TFG - Casa das Artes

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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ARQUITETURA E URBANISMO

RAINER GRASSMANN

TECNOLOGIAS CONSTRUTIVAS DE BAIXO IMPACTO AMBIENTAL, ALTO VALOR SOCIAL E CULTURAL.

Casa das Artes Proposta de edifício do centro gráfico da ENFF

Trabalho final de graduação apresentado ao curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo. Orientadora Profa. Anália M.M.C. Amorim

SÃO PAULO 2014


UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ARQUITETURA E URBANISMO

RAINER GRASSMANN

TECNOLOGIAS SUSTENTÁVEIS EMPREGADAS EM CONSTRUÇÕES DE BAIXO IMPACTO AMBIENTAL, ALTO VALOR SOCIAL E CULTURAL.

Casa das Artes Proposta de edifício do centro gráfico da ENFF

Trabalho final de graduação apresentado ao curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo. Orientadora Profa. Anália M.M.C. Amorim

SÃO PAULO 2014


Aos meus pais, Paulo e Eliana, que me deram a luz e muito amor, alem de me ensinarem todos os fundamentos para que eu siga a contĂ­nua busca do conhecimento.


Agradecimentos

Esse trabalho se tornou possível graças a pessoas que cruzei em meu caminho nesses últimos anos de faculdade. Professores, colegas e funcionários. Por isso gostaria de agradecer: À minha orientadora, professora Anália Amorim, que sempre me apoiou em minhas ideias mirabolantes, ajudando a estruturá-las, de modo a torna-las mais concretas. À Professora Akemi Ino e demais colegas do HABIS do IAU USP - São Carlos, bem como ao Arquiteto Thiago Ferreira, idealizador da casa Suindara. Ao Gilson, assentado e mestre da prática e sua família. Alem dos amigos, Marco Murillo, Célie Thibou, Gabriela Deleu e Luíza Strauss, que me apoiaram nessas experiências. Ao Arquiteto Francisco Barros, idealizador do grupo de construção Agroecológica, que sempre me inspirou, a pesquisar e praticar o trabalho consciente. Sua figura foi imprescindível para a realização deste trabalho. Ao Professor Reginaldo Ronconi, e a Professora Érica Yoshioka pelas aulas, reuniões e conversas no LCC. Bem como ao Arquiteto Tomaz Lotufo, e á arquiteta Paula Noia, pelas conversas e experiências compartilhadas em suas práticas profissionais e no caso da Paula, em sua dissertação de mestrado sobre sustentabilidade socioambiental e sistemas construtivos em Bambu. À professora Catharina Pinheiro, orientadora do projeto de extensão do Grupo de Construção Agroecológico da FAU. Aos colegas do Grupo de construção Agroecológica da FAU: Daniel Jhun Oliveira, Deborah Caseiro, João Geddo, João Guilherme Rodrigues, Victor Pagotto, Henrique Geddo, Andres Kapaz, Yasmin Navarro, Iohana Marques, Davi Tochetto, Mathews Lopes, e tantos outros.


Sumário

Capítulo 1- O Problema 1.1 - O homem e seu meio.........................................06 1.2 - Descaso sócioambiental.....................................07 1.3 - Sustentabilidades em seus aspectos..................08 Capítulo 2 - A Questão 2.1 - Como reduzir o impacto sócioambiental.............14 Capítulo 3 - Estudos de casos 3.1 - Canteiro Escola Taipa Japonesa.........................16 3.2 - Casa Suindara.....................................................20 Capítulo 4 - O Projeto 4.1 - ENFF....................................................................26 4.2 - Ciranda, primeiro trabalho...................................29 4.3 - Montando o programa........................................30 4.4 - Casa da mística, existente...................................32 4.5 - Diretrizes de projeto.............................................33 4.6 - Bambu, corte e tratamento.................................35 4.7 - Referências de projeto.........................................38 4.8 - Desenhos 4.8.1 - Rascunhos e Skatches............................39 4.8.2 - Implantação propósta.............................40 4.8.3 - Plantas.....................................................41 4.8.4 - Cortes......................................................43 4.8.5 - Detalhamento da tesoura........................45 4.8.6 - Imagens do modelo eletrônico...............47 4.8.7 - Diagrama de esforços solicitantes..........48 Capítulo 5 - A Construção 5.1 - Um Oscar no caminho........................................50 5.2 - Desenvolvimento de projeto coletivo...................51 Bibliografia...................................................................55

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1 - O Problema 1.1 - O Homem e seu meio

A casa do homem muda e evolui junto com ele. Ela reflete o homem que ali habita, seu habitat, e a relação entre os dois. Desde os hominídeos, que em bandos dormiam em árvores, ou os homens da caverna, que dentro de gru-

Oca para a Eco 92 no Rio de Janeiro Foto: Frederico Rozário-17.abr.1992/ Folhpress

tas se abrigavam do frio e de outros perigos, passando pelas tribos nômades com suas tendas, feitas de lona e paus, e naturalmente as construções em terra, presentes no mundo todo, com exemplares de mais de 9000 anos, chegando por fim as construções do homem moderno, feitas com aço e cimento e recentemente materiais de maior custo energético como Alumínio, fibras e polímeros especiais, em todos esses casos, a casa é reflexo do homem, ela exprime o homem que nela vive, e ela se dá como resultado da produção do homem no plano material. O trabalho do homem em seu meio físico é a produção bens materiais. E o trabalho é em última instância aquilo que o torna ser “humano”, sua capacidade de se adaptar e mudar a natureza em sua volta só se efetiva a partir do trabalho.

Foto: Priscilla Vilarino

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1.2 - Descaso sócioambiental

Ocorre que a ganância humana fez com que a humanidade perdesse o respeito pela natureza, em prol do lucro, do progresso e da economia. Naturalmente, a deterioração do meio ambiente é algo que sempre existiu na história da humanidade, mas o grau de degradação ambiental que acompanha a recente urbanização de cidades, somado ao avanço do industrialismo e o crescimento do êxodo rural, passou a criar um cenário insustentável. No decorrer da história, os anseios humanos para dominar o mundo natural e os seus semelhantes serviram para fazer com que se trilhasse caminhos equivocados, já que isto somente pôde ser conseguido a um alto custo.(CHISHOLM, 1981) Esse intenso grau de urbanização desprovido de cuidado com o meio ambiente e com o próprio semelhante gerou no mundo todo dois graves problemas, a questão urbana e a questão ambiental. (BONDUKI,1997) Rio Tiete pré canalização- Foto: Light SP

Marginal Tiete- Foto: Moacyr Lopez Junior Folhapress

Associar essas duas questões como algo intrinsecamente ligado é algo que só começou a ocorrer a partir da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento – CNUMAD (Rio de Janeiro, 1992), conhecida por Conferência da Terra ou ECO-92. Daí em diante muitos eventos internacionais seguiram a mesma linha de raciocínio como a Conferência Mundial sobre População e Desenvolvimento (Cairo, 1994), a Conferência sobre o Desenvolvimento Social Copenhague, 1995) e a Conferência das Nações Unidas sobre Assentamentos Humanos (Istambul, 1996), conhecida por Cúpula das Cidades, que enfatizava à questão urbana ambiental, colocando a sustentabilidade como princípio e os assentamentos humanos sustentáveis como objetivo mundial a ser perseguido. • 7


1.3 - Sustentabilidades em seus aspectos

Foto: Antoon Versteegde, Uden

mesmos problemas, diferentes soluções... Conexão de bambu metálica - Shoei Yoh

Essa tendência pela busca de novas técnicas construtivas que visa soluções projectuais ecologicamente corretas, por se apresentar em diversas partes do mundo possui distintas posturas. Polarizando essas posturas podemos entender um lado da corrente que se utiliza de tecnologia de ponta, baseada na máquina, supostamente capaz de solucionar os possíveis problemas ambientais. E no extremo oposto uma vertente que busca soluções mais simples e naturais, muitas vezes baseada em práticas arcaicas, se apoiando em soluções vernaculares. Seguindo a nomenclatura utilizada pela arquiteta e critica de arquitetura Dominique Gauzin-Müller, as soluções criadas por uma arquitetura sustentável podem ter um caráter mais High-Tech ou Low-Tech.

Foto: Shoei Yoh + Architects

Foto: do Autor

Existem princípios ou práticas decorrentes de cada uma dessas vertentes. A vertente High-Tech valoriza a alta tecnologia e a informática, apostando nelas para minimizar os impactos ambientais. A produção é serial e industrializada. E tem como resultado produtos de alto valor agregado, se inserindo perfeitamente nas regras mercadológicas. É uma arquitetura de alto custo. Segundo Müller as vertentes Low-tech seriam aquelas que valorizam mais o mundo natural, e a naturalidade dos materiais. Nesse sentido se aproxima muito de práticas vernaculares. Além disso é uma arquitetura baseada em iniciativas individuais ou de pequenos grupos como ponto de transformação da relação humana com a natureza. Uma arquitetura de baixo custo.

Foto: Internet

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Essas distintas formas de resolver problemas semelhantes se apresenta em todos os aspectos da produção humana, e não apenas na construção. Para esquentar água por exemplo pode se utilizar dispendioso sistema de aquecimento a gás, utilizando Foto: Setorial Sistemas de Irrigação

combustível fóssil diariamente para aquecer a água do seu banho, ou de graça aquecer a água com um aquecedor solar que pode ser feito utilizando garrafas PET. A mesma lógica se aplica ao arar a terra, uma alternativa de alto custo é comprar um grande trator, e conecta-lo a um arado de metal com discos rotativos. Ou seguir uma abordagem mais natural e usar um arado com tração animal. Um garrafa PET cheia de água presa por bambus, garante que o solo permaneça úmido ao longo da noite toda, é uma ótima alternativa de baixo custo para a irrigação de mudas.

Foto: do Autor

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Foto: Sam Kornstein


Biblioteca Nacional, 2005 Singapura Ken Yeang

Alto custo

Foto: Tom Ravenscroft

Foto: Tom Ravenscroft

Foto: Stèphane Anderson

Existem diversos expoentes da arquitetura de baixo custo e da arquitetura de alto custo.

Foto: Kurt Hoerbst

Dois exemplos contemporâneos são a Biblioteca Nacional localizada em Singapura, projetada pelo eco-arquiteto Ken Yeang e construída em 2005, e a Escola Meti, localizada em Bangladesh, projetada pela arquiteta austríaca Anna Heringer e o arquiteto alemão Eike Roswag, e construída em 2006 com ajuda de moradores locais.

Baixo Custo Escola Meti, 2006 Bangladesh Anna Heringer e Eike Roswag Foto: Kurt Hoerbst

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Sustentabilidade é um termo genérico, que pode ser entendido de diferentes modos. Uma análise de sustentabilidade deve incluir os diferentes campos onde ela se aplica. Por isso é importante definir quais os aspectos da sustentabilidade que a pessoa está falando. Em Arquitetura e Urbanismo há muitos aspectos em que a sustentabilidade pode ser aplicada. Econômica, ecológica, energética e social são termos comumente usados ​​para definir quais os aspectos da sustentabilidade está sendo falado.

fig. 7b

fig. 7c

Foto: do autor

Filipinas - Foto: Francis R Malasig

Em um sistema capitalista o aspecto econômico é talvez o mais fácil de definir. A valor adquirido com a venda do produto deve ser maior do que o valor gasto com a produção, comercialização e venda (fig 7b). Quanto maior essa diferença, maior o lucro. E isso é exatamente o que faz uma produção ser economicamente sustentável ou não. É por isso que as empresas estão sempre tentando reduzir os custos de produção. A mesma lógica pode ser aplicada a outros domínios da sustentabilidade. A sustentabilidade energética pode ser entendida, e até mesmo medida por um cálculo técnico da quantidade de energia utilizada por um processo, e a quantidade de energia adquirida no final do mesmo (fig. 7c). Este equilíbrio tem uma importância relevante no campo econômico, e uma enorme importância no aspecto ecológico. A ideia de sustentabilidade vai exatamente no intuito de diminuir a quantidade de energia dissipada durante o processo, e ainda aumentar o saldo positivo quando possível. O aspecto ecológico da sustentabilidade é, naturalmente, muito mais complexo do que apenas o equilíbrio energético. Tem a ver com a preservação da flora e da fauna local e global. Os impactos ambientais devem ser cuidadosamente analisados antes ​​ da execução de grandes obras arquitetônicas e urbanas. É por isso que esta análise pode ser decisiva na decisão de um projeto, especialmente quando os líderes têm uma preocupação ecológica com os resultados reais do projeto.

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Foto: Mundano

O aspecto social da sustentabilidade é talvez o aspecto mais difícil de ser discutido. Primeiro, porque a sociedade é feita de pessoas. E as pessoas não podem ser tratadas como uma ciência exata. Em segundo lugar, porque a ideia de uma sociedade sustentável muda muito dependendo da visão política de cada pessoa. Discutir a história é um bom método para abraçar o aspecto social de determinado projeto ou construção. Um jeito de agregar sustentabilidade social ao projeto, é incluir a população local na construção, e capacita-la com novas técnicas construtivas ao invés de importar uma mão de obra externa. Dar uso a terrenos e edifícios já construídos que estão vazios, é um modo de devolver a função social ao imóvel. O aspecto cultural é também um aspecto importante a ser considerado . Especialmente dentro do campo humano da sustentabilidade. Sustentabilidade cultural tem a ver com a preservação de técnicas locais e novas formas de Artes: Arquitetura, Música, Dança e outros campos infinitos onde a criatividade humana podem ser desenvolvida. Como uma criação humana a cultura está em constante mudança. E o desenvolvimento desses diferentes campos da arte é um sinal do tipo de sustentabilidade cultural que está sendo criado. O grande problema a respeito da sustentabilidade na arquitetura, é que as pessoas costumam analisar a sustentabilidade apenas em suas particularidades, partes do processo, e normalmente tendem a analisar a produção em uma ordem linear. Colocando os limites do processo apenas a partir e até o ponto que é interessante ser mostrado, quando de fato, uma construção tem vários aspectos a serem analisados, e o processo não pode ser analisado de um modo simplificadamente linear e limitado. O processo como um todo deve ser considerado, sendo necessário uma análise mais elaborada, um estudo do caminho multi-cíclico que gera a construção. Este processo multi-cíclico envolve não só a produção e venda do objeto. Ele envolve a combinação de todo o ciclo : Produção, soma de processos que originam a • 12


produção e processos que foram originados pela produção e venda. A dificuldade em realizar esse tipo de análise está no ponto que a ciência é feita com base em modelos. E modelos, como o próprio nome diz não são a realidade, são limitados, com variáveis selecionadas para que possam ser quantificadas e analisadas. Justamente por isso uma análise não deve ser fechada em si. É capaz que novos fatos precisem ser analisados no meio do processo, a fim de tornar o modelo mais amplo e completo.

Foto:Bob cahalan, NASA GSFC

Foto:Peter Leaf

A sustentabilidade de uma construção começa a se formar muito antes da compra do material. Na escolha do material deve ser pensado a origem, produção e transporte de suas matérias-primas. Todo este préprocesso estará intrinsecamente dentro das paredes. Como se fosse o DNA do edifício. A escolha da técnica , por exemplo, é também muito relevante para o aspecto social e cultural. Dependendo da técnica o modo como as pessoas se envolvem na construção e colocam sua energia na matéria será diferente. Podendo ser de uma forma mais humanizada ou uma forma mais mecânica, robótica, pasteurizada. Isto pode ser comparado à alma de um edifício. E todas as consequências decorrentes da convivência das pessoas com o prédio pronto também faz parte do processo multicíclico. É a história do local sendo escrita. Preparar as pessoas e o lugar para os outros novos elementos da cidade. É muito mais complexo projetar pensando de uma forma multi-cíclica do que de uma forma linear. Mas os resultados de um pensamento multi-cíclico são muito mais benevolentes para a sociedade como um todo, uma vez que não se vê o projeto como o edifício materializado apenas, mas se entende o projeto enquanto processo e enquanto mudança da realidade das pessoas envolvidas. Projeto como processo a ser desenvolvido de uma maneira contínua, multi-cíclica.

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2 - A questão 2.1 - Como reduzir o impacto sócioambiental

Foto: do autor

Foto: Anais Gueguen

O questão colocada por mim ao longo desse trabalho, é o estudo de tecnologias sustentáveis, empregadas em construções de baixo impacto ambiental, alto valor social e cultural. O estudo gira em torno da busca por soluções arquitetônicas estruturais que utilizem matéria prima local na construção, diminuindo os custos e impactos negativos. A busca por mão de obra de moradores locais e de futuros usuários da arquitetura é outro importante fator de uma construção socialmente consciente. O estudo pretende compreender ainda quando e como a industrialização pode gerar um impacto positivo no balanço de cada construção. Sabendo mediar seu uso para facilitar a execução do que queremos, sem no entanto se tornar dependente de seus produtos. Para abordar a questão também de um ponto de vista prático, foram imprescindíveis os estudos de casos compreendidos nessa pesquisa: o curso de taipa japonesa, e o canteiro escola da casa Suindara no assentamento nova São Carlos. Ambos promovidos pelo Grupo de pesquisa em Habitação e Sustentabilidade (HABIS) do Instituto de Arquitetura e Urbanismo da USP São Carlos, me deram uma base para melhor compreender os processos construtivos em suas diversas etapas práticas. Para demonstrar o que seria uma construção atenta as questões mencionadas acima, tomei como objeto de pesquisa deste estudo, o projeto do centro de produção gráfica da Escola Nacional Florestan Fernandes (ENFF), que localiza-se no município de Guararema.

Foto: do autor

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A demanda para sua construção parte de um interesse da escola em ter um lugar para produzir seu material gráfico assim como para customizar suas próprias camisetas faixas e bonés. Além de centro gráfico outra função dessa casa será abrigar equipamentos e objetos usados nas místicas, que são apresentações matinais onde um grupo expõe aos colegas reflexões sobre trabalho livre, luta de classes ou libertação se utilizando de música, poesia e teatro. O objetivo geral do estudo, é buscar soluções construtivas de baixo impacto ambiental, tomadas em conjunto com os trabalhadores, para que com suas própria mãos produzam tecnologias inteligentes, adaptadas ao local e às pessoas, gerando uma boa arquitetura, no que tange a qualidade formal, estrutural, plástica dos espaço construídos. Enquanto projeto, procuro achar ao longo do processo o equilíbrio entre as soluções High-Tech e Low-Tech dentro da realidade local da Escola Nacional Florestan Fernandes para o projeto do edifício de produção gráfica da ENFF. Mãos à prática!

Foto: do autor

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3 - Estudos de caso 3.1 - canteiro escola taipa japonesa

Profa. Akemi Ino IAU USP – Grupo Habis Prof. Kinzo Nakao Tajima Technical Institute Prof. Shinya Yamada Tajima Technical Institute Arq. MSc. Akemi Hijioka IAU USP – Grupo Habis

Foto: do autor

Realizado através do IAU USP, esse canteiro escola apresentou a Taipa Japonesa, ou Tsutikabe [土壁 ] aos participantes. Esta modalidade de taipa de mão faz parte da tradição construtiva japonesa e é reconhecida por sua qualidade, durabilidade e beleza. O preparo da terra é uma etapa anterior à execução dos painéis de Taipa Japonesa.

Foto: do autor

Seu preparo deve anteceder no mínimo 3 meses o início da execução da taipa. A terra a ser utilizada deve ser bem argilosa, sem matéria orgânica, retirada portanto de uma profundidade mínima de 1 metro. Para melhor manuseio e preparo da terra é recomendável construir uma baia com uma lona, assim é possível remexer a terra sem sujá-la, assim como fecha-la para que não resseque excessivamente ao sol. A essa terra deve-se adicionar palha picada e água. Esses componentes devem ser misturados por pisoteamento, tornando-se a adicionar e misturar novas doses de palha e água a cada duas semanas. Ao todo a mistura deve ficar fermentando ao menos por 3 meses.

Foto: do autor

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Foto: do autor

Para a construção da estrutura de madeira foi utilizada a madeira Caxeta, por ser macia e fácil de trabalhar. As quinas foram conectadas por encaixes dentados tipo macho-fêmea e aparafusadas com travamento por borboletas, assim podem ser facilmente desmontados e reutilizados posteriormente. Os sarrafos de 10cm de largura foram encravados na madeira da estrutura, e parafusados entre si nos encontros. Com isso há garantia da estabilidade da estrutura. Na estrutura da parede existem 3 eixos. O principal, que é o central, e os secundários. O central é o eixo onde se encontram as paredes internas dos sarrafos e os secundários são as laterais, onde se encontram as faces externas dos sarrafos. Com a estrutura pronta é possível dar inicio à montagem da trama de bambus. Os furos foram feitos a 6 cm dos batentes, sendo 4 cm para o movimento das mãos e 2 cm para a largura das taliscas. Esses furos têm dimensão aproximada de 2x1 cm, e podem ser feitos com um formão ou uma broca chata. Além dos furos distantes 6 cm dos batentes, foram feitos furos na metade das distâncias entre o sarrafo vertical central e a borda do painel.

Desenhos: Ana Takeda

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Foi feita uma seleção entre as taliscas de bambu estruturais da vertical e da horizontal, sendo que as mais espessas e regulares foram utilizadas na vertical. Dentre as taliscas selecionadas para a trama estrutural vertical, as duas mais largas e regulares foram posicionadas no centro, entre o sarrafo central e a borda do painel por ser este o ponto de maior fragilidade. Após a seleção das taliscas, estas foram colocadas na vertical encaixadas apenas na parte inferior e foram pregadas no sarrafo horizontal inferior aprumando-o. Posteriormente, foram cortadas na altura interna superior ao quadro mais 6 mm (estes correspondem à profundidade do furo de encaixe) A primeira e última talisca devem ter um nó diferenciado devido à grande necessidade de fixação; os nós intermediários são mais simples e sempre iguais. Nas amarrações das taliscas estruturais devem ser usados nós duplos. Esses nós devem estar bem rígidos para garantir o bom desempenho da estrutura. Para o pré barreamento é preparada a mistura que possui uma consistência própria, no entanto não é possível estabelecer uma proporção fixa, dado que as características da palha variam conforme o lugar. O ponto ideal é obtido na prática, pela experiência. O mesmo se aplica à terra.

Desenhos: Ana Takeda

Foto: do autor

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No caso em questão foram utilizadas 6 bandejas de palha, 10 bandejas de massa pisoteada e fermentada, 8 bandejas de areia e água para misturar. Primeiramente é feito o barreamento da face interna, a face da disposição vertical dos bambus. O barreamento se inicia nas laterais para manter o nível da madeira central, seguindo-se a ordem: Vertical esquerda de cima para baixo - Horizontal superior da esquerda para a direita - Vertical direita de cima para baixo - Horizontal inferior da esquerda da direita para a esquerda. O centro deve ser preenchido após o término das laterais mantendo o nivelamento destas. Após o barreamento total da superfície, pode-se dar inicio as diversas camadas de tratamento e revestimento, especificadas abaixo:

Aplicação 1ª camada = terra + areia + palha de arroz + água Costura do painel com fibra Marcação limite 2ª camada

Fotos acima: do autor

Aplicação 2ª camada = terra + areia + palha cortada no liquidificador +água Aplicação 3ª camada (Shikuri) = cal + celulose (ou argila) + fibra de canhamo desfiada + aditivos a escolha

Foto: do autor

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Foto: do autor


3.2 - Casa Suindara produzindo uma habitação popular com técnicas em madeira e terra Idealizado pelo arquiteto Thiago Ferreira, este Canteiro Escola localizado no assentamento rural Nova São Carlos tem como objetivo a produção de uma casa unifamiliar utilizando os recursos locais, como terra, madeira de eucaliptos e palets, resido de uma fábrica de automóveis localizada próximo ao assentamento. Fonte: IAU / CCEX / HABIS / /Canteiro-Escola, 2013.

O profissional que nos auxilia na construção da casa, é o pedreiro Gilson, o próprio assentado do terreno em questão.

Fonte: IAU / CCEX / HABIS / /Canteiro-Escola, 2013.

Foto: IInna Mascarin

Fonte: IAU / CCEX / HABIS / /Canteiro-Escola, 2013.

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Foto: IInna Mascarin

Foto: IInna Mascarin

Para nós podermos conversar sob uma sombra e também para estocar os palets, protegendo-os do sol e da chuva a primeira coisa feita foi o barracão. Como o teto do barracão é feito de lona, sentíamos um calor excessivo emanando da lona. Para amenizar o calor por irradiação solar fizemos sucessivas camadas de folhas de eucalipto, e as colocamos por cima da lona, reduzindo significativamente o calor do barracão. Para dar início as atividades de construção, dividimonos em dois grupos, um responsáveis por preparar as toras de eucalipto, e outro que acompanhou o Gilson na demarcação dos pilares.

Foto: Thiago Lopez Ferreira

As toras de eucalipto provem todas da região, antiga plantação de eucaliptos, algumas toras, foram buscadas no interior de matas próximas, necessitando de 5 ou 6 homens para carregar uma tora. Com as toras em mãos iniciou-se o processo de tratamento das mesmas. Utilizando toras irregulares como base, montamos um canto onde era possível rolar as toras de um lado pra outro sem esforço. Com isso o trabalho de descascar as toras foi menos cansativo. Para descascar utilizamos desde martelos e chaves de fenda, até picaretas. Uma vez descascadas aplicamos pregos em uma das suas extremidades, por cerca de 1 metro. Nessa mesma área passamos piche, pois essa parte da tora será a área do pilar que ficara dentro da terra, concretada. Os pregos garantem a liga do conjunto pilar-fundação, e o piche garante a impermeabilização.

Foto: Thiago Lopez Ferreira

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Para demarcação dos pilares, a terra já deve estar toda planificada, e pré-compactada. No caso em questão isto foi feito por um trator. Para demarcação da localização dos pilares são utilizados sarrafos de madeira e linha de náilon. Em seguida se monta o grid da casa, de forma que nenhuma linha pese sobre outra. Um fator importante é ter todas as linhas no mesmo nível. Isso pode ser alcançado usando uma mangueira transparente, com água dentro. Outro fator importante é garantir que os cantos tenham 90 graus entre si. Gilson disse que usa elementos pré fabricados para checar os ângulos, como por exemplo uma caixinha de cd. Foto: Thiago Lopez Ferreira

Foto: Thiago Lopez Ferreira

Foto: Anais Gueguen

Uma vez demarcados é hora de perfurar a terra. Para reduzir o esforço necessário se molha ela antes de cavar o solo. Usamos tanto a cavadeira, como verrumas manuais (brocas de grande diâmetro com um cabo perpendicular na ponta).

Foto: Thiago Lopez Ferreira

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Após o buraco alcançar a profundidade desejada, utilizamos pilões para compactar o a terra no fundo de cada buraco, o que aumentará a estabilidades da fundação. Logo em seguida, concretamos uma cama de 10cm para que o topo inferior do pilar não encoste diretamente no solo.

Foto: Anais Gueguen

Foto: Anais Gueguen

Em seguida aloca-se os pilares devidamente preparados, com piche e pregos, cada um no seu devido lugar. E então inicia-se o trabalho de aprumar todos os pilares. Como os pilares são toras de eucaliptos, naturalmente não possuem o mesmo diâmetro ao longo de toda sua seção. Para aprumar, decidimos alinhar a face mais plana de cada pilar voltado-as para a área externa. Nesse processo se utilizam tabuas para através de uma triangulação fixar as toras de eucaliptos no prumo adequado antes de serem concretados. Após estarem no prumo e fixados, inicia-se a concretagem dos pilares. Produzimos a argamassa revirando-a numa caixa de madeira, transportando-a em carrinhos de mão assim que ficavam prontas para não perderem a consistência adequada. Para garantir a uniformidade da concretagem utilizamos galhos para vibrar a massa.

Foto: Anais Gueguen

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método correto de retirar pregos

método correto de usar a cavadeira

Fotos: Anais Gueguen

Tão importante quanto o que fazemos, é o modo como fazemos. Utilizar a técnica e a postura adequada reduz as lesões por esforços desnecessários, assim como o desperdício de material.

Fotos: Anais Gueguen

Foto: Anais Gueguen

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Foto: Anais Gueguen

A última etapa desse módulo do curso foi fazer o baldrame de solo cimento. Primeiramente escavamos todos os lugares onde uma parede irá se apoiar. Em seguida compactamos o solo com pilões fabricados no próprio local, um pedaço de pau concretado a um balde. Então preparamos a mistura de solo cimento, em uma proporção de 10 de terra para 1 de cimento. Nessa etapa do processo conseguimos uma betoneira que muito nos ajudou no processo. Para peneirar a terra, foi construído um tripé com toras de eucalipto, que seguravam a peneira. Isto reduziu significativamente o esforço necessário para o mesmo trabalho. Virar a betoneira diretamente em cima do carrinho foi outro fator que ajudou a simplificar o processo em questão.

Foto: Anais Gueguen

Muita energia braçal no entanto foi necessária para a compactação do solo cimento. A compactação iniciava-se com os pés, passando para os pilões fabricados, e o uso da marreta nos cantos por ser um objeto de alta densidade e pequenas dimensões. Ao longo do processo discutiu-se a ideia de fazer algum tipo de chinelo-pilão. Para que o esforço de erguer o pilão possa ser feito pelas pernas em vez dos braços.

Foto: Anais Gueguen

Observar a constante evolução da construção da casa não é só interessante pelo entusiasmo e aprendizado, seja dos participantes do curso, seja da família do Gilson. O mais interessante é notar como, com vontade e determinação, é possível construir e mudar as coisas ao nosso redor. Transformando a matéria acabamos por transformarmos a nós mesmos.

Foto: do autor

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Foto: do autor


4 - PROJETO 4.1 - Escola Nacional Florestan Fernandes

A Escola Nacional Florestan Fernandes (ENFF), em Guararema, na Região Metropolitana de São Paulo, é um centro de educação e formação, idealizado pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Inaugurada em janeiro de 2005, a escola foi nomeada Foto: do autor

em homenagem ao educador Florestan Fernandes, incentivador do trabalho coletivo e permanente defensor do ensino público, gratuito e de qualidade para todos. A escola é considerada como um elemento de grande importância para o processo de formação da militância do MST e outras organizações. De acordo com Erivan Hilário, diretor da ENFF, o objetivo da escola é qualificar a luta dos movimentos sociais a partir do conhecimento crítico e da análise da dinâmica social atual. A ENFF conta ainda com uma estrutura de três salas de aula com capacidade para 200 alunos, uma biblioteca com 40 mil títulos (todos obtidos por meio de doações), dois anfiteatros, alojamentos, refeitórios, quadra poliesportiva, campo de futebol, uma horta para consumo próprio, e a ciranda.

Fonte: EXPANDING THE CAPACITY OF ACCOMMODATIONS AT ENFF

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O projeto arquitetônico da Escola Nacional Florestan Fernandes, inaugurada no ano de 2005, foi pensado pela arquiteta Lilian Avivia Lubochinski no sentido de reduzir as agressões ao meio ambiente.

Fonte: expanding the capacity of accommodations at ENFF

Sendo assim, a construção de todos os espaços foi feita com tijolo de solo cimento, produzido pela própria escola. Esse tijolo é mais ecológico, pois alem de não necessitar um forno para a queima, é também mais resistente, reduzindo portanto a quantidade de ferro, cimento e aço necessárias nas construções.

Os prédios da escola também possuem painéis de captação da energia solar para o aquecimento da água e a utilização da energia elétrica. Além disso, a escola tem em seu campus uma central para o tratamento de toda a água utilizada em suas dependências. Fonte: EXPANDING THE CAPACITY OF ACCOMMODATIONS AT ENFF

Os alimentos produzidos na horta da escola também seguem a linha ecologicamente correta. As verduras cultivadas ali não utilizam agrotóxicos ou transgênicos, favorecendo o meio ambiente e a saúde humana.

Fonte: EXPANDING THE CAPACITY OF ACCOMMODATIONS AT ENFF

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Fonte: Google Maps

Fonte: Google Maps

Fonte: Google Maps

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4.2 - Reforma da Cicanda da ENFF

Graças ao companheiro Francisco Barros pude me aproximar da Escola, suas instalações e os militantes que lá vivem. Acompanhando-o em uma visita onde auxiliamos a reforma da ciranda, a creche da ENFF. Em conjunto, os militantes da escola, os pedreiros, e nós estudantes e arquitetos, decidimos o que seria feito na reforma. Esse processo tomou algumas semanas, e quem efetivamente trabalhou na reforma foram dois pedreiros, pai e filho também assentados.

Foto: do autor

Ao longo dessa visita tomei conhecimento da demanda que a escola tem por um espaço onde possam customizar camisetas, bonés e faixas por conta própria. Um espaço onde possam produzir e ensinar a técnica serigrafia.

Foto: do autor

Foto: do autor

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4.3 - Montando o programa Entendendo a mística

Conversando mais a fundo com os militantes, pude compreender melhor as necessidades e intenções deles para o novo espaço. Além de servir como centro gráfico, este espaço deveria abrigar o depósito da mística. A mística é um en-

Foto: Alan Tygel

contro matinal onde todos comparecem. Antecede o trabalho do dia, e propícia que através de músicas, encenações e outras atividades culturais de caráter lúdico pedagógico, a consciência e a discussão do socialismo transcenda para além da aprendizagem política de aula. A mística acontece cada dia em um lugar, não tem um espaço próprio. Segundo alguns, o espaço da mística é a escola toda.

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No entanto são elementos da mística um grande numero de objetos: roupas; bandeiras; instrumentos. Esses objetos são guardados hoje em dia numa pequena cabana. A ideia é criar um novo espaço, que sirva tanto para a produção artística de Silk, como para a produção e armazenamento de objetos ligados à mística. Existem ainda intenções de se criar um estúdio de gravação da escola. Essas demandas, são combinações de vontades e necessidades de diversos indivíduos que habitam a Escola.

Foto: Rafael Ferreira

Fonte: enlivedlearning.com - Udi

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4.4 - Casa da mística - Existente Casa da mística, barracão da construção

Atualmente, existe um espaço onde o material da mística é estocado. Esse local é a casinha de onde nasceu a escola. Essa construção abrigou as ferramentas e os materiais para a construção da escola, ela antecede a construção do alojamento e do refeitório. É uma construção de blocos de concreto, chão de cimento, e teto de amianto. Com aproximadamente 50 metros quadrados estoca bandeiras, fantasias, ferramentas e instrumentos usados na mística. Possui ainda uma mesa com compridos bancos de madeira onde aparentemente se executam trabalhos manuais.

Foto: do autor

Apesar de ter recebido pinturas artísticas em suas paredes externas e internas, a casa apresenta um certo grau de depreciação com telhas quebradas, e portas e janelas de madeira em decomposição avançada.

Foto: do autor

Foto: do autor

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4.5 - Diretrizes de projeto

Nesse sentido desenvolvi um estudo que vai no intuito de explorar as capacidades de uma construção ambientalmente, socialmente e culturalmente sustentável, dentro da realidade econômica da escola. Infelizmente a elaboração do programa ainda necessita de mais diálogos, para ter maior claridade quanto as dimensões e os tipos de salas que a escola tem necessidade. Dado essa dificuldade, me foquei mais nos métodos e materiais que são uma boa alternativa para a construção. Embasado na pesquisa do TFG 1, concluí que para executar uma construção de baixo impacto ambiental, é interessante que estrutura seja feita com materiais locais, se possível de dentro da própria escola, ou dos arredores. Matéria prima bruta, mas que tratada e elaborada, se torna excelente material para construção. Para as fundações imaginei que podem ser usadas pedras e areia do rio que corre as margens do terreno. Assim não há necessidade de comprar brita e areia. No entanto é preciso quebrar as pedras em tamanhos Fotos: do autor

Foto: do autor

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adequados, assim como peneirar a areia, para que não haja matéria orgânica no meio dela. Já para os pilares e paredes pode-se seguir a lógica construtiva dos outros edifícios, usando o solo do local, algum cimento, e a maquina de prensar os tijolos de solo-cimento que ainda se encontra na escola. Podemos ainda utilizar cal ou até mesmo insumo de cactos para impermeabilização das paredes, embora considero a importância do beiral para impedir que as paredes recebam chuva diretamente. O teto, pode ser coberto com sapé ou telhas de barro, isso dependerá do que for mais viável. Sua estrutura no entanto deve ser leve e resistente. Para tanto pensei que em construir as tesouras do telhado com um material abundante no local, o bambu.

Foto: do autor

excelente material tratamento matéria = para construção bruta + adequado “o bambu é considerado um excelente material para construções, principalmente em regiões sujeitas a abalos sísmicos” (Beraldo 2003)

Mas tem seu grande potencial ofuscado em parte dado o desconhecimento de suas propriedades mecânicas, por parte dos técnicos. Isso se deve devido à inexistência de uma padronização dos ensaios. A variabilidade dos resultados depende da espécie analisada, idade dos colmos, se a parte usada é do topo ou da base do bambu, e ainda se a parte usada para análise é a interna ou a externa da parede. A massa específica aparente para a maioria dos bambus situa-se entre 700 e 800 kg/m³. (Janssen 2000).

Segundo Beraldo, a resistência a compressão varia entre 20 e 120 MPa, já a existência à tração situa-se entre 40 e 215 MPa podendo em algumas espécies chegar à 370 MPa. A razão entre a resistência à tração e peso específico (σ/γ) do bambu sobre o aço CA 50 e de 2,31. (Beraldo 2003) Foto: do autor

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4.6 - Bambu, corte e tratamento

Não existe na escola, ou mesmo no Brasil, uma prática do uso de bambu como elemento construtivo. Esse foi portanto o ponto onde concentrei meus esforços junto à um grupo de alunos da FAU dispostos a construir com princípios agroecológicos, iniciamos um trabalho junto a ENFF, identificar as touceiras de bambu, limpa-las, e efetuar o corte do bambu para podermos tratar as toras e utiliza-las em construções na própria escola. Fomos apelidados pelos militantes da escola de grupo do bambu. Alem de mim, são integrantes do grupo, Victor Pagotto, João Pedro Geddo, Daniel Jhun Oliveira, Deborah Caseiro e João Guilherme Rodrigues. Foto: do autor

Cortar bambu não é tão simples quanto parece, principalmente se o corte é feito visando seu uso construtivo posteriormente. Existe uma porção de procedimentos para se extrair o máximo que essa planta oferece. O Bambu apesar de ser um ótimo material construtivo, tem um grave problema. Por ser uma planta, tem naturalmente açúcar em sua seiva elaborada. E esse açúcar é um atrativo para ataques de caruncho e outros insetos.

Foto: do autor

Foto: do autor

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Mas é possível através de diversos tratamentos, diminuir consideravelmente a vulnerabilidade dos colmos de bambu à ataques biológicos. O corte para começar deve ser feito durante os meses de inverno, época em que a maior parte da seiva está nos rizomas da planta, suas raízes. Dessa forma, o bambu extraído não só já possui uma quantidade inferior de seiva em seu interior, como a touceira se mantém com mais energia para crescimento dos bambus mais jovens. Deve existir uma rotatividade na colheita do bambu. Bambus maduros para construção tem no geral ao menos 4 anos. Uma touceira no entanto pode dar anualmente dezenas de colmos de bambu ao longo de até um século. Outro fator importante é a lua na qual o bambu é cortado. É de conhecimento empírico que bambus cortados na lua minguante sofrem menos ataques de insetos. A hora ideal é também antes do amanhecer, momento em que a planta não iniciou seu ciclo de fotossíntese, concentrando sua seiva nos rizomas. Antes de realizar o corte do bambu deve-se ter em mente qual o tratamento a ser realizado.

Foto: do autor

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Caso não se tenha nenhum trespecífico em mente a melhor opção é deixa-lo na própria touceira em posição vertical, com sua base suspensa por uma pedra. Sem contato direto com o chão. Desse modo, as folhas ainda vivas vão extrair o resto de seiva que ainda existe dentro do colmo.


Tratamentos naturais: cura na mata (tempo de queda das folhas) cura pela ação do fogo (instantáneo) cura pela acão da fumaça (20 minutos á 130°C) cura por imersão em água (de 4 a 7 semans)

fig. 37a

Tratamentos quimicos:

fig.37c

produtos oleosos, origem vegetal ou animal produtos oleossolúveis, (pentaclorfenol) produtos hidrosolúveis, borato de cobre cromatado (CCB), acido bórico ou borato de sódio (borax). Via imersão ou substituição de seiva ( de 2 a 4 semanas).

fig. 37b

tratamentos sob pressão: Autoclave, Boucherie ou Boucherie Modificado

fig. 37e

fig.37d

fig. fig. fig. fig. fig. fig.

37a- bambu tratado a fogo fonte: do autor 37b- esquema para imersão fonte: http://www.mom.arq.ufmg.br/ 37c- tratamento por fogo fonte: do autor 37d- tratamento com borax fonte: http://www.mom.arq.ufmg.br/ 37e- produtos comerciais fonte: http://www.mom.arq.ufmg.br/ 37f - substituição de seiva fonte: http://ipdtaipal.blogspot.com.br/2011/06.html

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fig.37f


4.7 - Referências de projeto Oscar Hidalgo Lopez e Simon Velez

Fonte: Bamboo The Gift of the Gods - Oscar Hidalgo López

Fonte: Bamboo The Gift of the Gods - Oscar Hidalgo López

Igreja construída por Simón Velez na Colômbia

Foto: Acervo Simon Velez

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4.8 - Desenhos 4.8.1 - Rascunhos e skatches

As ideias aqui colocadas são apenas sugestões do que pode ser feito, totalmente abertas a melhorias e críticas. Me oponho ao desenho como prática opressora do fazer, ao contrário utilizo-o como instrumento de linguagem, de diálogo.

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4.8.2 - Implantação proposta

A implantação proposta foi uma área à noroeste da casa da mística existente. Mantendo um mesmo alinhamento sugeri um eixo possível como novo vetor de expansão para a Escola Nacional. Nesse eixo estaria em primeiro a casa da mística, restaurada e intacta, reafirmando sua importância histórica como ventre gerador da escola. Na sequencia viria a casa das artes, destinada a incorporar atividades que necessitassem de um amplo espaço coberto.

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escala 1:100

4.8.3 - Planta

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escala 1:100

Planta cobertura

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escala 1:100

4.8.4 - Corte A

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escala 1:100

Corte B

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4.8.5 - Detalhamentos da tesoura

escala 1:5

sem escala

escala 1:5 • 45


DESK EDUCATIONAL PRODUCT

Detalhamentos da tesoura

escala 1:5

escala 1:5 • •• • • • ••••••••

Detalhes tesoura - Casa das artes

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• • • • • • • • • • • •• • • • •• • •••••••••••••••••••••

Rainer Grassmann


4.8.6 - Imagens do modelo eletrĂ´nico

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4.8.7 - Diagrama de esforรงos solicitantes

Cargas (peso prรณprio+ vento)

Deformata

โ ข 48


CompressĂŁo

Cortante

Momento fletor

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8 - Construção 8.1 - Um Oscar no caminho

Após meses de tentavas de dialogo com os dirigentes da ENFF, sucessivos desencontros acabaram inviabilizando o desenvolvimento de um desenho fruto de um processo coletivo. Dado essa dificuldade tomei o projeto da casa das artes em minhas mãos, e conforme mencionado desenvolvi as diretrizes que passaram a dar forma a esse desenho que acabei desenvolvendo individualmente. Apesar dos diálogos constantes com companheiros e professores, o desenho desenvolvido não foi feito de uma maneira coletiva, como era minha intensão inicial. No começo de maio de 2014, há menos de dois meses do término do semestre, houve uma reunião entre o grupo de construção agroecológica e os dirigentes da ENFF responsáveis pela construção da casa das artes. Após expormos nossas ideias, o projeto desenhado por mim, e ouvir mais sobre as demandas e expectativas da escola, concluímos, todos juntos, que o projeto desenhado, não era a melhor alternativa. Um dos motivos, era que a implantação do espaço coincidia com o projeto de Auditório para a ENFF feito por Oscar Niemeyer.

Suposição da localização do projeto de Oscar Niemeyer

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8.2 - Desenvolvimento de projeto coletivo

A nova proposta passou a ser: utilizar a construção existente como espaço destinado a produção de serigrafia e construir em volta do existente novos espaços destinados a suprir as outras demandas. Essas demandas são: espaço para guardar o material Imagem gerada a partir de modelo eletrônico

da mística; uma pequena oficina de produção e um espaço mais amplo, para a prática de artes livres. Elas tiveram suas áreas dimensionadas de acordo com a necessidade colocada pelos dirigentes. Também se discutiu onde faria mais sentido cada um desses espaços, e qual seria a melhor interação entre eles. O resultado dessas conversas foi a elaboração de um novo projeto, voltado à construção que deve estar pronta no início de Setembro.

Imagem gerada a partir de modelo eletrônico

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Embora a forma final tenha mudado um tanto, diversas premissas se mantem. O uso do bambu para as tesouras do teto, paredes feitas de terra local e cobertura de sapê.

Imagem gerada a partir de modelo eletrônico

É interessante notar como mesmo com recursos financeiros e tempo extremamente limitados as diretrizes de projeto que levantei se mantem. As decisões de projeto são tomadas coletivamente. Normalmente se chega à um consenso daquela que é a melhor opção para cada caso específico da construção.

Os pilares por exemplo serão feitos com toras de eucalipto autoclavado. Apesar de não ser a alternativa mais “ecofriendly”, entendemos que essa opção seria aquela que melhor resiste à chuva dentre nossa realidade econômica. Além de dialogar com os quiosques da escola, que utilizam a mesma madeira em seus pilares.

Imagem gerada a partir de modelo eletrônico

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Como em todo projeto participativo, é natural que haja discordância quanto às necessidades da escola. Para solucionar esses dilemas, é preciso que haja diálogos entre os dirigentes do movimento. Nós enquanto arquitetos, temos a responsabilidade de espacializar esses desejos, materializando-os seja a partir de um desenho, ou de uma maquete. Trabalhando ao longo do semestre, pude perceber a dificuldade de se desenhar um projeto que tem desde seu início, uma natureza coletiva. Definida não pela cabeça do arquiteto, mas pela discussão e sobreposição de ideias a respeito da necessidade material da escola. Ideias diversas, de diferentes personalidades, mas que compõem um complexo conjunto de razões. Um projeto onde o constante redesenho nos guia em direção à um ideal mútuo. Se por um lado esse redesenho aumenta o tempo de projeto, por outro ele acaba por desenvolver um projeto com um olhar muito mais abrangente. O projeto deixa de ter aquela visão distante e exclusiva, e até excludente, do arquiteto, e passa a ter o toque do camarada que vai executar a fundação, do parceiro que ajudará nas tesouras, o irmão do sapê... Quando passei a entender o projeto como construção a ser efetivada por nós, o desenho ganhou uma dimensão diferente. Na medida que o desenho deixa de definir o que, e principalmente como, cada detalhe deve ser feito, ele passa a apontar o caminho, e num processo dialético, o que vai ser feito de fato, passa a definir os detalhamentos do projeto. Isso transforma o processo, retomando o desenho como diálogo, e não imposição do fazer. Em ùltima instância o próprio projeto passa a ser um diálogo, que acaba expressando a natureza do processo produtivo. Trazendo a tona não só a beleza, mas também as contradições do processo.

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Imagem gerada a partir de modelo eletrĂ´nico

Imagem gerada a partir de modelo eletrĂ´nico

Imagem gerada a partir de modelo eletrĂ´nico

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Bibliografia

ARANTES, Pedro F. Arquitetura Nova. Sérgio Ferro, Flávio Império e Rodrigo Lefévre, de Artigas aos mutirões. São Paulo: Editora 34, 2002. BARROS, Francisco Toledo. Formação Profissional na Construção Civil: Experiencias em busca da `desalienação´ do trabalho. Dissertação de Mestrado. São Paulo: FAU USP: 2012 BERALDO, Antonio L. e PEREIRA, Marco A. R. Bambu de corpo e alma. Bauru, SP: Canal6, 2008. LENGEN, Johan van. Manual do Arquiteto Descalço. Rio de Janeiro: TIBA, 1997. BONDUKI, N. G. (org.) Habitat: as práticas bem sucedidas em habitação, meio ambiente e gestão urbana nas cidades brasileiras. 2.ed. São Paulo: Studio Nobel, 1997. CHISHOLM, A. Ecologia: uma estratégia para a sobrevivência. 2.ed. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1981. DIÁLOGOS, Grupo de extensão ENFF-USP, Plano de desenvolvimento Escola Florestan Fenandes 2011. São Paulo: USP,2011. NOIA, Paula Regina da Cruz. Sustentabilidade Sócioambiental: Desenvolvimento de sistemas construtivos em bambu no Vale do Ribeira. Dissertação de Mestrado. São Paulo: FAU USP: 2012 JANSSEN, J.J. Designing and building with bamboo. INBAR- International Network of Bamboo and Rattan. Beijing,China Technical reportn. 20, 207p. 2000.

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Bibliografia

LÓPEZ, Oscar Hidalgo. Bamboo. The Gift of the Gods. Bogota: D’VINNI, 2003 LÓPEZ, Oscar Hidalgo. Bambu. Su cultivo y aplicaciones en: Fabricacion de Papel; Construccíon; Arquitectura; Ingeniería; Artesanía. Colombia: italgraf, 1974 VITRA DESIGN MUSEUM, ZERI Foundation, C.I.R.E.C.A. Grow your own house - Simón Vélez and bamboo archtecture. Vitra Design Museum, 2000.

Sites da internet

http://www.mstbrazil.org/about-mst/floristan-fernandes -history http://www.mst.org.br/Escola-Nacional-Florestan-Fernandes-visa-a-socializacao-do-conhecimento%20 http://amigosenff.org.br/site/ http://ipdtaipal.blogspot.com.br/2011/06/colheita-de-bambus-em-maio-de-2011.html

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