A CIÊNCIA AJUDA VOCÊ A MUDAR O MUNDO
R$16,5bi R$12,8bi
CIENTISTAS VÃO ÀS RUAS CONTRA GOVERNOS
Loteria
OS LUGARES EM QUE TODO MUNDO RECEBE MESADA
Jogosilegais
COM PROIBIÇÃO, BRASIL DEIXA DE ARRECADAR MAIS DE R$ 15 BILHÕES • P.21
ENTREVISTA: RONALDO LEMOS E A TECNOLOGIA A FAVOR DA POLÍTICA P. 48
COMO A DESIGUALDADE COMPROMETE A SUA
Os ricos brasileiros vivem menos que os pobres suecos. Entenda como as grandes diferenças sociais estão afetando a qualidade de vida de toda a população
P. 30
C A RG A TRIBUTÁ RI A FEDER A L A PROX . 4,65%
P.58
309
VENDA PROIBIDA
P. 07
EDIÇÃO
EXEMPLAR DE ASSINANTE
P.64
FÍSICO REJEITA TEORIA DA GRAVIDADE DE EINSTEIN
R$14,00
DOSSIÊ JOGOS DE AZAR
edição de ipad
ABR. 17
NOVOAPPGALILEU
O MUNDO ESTÁMUDANDO CONSTANTEMENTE. TENHA TUDO O QUE PRECISA SABER SOBRE OS TEMASATUAIS NA PALMA DA SUA MÃO. Todo o conteúdo e todas as edições de GALILEU disponíveis em seu celular ou tablet, totalmente adaptados à tela.
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COMPOSIÇÃO EDIÇÃO DE ABRIL DE 2017
ANTIMATÉRIA
MATÉRIAS P.14 INFOMANIA ESCRITORES AFRICANOS
P.07 CIENTISTAS CONTRA TRUMP
P.10 DESAFIO CONTRA O CÂNCER P.11 A MOTOSSERRA E A POLÍTICA
P.15 ENTREVISTA COM M. NIGHT SHYAMALAN
P.30 A DESIGUALDADE NOS DEIXA DOENTES
P.15 MORGAN FREEMAN E SUA NOVA SÉRIE
P.42 ENSAIO A JORNADA DOS RINOCERONTES
P.16 AVALIAÇÃO COMPLETA DO NINTENDO SWITCH
P.48 ENTREVISTA RONALDO LEMOS
P.17 OS MELHORES CELULARES DE 2017
P.52 MULHERES DE OURO P.58 EXISTE DINHEIRO GRÁTIS
P.20 ELEMENTAR LENTE DE CONTATO
P.64 O QUE FAZ AS COISAS CAÍREM?
P.12 O BIÓGRAFO DA TEORIA DA RELATIVIDADE
P.13 PLANTINHAS ESPACIAIS
P.21 DOSSIÊ JOGOS DE AZAR
BOLADA O jogo do bicho movimenta anualmente cerca de R$ 12 bilhões com apostas sem supervisão do Estado.
P.71 TUBO DE ENSAIOS P.72 PANORÂMICA P.74 ULTIMATO
AutorA best-seller com mAis de 2 milhões de livros vendidos
Depressão não é frescura Em Mentes depressivas, a dra. Ana Beatriz Barbosa Silva, médica psiquiatra e escritora, disseca a depressão de forma inovadora ao abordar a doença do século por meio de suas três dimensões: física, mental e espiritual.
Nas livrarias e em e-book
PRIMEIRAMENTE
W W W.G ALILEU.GLOBO.COM
#309
QUEM FEZ A CAPA FOTO Tomás Arthuzzi PRODUÇÃO Beatriz Liranço MODELO Luanna Marin MAQUIAGEM Ananda Resende
04. 2017
POR CRISTINE KIST
AGRADECIMENTOS Ricardo Almeida Riachuelo Interdomus LAFER
COLABORADORES DO MÊS
Fernanda Didini
uma solução satisfatória. Foi o que aconteceu na última edição de julho,
EDITORA DE ARTE
sobre meritocracia (O pobre tem seu
ONDE NASCEU E ONDE MORA Rio de Janeiro (RJ) e São Paulo (SP)
lugar. E não sai de lá por quê?), quando usamos a imagem de uma babá
HISTÓRICO Formada em 2009 pela UFPE, Campus do Agreste – Caruaru. Já passou pela FutureBrand e Editora Abril.
em um elevador de serviço amarelo que a editora de arte Fernanda Didini construiu do zero só para aquela foto. Conto tudo isso para deixar claro
É CONHECIDA POR Seu gosto peculiar para entretenimento e seus ataques de riso altamente contagiosos
o quanto levamos a sério o design da revista. Sabemos que a forma de apresentação do conteúdo contribui (e muito) para torná-lo não apenas
DIZEM QUE
mais bonito, mas mais interessante e informativo. Em novembro de
NÃO SE DEVE
2015, lançamos um novo projeto grá-
JULGAR UM
fico que, já na época, recebeu vários
Feu (Felipe Eugênio)
prêmios nacionais e internacionais.
DESIGNER
LIVRO PELA
Um dos mais importantes foi uma
C A PA , M A S . . .
Design, competição anual que reúne
medalha de prata no The Best of News as melhores publicações do mundo inteiro. Pois bem. Em 2016, aproveitamos para fazer uma série de pequenas modificações no projeto que
odos os meses,
deixaram o produto final ainda mais
além da reunião de
bem-acabado. E o resultado é que,
pauta normal, faze-
desta vez, ganhamos não uma, mas
mos também uma
duas medalhas de ouro e outras três
segunda reunião
menções honrosas. Fomos o único
com toda a equipe só para discutir
veículo brasileiro e um dos poucos
a imagem de capa. Às vezes ela dura
do mundo a receber medalha de ouro
cinco minutos — foi o caso da edição
(ao nosso lado na lista estão The New
de junho do ano passado, que trata-
York Times e National Geographic,
va de erotização infantil e mostrava
cof). Para comemorar, nada mais
uma menina de costas escrevendo
justo que usar o espaço dos colabo-
à mão a frase Essa novinha é uma
radores do mês, aqui ao lado, para
criança. Já chegamos, no entanto, a
apresentar nosso pequeno — mas
ficar mais de cinco horas trancados
brilhante — departamento de arte.
na sala de reunião devorando sacos e
Boa leitura e até o mês que vem!
T
mais sacos de bolachas de água e sal (sempre há uma boa alma que providencia a comida) até encontrarmos
Cristine Kist — Editora-chefe ckist@edglobo.com.br
! ELAS POR ELAS Nos dias 31 de março e 1º de abril, GALILEU participa do evento Elas por Elas no VillageMall, no Rio de Janeiro. Mediaremos grupos de discussão sobre gênero e sobre machismo em diferentes áreas. Você pode acompanhar a cobertura do evento no nosso site e nas redes sociais.
ONDE NASCEU E ONDE MORA Petrolina (PE) e São Paulo (SP) HISTÓRICO Formado em 2011 pela UFPE, Campus do Agreste – Caruaru e pela Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto (Portugal). É CONHECIDO POR Seus muitos talentos artísticos e seu sotaque pernambucano mais carregado que o das novelas
João Pedro Brito DESIGNER ONDE NASCEU E ONDE MORA São Paulo (SP) HISTÓRICO Formado em Editoração pela USP, passou pelas redações da Autoesporte e da Época antes de chegar à Galileu. É CONHECIDO POR Seu superpoder de se comunicar exclusivamente por memes
DIRETOR GERAL: Frederic Zoghaib Kachar DIRETOR DE AUDIÊNCIA: Luciano Touguinha de Castro DIRETORA DE MERCADO ANUNCIANTE: Virginia Any
CONSELHO
Na edição de março, nossos Conselheiros mergulharam no cinza para procurar algo de colorido na revista
POR NATHAN FERNANDES DIRETORA DE GRUPO CASA E COMIDA, CASA E JARDIM, CRESCER E GALILEU: Paula Perim REDAÇÃO EDITORA-CHEFE: Cristine Kist EDITORA DE ARTE: Fernanda Didini EDITORES: Giuliana de Toledo, Nathan Fernandes e Thiago Tanji REPÓRTERES: André Jorge de Oliveira e Isabela Moreira DESIGNERS: Felipe Eugênio (Feu) e João Pedro Brito ESTAGIÁRIOS: Júlio Viana (texto) e Fernanda Ferrari (arte) ASSISTENTE DE REDAÇÃO: Wania Pace COLABORADORES DESTA EDIÇÃO: Daniel Barros, Diego Borges, Eduarda Endler,
A REVISTA QUE TODO MUNDO QUER VER Edição • Março/2017
Fellipe Abreu, Ismael dos Anjos, Jotapê Jorge, Luiz Felipe Silva, Mariane Morisawa, Marília Marasciulo, Melissa Cruz, Thássius Veloso e Yuri Gonzaga (texto); Gabriela Namie, Guilherme Henrique, Tomás Arthuzzi, Beatriz Liranço, Dulla, Inara Negrão e Érico Hiller (arte); Monique Murad Velloso (revisão); Adilson Jesus Aparecido de Oliveira, professor de Física da UFSCar (consultor científico)
O QUE ELES ACHARAM
E-MAIL DA REDAÇÃO: galileu@edglobo.com.br
11%
TECNOLOGIA DA INFORMAÇÃO DIRETOR DE TECNOLOGIA: Rodrigo Gosling ESTRATÉGIA DIGITAL DESENVOLVEDORES: Everton Ribeiro, Fabio Marciano, Leandro Paixão,
Marcelo Amendola, Murilo Amendola, Thiago Previero e William Antunes
DA REPORTAGEM DE CAPA
ESTRATÉGIA DE CONTEÚDO DIGITAL GERENTE: Silvia Balieiro MERCADO ANUNCIANTE FINANCEIRO, IMOBILIÁRIO, TI, COMÉRCIO E VAREJO — Diretor de Negócios Multiplataforma: Emiliano Morad Hansenn; Gerente de Negócios Multiplataforma: Ciro Horta Hashimoto; Executivos Multiplataforma: Christian Lopes Hamburg, Cristiane de Barros Paggi Succi, Milton Luiz Abrantes e Selma Maria de Pina. MODA, BELEZA E HIGIENE PESSOAL — Diretor de Negócios Multiplataforma: Cesar Bergamo; Executivos Multiplataforma: Adriana Pinesi Martins, Ana Paula Boulos, Eliana Lima Fagundes, Giovanna Sellan Perez, Selma Teixeira da Costa e Soraya Mazerino Sobral. CASA, CONSTRUÇÃO, ALIMENTOS E BEBIDAS, HIGIENE DOMÉSTICA E SAÚDE — Diretora de Negócios Multiplataforma: Luciana Menezes; Executivos Multiplataforma: Fatima Ottaviani, Paula Santos, Rodrigo Girodo Andrade, Taly Czeresnia Wakrat e Valeria Glanzmann. MOBILIDADE, SERVIÇOS PÚBLICOS E SOCIAIS, AGRO E INDÚSTRIA — Diretor de Negócios Multiplataforma: Renato Augusto Cassis Siniscalco; Executivos Multiplataforma: Diego Fabiano, Cristiane Soares Nogueira, Jessica de Carvalho Dias, João Carlos Meyer e Priscila Ferreira da Silva. EDUCAÇÃO, CULTURA, LAZER, ESPORTE, TURISMO, MÍDIA, TELECOM E OUTROS — Diretora de Negócios Multiplataforma: Sandra Regina de Melo Pepe; Executivos de Negócios Multiplataforma: Ana Silvia Costa, Dominique Petroni de Freitas e Lilian de Marche Noffs. ESCRITÓRIOS REGIONAIS — Gerente Multiplataforma: Larissa Ortiz; Executiva de Negócios Multiplataforma: Babila Garcia Chagas Arantes. UNIDADE DE NEGÓCIOS — RIO DE JANEIRO — Gerente de Negócios Multiplataforma: Rogerio Pereira Ponce de Leon; Executivos Multiplataforma: Daniela Nunes, Lopes Chahim, Juliane Ribeiro Silva, Maria Cristina Machado e Pedro Paulo Rios Vieira dos Santos. UNIDADE DE NEGÓCIOS — BRASÍLIA — Gerente Multiplataforma: Barbara Costa Freitas Silva; Executivos Multiplataforma: Camila Amaral da Silva e Jorge Bicalho Felix Junior. GERENTE DE EVENTOS: Daniela Valente. OPEC OFFLINE: Carlos Roberto de Sá, Douglas Costa e Eduardo Ramos. OPEC ONLINE: Rodrigo Santana Oliveira, Danilo Panzarini, Higor Daniel Chabes e Rodrigo Pecoschi. ESTRATÉGIA COMERCIAL: Guilherme Iegawa Sugio. EGCN — Consultora de Marcas: Olivia Cipolla Bolonha. ESTÚDIO GLOBO: Caio Henrique Caprioli, Ligia Rangel Cavalieri e Luiz Claudio dos Santos Faria
Há pontos fortes, não sei bem quais
67%
22%
Eu vejo flores em vocês
Tema lindo, execução cinza
DO DOSSIÊ MICRORGANISMOS
100% Me fizeram ver o que nunca tinha visto
MÉDIAS DAS MATÉRIAS 9,4 A cidade que ninguém quer ver
9,3
8,1
9,8
10
Dossiê microrganismos
Como enlouquecer seu robô na cama
Museu ao mar
A parte que lhes cabe
AUDIÊNCIA Diretor de Marketing Consumidor: Cristiano Augusto Soares Santos; Diretor de Planejamento e Desenvolvimento Comercial: Ednei Zampese; Gerente de Vendas Canais Indiretos: Reginaldo Moreira da Silva; Gerente de Criação: Valter Bicudo Silva Neto; Coordenadores de Marketing: Eduardo Roccato Almeida e Patricia Aparecida Fachetti
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O Bureau Veritas Certification, com base nos processos e procedimentos descritos no seu Relatório de Verificação, adotando um nível de confiança razoável, declara que o Inventário de Gases de Efeito Estufa — Ano 2012 da Editora Globo S.A. é preciso, confiável e livre de erro ou distorção e é uma representação equitativa dos dados e informações de GEE sobre o período de referência para o escopo definido; foi elaborado em conformidade com a NBR ISO 14064-1:2007 e as Especificações do Programa Brasileiro GHG Protocol.
Cidade dos pesadelos
Fluam, meus orgasmos
“Matérias assim são ótimas para desmistificar ideias incoerentes com a vida social de uma cidade. É importante mostrar esse lado que é cruel, mas, infelizmente, tido como normal por muita gente.”
“Interessante e assustador. Inovações tecnológicas para melhorar a sexualidade são bem-vindas, mas será que estamos mesmo caminhando em direção ao mundo retratado em Blade Runner?”
ELLEN RODRIGUES (Goiânia, GO), sobre a reportagem de capa
TÚLIO TERRELL (São Paulo, SP), sobre Como enlouquecer seu robô na cama
Um pedacinho pra cada esquema “O design da matéria deveria ser replicado nos livros de biologia. Foi bem fácil entender os processos que no Ensino Médio eu me matava para decorar.”
CAIO MELO (São Paulo, SP), sobre Gene domável
P. 07
04.2017
ANTIMATÉRIA
Cientistas organizam protestos contra Donald Trump
FATOS • FEITOS • NÚMEROS • NOTAS • NOTÁVEIS
Fig. (GH)
04.2017
EDIÇÃO THIAGO TANJI
ILUSTRADORES CONVIDADOS
DESIGN FERNANDA DIDINI
2
1
GUILHERME HENRIQUE (GH) GABRIELA NAMIE (GN)
CIENTISTAS EMMARCHA 04.2017
Pesquisadores dos Estados Unidos se
mobilizam contra as
políticas de
Donald Trump POR JULIO CESAR SOARES VIANA*
a comunidade científica dos Estados Unidos
entrou em alerta quando, no início de janeiro, informações sobre o aquecimento global foram retiradas do site da Casa Branca. Na mesma época, um comunicado enviado a quatro agências federais norte-americanas informava que os cientistas não deveriam divulgar nenhuma informação a menos que fossem autorizados por seus superiores. Para completar, o recém-empossado presidente Donald Trump nomeou Scott Pruitt, conhecido inimigo dos ecologistas, como secretário da agência de proteção ambiental do país. Durante a campanha eleitoral, o então candidato Trump chegou a afirmar que o discurso sobre o aquecimento global era um
CENSURA
Dados sobre o aquecimento global foram removidos dos sites de agências públicas dos Estados Unidos
*Com supervisão de Thiago Tanji
P. 08
04.2017
P. 09
plano da China para desacelerar a econo-
do há mais de uma década.” De acordo
LUTA CONTRA O RETROCESSO
mia norte-americana. Diante desse cená-
com o professor, o conservadorismo e a
Apesar do receio de represálias, como a
rio, os cientistas arregaçaram as mangas
falta de esclarecimento de parte da popu-
diminuição do orçamento público desti-
dos jalecos e foram à luta.
lação também são entraves para valorizar
nado às pesquisas, os cientistas acredi-
Inspirado na Marcha das Mulheres,
o trabalho dos cientistas. “É incrível que o
tam que é preciso tomar uma posição po-
mobilização que ocorreu em Washington
país lidere a ciência no mundo e que me-
lítica no momento vivido pelos Estados
no dia seguinte à posse de Trump, um
tade da população norte-americana não
Unidos. “Não estamos falando apenas por
protesto batizado de Marcha da Ciência
acredite em evolução”, destaca.
nós, pois a ciência é para todos. Se não
está marcado para ocorrer na capital
Os próprios pesquisadores conside-
pudermos monitorar o ar limpo e a água
norte-americana no dia 22 de abril, data
ram, no entanto, que é necessário furar
limpa, não são só os cientistas que sofre-
que comemora o Dia da Terra e relem-
a bolha acadêmica de teses e relatórios
rão por isso, mas todas as pessoas que
bra a importância da luta pela proteção
dependem do nosso trabalho e confiam
ambiental do planeta. “Um monte de
em nós”, diz Gill. “Nós também somos ci-
gente teve essa ideia ao mesmo tempo
dadãos, somos tão parte da comunidade
no Twitter”, afirma Jacquelyn Gill, pesquisadora em mudanças climáticas na Universidade do Maine e uma das organizadoras do movimento de cientistas. Com o engajamento de pesquisadores de diferentes lugares, foram convoca-
AS MEDIDAS DE TRUMP Dezembro de 2016: Governo solicita o nome dos cientistas do Departamento de Energia que fizeram pesquisas sobre mudanças climáticas.
quanto qualquer um, e temos o direito e o dever de ter voz política.” Inspirada na Marcha da Ciência, uma mobilização brasileira será realizada no final de abril para chamar a atenção dos problemas enfrentados pela comunidade
das mais de 350 marchas que tomarão
Janeiro de 2017: Informações referen-
científica do país. Uma das organizado-
as ruas de outras cidades dos Estados
tes ao aquecimento global são retira-
ras do movimento, a pesquisadora Márcia
das do site da Casa Branca.
Cristina Barbosa, professora de física na
Unidos e do resto do mundo.
PARA ALÉM DA BOLHA Na opinião de Jacquelyn Gill, a presidência de Donald Trump não é a origem dos
Fevereiro de 2017: O antiambientalista Scott Pruitt é confirmado chefe da EPA, agência de proteção ambiental do país.
Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), afirma que o atual cenário político e econômico do Brasil é marcado por retrocessos para a ciência. “Ideologi-
problemas da ciência norte-americana.
Março de 2017: Trump propõe corte de
camente, a ciência sempre foi atacada no
“Existem muitos grupos, mais especifi-
quase 20% no orçamento do NOAA, ins-
Brasil. Há pessoas que não querem falar
camente corporações, que têm trabalha-
tituição de pesquisa atmosférica.
sobre as células-tronco, por exemplo”, diz.
do para minar a ciência, especialmente
“Parece que já nos acostumamos com o
quando os dados ou pesquisas vão contra
descrédito da ciência por aqui.”
seus interesses”, revela a organizadora da Marcha dos Cientistas.
A MARCHA DA CIÊNCIA AO REDOR DO PLANETA
Em maio do ano passado, o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação foi
Em 2014, o senador Lamar Smith ten-
incorporado ao Ministério de Comuni-
tou emplacar a lei da “Ciência Secreta”,
cações, em uma medida criticada pelos
projeto que impediria a Agência de
pesquisadores por extinguir uma pasta
Proteção Ambiental dos Estados Unidos
exclusiva para discutir a ciência no país.
(EPA) de criar regulamentações para po-
No final de janeiro, o governo do esta-
líticas públicas baseadas em pesquisas.
do de São Paulo também retirou 10%
O projeto não foi aprovado, mas o par-
do orçamento destinado à Fundação de
lamentar afirma que retomará a discus-
Apoio à Pesquisa do Estado de São Paulo
são em breve — apoiado por empresas
(Fapesp) — após manifestações, a deci-
da indústria de gás e óleo, Smith é co-
são foi revertida e R$ 120 milhões foram
nhecido por atacar os pesquisadores que
devolvidos ao fundo de pesquisas.
estudam o aquecimento global.
e dialogar com o restante da sociedade
Com a realização da marcha, no en-
“Há grupos que não aceitam investi-
com o objetivo de aproximar as pesso-
tanto, a professora Márcia Cristina Bar-
mentos em pesquisas sobre a sexualida-
as da ciência. “Nós nem sempre faze-
bosa acredita que será possível mostrar
de de adolescentes e homossexuais, por
mos um bom trabalho em nos conec-
à população a importância da ativida-
exemplo”, diz Emilio Moran, professor da
tar com a comunidade e conversar com
de científica e seu impacto no avanço
Universidade de Michigan e membro do
as pessoas sobre aquilo que fazemos”,
intelectual, econômico e tecnológico do
Conselho Nacional de Ciência (NBS) dos
conta Jacquelyn Gill. “Parte dos indi-
país: “Seu filho precisa saber o que é
Estados Unidos. “Essas pessoas entram
víduos não nos veem como humanos
ciência, ele precisa fazer ciência. O Bra-
com ações políticas pedindo que se blo-
ou membros da sociedade. Ficamos de
sil não pode se conformar em ser um
queie o financiamento. Isso vem ocorren-
fora, voltados para nós mesmos.”
país de segundo escalão.”
P. 10
04.2017
Código para vencer o câncer
zada entre os cânceres e os estilos de vida para identificar marcas genômicas e relacioná-las”, explica Reis. O processo de pesquisa e sequenciamento do genoma tem estimativa de duração de cinco anos. Quando finalizado, abrirá caminho para novas maneiras de prevenção da doença. “É possível que no futuro, com exames genéticos, o diagnóstico
Iniciativa global solucionará sete mistérios sobre o câncer com a ajuda de três institutos brasileiros
O projeto mapeará as causas do câncer ainda não conhecidas
dade de remissão”, diz Reis.
GRANDE DESAFIO
POR JOTAPÊ JORGE
V
seja mais precoce, com maior possibili-
Os principais objetivos dos pesquisadores para os estudos contra o câncer
inte e três instituições e mais de 100 milhões de libras investidas,
ERRADICAR CÂNCERES
o equivalente a R$ 390 mi-
CAUSADOS PELO VÍRUS HPV-4
lhões. Esses são alguns dos números do
O HPV-4 é transmitido pela saliva e por secreções
Grand Challenge, literalmente “Grande
sexuais e é responsável por pelo menos 530 mil
Desafio”, iniciativa proposta pela asso-
casos de câncer ao ano. Um dos desafios é encontrar
ciação britânica Cancer Research UK
uma maneira de reduzir esse número a zero.
para solucionar sete questões relacionadas ao câncer. Três instituições brasilei-
OBTER FORMAS DE IDENTIFICAR
ras participam do projeto: o Hospital do
CÂNCERES LETAIS E NÃO LETAIS
Câncer de Barretos, no interior de São
A missão é encontrar uma forma de
Paulo, o Instituto A.C. Camargo, na ca-
diferenciar cânceres benignos e agressi-
pital paulista, e o Instituto Nacional do
vos, evitando tratamentos invasivos.
Câncer, no Rio de Janeiro. FABRICAR VACINAS PARA O
“Nós ainda não sabemos metade dos causadores externos de câncer”, afir-
TRATAMENTO DE CÂNCERES NÃO VIRAIS
ma Rui Reis, oncologista responsável
Descobrir um jeito de “potencializar” as defesas
pelo projeto no Hospital do Câncer de
do organismo para localizarem e combate-
Barretos. “Nosso objetivo é mapear e
rem cânceres em estágios iniciais é o foco.
encontrar causas da doença que ainda não são conhecidas.” De acordo com
DESENVOLVER DIAGNÓSTICOS
os pesquisadores, 900 pacientes serão
COM A UTILIZAÇÃO DE TECNOLOGIA 3-D
analisados, colaborando com um ban-
Um mapeamento do grupo de células e vasos
co de dados de 5 mil pessoas ao redor
sanguíneos afetados pelo tumor ajudaria a
do mundo. “Faremos uma análise cru-
NENHUMA A MENOS Pesquisa afirma que, no ano passado, 503 mulheres sofreram agressões físicas a cada hora no Brasil POR NATHAN FERNANDES
FIG. - GH
UMA PESQUISA realizada pelo Instituto Datafolha, encomendada pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, afirma que uma a cada três mulheres brasileiras com mais de 16 anos foi vítima de violência em 2016. O estudo Visível e Invisível: a Vitimização de Mulheres no Brasil calculou ainda que, a cada hora, 503
medicina a derrotar as células cancerosas.
mulheres sofreram agressões físicas no ano passado. Em 61% dos casos o agressor era conhecido da vítima. Apesar do maior número de informações em relação ao tema, com apoio da Lei Maria da Penha, de 2006, 52% das mulheres que participaram do estudo afirmaram que não reportaram a agressão sofrida.
E apenas 11% das que procuraram algum tipo de ajuda recorreram à Delegacia da Mulher. A pesquisa ressalta ainda o racismo estrutural da sociedade ao revelar que mulheres negras (32%) e pardas (31%) relataram ter sofrido consideravelmente mais violência do que as brancas (25%).
04.2017
P. 11 Fig. - GN
ARMAÇÃO ILIMITADA Comércio de armas é o maior desde a Guerra Fria por conta de tensões na Ásia POR J. J.
Fig. GH
O PODER DA MOTOSSERRA Estudo mostra a relação entre a influência do agronegócio na política e os índices de desmatamento de um país POR J. J.
DADOS DO INSTITUTO de Pesquisa Ambiental da Amazônia indicam que, em 2016, o desmatamento de floresta nativa da região amazônica cresceu 30% em relação a 2015, sendo o pior resultado desde 2008 — Pará, Rondônia e Mato Grosso são os estados que lideram a devastação. Os dados corroboram as informações de um estudo recém-publicado pela revista Global Environmental Change, que mostram como a efetividade da legislação ambiental é inversamente propor-
EM VOTAÇÃO
A discussão de mudanças do licenciamento ambiental será (mais) uma das pautas polêmicas debatidas pelo Congresso Nacional neste ano.
O PROJETO
De autoria do deputado federal Mauro Pereira (PMDB-RS), uma das alterações propostas determinaria que atividades agropecuárias ficariam dispensadas do licenciamento ambiental, que atualmente é obrigatório.
cional à fatia do agronegócio no Produto Interno Bruto (PIB). No Brasil, o setor é responsável por movimentar aproximadamente R$ 1,2 trilhão da economia do país. “A bancada ruralista domina as duas pontas da discussão, ocupando a Comissão de Agricultura e a Comissão do Meio Ambiente”, diz o cientista político Edelcio Vigna. Em 2012, mudanças no Código Florestal foram criticadas por ambientalistas e a então presidente Dilma Rousseff vetou 12 alterações propostas pela bancada ruralista. Uma das medidas barradas permitia ao proprietário rural reflorestar apenas 25% da área degradada por uma plantação. O pesquisador Tiago Reis, um dos autores da pesquisa, destaca que o Brasil tem muito a contribuir no debate mundial sobre políticas de conservação das florestas e matas nativas, apesar do cenário adverso. “Nós podemos oferecer lições aprendidas sobre o fenômeno global do desmatamento”, afirma.
ADEUS ÀS ARMAS? Dados do Instituto Internacional da Paz em Estocolmo (Sipri, na sigla em inglês) mostram que houve um aumento na comercialização de armamentos em 2016 por conta de tensões diplomáticas na Ásia: Índia e Paquistão disputam a região fronteiriça da Caxemira, enquanto a China reclama a soberania dos conjuntos de ilhas que existem ao longo do Mar da China. Os principais exportadores de armas são Estados Unidos, Rússia, China, França, Alemanha e Reino Unido — cinco dessas nações são membros permanentes do conselho de segurança da ONU. O Brasil é hoje o 26º maior vendedor de armamentos do mundo e comercializou R$ 202 milhões de itens bélicos no ano passado.
PARA DAR INVEJA A TONY STARK Negociações de armamentos (em %) MAIORES EXPORTADORES DE ARMAS Estados Unidos Rússia China França Alemanha Reino Unido Outros
33% 23% 6,2% 6% 5,6% 4,6% 21,6%
MAIORES IMPORTADORES DE ARMAS Índia Arábia Saudita Emirados Árabes Unidos China Argélia Turquia Outros
13% 8,2% 4,6% 4,5% 3,7% 3,3% 62,7%
P. 12
04.2017
LUNETA DE OLHO NAS ESTRELAS POR ANDRÉ JORGE DE OLIVEIRA
UM SÉCULO MUITO RELATIVO
FIG. - GH
Chega ao Brasil biografia da teoria de Einstein escrita pelo astrofísico português Pedro G. Ferreira, um obcecado pela relatividade geral PROJETAR PONTES enchia Pedro Gil Ferreira de tédio. No fim da década de 1980, ele estudava Engenharia em Lisboa, mas queria desvendar os segredos do Universo. “Sempre tive obsessão pela relatividade geral”, diz Ferreira, que se tornou astrofísico pela Universidade de Oxford, no Reino Unido. Ele fez da biblioteca universitária sua segunda casa e dominou a “geometria ardilosa e a matemática obscura” de Einstein. De tão fascinado, escreveu um livro a respeito. “Foi uma oportunidade única para ler artigos icônicos e entrevistar pessoas importantes.”
A RELATIVIDADE GANHOU VIDA PRÓPRIA
a primeira imagem em alta resolu-
APÓS A DIVULGAÇÃO DO TRABALHO DE
ção do buraco negro no centro da
ALBERTEINSTEIN.QUAISFORAMOSALTOS
Via Láctea. E a teoria dará frutos,
E BAIXOS DA TEORIA NO ÚLTIMO SÉCULO?
com novas ideias sobre como a
A trajetória foi uma montanha-rus-
mecânica quântica e a relativi-
sa. Começou com oito anos de traba-
dade interagem e reformulam a
lho árduo de Einstein, seguidos por
natureza do espaço-tempo.
um período fértil de muitas desco-
A TEORIA PERFEITA
Autor: Pedro G. Ferreira Editora: Companhia das Letras (2017) Páginas: 376 Preço: R$ 59,90
bertas, até entrar em hibernação no
O LIVRO CONTA COMO O NACIONALISMO
início dos anos 1930. Foi relançada
DA PRIMEIRA GUERRA MUNDIAL CRIOU
só na década de 1960, quando se
TENSÕES ENTRE CIENTISTAS EUROPEUS.
tornou a teoria que conhecemos.
OBREXITTEMCAUSADOALGOPARECIDO? Ainda não houve impacto na ciên-
VOCÊ DIZ QUE O SÉCULO 20 FOI DA FÍSICA
cia que faço, mas decerto haverá: o
QUÂNTICA,MAS QUEO21SERÁ MARCADO
Reino Unido perderá precioso apoio
PELA RELATIVIDADE GERAL. POR QUÊ?
financeiro europeu e as parcerias
Há muita coisa pela frente, como o
internacionais não permanecerão
telescópio que tentará reconstruir
como estão. Assola a incerteza...
PEDACINHO DE MARTE
NORDESTE DE SYRTIS
Nasa planeja trazer amostra
Os cientistas têm conhecimento de que a região abrigou águas aquecidas em eras passadas. Houve vida por lá?
Nordeste de Syrtis
marciana de volta à Terra Cratera de Jezero
A Nasa está interessada em recolher material físico de Marte e escolheu as três áreas do planeta que serão vasculhadas pelo sucessor da sonda Curiosity, a partir de 2020 (veja ao lado). O foco da missão será buscar evidências de vida.
CRATERA DE JEZERO
Colinas Columbia
Mais promissora das três. Era um grande lago onde desaguava um rio caudaloso. Lugar perfeito para antigos seres vivos.
COLINAS COLUMBIA
FONTE: Nasa Explore Mars Map
Região explorada pelo rover Spirit. Águas termais já fluíram ali: depósito de sílica pode ser indício de vida no passado.
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04.2017
Astronautas jardineiros
AGENDA
Abril de 2017
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Colheita da quinta safra de vegetais fresquinhos na ISS reforça tendência para que plantas e humanos convivam no espaço
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és de repolho chinês foram colhidos na Estação
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DIA DE JÚPITER: GIGANTE BRILHA COMO NUNCA
Melhor dia para observar o rei do
Espacial Internacional (ISS)
Sistema Solar: estará em oposição,
em fevereiro — foi a quinta
mais próximo da Terra (a 666 mi-
safra de plantas do experimento Veggie
lhões de km) e mais brilhante. Visível
desde 2014 (veja outros plantios abaixo).
à noite, nasce no Leste ao escurecer.
Metade da produção servirá como salada para os astronautas e o restante retornará à Terra para análise. Há décadas, cientis-
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tas estudam os efeitos da microgravidade nas plantas, como no funcionamento dos
ENCONTRO MARCADO DE TRÊS ASTROS EM VIRGEM
Ainda bastante charmoso, Júpiter
genes. “O processo controla a produção
se encontra com a Lua Cheia e Spica
de enzimas e as reações metabólicas”, diz
(250 anos-luz da Terra), estrela mais
Howard Levine, da Nasa, que trabalha no
brilhante da Constelação de Virgem.
Projeto APH, sucessor do Veggie. As plan-
Trio surge no Leste após o pôr do Sol.
tas terão papel central em naves tripuladas, já que serão fontes de alimento e oxigênio no espaço profundo. “Isso inclui missões
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de trânsito em Marte ou nas vizinhanças da Terra e da Lua”, afirma Ray Wheeler,
MARTE FLERTA COM AS MAGNÍFICAS SETE IRMÃS
Belíssimo aglomerado estelar visível
que coordena estudos de suporte à vida
a olho nu, as Plêiades flertam com o
na Nasa. Sem contar, é claro, a satisfação
planeta vermelho no início da noite
de cultivar um pedacinho da Terra — e vê-lo brotar bem longe de casa.
FIG. - GH
na direção Noroeste. Regiões Norte e Nordeste têm melhor visibilidade.
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HUBBLE FAZ ANOS E NÓS GANHAMOS O PRESENTE
Parabéns ao Hubble: lançado há 27
GIRASSOL
Expedição 30/31 com Don Pettit (2012) A flor quase morreu na ISS, mas resistiu sob os cuidados atenciosos do astronauta Donald Pettit. Ele compartilhava em um blog o status dessa e de mais duas plantas pessoais.
ALFACE ROMANA VERMELHA Expedição 44 com Scott Kelly (2015)
Primeira verdura produzida e consumida no espaço. “Pequena mordida para um homem, salto gigante na jornada para Marte”, tuitou o comandante Kelly.
ZÍNIA
Expedição 46 com Scott Kelly (2016) Foi a primeira flor a germinar no experimento Veggie. A equipe do projeto criou uma cartilha simplificada para instruir Kelly na arte da “jardinagem autônoma”.
REPOLHO CHINÊS
Expedição 50/51 com Peggy Whitson (2017) Whitson cultivou por um mês e colheu os primeiros pés da espécie na ISS. Metade da safra volta à Terra; o resto é dos astronautas, que dispõem até de molhos para colocar na salada.
anos, o lendário telescópio espacial até hoje é um colosso científico. A Nasa garante que ele passará dos 30 anos. E que venha o James Webb!
LUNETA TODAS AS SEXTAS, ÀS 17H, LIVE NA NOSSA FANPAGE. ASSISTA! As principais notícias espaciais da semana são comentadas em transmissão ao vivo
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04.2017
BIBLIOTECADA ÁFRICA 03
be
l em 20
NGŨGĨ WA THIONG’O
No 1
1938
PAÍS
LÍNGUA
PUBLICAÇÕES
SOBRE
QUÊNIA
INGLÊS E GIKUYU
Um Grão de Trigo (Alfaguarra) e Sonhos em Tempos de Guerra (Biblioteca Azul)
Escreveu seus três primeiros livros em inglês, antes de rejeitar a língua e o antigo nome por considerá-los heranças do colonialismo.
INGLÊS E AFRICÂNER
Diário de um Ano Ruim e Desonra (Companhia das Letras)
É conhecido por criticar tanto o Apartheid quanto o atual governo do Congresso Nacional Africano, no poder desde 1994.
INGLÊS
O Melhor Tempo É o Presente e O Engate (Companhia das Letras)
A escritora foi uma das vozes oposicionistas brancas do Apartheid, escrevendo crônicas e livros contra o regime de segregação racial.
INGLÊS
Precisamos de Novos Nomes (Biblioteca Azul)
Tornou-se a primeira mulher negra e africana a ser nomeada para o Man Booker Prize, prêmio da literatura em língua inglesa.
INGLÊS
Aqui Estão os Sonhadores (Globo Livros)
INGLÊS
O Mundo se Despedaça e A Flecha de Deus (Companhia das Letras)
“Pai do romance africano”, seu livro O Mundo se Despedaça é um dos mais lidos do continente e foi traduzido para mais de 40 línguas.
INGLÊS
Americanah e Hibisco Roxo (Companhia das Letras)
Vencedora do Prêmio MacArthur, a chamada “Bolsa para Gênios”, é uma importante figura do feminismo no continente.
INGLÊS
O Leão e a Joia (Geração Editorial)
Primeiro africano a ganhar o Nobel de Literatura, foi perseguido por sua atuação política e viveu exilado na Inglaterra e nos Estados Unidos.
PORTUGUÊS
O Último Voo do Flamingo e Terra Sonâmbula (Companhia das Letras)
Vencedor do Prêmio Camões em 2013, é considerado um dos principais autores da língua portuguesa atual.
PORTUGUÊS
Mayombe e Lueji — O Nascimento de um Império (Leya)
Foi ministro da Educação e militante do Movimento Popular pela Libertação de Angola, lutando por 26 anos na guerra civil do país.
PORTUGUÊS
Bom Dia, Camaradas (Companhia das Letras) e Os da Minha Rua (Língua Geral)
Ganhou o Prêmio Jabuti na categoria infantil pela obra AvóDezanove e o Segredo do Soviético.
FRANCÊS
O Caso Meursault (Biblioteca Azul)
ÁRABE
Noites das Mil e Uma Noites (Companhia de Bolso) e O Jardim do Passado (Record)
1940 ÁFRICA DO SUL
NADINE GORDIMER
NOVIOLET BULAWAYO
IMBOLO MBUE
CHINUA ACHEBE
CHIMAMANDA NGOZI ADICHIE
l em 19 be
86
No
WOLE SOYINKA
MIA COUTO
PEPETELA
1923
1981
1982
ZIMBÁBUE
CAMARÕES
1930
1977
NIGÉRIA
1934
1955
MOÇAMBIQUE
1941
Aqui Estão os Sonhadores foi eleito um dos melhores livros de 2016 pelos jornais The New York Times e Washington Post.
ANGOLA
ONDJAKI
KAMEL DAOUD
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No
POR JOTAPÊ JORGE
be
l em 1
99
J.M. COETZEE
NASCIMENTO
No
INFOMANIA
NOME
A nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie lançou em março o livro Para Educar Crianças Feministas — e GALILEU aproveitou para fazer uma lista de escritores africanos
NAGUIB MAHFOUZ
1977
1970
1911
ARGÉLIA
EGITO
Jornalista, ganhou o prêmio Goncourt, um dos principais da língua francesa, pelo livro O Caso Meursault. Único autor de língua árabe a ser laureado com o Nobel, escreveu 34 romances e mais de 350 contos. Morreu em 2006.
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Fragmentos de Shyamalan Fig. - GN
DEUS À PROCURA DE RESPOSTAS
Em Fragmentado, o diretor M. Night Shyamalan volta a trabalhar com seus temas preferidos: a espiritualidade e o sobrenatural
Programa apresentado pelo ator Morgan Freeman investiga como as pessoas lidam com a religião
POR MARIANE
MORISAWA,
POR ISABELA MOREIRA
DE LOS ANGELES
A
ltos e baixos acompanham a carreira do diretor
Kevin, protagonista de Fragmentado, possui 23 personalidades
indiano M. Night Shyamalan. Com menos de 30 anos, ele
foi considerado gênio por O Sexto Sentido (1999), mas depois caiu em desgraça com produções como O Último Mestre do Ar (2010) e Depois da Terra (2013). Em Fragmentado, Shyamalan volta a falar de seus temas preferidos, como o sobrenatural e a espiritualidade — no filme, James McAvoy representa Kevin, um homem com pelo menos 23 personalidades e que sequestra três adolescentes. Confira a conversa da GALILEU com o diretor.
O QUE INSPIROU ESSA HISTÓRIA? Sempre tive interesse no transtorno dissociativo de identidade. Criei o Kevin há 15 anos. Eu tinha algumas páginas de desenvolvimento do personagem e certas cenas, mas não a história completa.
O FILME FALA QUE SE A ALMA ESTÁ SOFRENDO, ESTÁ EVOLUINDO. FOI UMA INTENÇÃO PROVOCAR
Fig. - GH
O ESPECTADOR COM ESSE CONCEITO?
VOCÊ TEVE TANTO GRANDES SUCESSOS QUANTO
Nos meus filmes, os marginalizados, os que
FILMES QUE FORAM CRITICADOS DURAMENTE.
são considerados fracos, os que têm problemas
FICOU NERVOSO AO EXIBIR FRAGMENTADO
são, na verdade, poderosos. Em Fragmentado,
PELA PRIMEIRA VEZ PARA O PÚBLICO?
eles falam sobre essa filosofia de que quem
Estou fazendo isso há algum tempo, então não fico
não sofreu não teve chance de se tornar
confuso ou amargo. Muitas vezes, o filme simples-
a melhor versão de si mesmo.
mente não é o que as pessoas esperavam. O importante é que eu esteja artisticamente satisfeito com
E VOCÊ JÁ SE SENTIU MARGINALIZADO?
o que fiz. Nesse caso [do filme Fragmentado], é
Escrevo sobre personagens marginalizados e empo-
algo diferente e único — se as pessoas não gosta-
deradores, mas não sei, acho que preciso de terapia
rem, tudo bem, porque representa meus valores.
para responder a essa questão. Pode ter a ver com a
A popularidade não deveria fazer parte da equa-
experiência de ser imigrante nos Estados Unidos.
ção, mas é claro que quero agradar.
CONHECIDO POR INTERPRETAR Deus no cinema, Morgan Freeman não gosta de ser comparado à figura religiosa. “Tenho curiosidade de conhecer as pessoas, seus contextos sociais e estruturas culturais”, contou o ator em entrevista à GALILEU. Esse foi um dos motivos que fizeram com que ele concordasse em apresentar A História de Deus, produção que viaja o mundo conhecendo as diferentes interpretações de fé. Em sua segunda temporada, o programa encontra um novo desafio: entender a relação, muitas vezes conflituosa, entre ciência e religião. “Vários cientistas acreditam que a ciência é uma espécie de substituta de Deus”, diz Freeman. “Mas há outros tantos pesquisadores que veem a ciência como uma forma de investigar o mundo.” Para o produtor-executivo James Younger, a ciência e a religião podem coexistir de uma maneira interessante. Enquanto a ciência fala do Big Bang para explicar o início do universo, por exemplo, os religiosos citam o Gênesis. “É o mesmo fenômeno visto de diferentes perspectivas, mas uma não anula a outra”, afirma Younger. A segunda temporada de A História de Deus estreia no dia 16 de abril, às 20h30, no canal pago NatGeo.
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04.2017
TECNOLOGIADESCOMPLICADA
Sabe o Mario? Ele voltou! Novo lançamento da icônica empresa japonesa, Nintendo Switch aposta na interatividade e no entretenimento entre amigos POR DIEGO BORGES
O Switch conta com dois mini-joysticks que podem ser acoplados em uma tela portátil
O Switch também conta com uma tela própria que permite aos jogadores usufruir dos games em qualquer lugar. Para quem preza a qualidade visual, basta acoplar o dispositivo central a uma TV para que os gráficos do jogo alcancem o padrão dos videogames atuais. Entre os jogos disponíveis estão
M
ario e seus amigos estão
franquias clássicas, como Zelda: Breath
de volta. Enquanto Sony e
of the Wild e Super Mario Odyssey.
Microsoft iniciam a geração 4k
dos videogames, a Nintendo investe no entretenimento junto com amigos por meio do Switch, que chegou às lojas de
FICHA TÉCNICA PESO: 400 gramas ARMAZENAMENTO:
Apesar de ainda não ter data de lançamento no Brasil, o sucesso de vendas mostra que o Switch atingiu seus objetivos e que muitos gamers ainda se
próprio design do videogame, que conta
32 GB de memória interna. Há possibilidade de comprar um cartão de memória com 2 TB
conceito das companhias que buscam in-
com dois “Joy-Con” — mini-joysticks
BATERIA: Interna,
cansavelmente jogos cada vez mais reais.
boa parte do mundo no dia 3 de março. A proposta de interação fica evidente no
que, quando unidos a uma base ou à tela portátil do console, viram um só.
com duração de duas horas e meia a seis horas
interessam pelo conteúdo da empresa japonesa, cuja proposta é diferente do
Nada de game over para a Nintendo!
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04.2017
NOKIA 3310 Nokia
O celular ganhou novas cores, mas seus recursos são similares aos do modelo antigo: só funciona em rede 2G e não roda WhatsApp. O jogo da cobrinha está de volta, agora em cores!
MOTO G5 PLUS Motorola
Recebeu um corpo com alumínio no lugar do plástico para aumentar a durabilidade. O botão Home passou a entender gestos mais complexos feitos com os dedos.
Fig. - GH
DO MOTO G AO CELULAR DA COBRINHA
Feira mundial apresenta tendências para os smartphones — e uma delas é deixá-los mais parecidos com os aparelhos do início dos anos 2000
LG G6 LG
O destaque do aparelho é a tela gigante, com 5,7 polegadas e proporção widescreen de 18:9. As cores de fotos e vídeos são extremamente vivas.
BLACKBERRY KEYONE
Fig. - GN
WORK, WORK, WORK, WORK Quais os melhores aplicativos para trabalhar a distância? POR MELISSA CRUZ
ENQUANTO O BRASIL pulava Carnaval, a feira de celulares MWC acontecia em Barcelona. Para transmitir as informações em meio à folia, o TechTudo utilizou plataformas em nuvem e aplicativos de comunicação — e recomenda os melhores serviços para trabalhar a distância.
TLC
A digitação no teclado físico é desajeitada, e o usuário pode levar algum tempo para (re)aprender a manuseá-lo. Roda com o Android 7 Nougat.
TRELLO O gerenciador de tarefas é útil para fazer o planejamento da equipe de maneira remota e controlar os fluxos de trabalho. Está disponível em dispositivos móveis para Android e iOS.
GOOGLE DRIVE E DROPBOX
POR THÁSSIUS VELOSO*
Serviços de armazenamento em nuvem são importantes
FEIRA MAIS IMPORTANTE DE TECNOLOGIA da Europa, o Congresso Mundial de Celulares (MWC) aconteceu entre os dias 27 de fevereiro e 2 de março em Barcelona, na Espanha, com lançamentos para todos os gostos (e bolsos). Foram apresentados desde aparelhos desenvolvidos com alta tecnologia, como o Xperia XZ Premium, até a releitura do Nokia 3310, que fez sucesso nos anos 2000 por ter fama de indestrutível e, claro, pelo jogo da cobrinha. *O jornalista viajou a convite do Grupo TCL
na hora de transferir arquivos sem perder a qualidade de fo-
NOKIA 6 Nokia
O celular opera com o Android 7 Nougat e possui tela de 5,5 polegadas em Full HD. A câmera principal do smartphone tem 16 megapixels e é integrada ao Google Assistente.
XPERIA XZ PREMIUM Sony
Ganhou uma função de câmera lenta poderosíssima. Ela capta a cena em quase 1.000 quadros por segundo, preservando as cores.
tos e vídeos, por exemplo.
WHATSAPP Para que o time se comunique em tempo real de maneira prática, o aplicativo de mensagens continua sendo a melhor solução.
TWITTER E FACEBOOK As redes sociais são boas aliadas para receber
@techtudo_oficial
/techtudo
@TechTudo
notícias de diferentes assuntos em tempo real.
NOVO APP
ÉPOCA A história por trás de tudo que acontece no Brasil e no mundo, na palma da sua mão.
Tenha acesso às edições semanais e a todo conteúdo de ÉPOCA em seu celular ou tablet, totalmente adaptados à tela.
LEIA
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E FAÇA PARTE DA HISTÓRIA
ELEMENTAR
SÃO SEUS OLHOS
Saiba como foram inventadas e entenda do que são feitas as lentes de contato — POR EDUARDA ENDLER*
LENTE DE CONTATO
H
á cerca de 500 anos o italiano Leonardo da Vinci já cogitava
acabar com problemas de visão por meio do desenvolvi-
SILICONEHIDROGEL Este elemento, que faz parte das lentes de hidrogel associadas ao silicone, possibilita que as lentes deem maior capacidade de oxigenação aos olhos.
mento de uma espécie de lente que poderia ser posta na superfície do globo ocular. Mas ele nunca tirou a ideia do papel, e as lentes que conhecemos hoje ainda demoraram bastante para aparecer. O que impulsionou sua fabricação não foi a vontade de corrigir de proteger os olhos. Antigamente, as lentes eram feitas de forma rudimentar, com vidro, e encaixadas
1
andavam por ambientes inósdifíceis, como tempestades de areia. Esse modelo lembra as lentes esclerais, usadas ainda hoje por quem tem anomalias nas córneas. Foi só em 1929 que William Feinbloom desenvolveu uma lente de contato produzida com vidro e plástico. Entretanto, continuava sendo um material muito rígido, que causava desconforto no usuário. As lentes de contato gelatinosas, consideradas por alguns médicos oftalmoveis e maleáveis, só foram inventadas nos anos 70. Hoje, ainda existem lentes dos dois tipos: rígidas e gelatinosas. As rígidas não precisam de hidratação após o torneamento computadorizado e o polimento; as gelatinosas, por sua vez, precisam.
20
8
O
ÁGUA Toda lente tem uma porcentagem de água, que pode chegar a 60%. A função da água é aumentar o conforto com a hidratação e auxiliar na oxigenação da córnea.
pitos e vivenciavam situações
logistas como mais confortá-
H
1
H
6
C
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O
C
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F
FLUORCARBONO O carbono está presente em quase todas as matérias do planeta e é indispensável para a vida humana. Na lente de contato, unido ao flúor, garante um material estável.
o grau, e sim a necessidade
nos olhos dos guerreiros que
6
A primeira lente de contato da história foi feita com vidro e plástico
FLUORSILICONE O silicone, quando associado ao fluorcarbono, gera este novo material que também facilita a chegada de oxigênio ao olho do usuário.
HIDROXIETILMETACRILATO (HEMA) É uma espécie de “plástico” que tem a capacidade de se hidratar. É usado nas lentes de hidrogel, conhecidas como “gelatinosas”.
*Com apuração de Cartola — Agência de Conteúdo Foto: Tomás Arthuzzi / Editora Globo Fontes: Viviane N. Uebel (CREMERS 24178), diretora técnica do Hospital Banco de Olhos de Porto Alegre; Brunno Dantas, membro titular da Sociedade Brasileira de Oftalmologia; e Luis Ricardo Del Arroyo Tarragô Carvalho, médico oftalmologista do Hospital São Lucas da PUCRS
DOSSIÊ
JOGOS DE AZAR
REPORTAGEM THIAGO TANJI
DESIGN JOÃO PEDRO BRITO
F A Ç A M
S U A S
Congresso Federal coloca as cartas na mesa e discute a legalização dos jogos de azar com a expectativa de arrecadar impostos de um mercado bilionário que atualmente opera de maneira ilícita Antes de ser conduzido À
Valadares (PSB-SE) em sessão
de tributos de mais de R$ 29 bi-
cadeira de ministro do Supremo
realizada no final de fevereiro.
lhões, em um período de três anos.
Tribunal Federal, Alexandre de
Após afirmar que a decisão sobre
Na avaliação do Ministério Público
Moraes passou por uma sabatina
a legalização dependia dos parla-
e da Receita Federal, no entanto, a
de 12 horas no Senado. Enquanto
mentares, o jurista elogiou o mo-
ausência de fiscalização das casas
sua careca refletia a iluminação
delo de negócio norte-americano
de jogos daria margem para a prá-
do auditório onde acontecia a
de cassinos, que integra opções
tica de atividades menos lúdicas,
sessão, o ex-ministro da Justiça
de lazer para toda a família.
como a lavagem de dinheiro.
expôs sua opinião sobre diferen-
O interesse dos três poderes da
Enquanto o debate prossegue
tes temas, incluindo a legalização
República em discutir os jogos de
em Brasília, um mercado bilioná-
dos jogos de apostas no Brasil.
azar no Brasil não é mera opção
rio opera à margem da lei: espe-
“A Constituição nem determi-
cultural: de acordo com os proje-
cialistas no setor afirmam que o
na nem proíbe a questão de jogos
tos que tramitam no Congresso
jogo do bicho, considerado uma
de azar, isso entra na opção do
Nacional, a legalização de cassi-
contravenção penal, movimen-
legislador, ou seja, do Congresso
nos, bingos, apostas eletrônicas e
ta anualmente cerca de R$ 12 bi-
Nacional”, disse Moraes em res-
do jogo do bicho seria responsável
lhões com apostas sem nenhum
posta ao senador Antônio Carlos
por um aumento na arrecadação
tipo de supervisão do Estado. Foto: Getty Images/Dorling Kindersley
21
B R A S I L
POR UM GOLPE DE SORTE Em pauta desde o governo Dilma Rousseff, projeto de legalização de cassinos é discutido por senadores e deputados federais Brasil é um dos poucos países do mundo que proíbe jogos de O azar como os praticados em cassinos e bingos — atualmente, as apostas legalizadas se restringem à Loteria da Caixa Federal, administrada pelo Estado e que em 2016 arrecadou R$ 12,8 bilhões. Outras nações que não autorizam essas atividades são Cuba, Islândia e países de maioria muçulmana, como Arábia Saudita e Indonésia. Mas em tempos de vacas magras nas contas públicas, o jeito é também fazer uma fezinha. Ainda em 2015, a presidente Dilma Rousseff conversou com ministros e parlamentares sobre a possibilidade de legalizar os jogos de azar com a justificativa de aumentar a arrecadação do Estado com impostos sobre a operação dos estabelecimentos. Hoje, duas propostas sobre o tema avançam no Congresso Nacional. De autoria do senador Ciro Nogueira (PP-PI), o Projeto de Lei nº 186/2014 autoriza a concessão de operação para cassinos, bingos, apostas virtuais e jogo do bicho — o texto segue para votação no plenário. Na Câmara dos Deputados, os parlamentares aprovaram em agosto do ano passado o Marco Regulatório dos Jogos no Brasil, que debate a legalização das atividades de apostas e as tributações sobre empresas e jogadores. Com o cenário favorável, donos de redes internacionais de cassinos já estudam possíveis locais para a abertura de estabelecimentos de apostas, que enfrentam resistência da bancada evangélica do Congresso e de parlamentares receosos com a possibilidade de que a legalização dos jogos dará brecha para a prática de atividades ilícitas, como lavagem de dinheiro. “O debate fica restrito a questões morais, enquanto no mundo inteiro o assunto é tratado como uma atividade econômica”, afirma Magno José Santos de Sousa, presidente do Instituto Jogo Legal, que defende a legalização.
Foto: Getty Images/Steve McAlister • Ícones: Gabriela Namie
HISTÓRIA DE CONFLITOS 1920 O presidente Epitá-
DA MEGA-SENA AO JOGO DO BICHO Mercado nacional de apostas rende arrecadação bilionária
cio Pessoa permite
YES, NÓS TIVEMOS LAS VEGAS Cidades brasileiras já abrigaram cassinos de luxo
que casas de apostas sejam construídas em instâncias de turismo 1930 Após um período de proibição, a construção de cassinos é retomada com a presidência de
LOTERIAS DA CAIXA
Desde 1962 a Caixa Econômica Federal controla jogos como a Mega-Sena e a Loteca: em 2016, foram arrecadados R$ 12,8 bilhões
Getúlio Vargas 1933 É inaugurado no Rio de Janeiro o Cassino da Urca, estabeleci-
CORRIDA DE CAVALOS
mento luxuoso que receberia estrelas
A legislação brasileira permite
internacionais
que apostas sejam realizadas
1946
nos eventos ligados aos Jóqueis Clubes do Brasil
No dia 30 de abril,
É PROIBIDO, MAS NEM TANTO
o presidente Eurico Gaspar Dutra assina um decreto que fecha os quase 70
APOSTAS NO BRASIL SÃO REALIZADAS EM SITES ESTRANGEIROS
mpresas de apostas esportivas permitem aos brasileiros utilizarem seus serviços por conta de uma brecha da legislação: os servidores dessas companhias estão sediados em países onde é permitida a realização da atividade. De acordo com Pedro Trengrouse, professor da Fundação Getúlio Vargas que publicou um estudo sobre o tema, a regulamentação dos sites de apostas no país geraria mais de R$ 2,7 bilhões em impostos.
E
cassinos do país
BINGOS
1993 Mesmo após a proibição em A Lei Zico legaliza
2004, especialistas afirmam que
os bingos com a
casas ilegais do jogo arrecadam
justificativa de
R$ 1,3 bilhão anualmente
recolher impostos e estimular os esportes olímpicos 2004 Após denúncias de corrupção, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva decreta o fechamento das casas de bingos
C
JOGO DO BICHO
Operando à margem da lei durante todo o século 20, o jogo funciona até hoje como uma loteria informal e tem receita de R$ 12 bilhões
COM OS ADORNOS DE FLORES e frutas pendurados na cabeça, Carmen Miranda era uma das estrelas do Cassino da Urca, estabelecimento com vista privilegiada para a Baía de Guanabara. Por lá, personalidades da sociedade carioca se divertiam ao lado de convidados estrangeiros, como o ainda jovem Orson Welles, eternizado em Hollywood após dirigir o filme Cidadão Kane. Legalizado pelo governo de Getúlio Vargas, os cassinos fizeram parte do cotidiano dos brasileiros endinheirados durante as décadas de 1930 e 1940 — quase 70 estabelecimentos operaram em cidades como Rio de Janeiro, São Paulo, Petrópolis e Santos. Em 1946, no entanto, o presidente Eurico Gaspar Dutra proibiu o funcionamento dos cassinos por conta dos “abusos nocivos à moral e aos bons costumes”. Boatos da época diziam que a proibição foi um pedido de Carmela Dutra, esposa do presidente, que era ligada a setores conservadores da Igreja Católica. “Era uma ideia pautada em uma concepção moralista, de que casas de jogos seriam um ambiente propício ao álcool e à prática da prostituição”, conta Alamiro Salvador Netto, professor da Faculdade de Direito da USP. A partir daí, os jogos foram enquadrados como contravenção penal, infração considerada um “crime 23 menor” pelo Código Penal.
M U N D O
VIVA LA REVOLUCIÓN Fidel Castro teve apoio do povo contra cassinos
N NAS PRIMEIRAS HORAS do dia 1º de janeiro de 1959, a população de Havana acordou com a notícia da vitória do exército liderado por Fidel Castro e da consequente renúncia de Fulgencio Batista, que ocupava o poder de modo ditatorial desde 1952. Homens e mulheres saíram às ruas e se dirigiram contra os maiores símbolos de corrupção do regime deposto: cassinos foram ocupados e máquinas caça-níqueis instaladas em bares foram quebradas. Durante os anos de ditadura, Batista manteve relações próximas com mafiosos norte-americanos como Meyer Lansky, que construíram hotéis luxuosos e estabelecimentos de apostas destinados a turistas. Depois da vitória de Fidel, cassinos e casas de prostituição foram fechados e o jogo de azar foi proibido em Cuba.
O PAÍS ONDE TUDO VALE UM PITACO BRITÂNICOS FAZEM DAS CASAS DE APOSTAS UMA CULTURA NACIONAL
24
FORTUNA Em 2014, as loterias movimentaram US$ 400 bilhões pelo mundo
esde que as casas de apostas foram legalizadas no Reino Unido, em 1961, 9 mil estabelecimentos estão espalhados pelo território britânico e recebem palpites tão diversos quanto pode ser a criatividade humana — em 2000, o galês Peter Edwards apostou 50 libras que seu neto jogaria
D
um dia pela seleção de seu país. Dito e feito: em 2013, durante os jogos classificatórios para a Copa do Mundo, o jovem Harry Wilson entrou em campo vestindo a camisa do País de Gales aos 42 minutos do segundo tempo. E o orgulhoso avô partiu para resgatar o prêmio de 125 mil libras, equivalente a mais de R$ 480 mil.
Países recordistas em número de cassinos 1.541 189-169 110-48 Fonte: Online Casino Directory
PECADOS DA CIDADE DO PECADO
OS MAIORES QUEBRADORES DE BANCA Habilidade e trapaça ajudaram a tirar dinheiro dos cassinos Equipe de Blackjack do MIT Estudantes do instituto norte-americano de
Nascida com um empurrãozinho da máfia, Las Vegas se tornou símbolo dos jogos de azar
tecnologia calculavam as probabilidades de quais cartas seriam viradas no Blackjack — o jogo en-
o início da década de 1930, a construção de uma N usina hidrelétrica entre os estados norte-americanos de Nevada e do Arizona atraiu milhares de trabalhadores para a região, que se estabeleceram nas cidades próximas ao campo de obras. Para saciar os desejos dos operários por diversão e outras intenções menos nobres, o governo de Nevada permitiu a construção de casas de apostas em Las Vegas, cidade sem grandes atrativos até então. A partir daí, notórios mafiosos norte-americanos decidiram investir na região. Em 1947, Benjamin "Bugsy" Siegel, antigo contrabandista de bebidas alcoólicas durante o período da Lei Seca, inaugurou o cassino Flamingo, primeiro grande empreendimento de apostas que integrava um hotel luxuoso e uma casa de shows — no mesmo ano da abertura do cassino, Siegel foi assassinado por inimigos. Com o aumento da fiscalização do governo para coibir sonegação fiscal e lavagem de dinheiro, a má fama de Las Vegas deu lugar ao profissionalismo de megaempresários no setor de entretenimento: no ano passado, o estado de Nevada arrecadou mais de US$ 11 bilhões em impostos referentes aos jogos de azar.
volve apostas para que a soma das cartas não ultrapasse o valor de 21. Tommy Carmichael O norte-americano desenvolveu engenhocas que eram inseridas nas máquinas caça-níqueis para fazer chover dinheiro dos dispositivos. Foi preso em diferentes momentos das décadas de 1980 e 1990. Dominic LoRiggio Com o apelido de "O Dominador dos Dados", o jogador ofere-
JOGADORES DO MUNDO, UNI-VOS Mais de 6,8 mil cassinos estão espalhados pelo planeta
ce cursos que custam US$ 1,6 mil para ensinar as técnicas de como atirar os dados no ar com
40 Talín
54 Moscou
perfeição e atingir as combinações apostadas.
26 Riga 24 Londres
29 Deadwood
Gonzalo García-Pelayo
122 Las Vegas
No início da década de
74 Miami
26 Henderson
28 St. Petersburg
32 Macau
1990, o espanhol observou o funcionamento
As dez cidades recordistas em número de cassinos
das roletas dos cassinos, registrou os resul-
Total de Nome da cassinos cidade
Proporção em relação às demais cidades
tados e fez uma análise em um software capaz de fornecer as tendên-
Foto: Getty Images/Adam Gault
cias dos resultados.
C R I M E S
E
V Í C I O
NADA PESSOAL, APENAS NEGÓCIOS Com a possível legalização, crimes ligados aos jogos de azar preocupam autoridades
APOSTAS FORAM RESPONSÁVEIS POR JOGO SUJO MANIPULAÇÕES MANCHARAM CONQUISTAS NO FUTEBOL
26
história do Campeonato Brasileiro de 2005 teve de ser reescrita em função de um escândalo que abalou a imagem do futebol do país: uma investigação concluiu que o árbitro Edílson Pereira de Carvalho combinara resultados com um grupo de apostadores. As 11 partidas apitadas por Carvalho foram anuladas e jogadas novamente — no fim do
A
riado em 1892 para sortear prêmios C aos frequentadores do Jardim Zoológico do Rio de Janeiro, o jogo do bicho ganhou popularidade que extrapolou os muros do parque, funcionando como uma loteria informal de apostas de sequência de números. A história da contravenção penal, no entanto, também é marcada por episódios violentos. Em 2004, Waldomiro Garcia, o Maninho, foi assassinado no Rio de Janeiro. Ele era filho de Waldemir Garcia, o Miro, um dos principais nomes do jogo do bicho carioca e ex-presidente da escola de samba Salgueiro. Entre as pautas discutidas na Câmara dos Deputados está a anistia aos acusados de prática de exploração ilegal de jogos. Além das ligações ilícitas, a legalização de jogos de azar preocupa as autoridades por conta dos riscos do aumento de práticas criminosas, como a lavagem de dinheiro. "O intuito da lavagem é criar mecanismos para retirar a aparência da ilicitude do dinheiro", diz João Santa Terra, coordenador de segurança institucional do Ministério Público de São Paulo. Assim, o dinheiro originado de um crime seria injetado em uma empresa — como um cassino — para ganhar a camuflagem de legalidade. Magno José Santos de Sousa, do Instituto Jogo Legal, refuta a associação entre dinheiro ilícito e a atividade de casas de apostas. "As empresas que operam cassinos são multinacionais cotadas na Bolsa de Valores que, se cometerem um erro em uma jurisdição, perdem o direito de atuar em outros países", afirma.
ano, o Corinthians se sagrou campeão do torneio. Pedro Trengoruse, professor da FGV, enumera medidas para que episódios como esse não se repitam caso as apostas sejam legalizadas. "É necessário haver campanhas educativas, monitoramento do padrão das apostas e punição dos envolvidos em manipulações de resultados."
"SÓ POR HOJE EVITAREI A PRIMEIRA APOSTA" Jogadores compulsivos se reúnem para tratar doença
L GRANDES PERDEDORES Estados Unidos lideram entre os países cujos habitantes mais perdem dinheiro com apostas (em bilhões de dólares) 120 100 80 60 40
EUA China Japão Itália Austrália Reino Unido Canadá Alemanha França Espanha Coreia do Sul Cingapura
20
Fonte: H2 Gambling Capital
TRATAMENTO
Foto: Getty Images/Dorling Kindersley • Ícone: Gabriela Namie
O Instituto de Psiquiatria da USP conta com um ambulatório para jogadores compulsivos
LOCALIZADA NO BAIRRO da Armênia, em São Paulo, uma sala comercial funciona como escritório dos Jogadores Anônimos, irmandade criada em 1957 nos Estados Unidos a fim de reunir pessoas que apresentam compulsão para realizar apostas. O programa de recuperação é inspirado nos 12 passos dos Alcoólicos Anônimos, com realização de encontros periódicos para que os participantes compartilhem as experiências e lutem contra o vício. "O sonho do jogador é ganhar um bom dinheiro e ter uma vida tranquila. Mas quando ganha alguma coisa, ele esconde o dinheiro, ele mente, tudo para jogar no dia seguinte", diz um dos membros do grupo que preferiu não se identificar e está há um ano e meio sem fazer apostas. Os membros da irmandade revelam que a maioria dos participantes é de homens, embora haja crescimento da participação de mulheres idosas nas reuniões. As máquinas caça-níqueis, por proporcionarem resultados imediatos, são as principais responsáveis pelo desenvolvimento do vício. "Quando paramos de jogar redescobrimos a vida, porque antes tudo girava em torno do jogo", conta um membro que está há mais de 15 anos em abstinência. "Mas essa doença não tem cura: da mesma maneira que eu saí, se vacilar posso voltar e ser pior do que era antes." Leia mais sobre o tema na página 71
P Ô Q U E R
A ARTE DO BLEFE O pôquer é considerado um jogo de estratégia por exigir habilidade de seus praticantes
orte ou estratégia? Apesar de a cultura popular associar S os torneios de pôquer às mesas de cassinos, a realização de campeonatos é permitida no Brasil, já que as leis nacionais consideram o jogo de cartas como uma atividade que envolve a habilidade e o raciocínio dos jogadores. “O pôquer começou de maneira amadora no país e hoje temos competições com estrutura profissional”, afirma Leo Bello, autor do livro Aprendendo a Jogar Poker (Editora Best Seller). Formado em Medicina, Bello seguiu carreira como jogador de pôquer e ajudou a criar o BSOP, torneio brasileiro que reúne jogadores profissionais e oferece uma premiação milionária aos primeiros colocados.
As principais combinações do Texas Hold'em, principal modalidade nos torneios de pôquer UM/DOIS PARES
TRINCA
SEQUÊNCIA
FLUSH
FULL HOUSE
STRAIGHT FLUSH
"ONE PAIR"
"THREE OF A KIND"
"STRAIGHT"
"FLUSH"
"FULL HOUSE"
"STRAIGHT FLUSH"
Três cartas iguais e duas diferentes
Cinco cartas de naipes diferentes em sequência
Cinco cartas de mesmo naipe, mas não em sequência
Uma trinca e uma dupla
Cinco cartas do mesmo naipe e em sequência
Combinações
Combinações
Combinações
Combinações
Combinações
Combinações
123.552
54.912
10.200
5.108
3.744
36
Um par de cartas iguais
Combinações 1.098.240
"TWO PAIRS" Dois pares de cartas iguais
Fonte: Aprendendo a Jogar Poker (Best Seller)
Popularização do pôquer rende premiações milionárias e destaca brasileiros
Dono das cartas
Só para milionários
Jogadas virtuais
Campeonato nacional
É do Brasil!
A maior premiação de
O torneio Monte Carlo
Empresa proprietária do
Disputado na cidade de
Alexandre Gomes, André
um torneio aconteceu em
One Drop Extravaganza
site PokerStars, a cana-
São Paulo, o torneio bra-
Akkari e Thiago Decano são
2012, quando o iraniano
de 2016 exigia um valor
dense Amaya lucrou
sileiro BSOP Millions 2016
os três brasileiros que já
Antonio Esfandiari
de entrada de 1 milhão de
US$ 55,5 milhões no pri-
reuniu mais de 2,5 mil jo-
conquistaram o campeona-
ganhou US$ 18,3 milhões
euros para os jogadores
meiro trimestre de 2016
gadores profissionais
to mundial de pôquer
Foto: Getty Images/Long Ha
COM TODAS AS FICHAS NA MESA
ILUSTRAÇÃO YORKA
SUMÁRIO DE MATÉRIAS
CAPA: DESIGUALDADE FAZ MAL À SAÚDE P.30 ENTREVISTA: RONALDO LEMOS P.48 RENDA BÁSICA P.58
ENSAIO: RINOCERONTES P.42 MULHERES DE OURO P.52
OUTRA TEORIA DA GRAVIDADE P.64
REPORTAGEM MARÍLIA MARASCIULO EDIÇÃO GIULIANA DE TOLEDO FOTOS DULLA DESIGN INARA NEGRÃO
30
G
A GALILEU ADVERTE:
DESIGUALDADE FAZ MAL À SAÚDE
A SUA LONGEVIDADE DEPENDE DA DO
SEU VIZINHO. A CIÊNCIA MOSTRA QUE
TODOS, RICOS E POBRES, SÃO MENOS
SAUDÁVEIS EM PAÍSES COM GRANDES DIFERENÇAS SOCIAIS COMO O BRASIL
31
NO NO INVERNO de 1846, uma
epidemia de tifo, doença bacteriana transmitida por pul-
gas que causa febre alta, delírios e erupções cutâneas, assolava a região da Silésia,
norte da Alemanha, provo-
cando a morte de mais de
uma questão de tratar um ou
po afetava crianças e adultos
Trinta e um anos depois,
15 mil pessoas. Sem saber o
outro paciente com remé-
na Baixada Fluminense, norte
pouco mudou. A dengue se
que fazer, o governo prussia-
dios, comida, moradia e rou-
do Rio de Janeiro, naquele que
espalhou pelo país e chegou a
no enviou ao local uma comi-
pas”, escreveu o médico em
seria o retorno das epidemias
capitais como São Paulo, onde
tiva chefiada pelo jovem mé-
seu relatório. “Se nós de fato
de dengue no Brasil. Um mi-
bairros como a Brasilândia,
dico polonês Rudolf Virchow.
quisermos intervir na Silésia,
lhão de pessoas foram amea-
periferia na zona norte re-
Em 16 dias, ele chegou a uma
temos de promover o avan-
çadas só no Rio; o total de ca-
cordista no número de casos
conclusão: a epidemia era
ço de toda a população e es-
sos chegou a 33.568 no país,
na cidade, convivem com ela
evitável, pois tinha como cau-
timular um esforço comum.”
12.480 dos quais na capital
há pelo menos seis anos. Há
sas a pobreza, a fome, a cor-
Naquela época, quando as cau-
fluminense. As condições da
dois, transformou-se em uma
rupção e a desigualdade.
sas das doenças ainda eram
Baixada, com alta insalubrida-
nova epidemia: em seu auge,
Além de formular leis que
desconhecidas e acabavam
de, aglomerados de pessoas
em 2015, foram 3,6 mil casos
funcionavam só no papel, a
sendo atribuídas a miasmas,
e falta de informação sobre a
a cada 100 mil habitantes —
aristocracia não reconhecia
as ideias de Rudolf Virchow
prevenção — eliminar focos
para se ter uma ideia, uma
os mineradores de classes
provocaram incômodo.
de água parada, essenciais
doença é considerada epidê-
mais baixas como seres hu-
No verão de 1986, uma
para a reprodução do mos-
mica quando existem mais de
manos. “É preciso dei-
doença que causava febre
quito —, eram perfeitas para a
300 casos por 100 mil habi-
xar claro que não é mais
alta, manchas e dores no cor-
proliferação da doença.
tantes em uma região.
32
Lixões e esgoto a céu aberto, casas coladas umas nas outras, falta de informação sobre como se prevenir e falta de drenagem das águas de chuvas de verão permanecem cenários perfeitos para a proliferação do mosquito, que depois chegou a outros bairros da cidade. Na Brasilândia,
46%
é o quanto as chances de morrer antes dos 85 anos são maiores para os mais pobres, segundo pesquisa com 1,7 milhão de pessoas
os moradores já não se perguntam se terão dengue, mas quando. E, enquanto a situação permanecer igual àquela da Baixada em 1986, não é exagero dizer que eles têm razão. “As epidemias não apon-
A dengue está aí para mostrar
tam sempre para deficiências
isso. No auge da epidemia em
da sociedade? Pode-se consi-
São Paulo, em 2015, o núme-
derar como causas as condi-
ro de casos por 100 mil ha-
ções atmosféricas, as mudan-
bitantes chegou a quase 400
ças cósmicas gerais e coisas
no Itaim Bibi, um dos bairros
parecidas, mas em si e por si
mais ricos da cidade.
esses problemas nunca causam epidemias. Elas só po-
PROBLEMA MUNDIAL
dem existir onde, devido a
Szwarcwald é editora do suple-
condições sociais de pobreza,
mento A Panorama of Health
o povo viveu durante muito
Inequalities in Brazil (Um
tempo em uma situação anor-
Panorama das Desigualdades
mal”, disse Virchow no século
em Saúde no Brasil), publica-
19, em uma constatação que
do no International Journal
parece cada vez mais atual.
for Equity in Health no fim
O médico polonês é tido
do ano passado. Nele estão
como um dos pais da medi-
reunidas análises realizadas
cina social, área que estuda
com base na última Pesquisa
como a estrutura social de-
Nacional de Saúde, divulgada
termina a saúde da população.
em 2013. Um dos resultados
Se em 1846 Virchow foi con-
que mais chamam a atenção
siderado revolucionário por
é o de que, embora a saúde
apontar a pobreza como de-
do brasileiro tenha melhora-
terminante de uma epidemia,
do na sua totalidade, ainda
algo que atualmente é aceito
existe uma diferença muito
na medicina, os pesquisadores
grande entre a expectativa de
da área enfrentam hoje outro
vida de cada região.
desafio: mostrar como a de-
Pelas estatísticas, os mora-
sigualdade social prejudica a
dores da região Sudeste, por
saúde da sociedade toda, não
exemplo, vivem em média
só a dos mais pobres.
cinco anos a mais do que os
“Não adianta você se escon-
do Nordeste. Mesmo assim,
der atrás de muros em con-
os habitantes do Sudeste têm
domínios, uma hora as conse-
vida mais curta que a possível
quências vão chegar”, afirma
nos países nórdicos, conheci-
a pesquisadora da Fiocruz
dos pelos bons índices
Celia Landmann Szwarcwald.
de igualdade social.
33
48,53
48,21
RICOS E POBRES DE SAÚDE A parcela mais abastada do Brasil vive, em média , menos que a mais pobre da Suécia
35,89
HOMEM
32,11
35,16
33,1
33,68
36,68 27,74
MULHER
Expectativa de vida na Suécia, por faixa de renda** Um quarto mais pobre da população 76 82,1 Segundo quarto mais pobre 81,3 83,7
27,32
32,57
30,13
29,08
34,94
41,06
42,67 37,59
37,85
41,59
35,15
38,81
42,1
43,15 PAÍSES MAIS DESIGUAIS TENDEM A TER EXPECTATIVA DE VIDA MENOR; COMPARE A REALIDADE DE ALGUNS PAÍSES:
50,45
51,48
53,5
51,67
60,79
63,38
QUE MATAM
Segundo quarto mais rico Um quarto mais rico
Costa Rica
Dinamarca
Alemanha
Reino Unido
Finlândia
Grécia
Chile
Suécia
Canadá
Austrália
França
Itália
Espanha
Japão
80,55
80,84
81,06
81,13
81,29
81,5
81,96
81,96
82,25
82,37
82,69
83,08
83,59
Estados Unidos 78,94
79,4
México
Brasil 74,4
76,72
Colômbia 73,99
Argentina
Paraguai 72,92
76,16
Rússia 70,37
Vietnã
Butão 69,47
75,63
Índia 68,01
Tailândia
Haiti 62,75
74,42
República Democrática do Congo
Zimbábue 57,5
58,66
África do Sul
EXPECTATIVA DE VIDA, EM ANOS
57,18
ÍNDICE DE IGUALDADE GINI*
Expectativa de vida no Brasil, por faixa de renda Zero a meio salário mínimo 65 70 Mais de meio a um salário 63 72 Mais de um a dois salários 67 73 Mais de dois a cinco salários 69 74 Mais de cinco a dez salários 72 75 Mais de dez salários 75 77
83 84,7 84,4 86,4
*Quanto mais próximo de zero, mais igualitário é o país | **Calculada para homens e mulheres aos 30 anos FONTES: Banco Mundial, Statistics Sweden (2013) e Ipea com base nos dados do Censo de 2010
O problema, no entanto,
tá-las. Para entendê-la, é pre-
ciou outro pensador, John
não está restrito ao Brasil,
ciso primeiro compreender
Locke, cujas teorias, por sua
mostra outro estudo publi-
o que é saúde. Segundo o
vez, ainda são adotadas na
cado em fevereiro na revista
conceito formulado em 1947
medicina. Pai do liberalismo
médica britânica The Lancet.
pela Organização Mundial da
britânico, Locke acreditava
Feita com 1,7 milhão de pes-
Saúde (OMS), “é o estado de
que o indivíduo conta só com
soas de Reino Unido, França,
mais completo bem-estar fí-
suas próprias forças para ter
Suíça, Portugal, Itália, EUA e
sico, mental e social, e não
seu direito à vida garantido.
Austrália, a pesquisa mostrou
apenas a ausência de enfer-
Médicos que concordam
que o risco de morrer antes
midade.” O campo abrange a
com Locke compartilham a
dos 85 anos é 46% maior en-
biologia humana, na qual en-
ideia de que cada pessoa é
tre os mais pobres. “Embora
tram a herança genética e os
responsável pelas escolhas
a saúde dos mais ricos não
processos biológicos do enve-
relacionadas à própria saúde.
esteja necessariamente amea-
lhecimento; o meio ambiente,
Essas escolhas podem resul-
çada, as desigualdades têm
que vai desde o local de mo-
tar nos chamados fatores de
um custo alto para a socie-
radia até o de trabalho e a ali-
risco, comportamentos que
dade e para os sistemas de
mentação disponível; o esti-
têm associação causal direta
saúde, então, a longo pra-
lo de vida, do qual resultam
com a doença. Por exemplo,
zo, todos pagam por elas”,
decisões como fumar, beber,
fumar é um fator de risco para
diz a epidemiologista Silvia
praticar exercícios; e a orga-
doenças como câncer de pul-
Stringhini, da Universidade
nização da assistência de saú-
mão, ou seja, a probabilidade
de Lausanne, na Suíça, uma
de, que são os hospitais, mé-
de um fumante ter câncer de
das autoras do estudo.
dicos, medicamentos.
pulmão é muito maior do que
No mais recente Relatório
E aí tudo começa a com-
Mundial de Ciências Sociais,
plicar. Dentro da própria me-
Os pesquisadores de medici-
divulgado em março, a Organi-
dicina, existem aqueles que,
na social acreditam que esses
zação das Nações Unidas para
embora reconheçam a in-
entendimentos são limitados e
a Educação, a Ciência e a Cul-
fluência do ambiente na saú-
defendem a importância de se
tura (Unesco) também desta-
de, atribuem maior importân-
considerarem os determinan-
ca que “o acesso desigual à
cia às causas biológicas das
tes sociais, que são o que leva
assistência médica pode ser
doenças. É uma corrente de
as pessoas a terem tais com-
uma fonte de descontenta-
pensamento que surgiu no sé-
portamentos. Ao contrário dos
mento social e político”.
culo 17. Um dos maiores pre-
fatores de risco, os determinan-
cursores foi o médico inglês
tes são algo que foge do con-
Thomas Sydenham, um dos
trole da pessoa. Os principais
A associação entre pobreza
primeiros a valorizar a ob-
são a classe social, o gênero, a
e doença parece óbvia, mas
servação e a classificação das
etnia, a riqueza e as condições
a discussão proposta pelos
doenças para o diagnóstico e
de moradia. “Eles afetam os in-
especialistas vai além do ris-
tratamento, em vez de buscar
divíduos de maneiras diferen-
co de contrair doenças e tra-
as causas. Sydenham influen-
tes e não necessariamente têm
CONTRA A CORRENTE
a de um não fumante.
uma relação causal direta com a doença, mas favorecem certos estados de saúde”, explica a epidemiologista Rita Barradas
“ASDESIGUALDADESTÊMCUSTOALTO PARAOSSISTEMASDESAÚDE.ALONGO PRAZO,TODOSPAGAMPORELAS”
Silvia Stringhini, epidemiologista
Barata, autora do livro Como e por que as Desigualdades Sociais Fazem Mal à Saúde (Editora Fiocruz). É como um funil: os determinantes podem gerar fatores de risco que levam a doenças. Pressionando o funil pela boca, estaria a desigualdade social.
35
“Quando falamos em desi-
judicados pelos conflitos. Mas
gualdade social, geralmente
houve pleno emprego e gran-
nos referimos a situações que
de redução na desigualdade
implicam algum grau de injus-
de renda. O salário das clas-
tiça, isto é, diferenças que são
ses mais baixas cresceu 9% e
injustas porque estão associa-
o da classe média caiu 7%.
das a características que siste-
Wilkinson mostra ainda
maticamente colocam alguns
que, a partir de certo limiar,
grupos em desvantagem com
o aumento no PIB per capi-
relação à oportunidade de ser e
ta não significa melhora na
se manter sadio”, escreve Rita
saúde. Isso explica por que
Barradas Barata. E situações
um país pode ser muito rico
como essas estão se agravan-
e, ainda assim, não ter popu-
do no Brasil: com alta no de-
lação saudável ou expectativa
semprego, em março, pela pri-
de vida alta. O maior exem-
meira vez em 22 anos, o indíce
plo são os EUA. O país tem
Gini calculado pela Fundação
um dos maiores PIBs per ca-
Getúlio Vargas mostrou au-
pita (US$ 55.836,79), um dos
mento da desigualdade.
maiores gastos com saúde por
SAÚDE NÃO TEM PREÇO
MIL PESSOAS
morrem por ano no mundo com doenças negligenciadas
habitante (US$ 9.402,54) e uma alta porcentagem do PIB
Ora, então basta ser rico
destinada a esse fim (17,14%).
para ter saúde? Não. A ri-
Mesmo assim, os americanos
queza costuma ser associa-
vivem quase cinco anos a me-
da à garantia de melhor qua-
nos que os japoneses, que têm
lidade de vida, o que leva a
US$ 32.477,22 de PIB per ca-
melhores níveis de saúde e
pita, gastam com saúde, por
à ausência de fatores de ris-
pessoa, US$ 3.702,95 e dedi-
co para doenças como as in-
cam 10,23% do PIB a ela.
fecciosas, relacionadas prin-
Mesmo comparados a paí-
cipalmente à higiene. Desde
ses menos desenvolvidos,
os anos 1980, no entanto, es-
como o Brasil, os Estados
tudos mostram que a espe-
Unidos não se saem bem
rança de vida ao nascer está
quando o assunto é saúde.
mais ligada a indicadores de
Por aqui, temos PIB per ca-
distribuição de renda do que
pita de US$ 8.8538,59, gas-
ao Produto Interno Bruto.
tamos menos de US$ 1.000
O epidemiologista britâ-
com saúde por pessoa e dedi-
nico Richard Wilkinson, da
camos 8,32% do PIB a isso.
Universidade de Nottingham,
No fim, vivemos quatro anos a
é um dos maiores pesquisado-
menos que os americanos.
res do tema. No livro O Nível
Outro dado interessante,
(Civilização Brasileira), em
este da pesquisa coordenada
parceria com Kate Pickett,
por Szwarcwald, é o de que
Wilkinson demonstrou que
apenas 4,7% dos brasileiros
períodos com aumento da es-
que buscam atendimento mé-
perança de vida na Inglaterra
dico não são atendidos. Nos
coincidiram com a primeira e
EUA, o índice varia: 15,3% en-
a segunda guerras: observou-
tre quem possui plano priva-
-se ganho de 6,6 e 6,5 anos,
do, 42,1% dos que são cober-
respectivamente. Esquisito,
tos pelo Medicaid, programa
considerando que o padrão
para indivíduos de baixa ren-
de vida e os serviços de
da, e 84,6% dos que não têm
saúde foram muito pre-
nenhum tipo de cobertura.
36
500
50
CENTAVOS
de dólar é o custo médio para tratar cada pessoa com DTN por ano
149
países do mundo são atingidos pelas doenças negligenciadas
ESQUECIDAS, MAS NÃO VENCIDAS
Algumas doenças são consideradas pela OMS doenças tropicais negligenciadas (DTN), pois não recebem a atenção necessária. Veja as sete que mais afetam o Brasil
1 DENGUE A doença, que pode ser causada por quatro tipos diferentes de vírus, é transmitida pelas fêmeas do mosquito Aedes aegypti. Seus principais sintomas são febre alta (acima de 39°C) e dores no corpo, que podem evoluir para casos mais graves de hemorragias. Entre 2002 e 2011, a dengue se consolidou como um dos maiores desafios de saúde pública no Brasil. Em 2013, ocorreu o maior surto no país, com cerca de 2 milhões de casos.
2 DOENÇA DE CHAGAS Causada por um protozoário transmitido por um inseto, o barbeiro, provoca sintomas leves, como inchaço e febre. Se não tratada, porém, pode se tornar crônica e causar insuficiência cardíaca. A estimativa do Ministério da Saúde é de que existam entre 2 milhões e 3 milhões de pessoas infectadas no país.
3 LEISHMANIOSE Existem dois tipos de leishmaniose: a que ataca a pele e as mucosas e a que ataca os órgãos internos — principalmente o fígado, o baço, os gânglios linfáticos e a medula óssea. Os sintomas incluem febre, emagrecimento, anemia e hemorragias. É transmitida pelo chamado mosquito-palha e atinge aproximadamente 3,5 mil pessoas no Brasil, país com a maior incidência da doença na América Latina.
4 ESQUISTOSSOMOSE É mais conhecida como barriga d’água, pois entre os sintomas está o inchaço abdominal. O parasita tem como hospedeiro caramujos de água doce que eliminam as larvas que contaminam os humanos e se instalam no fígado e no intestino. No Brasil, estima-se que 1,5 milhão de pessoas vivam em áreas com risco de contrair a doença.
5 MALÁRIA Outra doença transmitida por mosquito, tem sintomas parecidos com os da gripe, como febre e calafrio. Se não tratada, pode provocar insuficiência respiratória, coma e levar à morte. No Brasil, por ano, há cerca de 150 mil casos, a maioria deles na Amazônia. Mas os números vêm diminuindo: em 2015, foi observada a menor quantidade de casos nos últimos 35 anos.
6 HANSENÍASE Popularmente conhecida como lepra, a doença causa danos aos nervos e à pele. Causada por uma bactéria e transmitida pela saliva ou por via respiratória, tem cura e é prevenida pela vacina BCG, que faz parte do Programa Nacional de Imunizações. Mesmo assim, o Brasil ainda registra a segunda maior incidência no mundo, com cerca de 30 mil novos casos por ano.
7 TUBERCULOSE É uma das doenças mais antigas, que ainda atinge milhares de pessoas no mundo inteiro — mais precisamente, 10 milhões por ano. Causa febre, fadiga e tosse crônica com catarro ou sangue e é transmitida pelas vias aéreas ou pela saliva. No Brasil, segundo o Ministério da Saúde, há cerca de 70 mil casos por ano e 4,5 mil mortes.
ASAÚDEPÚBLICANOBRASILPODE PERDERMAISDER$430BILHÕESEM INVESTIMENTOSEMDUASDÉCADAS E A GENTE COM ISSO?
não se torna obesa ou hiper-
mento da violência”, destaca
EFEITO DOMINÓ
A comparação entre as taxas de
tensa de uma hora para ou-
Barata. Em outras palavras,
Existem, é claro, formas de
obesidade nos países é um dos
tra”, afirma Barata.
o estresse está aí para todo
minimizar as consequências
exemplos de como a desigual-
Uma explicação é encontra-
mundo. E os efeitos dele no
das desigualdades sociais.
dade afeta a saúde. Classificada
da na epigenética, campo que
corpo são bastante conheci-
O acesso à saúde é uma de-
atualmente como uma epide-
estuda a relação da herança
dos na medicina: aumento do
las. O Brasil está entre os
mia, ela atinge 18% da popu-
genética com o meio ambien-
risco de doenças cardiovas-
países que possuem um sis-
lação mundial. Ainda que haja
te. De acordo com a teoria,
culares e, principalmente, de
tema de garantia de aces-
obesos saúdaveis, a obesidade
condições ambientais ruins
transtornos mentais como de-
so universal para todas as
é considerada um fator de ris-
aumentam o risco de adoe-
pressão e ansiedade. Segundo
classes, o Sistema Único de
co para hipertensão, diabetes,
cer entre aqueles que já têm
a OMS, o Brasil é o quinto
Saúde (SUS), criado com a
doenças cardiovasculares e al-
predisposição genética para
país que mais sofre com essas
Constituição de 1988. O pro-
guns tipos de câncer.
determinadas doenças.
doenças no mundo — atrás de
blema, no caso brasileiro, é
Seguindo uma lógica causal
Ao mesmo tempo, o orga-
China, Índia, Estados Unidos
que o investimento em um
simples, os índices de obesida-
nismo pode ser modificado
e Rússia, todos com altos ín-
programa que pretende aten-
de deveriam ser maiores nas
por processos adaptativos
dices de desigualdade.
der a todos é baixo — e tem
camadas mais ricas, que têm
ao meio ambiente. No exem-
O fato de esses efeitos se-
maior poder aquisitivo para
plo da obesidade, Wilkinson
rem diretos sobre os mais
Com a aprovação da Pro-
exagerar na comida, e atingir
cita a hipótese do “fenótipo
pobres é um grande parado-
posta de Emenda à Consti-
todos os países ricos de forma
poupador”. Ela sugere que,
xo e talvez explique por que
tuição que congela os gastos
homogênea. Não é o que acon-
quando uma grávida está es-
superar as desigualdades
públicos por 20 anos, a esti-
tece. Além de afetar principal-
tressada, o desenvolvimento
permanece sendo um desa-
mativa é de que o SUS per-
mente os mais pobres, a doen-
do feto prepara-o para uma
fio. Segundo Wilkinson, só
ca mais de R$ 430 bilhões de
ça tem índices que parecem
vida em um ambiente estres-
fica claro que um aumento
investimentos até 2036, con-
acompanhar os da desigualda-
sante. Os bebês nessa situa-
na renda não necessariamen-
forme estudo publicado pelo
de social, ou seja, países mais
ção nascem menores e com
te provoca melhora na saúde
Conselho Nacional de Saúde
desiguais são mais obesos.
taxas metabólicas mais bai-
quando a comparação é fei-
(CNS). Problemas como esse
De acordo com a Organi-
xas, como se fossem viver
ta entre países. Dentro deles,
geram falta de confiança no
zação para a Cooperação e
em um local onde a comida
essas desigualdades se refle-
sistema público que incentiva
Desenvolvimento Econômico
é escassa. O problema é que
tem na expectativa de vida,
a busca por planos privados,
(OCDE), é possível traçar
a oferta de alimento não é es-
e os mais ricos vivem mais
ainda que a custos elevados —
uma relação direta entre as
cassa. Por isso, esses bebês
— a pesquisa da Fiocruz
no ano passado, as mensalida-
crises econômicas e o au-
se tornam mais propensos a
confirma isso no caso bra-
des tiveram alta de 13,55%, a
mento dos índices de obesi-
obesidade, diabetes e doen-
sileiro. “O difícil é mostrar
maior desde 1997. Como alter-
dade. Na crise econômica de
ças cardiovasculares.
que, se você tivesse as mes-
nativa às mudanças, o Minis-
se tornado cada vez menor.
2008, por exemplo, o consu-
“Os impactos das desigual-
mas condições financeiras
tério da Saúde propõe a cria-
mo de frutas e legumes nos
dades são diretos sobre os
em um país mais igualitário,
ção de modelos particulares
EUA despencou 5,6% para
mais pobres, mas afetam as
sua vida seria melhor”, afir-
com preços populares.
cada 1% de aumento no índi-
demais camadas da sociedade
ma o britânico. O pensamen-
Mas essa pode se tornar
ce de desemprego. “Em saú-
porque provocam deteriora-
to deveria ser: não chegarei
uma falsa solução, explica
de, as coisas não caem
ção da vida pública, perda do
aos 80 anos se meu vizinho
a professora da Fundação
do céu. Uma pessoa
senso de comunidade e o au-
também não viver até lá.
Getúlio Vargas Sonia Fleury.
38
17,1 %
11,7% 8,4 %
Primeiro grau completo Segundo grau completo
Diabetes
8,1%
10,3 %
Sem educação formal
PREVALÊNCIA DE DOENÇAS CRÔNICAS Por escolaridade
14 %
14,6 %
15,7%
14,9%
Hábitos que aumentam as chances de adoecer são mais frequentes entre quem tem menor formação; confira os dados do Brasil
16,9%
JUNTAS
15,9%
22,8 %
EDUCAÇÃO EANDAM SAÚDE
Superior completo
5,36% 3,44% 4,18%
Acidente vascular cerebral 2,74% 0,82% 0,79% 0,58% Depressão
PREVALÊNCIA DE HÁBITOS NÃO SAUDÁVEIS Entre os adultos brasileiros, por escolaridade
Consumo de frutas e vegetais menos de cinco vezes por semana
ABUSO DE ÁLCOOL
83,4 %
80,2 %
FUMAR
74,8 %
ESTILO DE VIDA SEDENTÁRIO
61,3%
9,61%
8,61% 6,95% 6,4% 8,71%
PREVALÊNCIA DE LIMITAÇÕES SEVERAS OU MUITO SEVERAS Por escolaridade Decorrentes de diabetes 8,18% 9,04% 4,4% 1,42% Decorrentes de acidente vascular cerebral
Sem educação formal
Primeiro grau completo
Segundo grau completo
Superior completo 10,67%
Consumo de carne com excesso de gordura
Decorrentes de depressão
44,5 %
43,8 %
36,3 %
28,3 %
FONTE: Pesquisa Nacional de Saúde 2013, dados analisados no suplemento publicado no International Journal for Equity in Health
17,94% 15,11%
29,92%
16,11%
9,77% 8,91% 6,45%
39
“EM SOCIEDADES MAIS DESIGUAIS, AS PESSOAS TÊM MEDO UMAS DAS OUTRAS”
em países desenvolvidos foi em 1920; a partir de 1930 ela diminuiu e só voltou a aumentar na década de 1970. Ela cria uma ideia de superioridade e inferioridade, então os mais ricos
Professor da Universidade de Nottingham,
se sentem superiores e criam uma
Richard Wilkinson argumenta que socie-
ideia de que os pobres são pobres
dades igualitárias são mais saudáveis por-
porque são preguiçosos e burros.
que têm menos problemas como violência, abuso de drogas e doenças mentais.
E COMO ESSE PENSAMENTO AFETA A SOCIEDADE COMO UM TODO? Ele gera competição e ansiedade. A vida passa a ser sinônimo de status, nós julgamos uns aos outros com
VOCÊ ESTUDA OS IMPACTOS
base na riqueza exterior, o dinheiro
DA DESIGUALDADE HÁ PELO
passa a ser a maior qualidade de uma
MENOS 30 ANOS. ACHA QUE O
pessoa. Em sociedades mais desiguais,
MUNDO ESTÁ MAIS CONSCIENTE
a vida em comunidade é mais fraca,
DISSO OU ESTAMOS NOS
existe mais violência. As pessoas
TORNANDO MAIS DESIGUAIS?
têm medo umas das outras, ficam
Os dois. Houve um grande
constantemente se defendendo.
aumento da consciência da desigualdade desde a crise
EM TEMPOS DE CRISE, É POSSÍVEL
financeira de 2008, mas isso não
CRESCER ECONOMICAMENTE
significa que as desigualdades
E DIMINUIR A DESIGUALDADE
diminuíram. Enxergo alguns sinais
AO MESMO TEMPO?
positivos. A Organização para a
Pelo contrário, existem evidências
Cooperação e Desenvolvimento
suficientes que comprovam que
Econômico (OCDE), por exemplo,
a desigualdade é ruim para o
tem feito acordos com paraísos
crescimento econômico. Ela provoca
fiscais para compartilharem
ainda mais instabilidade econômica.
dados com autoridades fiscais de diferentes países. Isso é
EXISTE ALGO QUE POSSA SER
importante, pois não se pode falar
FEITO INDIVIDUALMENTE PARA
em mudar o sistema de impostos
MELHORAR A SITUAÇÃO?
se ainda existirem paraísos
No momento, nossa melhor esperança
fiscais, porque as pessoas só vão
é a pressão popular. As experiências
continuar a esconder o dinheiro.
no passado mostram que as maiores mudanças na distribuição de renda
40
NÓS TEMOS OBSERVADO UMA
decorreram de movimentos sociais
GRANDE POLARIZAÇÃO POLÍTICA
fortes ou de alguma ameaça externa,
NOS ÚLTIMOS TEMPOS. ISSO PODE
como o comunismo. Veja o presidente
TER A VER COM A DESIGUALDADE?
americano Franklin Roosevelt, por
Sim, a desigualdade sempre
exemplo. Na década de 1930, ele reduziu
provoca aumento na polarização
a desigualdade com o argumento de
política. A última vez que a
que estava preservando o capitalismo
desigualdade esteve tão alta
diante de uma ameaça comunista.
“A deterioração dos serviços públicos leva também a uma precarização do setor privado, pois o parâmetro sempre vem do público”, afirma a doutora em Ciência Política. Basta ver o número crescente de operadoras de planos de saúde punidas pela Agência Nacional de Saúde
0,7%
da população do Brasil, ou seja, mais de 1,4 milhão, nunca se consultou com um médico, segundo estudo da Fiocruz
Suplementar (ANS) por negarem cobertura indevidamente: no último trimestre do ano passado, 11 operadoras tiveram planos suspensos. Mas o conceito de acesso
cionados à baixa escolaridade.
não significa apenas a obten-
No fim das contas, tudo está
ção de tratamentos. Engloba
interligado, como bem mostra
dimensões como acessibili-
o conceito de saúde da OMS.
dade e educação. Os dados
“É um efeito dominó”, con-
da Fiocruz mostram que 22
clui Szwarcwald. E demanda
milhões de brasileiros ainda
mudanças estruturais. Não
subutilizam os serviços de
adianta falar em prevenção
saúde: 0,7% da população,
para quem nem sequer sabe
por exemplo, jamais consul-
ler ou mal tem o que comer.
tou um médico na vida, e 3%
O hospital mais moderno será
nunca foram ao dentista.
inútil quando faltam meios
Em regiões como a da
para os pacientes chegarem
Brasilândia, bairro da zona
até ele. Continuar combaten-
norte de São Paulo, a reclama-
do um mosquito sem promo-
ção dos moradores é básica:
ver, ao mesmo tempo, melho-
falta transporte público para le-
rias de saneamento básico, é
vá-los até hospitais próximos.
entrar em uma guerra impos-
Quando existem linhas dispo-
sível de vencer.
níveis, a frequência é reduzi-
Na Silésia de 1846, Virchow
da após determinados horá-
já havia sugerido tudo isso.
rios. “Esse programa Corujão
Para prevenir outra epidemia
da Saúde, que oferece exames
como a de tifo, seria necessária
em horários alternativos, à noi-
uma democracia ilimitada, com
te, é muito bonito, mas como
o fim de privilégios, para criar
vamos fazer para chegar até os
cidadãos livres e bem-educa-
hospitais se os ônibus só pas-
dos e uma sociedade mais coe-
sam por aqui até as dez e meia
sa. “Esses são os métodos radi-
da noite?”, diz Evan Belchior
cais que sugiro como remédio”,
de Brito, 36 anos, morador
escreveu o médico polonês em
da Brasilândia e membro da
seu relatório. Anos depois, en-
Associação de Moradores do
tre 1918 e 1922, a região teve
Alto da Vila Brasilândia.
outra grande epidemia da
A pesquisa de Szwarcwald
doença, com cerca de 3 mi-
também mostrou que os com-
lhões de mortos. Atualmente,
portamentos de risco, como
os casos de tifo são raros —
baixo consumo de verduras,
mas o remédio para as epide-
sedentarismo, abuso de ál-
mias sugerido por Virchow ain-
cool e tabagismo, estão rela-
da parece radical.
Hope (Esperança, em inglês) dormia "aparentemente feliz", descreve Hiller. Teve uma vida sofrida, no entanto. Em 2013, no Quênia, foi encontrado chorando ao lado do corpo de sua mãe, morta por caçadores.
SOLIDÃO
DESIGN FEU
EDIÇÃO GIULIANA DE TOLEDO
FOTOS ÉRICO HILLER
ASSASSINADOS POR CAÇADORES QUE BUSCAM SEU VALIOSO CHIFRE, OS RINOCERONTES PODEM SER EXTINTOS EM DUAS DÉCADAS. O FOTÓGRAFO ÉRICO HILLER ACOMPANHOU DURANTE DOIS ANOS ESSA TRAGÉDIA ANUNCIADA
O FIM DOS GIGANTES
DE PERTO
Os filhotes órfãos quenianos, registrados nesta imagem ao lado dos seus tratadores, contrariam o padrão. Mesmo após o trauma de perder os pais, continuaram dóceis com humanos.
43
Nos locais de caça, as savanas da África do Sul mais parecem cemitérios. Os chifres são retirados muitas vezes com os animais ainda vivos, baleados. Os corpos, sem valor comercial, são deixados.
A CÉU ABERTO
OFERECIDO POR UM TRAFICANTE, um pedaço de chifre de rinoceronte do tamanho de uma caixinha de fósforos custa US$ 2.500 — quase R$ 7.900 — no mercado negro na Ásia, onde está a maioria da clientela. Foi fotografando de perto cenas espantosas como esta que Érico Hiller investigou o extermínio desses animais. Em média, a cada oito horas um deles morre no mundo.
"Quando soube do problema, em 2007, tinham morrido 83 rinocerontes naquele ano. Quando terminei o projeto, já eram mais de mil mortos", conta o fotodocumentarista independente, mineiro radicado em São Paulo. O trabalho de dois anos — foram oito viagens a três continentes — está registrado em imagens e textos no livro A Jornada do Rinoceronte, lançado no ano passado.
A jornada que observou, diz Hiller, é feita de ambição. De um lado, caçadores paupérrimos agem principalmente na África do Sul, onde estão 95% dos animais. "Em uma noite, o cara consegue mais dinheiro do que o que a família dele teve a vida inteira." De outro, há consumidores indiferentes à extinção, que pode ocorrer em duas décadas. "São pessoas muito ricas, letradas, estudadas."
Os chifres não são de osso. São nada mais do que um emaranhado de queratina, a proteína que compõe nossos cabelos e unhas. Ainda assim, seu consumo, muitas vezes em sopas, significa ostentação. Os benefícios não têm base na ciência, são só promessas de que curam ressaca, febre, convulsão e até câncer. "É um motivo chulo. Os animais são mortos só para arrancarem os chifres", resume Hiller.
45
Para desmotivar a caça, veterinários sul-africanos dopam os animais, extraem os chifres — eles voltarão a crescer — e os catalogam. Parte dos especialistas, porém, considera a prática um erro.
PREVENÇÃO
Editora M'Arte — R$ 90, 252 páginas, com textos em português e inglês
A JORNADA DO RINOCERONTE
DE TOCAIA
No Zimbábue, guardas usam trajes camuflados para vigiar movimentos de possíveis caçadores furtivos nas savanas.
LIÇÃO
47
Máscaras ajudam a chamar a atenção de alunos da região de Kaziranga, na Índia, para a importância de preservar os rinocerontes. Há casos, inclusive, de meninos que denunciaram os pais como caçadores.
PAPO CABEÇA COM RONALDO LEMOS
Tecnologia muda vidas Três anos depois da aprovação do Marco Civil da Internet, advogado Ronaldo Lemos lança aplicativo para recolher assinaturas
POR
não é fácil falar com ronaldo lemos.
nicações. “Enviei meu currículo, que era
Na primeira vez que tentamos, ele estava
o de um estudante sem experiência. Mas
em Nova York. Na segunda, prestes a em-
nos meus dados tinha o e-mail, e isso cha-
barcar para Pequim. O advogado mineiro
mou atenção. Curiosamente, no mesmo
nascido em Araguari tornou-se conhecido
currículo coloquei meu telefone errado.
ao liderar o processo de consulta pública
Eles tentaram me contatar por semanas e
que resultou no projeto de lei do Marco
precisaram mandar um mensageiro, por-
Civil da Internet, aprovado há três anos.
que o escritório não tinha e-mail.”
CRISTINE KIST DESIGN FEU
Formado em Direito pela USP, ele come-
Hoje, Lemos é professor da Uerj, apre-
çou a se interessar por tecnologia logo no
sentador da GloboNews e diretor do
início do curso, em 1994: “Quando entrei
Instituto de Tecnologia e Sociedade do
na faculdade, ainda não havia provedores
Rio (ITS Rio). Foi no ITS Rio que ele aju-
de internet no Brasil, mas a USP começou
dou a desenvolver o Mudamos, um apli-
a abrir o acesso discado para os bolsistas,
cativo criado para recolher assinaturas
então tive logo o meu primeiro e-mail, que
digitais de apoio a projetos de iniciativa
era rol@usp.br”. Foi graças a esse e-mail
popular — algo que, segundo ele, “pode
que ele conseguiu o primeiro está-
mudar completamente a relação entre re-
gio, justamente na área de telecomu-
presentantes e representados”.
48
COMO EXATAMENTE VAI FUNCIONAR O MUDAMOS? O Mudamos cria uma caixa de ferramentas para promover a participação pública. Desenvolvemos um aplicativo que vai permitir às pessoas assinarem projetos de lei de iniciativa popular. A Constituição prevê que, se 1% dos eleitores assinarem um projeto de lei, ele tem de ser aceito pelo Congresso e votado como um projeto normal. O problema é que até hoje a tecnologia para colher essas assinaturas foi o papel, o que traz inúmeros problemas. Por exemplo, no papel é praticamente impos-
Foi exatamente o que fizemos com o
sível auditar as assinaturas. Vimos isso
Marco Civil. Construímos uma plataforma
acontecer agora com as “10 Medidas de
aberta e colaborativa para escrever toda
Combate à Corrupção”, que obtiveram as
a lei. Isso teve um impacto profundo em
assinaturas, mas tiveram de ser “adota-
termos de transparência e de participação.
das” por um deputado. A mesma coisa
As pessoas que participaram do processo
ocorreu com a Lei da Ficha Limpa.
ficavam impressionadas quando viam que
Com o aplicativo, será possível assi-
seus comentários e opiniões eram debati-
nar um projeto de lei pelo celular, e as
dos e respondidos — ou, ainda, incluídos
assinaturas são totalmente auditáveis.
no projeto. Isso mostrou que é possível
Estamos usando a nova tecnologia do
um modelo de construção de políticas pú-
Blockchain [sistema que garante a se-
blicas que seja mais aberto à sociedade e
gurança das operações e que se tornou
menos sujeito à corrupção ou a decisões
conhecido por ser usado em transações
PRAZER, INTERNET
com bitcoins] para fazer isso, dando to-
“Apresentei a inter-
tal transparência ao processo. Isso pode
net para muita gente.
A TECNOLOGIA TRANSFORMOU QUASE TUDO NAS ÚL-
mudar completamente a relação entre
As pessoas ficavam
TIMAS DÉCADAS, MAS A POLÍTICA E, MAIS PRECI-
impressionadíssimas,
SAMENTE, O SISTEMA REPRESENTATIVO ESCAPA-
saíam da minha casa
RAM PRATICAMENTE ILESOS. A QUE SE DEVE ESSA
representantes e representados.
tomadas atrás de portas fechadas.
A ELABORAÇÃO DO MARCO CIVIL DA INTERNET FUNCIO-
como se tivessem
“IMPENETRABILIDADE”?
NOU COMO UM LABORATÓRIO PARA O MUDAMOS?
visto algo místico.”
A política vem se distanciando da socie-
O Mudamos é uma ampliação da expe-
dade. Em vez de se tornar mais porosa
riência de construção colaborativa de
e permeável, ela está ficando cada vez
uma política pública. Ele cria ferramen-
mais fechada em si mesma, obedecen-
tas que permitem a qualquer pessoa par-
do a uma espécie de lógica própria.
ticipar da construção de políticas públicas.
Foto: Divulgação/ITS
São muitas razões para isso. Em
49
primeiro lugar, o próprio sistema polí-
sa de um novo plano nacional de Banda
tico brasileiro, fundado nesse chamado
Larga, que coordene os esforços federais,
“presidencialismo de coalizão”. Outra ra-
estaduais e municipais permitindo levar
zão é a corrupção, que permite que agen-
conectividade a todas as escolas. Nesse
tes privados possam “hackear” a política
quesito, estamos ficando atrás até mes-
em favor de interesses próprios, deixan-
mo de nossos vizinhos. Argentina, Chile,
do de lado o interesse público.
Uruguai e Colômbia têm feito um trabalho melhor que o Brasil em conectividade.
EM 2010, O GOVERNO ANUNCIOU A IMPLANTAÇÃO DO PLANO DE BANDA LARGA NAS ESCOLAS, QUE
FAZ TRÊS ANOS QUE O MARCO CIVIL FOI APROVADO.
FRACASS0U. HOJE, MUITOS LUGARES, INCLUSIVE
DESDE ENTÃO, HOUVE UMA SÉRIE DE TENTATIVAS
ESCOLAS, SEGUEM DESCONECTADOS — O QUE É VIS-
DE ALTERÁ-LO OU ATRAVESSÁ-LO, COMO A FATÍDI-
TO COMO UMA DEMONSTRAÇÃO DE QUE A TECNOLO-
CA PROPOSTA DA LIMITAÇÃO DE DADOS E VÁRIOS
GIA ESTÁ, NA VERDADE, AUMENTANDO A DESIGUAL-
PROJETOS DE LEI PROPOSTOS PELA CPI DOS CRIMES
DADE. COMO RESOLVER ESSE PROBLEMA?
CIBERNÉTICOS. COMO VOCÊ, QUE É O “PAI DA CRIAN-
Essa questão é fundamental. Hoje, a
ÇA”, ACOMPANHOU ESSE PROCESSO?
maioria absoluta das escolas do Brasil
O Marco Civil incomoda muito quem não
não conta com banda larga de verdade.
gosta da liberdade na internet. Por exem-
Em outras palavras, estão desconectadas
plo, vários políticos prefeririam que a rede
da possibilidade de usar a internet para
brasileira pudesse ser controlada e censu-
fins educacionais. Hoje, quando a cone-
rada. O Marco Civil não deixa isso acon-
xão chega, a banda é tão curta que a in-
tecer, por isso a reação a ele é tão forte.
ternet só fica disponível para a direção
Um dos maiores opositores do projeto foi
da escola ou, quando muito, para os pro-
o então deputado federal Eduardo Cunha.
fessores. Os alunos não têm acesso. Esse
Quando o Marco foi aprovado, ele rapida-
é um dos nossos desafios hoje: conectar
mente propôs um projeto de lei para al-
todas as escolas do país em banda larga.
terá-lo, criando no Brasil um “direito ao
Isso tem o potencial de reduzir o deter-
esquecimento”. Seria um direito de apa-
minismo geográfico. Independentemente
gar da internet informações julgadas “in-
de onde uma pessoa nasce, ela poderá ter
convenientes”. Na mesma linha, diversos
acesso a todo o conhecimento necessá-
outros deputados vêm propondo leis para
rio. É preciso lembrar que hoje é possí-
mudar o Marco Civil, sempre buscando
vel aprender tudo pela internet. Não só
aumentar o controle sobre a internet.
o conteúdo da escola, como física, química ou matemática — por exemplo, nos
O MARCO JÁ FOI CITADO ATÉ PELO JUIZ QUE DERRU-
vídeos da Khan Academy —, mas tam-
BOU O WHATSAPP. O QUE ACHA DAS INTERPRETAÇÕES
bém habilidades que a escola não ensi-
DETURPADAS QUE TÊM SIDO FEITAS DO TEXTO?
na. É possível, por exemplo, aprender a
O desafio de uma lei é não só sua apro-
programar, aprender atividades práticas,
vação mas também sua aplicação. O
como consertar uma bicicleta, cozinhar,
curioso é que o Marco Civil proibiu ex-
aprender um idioma e assim por diante.
pressamente suspender ou interromper
Quem tem acesso à rede, com um pouco
serviços da internet. Mesmo assim, hou-
de curiosidade e disciplina, pode apren-
ve alguns juízes de primeira instância
der muita coisa nova e tem a capacida-
que resolveram aplicá-lo incorretamen-
de de mudar a própria vida. Levar isso
te. Felizmente, os tribunais superiores
para dentro da escola é fundamental.
foram rápidos em reverter essas decisões, dizendo claramente que estavam
ENQUANTO EM ALGUNS LUGARES A INTERNET AIN-
equivocadas. Agora, o STF vai decidir
DA NÃO CHEGOU, EM OUTROS OPERA-SE NO LIMITE.
sobre o caso. A questão da obtenção dos
VOCÊ JÁ DISSE QUE “ESTAMOS À BEIRA DE UM APA-
dados para fins de investigação criminal
GÃO DE CONECTIVIDADE”. POR QUE CHEGOU-SE A
é legítima e importante. No entanto, não
ESSE EXTREMO E COMO EVITAR ESSE APAGÃO?
é bloqueando um serviço que esse tema
A razão é que o tema da conectividade fi-
irá avançar. O dano colateral é grande
cou anos à deriva no país. Não houve pla-
demais. Além disso, temos de lembrar
nejamento e coordenação necessários para
que a regra na internet infelizmente é a
promover investimentos em infraes-
vigilância. São poucos os serviços que
trutura. Em síntese, o Brasil preci-
adotaram um padrão de segurança crip-
50
tográfica capaz de proteger os usuários de serem bisbilhotados. O WhatsApp fez isso, assim como a Apple, com o iMessenger ou o aplicativo Signal. É importante que existam serviços seguros, à prova de interceptação.
UMA DAS FUNÇÕES MAIS IMPORTANTES DO ESTADO É JUSTAMENTE A DE ZELAR PELA SEGURANÇA. HOJE, SE O ESTADO CONSIDERAR VOCÊ SUSPEITO, ELE PODE ENTRAR NA SUA CASA — QUE ATÉ ENTÃO ERA UM TERRITÓRIO PRIVADO — E VARRER TUDO ATRÁS DE PROVAS. COMO FICA O PAPEL DO ESTADO NA PREVENÇÃO DE CRIMES QUANDO ELE PERDE ESSE “ACESSO PRIVILEGIADO” A TODOS OS LUGARES? Acho que o Estado nunca teve ferramentas tão poderosas para investigação como tem atualmente. As revelações do caso Snowden e os documentos vazados pelo WikiLeaks, que aparentemente são verdadeiros, demonstram que o estado de vigilância é imenso. Estamos perdendo as poucas esferas privadas que ainda restam. É nesse contexto que os poucos serviços que adotam um sistema de proteção criptográfica contra vigilância surgem. Vale lembrar que, hoje, analisar um celular de uma pessoa é muito mais revelador do que entrar no domicílio dela. É preciso equilíbrio. É totalmente justificável que casos ilícitos possam ser investigados, mas é necessário haver freios e
“
Hoje, analisar um celular de uma pessoa é muito mais revelador do que entrar no domicílio dela.” FAZ DEZ ANOS QUE VOCÊ ESCREVEU O PRIMEIRO
contrapesos para evitar abusos.
ARTIGO DEFENDENDO A CRIAÇÃO DE UM MARCO FALANDO EM SNOWDEN, LOGO DEPOIS QUE ELE VA-
REGULATÓRIO CIVIL PARA A INTERNET BRASILEIRA.
ZOU OS PRIMEIROS DOCUMENTOS, O GOVERNO BRA-
DESDE ENTÃO, O QUE MUDOU DE LÁ PARA CÁ?
SILEIRO ANUNCIOU UMA SÉRIE DE MEDIDAS DE SE-
No momento, estou envolvido na criação
GURANÇA, COMO UM SISTEMA DE E-MAILS PRÓPRIO,
de outro marco, que é o Plano Nacional
QUE FORAM DEIXADAS DE LADO QUANDO A CRISE
de Internet das Coisas. A ideia é desen-
CHEGOU. ESTAMOS SEGUROS COMO ESTAMOS?
volver uma série de políticas públicas ca-
Não estamos seguros. Ao contrário,
pazes de fomentar a chamada Internet
o Brasil não tem uma política ampla de
das Coisas — que consiste em conectar
cibersegurança para a administração pú-
objetos à rede, tanto utensílios domésti-
blica. Recentemente houve o escândalo
cos, como geladeira ou televisão, quanto
em que se divulgou acidentalmente to-
plantas industriais, sistemas de transpor-
das as senhas de sites diretamente liga-
te urbano e assim por diante. Além dis-
dos ao governo federal. Não só isso é
so, no Brasil ainda não temos uma lei
patético em si como as senhas divulga-
de proteção de dados pessoais. Isso traz
das eram ridículas do ponto de vista de
MUDA TUDO
segurança. Havia até uma instrução que
“Não tenho dúvidas
tegidos os usuários. Eu viajo bastante, e
dizia “não mudar nunca” sobre uma das
de que o acesso
vejo o que está acontecendo em vários
senhas divulgadas. Isso vai contra prin-
à informação por
lugares do mundo. Tenho convicção de
cípios elementares de segurança da in-
meio da tecnologia
que nosso país pode ser grande em tec-
formação. Precisamos de uma política
pode mudar a vida
nologia e inovação, melhorando a vida
geral de segurança para a administração
das pessoas. Meu
de todos. Entretanto, para isso precisa-
pública. Estamos totalmente desprepara-
caso é um exemplo
mos pensar grande e ter coragem
dos e expostos nessa área.
muito claro disso.”
e disposição para fazer acontecer.
grande incerteza jurídica e deixa despro-
51
As mulheres lideram a comunidade Mumbuca, no estado do Tocantins, há nove gerações
MULHERES DE OURO UMA DAS POUCAS REFERÊNCIAS DE SOCIEDADE MATRIARCAL DO BRASIL, COMUNIDADE QUILOMBOLA CONHECIDA PELO CULTIVO DE CAPIM DOURADO TEM AS TERRAS INVADIDAS PELA PRIMEIRA VEZ NA HISTÓRIA REPORTAGEM E FOTOS FELLIPE ABREU, ISMAEL DOS ANJOS E LUIZ FELIPE SILVA
MA
PR
PI TO
MT
PALMAS
BA
VOCÊ ESTÁ AQUI A comunidade quilombola Mumbuca fica na região do Jalapão, no Tocantins
53
1
Com a valorização do capim, utilizado para produção de artesanato vendido em todo o mundo, têm ocorrido cada vez mais saques e ataques aos campos de colheita, e Mumbuca é a maior prejudicada. Além de suas plantações serem roubadas, os moradores da região ainda foram vítimas de um incêndio criminoso na ponte que dá acesso ao núcleo da comunidade — para chegar até lá, tivemos de cruzar o rio guiando o carro pela parte mais rasa. Quando começam as chuvas de verão, o acesso só é possível de balsa. “O capim dourado é um legado tradicional de nossos antepassados e a principal fonte de renda de nossa comunidade”, afirma Ana Cláudia Matos, que em 2012 tornou-se a primeira quilombola de Mumbuca a ingressar em uma universidade. Ela se formou assistente social e, em sua segunda incursão acadêmica, está no quinto ano de Direito. “Temos que saber o que os homens de fora sabem de igual para igual, pelo menos para dizer que não queremos favores, mas que conhecemos e exigimos nossos direitos”, justifica. Matos é, tal-
A
vez, a maior representante da nova geração de uma longa linhagem de lideranças femininas da comunidade quilombola. O papel das mulheres em Mumbuca não está restrito a cerimônias religiosas e culturais: elas são as principais líderes desde a fundação do povoado, em meados do século 19. A comunidade foi criada a partir
1. CAPIM DOURADO
Acessórios feitos com a planta são a principal fonte de renda da comunidade 2. EM ALTA
A colheita é feita de forma artesanal 3. SÓ DÁ ELAS
As mulheres lideram o trabalho nos campos de colheita; à esquerda, de roupa azul, Ana Cláudia Matos
54
do encontro entre negros escravos fugidos Às 4 horas da manhã do dia 20 de se-
de uma forte seca na Bahia e indígenas da
tembro de 2016, todos os moradores da
etnia xerente sediados no Jalapão — onde
comunidade Mumbuca já estavam acor-
ela se mantém até hoje. Os índios foram
dados e a postos. Era o dia da colheita
todos expulsos, com uma exceção: Jacinta,
do capim dourado, o momento mais im-
com quem um dos negros se casou e come-
portante do ano para os cerca de 220 qui-
çou a linhagem que está na nona geração.
lombolas que vivem entre os rios Novo e Sono, no coração do Jalapão, no estado
AS FILHAS DE JACINTA
do Tocantins. Antes de o sol nascer, um
“Jacinta, minha tataravó, era uma mulher
grupo de aproximadamente 15 jovens par-
muito forte e guerreira”, conta Doutora, a
tiu para o reconhecimento do campo de
atual líder do povoado. Batizada Noêmia
colheita, localizado a aproximadamente
Ribeiro da Silva, ela recebeu o apelido do
45 quilômetros do vilarejo. O ritual seria
pai aos nove anos após encontrar no mato
o mesmo de sempre: quando encontras-
uma planta chamada alfavaca e usá-la para
sem um lugar com boa oferta do material,
curar um problema que ele tinha no olho.
eles montariam acampamento e volta-
“Ele me disse que eu tinha um sinal de in-
riam para buscar as pessoas mais velhas.
teligência muito grande, e que ia me pôr
Dessa vez, contudo, onde esperavam en-
para estudar para ser doutora de verdade”,
contrar um campo repleto de capim, o
relembra. Doutora não estudou Medicina,
que eles viram foi só mato queimado.
mas dominou o artesanato do capim como
Pela primeira vez na história, os quilom-
poucos — é especialista em chapéus — e,
bolas ficaram sem o capim dourado.
com o tempo, assumiu a posição de lide-
rança tradicional máxima em Mumbuca, que tem esse nome por conta de uma espécie de abelha característica da região. Desde a índia Jacinta, é para as mulheres que os quilombolas olham em busca de liderança, organização e dos elos com a história e tradição. Guardina, Laurina (a descobridora do capim dourado), Laurentina e Guilhermina, mãe de Doutora e conhecida como Dona Miúda, são as mulheres que já comandaram o povoado. Além delas, houve um único homem, que foi o governante entre os períodos de Laurina e Laurentina. “É uma comunidade matriarcal desde o início. A decisão final parte das mulheres, como Doutora e Santinha [mãe do presidente da associação de artesãos e outra importante liderança]. Quem cuida da economia são as mulheres, assim como da criação dos filhos”, explica Ana Cláudia Matos. Depois dela, outros 11 jovens de Mumbuca, na maioria mulheres, chegaram ao ensino superior. São estudantes de Pedagogia, Engenharia Ambiental e Educação do Campo: “Todos os cursos têm significado para nós. Aqui, ninguém
3
2
1
1. BRILHA MUITO Mulher mostra como é feita a costura do capim 2. PANORAMA
A comunidade tem apenas ruas de terra, uma associação de moradores e uma escola 3. VENDE-SE
Na loja da associação há produtos como colares, bolsas e cestos
estuda Agronegócio porque é algo que não faz sentido, pode nos destruir. Tudo é pensado para o bem coletivo.” Irmã de Matos, Núbia Ribeiro, 16 anos, pensa em estudar Medicina para poder atender os conterrâneos que sofrem com a falta de hospital e até mesmo de posto de saúde. O atendimento médico mais
pim dourado, eles agora terão de comprar
próximo fica em Mateiros, a mais de uma
o produto. “Cada quilo de capim custa uns
hora de distância. “A gente cresce com o
R$ 30, mas agora que sabem que estamos
exemplo dessas mulheres guerreiras que
sem, o preço pode até dobrar”, preocupa-se
lutaram pelo nosso povo”, conta. O espírito
Matos. As queimadas e os saques não fo-
de pertencimento à comunidade e ao terri-
ram as primeiras ameaças aos quilombolas.
tório permeia toda a história de Mumbuca.
Os moradores de Mumbuca nunca abando-
“Eu ensino tudo que posso ensinar aqui,
naram o lugar em que cresceram, mas por
como aprendi com minha mãe, que apren-
muito pouco a comunidade não perdeu o
deu com minha avó. As mulheres ensina-
direito a seu território tradicional. A criação
ram tudo e são agarradas a este povoado,
do Parque Estadual do Jalapão, em 2001,
nunca largaram isto aqui”, afirma Doutora.
colocou sob estatuto de proteção ambiental
EXPULSÃO DO PARQUE
56
uma enorme área do estado de Tocantins que compreende a terra dos quilombolas.
O primeiro impacto da perda da colhei-
A medida pegou de surpresa os mum-
ta é econômico. O artesanato gera quase
buquenses, que até aquele momento nem
todo o rendimento dos quilombolas e, para
sequer tinham acesso à energia elétrica —
continuar vendendo utensílios, acessórios,
a luz chegou somente em 2001. “O parque
bijuterias e outros produtos à base de ca-
veio sem considerar a comunidade. Foi
uma traição da lei. Jogaram por cima da
2
gente e chegaram dizendo que aqui era parque e que ninguém poderia ficar na comunidade. Oh horror!”, relembra Doutora. Foi depois disso que o povoado passou a buscar o reconhecimento como quilombola. “Um professor veio aqui e viu nossas feições. Quando contamos nossa história, nos alertou que éramos quilombolas e que o Estado tinha uma dívida histórica conosco”, explica Matos. O reconhecimento garantiu a permanência de Mumbuca, mas a demarcação legal do território ainda não ocorreu. Antes do boom do capim dourado e da chegada da energia elétrica, a população se sustentava por meio de produção de subsistência e escambo do artesanato. As plantações em roça, o cultivo de gado e o desmatamento para uso da madeira em construções de casas e barcos foram proibidos pela lei de proteção ambiental. “Chegamos a receber multas de mais de R$ 10 mil por causa de um alqueire de roça. O povo precisa disso para sobreviver. Se eu não posso plantar onde meu avô plantou, onde vou plantar?”, pergunta Matos. “Não usamos trator, é tudo no machado e enxada. É sustentável, não é como essas empresas que devastam tudo.” Durante a festa da colheita do capim dourado — realizada dias antes da descoberta do saque —, o procurador da República Álvaro Manzano levou à Mumbuca um termo de compromisso entre a comunidade e o Parque Estadual. Uma tentativa de regulamentar a relação. “O documento busca compatibilizar, porque existe um direito constitucional do povo quilombola a seu território e a presença da unidade de conservação. Esperamos estabelecer um equilíbrio entre essas normas em conflito”, diz o representante do Ministério Público. O direito à demarcação territorial e à tradição é a principal luta dos quilombo-
3
las. E os próximos desafios já estão postos: enfrentar a chegada do agronegócio ao Jalapão (capitaneado pelo projeto de expan-
aos latifundiários, que podem impedir
são agrícola com investimento estrangeiro
nossas atividades tradicionais, como co-
na região do Matopiba, acrônimo das ini-
lher o capim, ou até mesmo nos fazer de
ciais dos estados do Maranhão, Tocantins,
serviçais deles”, diz Matos, que já traçou
Piauí e Bahia) e a falta do capim dourado
sua estratégia para os próximos meses.
(sem território demarcado, a comunida-
“Desde o fim do século 18, o poder pú-
de não tem direito oficial sobre nenhum
blico não faz nada aqui. O que temos
campo de colheita, podendo, assim, ficar à
aqui é construído com nossa força, pela
mercê de saques aos campos que tradicio-
associação de moradores. Neste ano, te-
nalmente cultivavam ou de verem essas ter-
mos que nos manter de pé, ir todo dia
ras exploradas por grandes latifundiários).
monitorar os campos de capim e cobrar
“O desafio é impedir que abram as terras
do poder público os seus deveres.”
57
58
PROJETOS QUE DÃO MESADA A TODA A POPULAÇÃO SEM COBRAR NADA EM TROCA GANHAM APOIO DE BILIONÁRIOS DO VALE DO SILÍCIO. ESSE DINHEIRO, APOSTAM ELES, PODE SALVAR A ECONOMIA QUANDO ROBÔS TOMAREM EMPREGOS DE HUMANOS POR YURI GONZAGA, DE OAKLAND (EUA) FOTOS DULLA
EDIÇÃO GIULIANA DE TOLEDO
DESIGN FERNANDA FERRARI
não ler livros, até me acostumar. Foi
da-feira, ao acordar,
doloroso”, disse à revista Vice. Em pou-
Michael Bohmeyer
co tempo, a dor deixou o ócio e tomou
vai preparar o café
seu lugar uma motivação inédita. “Tive
da manhã para ele, a
1 milhão de ideias de negócios, passei a
namorada e a filha, a
tomar conta da minha filha e a trabalhar
quem logo em seguida levará para a es-
em uma rádio comunitária. Compro me-
cola. O alemão de 32 anos dedicará a
nos porcaria, sou mais saudável, um na-
maior parte das demais horas do dia a
morado melhor e um pai melhor.”
∏ Co
m
nh
m
N
ida g av a
a v i d a ga
Na próxima segun-
a nh
a ∏ Co
um trabalho pelo qual não recebe um
Agora, de segunda a segunda,
tostão. Mesmo assim, suas contas do
Bohmeyer cuida de uma ONG que criou
mês poderão ser pagas confortavelmen-
para tentar compartilhar essa trans-
te. Ele, então, pode dormir tranquilo.
formação, a Mein Grundeinkommen
Isso porque, em 2014, o programador
(“Minha Renda Básica”). Os escolhi-
vendeu parte de uma empresa de tec-
dos pelo programa recebem 12 mil eu-
nologia que havia fundado em Berlim.
ros ao longo de um ano — equivalente
Desde então, recebe dividendos men-
a quase R$ 3.400 por mês. Até agora,
sais de cerca de R$ 3.400. Essa renda
74 pessoas foram contempladas, com
garantida causou confusão no começo.
histórias que envolvem projetos artís-
“Tive de me forçar a não fazer nada,
ticos, incapacidades físicas e relações
olhar as nuvens, não olhar o celular,
familiares. Um dos sorteados disse ter
se curado de um distúrbio de ansie-
da por alguns economistas e políticos,
Em janeiro, a empresa de que é pre-
dade. “Algo que todos dizem é que
da direita à esquerda, como o melhor
sidente, a Y Combinator, deu início a
passam a dormir melhor. As pessoas
caminho de uma sociedade utópica.
um experimento com mil famílias da
se sentem libertadas e mais saudá-
Ou só amenamente distópica.
cidade de Oakland, na Califórnia (a 20
veis”, ressalta Bohmeyer.
quilômetros de San Francisco), que receberão US$ 2 mil (cerca de R$ 6.300)
Os recursos vêm de milhares de dos ∏ Moc
õe
mada renda básica universal, conceito
O
os ou vi l
que prega a distribuição de dinheiro em
de estender o estudo por pelo menos
s ∏ Mo c i
cente multidão de entusiastas da cha-
mensais até o fim do ano. Ele preten-
hos ou vil
õe
até hoje — que são parte de uma cres-
in
outros quatro anos. “Apesar de parecer financeiramente complicado hoje,
nh
adores individuais — cerca de 48 mil
melhorias tecnológicas poderão gerar
parcelas iguais a todos. Não há con-
uma abundância de recursos, e o custo
dições ou restrições ao uso, e a ideia
Outro apoiador da ideia, Sam Altman,
de vida deverá cair dramaticamente”,
é que o benefício seja perene.
norte-americano de 31 anos, vai acordar
escreveu Altman ao anunciar o proje-
Os efeitos da renda básica, um con-
cedo na próxima segunda. Com inves-
to. “Todos deveriam ter dinheiro para
ceito antigo — Thomas Paine, ideólo-
timentos no Airbnb, Pinterest, Reddit,
suas necessidades básicas.”
go da Independência dos EUA, era um
Stripe e em outras companhias, o execu-
A localidade foi escolhida por cau-
defensor já no século 18 —, não foram
tivo recebe 400 solicitações de reuniões
sa da “diversidade econômica e social”.
bem estudados, mas ela é considera-
de potenciais parceiros toda semana.
Os beneficiários, mantidos anônimos,
DINHEIRO GRÁTIS Veja quais são os principais locais do mundo que têm projetos de renda básica
FINLÂNDIA
HOLANDA
Dauphin
Alasca
UTRECHT Participam desse projeto 250 pessoas. Solteiros ganham por mês cerca de 970 euros. Casais, 1.390.
CANADÁ Ontário
Oakland
ESTADOS UNIDOS
ESCÓCIA Fife Glasgow
Prince Edward Island
FINLÂNDIA
Desde janeiro, 2 mil desempregados do país, com idades entre 25 e 58 anos, ganham por mês 560 euros.
HOLANDA Utrecht
FRANÇA Livorno
ITÁLIA LIVORNO Na cidade costeira, 200 famílias pobres recebem 500 euros mensais. O projeto começou em 2016.
ESTADOS UNIDOS ALASCA O estado divide entre os habitantes a renda obtida com recursos naturais. Rende, em média, de US$ 800 a US$ 2 mil por ano para cada morador. OAKLAND O experimento dá a mil famílias da cidade US$ 2 mil mensais sem contrapartida.
UGANDA
BRASIL
BRASIL Maricá Mogi das Cruzes
MARICÁ (RJ) Na cidade, 14 mil famílias de baixa renda recebem dez mumbucas (nome da moeda social criada) por mês, o equivalente a R$ 10. MOGI DAS CRUZES (SP) Projeto da ONG ReCivitas dá R$ 40 mensais a 14 famílias.
Fort Portal
NAMÍBIA Omitara
QUÊNIA
foram selecionados sob o critério de ob-
da”, diz Altman, que tem uma fortuna
“Uma renda básica projetada pelos
ter um panorama heterogêneo em con-
estimada em mais de US$ 1 bilhão.
capitalistas do Vale do Silício só pode-
dições de trabalho, etnia, idade. Não há
Um de seus alegados receios é de que
rá amplificar o poder deles, em vez de
envolvimento da prefeitura, que, con-
a tecnologia possa canibalizar a eco-
fortalecer o dos mais pobres”, também
tudo, diz ver a ideia com bons olhos.
nomia, substituindo pessoas por ro-
escreve o jornalista e pesquisador nor-
“Cerca de 57% dos nossos residentes
bôs e ressecando o consumo.
te-americano Nathan Schneider. “Se
são o que chamamos de ‘pobres de ati-
Segundo uma análise de 2 mil pro-
queremos achar uma solução para o
vos’ — o que significa que eles não têm
fissões feita pela empresa de pesqui-
apocalipse robótico, é melhor não re-
pelo menos três meses de poupança em
sa McKinsey, 45% dos empregos nos
corrermos aos que o causam.”
caso de acontecimentos drásticos em
EUA, de faxineiro a CEO, podem ser
suas vidas”, revela Jose Corona, diretor
substituídas pela tecnologia já exis-
de equidade e parcerias estratégicas da
tente. Que dirá pela que vem por aí.
Prefeitura de Oakland.
Anteriormente, estudo da Universidade
em m
N
∏
∏ De
ão
ão
m
tariado, trabalhar, não trabalhar, mu-
ximo: 47%. Análise posterior do Centro
dar para outro país — o que queiram.
Europeu para Pesquisa Econômica, por
Esperamos que a renda básica pro-
outro lado, indicou que só 9% dos em-
mova liberdade, e queremos obser-
pregos atuais estão em risco — cenário
Na segunda-feira, Mara Simião vai
var como tal liberdade é experiencia-
mesmo assim preocupante.
acordar na zona rural de Mogi das
Projetos previstos Já tiveram projetos
ÍNDIA Madhya Pradesh
UGANDA FORT PORTAL Em experimento de ONG, 50 moradores adultos da região recebem US$ 18,25 e crianças, US$ 9,13.
ão em m
Projetos em andamento
m
Programas similares
ão
de Oxford havia concluído número pró-
De
“As pessoas poderão fazer volun-
No setor tecnológi-
Cruzes, região metropolitana de São
co, outros peixes gran-
Paulo, e preparar o café para ela, os fi-
des sugeriram apoio
lhos e o marido. Suas contas a preocu-
à ideia da renda bá-
pam. O marido ganha um salário míni-
sica universal: Elon
mo como caseiro e, mesmo que ela não
Musk, da Tesla; Chris
exerça atividade remunerada, eles não
Hughes, cofundador
são elegíveis para o Bolsa Família. Há
do Facebook; e o me-
alguns anos, contudo, uma ajuda men-
ga i nve s t i d o r M a rc
sal de R$ 30 permitiu que comprasse
Andreessen, entre ou-
óculos para os filhos — ao que atribui
tros. Uma das ONGs
o melhor desempenho escolar da me-
preferidas para doa-
nina de 14 anos e do menino de 12.
ções é a GiveDirectly,
O d i n h e i ro ve i o d o p ro j e to
que quer implantar no
ReCivitas, realizado desde 2008 na co-
Quênia o maior e mais
munidade Quatinga Velho com o finan-
longo projeto do tipo já
ciamento de doadores do mundo todo.
feito. Pelos planos, mi-
Foi a primeira iniciativa de renda bá-
lhares de famílias rurais
sica global a promover transferências
receberão US$ 1 mil por
de indivíduo para indivíduo, segun-
ano. Faltam US$ 6,3 mi-
do os pesquisadores Bruna Augusto
lhões para o início da
e Marcus Brancaglione. No ápice, dis-
operação, que já obteve
tribuía o benefício a 127 moradores,
US$ 23,7 milhões.
de porta em porta, em espécie. Hoje,
Já críticos como o
14 famílias recebem R$ 40 mensais.
pesquisador bielorrus-
A ideia é expandir o valor até que ele
so Evgeny Morozov di-
cubra de fato todos os gastos essen-
zem que a propensão
ciais. “Mesmo com uma quantia ex-
dos gigantes do Vale
tremamente baixa, fazia diferença.
do Silício pelo conceito
Renda básica não abre os mares, mas
não é remorso, mas sim
alguns problemas, os mais absurdos,
uma blindagem. Assim,
de crianças passando fome, podem
escreveu, “a precarieda-
ser mitigados”, diz Brancaglione.
de dos subempregos na
A outra iniciativa que testa renda bá-
‘gig economy’ [econo-
sica no Brasil tem valor ainda menor:
mia compartilhada] não
a Prefeitura de Maricá (RJ) dá R$ 10
soaria tão terrível, e os
a algumas famílias pobres. O projeto
executivos seriam vistos
começou no fim de 2015, na ges-
como benfeitores”.
tão de Washington Quaquá (PT).
61
Participação Continuada], salário-família.” Já para Lena Lavinas, professora da UFRJ e pesquisadora no Instituto de Berlim pelo Estudo Avançado (Alemanha), a chance da implementação
pa
ís é es
∏ Qu e
J
? ∏ Que
e?
tende a zero. “O desenho da lei permite a
ís é es
se
pa
condicionalidade da renda básica, o que é o oposto da ideia. Somos o único país que tem isso na lei, mas nunca tentamos fazê-la sair do papel.” Além disso, diz,
s
a conjuntura engessa a possibilidade.
62
Já imaginou um país que tenha uma lei
“O governo, sem compromisso algum
para determinar que todo cidadão rece-
com o bem-estar da população, passou
ba dinheiro suficiente para cobrir des-
uma lei no Congresso que restringe
pesas mensais com alimentação, edu-
o gasto público por 20 anos.”
cação e saúde? Ele existe, e é o Brasil.
Atualmente vereador em São Paulo,
A lei nº 10.835/2004, que entrou em vi-
o autor do projeto que originou a lei,
gor durante o governo Lula e resultou
Eduardo Suplicy (PT), diz ter a con-
na implementação do Bolsa Família,
vicção de que a renda básica universal,
prevê exatamente essas determinações.
“mais cedo ou mais tarde, vai acontecer”.
Mas uma das ressalvas é que, para isso
Persistência não lhe falta: após três anos
dar certo, devem ser consideradas “as
de cancelamentos das reuniões, conse-
possibilidades orçamentárias.”
guiu finalmente 50 minutos para expor
Qual é, então, a chance de a renda
seus planos à presidente Dilma em ju-
básica vingar? “Sempre é possível, só
nho passado. A saga, narrada pelo polí-
depende do tamanho da transferência”,
tico nas redes sociais, virou até meme.
diz Pedro Olinto, economista do Banco
“Quem sabe possamos começar em
Mundial que estuda o impacto de po-
janeiro de 2018, com um presidente
líticas públicas sobre a pobreza. Num
democraticamente eleito”, diz Suplicy
exemplo em que todos os brasileiros re-
à GALILEU. “Poderíamos começar
cebessem R$ 200 por mês, diz, “isso
com um valor um pouco melhor do
representaria cerca de 10% do PIB, o
que o garantido pelo Bolsa Família,
que poderia ser mais ou menos alcança-
talvez R$ 100 por pessoa, que um dia
do com a substituição do Bolsa Família,
serão R$ 200, depois R$ 500, depois
seguro-desemprego, BPC [Benefício de
R$ 1.000.” Uma das maiores diferenças
da renda básica é a incondicionalidade
“O que me preo-
e a universalidade. Por isso, diz Suplicy,
cupa não é a econo-
a burocracia seria reduzida. “Os mais ri-
mia do ‘Uber-now’,
cos já recebem dinheiro passivamente,
mas a do ‘Uber-
e não têm de provar que o salário é bai-
later’”, afirma Stern,
xo ou que levam os filhos à escola [con-
referindo-se à possi-
dições do Bolsa Família]”, afirma, refe-
bilidade de que mes-
rindo-se a rendimentos de negócios,
mo ocupações pouco
propriedades e capital financeiro.
estáveis sejam extintas — a companhia já testa carros autôno-
m
R
o ∏ De ci
o ∏ D e ci ix
a para ba ix
m
mos, sem motorista. “A renda básica é gestão de risco para pessoas abastadas. Como manter esta-
a para ba
bilidade econômica Rendimentos financeiros, aliás, são
quando não houver
vistos por alguns como a única fonte
mais empregos?”
de financiamento para uma iniciativa
Para liberais eco-
de renda universal. De acordo com es-
nômicos, a beleza
tudo do economista francês Thomas
da renda básica es-
Piketty, ganhos de capital (juros, di-
taria justamente na redução da má-
na Suíça propôs a implementação de
videndos, ações, aluguéis e outros)
quina pública por meio da eliminação
um pagamento de 2.500 francos suíços
representam por volta de 30% dos
de programas sociais. Ou seja, mesmo
(R$ 7.900) por mês a todos os adul-
rendimentos da economia norte--ame-
que os governos tivessem de pagar,
tos. Vale notar que, em consequência
ricana. Desses, um terço foi destinado
seria menos do que desembolsam hoje
do custo de vida no país, o montante
só à faixa socioeconômica do topo, o
e, teoricamente, de uma forma mais
equivaleria a R$ 2.900 no Brasil, se-
famigerado 1% da população. A ideia,
eficiente. Mas quais seriam os efeitos
gundo o índice de paridade de poder
então, seria taxar esse rendimento e
no mercado de trabalho? Não se sabe
aquisitivo do Banco Mundial.
distribuir entre o restante.
ao certo, mas as evidências de estu-
A proposta recebeu 77% de votos
Piketty, por sua vez, expressa prefe-
dos e programas semelhantes realiza-
contra e 23% a favor. “Nossa ideia era
rência por salários maiores a uma even-
dos no Canadá, nos Estados Unidos,
apresentar o conceito, e não nos enga-
tual renda básica — esta, carro-chefe
na Índia e em outros lugares sugerem
jar numa batalha retórica para ganhar
da campanha de Benoît Hamon, can-
que a resposta seja “quase todos”.
a maioria a todo custo”, diz o diretor da
didato do Partido Socialista na corrida
“Como economista do trabalho, me
campanha, Enno Schmidt. “Por isso, foi
presidencial francesa. Hamon promete
interessa saber se o benefício estimu-
missão cumprida.” Sua estratégia é, em
750 euros (aproximadamente R$ 2.500)
la o emprego”, conta Ioana Marinescu,
aproximadamente oito anos (“depen-
mensais para todo cidadão acima de
professora da Universidade de
dendo do clima político”), finalmente
18 anos. Uma das maneiras de pagar
Chicago. “E a evidência empírica
implementar o plano — que substituiria
por isso seria taxar mais pesadamente
mostra que há praticamente nenhum
todo o sistema de segurança social.
as empresas que substituem trabalha-
efeito.” A análise da mudança de vida
Um dos argumentos contrários à
dores por robôs ou softwares.
de pessoas que ganharam na loteria,
campanha é a possibilidade do aumen-
“Não posso falar pelo Brasil, mas
diz ela, pode servir como parâmetro
to da inflação. Evidências do estado
nos Estados Unidos é plenamente fi-
para prever a disposição ao trabalho
do Alasca (EUA), que paga anualmen-
nanciável”, diz Andy Stern, economis-
diante de uma renda incondicional.
te royalties do petróleo à população,
ta que dirigiu uma das maiores uniões
“Há efeito negativo [pessoas largan-
sugerem que esse problema inexiste.
sindicalistas dos EUA e do Canadá
do o emprego], mas, surpreendente-
“Da maneira que é hoje, não temos sen-
por 14 anos e autor de um livro sobre
mente, é muito pequeno.”
so de humanidade, de sociedade. Não
o tema, Raising the Floor (Elevando o
Para encontrar uma resposta, a
há direito à vida. Tudo depende de seu
Piso, sem edição no Brasil). “Se der-
Finlândia deu início, em janeiro, a um
desempenho, produtividade. Antes de
mos US$ 10 mil [por ano] a todos, exis-
estudo com 2 mil pessoas entre 25 e 58
sermos uma sociedade de trabalhado-
tem muitas maneiras de pegar esses
anos sem atividade remunerada, que re-
res, seres econômicos, somos uma so-
US$ 10 mil de volta dos enormemente
ceberão 560 euros (R$ 1.900) por mês
ciedade humana e civil”, diz Schmidt.
ricos por meio do sistema tributário.”
durante dois anos, independentemen-
“É um tópico mundial e que se torna
Além de impostos novos, ele propõe
te de sua condição. Também recente-
cada vez mais importante. No próximo
enxugar gastos no sistema de saúde.
mente, no ano passado, um referendo
referendo, vamos lutar e ganhar.”
O Q U E F A Z NOVA TEORIA DA GRAVIDADE
elimina o conceito de matéria escura e desbanca as ideias de Einstein e Newton. Ela já passou em um teste importante — resta saber se tem futuro
T U D O C A I
DRÉ REPORTAGEM AN
OLIVEIRA JORGE DE
EDIÇÃO NATHAN FERN ANDES
O O BRIT PEDR O Ã O DESIGN J
FOTOS DULL A
65
E
ra verão no sul da França em 2009 quando um ladrão roubou todos os pertences do quarto em que o físico teórico Erik Verlinde passava férias. Sem passaporte, o holandês, então com 47 anos,
teve de ficar uma semana a mais. Mas em vez de aproveitar para comprar um passeio de ônibus com guia turístico, ele achou que a folga inesperada era uma boa chance para refletir sobre o que estaria por trás da gravidade. “Tive a euforia de um ‘momento Eureka’ que permaneceu comigo por dias”, diz o respeitado teórico das cordas da Universidade de Amsterdã. Verlinde concluiu que Newton e Einstein talvez estivessem errados (e tivessem levado todo o resto da comunidade científica junto com eles). Em português claro: ele começou a achar que a gravidade não existia — ou, pelo menos, não do jeito que aprendemos na escola. Hoje, quase todos os cientistas concordam que a natureza funciona graças a quatro forças fundamentais: o eletromagnetismo, as forças nucleares forte e fraca e a gravidade. Verlinde, contudo, defende que a gravidade entrou de penetra no grupo — e que deve se retirar o quanto antes. Em uma analogia feita logo depois que o holandês publicou seu primeiro artigo a respeito do tema, o The New York Times chamou a hipótese de Verlinde de “teoria do cabelo em dia úmido”. “Funcionaria mais ou menos assim: seu cabelo fica cheio de frizz no calor e na umidade porque há mais possibilidades de ele estar ondulado do que liso, e a natureza gosta de opções. Então, deixar o cabelo liso exige o emprego de uma força que elimina as opções da natureza. A força que nós chamamos de gravidade seria simplesmente um produto da tendência da natureza de maximizar a desordem.”
TESTES DA GRAVIDADE As avaliações feitas para saber se uma teoria gravitacional funciona
O trabalho de Verlinde alcançou um
mas é incapaz de ser aplicada em nível
novo estágio em novembro do ano passa-
atômico. O que a teoria das cordas pro-
do, com a publicação do artigo Emergent
põe é uma resposta que une as duas ver-
Gravity and the Dark Universe (“Gravidade
tentes. É que, se o universo inteiro fosse
Emergente e o Universo Escuro”), em que
feito de cordinhas microscópicas vibran-
ele explica os aspectos formais de sua teo-
tes, como acreditam os teóricos das cor-
ria. Para chegar lá, o holandês contou com
das, a explicação para os movimentos de
a preciosa ajuda de Herman Verlinde, seu
estrelas e átomos seria a mesma. Mas
gêmeo idêntico, que também é físico teó-
tem um detalhe: ninguém consegue pro-
rico, mas na Universidade de Princeton
var essa teoria em laboratório.
(EUA). Como o irmão, Herman investiga a teoria das cordas, que tem potencial de se tornar uma teoria de tudo. Muitos pesquisadores estudam esse conceito por acre-
É das profundezas do hipotético e fascinante mundo
ditarem que ele pode unificar a física. Isso
das cordas que os
porque hoje ela é partida em duas: a rela-
Verlinde (e outros antes deles) acreditam
tividade geral de Einstein, que explica os
que surja a gravidade. Não da atração entre
movimentos de corpos gigantescos como
dois corpos, como descreveu Newton, nem
as estrelas; e a mecânica quântica, que re-
da distorção que objetos enormes provo-
gula o universo microscópico de partículas
cam no tecido do espaço-tempo, como de-
menores do que um átomo. “A relativida-
fendia Einstein. “É preciso pensar o es-
de geral não é compatível com a mecânica
paço como sendo feito de unidades de
quântica, os cálculos não se combinam”,
informação”, afirma Erik Verlinde.
diz Rogério Rosenfeld, diretor do Instituto de Física Teórica da Unesp. 1. Galáxias Teorias gravitacionais precisam explicar dados de velocidade de rotação e distribuição de massa em galáxias e aglomerados de formatos variados
DESORDEM E PROGRESSO
As ideias do holandês são escandalosas para alguns cientistas porque
As duas teorias funcionam muito bem
dispensam o uso da matéria escura —
quando aplicadas no contexto em que
que, na verdade, é um coringa criado
foram criadas, mas falham ao serem
para fazer o conceito de gravidade de
empregadas uma no campo da outra.
Einstein funcionar. Para entender a teo-
É como se existissem duas físicas “ri-
ria do físico alemão, imagine uma cama
vais” que tentam explicar o mesmo uni-
elástica com bolinhas de gude espalha-
verso. E um dos grandes empecilhos é
das pela superfície. Elas vão ficar pa-
justamente a gravidade, que descreve
radas porque todas têm basicamente o
tão bem o rumo dos corpos celestes,
mesmo peso. Agora, coloque uma bola
LADO A E LADO B DA GRAVIDADE Há décadas físicos teóricos tentam aplicar modificações nos conceitos da gravitação de Newton e de Einstein para resolver seus problemas TENTATIVA 1
TENTATIVA 2
TENTATIVA 3
TENTATIVA 4
Por mais de dois
Então veio a
Em 1981, Mordehai
Surge de estudos
séculos, a lei
relatividade geral,
Milgrom criou
sobre buracos
da gravitação
no início do século
a dinâmica
negros: aponta
universal de
passado. Einstein
newtoniana
conexão entre
Newton reinou.
explicou o espaço-
modificada (MOND),
gravidade e
Segundo ela,
-tempo como
que muda leis de
termodinâmica.
partículas se
sendo um tecido
Newton e explica
Diz que a gravitação
atraem por uma
que pode ser
rotação de galáxias
não é fundamental.
força proporcional
distorcido e gerar
sem adicionar
Verlinde inclui
à massa.
a gravidade.
matéria escura.
outros conceitos.
de boliche no meio. Isso vai causar uma deformação na superfície do tecido, fazendo com que as bolinhas de gude “orbitem” a bola de boliche. É exatamente assim que o Sistema Solar funciona, segundo a teoria proposta por Einstein, que é a mais aceita até hoje. Quanto mais pesado o objeto, maior a distorção
FUNDAMENTAL OU EMERGENTE?
EINSTEIN
Entenda as diferenças entre as gravidades propostas por Einstein e por Verlinde
se propaga pelo espaço-tempo: ela
no tecido da cama elástica (ou do espa-
A relatividade geral define gravidade como uma força fundamental que é criada pela distorção que corpos massivos provocam nesse tecido. Buracos negros são exemplos tão extremos do fenômeno que “quebram” as equações de Einstein.
ço-tempo) que ele causa — e é por ser um “objeto” extremamente pesado, ou
Horizonte de eventos
supermassivo, que o buraco negro atrai tudo para si (veja quadro ao lado). O problema é que existem distorções no espaço-tempo que os cientis-
seria a distorção do espaço-tempo, e sim a
tas não entendem. Eles conseguem
tendência que as coisas têm de se espalhar
detectá-las, conseguem ver que algu-
de forma desordenada até encontrarem um
ma coisa “puxa” outros corpos para si,
equilíbrio. Para os mais íntimos, essa ten-
mas são incapazes de explicar exata-
dência é conhecida como entropia.
mente por quê. Para piorar, essas bolas de boliche invisíveis representam 27% do Universo. A elas damos o nome de matéria escura, um conceito que foi ve-
CAFEZINHO QUÂNTICO
Usando a mesma
Buraco negro
ideia do cabelo em dia úmido, Margot
rificado pelo astrônomo Fritz Zwicky
B ro u we r, a s t rô -
na década de 1930 e confirmado pela
noma do Observatório de Leiden, na
astrônoma Vera Rubin nos anos 1970.
Holanda, compara o conceito de gravi-
Combina perfeitamente com a ideia de
dade de Verlinde com uma xícara de café.
Einstein, no entanto, ninguém nunca
“O calor não é propriedade fundamental
viu, nunca comeu, só se ouve falar por
do café, mas uma propriedade emergen-
meio de observações indiretas.
te causada pela forma como as molécu-
Menor do que a cabeça de uma
O que Verlinde diz é que não existem
las ali dentro se movem”, diz ela. Se o
agulha, é o ponto que concentra toda
bolas de boliche invisíveis coisa nenhu-
Universo fosse uma canecona de café, a
ma. Se os cientistas só as criaram para
gravidade seria o calor que emerge da in-
validar uma teoria, o problema pode estar
teração entre as partículas boiando. Mas
na teoria — no caso, a teoria de ninguém
isso ainda é abstrato. “Ninguém sabe o
menos que Einstein. Além disso, se a gra-
que são essas partículas.” Se for assim, a
vidade também é incompatível com a me-
gravidade e as equações de Einstein po-
cânica quântica, por que aposta-se tan-
dem ser derivadas da velha termodinâ-
to nessa ideia? Ela funciona muito bem
mica — aquelas fórmulas que vimos no
em vários casos, mas, para Verlinde, o
colégio para explicar como calor e gases
papel dos cientistas é justamente fazer
se comportam. Foi o que demonstrou um
esse tipo de pergunta. Segundo o físico
artigo de 1995 do físico Ted Jacobson,
holandês, o que faria os corpos se mo-
da Universidade de Maryland (EUA).
verem e “orbitarem” uns aos outros não
Pistas da conexão entre gravidade e termodinâmica surgiram ainda na década de 1970, a partir do estudo dos buracos negros feito pelos físicos Stephen Hawking (ele mesmo) e Jacob Bekenstein. Há indícios de que essa ligação tem a ver com a entropia (lembra do cabelo ondulado? Pois então). Em termos científicos, a entropia é o
68
processo pelo qual uma sala com átomos de oxigênio amontoados em um canto acabará com eles espalhados por toda parte, até que um equilíbrio seja atingido, como em um ônibus lotado no qual todos saem correndo loucamente para conseguir um espaço.
Singularidade
a massa do buraco negro
VERLINDE A teoria de Verlinde mistura vários conceitos para explicar que a gravidade surgiria a partir da interação microscópica entre supostas “partículas do espaço-tempo”.
Radiação
Distorção do espaço-tempo
As partículas
2. Radiação cósmica de fundo Outro meio de testar ideias sobre a gravidade é analisar flutuações nos raios cósmicos que permeiam o Universo, herança direta do Big Bang
do espaço-tempo seriam uma espécie de unidade de informação da realidade, como os bits da computação.
Verlinde sugere que esses “bits” quânticos estão entrelaçados, o que formaria o tecido do espaço-tempo. E a gravidade emergiria da entropia dessas partículas, o princípio que desordena o Universo.
3. Estrutura em grande escala Para ser aceita, uma teoria da gravidade deve explicar como se formaram os superaglomerados e filamentos de galáxias do cosmo
“Não existe uma força que espalha os átomos; o princípio que faz isso é a maximização de entropia”, explica Nathan Berkovits, diretor da divisão sul-americana do Centro Internacional de Física Teórica. “A ideia de Verlinde é usar o princípio de maximização de entropia para substituir a força fundamental de Newton e Einstein”, diz o especialista em teoria de supercordas, vertente da teoria das cordas.
EINSTEIN PIRA
É dos buracos negros que veio uma outra ideia mirabolante que está no cerne
blicou uma pesquisa que foi o primeiro teste
da gravidade de Verlinde:
sério das ideias de Verlinde. E eles se saíram
o princípio holográfico, proposto pelo Nobel
bem: explicaram a distribuição da massa de
da Física holandês Gerard ‘t Hooft, que não
mais de 30 mil galáxias. Mas nem tudo é motivo para comemorar:
por acaso orientou o mestrado de Verlinde. O princípio holográfico sugere que as coi-
em um outro estudo feito pela Universidade da
sas tridimensionais são feitas de informação,
Califórnia em Los Angeles, este com as órbi-
e que essa informação fica codificada em uma
tas dos planetas do Sistema Solar, a teoria de
“superfície” bidimensional. Seria como som-
Verlinde falhou miseravelmente: a discrepân-
bras projetadas em uma parede. O mesmo
cia dos dados foi enorme. Foi como se um po-
ocorreria nos buracos negros: a informação
lítico dissesse que tem R$ 1 em uma conta na
que cai lá dentro fica guardada nas duas di-
Suíça quando, na verdade, tem R$ 10 milhões.
mensões do horizonte de eventos, o limite que
“A teoria de Verlinde precisa ser abandonada
separa o que está dentro do que está fora.
como descrição da natureza ou modificada”, diz o físico Aurélien Hees, coautor do estudo.
Verlinde usa essa ideia como base para sugerir que o tecido do espaço-tempo não passa
Há décadas, físicos tentam modificar concei-
de um emaranhado de partículas de informa-
tos clássicos da gravitação (veja na página 67),
ção (como as imagens projetadas na parede)
mas nenhuma proposta funciona tão bem em
entrelaçadas. O entrelaçamento quântico faria
todas as escalas como o paradigma da matéria
as partículas trocarem influências de forma
escura descartado por Verlinde. “Acredito nesse
instantânea, como uma irmã gêmea que sabe o que a outra sente mesmo estando longe. O problema é que, por acontecer exatamente no mesmo instante, essa troca de informações vai contra uma das ideias mais elementares de Einstein, a de que nada pode ser mais rápido do que a velocidade da luz. Para Verlinde, a gravidade surgiria de interações microscópicas pouco compreendidas entre essas partículas de informação e da entropia.
4. Órbitas do Sistema Solar Pela proximidade do Sol, a órbita de Mercúrio é um pouco distorcida: fenômeno chamado de precessão do periélio. Calculá-lo permite testar teorias da gravidade
tipo de solução porque é a que melhor resolve o problema”, diz o astrofísico italiano Fabio Iocco, pesquisador da Unesp. Ele valoriza os esforços do colega holandês, mas mantém o pé atrás: “Um trabalho teórico muito bom não significa que seja fisicamente correto”. Um dos poucos brasileiros que trabalharam com a gravidade de Verlinde, o físico Fábio dos Anjos problematizou no mestrado a questão da matéria escura. “Pensar fora da caixa gera re-
Em dezembro de 2016, uma equipe lide-
sistência daqueles que acham que não vai dar
rada pela astrônoma Margot Brouwer pu-
em nada”, pondera. Ele diz ficar aflito com o fato de que experimentos ultracaros tentam há anos detectar partículas de matéria escura e não conseguem. Nem o LHC, o maior acelerador de partículas do mundo, encontrou nada.
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5. Ondas gravitacionais São o mais novo teste. Explosões violentas e objetos enormes emitem ondas no espaço-tempo, que contam coisas sobre a gravidade
De qualquer jeito, se Verlinde quiser mesmo derrubar Newton e Einstein de seus pedestais, terá de ajustar sua teoria para que explique desde o Sistema Solar até as galáxias distantes e as flutuações na radiação cósmica que preenche o Universo. Há um longo caminho pela frente, e só uma certeza: nossas coisas vão continuar caindo.
TUBO DE ENSAIOS POR DR. DANIEL BARROS*
OS POMBOS DE SKINNER VÃO A SPRINGFIELD Talvez você não se lembre, mas uma das personagens mais notórias da cultura pop é uma viciada em jogos de azar. Ela pode passar horas, dias, semanas esperando um prêmio diante de um caça-níqueis TODO MUNDO ADORA FOFOCAR sobre a vida das celebridades. Falar sobre os casamentos, viagens e salários dos famosos sempre rende boa audiência. Expor os problemas, então, faz ainda mais sucesso — brigas, divórcios e internações em clínicas são fonte inesgotável de assunto. Há um seriado, por exemplo, que expõe o drama de sua protagonista sem o menor pudor. Ela é viciada em jogo. Trata-se de uma das séries mais longevas da história. O nome da jogadora patológica? Marge Simpson. Com o brilhantismo que lhe é peculiar, Os Simpsons abordaram o tema da dependência de jogo no início dos anos 1990, no décimo episódio da quinta temporada da série. E a forma como o fizeram mostra um pouco por que o jogo pode se tornar um vício tão grave como o de qualquer droga. Tudo começou depois que um cassino foi construído em Springfield com a justificativa de movimentar sua combalida economia. Marge vai até lá para buscar Homer, que arranja um emprego de crupiê, e encontra uma moeda no chão. Por brincadeira, resolve colocá-la num caça-níqueis e tem a sorte — ou o azar — de ser premiada com uns trocados. É o que basta para despertar nela a vontade de jogar novamente. É claro que não
ganha nada logo em seguida, e por isso tenta novamente. E de novo, de novo, passando horas, dias, semanas diante da máquina. No fim das contas, Homer a incita a admitir que tem um problema com jogo. “Está certo, talvez eu devesse procurar ajuda profissional”, diz ela. “Não, é muito caro”, reage Homer. “Apenas não faça mais isso”, conclui com sua inteligência de sempre. Essa sequência resume um dos aspectos mais viciantes do jogo — elevado em todo seu poder nos caça-níqueis —, o reforço intermitente. Em 1948, o psicólogo norte-americano B. F. Skinner, um dos psicólogos mais influentes da história, publicou um artigo chamado Superstição nos Pombos, no qual mostrava a força desse tipo de reforço parcial. No experimento, ele colocava pombos em caixas programadas para dispensar uma pelota de ração a cada 15 segundos, independentemente do que os bichos fizessem. Durante vários dias seguidos, oito pombos foram colocados nessa caixa, um por vez, durante alguns minutos. Depois de muitos dias, cada pombo tinha desenvolvido uma mania diferente: uns se balançavam, outro dava três voltas a cada 15 segundos, um dava saltinhos. Eles adquiriam
Se o prêmio às vezes vem, outras não, a tendência é persistir mais tempo no jogo, esperando que,emalgum momento, ele renda frutos
essa espécie de superstição porque tendiam a continuar fazendo o que quer que estivessem fazendo — por mero acaso — na primeira vez que surgia a ração. O aparecimento da comida reforçava aquele comportamento, que era repetido. E cada vez que o alimento vinha, mais forte se tornava a associação enganosa que as aves faziam com seus rituais. Não satisfeito, Skinner aumentou o intervalo entre as rações para um minuto em algumas das caixas. Com isso os comportamentos supersticiosos se tornaram ainda mais intensos. E quando a ração foi suspensa, eles demoraram muito mais para cessar — um dos pombos pulou por mais de 10 mil vezes antes de desistir. Faz sentido. Se algo traz sempre uma recompensa, quando esta acaba não se demora a notar que a festa terminou. Mas quando o prêmio às vezes vem, outras não, a tendência é persistir mais tempo no comportamento, esperando que, em algum momento, ele ainda renda frutos. Dá para notar o paralelo perfeito com os caça-níqueis, não? A pobre Marge Simpson, sentada diante da máquina, nada mais é do que a versão com pele amarela e cabelo azul de um pombo de Skinner. Cada vez que põe uma moeda e puxa a alavanca, acredita que está fazendo algo que lhe renderá uns trocados. Eventualmente ela acerta. O que só lhe dá mais convicção de continuar tentando até a próxima — sem perceber que esse intervalo lhe custa mais do que ela jamais ganhará.
*DANIEL BARROS é psiquiatra do Instituto de Psiquiatria do HC–FMUSP, doutor em Ciências e bacharel em Filosofia. Atua com divulgação científica em vários meios. É consultor do programa Bem Estar (TV Globo).
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PANORÂMICA
Tensão asiática: mísseis de longa distância são disparados pelas Forças Armadas da Coreia do Norte, em local e data não divulgados. Após a chegada de Donald Trump à
72
presidência dos Estados Unidos, o governo norte-coreano afirmou que continuará com a realização de testes nucleares e ameaçou atacar alvos militares norte-americanos.
Imagem: STR/AFP/Getty Images. Pesquisa: Franklin Barcelos
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ULTIMATO
PARA FAZER A DIFERENÇA AGORA QUE VOCÊ LEU A REVISTA, SAIA DO SOFÁ
AS FRAGILIDADES DA SAÚDE O INSPIRARAM A APOIAR MÉDICOS VOLUNTÁRIOS?
TEM VONTADE DE CONTRIBUIR PARA UM PROJETO BRASILEIRO DE RENDA BÁSICA?
FICOU CURIOSO PARA CONHECER MAIS A FUNDO A DEPENDÊNCIA POR JOGOS DE AZAR?
GOSTARIA DE PARTICIPAR DE UM PROTESTO PELA CIÊNCIA NO BRASIL?
QUER ENTENDER MELHOR COMO A TECNOLOGIA MUDARÁ A DEMOCRACIA?
Saúde pública no Brasil deve perder R$ 430 bilhões nas próximas décadas.
INSTITUTO RECIVITAS
A ONG promove iniciativa que distribui renda a moradores do distrito de Quatinga Velho, em Mogi das Cruzes (SP). São aceitas doações em reais e em bitcoins. recivitas.org
SÓ + 1 MIN. Aconteceu em março, mas não coube na revista
PRO-AMJO
O Programa Ambulatorial do Jogo foi criado pelo Departamento de Psiquiatria da USP. Presta atividades assistenciais a jogadores patológicos, além de atuar em ensino e pesquisa. ipqhc.org.br
PARECE QUE O JOGO ESTÁ VIRANDO Apesar dos impropérios que ainda ouvem em 2017, as brasileiras são destaque em... produção científica: 49% dos artigos publicados são de mulheres. O índice daqui é melhor que o dos EUA e o da União Europeia.
HORAS DA VIDA
O projeto reúne profissionais da saúde que atendem de graça pacientes nos consultórios, preenchendo lacunas do sistema público. Aceita doações a partir de R$ 1 por dia. horasdavida.org.br
Quem faz sexo é mais produtivo durante o trabalho, concluiu pesquisa feita nos Estados Unidos.
ITS RIO
Além de estudar o impacto e o futuro da tecnologia no Brasil e no mundo, o Instituto de Tecnologia e Sociedade promove uma série de eventos abertos ao público. itsrio.org
NÃO FOMOS CONVIDADOS Para os pobres mortais que não sabiam até então, foi revelado que o aplicativo de paquera Tinder tem uma versão secreta, chamada Select, só para pessoas excepcionalmente bonitas e celebridades.
MARCHA PELA CIÊNCIA
Ocorre na mesma data em que acontece o protesto nos EUA. Anote na agenda: dia 22 de abril, às 14 horas, no Largo da Batata, em São Paulo. facebook.com/ marchapelacienciasp/
NOBREZA NA FAVELA Arqueólogos acharam partes de uma estátua do faraó Ramsés II, o Grande, submersa ao lodo em uma favela nos arredores do Cairo. A peça gigantesca foi encontrada onde ficava a antiga cidade de Heliópolis, morada do Deus Sol.
QUE FÍSICO! A estreia da série Genius, que contará a vida de Albert Einstein desde jovem, está marcada para 23 de abril, às 22 horas, pelo canal National Geographic. O gênio adulto é interpretado por Geoffrey Rush, de O Discurso do Rei.
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