de Lúcio Costa, apresentam uma preocupação quase

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que detalhista com diversos aspectos, sem cair nas armadilhas do rebuscamento ou da ostentação. A grande qualidade nessas edificações está presente nas plantas, adequadas à realidade da época e ao tamanho das famílias; na relação com o entorno e com o clima, através da adoção de partidos arquitetônicos e elementos de proteção solar e aproveitamento da luz natural e dos ventos (numa

época

anterior

à

popularização

do

ar-condicionado);

na

experimentação formal, com uma preocupação em imprimir uma estética autoral e uma imagem ao mesmo tempo moderna, contemporânea, e por vezes, atemporal; na proposição de programas diversos, muitas vezes mistos, dinamizando as relações urbanas; no cuidado com os detalhes e na clara expressão de que cada projeto tem o esmero de levar em conta o modo de viver de sua época. Ao ignorar a especificidade do modo de viver da cidade, o mercado entrou num ritmo de produção compatível apenas com os modelos globalizados de produção, principalmente com a financeirização das grandes incorporadoras tratando a habitação como mais uma mercadoria. A legislação da cidade favoreceu a reprodução desse padrão massificado e a intensificação de todos os processos descritos ao longo deste trabalho, bem como outros

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fenômenos sociais e políticos, como por exemplo a escalada da violência urbana. A crise econômica em que nos encontramos, que acontece ao mesmo tempo em que deveriam culminar todos os anseios de cidade-global impostos nos últimos anos, nos levam a romper com esse paradigma. A produção em massa de unidades residenciais de um mesmo tipo gerou um grande estoque nas mãos das incorporadoras de grande porte, que não tem mais saída no mercado. Lógica básica do capitalismo, a grande oferta de um mesmo produto diante de baixa demanda, leva a queda dos preços, e no caso atual, prejuízos em grade escala para os principais players do mercado, evidenciando o colapso desse modelo de produção de habitação. A mudança nos modelos de família deve ser levada em conta, principalmente em vários aspectos relacionados à legislação, que muitas vezes impede a diminuição de compartimentações, a flexibilização de usos e até mesmo a redução do número de vagas de garagem. Cada vez mais as famílias estão diminuindo, e cresce o número de residências onde somente um dos pais é o chefe da família. Os jovens saem de casa mais tarde, e os casais tem filhos mais tarde, ou optam por não ter filhos. A tecnologia da informação permite que muitas pessoas trabalhem de casa, e a redução dos deslocamentos permite um uso maior de transportes de massa ou bicicletas, 76


desde que a moradia seja próxima dos eixos de transporte público. Muitas vezes por falta de opção, o próprio consumidor carioca desconhece as possibilidades de morar que atendam as novas demandas, e segue consumindo o padrão de “produção mais comum da cidade ruim de todos os dias”27. O reposicionamento da produção arquitetônica, em especial a residencial, se faz necessário e possível a partir da adoção de um novo modelo, mais compatível com a atual conjuntura econômica e social. A pretensão legítima de cidade-global deve se expressar também através do modo de vida do carioca, que já foi “tipo-exportação” e já teve na arquitetura sua representação, que inclusive foi referência nacional e mundial. Existe um nicho de mercado, ainda reprimido no Rio de Janeiro, que explora com sucesso e qualidade a venda de lifestyle, sem a superficialidade das campanhas de marketing. A própria incorporadora IdeaZarvos!, que foi pioneira nesse nicho em São Paulo, vê seu modelo sendo replicado de maneira bem sucedida pelo país. Afirma Sandra Angélico:

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AB’SÁBER, Tales. O patrimônio e o Teatro Oficina. Blog do Zé Celso. 27 Jan 2016. Acessado em 22 fev 2016. <https://blogdozecelso.wordpress.com/2016/01/27/aziz-absaber-o-patrimonio-e-oteatro-oficina/>

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“(...) você percebe que muita gente quer viver assim. Muita gente quer voltar às coisas mais simples, a ter menos, e ter um custo também menor de vida. A gente tem clientes que saem de casas grandes, com piscina, jardim, não querem mais. Por uma opção de qualidade de vida com mais tranquilidade, com uma infra reduzida. (...) Empreendimentos com lojas para fomentar novos usos, criar novos comércios, dentro do mesmo conceito de trabalhar, morar e consumir no mesmo local, não ter grandes deslocamentos. Não voltar a arquitetura para uma coisa individualizada, diferente dos condomínios parque, que você se volta para dentro. Fomentar o uso da cidade, com algumas particularidades de arquitetura mesmo, entradas sem fechamentos, com jardins. A arquitetura é desenhada junto com os escritórios e a intenção que há por trás na inserção naquele bairro, para fomentar mudanças, o convívio com a cidade, o resgate da cidade.”28

É possível atender ao mercado, adotando os conceitos do estilo de vida do carioca dos tempos atuais, com uma arquitetura de qualidade, que represente de fato a imagem que a cidade do Rio de Janeiro anseia.

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ANGÉLICO, Sandra. Entrevista 2. [Fev. 2016]. Entrevistador: Rafael Bastos. São Paulo, 2016. 20160203_103728.m4a (41 min.). A entrevista na íntegra encontra-se transcrita no Apêndice A desta monografia.

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6. Estudo de caso: Cenário Botafogo Para ilustrar o tema abordado até aqui, foi escolhido como estudo de caso o empreendimento Cenário Botafogo, lançado em maio de 2014 pela Mozak Engenharia. Três fatores principais, que englobam uma série de características, foram os principais para a escolha deste edifício como objeto de estudo: a localização, as respostas do projeto à legislação urbana, e as estratégias de mercado presentes no projeto. Localização: Botafogo é um tradicional bairro da zona sul carioca, muito conhecido pela sua enseada com vista para o Pão de Açúcar. Residência de nobres durante o império e de grandes magnatas no início da república, o bairro ainda conta com grandes casarões, vilas e ruas bucólicas, convivendo com os prédios residenciais, o comércio agitado de suas ruas principais, o grande tráfego de pessoas e veículos, muito intenso pela presença de vias de importante conexão entre áreas da cidade e de uma das mais importantes e movimentadas estações de toda a rede do metrô. A população residente é em sua maioria pertencente às classes média e média-alta. Nos últimos anos, o bairro sofreu uma transformação sem igual, principalmente na movimentação do comércio e da economia criativa. Muitas 80


ruas se tornaram um verdadeiro polo gastronômico, bares e restaurantes dos mais variados tipos abriram suas portas, atraindo uma clientela variada. As opções de cultura e lazer também se multiplicaram, com novos museus, centros culturais, ateliês, cinemas de rua e áreas livres. Ao mesmo tempo, o bairro não perdeu características tradicionais, como os clássicos pontos do comércio de rua, vias inteiramente residenciais com muitas casas e sobrados originais, e um clima de bairro, onde as pessoas ainda caminham na rua, se encontram, se conhecem pelo nome. “Tudo sem perder a vocação de subúrbio da Zona Sul, com seus meninos soltando pipa, o apontador de jogo do bicho na esquina, as padarias servindo média com pão e manteiga, os botequins com garçons de gravata, o vizinho organizando a coleta do lixo, os barbeiros ‘pela-gato’, as casas de vila, as amendoeiras, as oficinas mecânicas, os sapateiros, os armarinhos e o ‘homem do pão’ na bicicleta.” 29

Esse fenômeno levou a uma valorização dos imóveis em Botafogo. Mesmo ruas menores, anteriormente menos interessantes para o mercado, passaram a ser cobiçadas por empreendedores e compradores. Se os valores 29

LEMOS, Renato. Botafogo, o bairro que se renova. O GLOBO, Rio de Janeiro, 21 de setembro de 2014. Caderno Rio.

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dos últimos anos já se encontravam elevados devido aos grandes eventos que vão ocorrer na cidade, no bairro houve um aumento no preço dos imóveis em 20% só no ano de 2014. O próprio comércio de rua muito vivo, as novas opções de cultura e lazer, e até mesmo a proximidade com o Centro vem atraindo muitos novos moradores para o bairro, inclusive aqueles que fogem do trânsito de regiões como a Barra da Tijuca. Botafogo vem gerando também um apelo muito grande entre os jovens, que além das opções de diversão variadas que surgem a cada a dia, para todas as tribos, buscam também imóveis que possam atender às suas necessidades e características distintas, como o é caso de jovens artistas plásticos e músicos, estudantes em busca de repúblicas, solteiros e recémcasados. Além de todos esses aspectos, o empreendimento do estudo de caso está localizado em uma importante esquina, em uma das principais ruas de acesso ao bairro. Além disso, encontra-se a uma quadra da praia de Botafogo e da vista para o Pão de Açúcar, o mesmo quarteirão dos acessos à estação de metrô do bairro, e ao lado de um dos principais shoppings de toda região, o Botafogo Praia Shopping, uma localização privilegiada.

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Respostas à Legislação Urbana: Botafogo é um dos bairros onde a legislação urbanística é mais específica, pela presença de dois instrumentos reguladores específicos, o PEU (Projeto de Estruturação Urbana) e a APAC (Área de Proteção do Ambiente Cultural). Esse conjunto de normativas, juntamente com o Regulamento de Uso do Solo, definem os parâmetros possíveis de construção. Como veremos a seguir, o empreendimento do estudo de caso segue à risca, atingindo todos os limites possíveis, a legislação para o terreno. O projeto é quase que uma resposta literal aos parâmetros urbanísticos previstos em lei. Todas as medidas, afastamentos, projeções, áreas máximas, todos os limites possíveis foram atingidos ao máximo, lembrando mais uma vez o trabalho do render, conforme citação anterior de Rem Koolhaas em seu livro Nova York Delirante. O projeto é uma evidência do padrão que o mercado reproduz, favorecido pelos parâmetros urbanísticos da legislação da cidade. Estratégias de mercado: Também é interessante observar que as dinâmicas expostas ao longo do trabalho de convencimento do comprador através da sedução por meio de campanhas publicitárias e jogadas de marketing de vendem o conceito do empreendimento ao invés do projeto são

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claramente adotados no Cenário Botafogo. A começar pela tentativa de colar a imagem do produto à um grupo de arquitetos renomados. Apesar de o material de divulgação e algumas notícias na mídia mostrarem o nome do escritório franco-brasileiro Tryptique em destaque ao citar o Cenário Botafogo, o projeto é do arquiteto Flávio Basan, da F.Basan Arquitetura. Responsável por outros dois empreendimentos recentes da Mozak, F.Basan apresenta em sua página pessoal uma atuação focada em edificações residenciais de pequeno e médio porte, em especial no Jardim Oceânico (em 2013, foram 13 projetos no bairro). Segundo o memorial descritivo do projeto, o escritório Tryptique será responsável posteriormente pelo projeto de execução da fachada do empreendimento, ou outro escritório que a construtora resolva contratar, de acordo com sua vontade. O material de divulgação, além de explorar pouco as características do bairro ou das unidades, privilegia citar as áreas comuns do edifício e as possíveis visadas do Cristo Redentor.

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O empreendimento: Localizado na rua Muniz Barreto 701, esquina com a rua Alfredo Gomes, em Botafogo, o empreendimento é vizinho ao Botafogo Praia Shopping, e na mesma quadra da estação de metrô do bairro. Com 16 unidades, variando de 85m2 a 95m2, divididos em 4 pavimentos tipo com 4 apartamentos por andar, o projeto conta ainda com duas lojas no térreo, com área privativa no subsolo, com 73m2 e 107m2. As unidades são todas de 2 quartos, e cada uma conta com 1 vaga de garagem coberta, assim como cada loja. Além do térreo, 4 pavimentos tipo e do subsolo (área privativa das lojas, somente), o empreendimento tem um pavimento garagem e um PUC. Com um valor médio de R$ 13.292/m2, todas as unidades já foram vendidas. Atendendo a legislação para edificações sem afastamento das divisas, o projeto do Cenário Botafogo é uma resposta quase que literal a todos os parâmetros urbanísticos do terreno. O gabarito permitido é de 5 pavimentos, PUC e 1 pavimento garagem – e o empreendimento ocupa justamente essa proporção. Por essa imposição do gabarito, não foram projetados apartamentos de cobertura. A profundidade das varandas é de 2 metros, máximo permitido em lei para não computar na Área Total Edificada (ATE), e a varanda de seu maior apartamento, de 95m2, tem largura de 2,03 metros, para respeitar o afastamento lateral exigido de 1,5 metros.

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Pela implantação do edifício no terreno, três unidades são voltadas para a orientação norte e um (o apartamento de esquina, na coluna 01) voltado para a orientação oeste. Apesar de serem orientações que recebem grande incidência solar, principalmente na parte da tarde e no inverno, nenhum elemento arquitetônico ou similar foi projetado ou previsto para o controle dessa incidência. Da mesma forma, pela implantação escolhida, sem afastamento das divisas laterais, as unidades não possuem ventilação cruzada, e as duas unidades no centro do pavimento tipo (colunas 02 e 03) possuem somente aberturas para uma fachada. 87


O Pavimento de Uso Comum (PUC) é ocupado em cerca de 25% pelo apartamento do zelador, exigência da legislação para edifícios com mais de 8 unidades. Além disso, conta com salão de festas, spa, salão de jogos e playground. Todo perímetro do salão de festas voltado para as ruas é fechado com guarda-corpo. A área é quase que totalmente coberta, exceto um pequeno trecho nos fundos do terreno, onde um pequeno apêndice sem projeção dos andares superiores cria uma área descoberta, ocupada por parte do spa.

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As 18 vagas de garagem do projeto estão divididas entre o térreo e o pavimento garagem, na proporção de 10 e 8, respectivamente. Dessas, 8 são vagas presas por mais 1 ou 2 veículos. Mais da metade do pavimento térreo é ocupado pelas vagas de garagem. Também no térreo, se encontram as duas lojas, a rampa de acesso ao pavimento garagem, o depósito temporário de lixo (DTL) e a portaria do edifício (onde também ficam os medidores). Todas as unidades são anunciadas com duas opções de modificação na planta. A opção suíte ampliada consiste na aglutinação dos dois quartos do apartamento, e na opção cozinha gourmet a parede que divide a cozinha da sala de estar (ou da circulação, na coluna 04) é entregue em meia parede com bancada. Existe também a possibilidade de a unidade receber as duas opções de modificação. Essas são as únicas flexibilidades oferecidas nas unidades.

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6.1.

Experimentação Prática

A intenção da realização de uma experimentação prática é estudar a viabilidade de um projeto no Rio de Janeiro, utilizando as mesmas bases de um lançamento real, porém adotando parâmetros projetuais e qualitativos diferentes do mercado, como abordados ao longo deste trabalho. Se em outras cidades do Brasil e na América Latina novos empreendimentos que rejeitam o padrão adotado pelo mercado imobiliário tradicional e a busca por alcançar índices numéricos de aproveitamento total e lucro maximizado até o limite do possível, mas com uma aposta em qualidade arquitetônica e bem-estar do usuário, tem sido bem-sucedidos, esta experimentação tenta demonstrar que na cidade do Rio essa dinâmica também se faz possível. Alcançar os mesmos índices alcançados pelo projeto lançado pelo marcado não é, no entanto, o objetivo desta proposta. Apesar de atingir um aproveitamento máximo dos limites permitidos, o que teoricamente permite obter o máximo lucro possível, o projeto apresentado no estudo de caso sacrifica elementos essenciais e perde qualidade em diversos aspectos, além de responder somente às lógicas mercadológicas, descolado de um discurso maior que envolta um projeto de cidade. Não é intenção desde trabalho, portanto, apresentar um estudo que replique esta dinâmica. A viabilidade técnica e econômica do projeto proposto se dá não pelo alcance me índices 90


semelhantes ao de mercado, mas justamente pelo valor da diferença e de diversos práticas possíveis apresentadas no trabalho, e aqui agora aplicadas. A experimentação: O projeto proposto como alternativa ao apresentado anteriormente segue alguns parâmetros arquitetônicos e de composição pré-definidos. Em primeiro lugar, a decisão afastar a edificação das dividas laterais, pois assim as unidades têm possibilidade de ventilação cruzada. A área do terreno é de 494 m2, e o Índice de Aproveitamento do Terreno (IAT) é de 3,5. Dessa forma, a ATE para o empreendimento é de 1729 m2. A projeção da lâmina de apartamentos sobre os limites do terreno deve respeitar os afastamentos frontais de 3 metros e laterais de 2,5 metros. Para edificações afastadas das divisas, o gabarito permitido é de 11 pavimentos, PUC e edifício garagem. No entanto, a legislação define que, para cada pavimento acima do delimitado para edificações não afastadas das divisas (no caso, 5 pavimentos), deverá ser adicionado mais 1 metro aos afastamentos frontais. A decisão de projeto foi de edificar um pavimento a mais, portanto, respeitando a regra do afastamento frontal extra de 1 metro. Dessa forma, a lâmina ficou circunscrita em um retângulo de 26 metros x 7 metros.

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O embasamento é colado nas divisas e nos afastamentos frontais, exceto na rua Alfredo Gomes, onde a presença de duas lojas no térreo é condicionante para que se atenda o afastamento, de acordo com a legislação. O pavimento térreo tem sua maior parte totalmente permeável e com pédireito duplo, exceto onde há projeção do PUC. A estrutura do edifício foi lançada nas extremidades da lâmina, e repetida em vãos de 5 metros, exceto no core, onde por razão da circulação vertical e da escada enclausurada, o vão é de 6 metros. Cada andar foi projetado com duas unidades de 70 m2, totalizando 10 unidades. A planta é totalmente livre, podendo a configuração interna variar de acordo com as necessidades dos usuários. Isso é possível pela adoção da descentralização das instalações, com pontos de água e esgoto em todos os pilares da estrutura. A principal vantagem da escolha de projetar unidades com planta totalmente livre é a flexibilidade para o usuário final. Cada morador pode optar por dividir o apartamento de acordo com as suas necessidades. A estrutura comporta desde compartimentações mais tradicionais até tipologias tipo loft, quase sem divisões. Essa decisão também facilita a reconfiguração dos espaços, acompanhando a mudança na vida dos usuários ou diferentes moradores ao longo do tempo. Nenhum projeto foi lançado no Rio de Janeiro

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nos últimos 5 anos levantados em pesquisa para este trabalho com uma configuração de planta livre nas unidades. Os apartamentos possuem varandas voltadas para a rua Alfredo Gomes, ao longo de todo o comprimento da unidade (10 metros), com 2 metros de profundidade, ainda dentro dos limites previstos em lei para que não contabilize na ATE. As varandas também auxiliam na proteção do apartamento nos períodos de maior incidência solar. As fachadas leste e oeste (esta, voltada para a rua Muniz Barreto) possuem sacada de 80 centímetros de profundidade, destinadas a receber aparelhos de ar condicionado e, na fachada oeste, brises móveis para proteção solar.

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As unidades do primeiro pavimento possuem área descoberta, configurando apartamentos tipo casa. Essas unidades, apesar do seu custo básico de construção quase idêntico ao das demais, permitem um valor de venda semelhante ao de apartamentos de cobertura, sendo assim muito vantajosos para o empreendimento. O pavimento de uso comum (PUC) teve seu programa enxugado, em relação aos habitualmente adotados nos empreendimentos residenciais. O apartamento do zelador se configura como um bloco solto na fachada voltada para a rua Muniz Barreto. Por meio de passarelas metálicas suspensas, o acesso ao apartamento do zelador se conecta ao núcleo de circulação vertical (elevadores e escada enclausurada), culminando na outra extremidade em uma grande área de uso comum e polivalente, que ocupa toda parte superior de onde se encontram as lojas no andar térreo. O pavimento garagem foi projetado para ocupar o subsolo. Outra diretriz de projeto adotada foi a de contar comente com vagas soltas. No subsolo, também se encontram o DTL, os medidores, acesso aos reservatórios inferiores e bicicletário.

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Rua Muniz Barreto omes Rua Alfredo G

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A área livre criada no térreo é um gesto de aproximação da cidade. Sem muros para delimitar o espaço do terreno, os espaços abertos e jardins são totalmente acessíveis pela população, além de criar um espaço atrativo para os próprios moradores do edifício. A presença das lojas também favorece a circulação de pessoas e o dinamismo urbano, principalmente pela localização mais próxima ao centro comercial vizinho, criando uma conexão e atraindo o fluxo de pessoas, principalmente no eixo entre o shopping e o metrô do bairro. No apartamento do zelador, a face da fachada oeste permite a instalação de um painel de azulejos, bem como o espaço entre as duas prumadas de elevadores. O próprio fechamento dessas prumadas é em material translúcido, que permite ao observador no nível a rua enxergar a silhueta da movimentação das cabines, evidenciando a vida presente na edificação. A exemplo do fideicomiso argentino, abordado anteriormente, dois mecanismos legais podem ser adotados para viabilizar um projeto como o apresentado. A grande descapitalização necessária para o investimento de compra de um terreno por parte do incorporador pode ser evitada por meio da permuta, onde o dono do terreno troca o seu bem por uma quantidade de unidades na edificação a ser construída equivalente ao valor do terreno.

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O outro mecanismo é a adoção da afetação patrimonial na incorporação imobiliária. Instituído pela Lei 10.931/2014, o patrimônio de afetação é, na prática, uma blindagem financeira para um empreendimento imobiliário, dando segurança aos adquirentes de unidades autônomas. A empresa responsável pela incorporação (seja ela uma incorporadora, uma construtora ou uma empresa de arquitetura) fica obrigada a separar toda a gestão financeira do empreendimento e da sua empresa. A verba angariada entre os compradores, descontado aí o lucro do incorporador, são destinados somente à construção daquela obra, não podendo ser empregados pelo incorporador em nenhum outro destino. Da mesma forma, em caso de problemas com dívidas, problemas de ordem tributária, trabalhista ou até mesmo a falência do incorporador, não acarretam a dissolução do empreendimento sob regime de patrimônio de afetação. A lei exige que seja criada, desde o início da obra, uma comissão de representantes dos compradores, que em assembleias regulares vão fiscalizar o andamento dos trabalhos, a contabilidade do empreendimento, e a garantia de que todas as verbas angariadas para a construção tenham sua devida destinação. Essa mesma comissão, em caso de falência do incorporador/construtor, tem pleno poder de dar continuidade à obra, contratando outro construtor ou quaisquer trabalhos que sejam necessários 105


com objetivo único de entregar a todos os compradores as unidades adquiridas em planta. A segurança jurídica e institucional que esse instrumento legal dá aos compradores é um grande diferencial em uma incorporação imobiliária. Seu uso, no entanto, é facultativo ao incorporador. A adoção dessas práticas por arquitetos, com o objetivo de empreenderem e viabilizarem seus projetos, facilitam a competição com o poder econômico das grandes incorporadoras. É um equívoco comum imaginar que é necessário um grande capital inicial para investir totalmente do próprio bolso na construção de uma edificação. Segundo o engenheiro Jamil Rahme, “a incorporação imobiliária contemporânea é um ajuntamento de parceiros” (informação verbal) 30. Todos os envolvidos podem dividir os riscos e custos da incorporação, inclusive os prestadores de serviço e os compradores. O lucro obtido é mais pulverizado, uma vez que a partilha dos riscos também implica na partilha dos ganhos. Mas essa oportunidade se configura como uma alternativa real para arquitetos empreendedores aplicarem no mercado uma nova prática, viabilizando as experimentações projetuais, possibilitando ganhos maiores, e ajudando a construir uma nova visão de cidade.

30

Curso Incorporação de Edifícios. Engº Jamil Rahme. Rio de Janeiro, março de 2015.

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7. Conclusão O Rio de Janeiro e o Brasil vivem hoje momentos difíceis. Passado o clima de otimismo econômico, maximizado pela realização de grandes eventos como a Copa do Mundo e dos Jogos Olímpicos no país, a recessão e o desemprego afetaram duramente todos os setores, principalmente o mercado imobiliário. As vendas despencaram, e os preços, que só cresciam nos últimos anos, levantando até a hipótese de uma possível bolha imobiliária do país, há muito já estagnaram e agora começam a cair. Para o Sindicato da Habitação de São Paulo (Secovi-SP), a perspectiva é de queda de 10% nas vendas em relação a 2014, que já era considerado um ano ruim. Dados do início do ano indicam uma redução de 77% nas vendas em janeiro, em relação a dezembro passado. 31 No Rio de Janeiro, o bairro de Botafogo, que em 2014 foi responsável por 192 unidades residenciais lançadas, totalizando mais de 22.000 m2, não computou nenhum lançamento no primeiro semestre de 2015, segundo dados da Associação dos Dirigentes do Mercado Imobiliário (Ademi-RJ)32. Além das demissões em massa para enxugar os custos nas 31

BERTÃO, Naiara Infante. A crise chegou ao mercado imobiliário. É hora de comprar? Revista VEJA, São Paulo, 29 de março de 2015. Economia. 32 PESQUISA ADEMI 2010-2015. Rio de Janeiro: Associação de Dirigentes de Empresas do Mercado Imobiliário, 2015.

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folhas de pagamento, as grandes construtoras e incorporadoras estão realizando feirões de vendas e oferecendo as unidades estagnadas com grandes descontos. A situação é boa, no entanto, para os compradores, visto que os preços estão mais convidativos, principalmente em cidades como Rio e São Paulo onde a alta dos preços devido a euforia do mercado atingiu valores altíssimos no pico do boom imobiliário. O comprador também ganhou mais poder de decisão e barganha na hora de fechar um negócio, o que deve pressionar ainda mais incorporadores e corretores por produtos de maior qualidade e valor agregado, e não mais a massificação de vendas e produtos similares espalhados pela cidade Existe um nicho de mercado que pode ser amplamente explorado, para atender esse consumidor mais criterioso durante o momento de crise. A produção de edificações que tenham como diferencial uma qualidade reconhecida tem potencial para lucrar alto num cenário onde os demais players do mercado acumulam quedas em vendas e dívidas. Enquanto em outras cidades do país, como São Paulo, Porto Alegre e Belo Horizonte, os empreendedores já enxergaram essa possibilidade, no Rio de Janeiro o conservadorismo ainda persiste, e se mostra ainda mais resistente diante das dificuldades econômicas da atual conjuntura. 108


A adoção de novos posicionamentos projetuais e estratégicos deve emergir da convergência de ideias entre os incorporadores e arquitetos. Ações voltadas para a sustentabilidade e eco-eficiência não podem mais ser considerados itens opcionais ou supérfluos, mas sim básicos. As possibilidades de implantação levando em consideração os aspectos ambientais devem guiar o desenvolvimento dos projetos desde sua concepção, principalmente questões mais simples como orientação em relação ao sol e aos ventos, permitindo uma maior eficiência energética. A flexibilização de fato das plantas das unidades, além de baratear o custo da obra em vários aspectos relacionado aos acabamentos, cria inúmeras oportunidades para os compradores e usuários formatarem seus lares da maneira que lhes convém, e adaptá-los as necessidades e mudanças ao longo dos anos. E o fortalecimento da relação das edificações com a sua inserção da cidade tem todo o potencial de favorecer as relações urbanas e valorizar a vivência nos bairros e comunidades. A adesão dessas práticas por parte de todos os agentes envolvidos num empreendimento pode ser o grande ponto de inflexão para uma mudança estrutural na produção arquitetônica carioca. O estilo de vida das pessoas deve ser o principal fator levado em consideração ao elaborar o conceito de um novo empreendimento.

109


Todo o potencial para aprimoramento da produção arquitetônica do mercado atual deve ser aproveitado necessariamente pelas mãos dos arquitetos, visto que em sua maioria são artifícios de projeto, baseados em visões conjunturais e da dinâmica projetual, com os quais o arquiteto já está familiarizado. A arquitetura tem papel de protagonista nesse potencial de mudança de paradigmas do mercado imobiliário. Cada vez mais, o trabalho deve ser conjunto e afinado com os incorporadores e corretores, ou até mesmo de

iniciativa

de

arquitetos,

compreendendo

a

dinâmica

de

um

empreendimento em toda sua complexidade, e assumindo a responsabilidade pela concepção e implementação de uma incorporação. O arquiteto urbanista é o profissional capaz de entender todas as relações que uma edificação exerce com o usuário, com a comunidade, com o entorno imediato de onde está inserido e com a cidade. É papel do arquiteto atuar como arauto dessas transformações, buscando uma cidade ainda mais profícua, democrática e fraterna.

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8. Bibliografia Livros: JACOBS, Jane. Morte e vida das grandes cidades. Tradução de Carlos S. Mendes Rosa. 3a ed. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2011. KOOLHAAS, Rem. Nova York delirante: um manifesto retroativo para Manhattan. Tradução de Denise Bottmann. São Paulo: Editora Cosac Naify, 2008. KOOLHAAS, Rem. S, M, L, XL. Nova York: Monacelli Press. 1995. LASSANCE, Guilherme. Rio Metropolitano: Guia para uma arquitetura. Rio de Janeiro: Ed. Rio Books, 2012. PEREIRA, Caio Mário da Silva. Condomínio e Incorporações. 10a ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998. SHLUGER, Ephim (Org.) Cidades em transformação: Rio de Janeiro, Buenos Aires, Cidade do Cabo, Nova York, Londres, Havana. Org. 111


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com planta livre e flexível” Junho 2011. AU. Acessado em 20 fev 2016. <http://au.pini.com.br/arquitetura-urbanismo/207/artigo219600-1.aspx> "Estúdios Capelinha / Arquitetos Associados" 19 Jan 2015. ArchDaily Brasil. Acessado 30 Set 2015. <http://www.archdaily.com.br/br/760583/estudios-capelinha-arquitetosassociados> Filmes: Medianeras. Dirigido por Gustavo Taretto. Argentina, Espanha e Alemanha: Eddie Saeta S.A., 2011. Filme.

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9. Créditos das imagens Epígrafe: Captura de frame do filme Medianeras. Acessado 22 fev 2016. <http://images.adsttc.com/media/images/50eb/3548/b3fc/4b25/d500/0082/la rge_jpg/MEDIANERAS1.jpg?1357591880> Página 7: Praia da Barra da Tijuca. Acessado em 8 jul 2008. <http://www.skyscrapercity.com/showthread.php?t=473020> Página 23: Condimínio Península e vista da Barra da Tijuca. Acessado 24 fev 2016. <http://imovelvip.com.br/blog/wp-content/uploads/2014/05/barra-ti.jpg> Página 31: Praça Mauá e o Museu do Amanhã. Acessado em 22 fev 2016. <http://blogosfera-panrotas.s3.amazonaws.com/direto-do-rio/wpcontent/uploads/2015/09/foto-10.jpg> Páginas 38-40: Edifício Simpatia. Croqui e plantas: gruposp. Fotos: Nelson Kon. Acessado 30 Set 2015.

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<http://www.archdaily.com.br/98/edificio-habitacional-na-rua-simpatiagruposp> Páginas 44-46: Estúdios Capelinha. Plantas: Arquitetos Associados. Fotos: Leonardo Finotti. Acessado 30 Set 2015. <http://www.archdaily.com.br/br/760583/estudios-capelinha-arquitetosassociados> Páginas 50-52: Edifício Amélia Teles. Plantas: Smart!. Fotos: André Cavalheiro. Acessado 21 Fev 2016. <http://www.archdaily.com.br/37575/edificio-amelia-teles-315-smart> Páginas 57-62: Edifício Once. Plantas: Adamo-Faiden. Fotos: Cristobal Palma. ARQ: Ciudad y negocio = City business. Ed. 79. Ediciones ARQ. Escuela de Arquitectura, Pontificia Universidad Católica de Chile. Santiago do Chile, 2011. Página 79: Parque Guile e vista do Rio de Janeiro. Foto: Nelson Kon. <http://adbr001cdn.archdaily.net/wpcontent/uploads/2011/12/1323964939_nelson_kon_1.jpg> 121


Páginas 85, 87 e 88: Perspectiva ilustrada da fachada, planta baixa do pavimento tipo e planta baixa do PUC, do Cenário Botafogo. Mozak Engenharia. Divulgação. Acessado em 23 de novembro de 2015. < http://www.mozak.com.br/lancamentos/hotsite/cenario/> Páginas 92, 94, 96-106: Diagramas, plantas, cortes e fachadas da experimentação prática (edifício Muniz Barreto 701). Criação do autor.

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Apêndice A Entrevista com a arquiteta Sandra Angélico, da equipe de vendas da incorporadora IdeaZarvos!. Entrevistador: Rafael Bastos. São Paulo, fevereiro de 2016. -Qual é a motivação da IdeaZarvos! de apostar numa arquitetura diferenciada? Como foi esse processo? Existia antes a Zarvos Engenharia. O Otávio (Zarvos, fundador da incorporadora), junto com o irmão, já fazia projetos na Vila Madalena, mas com uma produção ainda um tanto tradicional, com alguns diferenciais arquitetônicos, mas ainda sem a arquitetura autoral. Fachadas diferenciadas, varandas maiores. Quando fecharam a empresa há dez anos, devido a saída do irmão, Otávio achou que valia a pena assumir o risco de investir em projetos diferenciados e uma arquitetura autoral, algo que não era muito explorado ainda, para atender o nicho que gosta de arquitetura, mas não tinha muitas opções. Prestando atenção no feedback dos clientes, na visão de mercado.

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-Por que a Vila Madalena? O Otávio vislumbrava como um lugar que poderia se desenvolver, um bairro boêmio, com muitos estudantes e produção artística. (Estúdio do Carlos Motta, arquiteto). Bairro receptivo à arquitetura, arte. Foi uma aposta no bairro, sentir que ali era o local, sentir uma demanda por parte dos clientes. Assim iniciou o Movimento Um, com pequenos prédios, no máximo três por ano. Depois disso o Otávio criou a IdeaZarvos!. Formatou o produto dentro desse nicho, dentro da região. Agora tem um sócio arquiteto, Luiz Felipe, mas a arquitetura está no DNA da empresa desde o início. Tudo vem da visão do Otávio, de acreditar numa coisa que ele gostava de fazer. -A atuação expandiu um pouco para além da Vila Madalena, e de certa forma os empreendimentos mudaram um pouco (no início havia uma aposta em empreendimentos menores, com planta livre). Hoje não existe mais tanto essa aposta na experimentação. As famílias cresceram. A IdeaZarvos! começou com projetos para pessoas solteiras, sem filhos. Essa família cresceu, essas pessoas casaram, tem filhos, ou estão pensando em engravidar. Então os projetos foram se adequando à demanda do mercado. O mesmo público-alvo que atendíamos

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antes, agora estamos acompanhando o desenvolvimento desse público ao longo do tempo. Quando iniciou o movimento na Vila Madalena, houve uma valorização muito grande no bairro. Comprar um terreno hoje é muito mais caro, a conta já não fecha muito. Existe também a vontade de expandir o conceito para outros bairros, criar novas centralidades que fomentem essa mudança. Sair da Vila por uma questão de valor e para plantar sementes em outros lugares com potencial, fomentar mudanças nos outros bairros. Empreendimentos com lojas para fomentar novos usos, criar novos comércios, dentro do mesmo conceito de trabalhar, morar e consumir no mesmo local, não ter grandes deslocamentos. Não voltar a arquitetura para uma coisa individualizada, diferente dos condomínios parque, que você se volta para dentro. Fomentar o uso da cidade, com algumas particularidades de arquitetura mesmo, entradas sem fechamentos, com jardins. A arquitetura é desenhada junto com os escritórios e a intenção que há por trás na inserção naquele bairro, para fomentar mudanças, o convívio com a cidade, o resgate da cidade.

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Projetos mudam de acordo com a necessidade, apartamentos maiores, para atender quem já tem filhos, casais que se separaram e precisa de quarto para receber os filhos nos finais de semana. De acordo com necessidade, demanda, terreno que consegue comprar, seguindo a linha. A mudança aconteceu, mas é natural. A planta ainda é livre, no sentido que, quando ainda está na fase de pré obra ou lançamento, apresentam uma série de possibilidades de flexibilização da planta. O edifício Oito tem toda a estrutura por fora, se o comprador quisesse mudar toda a configuração interna, ele tinha essa possibilidade, ficando restrito só a um shaft de circulação interna. A flexibilidade ainda existe, num momento pré obra. -A mudança na tipologia acabou afetando o valor dos imóveis também. Afeta por uma questão de metro quadrado, pois as unidades são maiores. Mas também por uma questão de mercado, os valores estão mais altos. O que afeta também é a compra do terreno, os valores que a incorporadora tem conseguido comprar os terrenos.

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-Em questão de aprovação dos projetos, vocês têm uma dificuldade maior? Tem uma dificuldade maior por uma questão de que sai da caixinha, demora um pouco mais, por que você sai daquela produção padrão. O hallzinho fechado com os acessos aos apartamentos, nós temos muitas plantas que não tem. O projeto do Triptyque (Pop XYZ), cada unidade é como se tivessem explodido a planta. Você tem o shaft de elevadores e escadas, e passarelas que ligam às unidades, as unidades são soltas. Está tudo dentro do que a Prefeitura pede, os recuos, as circulações, mas o tempo de análise de um técnico para ver o que realmente está dentro ou o que precisa ser alterado para que fique de acordo, é um pouco maior. -Isso não gera nenhum entrave? Só um pouco mais de tempo, ou alguma alteração. O prédio do Isay (Weinfeld), o 360, tem um caso assim. Quando ele concebeu o projeto, a ideia era que fossem casas empilhadas, apartamentos com cara de casa. Então ele valorizou muito a parte social do apartamento, e todos eles têm uma grande varanda, como se fosse um quintal. Então a ideia dele é que a pessoa entrasse como antigamente, entrasse pelo quintal e do quintal acessasse a casa. Então ele fez um acesso, onde saindo do hall do elevador, abrindo a porta do seu 127


apartamento você tinha acesso a essa grande varanda. E dessa grande varanda para a sala, e daí para o restante do apartamento. A Prefeitura não aprovou. Por que pela norma, bombeiros, uma série de coisas, deveria ter um acesso direto dessa área do apartamento para o hall de entrada. Ok, ele fez. Era uma parede, você entrada por esse quintal, e ele abriu uma porta. Ficou de acordo? Ficou. Agora, o que a maioria das pessoas acaba fazendo é voltando ao projeto original, elas fecham com dry-wall, por opção delas, por que realmente elas compraram o conceito, era uma coisa que elas gostaram, acreditaram, queriam aquilo, essa sensação de retomada do quintal, da casa. Então tem alguns pequenos ajustes que a gente faz, para que fique tudo de acordo, aprovado, enfim, mas que teoricamente não impede uma aprovação. -Vocês mesmos fazem essa aprovação, tem uma equipe? Sim, tem uma arquiteta que é só responsável por essa parte de aprovação, ela que faz todo esse acompanhamento, Prefeitura, e o próprio Otávio participa muito dessa parte também.

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-A equipe de vocês é bem enxuta. É bem enxuta, acho que temos hoje entre 35 e 40 pessoas. A gente terceiriza o projeto de arquitetura, são os escritórios, e a construção, que também não é feita por nós, temos construtoras que trabalham em parceria. E aí, na verdade, a empresa cuida mais dessa parte de compatibilização, de adequação e do acompanhamento do projeto desde o início. -Vocês têm muitos arquitetos trabalhando aqui dentro? Temos duas arquitetas fixas, mas temos mais engenheiros. O gestor que é responsável pelo departamento de arquitetura e engenharia é um engenheiro. Então tenho hoje cerca de uns três engenheiros, umas duas arquitetas. Aí tem o departamento de marketing, financeiro e administrativo. -Marketing vocês terceirizam? Contratam agência? A gente contrata agência, mas tem aqui uma área que faz toda a programação e o alinhamento do que vai ser a campanha, até por que as campanhas são diferentes, o modo de atingir o público é diferente, então tem um núcleo pequeno que vai gerenciando isso. E tem a área de vendas também, por que a gente faz a venda só do produto IdeaZarvos!. 129


-Mas vocês terceirizam vendas também? Lançamentos a gente faz parceria com outras imobiliárias, mas a gente continua com uma house interna aqui, que cuida só dos produtos IdeaZarvos!. -De uma maneira geral, o movimento que vocês fizeram acabou ativando esse nicho no mercado em São Paulo como um todo. Hoje já se vê outras incorporadoras seguindo a mesma linha, fazendo o que eles chamam de empreendimentos especiais, e de certa forma isso acabou contaminando outras cidades também. Em Porto Alegre a gente vê alguns investimentos nesse sentido, em Belo Horizonte também, e no Rio de Janeiro não tem nenhum. Vocês têm alguma visão em relação a esse mercado no Rio de Janeiro, o que acontece para não existir nenhum movimento nesse sentido? Na verdade, é uma questão que eu não sei muito. E acompanhei um pouco de Porto Alegre, que tem a Smart!, uma incorporadora que tem esses projetos. Eu acho que é uma questão de introdução, na verdade. Por que público sempre tem. O Rio de Janeiro tem uma questão muito particular. Uma Barra da Tijuca acontece daquele jeito por que? As pessoas querem ou por que 130


ninguém propôs uma coisa diferente? Aqui a gente também tem o movimento dos neoclássicos, as pessoas que gostam desse tipo de apartamento, eu acho que tem espaço para todo mundo, tem espaço para produção. Tem espaço e tem público para desenvolver tudo. As vezes eu vejo uma Barra e penso, será que os cariocas queriam mesmo, que é uma demanda do público, ou será que se eu fizesse uma coisa diferente não iria vingar? Acho que de repente é uma questão de o primeiro arriscar. Fazer uma pesquisa e entender um pouco melhor como é o público daquela cidade. -Esse movimento que vocês iniciaram aqui já tem 10 anos, já começou em outras capitais inclusive menores, que tem menos importância no cenário nacional para o mercado imobiliário, e no Rio de Janeiro que é uma cidade em evidência essa produção não se mostra compatível com a imagem que a cidade tenta passar. Tem uma questão também que é valor, nessa história. A gente trabalha com um público que é pequeno, a gente sabe que o valor de metro quadrado no Rio é bem alto. Então tem que ver isso também. A gente trabalha com um gabarito de oito pavimentos, com poucas unidades. Então tem uma questão também de conta mercadológica de volume versus a venda que essas pessoas precisam. Fechar o valor do metro quadrado do Rio de Janeiro para um 131


volume x de unidades, isso fecha a conta? Talvez a visão ainda esteja só muito nessa produção para venda em grande escala. Acho que de repente a saída é arriscar, começar aí um movimento. Por que público tem, a questão é a conta fechar. É um volume muito grande de mesma coisa. O seu prédio como é igual a outros 50 que estão sendo lançados, você acaba perdendo um pouco poder de competição. Ou você tem uma localização um pouco melhor do que seu vizinho, ou você tem um preço um pouco melhor que seu vizinho, ou uma planta um pouco melhor que a dele. Fica nesses três vieses. Por que o resto, você fica muito ali. Aqui é muito diferente, comparar uma planta nossa, um projeto nosso, com um projeto do mercado, a distância fica maior. Isso também traz para gente um bom benefício na venda. Eu já estou falando de um outro modo de morar. De como a pessoa quer morar e como ela quer usufruir. -Como você define essa visão do modo de morar? Vocês indicam um lifestyle, existe um modo de morar que vocês propagam. Que a gente acredita. Todo projeto, qualquer projeto, não só de arquitetura, seja um livro, seja qualquer coisa, se uma pessoa se envolve, é algo que ela acredita. Se ela se propõe a trabalhar naquilo, e apresentar aquilo, 132


é uma coisa que ela acredita. A história da Ideazarvos! foi dentro desse viés também. Esse lifestyle que você comenta é o que o Otávio acreditava. Vou falar novamente desses condomínios parque, de não centralizar, não voltar o viver para dentro, não criar uma ilha, um movimento contra isso, de viver todo mundo dentro daquele condomínio, só com aquelas pessoas, e virar as costas para a cidade. Esses condomínios fazem grandes muros que fecham um quarteirão inteiro, onde tudo está voltado para dentro, e você vira as costas para cidade. Então, é esse movimento de resgate de coisas simples. Se você tem um prédio em frente à pracinha, por que você precisa ter uma pracinha dentro do seu prédio, se é só atravessar a rua e usar a pracinha? A Vila (Madalena) permite muito isso também, tem essa aposta nesse bairro, que é essa. São as casinhas, a pracinha, a padaria na esquina, a farmácia. Voltar a arquitetura para a cidade. Para que eu vou construir se tem ali fora a mesma coisa? É só criar uma integração agradável entre meu prédio e aquela pracinha que vai ficar tudo bem, as pessoas vão se sentir seguras para usar. E aí você percebe que muita gente quer viver assim. Muita gente quer voltar às coisas mais simples, a ter menos, e ter um custo também menor de vida. A gente tem clientes que saem de casas grandes, com piscina, jardim, não querem mais. Por uma opção de qualidade de vida com mais tranquilidade, com uma infra reduzida. Acho que é isso. 133


-O novo Plano Diretor de São Paulo mudou muita coisa na legislação. Isso tem sido um desafio para vocês, para adequar ao tipo de empreendimentos

que

vocês

fazem?

Ou

na

verdade

acabou

beneficiando? Mais ou menos, depende de alguns pontos na verdade. A gente há 10 anos já produzia o que hoje o plano diretor pede, que é o térreo ativo. Nos nossos prédios, a maioria já tinha a questão do uso de lojas para que as pessoas consumissem, voltadas para a rua, a questão de criar um bulevar. Alguns desses pontos não nos afetaram, por que a gente já seguia. O gabarito de oito metros já tinha dentro do nosso modelo, já estávamos alinhados com isso. Mudam algumas questões, como número de vagas, isso impacta um pouco no tipo de produto que você vai oferecer, se você vai colocar esse produto perto ou não de metrô para facilitar a questão de acesso das pessoas. Mas no geral, impactou muito pouco no desenho arquitetônico. Térreo ativo, grandes recuos, gabarito baixo, já eram coisas que a gente aplicava. Mas lógico que a gente tem que ficar mais atento em qual terreno estamos comprando, o que pode ser feito, para ver se a gente ainda consegue adequar para atender.

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-De maneira geral a legislação no Rio é muito restritiva em vários aspectos, o que acaba engessando muito novas possibilidades. Talvez esse seja um motivo de não sair do padrão, de continuar produzindo as mesmas coisas. Não é um viés só que determina, são várias nuances. Pode ser isso, pode ser falta do investidor certo que acredite nisso para propor, esbarrar na questão da legislação. -Como tem sido esse movimento todo na crise, como isso tem afetado vocês? Os lançamentos, prospecções de mercado, vendas, isso tem afetado diretamente? Sim, afetar afeta por que é o marcado. Afeta o cliente, as pessoas, afeta o que ele vai investir, consumir ou não. Dólar, euro, afeta sua decisão de viagem, afeta tudo. A gente com um todo também tem um respingo dessa história. O que fica um pouco distante ainda dessa crise do mercado é que a gente trabalha com poucas unidades, um público bem restrito, então a gente não sofre tanto quanto as grandes incorporadoras que geram um volume muito grande de imóveis. Um volume muito grande de coisas iguais. Então como vender o estoque? A gente aqui não trabalha com estoque, quando entregamos o edifício já não tem mais apartamento à venda. Acho que impacta nesse sentido muito mais as grandes incorporadoras por que eles têm 135


o mesmo que todo mundo, e como fazer para vender isso? Quando começa a trabalhar com estoque, se torna mesmo um problema, precisam baixar preço para vender aquilo, para poder incorporar o outro, são muitos empreendimentos simultâneos com muitas unidades, precisam ter essa fluidez, não podem ficar com esse estoque nas obras prontas. A gente sofre, mas não ainda como a maioria das grandes incorporadoras. O mercado está desse jeito, a gente tem x projetos para aprovar, então vamos mais devagar, vamos primeiro lançar um e segura um pouco o outro, para sentir como o mercado vai absorver, são estratégias internas. É uma questão de não sair atropelando e não botar tudo no mercado de uma vez só, por que você sabe que não vai ter saída. A gente dança conforme a música, vai lançando, vai sentindo, vai vendo demanda. A gente ainda está em processo de comprar novos terrenos, tem projetos em desenvolvimento para aprovação, mas vamos indo de acordo com o ritmo do mercado. Não adianta entregar várias unidades do mesmo padrão, se não vai ter dificuldade para vender.

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-A escolha dos arquitetos aqui é por convite? Sim, aí depende do projeto, mais ou menos a cara de cada arquiteto, o que ele gosta de fazer. Cada produto tem um pouco a cara daquele arquiteto, então é feita essa escolha, o convite, e vai sendo desenvolvido junto. -Vocês têm um trabalho bem próximo no desenvolvimento do produto. Sim, desde o início, bem próximo. Desde as definições de fachada, de volume, de planta, isso é trabalhado dede o início. O programa é feito em conjunto, e durante todo o processo isso é uma troca. Os depoimentos que a gente tem dos arquitetos que fazem os nossos projetos são sempre muito positivos, por que eles acham na IdeaZarvos! o espaço onde eles podem usar a criatividade, ainda dentro das limitações do mercado e da Prefeitura, mas eles acham um espaço onde conseguem trabalhar, não é restritivo. Você consegue uma flexibilidade, até chegar num produto que fica bacana para todo mundo. O arquiteto tem que vender o projeto dele, seja uma casa, ou um prédio. Então as mesmas dificuldades e restrições que ele vai ter fazendo uma casa para um cliente, ele vai ter fazendo um prédio, lógico que em outra escala. No caso, tem as necessidades do cliente, ele quer um espaço para adega, ele tem x cachorros, ele tem um filho, não tem filho, separado, não é, 137


tem que adequar o programa ao cliente. Aqui é a mesma coisa, o programa à necessidade do mercado, que a incorporadora põe. Aqui a gente vai atender família de tanto a tanto, mais ou menos esse valor. -Vocês fazem muita pesquisa de mercado? A gente tem uma pessoa aqui que faz pesquisa de lançamentos, concorrentes, até pra gente conhecer o que tá sendo colocado no mercado, entender os nossos diferenciais. Ela faz a busca dela fora com outros grupos que fazem pesquisa, e filtra para o nosso meio, mais focado no nosso tipo de produto, na área que a gente lança.

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