jardim Da penha
Guia AFETIVO DA COMIDA DE RUA
“[...] Oliveira respondia sempre com um desdenhoso encolher de ombros, falando das deformações do rio da Prata, e uma raça de leitores de tempo integral, de bibliotecas pululantes de sabichonas infiéis ao sol e ao amor, de casas onde o cheiro de tinta de imprensa acaba com a alegria do alho” Julio Cortázar, em O jogo da amarelinha.
lugar
“Em suas andanças pelo centro da cidade, desde que começou a escrever o seu livro, Augusto olha com atenção tudo o que possa ser visto, fachadas, telhados, portas, janelas, cartazes pregados nas paredes, letreiros comerciais luminosos ou não, buracos nas calçadas, latas de lixo, bueiros, o chão que pisa, passarinhos bebendo água nas poças, veículos e principalmente pessoas” Rubem Fonseca, em A Arte de Andar Pelas Ruas do Rio de Janeiro.
Estar em uma cidade nos possibilita diferentes tipos de imersões. O escritor José Cardoso Pires, em “Lisboa, Livro de Bordo — Vozes, Olhares, Memorações”, crava a seguinte narrativa ao apresentar os caminhos pelas quais seu personagem percorre a capital portuguesa: “Por essa razão é que eu nunca me esqueço daquele aviso que alguém deixou um dia nesta varanda de curiosos: A primeira vista é para os cegos!”
Pires afirma que ninguém poderá conhecer uma cidade se não tiver a capacidade de interrogá-la, mas para além disso, interrogar a si mesmo. Estar na cidade, falar sobre ela, construir uma narrativa é, antes de tudo, indagar-se sobre a própria posição daquele que se pretende a isso. Lisboa, portanto, - e deve ser assim com outras cidades a serem mapeadas afetivamente - está para além das visões panorâmicas (e os) clichês das fotografias. “Há vozes e cheiros a reconhecer”. Em uma análise de Izabel Margato sobre o caminhar pelas cidades de forma a desvendá-la, a pesquisadora afirma que é necessário estar apaixonado pela própria cidade antes de se propor a falar dela. Acredito que ao ler essas passagens deste Guia Afetivo, Segatto transborda essa paixão e torna-se cúmplice da cidade, tanto no bairro em que ele caminha quanto na cidade que está dentro dele e que ele se propõe a reencontrar, agora com novos olhares, não mais cego por um deslumbramento anterior. Ao caminhar, pensar, confrontar e escrever sobre parte desta cidade, Segatto reinventa a própria história desses dois objetos, ele próprio e a cidade. Contudo, Calvino nos provoca ao afirmar que “a cidade diz tudo o que você deve pensar” e que “jamais se deve confundir uma cidade com o discurso que a descreve. Contudo, existe uma ligação entre eles”.
A cidade e o bairro descritos aqui neste guia existem e ao mesmo tempo não existem, é fruto de uma vivência singular dos personagens que a escrevem, são descritos e que se encontram e confrontam durante a construção da narrativa. Benjamim, em suas análises sobre literatura e espaço urbano, afirma que “saber orientar-se numa cidade não significa muito. No entanto, perder-se numa cidade, como alguém se perde numa floresta, requer instrução”. Desse modo, as cidades vão tendo a sua memória de passado e também o momento presente elaborados na relação direta entre os escritores, seus personagens e os habitantes e ações que nelas se desenvolvem, nos descaminhos e nas descobertas de cada esquina. Assim, neste Guia Afetivo, Segatto nos apresenta situações obscenas, que estão fora da ‘ordem’, fora das cenas principais, colocando no centro figuras outrora minimamente excluídas das narrativas de cartão-postal, fazendo-se como o detetive de uma cidade própria, única e cuja narrativa ainda está em construção. Vitor de Azevedo Lopes
O Guia Afetivo da Comida de Rua de Jardim da Penha faz parte do meu projeto de graduação em Jornalismo, na Faesa. Ele é um convite ao devir, às perambulações pela comida de rua do bairro. Rafael Segatto
INDÍCE Valdomiro ____________________ 11 Otto E Tânia __________________ 19 BACALHAU DA RITA _____________ 24 ORGÂNICOS BELING _____________ 30 ÁGUA DE CÔCO/ CHUP-CHUP _____ 31 NATÁLIA ______________________ 33 BISCOITOS ____________________ 37 CHURRASQUINHO DO ZÉ __________ 42
Valdomiro (waldomiro), vendedor de abacaxis.
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Ao pedir a prova, vendo o abacaxi bem amarelado, com aparência doce, eu tive a certeza do que meu paladar sentiria instantes depois. O abacaxi de Marataízes, do Valdomiro, era bom, doce e suculento. O comerciante preenche um breve pedaço de uma mesma rua há 18 anos e, por isso, apresenta outra possibilidade aos transeuntes dali. A incrível capacidade do brasileiro em transformar um lugar de trânsito em uma possível parada.
Valdomiro explicou o que já estava claro: ele, junto com a família, cuida da produção que vende. os outros meses do ano, de janeiro a agosto, são utilizados para o preparo das frutas. Ele semeia a terra, cuida e colhe os abacaxis.
Os desenhos deste projeto foram realizados pela Renata, minha irm達.
Abacaxi do Valdomiro
PRACINHA DO EPA Ainda era dia quando eu cheguei à pracinha, mas havia bastante gente. As crianças jogavam bola na quadra, uns idosos faziam anotações em pequenos cadernos enquanto esperavam os primeiros clientes chegarem a suas banquinhas e a vida passava sem se preocupar com o tempo.
OTTO, DONO DA BARRACA TATY VERO junto com a esposa t창nia.
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Percebi, enquanto esperava o sanduíche que eu peço todas as vezes, de pernil, que muitos dos frequentadores daquele estabelecimento são assíduos. Otto fazia questão de conversar com alguns deles enquanto pilotava a chapa de comida. Depois de comer o lanche, pedi uma empadinha de palmito: uma das poucas empadinhas de palmito que são feitas com tomate. Não há um jeito certo de se fazer algo. Aquela empadinha, do Otto e da Tânia, era a prova concreta disso.
otto me contou, equAnto cozinhava, que o sanduíche de linguiça feito por ele foi eleito o terceiro melhor lanche de rua da Grande Vitória. o ingrediente principal vem da região serrana do estado, de domingos martins.
Havia muito tempo que eu não comia aqueles bolinhos, então optei por eles. A última vez foi há alguns anos. Essa iguaria portuguesa, na Rita, na Praça do Epa, tem um formato diferente, que lembra um acarajé achatado. O sabor de bacalhau continua o mesmo de outrora.
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Taty Vero - Otto e T창nia Bacalhau da Rita
FEIRA LIVRE O vendedor de feira, de rua, não tem a frieza de um supermercado: ele se forja como um chamador de atenção - sutil ou intenso - para (tentar) estabelecer relação, minimamente, com o consumidor (ou possível consumidor), com as pessoas. Essa peculiaridade existe mais nas feiras, nas ruas, do que nos lugares privados.
30 Me adentrei novamente naquele vai e vem de pessoas. O destino era a barraca de orgânicos, na região próxima à praça do Epa. Lá eu comprei alho poró e manjericão. Definitivamente eu aprendi que os temperos (não só eles) sem agrotóxicos, além de serem incrivelmente bonitos e vistosos, são mais saborosos.
31 Passamos pela água de côco, sempre a mesma, numa espécie de compromisso semanal, para depois seguir para a banca do queijo. Eles vendem diversos alimentos: maracujás, goiabas... mas o calor em um dia de feira faz com que aquela parada seja um refresco quase obrigatório, pela água de côco ou pelo chup-chup.
Natรกlia (ou tantas outras formas de escrita), vendedora de queijos e produtos caseiros.
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Água de côco, chup-chup no fim e a barraca de queijos. Se há uma coisa que temos em casa, todas as semanas, é queijo da feira, da barraca da Natália. A preferência é pelo meia cura, mas também compramos o curado ou o “verde”. Não só de queijos se faz o comércio dela. O requeijão ali existe. Em pouco tempo ela cortou uma dessas iguarias e me deu a prova, era o requeijão baiano. Ele tem um gosto que lembra um provolone com a maciez típica do requeijão.
Cumprimentei a natália e logo começamos a falar sobre queijos. ela me disse que costuma vender tudo o que produz, pois trabalha em outras feiras além de jardim da penha. o doce de leite que ela faz, açucarado e macio, também merece o registro.
Praças-eixo do bairro: da Flash: Philogomiro Lannes do Epa: Regina Frigeri Furno da Igreja São Francisco: Aníbal Anthero Martins do Carone: Wolghano Netto
37 A barraca de biscoitos era o próximo destino. Para o meu azar, descobri que o biscoito de limão havia acabado (é o meu preferido), mas ainda restavam o casadinho, o de côco e o de nata. Fiquei na dúvida entre os dois últimos, que eram muito bons. No fim das contas optei pelo de nata tenho afeição a esse sabor.
Bancas: Beling - Produtos orgânicos Biscoito de Marechal Floriano Água de côco e chup-chup Queijo - Natália
“Andamos para nos reinvertar, para nos dar outras identidades, outras possibilidades” Fréderic Gros, em entrevista ao El Mundo.
Poucas vezes eu comi churrasco em outro lugar senĂŁo na esquina do Churrasquinho do ZĂŠ. Eu tenho o costume de pedir a carne no prato, gosto particularmente do molho, do vinagrete e da batata palha que o acompanham, alĂŠm da farofa. Frequento o lugar desde 2010.
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Churrasquinho do ZĂŠ
agradecimentos Valdomiro Natália Otto
Hugo Reis Heitor Riguette Matheus Noronha
Tânia veronica
Renan Bono Willian Rubim
Paulo Soldatelli MARILENE MATTOS Crimes Tipográficos
Carol Ruas Fabricio Noronha Samya Lievore
felipe tessarolo zanete dadalto
Felipe Amarelo Maíra Tristão
Vitor Lopes Gabriel Ramos Julia Casotti
Elaine Azevedo Clara Sampaio Felipe Gomes
Renata Beto
renato fátima
ana segatto mariana
tatiana Ana gabriela
à rua