Contracapa: Depois de 12 anos de notas excelentes, jantares chiques e atitudes certinhas, Anna Percy está cansada de seu desempenho escolar perfeito e de sua rotina absolutamente maçante. Decidida a mudar seu estilo de vida, Anna vai para Los Angeles, onde no curto período de 24 horas é convidada para um casamento digno da noite do Oscar, dá uma passada numa festa alternativa no estúdio da Warner Brothers e ainda encontra um rapaz que ela seria capaz de amar para sempre. A vida não poderia estar melhor para Anna. Isto é, até Cammie, Dee e Sam entrarem em cena. Elas são da Lista VIP, e ninguém pode tirá-las do centro das atenções. “As garotas vão correr para ler este livro.” School Library Journal “Todas ficarão encantadas pelo mundo de glamour da Lista VIP.” Publishers Weekly “A lista VIP é adorável pelo seu mundo adolescente: cheio de intrigas, desencontros e pessoas bonitas.” www.bookloons.com PRÓLOGO
No momento em que Cynthia Baltres fez xixi numa bolsa Hermes, modelo Grace Kelly,de oito mil dólares, Anna Cabot Percy decidiu que Cynthia seria sua melhor amiga. Isso foi há 13 anos, durante um chá da tarde no hotel St. Regis, em Manhattan. As mães das duas meninas tinham arrastado Anna e Cyn para uma reunião de preparativos para uma festa de caridade. Antes de tornar-se sra. Alfred Baltres III, a mãe de Cynthia tinha sido corretora de imóveis em Long Island. No desespero de se mostrar igual à Jane "Bem nascida" Percy, ela estava com toda a atenção voltada para encontrar alguém que pudesse contribuir e nem notou que a filha se espremia, com as mãos entre as pernas, dando sinal de que precisava ir ao banheiro. Cynthia nunca aceitou ser ignorada. Enquanto Anna olhava sem acreditar, Cynthia voou da cadeira onde estava, se agachou em cima da bolsa da mãe e deixou o xixi sair. A sra. Baltres, tão vermelha quanto o terninho Versace com detalhes de pele que vestia, pegou a bolsa encharcada como se fosse um peixe morto e puxou a filha para o banheiro. Anna, que teria morrido antes de sequer pensar em fazer xixi em público, ficou muito impressionada. O fato de sua própria mãe, usando um Chanel vintage, ter continuado a tomar chá, enquanto o garçom enxugava o chão, não lhe causou surpresa. Aos cinco anos, já tinha aprendido a lição número um do Grande Livro É assim que jazemos, edição especial para os bem-nascidos da costa leste: uma pessoa simplesmente não vê aquilo que não quer. Ali, no célebre salão de chá do St. Regis, a pequena Anna teve uma visão do que seria o seu futuro: cresceria para ser exatamente como sua mãe - perfeitamente requintada ... e
perfeitamente chata. A idéia a deprimiu tanto quanto uma menina de cinco anos, com um patrimônio de oito dígitos, consegue ficar deprimida. A vida deve ser mais divertida se você for chocante e má. E se alguém podia ensiná-la a ser assim, este alguém era Cynthia Baltres. A longo prazo, no entanto, os genes superaram o desejo, ou seja, a amizade se concretizou, mas a maldade, não. Treze anos depois, Anna não tinha feito sequer uma coisa ruim. Suas notas na escola eram excelentes, preferia literatura ao cinema, trabalhava para instituições de caridade, mas raramente falava sobre isso, e saía com bons rapazes de boas famílias. Infelizmente, no entanto, os bons rapazes de boas famílias tinham, até agora, provocado tanto entusiasmo em Anna quanto o marido de Lady Chatterley. Mas a esperança ("aquela coisa com plumas", como definiu com tanta eloqüência sua poeta preferida, Emily Dickinson) ainda estava pousada em sua alma, cantando no coração de Anna que algum dia o rapaz errado a faria gritar "Não pare!!!", e não seria fingimento. Ironicamente, Anna achava que já conhecia o rapaz: Scott Rowley. Ele se mudara de Boston para Nova York quando tinha 15 anos, depois do divórcio dos pais. O pai ficou com a casa paroquial de Beacon Hill, a coleção de arte e a suposta amante casadoura. A mãe ficou com a casa de fachada de pedra em Nova York, a casa de verão em Block Island e Scott. Anna se apaixonou por Scott desde o primeiro momento em que o viu encostado numa árvore em frente à Trinity, a escola dela, lendo A cebola e rindo alto. Mas logo ficou claro que a beleza alta, nobre e loura de Anna não tinha sido registrada no osciloscópio sexual de Scott. Ele gostava do exótico: uma estudante de arte, brasileira, com dread no cabelo; a filha do embaixador da Indonésia nas Nações Unidas, com o cabelo tão comprido que ia até abaixo da bunda; uma belíssima menina etíope, com quase um metro e oitenta de altura e a cabeça raspada. A única coisa que servia de consolo para este amor não-correspondido era o fato de Scott nunca ter se ligado a ninguém nascido acima da linha do equador. Isto até três semanas atrás, quando ele resolveu se interessar por sua melhor amiga, Cyn. Apesar de não ter uma beleza tradicional, havia alguma coisa em Cyn. Homens de todas as idades corriam atrás dela. A boca era fina e o nariz tinha um pequeno calombo, que ela se recusava a "consertar", já que, segundo ela, não estava "quebrado". O cabelo era naturalmente castanho-escuro, mas ela pintava de preto, pretíssimo, e penteava de um jeito ondulado, sexy e desarrumado, que destacava seus surpreendentes olhos verdeclaros. As roupas caíam perfeitamente no seu corpo magro e esguio. Ela podia fazer gêneros que deixariam outras meninas ridículas. (Anna sabia que Cynthia tinha, na verdade, lançado a moda de usar shorts masculinos de boxe quando, no aniversário de Paris Hilton, apareceu usando um, com uma camiseta de um clube de rock underground e botas vermelhas de vaqueiro. Na tarde do dia seguinte, era quase impossível comprar um daqueles shorts em toda a ilha de Manhattan.) Além disso, Cynthia topava todas. De uma hora para outra, ela podia embarcar para Bora -Bora no jatinho particular de algum cara. Uma vez foi à ópera com os pais e passou todo o segundo ato de La Boheme aos beijos e abraços numa limusine com um coroa que ela conheceu no saguão. E nunca soube o nome dele. Outra vez, foi a uma festa no SoHo, onde fingiu que era francesa e acabou indo para casa com um pintor meio famoso que, depois de pintar um nu dela, ameaçou se matar se ela não dormisse com ele. Ela não
dormiu, ele não se matou, mas mesmo assim ... Anna adorava ouvir as façanhas de Cyn. Era um jeito indireto de viver emoções sem . . precisar correr riscos. Do ponto de vista de Anna, Cyn era realmente O Máximo. Mas mesmo depois da nova tatuagem de rosa entre o umbigo e as portas do paraíso, Anna estava certa de que Cyn ainda não era exótica o suficiente para Scott. Estava errada. Tentou contar a Cyn que amava Scott milhares de vezes. Mas já que sabia que Scott nunca corresponderia a seu amor, se falasse disso poderia parecer uma boba. E Anna Percy não era uma menina boba. Agora era tarde demais. Além disso, as coisas estavam indo tão bem ... Anna foi aceita antecipadamente pela Universidade de Yale. Seu estágio na nova revista literária, durante a primavera, ia permitir que terminasse seus créditos sem precisar mais ir à aula. Então, no dia seguinte ao bombástico surgimento de Cyn-e-Scott juntos, Anna foi convidada pela sua irmã Susan, de 19 anos, para ir a uma festa, num 10ft no SoHo. Susan, que tinha acabado de brigar com o namorado atual, odiava ir à festas sozinha. Ela tinha implorado. Meio contra a vontade, Anna concordou. Na festa, se surpreendeu ao notar que estava realmente gostando de estar ali, conversando na cozinha com um fotógrafo da revista Time Out: New York, quando percebeu que não via Susan há algum tempo. Pediu licença para procurar a irmã e a encontrou desmaiada numa banheira quente no terraço, nua, só com umas penas, criadas pelo estilista Randolph Duke, que boiavam em torno dela como uma espuma peluda numa poça. Anna fez respiração boca-a-boca em Susan, chamou a emergência e salvou a vida da irmã. Mas Susan não gostou dos métodos de Anna ("Você não podia ter feito um drama maior, Anna?"). Nem Jane Percy gostou. Ela mandou Susan de volta para um tratamento de reabilitação pela segunda vez em um ano e embarcou para a Itália para visitar um escultor de 28 anos de quem estava comprando alguns trabalhos. Explicou a Anna que permanecer em Nova York seria muito doloroso. Além disso, tinha certeza de que Anna poderia se virar por algumas semanas, com duas empregadas fixas e quatro diaristas para atendê-la. Anna poderia ter feito isso - ficado sozinha em Manhattan. Mas ficou sabendo que não haveria mais estágio nesta primavera. A revista literária tinha estourado o capital inicial e faliu depois do segundo exemplar. Jane sugeriu que Anna ligasse para o pai em Los Angeles e dissesse que ela estava indo para a Europa e que ele poderia viajar para o leste. Ela tinha certeza de que Susan gostaria e receber a visita do pai na clínica, especialmente porque os problemas de Susan eram o resultado óbvio do suposto abandono paterno de muitos anos. Anna concordou em perguntar, apesar de achar que era tão provável ele aceitar quanto o McDonald' s servir foie gras. Sabia que o pai não viria. Sabia que a mãe sabia disso também, mas concordou em ligar porque era a coisa certa a fazer. Quando a conversa se mostrou sem resultados ("Eu adoraria ir, Anna, querida, mas estou atolado de trabalho" - exatamente como ela sabia que ele ia dizer), sem pensar, falou da idéia de ir morar com ele em Los Angeles. Para sua surpresa, o pai ficou entusiasmado. Ele prometeu até conseguir um estágio no escritório de uma agência literária de Los Angeles conhecida por seus escritores premiados. Quando, no meio da conversa, uma chamada em espera a interrompeu. Era Cyn querendo presentear Anna com uma história sobre a técnica de beijo na boca de Scott. Anna teve
uma revelação divina: talvez Scott achasse que Cyn era sexy e ela não, simplesmente porque ela não se achava sexy. Certamente o motivo pelo qual ela não tinha aventuras loucas e selvagens como Cyn era porque nunca tinha se aberto para elas. A verdade horrível era que, mal chegando aos 18 anos, Anna ainda tinha que se revelar. Tinha passado a vida inteira dentro dos mesmos limites seguros e reservados, como todas as outras patricinhas bem-nascidas do Upper East Side. Por mais que tenha lutado contra isso. A vida de Anna não começou a escorregar para a banalidade no dia em que Cyn e Scott tornaram-se Cyn-e-Scott; já estava descendo a ladeira há muito tempo. A sua vida era chata e previsível, e a culpa era dela mesma. Alguma coisa tinha que ser feita com relação a isso. E era ela quem tinha que fazer. Podia mudar. Iria mudar. Mas não enquanto estivesse se escondendo na sombra poderosa de Cynthia Baltres. Era hora de Anna Percy carpe diem, como diria sua professora de latim. Aproveitar o dia. UM 7H14 NA COSTA LESTE - Se é para ficar engarrafado, melhor que seja num Mercedes - disse Cyn para Anna, e tomou mais um longo gole da garrafa quase vazia do champanhe Krug CIos du Mesnil que tinha roubado da adega dos pais. O motorista da família Percy, Reginald, avançava devagar na via expressa Van Wyck, fingindo que não havia duas meninas menores de idade bebendo no banco de trás. - Vai nessa. Ainda estamos a mais de um quilômetro do aeroporto JFK - disse Cyn, oferecendo a garrafa para Anna. - Não, obrigada - recusou Anna, sacudindo a cabeça. Sua língua estava pastosa e os lábios colando nos dentes. - Acho que já bebi demais. - Ah, qual é? É véspera de Ano-Novo. - Na verdade, estamos na manhã da véspera de Ano- Novo - corrigiu Anna, satisfeita por conseguir ser tão precisa nas condições em que estava. - Abaixo o velho, viva o novo, hein? - Cyn jogou a cabeça para trás no encosto de couro ,bege. - Tem idéia de como a vida vai ser um saco sem você? - Tenho certeza que Scott vai ajudar você a ferrar com o seu tempo - disse Anna batendo na boca com uma das mãos. - Eu quis dizer "passar". Passar o tempo. - Falando de ... hoje é a noite. Scott Spencer vai aonde nenhum homem jamais foi - disse Cyn. Havia ;um ar de vitória no seu tom de voz. Anna era uma amiga muito legal para dizer que na verdade dois outros caras já tinham ido lá antes, porque sabia que Cyn estava de porre nas duas outras ocasiões e decidiu que eles não contavam. - Fico feliz por você - disse, tentando parecer verdadeira, mas sem conseguir. _ Odeio estar envolvida com ele. É mais fácil quando a gente não está nem aí. Anna riu. - Eles vão colar a sua bunda no museu um dia desses - disse Cyn. - Anna Percy, a virgem viva mais velha do mundo. De qualquer modo, pós-Scott, telefono e conto com todos os detalhes.
Apesar da possibilidade de aprender uma coisa ou outra com os detalhes de Cyn/Scott, Anna optou por evitar a angústia. - Não precisa. - Claro que precisa. Se eu não contar, não vai parecer real. E logo vou pegar um avião para visitar você. - É bom ir mesmo. - Anna começou a juntar as coisas enquanto Reginald diminuía a velocidade perto do terminal da American Airlines. - Ah, vamos lá, mude de idéia - implorou Cyn. - Se você acha que vai ficar sozinha naquela casa de pedra imensa e sem ninguém, pode vir morar na nossa enorme cobertura. Lá tem muito espaço. Uma das nossas empregadas foi deportada. Por um instante, Anna ficou tentada. Talvez estivesse cometendo um erro. Então veio a imagem mental de Cyn aos beijos e abraços com Scott na entrada da Trinity ou Cyn dançando no bar do Hogs & Heifers (identidades falsas nunca foram tão úteis) enquanto todos os caras babavam por ela. Esta era a vida de Cyn em Nova York. Não a de Anna. Não. Ia mesmo. Reginald encostou o Mercedes preto no meio-fio, saiu do carro e abriu a porta para as meninas. Elas ficaram de pé no meio da calçada, atrapalhando a passagem dos viajantes apressados. Cyn deu um abraço apertado em Anna. - Não deixe nenhum idiota fazer você sofrer lá. - Não vou deixar - prometeu Anna. Seu coração já estava partido. E planejou deixar aquele coração partido para trás. Anna sentou na primeira classe e ficou olhando pela janela sem ver nada, perdida em pensamentos. Certamente deveria haver um outro rapaz neste planeta além de Scott Spencer que a fizesse se sentir como se estivesse fazendo bungee- jump. Mas era mais do que isso. Era o senso de humor dele, a cabeça e... "Pare com isso", ordenou a seu cérebro. "Scott Spencer é apenas um cara. Você não é uma personagem de um romance de Jane Austen. Você é personagem da sua própria vida, que daqui para a frente será..." - Esse deve ser meu dia de sorte. Anna viu uma cara de lua, sob um boné de beisebol do Funk Daddy, sorrindo para ela. Sorriu educadamente. O cara, que devia ter uns trinta e poucos anos pelo menos, colocou a maleta no compartimento acima das poltronas e depois escorregou o traseiro no assento ao lado do dela. - Rick Resnick. E você é...? - disse ele, estendendo sua mão gorducha. - Anais Nin - disse Anna docemente, dando o nome de uma de suas escritoras favoritas, já morta. - Annie, é um prazer. Anna balançou a cabeça e virou para a janela. Sentiu uma mão no ombro. - Vou dizer uma coisa, Annie, vou pedir umas bebidas para nós e assim nos conhecemos melhor. Senhorita! Anna estava horrorizada. Rick Resnick não era apenas culturalmente analfabeto, era também tão distraído que não tinha notado sua falta de interesse. Enquanto o DC-10 se preparava para decolar, ele desatou a contar, sem ser solicitado, a história de sua vida, a ascensão de um garoto do Brooklyn que tinha uma banda de garagem e quando cresceu fez fortuna no mundo dos negócios da música. Para dar maior destaque a um ponto,
segurava na mão ou na perna de Anna. Grudada no assento junto à janela, Anna estava presa como se estivesse numa cadeira de dentista. Como a primeira classe estava lotadae Rick Resnick, que ela já tinha secretamente apelidado de O Companheiro de Viagem Infernal, não tinha vindo com gás hilariante, então ela resolveu que vodca com água tônica daria conta do recado. Anna tomou a metade do segundo drinque quando o avião sobrevoava New Jersey e Rick continuava a falar. Talvez fosse o primeiro teste oficial da sua nova vida. Se mandasse Rick cair fora, que era exatamente o que Cyn faria, estaria provando a si mesma que as coisas iam ser diferentes. Anna tinha uma imagem mental da expressão "caia fora". Mas as palavras não saíam de sua boca. Ela era absolutamente incapaz de dizer uma coisa tão rude. Tudo bem, então este não era um teste oficial, era apenas algo que devia superar até começar a nova vida. Anna decidiu contar com a vodca. Se ficasse suficientemente embriagada, talvez conseguisse se desligar dele. Rick Resnick tocou na mão de Anna de novo. - Então, sabe, estou no telefone com o Michael, isso foi há alguns anos, e o maluco do chimpanzé dele começa a gritar no fundo ... Anna olhou em volta. Qualquer coisa era melhor do que o contato visual com Rick Resnick. Na diagonal, do outro lado do corredor, um rapaz se levantou para tirar o suéter, revelando um corpo sarado sob a camisa da Universidade de Princeton. Com mais ou menos um metro e oitenta de altura, cabelos castanhos curtos e olhos azuis brilhantes, ele se movia com a leveza de um atleta. Entre o champanhe na limusine e a vodca com tônica no avião, Anna estava alta o suficiente para ver dois dele. Fechou um dos olhos para enxergar melhor. O Rapaz de Princeton achou que ela tinha piscado o olho. Piscou de volta. Anna sorriu, flertando, esperava ela. - Quer outra dose? - perguntou Rick Resnick com a mão no seu joelho. Anna fuzilou seus dedos com o olhar. - Por favor, não faça isso. Ele deu um apertãozinho no joelho dela antes de tirar a mão. - Estava apenas sendo simpático, Annie-bo-binha. Annie-bo-binha? Que metido. Ela levantou os olhos de novo, mais do que pronta para continuar seu flerte com o rapaz do outro lado do corredor, mas ele tinha se sentado e pegado um livro. Pronto, lá se foram as chances de ser salva pelo Princeton Encantado. Novos drinques apareceram, apesar de Anna os ter educadamente recusado. Rick começou uma história interminável sobre festas com várias estrelas do rock, citando nomes famosos sem a menor cerimônia. A aeromoça ofereceu o café da manhã. Mas Anna nunca comia durante os vôos. Não seriam as toalhas quentes nem os assentos confortáveis que fariam a refeição comestível. Ela estava conseguindo se desligar quando sentiu a mão de Rick apertar a dela. - Annie-bo-binha, você é uma ótima ouvinte. Quando puxou a mão, viu de rabo de olho o Rapaz de Princeton indo para o banheiro. Sem dúvida ele tinha visto sua mão sob a de Rick. Que ótimo. Tomou de uma vez só o resto de seu terceiro drinque. - Puxa, você entorna legal. Quem diria? - disse Rick impressionado. - Paige?
Anna levantou os olhos. O Rapaz de Princeton sorria para ela de um jeito esperançoso. Parecia que um sonho estava se realizando. Para alguma menina chamada Paige. - Desculpe, meu nome não é... - Sou Jack! - disse o Rapaz de Princeton. - Nos encontramos em... Ah, vamos lá. Você deve se lembrar. Paige. - Meu irmão, o nome dela é Annie - interrompeu o sempre prestativo Rick. Mentira. Mas também não era Paige. Quem quer que fosse esta sortuda. - Sinto muito. Acho que realmente você está me confundindo com alguém - disse Anna, sacudindo a cabeça. - Sei que é você. Quando foi mesmo, outubro passado? Em Lambda Chio Aquele cara completamente bêbado imprensou você, e você foi educada demais para dar um fora nele - prosseguiu RP. Anna ia negar quando entendeu o que estava acontecendo. Se não fosse pela estupidez induzida pelo álcool, já teria percebido antes. RP, na verdade, nunca a tinha visto. Inventou essa história para tentar tirá-la de perto daquele "cara completamente bêbado" que a estava imprensando naquele momento. - Ah, é isso mesmo. Claro!!!! Jack... Kerouac! - exclamou Anna, dando um tapinha na própria testa, como se quisesse dizer: como é que pude esquecer? Deu a ele o nome de um famoso escritor dos anos 50 e percebeu, pelo largo sorriso, que ele havia entendido a piada. - Sou eu mesmo - concordou RP. - Você está ótima, Paige. Como vão as coisas? - Ei, vamos voltar esse filme - interrompeu RR. - Ela me disse que se chamava Annie. Os olhos de Anna permaneceram em RP. - Na verdade, eu lhe disse que meu nome era Anaïs Nin. - Anaïs. Eu gosto - disse RP. RR percebeu a derrota. - Qual é? Sou o bobo da história? Cara, você nunca viu esta garota na sua vida. E estamos no meio de uma conversa particular aqui. RP se abaixou para ficar na mesma altura dos olhos de RR. - Não se ofenda, cara, mas ela não quer nenhum tipo de conversa com você. Agora fique frio e troque de poltrona comigo, ou vou ter que contar que você está levando maconha. - Vá se ferrar, cara! Não tenho ... Anna sorriu educadamente. - Então por que me ofereceu algum ... como é mesmo que disse? .. "bagulho de primeira"? - indagou ela, mal acreditando na sua própria audácia. É isso aí! Ponto para Anna! RP apontou para a poltrona vazia do outro lado do corredor. - Tem seu nome nela. - RR xingou baixinho, mas foi embora. RP escorregou para perto de Anna. Uma covinha apareceu na sua bochecha esquerda. - Tenho uma confissão a fazer. Não sou Jack Kerouac, na verdade. - Tudo bem. Também não sou Anais Nin. Não que isso faça alguma diferença para o meu ex-companheiro de poltrona - disse Anna, fazendo um gesto na direção de RR, que ia cambaleando para o assento. - Imagino que ele não se ligue em surrealismo erótico francês. RP estava muito impressionado. - Mas você se liga. Não parece este tipo de garota.
- Que tipo de garota pareço? Ele avaliou por um instante. - Uma vestibulanda fria o bastante para dirigir de pernas cruzadas. - Vou lhe ensinar a não avaliar um livro pela capa, Jack. - Na verdade, meu nome é Ben - corrigiu ele, estendendo a mão. - Ben Birnbaum. Ela apertou a mão dele. - Anna Percy. - Ele tinha mãos grandes. Ela não largou. Foi quando Anna teve sua visão divina: estava acontecendo. Realmente estava acontecendo. Treze anos de Cynticismo não foram em vão, no fim das contas. Tudo bem, a parte espirituosa foi turbinada pela quantidade de álcool maior do que jamais havia tomado na vida, mas mesmo assim ... estava flertando com Ben Birnbaum. - Foi muito gentil ter vindo me salvar, Ben Birnbaum. - Dava para perceber seu desejo de morrer de lá do outro lado do corredor. O que eu podia fazer? - Tão palpável assim? Ben chegou mais perto dela. - Estou cumprimentando uma menina bonita, misteriosa e culta que acaba de usar a palavra palpável. - Isso é incomum? - Muito! Além disso, você não disse "tipo" no meio da sua, tipo, frase. - E isso também é, tipo, incomum? - Claro. Beleza e cérebro. Quente como o inferno. Naquele instante, pela primeira vez na vida, Anna sentiu-se quente. E gostou. Muito. - Quer ouvir mais? Ele topou. Ela chegou mais perto. - Verossimilitude. Diáfano. Transcendente. Ele olhava para sua boca. - Quem é você? - Isso importa? - Ela lhe passou a vodca com tônica. Ele tomou um gole e devolveu. - Importa. Muito. Anna derreteu -se na poltrona. Ele era um calouro na Universidade de Princeton, voltando para casa para um casamento. Ela contou que morava em Manhattan, mas que ia ficar em Los Angeles com o pai por uns tempos, fazendo um estágio de seis meses na Agência Literária Randall Prescott; depois ia para a Universidade de Yale no outono. A aeromoça anunciou algum filme de segunda, e as pessoas começaram a fechar as cortinas das janelas. Eles continuaram conversando durante a maior parte do filme, mas tudo o que Anna conseguia pensar era o quanto queria tirar a roupa. - Quero ficar sozinho com você - disse Ben, tirando o cabelo dela do rosto. De repente ele se levantou e ficou de pé no corredor. Seus olhos foram de Anna para o banheiro. Em outras palavras, siga-me. "Este", pensou Anna, "este é o verdadeiro teste oficial da minha nova vida". Ela o seguiu. A porta se fechou atrás de Anna, e Ben a pôs em cima da pia. Eles se beijaram até que Anna perdeu o fôlego e então, quando começou a esquecer de si mesma ...
Toc-toc-toc, acompanhado por uma voz muito alta e muito irritada. "AQUI FALA A AEROMOÇA. É CONTRA AS LEIS FEDERAIS QUE O LAVATORIO SEJA OCUPADO POR MAIS DE UMA PESSOA AO MESMO TEMPO. ABRAM A PORTA IMEDIATAMENTE." Anna pulou da pia ajeitando os cabelos e esticando a roupa. Antes que pudesse alcançar a maçaneta, a aeromoça abriu a porta com alguma ferramenta supersecreta. De sombra azul-turquesa e cabelo de capacete, ela parecia a sra. Corrigan, Logo que Ben e Anna pisaram no corredor, o filme acabou. A sra. Corrigan olhou para eles de cara feia, mas logo virou para o outro lado. Seu silêncio destacava seu desdém. Todo mundo na primeira classe os observava. Rick, sorrindo presunçosamente, estava de pé ao lado de duas aeromoças e de um co-piloto muito pálido. O co-piloto apertou a mão de Rick. - Obrigado por ter nos relatado isso, senhor. - E, virando-se para Ben e Anna, disse: - De volta para seus lugares. Já. Anna queria que um buraco se abrisse no chão para que pudesse entrar e sair flutuando. Não teve tanta sorte. Seu rosto ardia quando se sentaram novamente. Mal podia olhar para Ben. - Ei, não se preocupe com isso - disse Ben segurando seu queixo gentilmente e fazendo-a olhar para ele. – Encare da seguinte maneira. Nós acrescentamos emoção a um vôo doméstico. Tenho certeza de que fomos mais divertidos do que aquele filme de merda. - Eu preferia não ser o divertimento deles. Meu Deus! Talvez eu possa contratar alguém para me hipnotizar e apagar tudo isso da minha memória. - Você, Anna Percy, é a menina mais diferente que já conheci - disse Ben, rindo. Desde que eles se conheceram, ela ficou diferente de qualquer menina que ela jamais pensou ser também. Mas ele não tinha como saber disso. Ben olhou nos olhos dela. - Não quero me despedir quando aterrissarmos. "Nem eu..." - Vou lhe dar o número do meu celular – ofereceu Anna, com a voz mais animada que pôde fazer. Anotou num guardanapo de papel que achou dentro da bolsa. - Acabei de ter uma idéia louca - disse Ben enquanto enfiava o guardanapo no bolso. Por que não vem ao casamento comigo? - Você não está falando sério - disse Anna, rindo. - Vamosl É o casamento de Jackson Sharpe. Vai ser bárbaro! - Ninguém convida uma pessoa que acabou de conhecer para um ... - Anna parou e voltou a fita dentro da sua cabeça. - Peraí. Você disse Jackson Sharpe? O astro de cinema Jackson Sharpe? Ele é um dos poucos atores que eu realmente respeito. - Vou dizer isso a ele. Ou você pode vir comigo e falar você mesma. Nos 17 anos e 8 meses de vida de Anna neste planeta, ela já tinha feito coisas que muitas meninas apenas sonham em fazer. Conversado com a realeza em Wimbledon. Sentado ao lado de Christina Onassis numa festa para arrecadar fundos para o museu Whitney. Encontrado com a filha do presidente num simpósio sobre alunos do colegial e geopolítica. Mas tudo isso não era nada comparado à possibilidade de ir ao casamento de Jackson Sharpe de braço dado com Bem Birnbaum, como a nova Anna Percy. Então ela disse sim.
DOIS 11 H47 NA COSTA OESTE - Tem certeza que não quer uma carona? - perguntou Bem de novo, enquanto pegava a última mala Louis Vuitton de Anna na esteira. - Eu ia mesmo pegar um táxi. - Meu pai disse que vinha, tenho certeza de que ele deve estar chegando. - Anna estava se sentindo meio confusa. Tinha tomado duas xícaras de café antes do pouso. Agora, de volta à terra firme e à beira da sobriedade, o que tinha acontecido no avião com Ben parecia, mais ainda, uma experiência extracorpórea. Só que essa lembrança a fazia reviver um momento em que seu corpo era algo bem real. - Bom, não saio daqui enquanto não estiver certo que ele, realmente ... - disse Ben, colocando sua sacola de couro Lambertson Truex no ombro, - Com licença, srta. Percy? Anna virou-se e viu um rapaz desengonçado de cabelo descolorido com um dedo de raiz escura, vestido com um terno preto mal cortado e uma camisa branca toda amassada. Ele tinha anéis de prata em quase todos os dedos, inclusive no polegar esquerdo. — Sim, sou Anna. — Olá. Sou Django Simms, assessor do seu pai — disse, com um sotaque meloso e arrastado do sul, estendendo a mão para um cumprimento. — Pode me chamar de Django. Seu pai me mostrou sua foto, por isso a reconheci. Desculpe o atraso. O trânsito estava o cão. — Sem problemas — assegurou Anna e, na mesma hora, apresentou Ben. — Seu pai não me falou que você vinha com um namorado — disse Django, enquanto acenava para um carregador levar as malas de Anna. — Não, Ben não é... quer dizer — gaguejou Anna. — Acabamos de nos conhecer. — Sorte a dele — disse Django dando uma olhada em Ben. — Onde está o meu pai? — Ele me disse para explicar para você que teve um compromisso inadiável e que sentia muito. — Sei. — Anna sentiu os ombros se enrijecerem. Seu pai tinha prometido estar no aeroporto. O que significava que os velhos hábitos estavam de volta: quebrava promessas com a mesma facilidade que as fazia. — Vou pedir a um carregador para levar sua bagagem para o carro, depois venho buscar você — disse Django. — Tudo bem? — Ótimo — respondeu Anna. — Obrigada. — Sem problemas. — Django fez uma espécie de continência na direção de Ben e saiu com o carregador. Ben franziu a testa. — Esse cara é esquisito. Uau, será que Ben estava com ciúme de Django ou algo parecido? Anna sabia que este era um pensamento infantil, mas queria que fosse verdade. — Bom... foi uma viagem bem fora do comum. — Inesquecível. Então eu pego você às cinco? — Estou ansiosa por isso. — Eu também, — Deu um beijinho na boca de Anna e os dois seguiram em direções
diferentes. Anna se virou para olhar para ele, caminhando poeticamente com uma jaqueta militar de couro, já gasta. Logo que saiu, o sol forte quase a cegou. Procurou por seus óculos escuros Dakota Smith. Num certo sentido, parecia estranho, já que era o último dia de dezembro. Começou a suar e notou que a temperatura estava perto dos trinta graus. Um pouco mais à frente, Django pulou de dentro de um BMW, acenando. Apressou o passo enquanto ele segurava a porta de trás aberta para ela. — Desculpe a pressa, mas eles não gostam que os carros fiquem parados aqui por mais de 15 segundos. — Ele deslizou para o lugar do motorista e moveu o carro na direção do tráfego pesado do aeroporto. — Seu pai estava mesmo muito chateado por não poder vir buscar você. — Compreendo — disse Anna, apesar de não compreender. Ela não via o pai há mais de um ano. E apesar de saber como era ocupado na sua empresa de investimentos, estava magoada por ele não ter tirado uma hora para encontrá-la no aeroporto. — Então o plano é deixar as suas malas em casa e depois você se encontrar com ele no restaurante Paraíso — continuou Django. — Em Beverly Hills. Para comemorar sua chegada. Anna nunca tinha ouvido falar no Paraíso. Num sentido amplo — paraíso, inferno, e tudo isso —, ela ainda não tinha certeza se acreditava que existissem ou não. Mas, se existissem, tinha certeza de que não ficavam em Beverly Hills. Bem, pelo menos não iam almoçar no Spago (que era um lugar pós-moderno) ou no Buffalo Club, em Santa Monica (recentemente citado no New York Times como o lugar mais moderno entre os mais na moda, significando que estava a meio caminho para se tornar um pós-moderno), ou em algum modernoso restaurante de sushi, carésimo (nunca conseguiu se habituar a comer aquelas coisas). Francamente, Anna preferia um café desconhecido ou, melhor ainda, um queijo-quente, em casa, depois de chutar os sapatos para os lados, tirar um cochilo e tomar um longo banho de espuma antes de se encontrar com Ben. — Então, por quanto tempo ficará por aqui? — perguntou Django entrando na via expressa. Evidentemente seu pai tinha se esquecido de dizer ao assessor que ela estava vindo para morar. — Não sei ainda — respondeu Anna. — Poderíamos combinar algum passeio turístico pela cidade. — Não será necessário, obrigada. — Bom, se mudar de idéia... Anna balançou a cabeça. Era estranho estar sozinha no banco de trás enquanto um cara bonito que não parecia ser muito mais velho do que ela dirigia, sozinho no banco da frente. Durante anos, a idade média dos motoristas de sua mãe ficava em torno dos cinqüenta. Não que Jane Cabot Percy fosse, algum dia, contratar um motorista com cabelo louro espigado, não importa que idade ele tivesse. — Música? — perguntou Django. — Claro, ótimo. — Esperava que ele colocasse alguma música bate-estaca. Em vez disso, o som tranqüilo de um pianista fazendo um solo de jazz tomou conta do BMW. Anna recostou-se no banco de couro. Enquanto olhava para as palmeiras, o céu sem nuvens e o brilho do sol, deixou-se levar pela música. — Madame? Srta. Percy? Anna? Os olhos embaçados de Anna se abriram. Django tinha se virado para chamá-la, com
gentileza. O carro estava parado. Ela estava completamente desorientada. — O quê? — resmungou. — Desculpe-me por acordá-la. Mas chegamos. Estavam parados na entrada da garagem da casa do pai dela, na esquina da avenida Elevado com a rua North Foothill. Suas malas já estavam em frente às portas brancas duplas. — Acho que cochilei — disse Anna bocejando. — Quer entrar e se refrescar antes de encontrar com seu pai? Eu deveria ter deixado você no Paraíso há dez minutos. -— Estou bem — assegurou Anna, saindo do carro e se espreguiçando. — Se você tem certeza... — Vou ficar bem. Depois de uma xícara de café. — Bem, vou pedir à Mina para guardar as suas coisas. Tudo bem? — Mina? — Uma das empregadas. — Ah, claro. Tudo bem — concordou Anna. — Obrigada. A casa elegante, construída pelos avós de Anna na década de 50, era exatamente como ela se lembrava desde a última visita. Paredes brancas com venezianas vermelhas, sob a sombra de uma palmeira gigante e eucaliptos. Flores carmim, rosa, roxas e lilases margeavam o caminho até a porta da frente. A propriedade era contornada por arbustos tão altos e espessos que formavam uma cerca viva. Há dois anos, lembrava Anna, seus avós tinham resolvido ir morar na residência de golfe em Palm Spríngs. Foi então que seu pai se mudou do condomínio classe alta da avenida Wilshire para a residência da família. Enquanto Django desaparecia dentro da casa com sua bagagem, Anna escovou os cabelos e pôs uma pastilha de menta na boca. Estava retocando o brilho nos lábios quando Django voltou depressa para o carro, Anna deu uma boa olhada nele. Tinha olhos profundos, maçãs do rosto desenhadas e um andar despreocupado de quem sabe que é sexy. Deu até um jeito de fazer com que aquele uniforme barato de motorista parecesse casual e moderno. Django sentou-se de volta no banco do motorista. — Pronta para o rock and roll? — Espere aí. — Anna saiu do carro, abriu a porta do passageiro e sentou-se ao lado de Django. — Melhor assim. Ele olhou para ela como se não estivesse entendendo. — Está dando confiança para um empregado? — Estava me sentindo ridícula sentada lá atrás sozinha. A menos que você se importe... — Madame, qualquer homem que se incomode em ter uma linda garota como você sentada ao seu lado é dez vezes cego, surdo e mudo — disse ele saindo com o BMW. — Você tem que parar de me chamar de madame — insistiu Anna. — Me faz ficar procurando pela minha mãe. — Desculpe. Lá de onde eu venho, as mulheres gostam. — E onde é? — Boonietown, Mississippi, você já deve ter ouvido falar, não é? Anna fez uma pausa e explodiu numa gargalhada. Django acabou rindo também. — Sério, onde?
— Isso faz muito tempo, muito longe daqui — disse Django. Uma loura num Viper conversível vermelho buzinava impacientemente atrás deles com sua mão livre, a que não estava segurando o celular, e depois ultrapassou em disparada. Ele balançou a cabeça. — Todo mundo nesta cidade quer tudo para ontem. Enquanto acelerava pela avenida Santa Monica, tirou o CD do som do carro e entregou-o para Anna. — Um presente. Meu demo. Anna ficou surpresa. — Era você ao piano? — Era. — Estava maravilhoso. Você veio para cá tentar um contrato com uma gravadora? — Você acha que sou igual a todo mundo aqui? — perguntou Django com um ar de sarcasmo. — Perseguindo um sonho bobo? — Não entendo por que alguém que toca piano assim é assessor do meu pai — disse Anna, balançando a cabeça. Django não deu explicação e Anna encerrou o assunto. Dez minutos depois, ele encostou o carro na porta do Paraíso, um restaurante supostamente tão elegante que não tem o nome na porta. Você tem que conhecer. Um manobrista abriu a porta para Anna. — Quer que eu espere? — perguntou Django. — Não, está bem, — Bem, então, divirta-se. Tente, pelo menos. Espere um instante. — Django tirou um pequeno cartão do bolso e deu para Anna. — No caso de você precisar de mim. Para dar uma volta. Ou qualquer coisa. O "qualquer coisa" dele tinha um tom interessante. No passado, ela o teria dispensado como "o motorista", sem levar em conta que era bonito. Anna decidiu que esta era uma atitude que, definitivamente, precisava de um ajuste. Deu a ele o que esperava parecer um sorriso de admiração. — Obrigada. Obrigada pelo CD também. Guardou o cartão na carteira e entrou no restaurante. TRÊS 12H43 NA COSTA OESTE A primeira coisa que Anna notou no Paraíso foi que, bem apropriadamente, tudo ali era branco. As paredes. Os bancos forrados de camurça. As cortinas que separavam as mesas dos somos- muito- famosos-e- não-queremos-que- você- nos-aborreça dos outros. Mas Anna notou que as cortinas, na verdade, eram transparentes, de modo que os somosmuito-famosos podiam fingir que não queriam ser observados e ao mesmo tempo permitir que o mundo ficasse de olho neles. "E isso", pensou Anna, "era a cara de Los Angeles". Sentou-se sozinha numa mesa para dois, esperando pelo pai. Trinta minutos e duas xícaras de café depois, ainda estava sozinha. Começou a listar mentalmente uma série de motivos inadiáveis que teriam impedido seu pai de vir. Mas sabia que ele tinha o número do seu celular. Por que não ligou?
- A senhorita gostaria de pedir alguma coisa enquanto aguarda? Anna olhou para a belíssima garçonete vestida com uma roupa indiana branca, de pé ao lado dela, na expectativa, segurando um lápis branco e um bloco branco. Que inferno! Ela não poderia sobreviver bem só de bile. Quis saber da possibilidade de comer um queijo-quente. Quando a garçonete estava empalidecendo, mudou o pedido para um sanduíche de peixe grelhado e decidiu que se seu pai não chegasse antes do sanduíche, pediria ao maitre para chamar um táxi. Olhou o relógio de novo. Quarenta minutos. Em volta dela, pessoas com um ar de "sou tão na minha que não preciso comer atrás das cortinas" batiam papo. Ela era a única pessoa sozinha no restaurante. Imaginou se aparentava segurança e mistério. Com certeza não. Provavelmente demonstrava ser o que era: uma menina que levou um bolo. - Seu almoço - anunciou a garçonete pondo na mesa o sanduíche enfeitado com brotos de feijão-branco e uma única fatia de tomate orgânico. - Posso lhe servir mais alguma coisa? Anna ficou olhando para o sanduíche, mas não podia admitir a idéia de comer sozinha. Em vez disso, pediu a conta para a garçonete, que franziu a testa diante do almoço intocado. Será que não estava como ela queria? Anna teve que lhe garantir por três vezes que estava ótima, a comida estava ótima e, na verdade, a vida em geral estava simplesmente ótima, ótima, ótima. É claro que, em Los Angeles, as pessoas esperam que você seja serena e ensolarada como o tempo. Em Nova York, você pode mergulhar numa angústia existencial quando sentir vontade, e a alegria constante pode fazer com que as pessoas suspeitem que você tem uma lesão cerebral. Anna pediu à garçonete que embrulhasse o sanduíche para viagem - talvez seu pai quisesse peixe morto. Isto, se encontrasse com o pai em algum momento. A garçonete levou o cartão American Express Platinum de Anna e voltou com a nota para ela assinar. Neste instante, Anna olhou pelo janelão de vidro e viu um homem mais velho, todo sujo, com um boné de beisebol- obviamente um sem-teto -, se arrastando pela rua. Num impulso, pegou o almoço intocado e correu para a avenida Wilshire, procurando o semteto. Não o encontrou, viu apenas mulheres ultramagras e homens obcecados por academia, todos andando como se tivessem que chegar a algum lugar importantíssimo. - Ei! Você parece uma mulher bonita que precisa de uma carona. O carro do pai de Anna estava junto ao meio- fio, e Django debruçado na janela do carona, sorrindo por trás dos óculos Ray-Ban estilo aviador. - Como é que você chegou aqui? - Voltei para esperar você. Está procurando o mendigo? De repente Anna se sentiu ridícula. - Queria dar o meu almoço para ele. Django apontou com a cabeça para a direita. - Ele acabou de entrar na Barnes & Noble, na esquina. Nesta cidade você não distingue mendigos de escritores. Anna sentou-se no banco da frente e colocou o sanduíche no painel, enquanto Django ligava o carro. - Meu pai não apareceu. - Eu sei. Ele me mandou aqui para buscar você. Anna sentiu um nó na garganta. Seu pai continuava mandando pessoas atrás dela, mas,
por algum motivo, não aparecia nunca. - Ele está em casa - continuou Django. - E muito ocupado - completou Anna, com a voz embargada. Django coçou o queixo. - Hã ... Tenho que dizer uma coisa para você sobre o telefonema de um investidor do Havaí que ele teve que atender. Anna engoliu em seco. Um dos motivos que sua mãe sempre dava para o fim do casamento dela era que seu pai estava sempre "tendo que". E aqui estava ele provando mais uma vez que isso era verdade. Bem, este desapontamento era entre ela e seu pai. Anna cresceu acreditando que roupa suja se lava em casa... e certamente não com o motorista. Poucos minutos depois, Django deixou-a com um sorriso confiante e uma despedida casual. - Vá com calma, Anna. - Fez aquele gesto de continência de novo, como se tocasse na aba de um chapéu, e foi embora. Anna tocou a campainha várias vezes até que uma empregada jovem, jeitosa, com o cabelo vermelho, de um tom nada natural, veio abrir a porta. Ela não devia ter mais de 21 anos. -Oi, sou ... - Sei quem é. - A empregada a deixou entrar no frio saguão de pedra. Quando se virou, Anna notou que ela estava usando salto alto com aquele uniforme curto. - Desculpe - disse Anna. - Você tem um nome? - Inga - disse a moça de má vontade. - Obrigada, Inga. Você sabe onde meu pai está? - Eu o vi há pouco. Agora, não sei. Talvez tenha saído - disse a jovem, dando de ombros. Anna tentou disfarçar a irritação que estava misturada com mágoa. - E o meu quarto? Você sabe onde fica? - No andar de cima. O último à direita. Mina levou suas coisas para lá. Apontou para a escada de caracol no fundo do hall e se virou. - Agradeça a ela por mim. Olhe, por acaso você sabe se meu,pai... Inga voltou para o que estava fazendo, e Anna se viu falando com as costas da empregada indo embora. Procurou o pai por todo o andar térreo, mas só encontrou a cozinheira e uma outra empregada na cozinha, fumando cigarros e assistindo a uma telenovela espanhola. Ninguém prestou atenção nela, então subiu e verificou em todos os sete quartos. Nada. Otimo. Simplesmente ótimo. Anna voltou para o seu quarto. Uma colcha de seda feita a mão em tons de rosa se estendia sobre a cama de carvalho com armação. O chão de madeira maciça brilhava sob os tapetes com nós feitos a mão. Anna encontrou suas roupas arrumadas num armário perfumado com sachês de lavanda, seus suéteres e suas roupas íntimas dobrados nas gavetas da cômoda. Cada gaveta estava salpicada com pétalas de rosa. Havia flores frescas num vaso de cristal numa pequena mesa perto da janela e de uma antiga poltrona. Era tudo que uma menina poderia querer. Isto é, se a menina quisesse qualquer coisa que não fosse o seu pai. Quando Anna ia chutar seus sapatos para os lados e se deitar na cama para um cochilo, alguém bateu na porta, que se abriu imediatamente. Inga esticou a cabeça para dentro do
quarto de Anna. - Tente o caramanchão - disse ela, e bateu a porta. O caramanchão. A casa de seus avós foi construí da numa raridade em Beverly Hills: um terreno de tamanho considerável. Eram oito mil metros quadrados de jardins, com uma casa de hóspedes, um riacho artificial e uma pequena ponte, uma piscina e uma quadra de tênis com iluminação. No meio desse terreno, bem embaixo de um enorme eucalipto, havia um caramanchão no estilo da Nova Inglaterra, grande o bastante para vinte pessoas. Anna saiu pela porta dos fundos devagar e seguiu o caminho de pedras quadradas que levava ao caramanchão. A primeira coisa que viu foi a escultura de um metro e meio do Cupido, orgulhosamente pousada no chão. Carregava muitas flechas e tinha uma no arco, pronta para ser lançada. A segunda coisa que viu foi seu pai, esparramado no chão de madeira aos pés do Cupido. Ela ficou sem ar, com medo, por um instante, de que ele estivesse morto. Ou, pelo menos, muito doente. Então ela o ouviu roncar. Bem alto. Será que estava bêbado? Até onde sabia, Susan era a única da família com problemas de alcoolismo. Havia um cheiro estranho que ela não conseguia identificar. Não, espere - era doce e fedorento, e a fez sentir a cabeça meio leve -, claro que reconheceu. Maconha. Agora via as pontas do baseado meio fumado na mão direita que estava esticada. A julgar pelo pouco que foi consumido, parecia que o pai tinha conseguido o que Rick Resnick, o chato do avião, chamaria de "bagulho de primeira". Não que Anna soubesse realmente o que era um "bagulho de primeira". Além de álcool, nunca na vida tinha ingerido nenhuma substância capaz de alterar o humor. Por longos minutos, Anna ficou lá, olhando. Seu pai era um homem que mandava fazer os ternos em Londres, e ela sabia que gostava de Armagnac, mas apenas como um drinque para curtir depois do jantar. Se alguém contasse que encontrou seu pai chapado no chão com um baseado na mão, ela teria rido. E, no entanto, lá estava ele. Tinha quarenta e poucos anos, era alto e esbelto. Apesar de seus olhos estarem fechados, Anna sabia que eram de um azul surpreendente em contraste com a pele sempre bronzeada. Estava com um novo corte de cabelo espetadinho e a barba de um dia por fazer. Mesmo em seu estado de desalinho, parecia facilmente ter uns dez anos a menos. Anna sacudiu o ombro do pai com força. - Pai, pai! Ele acordou bufando, sentou-se e piscou os olhos até conseguir enxergar a filha. -Anna? - Acertou de primeira. - Ei... - Encostou-se no Cupido, esfregando o rosto. - Que horas são? Inacreditável. Anna o fuzilou com os olhos. - Já passa da hora que você disse que me encontraria no avião. E passa da hora que você disse que me encontraria para almoçar. - Ah, droga. - Passou a mão pelo rosto. – Aprontei de novo. Desculpe, querida. Ficou de pé e deu um abraço nela. Ela mal correspondeu. - Ah-hã. Você está zangada. Vamos lá, dê um desconto, afinal, tenho tido aquelas terríveis dores de cabeça e a única coisa que me alivia é a erva. Acho que me derrubou.
A raiva de Anna na mesma hora se transformou em preocupação. - Você já foi ao médico? - Médicos? - Fez um gesto de desprezo e sentou-se no banco de ferro, batendo com a mão no lugar a seu lado para que Anna se sentasse também. - Tenho um herborista assassino em Topanga Canyon. E então, como vai você? - Bem. - Era a resposta automática que ela sempre lhe dava. - Você está ótima. Como vai sua irmã? - Ela está de volta à clínica de recuperação. Eu disse a você pelo telefone - lembrou ela. O medo apertou o estômago de Anna. Ele estava tão estranho ... Sabia que o pai era organizado, um homem sempre com um palmtop na mão, cujo conceito de casual era um suéter de cashmere de três fios. Mas aqui estava ele, usando jeans com uma camiseta velha, falando bobagens. E se realmente estivesse doente? Se tivesse um tumor no cérebro ou algum tipo estranho de Alzheimer precoce? - Se você está tendo dores de cabeça, tem mesmo que ir a um médico, pai. - Ei, não acha que já está na hora de você começar a me chamar de Jonathan? - Por quê? - perguntou Anna, tentando disfarçar como estava assustada com a transformação do pai. - Você já é uma adulta, é por isso. Eu sempre quis chamar meus pais pelos primeiros nomes, mas isso os deixava descontrolados. Chata esta história da Susan, não é? '''Chata esta história da Susan?' Não se preocupe tanto com isso, pai - foi apenas uma quase overdose -, ela não morreu nem nada." - Muito bem, Jonathan - disse Anna de repente, meio irritada. Seu pai se levantou, espreguiçando-se. - Vamos pedir à Teresa que faça rapidamente um almoço para nós, que tal? - sugeriu ele. - Ela é uma fera na cozinha. Anna concordou. E enquanto parte dela queria sair correndo e fingir que este encontro nunca aconteceu, a outra parte ainda não tinha comido o dia todo e estava morrendo de fome. E talvez tudo que o pai tinha dito fosse verdade. Ela já tinha lido como a maconha ajuda a aliviar os sintomas de algumas doenças, então por que não dar a seu pai o benefício da dúvida? Enquanto caminhavam de volta para a casa, o pai perguntou tudo sobre a vida de Anna: escola, rapazes etc. Ela deu as respostas costumeiras e obrigatórias. Então ele começou a perguntar sobre o assunto que parecia lhe despertar maior interesse: sua ex-mulher. - Ela está como sempre - disse Anna tentando refrescar sua memória quando já estavam entrando pela porta dos fundos. - Ainda é a Dama de Gelo do Upper East Side? - No momento está em Veneza, se aquecendo. - Claro. Ela nunca passaria uns dias aqui em Santa Monica. Muito fora do padrão para ela - disse com um certo desapontamento. Entraram na cozinha. Seu pai pediu que a mulher mais velha preparasse algo para comer. Ela se levantou sem dizer nada, com os olhos ainda grudados na novela. Pouco depois estavam na sala de jantar, comendo tortilhas com molho caseiro de tomate e coentro e sanduíches de peito de frango com abacate. Anna contou ao pai sobre o compromisso à noite com Ben, omitindo a história de como se conheceram. Depois limpou a boca e colocou o guardanapo de linho engomado ao lado do prato. - Estava delicioso. Acho que vou dormir um pouquinho antes de me aprontar. O que você
vai fazer para comemorar o Ano-Novo, pai? Ele balançou o dedo para ela. - Jonathan. Estou pegando leve este ano. Devo passar com uma amiga, só isso. Anna subiu para o quarto e olhou pela janela, que dava para o jardim dos fundos. Não demorou nem cinco segundos e viu o pai voltando para o caramanchão. E então ela se lembrou: ele tinha esquecido o resto do baseado que tinha fumado. QUATRO 12H43 NA COSTA OESTE Samantha Sharpe, de 17 anos, filha do ator de cinema preferido dos Estados Unidos, Jackson Sharpe, estava tendo um péssimo dia. Estava na sua suíte (mais ou menos do mesmo tamanho de um rancho em, digamos, Van Nuys), no segundo andar da mansão palaciana de seu pai em Bel Air (a um quilômetro, milhares de metros quadrados e alguns quarteirões ao norte da mansão de Jonathan Percy). Usava um roupão de seda sobre um sutiã preto sem alça e uma calcinha de renda. Neste momento, a maior parte dos 111metros quadrados da suíte estava coberta de vestidos de festa de alta-costura. Dentro de exatas seis horas e vinte e sete minutos, seu pai estaria se casando com uma grávida ingênua, bonita e burra, chamada Poppy Sinclair. Todas as celebridades estariam lá. Fotos do megacasamento correriam o mundo em todo tipo de mídia. E Sam Sharpe ainda não tinha o que vestir. Isto é, para a festa. Para a cerimônia, enfiaria um vestido horrível de dama-de-honra, de seda dourada, desenhado por Donatella como um "favor pessoal" para Poppy e Jackson. Assim que a cerimônia terminasse, Sam planejava trocar o vestido por algo surpreendente. E, se possível, que a tornasse deslumbrante. Tinha escolhido seu vestido pós-cerimônia semanas antes - uma peça maravilhosa da Stella McCartney em veludo azul. Mas quando experimentou, na noite anterior, notou que o vestido a deixava gorda como uma porca. Por que nenhuma daquelas que se dizem amigas e que foram às compras com ela disse isso? Céus, desse jeito acabaria naquela seção de ridículas da People. Não, pior - apareceria na seção "O que será que ela tinha na cabeça?" com fotos das vítimas da moda da semana na revista Star. Bem, isso não ia acontecer. Se bem que as fotos iam, sem dúvida, durar mais do que o casamento. Mas não seria flagrada para a posteridade parecendo a Kelly Osbourne numa daquelas horrorosas pinturas em veludo que se vendiam na praia. Para que serviriam dinheiro e poder se não pudéssemos tirar proveito deles? Então, na noite anterior, ligou para FIeur Abra, a organizadora do casamento, e perguntou se ela poderia ligar para as casas de alta-costura para pedir que mandassem alguns vestidos alternativos para a recepção do casamento. E pronto - como num passe de mágica -, o quarto de Sam se transformou num show multimarcas da alta-costura. Tamanho 38, disse ela a Fleur. Nada conservador e nada em tons terra, porque com seus cabelos e olhos castanhos e pele amarelada, ia parecer que estava com hepatite. Na arara sobre rodas no meio do closet do tamanho do hangar de um avião estavam pendurados os vestidos que Sam tinha eliminado: um Chanel preto que parecia vestido de
enterro, um Tom Ford rosa-claro com babados nos quadris. Os quadris. Aumentavam cinco quilos. O homem tinha que ter aversão às mulheres para desenhar uma coisa daquelas. Tinha também a composição berinjela do Badgley Mischka, com a qual ela parecia um legume a ser colhido na horta, e duas monstruosidades do Versace que eram ... bem, Versace demais. Pegou um modelo confuso de listras desconstruídas, de Anne Valérie Hash, e foi examiná-lo na frente do espelho. Poderia se chamar "Quando os ternos enlouquecem". Quem decidiu que Anne Valérie era a nova grande estilista? Esses eram apenas os vestidos que cabiam. Entre os que não-conseguiriam -fechar -seminha -vida -dependesse-disso havia dois Marc Jacobs, um Galliano, um Oscar de la Renta, um Alexander McQueen vermelho, um Dior de renda e um Prada de cintura baixa. Atrás dela, em cima da cama, estavam os possíveis acessórios para a noite: umas dez bolsas (todas tão pequenas que não poderia pôr ali mais do que um batom, sua receita de Valium e uma camisinha; felizmente, isso era tudo que ela sempre precisou carregar numa bolsa de festa). Havia também uma série de jóias do Harry Winston. As jóias eram dela. Seu pai a levava para fazer compras lá duas vezes por ano, no seu aniversário e no Natal. (Na verdade, a assistente dele a levava.) E no pé da cama estavam saltos altíssimos de Manolo Blahnik, Jimmy Choo e Pierre Hardy, enfileirados como num desfile de soldados gays. Como as mercadorias tinham vindo de várias lojas diferentes, cada uma mandou um assistente do estilista para ajudar Sam no processo de seleção. Neste momento, os assistentes estavam cercando Sam como beija-flores atrás do pólen, esperando que um dos dedinhos da menina apontasse para seus vestidos, sapatos e/ou bolsas, seguido das palavras mágicas: "Este é perfeito." E por que não? Uma foto numa revista importante de Sam Sharpe usando um modelo deles poderia se traduzir em centenas de milhares de dólares em vendas. Sam examinou os vestidos, as bolsas e os sapatos. Os beija-flores congelaram, prendendo em conjunto a respiração de passarinho. - Obrigada pelo esforço de vocês - disse Sam -, mas nada disso serve. Os beija-flores expiraram seu desapontamento. Veronique, a assistente parisiense da Chanel, foi a primeira a falar. - Acho que tem umas coisas marravilhosas aí. - Clarro que tem - concordou Sam. Passou a mão pela arara de roupas e pegou um Galliano muito delicado. - Entretanto, só uma anoréxica conseguiria enfiar as coxas aqui dentro. - Talvez se nós tentarrrrmosss um tamanho maiorrrrr. - Por favor, por favor, levem tudo embora. - Sam se deixou cair na cama, sem se preocupar em amassar a peça de seda azul-clara da Imitação de Cristo que estava embaixo de sua perna esquerda. Simplesmente se recusava a usar um número maior. Aproximar-se da dezena dos quarenta num vestido era pior do que ter mau hálito crônico. Meu Deus, esses assistentes eram tão passivo-agressivos! - Com licença - disse a assistente da Imitação de Cristo, puxando o vestido de seda gentilmente debaixo de Sam. - Posso voltar à loja e trazer outros três ou quatro se quiser. - Não, mas obrigada mesmo assim. - Sam fechou os olhos. Ninguém sabia. Ninguém compreendia. Pensavam que era por causa do casamento de seu pai com aquela estúpida, mas era mais do que isso. Hoje era o dia mais importante dos 17 anos de Sam neste
planeta. Ben Birnbaum, o amor não-correspondido de sua vida, estava vindo de Princeton. Vinha para o casamento. E vinha desacompanhado. Pediu que Fleur Abra a avisasse quando o cartão de RSVP de Ben chegasse para ter certeza de que ele vinha para a festa sozinho. O telefonema foi dado há três semanas. Ben tinha mesmo viajado sozinho. Em outras palavras, hoje era a melhor - e possivelmente a última - chance de fisgá-lo. Sam sentia uma atração por Ben desde aquele fatídico dia, cinco anos e meio atrás, quando ele a beijou na boca no churrasco anual da família em comemoração ao Dia da Independência. Talvez ele tenha feito isso porque os dois estavam lendo - e odiando Quem é John Galt? Talvez ele tenha feito isso porque podia ver o sol, a lua, e as estrelas nos reflexos de seus olhos apaixonados. Qualquer que tenha sido o motivo, foi um momento crucial na vida de Sam. Desde então, ela e Ben se tornaram amigos. Ele estava um ano na frente dela na escola, mas os dois saíam com as mesmas pessoas. Apesar de Sam não perder as esperanças, ele nunca mostrou interesse em repetir a dose, era como se nada tivesse acontecido. Sam quase morreu no ano passado quando Ben começou a namorar uma de suas melhores amigas, Cammie Sheppard. Todo mundo sabia que Cammie era uma vagabunda fria, com o coração do tamanho de uma cabeça de alfinete. Mesmo depois de todos esses anos, Sam ficava às vezes chocada com as coisas que Cammie dizia e fazia para conseguir o que queria. Em compensação, com Cammie do seu lado, seus inimigos estavam fritos. Mas Cammie e Ben? Não fazia nenhum sentido para Sam. O que fazia Ben Birnbaum diferente - além da bunda provavelmente mais bonita de toda a costa do Pacífico - não era só inteligência; ele era profundo. E era exatamente assim que Sam se via. Cammie era inteligente e tinha um talento surpreendente para estratégias cruéis a fim de conseguir o que quer que desejasse. E também incrivelmente engraçada. Cammie era igual a festa o que era igual à atenção maciça dos rapazes. No entanto, na opinião de Sam, Cammie tinha a profundidade do sutiã meia-taça que ela usava antes de pôr silicone. Então o que Ben via em Cammie, exceto o óbvio: que Cammie era linda? Como era possível que isso fosse tudo para um cara evoluído como Ben Birnbaum? A tragédia da vida de Sam (além de a mãe ser ausente - foi para um retiro espiritual para "encontrar-se" e, exceto por um cartão-postal, de vez em quando, sem o endereço do remetente, nunca procurou por ela - e seu pai mais ou menos ignorá-la) era que, por mais que tentasse, estava ainda muito longe de ser linda. Não que não fizesse um esforço extremo. Ela se lembrava muito bem do incidente traumático que aconteceu quando tinha seis anos. Era uma festa para levantar recursos no China-town Center, por alguma causa do momento. Enquanto os pais dos famosos de Hollywood comiam comida chinesa, as babás levavam as crianças para brincar num carrossel sofisticado. As filhas louras e mimadas de outros gigantes do showbiz exigiam os maravilhosos bichinhos coloridos, enquanto ela e a cria obesa de uma atriz que fazia uma personagem de cinqüenta anos ficaram com bichinhos feiosos, cor-de-burro-quandofoge. Pode parecer uma bobagem, cores bonitas versus cores sem graça, mas tudo tinha a ver com poder. Depois disso, Sam, que não era boba, percebeu que seria necessário um esforço extra. Tentou distribuir notas de vinte dólares para as crianças de quem queria ser amiga, mas isso só fez com que fosse desprezada como uma puxa-saco patética. Aos dez anos, Sam tornou-se uma gordinha voluntariosa e dentuça. Já tinha decidido
seguir os passos de outros gordinhos voluntariosos e tornar-se uma diretora de cinema. Crescendo como filha de seu pai, no rarefeito mundo VIP de Hollywood, tinha tendência a ver a vida como um filme mesmo, marcando mentalmente seus momentos mais dramáticos, fazendo um enquadramento mental de seus momentos mais fotogênicos, roteirizando mentalmente as conversas mais importantes. Começou a circular com uma câmera de vídeo, e assim na busca de algo bacana, acabou descobrindo sua musa. Foi durante uma dessas circuladas com a câmera que encontrou seu pai e a babá, Aquarius, no cavalo de balanço feito de pano, que o pai tinha lhe dado quando fez seis anos. Aquarius fazia acrobacias no cavalo sem sela, e o pai de Sam cavalgava em Aquarius. Aquarius foi demitida, os pais de Sam se divorciaram e o resto era história. Em um ano seu pai casou de novo, com uma atriz pouco conhecida com quem ele tinha acabado de fazer um filme. Uma semana depois, quando Jackson Sharpe foi para uma locação fazer um novo filme, a atriz desempenhou seu primeiro ato como madrasta: levou a jovem Sam para fazer as sobrancelhas e depilar as pernas e as costas. A saída foi logo seguida de outras: para o consultório do dr. Attberg colocar aparelho invisível nos dentes, ao famoso cabeleireiro Fekkai, para um relaxamento químico nos cabelos, e a uma médica especialista em obesidade, que pôs Sam de dieta completa com pequenas pílulas cor-de-rosa ("Este será nosso segredinho, querida", disse ela), que faziam Sam correr em círculos no quintal como um cachorro perseguindo o próprio rabo. Quando o pai voltou para casa no final da filmagem, encontrou sua filha mais bonita, muito mais magra, mas nunca perguntou como ela perdeu tanto peso em tão pouco tempo. No entanto a recompensou comprando um pônei - um de verdade dessa vez. Sam nunca tinha andado a cavalo na vida, nem jamais tinha demonstrado qualquer interesse por eles. (Quatro anos de psicanálise mais tarde, entendeu de repente o presente eqüestre e o momento em que encontrou seu pai e Aquarius brincando de "Galopa, cowboy!") Sam voltou para a escola e descobriu que agora que estava quase bonita, era quase popular. Então entrou na segunda fase da campanha de remodelagem. Começou a fazer ginástica na Crunch. Fez uns retoques no nariz largo e no queixo pontudo. No início do ano, fez megahair no Raymond e começou duas vezes por semana a fazer massagem na Mimi. Usava a última moda, as roupas mais caras, a melhor maquiagem e o creme Clé de Peau da Beauté de 450 dólares o pote. E assim conseguiu ter sucesso em sua ascensão social. Mas, droga, ainda não era bonita. Na medida em que ficou mais velha, percebeu isso. Quanto mais famoso o pai ficava, mais poder e influência ela tinha. Agora, depois de duas indicações para a Academia e um Oscar, Jackson Sharpe era muito, muito famoso. Então, embora o máximo que se pudesse dizer de Sam é que era "atraente", ela tinha o poder da beleza. Não era tão bom quanto ser bonita de verdade, mas era melhor do que nada. Já que Sam agora estava por cima, a habilidade com a câmera - e o acesso a excelentes produções em andamento - dava a ela ainda mais poder. Dois terços dos alunos da escola queriam ter uma coisa ou outra. Todos queriam estar nos curtas de Sam. Ela tinha o prazer perverso de escalar as meninas bonitas e fazer com que elas se humilhassem diante da câmera, tirando meleca ou espremendo espinhas. Sam sempre dizia que a participação de cada uma delas era importante para o filme, o que era a mais completa mentira. O que
mais surpreendia Sam é que elas faziam qualquer coisa que ela mandasse. Tudo isso não a fez tão popular quanto, digamos, a filha de um certo diretor famoso em todo o mundo que, apesar de ser um pouco mais velha que Sam, já tinha dirigido um filme de verdade e posado para um anúncio de perfume, apesar de ter olhos bem pequeninos e um nariz que pedia uma cirurgia plástica. Por que ela não reduzia aquele bico, era uma coisa que Sam não podia entender. Se pudesse consertar suas batatas da perna, que mais pareciam hidrantes, e os tornozelos gordos com cirurgia plástica, já teria feito isso há muito tempo. Sam suspirou e se encolheu na cama. Mesmo com sete meses de gravidez, sua futura madrasta ainda tinha pernas perfeitas e atraentes. O mesmo acontecia com todas as meninas na festa de casamento, exceto ela mesma. Todas iam ficar ótimas naqueles horrorosos vestidos de dama -de- honra dourados. Mas Sam bem que poderia usar um cartaz pendurado no pescoço dizendo: "OLHE, BEN, VEJA COMO MINHAS PERNAS SÃO GORDAS!" Bom, não havia o que fazer. Mais um motivo para ela ter que achar uma roupa deslumbrante que a tornasse atraente. Ela tinha a cena do filme pronta na cabeça - muito Bridget Jones. Ela e Ben dançariam, trocariam frases divertidas, talvez dessem uma volta. Uma vez tiveram uma longa conversa sobre Maquiavel numa festa em que todo mundo estava brincando de uma bobagem qualquer. Ben entenderia sua dor por causa das mais recentes núpcias revolucionárias de seu pai. Ele a olharia com novos olhos (de preferência da cintura para cima). Ia querer consolá-Ia. Eles se beijariam, tocaria uma música lenta; corte para eles fazendo sexo de maneira surpreendente; a imagem se dissipa; na tomada seguinte os dois aparecem caminhando entre as gotas de orvalho da manhã, com Ben loucamente apaixonado por ela. Não por Cammie Sheppard. Nem por nenhuma outra de suas amigas bonitas. Que todas apodreçam no inferno vestidas de jeans Earl tamanho zero. -Samantha? Sam abriu os olhos. Os assistentes beija-flores dos estilistas ainda circulavam por ali. - Tem um Marc Jacobs preto que esqueci de trazer. Mas agora que vi você, acho que ficaria divino - sugere um rapazinho gay. Ele alisou a ponta do seu cavanhaque bem pequeno e bem gay. - Não se preocupe. - Ela tinha certeza que seu "agora que vi você" era um jeito discreto de dizer: "Agora que vi que sua bunda é do tamanho de New Jersey." Ela já tinha sido humilhada o suficiente naquela tarde. Ia ter que reciclar alguma coisa de seu closet, por mais que odiasse fazer isso. Por um motivo, algum editor de fotografia chato ia acabar encontrando uma foto dela com a mesma roupa e publicar as duas, uma ao lado da outra. E ainda por cima, mesmo que fosse o vestido mais fantástico, todo mundo sabe que a verdadeira mágica de qualquer roupa existe apenas na primeira vez em que é usada. - Uau! - exclamou alguém lá da porta. Sam reconheceu, sem olhar, a voz de MarilynMonroe-bebê-com-fome. Era sua outra melhor amiga depois de Cammie Sheppard, Delia Young. - Oi, Dee. - Sam rolou para ficar de barriga para baixo. Sua amiga estava usando jeans de adolescente e camiseta mais adolescente ainda, carregando um saco de couro para roupa, uma maleta Louis Vuitton. Elas tinham
combinado de se arrumar juntas para o casamento. Dee tinha cabelos louros bem claros, nariz arrebitado, grandes olhos azuis de boneca de porcelana e um pequeno corpo perfeito. Todas as vezes que Sam teve que tirar foto com Dee, escondia metade do corpo atrás de sua pequena amiga. - Desculpe, estou atrasada. Minha oxigenação facial não acabava nunca. - Dee pendurou o saco da roupa no espelho de Sam. - E aí, escolheu um vestido? - Nenhum deles serviu. - Nada podia ser pior para a fantasia de Sam de ser transformadapelo-vestido-perfeito em Uma linda mulher. Se virou para os assistentes, que se amontoavam perto da janela: - Tudo bem, pessoal... Obrigada por terem vindo. Os assistentes disfarçaram seu desapontamento e com eficiência recolheram as roupas, as bolsas e os sapatos. Dee assistia, com um sorriso de satisfação no rosto, enquanto eles saíam de qualquer jeito do quarto, com os braços carregados de pacotes. - Está rindo da minha desgraça? - perguntou Sam. - Eu não tenho nada para vestir. - Sabe por que você me ama? - perguntou Dee alegremente e logo acrescentou: - Eu não quis dizer do jeito de Georgia Sand. - É George Sand - corrigiu Sam. Dee era uma amiga doce e leal, mas tinha o mau hábito de adotar para sempre as manias de qualquer cara que namorasse, adaptando-as depois com sua mente mediana. O penúltimo namorado estudava poesia na faculdade de Letras da Universidade da Califórnia do Sul, estacionava carros no Sunset Plaza de dia e dizia que ia escrever o Grande Romance Americano ("Roteiros de filmes são tão efêmeros e transitórios", dizia ele) à noite. - Bem, você entendeu - insistiu Dee. - O.k., Dee. Diga. Por que amo você? - Porque eu trouxe o vestido perfeito para você. Tan-tan! Dee abriu o saco de couro para roupas onde estavam dois vestidos. Um era rosa-pálido com arzinho de adolescente e obviamente pertencia à rosa-pálida adolescente Dee. O outro, no entanto, interessou Sam imediatamente. Era preto e sem alça, com um corpete de renda preta sobre seda cor da pele, caindo sobre uma saia de chiffon e tule que ia até o meio da perna. Sam tocou no tecido e examinou o corte. Tirou o roupão e enfiou o vestido pela cabeça. Dee puxou o zíper, e Sam se olhou no espelho-tamanho-loja-dedepartamentos que ficava no canto do quarto. Cabia perfeitamente. O tamanho três quartos deixava a mostra seus ombros lisos, era justo onde d via ser e escondia o que devia ser escondido. - Genial- exclamou Sam, encantada. - Eu sabia! - disse Dee rindo. - Eu o vi pendurado numa vitrine numa butique nova ao lado da ... - De quem é? - Donna Karan. Sam apertou o peito. - Donna Karan? Esqueça! Ela faz roupas para mulheres com bundas gordas. - Não faz. Além disso, você não é gorda, Sam. Você usa tamanho 38. - E daí? Você é tamanho zero. Dee tirou com um sopro a franja dos olhos azuis. - Mas eu uso 36! Sam ficou de costas para o espelho e virou a cabeça para ver se tinha a bunda gorda. Seu
analista, dr. Fred, disse que ela beirava o distúrbio do corpo dismórfico, pensando ver gordura onde a gordura não existia. Ha-ha. Ela morava em Beverly Hills. A gordura existia por todo canto. Tudo que o dr. Fred precisava fazer era passar cinco minutos no vestiário das meninas na Beverly Hills High e veria por que ela era a única que usava short de menino em vez de tanga. Mas este vestido escondia muito bem esses motivos. - Que tamanho é? - Não lembro - disse Dee olhando para o outro lado. Sam tirou o vestido pela cabeça, procurou a etiqueta e perdeu o ar de susto. - Tamanho quarenta! - E daí? - E daí que não posso usar quarenta. E se alguém descobrir? - Se não quer usar, não use. Mando a empregada devolver. Mas, sinceramente, Sam, ficou ótimo em você. - Você acha? - Sam se olhou no espelho espelho de novo, encolhendo a barriga. Tinha mesmo ficado ótimo. Agora lembrava que quando ela e Ben conversaram sobre filosofia, na festa, ela usava uma camiseta preta de cashmere. Ele disse que ela estava bonita. - Ben gosta de preto. - Ben? - A voz de Dee soou aguda. - Ben Birnbaum? O que Ben Birnbaum tem a ver com isso? Droga. Por que foi tão estúpida e disse em voz alta o que estava pensando? Ninguém sabia o que ela sentia por Ben. E não seria burra de contar logo para Dee (uma menina com uma incapacidade patológica de manter a boca fechada) que era louca por ele. A notícia ia acabar num letreiro sobre a avenida Highland do mesmo tamanho do famoso letreiro de Hollywood. - Ben tem bom gosto, é por isso - explicou Sam. - Quantos caras hetero você conhece que têm bom gosto? - Sam, você não teria dito o nome dele, a menos que estivesse pensando nele por algum motivo. - Os olhos azuis de Dee se arregalaram. - Você está a fim dele? - Só gosto dele como amigo, Dee. - Tradução: quero pular em cima dele - brincou Dee. - Só estou de olho nele para a Cammie - improvisou Sam. - Ela quer ele de volta. - Como é que você sabe? - Estávamos juntas quando ela deixou um recado no celular dele, dizendo que viria sozinha e que eles poderiam conversar - disse Sam com toda a calma. - Você sabe que ela ainda não superou o fato de ele ter terminado o namoro. - Hmmmm. - Dee mordeu o lábio inferior. - E ele vem sozinho ao casamento. - Como é que você sabe? - Cammie deve ter comentado comigo - disse Dee, tentando fugir do assunto. - Você quer dizer que ele ligou de volta e ela não me falou nada? Dee deu de ombros, com ar inocente. - Talvez. - Ligou? - perguntou Sam. - Não que eu me importe, pessoalmente. - Vossa Senhoria faz protestações demasiadas - disse Dee apertando os olhos. Sam fez uma careta. O último namorado de Dee era um jovem ator pretensioso de Minnesota que sempre estava repetindo errado falas de peças famosas.
- É "A dama faz protestos demasiados" - corrigiu Sam. Dee franziu a testa. - Você faltou a uma sessão do dr. Fred? Você está muito hostil. Sam ia ao consultório do dr. Fred cinco vezes por semana. Era uma das poucas clientes particulares que ele manteve depois de começar a fazer um programa nacional sobre as etapas da vida num canal de tevê a cabo. Na televisão ele tinha a incrível habilidade de fazer as mulheres contarem os detalhes mais íntimos de suas vidas e depois ficarem gratas com qualquer conselho que desse. Sam sempre ficava pensando por que precisaria de uma terapia tão longa se com os clientes da televisão os problemas eram resolvidos num simples bloco de sete minutos. - Eu o vi ontem, entre as gravações - disse Sam. - Abre o vestido pra mim? - Estou falando sério - afirmou Dee, puxando o zíper. Sam tirou o vestido pela cabeça. - Você estaria um pouco hostil se estivesse prestes a herdar uma madrasta de 21 anos que seria incapaz de passar num exame da quarta série. - Ninguém é tão inteligente quanto você, Sammie. Talvez seu pai realmente a ame. - Por favor. Nós duas sabemos que Papai Querido não ama ninguém, exceto a si mesmo disse Sam. - Mas eu não queria descontar em você, Dee. Adorei o vestido. Você salvou a minha vida. - Ela se inclinou, abraçou a amiga e depois pendurou o vestido no espelho. - Se você está feliz - suspirou Dee -, também estou. Sam sorriu. Dee era uma das pessoas mais sinceras que conhecia e era sua amiga muito antes de Cammie Sheppard ter se dignado a tomar conhecimento da existência de Sam. Além disso, Dee era o tipo de amiga que veria um determinado vestido e o compraria porque era perfeito para você. E ela estava certa. Isso contava muito. Por um breve momento sentiu-se tentada a contar a Dee sobre seus planos de conquistar Ben. Precisava realmente se abrir com alguém. Deus sabia que não podia contar nada importante para o dr. Fred. -Dee ... -O quê? Sam olhou dentro dos maquiados olhos azuis. Dee parecia tão doce. Por um instante, Sam sentiu que poderia realmente abrir seu coração. Mas no último segundo parou. E daí que Dee parecesse inocente e engraçadinha? Alguns peixinhos de aquário também são bonitinhos, mas mesmo assim comem seus filhotes. - Nada, não - disse Sam. - Obrigada mais uma vez pelo vestido. Me lembre de fazer um cheque depois. Entrou no seu luxuoso banheiro para tomar um banho rápido, feliz por ter mantido a boca fechada. Afinal, que tipo de garota tentaria ganhar o ex-namorado (Ben) de uma de suas melhores amigas (Cammie), quando esta melhor amiga deixou claro que quer o namorado de volta? Isso faria Sam parecer muito, muito mau-caráter, o que era uma coisa que ela detestava muito, muito. Uma coisa é ser uma merda, outra completamente diferente era parecer uma merda. CINCO 13H39 NA COSTA OESTE
Dee pulava para cima e para baixo na cama de Sam. Parecia que tinha oito anos de idade. Nada a deixava mais feliz do que fazer as pessoas felizes, exceto talvez uma boa fofoca ou fazer bagunça em lugares públicos. Essa história de fazer bagunça em lugares públicos era estranha porque, ao contrário de sua amiga Cammie, não se considerava uma garota exibida. Talvez porque fosse tão legal (tinha resolvido que provavelmente este era o motivo), fazer um escândalo a atraía. Mas era só uma brincadeira. O amor, de fato, era tudo para ela. E o que a faria a pessoa mais feliz do mundo seria o amor de Ben Birnbaum. Parou de pular. Era muito estranho que Sam tivesse mencionado Ben. Talvez Sam estivesse mesmo a fim dele. Não. O mais provável, concluiu ela, era que Sam estivesse tão sintonizada com as próprias vibrações de Dee, que percebeu os sentimentos dela sem querer. Dee acreditava nessas coisas. Por mais que quisesse contar para Sam que gostava de Ben, não ousava fazê-lo. Pelo menos até Ben corresponder a esse amor. Se as coisas corressem como tinha planejado, poderia acontecer. Mas e se ela contasse para Sam, e Deus me livre - Sam contasse para Cammie? Dee estremeceu. Estar na lista negra de Cammie era pior do que a morte. Na opinião de Dee, Cammie não merecia Ben. No ano passado, quando os dois namoravam, Dee quase ficou com o coração partido. Sair com eles era tão difícil que às vezes tinha até horríveis erupções na pele. Ainda bem que o namorado manobrista-decarro-que-queria-ser-romancista lhe apresentou técnicas alternativas de hidratação e desintoxicação. Não havia nada melhor para liberar o corpo das toxinas do stress. E depois que ela pegou o manobrista-de-carro-que-queria-ser-romancista no quarto com o cara da piscina, foi direto para a Nação Zen liberar todas as suas toxinas de stress. Dee ficou chateada porque o manobrista-de-carro-que-queria-ser-romancista foi o segundo cara com quem ela se envolveu que acabou pisando na bola. Ela tinha tido um caso com o guitarrista da banda Pus. Ele fugiu com um funcionário da gravadora Gyro. Dee ficava pensando se não tinha algum tipo de ímã para atrair gays desesperados por explorar a vida heterossexual. Desde que seu pai, Graham Young, chegou à presidência da Gyro, ela tinha conhecido muitos músicos famosos. Esqueça aqueles caras chatos com a camiseta "Só quero ser cineasta", que todo mundo usava há três anos. O que todo mundo queria agora era ser estrela de rock. Até mesmo Jackson Sharpe comentou com Graham Young que queria gravar um CD, apesar de nunca ter levado a idéia adiante. Ben Birnbaum era completamente diferente. Não tinha sonhos de ser uma estrela de rock. Além do mais, era a expressão do homem com "H". Nada de mudar de lado. Dee se imaginava com ele nas mesas de massagem de um spa em Ojai, com duas pequenas coreanas andando sobre suas costas. Depois ele a possuiria num tapete de pele de urso falsa, já que ela era contra matar animais. Acreditava em visualização criativa. Foi por isso que pediu para colocarem no teto em cima de sua cama um cartaz da torre do Big Ben. Ao lado escreveu: "Se você acredita, você consegue." Era a última coisa que via todas as noites antes de apagar a luz e a primeira, ao acordar de manhã. Quando suas amigas perguntavam o que era aquilo, respondia que era uma lembrança da sua última visita a Londres. Uma das muitas empregadas dos Sharpe bateu na porta do quarto de Sam: - Señorita Samantha está aquí? - Banho - respondeu Dee. - Lavando.
- As pessoas estão lá embaixo para ... - A empregada apontou para o cabelo e para o rosto. Dee entendeu que os cabeleireiros e maquiadores tinham chegado. - Oh, que bueno. Cinco minutos, gracias. Quando a porta se fechou, Dee pulou da cama, levantou a blusa e examinou seu peito nu no enorme espelho de Sam. Nem muito grande, nem muito pequeno, não precisava de cirurgia plástica, muito obrigada. Será que Ben ficaria surpreso quando visse que ela tinha piercing nos mamilos? Tinha colocado há um mês no Sunset Room. Foi logo depois da sessão de acupuntura da quarta-feira, quando saiu para dançar e gastar as energias acumuladas depois de ficar tanto tempo deitada. Tinha bebido um pouco demais naquela noite e, sem perceber, sacudir os peitos se incorporou à sua coreografia. Depois, a caminho do banheiro, aquele cara superbonito a parou e disse que fazia piercings e que estava pronto para colocar um nos mamilos dela, ali, na hora mesmo. Sua fala era tão suave, que concordou. Ele fez um excelente trabalho. Ela tinha agora, penduradas nos mamilos, duas argolinhas de prata. Abaixou a blusa pensativa. Esperava que ninguém comentasse o incidente com Ben. Ele poderia interpretar mal aquela experiência libertadora. Ela mesma contaria para ele, digamos, depois que tivessem ficado juntos, de uma forma mais significativa, em um dos vestiários do badalado centro de beleza Fred Segal. SEIS 17H07 NA COSTA OESTE Depois de um cochilo de uma hora e um banho quente, Anna se sentia bem melhor. Não demorou a se preparar para o casamento. Trouxe o vestido perfeito: um longo simples de cetim preto Oscar de la Renta. E as jóias eram perfeitas: pequenos brincos de brilhante e um colar curto de pérolas brancas que tinha sido de sua avó. Sua pele era perfeita, por isso nunca usava muita maquiagem. Um único toque de blush cremoso rosa nas maçãs do rosto, uma simples camada de rímel marrom, brilho nos lábios, uma mínima gota de Chanel n° 5 atrás das orelhas e estava pronta para sair. Pensou que da próxima vez que fosse ao balcão da Chanel seria para algo mais do que um perfume. Agora que estava começando uma vida nova, não havia motivo para estar sempre com cara de Boneca de Marfim. Poderia usar um batom vermelho ou uma sombra azul nos olhos ou algo mais luminoso para destacar as maçãs do rosto, se quisesse. Quem sabe o que um delineador preto pode fazer para mudar a vida de uma garota? E já que tinha este objetivo, talvez um jeans de cós baixo com uma corrente na cintura e uma camisetinha sexy sem sutiã e... Anna sentou na cama. Só a idéia de se vestir assim a enchia de horror. "Isso é ridículo", dizia a si mesma. "Você está aqui para experimentar coisas novas." Anna calçou sua clássica sandália de tiras Valentino, que já tinha há anos, depois escovou o cabelo louro e liso para trás e o prendeu frouxamente na nuca com uma fita estreita de veludo preto. O brilho para os lábios, o telefone celular, a escova em forma de ursinho e sua fina carteira estavam na bolsinha Chanel pérola. E pronto. Ben ia chegar a qualquer momento, então Anna desceu para se despedir do pai e lhe desejar um feliz Ano Novo. Mais uma vez não conseguiu encontrá-lo. Suspeitava que tivesse voltado para o caramanchão, para fazer o que estava fazendo quando o encontrou
lá pela última vez. Era muito desagradável. Tão ... nada a ver com ele. O que tinha acontecido com o homem de negócios engravatado e totalmente voltado para seus objetivos? Escreveu-lhe um bilhete desejando feliz Ano Novo e o deixou na bancada da cozinha. Quando a campainha tocou, Anna avisou à empregada que ela mesma ia atender e abriu a porta para Ben, num smoking Armani perfeito. O rosto dele se iluminou quando a viu. - Uau! Você está fantástica! - Obrigada. Você também. Sentiu-se uma princesa quando Ben a ajudou a entrar no Maserati Spyder de dois lugares, conversível, cinza-metálico. - Vou subir a capota. Tenho certeza que você não quer se despentear - ofereceu Ben, depois que sentou ao volante. Ela pôs a mão sobre a dele. - Não se preocupe com o meu cabelo. Pode deixar baixada. Ele riu e ligou o carro. - Típico de uma novata em Los Angeles. Enquanto Ben saía com o carro, Anna movia o rosto de um lado para o outro no sol da tarde. Tudo estava tão perfeito ... o tempo, Ben, ir ao casamento de Jackson Sharpe. Só tinha um problema: Ben estava com a garota errada. Pelo menos do ponto de vista de Anna. Completamente sóbria e um pouco descansada, agora estava chateada com a forma como tinham se conhecido. Ela não tinha nada a ver com a garota que tinha bebido muita vodca com água tônica e que enfiou a língua até a garganta dele a 11 mil metros de altura, com a bunda em cima de uma pia com restos de espuma. Há algo a se dizer quando se dá um passo fora da linha, mas no caso de seu comportamento no avião foi mais do que isso, foi um salto com vara. É claro que havia coisas de que gostava naquela Anna das alturas. Mas o fato de estar cheia de álcool a fez pensar. Via a irmã consumindo álcool para, muitas vezes, quebrar o gelo e ter coragem, e olhe só onde Susan foi parar. Não, Anna tinha mesmo que dizer a verdade para Ben. - Ben - começou. - Anna - retrucou ele sorrindo. Por que ele tinha que ter um sorriso tão lindo? - Sobre o avião ... - Eu sei. Foi o máximo. - Conhecer você foi o máximo. Mas é que ... - Shhh, não estrague o momento. - Ben aumentou o volume do som do carro. "Karma Police" ecoava no Maserati quando seguiam pela avenida Sunset. Não dava para fazer confissões verdadeiras. Falaria com ele mais tarde. De algum jeito. Parecia mágica, mas o trânsito estava livre. Voaram através de Beverly Hills, West Hollywood, Hollywood e Los Feliz, então dobraram em direção ao montanhoso parque Griffith, deixando a cidade para trás. Ben seguiu a estrada para o observatório de Griffith, passando direto pela enorme placa laranja que avisava que o lugar estava fechado para reformas. Finalmente avistaram o prédio com três coberturas e o planetário. Anna estava surpresa. Quando soube que o casamento seria no observatório, esperava
tendas enormes montadas para a festa, espalhadas pelo jardim. Mas não havia nenhuma. - O casamento é lá dentro? Não tinha uma placa dizendo que o observatório estava fechado para o público? - Bem-vinda a Los Angeles - disse Ben. - Estrelas de cinema não fazem parte do público. - Como é que você conheceu Jackson Sharpe? Você não me contou. - Cresci com a filha dele, Sam. Ela é um ano mais nova do que eu. Ben entrou com o carro. O caminho estava salpicado de pétalas de rosas. Anna achou a idéia adorável, mas um pouco demais. Notou que os pneus do carro da frente não tiravam as pétalas do lugar porque elas tinham sido pintadas no asfalto. No final do caminho ficava o serviço de manobristas, onde pessoas lindas eram ajudadas a sair de carros lindos. Assim que Ben parou o Maserati, uma morena bem magra com um vestido Gucci preto e justo saiu de um BMW preto. Do lado do motorista, saltou um cara de cavanhaque, vestindo um paletó de veludo vermelho e calças estampadas com desenhos de Elvis. - Tenho certeza de que é uma piada, mas não entendi - admitiu Anna. - Quem são eles? - Muito engraçado. - Ben parou quando viu que ela estava falando sério. - Você não os reconheceu? Anna abanou a cabeça. - Ela é uma das atrizes mais bem pagas da TV. E ele... bem, ninguém tem certeza do que ele é. Provavelmente o mais recente erro dela. Ben olhou para Anna com curiosidade. - Você não vê televisão? - Não muito. Noventa por cento é estupidez, não é? - Isso não é motivo para a maioria das pessoas - disse ele, sorrindo. - Mas está na cara que você não é como a maioria das pessoas. "Agora", disse Anna para si mesma. Era o momento perfeito para revelar a verdadeira Anna: completamente sóbria. Extremamente pura. E teria falado se não fosse o manobrista abrir a porta e estender a mão para ela. Ben lhe entregou as chaves e então com um jeito brincalhão ofereceu o braço para Anna. -Vamos? O momento tinha passado. -Vamos. Eles se juntaram à fila de convidados que se estendia pelo tapete vermelho e passava sob um arco gigantesco feito de rosas vermelhas e douradas entrelaçadas, formando os nomes JACKSON + POPPY. - Anna Percy? É você? Anna se virou e sorriu ao reconhecer a senhora chique atrás dela. - Lizbette! - exclamou. - Que maravilha ver você. Deram dois beijinhos daquele tipo que não chega nem a encostar o rosto. - Que surpresa, Anna. Não sabia que você conhecia Jackson. - Ela não conhece - disse Ben discretamente. Anna tocou no braço de Ben. - Desculpe, deixe-me apresentá-los. Alteza, este é Ben Birnbaum. Ben, esta é sua Alteza Real, a princesa Demetrius.
- Por favor, me chame de Lizbette - pediu a princesa, apertando a mão de Ben. - Qualquer amigo de Anna é meu amigo, especialmente os bonitos. - O prazer é meu - disse Ben. - Com licença agora, mas tenho que encontrar um amigo, estou terrivelmente atrasada. Adorei conhecer você, Ben. Mande lembranças para a sua mãe, Anna querida. Ben olhou para Anna com ar intrigado enquanto caminhavam para o prédio. - Sua amiga... Sua Alteza Real, a princesa Demetrius? - Da Grécia - completou Anna. - E de onde você conhece Sua Alteza Real, a princesa Demetrius da Grécia? - Ela e minha mãe foram colegas de quarto num colégio interno. Na Suíça. - Impressionante. As únicas princesas que conheço têm sobrenomes como Spelling. Ou Sharpe. - Como Sam Sharpe? - sugeriu Anna. - Ela tem seus momentos de princesinha. Mas pode ser adorável também. "Adorável?" Anna ficou pensando se Sam Sharpe e Ben já teriam namorado. Bom, tinha apenas que esperar para ver como eles reagiriam um ao outro. Chegaram à barreira de segurança. Ben mostrou o convite e a identidade. Passaram o convite por um leitor eletrônico para verificar se não era falso. Então, sem mais nem menos, Ben e Anna foram informados de que a revista People tinha os direitos exclusivos da divulgação e que fotografias particulares eram terminantemente proibidas. Finalmente entraram na cúpula principal do observatório; já estava lotada de ricos e famosos, todos parecendo se conhecer. Anna esteve ali, anos atrás, com seus avós e adorou. Mas o interior estava bem diferente, depois das modificações para o casamento. O globo enorme ainda estava no centro do salão, só que embrulhado em veludo vermelho e dourado. Acima, um imenso sino de metal dourado balançava devagar pendurado num cabo de ferro. O badalo do sino era um anjo dourado, atirando uma flecha num coração vermelho. Anna observou os famosos murais do teto, os planetas representados por deuses da mitologia. - Devem estar de brincadeira - murmurou. - O quê? - perguntou Ben. Anna apontou discretamente para Zeus nu, com o rosto substituído por outro, semelhante ao de Jackson Sharpe. Ao lado, Afrodite tinha agora o rosto de Poppy Sinclair. - Não acho que tentaram ser irônicos. Ben passou o braço em torno da cintura de Anna. - Como é bom estar com uma garota como você. Ela já tinha adiado bastante o inevitável. - Agradeço o elogio. Mas, na verdade, Ben, não sou ... Anna buscava as palavras certas. Ele riu, encantado. -Não é o quê? - É que ... - Não havia maneira fácil de dizer. - É assim. Bebi champanhe com uma amiga no caminho para o aeroporto, e depois tomei três drinques no avião, e, na verdade, não costumo beber tanto, então eu estava ... bem ... "alegre" quando você me conheceu. E aquela ... não era realmente eu.
- O quê? - Ben parecia chocado. O coração de Anna ficou apertado. Era exatamente isso que temia. - Sinto muito se lhe dei uma impressão errada. Não costumo... Ben riu e a abraçou. -Anna. O jeito que ele disse o nome dela era uma carícia. E então, na frente das estrelas de cinema e dos ricos e poderosos de Hollywood e sob a corda de 12 metros para badalar o sino metal dourado do casamento, ele a beijou. SETE 17H51 NA COSTA OESTE - Quem é aquela? - disparou Sam. - Não tenho idéia - respondeu Dee. Elas estavam no balcão olhando a cúpula de cima, vendo Ben beijar uma loura alta e magra que, pelo menos à distância, parecia ser assustadoramente perfeita, e o que é pior, de uma maneira supernatural. - Ele veio acompanhado - deduziu Sam, com o coração partido. Dee suspirou. - Mas ele ia vir sozinho. Sam, no seu vestido de dama-de-honra Versace horroroso, comparou-se mentalmente com a misteriosa jovem que estava com Ben e, na mesma hora, sentiu-se um lixo. Não que fosse deixar Dee saber disso. - Pobre Cammie - disse Sam. - Vai ter um ataque. - Pobre Cammie - concordou Dee. Elas viram a garota que estava com Ben jogar a cabeça para trás e rir. - Ela parece familiar, não parece? - perguntou Sam. - Seja quem for, é bonita. "Dee sempre fala o óbvio", pensou Sam. A garota que estava com Ben tinha aquele tipo de beleza natural que nenhuma cirurgia plástica conseguiria imitar. Você tem que nascer com ela. Aquela filha-da-mãe. Dee apertou os lábios. - Talvez Ben não a tenha trazido. Quem sabe ela é amiga de Poppy, e eles só se encontraram. - Dee, ele está com a mão na bunda dela. - Não, na cintura. - Um detalhe técnico. É óbvio que ela é a namorada dele. - Acho que ela é um pouco alta demais para Ben. - Otimo, vamos dizer isso a ele - disse Sam, sentindo-se enfraqueci da diante da perspectiva de ter que competir com aquela garota, fosse ela quem fosse. - Meu Deus, odeio este vestido. Odeio este casamento. Odeio minha vida. Meu pai provavelmente nem notaria se eu fosse embora. Que diferença faz se Poppy tiver uma dama-de-honra a menos? Tem outras nove. Ele só se preocupa com ela mesmo. - Você sabe que o dr. Fred disse que você e Poppy não podem competir pelo carinho do seu pai -lembrou Dee.
- Meu pai e eu teríamos que nos ver de vez em quando para isso acontecer. De qualquer modo, sou uma vaca. - Não é, não - disse Dee, tentando animá-Ia. - Olhe para a namorada de Ben! Parece Grace Kelly, e estamos falando do período do fIlme Janela indiscreta, antes de ela ser a princesa de Mônaco. Ela veste 34, no máximo. É uns oito centímetros mais alta do que eu. - Beijo-beijo - cantarolou uma voz, e Cammie Sheppard veio deslizando. Sua marca registrada, os cachos louro-avermelhados com jeito de "acabei-de-sair-da-cama" iam até o meio das costas. Cammie estava deslumbrante no vestido Balanciaga verde-água com corpete de couro. Deu um giro de 360 graus para mostrar a fita de veludo que amarrava o corpete nas suas costas perfeitas, em forma de coração. Sam viu como Cammie estava fabulosa e ficou deprimida de novo. Cammie tinha lábios carnudos e olhos profundos cor de mel. Era naturalmente esbelta e tinha pernas bem longas. Na verdade, tinha comprado um sutiã que aumenta os seios e transformado seu cabelo castanho comum naquela explosão de cachos, mas e daí? No conjunto da obra era uma deusa. - Oh, meu Deus! - Cammie balançava de um lado para outro quando pegou no vestido de dama-de-honra de Sam. - Você parece o Oscar versão drag queen. - Cammie! - exclamou Dee, séria. - Alguém precisa limpar seus ehakras. - Dee, por que você não tatua a frase "Fracasso New Age" na testa - respondeu Cammie irritada - e nos poupa a todos da agonia de ter que ouvir a sua voz? Dee ficou magoada. Aquela observação era cruel até para os padrões de Cammie. Talvez ela estivesse de TPM ou coisa parecida. Por outro lado, sabia que a crueldade estava nos genes de Cammie. O pai dela foi um superexecutivo da Agência Creative Artists, conhecido por ser um filho-da –puta num negócio onde isso queria dizer muito. - Vou me trocar logo que a cerimônia terminar – disse Sam para Cammie. Lá embaixo, viu Ben pegar duas taças de champanhe de um garçom drag queen vestido de gueixa (Poppy tinha dito a Sam que o homem-gueixa era o bufê do momento) e brindar com a jovem misteriosa. - Sushi de atum? Um homem-gueixa apareceu do nada, oferecendo uma bandeja de sushi. - Não, obrigada - disse Sam, dispensando o garçom e pegando a mão de Cammie. - Tudo bem, não tenha um ataque, mas Ben está aqui. Os olhinhos de Cammie se iluminaram. - Por que eu teria um ataque? Se ele for mesmo levado, posso até pegá-lo de volta. Dee e Sam se entreolharam, e então Dee apontou discretamente para o salão principal, onde Ben e sua misteriosa acompanhante estavam conversando com uns amigos dele dos tempos de colégio. As bochechas pálidas de Cammie ficaram cheias de manchas. - Quem é aquela ali? Dee cruzou os braços. - Do ponto de vista de Zohar, esta não é a reação mais saudável que você pode ter. - Uma aula no Kabala Center não faz de você uma Madonna.
- disparou Cammie. - Seis - disse Dee magoada. - Seja o que for. Encontrei a irmã de Ben ontem na academia de ioga e ela me disse taxativamente que ele vinha sozinho. -Sam? As meninas se viraram e viram a organizadora do casamento, Fleur Abra, batendo impacientemente com os dedos na sua prancheta e olhando para Sam. -O que é? - O que você está fazendo aqui em cima? – perguntou Fleur, desligando o rádio de comunicação que usava. – Você é uma das damas-de-honra. Elas estão sendo fotografadas neste instante no Salão Leste. Vá até lá. - Não sou nada fotogênica. - Sam voltou para observar Ben. A garota misteriosa tinha pegado no braço dele. Este evento deveria terminar como Três amigas e uma traição, ou seja, mesmo Sam não sendo a mais magra ou a mais bonita, acabaria com o cara de qualquer jeito. No entanto, até agora, parecia que a garota misteriosa não tinha nenhuma participação no roteiro de Sam. "Bom", pensou Sam, "vamos dar ao roteiro uma linha mais dramática". Ela só tinha que ir até lá e ser doce e maravilhosa e corajosa e... - Sam!- exclamou Fleur interrompendo aquela seqüência mental. - São as fotos do casamento do seu pai. Você deveria querer estar nelas. - Já estou numas fotos de casamento do meu pai, Fleur. Sete anos atrás. Acho que já está mais que bom. - Você não se importa com os sentimentos do seu pai? - Ele não vai notar - disse Sam, com os olhos fixos em Ben e na garota bonita. - Tenho certeza de que não é verdade - disse Fleur, chupando as bochechas magras. Qual o problema de vocês, pestinhas de Hollywood? Você acha que o mundo tem que girar ao seu redor o tempo todo? Está querendo estragar, de propósito, o dia do seu pai e da Poppy? É o que você quer? Antes que Sam respondesse, Cammie se aproximou. - Como é mesmo o seu nome? Fluoreta? A organizadora do casamento apertou bem os lábios, demonstrando aborrecimento. - Fleur, mas você pode me chamar de srta. Abra. - Sabe o que ela quer, Fluoreta? - prosseguiu Cammie, contando nos dedos - (a) que seu pai e sua mãe ainda estivessem casados, e a mãe deixasse seu caso com o Dalai Lama; (b) ter as pernas da supermodelo Heidi Klum; (c) a paz mundial; e (d) um vestido de damade-honra que não a faça parecer o abominável homem das neves brincando de se vestir de mulher. Então, a menos que você consiga fazer essas coisas acontecerem, sugiro que dê o fora daqui e deixe a minha amiga em paz. As recém-reconstruídas narinas de Fleur (Sam sabia que tinham sido destruídas pela cocaína) tremeram com indignação quando ela saiu. Sam sorriu em agradecimento a Cammie. Ela conseguia dar um fora em uma pessoa como ninguém era capaz de fazer. - Obrigada - disse Sam. - Não tem de quê. - Cammie tirou o pó compacto da bolsa Prada e checou se seu gloss rosa-claro da Stila estava em ordem. - Sabem o que eu acho? - disse, olhando-se no espelho. - Que devemos ir lá embaixo e fazer uma chegada triunfal. Estou louca para conhecer a amiguinha de Ben. Vocês me apóiam?
Sam e Dee concordaram em ficar ao lado de Cammie no seu momento de necessidade. As três puseram na boca a pastilha de hortelã distribuída na entrada, jogaram os cabelos para trás e desceram as escadas de caracol que levavam à cúpula. Na cabeça de Sam, pareciam até o trio de meninas gostosas e sacanas de Um crime entre amigas (o filme era uma droga, mas as roupas eram lindas de morrer!). Hora de encontrar, cumprimentar e disputar. OITO 18H01 NA COSTA OESTE Assim que Ben sentiu o toque da mão de Anna no seu braço, viu um raio do sol da tarde em forma de cachos de um louro-avermelhado do outro lado da cúpula. Só havia uma garota no mundo com um cabelo como aquele. Cammie Sheppard. E ela vinha na sua direção, com Sam e Dee a reboque. Ben não pôde deixar de notar que Cammie ainda caminhava de um jeito sexy. Era a garota mais gostosa que já tinha conhecido na vida - podia fazer o Homem de Gelo evaporar. Mesmo não gostando de Cammie, adorava fazer sexo com ela, mas depois não ficava bem consigo mesmo. Porém isso já estava superado. Não ia deixar sua vida ser comandada pela cabeça abaixo da cintura. Enquanto Ben via a aproximação da trindade que não era nada santíssima, pensou que deveria ter preparado Anna para este momento. - Anna, está vendo aquelas três garotas? - disse ele rapidamente, estendendo a cabeça na direção do exército que avançava. - A de cabelos castanhos é a filha de Jackson - Oi, Dee - disse Ben calmamente. Ela ficou na ponta do pé para abraçá-lo. Sam colocou os braços em volta do pescoço dele. Cammie estava confiante o bastante para ser a última. Providenciou que houvesse um contato pélvico quando eles se beijaram. O que não passou despercebido para Anna. Havia alguma coisa com relação a essas garotas que a deixou na defensiva. Deu o braço para Ben. - Então, me apresente às suas amigas. Ele apresentou. As garotas disseram a Anna que era um prazer conhecê-la. Que tinham amado seu vestido. Que seus sapatos eram lindos. Anna disse que tinha se esquecido como é fresco em Los Angeles à noite; fresco o bastante para um agasalho, mas obviamente não para um casaco de inverno. Cammie imediatamente se candidatou a liderar uma expedição de compras na Fred Segal. - Você não usa pele, não é, Anna? - perguntou Dee. - Porque é como se eu ainda ouvisse os animais gritando quando vejo a pelezinha deles. - Você está usando sapatos de couro, Dee – apontou Cammie. - Eles foram feitos das pelezinhas. - Ahh. - Dee fez um som de tristeza. - Então, Ben - começou Sam -, pensei que você viesse sozinho ao casamento. - Vinha mesmo. Mas liguei para a organizadora do casamento do avião e disse à assistente dela que tinha mudado meus planos. Ela disse que tudo bem. - Espero que não tenha sido muito inconveniente - acrescentou Anna.
- Não é problema nenhum - assegurou Sam. - Camarão frito? - ofereceu um homem-gueixa. Ninguém aceitou. - Adorei esses garçons - comentou Anna -, levei um tempo para perceber que eram homens. Sam pegou uma taça de champanhe da bandeja de um homem-gueixa que passava. - Nem todos - confidenciou. - Um deles é uma mulher. Em princípio, deveríamos adivinhar que tipo de equipamento está sob esses quimonos. - Como se alguém se importasse com isso. _ Se eu ficar de saco cheio, vou fazer uma pesquisa com as mãos - disse Cammie piscando para Ben e dando um sorriso que mais parecia o do gato de Alice no país das maravilhas. O jeito que Cammie estava olhando para Ben e o modo como ele evitava olhar de volta fez com que Anna ligasse o alerta vermelho. Qualquer idiota perceberia que havia alguma coisa entre os dois. Cammie Sheppard era uma das garotas mais bonitas que Anna já tinha visto, sexualmente tão atraente que fazia Anna se sentir uma pré-adolescente. Além disso, parecia ter a mesma segurança que Cyn. Cyn, no entanto, era um amor, e Anna tinha uma forte sensação de que Cammie, bem ... não era. Meu Deus! E se Cammie e Ben fossem a repetição da história de Cyn e Scou? Mas então Anna sorriu. Era ela quem estava com Ben e não Cammie. Dessa vez ela tinha o cara. Enquanto as três garotas continuavam o papo, Anna se encostou gentilmente em Ben. Ele acomodou o braço em torno de sua cintura. Se ficou surpreendido com a confissão que ela fez sobre a garota do avião não ser a "verdadeira Anna", não demonstrou nada. Anna esperava que ele estivesse tratando do problema com calma. - E então, Anna. Estamos morrendo de curiosidade para saber como você e Ben se conheceram - exclamou Dee. - Em Princeton - disse Ben na mesma hora. – Teve uma chopada na casa do Lambda Chi depois do jogo de futebol da Yale. Tinha uns bêbados no final da fila empurrando ela... - E Ben veio me salvar - disse Anna, encantada por estar brincando na nova e aperfeiçoada história de como nos conhecemos. Era como se houvesse um código secreto que só eles soubessem. - Nos livramos da festa, entramos no jipe dele e fomos para a praia. - Long Beach - acrescentou Ben. - Para ver o nascer do sol- concluiu Anna. Dee suspirou. - Coisas assim nunca acontecem comigo. - Ben Birnbaum, estou muito impressionada – sussurrou Cammie. - Sempre achei que você fosse mais do tipo que não-faz-prisioneiros / dá-uma-rapidinha-de-pé-mesmo. Cammie estava se referindo a uma experiência que tiveram uma vez atrás do palco no Viper Room. Muita tequila Cuervo Gold faz uma garota perder suas inibições. Não que ela tivesse tantas assim para perder, sabia perfeitamente disso. Ben era muito diferente naquela época. Pelo menos, assim parecia para Cammie. - Acho que Anna revela um lado meu diferente – disse Ben. - Que gracinha, Anna - disse Cammie de um jeito meloso, e mentalmente acrescentou: "Morra, sua vaca." - Há quanto tempo vocês estão juntos? - perguntou Dee.
Ben esticou a cabeça na direção de Anna. - Quanto ... uns três meses? - Dois meses e meio - corrigiu Anna. - Mas parece que ... - Dee, querida! - interrompeu um rapaz baixo, de trinta e poucos anos, vestido com um paletó de smoking de couro preto e calça jeans preta. Abriu os braços para Dee, que deu um gritinho e pulou no meio deles. - Ouvi dizer que Bobby e Whitney enlouqueceram de novo. Papai não achou que você fosse conseguir – disse Dee abraçando o homem de novo. - Estou tão feliz por você estar aqui! Era mais do que tanto Anna quanto Ben poderiam dizer. O queixo de Anna caiu quando ela viu Ben ficar tão branco quanto sua camisa. Dee estava nos braços de ninguém mais, ninguém menos do que o diabo do vizinho de poltrona no avião, Rick Resnick. Rick viu Anna e Ben. Um sorriso malicioso surgiu em seu rosto. - Bem, bem, bem, este não seria um momento de um filme chato. Annie-bo-binha e seu parceiro endiabrado! - Vocês se conhecem? - perguntou Dee, confusa. Rick balançou o dedo em direção à Anna. - Eu a conheci no avião vindo de Nova York. - Ei, não venha bancar o babaca pra cima de nós – murmurou Ben. - Eu, um babaca? - perguntou Rick, virando-se para Dee. - Foi quando o parceiro endiabrado conheceu ela também. - Errado - disse Sam. - Eles estudam juntos em Princeton. - O cacete! - disse Rick aos berros. - Estou lhe dizendo que eles se conheceram no avião. Ela estava bêbada e querendo se divertir; ele se aproximou; e depois, tchã-tchã-tchãtchã, foram para o banheiro da primeira classe – completou Rick, fazendo um gesto com o punho para dar uma certa ênfase visual. Um calor subiu pelo rosto de Anna. - Não foi isso o que aconteceu. Nós ... Eu ... O rosto de Cammie se iluminou. - Oh, meu Deus! É verdade. - Não devemos nenhuma explicação para eles – disse Ben baixinho para Anna. - Ben, como você pôde fazer isso? - gritou Sam, tirando o máximo de proveito do momento. Pôs a mão no coração. - Você trouxe uma galinha de segunda para o casamento do meu pai? Deus, ela provavelmente deu para você para ser convidada. Se havia uma coisa que Anna sabia é que não era uma "galinha de segunda". Também sabia que qualquer coisa que ela ou Ben dissessem agora só os faria parecer mais culpados. Se ela achou que ser apanhada no avião tinha sido uma humilhação, agora via que aquilo não era nada comparado a este momento. Uma imagem surgiu na mente de Anna, a do bendito Cupido no caramanchão da casa do pai. O Cupido era o deus do amor para os romanos. Neste momento Anna desejou com cada fibra do seu ser que ela fosse o Cupido. Porque o Cupido bateria asas e simplesmente sairia voando.
NOVE 18H24 NA COSTA OESTE Na entrada principal do planetário, os convidados eram acompanhados até seus lugares ao longo de corredores salpicados com pétalas de rosas - verdadeiras desta vez. Os assentos foram todos estofados de seda dourada com guirlandas de rosas vermelhas pintadas à mão para o casamento. Cammie Sheppard reagiu um pouco a isso. Sentou-se ao lado dos pais na décima fIla e arranhou com a unha, pintada à francesinha, a estampa da almofada com rosas. - Se esta merda manchar o meu vestido, vou processá-los - disse ela para o pai. Clark Sheppard orgulhosamente deu uns tapinhas no joelho dela. - Esta é a minha menina. Sua madrasta, Patrice, fuzilou Cammie com o olhar. Não havia nada de novo nisso. Cammie sabia que Patrice tinha má vontade com ela. Tudo bem para Cammie, afinal, era recíproco. Sua mãe tinha sido professora de artes da escola primária e morreu num misterioso acidente de barco quando Cammie tinha oito anos. Naquela noite, Cammie estava na casa de Dee, dormindo fora pela primeira vez. Quando o pai foi buscá-la no dia seguinte e deu a terrível notícia, Cammie não acreditou. Como é que a mãe dela podia estar lá num dia e ter ido embora para sempre no dia seguinte? Elas estavam pintando juntas um mural com motivos do livro infantil A menina e o parquinho na parede do quarto; com certeza ela voltaria para casa para concluir o projeto. Mas o mural não foi terminado. Cammie nunca deixou ninguém mexer nele. O desenho inacabado ainda decora uma das paredes do seu quarto. Nunca mais dormiu na casa de ninguém. Ficava constrangida em admitir isso porque sabia que era irracional: se passasse a noite toda fora de casa tinha medo que o pai morresse. Quando a mãe de Cammie morreu, o pai dela era um agente iniciante na William Morris. A família morava numa região chamada "adjacências de Beverly Hills", ou seja, estava à sombra do poder e da fortuna verdadeiros sem de fato possuí-los, o que aborrecia Cammie ao extremo. Dois anos depois, o pai dela se casou com Patrice Koose, uma ex-atriz agenciada pela William Morris que queria voltar à cena. Seu pai tinha arranjado para Patrice um papel de mãe da Natalie Portman num filme de baixo orçamento, feito por uma produtora pequena, sobre uma mãe que lutava por sua filha depois de tê-la vendido como escrava sexual para gângsteres russos. O que lhe valeu uma indicação para o Globo de Ouro. Depois disso, Cammie tinha a impressão de que todas as ex-atrizes de Hollywood procuravam seu pai para voltar à cena. Começou com as antigas do time ai-meu-Deuspensei-que-ela-tinha-morrido, depois vieram as por-favor-ela-tem-mais-de-quarenta-peloamor-de-Deus, seguidas das de trinta-anos-à-beira-de-ser-uma-ex. Depois disso, a Creative Artists Agency, mais conhecida como CAA, a mais poderosa agência de talentos de Hollywood, tirou o pai de Cammie e seus clientes da William Morris com a oferta de um baita escritório no ponto mais nobre da cidade. Começou a entrar um bom dinheiro, e Clark Sheppard mudou-se com a família para uma mansão na área dos ricos e famosos. Cammie queria se mudar, já que, comparada com as de todas as crianças que conhecia,
sua casa era uma merda. No entanto, queria, mais do que nunca, manter o mural da A menina e o porquinho que ainda decorava a parede, a última prova tangível de que sua verdadeira mãe tinha existido. Então, teve um impressionante ataque histérico, digno de uma ópera. Seu pai insistiu para que os arquitetos da nova casa incorporassem o mural ao novo quarto dela, e eles o fizeram. Na noite em que Patrice disse para seu novo marido que detestava crianças e que o melhor que podia fazer era ficar fora da vida de Cammie, por acaso, Cammie estava ouvindo a conversa pelo basculante do banheiro. Então, na verdade, a menina foi criada por uma coleção de babás. O bom disso era que ela nunca precisou estudar para as aulas de espanhol 1, 2, 3 e 4. Cammie decidiu que, se Patrice ia ignorá-la, faria o mesmo. Em sua cabeça, Patrice era apenas uma mulher chata que morava na sua casa. Cammie cumpriu sua parte no trato. A madrasta, por outro lado, aproveitava todas as oportunidades possíveis para infernizar a vida dela. Não havia limites: eram os rapazes com quem ela saía, seu cérebro, suas notas, suas roupas. Patrice olhou para o decote de Cammie e desaprovou. - Um pouco óbvio para um casamento, Cammie. Parece que você vai sair se vendendo por Hollywood e Vine. Vaca ciumenta. Cammie dobrou o punho e ficou sacudindo a mão mole para a frente e para trás bem rápido. - Sabe o que é isso? - Não tenho idéia - respondeu Patrice friamente. - É a pelanca do seu pescoço. Está na hora de um pequeno retoque, Patrice. Mas tenho certeza de que o telefone do dr. Birnbaum está entre os seus números de discagem rápida. - Você é uma vaca, Camilla. - Nada como uma vaca para reconhecer outra. Clark Sheppard riu. Típico. Cammie sabia que o pai gostava de fingir que a discussão entre elas era uma brincadeira. Cammie cruzou os braços e virou de costas para a madrasta. Algumas filas na frente e um pouco mais à esquerda, viu Ben e Anna sentados juntos. A mãe e o pai de Ben, dr. Dan Birnbaum e sra., estavam com eles. Ben e Anna estavam entretidos numa conversa, e Ben deu uma olhada para trás na direção de Cammie por um instante. Ela sorriu lentamente, de um jeito sensual. "Bom", pensou ela. "Muito, muito bom." A verdade era que Ben Birnbaum foi o primeiro rapaz por quem Cammie se apaixonou de verdade, profundamente. Não que ela tivesse falado isso para ele. Ele nunca disse "Eu te amo" para Cammie, e ela não seria a primeira a dizer. Mas ela o amava. Pensou até em quebrar a regra do nunca-dormir-fora-de-casa por causa dele, porque ele a fazia se sentir muito segura. Também nunca tinha dito para as suas pretensas melhores amigas que Ben era mais do que sexo gostoso. Cammie não ia dar a ninguém este tipo de poder. Deu uma outra olhada na garota que Ben tinha arranjado. Francamente, depois da humilhação pública que aquele produtor de disco idiota a tinha submetido, Cammie estava surpresa de que ela tivesse ficado para a cerimônia. Isso só podia significar que a menina era corajosa, e que Ben estava realmente interessado nela, apesar de terem acabado de se conhecer. Merda. - Oi, Cammie.
Ela se virou na direção da voz masculina que vinha de trás e viu Adam Flood sentar no lugar que os pais dele tinham guardado. No ano anterior, Adam era aluno novo na escola. Tinha uma aparência saudável e era bonito, gênero Ben Stiller - se Ben Stiller fosse uns 15 centímetros mais alto e tivesse o hábito de pintar os cabelos de cores bizarras e diferentes. Adam não representava ameaça para ninguém e era tão engraçado e legal que conquistou sem esforço um lugar na lista VIP da escola. Ninguém ficou chateado por ele logo ter se tornado armador do time titular de basquete, nem porque falava russo, ou porque fazia parte da seleção nacional de jogadores de xadrez. Desde a última vez que Cammie o tinha visto, o cabelo de Adam tinha passado de preto Elvis para quase azul. - Está bonito - disse ela sorrindo. - Está horrível- comentou a sra. Flood, apesar de estar com um ar encantado quando disse isso. Adam lhe contou um dia que seus pais se conheceram quando cursavam direito na Universidade de Michigan. Um casal que se conheceu num curso de direito, se casou, teve filhos e vivia feliz para sempre? Para Cammie, parecia uma espécie de conto de fadas. Os Flood tinham se mudado de Ann Arbor para Beverly Hills e os pais de Adam entraram para um prestigiado escritório de advocacia especializado em entretenimento. Defendiam os interesses legais de Jackson Sharpe e moravam a poucos quarteirões de Cammie. Ela supunha que eram razoavelmente ricos, apesar de serem bem despretensiosos - quase não se ouvia falar deles no círculo social de Cammie. Sua casa era bem menor do que a dela. Os carros deles eram ecologicamente corretos. O do sr. Flood era um Prius. A mulher dele tinha um Saturn. Quanto a Adam, não tinha carro próprio, o que era impensável para um adolescente em Beverly Hills. Cammie gostava de estar com os Flood, era como estudar relíquias pré-históricas de uma outra era, quando as famílias viviamjuntas e realmente pareciam gostar uns dos outros. Adam observou o planetário. - Ei, se eu soubesse, teria vindo com algo tipo Jornada nas estrelas. Cammie riu. - E provavelmente teria feito uma. A mãe de Adam cutucou o filho. - Quem é aquela cantora loura que escreve poesia de quem você gosta tanto? Eu a vi ali agora mesmo. - Que legal, mãe - disse Adam. - Você já tinha visto tantas estrelas de cinema juntas num só lugar? - perguntou o pai dele. Adam concordou com os pais, levantando o polegar. - Eles ainda se deslumbram com as estrelas - disse ele a Cammie. - Então, onde está todo mundo? Cammie, como sempre, estava em dia com o assunto e pronta para listar uma série de nomes em ordem decrescente de importância. - Bom, você sabe onde Sam está. A última vez que vi Dee, estava com um cara que vestia um smoking de camurça. Conhecendo Skye e Parker, provavelmente estão no telhado fumando haxixe, que ela trouxe do Marrocos. Os pais de Krishna pagaram para ela vir, então ela deve estar por aí com Damian. Ashleigh e Jordan estão no... - Ei, lá está Ben Birnbaum - disse Adam apontando com o queixo na direção de Ben. -
Olhe, ele trouxe uma acompanhante. Uau! Cammie não precisava de tradução. Obviamente Adam tinha acabado de ver a garota que estava com Ben, e "uau" era sua opinião sobre ela. Isso não ia dar certo. Ben simplesmente não podia estar com outra garota que inspirasse um "uau"! Do fundo do planetário, um quarteto de cordas começou a tocar uma clássica canção de amor. A cerimônia, um pouco atrasada, começaria a qualquer momento. Cammie tinha certeza de que não demoraria. As pessoas em Beverly Hills sabiam que um casamento como instituição podia ser breve, então esperavam uma cerimônia curta seguida de uma festa longa e farta. O que significava que Cammie não tinha muito tempo para definir como ia lidar com a acompanhante de Ben. Alguma coisa tinha que ser feita, mas o quê? A única condição era que não desse cadeia. DEZ 18H40 NA COSTA OESTE Quando Anna viu Poppy Sinclair caminhar com leveza em direção ao altar, perdeu o fôlego. Mesmo grávida de muitos meses, Poppy era uma bela jovem. Mas seu vestido de noiva, com milhares de canutilhos cercados de lantejoulas e pérolas, mais uma cauda enorme, era tão exagerado que Poppy parecia a Barbie interpretada por Roberto Benigni. Depois de um ácido. Todo o cortejo do casamento foi assim. Na frente, duas menininhas, vestindo miniaturas idênticas do vestido de noiva de Poppy, jogavam pétalas de rosas de cestinhas douradas. Depois, dez damas-de-honra com vestidos absolutamente horrorosos. Considerando-se que Sam tinha sido mal-eduada, Anna sentiu um certo prazer ao ver como o vestido de dama-de-honra lhe caía mal. Parecia um patinho feio dourado entre nove cisnes de ouro. As damas-de-honra estavam acompanhadas de dez pajens também vestidos de dourado. Jackson Sharpe, que piscava e fazia caras e bocas para seus amigos, os seguia. Então, finalmente vinha Poppy, cuja cauda de seis metros era carregada por oito garotos vestidos como príncipes, de jaqueta e calça de veludo até o joelho, com camisa de punho e gola de renda. A cerimônia felizmente foi curta. Não que Anna conseguisse prestar atenção. Depois do segundo encontro desastroso com o agradável Rick Resnick, queria ter uma saída honrosa. Mas Ben insistiu em ficar, dizendo que nenhuma dessas pessoas tinha importância. Contra a vontade, teve que concordar. - Eu vos declaro almas gêmeas - disse a ministra, uma mulher que ela reconhecia vagamente de um artigo no New York Times sobre líderes religiosas New Age. Ao ouvir estas palavras, Jackson Sharpe e Poppy se abraçaram, trocaram um longo beijo, e os fotógrafos da People imortalizaram o momento de todos os ângulos possíveis. Então Jackson Sharpe - cujo falecido pai era judeu - quebrou uma taça de vinho com o salto do sapato, e o quarteto de cordas começou a tocar" Endless Love". - Uma experiência e tanto - disse Ben a Anna rindo, quando a música tradicional de casamento começou. Ele consultou o cartão que recebeu na entrada do observatório, com a programação do casamento. - Diz aqui que agora vamos jantar no gramado principal. - Mas viemos daquela direção e não havia nenhuma tenda. - Ei, se Poppy quiser, os melhores organizadores de festa do mundo vão fazer. Aposto
com você. - Pegou a mão de Anna e seguiram a multidão por outro daqueles tapetes vermelhos que pareciam estar por toda parte. Este saía da cúpula principal e entrava pela noite. Lá fora, Anna se surpreendeu com a transformação. Refletores brilhavam na direção do céu, como no lançamento de um filme. Uma lona de circo gigantesca foi montada, com ventiladores de ar quente para manter a temperatura agradável. Inúmeras mesas redondas com cadeiras circundavam a pista de dança de madeira. As paredes estavam decoradas com cartazes, que iam do chão ao teto, de filmes de Jackson e Poppy, e uma orquestra num palco tocava o tema romântico de Romeu e ]ulieta. - Agora está feliz por termos ficado? – perguntou Ben. Muito. Pelo menos a parte mais teimosa de Anna estava, a parte que não queria deixar aquelas garotas metidas ganharem com tanta facilidade. - É incrível- admitiu Anna. - Incrível- concordou Ben; sorrindo para ela. – Dance comigo. Os lábios de Anna se abriram num sorriso. - Acho que o protocolo manda esperar pelos noivos. - Ah, você certamente não conhece a cláusula de Hollywood do segundo-casamento-ou mais-do- noivo. Os olhos azuis de Ben piscaram para ela. Anna sentiu como se pudesse mergulhar naquele azul sem fim. - E como é isso? - O protocolo não é quebrado, a menos que você esteja realmente na pista de dança. E, como você pode notar, não estamos. Ali mesmo, entre as mesas, Ben passou os braços em torno dela e começaram a dançar. Para Anna, tudo - as mesas, a decoração de mau gosto, sua preocupação com as garotas incrivelmente mal-educadas que conheceu, a tarde pouco agradável com o pai, até mesmo o detestável Rick Resnick - parecia ter sumido no ar. Quando a banda mudou de música, foram procurar seus lugares. Para desapontamento de Anna, teriam que sentar com Cammie e Dee. Sam estava numa mesa reservada para a família e os amigos mais íntimos. Exceto por Anna, todos na mesa se conheciam, então Ben a apresentou. À sua direita estava Adam Flood, um rapaz bonito, de cabelo azul e com um jeito sincero, que parecia um verdadeiro ser humano. Além de Adam, Cammie e Dee, havia um Parker, uma Skye, um Damian e uma Krishna, que estavam doidões, e outros de cujos nomes Anna não conseguia se lembrar. Junto aos pratos e talheres dourados, havia uma caixa embrulhada da Tiffany. Anna abriu a dela. Dentro havia uma pulseira da sorte de ouro com um coração formado pelo monograma de Jackson e Poppy. Na caixa de Ben havia um grampo de ouro para dinheiro com o mesmo monograma. Krishna balançou a pulseira da sorte como se fosse papel sujo. - Isso é tão cafona! - A troco de nada, acrescentou: - Então, Anna, ouvi dizer que você e Ben fizeram saliência dez mil metros acima de Denver. Damian, com cabelo escuro, um rosto indolente e faiscantes brincos de brilhante nas duas orelhas, levantou o que parecia ser um copo de uísque na direção de Anna. - Meu tipo de garota. "Errado", pensou Anna. "Horrível e totalmente errado." A história tinha, com certeza,
circulado, e tudo o que ela podia fazer era ficar calada, apesar de querer muito corrigir esta idéia errada. Mas sabia que soaria como: culpada. Sob a mesa, Ben apertou sua mão em solidariedade. Os garçons-gueixas tinham tirado a maquiagem e vestido smokings comuns para servir o jantar. Colocaram salada de camarão com pêra diante de cada convidado. Os jovens que estavam doidões atacaram a comida antes de todos da mesa serem servidos. - Então, Anna, como é que, na verdade, você e Ben começaram a ficar juntos? perguntou Skye, cortando com entusiasmo o camarão. Cammie e Dee riram baixinho, o que ajudou Anna a decidir que a melhor defesa era um bom ataque. - Na verdade, Ben e eu nos conhecemos no avião. Outros itens da história foram exagerados. De qualquer modo, conheço poucas pessoas aqui. - No sentido bíblico?- perguntou Cammie, ignorando a entrada e pedindo mais champanhe. - Miau - fez Skye, rindo. - Dá um tempo, Cammie - disse Ben. - Magoou, magoou - disse Cammie, como se toda aquela conversa fosse muito, muito divertida. - O que eu e Anna fizemos ou deixamos de fazer, onde nos conhecemos, como nos conhecemos, ou qualquer outra coisa sobre nós não será o assunto do jantar, então por que não falamos de outra coisa? - Ben olhou para Parker. - Como vai o showbiz? - Ah, você sabe - disse Parker vagamente. - Estou envolvido em alguns projetos. - Parker é o ator principal em todas as peças da escola - explicou Dee dirigindo-se a Anna. - Você já ouviu falar de um filme chamado Matando sem controle IV? Ele era o namorado mau que é esmagado por uma patinete com motor descontrolada. - Devo ter perdido - disse Anna educadamente. - A maioria das pessoas perdeu - disse Dee. – Saiu direto em DVD. - Não querendo ofender, camarada, mas o filme era muito ruim - opinou Damian. Sem se abalar, Parker fez um gesto conformado. - Eu sei. Sabe, ninguém começa por cima. Tem que plantar para depois colher acrescentou, piscando na direção de Anna. Anna odiava caras que piscavam. Exceto Ben, claro. Quando ele piscou para ela no avião, elevou o gesto a uma obra de arte. - Meu Deus, todo mundo nesta cidade acha que vai ser uma estrela - disse Skye num tom entediado. – É tão chato e previsível. - Você está muito pessimista porque sua lua está em Júpiter - explicou Dee, enquanto mastigava um pedacinho de camarão. - Eu fazia mapas - acrescentou. - Qual o seu signo, Anna? - Obviamente não é virgem - disse Damian com um jeito de quem entende do assunto. - Cale a boca - disse Ben, com um sorriso forçado. Dee virou-se para Cammie. - Sabe, você é escorpião, e Ben, aquário, o que resulta quase sempre em desastre. Talvez este tenha sido o problema, sabe? O motivo para vocês terminarem. Cammie sorriu friamente e se levantou. - Alguém mais quer ir ao banheiro? - disse, dirigindo a pergunta explicitamente para Dee. - Ah, o.k. - Dee levantou-se também e as duas saíram. Ben inclinou-se para Anna.
- Desculpe se está desagradável para você. - Não tem problema - disse, procurando manter uma expressão neutra no rosto e tomando um gole de vinho. Já tinha percebido que havia alguma coisa entre Ben e Cammie. Não precisava reagir. - Eu ia lhe contar sobre Cammie ... - Você não me deve nenhuma explicação, Ben. - E então, Anna - prosseguiu Parker, começando a passar manteiga no pão -, quando recomeçam as aulas de vocês? Anna demorou um pouco para perceber que ele pensava que ela estava em Princeton com Ben. - Não estudo em Princeton - explicou. - Na verdade, ainda estou no segundo grau. Ou melhor, estaria, mas é que ... é complicado. Parker tomou um gole de champanhe. - Não brinca! Tinha certeza de que você já estava na universidade. - Então você vai morar e freqüentar uma escola daqui? - perguntou Skye. - Na verdade, vou fazer um estágio na agência literária Randall Prescott. - Está brincando! Minha mãe é agente lá – exclamou kye. - Espere aí, você quer dizer que foi dispensada do último ano? - Terminei este ano com créditos suficientes para me formar, e aí... - Que maneiro! - prosseguiu Skye, enquanto caprichava no pão com manteiga. - Meu Deus, adoraria não fazer nada durante o resto do último ano. Estou cheia da Beverly Hills High - disse, dando uma mordida enorme no pão. - Nossa, Skye, por que você não come um pouco do seu pão? - perguntou Krishna com desagrado. - Gosto de beliscar - respondeu Skye, dando outra mordida no pão. - Além disso, não sou como você, que precisa perder uns quilinhos. - Qual é? Quem foi que entrou no menor tamanho de jeans da Barneys na semana passada? - Dane-se - disse Skye, mas pôs o pão de lado. Esta história de competir para ver quem era a mais magra não era novidade para Anna. Muitas de suas amigas em Manhattan tinham a mesma obsessão. Anna sabia como tinha sorte por ser naturalmente magra. Dançou balé durante anos porque adorava. Era sua principal atividade física. Anna adorou quando Adam começou a fazer perguntas sobre sua mudança para Beverly Hills, enquanto as pessoas continuavam a vir até a mesa para conversar com Ben sobre Princeton. Obviamente, Ben tinha muitos amigos. Anna não se incomodava com isso. Nem teria ficado chateada de encontrar uma ex-namorada de Ben. Isso, se a ex-namorada não fosse uma Medusa de salto agulha. Se ao menos Anna pudesse fazer como Atena, transformando o lindo cabelo de Cammie em serpentes contorcidas ... Bom, como não podia, tinha que aturar a garota. Uma coisa era certa: ter Cammie Sheppard como ex não era uma boa informação sobre Ben. ONZE 19H17 NA COSTA OESTE
- Pensei que estávamos indo ao banheiro – observou Dee, praticamente correndo para alcançar os passos largos deCammie. - Mas não vamos. - Cammie empurrou uma porta onde se lia "Saída" em grandes letras vermelhas. Felizmente não soou nenhum alarme. As meninas estavam agora atrás do observatório, onde não havia nada, apenas um gramado que dava num bosque fechado. Cammie abriu a bolsa e remexeu até encontrar meio cigarro de maconha. -Tem fogo? Dee achou fósforos na bolsa e os entregou para a amiga. Cammie leu na caixa: - Art' s Delicatessen, no Studio City? - Meu pai come lá - disse Dee, defendendo-se. Cammie não ligou, acendeu o baseado e passou -o para Dee. - Não, obrigada. Há todo tipo de coisas químicas na maconha hoje em dia. Não fumo, a menos que conheça quem plantou. Cammie deu outra tragada. - Sobra mais para mim. Então, o que achou dela? - Que ela? Ah, ela, ela. Ela do Ben. - Ela do Ben, uma ova. Eles mal se conhecem, Dee - retrucou Cammie. - Então eu sou maiS gostosa, nao é. - Talvez Ben esteja querendo mais do que simples aparências. - Não foi isso que perguntei. - Bom, ela é clássica, de um certo modo. - Clássica sem cor, e fria, aquela vaca. Parece estar usando um cinto de castidade. Cammie apagou o baseado e o guardou com cuidado na bolsa. - Ben vai enjoar dela em cinco minutos. - Não acho. Ele parece realmente estar na dela e... - De que lado você está? - Do seu, é claro - respondeu Dee. Deixar Cammie saber o que sentia por Ben era muito mais perigoso do que Sam saber. Mas Dee estava acostumada a disfarçar seus verdadeiros sentimentos. Ela apenas pausava mais a voz e arregalava os olhos. E foi o que fez agora. - Não estou dizendo que ela seja uma ameaça para você, Cammie - acrescentou, na defensiva. - Você sabe disso. - Certo - concordou Cammie. Deu uns risinhos quando a maconha começou a fazer efeito. - Agora, sim. Me sinto bem melhor. - Vamos entrar. Tenho mesmo que fazer xixi - disse Dee. Cammie riu. - Você é muito engraçada. Fica preocupada com "higiene" depois daquele seu último namorado? Não era ele que nunca usava cueca? - Ele não tinha culpa. A empregada dele foi deportada. Cammie pegou o estojo de pó compacto e se olhou no espelho, afofando sua massa de cachos. - Como aquela loura desbotada pode se comparar a isso? Resposta: não pode - comentou Cammie, guardando o pó compacto na bolsa. - Acho que chegou a hora de uma pequena intervenção divina.
- Rezar pode ser útil, Cammie - disse Dee, cruzando as pernas, morrendo de vontade de fazer xixi. - Juro por Deus, tenho mesmo que ir ao banheiro. Cammie fuzilou a amiga com o olhar. - Que rezar!- exclamou ela. - Há três coisas que são verdadeiramente divinas, Dee: aquele travesti gordo que estrelou todos os filmes de John Waters; perdão, embora tal coisa seja excessivamente valorizada; e eu, quando derrotar aquela vaca do Ben. - Tudo está tão lindo - disse Cammie, sorrindo para seus companheiros de mesa. - Lindo, lindo, lindo. Anna tinha certeza de que Cammie tinha voltado doidona do banheiro. Suas pupilas estavam do tamanho de uma moeda e ela tinha um sorriso idiota no rosto. Claro que havia uma vantagem: Cammie não estava mais sendo escrota. Prancamente, Anna ficou feliz com a trégua. - Lá vem a filha do noivo - cantarolou Cammie com a melodia de "Lá vem a noiva". Toda de preeeto ... De fato, Sam estava vindo para amesa, agora com o vestido preto digno de elogios. Dee sorriu. - Encontrei este vestido para ela. É tamanho quarenta - acrescentou significativamente. - Não importa o tamanho, ela está ótima - disse Adam. - Diga isso a ela e você vai transar hoje à noite, cara - disse Damian de um jeito afetado. Houve mais sacanagem de mau gosto. Anna achou muito cansativo. E chato. Será que os amigos de Ben nunca conversavam sobre coisas interessantes? Ben segurou a mão de Anna. -Você gostaria de dan ... - Estou louca para dançar - anunciou Sam alegremente logo que chegou à mesa, apoiando a mão no encosto da cadeira de Ben, atrás da nuca dele. - Ben? - Na verdade, estava justamente convidando a Anna. Mais tarde, o.k.? - Ah, claro. O.k. Está... tudo bem - gaguejou Sam. - Quer dizer... - Oi, Sam, sou o cara solitário sem acompanhante - disse Adam, levantando rapidamente. - Vamos? - Pegou a mão de Sam e a conduziu para a pista de dança. - Aah. Rejeitada no casamento do pai dela - exclamou Damian enquanto o garçom colocava o prato de salmão enfeitado com pistache na sua frente. Ignorou o prato e buscou o que parecia ser um copo de uísque de novo. - Isso não deve dar certo. - Podia ter ido dançar com ela - sussurrou Anna para Ben. - Acho que você a magoou. Infelizmente, ninguém tinha avisado a Anna sobre o ouvidos biônicos de Cammie. - Tão meigo da sua parte se preocupar - disse Cammie com uma voz melosa. - Você deve ser uma pessoa muito boa. Anna não se preocupou em responder. Era tão clara a falta de sinceridade ... - Está todo mundo pronto para festejar? - perguntou o DJ, substituindo a orquestra, que fez um intervalo. Começou a tocar música eletrônica. Anna ficou satisfeita com a desculpa para deixar a mesa. - Ah, amo isso! - disse Cammie alegremente, pulando da cadeira. - Vamos dançar. Como os outros da mesa se levantaram, Ben se levantou também. Segurou a mão de Anna, que ficou em pé exatamente quando Cammie estava passando atrás da cadeira dela. Anna sentiu um puxão na parte de baixo do vestido de seda no mesmo instante em que ouviu o som de tecido se rasgando. Olhou para baixo. A saia do vestido estava enfiada no salto agulha direito de Cammie. Anna olhou para trás ... e deu com a parte de
baixo da sua combinação de renda La Perla, que mal cobria a curva da sua bunda. A maior parte da saia do seu vestido estava no chão. - Oh, meu Deus, o que aconteceu? Deixe ver! - Cammie deu um passo atrás e rodou Anna tão rápido que ela não teve tempo de resistir. O que significa que Cammie, seus amigos e grande parte de quem estava na festa olhavam pasmos para a bunda de Anna coberta com renda. - Lingerie para matar - exclamou Damian. - Que diabos aconteceu? - perguntou Ben. Cammie batia as mãos nas bochechas. - Ah, sinto muito! A saia do seu vestido deve ter arrastado no chão quando você estava se levantando ... que acidente terrível Anna a fuzilou com os olhos. Não foi um acidente, e as duas sabiam disso. - Que vergonha. E seu vestido era tão bonito também - prosseguiu Cammie. - Vou pagar por ele, é claro. Anna teve o cuidado de não alterar a voz. - Tenho certeza que vai. - Deus do céu, você deve estar morrendo de vergonha - insistiu Cammie exibindo solidariedade. Estava mesmo. Tudo o que Anna queria era ir embora daquele maldito casamento e não mais ter que ver nenhuma daquelas pessoas horríveis para o resto da vida. Mas era filha de Jane Percy. E se recusava a deixar este incidente armado e absurdo derrubá-la. - Por que eu estaria com vergonha? - perguntou Anna na maior calma. - Não fui eu quem destruiu o meu vestido. Além disso, como Damian disse, estou usando uma lingerie para matar. Olhando com admiração para a pose de Anna, Ben tirou o paletó do smoking e entregou para ela. Anna vestiu. Ficou quase no meio da coxa, o que foi um alívio. Então pegou uma faca afiada e cortou a metade da frente da saia do vestido, deixando um pouco mais comprida que a parte de trás. Adrenalina corria em suas veias. Sim! Estava tendo um momento Cyn. Não, estava tendo um momento Anna nova-e-melhorada. Colocou o pano na cadeira, virou-se para Ben e disse: - Vamos dançar. DOZE 20H09 NA COSTA OESTE Música de péssima qualidade embalava Sam, que apoiava a testa latejante no espelho do banheiro. Sua noite tinha sido um desastre. Nada deu certo. Como Ben pôde rejeitá-la na frente de todo mundo quando ela o chamou para dançar? Dane-se aquela droga de Casamento grego! Na vida real, a menina gorda nunca termina com o cara bonito. Graças a Deus Adam Flood estava lá para salvá-la. Adam foi um amor. Sam sofreu naquela coreografia de jogar os braços para cima no "Shout", e depois pediu licença para ter um pouco de privacidade no observatório, agora vazio. De lá ligou para o dr. Fred, a quem o pai pagava um expressivo adiantamento anual. Ele podia muito bem ajudar Sam na hora em que ela precisasse. Só que o dr. Fred não ajudou. Ao contrário, ficou muito irritado porque Sam ligou para a
casa dele na véspera do Ano-Novo. Quando ela contou como tudo estava horrível, ele perguntou se ela tinha repetido suas afirmações: "Eu não sou gorda. Eu sou bonita. Eu crio o meu próprio universo." Dane-se o dr. Fred e as drogas dos seus mantras também. Como se a bunda dele não fosse do tamanho do vale de San Fernando. Ele disse que estava percebendo hostilidade. Droga nenhuma. Com quem ele pensava que estava brincando com aquela mentira de "você cria o seu próprio universo"? Não foi ela quem decidiu que o pai se casaria com uma grávida interesseira. Não foi ela que disse para Ben trazer uma garota linda para o casamento. Não foi ela que... Dr. Fred a interrompeu para dizer que a veria pontualmente no horário de sempre e que estava de saída para um baile beneficiente. Como se Sam estivesse preocupada com isso. Estava no meio de uma crise, disse a ele e... Foi quando a ligação caiu. Desligou na cara dela! Será que não tinha visto Gênio indomável? Ele deveria ter dito que ela não tinha nenhuma culpa com aquela voz realmente reconfortante do Robin-Williams-quando-não-estava-fazendo-o-tipo-terapeuta. Apertou a tecla de rediscagem imediatamente. Dr. Fred tentou dar uma desculpa dizendo que o filho tinha desconectado o telefone. Certo. Ele só não queria que os filhos das celebridades de Beverly Hills apagassem o número do telefone dele de seus palmtops. Bom, pior para ele. Ela ia lhe dar um chute no traseiro. Aquele momento levou Sam para o banheiro mais longe da festa a fim de que pudesse ficar sozinha. Trancou-se numa das cabines, pegou um Valium que tinha escondido na bolsa de festa e tomou. Normalmente Valium amenizava suas crises. Hoje tinha intensificado seu sofrimento. Não conseguia pensar em nada de bom na droga da sua vida. Isto a fez chorar. Tarde demais, ela se lembrou de que não estava usando rímel à prova d' água. Correu para o espelho para examinar o estrago. Dois riscos pretos desciam pelas bochechas. Os olhos estavam vermelhos. Seu batom tinha se espalhado pelo queixo. Parecia a gorda drogada encenada por Patty Duke em Vale das bonecas, Neely O'Hara. Assim que Sam pensou que as coisas não poderiam piorar, pioraram. A porta do banheiro se abriu e a namorada de Ben entrou. Estava usando o paletó do smoking dele e quase mais nada. Por um instante, Sam se esqueceu de seu próprio rosto arrasado. - O que aconteceu com o seu vestido? - perguntou ela. - O que aconteceu com o seu rosto? - replicou Anna. Até parece que haveria alguma maneira em toda a galáxia de Sam fazer qualquer tipo de confidência a esta garota. - Entrou alguma coisa no meu olho e minha maquiagem escorreu. - Certo. E eu fui pega por um aspirador de jardim. Sam despencou sobre uma das cadeiras de veludo do toucador. Que diabo de diferença ia fazer se falasse a verdade? - Chorei e minha maquiagem borrou - confessou. Agora estou totalmente ferrada. - Meu vestido foi rasgado na frente de quatrocentas pessoas - disse Anna -, em sua maioria famosas. Agora eu também estou totalmente ferrada. Estava procurando um lugar mais reservado para cuidar dos meus ferimentos. - Eu também. O que houve? Anna explicou, e Sam tentou não achar graça quando ela abriu o paletó de Ben para
mostrar o que sobrou do vestido destruído. Mas quando Anna puxou o resto do vestido pela cabeça e jogou na lixeira, Sam ficou agitada. Aquela combinação espetacular de seda e renda não era o problema. Mas Sam teve vontade de matá-la quando viu como Anna ficava fantástica com ela. - Cammie fez de propósito? - perguntou. Anna vestiu de novo o paletó de Ben. - O que você acha? -Ah, claro. Anna balançou a cabeça. - Você diz isso como se este fosse um comportamento perfeitamente normal. - Bom, para ela é. - E ela é sua amiga? Sam deu de ombros. - Minha, não sua. O que significa que ela mataria por mim. Ela mataria até você por mim, de tão boa amiga que é. - Espero que você esteja exagerando - disse Anna. "E ela é culta também", pensou Sam. Como se as coisas pudessem piorar ainda mais. - Na verdade... - Anna revirou a bolsa e pegou um tubinho. - Creme de oito horas da Elizabeth Arden. Eu uso como brilho para os lábios. Mas ele remove qualquer coisa. - Ah, meu Deus, você acaba de salvar a minha vida. Obrigada. - Sam puxou alguns lenços de papel da caixa de brocado na bancada e colocou um pouco de creme na mão. - Você sabia que Cammie e Ben tiveram um caso no ano passado? - Percebi. - Anna sentou-se - Percebi. - Anna sentou-se perto de Sam. - Mas se Ben quisesse estar com ela, estaria. Sam começou a limpar sua maquiagem borrada. Ben deveria estar com ela. Não com Cammie. Certamente não com esta garota. Se ao menos ela pudesse dirigir a vida como se dirige um filme ... Poderia ser como aquele fracasso relâmpago, Madrasta, só que com um roteiro decente. Anna pegaria uma daquelas doenças terríveis que deixam a pele descamada e nojenta. Essa tragédia provocaria solidariedade e também seria dramaticamente satisfatória. Então ela e Ben iriam cuidar de Anna, perceberiam que tinham uma ligação mágica, e então, ela e Ben caminhariam ao pôr-do-sol... com a bênção de Anna. Sam observou Anna. Sua pele era a perfeição. Ela não poderia ficar sabendo de jeito nenhum que Sam queria Ben muito mais do que queria uma cinturinha fina igual à de uma supermodelo da capa da Cosmo. Deixe ela pensar que Cammie deve ser sua única preocupação. - Vou dar a você um excelente conselho - começou Sam, pegando outro lenço de papel para remover o resto da maquiagem. - Cammie Sheppard consegue o que Cammie Sheppard quer. Subestimá-la é o seu grande perigo. - Sam olhou fixo para seu rosto limpo no espelho. - Meu Deus, fico uma merda sem maquiagem. - Não acho. - Isso era para ser gentil, não era? - disse virando-se para Anna. - Você tem idéia de que é uma ofensa uma garota que fica bonita sem maquiagem dizer para outra que fica um lixo sem maquiagem que ela está bonita sem maquiagem? - Então você acha o quê? Que eu estava tentando ser boazinha com você? - arriscou Anna. - Ou puxando o saco?
- As duas coisas, provavelmente. Como todo mundo faz. - Por quê? Sam suspirou com impaciência. - Ninguém quer correr o risco de me aborrecer. - Porque seu pai é Jackson Sharpe? - Você não é uma cientista de foguetes. Todo o sarcasmo de Sam e de suas amigas estava começando a irritar Anna. - Há dezenas de pessoas famosas aqui, Sam. Seu pai é apenas mais um. Então, não vejo nada de mais nisso. - Nem toda celebridade é criada da mesma maneira. Meu pai não faz parte apenas da lista VIP. Meu pai é da lista mais-mais-e-mais-praticamente-na-sua-própria-estratosfera VIP. - E é isso que você considera importante? - perguntou Anna. - É o que todo mundo considera importante. Anna se levantou e foi para uma cabine. - Não vou esquecer de contar isso para as crianças famintas da África - disse, e fechou a porta. Sam ficou de boca aberta. Anna era surpreendente. Que cara-de-pau. Era como se passasse a vida se penitenciando, lavando os pés dos pobres. Por favor. Só as pérolas que estava usando dariam para alimentar um país pequeno por uma semana. Anna saiu da cabine e lavou as mãos. Sam devolveu o creme. - Obrigada. - Não tem de quê. - Anna colocou o tubinho na bolsa. - Acho que devemos voltar. Seu pai vai procurar por você. - Duvido muito, ele nem notou que eu saí. - Anna abriu a boca para falar, mas Sam levantou a mão para impedi-la. - Espere, não me diga. Você e seu pai têm um relacionamento perfeito, ele adora o chão que você pisa, e faz blablablá, blablablá, blablablá, certo? - Pelo contrário. Ele não foi nem ao aeroporto me pegar- admitiu Anna. Sam estava chocada. -É mesmo? Anna assentiu. - Posso passar um ano sem vê-lo. Talvez mais. - Sei como é - disse Sam. - O que ele faz, é agente? Produtor? - Ele não é do show business. Eu mal sei o que anda fazendo... alguma coisa ligada a finanças. Não somos, digamos, próximos. Hum. Anna não parecia ser uma garota que alguém pudesse esquecer um dia. Saber que foi rejeitada - e pelo próprio pai - deu bastante ânimo a Sam. - Isto é horrível - disse ela alegremente. - Meu pai faz a mesma coisa. - Bom, nenhum pai deveria fazer isto - disse Anna diririndo-se para a porta. - Preciso voltar. Seus amigos devem estar pensando que estou aos prantos por causa do meu vestido. Detestaria dar essa satisfação a Cammie. Você vem? Sam virou-se para o espelho. - Não com esta cara. Anna pensou por um instante. - Se você tiver fósforos, pode acender uns e depois passar o carvão em volta dos olhos, vai parecer lápis preto. É um dos truques da minha amiga Cynthia.
- Funciona? - Já a vi fazer isso. Sam encontrou uns fósforos na bolsa. Acendeu um, apagou e passou o carvão em volta dos olhos. - Não parece que estou com os olhos roxos, viciada em heroína tipo chique, tipo supermodelo? Ou pareço uma patética, tipo garota insana-gorda-com-o-rosto-sujo-decarvão? - Está bom. De verdade - assegurou Anna. O que deixou Sam danada, porque era difícil odiar alguém legal. Sam conhecia poucas pessoas legais. Ela queria odiar Anna de verdade. Só que não conseguia. Seria ótimo ter uma amiga como ela. Antes que Sam conseguisse se conter, as palavras saíram da sua boca. - Escute, será que você gostaria de... não, não gostaria. - O quê? - É que quando você falou em crianças famintas ...Amanhã à tarde vou a Venice, lá na praia, para dar comida aos sem-teto. É um tipo de ritual de Ano-Novo que faço todos os anos. Pensei que você gostaria de vir ajudar. Seria bom ter mais gente ajudando. Mas escute, sei que você está sob o efeito do fuso horário, e depois da festa de hoje à noite... - Na verdade, gostaria de ir. Estou sempre buscando um motivo para estar bem comigo mesma - interrompeu Anna. Franziu as sobrancelhas. - Você disse que faz isso todo AnoNovo? Sam confirmou com a cabeça. -Por quê? - É só que... fiz um julgamento errado de você, foi isso - disse Anna baixinho. - Ah, tudo bem. Acontece. - Sam voltou à sua futilidade. - Sabe o que eu queria mesmo fazer? -O quê? - Dispensar este casamento. Tem uma festa de Ano-Novo muito louca na Warner Brothers hoje à noite. A gente tem que ir. -A gente? - As pessoas da sua mesa. Meus amigos. - Sam pegou o celular. - Vou ligar e colocar todo mundo na lista. Vai ser divertido. - Sam, não sei se deveria dizer isso, mas você vai fugir do casamento do seu próprio pai? - Como eu disse, ele não vai nem notar. Além disso, Poppy vai cantar uma seleção de sucessos da Broadway. Não vai ser legal. Anna ficou na dúvida. - Bom... - Por favor, por favor, por favor - insistiu Sam tentando convencê-la. - Podemos nos acabar e ver o sol nascer do alto da torre da Warner Brothers. Vai ser divertido. Mas Anna não respondia. Por uma fração de segundo, Sam se viu como se fosse outra pessoa - uma garota patética, querendo desesperadamente que Anna fosse à festa com ela. "Estúpida, estúpida, estúpida", pensou Sam. "Ela não é sua amiga. Ela é sua inimiga. Está entre você e Ben. Você a odeia até a alma. Mas, mesmo assim, precisa que ela goste de você." - Eu realmente não estava planejando ficar fora até tão tarde hoje... - principiou Anna. Sam falou com desprezo. - Quantós anos você tem? Trinta?
Digitou um número no celular. Lá fora na tenda, na mesa 42, um telefone tocou. Era o de Kiki Coors, assistente pessoal de Jackson Sharpe. Ela atendeu. Era Sam querendo um número de telefone. Kiki consultou o palmtop e deu o número para a filha de seu patrão. - De onde você está ligando, Sam? - perguntou Kiki quando notou que o lugar dela estava vazio na mesa. Mas Sam já tinha desligado. - Consegui - disse Sam, digitando outro número no telefone. - Então, você vem comigo, não é? - Realmente não posso decidir por Ben... - Olhe, sei que eu e você começamos mal- interrompeu Sam. - Eu estava muito nervosa por causa do casamento e não fui muito simpática. Por favor, venha a essa festa comigo para que eu possa fazer as pazes com você. Sei que Ben vai querer ir também. Anna disse sim. Sam não se surpreendeu. Achava que uma garota como Anna era legal demais para recusar um convite uma vez que a solidariedade viesse à tona. Na festa, arranjaria um jeito de afastá-la de Ben. Anna podia ser muito legal, mas valia tudo no amor e na guerra. Sam achava que estava enfrentando os dois. TREZE 20H33 NA COSTA OESTE Enquanto Anna voltava para a festa, pensou em Sam e ficou perplexa. Quando estava começando a ter certeza de que Sam e companhia eram feitas do mesmo molde que as três bruxas de Macbeth, a filha de Jackson Sharpe mostrou seu lado mais do que humano. Anna quase sentiu uma certa afeição por ela. E teve a sensação de que Sam também sentiu o mesmo. Los Angeles era uma cidade tão estranha... Como as bruxas de Shakespeare, Sam provou ser uma vidente. Como previsto, vinte jovens estavam felizes de se livrar da festa de casamento. Também como previsto, Bem estava entre eles, apesar de não acreditar que Anna pudesse ir, voluntariamente, a algum lugar com um grupo que incluía Cammie Sheppard. Mas Anna já tinha lidado com garotas escrotas antes. A sua escola estava cheia delas. "A mesma merda, em outra parte do país", pensou. Havia, no entanto, a questão da roupa. A idéia era que Bem e Anna passassem na casa do pai dela para que pudesse se trocar. Mas, quando saíram da festa, Anna resolveu que não queria mais parar na casa do pai. Ele poderia estar lá, Deus sabe em que estado. E não queria que Ben o visse assim. Não havia motivo para Ben conhecer todas as mazelas de Anna numa única noite. Por outro lado, ela estava usando apenas uma combinação transparente de renda e o paletó de Ben, e parecia não haver uma loja aberta para os consumidores da véspera do Ano-Novo, apesar de ela continuar procurando, enquanto Ben seguia na direção oeste da avenida Sunset. Ele fez uma curva e parou num sinal fechado. Foi quando Anna percebeu que estava errada. Na verdade, havia uma loja aberta - uma loja com uma vitrine enorme à sua esquerda. A questão era: teria ela coragem? - Pare ali - disse Anna, antes que a parte sã de seu cérebro pudesse impedir. Esticou o queixo na direção da loja.
Ben arregalou os olhos. - Lá? Tem certeza? Meu Deus, não. - Claro que sim. - Mas ... é uma sex shop - explicou Ben. - Sei disso - concordou Anna. - Os manequins amarrados na vitrine são uma pista clara disse ela, sorrindo com vivacidade. - Vamos lá. "Estou entrando na Hustler, a sex shop de Larry Flynt conhecida em todo o mundo, de mãos dadas com Bem Birnbaum", pensou Anna. "Não estou constrangida. Estou ótima." Anna tinha a esperança de que, se continuasse a repetir mentalmente essa ladainha, evitaria cair na armadilha do constrangimento. - Aquele letreiro diz que esta é a maior loja desse tipo na América - observou Anna quando estavam entrando. - Você nunca esteve num lugar nem parecido com este, não é? - perguntou Ben. - Nem cheguei perto - confessou ela, aliviada de não ter que fingir que estava achando tudo natural. A Hustler vendia de tudo, desde bonecas infláveis até loções de massagem comestíveis e roupas de couro de dominatrix. Estava cheia de clientes que planejavam saudar o AnoNovo, cada um de um jeito especial. Anna e Ben desviaram de um casal que se encontrou com amigos que escolhiam DVDs pornôs. Anna tentou não ficar olhando para o outro lado, onde uma mulher que tinha feito mais plásticas do que Joan Rivers estava empilhando mercadorias de borracha nos braços de um jovem musculoso que poderia ser neto dela. Finalmente chegaram à seção de roupas. A maioria era de roupas de dormir transparentes com tangas combinando, sutiãs de couro com a parte do meio cortada e uma grande coleção de botas de dominatrix. - Não é exatamente uma Bloomingdale' s - disse Ben. - Não que eu me importe de ver você numa roupa dessas, sabe? - Oi, meu nome é Carmen - disse, com uma voz grossa, um negro que se aproximava. As botas até a coxa com salto agulha sob o short vermelho faziam com que Carmen pairasse muito acima da cabeça deles. Olhou Ben de alto a baixo. – E você, adoraria atendê-lo pessoalmente. - Estamos bem - dispensou Anna. Depois dos homens-gueixas, estava começando a achar que se vestir do sexo oposto era algum tipo de moda em Los Angeles. - Claro - concordou Carmen, sem tirar os olhos de Ben. Ben coçou o queixo. - O.k. Nada pessoal, mas se manda. - Tudo bem, grite se precisar de mim, queridão. Beijos, beijos. - Deu uma piscadela para Ben e saiu rebolando para atender outros clientes. - Deve ser difícil conseguir ajuda na véspera do Ano-Novo - disse Anna, tentando manter uma expressão natural no rosto. - Não sacaneia. Ben parecia embaraçado, o que foi tão fofo que fez Anna se sentir mais corajosa. - Vamos fazer um trato: pego uma coisa para experimentar se você pegar uma também. -Não sei...
- Ah, vamos - disse Anna tentando convencê-lo e mal acreditando na sua própria audácia. Deu um beijo suave nele. - Vai ser divertido - acrescentou, beijando-o de novo, com mais firmeza dessa vez. Uma parte dela estava dizendo "Que diabos você está fazendo?", e outra parte dizia para a primeira calar a boca. Sentiu-se como uma cobra mudando de pele. - Como posso recusar? - perguntou Ben. - Mas com uma condição: não uso nenhuma dessas merdas fora desta loja. Concordaram. Depois de muita discussão, Anna escolheu uma calça de vinil com estampa de oncinha, de cintura baixa, e que tinha um zíper dando a volta da parte de trás até a da frente. Entrou numa cabine para experimentar, sabendo que vestir uma calça como aquela poderia ser perigoso para a anatomia de uma garota. Era muito, muito justa. De repente, Anna enrolou sua combinação de seda e renda e deu um nó embaixo do busto. Entre a combinação e o cós da calça, estava mostrando mais o corpo do que escondendo. Mas tinha que admitir; estava muito sexy ... de um jeito vulgar, exibido. Podia ouvir os aplausos de Cyn do outro lado dos Estados Unidos. Tudo bem, então. Abriu a cortina da cabine e foi para o salão principal da loja. O que ela viu a fez cair na gargalhada. Ben tinha trocado as calças do smoking por aquelas proteções de couro que os cowboys usam. - Onde ficam os fotógrafos do jornal da Universidade de Princeton quando a gente precisa deles? - disse Anna, ainda rindo. - Ha, ha. Vou trocar de roupa antes que Carmen resolva me arrastar para casa e fazer de mim seu escravo do amor. A propósito, você está linda. Anna olhou para aquela calça vulgar. - Isto não tem nada a ver comigo. - É por isso que faz com que fique tão gostosa. - Ele a beijou de leve e voltou para a cabine. Quando saiu, encontraram Carmen. Ben pagou a calça de Anna, e ela vestiu o paletó do smoking por cima da roupa nova. - Adeusinho - disse Carmen enquanto Anna o puxava para fora da loja. - Ei, namorada? Quando der meia-noite, você balança os badalos do garoto por mim. Saíram da loja para uma noite cheia de energia. Anna nunca tinha se sentido tão viva, com tantas chances, em toda a sua vida. "Balançar os badalos de Ben, hein?", pensou Anna. "É, Carmen, devo fazer isso mesmo." 21H47 NA COSTA OESTE Cammie não estava tão impressionada. A festa na Warner Brothers era para levantar fundos para o movimento Artistas pela Paz. Os famosos adoravam participar porque os fazia parecer políticos, o que os fazia parecer inteligentes. Era bom para a imagem e diminuía a culpa que sentiam por ganhar quantias obscenas. Passando os olhos pela multidão, Cammie concluiu que a festa tinha se tornado um evento para os da lista VIP de Hollywood (e os candidatos à lista VIP) que, por um motivo ou outro, não foram convidados para o casamento de Jackson Sharpe. O tema da festa era o circo para representar esperança, e os organizadores do evento fizeram de tudo para brilhar. Havia palhaços, domadores, mímicos e até trapezistas que
desafiavam a morte. Na verdade, os convidados mais corajosos, devidamente equipados com cinto de segurança (para evitar que caíssem bêbados sobre outros convidados embriagados e acabassem eliminando alguém que poderia ajudar em sua carreira), podiam se juntar à apresentação aérea. Havia até uma casa dos espelhos. No centro da arena o cantor da banda Giraffes fez o grupo tocar o que para Cammie parecia ser um rock retrô grunge. ("Nosso primeiro CD está em quinto lugar na rádio universitária R&R. Obrigado, Los Angeles!") Alguém já teve alguma idéia mais original? Muitas pessoas evidentemente não tinham merecido um convite para o casamento de Sharpe-Sinclair, porque a pista estava cheia de gente a fim de se acabar dançando. Cammie não poderia estar mais indiferente. Tudo o que importava para ela era como iria administrar as coisas quando Ben finalmente chegasse com Ela. Não que demonstrasse isso. Na verdade, estava encostada numa coluna, era o retrato da mulher entediada. Não muito longe, estava Sam, que não tirava os olhos da entrada e comia as cutículas. Dee se balançava ao ritmo da música. - Quer dançar, Dee? - perguntou Parker, se aproximando dela. - Diga que não - aconselhou Cammie. -Por quê? - Nunca dance com um rapaz mais bonito do que você. Dee ficou vermelha. - Foi cruel isso que você disse. - Não dê bola para ela, Dee. Você é linda - assegurou Parker por cima do ombro enquanto puxava Skye para a pista de dança. - Às vezes eu me pergunto por que ainda sou sua amiga, Cammie - resmungou Dee. - Masoquismo? - Ah! - Dee ficou ouvindo a banda por um tempo, examinando a multidão. - Você acha que aquele cara é gay? -Parker? Ele faria uma ponta no filme Presidente Kennedy, de Oliver Stone, como aquele que grita junto à chama eterna "Conspiração, conspiração!" se achasse que isso ajudaria na sua carreira - respondeu Cammie. - Não estou falando de Parker. - Dee chegou mais perto. - Estou falando do cara atrás de você. - Está olhando para você? - Acho que sim. - Está bem vestido? - perguntou Cammie, ainda sem Virar. - Muito. - O cabelo é bem tratado, a pele também? - A-hã. - Gay- decretou Cammie, e pegou uma taça de champanhe da bandeja de um garçom. - Você nem olhou! - protestou Dee. - Não preciso. Primeiro: Jackson Sharpe tem aversão a homossexuais, logo muitos da máfia gay de Hollywood não foram convidados para o seu casamento. Segundo: os gays gostam de festas de estúdio, um dos seus poucos lapsos de bom gosto. Terceiro: os gays sabem se vestir. Quarto: os gays cuidam do cabelo e da pele mais do que a gente. Quinto, sexto, sétimo e oitavo: os gays amam você, mesmo quando ainda não se tocaram de que são gays. Faça as contas. Dee suspirou. Obviamente Carmmie ainda estava irritada por a menina que estava com Ben ter tirado o vestido rasgado com tanta classe.
- Quer dançar, Sam? - perguntou Adam aparecendo de repente por trás das três. - Hmmm ... talvez mais tarde. Adam saiu à procura de outra pessoa. Cammie olhou para a amiga. - Ele gosta de você, você sabe. Por que não foi dançar com ele? Sam deu de ombros. - Ei, como é que você não diz para ela não dançar com um cara que é mais bonito do que ela? - reclamou Dee. - Bem, antes de mais nada, só estava brincando, e em segundo lugar, porque você sabe que sou uma gracinha. Sam não sabe. Por que você continua sem tirar os olhos da porta, Sam? - Só quero ter certeza de que Ben e Anna estão na lista da recepção da festa. Você sabe como pode haver confusão em lista de convidados. - Você reparou como Anna se parece com aquela ninfomaníaca do Irmãs do grêmio? perguntou Cammie. Irmãs do grêmio era um filme B que Cammie alugou uma vez que Sam foi dormir na casa dela. - Talvez fosse ela. - Não era - disse Sam sem tentar ser educada. Cammie levantou as sobrancelhas. - Você está defendendo ela? - Rasgar o vestido dela foi um horror, Cammie. Dee ouviu. - Foi um acidente! Cammie não fez de propósito. - Está certo - murmurou Sam, e mordeu outro pedaço da cutícula. Toda esta situação era louca. Cammie era sua amiga e Anna, não. De repente, Sam os viu na porta com o segurança, que estava procurando por seus nomes na lista. Levou um instante para se preparar para a batalha, encolhendo a barriga e despenteando (com arte, esperava) os cabelos. - Ei, Samantinha! Um careca com uma infeliz falta de queixo parou entre Sam e a linha de visão de Ben, na mesma hora a envolvendo num forte abraço. Ken Bertram tinha sido o produtor de um dos poucos filmes horríveis do pai de Sam, quando era muito poderoso. Hoje em dia ele era "Ken quem?". - Ouvi dizer que seu pai está se casando hoje. - Casou. - Sam procurou uma fresta para tentar manter os olhos em Ben e Anna. - Que legal. Mandei um belo presente. "Em outras palavras, você não foi convidado", pensou Sam. - Então a garotinha cresceu. Diga, o que anda fazendo ... Apesar de ter vontade de dizer ao sr. Bertram para economizar seu fôlego para alguém que pudesse ajudá-lo a tirar sua carreira de dentro do vaso sanitário, Sam se acalmou e disse: - Com sua licença? Minha amiga está em vias de se matar, realmente preciso ir. - Oh,uau ... Sam deu a volta no velho produtor e foi direto para onde Ben e Anna estavam. - Oi, pessoal! - abraçou Anna primeiro, depois Ben. - Anna, Adam disse que se jogaria do terraço se você não dançasse com ele logo que chegasse. Está logo ali. - Apontou vagamente na direção da banda e agarrou a mão de Ben. - Hora de aceitar aquele convite, como prometeu. Você não se importa, não é, Anna?
- Não, de jeito nenhum. - Fantástico. Então acharemos você depois. - Puxou Ben para o centro da pista de dança. Naquele instante os deuses sorriram para ela, porque a banda começou a tocar uma balada. - Ah, adoro esta música! - Sam passou os braços em torno do pescoço de Ben, o que o deixou sem muita opção, ou colocava os braços em torno da cintura dela ou ficava com cara de babaca. Ela olhava para ele, enquanto dançava, ao som da música. - Está se divertindo? - Claro. - Fico feliz. - Sam se aconchegou um pouco mais e fechou os olhos por um instante, fingindo que Ben era realmente dela. Ben tentou se afastar um pouco. - Então, o que tem feito, Sam? - Não muito. Tentando descobrir o significado da vida, esse tipo de coisa. - Isso parece uma frase que Anna diria - disse ele rindo. Como era irritante. Até parece que Ben realmente conhecia Anna. A cabeça de Sam começou a buscar alguma coisa, qualquer coisa, para fazer a conversa passar longe da maravilhosa Anna com suas pernas perfeitas e... - O próximo. - Com eficiência, Cammie passou por debaixo dos braços de Sam, expulsando a amiga e se acomodando nos braços onde Sam estava. - Oi, Ben. - Ei - protestou Sam. - Vem cá, mas ... - começou Ben. - Adoraria - sussurrou Cammie. Sam se recusou a se afastar. - Nós estávamos dançando; Cammie. Caso você não tenha notado. - Ah, sinto muito - disse Cammie. - Mas você realmente precisa limpar essa coisa preta do seu rosto, Sam. Sério. Você parece um jogador de futebol depois da partida. Sam sabia que Cammie estava tentando deixá-la neurótica, mas não se conteve. Passou o dedo no carvão sob um dos olhos. Ben baixou os braços e deu um passo atrás, se desvencilhando de Cammie. - Sabe de uma coisa, por que vocês duas não dançam juntas? Hoje à noite vocês fariam uma bela dupla. Sam percebeu que ficou vermelha. - Por que está dizendo isso? - Você não foi exatamente gentil com Anna ainda há pouco, Sam. - Eu? Não fui gentil? - protestou Sam. - Sou legal com todo mundo. - Qual é, Sam? Você a chamou de galinha de segunda. Sam ficou vermelha. - Só porque achei que ela estava procurando um jeito de ir ao casamento. Você tem que admitir que era uma possibilidade. - Não, Sam, não era. - Tenho certeza de que está certo, Ben - concordou Cammie suavemente. - Você sempre teve um excelente gosto para garotas. Sam se voltou para Cammie. - Você a odeia até a alma. Foi você quem pisou no vestido delal Quando os Giraffes começaram a tocar alguma coisa com três acordes e uma batida pesada, Ben deixou Cammie e Sam discutindo e saiu à procura de Anna. Mas Cammie foi
atrás dele. Ela o alcançou em frente à casa dos espelhos e puxou seu braço. - Ei - disse, tirando os cachos ruivos de cima dos olhos. - Esta foi a primeira vez que eu corri atrás de você. Considere isso um elogio. - Está certo - disse ele impaciente para encontrar Anna. - E daí? Cammie deslizou a língua sobre o lábio superior. - Eu... Eu preciso muito falar uma coisa para você. - O.k. O que é? -Aqui, não. Ben franziu a testa. - Cammie, estou sem tempo para ... - Venha cá - disse ela, puxando-o pela mão. - Esqueça, Cammie. Estou acompanhado. Lembra? - Ben. - Baixou os olhos. Quando os levantou de novo, estavam cheios de lágrima. - É muito importante. E... pessoal Por favor. Ben hesitou. Cammie sabia que ia ganhá-lo dez segundos antes de ele mesmo se dar conta disso. Afinal, Ben era um homem educado. Este truque de lágrima nos olhos e implorar sempre funcionava com os homens educados. Eles são tão previsíveis ... - Dois minutos, Cammie. Estou falando sério - disse ele, levantando dois dedos. - Tudo bem. Controle o tempo. - Levou-o para dentro da casa dos espelhos. O lugar era tão à prova de som que mal, ouviam a banda. Ela o levou por um corredor até um quarto que parecia um casulo, todo revestido, inclusive o chão, de espelhos deformantes. -Cammie ... - Shhh. - Ela pôs um dedo sobre os lábios dele e passou o braço em torno de seu pescoço. Então, deu-lhe um beijo suave e sexy que prometia muito mais. - Era isso o que queria lhe dizer - sussurrou. - Porra, Cammie - disse ele se afastando dela. Mas Cammie percebeu uma pequena mudança em sua voz e sabia que o beijo tinha mexido com ele. Aproximou-se de novo, colando o corpo no dele. - Qual é, Ben? Você sabe que me quer. - Sem essa - disse ele, empurrando-a. Ben a estava dispensando? Estava mesmo sendo rejeitada pelo filho-da-mãe? Cammie estava com muita raiva, mas não deixou transparecer. Em vez disso, sorriu, calma como sempre. - Então. Ela é tão gostosa assim, Ben? - Não que seja da sua conta, mas não sei dizer. Ela soltou uma risada curta. - Mentiroso. - Pense o que quiser. Não me importa. Gosto dessa garota. E muito. E não estou a fim de trocar isso por uma rapidinha com você. Você vai sair daqui comigo ou vai ficar? Ela não se mexeu. Então ele se virou e foi embora. Cammie e suas muitas imagens fracionadas pelos espelhos deformantes o viram partir. Sentiu um nó na garganta. Por que se importava tanto com ele? Doía. Rangeu os dentes, recusando-se a se entregar a um sentimento barato. Então Ben realmente gostava da garota. Isso não ia
durar. Uma garota como Anna era como espuma de leite - você sente prazer em beber, mas acaba precisando mesmo é de um milk-shake. Cammie sabia que ela era o milkshake. Coberto de chantillye com uma cereja em cima. 15 22H01 NA COSTA OESTE - Faltam duas horas para a meia-noite! - gritou o vocalista do Giraffes ao microfone. Quero ver vocês bebemorando! - A banda começou outra música pauleira. Dos telhados dos prédios vizinhos ao circo, confetes prateados caíam sobre a multidão. - Isso é tão impressionante - disse Adam tentando falar mais alto que a barulheira. - Ouvi dizer que haverá fogos à meia-noite. Quer dançar de novo? Anna hesitou. Adam era um cara decente, de verdade. Mas ela estava acompanhada. De alguém que não via há vinte minutos. Onde estaria Ben? - Acho que vou buscar alguma coisa para beber. - Pego pra você. O que quer? - Água sem gás e com limão seria ótimo. Ele riu. - É véspera de Ano-Novo e você não está bebendo? -Não agora. _ Volto num segundo. Não mexa um músculo. - Saiu como um homem que tivesse uma missão a cumprir. Anna abriu caminho para fora da pista de dança, ainda procurando por Ben. A festa estava divertida de um jeito meio exagerado, uma perfeita continuação para o exagero do casamento. Com certeza não era o tipo de festa a que estava acostumada a ir. O problema, no entanto, era que não estava se divertindo tanto assim. Ela e Ben mal ficaram sozinhos. Apesar de estar loucamente atraída por ele, praticamente não o conhecia. Sentiu o celular vibrar na bolsa e atendeu, tapando o outro ouvido para ouvir melhor. -Alô? -An é cyn! Anna não escutava quase nada. -Espere um minuto! - berrou ao telefone e entrou numa pequena passagem para se proteger do som da banda. - Repita, por favor. - Anna, é Cyn! - Cyn! - Bastou ouvir a voz da melhor amiga para se animar na mesma hora. - Feliz AnoNovo! - A chegada da meia-noite foi o máximo. Queria falar com você antes da sua hora mágica. Afinal, estamos nos divertindo? - Bem, estou numa festa na Warner Brothers - respondeu Anna. - É mesmo? Com quem? - O nome dele é Ben. Ele estuda em Princeton. Conheci no avião.
- Sua danadinha sem-vergonha! - exclamou Cyn, rindo. - Estou tão orgulhosa de você. Anna sorriu. - Estou usando minha pulseira mental OQFC. O Que Faria Cyn? - Falando nisso ... - disse Cyn. - Eu não fiz. Com Scott. Anna levou um instante para entender, e então seu coração deu um salto. - Não? Talvez ... vocês não estejam prontos. - Ah, nesse exato momento, estou trancada num banheiro de uma festa alternativa num 10ft do SoHo, que não mostra sinais de terminar. Estou usando aquele vestido maravilhoso da Betsy Johnson e a lingerie mais sexy do mundo. Imagina como vai ser incrível quando Scott tirar a minha roupa à luz do amanhecer. Para tristeza de Anna, aquela imagem apertou seu coração. Ouviu alguém batendo na porta pelo telefone. - Calma, estou passando mal aqui! - ouviu Cyn berrar. - Anna? Tem um babaca batendo na porta. Melhor eu sair. Anna apertou o telefone com força. - Estou feliz por você ter ligado, Cyn. Divirta -se bastante hoje à noite! - Você também. Sinto sua falta loucamente. Ei, espero que esse cara que não lembro o nome seja o homem dos seus sonhos, Anna. Você merece. As duas se despediram, e Anna guardou o telefone na bolsa. Estava tudo tão confuso na sua cabeça. Como ela ainda podia se importar se Cyn tinha transado com Scott ou Ilão? E por que quando estava com Ben, nem se lembrava de Scott? E onde é que estava Ben, afinal? De repente alguém bateu no seu ombro. Com licença, mas eu e meu amigo estávamos dizendo que você é, disparado, a mulher mais bonita desta festa - disse um homem careca com uma barbicha grisalha, o que lhe dava a estranha impressão de estar de cabeça para baixo. Ele acenou na direção da multidão para indicar onde estava o "amigo" dele. Aquela cena da Cyn ter ficado com um homem mais velho de quem ela nunca soube o nome passou pela cabeça de Anna. Por que ela não poderia fazer uma coisa como aquela? Bem que poderia, se quisesse. Olhou nos olhos o Homem de Meia-Idade com a Barbicha. E a idéia de beijá-lo a fez ter vontade de vomitar. - Obrigada - disse Anna. - Estou envaidecida. - Gerard Maxwell. Sou produtor. Pode me chamar de Jerry. Tenho certeza de que já viu alguns dos meus filmes. - Não vou muito ao cinema - disse Anna educadamente. Olhou por cima da cabeça do homem na esperança de ver Ben no meio da multidão. Não teve sorte. - Não brinca - disse Jerry, passando a mão na barbicha. - Tem um no circuito agora. - Seu bafo de gim foi na direção de Anna. Fez o possível para não abanar com a mão na tentativa de dispersar o cheiro. - Prazer em conhecê-lo, Jerry. Com licença, por favor. - Anna começou a passar por ele. - Espere, espere, só um segundo. Sério. Anna suspirou e virou-se para o homem. -O que é? - Sou rico - anunciou ele.
- Bom para você - disse Anna no tom mais gelado de Jane Percy. - Agora realmente tenho que ... - Só quero lhe pedir uma coisa. Anna estava tentando imaginar o que Cyn faria para mandar aquele cara para o inferno, quando o produtor chegou mais perto e perguntou: -Quanto? Anna não tinha a menor idéia do que ele estava falando. -Como? - Pela noite. Eu e um amigo. Juntos. De repente Anna entendeu. E sentiu-se como uma idiota completa por não ter percebido antes. Este grosso achava que ela era uma puta. - Diga o preço, gracinha - continuou Jerry, levantando a voz. - É véspera de Ano- Novo, e tenho dinheiro, querida! - Puxou um maço de notas do bolso e sacudiu no rosto de Anna. As pessoas em volta começaram a olhar. Pela primeira vez, Anna percebeu como deveria estar parecendo vulgar numa calça de vinil ridícula com estampa de oncinha e de salto alto. O que foi muito engraçado e sexy com Ben era agora horrível e embaraçoso. - Vamos lá, gracinha - insistiu Jerry. - A outra garota nos disse que você topa todas. Anna se arrepiou. - Que "outra" garota? - A de cachos ruivos, com um corpo irrecusável. Anna entendeu na mesma hora. Cammie Sheppard. Cammie disse para este nojo ambulante que ela era uma puta. Com a roupa da loja Hustler que estava usando, era difícil ele não acreditar. Será que Cammie realmente achava que isso iria ajudá-la a conquistar Ben? Ou agora o problema era pessoal, e só queria humilhar Anna mais uma vez? Era um imenso desperdício de tempo e energia. Talvez ela devesse aprender tae-kwon-do, ou kick boxing, ou alguma outra coisa para dar simplesmente um chute na bunda de Cammie, para essa garota parar de ficar fazendo essas brincadeiras idiotas. Bom, não havia tempo para isso agora. Teria que chutar a bunda dela mentalmente. OQFC? - Vou dizer uma coisa. - Anna abaixou a voz para um tom confidencial - Diga à garota de cachos ruivos e com o corpo irrecusável que se ela topar, eu topo. Isto é, se você der conta de nós duas. Jerry deu um largo sorriso. - Agora estamos nos entendendo. - Dê o dinheiro a ela. Ela e eu somos muito ... próximas. O que é meu é dela. Se é que você me entende. Então nos encontraremos no ... - deu tratos à bola para dizer o nome de um hotel em Los Angeles - bar do Century Plaza. À meia-noite. - Está certo, gracinha. Combinado. - Jerry estava praticamente babando quando começou a atravessar a multidão à procura de Cammie. Babaca. Anna torcia para que algum trapezista voador mergulhasse em cima da cabeça do idiota. Foi para a direção oposta, mas não precisou andar nem dez metros e Sam segurou o braço dela. - Onde está Ben? - perguntou Sam. Anna notou que o carvão em torno de seus olhos tinha desaparecido.
As duas ouviram a voz de Ben. - Aqui. - Ele se aproximou delas, com três copos na mão. - Com umas bebidinhas. - Você quer dizer que deixou Anna sozinha este tempo todo? - perguntou Sam, como se Anna fosse sua melhor amiga neste mundo. - Sinto muito - disse Ben -, pretendo compensar isso. Pronta para começar a se divertir? Anna discretamente deu uma olhada sobre os ombros para Jerry, que tinha acabado de se encontrar com um amigo gordo. Estavam agora saboreando os respectivos drinques de tequila com Cammie no bar. Excelente. - Eu ficaria muito feliz de poder começar a me divertir. - Vocês estão indo embora? - perguntou Sam, tentando disfarçar seu desapontamento. Não é nem meia-noite ainda. Ben não tirava os olhos de Anna. - É que eu preciso encontrar alguém. - Engraçado - disse Anna, olhando para ele de volta. -Eu também. - Mas isso aqui é uma festa. É véspera de Ano-Novo - insistiu Sam. - Exatamente - disse Ben suavemente. - Anna? Tem um lugar onde eu gostaria de levar você. Um lugar especiaL O.k.? - Claro - concordou Anna. Ben deu um beijo de despedida em Sam e conduziu Anna para a entrada principaL Sam os viu partir, sabendo que não tinha nada a fazer para evitar. Quando Adam voltou com a água com limão para Anna, encontrou apenas Sam, parecendo triste e solitária. Mas Sam se recuperou e pediu a Adam que pusesse um pouco de uísque na água. Se não podia ter Ben naquela noite, podia perfeitamente afogar suas mágoas com Adam. Porque Sam Sharpe ficaria arrasada se na véspera do Ano-Novo, e noite do casamento de seu pai, ficasse sem um cara para lhe dar um beijo à meia-noite. 16 22H55 NA COSTA OESTE Anna via as luzes que piscavam do grande vale de San Fernando desaparecerem atrás deles à medida que Ben avançava pela estrada. - Vai me dizer ande estamos indo? - perguntou Anna. Um sorriso apareceu no canto dos lábios de Ben. - Marina del Rey. Anna conhecia o lugar. Anos atrás, o pai dela namorou uma mulher que morava em um dos inúmeros prédios entre o oceano e a marina. Ele levou Anna para almoçar na cobertura dela. Anna lembrava que odiou a comida, odiou os móveis em estilo sueco do apartamento e, principalmente, odiou a mulher. - Algum lugar em especial? - indagou Anna. - É uma surpresa - disse Ben, piscando os olhos para ela e voltando a fitar a estrada. Só lhe digo isso: lá vamos poder ficar sozinhos e conversar. Que tal? - Excelente - concordou Anna. Era isso o que queria, mais do que qualquer outra coisa. Vinte minutos depois, saíram da estrada e seguiram na direção do oceano.
Não demorou muito para Ben encontrar o estacionamento que procurava, próximo à água. Pararam o carro perto da placa de um restaurante chamado Joe's Clamo - Vamos a um restaurante chamado Joe' s Clam? - disse Anna brincando. - A paciência é uma virtude, minha linda. - Abriu a porta para Anna e a ajudou a sair do carro. Depois, de mãos dadas, Ben a levou para a grande marina, passando por dezenas de barcos a vela e lanchas. Seus passos no caminho de madeira ecoavam através da água parada do canal. Ben fez uma pausa. - Chegamos. - Fez um gesto com a mão na direção de um iate que brilhava ao luar. Bem-vinda ao Nip-n- Tuck III. Ou, como gosto de chamá-lo, os bem empregados ganhos excessivos de meu pai com cirurgias plásticas. - Que bonito - disse Anna. Na verdade, já tinha estado em barcos bem maiores. O pai de Cyn tinha um em Amagansett que faria o Nip-n- Tuck parecer um barco a remo. Mas Anna nunca se impressionou com o tamanho das embarcações dos homens. O que interessava para ela era o tamanho do homem. Anna beijou Ben suavemente. - Na verdade, é lindo. - Ele pretende comprar um barco maior no ano que vem - disse Ben. - O Botox. - Espero que seja uma piada. - Verdadeiro demais para ser engraçado. Venha. - Ajudou Anna a subir a bordo. - Quero sair para o mar antes da meia-noite. Ben começou a ligar as tomadas, desatar os cabos, levantar as capas de lona e preparar as bombas. - Tem alguma coisa que eu possa fazer? - perguntou Anna. - Claro. Vá lá em cima - disse, indicando o segundo andar do barco. - Abra um armário verde à esquerda, junto ao timão. Você vai encontrar um som e CDs. Escolha o que quiser. Se estiver com frio, lá também tem uns casacos de lã. Subo num segundo. Anna seguiu as instruções de Ben e ficou satisfeita em saber que o gosto musical do dr. Birnbaum ia do clássico ao jazz. Escolheu um CD de Charlie Parker chamado Bird Returns, que parecia ser uma perfeita companhia para o ar fresco da noite e o bater ritmado da água contra o casco. Para o acompanhamento complexo do solo de jazz de Bird, foi para a proa e ficou lá em pé, sentindo o ar da noite. Ainda estava lá quando Ben tirou o Nip-n- Tuck do cais. Ele acelerou devagar até se afastarem da marina. Então colocou o motor no automático e aumentou o volume da música. Anna sentia o ar salgado bater em sua pele. Atrás deles estava Marina del Rey eLos Angeles e depois a vasta imensidão dos Estados Unidos ... terminando numa pequena ilha chamada Manhattan. Na frente, ela percebeu, havia um mundo de possibilidades onde não podia antecipar nada mais além do fato de estar neste barco, com este cara, neste momento. Foi se juntar a Ben no timão. - Isso é incrível- disse ela. - Que bom que você gostou - disse ele passando o braço em torno dela e beijando-a suavemente na nuca. Anna se encostou nele. - Quando é que você volta para Princeton, Ben?
- Não quero nem pensar nisso agora. Ele estava certo. Precisava aprender a viver o momento, lembrou-se. Fechou os olhos e deixou a música tomar conta dela. - Você sabia que Charlie Parker criava pássaros em Birdland, mas que todos morreram por serem fumantes passivos? - Não posso dizer que sabia - respondeu Ben, encontrando um outro ponto no pescoço dela para dar um beijo. Anna riu. - Sou um poço de cultura inútil. Coisas absolutamente inúteis. É uma maldição.Lembro de tudo que leio. - Você se lembra disso? - perguntou Ben. E então lhe deu o mais carinhoso dos beijos. Ela se arrepiou toda. - Lembro - sussurrou ela, encostando a testa na dele. - Contamos a todo mundo na festa que fomos à praia quando nos conhecemos - disse Ben - e vimos o sol nascer. Bom, foi o mais próximo disso que pude conseguir. Anna estava emocionada. - É maravilhoso. - Você é maravilhosa. - Mesmo estando com esta roupa de alguém rejeitado em uma festa disco ruim? - Você ficaria linda em qualquer roupa - disse Ben -, ou em nenhuma. Claro que estou usando minha imaginação. Ela se perguntou como seria estar nua na frente dele. Constrangedor? Emocionante? O único homem na frente de quem já tinha ficado nua era o médico, que não contava. Será que ficaria com vergonha? Ou este seria o cara que finalmente lhe mostraria o que era aquilo de que as pessoas tanto falavam? E será que ela estava pronta para descobrir? Honestamente, não sabia. Por um longo tempo ficaram ali, em pé sob um céu de estrelas, sentindo a força suave do motor levando-os para dentro do Pacífico e da noite. Só quando estavam longe da costa e podiam ver todo o litoral desde Santa Monica até a praia de Redondo é que Ben abaixou o volume da música e deu uma reduzida no motor. - Então, Anna Percy - principiou ele -, eu lhe devo um pedido de desculpas. - Por quê? - Vamos começar por minhas amigas, que foram inacreditavelmente escrotas com você. Especialmente Cammie... - Não precisa fazer isso, Ben. - Eu quero. Isto não é... Você não é... - Ben passou a mão nos cabelos e suspirou. - Muito engraçado. Eu sem achar as palavras. Foi assim. Cammie e eu namoramos no ano passado. - Imaginei. - Terminamos há meses. - O.k. - Não tenho nenhum interesse nela, Anna. - Tudo bem. Ben franziu as sobrancelhas.
- Por que você está sendo tão compreensiva? Anna se virou para ver o litoral. As luzes da marina piscavam com um brilho forte. Ao sul, podia ver um avião decolar de Los Angeles em direção ao céu. Aqui embaixo, na água, as coisas pareciam estar tranqüilas. E ela gostava disso. - Acho que poderia gritar ou arrancar os cabelos. Mas, honestamente, este momento, aqui com você, está tão bom que não vale a pena me aborrecer. Ele cruzou os braços e encostou a cabeça na dela. - Ou você não está muito interessada na minha história porque ... você não está mesmo interessada em mim. - Estou interessada - respondeu calmamente. - Ótimo. - Ben reduziu ainda mais os motores. O Nip n- Tuck diminuiu a velocidade, depois parou. - Sinta-se à vontade para andar pela cabine. Anna foi até a ponta da proa para ter uma vista melhor do litoral. Segurou o cabelo, aproveitando o toque do vento na nuca. Ben foi para perto dela. Anna o imaginou com Cammie. Eles certamente formavam um belo casal. Depois ficou pensando nos dois fazendo amor. Não gostou nada. - Você a amava, Ben? Cammie, quero dizer. - Não, nunca. - Ela o amava? - Era uma coisa mais física. Para nós dois. Ela o olhou de rabo de olho. - Se você pensar bem, foi exatamente assim que começamos. Há 14 horas, para ser exata. Ele abanou a cabeça. - É diferente. Cammie é como ... uma coisa de que eu tivesse que me livrar. É uma jogadora. Ela gosta assim, acredite. - Olhou para o relógio. - Faltam 15 minutos para o Ano-Novo. Quer champanhe? Ela fez que não com a cabeça. - Não quero nada. Está tudo perfeito. - É. Concordo. - Olhou para o vazio escuro enquanto o balanço do mar embalava o barco. - Princeton parece realmente longe agora. - Você gosta de lá? - Na maior parte do tempo, sim. - Ficou pensativo por um instante. - Fiquei intimidado no início. Princeton não é exatamente uma moleza. A menos que você queira ser reprovado, o que não é o meu caso. - Você quer fazer medicina, como seu pai? Ben emitiu um som crítico que saiu do fundo da garganta. - Penso no meu pai como um antimodelo a ser seguido. - Engraçado. Sinto a mesma coisa com relação a minha mãe. - É mesmo? - Viver para ela é seguir à risca um livro. O É assim que fazemos, livro de ouro, edição especial para os bem-nascidos da costa leste. É tudo tão ... tão recomendado. Uma vida tão limitada, segura e protegida. - E não é isso que você quer? - Não. - Olhou para ele de rabo de olho. - Se fosse, não estaria aqui com você. Meninas que obedecem estritamente o que diz a já mencionada edição especial para os bem nascidos da costa leste não saem com rapazes chamados Ben Birnbaum.
- Sei. Sou o fruto proibido. - Por favor, eu vivo em Nova York - disse Anna, rindo. - Mesmo assim Jane Percy não aprovaria. - Estamos preocupados com isso? - perguntou Ben. - Nós, não. - Encostou a cabeça no ombro dele. - Eu me lembro, na sétima série, quando topei, pela primeira vez, com a frase "uma vida não examinada não vale a pena ser vivida"... - Uau. Dá um tempo. Você leu Sócrates na sétima série? - As escolas de Nova York fazem este tipo de coisa. De qualquer modo, as palavras pulavam da página. Senti vontade de correr para casa e gritá-las para a minha mãe. - Bem dramático. Anna riu. - Bom, na verdade não fiz isso. Ninguém grita na minha casa. Nunca. Simplesmente "não se faz". Mas foi um daqueles momentos em que uma luzinha acende dentro da gente, sabe? Eu sabia que não queria levar uma vida não analisada. - A busca pela alma não faz exatamente parte da lista do que tem que ser feito na minha casa também. Anna parou para pensar. - Nós provavelmente parecemos dois filhos mimados, privilegiados, que não damos valor ao que temos. - Ei. Dou valor ao que tenho. Também valorizo o que não tenho: um pai que eu possa respeitar. Uma brisa soprou de repente levando o cabelo para o rosto de Anna. Ela o pôs atrás da orelha. - Por que você não pode respeitá-Io? - Xiiii, por onde começar? - perguntou Ben amargamente. - Vamos ver. Ele trai a mulher. Ele sonega impostos. E ele desperdiça suas habilidades cirúrgicas em merdas de casos de vaidade de ricos - disse, segurando na grade de proteção de metal do barco. - Vou contar para você, Anna, o tipo de cara que ele é. Quando fiz 14 anos, me levou para o que ele chamou de noite para "homens". Jantamos no Spago. Depois fomos para um apartamento na praia que ele e os amigos mantêm. Minha mãe nem sabe que esse apartamento existe, imagine você. Uns 15 minutos depois, alguém bateu na porta. Entrou uma loura maravilhosa. Era o meu presente de aniversário. Anna estava chocada. - Quer dizer que ele arranjou urna prostituta para você? - Essas mulheres cobram caro demais para serem chamadas de "prostitutas". São "companhias". Evão "acompanhar" você onde quer que quinhentas pratas estejam, inclusive na cama com um garoto de 14 anos. O estômago de Anna se revirou. - Que nojo. - Eu não enchi meu pai de orgulho quando recusei. - Ainda bem para você. - Não pense que foi um ato nobre, Anna. A verdade é que eu estava morrendo de medo. Nem sei por que estou contando tudo isso para você ... - Espero que seja porque confia em mim - disse Anna -, e espero poder confiar em você também.
- Isso quer dizer que você vai dividir comigo a história de como quase perdeu a sua virgindade? - provocou ele. - Hum ... não tenho uma, na verdade. - Ah, qual é! - disse ele rindo, e depois percebeu que ela não estava brincando. -Quer dizer que você é...? Anna fez que sim com a cabeça. - Para chegar a um "quase", teria que me sentir como quando estava com você no avião confessou Anna, abaixando a voz. Ela estava vermelha e feliz por Ben não poder perceber isso no escuro. - Nunca tinha me sentido daquela maneira antes. - Estou lisonjeado. - Deveria estar mesmo. - O vento refrescou. Anna cruzou os braços e colocou as mãos dentro das mangas do paletó do smokingde Ben para aquecê-Ias. - Volto num segundo - disse Ben. - Vou pegar um agasalho para você. - Ben. Você pode me aquecer sem ele. Ergueu o rosto para ele. Ele a beijou. Depois a beijou de verdade. Depois a beijou de verdade mesmo. Depois disso fez coisas que a fizeram esquecer que havia uma mente ligada a seu corpo. Os sentimentos tão fortes que teve por ele no avião não se comparavam ao que estava sentindo agora. Era maravilhoso. Era incendiário. Era perigoso. Sempre muito gentil, a mão de Ben deslizou por baixo da seda fina de sua combinação. Ela sabia que realmente não deveria ... E decidiu que não ia se importar. Porque no livro É assim que fazemos, livro de ouro, edição especial para os bem-nascidos da costa leste, o que estava acontecendo com ela agora não era citado. Com certeza, algumas meninas, que andavam com o livro debaixo do braço, faziam Isso: meninas que eram ricas, bem-nascidas e enlouqueciam por um milésimo de segundo. Depois se formavam na escola certa, se casavam com o homem certo e se juntavam ao trabalho voluntário para ter uma vida sem graça para sempre. E dizer que naquela manhã, quando ia para o aeroporto com Cynthia, ficou pensando se a mudança para Los Angeles não seria o maior erro de sua vida, com medo de nunca deixar de amar Scott Spencer. E agora estava aqui, num iate, pouco antes da meia -noite, beijando um cara que a fazia sentir como se pigmeus estivessem dando mergulhos acrobáticos no seu estômago. E mais embaixo também. - Anna? - A voz dele soou rouca e abafada em seu pescoço. Pelo jeito que Ben disse seu nome, ela soube exatamente o que ele queria. Era exatamente o que ela queria também. Com ele. Agora. Antes que pudesse abrir a boca para dizer sim, o litoral entrou em erupção com fogos de artifício. Riscos de luz disparavam para cima, explodindo no céu da noite em estrelas prateadas e galáxias douradas. Era meia-noite. Anna se perguntou: quer ficar falando de uma vida examinada ou quer vivê-la de verdade? - Tem uma cabine aqui? - sussurrou para Ben. - Tem. - Ótimo. Anna pegou Ben pela mão e o levou para o fogo lá embaixo.
17 2H51 NA COSTA OESTE Camilla Birnbaum. Camilla Babette Birnbaum. Mrs. Ben Birnbaum. Cammie lembrava como, no ano passado, ficava sentada de pernas cruzadas na cama, como uma menina da quinta série, rabiscando variações de suas fantasias sobre o futuro com Ben nas costas do caderno de ciências, depois riscava tudo para ninguém ver. Porque mataria quem visse aquilo. A maioria das pessoas pensava que seu relacionamento com Ben tinha sido só uma coisa física. Estavam certos. Mas tinha sido mais que isso também. Cammie o conhecia, tinha certeza disso, de um jeito que nenhuma outra garota o tinha conhecido antes. Sabia todos os seus segredos obscuros e sacanas. Que ela estava apaixonada por ele era um segredo que guardava de todo mundo, e quase sempre até de si mesma. Mas tinha tanta certeza - e ainda estava certa - de que, de alguma maneira, Ben sentia o mesmo por ela... Então por que ele queria lutar contra isso? Só que lá estava ela se oferecendo de bandeja para Ben, que diabos! E ele a rejeitou. Ele a rejeitou. Ela era, sem dúvida, a garota mais gostosa da sua idade, não só naquela área, mas em toda Beverly Hills. Mas quando o beijou na casa dos espelhos, Ben nem piscou. Ele devia gostar muito mesmo daquela vaca bem-nascida do Upper East Side de Nova York que estava em seus braços. "Desculpe, mas a garota é praticamente uma tábua. E, cá entre nós, um pouco de maquiagem ia ajudar. Ou será que os cosméticos não combinam com uma garota de sua categoria? Provavelmente tem assaduras permanentes nas coxas de tanto mantê-las apertadas." Passar a véspera de Ano-Novo se livrando de babacas numafesta nos fundos de um estúdio da Warner não era o que Cammie imaginava para a noite do casamento de Jackson Sharpe. Mesmo assim, lá estava ela, ainda na festa com a sobra da humanidade, muito depois de seus amigos terem ido embora. Tinha dançado e bebido champanhe demais, dispensado três caras que a convidaram para fazer sexo oral no carro, e dois outros que queriam ir para casa transar com ela. Não que não gostasse de sexo oral, e um dos caras era até bem gostoso. Mas tinha uma coisa importante, privada e muito pessoal para fazer nesta noite e não fazia sentido ir para Beverly Hills e depois ter que voltar para este lado. Cammie suspirou e bebeu seus últimos goles de champanhe. Seu plano era convidar Ben para acompanhá-la nessa missão. Que piada! Deu uma olhada na direção da banda. O que viu foi um duplo vocalista da ... como era mesmo o nome desta banda? Alguma coisa começada por P, uma sílaba. Pau, talvez? Isso aí, Pau. Estava vendo Paus duplos. Isso não era bom. Champanhe demais. Não tinha a menor vontade de ser apanhada dirigindo embriagada. Se Ben estivesse com ela, poderia levar o carro. Mas o merda do Ben estava transando com outra pessoa. Cammie decidiu ir andando. - Ei, não vá embora, gata! - disse alguém, mas Cammie lhe mostrou o dedo médio e saiu da festa. Continuou andando. Saiu do terreno da Warner Brothers, seguiu para o leste na deserta estrada Riverside. Passando pela Disney com a porra da cerca feita com orelhas
do Mickey Mouse e o prédio coroado por sete gigantescos anões de pedra. Quando chegou aos estúdios da NBC, Cammie tirou os sapatos - não conseguiria andar num par de Blahniks de 1.200 dólares - e foi levando seus saltos agulha nas mãos. Quinze minutos depois, chegou à cerca alta em volta do imenso complexo do cemitério Forest Lawn. É óbvio que àquela hora o lugar estava oficialmente fechado. Não que este pequeno detalhe a fizesse desistir. Esteve fechado em todas as vésperas de Ano-Novo. Toda véspera de Ano-Novo, encontrava um jeito de entrar ali. Acompanhou a cerca morro acima, procurando por um ponto que estivesse precisando de conserto. Quando encontrou, empurrou com força até conseguir soltar um pedaço. A cerca cedeu apenas alguns centímetros, o suficiente para Cammie conseguir passar. Merda. Deixou cair longe um pé do Blahnik. .. Foda-se. Jogou o outro pé por cima da cerca na direção de onde veio. e os sapatos estivessem ali quando voltasse, tudo bem. Se não, azar. Uma vez encontradas as coordenadas no cemitério escuro, eram apenas cinco minutos de caminhada para o seu destino. O chão era bem cuidado; a grama fechada fazia cócegas nas solas dos pés enquanto ela ia andando. Antes de se dar conta, já estava na área dos túmulos. - Olá, mãe - disse Cammie. - Feliz Ano-Novo. Cammie tirou as chaves da bolsa e acendeu uma minilanterna para iluminar a pedra da sepultura. Estava escrito apenas o nome da mãe dela, Jeanne Reit Sheppard, seguido do ano do nascimento e da morte. Nenhuma inscrição, nenhuma passagem da Bíblia, nenhum "querida mãe, esposa, e professora". Nada. Nada. Nada. Cammie passou a lanterna pelo resto do túmulo, viu algumas ervas daninhas e as arrancou. Tinha também uma embalagem, que enfiou na bolsa. Será que os caras pagos para manter este lugar iam morrer se fizessem o que recebiam para fazer? Agachou-se ao lado da pedra, perdeu o equilíbrio e caiu no chão. Embriagada o bastante para não sentir a terra fria debaixo da bunda, trouxe os joelhos para perto do queixo com os braços. Essa peregrinação encharcada de álcool era um acontecimento anual para ela, desde que tinha 14 anos. Mas nunca tinha estado tão chapada como dessa vez. O que, depois pensaria a respeito, era provavelmente o real motivo de ter perguntado o que perguntou. Em voz alta, quer dizer. - Foi mesmo um acidente, mãe? Esperou, como se realmente tivesse esperanças de que a mãe entrasse em contato com ela do além para lhe dizer a verdade. - É o fato de o papai não ter chamado a polícia até a manhã seguinte que sempre me grilou - prosseguiu Cammie. - Ele disse que tomou um remédio para dormir. Foi isso mesmo que aconteceu? Ou talvez você tenha saltado no mar? Talvez você quisesse morrer. Eu só queria muito, muito saber, de uma vez por todas, o que aconteceu, mãe. Agora é uma boa hora para você me contar. Nada. - Que tal uma ajudinha agora? - disse Cammie na escuridão. - Ei, John-médium-como-émesmo-que-você-faz- naquele-programa-de- TV? Onde está quando preciso de você? Mais silêncio.
- Merda - resmungou Cammie. - Ah, desculpe por dizer "merda", mãe. Falo muito palavrão, o que é realmente uma merda. É que ... tem um cara, Ben Birnbaum. Era meu namorado. Lembra que falei sobre ele no ano passado? Bom, ele terminou comigo antes de ir para a faculdade. Pouco antes de terminar comigo, eu estava planejando trazê-lo aqui para conhecer você. Idéia idiota! Cammie suspirou e remexeu na bolsa. - Bom, mas ... trouxe uma coisa para você da festa ... - Pegou um quadradinho de chocolate belga, embrulhado num guardanapo de Ano-Novo, e colocou-o sobre a pedra. "Vantagem de estar morta: você não precisa mais se preocupar com dieta. - Esbarrou sem perceber na terra que agora estava entranhada no couro verde-claro de seu vestido. "Hoje à noite, tentei ter Ben de volta. Que piada! Pensei que gostava de mim. Simplesmente, não gosta. Talvez seja genético. Sabe qual é a minha preocupação, mãe? Se tenho mesmo mau gosto que você para homens." Cammie cambaleou sobre o túmulo e depois se deitou de costas, com os braços abertos. Ficou olhando a noite muito, muito estrelada. - É tão bonito aqui fora, mãe. Gostaria que você visse. Lágrimas caíam dos olhos de Cammie e escorriam até as orelhas. - Feliz merda de Ano-Novo. 18 2H51 NA COSTA OESTE -Oi, Sam! Sam ouviu Parker chamá-la, mas não estava com vontade de responder. Estava com o rosto para baixo, na mesa de massagem forrada de couro italiano amarelo-claro, no quarto de meditação (logo na saída da academia de ginástica dos Sharpe, que era do tamanho de um campo de futebol), recebendo o que possivelmente seria a melhor massagem do mundo de um cara fortão chamado Giovanni. ("Só um nome é necessário. Eu sou Giovanni. Atualmente trabalho como massagista. Mas quero ser artista de cinema, tá?") Sam tinha percebido as formas musculosas de Giovanni na festa da Warner Brothers, dançando com uma criatura patética que, depois de uma plástica malfeita, parecia ter dois iglus moldados no peito côncavo. Sam emparelhou com eles e, depois de dizer que era filha de Jackson Sharpe, o "Eu sou Giovanni" era dela. Ele tinha mãos de mestre, que ficavam muito mais gostosas com a fantasia de Sam, que as imaginava como uma continuação dos braços de Ben. E a última coisa que queria era ser interrompida. - Sam? É sério, preciso perguntar uma coisa para você - insistiu Parker. Bom, este era o preço que tinha que pagar por ter convidado pessoas (algumas das quais nem conhecia) daquele casamento decepcionante para festejar na casa dela. Já que o pai e a sua nova esposa tinham ido direto da festa para a lua-de-mel em Barbados, Sam sabia que não haveria objeções familiares. Sam finalmente abriu um dos olhos vermelhos. - O que é, Parker?
- Sabe o aquário na caverna? Bom, Lulu Nu comeu um dos peixes. Agora diz que está enjoado. Quer saber se algum daqueles peixes é venenoso. Lulu Nu, um idiota pretensioso que tinha sido um segundo assistente de direção no último filme de Jackson Sharpe (leia-se um servente refinado - Sam conhecia todos os códigos para cargos), tinha ganhado este apelido há uma hora, quando entrou na mansão dos Sharpe, deixou cair as roupas e declarou: - Vamos começar a brincadeira! - Se ele ficar azul, ligue para a emergência - ordenou. Sam, e fechou os olhos de novo. - Você precisa se liberare di toda tensione - aconselhou Giovanni com aquele sotaque italiano sexy. Ah, sim. Sumindo, sumindo, sumiu. Enquanto Giovanni trabalhava na parte superior das suas costas, Sam, a cada toque, apagava mais uma lembrança desta maldita noite. Além disso, era gostoso. Depois que Ben foi embora com Anna, a noite foi rapidamente ladeira abaixo. Sam tinha afogado suas mágoas em algumas doses de uísque com água e chorado por um tempo no ombro de Adam Flood. Pôs a culpa de sua infelicidade no casamento; ele acreditou. À meia-noite, ele a beijou. Então ela conheceu Giovanni e lembrou-se da mesa de massagem na academia de ginástica. Foi quando decidiu que era hora de ir embora. Ele já estava trabalhando nela por mais de uma hora, agora. Era pura felicidade! - Quer que ia faça massagem mais personal? - perguntou Giovanni. Sam não quis nem pensar em saber o que seria esse "mais personal'. - Não, obrigada. Apesar de ter sido o máximo. - Sam pegou seu roupão e o vestiu sem se levantar, depois deixou cair a toalha que a cobria e pulou da mesa. - Vou ficar com meus amigos. Você vem? - Claro. Giovanni é tudo seu. Argh, Giovanni estava começando a irritar. Sam encontrou seus convidados no salão de jogos, brincando de cantores no American Idol, bêbados e doidões, com o equipamento de vídeo de um milhão de dólares de seu pai. - Onde está Lulu Nu? - perguntou Sam. - Desmaiou na sala de estar - disse Dee. - Alguém já foi ver se ele está respirando? - Meu Deus, não sei - disse Dee se dando conta da distração. Sam virou-se para Giovanni. - Você poderia dar uma olhada no rapaz que está na sala de estar, depois daquele saguão? - Giovanni sabe, come se dice, primeiros atendidos. - Primeiros socorros - corrigiu Sam. - Bom saber. Obrigada. E lá foi ele. Dee gostou do que viu. - Ele é tão gostoso! "E burro como uma porta", pensou Sam, o que era perfeito para Dee. - É todo seu - disse Sam. - Obrigada - disse Dee. - Ele é ... hétero? - perguntou ela, hesitante. - Porque você sabe o que dizem dos gregos. - Ele é italiano, Dee. - Ah, que bom. Vou ver se está precisando de ajuda, então - disse ela e saiu pelo saguão atrás de Giovanni. - Vamos fazer uns martínis de maçã! - sugeriu Skye,pulando do sofá e quase caindo de
tanto que já tinha bebido. - Meu Deus, isso é tão século passado - reclamou Damian e foi cambaleando até Sam. Estamos precisando de mais álcool. Não era o que parecia. Mesmo assim Sam apontou o caminho para o bar da piscina coberta. Que diabos! Era véspera do Ano-Novo. Seu pai não fazia a menor idéia da quantidade de álcool que tinha em casa. E mesmo que Poppy soubesse, provavelmente não seria capaz de fazer essas contas... A multidão foi trocando as pernas até o bar, cercado de Vidro, que dava uma visão de 360 graus das luzes brilhantes de Los Angeles. Alguém ligou o som. A música da Dave Mattews Band tomou conta do ambiente. Sam tremeu. Aquele CD devia ser de Poppy nem morta Sam teria uma coisa dessas. Substituiu por um mix de hip-hop - muito melhor. . Com Damian fazendo o papel de barman, começou uma disputa de martíni de maçã versus daiquiri de banana. O teste era feito nos 15 centímetros de pele entre o fim da camisa Galliano estampada da Skye e o início da sua calça camuflada da D&G de cintura baixa. Sam ficou vendo a multidão torcendo pelos dois caras que estavam lambendo álcool da barriga de Skye e sentiu-se fora da cena. Até onde sabia, esta era apenas uma variação de um filme que já tinha visto muitas vezes. Eram jovens crias ricas de Beverly Hills que adoravam uma festa. Daquele jeito era novidade. Por que ela estava aqui fingindo se divertir em vez de estar com o cara que amava? Por que tinha que ter um coração tão grande e tão cheio de amor por um cara que não a amava? Dee e Giovanni voltaram dizendo que Lulu Nu ainda respirava. Tomaram martíni de maçã. Então Dee tirou a roupa, e, num movimento rápido e inesperado na direção da piscina coberta, pulou. Giovanni também tirou a roupa e foi atrás dela. Sam não pôde evitar e admirou o físico impressionante de Giovanni. Mesmo assim ainda não lhe dava tesão. Skye gritou quando entrou debaixo da cascata artificial, na parte mais rasa da piscina olímpica. Damian pulou atrás dela. Todos juntos, os outros tiraram a roupa e pularam também. Sam fez o que sempre fazia - ficou de calcinha. (Por mais bêbada que estivesse, não ia chocar os amigos a ponto de ficarem sóbrios com a visão de sua bunda de lua cheia, que, supunha ela, os faria gritar e sair correndo pela noite como se tivessem visto algum tipo de Freddy Krueger de um filme retrô. Se isso acontecesse, nunca mais sairia de novo em Beverly Hills antes do anoitecer.) Perto dali, Dee parecia ter dispensado Giovanni em favor de Parker. Estavam brincando de algum tipo de sacanagem (debaixo d' água. Giovanni parecia estar dando atenção demais para Damian. Sam boiava de costas, sentindo-se fora da orgia que a cercava. Não foi assim, de jeito nenhum, que planejou passar sua noite. Quantas vezes você tem que se desgastar e ficar com um cara a quem não dá nenhuma importância e que não dá nenhuma importância para você também? - Esperma bóia? - perguntou Skye a Sam, surgindo de repente ao lado dela. Sam fincou os pés no fundo da piscina. A água chegou aos seus ombros. -Por quê? Skye apontou com o queixo. Sam seguiu o movimento com os olhos. Parker e Dee, quem diria, transavam furiosamente na parte rasa da piscina.
Skye tinha ido para o casamento com Parker. - Você está chateada? - perguntou Sam. - Por favor - disse Skye bocejando ostensivamente. - Acho que vou virar gay. Os homens são uma merda. Sam saiu da piscina e buscou abrigo numa das cabanas aquecidas para se enxugar. Embrulhou-se num roupão de cashmere para hóspedes que estava pendurado no gancho atrás da porta e saiu, secando o cabelo com uma toalha. - Oi, Sam - disse Adam aparecendo na frente dela. Estava totalmente vestido. - Puxa, que festa irada! Obrigado pelo convite. - Pode dormir aqui. Todo mundo vai. - Obrigado - disse Adam -, mas meus pais vão ficar loucos se eu fizer isso. - Olhou para o relógio. - Já passa das três. - Você é tão bonzinho - provocou Sam. - Qual é! - Adam chegou bem perto e sussurrou. - Ei, você está bem? Com o que aconteceu? "O que aconteceu?" - Claro - respondeu Sam, apesar de não ter a menor idéia do que ele estava falando. - Beijar você foi maravilhoso, Sam - disse ele, em voz baixa para ninguém ouvir. - Só queria dizer isso. Era isso, então? Adam era o cara mais legal, mais meigo do planeta. Então por que não sentia por ele o mesmo que sentia por Ben? - Obrigada, Adam - disse ela e deu um beijo no rosto dele. - Olhe, se precisar pode me chamar para ajudar a fazer a limpeza amanhã ... - Foi por este motivo que Deus inventou os serviços de limpeza - disse Sam -, mas obrigada pela oferta. Adam riu sem graça. - Ah, claro. Às vezes esqueço. Lá em casa eu sou o serviço de limpeza. Então, nos vemos - disse e foi embora. Sam andou até a parede de vidro e olhou para as luzes brilhantes de Tinseltown. Logo surgiriam as primeiras luzes do Ano-Novo. Ben estava ali em algum lugar, com outra pessoa. Sam não o tinha. Nem Cammie, que, por algum motivo misterioso, tinha ficado na festa da Warner Brothers em vez de vir para a casa de Sam. Não, as duas deram um puta azar. Ben estava com Anna. Provavelmente estavam fazendo amor naquele exato momento pela décima vez. De repente, Sam foi tomada pelo desejo de ser Anna. Mas, mesmo com todo seu dinheiro e poder, este era um desejo que não podia realizar. 19 2H51 NA COSTA OESTE - Aqui jaz Anna Percy, que morreu com a virgindade intacta - disse Anna, puxando a colcha por cima do rosto para não ver a reação de Ben. - Anna, tudo certo. Já disse. - Gentilmente Ben tirou a colcha do seu rosto. Apoiado num cotovelo, olhou para ela. - Se você não está pronta ...
- Não que não esteja pronta. Quer dizer, meu corpo está pronto - disse ela, bufando. -Meu Deus, isso vai parecer um clichê: acabamos de nos conhecer. E sempre imaginei que a primeira vez seria... não que não seja especial, porque é; mas é que... Ben sorriu com ternura. - A articulada srta. Percy não encontra as palavras. Bom, isso deve valer alguma coisa. Beijou Anna na testa. - Olhe, sou um garoto crescido. Não vou morrer só porque não fizemos o que quase fizemos. Certo? - Certo. - Mas quando você estiver pronta, estou pronto. - Certo. Ele concordou balançando a cabeça, fazendo uma longa pausa. - Pronta agora? Anna caiu na gargalhada e bateu nele com o travesseiro. Ele bateu de volta, e depois jogou o travesseiro no pé da cama e a beijou suavemente. - Você não precisa levantar agora. Vou lá em cima para nos direcionar de volta para a marina. Ben se levantou e com descontração se vestiu de novo. Anna admirou seu corpo. Viu quando ele subiu os degraus com passos largos, saindo da cabine, e então se enfiou debaixo da colcha e pensou sobre o que quase aconteceu. Tinha tanta certeza de que aquele era o cara e o momento... E então, uma sensação a fez desistir e, por assim dizer, ela o fez parar. Alguma coisa dentro dela disse o seguinte: se Ben é o cara, é melhor esperar; e se acabar descobrindo que não é, então vai ficar feliz por não ter sucumbido ao tesão do momento. Ou isso era horrivelmente fora de moda? Às vezes os desejos de Anna por um amor romântico a embaraçavam. Talvez fosse conseqüência de todos os romances ingleses do século XIX que leu no primeiro grau. Depois da hora em que devia estar dormindo, acendia a lanterna debaixo das cobertas e lia até os olhos arderem de cansaço. Quando dormia, sonhava ser Elizabeth Bennet definhando por causa do sr. Darcy, pouco ligando para as convenções. Mas tudo isso era tão antigo ... Nenhuma das garotas que conhecia dava muito valor para o amor. O importante era "ficar". O jeito que se sentia era provavelmente ridículo e infantil. Não se encaixava, com certeza, no seu novo conceito de uma Anna melhorada. Mas não podia evitar. Ouviu tantas histórias horrorosas sobre a "primeira vez" que estava insegura. Sua irmã Susan, por exemplo: esteve na mansão, em East Hampton, de um compositor que foi exilado por ter importado cocaína da sua terra natal, a Bolívia. A mansão ficou para sua ex-mulher. Sua ex-mulher sempre encorajou o filho adolescente a convidar os amigos para tomar banho de piscina. Um dia escolheu um garoto para uma visita guiada a muito mais do que à casa. Mesmo com 14 anos, o problema de Susan com bebida já era sério, apesar de secreto. O bar da divorciada tinha sempre um estoque de vodca Stoli gelada. Anestesiada numa tarde, Susan perdeu o biquíni e a virgindade com um dos garotos que a divorciada tinha dispensado. Em outras palavras, sua irmã tinha sido um prêmio de consolação. Lembrar esta história lhe deu vontade de chorar; decidiu mentalmente que a primeira coisa que faria de manhã seria ligar para a irmã. Talvez a história de horror de Susan a tenha feito ficar com mais medo; não tinha certeza. Deitada ali, Anna não conseguia
saber se tinha feito a coisa certa ou não. Parte dela desejava que Ben descesse a escada e a tomasse no, braços. Ela seria imediatamente invadida por uma paixão e não conseguiria resistir. E parte dela... bem... não queria. Anna se afundou nos travesseiros e fechou os olhos. lá em cima, podia ouvir Ben se movimentando, limpando o convés e recolocando as lonas que tinha retirado. Era uma cama tão confortável, os lençóis de seda, o edredom de penas o balanço suave do barco. E ela estava tão cansada... - Ei, dorminhoca! Anna abriu os olhos. Levou um tempo para se lembrar onde estava e por quê. - Acho que adormeci - disse sonolenta. - Que horas são? - Quase três. Detesto ter que acordá-la, mas vou buscar o carro e trazê-lo para cá. Vá se vestindo. Volto para pegá-Ia. - Não vou demorar para me vestir - protestou Anna. - Posso ir com você. Ben sorriu. - Não. Não se apresse. Gosto de pensar que você está aqui, exatamente do jeito que está agora. Volto rapidinho. Anna se levantou, lavou-se da melhor maneira possível na pequena pia da cabine e se vestiu rapidamente. Sentiu-se meio ridícula ao vestir de novo aquelas calças de vinil, a camisa de seda e o paletó do smoking de Ben. Estremeceu. Ben estava certo. Tinha esfriado. E não teve vontade de procurar um agasalho de lã. Decidiu engatinhar de volta para debaixo das cobertas e esperar Ben voltar com o carro. Acordou assustada. Quanto tempo tinha dormido? - Ben? Nenhuma resposta. - Ben? - chamou mais alto desta vez. Nenhuma resposta ainda. Saiu da cama e subiu. - Ben! Onde você está? - Lá em cima no convés, conseguia enxergar as horas no seu relógio. Sentiu um bolo no estômago. Eram quase quatro da manhã. Ben tinha saído para buscar o carro pouco depois das três. Então, onde ele estava? - Ben! - A voz dela ecoou pela marina deserta. - Cale essa boca, porra, estamos tentando dormir! - reclamou alguém de outro barco. Anna saiu do Nip-n-Tuck com o coração disparado. Correu pelo cais de madeira, na direção da parte principal da marina. Onde tinham estacionado? Por que ela não prestou mais atenção? Pensamentos sobre o que poderia ter acontecido com Ben passavam pela sua cabeça numa velocidade estonteante. Ele tinha se acidentado, batido com a cabeça e caído na água. Tinha sido seqüestrado. Tinha ... Parou. Viu a placa do restaurante Joe's Clam, com uma seta apontando para o bar. Era a única placa assim. Foi ali que estacionaram. Mas o lugar estava deserto agora. Não tinha nenhum Maserati conversível. Apenas o asfalto preto e duas listras brancas pintadas que emolduravam a terrível verdade. Seria possível que tudo o que ele disse era uma mentira, um jogo elaborado só para transar com ela? Ou estava realmente chateado - depois de todo o tempo que investiu - porque ela não cedeu? Chateado o bastante para simplesmente se livrar dela, deixando-a sozinha na marina às quatro horas da manhã? Ah, meu Deus. Será que ele faria mesmo uma coisa assim?
Não sabia. Não conseguia raciocinar. Tudo o que sabia era o seguinte: Ben tinha ido embora. 20 4H29 NA COSTA OESTE Anna se encostou cansada na placa do Joe's Clamo Seus ombros estavam curvados. Tinha vontade de chorar. Mas apesar de Ben não estar por perto para ver seu desespero, se recusava a dar àquele fIlho-da-mãe esta satisfação. Não conseguia entender direito o que ele tinha feito com ela. Foi tudo tão calculado... Pensar que, há pouco mais de uma hora, estava triste pela maneira patética como Susan tinha perdido a virgindade. Agora sua própria história lhe dava ainda mais pena. Não tinha, na verdade, transado com ele, mas e daí? Acreditou em cada mentira que ele disse. Pelo menos Susan não teve nenhuma ilusão de que estava gostando do garoto ou de que ele estava gostando dela. Mas Anna realmente pensou que ela e Ben estavam ... Que se dane! Que vá para o inferno. O que o fez pensar que ela iria para a cama com ele? Inventar uma história tão elaborada só para ela ficar a fim dele? - Deus, será que foi porque você praticamente transou com ele no avião uma hora depois de conhecê-lo? - perguntou- se em voz alta. Sentiu nojo. Como, como pôde ser tão estúpida? Alguma coisa devia estar muito errada com ela. Primeiro se apaixonou por Scott Spencer, um cara que parecia não saber nem reconhecer que ela era uma fêmea anatomicamente correta. Depois gostou de Ben Birnbaum, o cara que mentiu o que pôde só para tirar a sua calça de oncinha fajuta. Anna olhou para o estacionamento deserto, o que despertou seus instintos de Nova York. Não era um bom lugar para uma garota estar sozinha. Sabia que tinha que fazer alguma coisa ... mas o quê? Ligar para o pai? Isso era uma piada. O homem que não conseguiu ir ao aeroporto ou no almoço, não ia atravessar meia cidade para buscá-Ia em plena madrugada. Além disso, ia ter que explicar o que estava fazendo na marina às quatro horas da manhã. Sozinha. Poderia chamar um táxi. Mas não ficava bem voltar de táxi para casa naquela roupa ridícula de puta no final do pior réveillon do mundo. Mas que opção tinha? E então se lembrou do motorista do seu pai, Django. Ele tinha lhe dado um cartão, que ela pôs na carteira. Então talvez ela ainda ... Remexeu na bolsa Chanel. Lá estava. Digitou o número no celular. Tocou e tocou. - Alô? - disse uma voz sonolenta de homem. - Django? Desculpe acordar você. É Anna. - Anna ... - Seu nome foi dito como se ele estivesse remexendo em seu arquivo mental. Ah, Anna. Oi! Feliz Ano-Novo! O que houve? - Sei que é muito tarde. É o seguinte ... Estou na Marina del Rey. Perto do bar Joe's Clamo E... preciso de uma carona para casa. Sei que estou pedindo muito. Posso chamar um táxi se... - Anna - interrompeu ele. - Sim?
- Já estou chegando aí. Anna sentou no banco da frente do velho Nissan Sentra de Django, e ele acelerava pelas ruas quase desertas, atento aos bêbados que saíam das festas. Felizmente, não fez nenhum comentário sobre a roupa dela. Nem tentou puxar assunto ou mesmo perguntar o que ela fazia sozinha na marina às quatro da manhã. Apenas colocou para tocar um de seus CDs de jazz e ficou calado, duas coisas que fizeram Anna ficar muito agradecida. Saíram da avenida Santa Monica e entraram na rua North Foothill. Anna olhou para ele. - Quero lhe agradecer por ter feito isso. - Nem pense nisso, não foi nada - disse lentamente. - Espero que você não tenha que dirigir muito para voltar para casa. Ele virou na entrada da casa. - Não. Moro perto. - Ah, que bom. - Na verdade, é aqui. - Apontou para a casa de hóspedes logo atrás da casa principal. Quando Anna era pequena, sua avó a deixava usar como uma casa de bonecas em tamanho real. Mas não entrava lá há anos. Então quer dizer que o motorista de seu pai morava na propriedade? Achou estranho, mas estava muito cansada para pensar a respeito disso. Massageou a testa, que latejava. - Sinto como se tivesse passado as últimas vinte horas indo na direção errada. - Às vezes você é pára-brisa; outras vezes, inseto. - Desligou o carro, saiu e deu a volta para abrir a porta para Anna. Quando ela pôs as pernas para fora, seu joelho bateu no porta-luvas. A tampa se abriu. Um monte de CDs, fotos e papéis caiu no seu colo e se espalhou-pelo chão... - Sinto muito. Devo estar realmente muito cansada - disse Anna enquanto recolhia as coisas. - Não, eu pego ... - Não me importo. - Já disse, vou pegar. Alguma coisa no tom de voz de Django fez Anna se afastar do carro e deixá-lo recolher o que tinha caído. Mas ela ainda estava segurando algo que tinha ficado em seu colo, uma velha fotografia. Enquanto Django estava abaixado no chão do carro, Anna olhou para a foto. Era de um menino de cabelo escuro, de pé ao lado de um grande piano. Tinha uma orquestra de adultos completa atrás dele; um maestro alto e grisalho estava ao lado do menino, com um braço orgulhosamente em volta dele. O menino e o maestro vestiam smoking. Anna quase perdeu o fôlego quando reconheceu o maestro, um dos mais famosos regentes e compositores do final do século XX. Estava sorrindo para o menino, que obviamente estava sendo muito aplaudido pelo público e pela orquestra. Anna olhou para Django, que ainda estava recolhendo as coisas do chão. Não havia dúvida: podia ver o menino no homem. Era Django. Mas quando devolveu a foto para ele, sem dizer uma palavra, seus olhos não a traíram. "Todo mundo tem segredos", pensou ela. "Ninguém nunca conhece realmente ninguém." Django enfiou os papéis de volta no porta-luvas e bateu a tampa para fechar. - Está tudo certo agora?
- Está. Obrigada, Django. Mais do que você possa imaginar. Tive uma noite de inseto esmagado. Django coçou o queixo barbado. - Adiantaria se eu dissesse que a noite é sempre mais escura antes do amanhecer? Ou que há uma luz no fim do túnel? Claro que há sempre a possibilidade de ser um trem vindo. Mas mesmo assim ... Ela esboçou um sorriso. - Obrigada por tentar me animar. Obrigada por tudo. De verdade. Você é um gentleman e um mestre. Ele concordou com a cabeça, enfiou as mãos bem fundo nos bolsos e seguiu para a casa de hóspedes. Depois virou-se - "Spain." Chick Corea. - Como é? - Quando sinto que estou me acabando no pára-brisa, é o que escuto. Se quiser o CD emprestado, apareça. A qualquer hora. Boa.noite. - Django tirou seu chapéu imaginário e Anna o viu se afastar, depois foi para a porta da frente e a abriu, pensando em como seria bom deitar... sozinha. E tomar um banho. Um banho muito, muito quente para apagar qualquer lembrança de Ben Birnbaum. Entrou no saguão escuro. Uma mulher gritou. Anna pulou para trás instintivamente e seu braço bateu num vaso no pequeno armário perto da porta. Ele se espatifou no chão de mármore. A luz do saguão acendeu-se rapidamente. Uma loura descalça, num robe de seda azul, estava carregando uma bandeja de biscoitos de creme brúlée Spago - sabia disso porque seu pai mandava meio quilo deles todos os anos no aniversário dela. Era a melhor sobremesa do mundo para ele. O fato de Anna achá-los muito calóricos não parecia fazer muita diferença. - Que diabo foi isso? - perguntou o pai de Anna saindo do quarto, sem camisa e com as calças do pijama. Desceu metade da escada antes de ver a cena no saguão. -Bem. Esta não foi exatamente a maneira que planejei de apresentá-las. - Sinto muito - disse a loura para Anna. - Você me assustou. Anna estava mais do que assustada. Não tanto pelo fato de esta mulher ser obviamente a namorada de seu pai (pelo menos por esta noite), mas porque, ao contrário do que poderia esperar, uma perua de vinte e poucos anos, exagerada, com partes do corpo feitas de pneumáticos que dobram de tamanho quando usados para boiar, esta mulher era alta, angulosa e muito magra. Com a mesma beleza loura sutil e as feições aristocráticas da mãe de Anna. - Tudo bem, Margaret, é minha filha - disse Jonathan Percy acabando de descer a escada. - Imaginei - disse a mulher. Ela colocou a bandeja com os biscoitos no armário. - Oi. Sou Margaret Cunningham. E um prazer conhecê-la. Seu pai me falou muito de você. O.k., era muito estranho. Quanto mais perto Anna chegava, mais a mulher parecia uma sósia de Jane Percy. Mas as boas maneiras de Anna automaticamente se manifestaram, e ela apertou a mão da mulher. - Feliz Ano-Novo, Margaret. - Então, vocês duas. - A voz de seu pai era terna. - Agora que estamos todos juntos e ninguém vai ser roubado, por que não pegamos os doces e vamos comer na cozinha?
Vou fazer um chá. "Chá?" Anna não podia acreditar que seu pai estivesse sugerindo isso. Olhou para Margaret, cuja expressão incrédula era igualmente uma lembrança de como sua mãe reagiria. - Não tenho certeza de que esta seja a melhor das idéias agora, Jonathan - disse Margaret. - Concordo - acrescentou Anna, apressando-se para subir a escada. - Desculpe pelo vaso, pai, e pela interrupção. Agora, se me dão licença... - Anna, espere. - Amanhã - disse Anna sem se virar. - Boa noite. - Mas Anna ... -Boa noite. Anna esquentou a água do banho o máximo que pôde agüentar e se esfregou com uma bucha. Lavou o cabelo duas vezes. Depois se ensaboou de novo. Mesmo com a pele já vermelha e dolorida, ainda sentia o toque dele, o gosto dele. Maldito Ben. Que vá para o inferno. Quando saiu do banho, Anna se sentiu mole. Se enxugou, vestiu seu pijama Ralph Lauren de seda favorito e voltou para o quarto, mais do que pronta para encerrar este dia louco. Mas não foi assim. Tinha uma visita: seu pai, agora de calça jeans e camiseta. Estava esperando por ela na antiga poltrona perto da janela. - Anna, temos que conversar. Anna disse quase num gemido. - Pai ... - Jonathan - corrigiu ele. - Como queira. São quase cinco da manhã. - Precisamos resolver uma questão. - Não dá para ser amanhã, hoje mais tarde, por favor? - Acho que não. Anna tentou manter determinação na voz. - Não estou com vontade de conversar agora. Eu realmente tive um dia muito longo. E uma noite horrível... - Sinto muito em ouvir isso. - Eu também. Por isso, tudo o que quero fazer agora é... - Não vou conseguir dormir com toda essa tensão entre nós. Há coisas que precisam ser ditas. Oh, pobrezinho. Não ia conseguir dormir. De repente, Anna não agüentou mais. Cada momento horrível das últimas 24 horas borbulharam dentro dela como uma espécie de fonte sulfurosa de bílis. - Talvez existam coisas que precisam ser ditas, pai. Mas você poderia ter dito quando foi me buscar no aeroporto. Ah, não, você não apareceu lá. Bem, quando nos encontramos para o almoço, então. Opa. Não apareceu lá também. Ou quando cheguei em casa hoje à tarde e encontrei você desmaiado no caramanchão ... - Compreendo que esteja zangada. - Estou exausta também. Não acho que tenha condições de propiciar um momento de aproximação entre pai e filha. - É terrivelmente cruel da sua parte julgar antes de conhecer os fatos.
- O que acabo de citar são fatos. Você me deu o bolo, pai. Quando puxou o edredom de seda da cama, acrescentou mentalmente: "Ah, a propósito, pai ... Fui dispensada hoje à noite por um cara que fingiu que achava que eu era um diamante precioso e depois me jogou fora como se eu fosse uma bijuteria porque não transei com ele. E isso dói. Dói muito." Não que algum dia fosse contar isso para ele. Mas que tal ter um pai que se preocupasse o bastante para perguntar por que a sua noite tinha sido tão horrível? Ou sentir-se próxima dele o bastante para querer lhe contar? Era realmente pedir muito? - Do seu ponto de vista, eu lhe dei o bolo - concordou seu pai. - Mas você não se preocupou em me perguntar o que aconteceu ou por que... - Quem é o pai aqui? - indagou ela se metendo na cama. - Já pensou sobre o que significa para mim ter de repente você de volta na minha vida? Anna sentiu como se tivesse levado um soco no estômago. - Pensei que tinha me convidado. Volto para Nova York amanhã de manhã, se é isso que você quer. - Não, não é isso que quero. Por que você está tornando as coisas tão difíceis? Anna apertou os lábios. - Esqueça. - Não. Céus, você é tão suscetível quanto a sua mãe. O que estou tentando dizer é que, se você conseguir deixar de se sentir injustiçada, estou feliz por você ter vindo. Sem sentido. Suas palavras eram vazias e sem significado. Anna cruzou os braços e ficou olhando para o pai. Por um longo tempo nenhum dos dois disse nada. Finalmente o pai abriu os braços e disse: - Anna, você esperava que eu me transformasse num superpai de uma hora para outra? - Não. Não espero nada de você em absoluto - disse Anna, levantando o queixo. - Lá vem essa atitude de novo. Igual a sua mãe. - Bem, é evidente que você gosta dela o suficiente para ter uma sósia como namorada. - O que você .está dizendo? - perguntou Jonathan, franzindo as sobrancelhas. - Tenho certeza de que o fato de Margaret ser a cara da minha mãe não passou despercebido para você. - Anna, ela não se parece em nada com a sua mãe - disse o pai chocado. - Você está brincando. Claro que parece. O pai dela balançou a cabeça. - Honestamente, Anna, você está tão exausta que parece estar tendo uma alucinação ou delirando. - Muito bem. Estou errada. Você está certo. Ela parece um duende. Parece o coelhinho da Páscoa. Parece um personagem de T.S. Elliot; você decide. Fico feliz de estar tudo acertado. Agora vou dormir. - Puxou as cobertas até o queixo, desesperada para este dia finalmente, finalmente, acabar. Seu pai a fitou por um momento. Seus olhos estavam embaçados. - Não queria que fosse assim. Não foi assim que eu... Suspirou. Depois foi até a cama e gentilmente ajeitou o edredom em volta dela. O que fez Anna voltar no tempo, há muito tempo, quando seus pais ainda eram casados. Numa rara noite em que seu pai voltou para casa enquanto ela ainda estava acordada, ele foi ao seu quarto para se certificar de que ela estava bem coberta e de que a luz da mesinha estava apagada. Ele a beijou na testa e foi ver Susan. Anna lembrou de como se sentiu protegida
e amada. E naquele momento tudo estava certo no mundo. A lembrança esquecida há muito tempo se acomodou atrás da dor nos olhos de Anna. Com aquela dor veio o título de um poema de Robert Frost, o primeiro que ela memorizou: "Nada que é de ouro pode viver". 21 11 H26 NA COSTA OESTE o rapaz em pé junto à porta da frente da casa na rua North Foothill, falava ao celular. - Já bati, mas ninguém atendeu. - Tocou a campainha? - Toquei. Talvez esteja quebrada. - Já pensou em bater com mais força? - perguntou Sam. - Seeu bater com mais força, vou, tipo, acordar as pessoas. - Este é o objetivo, Monty- disse ela com uma paciência exagerada. - Se não a acordar, ela não vai saber que você está aí. O que significa que você é uma árvore caindo numa floresta sem ninguém notar que você caiu. O que significa que na verdade você não existe. O que leva diretamente para um buraco negro existencial. E não queremos ir para lá quando o novo ano tem apenas 11 horas, não é? - Claro que não - concordou Monty. - Otimo. Então bata com mais força e me ligue de volta. - Tá legal. - Monty Pinelli guardou o celular, bateu com força na porta, chutou algumas vezes e então bateu de novo para reforçar. O que quer que Sam Sharpe mandasse ele fazer, faria porque Sam Sharpe era seu passaporte. O fato de Monty e seu irmão mais velho, Parker, conhecerem Sam Sharpe se devia à mãe deles, Patti Pinelli, que sempre fez questão de que qualquer apartamentozinho em que morassem ficasse nos arredores de Beverly Hills, CEP 90210. "Ninguém precisa saber exatamente onde vocês moram" era o que sempre dizia. "Deixe-os pensar que vocês são um deles e façam os contatos necessários. Foi assim que eu fiz." Foram os contatos da mãe de Monty e Parker que a fizeram conseguir seu primeiro papel- e único - num filme, uma porcaria proibida para menores de 18 anos chamada As jingidas, sobre duas jovens modelos e o que faziam por amor. A outra atriz conquistou fama, fortuna e entrou para a lista VIP de Hollywood. Patti sequer flertou à distância com tudo isso. No entanto, flertou bem de perto com Bruno Pinelli, que tinha uma boate onde ela trabalhava como dançarina exótica. Bruno prometeu a ela usar seus "contatos em Hollywood" para ajudar no futuro de sua carreira. Quatro anos e dois filhos depois, ela se divorciou daquele idiota, a quem Monty só conhecia pelo título de "aquele filho-da-puta". Foi nessa mesma época, Monty tinha certeza, que sua mãe teve o primeiro diagnóstico clínico de ser maníaco-depressiva, um diagnóstico que ela considerava uma completa estupidez. Do ponto de vista dela sendo pobre, falida, om dois filhos e com a beleza indo embora -, alguma coisa estaria errada se não estivesse deprimida. Monty sabia que ele e o irmão tinham uma coisa que faltava a sua mãe: jogo de cintura. Enquanto ela tinha o cheiro de classe trabalhadora, de desespero e de liquidação em loja
popular, Monty e Parker tinham aperfeiçoado a arte de misturar. Eram camaleães que podiam mudar a textura da pele para se adequar ao ambiente. Sim, os rapazes Pinelli podiam circular, até mesmo se destacar, entre os ricos e famosos. Isso era importante porque a mãe de Monty nunca ficava com eles num lugar por muito tempo. Acontecia sempre que parava de tomar seus remédios. Então, de repente, tudo ficava muito claro: os vizinhos e/ou seu parceiro no As fingidas tinham contratado um homem para matá-la. A vida era um buraco negro e eles estariam bem melhor se estivessem mortos. Isso a levava a concluir que a única maneira de sair de toda essa infelicidade era ir imediatamente para uma temporada de compras, de preferência na Neiman Marcus. Ia a um shopping de alta classe, onde batia a carteira de alguns ricos idiotas e usava o cartão de crédito para comprar o que quer que seu coração desejasse. Vigarista experiente que era, a mãe de Monty então se mudava com os filhos para um novo lugar com boas escolas, sempre um passo à frente da lei. Mas agora Patti tinha dito aos filhos que estava decidida que ficariam em Beverly Hills, custasse o que custasse. Parker acreditou nela. Monty, não. Mas, na verdade, era difícil Monty concordar com o irmão em qualquer coisa. Parker estava terminando o segundo grau. Foi um bebê tão bonito que as pessoas na rua queriam tirá-lo do carrinho para olhar mais de perto. Com quase 18 anos, parecia muito com James Dean, exceto pelo fato de ter quase um metro e oitenta de altura. Cultivava essa semelhança ao máximo. Como Dean, sonhava em ser um astro de cinema ainda bem jovem. À diferença de Dean, planejava viver o suficiente para aproveitar a vida. Parker já tinha conseguido um agente, que era do vale de San Fernando. Embora Parker parecesse com James Dean, Monty sabia a verdade: seu irmão mais velho não tinha nenhum talento. Atuando, era um desastre. Mas tinha tanto carisma pessoal que as pessoas (leia-se: mulheres e gays e ameixas secas que ensinavam teatro na Beverly Hills High, e continuavam a escalar Parker para o papel principal nas peças da escola) freqüentem ente não davam importância a isso. O tal "agente" era um senhor devasso que gostava que Parker fizesse uns servicinhos nas redondezas de seu rancho em Santa Barbara. O velho estranho nunca tinha tocado em Parker. Mas só o jeito que olhava para ele... era o suficiente para deixar Monty enojado. Por isso nunca mais foi lá de novo. Monty (na verdade, Montana. Patti tinha certeza de que a próxima geração de estrelas do cinema teria os nomes dos estados da federação) era um ano mais novo que seu irmão. Infelizmente, herdou a aparência baixa, morena, de nariz largo do seu falecido pai. Percebeu cedo que a aparência definitivamente não seria seu passaporte. Tinha qu'e achar outro motivo para fazer com que o pessoal da sua idade da lista VIP ficasse seu amigo. Sendo um tipo de cara que queria cobrir todas as possibilidades, Monty escolheu três: estava disposto a ser puxa-saco deles; estava sempre cheio de energia e topava qualquer coisa; tinha um senso de humor ferino. Em outras palavras, faria o trabalho sujo deles, os enlouqueceria, e os manteria acordados a noite toda se divertindo. Era uma combinação vitoriosa. O fato de Monty, ainda tão jovem, ser mais esperto do que o mais brilhante veterano da lista VIP era algo que ele mantinha em segredo. Sabia que a situação seria bem melhor se eles o subestimassem.
Tinha que ter um cuidado especial com Sam, porque ela era tão esperta quanto insegura. Monty não queria que ela se sentisse ameaçada. Ainda não. Então, por enquanto, seria o bobo afável. Hoje, empregado de Samantha. Amanhã, dono de uma produtora. Um dia... o mundo. Então, todos esses pivetes de Beverly Hills iriam beijar seus pés morenos. Um dia, quando seu irmão mais velho Parker estivesse velho, feio, ruminando comida num asilo, Monty lhe mandaria um belo pacote de fraldas geriátricas e fixador de dentadura. Que amor! Por muito tempo, Anna pensou que a batida vinha de dentro da sua cabeça. Quando fInalmente entreabriu os olhos, percebeu que alguém do lado de fora estava batendo na porta da frente. É claro que seu pai dormia com protetores de ouvido, porque ninguém estava atendendo. O mostrador do rádio-relógio marcava onze e meia. As batidas continuavam. Anna se levantou cansada, se enrolou num roupão da Burberry e desceu as escadas. Olhou pelo olho mágico da porta da frente e viu uma imagem distorcida de um cara baixo, usando um boné de beisebol, com cabelo escuro e um nariz grande demais para seu rosto estreito. O cara parou de bater por um momento. Como não ouviu nada, começou a bater de novo na porta. Quem quer que fosse, não ia desistir. Mas Anna era nova-iorquina; não ia abrir a porta da frente para uma pessoa completamente estranha. - Posso ajudar? - gritou. - Se é Anna Percy, tenho um recado para você. O primeiro pensamento de Anna foi: Ben! Escancarou a porta. - O que é? - Você é Anna Percy? - Sou. - Qual é o signifIcado da vida? Anna piscou. -Como? - Só estava verifIcando se você sabia. - Foi Ben Birnbaum que mandou você aqui? - Não - respondeu Monty estendendo-lhe o celular. Anna pegou e colocou no ouvido. - Pronto? - disse uma voz feminina impaciente do outro lado. - Quem é? - perguntou Anna, com a voz ainda rouca de sono. - Sou eu. Sam. A cabeça de Anna estava ainda funcionando pela metade. - Que Sam? - Como" que Sam"? Você foi a convidada de última hora, aliás, a não-convidada do casamento do meu pai? Você teve seu vestido rasgado ao meio? Convidei você para uma festa na Warner Brothers? Sam Sharpe? Por que Sam Sharpe mandaria este cara acordá-la? Anna pigarreou. - Certo, Sam. O que posso fazer por você? - Tem um cara baixinho de cabelo escuro e um nariz do tamanho da bunda de Jennifer Lopez bem na sua frente? - Hum ... tem. - O nome dele é Monty. Mandei ele aí para pegar você. Não me agradeça. Sou sacana
assim mesmo. Anna não estava entendendo. Nem queria entender. - Sinto muito, Sam, mas acabei de acordar. Sevocê puder ligar mais tarde ... - Ficou até tarde da noite com Ben, hein? Ben. De repente, lembrou -se de tudo. Ele era a última pessoa de quem Anna queria falar ou em quem queria pensar. E certamente não ia conversar sobre ele com Sam. - Se a gente puder conversar mais tarde, Sam... - Tudo bem. Mas não pensei que você fosse assim. - Assim como? - Você disse que viria. Para a praia de Venice, ajudar a alimentar os sem-teto. Agora Anna se lembrava. - Sinto muito, Sam. Esqueci completamente ... - Sim, isso é bastante óbvio. Muito Ben no cérebro. - Não é isso. É que fui para a cama tarde ... - Tudo bem, pode me dar o bolo. Vou mandar lembranças suas para os pobres. - Sam; quer parar? Estou com uma dor de cabeça danada. Mas eu vou. - Como você é magnânima. - O que quero dizer é que quero ir - insistiu Anna, esfregando o ponto que latejava entre suas sobrancelhas. - Onde eu... - Ótimo, nos vemos - disse Sam e desligou o celular. Confusa, Anna o devolveu para o cara, que esperava com um ar alegre no rosto. - Então, o que ficou decidido? - perguntou ele. - Acho que vamos ... onde quer que Sam esteja. Dê-me apenas cinco minutos para eu me vestir. 22 11H32 NA COSTA OESTE Anna lavou o rosto, escovou os dentes e se enfiou numa calça jeans, numa camiseta e num velho suéter cinza de cashmere com buraquinhos de traça nas mangas. Passou uma escova no cabelo e fez um rabo-de-cavalo. Depois enfiou a bolsinha da noite anterior dentro de uma bolsa Coach e correu escada abaixo. Um barulho no seu estômago a lembrou que não comia de verdade desde aquele sanduíche com o pai na tarde anterior. Então fez uma parada rápida na cozinha, onde encontrou um bilhete rabiscado por seu pai na bancada. Anna, espero que tenha dormido bem. Precisava que você soubesse que há um problema com aquela história do estágio. Ainda tenho esperanças que dê certo. Vamos conversar mais tarde. Jonathan "Um problema com aquela história do estágio?? Será que seu pai não conseguia levar nada adiante? Se não conseguisse, ia matá-lo; e pronto."
Abriu a porta da geladeira com raiva e a encontrou quase vazia, exceto pelo resto de biscoitos de creme brúlée - pelo visto, as empregadas mantinham a despensa muito bem abastecida. Pegou um iogurte de limão, colocou na bolsa junto com uma colher de sobremesa e foi para o carro de Monty. - Impressionante - disse o rapaz, ligando o motor. Ele olhava para o seu relógio. - Seis minutos e trinta segundos. - Olhou para o iogurte na mão dela e riu. - O que é? - perguntou Anna. - Dê uma olhada atrás de você. Anna virou a cabeça e viu toda a parte de trás do carro cheia de comida: gigantescas sacolas de plástico com croissants e brioches, imensas bandejas de papel-alumínio cobertas com plástico, cheias de bifes, frango e lombinho de carneiro. Havia uma enormidade de bandejas de entradas: minis suflês de espinafre, pequenos sanduíches de frios e uma enorme travessa de guacamole. - Estive recolhendo as sobras de várias festas de AnoNovo nas últimas duas horas explicou Monty. - Esses sem-teto vão comer como reis hoje. - É ótimo que não vai haver desperdício - disse Anna. Monty ligou o carro. - Isso deve fazer com que você queira dispensar esse iogurte, não é? - Esta comida é um tanto pesada para o café da manhã - respondeu Anna enfiando na boca uma colherada de iogurte de limão, enquanto Monty falava sobre a Beverly Hills High. Não que ela estivesse interessada, exceto pelo fato de estar adorando não ter que freqüentá-la. O trânsito estava tranqüilo pela primeira vez - "a maioria das pessoas provavelmente ainda estava curtindo a ressaca do réveillon", imaginou Anna -, e chegaram a Venice em vinte minutos. Nem foi difícil encontrar uma vaga para o carro perto da praia. Monty abriu a mala e tirou um carrinho, onde começou a empilhar bandejas de comida. - Então, meu irmão, Parker Pinelli, disse que conheceu você ontem à noite no casamento do pai de Sam. - Sentamos na mesma mesa. Você estava lá? - Tive que ir embora. Minha mãe não estava muito bem, então fiquei em casa com ela. Pegou uma bandeja enorme com salmão coberto de pistache que dava para suspeitar que era sobra das núpcias de Jackson & Poppy. - Então, você quer ouvir sobre Venice enquanto dou um duro danado? - Já estive aqui antes. - Anna começou a ajudar Monty a descarregar a comida. - Há canais que foram construídos para que este lugar se parecesse com Veneza. Devo ter lido isso em algum lugar. - Jim Morrison morou numa casa no canal nos anos 60, você sabia? - Não. - Anna pegou a travessa de guacamole e a equilibrou sobre o salmão. - Claro, naquela época as casas nos canais eram consideradas alternativas. Isso foi no tempo dos discos de vinil. Agora tem que ser megamilionário para viver numa dessas. Levantou um pote enorme de patê e colocou em cima de tudo que estava no carrinho, depois enxugou o suor da testa com o braço. O carro estava vazio. - Você não precisava ter ajudado. - Então eu ia ficar em pé aqui e deixar você fazer todo o trabalho?
- É como sempre acontece. De qualquer modo, obrigado. - Não há de quê. - Certo. Hora de festejar com os desafortunados! Monty empurrou cuidadosamente o carrinho com comida em direção à praia, com Anna ao lado, atenta para que nada caísse. Ele parecia ser um cara bem legal e alegre. Não conseguia entender por que ele ficou surpreso por ela ter ajudado e por que os outros não faziam isso. - Até que enfim! - disse Sam, acenando para eles quando viraram a esquina. Usando óculos escuros imensos, com o cabelo preso num coque cuidadosamente despenteado, Sam estava ao lado de uma mesa de banquete coberta com uma toalha impecavelmente branca. Talheres de plástico, guardanapos e pratos de papel estavam empilhados numa ponta. Infelizmente, do ponto de vista de Anna, do outro lado estavam Dee e Cammie. Anna ficou completamente confusa. Uma coisa era subestimar o desejo de Sam de trabalhar por caridade. Dee ela realmente não conhecia, só achava que não parecia ser brilhante. Mas a vaca da Cammie? Firme e disposta no primeiro dia do ano a trabalhar por caridade? Alguma coisa não estava fazendo sentido. Anna podia ver pela expressão nos rostos de Dee e Cammie que ficaram tão surpresas ao vê-la quanto ela própria quando as viu. Sam, por outro lado, sentiu-se ridiculamente feliz quando viu Anna. Ao mesmo tempo, ver Anna tranqüila e elegante na sua calça jeans simples e com aquele suéter fez Sam ajeitar a parte de baixo da sua blusa Roberto Cavalli de inspiração asiática, com gola de mandarim cor-de-rosa, para se certificar de que ela cobria seus odiados quadris. Anna não tinha quadris grandes. Sam ficaria feliz em ceder para ela uns 15 centímetros. Ficou imaginando como seria ter a aparência de Anna. Não, isso estava se parecendo demais com Mulher solteira procura. Dee se aproximou de Sam rapidamente. - O que ela está fazendo aqui? - Anna? Eu a convidei. - Mas por quê? - Porque ela é a minha nova melhor amiga - disse Sam. - É verdade? Depois de todos esses anos em que fomos melhores amigas?-perguntou Dee, arregalando os olhos. - Estou brincando, Dee. - Ah! Então...? - Por causa de Cammie - acrescentou rapidamente Sam. - Certo. Por causa de Cammie. - Dee virou a cabeça para olhar para Cammie. - Mas ela está logo ali. Pode fazer isso sozinha. - Não sem parecer desesperada. - Ah, entendi. Você é mesmo uma grande amiga - concordou Dee. - Eu tento - disse Sam sorrindo na direção de Anna, enquanto ela e Monty se aproximavam com o carrinho cheio de comida. - Fico feliz por você ter conseguido. - Eu também - disse Anna, apertando os olhos por causa do sol. Tirou os óculos escuros da bolsa e os colocou. O dia estava gloriosamente perfeito, sem neblina. O reflexo do sol na areia da praia chegava a cegar, as montanhas de Santa Monica eram visíveis à distância. Anna ajudou o
grupo a arrumar a comida na longa mesa de banquete. Não vinha à alternativa praia de Venice há anos, mas a atmosferà de carnaval não mudou, pelo que podia notar. A Ocean Front Walk, que ficava paralela à praia, ainda tinha de ponta a ponta uma variedade eclética de artistas de rua e vendedores empurrando suas mercadorias. Pessoas de todas as idades ziguezagueavam em skates ou patins pela ciclovia. Turistas passeavam, tirando fotos da cor local. Uma multidão começou a se formar em torno da mesa de banquete, gritando perguntas para eles. Quem eram, quanto era a comida, para quem era a comida. - Para todo mundo - respondeu Sam. - Gente! - berrou ela para a multidão cada vez maior. - Esta comida é de graça para todos os que estiverem com fome. Por favor, façam uma fila a partir daqui. - Mas só se você for, tipo, pobre e sem -teto e tal- acrescentou Dee. - Nós só queremos fazer boas ações. - Onde está a droga do Parker? - perguntou Cammie, olhando para o relógio. - Provavelmente parou para tirar novas fotos para publicidade - brincou Sam. - Ele está com o meu Mercedes - disse Cammie irritada. - Se parar em qualquer lugar além do Breckner, é um homem morto. - Ei, quando é que vamos começar a comer? - perguntou alguém na multidão. - Você está com uma Nikon de cinco mil dólares pendurada no pescoço! - respondeu Sam, gritando também: - Saia da fila, palhaço! - Os nativos estão muito inquietos - murmurou Dee. Anna examinou a fila que se estendia pelo caminho de tábuas. Havia um homem sem dentes, tão sujo que era impossível distinguir a cor de sua camisa, e que trazia, pendurado no pescoço, um cartaz de papelão em que se lia: O MAIOR BÊBADO DO MUNDO. Logo atrás estavam alguns jovens bem-sucedidos, vestidos com roupas de banho de marca, loucos por uma refeição grátis. Um casal, de mãos dadas, que parecia ter uns sessenta anos, ambos completamente cobertos de tatuagem, esperava pacientemente. - Gente, bem-vindos a Venice! - gritou para a multidão um homem de patins, com uma guitarra na mão. Suas trancinhas estavam presas dentro de um turbante, e ele vestia calças roxas bufantes. - Sou Ace Pace, o artista de rua mais famoso do mundo! Estou aqui para alegrar o seu dia! - Patinou pelo caminho de tábuas e tocou músicas antigas dos Beatles na sua guitarra elétrica, com o amplificador amarrado no braço. - Acho que ele trabalhou em Homens brancos não sabem enterrar! - exclamou um dos turistas, e todo mundo começou a fotografar Ace. Estava tudo muito divertido, mas Anna estava louca por pelo menos mais quatro horas de sono, e não entendia muito bem o que seria aquele programa. - O que estamos esperando, exatamente? - perguntou a Sam. - Estamos esperando pela sra. Breckner, nossa conselheira do projeto. Anna ficou confusa. - Como? - Na Beverly Hills High, você tem que fazer algum trabalho comunitário no primeiro semestre de cada ano. O relatório tem que ser entregue no primeiro dia de volta às aulas depois das férias de inverno, que é depois de amanhã. Lentamente, a verdade começava a se revelar para Anna.
- Então hoje é o último dia para você, para todos vocês fazerem isso. Sam brincava com um talo de aspargos marinado. - Tenho culpa de termos uma vida social tão agitada? Parker foi buscar Breckner em Van Nuys há quase uma hora. Ela tem que estar aqui antes de começarmos, para assinar o relatório. Anna se sentiu mal. - Vocês dão comida aos sem-teto todo primeiro dia do ano para ter nota na escola? E hoje é a última chance que têm de fazer isso? Sam deu de ombros. - Se você quer ver do ponto de vista técnico ... - Então por que diabos me convidou? Sam parecia magoada. - Desculpe-me por incluir você! - Você não foi exatamente honesta comigo. Sam pôs a mão no quadril e olhou para Anna com irritação. - Eu disse que íamos dar comida aos sem-teto e estamos dando. Sinto muito se os meus motivos não são puros o suficiente para você. Anna se limitou a balançar a cabeça. Parecia que ela e Sam não falavam sequer a mesma língua. - Vou dar uma volta - anunciou, interrompendo seus próprios pensamentos. - Tenho uma ligação para fazer. Sem esperar pela resposta de Sam, saiu andando pelo caminho de tábuas. Quando estava longe o bastante a ponto de a interpretação de Ace de "Hey Jude" ser apenas um refrão distante, pegou o celular. Precisava entrar em contato com alguém real Alguém de quem gostasse e que gostasse dela. Por um momento, no entanto, foi surpreendida pela maravilha de uma tarde perfeita em Los Angeles. O céu estava claro como uma água-marinha, a temperatura em torno de vinte e poucos graus. Anna podia sentir o cheiro da areia e do surf quase sentia na boca o gosto da água salgada. A única poluição visível era a da variedade humana. Naquela hora Anna desejou - tanto! - que sua irmã estivesse com ela. Pegou o telefone e apertou a tecla de discagem rápida. - Hazelden - respondeu uma voz mecânica. - Em que posso ajudar? - Bom dia. Posso falar com Susan Percy, por favor? - Por favor, aguarde. Vou ver se ela pode atender. Anna esperou. Esperou. Então ouviu uma voz hesitante. - Alô? - Susan? É Anna. Feliz Ano-Novo! - Anna. Depois, silêncio. Será que tinham mudado a medicação da sua irmã? Será que ela estava zangada? O que houve? - Su? Você está aí? - Estou. É que ... bem, parabéns por ser o único membro da nossa família que se deu ao trabalho de me ligar. Então Susan não estava zangada. Estava magoada. Meu Deus, como a família delas tinha ficado tão destruída? - Eles vão ligar para você, Su - insistiu Anna, apesar de saber que não era verdade.
- Mentira. Mamãe está na Itália se recuperando do trauma de ser nossa mãe. E papai nunca liga. Anna não sabia o que dizer. - Então, como vai você? - Uma merda. - Demora um pouco -lembrou-lhe Anna. - Por favor, não comece com seus clichês. - Mas é verdade. - Ótimo. Pelo menos alguma coisa para se esperar. Anna resolveu mudar de assunto. - Então, adivinha onde estou? - Kansas? - Estou em Los Angeles. - Meu Deus, por quê? - Resolvi passar um tempo aqui com papai. - E eu repito: meu Deus, por quê? - Por vários motivos. Não quero falar sobre mim. Quero falar sobre... - Mim. Mas não há nada a dizer, Anna. Este lugar é horrível. Eu me entupo de doces e fumo como louca para não perder a cabeça. Nesse meio tempo, minha cabeça parece querer se perder de mim. - Talvez, quando sair, você possa vir para Los Angeles para passarmos algum tempo juntas - sugeriu Anna. - Talvez. Mas se eu for, não quero ficar com papai. Vou para um hotel. - O.k. Como quiser. - Talvez eu vá logo. Anna não gostou do tom da voz dela. - O que você quer dizer com isso? - perguntou com cuidado. - Estou pensando em me dar alta. - Susan. Você não pode fazer isso. - Não me diga que diabos eu posso fazer! Anna recuou. - Eu quis dizer que não deveria. - Você não sabe como é aqui. - A voz de Susan tinha agora um tom conspiratório. - Este lugar pode levar qualquer pessoa a beber. - Podemos achar um outro lugar, então. - Não quero um outro lugar. Quero a minha vida de volta. Anna riu. Anna segurou o telefone com tanta força que os nós dos dedos ficaram brancos. - Você só acha isso porque está há um tempo sem beber e sem usar qualquer droga, e... - Sem essa, Sherlock. - Eu só queria dizer. .. - Sei exatamente o que você queria dizer. - A voz de Susan estava mais suave agora. -Não quero descontar meus problemas em você, Anna. Me ignore. Sou uma chata. - Eu só... quero o que for melhor para você. - Talvez o melhor para mim seja um tempo com minha babá na La La Land. Os tubarões aí vão comer você viva, irmãzinha.
- Não sou mais tão pequena - disse Anna. - Posso me cuidar. Susan, se você ficar até terminar o programa de recuperação, então ... - Você não quer que eu vá? - Claro que quero. É só... - Tá, tá, tá. Sei bem o que você quer dizer, Anna. Mas você não pode viver a minha vida por mim. Se eu fizer uma besteira, será minha besteira. É assim que as coisas são. Anna respirou fundo. -O.k. - Essa é a minha menina. Então, ligo para você em breve, O.k.? - Certo. Amo você, Su. - Eu também, irmãzinha. Tchau. - Tchau. - Anna desligou e guardou o telefone. Será que Susan ia se dar alta e vir para Los Angeles? Seria maravilhoso ter uma aliada aqui, e, quando Susan estava sóbria, era sempre aliada de Anna. Mas a questão sempre seria, por quanto tempo ela ficaria sóbria? Quando Anna teria que recolher os pedaços? Bem, mesmo que seu pai ainda insistisse em desencavar qualquer coisa quando se encontrassem mais tarde, iriam falar sobre Susan. E, querendo ou não, ele ia ligar para a sua filha mais velha para desejar feliz Ano-Novo.
23 12H41 NA COSTA OESTE -Anna? Parker Pinelli estava vindo pelo caminho de tábuas na direção dela. - Oi. Achei que era você. Como vai? De novo Anna notou a semelhança de Parker com James Dean, na época de Vidas amargas. Alugou pela primeira vez esse filme por causa da insistência de Cynthia, depois de ler o romance de John Steinbeck por conta própria quando estava na oitava série. Alguma coisa na história sobre a dolorosa relação entre pais e filhos - o filho crescido cujos esforços intermináveis para conquistar o amor dos pais não deram frutos - a fazia pensar na sua irmã, Susan. De novo. - Parker Pinelli. Do casamento. - Claro, eu lembro. Oi. - Então você pegou uma carona com meu irmão, hein? - Como? - Monty. Ele me disse que trouxe você. Ele é meu irmão. - É, ele disse isso. Desculpe, mas não estou com todos os meus cilindros funcionando ainda. - Sem problemas - disse Parker de bom humor. - Uma loucura a noite passada, hein? Você perdeu uma grande noite na casa de Sam. Saímos daquela festa da Warner e fomos para a casa dela. Você e Ben deviam ter ido. Então, o que vocês fizeram? O estômago de Anna se revirou. Estava começando a se sentir meio enjoada. Não sabia dizer se era exaustão, ou a conversa ao telefone com a irmã, ou a menção ao nome do
Ben. Provavelmente tudo isso junto, concluiu. - Olhe, sabe ... - disse vagamente, querendo mudar de assunto. - Você não tinha que estar dando comida aos semteto para ganhar nota na escola? - Não, só vim aqui para ficar com os amigos. Terminei meu trabalho comunitário há semanas. Fui voluntário no asilo dos artistas. Todos aqueles velhos atores de cinema estão lá, sabe, dos anos 30 e 40. Eles contam histórias incríveis de Hollywood. É ótimo. Anna ficou impressionada. - Legal você fazer isso. - É, você tem que buscar contatos onde puder - disse ele, virando o rosto para o sol. - O tempo está lindo, não é? Nós morávamos em Chicago. O tempo lá é horrível. Então, quer dar uma caminhada? Por que não? Anna não tinha nenhuma vontade especial de ficar junto dos outros. Começaram a andar na direção oposta, passando pelas barracas de incenso, dos tatuadores de hena e a que vendia mantas mal pintadas. A barraca de jóias de prata deu espaço para um rapaz que vendia um avião do tamanho de um palmo e que obedecia a comandos verbais. Havia uma multidão em volta do cara de shortque fazia provocações engraçadas enquanto equilibrava no queixo uma menina numa cadeira. Mais adiante, um artista cuspia fogo para um público impressionado, que jogava moedas e notas num chapéu que estava na frente dele. - Uma loucura isso aqui, hein? - comentou Parker. - Eu gosto - disse Anna. - Poderia viver aqui. - Cuidado - provocou Parker. - Vão cassar o seu título de sócia do Beverly Hills Country Club se ouvirem você falando uma coisa dessas. - Para dizer a verdade, não sou tão fã assim de Beverly Hills. - Deixe de ser mentirosa - repreendeu Parker. - Todo mundo sonha em morar em Beverly Hills. Passaram por uma barraca que se gabava de ter "A maior coleção de óculos escuros do planeta" e, depois dela, uma mulher de cabelos grisalhos, ajoelhada, fazia massagens no pescoço e nas costas. Seu cartaz prometia vinte minutos de paraíso por vinte dólares. - Ei, Homem-Macaco! - chamou Parker, acenando para um senhor mais velho com uma macaquinha sentada no ombro. - Como vai, Parker? - respondeu o homem. - Venha cá, quero apresentar você - disse Parker, e eles passaram por entre as pessoas. Nós dois fomos figurantes num filme ano passado. Este cara é o máximo. - Parker, Lulu tem perguntado por você - disse o Homem-Macaco, abrindo um sorriso quase sem dentes. - Olá, Lulu, também senti saudades suas - disse Parker, dando um beijo na macaca. Ela gritou com alegria, pulando no ombro do Homem-Macaco, e retribuiu o beijo. Ele apresentou Anna ao Homem-Macaco. - Lulu tem uma paixão pelo seu namorado - disse ele. - Ele não é meu namorado - disse Anna, rindo quando Lulu pulou nos braços de Parker e o cobriu de beijos de macaco. - Mas se fosse, eu ficaria orgulhosa de perdê-lo para uma menina como Lulu. O Homem-Macaco apontou um dedo comprido na direção de Anna.
- Eu gosto desta menina. Quando Lulu finalmente se deixou tirar dos braços de Parker, ele eAnna continuaram descendo o caminho de tábuas. Mas ele já tinha ajeitado a jaqueta sobre os ombros de Anna, um gesto que a fez lembrar de Ben. Por que diabos tudo a lembrava Ben? - Você e Ben festejaram um pouco demais ontem à noite, não foi? - tentou adivinhar Parker, quase como se estivesse lendo sua mente. Ela tomou uma decisão deliberada de banir Ben de seus pensamentos. "Ben Birnbaum não significa nada para mim", disse a si mesma. "Menos do que nada." - Então você é ator, certo? - desconversou Anna, apenas para preencher sua cabeça com algo que não fosse Ele. - Sou. Estou disputando um papel de ator convidado neste período de substituição no meio da temporada. Meu agente disse que estão entre mim e um outro cara. - Quando vai ter a resposta? - Ele me disse que deve ser depois do feriado judaico. Anna tentou imaginar de qual feriado judaico ele estava falando. Hanukkah terminou antes do Natal; até aí ela sabia. Páscoa não era antes da primavera. Nada mais lhe veio à mente. O estômago de Anna se revirou de novo. Mesmo com a jaqueta de couro de Parker, estava tremendo de frio. - Você realmente não parece estar bem - disse Parker. - Estou bem - insistiu Anna, apesar de não ter certeza se isso era verdade. Mas não ia fazer uma cena porque estava com frio e com o estômago um pouco embrulhado. Parker diminuiu o passo e coçou a fenda perfeita que dividia o seu queixo. - Escute, Anna, antes de a gente voltar para se encontrar com os outros, tem uma coisa que eu queria dizer para você. - O quê? - Espero que não pense que estou sendo intrometido. Quer dizer, sei que você não me conhece e eu não a conheço, mas você parece ser uma garota realmente legal. - Seja lá o que for dizer, pode falar - disse Anna. - Tá. Bom, é sobre Birnbaum - disse Parker. - Você acabou de conhecê-lo, certo? - Certo. - Ele chega como se fosse o tal. Mas há algumas coisas que você não sabe sobre ele que provavelmente ... - Ei, vocês dois, venham ajudar! - gritou Sam. A fila estava ainda maior do que antes. Parker levantou o dedo, querendo dizer "um minuto". - Continue - pediu Anna em voz baixa. - O que tem o Ben? - Ei, jogue fora um pouco desse lixo pra gente - pediu Monty, sacudindo um saco plástico de lixo gigantesco na direção de Parker. - Já vou. Anna pegou no braço de Parker. - Parker. .. - Podemos conversar mais tarde - disse ele. Anna disse a si mesma para desistir. Ouvir falar daquele cara, bem ou mal, era como pressionar papel-alumínio numa cárie. Mas não pôde se conter.
- Você me fala mais tarde? Parker resmungou alguma coisa ininteligível, então coçou atrás da orelha e foi andando devagar na direção da mesa para pegar o saco de lixo do seu irmão. Até onde Anna tinha percebido, a recusa dele em olhá-la nos olhos era a linguagem do corpo de um homem que tinha segundas intenções. 23
13H25 NA COSTA OESTE - Café quente, café quente chegando - gritou Monty. Ofereceu uma caixa de papelão cheia de copinhos de café para viagem para todos que estavam atrás da mesa. - Sam? - Obrigada, Monty. - Vivo para servir - disse ele com alegria, oferecendo a caixa de café para a sra. Breckner. - Muito gentil da sua parte - disse ela. A professora pegou um café e dois saquinhos de açúcar. - Ei, hoje é o primeiro dia do ano novo. Espero que todo mundo possa aproveitar. O que a senhora fez na noite passada para comemorar a chegada do ano novo, sra. Breckner? - Não muito. Uma pequena cerimônia de vodu com amigos íntimos - disse ela, tentando fazer uma cara séria, bebendo um gole de café. Sam caiu na gargalhada. Ela gostava da sra. Breckner, que, francamente, era a melhor professora de inglês que já tinha tido. Sam podia quase ver aquela história do Ao mestre, com carinho se repetindo se Sidney Poitier fosse branco, judeu e gordinho, enfiado num terninho horroroso cor de pêssego. - Dee? - indagou Monty, oferecendo a caixa de café. - Não, obrigada. Café faz muito mal, Monty. É processado com cancerígenos conhecidos. Pode causar câncer e fazer crescer dedos extras no pé. Sam olhou para Dee com cara feia. - Onde é que você aprende essas coisas? - Na revista Vida orgânica hoje. Vou pegar uma para você na próxima vez que eu for à loja de comida natural. - Dee colocou uma concha de caviar num prato de papel e passou para uma mulher com um olhar louco, vestida de trapos, que estava na frente dela, depois se esticou para falar com a professora. - Já servimos trezentas refeições, sra. Breckner. Quantas mais ainda temos que servir? - Ainda há muita comida sobrando e muita gente - disse a sra. Breckner. - Pare e fique ali um pouco, Delia. Pense em todos os pontos que você vai ganhar no céu. Você também, Sam. - Deus não tem um placar, sra. Breckner - disse Dee solenemente. - Será que podemos acabar, Dee, sem que você brigue com ela? - disse Sam com uma voz irritada. - Preciso da recomendação dela para ir para Princeton. Dee parou de servir e virou-se para Sam. - O que quer dizer com Princeton? Desde quando você vai para Princeton? - Não disse que vou. Disse que vou me candidatar. - Você tem a média mais alta da turma, Sam. Vai entrar.
- Não necessariamente. - E você fez oitocentos pontos na prova oral de admissão para a universidade. - E 650 em matemática - lembrou Sam. - Outros pontos negativos: sou rica e branca. Dee mudou de posição e tapou o sol com a mão para poder ver melhor a amiga. - Então por que quer ir para lá? - Pelo que ouvi dizer, é realmente uma boa universidade. Dee sabia disso. Mas e se Sam quisesse ir para Princeton só porque Ben estava lá?Ou será que ela estava sendo a Pequena Senhorita Paranóica? Seus olhos foram para a direção de Anna e Parker, que tinham acabado de se juntar a eles. Anna estava usando a jaqueta de Parker. Dee cutucou Sam. - Inacreditável. - O quê? - Anna. Olhe para ela. Estava com Ben ontem à noite e também vestia o paletó dele. Este ato inocente é tão falso ... - Ela vestiu o paletó de Ben porque Cammie rasgou o vestido dela - replicou Sam. - Foi um acidente. Não foi, Cammie? - Eu faria uma coisa tão cruel? - perguntou Cammie, trazendo outra pilha de pratos descartáveis para Sam e Dee. Dee emendou em outra pergunta. - Então, até que horas você ficou na festa ontem à noite? Cammie deu de ombros. - Sabe-se lá. - Você devia ter ido na casa de Sam. Nós nadamos sem roupa. - Grande coisa. - Ah, não enche. Foi divertido. Cammie quase sorriu. - Com quem você acabou ficando, Delia? - Bem, você sabe ... - disse Dee evasivamente. - Parker - completou Sam. - Transamos na piscina, só isso. - Seus olhos se desviaram para Parker e Anna de novo. Aquela Anna é uma devoradora de homens ou algo parecido! - Literalmente - disse Cammie com satisfação. - Ela deve ser muito talentos a, se considerarmos a reação de Ben. E agora é sua nova amiga, Sam. Acho que vou chorar. - Só a convidei para sondar sobre a noite dela com Ben, em consideração a você protestou Sam. Cammie tirou um pouco dos seus cachos vermelho-dourados do rosto. - Ou talvez você espere que um pouco da perfeição da elite da costa leste pegue em você. Sam sentiu o rosto afogueado. Às vezes morria de medo de Cammie. Era como se ela estivesse dentro de sua cabeça. - Isso é ridículo. - Eu sei - concordou Cammie. - Mas também é verdade. - Ei, pessoal, vocês têm um sal de frutas ou qualquer coisa assim? - perguntou Parker se aproximando das garotas. - Anna está com o estômago embrulhado. - Nossa, você nem diz oi, Parker - reclamou Dee.
O rapaz olhou para ela sem entender. - Eu disse oi para você antes, Dee. Você dormiu? - Você sabe que nao - respondeu Dee. - E sei que você também não. - Falha nossa - disse Parker apontando para si mesmo com animação. - A noite passada foi muito divertida, não? Então, temos um sal de frutas para Anna? - Por que não compra para ela, se isso é importante para você? - sugeriu Dee entre dentes. Ele olhou para ela com curiosidade. - Você está chateada com alguma coisa, Dee? - Não. - Ah, está, sim. - Ele deu a volta na mesa e levantou o rosto de Dee em sua direção. - Ei, você está aborrecida? Eu me preocupo com o que você está sentindo. - Não se preocupa nada. - Uau! - exclamou Parker, pondo a mão no coração. - Você está fazendo mal juízo de mim, Dee. Conversamos mais tarde, o.k.? - E saiu para procurar um sal de frutas. - Esse cara é um ator - disse Sam. - Você percebe que ele não dá a mínima para você, Delia, não percebe? - perguntou Cammie. - E daí? Também não estou a fim dele. Mas ontem à noite ele enfiou a língua lá no fundo da minha garganta. Eu não gosto de ser ignorada. - Isso mesmo, Dee - apoiou Sam. - Defenda o que é seu! - Bem, não estou com ciúme, de jeito nenhum. Parker e eu apenas ficamos, é tudo. Tem um outro cara de quem gosto. - É mesmo? - perguntou Sam - Quem? Dee olhou para o outro lado. - Uma pessoa. A 15 metros, Anna sentiu seu estômago se revirar perigosamente. Tirou a jaqueta de Parker, uma vez que tinha passado o frio que congelava para o suor frio em trinta segundos. Alguma coisa, sem dúvida, estava errada com ela. Passou por trás da mesa de banquete. - Posso beber um copo d'água? - Tudo o que temos é suco de laranja, que a esta altura já deve estar quente - disse Sam, reparando que Anna realmente parecia estar enjoada. - Parker foi buscar um sal de frutas para você. Quer suco? A idéia de tomar suco de laranja quente quase a fez vomitar. - Não. Obrigada. A sra. Breckner franziu a testa olhando para Anna. - Você não é minha aluna. - É uma amiga minha que acabou de se mudar de Nova York - explicou Sam, apresentando Anna para a professora. - Vamos ver você na Beverly Hills High? - perguntou a sra. Breckner. - Não. Vou fazer um estágio na Randall Prescott. - "Espero", acrescentou mentalmente. De repente, Anna sentiu as pernas bambas. Espero. Ela precisava muito se sentar. Mas não havia onde, só os bancos de pedra lá embaixo, no caminho de tábuas. - E então, Anna, como foi o resto da sua noite com Ben? - perguntou Dee. - Sentimos falta de vocês na casa de Sam.
O rosto de Anna não revelava nada. - Foi legal. - Dee - ralhou Sam. - Não temos nada a ver com isso. - Mas você disse que a convidou para... Sam fuzilou Dee com o olhar. Dee demorou um tempo para perceber. - Ah. Você tem razão - admitiu. - O que quer que você e Ben tenham feito na noite passada é da conta de vocês. Isso foi uma invasão da sua privacidade, Anna. Desculpe. - Nenhum problema - disse Anna gentilmente, sentindo- se pior a cada minuto. O suor brotava da sua testa. Talvez Ben tenha passado o resfriado para ela. - E quando você e Ben vão sair juntos de novo? - perguntou Sam toda animada. - Pensei que você tinha dito... - principiou Dee. - Estou perguntando como amiga, não interrogando - explicou Sam. - Há uma diferença. Ben de novo. Quando isso ia acabar? Anna queria poder fazê-lo desaparecer do planeta. - Não tenho a menor idéia - respondeu Anna. - Ele é um cara tão legal... - disse Dee com sua voz de menininha, suspirando. Anna estava com vontade de gritar "Não! Não é! Ele é um filho-da-mãe e um falso, e caí na conversa dele". - Um chupão - disse Cammie, apontando para o pescoço de Dee. - Não tinha notado antes. Que engraçado. E onde você deixou sua marca no Parker ontem à noite, Delia? "Parker e Dee?", pensou Anna. "Mas, no casamento, Parker não estava com uma menina chamada Skye? Essas pessoas pareciam até um jogo de pega-vareta sexual: jogue-as para cima e elas vão cair de um jeito inteiramente diferente." - Graças a Deus, não tem mais galinha - disse Sam, raspando o último pedaço num prato de papel - Monty! - gritou ela. - Precisamos de mais sacos de lixo! - Sal de frutas - exclamou Parker se aproximando com um copo plástico com água gelada e estendendo-o para Anna. - Às suas ordens. - Obrigada - disse Anna. Tomou um gole. Aquilo não ajudou muito. Sentiu o estômago embrulhado de novo, pior do que antes. Tratou de respirar fundo para não pensar naquela sensação. Sam a fitou bem de perto. - Sério. Você parece péssima. - Não estou mesmo me sentindo bem - admitiu Anna. - Acho que preciso ir embora. Será que Monty poderia ... - Diga "x" todo mundo! - ordenou Monty, enquanto apontava a câmera para o grupo. Juntem-se. Essa é para o livro anual da escola. Antes que Anna pudesse dizer que ela não deveria estar na foto porque, graças a Deus, não era da escola deles, e antes de poder dizer de novo o quanto se sentia verdadeira, profunda e horrivelmente mal, o grupo a estava empurrando: Sam de um lado e Cammie do outro, um grupo grande e feliz de bons amigos de verdade. - Por favor, tenho que ... - gemeu Anna, mas todo mundo estava falando e disputando a câmera. Monty implorava por mais uma foto. Cammie, "de brincadeira", se meteu na frente para Anna não aparecer na foto. - Cammie! O tom de desespero na voz de Anna fez Cammie se virar. Anna abriu a boca de novo para explicar que achàva que ia vomitar, mas antes de conseguir dizer isso estava vomitando
em cima de Cammie. No momento exato em que Monty batia a foto. O vômito pingava dos cachos vermelhos de Cammie em cima da sua blusa de seda Marc Jacobs amarelo-limão. Escorria pela jaqueta Calvin Klein de couro dourada e parava na ponta das botas Gucci de camurça caramelo. Cammie xingava histericamente. Anna teria se sentido muito humilhada, se não tivesse desmaiado e perdido tudo. 25 14H47 NA COSTA OESTE Anna gemeu. Sua garganta estava pegando fogo e os músculos da barriga doíamo Fez força para abrir os olhos, mas a luz do sol que entrava pela janela de seu quarto provocava tanta dor, que os fechou de novo rapidamente. Bom, pelo menos sabia onde estava: na casa do seu pai, na sua própria cama. Lembrou-se de que ficou muito enjoada em Venice. Lembrou-se da volta para casa no banco de trás do carro de Monty. Lembrou-se de Sam sentada ao lado dela, lixando as unhas e explicando que tinha se oferecido para ficar com Anna não para ser legal, mas porque assim se livrava da limpeza e da arrumação. Quando Anna abriu a boca para agradecer a Sam, vomitou de novo. E essa era a última coisa de que se lembrava. Anna abriu os olhos e se esforçou para mantê-los abertos. Tentou sentar na cama, mas se sentiu tão fraca que despencou de novo em cima dos travesseiros. - Ei, deixe-me ajudá-la - disse uma vozinha de criança. Dee? Dee estava no quarto dela? Dee, logo ela? Sim, Dee. Ela se levantou rápido da poltrona para ajudar Anna a se erguer. Depois, com delicadeza, afofou travesseiros atrás da cabeça dela. - Obrigada - disse Anna com a voz rouca. - Calma - aconselhou Dee, entregando a ela uma garrafa de Gatorade. - Beba isso por causa dos eletrólitos. Mas em pequenos goles, senão você pode vomitar de novo. - Obrigada. - Anna tomou uns goles e pigarreou. - Obrigada, mesmo. - Bem, parece que você está melhor - disse Dee sentandose na beira da cama de Anna. Ainda está se sentindo mal? - Extremamente. Como cheguei em casa? - Anna pôs a mão na barriga. Estava despida. E tirei a roupa? - Ah, nós ajudamos. - Nós? - Sam e eu. Cammie estava coberta de vômito, então foi para casa. Você acertou até no cabelo dela - acrescentou Dee com animação. - Belo tiro. Anna fechou os olhos de novo. Meu Deus. Disso ela lembrava. - Não que Cammie fosse ajudar de qualquer forma - acrescentou Dee - com essa história de você roubar o namorado dela e tudo o mais. Alguém bateu suavemente na porta. O pai de Anna esticou a cabeça para dentro do quarto.
- Que bom! Você está acordada. - Mais ou menos - disse Anna. - Como se sente? - Péssima. Mas não tão péssima. - Você teve uma grave intoxicação alimentar - explicou seu pai. - De quê? Tudo o que comi foi um iogurte da sua geladeira. - Achamos a embalagem no carro - explicou Dee. - O prazo de validade terminou em novembro. Jonathan fez uma careta. - A antepenúltima governanta que tive só comia isso. Eu a demiti em outubro, perto do Dia das Bruxas. - Mas o gosto estava bom - argumentou Anna. Dee balançou a cabeça. - Aquilo era iogurte de limão. É azedo, esteja estragado ou não. - Que bom, Anna, que você fez uma grande amiga tão rápido - disse o pai de Anna, sorrindo para Dee. - Ela é bem especial- disse Dee. A cabeça de Anna rodava. Talvez estivesse sonhando. Dee estava sentada na sua cabeceira, dizendo a seu pai como ela era uma pessoa especial. - Você acha que consegue tomar um chá, Anna? - perguntou o pai. - Talvez com algumas torradas? - Seria ótimo, pai. Obrigada - respondeu Anna, comovida. - Margaret pediu que eu perguntasse. Vou pedir a ela. Volto logo. - Seu pai fechou a porta e foi embora. Margaret. Chá com torradas não tinha sido idéia do seu pai. Legal. Dee se levantou e se espreguiçou, deixando à mostra seu piercing no umbigo. - Uau. Seu pai é bonitão. Quantos anos ele tem? - Podemos falar sobre o meu pai mais tarde? Por favor, me conte o que aconteceu? - Claro. Sabe, você tem que pensar seriamente em trazer um consultor de Feng Shui a este quarto. - Dee... - Certo. É que não se atrai boa energia com uma cama de frente para o norte, assim. A filosofia oriental equivocada de Dee estava deixando Anna com vontade de vomitar de novo. - Dee, você poderia se ater à história, por favor? - Ah, tudo bem, com certeza. Bom, você vomitou de novo no banco de trás do carro. Lembra dessa parte? As calças jeans de Sam já eram. Eu tinha umas calças de ioga na mala do meu carro, aí ela pôde trocar. Mas eram tamanho PP, então ficaram muito, muito apertadas nela, o que não é muito bonito, e me senti mal por ela, entende? Eu teria trazido uma tamanho grande, se soubesse... - Dee. - A cabeça de Anna estava latejando. - Você poderia pelo menos me contar a versão resumida? - Ah, sim. Aqui chamamos de cobertura. De qualquer modo, a sra. Breckner ligou para seu médico de família e ele disse que você não ia morrer por ter tomado iogurte estragado, e que a gente poderia trazer você para casa. Foi o que fizemos. - Defina "nós" mais uma vez.
- Monty, Sam e eu - recitou Dee. - Não se lembra dessa parte? - Alguma coisa. Eu dormia e acordava e... - Uau! - exclamou Dee arregalando os olhos. - Você quer dizer que não se lembra do que disse? Anna fez que não com a cabeça. - Você estava resmungando alguma coisa sobre foder com Ben. - Eu não falei isso. Não faria uma coisa dessas - disse Anna, cobrindo os olhos com as mãos. Anna não se lembrava de ter dito nada sobre Ben, muito menos sobre transar com ele. Coisa que aliás não fez. Talvez tenha usado a palavra foder em outro sentido. Quero que Ben vá se foder. Assim. - De qualquer modo, o que aconteceu entre você e Ben ontem à noite? - Olhe, Dee, achei muito legal você ter me ajudado quando passei mal. E achei muito legal você ter ficado aqui comigo ... - Ah, bom, sou uma pessoa legal. Mesmo quando você não gosta de alguém, é muita maldade abandoná-lo. - Dee sentou-se na beira da cama de Anna. - Mas você ia me contar o que aconteceu entre você e Ben ontem à noite. Transou com ele? - Isso realmente não é da sua conta, Dee. - É, sim. Você acha que conhece Ben, mas não conhece. - Acredite, Dee. Não tenho a ilusão de conhecê-lo. - Mas você sabe onde ele está. O coração de Anna perdeu o ritmo. - O que você quer dizer? - Quando telefonei hoje de manhã, a mãe dele disse que ele não tinha voltado para casa desde ontem à noite. Então, onde ele está? Anna expirou lentamente. - Eu não sei, Dee. - A dor e a humilhação da noite anterior a invadiram de novo. Anna tomou um gole de Gatorade para se recompor. Dee se levantou e pôs a mão no quadril. - Qual é o problema de vocês? É porque sou baixinha, não é? - Como é? - perguntou Anna, balançando a cabeça. - Ninguém me leva a sério. Nem Cammie, nem Sam, nem você. - Dee,eu ... - Por eu ser uma pessoa espiritualizada e baixinha, não quer dizer que sou estúpida, o.k.? Ben pediu a você para não me dizer onde estava, certo? O quê? - Não, claro que não. - Mentira. - Dee se levantou e caminhou pelo chão de tábua corrida encerado do quarto de Anna. - Sim. Foi exatamente isso que aconteceu. Você o está acobertando. - Dee, não tenho a menor idéia do que você ... - Eu sei que não tem. Ninguém sabe. Exceto Ben.- Dee parecia quase orgulhosa. - E você achava que era com Cammie que deveria se preocupar. Deixei você achar isso. Deixei todo mundo achar isso. Parou ao pé da cama de Anna e soprou a franja da testa. - É o seguinte. Há seis semanas Ben e eu transamos em Princeton. Anna tentou entender aquela informação. - Você transou?
- Estava indo conhecer umas universidades com os meus pais. Não vou para Princeton, mas existem outras boas universidades ali por perto. De qualquer modo, liguei para Ben. Apenas uma ligação de amiga, sabe? Ele me convidou para tomar um drinque. Fui. Tirou as mãos do quadril estreito. - Acabamos indo além do drinque. Anna estava começando a ficar enjoada de novo. - Você poderia apenas dizer o que está tentando me dizer, Dee? - Com certeza. Émuito simples. Estou grávida. E o filho é de Ben.
26
15H45 NA COSTA OESTE Anna enfiou os pés numa pantufa de veludo. Sentia-se melhor - fisicamente, pelo menos. Tentou tirar um cochilo depois que Dee foi embora. Mas através da janela o sol do fim da tarde riscava fachos de luz ocre em seu rosto, não a deixando dormir. Agora, estava sentada na beira da cama, sentindo-se vazia. Que confluência bizarra de eventos cósmicos jogou-a no meio deste psicodrama de adolescentes de Beverly Hills, estrelado por Ben, Sam, Cammie e Dee? Teria Dee falado a verdade? Alguém falou? Era muita coisa para encarar sozinha. Mas não poderia ligar para a mãe na Itália e chorar em seu ombro num telefonema internacional. Não só já tinha passado da meia-noite em Veneza, como também elas nunca tinham dividido esse tipo de intimidade. Sua irmã, Susan, tinha seus próprios problemas. Seu pai? Basta dizer que o chá com torradas prometido nunca apareceu. A única pessoa no mundo com quem esteve perto de ter esse tipo de relacionamento era Cyn. E, mesmo assim, no livro de ouro É assim que fazemos, chorar as próprias mágoas estava na página 1 da lista de Coisas que Não se Deve Fazer em Público (por público entenda-se "a presença real ou virtual de qualquer pessoa que não seja A ") você mesmo . Bom, azar. Anna tinha Cyn na discagem rápida do telefone. Depois de tocar três vezes... - Alô? - Cyn? Sou eu. - Anna! Estava pensando em você agora mesmo, sua vaca! Será que Cyn estava zangada com ela, também? - Qual é o problema? - Você não está aqui, este é o problema. Tem idéia de quanto sinto sua falta? Aquilo era a cara de Cyn. Anna saiu da cama e se enroscou na poltrona perto da janela. Do lado de fora, podia ver o primeiro pôr-do-sol do ano pintando o céu do oeste de laranja, vermelho-sangue e púrpura, como uma tela de Seurat. - Pois eu sinto ainda mais falta de você. Como está Nova York? - Fria. Mas imagino que você não tenha me ligado para conversar sobre o tempo ... Então, é ele? - Quem é o quê? - O cara do avião ... esqueci o nome dele.
O coração de Anna ficou apertado. - Ben. O nome dele é Ben Birnbaum. - Ah, é. Ele acabou se revelando o homem dos seus sonhos? De jeito nenhum. - Anna? Você ainda está aí? Anna piscou. - Estou, desculpe. - Então? E Ben? - provocou Cyn. - Ah, Cyn, ele... - Ei, Cyn! Venha pegar enquanto ainda estão quentes! O coração de Anna pesou quando reconheceu a voz de homem distante chamando sua amiga. - Já vou! - gritou Cynthia de volta. - Ei, Anna? - Que foi? - Adivinha quem está aqui, fazendo panquecas para mim enquanto falo com você? Anna já sabia. - Scott? - Oh, meu Deus, Anna, eu me diverti como nunca ontem à noite. E hoje de manhã. E à tarde. Estou tão feliz! Anna reuniu forças para pôr o máximo de calor possível na voz. - Isso é fantástico! - Sabe aquelas outras vezes com aqueles outros caras que eu não conto? - prosseguiu Cynthia. - Bem, agora sei por quê. Isto é o que sempre sonhei. - Estou muito feliz por você. - Anna tomou cuidado para que sua voz não denunciasse sua dor. - Estou feliz por mim também. Então, você ia me contar sobre Ben. - Ah, isso pode esperar. - Anna não conseguia ter cabeça para dividir seus problemas com Cyn. Por mais que quisesse, este era o momento da amiga; e gostava demais dela para estragar esse prazer. - Não, sério, quero saber de tudo. Espere aí. - Anna ouviu Cyn tapar o bocal do telefone com a mão. Um instante depois estava de volta. - Anna, ele está, tipo, me intimando. Fez panqueca de chocolate. Não é um amor? - Claro - concordou Anna. - Vá comê-las. Podemos conversar amanhã. - Tem certeza? - Tenho absoluta certeza. - Está certo, então. Ei, estava pensando. Scott e eu poderíamos ir aí fazer uma visita. Você e Ben e eu e Scott. Íamos nos divertir, hein? - Com certeza - disse Anna. - Ah, Anna - suspirou Cyn. - Odeio quando você não está aqui. Você é minha melhor amiga e sempre será, até mesmo quando está nessa droga de lugar onde o ano não é normal e está quente e com sol. Então nos falamos amanhã e nos vemos em breve, certo? - Com certeza. Elas se despediram e desligaram o telefone. Anna ficou sentada. Compreendeu que levava uma vida privilegiada. Não era de chorar por causa de fantasias sobre sua própria existência. Mas uma verdadeira redoma de desespero estava se instalando sobre ela. O que tinha feito
para merecer isso? Tinha desejado tanto esquecer Scott, e ficado louca para amar alguém que também a amasse, que tornou-se cega, surda e incrivelmente burra com relação a tudo? Era como se tivesse inventado Ben, o criado a partir da necessidade do que ela queria que ele fosse. O que mais poderia achar? Olhou para o sol que desaparecia e viu seu rosto desolado refletido no vidro da janela. Veja o que este lugar estava fazendo com ela. Tentou fazer mentalmente uma lista dos bons motivos para não voltar para Manhattan. Mas não conseguiu pensar em nenhum. Deixou-se cair na cama. Não havia motivo para ficar aqui. - Anna? - Seguiu-se o som de uma batida suave na porta. - Posso entrar? - Pode. Seu pai entrou, trazendo uma bandeja. - Trouxe o chá com torradas antes, mas, como estava dormindo, preferi não acordar você. Fiz uma sopa. Será que consegue mantê-la no estômago? - Você quer dizer que a Margaret fez? - Não, eu fiz. Ela já foi há algum tempo. Quer experimentar? Anna fez que não com a cabeça. Ele percebeu sua desolação. - Quer conversar sobre o que está aborrecendo você? Anna não queria sequer pensar em todos os motivos, havia muitos. Então, optou pelo mais diretamente relacionado a ele. - Vamos começar pelo bilhete que você me deixou. Sobre meu estágio. - Ainda tenho esperanças de conseguir. .. - Conseguir o quê? - Margaret é agente na Randall Prescott. Você vai ser estagiária dela ... - Você deve estar brincando. Vai me colocar como estagiária da sua namorada? E quando é que vocês pretendiam dividir comigo esse pequeno detalhe? - Margaret é uma mulher brilhante, Anna, e uma boa amiga. De qualquer jeito, ela teve uma discussão ontem com Pierce Randall, e se demitiu. - Ela se demitiu - repetiu Anna mecanicamente. - Eles já tinham brigado antes, então talvez façam as pazes. Pierce é um idiota. Teve um caso com Margaret durante anos e... - Pare! - Anna tapou os ouvidos. - Não quero saber. Sinto muito se pareço grosseira, mas é que ... Não tenho como lidar com isso agora. O que vou fazer então, ir para a escola? - Vou dar uns telefonemas. Tenho certeza que conseguiremos colocar você na Harvard Westlake. Éa melhor escola particular daqui. É comparada aos padrões da Trinity. - Ah, legal. Muito legal! - Sei que isso é um saco, Anna. Anna encarou o pai. - "Um saco"? - Quero dizer, sei que você está desapontada. - Sei o que a palavra saco quer dizer! Só não estava acreditando que estava saindo da sua boca. Você ... você fuma maconha e sai andando por aí com roupas esculhambadas e falando como um hippie velho. O que aconteceu com você? A expressão do rosto do seu pai se fechou.
- Sou o mesmo cara. - Onde está o grande homem do mercado financeiro que usava ternos feitos sob medida em Londres? - Sou esse cara também. - Não sei quem você é. Mas não acho que isso ainda tenha importância - disse Anna, suspirando. - Para mim, tem - disse seu pai sentando-se na escrivaninha e passando a mão no queixo com a barba de um dia por fazer. - Quer experimentar a sopa? Anna fez que não com a cabeça. - Se importa se eu falar, então? Tem várias coisas me aborrecendo. Eu gostaria de tirá-las do meu peito - disse ele. - Tudo bem. - "Egoísta até o fim", pensou Anna. - Mas vou voltar para Nova York amanhã. É um aborrecimento a menos para você. - Você acha que me aborrece? - Sei que aborreço, pai. - Jonathan - corrigiu ele. - Você não me quer aqui. Talvez em algum nível você queira me querer aqui. De modo que você possa se sentir melhor com relação a você mesmo ou a alguma coisa. Não sei. - Cristo - . exclamou seu pai baixinho. - Eu também o chamaria se achasse que poderia intervir. Mas, de alguma forma, não acho que o mundo funciona assim. Então, o que é mesmo que você queria me dizer? Ele se levantou, caminhou um pouco, e então olhou pela janela e disse: - Como pai, sou péssimo. - Espero que você não esteja esperando que eu discorde. Ele virou-se para ela. - Não, não estou. Era um pai ruim quando ainda estava casado com a sua mãe, e me tornei um pai ainda pior depois. Não me orgulho disso. - E daí? - disse Anna, cruzando as pernas calmamente. - Percebo que você não está disposta a facilitar as coisas para mim - comentou ele, coçando o queixo. - Deveria? - Olhe, não sou perfeito, certo? Com uma expressão no rosto de falsa preocupação de uma mocinha-bem-educada, Anna esperou um pouco para ver se ele tinha mais alguma coisa a dizer. Parecia que não. - Então é isso? Era isso que queria me dizer? - Conheço a cena que está representando, Anna. É o que as mulheres educadas desta família fazem externamente quando estão julgando você internamente. Vivi com isso durante anos, até que não agüentei mais. - Sei. Então é por culpa da minha mãe que você se transformou num péssimo marido e pai. Bem, está tudo tão mais claro para mim agora. - Estou tentando lhe dizer uma coisa, mas só se você descer desse pedestal vai poder realmente ouvir. - Seu pai suspirou. - Ver você no caramanchão ontem me forçou a encarar algumas merdas que eu realmente não queria. Quero dizer, olhe para você. Você é uma adulta. E não tenho idéia de como ser um pai de verdade para você. Então, fui um babaca e arranjei desculpas para não encontrar com você e fiquei chapado e... bem, como eu disse, fui um babaca.
- Nos tempos passado e presente - disse Anna, com a voz irritada. - Mas tem uma coisa, Anna. Eu gostaria de mudar. - Certo. Boa sorte, Jonathan. - Tirou o fone do gancho. - Com licença, por favor, vou reservar uma passagem de avião para voltar para casa. - Anna, pare. Quer parar, por favor? Ela recolocou o fone no gancho e cruzou as mãos, educada como sempre. - Você é tão parecida com a sua mãe, que diabos! Anna ficou furiosa. - Sabe de uma coisa? Eu não me importo se pareço com ela ou se ajo como ela, e não me importo se você gosta ou não. O que você quer de mim? Quer que eu diga que perdôo você por ser um péssimo pai? Bem, não vou perdoar. E nem a Susan. Ela não quer nem ficar sob o mesmo teto que você. - Foi o que ela me disse no telefone. Anna se surpreendeu. -Quando? - Pouco antes de eu trazer sua sopa. Liguei para ela. Sua irmã está muito zangada. - Eu sei. - A voz de Anna se abrandou. - Fico feliz por você ter ligado para ela. - Eu disse que nós dois juntos íamos ligar para ela neste fim de semana. - Não estarei aqui. - Não precisa ir embora. Anna ficou em silêncio por um tempo. - Realmente não há motivos para eu ficar. - Anna, estou apenas ... - Levantou as palmas das mãos, como se o que quisesse dizer não coubesse em palavras. Tentou de novo. - O que me deixa realmente muito triste, o que noto... Você e Susan. Vocês são minhas filhas. E não conheço nenhuma das duas. - Não - concordou Anna. - Não conhece. - Quando penso em todos os anos que desperdicei ... Um medo subitamente tomou conta de Anna. Será que ele estava morrendo? - São as dores de cabeça? Você está doente? Ele desprezou a pergunta dela com um gesto. - Acho que esta é uma oportunidade... Talvez a última chance para mim, para nós, para... Ela compreendeu a parte não dita. Para nos conhecermos. - Você não sentiu necessidade de realmente me conhecer por 17 anos. Por que agora? Ele levantou a sobrancelha. - Algumas pessoas demoram mais a crescer do que outras. Estar com Margaret... - Não quero ouvir sobre Margaret! - Tudo bem, mas você vai gostar dela quando a conhecer. Estou fazendo terapia, também. Talvez você possa vir comigo um dia desses. - Ver seu terapeuta? Não, obrigada. - Dr. Fine tem me ajudado a ver como tenho sido um adolescente. - Deu de ombros. - O que posso dizer, Anna? Para fazer você ficar? Ela olhou para o tapete. Nada. Não havia nada que ele pudesse dizer. Qual era o lugar dela? A casa lá de Nova York? Ela não tinha mãe lá, também. - Vamos lá, Anna. Você até já fez amizades. Essas meninas que a trouxeram para casa ... - Essas meninas me odeiam! - Que nada - zombou ele.
- É, sim. E ainda tem esse cara com quem fui ao casamento... - Para o choque de Anna, uma lágrima escorreu pelo seu rosto. - O que ele fez?- perguntou o pai num tom assustado. Ela enxugou a lágrima. - Não tem mais importância. - Tem, sim. O que ele fez? Ela não respondeu. - Anna. O que ele fez? Ela ficou olhando fixamente para as próprias mãos, o que facilitava um pouco as coisas. - Pensei que ele me achava ... especial- sussurrou-, mas ele só estava a fim de uma coisa. Deus, pareço com toda garota insípida de todo insípido romance de amor já escrito. Finalmente levantou os olhos na direção do pai. - Ele me dispensou quando eu não quis... você sabe. Para culminar sua mortificação, Anna começou a soluçar. Seu pai chegou perto e a abraçou. Anna deixou a cabeça cair no ombro dele, um lugar onde não esteve desde que tinha nove anos. Ele esfregou suas costas e a deixou soluçar. Só quando pareceu que ela tinha chorado tudo o que tinha para chorar é que ele voltou a falar. - Odeio esse filho-da-mãe. - Eu também - concordou ela, pegando a caixa de lenços de papel na mesinha-decabeceira e assoando o nariz. - Olhe, Anna, existem alguns babacas neste mundo. Evidentemente você pode cruzar com um deles. - Evidentemente - disse ela, assoando o nariz de novo. - Não sei nenhuma outra maneira de dizer isso, Anna. Amo você e Susan mais do que tudo neste mundo. Quero aprender a ser um pai para vocês. Então, o que estou pedindo é... Você poderia fazer o favor de ficar? Por favor. Anna ficou chocada ao ver os olhos do pai cheios de lágrima. Queria acreditar - precisava acreditar - que ele estava sendo sincero. Nos últimos dez minutos ele permitiu que ela entrasse em sua vida muito mais do que sua mãe em 17 anos. E ela o tinha deixado entrar na vida dela. - Posso dizer uma coisa para você? - A voz de Anna soou fraca a seus próprios ouvidos. - O que quiser. - Não quero chamá-lo de Jonathan. Seu pai a abraçou de novo, e ela chorou de novo. Pensou que talvez ele estivesse chorando também; não podia ter certeza. Na verdade, era engraçado. Tinha vindo para Los Angeles porque achava que isso a despertaria para aventuras novas e maravilhosas. Mas tudo que tinha despertado nela até agora era tristeza. Poderia correr de volta para casa, onde era seguro, voltar direto para a sua vidinha. Tinha certeza de que as pessoas que ela tinha conhecido neste último dia e meio adorariam que fizesse isso. Bem, danem-se. E daí que Ben a tinha usado e três garotas cujas vidas tinham rapidamente se chocado com a sua a odiavam? Não ia permitir que fizessem da sua vida um inferno, nem a expulsassem da cidade, até que ela estivesse pronta para partir. Esta poderia não ser a melhor época da sua vida, mas Anna se recusava a deixar essas
pessoas transformá -la na pior. Quando a saga de muitos volumes de Anna fosse escrita, Ben, Sam, Cammie e Dee mal mereceriam uma nota de rodapé. Mas seu pai sempre estaria lá, mencionado ou não, em cada página. Precisava dele. Sempre precisou. E assim como ele precisava aprender a ser seu pai, Anna sabia que precisava aprender a ser sua filha.
DOIS DIAS DEPOIS BEM-VINDO À BEVERLY HILLS HIGH Anna leu as boas-vindas no quadro de avisos da secretaria. O sentimento definitivamente não era recíproco. Beverly Hills High era o último lugar na face da Terra onde queria estar. Mas, ao contrário das certezas de seu pai, era tarde demais para entrar na HarvardWestlake. E Margaret ainda estava brigando com o dono da agência literária. Foi por isso que veio parar aqui. - Anna Percy? O tumulto na secretaria principal do colégio era absurdo. Anna mal pôde ouvir a mulher atrás do balcão chamar o seu nome. Esgueirou-se pelo meio da multidão de estudantes. - Sim, sou eu. - Sou Jasmine Grubman, mas pode me chamar de Jazz, como todo mundo. Sou uma das assistentes administrativas do sr. Kwan. Bem-vinda à Beverly Hills High. Jasmine, vinte e poucos anos, tamanho zero, com seios artificiais tão grandes que Anna estava surpresa por ela não perder o equilíbrio, entregou-lhe o horário das aulas e um mapa da escola. - Você vai encontrar aqui tudo o que precisa. O código do armário, o horário das aulas etc. Seu armário fica na ala Lucas, depois do pátio. Sua sala de aula é na ala Asner... Anna se virou. Adam Flood tinha acabado de entrar na secretaria. Ele parecia à vontade e bonito de calça de cadarço e suéter azul com decote em V por cima de uma camiseta branca. - Feliz Ano- Novo, Adam - respondeu Jazz alegremente. Adam se curvou diante de Anna. - E para você também, Anna. - Bom, olá - disse Anna, ficando feliz de verdade em vê-lo. - Olá. Você está ótima. "Muito gentil ele dizer isso", Anna nem pensou direito quando se vestiu naquela manhã nunca fazia isso realmente quando ia para a escola. Em Nova York, calças jeans grandes - de preferência de algum brechó -, camisetas antigas e suéteres esgarçados com buracos evidentes eram considerados não só apropriados, mas na moda. A idéia era parecer que você não estava dando a mínima para isso. Nesta manhã, Anna tinha vestido uma calça jeans, uma camiseta branca e por cima um casaco de cashmere caramelo, com buracos de traças, que definitivamente já tinha conhecido dias melhores. Escovou o cabelo e prendeu-o atrás com um elástico, passou um pouco de Burt's Bee nos lábios para não ressecarem, e estava pronta para o dia.
Mas, como percebeu rapidamente na caminhada do estacionamento até a secretaria principal do colégio, os jovens da Beverly Hills High tinham uma noção inteiramente diferente do que era apropriado. As saias eram minúsculas; os suéteres, apertados; os saltos, altos. Meninas que escolhessem usar jeans usavam calças baixas o bastante para mostrar barrigas bronzeadas, piercings de umbigo, correntes na cintura e/ou tatuagens. Uma cobra no final das costas de uma menina até serpenteava quando ela andava. - Obrigada - disse Anna. - É bom ver um rosto amigo. Adam assentiu. - Volto já. Bem-vinda à Beverly Hills High. Um rapaz alto, com um brinco no nariz, se meteu entre Anna e a assistente de administração. - Ei, você precisa assinar isso, Jazz. - Esticou a mão com o papel na direção dela. Ela passou os olhos rapidamente. - Não, é a sua professora que tem que assinar. - Empurrou o papel de volta para ele, que saiu batendo a porta da secretaria. - Deus, primeiro dia, e já tenho que aturar esse tipo de atitude - disse Jazz para Adam. - Então, o que você tem feito? - perguntou Adam. - Fiz uma ponta no seriado General Hospital na semana passada - respondeu com orgulho. - Que ótimo. Escute, o diretor Kwan pediu que eu mostrasse o colégio para Anna. - Ah, vocês já se conhecem? - perguntou Jazz. - Já. Pronta, Anna? Isso era novidade para Anna. - Com certeza. Seria ótimo. - Legal. Nos vemos, Jazz. Não esquenta, não ... seu intervalo está chegando. - Tudo bem. - Uma menina com uma blusa da Juicy Couture duas vezes menor do que o tamanho dela, com capuz rosa-shocking, deu um risinho debochado quando eles passaram. Adam abriu a porta para Anna. - Então, nos encontramos de novo. Enquanto desviavam das pessoas pelo corredor, Anna perguntou: - Como o diretor sabe que nos conhecemos? - Não sabe. - Adam abriu outra porta que levava ao pátio e com um gesto convidou Anna a passar. - Inventei aquela história. A verdade é que estava passando pela secretaria quando a vi. Imaginei que poderia precisar de um amigo. Não sabia que você viria aqui para a escola. - Não vinha. É uma longa história. - Alguém mais sabe que está aqui? - Você é o primeiro. - Anna desejava que também fosse o último. Porque o destino a tinha colocado na mesma escola que Sam, Dee e Cammie, que eram as três últimas pessoas no planeta que ela queria encontrar. Bom, era um colégio grande. Disse consigo mesma que poderia simplesmente ser educada e evitá-las. Era perfeitamente possível. - Bonito aqui fora, não é? - disse Adam. - O tempo aqui oscila. Anna virou o rosto para o sol. O dia 3 de janeiro estava glorioso, sem uma nuvem no céu, com sol e frio o bastante para merecer um suéter. Havia uma grande tempestade de neve no leste,; o que significava que a esta altura os montes de neve em Manhattan já estavam pretos. Ou amarelos. Ou os dois.
- Quando meus amigos perguntam do que gosto em Los Angeles - disse Anna -, o primeiro item da minha lista é o tempo. - Na minha também. Você pode esquiar em Mountain High de manhã e surfar em Zuma à tarde. Nós definitivamente não temos isso em Michigan. Isso que é turismo barato. - Adam abriu os braços largamente. - Este aqui, óbvio, é o grande pátio da Beverly Hills High. O pessoal fica por aqui conversando, almoça, passa ilegalmente algumas questões de prova, coisas assim. É claro que cada grupo fica na sua própria área. Anna podia facilmente decodificar cada grupinho da escola. Nas mesas de piquenique centrais, sob um triângulo formado por palmeiras, ficava o pessoal da lista VIP. As garotas mais bonitas, as mais na moda, as que vestiam as roupas mais caras, as que tinham mais pose. Os garotos eram seus equivalentes masculinos: bonitos o bastante para serem modelos de catálogo de uma loja de marca e ricos o bastante para zombar da idéia de comprar lá. Na mesa mais perto da porta de onde eles tinham vindo, ficavam os fanáticos por computador - pele, cabelo, corpos feios. Todo o dinheiro do mundo não pôde evitar que tivessem que freqüentar aquela droga de colégio. Perto deles, ficavam os alternativos. Sentavam no chão encostados na parede, fazendo cara de pouco caso. Um monte de góticos ficava sob outra mesa de piquenique. Enquanto isso, a maioria silenciosa dos alunos vagabundos disputava uma posição pelos cantos do gramado. - Talvez todos tenhamos microchips no cérebro, sinalizando para nos dividir em diversos grupinhos - refletiu Anna. Adam riu. - É possível. Não era muito diferente em Michigan. A diferença é que aqui quase nenhuma família tem uma renda com menos de seis dígitos. Vamos. Atravessaram o pátio e foram para a ala Hepburn de dois andares. Adam mostrou para ela os laboratórios de biologia e química com tecnologia de ponta, a biblioteca de ciências e as salas de aula. Anna notou que Adam tinha cortado o cabelo depois do casamento. Agora podia ver que tinha uma tatuagem atrás da orelha esquerda, uma estrela azul. Ele se virou e a pegou olhando para a estrela. E ficou vermelho. O que, pela experiência de Anna, não era uma atitude típica de Beverly Hills. Ele tocou a orelha envergonhado. - Meu cabelo era comprido quando fiz isso. Eu me recusei a cortar por meses para que meus pais não vissem a tatuagem. Minha mãe odeia. Anna sorriu. Pensou como era carinhoso a mãe dele se importar com uma tatuagem tão pequena. Não que ela tivesse alguma obra de arte no corpo. Nem que quisesse ter. - Então, o que você acha? - perguntou Adam. - Acho bonito. - Eu, ah, estou falando da escola. Vamos, podemos cortar caminho por aqui. - Ele a conduziu por uma porta lateral para uma passagem do lado de fora. - Agora estamos indo para a ala da arte de representar, também conhecida como ala do Graças a Deus pela Streisand. - Isso quer dizer que foi ela quem patrocinou? - indagou Anna. - Ei, ela é uma democrata que acredita na educação pública. Michael Douglas, Ed Asner, Spielberg etc. etc. também. Eles doam todas essas coisas legais. Éo jeito que encontraram para poder mandar seus filhos para cá, sentindo que estão dando a eles o que há de
melhor, sem deixar de ser politicamente corretos. Acredite, temos tudo que o pessoal de escolas privadas caríssimas, como a Harvard-Westlake, tem. Talvez mais. Enquanto isso, o pessoal da South Central provavelmente estuda em livros de ciência que dizem: "Algum dia as pessoas esperam que o homem chegue à Lua." Adam abriu uma porta e ela entrou num teatro escuro e frio. Viu o arco do palco, o fosso da orquestra e o espaço interminável dos bastidores. - Uau. Aqui devem caber mil pessoas. - Impressionante, não é? - Os alunos da South Central não têm nada parecido, presumo. - Ninguém tem nada como isso - admitiu Adam. - Só nós. Ei, eu não deveria ser irônico com isso. Não estou reclamando de ter todas essas vantagens. Como, por exemplo, educação física, totalmente tecnologia de ponta. - Fingiu fazer um lance livre como no basquete. - O piso de madeira de lei é igual ao do Ginásio de Los Angeles. Nosso técnico principal era técnico do Texas Tech, e o psicólogo esportivo do Lakers trabalhava conosco. Ele me ajudou muito. Você gosta de basquete? - Honestamente? Não entendo muito disso. - Bem, se algum dia você se interessar, sou a pessoa indicada. Seus olhos se encontraram. Anna gostou do que viu. - Pode deixar que falo com você. Obrigada. - De nada. O celular de Anna tocou. Quem poderia estar ligando para ela num dia de semana de manhã? Imaginou que fosse Cyn, matando aula. Ou sem matar aula ... Não seria a primeira vez que Cyn faria uma ligação escondida debaixo do nariz da professora. Anna achou o telefone e verificou quem estava ligando. Seu coração disparou. Era Ben. Agora? Ele estava ligando agora, exatamente quando ela estava começando a recuperar a auto-estima? Uma parte dela queria lhe dizer exatamente onde ele deveria enfiar o seu Nokia. Outra parte queria pedir uma explicação por seu comportamento. Mas não. Recusou-se a se render a qualquer uma dessas vontades. Não atendeu e simplesmente jogou o telefone dentro da bolsa de novo. - Ben? - supôs Adam. - Ninguém importante. - Certo, bom, vamos continuar. - Ele deu uma olhada rápida no relógio. - Cinco minutos para estarmos na sala de aula, e minha professora é paranóica com pontualidade. - Atrasei você? - Já estou atrasado. Tenho que voltar para o prédio principal. - Bom, ponha a culpa na garota nova. - Nenhum problema - disse ele sorrindo. - Prerrogativa de ser um aluno com a média mais alta da turma ... O telefone de Anna tocou de novo. Ela checou o número de quem estava ligando. Ben não ia desistir. - Não vai atender? - perguntou Adam. - Algum professor não vai ter um ataque se eu usar meu telefone na escola? - inventou ela.
Adam fez que sim com a cabeça. - Onde é a sua sala? - Ah, deixa eu ver - disse Anna, pegando o horário das aulas. - Asner 218. - Por aqui. - Acompanhou Anna até a entrada do pátio e apontou. - Vá em frente até aquele prédio. Depois, suba a escada do meio e vire à esquerda. Não tem erro. Não acredito que você esteja na primeira turma do almoço, está? - Acho que estou, sim. - Ótimo. Então, procuro por você. A gente se vê. - A gente se vê. Obrigada mais uma vez. Ele saiu andando rápido, e Anna atravessou o pátio. Que cara legal ele era. Não tinha artifícios. Você via o que realmente era. Isso era tão estimulante depois de tantas pessoas que encontrou nesta cidade tão encantadora e que cheirava a falsidade... Seu celular tocou pela terceira vez. Ben de noto. E se ele continuasse a ligar e ligar? Anna respirou fundo, expirou, e então atendeu. - Alô? - Anna? É Ben. Anna sentiu os joelhos fraquejarem e se apoiou na mesa de piquenique mais próxima. Tinha gente passando, mas ela nem viu. Que merda! Por que diabos ele a deixava desse jeito? - Anna? Está ouvindo? Ela recuperou a voz. - Não quero falar com você. - Era mentira. Mas queria desesperadamente que fosse verdade. - Não desligue - disse ele rapidamente. - Preciso falar com você. - Agora, dois dias depois, você de repente espera que eu escute você? - Por favor, Anna. - Não. - Uma fúria súbita tomou conta dela. Como ela podia ainda sentir tanto desejo por um manipulador, um pretensioso, um ... um ... - Me deixe em paz, Ben. - Obrigouse a desligar o telefone e ir para a sala de aula. Quanto mais pensava em Ben, mais furiosa ficava. Raiva era bom. A raiva era forte, mais forte do que qualquer parte dela patética e carente que se deixou levar por tudo que ele despertou nela quando passou a mão no seu cabelo. Não. Esqueça ele. Concentre-se no aqui e agora. Ergueu os olhos e gelou. Elas estavam atravessando o pátio em sua direção. Sam, Cammie e Dee, vestidas com seus uniformes padrão de dia de aula: calças de cós baixo de marca, blusas justas e botas de salto agulha. Uma imagem absurda passou pela cabeça de Anna: de Cérbero, o cachorro de três cabeças que guardava os portões de Hades, porque, como Cérbero, as três cabeças pareciam olhar para ela como se fossem uma. A besta de seis olhos parecia surpresa ao vê-la. O coração de Anna disparou. Sua respiração ficou superficial. Um fio de transpiração desceu por sua espinha. Uma coisa era pensar em ignorá-las se, ou quando, as encontrasse, outra completamente diferente era isso acontecer de verdade. - Anna! - chamou Sam, se adiantando e trazendo a besta consigo. - O que está fazendo aqui? - Houve uma mudança de planos de última hora. - Você vai estudar aqui? - perguntou Sam.
- Por enquanto vou - respondeu Anna. - Uau, isso é ótimo! - exclamou Sam, pondo a mão em seu braço. - Então, como está se sentindo? Isso era muito estranho. Sam parecia que estava realmente preocupada. - Melhor. Obrigada - respondeu Anna cautelosamente. - Nossa, é ótimo ver você aqui! - disse Dee, dando um pequeno abraço em Anna. Otimo vê-la? O que havia de errado com estas pessoas? A última vez em que Anna tinha visto Dee, ela estava no seu quarto contando que tinha transado com Ben e que estava grávida dele! Era uma loucura! Anna jurou manter a compostura. Olhou para Cammie. - Desculpe se destruí sua roupa quando passei mal. Faço questão de comprar outra pra você. Os lábios de Cammie sorriram, mas seus olhos permaneceram frios. - Bom, houve um pequeno acidente com o seu vestido no casamento. Então, vamos dizer que estamos quites. - Otimo. - Anna olhou para Dee. - E como você está se sentindo, Dee? - Meu estômago anda meio embrulhado - respondeu Dee, com grandes olhos inocentes. Acariciou a região abaixo do umbigo. - Talvez tenha pegado o que você teve. "E talvez esteja grávida", pensou Anna. Não. Não podia ser verdade. Podia? Por que não? Ben pode ter feito sexo sem proteção com todas as garotas do planeta - exceto com ela -, que soubesse. - Bom, acho melhor ir para a minha sala - disse Anna. - Prazer em vê-las. Sam deu alguns passos para trás. - Encontro você mais tarde e conversamos. - Ela se virou. Deu um tchauzinho para Anna, e Dee fez o mesmo. Anna seguiu para a ala Asner, com o coração ainda disparado. De repente, sentiu uma mão no ombro. - Espere um minuto, Gwyneth Paltrow de meia-tigela. Anna se virou. Lá estava Cammie em pessoa. - Só queria acrescentar minhas boas-vindas pessoais disse Cammie, puxando Anna para si como se quisesse contar um segredo. - Deixe-me colocar assim: tome cuidado. Anna a encarou. - Devo ficar com medo de você? - Só se for esperta. - Cammie olhou em volta, para ter certeza de que ninguém estava ouvindo. - Ah! Uma última coisa. Nós nunca tivemos esta conversinha. - Então, com um último olhar malicioso, ela se virou e foi embora. Anna sentiu o sangue lhe subir à cabeça. Fechou os olhos e respirou fundo, como se uma infusão de oxigênio pudesse limpar Cammie de sua memória. Que prazer ela tinha em ser tão má? Alguma coisa estava seriamente errada com essa menina. Por que outro motivo ela iria... - nna? Abriu os olhos. O tempo quase parou e seu coração bateu ais forte. Quando a pessoa em pé na sua frente entrou em oco, o resto do mundo se apagou. Agora que começava a achar que estava imaginando coisas nos últimos três dias, essa visita inesperada a colocou cara a cara com a prova do contrário. Era Ben. - Por favor, me deixe falar com você - disse ele.
Ela deu um passo atrás. - Como é que você soube que eu estava aqui? - Liguei para a casa do seu pai e a empregada disse que você estava na escola. Por favor, me dê uma chance de me explicar. Só agora ela tinha percebido como ele estava horrível: barbado, camisa amassada, olheiras enormes sob os olhos vermelhos. E mesmo assim o filho-da-mãe estava lindo. Cada pedaço de Anna queria perguntar a ele:como? Como é que você me deixou daquele jeito? Tudo o que você me disse era mentira? Onde você estava? Mas não disse nada disso. Recusou-se a ser tão patética. Só há uma coisa que eu gostaria de perguntar - disse Anna em voz baixa. - Você estava com outra garota? Ben hesitou. - Estava. Mas posso explicar. .. - Claro que pode. - Anna fez uma pausa tentando ficar fria. - Para essa outra garota. Ela tentou passar, mas ele impediu. - Não culpo você por me odiar, Anna. Eu me odeio. Pre ciso de apenas cinco minutos para me explicar. Depois disso se ainda me odiar até a alma, nunca mais aborreço você. Talvez fosse a boa educação induzida pelo livro de ouro É assim que fazemos (edição da costa leste). Ou talvez fosse seu lado ingênuo e inocente que ainda acreditava em Jane Austen, que Elizabeth Bennet amaria o sr. Darcy para sempre. E que Ben era o seu sr. Darcy. Uma professora passou, os viu e franziu a testa. Anna sabia que deveria estar na sala de aula. - Cinco minutos - disse ela. - Mas não aqui. - Voltou tou para o pátio, mantendo a maior distância possível entre ela e Ben. - Comece a falar - disse ela. - O tempo está passando. Ele esfregou os olhos cansados. - Está certo. Lá vai... "Tiquetaque", pensou Anna. Ele realmente não dCVL'I'i,desperdiçar tempo com preliminares. - Uma das minhas amigas mais próximas é uma atriz com um nome que você reconheceria. Na verdade ... conhecendo você ... provavelmente não tenha idéia de quem ela seja... mas é bem famosa. Ele precisava ser tão lindo enquanto Anna se esforçava para odiá-lo? O destaque que Ben dava à desordem de déficit de atenção dela para a cultura pop era uma de suas características de Anna mais gostava. E ela estava profundamente impressionada com o fato de, apesar do pouco tempo em que estiveram juntos, ele já conhecer algumas de suas preferências. Mas tinha que ser forte. Não tinha escolha a não ser resistir ao lado adorável da personalidade dele e focar no lado cruel, sem consideração, que a abandonou à própria sorte. Ben hesitou, como se pudesse sentir Anna endurecer, então continuou. - Eu a conheço há algum tempo. Nos conhecemos por intermédio de meus pais. Essa história ia dar em algum lugar? - Você agora tem quatro minutos - disse Anna. - Olhe, não é fácil... - Ele parou, e aí começou de novo. - A imagem dessa garota é muito limpa. Mas a verdade é que ela é uma viciada em álcool, pílulas, e o que mais você puder
imaginar. Se vazar, ela está ferrada, porque as seguradoras dos filmes e da TV vão se recusar a lhe dar cobertura. - E?- perguntou Anna friamente. - Então, naquela noite, véspera do Ano-Novo, ela tomou uma overdose numa festa. As pessoas que estavam com ela se apavoraram, estavam todos com medo de ser presos, então a levaram para fora e a deixaram atrás de uns arbustos. E aí ligaram para o meu celular. - Porquê? - Porque eles sabiam que eu iria. Porque já fiz isso antes. Não sei nem quantas vezes. Exceto pela sirene à distância, tudo estava silencioso. - É isso? - perguntou Anna finalmente. - É essa a sua história? - Eu tinha que ir, Anna. Do jeito que estava, quase não consegui chegar ao hospital a tempo. Ela estava ficando azul. - Imagino. - Ah, vamos. Ela teve convulsões e vomitou meu carro todo. Não havia nada entre nós. - Sei. Então você me deixou sozinha no barco do seu pai para pegar o carro. Então você recebeu esse telefonema no seu celular e simplesmente foi embora. Ah, bom, e o fato de Anna estar no barco do meu pai? Nenhum problema. Vou deixá-la lá, sozinha e abandonada, no meio da noite. É essa a sua história? - Você tem que compreender que as pessoas que me ligaram estavam gritando e chorando. Achavam que ela estava morrendo. Ficaram apavorados. E eu também. - Mesmo se eu acreditasse em você, isso não explica por que não me ligou quando foi para lá. - Liguei, sim. Duas vezes. Do meu carro. Você não respondeu. - Ben, você nunca ... - E então Anna se lembrou. Ela dormiu no barco. Poderia ter dormido sem ouvir o celular tocar. - Você não deixou nenhuma mensagem. Nem sequer me ligou mais tarde. - Que tipo de mensagem eu poderia ter deixado? Fiquei pensando em tentar falar com você de novo, mas depois que encontrei a minha amiga, tudo o que podia pensar era em salvá-la. Além disso, eu teria que ser enigmático com relação à identidade dela, o que faria qualquer mensagem que eu deixasse para você parecer ainda mais estranha. E então, quando já tinha feito tudo por ela, imaginei que você deveria estar furiosa e nunca mais ia querer saber de mim de novo. Eu até pedi a meus pais para não dizerem onde eu estava. - Você estava certo. Eu não queria mais saber de você. - Anna. - Sua mão grande segurou o pulso fino dela. - Não consigo parar de pensar em você. Não podia voltar para Princeton sem vê-la. Não podemos acabar assim. - Quem escreve o seu roteiro, Ben? Ele largou seu pulso e parecia que tinha levado um tapa no rosto. -o quê? Ela percebeu que o tinha magoado e por um instante quis voltar atrás. Mas obrigou-se a ser forte. - Porque essa história parece um diálogo ruim de uma novela de quinta categoria. Ele abriu os braços, desanimado. - Mas é a verdade. Não podia deixar seus olhos encontrarem os dele. Sabia que se isso acontecesse, estaria perdida. Então, ficou olhando para o peito dele... e lembrou -se de como se sentiu quando recostou a cabeça ali. Tão quente. Tão aconchegante. Droga.
- Não, a verdade é a seguinte, Ben. Nós tivemos um encontro. Conheci alguns dos seus amigos, e a maioria deles não era o tipo de pessoa que eu escolheria para estar junto. Fomos a uma festa e você sumiu a maior parte do tempo. Saímos no barco do seu pai, e quando eu não quis transar com você, você simplesmente... me deixou plantada lá. - Ela sentia uma dor atrás dos olhos, mas estava determinada a não chorar. - É isso o que você pensa? - perguntou Ben com a voz rouca. - Acha que fui embora porque você não quis transar? - Estou analisando os fatos. - Não estava procurando um programa por uma noite com você, Anna. Você deixou bem claro que não era esse tipo de garota. - E você deixou bem claro que era esse tipo de cara. Você dormiu com Dee? Ben parecia surpreso. -O quê? Ela não queria tocar nesse assunto, mas saiu. Então perguntou de novo. - Você transou com Dee? - Isso é relevante? - A resposta é sim ou não. Ele demorou antes de responder e respirar profundamente. - Uma vez, acho eu. - Você acha? - Ela estava visitando Princeton. Eu tinha tido uma briga feia com meu pai e estava arrasado. A única coisa de que me lembro é que era de manhã e eu estava com a pior ressaca do mundo. Dee estava na cama comigo. - Você quer dizer que não se lembra? - Não, não me lembro. Dee vive me ligando, enviando e-mails, escrevendo cartas, mandando presentes. Ela diz que transamos. Édifícil acreditar, considerando-se como eu estava arrasado. Anna não tinha a menor intenção de contar que Dee dizia estar grávida dele. Se Ben ia ter esta informação, que fosse pela própria Dee. - Veja, estraguei tudo, Anna. - Com Dee ou comigo? - Esqueça Dee por um minuto. Não estou pedindo que você me perdoe. Sei que o que fiz é imperdoável. Só estou pedindo uma chance para fazermos as pazes. - Por quê? - sussurrou ela. - Você sabe por quê. A cabeça dela rodava. Queria acreditar nele, queria que sua história fizesse sentido. Mas uma celebridade misteriosa que toma uma overdose no meio da noite e que precisa de Ben e somente Ben para salvá-la ... Seria possível isso? Ela o olhou bem nos olhos, buscando a verdade. - Anna - disse ele, passando a mão no cabelo dela. Tem idéia de como eu queria dar um beijo em você agora? Anna queria também. Queria. Queria fazer tudo o que já tinha imaginado nas suas fantasias mais obscuras e selvagens. Os lábios dele estavam tão perto dos dela ... Era perigoso ficar perto dele. Sim, tinha vindo para Los Angeles se reinventar. Deixar de ser a garota cautelosa e racional que
vivia mais da cabeça do que do coração. Mas então o pior aconteceu. Tinha se apaixonado por um cara - este cara - e estava quase certa de que ele não a merecia. O que ele tinha feito ainda doía. Doía muito. Odiava se sentir dessa maneira. Odiava, odiava, odiava. Onde estava sua dignidade, seu orgulho? Quem era esta menina em que estava se transformando? - Anna? - Os olhos tristes de Ben lhe faziam uma pergunta. A decisão estava nas mãos dela. Neste momento, lembrou-se de uma coisa que Cyn lhe disse uma vez, que era muito mais fácil quando você não estava nem aí. Então, você podia fazer qualquer coisa e tudo nos seus termos, sem se machucar. Você estava no controle. Não ele. Você. "Esse é o tipo de garota que quero ser", pensou Anna. Esqueça o amor e os finais felizes - escolha ficar no controle. Se alguém tem que ir embora, que seja eu. Ela fez que não com a cabeça. - Tarde demais, Ben. Eu ia dizer que sinto muito, mas não sinto. Você é quem deve sentir muito. - Mas eu sinto. - Guarde para a próxima garota. E a trate melhor do que me tratou. Virou de costas e voltou na direção do prédio. Ben a chamou, mas ela não olhou para trás. Quanto mais longe ia ficando dele, mais forte se sentia. Havia um mundo todo lá fora esperando por ela - e tudo o que precisava fazer era esticar a mão e agarrá-lo. Três metros depois de ter passado pela porta da frente do prédio, seu celular tocou de novo. Sem olhar, pegou o telefone na bolsa e o jogou na lata de lixo mais próxima. O impacto da queda deve ter acionado o botão de toque porque de repente ele começou a tocar" Hava Nagilah". Logo essa música! Era algum tipo de piada? Algum tipo de trilha sonora cósmica com o objetivo de destacar o absurdo da situação de Anna? O modo como aquelas cinco notas monótonas se repetiam e repetiam a fez lembrar daqueles desconfortáveis bar mitzvah a que tinha ido, onde meninos e meninas ficavam em lados separados da sala, enquanto animadores contratados tentavam forçar a formação de pares e a comemoração! Mas quando Anna foi se afastando da lata de lixo e as notas de "Hava Nagilah" iam ficando mais fracas, ela começou a perceber que não tinha se dado conta do mais importante. Na verdade, a musiquinha ridícula estava lhe transmitindo uma mensagem importante - apesar de estar com o coração partido, e apesar de ter que lutar contra a vontade de embarcar no primeiro avião para Nova York, era ela quem estava ditando as regras. Afinal de contas, era hora de comemorar. Porque, pela primeira vez na vida, Anna Cabot Percy estava livre.
FIM
Créditos: http://www.orkut.com/Community.aspx?cmm=34725232