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Introdução ao diagnóstico urbano: leitura urbana da área de estudo

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Livro Urbanismo II

Livro Urbanismo II

Diálogo aberto

O levantamento de dados sobre a área de intervenção é uma etapa básica para qualquer projeto relacionado ao campo de atuação da Arquitetura e Urbanismo, independentemente da escala em que se irá trabalhar. Essa contextualização é fundamental para que o projeto se adeque às condicionantes existentes e consiga se inserir e dialogar com o local em que será implantado. Dessa forma, o projeto urbano deve considerar uma série de aspectos relacionados ao ambiente natural e construído durante a sua elaboração, aspectos que são estudados na leitura urbana da área onde iremos intervir.

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Você está coordenando o desenvolvimento de um projeto de intervenção urbana, na escala de bairro, encomendado por uma prefeitura, e deve iniciar a etapa de leitura urbana da área de intervenção. Como a equipe não conhece a cidade onde o projeto será implantado, você acredita que a realização de uma visita in loco seja fundamental para a compreensão desse território. Assim, para organizar as atividades da sua equipe, você define que os levantamentos de dados serão realizados de dois modos: a) no próprio escritório, por meio de pesquisas documentais que permitam a identificação das características do suporte biofísico, da população residente, do uso e ocupação do solo e dos parâmetros legais que regulam a área. b) a partir de um levantamento de campo, ou seja, de uma visita à cidade e à área do projeto a fim de confirmar e complementar os dados coletados no escritório; observar a dinâmica local e também estabelecer as problemáticas e a potencialidades da área.

A visita à campo está agendada para semana seguinte, e você deve orientar a execução da primeira parte do levantamento que será realizada pelas pesquisas no escritório. Assim, para possibilitar uma boa leitura urbana da área, você se questiona: quais são as principais temáticas que precisam ser consideradas na etapa de leitura urbana? Quais dados devem ser levantados dentro das grandes temáticas apontadas? Onde eles podem ser encontrados?

Para lhe auxiliar neste processo, nessa seção apresentaremos uma série de estudos com diferentes propostas e métodos para a realização da leitura

urbana, a partir dos quais foram selecionadas as principais variáveis a serem levantadas, compondo um roteiro para a leitura do território.

Vamos dar início ao desenvolvimento de nosso projeto?

Não pode faltar

Como apresentado na primeira unidade, o desenvolvimento de um projeto de desenho urbano deve ser embasado no conhecimento do processo de formação das cidades e na reflexão sobre a forma urbana enquanto resultante da ação do arquiteto urbanista. Sem esse conhecimento prévio, a atuação do profissional tende a ser superficial e desconectada da realidade (LAMAS, 2004). Logo, a etapa inicial de um projeto urbano deve debruçar-se sobre o estudo e a caracterização da área de intervenção, por meio da leitura urbana desse território, sua análise e sistematização dos resultados em um diagnóstico urbanístico da área.

O conceito de leitura urbana se relaciona ao entendimento do espaço como linguagem, que se comunica globalmente em uma representação através de signos, organizando uma estrutura de informação que é um dos elementos básicos de apreensão do real. Portanto, a cidade pode ser entendida como um “texto não-verbal”, uma rica fonte de informação, que pode ser apreendida e registrada pelas pessoas, transformando-se em marcos referenciais da cidade e criando uma imagem urbana (FERRARA, 1993). O desenho urbano é um campo disciplinar que agrega métodos de análise e atuação de várias disciplinas, marcado pela complementariedade de campos teóricos, possibilitando um melhor entendimento da complexidade do espaço urbano. Por isso, não existe uma teoria ou método único que seja suficientemente amplo para garantir uma compreensão total do urbano. A análise urbana deve ser construída a partir da combinação de diversas teorias que permitam uma resposta adequada ao problema específico que se está enfrentando (DEL RIO, 1990). Como apontam Maziero e Bonametti (2015), diversos autores desenvolveram estudos sobre os procedimentos metodológicos para leitura e avaliação do ambiente urbano. Em comum, essas teorias se baseiam na interpretação de aspectos de qualidade ambiental, seus significados e sua inter-relação.

Para Carlos (2007), a leitura da cidade deve ser feita a partir da relação entre sua realidade material e a sociedade que a conforma, tendo como base a compreensão do processo de produção, a apropriação e a reprodução do espaço urbano que se articula nos planos: econômico, onde a cidade visa a produção de capital; político, onde a cidade é o resultado formal das leis que regulam a ocupação; e social, em que a cidade é produzida como lócus da sociedade. A proposta metodológica de leitura urbana de Ferrara (1993) compreende a observação de campo com o objetivo de apreender as formas de relação entre o homem e o espaço urbano. Para isso, a cidade precisa ser recortada em fragmentos de espaço que permitam a percepção

do usuário, sua interpretação a partir de aspectos físicos, visuais ou funcionais, e sua comparação a fim de estabelecer semelhanças e diferenças. Também é necessário contextualizá-los quanto à sua história, transformações sociais e econômicas e suas características geográficas.

Del Rio (1990) apresenta um enfoque metodológico para o estudo da cidade, que busca dar suporte ao desenvolvimento de propostas de desenho urbano. Ele se baseia no conceito de “sentido do lugar” de David Carter, para quem a qualidade do lugar de relaciona à experiência humana em relação aos atributos físicos do ambiente, os usos e atividades ali desenvolvidos e as concepções e a imagem criadas por essa vivência. Del Rio reinterpreta essas dimensões e propõe a leitura urbana por meio de quatro categorias de análise: morfologia urbana, análise visual, percepção do meio ambiente e comportamento ambiental. Dentre elas, nos deteremos às suas proposições sobre a leitura da morfologia urbana, uma vez que as outras dimensões compreendem a análise das relações entre os usuários e o ambiente, e serão tratadas à frente.

Figura 2.1 | Esquema representativo da formação do sentido do lugar de David Carter e derivação dos aspectos analíticos propostos por Del Rio (1990)

Comportamento ambintal

atividades Morfologia urbana

atributos físicos

Sentido do lugar

Análise visual concepções e imagens Percepção do ambiente

Fonte: adaptada de Del Rio (1990, p. 70).

A categoria de análise da morfologia urbana se relaciona à Geografia, e irá estudar a forma urbana, ou seja, a produção, transformação e interação do tecido urbano e de seus elementos construídos. A partir de uma revisão teórica de estudos de morfologia urbana, Del Rio (1990) destaca temas que são relevantes e que podem guiar a leitura de um território: o crescimento urbano, que pode ser avaliado a partir de seus modos, intensidades e direções, sendo possível a utilização dos procedimentos de análise de Panerai (2006), os quais vimos anteriormente. O traçado e o parcelamento do solo, que pode ser avaliado a partir da estruturação do sistema viário e do perfil fundiário, considerando a circulação e acessibilidade da área, bem como as distâncias

entre equipamentos e, num aspecto mais global, a conexão da área de intervenção com a cidade, também considera as relações e articulação entre o espaço público e privado, igualmente entre espaço livre e construído (DEL RIO, 1990).

Especificando essa avaliação do ambiente construído, é possível investigar as tipologias dos elementos urbanos através do levantamento do uso e da ocupação do solo que lista e categoriza as atividades desempenhadas por lotes e edificações, identificando a situação de ocupação, os usos predominantes por quadras, a distribuição dos espaços livres públicos como praças e parques, entre outros. A articulação entre todos esses elementos deve ser pensada a fim de esclarecer, por exemplo, as hierarquias; relação entre público e privado e entre cheios e vazios; e densidades (DEL RIO, 1990).

Saiba mais

A análise de uso e ocupação do solo pode ser mais ou menos detalhada em função da escala e dos objetivos da análise. Para mais informações sobre a análise do uso do solo, você pode ler o artigo escrito pelo Professor Renato Saboya, sobre o tema no site Urbanidades. SABOYA, Renato T. Analisando os usos do solo. Urbanidades. 19 ago. 2007.

Partindo de uma abordagem que integra prática e teoria, Barros e Bentley (2012) apresentam uma metodologia que prevê a compreensão da cidade como um sistema ecológico formado por subsistemas em interação, sendo eles: infraestrutura natural, sistema de articulações públicas, lotes, edificações e componentes. Assim, as análises e as propostas projetuais estão vinculadas aos subsistemas e englobam tanto o levantamento das características biofísicas e do ambiente construído, como das dinâmicas sociais da área. Nesse contexto, os autores apontam a necessidade de uma leitura prévia do território que deve se basear na percepção da imagem da área, aos moldes da análise de imagem da cidade elaborada por Lynch (1997) e na identificação de problemáticas e potencialidades da área, através da aplicação da matriz FOFA (Forças, Oportunidades, Fraquezas e Ameaças), também conhecida como matriz SWOT (Strengths, Weaknesses, Opportunities, Threats) na terminologia em língua inglesa, que analisa as forças, fraquezas, oportunidades e ameaças existentes no local.

A análise FOFA ou SWOT, é um instrumento originado no campo da administração, vinculado às metodologias de planejamento estratégico, que permite uma breve análise focada nos pontos fortes e nos pontos fracos de uma organização, a fim de subsidiar a definição de estratégias e a tomada de decisões sobre o planejamento ou ação. Uma das etapas do planejamento estratégico das cidades é a avaliação do ambiente quanto Figura 2.2 | Matriz para aplicação da análise FOFA – SWOT aos fatores internos e externos, ou seja, aplicação da matriz FOFA.

Na análise dos fatores externos são avaliadas situações que se caracterizam como oportunidades ou ameaças para a cidade e cujas variáveis não podem ser controladas pelo planejador. A análise dos fatores internos, por outro lado, envolve a avaliação de pontos positivos (forças) e negativos (fraquezas) que podem ser controlados e Fonte: elaborada pela autora. modificados com o projeto de intervenção, bem como auxiliar ou atrapalhar o desenvolvimento das propostas (SABOYA, 2008).

A leitura da cidade, por sua característica multidisciplinar, pode assumir diferentes abordagens e focar nos aspectos que são mais relevantes ao contexto local relativo à inserção do projeto. Por isso, com base nos estudos apresentados, indicamos algumas temáticas centrais que precisam ser consideradas no levantamento de dados para a leitura urbana do projeto urbano, e que poderão ser complementadas por outras camadas de informações, se for preciso. Também propomos a realização do levantamento em duas etapas: inicialmente, uma coleta de dados abrangente em órgãos públicos e bases oficiais que subsidiem a construção de uma base cartográfica com as características do suporte físico, do sistema viário, do parcelamento e da ocupação da área de intervenção, bem como a identificação dos marcos regulatórios que incidem sobre a área. Em seguida, uma visita à campo que possibilite a complementação e checagem dos dados já obtidos, ou a coleta inicial dos mesmos, nos casos em que seja necessário. Buscando a organização e sistematização dos dados que serão coletados, sugerimos a utilização de recursos gráficos, como desenhos, mapas, croquis, esquemas e fotografias, que podem ser amplamente utilizados para auxiliar esse processo de leitura urbana.

Reflita

Muitos municípios brasileiros têm dificuldades em elaborar e disponibilizar suas cartografias, aliado a isso, não existe um modelo único de cadastro urbano a ser seguido no país. Esse cenário se reflete em problemas técnicos e administrativos e uma grande discrepância na qualidade de informatização da base de dados cadastrais dos municípios, onde de um lado têm-se cidades com avançadas geotecnologias frente a outras que sequer possuem cartografia tradicional (LOCH; ERBA, 2007; GREENBERG; OLIVEIRA; LOCH, 2012). Como podemos tentar contornar essas deficiências para a realização da leitura urbana para um projeto?

Na disciplina de Urbanismo II, daremos um maior enfoque à leitura da morfologia urbana da área de intervenção a partir da identificação e caracterização das relações entre os elementos morfológicos que compõem o ambiente físico e o ambiente construído. Por desempenhar uma ação direta na produção da forma da cidade, os aspectos legais que regulam a ocupação da área, também precisam ser levantados e são essenciais para o desenvolvimento do projeto e sua adequação à realidade local. Além das características relacionadas à forma urbana e sua produção, também é essencial ter um conhecimento geral sobre a demografia local, ou seja, a população residente no entorno da área de intervenção e dentro de seu perímetro, quando for o caso, a fim de contextualizar socialmente quem são os usuários que irão interagir com o projeto em desenvolvimento. Em conjunto, com a leitura dessas dimensões também recomendamos a identificação das principais problemáticas e potencialidades do local, a fim de definir as questões centrais a serem enfrentadas para adequação do projeto à área estudada. Diante da definição desses aspectos gerais que guiarão a leitura urbana, propomos um roteiro básico que deve ser considerado na etapa de coleta de dados.

Roteiro para leitura do território - Urbanismo II

1. Suporte biofísico:levantamento de dados sobre relevo (curvas de nível e declividade); hidrografia (rios, córregos e drenagem urbana); vegetação (remanescentes de matas nativas, florestas urbanas, áreas de proteção e conservação ambiental, arborização urbana); clima (regime pluviométrico, incidência de sol e ventos predominantes); distribuição do sistema de espaços livres e classificação tipológica (espaço livre de circulação, espaço livre de preservação e caráter ambiental, espaço livre de convívio e lazer, e espaço livre associado a equipamentos públicos). O levantamento desses dados pode ser feito por pesquisa documental, junto à Prefeitura Municipal, órgãos ambientais municipais e estaduais e no Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A identificação de áreas vegetadas e a distribuição dos espaços livres

públicos, pode ser levantada a partir da interpretação de imagens de satélite, e também com pesquisa de campo.

Figura 2.3 | Levantamento fisiografia: relevo, hidrografia e áreas verdes, praças e parques. Recorte urbano do distrito do Tatuapé – São Paulo

2. Aspectos legais: o levantamento de dados sobre a legislação que incide sobre a área de intervenção compreende a identificação das diretrizes urbanísticas estabelecidas pelo plano diretor, lei de parcelamento uso e ocupação do solo e demais legislações municipais, como visto na última seção. Dentre as informações essenciais, que precisam ser consideradas nesta etapa de levantamento, destacamos: zoneamento da área; usos e atividades admitidos para cada zona identificada; requisitos urbanísticos para o parcelamento do solo e suas especificidades de acordo com as zonas demarcadas (tamanho de lote, dimensionamento do sistema de circulação, destinação de áreas para implantação de equipamentos públicos), além de gabaritos e taxas de ocupação máximos, sobretudo para compreender a relação entre rua e edificações e a transição do espaço público para o privado. 3. Demografia: o levantamento de dados sobre a população residente se relaciona à caracterização da ocupação do território e contextualização da interação entre os usuários e as propostas de projeto. Deve-se considerar inicialmente as informações demográficas da área, indicando o número de habitantes, a densidade demográfica, o perfil de etário e de renda da população, dos setores censitários que compõem o recorte de estudo, informações disponibilizadas na sinopse do Censo 2010 (IBGE, 2010).

Exemplificando

A territorialização dos dados demográficos relativos aos censos, muitas vezes requerem uma manipulação das informações, com auxílio de ferramentas de geoprocessamento que agregam os dados estatísticos às bases vetoriais disponibilizadas pelo IBGE, no seu portal digital. As informações sobre renda e população, por exemplo, podem ser analisadas em nível territorial a partir dessa sistematização. Mas, também é possível consultar essas informações através das plataformas ‘Atlas Digital - Brasil 1 por 1’ (IBGE, 2018a), que apresenta as informações do censo 2010 em formato de grades estatísticas, ou seja, uma escala mais abrangente. Disponível em: http://mapasinterativos.ibge.gov.br/atlas_ ge/brasil1por1.html. Acesso em: 14 jan. 2019. E também na plataforma iterativa ‘Sinopse por setores – Censo 2010’ (IBGE, 2018b), que apresenta os dados relativos à população, domicílios e pessoas por faixas etárias, em uma escala mais detalhada, pois os dados estão disponibilizados segundo os setores censitários. Disponível em: https://censo2010.ibge.gov.br/sinopseporsetores. Acesso em: 14 jan. 2019.

4. Uso e ocupação do solo: levantamento da ocupação do solo através de mapas de cheios e vazios (identificar espaços edificados, a disponibilidade de área livre, as relações entre público e privado); dos usos predominantes por edificação ou quadra (seguir a classificação básica: residencial, comercial e serviço, misto, institucional, industrial, áreas verdes e de lazer, sem ocupação); do gabarito das edificações; da existência de edifícios tombados como patrimônio histórico e da localização de equipamentos públicos de saúde, educação, cultura, esportes e assistência social. Esse levantamento edilício pode ser feito a partir de consultas à dados oficiais, como plantas cadastrais e banco de dados geográficos (quando possível), aos levantamentos fotográficos do Google Street View, ou através de visita de campo. 5. Sistema viário: levantamento da hierarquia do sistema viário (vias estruturais, arteriais, coletoras, locais); conectividade (continuidade do traçado viário e conexão global - cidade, e local - bairros); dinâmica local em relação aos deslocamentos (localização dos principais fluxos de veículos, pedestres e ciclistas); condições de acesso por meio do transporte público e modais ativos (ciclistas e pedestres) e acessibilidade universal, observando as recomendações da NBR 9050 (ABNT, 2015). A leitura do traçado viário pode ser feita a partir da análise de plantas cartográficas e imagens de satélite para caracterização dos aspectos configuracionais como hierarquia e conectividade. Porém, os dados relacionados à dinâmica da área, como fluxos e facilidade de acesso, precisam ser coletados com a observação in loco.

6. Problemática e potencialidade da área: a avaliação dos pontos fortes e fracos encerra a leitura urbana e pode ser considerada como uma análise urbana inicial do recorte. Ela deve ser feita a partir dos dados coletados e da visita de campo, ponderando suas possíveis influências ao projeto. Por isso, sugerimos que durante a visita sejam feitas fotos, croquis e anotações que auxiliem na identificação dos problemas e potenciais encontrados.

Assimile

A leitura urbana pode ser entendida como um conjunto de técnicas e métodos, com características multidisciplinares e complementares, que são aplicadas para estudar e analisar o espaço urbano. A caracterização da morfologia urbana e seus elementos são uma etapa comum em diversas propostas metodológicas. Por isso, destacamos as temáticas centrais que devem ser consideradas nessa leitura: suporte biofísico, demografia, uso e ocupação do solo, sistema viário, legislação urbanística e problemáticas e potencialidades.

Nesta seção, você conheceu as propostas metodológicas de leitura urbana de diversos autores e as principais temáticas que precisam ser observadas durante a leitura urbana. Com o roteiro aqui disponibilizado, você será capaz de realizar o levantamento de todos os dados necessário para compreender a área de intervenção e embasar suas futuras propostas para este projeto urbano.

Sem medo de errar

Você trabalha em um escritório de planejamento e desenho urbano e está coordenando a equipe responsável por desenvolver um projeto urbano de um bairro para uma prefeitura municipal. Seguindo o cronograma estabelecido, vocês devem iniciar a etapa de leitura urbana da área de intervenção, para isso, você propõe que o trabalho de levantamento e coleta de dados seja realizado em duas etapas, no próprio escritório por meio de pesquisas em documentos e informações oficiais, e também com pesquisa de campo, com a visita à área de intervenção e observação da dinâmica local.

Essa visita irá acontecer na semana seguinte, e nesse momento, você precisa orientar sua equipe na execução da primeira parte do levantamento que será realizada no escritório por meio de pesquisas. Buscando uma boa leitura urbana da área, você se pergunta: quais são as principais temáticas que precisam ser consideradas na etapa de leitura urbana? Quais dados devem ser levantados dentro das grandes temáticas apontadas? Onde eles podem ser encontrados?

Os procedimentos para a leitura urbana de uma área têm caráter multidisciplinar e podem ser adequados a fim de atender a complexidade e especificidades da área e do próprio projeto de intervenção. Tendo isso em mente, você se guia pela escala e pelos objetivos gerais do projeto estabelecidos pela contratante do serviço, a fim de definir os principais aspectos que precisam ser levantados. Por se tratar de um projeto de loteamento, na escala de um bairro, que deve se integrar à malha urbana existente, oferecer espaços públicos qualificados e diversidade de uso, e favorecer a integração social e qualidade de vida, você estabelece que a leitura urbana da área seja orientada a partir de aspectos chave, como morfologia urbana, legislação, demografia e problemáticas e potencialidades.

A cada um desses grandes temas, estão atrelados uma série de variáveis que precisam ser coletadas. Para orientar sua equipe durante o processo de levantamentos de dados, você pode estabelecer um roteiro para leitura do território, descrevendo todas as variáveis que deverão ser consideradas. No Anexo 2.1 | Fluxograma com roteiro para leitura urbana, você poderá observar um fluxograma, elaborado pelo autor,que procura organizar as etapas da leitura urbana, as variáveis a serem coletadas, os tipos de levantamento e os locais e modos onde buscar as informações necessárias.

Depois dessa organização, você e sua equipe iniciam a execução do levantamento remoto das variáveis. Para o levantamento da legislação urbanísticas, vocês pesquisam o plano diretor, o zoneamento e as leis de parcelamento e uso do solo, identificando a zona urbana e os parâmetros urbanísticos que incidem sobre área. Os resultados desse levantamento podem ser apresentados em mapa de zoneamento; tabelas indicando as dimensões do sistema viário, das áreas a serem doadas, dos lotes, gabaritos e taxa de ocupação permitidos; e quadros ou textos apontando os usos e as atividades permitidas nas zonas que compõem a área. Para o levantamento da demografia, vocês buscam informações junto à Sinopse do Censo 2010 (IBGE, 2010) e identificam o número de pessoas residentes, a densidade demográfica e a renda média. O resultado desse levantamento pode ser apresentado por meio de mapas temáticos ou textos e tabelas que descrevam as características demográficas da área.

Para o levantamento do suporte físico e do sistema viário,você e sua equipe aproveitam alguns dos materiais que já haviam sido pesquisados anteriormente, quando desenvolveram o relatório de apresentação da cidade e procuraram complementar essas informações com dados mais detalhados sobre a área de intervenção. Assim, vocês solicitaram, junto à prefeitura municipal e à secretaria de planejamento urbano, a disponibilização das bases cartográficas do município como: plantas cadastrais, dados vetoriais editáveis, mapas temáticos sobre distribuição de espaços livres públicos, relevo, hidrografia e

vegetação, mapeamento das malhas viária e fundiária. No caso de indisponibilidade de um material mais específico e aprofundado do município, você e a equipe podem realizar os levantamentos utilizando como base mapas geográficos estaduais ou regionais, mapas impressos ou imagens de satélite, buscando complementar e confirmar as informações obtidas com a visita de campo.

Em relação ao levantamento do uso e ocupação do solo, é preciso destacar a variável patrimônio histórico, que precisa ser levantada a partir de pesquisas documentais às leis, registros de tombo e inventários patrimoniais. Para as outras variáveis listadas para levantamento, o detalhamento dos dados disponibilizados também influenciará na viabilidade, ou não, de realizar a coleta de forma remota. Usando como exemplo a cidade de São Paulo, o portal ‘GeoSampa’ reúne a base de dados cartográficas do município, disponibilizando a consulta online e download de informações sobre os limites administrativos municipais, demografia e vulnerabilidade social, meio físico e recursos naturais, localização de equipamentos públicos, transporte, malha viária e fundiária, edificações, uso predominante do solo, legislação urbana, entre outros. Neste caso, grande parte da leitura urbana pode ser feita de forma remota por meio da análise e da organização dos dados existentes, aproveitando a visita de campo para verificação de informações e observação de potenciais e problemas. Já nos casos em que as informações prévias são insuficientes para a caracterização da área, é possível coletar os dados necessários a partir do levantamento de campo, que se baseia nas observações in loco das variáveis a serem estudadas e da sua sistematização através de anotações, croquis, esquemas que permitam o registro dos dados coletados.

Ao final dessa seção, você terá conhecimento das ferramentas e dos processos necessários para realizar a leitura urbana de uma área de estudo, e estará apto a iniciar o levantamento de dados com bases remotas e in loco. A leitura urbana é a etapa inicial para o desenvolvimento de um diagnóstico urbanístico, produto que você entregará ao final desta unidade.

Avançando na prática

Análise do entorno em projetos arquitetônicos

Descrição da situação-problema

Você trabalha em um escritório de arquitetura que foi contratado para desenvolver um projeto arquitetônico de uma residência. Durante as reuniões com a cliente, a Sra. Joana, você descreve as principais etapas do projeto de arquitetura que serão desenvolvidas até a primeira reunião de aprovação do

projeto. Assim, você explica que o projeto se inicia com o levantamento de dados para arquitetura, a fim de buscar informações sobre o local. A partir dessa caracterização do terreno e da área, é possível elaborar o programa de necessidades, reunindo expectativas e necessidades funcionais para a residência, que serão a base para o consequente estudo preliminar, que será apresentado em reunião e aprovado pela cliente.

Com dúvidas sobre esse processo de elaboração do projeto, a Sra. Joana lhe pergunta qual a importância da etapa de levantamento de dados para a arquitetura e quais são as informações que precisam ser coletadas durante essa fase. Ela aponta que tem certa urgência na elaboração e execução da obra e questiona se etapa não pode ser excluída a fim de agilizar o desenvolvimento das propostas.

E agora? Como você pode responder os questionamentos da cliente e apontar a importância da etapa de levantamento para qualquer projeto de arquitetura e urbanismo?

Resolução da situação-problema

Como respostas às questões apresentadas pela Sra. Joana, você explica que um projeto arquitetônico de uma residência deve considerar em sua etapa de levantamento de dados, no mínimo, informações sobre as características da vizinhança, normativas estabelecidas pelas leis municipais como usos permitidos, recuos e afastamentos, gabaritos etc., disponibilidade de serviços públicos na área, características climáticas como orientação solar e predominância de ventos e as características topográficas do terreno.

Você aponta que qualquer projeto arquitetônico ou urbanístico precisa se adequar a uma série de diretrizes legais, formatadas pela prefeitura municipal, a fim de garantir o desenvolvimento sustentável da cidade e qualidade de vida à população. Portanto, uma edificação não pode ser pensada isoladamente, pois ela está inserida em um contexto urbano e contribuí para a formação da cidade como um todo. Além disso, você também explica a necessidade de conhecer as características físicas do terreno, como sua topografia, para o desenvolvimento de uma proposta aquedada ao local, que não comprometa a estabilidade do terreno e não empregue uma solução que resulte em custos adicionais na execução da obra.

Sem essa etapa de levantamento de dados, não é possível estabelecer quais são as diretrizes legais e as condicionantes projetuais existentes, o que aumenta a probabilidade da não aprovação do projeto por inadequação às normativas legais estabelecidas.

1. Apesar dos avanços tecnológicos que moldam a atuação profissional de arquiteto e urbanista, alguns trabalhos teóricos e projetos urbanos antigos continuam exercendo grande influência no estudo urbano. Este é o caso do Mapa de Nolli, um conjunto de 12 pranchas que conforma um mapa completo da cidade de Roma elaborado pelo topógrafo Giovanni Battista Nolli no século XVIII. O método de representação figura-fundo usado por Nolli se tornou um dos mais usuais para análise morfológica até os dias atuais. (DEL RIO, 1990).

Figura | Detalhe do mapa de Nolli para a cidade de Roma, 1748

Fonte: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Giovanni_Battista_Nolli-Nuova_Pianta_di_Roma_ (1748)_05-12.JPG. Acesso em: 14 jan. 2019.

Observando o recorte do Mapa de Nolli para a cidade Roma, analise as informações: I. A técnica de figura-fundo consiste na representação dos elementos construídos (edifícios e quarteirões), como massas opacas, ou seja, as figuras ou os cheios, enquanto os espaços livres (ruas e praças) são representados em branco, como o fundo ou os vazios. II. A forma de representação adotada por Nolli se revelou muito válida para identificação das relações entre os domínios público, semipúblicos e privado. III. No Mapa de Nolli, o interior de edifícios públicos, como igrejas e prédios cívicos, também é representado como espaços livres, marcando um prolongamento dos espaços públicos exteriores para o interior das edificações e demarcando a existência de um espaço semipúblico.

Assinale a alternativa que apresenta a correspondência correta:

a) Todas as sentenças são falsas. b) I e II são sentenças verdadeiras.

c) II e III são sentenças verdadeiras. d) Apenas I é uma sentença verdadeira. e) Todas as sentenças são verdadeiras.

2.

““Como uma base de lançamento para o projeto, nós precisamos entender como as pessoas locais se sentem em relação àquele lugar como um todo, considerando todos os níveis que conformam um assentamento. ” (BARROS; BENTLEY, 2012, p. 14).

“Como uma base de lançamento para o projeto, nós precisamos entender como as pessoas locais se sentem em relação àquele lugar como um todo, considerando todos os níveis que conformam um assentamento. ” (BARROS; BENTLEY, 2012, p. 14). Para os autores, a cidade pode ser compreendida como um sistema ecológico formado por subsistemas em interação: infraestrutura natural, sistema de articulações públicas, lotes, edificações e componentes. Os elementos morfológicos e sociais que conformam cada um desses subsistemas podem ser levantados a partir de pesquisas e observações in loco. Analise as informações a seguir, marcando V para verdadeiro e F para falso. ( ) A leitura da infraestrutura natural deve ser a última etapa do processo de levantamentos de dados sobre a morfologia urbana. ( ) A leitura do sistema de articulações públicas pode ser feita com a verificação da hierarquia do sistema viário, caminhabilidade permitida pelo traçado local e a conexão espacial da área na escala global e local. ( ) A leitura do subsistema de componentes se aproxima da vida cotidiana da área e das características de seus potenciais usuários, por isso deve ser feita por meio de observações in loco.

Assinale a alternativa que representa a sequência correta.

a) b) c) d) e) F – V – V. F – F – F. V – V – V. V – F – F. F – V – F.

3. Considere um projeto de intervenção urbana com o objetivo de revitalizar uma antiga área industrial com grande importância histórica para uma cidade. A área passou por um intenso processo de desindustrialização e, atualmente, encontra-se degradada e com poucas atividades econômicas em funcionamento. Aliado a isso,

a área ainda sofre constantes alagamentos e conta com pouquíssimos espaços livres públicos e áreas verdes. A partir da leitura urbana dessa área de intervenção, foi realizada uma análise FOFA (forças, oportunidades, fraquezas e ameaças), a fim de identificar pontos fortes e fracos do local. Com base na descrição da área e na conceituação da análise FOFA, associe as dimensões de análise na coluna esquerda, com o respectivo conjunto de características na coluna direita.

Quadro | Matriz FOFA decomposta

I. Forças

II. Oportunidades

III. Fraquezas

IV. Ameaças 1. Descaracterização do patrimônio; enchentes e cheias; possibilidade de elevação dos preços e gentrificação da área. 2. Poucas áreas verdes e de convivência; falta de equipamentos urbanos de saúde e cultura; prioridade do veículo sobre o pedestre e pouca conectividade interna. 3. Novos investimentos públicos na área e revitalização da orla.

4. Patrimônio histórico; proximidade com área central; topografia plana e boa oferta de transporte público.

Quadro | Matriz FOFA decomposta

Assinale a alternativa que apresenta a correspondência correta.

a) b) c) d) e) I – 4; II – 3; III – 2; IV – 1. I – 3; II – 4; III – 1; IV – 2. I – 3; II – 4; III – 2; IV – 1. I – 4; II – 3; III – 1; IV – 2. I – 2; II – 4; III – 1; IV – 3.

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