Rafael dos Anjos
Homocausto: A militância homossexual e as ações do Grupo Gay da Bahia contra a homofobia
Salvador, Bahia, Brasil, 2008
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ÍNDICE__________________________________________
1. Um relatório sangrento___________06 Os movimentos______________________23 Alguns casos_________________________27 2. As Paradas do Orgulho____________33 A importância_______________________46 3. Homofobia, um crime de ódio___52 4. Alguns desabafos..._________________66
2
Apresentação_________________________________ Cala a boca viado. Seu único direito é de levar porrada na rua e ser odiado por todos, incluindo papai e mamãe que se envergonham de seu jeitinho feminino e do seu cu arrombado. Lugar de chupador de caralho é no hospício, na cadeia ou no cemitério. O que você precisa é de uma liçãozinha de moral, de natureza e de Deus. Vocês são o lixo da sociedade e com lei ou sem lei, sempre serão a vergonha dos seres humanos.1
É uma pena ler frases desse tipo e perceber que estamos tão longe do respeito com o ser humano e a diversidade entre as pessoas na sociedade. Uma realidade cruel alimentada pelo ódio gratuito de pessoas que não sabem o que fazem. Pessoas que se 1
Autor anônimo, retirado do Fórum Terra Lycos sobre União entre gays, 2002. 3
apóiam em suas religiões, crenças, ideologias de uma vida melhor, mas que não percebem o mal que estão propagando, a doença real que estão criando, chamada homofobia! Esse terrível crime de ódio contra as minorias sexuais está apavorando centenas de LGBT’s 2 por toda a cidade do Salvador e vitimando vários de nós todos os anos. Aumentando os índices, já alarmantes, de violência e estimulando um verdadeiro massacre em nome do preconceito e da incompreensão. Apesar de todas as conquistas do Movimento Homossexual e do Grupo Gay da Bahia na capital baiana, a violência tem crescido e os casos, principalmente de homossexuais e travestis mortos, só têm crescido. Por isso através desse livro pretendo mostrar essa realidade cruel e sangrenta e os esforços da militância homossexual do GGB e suas ações afirmativas no combate ao crime de homofobia na cidade do Salvador.
2
Lésbicas, gays, bissexuais e transgêneros. 4
As realizações das Paradas do Orgulho gay, o relatório anual de vitimas de homofobia do GGB, os militantes e suas principais metas. Além do quadro dessa violência, o perfil das vitimas e dos criminosos. Uma análise dos principais casos vinculados pela mídia, seus efeitos junto à sociedade e reflexos no futuro da comunidade gay na cidade.
5
1. Um relatório sangrento Há
pesquisas
rigorosas
que
comprovam grandes semelhanças psicológicas entre pessoas racistas, machistas
e
homofóbicas.
Em
termos de religião, via de regra tendem ao fanatismo, em política são fascistoides. No caso específico da aversão e agressividade vis a vis à
homossexualidade,
pesquisas
revelam que Freud estava com a razão: quem tem raiva, oprime, quer bater ou até matar os homossexuais, tem dentro de si um forte
desejo
resolvido.
homoerótico
mal
3
Às 5 horas da manhã de um domingo no ano de 2007, estávamos saindo da Off Club, uma das
3
MOTT, Luiz. Disponível em: <http://br.geocities.com/luizmottbr/entre2.html>. Acesso em 05/06/2008 6
boites GLS4 mais famosas de Salvador, quando resolvemos ir até o Habib’s, um também famoso restaurante fast food, que fica na Barra, bairro nobre, tradicional e boêmio da cidade. Calamazzo – apelido carinhoso do meu amigo e xará Rafael – um negro, forte de altura mediana. Júnior e eu, ele negro, eu um pouco mais claro, todos dois magrinhos, fomos caminhando, conversando e rindo, enquanto morríamos de fome. Como era de se esperar ouvimos, durante o caminho, as
chamadas
churrias5
vindas
dos
moradores, de meninos de rua e até de alguns comerciantes. Para o meio gay somos conhecidos como afeminados, ou seja, homossexuais com trejeitos femininos, considerados hoje em dia uma espécie de ofensa à comunidade gay, onde alguns tentam ficar mais “plantados” não envergonhando os amigos e evitando ser vítima dessas provocações. 4
Gays, lésbicas e travestis. Piadinhas e outras provocações de héteros para homossexuais. 5
7
Uns
quinze
minutos
depois
de
andar
estávamos na porta do Habib’s, e os funcionários estavam fazendo a limpeza, o chão estava encharcado de água e sabão e em meio a uma confusão de cadeiras reviradas sobre as mesas, pedimos “esfirras e uma Pepsi de 2 litros, por favor!”. Enquanto nós dois aguardávamos os pedidos e Calamazzo estava sentado numa mesa, na parte externa, um carro estacionou na frente do restaurante e entraram dois rapazes, um bem branco e outro um pouco mais moreno. Eles se aproximaram de mim e de Junior, perto do balcão, pediram esfirras também e em seguida começaram a comentar sobre nós dois em voz alta. Quando
percebemos
os
comentários
resolvemos nos afastar. A verdade é que eles não tinham lá uma boa cara e aparentavam estar drogados. Porém um pouco antes de sairmos, um dos meninos, gritou: “viadinhos” e começou a borrifar álcool em nós com uma garrafinha usada na limpeza do balcão. 8
O outro rapaz chamou meu amigo de “neguinho” em tom ofensivo e começou a fazer o mesmo que seu parceiro, nos agredindo ainda mais com vários xingamentos. Calamazzo percebeu a situação e levantou-se da mesa, intimando os meninos com ar de reprovação “Colé, meu irmão?”. Foi então que os dois partiram pra cima dele e começaram a brigar, entre socos
e pontapés,
mas
com
o
chão
escorregadio, por causa da limpeza, ele escorregou e os
dois
homofóbicos
o
agrediram
mais
violentamente, com diversos chutes na cabeça, até que Junior tentou intervir separando-os e foi atingido com um soco. Em meio aquela confusão os funcionários do Habib’s se mostraram inertes e eu fui ao módulo policial mais próximo dali, na esperança de que houvesse policiais que conseguissem acabar com aquela verdadeira demonstração de brutalidade e intolerância.
9
Chegando ao módulo havia apenas um policial, que não me pareceu muito interessado em resolver o nosso problema, alegando que alguém já teria acionado a polícia e que uma viatura estava se dirigindo ao local. Mesmo assim insisti para que ele fosse até lá, mas rapidamente respondeu “não posso deixar o módulo sozinho”, então voltei correndo e anotei no celular o número da placa do carro, foi quando eles saíram correndo, ligaram o Palio e foram embora. Dentro do restaurante, só o saldo da briga: algumas cadeiras no chão, mesas desalinhadas e o principal, meus dois melhores amigos com marcas de uma violência gerada apenas pela intolerância, vítimas de mais uma demonstração de homofobia, de ódio aos homossexuais, que vitima tantos gays, ano após ano. Não havia mais nada prudente a ser feito do que se dirigir à delegacia mais próxima e foi exatamente o que fizemos, visto que, fomos vergonhosamente, orientados, pelos próprios PM’s 10
que
chegaram
muitos
minutos
depois,
a
simplesmente “desistir disso, afinal não vai dar em nada mesmo”. Chegando na 14ª Delegacia, próxima ao Porto da Barra, encontramos as portas trancadas, a principio pensamos em desistir, mas a revolta causada pela situação nos motivou a continuarmos insistindo em chamar, foi quando, após muitas batidas na porta, alguém á abriu e com uma visível má vontade nos convidou a entrar. Eram dois policiais plantonistas – eram também negros, assim como meus amigos e mais de 80% da população baiana. Pretendíamos prestar queixa
de
infelizmente
racismo
e
homofobia,
compartilhavam
do
mas
eles
mesmo
pensamento dos policiais militares com os quais tivemos contato anteriormente, e serenamente nos informaram que não poderiam fazer nada, nem mesmo com o número da placa do carro dos agressores. Um voltou-se pra televisão e o outro disse ao parceiro que iria dormir. 11
Eram 7 horas da manhã, o sol estava rachando nossas cabeças e meus amigos com o corpo dolorido e nós três com o espírito inquieto, sedentos por uma justiça que não viria e nem ao menos consolo poderíamos encontrar, afinal o que dizer a nossas famílias? Como explicar que estávamos na boate, saímos pra comer e fomos agredidos do nada? Sem que pensassem que fizemos algo pra merecer isso, que fomos afeminados demais, que
procuramos
“osadia”?
Sendo
que
fomos
simplesmente nós mesmos, três jovens homossexuais curtindo uma balada. De que forma poderíamos responder a essa violência? Um ano depois o relatório anual, realizado pelo Grupo Gay da Bahia (GGB) desde 1980, foi divulgado, mais precisamente no dia 08 de abril de 2008, revelando que mais de 120 homossexuais e travestis foram assassinados no Brasil só no ano passado, mais ou menos um a cada três dias, resultando num aumento de aproximadamente 30% de mortes em relação ao ano de 2006. 12
Atualmente no ranking dos estados mais violentos para um homossexual viver, está a Bahia. Deixando para trás estados como Pernambuco e Alagoas, respectivamente, fazendo do Nordeste a região mais homofóbica do país. Apesar de considerado pelo próprio GGB como incompleto e lacunoso, este relatório, é o principal
documento
mundial
sobre
crimes
homofóbicos para o Departamento de Estados dos Estados Unidos, afinal a falta de documentação oficial do governo quanto à violência contra gays dificulta a coleta de dados estatísticos, levando a criação do relatório com base nas notícias divulgadas pela imprensa. Ampliando um pouco mais a linha temporal que mede o número alarmante dessa intolerância, o GGB ainda divulgou que entre os anos de 1963 e 2007,
foram
documentados
mais
de
2800
assassinatos, dentre estes os mais freqüentes acontecem na casa dos próprios homossexuais (homens
e
mulheres)
que
normalmente
são 13
executados de maneira violenta, com facadas, espancamento, estrangulamento ou asfixia. E em muitas das vezes com requintes de crueldade e tortura prévia, incluindo execuções por afogamento, garrafada, degolamento, introdução de objetos no ânus e esquartejamento. Já quanto às travestis a violência acontece na rua e em sua maioria com armas de fogo. Estes mesmo dados ainda mostram que as décadas de 80 e 90 juntas somam 63% dessas mortes, enquanto que de 2000 em diante já foram 35%, que corresponde a 972 mortes. Uma relação perigosa entre a exposição cada vez maior da liberdade sexual e a resposta negativa da sociedade. O Prof. Luiz Mott, fundador do GGB e responsável pela coleta dos dados, alerta: “Enquanto nos Estados Unidos são mortos 25 gays por ano, 35 no México, no Brasil anualmente são assassinados mais de uma centena! Um verdadeiro Homocausto!”. Atualmente há uma convivência maior entre héteros e homossexuais, porém isso não significa que 14
esta seja lá das mais amistosas, fazendo com que seja muito comum ver casais – principalmente de homens – nas ruas, despertando um sentimento de mudanças e ao mesmo tempo de intolerância, da parte de muitas pessoas, tanto que, em 2007, por exemplo, mais de 70% dos crimes de homofobia, vitimaram
também
grande
parte
dos
gays
brasileiros, sendo que somente 3% desses crimes foram contra lésbicas. Assim como o que aconteceu comigo, 80 % dos crimes são considerados insolúveis, a polícia está despreparada para lhe dar com esses casos, os autores são “desconhecidos” ou as testemunhas não se solidarizam, simplesmente devido ao preconceito, contribuindo para que essa situação se perpetue. Inclusive essa violência atinge grande parte dos jovens, um desses casos, por exemplo, foi o assassinato de um adolescente de 14 anos, em Salvador. Outro caso que marcou essa estatística sangrenta dentro do GGB, foi a execução de um 15
médico homossexual de 70 anos de idade. As pesquisas apontam que 54% dos mortos estavam na flor da idade, entre 21-40 anos, e 33% tinham mais de 41 anos. Apesar de haver entre as vítimas profissionais de diversos setores, predominam os professores, estudantes, vendedores, cozinheiros, pais
de
santo,
cabeleireiros,
enfermeiros
e
profissionais liberais, normalmente trabalhadores de classe média e que estão sempre em contato com muitas pessoas ao exercer suas atividades no dia a dia. Quanto aos assassinos, além de “autores desconhecidos”, também predominam a maioria jovem, 65% com menos de 21 anos. O assassino mais jovem registrado tem apenas 13 anos. Assim como esse garoto, estes agressores agem normalmente em grupos. Dentre os poucos que chegam a ser identificados,
apenas
10%
são
julgados
ou
condenados, pegando penas leves ou injustamente absolvidos por alegarem “legítima defesa de honra”. 16
Entre os assassinos de LGBT em 2007, também há categorias de profissionais que são predominantes nas pesquisas, são eles: os garotos de programa, vigilantes e pedreiros6. Para o Presidente do GGB, Marcelo Cerqueira, “há três soluções imediatas contra os crimes homofóbicos: ensinar à população, sobretudo aos jovens, a respeitar os direitos humanos dos homossexuais; exigir que a Polícia e Justiça punam com toda severidade a homofobia e, sobretudo, que os próprios gays e travestis evitem situações de risco, não levando desconhecidos para casa, evitando transar com marginais, denunciando e gritando quando ameaçados.” O site do GGB disponibiliza uma espécie de cartilha, intitulada Gay vivo não dorme com o inimigo, dando algumas informações e dicas para prevenção na hora de se relacionar, buscando evitar
6
MOTT, Luiz. Assassinato de Homossexuais. Manual de Coleta de Informações Sistematização & Mobilização Política Contra Crimes Homofóbicos. Salvador: Ed. Grupo Gay da Bahia. 2000. 17
agravar ainda mais os números surpreendentes desse relatório. O crime de homofobia do qual, juntamente com os meus amigos, fui vítima, não me motivou a conhecer o GGB de perto. Deixando-me a parte do Grupo e de suas ações, assim como a maioria dos homossexuais em Salvador. Na verdade de uma maneira casual acabei indo até lá e descobrindo uma realidade desconhecida de muitos gays na cidade. Estava chegando em casa, depois de passar toda a manhã procurando emprego, quando um amigo me liga para irmos ao GGB, assistir a uma das reuniões da Associação dos Travestis de Salvador (ATRAS). Quando cheguei lá me surpreendi com o ambiente e sua organização, era a primeira vez que punha os meus pés lá dentro. O GGB é a mais antiga instituição do país, foi fundada em 1980, que visa o apoio aos direitos humanos dos homossexuais e que luta arduamente no combate a homofobia no Estado. Repudiando 18
toda e qualquer forma de preconceito e violência contra as minorias sexuais. Além disso, o grupo orienta os homossexuais, oferecendo informações necessárias para uma vida social plena e saudável, combatendo a AIDS, prevenindo-os quanto aos cuidados que se deve praticar para não contraí-la. Estar lá dentro ouvir aqueles depoimentos e me sentir acolhido, me fez descobrir uma nova casa, além das badalações noturnas e enxergar ainda, uma
nova
realidade
onde
nossos
casos
de
preconceito e luta, são apenas mais um no meio de tantos. Causando-me até um arrependimento por não ter estado ali antes, talvez encontrando o apoio necessário para lidar com a violência sofrida, em 2007. Nessa primeira reunião do grupo, realizado naquele dia pelo ATRAS, pude presenciar os depoimentos de algumas pessoas das mais distintas classes sociais, níveis de escolaridade e faixas etárias. Desde os mais enquadrados no estereótipo de “viado” tido pela grande maioria da sociedade, 19
até aqueles que se relacionavam com mulheres, tinham até namoradas, filhos, mas estavam ali porque sentiam a necessidade de se integrar com os outros, de se identificar com as diversas histórias de vida e quem sabe se encontrar na plenitude de sua sexualidade. Eram
mais
ou
menos
12
pessoas,
curiosamente a minoria formada pelas travestis, a pergunta, que pautaria aquela reunião foi lançada na roda: “Somos culpadas pela violência que sofremos?” e uma das “meninas” começou a narrar sua experiência pessoal com a violência sofrida nas ruas pelas travestis. Ela era gordinha, com cara de irmã mais velha e chata, bochechas grandes e rosto redondo, uma voz meio nervosa e usando saia e blusinha, de certa forma até bem comportada e discreta. Começou contanto que estava, como de costume, na calçada da praia da Pituba, quando um cara bêbado se aproximou dela interessado em marcar um programa, ela o olhou de cima a baixo e 20
pensou: “Esse ai não!”. Recusou-se a atendê-lo, porém, ele insistiu e ela com voz firme disse: “NÃO”. – Você é homem ou mulher? - perguntou o bêbado com voz embolada. – Sou travesti - respondeu. O tal cara então, revoltado com a descoberta, partiu pra cima dela, que revidou as agressões, conseguindo afastá-lo dali. Mas o que ela não esperava era que ele voltaria minutos depois e lançaria sobre sua cabeça um coco verde, fugindo em seguida. Nesse
momento
algumas
gargalhadas
ecoaram pelo salão do GGB e um questionamento interessante surgiu em meio à roda: “Ele virou a porra porque você não “fez” com ele ou porque ele achou que era viado quando pensou que você era mulher e ficou afim?”. Realmente é algo a se pensar. Algumas pesquisas afirmam que uma das grandes razões para a homofobia, seria a repulsa de muitos, quanto ao reflexo do que vêem em homossexuais, lésbicas ou 21
travestis, algo como um ‘eu’ reprimido e que odeia vê-lo representado em outra pessoa, indo além dos conceitos culturais criados durante a formação das sociedades, gerando conflitos gerais, reflexos da modernidade, como os de identidade e sexualidade. A luta por liberdade sexual e respeito na sociedade vem de um passado não muito distante. Assim como foi com os negros no combate a escravidão, para as mulheres quando buscaram os mesmo direitos de status social que os homens numa comunidade ainda machista, os homossexuais também tiveram seus precursores e militantes na luta por respeito e reconhecimento como cidadãos.
22
Os movimentos O professor aposentado da UFBA, Luiz Roberto de Barros Mott (62), nascido no interior paulista e ascendente de italianos, foi mais uma vítima dos anti-homossexuais, aqui em Salvador, coincidentemente no mesmo bairro que eu, nos anos 80, quando saia de lá com seu companheiro. Segundo conta o próprio Mott, ele foi surpreendido por um “grandalhão” que lhe deu uma “bofetada” no rosto, o qual ele não pôde reagir, sendo tomado por uma grande revolta, levando-o a fundar o GGB, algum tempo depois, como uma extensão de uma realidade que já se fazia presente em outros estados do Brasil na luta pelos direitos dos homossexuais. Em um debate, no dia 04 de setembro de 2008, sobre a trajetória de lutas e conquistas do Movimento LGBT na Bahia, realizado na Biblioteca Pública dos Barris, como parte da exposição sobre os “30 Anos do Movimento Homossexual Brasileiro”, 23
Mott citou mais uma vez esse acontecimento em sua vida e associou esse momento a fundação do GGB, que aconteceria dali a pouco mais de um ano, seguindo uma tendência de organização e militância que já vinha se criando no país naquela época. Assim como o movimento feminista nos anos 70 e da militância contra o racismo nas décadas de 80 e 90, o movimento de luta pelo direito dos homossexuais surge com maior intensidade a partir de 1980, ano que é fundado o Grupo Gay da Bahia. Isso, porém, inspirado por seus antecessores como: O Lampião (1978) em São Paulo, o Somos e no mesmo período o Triângulo Rosa e o Atobá, ambos no Rio de Janeiro, dando origem ao que se conheceria como primeira e segunda ondas do movimento. Com
essa
evolução
dos
movimentos
homossexuais, surge uma espécie de crise, com a epidemia de AIDS e o que seria uma segregação da comunidade, quanto à criação de denominações para as diversas expressões identitárias, dentro do movimento. Novos termos aparecem com o objetivo 24
de classificar as novas identidades, parte do processo de segmentação do movimento. Dessa forma os encontros homossexuais que têm acontecido desde 1980 até a atualidade, começam a aderir mais denominações e letras para sua sigla, evoluindo de Encontro Brasileiro de Homossexuais,
para
homossexuais
e
lésbicas,
acrescentando com o tempo, travestis, transgêneros e bissexuais, indo do simples GLS para GLBTT 7, até mudarem novamente, dessa vez pondo as lésbicas na frente, LGBT e associando apenas um ‘T’ como representando travestis e transexuais ao mesmo tempo. Tais mudanças no cenário homossexual abriram as portas para a primeira fase que mudariam os rumos do movimento, trazendo mais problemas do quê soluções, afinal, mesmo com a legitimidade de representantes para cada um dos grupos, um único braço de luta pela minoria, transformou-se numa miscelânea de organizações, 7
Gays, lésbicas, bissexuais, travestis e transgêneros. 25
registrando
mais
de 160
delas
pelo
Brasil,
fragmentando o combate à homofobia, além de prejudicar o trabalho para a garantia de direitos humanos e sociais, básicos para qualquer cidadão, independente de sua identidade sexual. A segunda fase desse processo surge com a ascensão comercial para os homossexuais homens e mulheres. Nos anos 90 o surgimento de saunas, boites e bares, além da abertura cultural voltada ao público GLS, com mostras de cinema, exposições, revistas
especializadas,
grifes
e
hotéis.
Uma
segmentação que nos impulsionaria para uma sensação de “imagem positiva” e “auto-estima”, mas também
acarretaria
na
exclusão
de
grupos
específicos, como a proibição de travestis e até lésbicas em determinados ambientes “gays”.
26
Alguns casos No dia 23 de outubro de 2007, o jornal A Tarde noticia a morte de mais uma travesti em Salvador, trata-se de Carlos Alberto da Silva Rocha, cabeleireiro de 38 anos de idade, morador do bairro de São Marcos. A travesti Carlos Alberto, 38 anos, conhecida como “China Rocha”, foi encontrada em sua casa, alvejada por tiros e vestindo apenas uma saia corde-rosa. A casa estava completamente revirada, não havia sinais de arrombamento, contudo a vítima foi roubada. A polícia não sabia informar quantos tiros foram disparados contra a travesti. A 10ª Delegacia de polícia informou que a investigação irá partir do principio de que a vítima conhecia o assassino – validando as informações do relatório do GGB, já citados nesse capítulo – Carlos Alberto era cabeleireiro e tinha um salão embaixo de sua casa.
27
Como
mais
uma
característica
dessas
mudanças do cenário GLS, a Bahia também adere as Paradas do Orgulho, sobretudo em dado período, de 2002
em
diante
com
temáticas
ativistas,
principalmente quanto ao combate á homofobia. Sob a organização do GGB, as Paradas do Orgulho Gay traziam, além de temas em comum, o objetivo de expor a realidade homossexual para a sociedade. Atualmente
com
o
apoio
de
diversos
parceiros, tais como, a Prefeitura de Salvador, Bahiatursa, além do ainda efervescente mercado LGBT, que inclui as boates mais famosas e seus carros de som, ativistas independentes, dentre atores transformistas até lideranças políticas e outras empresas
privadas,
as
paradas
do
orgulho,
movimentam muito dinheiro e trazem à tona o terceiro processo dessas mudanças. Com as marchas, acontece uma super exposição de uma comunidade frágil e uma integração quase que forçada com a sociedade como um todo, despertando a mesma, para uma realidade 28
latente, gerando os conflitos sociais quanto à diversidade sexual e o choque de identidades de um grupo
fragmentado
e
não
representado
politicamente no Estado. Essas alterações brutais dentro da sociedade desencadearam uma série de crimes de homofobia que fariam dos anos 2000 os mais sangrentos para os
bissexuais,
mulheres,
homossexuais,
travestis,
sejam
transgêneros8,
homens,
afeminados,
ursos9, barbies10, plantados, ativos, passivos ou versáteis11. Unindo as novas minorias, criadas dentro da minoria homossexual, num relatório sangrento de violência em nome da intolerância, que não escolhe tipos. Afinal na cabeça da sociedade em geral somos todos gays, mesmo que isso não signifique para eles, uma imagem 100% positiva.
Terminologia utilizada que engloba tanto as travestis quanto as transexuais. É um homem no sentido fisiológico, mas se relaciona com o mundo como mulher. 9 Gays gordos e peludos. 10 Gays musculosos. 11 Gays ativos e passivos na relação sexual. 8
29
Mauro José Mascarenhas Pimentel dos Santos, 46 anos, funcionário do Instituto de Radiodifusão Educativa da Bahia (Irdeb), foi encontrado morto na tarde do dia 05 de novembro de 2007, dentro do banheiro, no apartamento 303 do edifício Cedro, no Condomínio Vereda do Bosque, fim de linha da Federação. O principal suspeito do crime, que já está detido na 7ª Delegacia, no Rio Vermelho, é o mecânico Marcos dos Santos Silva, que morava com a vítima. Ele alega inocência, mas vizinhos afirmaram tê-lo visto no apartamento naquele domingo e os peritos da policia técnica encontraram uma faca limpa no chão que pode ter sido usada no crime, além de uma camisinha e um cigarro de maconha. Mauro José era irmão do humorista Claudio Manoel, o “seu” Creysson do Casseta & Planeta da Rede Globo. O corpo foi encontrado por uma amiga da vitima, que após sentir sua falta durante todo o dia resolveu procurá-lo em casa, quando o 30
encontrou no chão com varias perfurações no rosto e no peito. Com um destaque considerável na mídia, devido ao parentesco com um astro global, esse caso foi uma oportunidade do GGB intensificar seu trabalho de combate a homofobia. Nessa época o site do grupo divulgou com pesar um texto que demonstrava sua indignação com as políticas públicas voltadas aos direitos dos homossexuais, as injustiças e a lentidão na solução de casos de homofobia, como os de Mauro José e o da travesti “China Rocha”. “Senhores é preciso que esses crimes sejam devidamente investigados e que os criminosos, matadores de homossexuais sejam julgados e tratados no rigor da Lei. A impunidade estimula a violência e essa impunidade tem sido o pão de cada dia dos homossexuais e das famílias, as poucas que se envolvem cobrando justiça para os seus mortos. É preciso que o governo indique um Delegado Especial
31
com equipe para apurar esses crimes contra homossexuais que continuam sem solução”. Esse
trecho
traz
mais
uma
questão
importante para a comunidade GLS e para a sociedade discutirem, trata-se da participação da família no processo de criação do crime de homofobia, seja como omissos, em alguns casos, ou presentes apenas na hora da partilha dos bens, em outros. Foi assim com o professor da Universidade Federal da Bahia (UFBA), Prof. Lamarck que foi assassinado em seu apartamento no Centro de Salvador, cujos familiares só apareceram para adquirir seus principais bens, entre eles, carro, apartamento e pagamento pelo tempo de serviços prestados para a UFBA.
32
2. As Paradas do Orgulho No século XIX a sociedade moderna incutia o pensamento de que o exercício da sexualidade se restringia
ao
casamento
monogâmico
e
a
procriação, não havendo interesses na identificação das novas e variadas formas de exercer outras identidades sexuais individuais. É então que no final deste período algumas pessoas começam a serem identificados como homossexuais, a partir de estudos que tentam encontrar as causas para a homossexualidade, visando seu possível tratamento como parte de uma higienização social das grandes massas. Essa ação fazia parte de uma prática que buscava corrigir “desvios” de conduta moral e sexual, contudo obedecendo a uma “mão dupla”, de característica machista. Essa “mão dupla” tolerava o relacionamento de alguns homens fora do casamento, através de
33
relações paralelas com outras mulheres, e até a prostituição de algumas delas, dentro de certos limites, porém condenavam a expressão da atração pelo mesmo sexo. Criando sempre margem para a suspeita quanto ao comportamento sexual dos homossexuais
como
uma
doença,
que
seria
desmistificada no século XX de onde então, começariam os movimentos homossexuais. O famoso termo orgulho gay, foi criado a partir da prática de ações afirmatórias dos homossexuais ao redor do mundo, visando combater a discriminação, o preconceito contra a diversidade e a liberdade sexual, intensificando também as atividades promovidas pela Militância, criando em alguns o sentimento de orgulho em ser homossexual. Para isso começaram a serem realizadas as Paradas do Orgulho Gay. Em 2002, os homossexuais soteropolitanos já aguardavam ansiosamente a realização da festa que os fariam reconhecidos, vistos pela sociedade, já realizadas em alguns Estados como Rio e São Paulo, 34
deixando-os orgulhosos por ser quem são e como são. Foi então que com esse espírito, aconteceu em junho daquele ano a 1ª Parada do Orgulho Gay de Salvador, sob a organização do GGB e o apoio de parceiros como a Prefeitura Municipal e algumas boites da cidade, exceto a Off Club que não participou
naquele
ano,
alegando
“motivos
pessoais”. Num cenário de chuva e com o tempo instável, algumas milhares de pessoas se reuniam ás 14hs, para ver o que se tornaria uma regra dali aos próximos anos para a comunidade LGBT de Salvador. Atraindo a imprensa local em peso, que compareceu para cobrir o evento. O enfoque dessa cobertura, infelizmente, foram as figuras caricatas da cena gay, afinal era isso que o público queria ver naquele primeiro ano, um bando de viados estereotipados fazendo mais um carnaval fora de época pra ninguém pôr defeito.
35
A
imprensa
sempre
teve
um
papel
fundamental na cobertura das manifestações em prol dos homossexuais, na primeira edição da Parada, no entanto, a cobertura foi baseada na diversão e grande parte do cunho político foi posto de lado, mas nos anos seguintes a imprensa iria expor a força do movimento e de certa forma o apoiaria na hora de tratar do tema, principalmente quanto à homofobia. A televisão local, principalmente, começou daquela Parada em diante, a cobrir o evento com maior seriedade, criando grandes reportagens sobre os temas relacionados a cultura gay e suítes12 do assunto, também
em
outros
programas
não
jornalísticos. Essa exposição da marcha gay levaria a cidade numa tendência sempre crescente de aperfeiçoamento da festa, edição após edição.
Matéria que dá seqüência ou continuidade a uma notícia, seja por desdobramento do fato, por conter novos detalhes ou por acompanhar um personagem 12
36
“Quem tem orgulho vai” foi com essa frase que o GGB convidou as mais de 40 mil pessoas, entre gays, lésbicas, travestis, bissexuais, transexuais, simpatizantes e todos os demais membros da sociedade para participarem da 2ª Parada Gay de Salvador, que acontecia do ano de 2003. Neste mesmo ano diversos artistas marcaram presença no evento e começava aí a se criar a credibilidade e força que a marcha tanto precisava, demonstrando sua vitalidade e fôlego para muitos outros anos. Ivete Sangalo estava em plena ascensão como cantora solo e outras cantoras como Márcia Short, Mariene de Castro e Simone Sampaio se revezaram entre sucessos da axémusic13 e discursos pelo respeito e contra o preconceito sexual. Junto com elas surgiam também, na Parada, em seus agora sete trios, os DJs e seus pick-ups que embalavam os gays, a diversão de todos e apresentava as inovações tecnológicas na música, 13
Estilo musical que surgiu nos anos 80 em Salvador. 37
trazendo os grandes sucessos do momento e novas versões dos hits do passado. Em junho de 2004 a terceira edição, iria oficializar maio como o mês do Orgulho Gay, dentre varias passeatas e manifestações paralelas pelo país, para exigir plenos direitos à livre expressão sexual. Além disso, essa edição foi marcada pelo envolvimento
dos
turistas
na
cidade,
que
começavam a movimentar o comércio com números mais expressivos. Num momento onde o mundo passava por tantos conflitos, os gays na Parada de 2004, representaram figuras importantes em anos onde a passeata ainda nem existia, e as fantasias de personagens da história, como Bin Laden e Bush reinaram nas ruas. Sendo vistos pela primeira vez dançando ao som de I will survive, em plena praça Carlos Gomes. Na 4ª edição, que aconteceu em setembro de 2005, o GGB comemorou 25 anos de sua fundação, nesse mesmo ano o jornalista e mais novo milionário 38
baiano Jean Willys, foi um dos destaques da festa sob o tema “Amizade e televisão”, recém saído do Big Brother Brasil14, como vencedor e nomeado pela mídia como representante da comunidade gay no programa. A participação de Jean não era uma novidade na Parada Gay, mas naquele momento ele era uma celebridade
instantânea
criada
por
um
dos
programas mais assistidos do país naquele período. Contudo, algumas ausências seriam mais importantes do quê a presença do “brother” nessa Parada. Políticos muito aguardados não estariam lá para se posicionarem diante da massa colorida que cobria a cidade. Dentre eles o então prefeito da cidade, João Henrique (PDT), representado pela secretária municipal de Educação e Cultura, Olivia Santana (PCdoB) que sob aplausos, anunciou um convênio com a UNESCO, para a capacitação dos educadores
14
Reality show exibido pela Rede Globo. 39
para o trabalho em sala de aula com métodos que repudiem a homofobia e o preconceito racial. Dá 5ª edição em diante as datas da Parada mudariam para o mês de setembro e o destaque ficaria por conta da boite Off Club que traria com mais força a presença marcante dos gogoboys15 dançando em cima do trio como uma tendência das marchas de São Paulo e do Rio de Janeiro. Os garotos malhados e rebolativos, sonho de consumo de muitos gays e até algumas mulheres, héteros é claro, são uma das controvérsias da festa. Isso por que alguns homossexuais acreditam ser desnecessária a participação deles numa marcha de cunho político, que visa à luta por direitos e exigência por respeito e não mais um carnaval fora de época. Naquele mesmo dia, em meio aquela ebulição de corpos perfeitos, e o delírio de muitas bichas16 na multidão, alguns momentos de emoção e revolta 15
Garotos seminus que dançam em cima dos trios nas Paradas Gays. 16 O mesmo que gays. 40
também reviveram em muitos o espírito de justiça e a consciência da realidade que nos cerca, de violência e intolerância. Foi com esse sentimento de perda e indignação que o presidente do Grupo Gay da Bahia, Marcelo Cerqueira, discursou como de costume, dessa vez lembrando o assassinato do ator transformista baiano, Ângelo Barroso (a Lílith), encontrado morto no dia 14 de agosto, em seu apartamento do Rio de Janeiro, sob circunstâncias nebulosas. O ator transformista baiano Ângelo Barroso, a famosa drag queen Lílith, foi encontrado morto, aparentemente três dias depois do óbito, na segunda-feira 14 de agosto de 2006, possível vítima de
uma
parada
cardiorrespiratória,
em
seu
apartamento na Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro. O corpo do também professor, Ângelo, só foi encontrado pelos vizinhos que incomodados pelo mau cheiro vindo do apartamento, foram até lá e
41
arrombaram a porta, encontrando o corpo em estado de decomposição. Barroso já morava no Rio a dois anos onde estava
fazendo
doutorando
em
Licenciatura
Medieval na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Grande amigo do jornalista baiano Jean Wyllys, o professor foi influenciado por ele a tentar seu sonho no Rio. Jean só soube da morte do amigo, dias depois, pois estava viajando a trabalho, ficando muito chocado e triste com a notícia. Na sexta-feira, possível dia da morte, um amigo da vitima informou que havia conversado pela internet com Ângelo e ele parecia bem e estava ansioso com a possibilidade de vir a Salvador no dia 19. A polícia acredita que foi realmente um acidente, mas o antropólogo e fundador do Grupo Gay da Bahia, Luiz Mott, acredita que as investigações devem ser aprofundadas antes de dar o caso como encerrado.
42
O corpo do professor será cremado no Rio de Janeiro e depois as cinzas serão levadas para a cidade de Miguel Calmon, onde grande parte dos familiares da vítima residem, e aguardam com tristeza o momento de dar o último adeus a Ângelo. Sob forte chuva, começava precisamente ao meio-dia, a concentração da 6ª edição da Parada Gay de Salvador (HOMOFOBIA=RACISMO) em 2007, que superou em dez vezes o número de participantes em relação à edição anterior, fazendo da Parada Gay da cidade a terceira maior festa LGBT do Brasil, ficando atrás apenas de São Paulo e Rio de Janeiro. A cada edição da Parada o número de pessoas participantes só aumenta dando mais espaço e criando mais possibilidades para que os militantes pudessem expor as principais vitórias do Movimento e reivindicar os direitos mais urgentes. E esse movimento ainda se repetiria, de maneira ainda mais crescente e cada vez mais atuante, até chegar em 2008, onde pela terceira vez o tema foi a homofobia, provando que de alguma 43
maneira as coisas não mudaram tanto na cidade, nem no Brasil. Mostrando que não só saímos dos guetos, becos, vielas, do escuro ou do armário, com a criação das Paradas, como também abrimos mais um espaço para divulgar os dados alarmantes de violência contra os gays. Trazendo tanto reflexos positivos quanto negativos. Agora somos “públicos” e a sociedade recebeu nos peitos uma minoria, ainda desestruturada, mas real, o que certamente contribuiu tanto para que os gays tenham mais uma forma de expressão, quanto mexeu ainda mais com os brios dos preconceituosos de plantão, machistas e homofóbicos em potencial, que provavelmente sentiram-se agredidos com essa novidade. Da primeira para a 7ª Parada Gay, muitas coisas mudaram além dos temas e da quantidade de pessoas, que em 2008 chegou a 400 mil, outra diferença foi a participação política. Em 2008 os discursos acalorados dos políticos em busca de “fotos 44
coloridos” e a presença de muitos artistas, não foram vistas. Apesar disso, neste ano, onde o tema da festa dizia: "Homofobia Mata! Seu voto vale sua vida" dois nomes fortes da comunidade LGBT, e candidatos a vereador, estavam presentes na festa, eram eles Marcelo Cerqueira (PV), presidente do GGB e Leokret (Dem17.), dançarina do grupo de pagode baiano, Saiddy Bamba. Os dois candidatos ficaram mudos durante todo o percurso – exigência do próprio GGB – e sem poderem subir nos trios. Mesmo assim Leokret deu o ar de sua graça ao aparecer enjaulada no chão, com roupas em estampa de onça, dançando como se estivesse no palco, causando histeria entre seus muitos fãs.
17
Partido político Democratas. 45
A importância E o “carnaval do arco-íris” aumentou, e o que antes contava apenas com uns poucos trios, em 2008 somavam 12 carros de som, que tocavam pagode, axé, funk e, é claro, música eletrônica, que se tornou característica da comunidade gay, que assim como o estilo de música, é agitado, rápido e alegre. Como nas edições anteriores, o bairro do Campo Grande foi tomado por uma nuvem multicolorida de pessoas de estilos diferentes, entre lésbicas,
transexuais,
travestis
e
também
patricinhas, machões, crianças, idosos, ou seja, uma mistura interessante e amigável, mas que traz consigo uma grande exposição. É necessário lembrar que os gays estão expostos a violência e não se pode contar, ainda, com a ação da justiça de maneira plena ao seu favor. Todo fim de Parada é igual, as bichas vão todas para
46
o Beco dos Artistas 18 e pouco a pouco o que parecia um grito de liberdade, se torna apenas um pequeno gosto dela e estão todos de volta aos guetos escuros e apertados. O GGB havia prometido um protesto com um desfile de caixões cobertos por bandeiras pretas que simbolizariam os homossexuais vitimados pela violência no ano de 2008, mas o desfile acabou não acontecendo. Ao menos por algum momento em todos os anos desde 2002, a cidade pode ver um pouco mais da realidade que nos cerca. Uma sociedade dentro de outra,
uma
diversidade
de
identidades,
o
comportamento de um grupo marcado pelas contradições, cheios de rótulos, buscando seus direitos e mostrando a cara, para uma Salvador tão multifacetada. É preciso que essa unidade entre os homossexuais
seja
mais
freqüente,
forte
e
18
Famoso espaço GLS composto por diversos bares, localizado no bairro do Campo Grande, em Salvador. 47
estabilizada.
Uma
comunidade
que
pretende
garantir ou conseguir direitos necessita de mais organização e no caso dos gays, muita organização. Assim como há quatro anos, a Parada do Orgulho Gay 2008 não contou com a presença do Prefeito de Salvador, João Henrique (PDT) e nem do Governador do Estado, Jaques Wagner (PT), que tiveram suas ausências lembradas por Luiz Mott logo na abertura do evento. Mott também retomou mais uma vez o principal tema daquele dia 14 de setembro que era o combate a homofobia e leu o nome dos 17 homossexuais assassinados, só em 2008 na Bahia. Outro momento parecido e emocionante foi a manifestação da transformista Dion, do alto do trio ao pedir pela vida dessas pessoas e por mais respeito aos gays. Ainda como mais um passo do movimento, Mott entoou um coro contra a pedofilia e pediu a opinião do público presente quanto ao uso do termo ‘gay’ no nome da Parada para o próximo ano ou a 48
permanência da “sopa de letrinhas” LGBT e a grande maioria dos presentes concordaram com apenas o uso da palavra gay para designar todos os presentes, entre lésbicas, transexuais e transgêneros. Com a inserção das marchas pelo orgulho gay em Salvador o GGB deu mais um importante passo para o desenvolvimento da cultura homossexual na cidade, como também mais uma ação do Grupo contra a homofobia no Estado, visto que, as manifestações em Salvador abririam os precedentes para a realização das Paradas em outros municípios e até bairros, levando mais adiante as principais mensagens e protestos da militância. Garantindo
assim,
a
outros
cidadãos
homossexuais a consciência de que são seres humanos normais e dignos de respeito, além de informações sobre a cultura e as atividades dos grupos que preservam a integridade de outras minorias,
incentivando
a
solidariedade
da
comunidade gay, de forma a criar uma unidade no
49
momento de reivindicar direitos, principalmente como combater a intolerância. Os gays não têm referências familiares ou midiáticas, não existem heróis homossexuais e na maioria das vezes não há também apoio familiar para um gay, por isso difundir esse trabalho do GGB e intensificar as manifestações populares de grande expressão a favor da comunidade LGBT, que levam informações é de extrema importância. Um dado que caracteriza esse momento da sociedade é a impunidade dos casos de homofobia, responsabilidade também das próprias vítimas que sentem receio de serem expostos e mantêm seus relacionamentos na clandestinidade, contribuindo para quê 95% dos crimes não sejam solucionados. É claro que isso não é culpa exclusiva das vítimas, afinal de contas eu mesmo e meus amigos tentamos desesperadamente conseguir justiça para as agressões que sofremos, mas infelizmente não conseguimos. Motivo que me levou a escrever esse livro sobre o tema. 50
Como nesse capítulo abordo as manifestações do orgulho gay, sempre os relacionando a casos de homofobia, conversei em informalmente com amigos que estavam na Parada desse ano de 2008, dentre eles Calamazzo e Júnior, e alguns freqüentadores das reuniões do GGB. A opinião, felizmente, era em sua maioria a mesma, viam o movimento apenas como uma festa, que não repercutia seu caráter político e social, ficando muito presa a imagem do estereótipo gay e suas
“fechações”19,
alimentando
os
conceitos
pejorativos que a sociedade já atribui a comunidade homossexual. O grande problema nessas opiniões é a falta de atitudes que modifiquem esse quadro facilmente identificados
por
qualquer
um.
Os
gays,
principalmente os mais jovens, não conhecem muito do movimento homossexual, suas conquistas e objetivos, além do mais não se preocupam em participar ativamente do Movimento, de maneira a 19
Brincadeiras, piadas entre homossexuais. 51
contribuir com as mudanças que são tão necessárias para torná-lo mais eficaz junto à sociedade.
52
3. Homofobia, um crime de ódio No dicionário, os crimes de ódio são definidos como atos ilícitos ou tentativas desses atos, que incluem perdas morais e matérias, agressões físicas – quando não assassinatos – motivados por questões raciais, sexuais, religiosos, orientação sexual ou etnia. Seria o mesmo que dizer que esses crimes são em nome do racismo, da xenofobia, machismo, intolerância religiosa (fanatismo), levando esses agressores a realizar esses atos seguidos de requintes de crueldade, muitas vezes matando suas vítimas. A homofobia também está nessa lista de razões que influenciam a prática desses crimes, ou seja, o ódio aos gays. Incluindo nesse aí as lésbicas, travestis e transexuais. Muitas vezes os crimes de homofobia são caracterizados 20
como
passionais20,
coisa
que
Crime motivado por intensa emoção. 53
acontece normalmente entre casais héteros. E mesmo quando em crimes desse tipo, a homofobia está ligada, visto que muitas vezes a certeza de impunidade, fragilidade física da vítima ou até social impulsionam o agressor. Como
já
citei
em
outro
capítulo,
a
comunidade gay ainda é muito frágil, desprotegida e estigmatizada pela sociedade em geral, além de ser uma minoria pouco engajada politicamente, o que dificulta ainda mais qualquer tipo de ação que impulsione a geração de leis e demais políticas públicas que protejam essa minoria e crie subsídios para
que
haja
uma
ascensão
dos
gays,
principalmente os inrustidos21, na sociedade. Por isso a maioria dos crimes contra os gays é considerado prática de pessoas e/ou grupos de nãohomossexuais ou anti-gays e ainda, eventualmente, por homossexuais-distônicos22, características de
21
Homossexuais não assumidos publicamente para a sociedade. Segundo a Psicanálise, é a pessoa que não aceita e problematiza suas tendências homoeróticas. 22
54
uma sociedade machista e heterossexista como a que vivemos. Sociedade esta, que considera gays, lésbicas, travestis e transexuais minorias desprezíveis, uma espécie de lixo que precisa ser destruído ou uma doença contagiosa que precisa ser contida antes que se espalhe. Há ainda alguns homofóbicos que vêem os homossexuais como predadores de héteros, que os caçam para contaminá-los com a doença gay. Para impedir isso usam de violência e exterminam centenas de seres humanos no Brasil e nos principais países do Terceiro Mundo, que não têm o direito de exercer sua liberdade sexual e identitária. O termo que abrange os casos de violência que se multiplicam na capital baiana, têm assumido, assim
como
a
sigla
GLS,
novas
roupagens,
desenrolando-se para lesbofobia e travestifobia, violência
contra
lésbicas
e
travestis,
respectivamente.
55
Maria José Mota Costa, branca, funcionária pública, residente em Salvador, denunciou que vem sofrendo discriminação na empresa em que trabalha por ser homossexual. Informa que devido a boatos surgidos na empresa seu superior, José Mário Galvão, a transferiu, maldosamente, para outro setor onde só trabalham homens, local muito distante de sua residência. Ela tentou diversas vezes sua restituição para o órgão de origem, mas seu superior sempre dificultou. A vítima já tem um documento que pretende apresentar ao Governador23. Os casos contra as lésbicas são os mais difíceis de serem reconhecidos publicamente. Devido ao preconceito da nossa sociedade machista, contra a mulher, as lésbicas sofrem duplamente, visto que, por serem mulheres são oprimidas e se assumindo lésbicas
seriam
ainda
mais
massacradas
e
discriminadas. Registro de queixa de discriminação e violência antihomossexual, Arquivo do GGB, 01/03/2002. 23
56
Com as travestis a diferença está na hora de procurar a justiça para atender as vítimas de agressão. As travestis já sofrem um grande preconceito, são consideradas violentas, perigosas e barraqueiras24. Essa imagem é sustentada por muitas pessoas, inclusive pela própria polícia, logo, no momento de buscar ajuda as travestis encontram mais preconceito e muitas gozações, não sendo levadas a sério, virando motivo de desconfiança e chacotas. – Tava na rua fazendo pista, aí chegou um carinha de carro, quando cheguei perto dele tinha mais dois atrás abaixados. Essa é Tchesca, uma travesti de 23 anos, de uma aparência feminina impressionante, numa conversa informal comigo. Sabendo da realização do livro eu pedi uma conversa sobre um caso de violência que ela tivesse sofrido nas ruas da cidade.
24
O mesmo que causadoras de confusão. 57
– Quando vi, eles já estavam fora do carro. Me xingaram, bateram, ligaram o carro e foram embora. Ainda bem que eu fiquei viva! - disse com um sorriso no rosto. Perguntei o que ela fez depois disso, se procurou a polícia, qual foi a primeira providência. – Ia fazer o quê viado?! Se fosse pra polícia era capaz de ter que fazer com eles e de graça soltou uma gargalhada. E continuou... – Fui pra casa bixa. Deitei e esperei passar a dor. Comprei uns remédios aí e pronto. Essa vida é babado25! E é babado mesmo, afinal a vida de travestis como ela não é brincadeira. Enquanto trabalhava na Farmácia Pague Menos, em 2004, numa época em que nem sonhava escrever esse livro, lembro-me de ter visto muitas agressões do tipo.
25
Termo muito utilizado entre a comunidade LGBT, que nesse caso significa difícil, mas assume outros sentidos, dependendo do contexto em que estiver inserido. 58
Estava tirando férias de um operador de caixa na loja 24h da Pituba e por lá, na Avenida Antônio
Carlos
Magalhães,
as
travestis
se
aglomeravam nos principais semáforos, fazendo o famoso pistão26. Em uma das muitas madrugadas que estive lá, pude ver muitas delas serem expulsas da rua, xingadas, ofendidas com os piores palavrões, além de em alguns momentos nos quais os motoristas mais inconseqüentes jogavam seus carros em alta velocidade sobre elas. Graças a Deus nunca vi violências mais graves, mas com certeza elas aconteciam e provavelmente com certa freqüência. Mesmo quando não envolvem agressões físicas, os crimes de homofobia, a expressão de um ódio gratuito por outro ser humano de preferências ou aparência diferentes, são da mesma maneira revoltantes e ultrajantes.
26
Ponto de prostituição 59
Estava num ônibus indo do estágio para a faculdade, era mais ou menos umas 18h e me preparava
para
encarar
um
engarrafamento
quilométrico de Itapuã até o Comércio, fazendo uma verdadeira viagem por Salvador. Antes de sair da Empresa Baiana de Desenvolvimento Agrícola (EBDA), onde estagiava como jornalista, liguei para Junior – o mesmo do episódio do Habib’s – e combinei de pegarmos o mesmo ônibus para irmos juntos à faculdade. E assim aconteceu até que entrou um rapaz falando alto e quando o mesmo encontrou um amigo na condução começou a falar de mulheres e assuntos afins. Estávamos no fundo e em meio aquela muvuca27 e os balanços do Barroquinha, nós começamos a conversar coisas nossas e rir das besteiras que contávamos um para o outro, de repente o rapazinho me olhou e disse bem alto para todo mundo ouvir: 27
Aglomeração de pessoas. 60
– Qual é o problema? Porque está me olhando e rindo? Feche os dentes ou vai ver só! – Eu te olhando? Vou continuar rindo e olhando para onde eu quiser. Tenho esse direito e nem você nem ninguém vai me impedir de fazer isso! Pode parecer algo imprudente na sociedade violenta em que vivemos, mas a discussão não parou por aí. Porém não convém escrever aqui o restante do diálogo. O que importa foi a intenção dele em me desmoralizar em público, aproveitando-se do fato de ser um gay aparentemente incapaz de se defender ou quem sabe desprovido de algum tipo de conhecimento para dar uma boa resposta. Naquele momento me calar assinaria esse atestado e me pronunciar seria uma forma de expressar para aquelas pessoas que não vamos nos deixar subjugar por ninguém. Lembro-me de tê-lo dito que assim como os negros foram discriminados um dia, caso não se rebelassem em quilombos, talvez fossem escravos até hoje. 61
Comentei algo sobre o nazismo e outras formas de opressão e violência contra minorias que não estão tão longe de nós quanto parece, nem tão distantes no passado encontrado somente nos livros didáticos de história. Dito tudo isso em alto e bom som percebi que os passageiros começaram a mudar suas feições e o que antes parecia para eles mais uma cena de humilhação e chacota com mais um viadinho, mostrou-se como mais um ser humano indignado com a forma hipócrita que aquela sociedade vendava seus olhos para não enxergar o obvio: NÓS EXISTIMOS SIM! Dessa forma fica difícil afirmar até que ponto a homofobia é apenas uma repulsa ou um crime de fato, afinal acredito que tentar oprimir uma pessoa e suas
formas
de
expressão
ou
humilhá-las
publicamente com palavras, atos ou gestos, também se configuram como crimes contra a integridade de um individuo.
62
Estar exposto a esses tipos de discriminação em qualquer ambiente fragiliza ainda mais a figura do homossexual. Não há políticas públicas que garantam aos gays maior segurança e liberdade em Salvador. Apenas em um dia, durante 24h dele, estamos passiveis de sofrer algum tipo de preconceito no trabalho, no shopping, em bares e restaurantes, nas ruas, praças, cinemas, teatros ou no ônibus. Mesmo onde há maior incidência de pessoas “cultas”, ou até ambientes considerados GLS, a homofobia pode estar presente, afinal nem todos os funcionários
das
boites,
por
exemplo,
são
necessariamente gays ou “simpatizantes”, ou seja, não podemos delimitar onde esses criminosos estarão, mas pode haver formas de garantir direitos que nos protejam em qualquer local, visando coibir a ação dessas pessoas. Uma alternativa já muito discutida, inclusive pelo GGB, é a implantação de disciplinas escolares que abordem a diversidade sexual e de identidades, 63
orientando desde jovens os futuros cidadãos que irão compor a sociedade, de forma que estes sejam mais tolerantes com o próximo no futuro. Contudo, enquanto as leis não existirem, esse passo será ainda mais complicado de se dar, afinal os pais desses atuais jovens são em sua maioria, intolerantes a essa idéia, tanto quanto são com os homossexuais, travestis e etc. A homofobia, mais que um crime é uma doença causada por um histórico de desigualdades, já característicos de nossa sociedade. Desigualdades sociais, econômicas e culturais, onde uns tem tanto e outros tão pouco. Nada justifica os crimes, de nenhuma espécie, principalmente quando envolvem a vida de outras pessoas, mas no caso dos crimes de ódio, que normalmente vêm acompanhados de torturas e outras formas cruéis de execução, o ato torna-se ainda mais abominável. Acredito que assim como negros, mulheres e outras minorias e grupos reprimidos por essa 64
sociedade heterossexista na qual vivemos, os homossexuais devam assumir posturas mais sérias, comprometidas e engajadas com o objetivo de lutar por direitos e respeito. Apesar de bem articulado o Movimento Homossexual Brasileiro e entidades como o GGB, não encontram apoio de grande parcela da comunidade gay. Muitos ainda não se assumiram, outros não têm interesse em militar, e os assumidos preferem continuar levando uma vida de badalações, mas com pouca postura política. Que toda essa alegria do orgulho gay se solidifique em indignação e consciência cidadã. Ser homossexual é muito mais do que rebolar pela avenida ou desfilar fantasiado numa parada anual. É lutar para ser respeitado como ser humano com os mesmos direitos e deveres que os demais cidadãos. É se respeitar e impor respeito, pois só assim podemos dizer com orgulho: somos milhões, estamos em toda parte e o futuro é nosso.28 28
MOTT, Luiz, geocities.com/luizmottbr/entre8.html (06/08/08) 65
4. Alguns desabafos... Quando tive a idéia de abordar como tema a homofobia, estava vivendo uma fase de muitas mudanças
e
os
cenários
destinados
aos
homossexuais, desde o preconceito no trabalho, em casa, nas ruas, e até os medos dentro deles mesmos, me motivaram a fazer deste assunto o tema do meu livro-reportagem. Pretendendo ainda, estar contribuindo com a formação dos novos alicerces para uma comunidade LGBT mais forte, que nesse momento é tão separatista, individualista e superficial, além de ter da sociedade uma ajuda negativa baseada nos estereótipos e na repulsa de grande parte das pessoas. Recentemente, na última eleição, no período em que estava escrevendo o livro, a travesti Leokret, já citada por mim em outro capítulo, foi eleita 66
vereadora de Salvador, ocupando o lugar de quarta mais votada do Estado. Por incrível que pareça grande parte dos homossexuais tem opiniões negativas quanto à participação da travesti na Câmara, mas eu, particularmente, vejo essa situação como um divisor de águas, afinal é a primeira travesti na Câmara de Salvador. Sei que se trata de mais uma personalidade, uma celebridade ocupando um cargo político, mas porque não abraçar a idéia e quem sabe isso pode contribuir de forma ativa e positiva nesse momento? Acompanhar o trabalho dessa vereadora e ver de perto como as coisas vão caminhar. Afinal isso seria, no caso, uma obrigação de todo eleitor com qualquer que tenha sido seu candidato. Os homossexuais estão muito preocupados com seus umbigos, e os poucos que tentam mudar o cenário que nos é oferecido, lutam sozinhos, porque com o tempo os grupos se dividem e novos grupos vão surgindo, objetivando seus próprios interesses 67
ao invés de lutarem por um interesse comum: liberdade sexual, segurança e respeito. O Grupo Gay da Bahia me surpreendeu com um esquema de comunicação e uma rede de contatos muito fortes no momento de divulgar seus relatórios de homofobia, através do seu site na internet e das reuniões que levam algo além das badalações
do
meio
gay,
mas
sem
muita
representatividade junto aos jovens. Talvez
por
isso
poucos
membros
da
comunidade não confiram credibilidade ao GGB ou mesmo conheça de perto a instituição e suas principais ações. Nos encontros que acompanhei pude ver como a situação ainda é difícil, a grande maioria do grupo composto por poucos jovens que não tem nenhuma noção do que fazer de suas vidas quando se descobrem gays e também quanto aos seus demais relacionamentos em todas as esferas sociais (família, namoro, trabalho).
68
Mesmo assim, enquanto suas famílias ainda não sabem e esses jovens temem serem descobertos, vivem ativamente as noitadas GLS, esperam o dia amanhecer e voltam a viver como “héteros”, para seus pais, sua faculdade, seu trabalho e até suas namoradas... Sendo assim ainda estamos tão longe de estruturar a nossa comunidade, a militância é pouco expressiva e grande parte dos homossexuais, estão pouco se importando com a realidade que os cerca, assumindo mais e mais as características da cultura heterossexista dessa sociedade e regredindo no que diz respeito às mudanças necessárias para uma maior aceitação da cultura LGBT. Recentemente um caso de discriminação muito
importante
foi,
infelizmente,
pouco
comentado na imprensa soteropolitana. Um tenente da
Polícia
Militar
que
assumiu
sua
homossexualidade foi expulso da corporação, após muita perseguição.
69
Há
8
anos
na
Polícia
Militar,
pela
Universidade Estadual da Bahia (Uneb), Ícaro Ceita do Nascimento, 28, assumiu sua homossexualidade em 2004 dentro da Academia, durante uma palestra com mais de 150 cadetes. “Eu me levantei e falei, de maneira natural, que era homossexual. Depois disso a coisa apertou. Apesar demonstrarem
admiração
de alguns pelo
meu
colegas ato,
os
superiores aumentaram as retaliações que já sofria antes de me assumir publicamente”, afirma. Após esse período o tenente sofreu diversas agressões físicas e verbais, além de ter negados direitos
garantidos
a
todos.
“Quando
havia
simulação de estado de guerra, eles pegavam pesado comigo, acredito que se fosse uma pessoa fraca não teria suportado tanta pressão”, desabafou. Dentre todas essas agressões, Ícaro, também seria alvo de acusações como de atirar em outro tenente, por causa de ciúmes de outro colega da polícia. “Isso é uma mentira, não há testemunhas”.
70
Segundo a PM, o Estatuto Militar define a homossexualidade como crime de pederastia e ainda, segundo o promotor de Justiça Militar da Bahia,
Luiz
Augusto
de
Santana,
a
homossexualidade não condiz com a postura de um policial militar. As acusações tornaram as coisas mais difíceis e o tenente estava entrando em depressão quando procurou tomar atitudes que mudassem essa situação. A primeira delas foi tentar transferência para o Corpo de Bombeiros. “O Coronel Mauricio simplesmente engavetou o pedido, me transferindo para Salvador”. Na capital baiana a situação só piorou e a depressão aumentou. Como mais uma tentativa, o PM
entregou
um
atestado
psiquiátrico
comprovando sua impossibilidade de trabalhar naquele momento, mas a Polícia não reconheceu o documento. “Eles me desacreditaram, queriam me fazer parecer louco, desqualificando tudo o que dizia, mesmo quando tudo isso é a pura verdade”. 71
Preso por deserção durante 20 dias “que mais pareciam 20 anos”, Ícaro cumpriu a sentença no Batalhão de Choque da PM, tendo seu caso melhor avaliado, concluindo-se que não se tratava de
um
caso
de
deserção.
Comprovando
a
precedência do atestado médico, libertando-o sob a concessão de uma liminar. Ainda com todos os problemas, o tenente Ícaro não pretende deixar a Polícia. Quer justiça e direitos iguais para todos, independente de sua orientação sexual, além disso, tem projetos para a PM baiana com a criação de núcleos de discussão sobre sexualidade. “Existem grupos de evangélicos, mulheres, negros e tantos outros. Porque não um sobre sexualidade?” questiona. Contudo ele pretende antes, entregar um relatório pedindo proteção para a Governadoria ou aos Direitos Humanos, mas até o fim de nossa conversa ele não tinha obtido resposta. “Sou um arquivo vivo sobre o que se passa de fato na Polícia Militar baiana”. 72
Quando soube desse caso, comecei a pensar nele não só como uma simples discriminação, mas como mais um caso de homofobia, visto a posição da Policia Militar e do promotor Luiz Augusto de Santana que criminaliza a homossexualidade. Minha principal meta daí em diante foi encontrar um meio de entrevistar o tal Tenente gay, de conversar com ele, transcrevendo para este livro essa conversa, de forma a tentar entender seu comportamento
dentro
da
corporação,
seu
desempenho como policial, sua posição de agora em diante
e como
ele enxerga a situação
do
homossexual em Salvador. Analisando também o trabalho do GGB e da Militância Homossexual contra a homofobia. Após muitas ligações, trocas de recados e depoimentos pelo Orkut, enfim consegui marcar uma data e horário com Ícaro Ceita do Nascimento, o policial militar que assumiu sua homossexualidade dentro da corporação e desde então vem sofrendo 73
preconceito, sendo mais uma vítima da homofobia, neste caso dentro do ambiente militar. Estava de volta à Barra, onde tudo começou nesse livro, nos encontramos no restaurante Aquarela do Brasil, do meu amigo Roberto, mas Ícaro não estava só, acompanhado de dois amigos. Procuramos uma mesa e em meio a goles do suco de laranja, conversamos sobre GGB, os rumos da Militância gay, as Paradas do Orgulho e homofobia. Minha intenção inicial era falar o mínimo possível do caso dele com a PM, e sim obter a opinião daquela nova figura pública, já militante da causa homossexual, sobre homofobia e as ações contra esse crime, além de sua posição quanto às principais abordagens feitas por mim neste livro. Ícaro tem uma ótima aparência, um homem gay fora dos estereótipos, inteligente, cheio de novas idéias e boas intenções. Seus olhos passam confiança e seu jeito inspira um fôlego forte pra o atual cenário LGBT desordenado e desunido que temos em Salvador, exceto pela atuação do GGB. 74
Entusiasmado com uma nova conquista, a 1ª Parada do Orgulho Gay do Extremo Sul Baiano, Ceita, sentou e foi logo me contando seus planos para uma versão repaginada e politizada da sua Parada, que segundo o próprio terá sua assinatura. “O GGB me pediu para assinar a Parada, mas eu fiz o projeto e tenho tudo em mente, então será assinada por mim. Eles vão colaborar, mas meu conceito é novo, diferente”, afirmou. Segundo ele algumas coisas serão inspiradas no carnaval carioca, “exceto pela nudez”, terá todo um enredo e o objetivo maior é homenagear grandes nomes da comunidade LGBT que deixaram sua marca na sociedade e na história de forma positiva. “Eu quero politizar os jovens homossexuais, as lésbicas, as travestis, todos. Precisamos ter nossas referências e alimentar a auto-estima dessas pessoas”. Além disso, o tenente quer mostrar a importância do evento para o turismo, para a geração de emprego e renda, conscientizando a população em geral dos benefícios das Paradas Gays 75
e da influência positiva da comunidade gay para todos. Aproveitei o assunto da conversa e perguntei o que ele achava da Parada Gay de Salvador e até que ponto a manifestação deixou de ter um objetivo concreto, para se tornar apenas mais uma grande festa popular? Ele me olhou, sorriu e meio desconfiado – não sei bem com o quê – comparou a Parada daqui com os modelos americanos, o exagero do estereótipo, uma espécie de confirmação da futilidade
e
promiscuidade
atribuída
aos
homossexuais. A festa assinada por ele “não terá gogoboys nos trios, inclusive o da Off Club”, disse. “Quero algo mais artístico, porém numa linguagem chocante, não seremos santos agora! [risos] Quero provocar a reflexão quanto ao respeito para com a diversidade em todas as formas, principalmente a sexual. Não pretendo
expor
apenas
homens
musculosos
dançando, quero criatividade e sofisticação”.
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Ele ainda chamou atenção para uma Militância mais unida, engajada e com maior participação dos jovens. O próprio Tenente tem se tornado referência dentro do meio gay. Um policial, assumido, perseguido, mas resistente diante desse preconceito. O PM gay está se tornando mais que uma referência, e sim, um exemplo de coragem e determinação que pode estimular o envolvimento dos mais jovens nessa luta por liberdade e respeito. “Acho que falta uma linguagem apropriada para lhe dar com os jovens. O GGB é um grupo muito importante, mas fora a divulgação da Parada o GGB fica escondido durante todo o ano. É preciso criar uma maneira de levar mais jovens para dentro da Militância e orientá-los para contribuir junto conosco” Ícaro foi aluno de Mott na Universidade Federal da Bahia, quando falou do mestre, lembrou com carinho a época, e demonstrou sua admiração e respeito pelo fundador do GGB. Mesmo com todo esse 77
respeito ao companheiro de luta, Ícaro deixou claro que acha importante a criação de outros grupos específicos para tratar da causa dos travestis, bissexuais, transexuais, lésbicas, mesmo que a sigla – LGBT – ganhe mais outras letras. Porém
sempre
mantendo
uma
linha
ideológica em comum para não se perder o foco principal, que é a conquista de direitos e respeito para todos. “Acredito na legitimidade desses outros braços do Movimento, como de defesa de travestis e lésbicas. Afinal eu não posso compreender melhor essa realidade do que eles próprios. Então acho válido que alguém que me entende plenamente, me represente e conheça minhas necessidades e anseios mais importantes. Contudo esses braços devem trabalhar em conjunto para o bem comum de todo o corpo”. Volta e meia o Tenente lembrava o que sofreu enquanto era perseguido dentro da Polícia Militar, inclusive se declarou como um “arquivo vivo” e que 78
tem receio de sofrer algum tipo de atentado. Dentre as revelações, afirmou ainda, que têm provas e documentos, inclusive gravações “gravei diversas conversas no celular” que vão dar muito pano para manga e complicar a vida de muita gente. “Não quero que a mídia me esqueça, pois preciso dela para continuar fazendo meu trabalho e torná-lo conhecido. Não quero ser o coitadinho, perseguido, mas quero fazer justiça e garantir os nossos direitos como seres humanos e respeito à diversidade sexual por parte da maioria da sociedade”. Sobre homofobia e os constantes assassinatos á homossexuais, Ceita, comentou que ainda não tinha sofrido preconceito de forma tão grave, exceto na própria corporação – mas ele preferiu não comentar. “Talvez porque tenho uma postura menos afeminada e por isso atraio menos repulsa, mas já testemunhei coisas do tipo e quando me tornei PM fiz de tudo para punir essas pessoas quando estava 79
presente. A situação de não ter a quem recorrer é desanimadora, isso quando a vítima sobrevive. Todos esses processos que conversamos, desde a atuação, ainda morna, do GGB junto aos jovens, até as Paradas Gays sem conteúdo que só estão alimentando as caricaturas feitas pela sociedade sobre os gays, exercem suas influências sobre esse preconceito”. Durante quase duas horas que conversamos percebi que mais alguém além de mim pretende falar mais do que o mesmo texto pronto para a causa LGBT de tantos anos. É realmente necessário que a comunidade homossexual não apenas se assuma para a sociedade, mas para ela mesma, se empenhando em construir as diretrizes desse Movimento de apoio e combate ao preconceito. Se os homossexuais compartilharem do todo preconceituoso dessa sociedade machista estarão fadados ao fracasso e a luta de algumas pessoas não terá valido a pena.
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Dentro de suas áreas de atuação, seja na faculdade, no trabalho, em casa, através da sua profissão, dos seus contatos, das suas idéias essa minoria precisa fazer valer a sua voz e seu esforço. Pessoas como Mott, Marcelo Cerqueira, o Tenente Ícaro e até a própria Leokret, estão dando seus exemplos e seus passos. Do professor ao policial, do policial ao travesti, já existem referências, personalidades e identidades representadas. Falta agora o empenho dos demais membros dessa comunidade. Não apenas na hora de sair por aí dançando e pulando atrás do trio na Parada – isso já se faz no Carnaval – reunindo mais de três milhões de pessoas, a exemplo de São Paulo. É preciso unir essa força para fazer algo diferente, criar, (re)inventar, mexer no que está aí, porque mais cedo ou mais tarde todos, assumidos ou não, terão de mostrar a cara e nesse momento teremos de ter orgulho disso.
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*FIM*
82
Anexos_________________________________________ Manual de Sobrevivência Homossexual “Gay vivo não dorme com o inimigo: Dicas para evitar a violência anti-gay” 1. Evite
levar
desconhecidos
ou
garotos
de
programa para casa. Prefira fazer programas em hotéis, motéis ou saunas; 2. Investigue a vida da pessoa com quem pretende sair. Prefira pessoas conhecidas ou indicadas por amigos e só saia com alguém se tiver certeza que é de confiança; 3. Nunca beba líquidos oferecidos pelo parceiro desconhecido. A bebida (ou chiclete) pode conter soníferos, o perigoso “Boa noite, Cinderela”. Em um bar ou boate, preste atenção em seu copo e se precisar ir ao banheiro ou se ausentar, leve o
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copo consigo, ou, invente uma desculpa e peça outra bebida; 4. Se levar alguém para casa, não o esconda do porteiro, ou de vizinhos. Eles podem ajudá-lo na hora do perigo. É sempre bom ter uma boa relação com esse pessoal. Na hora do babado eles podem ser solidários; 5. Se for possível, demonstre para seu parceiro eventual que é gay assumido. Isso evita chantagem ou tentativa de extorsão; 6. Não se sinta inferior. Não se mostre indefeso, evite demonstrar passividade, medo submissão. Não cultive o tipo machão, ou pelo menos não mostre que o valoriza tanto; se ele lhe ameaçar, grite, faça escândalo, ou em ultimo caso, saia correndo e peça socorro aos vizinhos; 7. Evite fazer programa com mais de um michê. Antes da transa, acerte todos os detalhes: preço, duração, preferências eróticas (se ele aceita, por exemplo, ser passivo): isto evita brigas e discussões; 84
8.
Não humilhe o parceiro. Não exiba jóias, riqueza ou símbolos de superioridade que despertem cobiça. O garoto de programa quase sempre é de classe inferior à sua;
9. Se o encontro for na sua casa, tranque a porta e esconda a chave. Não deixe armas, facas e objetos perigosos á vista; não se esqueça que você é dono da casa e deve dominar a situação; 10. Se for agredido, procure a polícia, peça exame de corpo delito e denuncie o caso aos grupos de ativistas
homossexuais.
Lembre-se
que
as
Delegacias de Polícia são públicas. Se foi mal tratado pelo oficial, chame o Delegado Titular, se ele não estiver chame o plantonista. Se mesmo assim, for mal atendido, entre com uma ação contra a delegacia. Não tenha medo: é legal ser homossexual!
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O que é a homofobia? Homofobia caracteriza o medo e o resultante desprezo pelos homossexuais que alguns indivíduos sentem. Para muitas pessoas é fruto do medo de elas próprias serem homossexuais ou de que os outros pensem que o são. O termo é usado para descrever uma repulsa face às relações afetivas e sexuais entre pessoas do mesmo sexo, um ódio generalizado aos homossexuais e todos os aspectos do preconceito heterossexista e da discriminação anti-homossexual.
O que é o heterossexismo?
O termo "heterossexismo" não é familiar para muitos porque é relativamente recente. Só há relativamente pouco tempo é que tem sido utilizado, juntamente com "sexismo" e "racismo", para nomear uma opressão paralela, que suprime os direitos das lésbicas, gays e bissexuais. Heterossexismo descreve 86
uma atitude mental que primeiro categoriza para depois injustamente etiquetar como inferior todo um conjunto de cidadãos. Numa
sociedade
heterossexista,
a
heterossexualidade é tida como normal e todas as pessoas são consideradas heterossexuais, salvo prova em contrário. A heterossexualidade é tida como "natural", quer em termos de estar próxima do comportamento animal, quer em termos de ser algo inato, instintivo e que não necessita de ser ensinado ou aprendido. Quando seres humanos dizem que algo é "natural", em oposição a um comportamento "adquirido"
através
de
um
processo
de
aprendizagem, geralmente querem dizer que não é possível desafiá-lo nem mudá-lo e que seria até mesmo
perigoso
tentar
fazê-lo.
No
passado,
dominava a idéia de que os homens eram "naturalmente" melhores nas ciências e no desporto e líderes natos, mas as mulheres tiveram a oportunidade de desafiar estas idéias e de mostrar o 87
homem
e
a
mulher
numa
perspectiva
completamente diferente. Este desafio foi facilmente perpetuado assim que se começou a evidenciar que os homens são empurrados para posições de vantagem por uma sociedade que está estruturada para beneficiá-los, um processo (a opressão das mulheres) mais tarde denominado de sexismo. Do mesmo modo, tem-se tornado evidente que
a
heterossexualidade,
tal
como
a
dita
superioridade masculina, é tão natural, como adquirida. O fato de a maioria dos homens e mulheres a escolherem como a sua forma preferida de sexualidade tem por vezes mais a ver com persuasão, coerção e a ameaça de ostracização do que com a sua superioridade. O heterossexismo está institucionalizado nas nossas leis, órgãos de comunicação social, religiões e línguas. Tentativas de impor a heterossexualidade como superior ou como única forma de sexualidade são uma violação dos direitos humanos, tal como o racismo e o sexismo, e devem ser desafiadas com 88
igual
determinação.
Manifestações de homofobia internalizada 1.
Negação
da
sua
orientação
sexual
(do
reconhecimento das suas atrações emocionais e sexuais) para si mesmo e perante os outros. 2. Tentativas de mudar a sua orientação sexual. 3. Sentir que nunca se é "suficientemente bom" (por vezes
tendência
para
o
"perfeccionismo").
4. Pensamentos obsessivos e/ou comportamentos compulsivos. 5. Fraco sucesso escolar e/ou profissional; ou sucesso escolar e/ou profissional excepcional, como forma de ser 6.
aceite. Desenvolvimento
emocional
e/ou
cognitivo
atrasado. 7. Baixa auto-estima e imagem negativa do próprio
89
corpo. 8. Desprezo pelos membros mais "assumidos" e "óbvios" da comunidade Gay, Lésbica, Bissexual e Transgêneros. 9. Desprezo por aqueles que ainda se encontram nas primeiras fases de assumir a sua homossexualidade. 10.
Negação
de
que
a
homofobia/o
heterossexismo/a bifobia/a transfobia/o sexismo são
de
fato
problemas
sociais
sérios.
11. Desprezo por aqueles que não são como nós; e/ou desprezo por aqueles que se parecem conosco. 12. Projeção de preconceitos num outro grupo alvo (reforçado pelos preconceitos já existentes na sociedade). 13. Tornar-se psicológico ou fisicamente abusivo; ou permanecer
num
relacionamento
abusivo.
14. Tentativas de passar por heterossexual, casando, por vezes, com alguém do sexo oposto para ganhar aprovação social ou na esperança de "se
curar".
15. Crescente medo e afastamento de amigos e familiares. 90
16. Vergonha e/ou depressão; defensividade; raiva e/ou ressentimento. 17. Esforçar-se pouco ou abandonar a escola; faltar ao
trabalho/fraca
produtividade.
18. Controlo contínuo dos seus comportamentos, maneirismos, crenças
e
idéias.
19. Fazer os outros rir através de mímicas exageradas dos estereótipos negativos da sociedade. 20. Desconfiança e crítica destrutiva a líderes da comunidade GLBT. 21. Relutância em estar ao pé ou em mostrar preocupação por crianças por medo de ser considerado “pedófilo". 22. 23.
Problemas Práticas
com
sexuais
as não
autoridades. seguras
e
outros
comportamentos destrutivos e de risco (incluindo riscos de gravidez e de ser infectado com HIV). 24. Separar sexo e amor e/ou medo de intimidade. Por vezes pouco ou nenhum desejo sexual e/ou celibato. 25. Abuso de substâncias (incluindo comida, álcool, 91
drogas
e
outras).
26. Desejo, tentativa e concretização de suicídio.
Fatos: -A
homofobia/o heterossexismo/a
bifobia/a
transfobia são formas de opressão, não são simples medos. -
A
homofobia/o
transfobia
estão
heterossexismo/a infiltrados
na
bifobia/a
sociedade.
- É difícil não internalizar as noções negativas da sociedade
em
bissexualidade
relação e
à
homossexualidade,
transgenerismo.
- Não temos culpa se internalizamos estas noções negativas. - Há passos que podem ser dados para reduzir, ou mesmo
eliminar,
a
opressão
internalizada.
- Trabalhar para eliminar a opressão internalizada é um processo longo - por vezes de uma vida inteira. Traduzido por Rita P. Silva de "Internalized 92
Homophobia: From Denial to Action - An Interactive Workshop" de Warren J. Blumenfeld
93
Referências________________________________ ADELMAN, Míriam. Paradoxos da Identidade: A política de orientação sexual no século XX. Revista de Sociologia e Política, São Paulo, n. 14 p.163-171. 2000. CAPOTE, Truman. A Sangue Frio. São Paulo, Ed. Abril Cultural. 1980. LARAIA, Roque de Barros. Cultura – Um conceito antropológico. São Paulo: Ed. Jorge Zahar. 2001. MOTT, Luiz; CERQUEIRA, Marcelo. Matei Porque Odeio Gay. Salvador: Ed. Grupo Gay da Bahia. 2003. MOTT, Luiz. Assassinato de Homossexuais – Manual de Coleta de Informações, Sistematização & Mobilização Política Contra Crimes Homofóbicos. Salvador: Ed. Grupo Gay da Bahia. 2000. MOTT, Luiz; CERQUEIRA, Marcelo. Causa mortis: homofobi.
Violação
dos
direitos
humanos
e
assassinato de homossexuais no Brasil – 2000. Salvador: Ed. Grupo Gay da Bahia. 2001.
94
MOTT, Luiz. O crime anti-homossexual no Brasil. Salvador: Ed. Grupo Gay da Bahia. 2002. MOTT, Luiz. Violação dos direitos humanos e assassinato de homossexuais no Brasil – 1999. Salvador: Ed. Grupo Gay da Bahia. 2000. MOTT, Luiz. VALE, Alexandre. Antropologia e Sexualidade: por um descentramento da enunciação cientifica. Bagoa, São Paulo, n.2, p.115-132, 2000. Relatório Resumido de Propostas do Iº Seminário Nacional de Segurança Pública e Combate a Homofobia. Rio de Janeiro. 2007. Programa de Combate à Violência e à Discriminação contra GLTB e de Promoção da Cidadania Homossexual. Sites: http://www.ggb.org.com http://br.geocites.com/luizmottbr.html 95