Por que R$ 2,15? A nova tarifa do transporte público urbano diante da qualidade do serviço e do futuro anunciado pela prefeitura de São Borja Liziane Wolfart, Rafael Junckes e Tamara Finardi
No dia 20 de junho, na sala do Pleno da Secretaria Municipal de Segurança Pública e Trânsito (SMSPT), localizada na Prefeitura Municipal de São Borja, se reuniram em sessão extraordinária o Conselho Municipal de Transporte Coletivo (CMTC) de São Borja e Alexandre Saccol, o gerente geral da Santa Ignês, empresa que realiza o transporte público urbano na cidade. Na reunião foi apresentada a Medida Provisória nº 617, de maio de 2013, que isenta a contribuição de PIS e COFINS das empresas prestadoras de transporte coletivo. Na próxima reunião, no dia 24, o novo preço das passagens do transporte público urbano seria decidido. Dos R$ 2,30, o valor seria reduzido para R$ 2,15. R$ 1,05 para estudantes e servidores públicos. Antes deste dia o Brasil presenciou muitos momentos turbulentos pautados pelas tarifas do transporte em Porto Alegre, São Paulo, Rio de Janeiro e várias outras cidades. Junho foi um mês agitado. A geração que nasceu depois dos anos 90 ainda não tinha presenciado tamanho movimento nas ruas. Tamanho no sentido da proporção que a mobilização tomou. Protestos sempre aconteceram, a cobertura dos canais abertos de televisão brasileira sempre foi a mesma. Até quinta-feira, 13 de junho. A TV trazia em coro o termo ‘vandalismo’, já a internet a denuncia de truculência e violência da força policial e de minorias civis. Esse foi o estopim que acabou espalhando fagulhas para todos os cantos do Brasil. O que se viu nos dias seguintes foi milhões de brasileiros protestando e reivindicando seus direitos. Dias de luta se sucederam buscando a melhoria de transporte coletivo urbano. A pequena cidade na fronteira oeste do Rio Grande do Sul não poderia deixar de mostrar sua voz. No dia 25 de junho – um dia após a reunião que definiu o novo preço do transporte ter sido realizada sem divulgação para a população - uma carta de intenções, que reivindicava melhorias no transporte público, foi entregue na Câmara de Vereadores de São Borja. A carta, nascida de uma reunião entre pessoas da comunidade, em maioria jovens universitários, era construída como reflexo organizado das manifestações nacionais de muitas pautas e vozes. No dia 26 - coincidentemente o dia que iniciava o semestre letivo na Unipampa - os são-borjenses foram convidados a ir à rua, para
reivindicar seus direitos. Dentre eles, a diminuição da tarifa do transporte público da cidade, que à época ainda estava fixada em RS 2,30. Dois dias após esse manifesto, houve a divulgação, o valor decidido pelas representações municipais entraria em vigor no primeiro dia de julho. O Conselho Municipal de Transporte Coletivo de São Borja, que se reuniu no dia 20 de julho com o gerente da empresa de transporte coletivo, é composto por representantes da Secretaria Municipal de Infraestrutura (SMIE); Secretaria do Planejamento, Orçamento e Projetos (SMPOP); Secretaria de Segurança Pública e Trânsito (SMSPT); Consultoria Jurídica e de Responsabilidade Fiscal; Associação de Condutores Autônomos de São Borja; Sindicato dos Transportes Rodoviários de São Borja; União das Associações de Moradores de São Borja (USAM); Conselho Superior do Plano Diretor e Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias da Construção e do Mobiliário de São Borja. São oito representações. Na reunião extraordinária, onde estavam presentes apenas representantes da SMSPT, SMPOP, USAM e a Associação de Condutores Autônomos de São Borja, foi apresentada a MP nº 617 e outra alteração referente aos tributos das empresas de transporte coletivo. Esta se dá na exoneração de 20% da contribuição patronal do INSS, convertida no recolhimento de 2% do faturamento bruto da empresa. A partir dessas colocações, o valor da tarifa entrou em discussão. Alexandre Saccol expôs uma planilha, conhecida pelo nome GEIPOT, que continha os custos da empresa. O GEIPOT, extinto em 2008, foi instituído em 1965 e esteve ligado ao Ministério dos Transportes para assessorar em questões de política nacional e planejamento de transportes no país. Sua sigla, apesar de nunca ter sido modificada, teve várias denominações ao longo do tempo, veja na tabela abaixo. Com o uso da tabela GEIPOT, Saccol defendeu que com a redução do PIS e COFINS a tarifa deveria permanecer em R$2,30. Tinha-se em vista o reajuste anterior, de novembro de 2012, quando a empresa solicitou o aumento para R$2,44 e o prefeito fixou nos conhecidos R$2,30. O gerente geral da Santa Ignês também sugeriu a isenção dos impostos municipais, que cobram 5% sobre do faturamento bruto da empresa (3% de Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza, ISSQN, e 2% da Agência Municipal de Regulação dos Serviços Públicos, AGESB). A partir daí, a tarifa poderia ser reduzida, segundo ele, para R$2,20. Diante das contestações apresentadas em relação aos cálculos utilizados, foi sugerida a apresentação de um novo relatório com as planilhas de custo da empresa.
O GEIPOT, denominado Grupo Executivo de Integração da Política de Transportes foi criado em 1965 (sob o Decreto nº57.003, de 11 de outubro de 1965), subordinado pelo Ministério de Viação e Obras Públicas, Ministro de Estado e Fazenda, Ministro Extraordinário par ao Planejamento e Coordenação Econômica, e pelo Chefe do Estado Maior das Forças Armadas. Em 1967 o grupo passou a ser controlado pelo Ministério de Estado dos Transportes e teve sua denominação alterada para Grupo de Estudos para interação da Política de Transportes. Em 1973 a denominação do grupo foi novamente alterada para Grupo de Estudos em Empresa Brasileira de Planejamento de Transportes, mas a sigla GEIPOT foi mantida. O grupo criou uma planilha para o cálculo de tarifas de ônibus urbano, conhecida popularmente como Tabela GEIPOT. Segundo a planilha, a tarifa é definida pelo rateio do Custo Total dos Serviços entre os passageiros pagantes.
É representada pela equação:
T = CT/P
Onde: T = tarifa CT = custo total P = número de passageiros pagantes
Mas essa é apenas a fórmula geral da tabela. Cada item apresentado acima contém diversos subitens, calculados por novas fórmulas. Com a criação do CONIT, ANTAQ, ANTT e DNTI, em 2002 o GEIPOT entrou em fase de liquidação. Em 2008 o grupo é extinto pela Medida Provisória nº 427, de maio de 2008. Apesar disso a tabela ainda é usada em muitas cidades do país. Seu uso sofre críticas, visto que a última atualização data de 1996 e as fórmulas podem não atender os índices financeiros atuais.
Quatro dias depois, uma nova sessão extraordinária foi realizada. Seguindo a linha da reunião anterior, o contador da prefeitura, Joicemar Tavares Pereira, destacou que, com a desoneração do INSS sobre o custo de R$ 2,44, apresentado pela empresa concessionária, o valor da tarifa ficaria em R$ 2,26. Descontando a taxa de PIS e
COFINS, a redução geraria o valor de R$ 2,13. Saccol argumentou que a empresa estava repondo o valor do último reajuste que, ao invés dos R$ 2,44, ficou em R$ 2,30. Após a exposição dos argumentos, os integrantes do Conselho Municipal de Transporte Coletivo presentes na reunião deram sua opinião sobre qual seria o valor ideal. Por maioria dos votos, foi decidida a atual tarifa de R$ 2,15. A decisão é tomada em conjunto pelo Conselho, mas ela precisa passar pela avaliação da AGESB e do prefeito do município. José Claudio Tasca, vice-presidente da USAM, é um dos integrantes que representa as entidades civis no Conselho Municipal de Transporte Coletivo. “Os conselheiros aconselham o chefe do executivo, mas é o chefe do executivo quem toma a decisão final”. Na reunião, Tasca votou pelo valor de R$ 2,10. Ele acredita que a empresa já deveria ter suprido os investimentos que fez, considerando o tempo em que está na cidade, 20 anos. Descontando os anos em que a Santa Ignês não pertencia ao Grupo Medianeira, são 12 anos. No dia 25 de junho a AGESB recebeu um pedido para dar seu parecer, em caráter ‘urgente urgentíssimo’. No mesmo dia os integrantes da Agência Municipal Reguladora dos Serviços Públicos do município se reuniram para discutir o assunto. Conforme os estudos realizados, a redução do INSS e a isenção do PIS e COFINS refletiam em 7,23% de redução no valor da tarifa, “tirando esse PIS/COFINS fazendo toda a análise de novo nós entendemos que o preço da tarifa do ônibus deveria ser 2 reais e 10 centavos”, afirma o presidente da AGESB, Manoel Antonio Pinheiro Filho. Se aplicado, a tarifa seria de R$ 2,08. Através da Resolução Normativa 004/2013, que confere a AGESB o poder de arredondar o valor da tarifa em um múltiplo de 5, o valor definido pelos votos dos conselheiros da Agência se estabeleceu em R $2,10. Valor não acatado. A redução ficou em 6,5% do valor anterior. Para Saccol o calculo da redução foi feita de maneira equivocada “a planilha GEIPOT é desenvolvida por um grupo gestor do Ministério dos Transportes e ali existem critérios, ali é onde a gente desenvolve o custo da tarifa, ali é feito os cálculos, ali é colocado os insumos do transporte, eles são jogados pra dentro dessa planilha, e a tarifa deu 2 reais e 44 centavos em outubro de 2012, o prefeito na época deu um aumento de 2 reais e 30 centavos. Nós perdemos 14 centavos. A Dilma foi lá e tiro o PIS e o COFINS pra diminuir o custo da tarifa pra ser mais acessível, logo o preço base da tarifa pra se baixar é os 2 reais e 44 centavos que tínhamos apontado lá”.
Demonstração de cálculo: Parâmetro de cálculo da AGESB -
R$2,25
Índice de redução do INSS 3,58% - R$0,080 Índice de isenção do PIS e COFINS 3,65% - 0,082 Total a reduzir - R$0,162 Valor calculado da tarifa com as reduções e isenções - R$2,088
Na sexta-feira, 28 de julho, o prefeito toma a decisão final. Assina o decreto que fixa o novo valor da tarifa do transporte coletivo urbano, R$2,15. Justificando que “nós não podemos causar um impacto na empresa e amanhã ou depois não ter um produto de qualidade, uma prestação de serviço de qualidade. E ela tá sendo feita com uma qualidade muito boa, apesar de hoje a empresa estar num período difícil, porque o contrato licitatório não diz se a empresa vai ficar ou vai sair. Então ela está terminando, já está no prazo limite da licitação”. Em operação desde 2009 sem uma licitação regulatória, a Santa Ignês opera com uma frota de 21 veículos, sendo 19 operantes e dois em reserva. O ônibus mais antigo, segundo a empresa, data de 1997. O mais novo, 2009. Apenas dois deles possuem acessibilidade para pessoas com deficiência física que se locomovem em cadeira de rodas. Em maioria, os ônibus que operam em São Borja vieram de uma das três outras cidades em que o Grupo Medianeira também atua, Santa Maria, Ijuí e Cruz Alta. O novo edital está sendo construído pela Secretaria do Planejamento, Orçamento e Projetos da cidade. O objetivo da secretaria é que não haja impugnações futuras por parte do Tribunal de Contas do Estado ou das empresas concorrentes. Os últimos editais de licitação lançados pela prefeitura foram impugnados pelo Tribunal, por entender que deveriam ser feitas melhorias no documento. “O que acontece? Desde 2011 nós já publicamos três editais para tentar fazer o contrato com a empresa de transporte coletivo urbano. O primeiro e o segundo foram suspensos em função de algumas adequações que tiveram que ser feitas, outras por orientação do próprio Tribunal e aí nós acabamos revogando a licitação. Já estamos na terceira e está suspenso em função de recursos apresentados pelas empresas que estão interessadas em participar”, justifica a diretora da Secretaria do Planejamento Orçamento e Projetos, Giliane Andreola. Para elaborar o edital a prefeitura criou uma comissão que o avalia o documento antes de enviar ao CMTC e à AGESB. Segundo o secretário de Segurança Pública e
Trânsito, Élcio Carvalho, o edital sairá nos próximos dias “o objetivo da administração hoje é fazer o mais rápido possível, mas esta rapidez não pode ser de maneira que o edital saia com algum vício, que propicie um mandado de segurança e postergue mais ainda a decisão final. Então a situação é esta, nós estamos com uma empresa de forma precária prestando o serviço, porque não pode ser interrompido, e em processo administrativo tentando sanar os problemas do edital. Eu acredito que de 15 a 30 dias a gente republique o edital”. Ao contrário do secretário, Giliane não é tão otimista, ela não estipula um prazo para o lançamento da nova licitação. Por determinação do Tribunal de Contas, estão sendo analisados todos os pontos do documento. Novas pesquisas que indiquem o número de passageiros ao mês devem ser realizadas. A conta muda inversamente ao número de passageiros. A estimativa atual é que a Santa Ignês tenha 150mil usuários/mês, sendo 44mil com o benefício da meia passagem. Nesta realidade, a empresa prestadora do serviço na cidade atua precarizada e sem perspectivas que permitam a renovação de seus veículos. “Se nós renovarmos hoje uma frota que está carente de renovação, que garantia nós teremos pra que haja um retorno deste investimento? Não tem nenhuma garantia, então a gente faz o melhor possível com a frota que tem”, garante Alexandre Saccol. Enquanto o edital não for lançado e não houver um vencedor, sobra a população usuária do transporte público a cobrança aos órgãos responsáveis, para que estes tomem conhecimento da pauta e agilizem mudanças imediatas nas condições de condução de passageiros em São Borja. O mês de junho não deve ser esquecido. José Claudio Tasca defende que os gritos da rua não devem ser silenciados, ao menos até as reivindicações serem atendidas. ”Porque eu vejo que a força do estudante é que nos ajudou a reduzir o preço da passagem, senão o prefeito não ia se mobilizar. O atual prefeito só vai se mobilizar quando a mocidade e os trabalhadores se mobilizarem com alguma coisa. Ele não baixou para R$ 2,15, os estudantes, os cidadãos de São Borja é que baixaram para R$ 2,15”, conclui Tasca.