A VERDADE ENQUANTO PROPRIEDADE TRANSCENDENTAL DO SER EM TOMAS DE AQUINO

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A VERDADE ENQUANTO PROPRIEDADE TRANSCENDENTAL DO SER EM TOMAS DE AQUINO Autor: Ramilson do Nascimento Silva⃰ Resumo: Neste estudo, nos propomos a perceber o conceito de verdade na suma teológica de Tomás de Aquino e num segundo momento, expressar o que vem a ser a doutrina dos transcendentais no tema da verdade. O conceito de verdade na Suma teológica é como que uma chave de leitura para descobrir e entender as propriedades transcendentais do ser, que são como que categorias do ser, não algo que lhe seja acrescido como diferente de sua natureza, um distinção real, mas como uma distinção da razão. A verdade é como que uma adequação entre o intelecto que conhece e a coisa em si, a realidade apreendida. Esta adequação se dá pela apreensão da realidade e pelo juízo, que compara e emite um parecer. Ao final consideraremos em uma breve consideração pessoal a relação entre o tema da verdade concebido a partir de Tomas e a política atual. Palavras-chaves: verdade, transcendentais, adequação, intelecto e coisa. INTRODUÇÃO Um tema sempre presente ao longo da história da filosofia em todos os filósofos é o tema sobre a verdade. Muitos filósofos tentaram explicar e até entender o que vem a ser a verdade. Neste estudo, apresentamos um pouco das chaves que Santo Tomás de Aquino nos deixou. No estudo da metafísica de Tomás de Aquino, da ontologia do ser, ele se detém no que é a verdade e sobre o que se fundamenta. Tomás de Aquino nos apresenta o estudo das chamadas propriedades transcendentais do Ser. Entendendo propriedade enquanto essência de uma realidade dada e transcendental como aquilo que se encontra em todos os gêneros do Ser. Os transcendentais são modos intrínsecos contidos no Ser, certa diferenciação interior do Ser que se efetua, por um lado como modos particulares do Ser, categorias do Ser, e por outro de maneira universal e necessária a todo Ser. Porém os transcendentais não constituem naturezas verdadeiramente distintas, há como que uma unidade fundamental dos transcendentais e do ser. Contudo, verifica-se uma diversificação nocional, uma distinção. Esta diferenciação não chega a ser uma distinção real, ou seja, independente de nosso conhecimento, mas sim, uma distinção da razão ou lógica, referindo formalmente a elementos que são diversos somente em razão da intervenção da inteligência.

⃰​⃰ Aluno do 3° ano do Curso de Bacharelado em Filosofia na Faculdade Católica de Fortaleza.


Tomás de Aquino nos apresenta a constituição do conjunto, que se tornará clássico, dos três transcendentais: Uno (unum), Verdadeiro (verum) e Bem (bonum). Eles são para Tomás de Aquino como que atributos do Ser Primeiro. Mas o que vem a ser a verdade segundo o pensamento de Tomás de Aquino? Neste sentido, nos propomos a mergulhar no estudo da propriedade transcendental do ser enquanto verdade, investigando e procurando o conceito de verdade através de pesquisa na questão 16 da primeira parte da Suma Teológica, obra prima de Tomás de Aquino, em que ele trata do conceito de verdade. Tentarei elencar pontos apartir da pesquisa no capítulo 3 do livro Iniciação à Filosofia de São Tomás de Aquino indicado e estudado em sala de aula.

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O conceito de verdade na Suma Teológica Na questão 16 da primeira parte da Suma Teológica, Tomás de Aquino propõe tratar

da questão da Verdade, por ser um objeto da ciência, onde ele irá discutir em oito artigos. No primeiro artigo analisa se a verdade existe somente no intelecto ou nas coisas em si. Parte da comparação entre bem e verdade, apetite e intelecto, nos informando que “assim como o bem designa o termo para o qual tende o apetite, assim, a verdade, o termo para o qual tende o intelecto”1. E que a diferença entre o bem e a verdade é que enquanto o bem está na coisa apetecível, à verdade está no próprio intelecto. A verdade está primeiramente nas coisas como fonte, daí não podemos dizer que há falsidade nas coisas. A verdade tem como fonte as coisas reais e se dá formalmente na inteligência. Estes são como que dois pilares da verdade. “...uma coisa é considerada verdadeira, absolutamente falando, quando se ordena para o intelecto, do qual depende. A verdade, principalmente, existe no intelecto, e secundariamente, nas coisas, enquanto estas dependem do intelecto, como do princípio.”2

Desta forma, podemos afirmar que a Verdade pressupõe uma relação entre o conhecimento a priori e a realidade, a coisa em si. Assim, podemos perceber que Tomás é realista porque pressupõe um ente real fora da mente, além da mente, como algo que está posto, não como uma projeção. Para ele “sendo toda realidade verdadeira, na medida em que tem a forma própria da sua natureza, necessariamente o intelecto conhecente será verdadeiro, na medida em que

1 AQUINO, Tomás. Suma Teológica - Edição Eletrônica Permanente. I Q16, a1.solução 2 AQUINO, Tomás. Suma Teológica - Edição Eletrônica Permanente. I Q16, a1.

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tem semelhança com a coisa conhecida, que é a forma do mesmo enquanto conhecente”3.

Já no segundo artigo, onde se verifica se existe somente no intelecto que compõe e divide, entendemos que “a verdade é a adequação da coisa com o intelecto” 4, uma certa conformidade entre o intelecto e a coisa em si, conceito que ele trás de um pensador chamado Isaac Israeli, onde a verdade existe primeiro na coisa em si enquanto realidade e no intelecto formalmente. Tomás vai explicar no terceiro artigo que trata se a verdade e o ser se convertem de que assim como a verdade está nas coisas e no intelecto, mas principalmente no intelecto, também o ser está nas coisas e no intelecto, daí a afirmação de que o ser e a verdade se convertem, porém o ser está principalmente nas coisas. A verdade acrescentaria nesta conversão com o ser a sua relação com o intelecto. A verdade é que realiza esta relação entre o ser e o intelecto. A diferença que haveria entre o ser e a verdade seria uma relação de razão. A verdade funda-se no ser, é o ser quem possui a verdade, porque é o ser quem possui o intelecto. Nos detemos apenas em alguns artigos tratados na questão 16 da primeira parte da Suma em que Tomás apresenta que a verdade está no intelecto e na coisa em si, na coisa enquanto realidade e no intelecto formalmente. Que a verdade é uma adequação da coisa e do intelecto, uma relação; e que Tomás de Aquino concebe um ente além da mente. Uma das características da verdade é que ela vai além das exterioridades, é o desvelamento da existência de algo pela inteligência. Mas como se dá este conhecimento da verdade no intelecto? O nosso intelecto possui três operações básicas: a simples apreensão, o juízo e o raciocínio. Bastar-nos-á falar apenas dos dois primeiros modos de operar do intelecto. Na primeira operação, o nosso intelecto sofre a ação de uma realidade exterior, que acaba desencadeando nele uma operação vinda de sua própria natureza intelectual e que ocorre de forma não consciente e não reflexa. Consiste na simples e imediata apreensão da essência da coisa, não há uma relação, não havendo assim, uma adequação, há apenas a assimilação da coisa em si, captada pelo intelecto. Na segunda operação, no juízo, o intelecto age por si mesmo, é o afirmar do intelecto, ele julga a partir do que foi assimilado da coisa em si, lança um juízo sobre o

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. Suma Teológica - Edição Eletrônica Permanente. I Q16, a2.

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. Suma Teológica - Edição Eletrônica Permanente. I Q16, a2.2.

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inteligido.Daí passa a existir duas realidades formalmente distintas: a assimilação da coisa e a afirmação feita pelo intelecto. “o intelecto conhecente será verdadeiro, na medida em que tem semelhança com a coisa conhecida, que é a forma do mesmo enquanto conhecente. E por isso, a verdade é definida como a conformidade da coisa com a inteligência. Ora, esta o sentido de modo nenhum a conhece. Pois, embora a vista, por exemplo, tenha a semelhança do visível, contudo, não conhece a relação existente entre a coisa vista e aquilo que apreende dessa coisa. O intelecto, porém, pode conhecer a sua conformidade com a coisa inteligível; contudo, não apreende essa conformidade quando conhece a essência de uma coisa. Mas, quando julga estar à coisa de conformidade com a forma que dela apreendeu, então somente conhece e afirma a verdade. E isso o intelecto faz, compondo e dividindo.”5

Quando ocorre o juízo, é como se o intelecto, não contente em apenas apreender a essência da coisa, resolvesse pronunciar-se, fazendo um julgamento, a respeito dela e assim adiciona algo novo a ela. Agora é que podemos dizer que há uma relação. Apenas quando ocorre o juízo que podemos falar de uma relação, de uma adequação, pois ela é constituída pela assimilação da coisa conhecida e por um juízo do intelecto a respeito dela. A verdade, assim, está no juízo, no ato de julgar do intelecto e não simplesmente na apreensão que o intelecto realiza da coisa em si.

2.

A verdade enquanto propriedade transcendental do Ser Antes de apresentar a teoria acerca da Verdade enquanto propriedade transcendental,

vamos expor sobre os outros dois transcendentais. De forma simples, o ser é uno por ele ser indiviso. No Ser não há divisão, é a plena unidade. Desde que o submetamos a qualquer divisão, deixaremos de ter perante nós o ser inicial, passaremos a ter vários seres, a multiplicidade. “A unidade transcendental não significa nada mais do que a indivisão ou negação da divisão do ser. Em virtude de sua identidade com o ser, o uno é logicamente convertível com o ser: o conceito de uno não se confunde com o de ser, mas as realidades que um e outro designam são fundamentalmente idênticas.”6

Dizer que o Ser é bom quer dizer que ele solicita e satisfaz a nossa vontade. O Ser enquanto Bem se refere e liga-se a vontade, aos apetites. Efetivamente, o supremo objeto da 5

. Suma Teológica - Edição Eletrônica Permanente. I Q16, a2.solução

6 GARDEIL, Henri-Dominique. Iniciação à Filosofia de São Tomás de Aquino. pg 367.

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vontade humana e a finalidade é a plenitude do Bem, equivalente à plenitude do Ser. Na medida em que for Ser, todo Ser, por natureza, é bom. O Bem está na coisa que é desejada. “O bem é aquilo para o qual tendem todas as coisas. O bem se define por uma relação do ser com o apetite, formulas que não fazem mais do que sintetizar os dados da experiência universal e comum.O bem se encontra inicialmente na coisa: o bem é a coisa mesma, à medida que a coisa funda a propriedade da apetibilidade.”7

Da mesma forma, dizemos que o Ser é verdadeiro por que é conforme com a inteligência. Define-se, portanto a Verdade, neste sentido, como conformidade do Ser com a inteligência. A falta de Verdade não se pode imputar ao Ser, mas aos erros e deficiências do intelecto humano quando se aplica ao seu conhecimento. O oposto da verdade ontológica é a desconformidade da inteligência com o objeto, com a coisa em si. Tomás de Aquino vai beber da visão e dos conceitos de Aristóteles e de Santo Agostinho sobre a verdade, tentando conciliá-las. “Para Aristóteles, a verdade é a perfeição da inteligência, pois buscamos conhecer para possuir a verdade, a verdade está na inteligência. Já Santo Agostinho entende que a verdade é como que um objeto que domina o espírito e que a ele se impõe, a verdade é inicial e fundamentalmente essa imutável e eterna verdade divina, da qual os espíritos criados participam. A verdade será, ao mesmo tempo, perfeição do conhecimento, ou verdade lógica, e propriedade objetiva do ser, finalmente reportada à ciência divina, ou verdade ontológica”8.

A verdade, no sentido lógico, reside propriamente na inteligência, quando esta se conforma a coisa. É a verdade enquanto dado apreendido da realidade e julgado, ou seja, processado pelo intelecto. A verdade, no sentido ontológico, está nas coisas como propriedade transcendental do ser, quando a realidade corresponde às ideias divinas, quando é conforme a ideia segundo a qual Deus a criou e pode ser conhecido pela inteligência humana. Contudo, em segundo lugar, porque em primeiro lugar é na inteligência, no sentido lógico, que a verdade se encontra. CONSIDERAÇÕES FINAIS

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. Iniciação à Filosofia de São Tomás de Aquino. pg 375.

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. Iniciação à Filosofia de São Tomás de Aquino. pg 370.

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Neste estudo, buscamos perceber um pouco do que Tomás de Aquino apresenta acerca da verdade enquanto propriedade transcendental do ser. Os transcendentais que são modos intrínsecos contidos no ser, categorias do ser. Iniciamos pela análise do conceito de verdade contido na questão 16 da primeira parte da Suma Teológica. Depois, na explicação sobre a verdade enquanto propriedade transcendental do ser, tratamos de forma breve sobre os demais transcendentais. O ser é uno pela indivisão ou pela negação da divisão no ser. O bem é aquilo para o qual tendem todas as coisas, está ligado ao apetite, à vontade. Como vimos acima, para Tomas de Aquino, a verdade é a adequação do intelecto e da coisa, a conformidade entre elas. Esta adequação, a verdade, primeiramente se dá no intelecto e em segundo momento na coisa em si. Podemos conceber a verdade de duas maneiras: a verdade lógica, onde a verdade reside na inteligência, e a verdade ontológica, onde a verdade existe nas coisas. A verdade se dá no intelecto através de três operações, a apreensão, o juízo e o raciocínio, onde falamos apenas das duas primeiras. Na operação do intelecto acerca da apreensão, o intelecto sofre uma ação da realidade exterior e apreende a sua essência. Aqui não há relação ou adequação com o intelecto, só um recolhimento de informação. Já na operação do juízo, o intelecto age sozinho, como se diante da apreensão da essência da coisa quisesse dar uma opinião, emitir um parecer. Aqui, na operação do juízo, é que temos verdadeiramente uma relação, uma adequação, ocorre implicitamente à concordância fundamental entre a realidade apreendida e julgamento feito pelo intelecto, entre a inteligência e a coisa em si. Em resumo, a verdade enquanto propriedade transcendental do ser é a adequação entre o intelecto e a coisa, que se dá na apreensão e no julgar do intelecto. A verdade é a conformidade entre o intelecto e o ser. Realiza uma relação.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS GARDEIL, Henri-Dominique. Iniciação à Filosofia de São Tomás de Aquino: Psicologia – Metafísica. Capítulo III. AQUINO, Tomás. Suma Teológica - Edição Eletrônica Permanente. I Q16, a1. AMEAL, João. São Tomás de Aquino. Ed. Livraria Tavares Martins. Porto-Portugal. 4a edição. 1956. http://www.recantodasletras.com.br/cronicas/2444813 http://capacidadereflexivaoperante.wordpress.com/2010/04/10/questao-xvi-da-suma-deteologia-%E2%80%93-a-verdade-em-tomas-de-aquino-a-verdade-esta-apenas-no-intelectoutrum-veritas-sit-tantum-in-intellectu/ http://www.bv.fapesp.br/pt/bolsas/144168/a-definicao-de-verdade-em-tomas-de-aquino-umestudo-sobre-de-veritate-1-1-e-summa-theologiae-i-16-1/ http://cutter.unicamp.br/document/?code=vtls000428229 http://filosofante.org/filosofante/not_arquivos/pdf/Conhecimento_Verdade.pdf http://observatoriodavida1.blogspot.com.br/2010/03/o-conceito-de-verdade-em-santo-tomasde.html http://hyperapophasis.net/cotidiano/?p=1594

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