A formação de valores na infância: uma análise do comercial “Barbie Vida de Sereia” Camila Cavalcante de Aquino 1 Anna Elisa Pedreira Figueiredo 2 Resumo Este artigo pesquisa a formação de valores de consumo que são adquiridas na infância. A finalidade é entender a influência dos meios de comunicação e dos valores impostos pela propaganda e a família na atual perspectiva pós-moderna de relações sociais de consumo. Para isso, realizou-se uma pesquisa bibliográfica de obras voltadas a infância e ao consumo e em seguida foram entrevistadas 5 crianças com onze anos de idade, de classe média, alunas do ensino fundamental. Com isto, conclui-se que na vida destas meninas há uma grande interferência da televisão em seus desenvolvimentos e ausência de interferências de seus pais para orientação diante deste processo. Palavras-Chave: Criança; Consumo; Pais; Propaganda; Barbie. Introdução No Brasil, as crianças dedicam cada vez mais tempo na frente da televisão sem um exame efetivo dos pais a respeito da programação, Azambuja (2002) aponta que o controle aumenta somente em relação ao conteúdo de determinados programas e para crianças menores, pois os maiores têm mais autonomia na escolha do que assistir. A consequência deste comportamento em relação ao controle do tempo e conteúdo a que as crianças estão expostas na televisão, segundo Azambuja (2002, p. 126) é prejudicial, pois “uma atitude passiva de mães em relação à propaganda veiculada na TV – sobretudo das mães, teoricamente detentoras de uma função de ‘continente’, ‘digestão’ e elaboração das experiências do mundo - estimula os filhos a uma alta predisposição ao consumo”. Por este motivo, o estudo procura investigar a narração de valores que as crianças apresentam na atual perspectiva pós-moderna de relações sociais de consumo. E, para isso, foram selecionadas crianças do sexo feminino de onze anos analisando o estilo de vida delas, a partir da percepção destas meninas sobre a propaganda “Barbie Vida de Sereia”. A escolha da idade foi definida por ser tratar de um período em que as crianças estão em fase de transição para a adolescência 3 . A partir disto, as estratégias são entender o 1
Estudante de graduação do 5º semestre do curso de Comunicação Social – publicidade e propaganda - da Universidade da Amazônia Social, e-mail: camiladeaquino@msn.com 2 Estudante de graduação do 8º semestre do curso de Comunicação Social – jornalismo - da Universidade da Amazônia Social, e-mail: annaelisapedreira@hotmail.com
panorama em que estas meninas estão inseridas e que comportamentos elas manifestam (ou acreditam que devem manifestar) como forma de identificação desta nova fase que estar por vir, ou seja, quais são os referenciais que a sociedade, os pais e a mídia estão transmitindo a esse público. Em relação à sociedade e a família adotou-se a concepção de que: a sociedade está incumbida de respeitar os direitos infanto-juvenis em toda a sua extensão, abstendo-se de praticar atos que os infrinjam e também atuando positivamente para assegurá-los. À família - aqui entendida não apenas o núcleo tradicional, mas também a família mono-parental ou outras formas modernas de organização familiar – cumpre o dever, precipuamente, de prover à criança proteção, apoio e o resguardo de todos os seus direitos (GONÇALVES, 2010, p. 1).
Na discussão desta temática buscar-se-á entender as referências de programas televisivos apontados pelas entrevistadas, e, a partir disso, irá ser considerado o público alvo a quem se destina a programação e, se for necessário, até mesmo o estilo dos personagens, procurando caracterizar as escolhas destas crianças e analisar a influência disto nos seus estilos de vida e nas suas opiniões sobre o produto oferecido no comercial “Barbie Vida de Sereia”. Outro direcionamento será debater sobre as respostas obtidas a respeito do estilo de vida, a fim de identificar de que forma, e por quais motivos, essas crianças estão se relacionando com o consumo. Ao final, será descrita a propaganda, explanando a forma de apresentação ao público que se destina, com o intuito de examinar os estímulos lançados na oferta da boneca e, a partir disto, será classificado quais as relações de identificação (ou não) são conquistadas com estas crianças, ou seja, é neste ponto que culminará a busca do estudo, pois é onde estas meninas vão expor o papel que elas estão desempenhando, ou ainda, a forma como agem ou acreditam que devem agir socialmente. O artigo foi divido em quatro tópicos para discutir os temas abordados na entrevista e nas repostas obtidas e é neste processo que se tornará possível observar como são transmitidos os valores de consumo, quais orientações recebem do meio social em que vivem e, principalmente de seus pais, sobre a sua atual fase da vida, a infância, e sua próxima etapa, a adolescência.
3 Segundo o 2º artigo do Estatuto da criança e do adolescente “considera-se criança, para os efeitos desta lei, a pessoa até doze anos de idade incompletos, e adolescente aquela entre doze e dezoito anos de idade.”
Procedimentos Metodológicos A principal hipótese deste trabalho é de que o poder público, a sociedade e a família, obrigadas a garantir os direitos da criança e do adolescente, conforme previsto no 4º artigo da LEI Nº 8.069/1990 4 do Estatuto da Criança e do Adolescente não cumpre sua função quando o assunto é orientar este público diante de uma cultura de consumo, que é considerada um movimento em expansão promovido principalmente na publicidade, o notável meio de comunicação das massas desta época (JUNIOR; FORTALEZA; MACIEL, 2009). A grande problemática de não orientar a criança para que conheça as consequências do consumo e não apresente um comportamento comum da fase adulta é explicado por Gonçalves (2010) a partir do conceito de que a lógica existente em muitas ações de marketing pressupõe que o valor humano está centrado no simples acúmulo de bens materiais e que o consumo de determinados produtos garante uma inserção social das pessoas. Para a construção da pesquisa, primeiro foi feito o levantamento de livros e artigos com estudo voltado para infância e consumo. Após isto, foram entrevistadas cinco crianças com onze anos de idade, todas de classe média e cursando o ensino fundamental. Realizou-se então perguntas sobre o estilo de vida destas meninas, depois a respeito do comportamento enquanto consumidoras e, por fim, a percepção e desejo delas sobre a boneca Barbie a partir do comercial “Barbie Vida de Sereia”, que foi divulgado, no primeiro semestre de 2010, tanto em canal aberto da televisão brasileira quanto em canais de TV por assinatura direcionados para o público infantil. Nesta última fase, para responder as perguntas, todas as crianças assistiram ao vídeo do comercial e posteriormente responderam as questões sobre se gostariam de adquirir o produto e que tipo valores elas agregam aquele brinquedo. Nos tópicos do estudo, primeiro se discutirá as referências a que essas meninas estão expostas, observando os programas que elas preferem assistir. Em seguida, partir-se-á para as escolhas do estilo de vida, seqüência do estudo do comportamento de consumo, finalizando com o tópico a respeito da propaganda “Barbie Vida de Sereia” As entrevistas foram realizadas de forma individual, por isso, buscou-se primeiramente conversa com os pais, perguntando dados pessoais, assim como horário de
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É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8069.htm. Acesso em, 7 de outubro de 2010.
dormir, estimativa de tempo na frente da televisão, do computador e o tempo destinado a atividades entre pais e filho, além dos locais escolhidos para este tipo de programação. No questionário destinado às crianças, somente uma delas foi realizada com a supervisão da mãe, o que influenciou no comportamento da menina diante das perguntas. Esta interferência acabou mostrando que a relação que a menina havia criado com o produto de análise era ponderada por informações que provavelmente foram adquiridas dentro de casa com os pais. 1. Programas de referência Neste tópico discutiremos a preferência apresentada pelas entrevistadas por alguns programas de televisão, isto facilitará o reflexo a respeito das referências que elas absorvem diante da tela e observar ainda nos tópicos posteriores se estas opções operam dentro do seu comportamento como consumidoras. A primeira entrevistada a ser analisada nesta pesquisa se definiu adepta a grade de programação do canal pago de TV Nickelodeon, que produz seriados e desenhos com uma linha de edição destinada ao público adolescente.
E. N.
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afirma que seus programas
preferidos são “iCarly” e “Drake & Josh”. Nesta primeira série, a personagem principal, Carly, é uma adolescente que mora com seu irmão mais velho e, junto com seus dois amigos Sam e Freddie, produz um web show semanal. Já “Drake & Josh” aborda a vida de dois irmãos que estudam em uma mesma escola, mas possuem personalidades distintas e poucas afinidades de perfil de comportamento. Drake tem o estilo de garoto popular entre os amigos, enquanto Josh é mais tímido. As escolhas de E. N. evidenciam que a formação de sua identidade enquanto criança é deslocada a partir da sua interação com o conteúdo televisivo, pois: a televisão tem sido apontada como a grade protagonista das movimentações em torno da formação social individual e coletiva. Nela observa-se, por exemplo, a redução do distanciamento, já apontada por Postmam (1999), entre a infância e a idade adulta – crianças se vestem como adultos; as brincadeiras se modificam, bem como ocorre a inclusão precoce no mercado de trabalho, entre outros aspectos (SOUSA JUNIOR; FORTALEZA; MACIEL, 2009, p. 25).
Esta proximidade com a temática e o conteúdo adulto foi encontrada, de forma ainda mais prematura, nas escolhas de C. F. por meio de suas prioridades na programação televisiva. A menina revela a preferência por assistir televisão à noite e na companhia da mãe. Durante a semana, às 21h30m, acompanha “CSI” e no sábado, às 17h, assiste “O Melhor do Brasil”, todos os dois exibidos no canal aberto de TV Record. “CSI” é uma série de gênero 5
Para preservar a identidade das entrevistadas, elas sempre serão citadas por suas iniciais.
policial, que mostra a investigação criminal de uma equipe de profissionais que buscam selecionar casos de morte por meio de tecnologia, métodos científicos, pistas, entre outros. “O Melhor do Brasil” é um programa de entretenimento exibido todo sábado à tarde que, segundo a classificação da emissora, é destinado a toda família, mas possui quadros como “Vai Dar Namoro”, em que homens e mulheres vão à busca de um parceiro, evidenciando uma temática precoce para o público infantil. Contudo é importante analisar um aspecto dentro deste comportamento de C. F. na relação com os programas de TV. A mãe, por acompanhar a menina ao assistir um programa de conteúdo adulto e violento, não se preocupa com as consequências destas referências formação social da criança. Isto é uma tendência de realidade nacional, Azambuja (2002) afirma que muitas crianças quando se referem a uma interferência de controle dos pais com o conteúdo dos programas são mais freqüentes em relação a cenas terroríficas e de cunho sexual e menos exigentes quando se trata de violência, brigas, tiros, facadas etc. Nas duas situações, baseada na Classificação Indicativa Brasileira 6 os pais das meninas deveriam entender que as normas regulamentadas nos artigos 74, 75 e 76 do Estatuto da Criança e do Adolescente aconselham que programas não recomendáveis ao público infanto-juvenil não fossem exibidos em horário acessíveis a este. 2. Estilo de vida Nesta temática do estilo de vida das entrevistadas procurar-se-á principalmente conhecer se elas gostavam das atividades extraescolares, apontadas pelos pais na fase de preenchimento de dados e, ainda, um questionamento sobre a utilidade da internet, procurando saber a estimativa de tempo de uso e a função deste meio na vida das crianças. C. F. e S. P. apontam motivos semelhantes para ir às atividades extras. A primeira gosta de ir ao coral da Igreja católica que frequenta porque, desta forma, pode sair de casa e a segunda diz gostar de fazer catequese porque assim pode fazer novas amizades. Ou seja, as meninas se sentem mais estimuladas em ir ao encontro destas atividades por causa da oportunidade de comunicação em outro ambiente. Entre todas as entrevistas, a única que revelou apreço pelo que faz é E. N., pois, além de praticar natação, afirma que gosta muito de esportes e ainda tem vontade de fazer aulas de vôlei. Esta etapa evidencia os valores de comprometimento e as relações de sociabilidade das crianças com as atividades que elas realizam na sociedade em que estão inseridas. Ou seja, observa-se que entre a maior parte das entrevistadas, mais especificamente quatro das 6
Classificação Indicativa: Construindo a cidadania na tela da têve. Brasília: ANDI; Secretaria Nacional da Justiça, 2006.
cinco meninas, as atividades são praticadas apenas como uma forma de preencher o tempo ocioso, as crianças não sentiram vontade em falar muito sobre as coisas que elas desenvolvem ou a importância que esse aprendizado tem para elas. Uma análise possibilitada por meio destas respostas é que estas crianças não demonstram ter recebido um estimulo para a prática consciente das atividades extras. Esta conclusão é presente na finalidade expostas pelas meninas, pois somente o convívio social foi citado pela maioria, somente um exaltou o interesse em executar a ação pela significação que ela lhe representava. Esta tendência de comportamento com o consumo de um serviço é característico da atual sociedade como explica Hall (2003), pois a identidade pós-moderna classificada por não ter uma tendência fixa e permanente é transformada continuamente em relação às formas pelas quais somos representados ou interpelados nos sistemas culturais que nos rodeiam. Há ainda outras respostas nestas tendências para serem consideradas da temática e que estão mais focadas no uso da internet. C. M., por exemplo, diz gostar de jogos em que ela possa maquiar e vestir bonecas, indiciando o quanto a preocupação com produto de cosmética para alterar as características exteriores do ser humano já é presente em sua vida. Para C. F. a utilização da internet, que dura cerca de três horas por dia, é destinada para ver o seu Orkut, MSN 7 e também para visitar o site do cantor Luan Santana, um popular artista entre as adolescentes que canta músicas do estilo sertanejo. Aqui, semelhante à observação apresentada no tópico anterior, é concluído que fica cada vez mais evidente a falta de controle dos pais até mesmo sobre o conteúdo de acesso das filhas no uso da internet, pois é observado que C. F., por exemplo, frequenta sites inadequados para sua idade e já se sente muito proficiente com as temáticas desse universo. Enquanto isto, C. M. também revelar estar desenvolvendo de forma precoce preocupações de caráter estético. 3. Comportamento de consumo Nesta temática procurar-se-á compreender o comportamento das crianças entrevistadas a partir de uma observação por preferências citadas por marca, cor e outras opções citadas nas repostas, para então analisar as condutas de consumo observadas. Neste processo da entrevista a criança S. P., por meio de suas respostas, trouxe à discussão uma percepção muito importante sobre brinquedos e seus gêneros. A maior parte 7
Orkut e MSN são redes sociais da internet. Segundo informações do contrato destas redes é necessário ter mais de 13 anos para abrir uma conta.
dos produtos, quando voltados para crianças do sexo masculino, tem como peça predominante carros e a cor azul, já para meninas são apresentadas mais casas e bonecas e a cor que mais prevalece é rosa. No questionamento de preferências na hora de comprar roupas do estilo de criança ou de adulto, ela revelou considerar roupas de criança do sexo feminino as que possuem cor rosa e desenhos de bonecas, associando feminilidade com cor e figura comumente encontradas em produtos destinados a esse público. Neste quadro apresentado, uma observação existente no atual contexto em que estão inseridos os produtos infantis é que: comerciais para crianças do sexo feminino em geral apresentam cenários de princesas, universo da moda ou ambiente doméstico. Muitas vezes, tais anúncios apresentam também padrões únicos de beleza, sendo comum que as bonecas e as crianças ali em destaque não representem a diversidade étnico-racial brasileira, por exemplo, mas se concentre no modelo ocidental europeu: cabelos loiros, olhos claros, pele clara (GONÇALVES, 2010, p. 3).
As respostas das entrevistadas seguiram apresentando ainda outras complexidades no comportamento de consumo. Quando S. P. e C. M. foram questionadas se tinham preferências por alguma marca específica afirmaram não possuir distinção. Contudo, no seguinte revelaram familiaridade com grifes de roupas destinadas ao público infantil, citando “Lilica Ripilica”, “Vide Bula” e “Black Jeans”. Complementando este ciclo de pesquisa, foi ainda investigado que tipo de papel de consumidor a criança poderia exercer dentro de sua própria casa. Neste momento, descobriuse que somente uma das entrevistadas não ajuda ninguém em casa nas compras de produtos destinados a adultos. Ou seja, as meninas servem como referência de opinião para os pais, e em um caso específico também para a irmã, na compra de produtos que elas nem são os utilizadores, pois nas respostas foram elas deram exemplo de produtos como roupas, sapatos, móveis e presente para outrem. Desta forma, a conclusão presente nas respostas oferecidas pelas crianças é de que a realidade social está instituindo um lugar na economia para o público infantil: na lógica do capitalismo tardio, a ela é oferecido um novo papel, o de consumidor ativo. Seu status agora é de cliente que opina, exige e consome, não necessariamente dependente de um adulto. Assim passa a ocupar a mira das estratégias de fomento o consumo, dentre as quais, a principal é a propaganda (SOUSA JUNIOR; FORTALEZA; MACIEL, 2009).
.Um exemplo desta estratégia de mercado irá ser visível na discussão do tópico a seguir, pois poderá ser observado, a partir da descrição do comercial “Barbie Vida de Sereia”, de que forma o anunciante se faz comunicar com as crianças para vender o produto.
4. A Barbie Os estudos recentes entre infância e publicidade abordam esta relação de forma prejudicial à formação da criança. Gonçalves (2010, p.2) afirma que, “no que concerne à infância, nota-se que a publicidade tem se mostrado um fator propulsor da formação de uma infância extremamente consumista e com valores distorcidos”. Desta forma, surgiram às questões direcionadas as crianças a respeito da relação delas com o produto “Barbie Vida de Sereia”, apresentando-lhes o comercial e buscando entender se havia ou não (e os motivos) o interesse naquele brinquedo. O anúncio inicia com a imagem da boneca Barbie de biquíni rosa surfando em uma praia, a cena seguinte é somente de seu rosto com uma blusa de capuz, quando de repente a narradora anuncia que a boneca surfista tem um segredo que é muito bom, pois ao virar o capuz de sua roupa ela se transforma em sereia. Além disso, é dito que ao pôr o cabelo dela embaixo d’água as madeixas loiras se alteram para rosa, segundo a descrição da narradora, isso se dá de uma forma parecida com mágica, anunciando na sequência que esta é a boneca duas em uma. Ao fim, tudo sempre no ambiente praiano, são apresentadas também as amigas da boneca “Barbie Vida de Sereia”. Estas características do produto foram as principais motivações pelas quais C.M. e S.P., que já são consumidoras da marca e possuem várias bonecas, disseram querer adquiri-la, pois apontaram como as coisas mais atraentes neste comercial o cabelo que muda de cor e o fato de a boneca ser duas em uma. É importante observar que o produto é oferecido diretamente ao público a que se destina e que nele são tornadas públicas apenas as vantagens de se ter uma Barbie, outras informações de aspectos sociais ou financeiros não são oferecidas as crianças que recebem aquele anúncio por meio da televisão em suas casas. Contudo, segundo Karsaklian (2004), observa que para ser um consumidor é preciso ter conhecimento do valor do dinheiro e do preço de um produto, além da necessidade de arbitrar as despesas possíveis de serem realizadas. Considerando que estas meninas estão em fase de desenvolvimento moral, logo também podem se apropriar do momento que lhes é ofertado na exibição do comercial como se o brinquedo fosse uma necessidade de consumo real, conforme afirma Azambuja (2002, p. 128) ao dizer que “a TV aparece, assim, como um importantíssimo celeiro de modelos de identidade, de modelos de composição do ser”.
Um exemplo desta composição do ser como consumidor, no caso desta análise, é a fidelização a uma marca, pois E. N. justifica seu desejo em ter uma “Barbie Vida de Sereia” por fazer coleção da boneca. Em outras perguntas, a criança mostrou ainda conhecer muitas outras peças relacionadas à Barbie, porque declarou que costuma assistir aos filmes e isso a fez ter como grande sonho adquirir a boneca do desenho “Barbie e o Castelo de Diamante”, sua história predileta. Este aspecto evidencia mais uma vez uma ausência de controle no consumo, pois a menina em nenhum momento afirma gostar da boneca como um instrumento de diversão ou para finalidades de brincadeiras. No seu quarto, próximo ao local em que foi realizada a entrevista, podia-se de fato constatar um espaço destinado somente para sua coleção de bonecas. Logo, se a publicidade está oferecendo “modelos de composição do ser”, os pais, por vez, não interferem nestas referencias. Outras respostas obtidas neste processo de pesquisa tiveram características bem peculiares e diferentes das anteriores. De um lado, C. F. afirma não ter mais afinidades com este brinquedo e só ter possuído muitas bonecas até os nove anos de idade. Por outros motivos, A. R., que teve a entrevista supervisionada pela mãe, direcionou o olhar para ela ao responder que não se interessa por este produto, pois acredita que a Barbie tem orientação homossexual. As entrevistas destas duas crianças e o comportamento delas ao longo de todo o processo das perguntas tornam possível conhecer o nível de interferência familiar em suas referências televisivas. C. F., que sempre apresentou um comportamento muito próximo a de um adulto durante a entrevista, embora tenha afirmado ainda se considerar criança, revela por meio de suas respostas que não há um controle e nem uma orientação a respeito de seu comportamento precoce diante da escolha de programas de TV, no uso da internet e até mesmo no desinteresse total pelo universo infantil. Enquanto isto, o controle exercido pela família de A. R. revelou ser muito mais de cunho religioso, visto que a menina só assistia a programação de um canal aberto da TV Record, pois a opção religiosa de sua família é mesma dos dirigentes desta emissora. Não foi constatado que houvesse uma preocupação com conteúdo consumista que possa ser oferecido durante um anúncio.
Conclusão A estrutura desta pesquisa, construída a fim de proporcionar a visão e os valores que as crianças estão apreendendo no seu processo de formação, revelou que orientações e subsídios as crianças apontaram que lhes são oferecidas para o esclarecimento da problemática de consumir demasiadamente na infância. Pode-se observar que a propaganda “Barbie Vida de Sereia” age de forma a anunciar para as crianças que o consumo do produto é indispensável, sem apresentar outras preocupações e ainda induzir ao acúmulo cada vez maior de bens. Dentro da legislação brasileira, não existe uma lei que impeça aos anunciantes de agir desta forma. O Código de Defesa do Consumidor só se refere à infância no artigo 37 da LEI Nº 8.078/1990, no tópico sobre propaganda enganosa ou abusiva. Mas, esta é uma realidade que já vem apresentando mudanças no continente Europeu, pois, de acordo com Frota (2006), pelo menos nove países possuem restrições diretas as propagandas dirigidas a crianças. Além disso, os programas apresentados pelas crianças entrevistadas também não respeitavam a formação de valores na infância, conforme previsto no artigo 17 da Convenção sobre os Direitos da Criança (CLASSIFICAÇÃO INDICATIVA, 2006), pois não garante a promoção do bem-estar social, espiritual e moral e a saúde física e mental da criança e do adolescente. Outra análise possível neste estudo é que os pais das meninas se abstêm da responsabilidade de controlar e orientar a exposição das crianças aos conteúdos televisivos, a prática de atividades extraescolares e ao uso da internet. Este ponto foi ainda reforçado na analise teórica desta pesquisa, pois é observado que a maior parte dos referenciais culpava de forma unívoca os anunciantes, descartando frequentemente a responsabilidade dos pais e a possibilidade de interferência destes no desenvolvimento de uma cultura de consumo. Por fim, o estudo deste artigo suscitou uma nova proposta de pesquisa: a análise do discurso dos pais ou responsáveis a respeito do consumismo infantil. A propósito de investigar suas justificativas para a ausência de controle do tempo de exposição dos filhos diante da TV, do estimulo oferecido à criança para o acumulo de bens etc.
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