Empiria
PG II 2014/02 Raphael Potratz
empiria
Universidade Federal do Espírito Santo Centro de Artes Departamento de Arquitetura e Urbanismo Centro Acadêmico Livre de Arquitetura e Urbanismo Prof. Eduardo Simões Barbosa
empiria
a condição histórica sociocultural urbana como fundamento para a empiria na construção e no exercício da arquitetura e do urbanismo
Projeto de Graduação de curso apresentado ao Departamento de Arquitetura e Urbanismo (DAU) da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) como requisito último para a obtenção do título de Arquiteto Urbanista. Orientador: Clara Luiza Miranda (DAU/UFES) Co-orientador: Nelson Pôrto Ribeiro (DAU/UFES) Convidado: André Tomoyuki Abe (DAU/UFES)
CEMUNI III Vitória - ES
Raphael H F Potratz Projeto de Graduação em Arquitetura e Urbanismo Aprovado em: ___ /___ / ___ ATA DE AVALIAÇÃO DA BANCADA EXAMINADORA __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ _________________________________________________________________ __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ AVALIAÇÃO DA BANCADA EXAMINADORA Clara Luiza Miranda DAU/UFES
Data
Nota
Assinatura
Nelson Pôrto Ribeiro DAU/UFES
Data
Nota
Assinatura
André Tomoyuki Abe DAU/UFES
Data
Nota
Assinatura
Aprovado com Nota Final: ________
Ă Gerda mulher primeira
Apresentação Este Projeto de Graduação preocupa-se com o uso da terceira pessoa para transmitir o seu conteúdo. Contudo, peço licença para fazer uso da primeira pessoa, para narrar brevemente o surgimento deste trabalho e por fim, apresentá-lo. Tudo que aqui está registrado foi fruto de inquietações e de frustrações minhas e não só minhas, em relação à vários temas. Por uma tremenda sorte, na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo pude acumular essas inúmeras inquietações e frustações com a ajuda discreta de algumas pessoas importantes. Primeiro à minha avó, a quem dedico este trabalho e à minha mãe, professoras de longa data que assumiram a tarefa cotidiana de educar. E depois ao meu pai, neto de alemães e pomeranos, político aposentado que foi o responsável, junto à Max Mauro, governador do estado na época, pela emancipação do novo Município de Santa Maria de Jetibá. Com isso, os temas cotidianos eram os temas públicos, a corrupção pública, a gestão pública, e ainda, o sucateamento da educação, as dificuldades enfrentada por professores e mestres e ainda tanto outros temas
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desta abrangência que demandavam a preocupação de pessoas incorruptíveis.
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Por isso, este Projeto de Graduação é o relato e as conclusões de uma grande etapa de inquietação que tangem temas bastantes semelhantes àqueles. E não só esses, mas todos os outros apresentados à mim na Universidade e no Curso de Arquitetura e Urbanismo. Com isso, este Projeto além de ser o registro dessas atividades também é uma contrapartida à Universidade Pública, uma vez que exprime
a necessidade de reforma urbana, principalmente, de reforma política e educacional nos seus tímidos debates. Por fim, um documento que retrata à mim e à alguns, outros questionamento sobre os temas que aqui se apresentam e por isso, têm como conclusão a perpetuação e ainda, a formalização de novas possibilidades de atuação e de inquietação. Sejam elas no nosso cotidiano político ou até mesmo no exercício da arquitetura e do urbanismo. Raphael Potratz Dezembro de 2014
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Estrutura
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Apresentação 10 Estrutura 12 Introdução 14 Método 18 1 O Cenário Antropológico 23 1.1 A Formação Urbana 24 1.1.2 O Arrabalde 32 1.1.3 O Canaã 38 1.1.4 Os Sertões 44 1.1.5 A Cidade de Lata 49 2 A Problemática 55 2.1 A Terra, o Trabalho e a Arquitetura 56 2.1.1 O Usuário Construtor 58 2.1.2 O Sedentarismo Colonial 60 2.1.3 O advento Urbano 63 2.1.4 A Complexidade da Máquina 68 2.2 A Estrutura Política e o Poder Burocrático, 74 2.3 A Tecnologia e a Universidade 88 3 A Empiria 97 3.1 Panorama 98 3.1.1 Esfera Política 101 3.1.2 Esfera Urbana 104 3.1.3 Esfera Acadêmica 108 3.2 Catálogo 2006/2014 112 3.2.1 Habitantes da CEMUNI III 119 3.2.2 Rosana 121 3.2.3 Marineide 124 3.2.4 Memória, Habitação e Vivência 127 3.2.5 Pontos Sujos de Lixo, o Parque do Bem 133
3.2.6 Dossiê da CEMUNI III 139 3.2.7 SeNEMAU Vitória 143 3.2.8 Respaldo à Comunidade Lauro Vieira Chaves 149 3.2.9 Plano de Mobilidade Urbana de Vitória 153 3.2.10 Beco Limpo e em Cores 158 3.2.11 Rádio do Bem 161 3.2.12 Expansão da ZEE-8 163 3.2.13 Terceira Ponte 168 3.2.14 Ocupar Gramados 171 3.2.15 Tópicos em Arquitetura e Urbanismo 177 3.2.16 Respaldo Técnico sobre a Expansão da Vila de Itaúnas 181 3.3.17 Residência em Fradinhos 185 3.3.18 Pomeranos: sua técnica construtivas e as influências da cidade contemporânea 187 3.3 Dificuldades e Resultados 191 3.3.1 Arquitetura e a Academia 194 3.3.2 Arquitetura e a Extensão Universitária 195 3.3.3 Arquitetura e as Entidades Civis Organizadas 197 3.3.4 Arquitetura e a Iniciativa Privada 199 3.3.5 Arquitetura e a Iniciativa Pública 201 4 Conclusão e Perspectivas 203 4.1 Anseios 204 4.2 O Laboratório 205 4.3 A Escola do Trabalho 207 4.4 As Cooperativas de Trabalhadores 208 Bibliografia 211 Lista de Imagens 217 Agradecimentos 219
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Introdução Este Projeto de Graduação visa pautar e intensificar necessidades emergentes de atuação da profissão de arquitetura e urbanismo diante de uma realidade urbana que se constrói hoje em Vitória, e na maioria das grandes cidades do país. Consolidam-se, principalmente, a partir de registros das intervenções, projetos, vivências e atividades realizadas entre os anos de 2008 a 2014 e que vão além da atuação profissional e/ou acadêmica convencional construída para atender a uma pequena parcela da população. Por fim sugere uma forma de reorganização na estrutura política e social que gere a cidade e ainda, uma estrutura paralela para que a profissão de arquitetura e urbanismo possa abranger uma parcela maior da população que reside nos grandes centros urbanos, e de fato, auxiliar no crescimento urbano sustentável e democrático. A profissão de arquitetura e urbanismo têm se voltado quase que exclusivamente ao desenho autoral de grandes projetos de arquitetura que satisfazem clientes privados e/ou corporações. A arquitetura pública, por sua vez, perde importância e se torna, na grande maioria dos casos, refém das grandes empreiteiras que, dentro
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do sistema burocrático/eleitoreiro, lucram exorbitante quantia de dinheiro
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público. E através de licitações fraudulentas, constroem edifícios, obras viárias, e de infraestrutura que não atendem a real necessidade da população. Paralelamente, 80% da cidade cresce nos remanescentes da autoconstrução em áreas periféricas de morros, encostas, mangues, áreas verdes e ribeirinhas, sem auxílio de um profissional de arquitetura. Ou, o mais provável, se ainda contarmos que muita gente não tem nem aonde morar, talvez
5% da população de fato tenha acesso a um profissional de arquitetura. E assim crescem as cidades. Nos grandes centros, as prefeituras entregam as grandes obras de planejamento urbano na mão do capital privado que especula sobre a terra urbana, e de outro, as cidades do interior que, sem corpo técnico, financiam, com exatidão, os ritmos metropolitanos de “desenvolvimento” e rumam às mesmas crises urbanas. Nesse passo, a universidade pública, ainda reproduzindo suas teorias modernas do espaço e do desenho urbano, forma arquitetos que não debatem as problemáticas urbanas que se desencadeiam. Se empenham em projetar propostas hipotéticas que atendem, primordialmente, demandas do lote e muitas vezes de um cliente imaginário. Cliente esse, que na maioria das vezes, pertencem aos 5% que tem acesso ao profissional de arquitetura. Os problemas urbanos não são discutidos e poucos Projetos de Graduação tangenciam temas iminentes que cotidianamente ecoam nos fervorosos centros urbanos. Financiada por grandes empresas e com incentivos públicos para pesquisa, a universidade não estimula o debate referente aos grandes projetos do dito planejamento urbano e tantos outros temas que brotam fora dos portões da academia, salvo, claro, de algumas situações pontuais. Dentro dessa breve panorâmica, este Projeto de Graduação visa compreender o papel da arquitetura, do urbanismo e do seu exercício dentro da realidade histórica e urbana de Vitória/ES como local primeiro, e de Santa Maria de Jetibá/ES como local de importância pessoal. A primeira, fundada em 1551, sofre hoje com os problemas urbanos de escala metropolitana que também estão presentes nas maiores cidades do Brasil. A segunda, pequena cidade do interior do Espírito Santo, passa por um crescimento acelerado e já
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soma, em sua devida escala, problemas semelhantes aos da primeira. O Projeto se divide em quatro partes. A primeira parte baseia-se em uma breve inserção histórica da formação urbana das cidades brasileiras e em especial o caso dos quatro Cenários Antropológicos analisados. O Arrabalde, O Canaã, Os Sertões e a Cidade de Palha. Com essa base histórica, entende-se que o processo de formação das cidades ao longo do tempo se dá por escolhas decisoriamente econômicas ou influenciadas por demandas expansionistas vinculadas a fatores econômicos. Em um segundo momento o projeto se debruça sobre as problemáticas urbanas que envolvem a atuação da profissão de arquitetura e urbanismo ante o crescimento das cidades. Primeiro a problemática que envolve a terra como fonte primária de todos recursos naturais, o trabalho, enquanto força e faculdade humana aplicada para alcançar o fim, e a da arquitetura como instrumento de dominação sobre o trabalho. Segundo, a problemática da estrutura pública, que é o instrumento que efetivamente gere a cidade e como sua administração financia o crescimento urbano voltado aos interesses de grupos econômicos. E por último, como o próprio conhecimento tecnológico, tanto dos materiais, das técnicas, e das discussões urbanas é manipulada, de
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certa maneira, pelas instituições que financiam a universidade pública e sua
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estrutura acadêmica, para reproduzir os modelos de cidade que se pretende. No terceiro momento, o projeto usa de referência 18 (dezoito) atuações pontuais dentro e fora da Universidade. Encampadas inicialmente por intermédio do Célula/EMAU e somadas à atuações de um grupo de Estudantes de Arquitetura e Urbanismo, esses projetos e debates pontuais servem de ensaio e experiência para traçar possibilidades e panorâmicas de atuação da
profissão de arquitetura e urbanismo em relação à problemáticas apresentadas no segundo momento. No quarto e último momento, traçando as conclusões e perspectivas, o projeto expõe propostas e diretrizes a fim de solucionar as problemáticas apresentadas no segundo momento. Essas propostas e diretrizes nos três campos estudados (escola, cidade e política) são a tentativa de tornar o acesso da arquitetura e do urbanismo a toda a cidade. Paralelamente, esse Projeto paira sobre vários projetos simultâneos na tentativa de estabelecer um ponto de vista abrangente em relação a atuação profissional. Muitos projetos que aqui serão apresentados foram concebidos como experimentos reais na busca de outras alternativas de atuação. Hoje parecem ser, perto da conflituosa realidade urbana, campos vastos de atuação e de experiência pessoal e profissional do arquiteto e urbanista em busca de uma cidade mais justa. Por fim, os projetos embasam direta ou indiretamente a proposta de reorganização do sistema político/social que gere as cidades. Por uma maior atuação popular nos projetos urbanos de nível local e metropolitano. Por uma arquitetura pública realmente atrelada aos reais anseios urbanos.
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Método Esse Projeto tem como método os questionamentos levantados referente a profissão de arquitetura e urbanismo durante, primeiramente, a atuação nas Comunidades de Jaburu e São Benedito em Vitória/ES, inicialmente em parceria com o Projeto de Extensão “CÉLULA – Escritório Modelo de Arquitetura e Urbanismo (Célula/EMAU)” do Departamento de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Espírito Santo, e posteriormente sem vínculo direto com a Universidade, já atuando semiprofissionalmente. O Célula/EMAU é um projeto de Extensão Universitária criado por uma movimentação estudantil em 2002 com intuito de inserir as discussões que até então estavam omissas nas escolas de arquitetura. A questão que se insere, mesmo que informalmente, é, primordialmente, o acesso à arquitetura pelos moradores das regiões periféricas dos centros urbanos contíguas ou não à universidade. Em uma primeira análise, esses questionamentos e experiências abrem um outro panorama de atuação e de necessidade de atuação do profissional de Arquitetura e Urbanismo diferente do que até então era encampado pela Universidade. No meio acadêmico, até então, pouquíssimas (ou quase nenhuma) eram as discussões em que se trata efetivamente da cidade real, aquela que se constrói e cresce cotidianamente sobre os morros e os mangues, distante da formalidade burocrática do restante da cidade. Mas, em uma análise mais aprofundada, o problema vai além da simples omissão da classe profissional. Para analisar esses fatores busca-se levantar as problemáticas que tentam, além de entender a ausência do arquiteto
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em determinados campos, inserir os projetos e intervenções mencionados acima dentro de uma pauta de luta cotidiana, principalmente, pela reorganização da estrutura gestora da vida urbana. Para esse estudo, parte-se de três premissas básicas:
Arquitetura na história A arquitetura é, na sua concepção primeira, a organização espacial a fim de se obter o abrigo para as tantas necessidades do homem. Desde as mais primordiais até as demandas que foram se tornando necessárias com o decorrer do tempo. Hoje, na sociedade contemporânea, a arquitetura assume vários papéis que vão além de se caracterizar unicamente por elementos construtivos e decisões técnicas que resolvam essas necessidades. Ela sofre as influencias da sociedade e da sua organização social, política, econômica etc. e reflete, consequentemente, essas decisões no espaço urbano e no seu contexto. Para tanto, torna-se necessário a inserção da arquitetura em um contexto histórico mais abrangente. Englobar as decisões que desencadearam o surgimento e o crescimento das cidades brasileiras para criar o cenário de atuação do arquiteto urbanista.
Arquitetura nas problemáticas urbanas Neste cenário, ressaltar a arquitetura e o urbanismo como ferramenta importante para atuar e discutir as problemáticas que serão levantadas. Não só na esfera do desenho urbano e da arquitetura pública ou privada, mas essencial também na esfera política e na esfera acadêmica. Arquitetura deve participar das decisões político/administrativas
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que regem o poder burocrático e ainda, deve se inserir na universidade como fomentador da discussão das problemáticas urbanas. Com isso, o arquiteto se torna, junto com outros profissionais, um prestador de serviço com demandas multidisciplinares e que vislumbra a resolução das problemáticas urbanas nas esferas estudadas.
A Empiria como ferramenta Num cenário historicamente construído, o empirismo como ferramenta é importante para a compreensão prática e para o debate sobre as problemáticas levantadas. A experiência do fazer é, consequentemente, a efetivação do pensar na problemática causadora, independente de resolve-la ou não. O empirismo além de trazer a tona os problemas urbanos enriquece a escolha da técnica apropriada pois apodera-se dos pormenores da vida do contexto estudado. Com estas premissas básicas, conjuntamente com a bibliografia estudada, traça-se o cenário de estudo. Esse cenário é importante, primeiramente, para situar as intervenções encampadas pelo Célula/EMAU, que, como sendo uma instituição acadêmica de atuação atrela-se às demandas da Universidade.
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Criam-se as outras problemáticas que se desenvolvem no cenário antropológico
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e que também são temas comuns debatidos pelo Célula/EMAU, mas que não o são completamente alcançáveis dentro da estrutura universitária. Posteriormente traça-se um panorama da atuação profissional e as tentativas encampadas durante o período de 2008 a 2014. Em formato de catálogo, essas tentativas se colocam dentro do cenário construído como tentativas empíricas de resolver as problemáticas levantadas. O trabalho
se foca na necessidade de conhecimento do campo de atuação profissional para, conjuntamente com as experiências tanto no Célula/EMAU como fora dele, narrar as problemáticas urbanas, e dar as soluções possíveis dentro das possibilidades. Para isso, como já mencionado, faz de uso a bibliogrfia que se segue, e ainda, nos capítulos que tratam das Problemáticas e da Empiria, faz de uso do texto corrido e pessoal. Retratando as experiências adquiridas com a efetivação das propostas que serão apresentadas, mas ainda citando sempre
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opiniões importantes e que se fazem necessárias.
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O Cen谩rio Antropol贸gico
1 O Cen谩rio Antropol贸gico
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1.1 A Formação Urbana A esfericidade do mundo, então comprovada, as novas tecnologias, o fortalecimento político em decorrência da expulsão muçulmana e sua localização privilegiada fomentaram a expansão ultramarina do Estado Moderno Português à novas rotas marítimo/mercantis. As possibilidades faziam Portugal vislumbrar um caminho mais curto e barato às especiarias Orientais que abasteciam toda a Europa. O vislumbre torna-se iminente e necessário quando Constantinopla é tomada e a rota comercial entre Oriente e Ocidente passa a ser controlado pelos Turcos Otomanos fazendo o abastecimento de especiarias decair e encarecer. “Esse complexo de poderio português vinha sendo ativado, nas últimas décadas, pelas energias transformadoras da revolução mercantil, fundada especialmente na nova tecnologia, concentrada na nau oceânica, com suas novas velas de mar alto, seu leme fixo, sua bússola, seu astrolábio e, sobretudo, seu conjunto de canhões de guerra”1. A Revolução Mercantil coloca portugueses ao mar e passadas
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algumas décadas do Século XVI, já haviam implantado um lucrativo sistema de
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exploração mercantil da Costa Africana no Oceano Índico até a Costa Brasileira no Atlântico. Contornando a África e chegando ao Brasil, Portugal torna-se o principal responsável pelo crescimento econômico europeu e monopoliza todo o comércio das especiarias orientais na Europa. 1 RIBEIRO, Darcy. O povo brasileiro: evolução e sentido do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1995. p. 38.
Portugal “era e atuava como um rebento ultramarino da civilização europeia” e, em datas do Descobrimento da América e o do Périplo
Africano, “era já uma sociedade bipartida em uma condição rural e outra urbana, estratificada em classes, servida por uma cultura erudita e letrada, e integrada na economia de âmbito internacional que a navegação possibilitara”2, diferente
imagem 01: A chegada do Português ao novo mundo retratado por Oscar Perreira da Silva em o Desembarque de Cabral em Porto Seguro/BA.
da realidade evolutiva dos aborígenes americanos e africanos encontrados na costa do atlântico. “Não era, obviamente, uma nação, porque eles não se sabiam tantos nem tão dominadores. Eram, tãosó, uma miríade de povos tribais, falando línguas do mesmo tronco, dialetos de uma mesma língua, cada um dos quais, ao crescer, se bipartia, fazendo dois povos que começavam a se diferenciar e logo se desconheciam e se hostilizavam”3. A diferença da organização social em relação aos grupos aqui domínio sobre as terras descobertas e sobre os povos indígenas que tinham “interrompida a sua linha evolutiva prévia, depois subjugando-as, e recrutando seus remanescentes como mão-de-obra servil de uma nova sociedade, que já nascia integrada numa etapa mais elevada da evolução sociocultural”4. A Igreja Católica exerce posição “notável e absoluta”5. nos dois primeiros séculos da colonização garantindo ao estado a legítima dominação sobre as terras
2 RIBEIRO, Darcy. O povo brasileiro: evolução e sentido do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1995. p. 73. 3 Ibid., p. 29. 4 Ibid., p. 73. 5 MARICATO, Ermínia. Habitação e Cidade. São Paulo: Atual, 1997. P. 10.
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encontrados representava, com o devido respaldo da Igreja Católica, legítimo
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6 RIBEIRO, Darcy. O povo brasileiro: evolução e sentido do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1995. p. 193.
descobertas e à igreja a exclusividade sobre a vida espiritual desses territórios. No Brasil, tanto quanto na África, instalam-se por séculos e de lá tiram tudo o que for possível para proporcionar o crescimento desenfreado da nova elite mercantil que aflorava na Europa. Para isso, Portugal cria uma rede colonial de feitorias, vilas e cidades que exerciam função de centros de dominação colonial para defesa da costa e para fazer a ligação direta entre
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colônia/metrópole, escoando as riquezas que abundavam do novo mundo. “Nossa primeira cidade, de fato, foi a Bahia, já no primeiro século, quando surgiram, também, o Rio de Janeiro e João Pessoa. No segundo século, surgem mais quatro: São Luís, Cabo Frio, Belém e Olinda. No terceiro século, interioriza-se a vida urbana, com São Paulo; Mariana, em Minas; e Oeiras, no Piauí. No quinto século, a rede explode, cobrindo todo o território nacional”6.
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imagem 02: Retrato do escravo negro em um engenho de cana de áçucar, um dos grandes ciclos econômicos do Brasil. em obra de Jean Baptiste Debret: Engenho Manual que faz Caldo de Cana, 1822.
Até, principalmente, a vinda da família real portuguesa ao Brasil em 1808, as cidades configuravam-se principalmente como pontos estratégicos de escoamento das grades produções monocultoras do Brasil colonial. Ora a madeira, que sua extração devasta grande parte da mata nativa subjugando como mão-de-obra servil o indígena da costa, ora o açúcar ou o ouro, que enrique o nordeste e o interior do Brasil e traz, aos milhões, negros escravizados da África. A extração dos recursos naturais e/ou a atividade monocultora foram o principal motivo da consolidação do Brasil como fonte mantenedora das aspirações econômicas da elite mercantil Portuguesa e Europeia. Dessa maneira, as cidades giravam em torno do “comércio, através de importação e contrabando, e a prestação de serviços aos setores produtivos, na qualidade de agências reais de cobrança de impostos e taxas, de concessão de terras, de legitimação de transmissões de bens por herança ou venda e de julgamento nos casos de conflito”7. As cidades então, no curso de séculos de exploração do índio, do negro, e dos recursos naturais das novas terras, tornam-se lugar da burocracia civil e eclesiásticas da mais alta hierarquia. O comércio era “autônomo e rico”, integrado quase exclusivamente por reinóis ligados a Coroa. Bahia aonde ergueram seus sobrados e viveram, segundo Holanda, o “esplendor rural e a miséria urbana”8 tendo em vista a incipiência da maior parte dos núcleos urbanos em detrimento à autossuficiência da unidade rural açucareira. Já com a decadência do açúcar e a descoberta do ouro pelos paulistas, o Brasil se interioriza e enriquece as cidades mineiras. A capital da colônia, pela proximidade com a nova descoberta, é transferida ao Rio de Janeiro.
7 RIBEIRO, Darcy. O povo brasileiro: evolução e sentido do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1995. p. 195. 8 HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.
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O açúcar translada os senhores de engenho para Recife e para a
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9 MARICATO, Ermínia. Habitação e Cidade. São Paulo: Atual, 1997. P. 10. 10 O Tratado de Methuen, ou o Tratado de Panos e Vinho, vigente entre 1703 a 1836 foi assinado entre Portugal e Inglaterra. A Inglaterra se comprometia em comprar os vinhos Portugueses em contrapartida, os Portugueses comprariam os tecidos manufaturados ingleses. O preço das exportações de vinho não alcançavam os preços pagos pelos tecidos que eram importados por Portugal. O pagamento das altas dívidas, era pago com ouro brasileiro recém descoberto nas minas gerais.
Surge com o ouro, uma sociedade diversificada e ligada às atividades urbanas: pequeno artesanato, prestação de serviços, pequeno comércio e comércio ambulante, administração civil e militar, além da população pobre livre e, naturalmente, de escravos que antes eram quase restritos à atividade rural da empresa açucareira. É somente nessa época que a vida urbana ganha algum destaque. Com exceção de Salvador, que tinha sido capital da colônia e já abrigava “funções urbanas”, e de Olinda e Recife, que no período do domínio holandês sofre um interessante processo de urbanização. Na formação dessa nova realidade econômica, Maricato lembra que com a “ausência de normas urbanísticas para as cidades brasileiras alimentou muitas teses sobre a desordem ou o desalinhamento das ruas e casario, cujo desenvolvimento se fazia “malemolente” ou “preguiçosamente”, ao sabador do acaso”9. Durante esse desencadeamento dos primeiros núcleos urbanos no Brasil, Portugal passara por um processo de dependência econômica em relação à Inglaterra. O ouro extraído no Brasil era encaminhado a altos
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imagem 03: Evolução Urbana das regiões ligadas à extração aurífera. Retrato de Vila Rica, atual Ouro Preto, por Armand Julien Pallière em 1820.
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juros à Portugal, e ia diretamente financiar a Revolução Industrial10 que se desencadearia na Inglaterra com o surgimento da máquina a vapor e das
primeiras indústrias. Séculos depois, esse processo aconteceria no Brasil e nos países da América do Sul e tantos do terceiro mundo. Com isso, algumas décadas mais tarde, a Inglaterra, “que dera proteção militar à transferência da família real portuguesa, passou a controlar, agora de perto e diretamente, o comércio brasileiro. A Revolução Industrial não podia conviver com os monopólios mercantilistas, e a Inglaterra se coloca contra qualquer tipo de restrição à comercialização dos seus produtos. Pelo mesmo motivo, ela vai se opor à manutenção da mão-de-obra escrava”11. Em 1888 o Brasil aboliu a escravidão, que, “dando alguma oportunidade de ir e vir aos negros, encheu as cidades do Rio e da Bahia de núcleos chamados africanos, que se desdobraram nas favelas de agora”. Paralelamente, o desemprego nos centros urbanos advindo do êxodo rural que já atingia os centros urbanos Europeus por conta das consequências primeiras da industrialização trazia um contingente de “7 milhões de Europeus. Quatro e meio milhões deles se fixaram definitivamente no Brasil [...]”12. Essa população de imigrantes inunda o Brasil ora para trabalhar nas novas lavouras do café para substituir a mão de obra escrava, ora como agente importante para a ocupação da imensidão inabitada que ainda havia no industrialização do país, principalmente no interior de São Paulo. Com o passar do século, segundo Ribeiro, se solidifica uma “urbanização caótica” provocada principalmente pela evasão da população rural e em segundo plano a efetiva atratividade da cidade. Aqui, chega-se a loucura de ter algumas da maiores cidades do mundo, tais como São Paulo e Rio de Janeiro, com o dobro da população de Paris ou Roma, mas “dez vezes
11 MARICATO, Ermínia. Habitação e Cidade. São Paulo: Atual, 1997. P. 17. 12 RIBEIRO, Darcy. O povo brasileiro: evolução e sentido do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1995. P. 194. 13 Ibid., P. 199.
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Brasil. É essa população que, anos mais tarde, dá os primeiros passos rumo à
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14 RIBEIRO, Darcy. O povo brasileiro: evolução e sentido do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1995. P. 198. 15 FURTADO, Celso. Formação Econômica do Brasil. São Paulo: Ed. Nacional, 1982. P. 5.
menos dotadas de serviços urbanos e de oportunidades de trabalho”13. “No Brasil, vários processos já referidos, sobretudo o monopólio da terra e a monocultura, promovem a expulsão da população do campo. No nosso caso, as dimensões são espantosas, dada a magnitude da população e a quantidade imensa de gente que se vê compelida a transladar-se. A população urbana salta de 12,8 milhões, em 1940, para 80,5 milhões, em 1980. Agora é de 110,9 milhões. A população rural perde substância passa, no mesmo período, de 28,3 milhões para 38,6 e é, agora, 35,8 milhões. Reduzindo-se, em números relativos, de 68,7% para 32,4% e para 24,4% do total”14. De um modo geral, a ocupação das terras americanas, no que
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hoje se desdobraram nas atuais cidades brasileiras, constituiu unicamente
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imagem 04: Explosão demográfica dos grandes centros urbanos retratados na paisagem urbana da cidade de São Paulo.
como um “episódio da expansão comercial da Europa”15 e teve, desde sempre seu crescimento vinculado à fatores econômicos ligados diretamente ao grande latifúndio e à monocultura que financiam o crescimento da cidade, de acordo com seus interesses. Essa formação urbana baseada em decisões e expansões econômicas cria diferentes e distintas realidades aos longos dos anos. E hoje, refém de uma industrialização e de uma mecanização que, somada à histórica questão do grande latifúndio e da propriedade da terra, expulsam o camponês da lavoura e lotam os centros urbanos. Somado a esse número, um contingente de ex escravos urbanos que sem acesso à terra urbana se veem marginalizados a ocupar as “sobras” da cidade institucionalizada. Hoje convivem, no mesmo espaço urbano, uma realidade
imagem 05: Reatrato do negro e seu posto de trabalho nas grandes cidades. Ocasião da greve dos garis no Rio de Janeiro, meados de 2014.
O Cenário Antropológico
cinco séculos após a chegada do português a cidade contemporânea se vê
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formal, que advêm do próprio processo de amadurecimento das instituições de controle construídas já desde a ocupação das terras do Brasil, dos grandes comerciantes e, enfim, da burguesia neoliberal. E de outro lado, resiste em maioria uma população que vive nos resquícios das áreas verdes, nas encostas, nos morros e nas regiões ribeirinhas intrínsecos ao perímetro da cidade sem as mínimas condições de acesso ao emprego, à saúde, à educação e em muitos casos não tão raros, sem acesso à moradia.
1.1.2 O Arrabalde16 Segundo o Censo populacional de 1872, a Paróquia de Nossa Senhora da Vitória, contava com 4.361 almas, dentre elas 1.001 escravas. A cidade se espremia entre o mar e as montanhas que cobrem boa parte de toda a ilha onde, em 1551, os portugueses se refugiaram dos índios que habitavam a costa litorânea do Espírito Santo. Á medida que a cidade crescia, Vitória escalava os morros, já que na sua porção horizontal havia a barreira natural dos pântanos e dos manguezais. No século XVIII, com o advento do ouro nas Minas Gerais, a Capitania do Espírito Santo fora fechada para impedir o contrabando do ouro
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que descia principalmente pelo Rio Doce. Nesses tempos, toda a região fora
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habitada somente por militares com o intuito único de prevenir o contrabando crescente dos minerais do interior do país. Com a decadência da produção aurífera, via-se a necessidade 16 Segundo o dicionário Aurélio da Língua Portuguesa: ar.ra.bal.de s.m. cercanias de uma cidade ou povoação; subúrbio.
de estimular a “recolonização” daquele território. A proibição do tráfico negreiro em 1850 e a Lei do Ventre Livre de 1871 intensificaram a mudança do trabalho servil para o trabalho livre. Como o negro era a principal força de
imagem 06: Retrato da antiga Vila da Vitória, espremida entre a baía de Vitória, as montanhas e os manguezais. Evidencia-se na imagem a imponencia dos dois grandes edifícios: o Antigo Colégio San Thiago e, à esqueda, a Igreja Matriz.
trabalho, necessitava-se de uma outra alternativa para, além de habitar a porção desconhecida do Estado, ser a alternativa ao advento do trabalho livre. Por conta da alteração do sistema de trabalho servil para o assalariado, o grande contingente de desempregados lotava os centros urbanos europeus. Esse contingente populacional, principalmente germânico, chega ao Brasil em uma nova onda de imigração datada do fim do Século XIX. Com eles e com sua mão de obra barata, o café se desenvolve no sul do Estado, tornandose o grande produto agroexportador do novo latifúndio monocultor. Nos fins do Século XIX, Vitória contava com aproximadamente 9 mil habitantes vivendo enclausurada no que hoje é o Centro da Cidade e já planejavaocupar a parte leste da ilha num projeto arrojado de expansão Segundo Maricato “as reformas urbanas do final do século XIX e começo do século XX, foram fruto das mudanças progressivas no sentido de romper com a dependência do trabalho servil, e elas, entretanto, é que definiram mais fortemente a nova face da cidade republicana ou da sociedade sem o escravo”17. “O projeto concebido por Saturnino de Brito era algo em torno de cinco a seis vezes a área então ocupada por Vitória e esse novo espaço ocuparia a parte leste da ilha.
17 MARICATO, Ermínia. Habitação e Cidade. São Paulo: Atual, 1997. P. 19.
O Cenário Antropológico
territorial que contava com um aterro nas praias daquela parte da cidade.
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Previa a construção de uma estrada de ligação (bairrocentro), um sistema de captação de água, tratamento de esgoto, construção de hospitais, igrejas, cemitérios, parques e jardins públicos. O projeto do Novo Arrabalde era separado em três núcleos urbanos, sendo formado por uma área residencial (o Novo Arrabalde, propriamente dito), onde estava localizado o bairro da Praia Comprida – atual Praia do Canto -; de uma área para produção agrícola (Villa Hortícola) e também uma outra para a construção da vila operária (Villa Monjardim), onde atualmente está o bairro Jucutuquara”18. É no ano de 1896, apenas 8 anos após a Lei da Abolição da Escravatura, que o projeto de um Novo Arrabalde é entregue pelo engenheiro sanitarista Saturnino de Brito ao presidente do estado Moniz Freire. No entanto, é somente na década de 30 ou 40 que a área começa a ser efetivamente ocupada criando fluxos de esvaziamento do Centro da Cidade, deixando, ao longo das próximas décadas, um cenário de abandono da região central. Criase uma onda de especulação nos grandes terrenos da nova área que virá, a ser palco principal da atuação das grandes empreiteiras, principalmente a partir da
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década de 1970 e mais intensamente a partir da redemocratização dos fins da
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década de 1980 e a vitória da chamada ideologia neoliberal. 18 GOMES, Eduardo Rodrigues. A geografia da verticalização litorânea em Vitória: o bairro Praia do Canto. Vitória: GSA/PMV, 2009. P. 94 19 HEES, Regina Rodrigues. FRANCO, Sebastião Pimentel. A República no Espírito Santo. Vitória: Multiplicidade, 2003. P. 10.
A nova elite do latifúndio monocultor que aqui governa, inclui nomes “ilustríssimos que eram acostumados a visitar a Europa e formados nas melhores escolas do país, assim como saídos da elite local mais abastada e ligados à melhor tradição dos clubes republicanos. Na execução de seus projetos, tais administradores cercaram-se de representantes da vanguarda profissional ligada ao urbanismo, a exemplo do famoso engenheiro sanitarista Saturnino de Brito”19.
A nova elite capixaba do café, sendo guiada pelo republicanismo O Parque Moscoso, novo local de lazer da burguesia capixaba, o alargamento da Rua da Alfândega com a demolição do casario antigo e a construção de novos exemplares ecléticos. Em 1920 abre-se a Avenida da Capixaba que se liga à Jerônimo Monteiro até o Chafariz da Capixaba. Nessa mesma onda de alteração na morfologia urbana é que o Novo Arrabalde passa a ser servido por linha de bonde e abastecimento de água, intensificando sua ocupação. As ruas do Centro da Cidade são alargadas,
imagem 07: Projeto do Novo Arrabalde idealizado pelo Engenheiro Sanitarista Saturnino de Brito. O mapa evidencia a área urbana da antiga Vila da Vitória e a área proposta de aterro na região nordeste da ilha da Vitória. O projeto do Novo Arrabalde data de 1896.
O Cenário Antropológico
liberal da virada do Século inaugura grandes obras de urbanização na capital.
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retificadas, drenadas e pavimentadas. Em 1927 a ilha se liga com o continente encurtando o caminho que se fazia longo por conta da barreira natural da baía do Espírito Santo. A ligação permite dentre outras coisas, a continuidade das obras do Porto de Vitória, e o crescimento substancial da Cidade de Vitória. Em 1945 conclui-se o Plano Agache, que inclui o Projeto da Avenida Marechal Mascarenhas de Morais, mais conhecida como Beira-Mar. Paralelamente aos grandes projetos (aterros) de urbanização da cidade, os morros e partes dos mangue eram ocupados pela grande massa de gente que vinha do campo. Juntava-se a eles, a parcela urbana da população pobre e desempregada que não tinha acesso ao trabalho no centro urbano. Sem acesso a moradia, essa população passa a ocupar as áreas montanhosas do estreito Centro de Vitória e os alagadiços da baía noroeste. No fim da década de 60 e em meados da década de 70, o governador Christiano Dias Lopes Filho instaura a CST num processo que abre portas para a ocupação de toda a região montanhosa rodeada pelo Novo Arrabalde. A CST é uma das grandes multinacionais criadas pelo governo para provir de matéria prima essencial o discurso desenvolvimentista que marca a passagem do século. Nesta mesma época expande-se a ocupação a
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toda área norte da cidade, na parte continental. Essa ocupação é levada pelos
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interesses imobiliários, e pelo próprio Plano Diretor Urbano, que “estimula a transferência para fora do Centro de atividades comerciais e administrativas. Isso vem ativar, nas décadas seguintes, a marginalização e a deterioração do Centro de Vitória”20. 20 FREITAS, José Francisco Bernardino. CAMPOS, Martha Campos. ALMEIDA, Renata Hermanny. Projeto centro.com. vitória. Vitória: EDUFES, 2002.
Na próxima década, durante os anos 80, o Plano Diretor Municipal passa a regulamentar o uso e a ocupação do solo urbano, na consolidação
de um “processo político e econômico que, no caso do Brasil, construiu uma das sociedades mais desiguais do mundo, e que teve no planejamento urbano modernista/funcionalista, importante instrumento de dominação ideológica: ele contribuiu para ocultar a cidade real e para a formação de um mercado
21 ARANTES, Otílio. VAINER, Carlos B. MARICATO, Ermínia. A cidade do pensamento único: desmanchando consensos. Petrópolis, RJ: Vozes, 2009. p. 125.
imobiliário especulativo. Abundante aparato regulatório (leis de zoneamento, código de obras, código visual, leis de parcelamento do solo etc.) convive com a radical flexibilidade da cidade ilegal, fornecendo o caráter da institucionalização fraturada, mas dissimulada. O aparato técnico corporativo, ou a burocracia ligada à aprovação de projetos e códigos de obras, não passa de um subproduto, nesse processo, alimentando-se da defesa de seu micropoder”21. de 300 mil habitantes que, com o crescente avanço do neoliberalismo do fim do
imagem 08: Despois de sucessivos aterros, a região da grande Praia do Canto, que engloba as cercanias do Novo Arrabalde.
O Cenário Antropológico
Hoje, Vitória já saturada territorialmente, conta com pouco mais
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Século XX e início do XXI, está refém do domínio de grandes capitais que giram em torno do interesse de grandes imobiliárias, siderúrgicas e outras grandes empresas. Esses grandes agentes são os que ditam os ritmos de crescimento da cidade, unicamente levando em consideração os lucros internos em detrimento às necessidades urbanas aonde estão instaladas. Com grandes obras viárias, férreas e portuária como porta de exportação do café e dos produtos capixabas para o exterior, o Espírito Santo vangloriava o crescimento acima da média com a instalação de grandes indústrias e empresas multinacionais. Isso, sem o planejamento devido, agrava a ocupação e acentua o êxodo rural, dentre outros fatores. E mesmo com os números a favor do desenvolvimento, a segregação urbana só aumenta. Hoje, o Morro Grande, como é chamado a elevação que compreende hoje a região de 8 bairros da Ilha da Vitória (Jaburu, São Benedito etc.), tornou-se uma das maiores ocupações desordenada compreendendo em torno de 10% da população da cidade de Vitória.
1.1.3 O Canaã
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A proibição do tráfico negreiro e a Lei do Ventre Livre foram os
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primeiros passos dados para o fim do trabalho escravo. Com as premissas de alteração do sistema de trabalho para o trabalho assalariado que aconteceria no fim do Século XIX, uma alternativa era necessária para suprir de mão de obra as lavouras de café, que seria o principal produto da economia do estado até os dias atuais. Na Europa, a Revolução Industrial e seus desdobramentos políticos e sociais, já gerava a superlotação dos centros urbanos, causados pelo
êxodo rural e pela queda na produção agrícola, dentre outros fatores. Esse contingente vem para o Brasil em meados do Século XIX numa nova onda22 de imigração. Com o incentivo do Governo Imperial, esses estrangeiros vem de obra barata para a ascensão da nova lavoura cafeeira livre. “A política imigrantista levada a efetivo pelo governo imperial nos princípios do Século XIX tinha, certamente, como objetivo mais amplo promover o povoamento do país. No entanto, com o passar do tempo, à medida que a instituição escravista começa a sofrer ameaças, vai se tornando cada vez mais patente a íntima correlação entre o movimento imigrantista e a necessidade de substituição do braço escravo”23. Segundo Cotrim, o senador paulista Nicolau de Campos Vergueiro “foi o primeiro fazendeiro a trazer imigrantes europeus para trabalhar na cafeicultura. Entre os anos de 1847 e 1857, levou para sua fazenda, em Ibicaba, no interior de São Paulo, os primeiros grupos de alemães, suíços e belgas”24. No Espírito Santo, os germânicos25 começam a chegar nas colônias patrocinadas pelo governo em Santa Izabel em 1847, Rio Novo em 1855 (empreendimento particular), Cachoeiro de Santa Leopoldina em 185626 e, posteriormente, os italianos em Castelo, ainda em 1880. Aqui eles se juntam aos Açorianos que em 1812 foram tragos ao estado por dom João VI para ocupar o Vale do Rio Itaquari, hoje Viana. Neste cenário, o interior do estado é habitado. Imigrantes germânicos ocupam toda a vasta região montanhosa das serras, criando “paisagens caracteristicamente europeias e populações predominantemente brancas”27. Ocupam preferencialmente os vales às margens dos grandes rios
22 Ribeiro frisa como nova onde de imigração, por considerar a primeira onda de imigração aquela que se deu em 1500 e nos anos posteriores. 23 ROCHA, Gilda. Imigração Estrangeira no Espírito Santo 18471896. Vitória: [s.n.], 2000. 24 COTRIM, Gilberto. História Global. São Paulo: Saraiva, 2005. 25 Tubino esclarece a opção pelo povo germânico: “A Espanha sempre foi contestadora das fronteiras sulamericanas. A Holanda ocupou o Nordeste brasileiro.” Tubino arremata: “Um século antes da imigração alemã para o Brasil, esse caminho já estava traçado”. Tubino, Nina. A Germanidade no Brasil. Porto Alegre: Sociedade Germânica, 2007. 26 Dada a grandeza do fato, diz-se que o nome das Colônias de Santa Izabel e de Cachoeiro de Santa Leopoldina foram dadas em referencia às duas filhas de dom Pedro II. Izabel, nascida em 1847, e Leopoldina, o mesmo nome da avó, em 1857. Às duas, juntava-se Tereza, o nome da mãe. 27 RIBEIRO, Darcy. O povo brasileiro : evolução e sentido do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.
O Cenário Antropológico
com o intuito de “recolonizar” as vastas terras e posteriormente servir de mão
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28 Para ler mais sobre a passagem de D. Pedro II no Espírito Santo ler: Rocha, Levy. Viagem de Pedro II ao Espírito Santo. Vitória: Arquivo Público do Espírito Santo, 2008. 29 COSTA, João Ribas da. Canoeiros do Rio Santa Maria. Rio de Janeiro: [s.n.], 1951. 30 Os pomeranos são um grupo étnico oriundo dos wendes eslavos que ocuparam a região banhada pelo mar báltico. Hoje a região compreende a norte da Polônia e parte da Alemanha. Para ler mais: RÖLKE, Helmar Reinhard. Descobrindo Raízes: aspectos geogáficos, históricos e culturais da Pomerânia. Vitória: UFES. Secretaria de Produção e Difusão Cultura, 1996. 31 Schwarz, Francisco. O Município de Santa Maria de Jetibá. Vitória, 1993. p. 14. 32 Segundo Granzow, ao rio foi dado o nome do primeiro morador daquelas terras, o senhor Luiz Berger. O Rio São Luiz é um dos afluentes esquerdos da bacia do Rio Santa Maria da Vitória.
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imagem 09: Vista da antiga Cachoeiro de Santa Leopoldina, importante Porto de escoamento da produção agrícola da região serrana do Espírito Santo.
e seus afluentes. É o caso de Cachoeiro de Santa Leopoldina, demarcação de terras às margens do rio Santa Maria, para fundação de uma colônia de imigrantes, cuja primeira leva de suíços chega em 1856. Nos próximos anos, chegam alemães e luxemburgueses. A colônia de Santa Leopoldina recebe a maioria dos imigrantes germânicos vindos ao estado no Século XIX e cresce a ponto do próprio imperador dom Pedro II, de passagem para o norte, visita-la já em 186028. “Em pouco tempo, Cachoeiro de Santa Leopoldina se tornou o maior empório comercial do Espírito Santo. Por volta de 1887, os comerciantes locais, ao extrair suas contas correntes, já não as datavam de Cachoeiro de Santa Leopoldina. Orgulhosamente escreviam apenas Cachoeiro. E não havia possibilidade de confusão porque, naquele tempo, Cachoeiro de Itapemirim ainda era, para eles, um lugarejo modesto...”29 No ano de 1873 chegaram os primeiros imigrantes pomeranos30
que rumaram para os lotes a eles destinados ocuparam o altiplano de Jequitibá31, formado pela região do vale do Rio São Luís32. Compreendida hoje, em quase sua totalidade, pelo município de Santa Maria de Jetibá. Aqui, sem nenhum tipo de assistência educacional, religiosa ou sanitária, os colonos viviam do cultivo do café, principalmente, e mandioca, do feijão e do milhos. Segundo Granzow, inicialmente os pomeranos não estavam abertos ao plantio das verduras, por questões culturais permaneciam fiéis ao velho ditado: “Wat se Buer nich kinnt, dar frett hei nich!” (O que o camponês não conhece, ele não come!)33 Hoje, o município abastece de hortigranjeiros quase metade do consumo da Região Metropolitana da Grande Vitória e ainda alcança mercados em Minas Gerais, Bahia e Rio de Janeiro. É somente em 1935 que se impulsiona o surgimento de um pequeno núcleo urbano que viria a ser o Centro de Santa Maria. Até então os colonos moravam em suas propriedades rurais, as vezes longínquas umas das outras. A criação de um Centro de Fruticultura foi a alternativa encontrada para disseminar o cultivo de outras espécies em detrimento ao Crack da Bolsa de Nova Iorque, que diminuiu drasticamente o preço do café34. Por conta disso, imigrantes filhos dos primeiros colonos iniciam uma nova onda de de uma nova vida que lhes criem melhores condições de prosperar. A crise se intensifica com o Plano de Erradicação dos Cafezais (1962/1970) que decreta de vez a decadência da produção cafeeira. A Colônia de Santa Leopoldina foi responsável por receber inúmeros grupos de imigrantes chegados em diferentes períodos ao longo do Século XIX e nas primeiras décadas dos anos 1900. Os assentamentos
33 Granzow, Klauz. Pomeranos sob o Cruzeiro do Sul: colonos alemães no Brasil. Vitória: Arquivo Público do Espírito Santo, 2009. 34 Schwarz, Francisco. O Município de Santa Maria de Jetibá. Vitória, 1993. p. 15.
O Cenário Antropológico
imigração interna a Norte do Rio Doce e ainda, para o Norte do País a procura
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desses grupos, ao longo do Século XX, se desdobraram na criação de outros vários municípios, dentre eles Santa Teresa, Afonso Cláudio, Itarana, Vila Pavão, Laranja da Terra etc. Esses são alguns dos municípios que, devido sua importância política e econômica, se desmembraram do território original da colônia. A região, como a maioria dos municípios marcados pela
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imigração, se configura hoje como aglomerações urbanas recentes sendo
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arrastadas pelo crescimento da capital, Vitória. Por ventura da urbanização já centenária em relação à esses outros municípios, a capital intensifica sua dependência em relação a essas regiões: de um lado, tornam-se essenciais ao prover insumos de subsistência para a capital urbanizada e de outro, enviam a imagem 10: Região de Santa Maria de Jetibá em meados dos anos 1930. Na imagem, a Igreja Luterana construida ainda no século XIX.
esses pequenos lugarejos os ritos da cidade contemporânea. A mecanização do campo, os rituais de consumo dos bens da
indústria, dentre outros, são alguns dos fatores que se colocam contra a cultura predominante dos imigrantes que ocuparam toda a região serrana do estado. Alguns ainda vivem reclusos no campo longínquo, mantendo sua língua, sua cultura, seus hábitos construtivos e sua afeição com a terra, ou, nos mais recentes núcleos urbanos, se aculturam e assemelham costumes externos. Hoje, ainda que no Brasil 85% da população resida em centros urbanos, em Santa Maria de Jetibá 2/3 da população vive na zona rural. Essa população vive em pequenos aglomerados distante da região central e, ainda mais longe dali, em grandes pedaços de terra longínquos entre si praticando a agricultura familiar. Essa prática atua ainda em detrimento com a grande propriedade granjeira que traz a máquina para o campo e dela se beneficia para propulsionar o desenvolvimento da indústria local. O rápido desenvolvimento econômico advindo da indústria
imagem 11: Imagem da Região de Santa Maria de Jetibá no início dos anos 2000. A Igreja Luterana ao centro da imagem é a mesma mostrada na imagem anterior. Perceba o crescimento da malha urbana nos últimos anos, e ainda, a ocupação do morros e encostas.
O Cenário Antropológico
granjeira, e em segundo lugar da agricultura familiar, faz crescer o centro
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urbano em número populacional e na malha urbana. Enclausurada entre o vale, a cidade intensifica a oferta de produtos e serviços para sua população em crescimento constante. Intensifica-se com o isso o uso predominante do automóvel na cidade. Assim, nas ruas aonde passavam jumentos e carroças hoje carros e motos se aglomeram num verdadeiro caos urbano. Assim cresce a cidade de Santa Maria de Jetibá e muitas outras ocupadas pelos imigrantes germânicos no começo do Século XIX. A evasão rural causada pela instalação da indústria e a mecanização do campo incham os centros urbanos dessas pequenas cidade. Elas, por sua vez, sofrem com a falta de planejamento urbano e crescem num ritmo desenfreado somando problemas urbanos que já são centenários em suas metrópoles contíguas.
1.1.4 Os Sertões Aliciado principalmente para impulsionar a produção do latifúndio monocultor, o negro africano comporia o contingente fundamental da mão-de-obra brasileira. A diáspora africana35 traz o negro, primordialmente, para o nordeste brasileiro no latifúndio do açúcar e, posteriormente para as
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zonas de mineração do centro do país e tardiamente, para as fazendas do café
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no sudeste. Durante a ascensão da produção aurífera na região das minas gerais 35 Ribeiro avalia em 6 milhões o número de negros introduzidos no Brasil como escravos até o anos de 1850, quando da abolição do tráfico. RIBEIRO, Darcy. O povo brasileiro: evolução e sentido do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1995. p. 228. 36 Ver A Cidade de Lata
é que surge um novo grupo de mercadores urbanos que também necessitavam do trabalho servil do negro36. É a primeira vez que o negro é usado como mão de obra fora das lavouras do açúcar e do café. Segundo Furtado, o privilégio, outorgado ao donatário, de só ele fabricar moenda e engenho de água, denota ser a lavoura do açúcar a que se tinha
especialmente em mira introduzir37. Para tanto, eram dados incentivos àqueles que instalassem seus negócios na imensidão da floresta tropical brasileira, e a eles davam “isenção de tributos, garantia contra a penhora dos instrumentos de produção, honrarias e títulos etc”38. Para a consolidação da empresa açucareira como escolha econômica, nessa etapa, o negro foi necessário como recurso de mão de obra, uma vez que o uso do braço indígena se mostrou “inviável na escala requerida”39. É só em meados dos 1850 que, no Espírito Santo, ocorre a involução da cultura do açúcar e a sobreposição da cultura cafeeira como principal produto agrícola. Oliveira assinala a razão da troca da monocultura: “preço cada vez mais animador da rubiácea, e transmigração de mineiros e fluminenses, dados, de preferência, à cultura do café”. Para tanto, Oliveira ainda foi exportado40. E é a partir daí que se sobressaem a importância dos grandes Barões do açucar e do café no Norte do Estado. É o caso do barão de Aimorés, primeiro homem a represar as águas do Rio Cricaré41 para instalar engenhos de açúcar importados da Europa, e o barão de Timbuí, um dos financiadores do telégrafo no Brasil. Esses grandes latifundiários cultivavam então especialmente o açúcar, o café e a mandioca. Toda essa produção, claro, a braço do negro escravo. Essas fazendas ocupam vastas regiões de terras e se servem dos rios para escoar a produção. Aqui, o esplendor rural se reflete na importância política e econômica que se desencadeia nessas localidades. Vide o surgimento de importantes centro urbanos tais quais São Mateus42, Conceição da Barra,
37 FURTADO, Celso. Formação Econômica do Brasil. São Paulo: Ed. Nacional, 1982. p. 41. 38 Ibid., p. 41. 39 Ibid., p. 41. 40 OLIVEIRA, José Teixeira de. História do Estado do Espírito Santo. Vitória: Arquivo Público do Espírito Santo, 2008. 41 O Rio Cricaré foi palco de uma das mais sangrentas batalhas do período colonial. Mem de Sá, em 1562, envia seu próprio filho para dar fim aos ataques dos índios aimorés às aglomerações portuguesas. Os índios resistem e matam o filho do Governador Geral. 42 Segundo Holanda, o último navio negreiro apreendido no Brasil após a proibição do tráfico em 1850, foi apreendido no Porto de São Mateus.
O Cenário Antropológico
traz um dado importante: em 1851, 99% do café produzido no Espírito Santo
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43 HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.
Linhares etc. Importantes centros de escoação da produção que beiravam o Rio Cricaré, o Rio Itaúnas e o Rio Doce. Dali em diante, a sociedade passaria pelo amadurecimento do sistema escravista para dar portas ao sistema econômico que se implantava por consequência da Revolução Industrial e da invenção da máquina a vapor. Como diz Buarque, o “escravo das plantações e das minas não era um simples manancial de energia, um carvão humano à espera de que a época industrial o substituísse pelo combustível”43. E com pressão externa para definitivamente dar fim ao trabalho escravo e dar abertura ao novo sistema econômico, a
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imagem 12: (abaixo à esquerda) Retrato de Johann Moritz Rugendas dos negros trazidos ao Brasil e sua respectiva região de origem na costa africana. Início do Século XIX. imagem 13: (abaixo à direitoa) Região do Porto de São Mateus. Importante região portuária para escoação da produção do Norte do Estado, e ainda, importante porta de entrada de escravos.
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escravidão é abolida no final do Século XIX. A partir da abolição da escravatura, esses grupos que ocupavam aquele território e produziam a mando do dono do latifúndio e para a sua própria subsistência, agora, com a alteração do sistema de trabalho, passam a viver exclusivamente da mata como meio único de sua sobrevivência. Apropriam-se
ainda das técnicas do antigo latifúndio, principalmente da mandioca, do qual ainda hoje sobrevivem. Continuam a ocupar a terra e a mata de outrem que ora lhes foi entregue em pequenas vilas organizadas praticamente autogeridas. Por fim, com a desagregação econômica das fazendas escravistas, a apropriação dessas terras e demais recursos da natureza é o que suprem sua existência por meio da pesca, caça, agricultura e extrativismo. É o caso das comunidades quilombolas do Sapê do Norte44: ocupações contíguas aos Rios Angelim e São Domingos. No caso, a própria comunidade de Angelim e de Linharinho45, dentre outras tantas. Oriundas das antigas fazendas de Aimoré e Timbuí, ali ainda hoje se encontram famílias inteiras de negros deixados a cargos de si na mata como mão de obra rejeitada dos barões do açúcar, do café e da mandioca. Essa região dos vales dos rios Cricaré e Itaúnas é hoje a região com maior concentração de comunidades quilombolas do Espírito Santo, e uma das maiores do Brasil. Com o advento do trabalho assalariado, esse contingente Com a decadência do café e posteriormente com o já referido “Plano de Erradicação dos Cafezais” uma enorme área de terra é liberada. Segundo dados do Instituto Jones dos Santos Neves (IJSN) foram erradicados 1,5 milhão de hectares de terra, aonde desses, 80% se situavam no Norte do Estado. Aos poucos, os grandes campos que anteriormente abrigavam o café, passam a ser substituídos por grandes pastagens. Ao entrarmos, mais recentemente, na era desenvolvimentista promovida principalmente pela gestão do Período Militar (1964/1985), grandes indústrias são instaladas no Espírito Santo. Esses campos largos oriundos
44 Para ler mais sobre as comunidade quilombolas do Sapê do Norte, ler: FERREIRA, Simone Raquel Batista. “Donos do Lugar”: a territorialidade quilombola do Sapê do Norte/ES. Tese de Doutoramento em Geografia apresentado a Universidade Federal Fluminense (UFF), 2009. 45 O território Quilombola de Linharinho foi reconhecido pelo Presidente do INCRA por meio da assinatura da Portaria nº 78, de 14 de maio de 2007, publicada no Diário Oficial da União em 15 de maio de 2007.
O Cenário Antropológico
populacional fica esquecido na mata nos resquícios do latifúndio monocultor.
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do das fazendas do café são entregues agora às mãos das grandes empresas multinacionais, principalmente madeireiras devastadoras da mata nativa e do meio ambiente. Portanto, a monocultura do açúcar, do café e da mandioca dá lugar agora à monocultura do Eucalipto, primeiramente para produção de madeira e carvão, e posteriormente à celulose e ao papel. Com o advento da máquina, essas empresas se baseiam na mecanização do campo para alargar as margens de produção o que gera a necessidade mínima de mão de obra local. As comunidades locais se defrontam agora com a grande indústria que desmata a floresta tropical ao qual servia para sua própria subsistência. Esse processo, além de resultar na perda de um riquíssima biodiversidade, representa a expropriação da terra, da água, do alimento, dos medicamentos e demais elementos que sustentavam sua existência. Ferreira salienta que este momento se configura como marco fronteiriço entre a fartura e a escassez. A grande indústria além de trazer todas as questões levantadas a essas comunidade, ainda traz consigo a imposição da lógica da propriedade
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privada do capital, em detrimento a apropriação comum do território pelo
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imagem 14: Comunidade Quilombola de Linharinho no Sapê do Norte: retrato da ressitência dos resquícios da escravidão no Norte do Espírito Santo.
negro. Vivendo sob outras formas de uso da terra, essas comunidade não se encaixam nos moldes que exige a propriedade privada. Sem a titularidade da terra nesses moldes as comunidades são desmanteladas por essas grandes indústrias que implantam os novos cultivos monocultor a base da expropriação de seus moradores ancestrais. Esse processo gera um grande fluxo migratório para os centros urbanos mais próximos, aonde ali, também sem acesso a terra, se aglomeram para servir de mão de obra barata para a nova indústria citadina.
1.5 A Cidade de Lata As cidades e vilas da rede colonial implantada no Brasil, eram essencialmente centros de dominação que praticavam principalmente o comércio dos produtos cultivados pelos vastos campos, primeiramente do açúcar e posteriormente da mandioca e do café. Núcleos com funções urbanas florescem nas cidades-porto de Olinda/Recife, em Pernambuco, e em Salvador, na Bahia com intuito primeiro de escoar a produção colonial destes produtos. É somente com o advento do extrativismo aurífero no centro surgimento de novas funções urbanas como o florescer de um “pequeno artesanato local, prestação de serviços, pequeno comércio, comércio ambulante, administração civil e militar, população pobre e livre, e claro, o negro escravo”46 que antes era de uso exclusivo da empresa monocultora rural. Como frisa Ribeiro, “é só nas regiões mineradoras que se implanta uma verdadeira rede urbana independente da produção agrícola, contando com uma ponderável camada intermediaria de modos de vidas citadinos”47. Para
46 MARICATO, Ermínia. Habitação e Cidade. São Paulo: Atual, 1997. 47 RIBEIRO, Darcy. O povo brasileiro: evolução e sentido do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1995. p. 196.
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do pais, que os centros urbanos ganham algum destaque. Isso se deve ao
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imagem 15: Antigo Porto de Vitória, importante porto de escoação da produção do Estado. Escoação principalmente do açúcar e do café.
tanto, a mineração também foi decisiva pois trouxe um contingente de mais de 300 mil pessoas, nos sessenta primeiros anos, para uma região anteriormente inexplorada, incorporando os territórios de Minas Gerais, Goiás e Mato Grosso
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à vida e à economia política48.
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48 RIBEIRO, Darcy. O povo brasileiro: evolução e sentido do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1995. p. 152. 49 Segundo Oliveira, por muitos anos, os administradores portugueses e seus delegados no Brasil estiveram convencidos de que qualquer ataque estrangeiro, dirigido contra as jazidas das minas gerais, teria o Espírito Santo como base de desembarque, daqui marchando em direção àqueles centros. OLIVEIRA, José Teixeira de. História do Estado do Espírito Santo. Vitória: Arquivo Público do Espírito Santo, 2008. P. 185.
Junto dessas consequências, a cidade do Rio de Janeiro, agora capital da América portuguesa, passa a crescer como o Porto das Minas, e, ao Espírito Santo, como bem se sabe, coube a função de proteger a região aurífera dos esperados contrabandos, principalmente, pelo leito do Rio Doce. Com isso, o Espírito Santo se torna, por longos anos de domínio da produção aurífera, região habitada somente por militares a fim de impedir o escoamento ilegal do ouro das minas gerais e também, a fim de proteger a nova descoberta. Tornamos, portanto, por longos anos, a “barreira verde”49. Com essa decisão, se impedia, inclusive a ligação por terra do Espírito Santo às Minas Gerais. Tal
feito só acontecerá somente em 1820, com o Governo de Francisco Alberto Rubim. A consolidação das atividades urbanas sofre influência significativa em 180850. De um dia para o outro, aportam à Bahia e ao Rio de Janeiro quase 20 mil portugueses, dentre eles, o próprio Rei de Portugal dom João VI. O monarca, ainda trouxe consigo o melhor da burocracia portuguesa que a partir daí, necessitaria também, da mão de obra escrava para as suas regalias urbanas. Em 1774/1775, alguns anos antes da decadência do extrativismo
50 Para ler mais sobre o episódio da vinda da família real portuguesa ao Brasil, ler: GOMES, Laurentino. 1808 – Como Uma rainha louca, um príncipe medroso e uma corte corrupta enganaram Napoleão e mudaram a História de Portugal e do Brasil. São Paulo: Editora Planeta do Brasil, 2007. 51 OLIVEIRA, José Teixeira de. História do Estado do Espírito Santo. Vitória: Arquivo Público do Espírito Santo, 2008. p. 227. 52 Ibid., p. 185.
aurífero, a população do Espírito Santo era calculada em 7.773 almas51. E ao começo dos anos 1700, Oliveira assinala “que já era considerável a escravatura africana no solo capixaba”52. Fato curioso, que com o fechamento do ciclo do ouro em 1780, o recenseamento daquele ano contabiliza a população do
imagem 16: Vista do Centro de Vitória durante a década de 30. Perceba o Palácio Nestor Gomes no canto superior direito da imagem.
O Cenário Antropológico
Espírito Santo em 15.600 almas. O dobro dos cinco anos anteriores.
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Ao longo desses anos, o Espírito Santo mantinha sua subsistência voltada para a agricultura. Os produtos de destaque eram cana-de-açúcar, mandioca, algodão, milho, café, feijão e arroz. Enquanto isso, os centro urbanos das zonas auríferas já se compunham de “funcionários, escrivães e meirinhos, militares e sacerdotes, que também eram os únicos educadores, e, os negociantes”53. Orgulhosos de suas poses, de seu isolamento rural e convictos de sua superioridade social, os Senhores Rurais consideravam, exceto a alta hierarquia civil e eclesiástica, toda a população “de segunda classe”. Uma camada intermediária era composta de brancos e mestiços livres, paupérrimos, que procuravam sobreviver à sombra dos ricos ou remediados. Essa gente servia devotamente, sem qualquer salario, a cada
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fazendeiro ou comerciante a troco dos favores que recebiam e viviam. Alguns
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53 RIBEIRO, Darcy. O povo brasileiro: evolução e sentido do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1995. p. 196. 54 Ibid., p. 196. 55 Segundo carta de Inácio de Monjardim em OLIVEIRA, José Teixeira de. História do Estado do Espírito Santo. Vitória: Arquivo Público do Espírito Santo, 2008. p. 249. 56 Segundo Oliveira, na passagem do Século o café e a cana-de-açúcar monopolizavam, quase, o esforço da população rural, seguindo-se-lhes a mandioca. Aponta ainda que mais de metade da população de Cachoeiro de Itapemirim emprega-se na cultura do cafeeiro. OLIVEIRA, José Teixeira de. História do Estado do Espírito Santo. Vitória: Arquivo Público do Espírito Santo, 2008. p. 419.
artífices autônomos, segundo Ribeiro, trabalham sob encomenda, em sapatos de couro, como ferreiros e mecânicos ou nos ofícios ligados às construções. Por fim, “abaixo vinha a criadaria escrava destinada a abrilhantar a posição dos ricos e remediados, carregando a eles próprios e a seus objetos e dejetos, amamentando os recém-nascidos, servindo-lhes, enfim, de mãos e de pés”54. A fim de comparação, o número de escravos na vila da Vitória ainda em 1789. Das 22.493 almas habitavam o Espírito Santo. Na Vila da Vitória 2.327 almas eram livres para 4.898 escravas55. Com a decadência do ouro, o café passa a ser o produto de destaque da economia nacional. Como frisado anteriormente, em 1851 o café já se tornara, também para o Espírito Santo, o principal produto de exportação. Toda a escoação da produção era feita pelo porto de Vitória. Com a proibição do tráfico negreiro em 1850, se inicia o processo de importação de mão de obra
barata europeia, que viria a ser peça chave para a proliferação dos campos do café no interior do Espírito Santo. Com o impulso da produção cafeeira56, Vitória, enclausurada entre o mar e a montanha, planeja seu crescimento com sucessivos aterros, em nos anos posteriores. Com o número substancial de negros cativos na capital e já com os pressupostos da alteração do sistema de trabalho advento com a Revolução Industrial, no fim do Século XIX o trabalho escravo é abolido. Toda a população negra e agora livre, sem nenhum amparo pós abolição da escravidão, ocupa a região periférica da cidade, em busca, principalmente de moradia. Eles ocupam inicialmente os morros contíguos ao centro urbano, hoje áreas compreendidas pelo morro da Piedade, Fonte
imagem 17: Região do Morro Grande, ao fundo a Baía de Vitória. A região do Morro Grande compreende mais de 10% da população da Cidade distribuídas em 8 comunidades.
O Cenário Antropológico
1830, 1860 e, com o Novo Arrabalde, projeto datado de 1896, mas finalizado
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Grande e Moscoso. Novas áreas de expansão são previstas no já mencionado Novo Arrabalde, mas sua ocupação só acontece nos anos 1930 e 1940. O projeto aumenta em torno de cinco vezes a área de ocupação da cidade. A ocupação da área se intensifica com a vinda de grandes indústrias para o Estado, principalmente com a política desenvolvimentista a
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partir dos anos 50 e 60. Nessa etapa, um contingente ainda maior de negros
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57 Berenstein traz o surgimento do termo favela. O morro da Favella, hoje morro da Providência foi a primeira aglomeração urbana desses moldes. Segundo Berenstein, dessa favela é que foi difundido o nome Favella para o conjunto de aglomerações semelhantes da cidade (e, em seguida, de todo o país). A palavra favela só passa de nome próprio para substantivo (com f minúsculo e sem um l) nos jornais, a partir de 1920. Na sua acepção original, favela denomina uma planta existente no Sertão, que deu seu nome a um morro – da Favella -, ponto estratégico dos soldados que lutaram em Canudos (Ver Os Sertões, de Euclydes da Cunha). Esses soldados, ao voltar para a capital (Rio de Janeiro), vão ocupar o morro da Providência (em 1897) e passam a chamar esse morro de morro da Favella, em alusão àquele de Canudos. Ver JACQUES, Paola Berenstein. Estética da ginga: a arquitetura das favelas através da obra de Hélio Oiticica. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2003. p. 18. 58 RIBEIRO, Darcy. O povo brasileiro: evolução e sentido do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1995. p. 204.
ex-escravo vindos das fazendas ociosas do Norte do Estado e do Sul da Bahia ocupa a região periférica, agora, do Novo Arrabalde. Além de proporcionar o esvaziamento do centro da cidade por ventura da crise do café, proporciona a ocupação desordenada dos morros periféricos. É o caso do Morro Grande, morro periférico inserido na região do Novo Arrabalde, que compreende os bairros de Jaburu, São Benedito, Itararé, da Penha entre outros. Hoje, essa região é ocupada principalmente por negros que, à época, com a alteração do sistema de trabalho não obtiveram acesso a moradia e se fixaram. Mas recentemente, ocuparam também regiões ribeirinhas, em aterros sobre o mangue e sobre arrecifes na região da chamada Baía Noroeste, como exemplo a região da Grande São Pedro. Hoje, essas regiões são habitadas por uma população urbana própria, segregada pela burocracia urbana aonde encontram soluções para seus maiores problemas. “Aprendem a edificar favelas57 nas morrarias mais íngremes fora de todos os regulamentos urbanísticos, mas que lhe permitem viver juntos dos seus locais de trabalho e conviver como comunidades humanas regulares, estruturando uma vida social intensa e orgulhosa de si”58.
A Problemรกtica
2 A Problemรกtica
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2.1 A Terra, o Trabalho e a Arquitetura A terra é a grande provedora de todos as matérias primas necessárias ao homem. Sem a terra, o homem, ao longo da história, não teria alcançado o atual estágio de desenvolvimento social e econômico. Em momentos determinados da sua evolução, o homem desvendou segredos que lhe fizeram capaz de desenvolver a técnica de domesticação dos recursos da terra e da natureza. Em um desses momentos, por exemplo, o homem passa a domesticar plantas e animais. Nesta etapa, ele já tem capacidade de criar seus próprios utensílios para sua sobrevivência e reprodução enquanto espécie e sociedade. Tais avanços proporcionaram a possibilidade do homem deixar sua antiga postura nômade e se “enraizar” ao solo. Com as técnicas conhecidas é possível tratar a terra e manejá-la para renovar suas matérias-primas mais básicas e daquela mesma terra sobreviver. Não tardaria o homem, com o “dominar”59 dos segredos da natureza, edificar suas primeiras estruturas rudimentares em tijolos crus, pedra e madeira para o abrigar das intempéries. Essas pequenas edificações eram destinadas, portanto, ao abrigo das necessidades mais básicas do homem.
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Em diferentes escalas e proporções, o homem se enraizou na terra e a partir dai
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59 Artigas diz que o fazer é dominar a natureza, descobrir os seus segredos, fruir de sua generosidade e interpretar as suas frequentes demonstrações de hostilidade. ARTIGAS, João Batista Vilanova. O Desenho. 1967. In: ARTIGAS, João Batista Vilanova, 1915-1985. Caminhos da Arquitetura. São Paulo: Cosac Naify, 2004. p. 109.
pode dar continuidade ao seu processo de “evolução” histórica e alcançar níveis complexos de sociedade como encontramos hoje. A partir daí, a arte da construção, independente do uso a que ela é destinada, passa a estar intrínseca à própria condição humana. O homem constrói seu abrigo coletivamente desde os primórdios da sua existência. Para isso, desenvolveu técnicas que foram absorvidas da terra como recurso
único. Portanto, arte da construção “faz parte do conhecimento popular quase espontâneo que todos herdam, simples prática compatível com nenhuma especialização”60. Construir é instinto do homem. Essa é uma tese, como veremos, que é alvo deste trabalho de graduação. Ele usa dos recursos da terra, com os utensílios criados com a evolução da sua técnica, para edificar seus abrigos. O faz, portanto, com o uso da sua própria força de trabalho. Trabalho, em sua conceituação primeira, é a aplicação das forças e faculdades humanas para alcançar um determinado fim.61 Aqui, nos atentaremos ao trabalho despendido para a edificação dos espaços destinados aos abrigos do homem. Logo, a arte do construir, tão ancestral quanto o próprio homem, é dividida aqui, a título de entendimento, em quatro etapas básicas62 de evolução e complexidade. Essas etapas, reeditadas da proposta primeira de Elvan Silva (1991), mostram a relação e interação da obra (enquanto objeto construído destinado ao abrigo do homem) com os agentes envolvidos na sua em primeiro lugar, principalmente, a divisão social do trabalho, e, não menos importante, a transformação da terra e do abrigo em mercadoria. Essa etapas, apesar de em uma linha cronológica apresentar as mudanças do sistema econômico evidenciando seus agentes, mostra-se atemporal, a partir do momento que em um único cenário antropológico podem haver uma ou mais etapas da evolução construtiva convivendo paralelamente. Os agentes usados aqui à título de entendimento são os seguintes: Usuário (U), que é aquele que pleiteia seu abrigo independente do uso ao qual é destinado. Construtor (C), que é aquele que usa da sua força de trabalho e dos seus meios
60 FERRO, Sérgio. A Produção da casa no Brasil. 1969. In: FERRO, Sérgio. Arquitetura e Trabalho Livre. Org: Pedro Fiori Arantes. São Paulo: Cosac Naify, 2006. P. 62. 61 Trabalho. (1988). Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa (p. 642, 1 ed.) 62 Elvan Silva enumera as quatro etapas como sendo: a sociedade primitiva, a sociedade intermediária, a sociedade organizada e a sociedade complexa. Para ler mais SILVA, Elvan. Uma Introdução ao Projeto Arquitetônico. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 1983.
A Problemática
edificação. Essas etapas refletem transformações da sociedade e evidenciam:
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de produção para executar a obra pretendida. Arquiteto (A), que é aquele que pensa e projeta a obra pleiteada pelo usuário. Ele escolhe a melhor técnica e os materiais adequados para que a obra seja construída pelo construtor. Empreiteiro (Em), que é aquele que, em determinado momento, detém os meios de produção e executa a obra pleiteada pelo usuário. Contudo, apesar de deter os meios de trabalho, ele terceiriza a mão de obra. Como é o detentor dos meios de produção, faz o papel também de gestor do lucro. Operário (Op), que é aquele que a serviço do empreiteiro, executa a obra segundo suas ordens para agilizar o processo da construção. Burocracia (B), que é a estrutura que se insere como entidade gestora da unidade urbana ao qual se insere a obra pretendida. Ainda existe a figura do Modelo Arquitetônico (MA) e da Obra (O). O Modelo ou Modelo Arquitetônico é o vislumbre da Obra. É a vontade de construir transformada em algum modo de expressão subjetiva ou não.
2.1.1 O Usuário-Construtor Nesta etapa do processo histórico, o construtor é ao mesmo
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tempo usuário da obra. Usa do seu conhecimento técnico e da sua própria força
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63 O liberalismo econômico ditado pela Revolução Industrial coloca o raciocínio: o individualismo é útil para a sociedade. Quando uma pessoa busca o melhor para si, toda a sociedade é beneficiada. 64 A palavra Mutirão ainda tem origens no Tupi-Guarani que significa ajutório coletivo para fins comuns. 65 FERRO, Sérgio. A Produção da casa no Brasil. 1969. In: FERRO, Sérgio. Arquitetura e Trabalho Livre. Org: Pedro Fiori Arantes. São Paulo: Cosac Naify, 2006. P. 62.
de trabalho e sua concepção “arquitetônica” para construir sua própria morada. Ele faz sozinho, em circunstâncias mais recentes63, como veremos mais à frente, ou em coletivo, com a ajuda de seus companheiros, no que conhecemos de regime de mutirão64. A obra era realizada com os materiais disponíveis no momento, contando com a técnica adquirida unicamente no construtor. A técnica utilizada, como sugere Sérgio Ferro, “mais do que aprendida, é vista, vivida, absorvida por contínua vizinhança”65. Este construtor-usuário tem uma relação estreita com a terra
pois é dela que tirará a matéria prima para a construção da sua obra. E dela também, nesta etapa, que o homem tira basicamente todo o seu sustento, desde o matéria prima para construção, o alimento até os medicamentos em tempos
esquema 01: Relação da produção do edifício na ótica do usuário construtor. (MA) Modelo Arquitetônico, (UC) Usuário-Construtor e (O) Obra.
de enfermidade. É assim que construíam seus abrigos os primeiros habitantes que foram encontrados quando da vinda dos portugueses à terras brasileiras e africanas.
MA
UC
O
Apesar de ser a primeira etapa dessa evolução, esse sistema de produção hoje é encontrado n`Os Sertões e n`A Cidade de Lata paralelamente com outros sistemas, como veremos. É encontrado ainda, em escala considerável, nos resquícios rurais e já nos pequenos aglomerados “informais”66 dos centros urbanos d`O Canaã. Abrange atualmente, principalmente as localidades aonde consolida-se a segregação territorial. É nessas regiões que, sem acesso a terra e a moradia, o índio, o negro, o mestiço e o branco pobre constroem seu próprio cidades contemporâneas: habitação. Ainda nesta etapa, uma vez que o usuário, ou seja, o interessado na execução do abrigo e o construtor são a mesma pessoa, não há intermediários entre o modelo imaginado e a obra construída. O próprio homem imagina o
66 Usa-se aqui o termo informal para destoar da formalidade da cidade antiga e institucional.
A Problemática
abrigo sanando, momentaneamente, uma das maiores problemáticas das
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que irá construir, e o faz em seguida, usando seu próprio conhecimento, suas próprias técnicas e ferramentas. Ainda podemos falar sobre o pertencimento adquirido do usuário-construtor com a obra acabada. Ele, o construtor, imagina a obra (modelo) nos seus mínimos detalhes, dos materiais que usará, das ferramentas que necessitará e a executa. Como a obra servirá para sua própria utilização, e despende sua própria força de trabalho para isso, o construtor cria o devido pertencimento com o abrigo.
2.1.2 O Sedentarismo Colonial Seguinte á etapa anterior, resolvemos chamar esta etapa de sedentarismo colonial. É quando acontece uma considerável ruptura: o usuário não é mais o construtor. Alguns fatores consideráveis influenciaram nesta ruptura. Com a acumulação de inovações técnicas que “ampliaram o avanço da sua tecnologia”, pode-se pleitear alterações institucionais nos modos de produção e nas formas de distribuição dos produtos do trabalho. Darcy Ribeiro
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destaca, dentre outras, duas questões importantes que se desenrolam nesta nova
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67 RIBEIRO, Darcy. O Processo Civilizatório: estudos de antropologia da civilização. Petrópolis: Vozes, 1983. p. 75. 68 Vale lembrar, como cita Darcy, que índios e negros já usavam da escravidão de outros indivíduos em suas sociedades. Para ler mais: RIBEIRO, Darcy. O povo brasileiro: evolução e sentido do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.
etapa sociocultural humana: o escravismo e a propriedade privada da terra. “Dentro de algumas dessas sociedades de tecnologia avançada, os prisioneiros de guerra já não são sacrificados nos cerimoniais de antropofagia ritual, mas apresados como trabalhadores cativos, surgindo, desse modo, o escravismo. A presença de escravos tomados a outros povos e despersonalizados para serem possuídos com instrumentos de produção afeta profundamente todo o modo de vida dessas sociedades, que deixam de ser igualitárias, ao mesmo tempo que se transformam em comunidades multiétnicas caracterizadas pela polarização
de escravos em contraposição a senhores e em competição com os trabalhadores livres”67 68. Logo, com tais avanços, o homem passa progressivamente a viver em sociedades de classes, assentadas na propriedade privada ou em outras formas de apropriação e de acumulação do produto do trabalho social. Portanto, relações que antes eram feitas com base em graus de parentesco começam a ser condicionadas ou determinadas por ordens econômicas. A partir daí o homem se viu no desafio de “regular a distribuição, dentro da comunidade” dos excedentes de bens que se tornara capaz de produzir. Com isso, Darcy pontua o que será decisivo para a advento para a próxima etapa: O esforço de por enfrentar tal desafio “é que induz, a certa altura, o aparecimento da especialização ocupacional e de formas mais altas de troca de bens e de serviços, bem como o contingenciamento da força de trabalho e, com elas, a diferenciação progressiva dos indivíduos por categorias definidas segundo o seu papel e o seu lugar na produção. Surgem, assim, as classes sociais, diferenciando os produtores das camadas parasitárias de apropriadores dos excedentes produzidos”69. É nessa transição que se coloca o trabalho como regulador da vida social em detrimento à outras manifestações culturais. Vai-se além quando a propriedade individual de bens, que progressivamente, com o aumento da capacidade produtiva até por fazerse, segundo Darcy Ribeiro, o principal sistema de ordenação da vida social. Em relação à expansão da propriedade individual de bens Darcy arremata: “acaba por abranger os próprios agentes da produção, os animais de tração, os
69 RIBEIRO, Darcy. O Processo Civilizatório: estudos de antropologia da civilização. Petrópolis: Vozes, 1983. p. 76. 70 Ibid., p. 76.
A Problemática
geria originalmente os produtos do trabalho de cada indivíduo se estende,
61
trabalhadores escravizados e, finalmente, a condição básica da produção agrícola, que é a terra”70. Neste cenário de ruptura, o usuário através de comunicação, contrato, ou até mesmo por subjugo, caminho aberto com o advento do escravismo, coloca ao construtor sua necessidade de edificar seu abrigo. O usuário vislumbra um modelo que deseja ser construído e o construtor captando todas as informações, executa a obra. Note que nesta etapa surge a presença de um modelo intermediário entre o que é imaginado pelo usuário, o que é concebido e do que é efetivamente construído pelo construtor. Essa fase de “desenvolvimento” sociocultural possibilita, tanto o contingenciamento da força de trabalho com o escravismo, quanto a privatização da propriedade da terra. Isso gera a ruptura das figuras do usuário e do construtor aonde um desses passa a não mais deter a técnica para construir. Seja por conta de sua posição social elevada que o permite ter escravos para tal, ou seja por conta da própria alteração da economia que possibilitou o surgimento de prestação de serviços relacionados à construção. Darcy Ribeiro ainda lembra bem, que em determinado momento, cai-se na “necessidade de desenvolver princípios integradores capazes
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de dar unidade social e coesão moral a suas populações divididas em estratos
62
sociais profundamente diferenciados e contrapostos, a fim de torná-las entidades políticas unificadas e operativas”71. Darcy arremata:
71
RIBEIRO,
Darcy.
O
Processo
Civilizatório: estudos de antropologia da civilização. Petrópolis: Vozes, 1983. p. 76.
“A fonte básica desta coesão social foi encontrada nas velhas tradições religiosas, que para isso tiveram de ser redefinidas, a fim de resignar o pobre com sua pobreza e também com a riqueza dos ricos, a todos permitindo viver e interagir e encontrar gosto e significação
esquema 02: Relação da produção do edifício com a separação do usuário e do construtor. (MA) Modelo Arquitetônico, (U) Usuário, (C) Construtor e (O) Obra.
MA
MA
U
C
O
para suas existências tão contrastantes”72. Portanto, agora além de apenas “corpos eruditos” que explicavam a condição e o destino humano, as entidades religiosas passam a ser “corpos técnicos” que orientam e ditam o trabalho. Essa é a questão que se depara e será fator importante na próxima etapa da evolução.73 Esse sistema de trabalho encontrado nessa etapa, como dito, é atemporal e coexistem também em vários do Cenários Antropológicos. Uma vez que o homem das cidades de hoje não detém mais a técnica, cabe a ele recorrer ao construtor que detenha conhecimento técnico na arte da construção. N’O Canaã e n’A Cidade de Lata esse sistema de trabalho acontece quando usuário não detém a técnica da construção, mas pode arcar com o serviço que é prestado diretamente pelo construtor. O sistema ainda pode ser encontrado n’O Arrabalde em suas regiões
2.1.3 O Advento Urbano Em uma etapa mais avançada, tem-se outra ruptura decisiva no processo sociocultural vinculado à construção. A figura do construtor, que ora
72 RIBEIRO, Darcy. O Processo Civilizatório: estudos de antropologia da civilização. Petrópolis: Vozes, 1983. p. 76. 73 Outros fatores também podem ser inseridos.
A Problemática
centrais e periféricas aonde se perdeu o cotidiano com a arte do construir.
63
era o único intermediário entre o usuário e a obra, se divide e entra em cena a figura do Arquiteto74. Com a influencia das tradições religiosas assinaladas na etapa anterior, o próximo passo dado vai ser decisivo no que diz respeito à codificação do saber tradicional. “Mais tarde, compendiam e codificam todo o saber tradicional, ajustando-o as novas necessidades, mas tentando fixa-lo para todos os tempos. Este caráter conservador era inarredável à sua posição de guardiães de verdades reveladas, cuja autoridade e cujo poder não se encontravam neles, mas nas divindades a que eram atribuídas”75. Portanto, os especialistas no trato com o sobrenatural ganham importância dominante. Passam a se organizar em corpos burocráticos e “institucionalizam em igrejas a antiga religiosidade coparticipada”76. Estes espaços se transformam em agências de ordenação da sociedade e demandavam edificações de magnitude crescente. Esse desencadeamento sociocultural é característica importante para a ruptura aqui apresentada. Com ela dois desdobramentos são cruciais. Primeiro, o que,
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diretamente, faz surgir a figura do Arquiteto no processo da construção. Com
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74 Elvan Silva usa o termo Projetista. Decidiu-se usar o termo Arquiteto para retratar a profissão exclusiva, afinal, como queremos mostrar, todos, que constroem, são projetistas. 75 RIBEIRO, Darcy. O Processo Civilizatório: estudos de antropologia da civilização. Petrópolis: Vozes, 1983. p. 76. 76 Ibid., p. 76.
necessidade de se edificar templos grandiosos para ordenar a vida social, surge, a figura do Arquiteto que imaginará a obra ao qual será construída por outros, sob sua supervisão. E em segundo, a necessidade de aliciar temporariamente a massa de trabalhadores do campo para trabalhar nessas edificações e desgarrar massas rurais cada vez maiores para o meio urbano. Isso causa mudanças sem precedentes na vida urbana.
Em um primeiro momento, portanto, os usuários da edificação são as instituições religiosas que deixa ao arquiteto a função de conceber a obra que será construída. Ele faz de uso da técnica acumulada para resolver da melhor maneira as situações apresentadas. Mas ainda assim, o arquiteto, chamado também de master builder77 detinha todos os conhecimentos das técnicas construtivas, seus materiais, ferramentas e mecanismos. É no Renascimento, portanto, que ocorre o surgimento e apogeu do arquiteto master builder. Ele lidera todas as etapas do processo da construção do objeto por vários meios: na concepção do modelo arquitetônico, na organização dos processos de produção, na invenção de novas ferramentas e mecanismos, aprimoramento dos materiais de construção e na sua utilização. Com isso, o arquiteto passa a comandar duas frentes essenciais da construção. A da força de trabalho e a da sua concepção “arquitetônica” e construtiva. Comanda a força de trabalho com o aprimoramento dos materiais de construção e de sua utilização. Comanda, enfim, a tecnologia da construção. Para ilustrar, Sérgio lembra como se difundiu o uso do cimento na construção civil. Este material foi inserido para responder à revoltas sindicalistas da construção civil que na França paravam frequentemente os serviços. Com este material plástico de fácil manuseio não era necessário nem a figura do pedreiro nem do carpinteiro, distanciando, como veremos, ainda mais o construtor do do objeto. É atribuído a ele, que já detém a tecnologia, a concepção do objeto, que com suas ideias e com sua carga técnica acumulada escolhe os materiais e todos os pormenores da obra a ser construída. É no Renascimento também, como diz Artigas, que surge um
77 ARANTES. Pedro Fiori. Arquitetura na era digital-financeira: desenho, canteiro e renda da forma. São Paulo: Ed. 34, 2012.
A Problemática
objeto. O Arquiteto comanda ainda a concepção “arquitetônica” e construtiva
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novo instrumento que dará unidade à grande “tensão entre arte e técnica”. Artigas nos lembra ainda que na “luta que o homem vem travando com a natureza, a técnica e a arte caminham juntas, quando não se confundem”78. Lembra-nos ainda que o grafismo paleolítico, a origem do desenho, nossa linguagem, certamente nasceu antes da linguagem oral. O desenho, aqui já em seu “sentido moderno”79 é o que reuni arte e técnica. “No Renascimento o desenho ganha cidadania. E se de um lado é risco, traçado, mediação para expressão de um plano a realizar, linguagem de uma técnica construtiva, de outro lado é desígno, intenção, propósito, projeto humano no sentido de proposta de espírito. Um espírito que cria objetos novos e os introduz na vida real”80.
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É notório o surgimento do desenho moderno pois, como
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78 ARTIGAS, João Batista Vilanova. O Desenho. 1967. In: ARTIGAS, João Batista Vilanova, 1915-1985. Caminhos da Arquitetura. São Paulo: Cosac Naify, 2004. p. 109. 79 ARANTES. Pedro Fiori. Arquitetura Nova: Sérgio Ferro, Flávio Império e Rodrigo Lefèvre, de Artigas aos mutirões. São Paulo: Ed. 34, 2002. p. 10. 80 ARTIGAS, João Batista Vilanova. O Desenho. 1967. In: ARTIGAS, João Batista Vilanova, 1915-1985. Caminhos da Arquitetura. São Paulo: Cosac Naify, 2004. p. 112. 81 ARANTES. Pedro Fiori. Arquitetura Nova: Sérgio Ferro, Flávio Império e Rodrigo Lefèvre, de Artigas aos mutirões. São Paulo: Ed. 34, 2002. p. 11.
diz o mesmo Artigas, ele surge como mediação necessária entre modelo arquitetônico e a obra construída. Claro, tornou-se necessário a formalização de um instrumento que intermediasse o Modelo Arquitetônico do saber técnico e construtivo. O desenho então, se traduz como a codificação do saber técnico. E isso, simultaneamente, constitui a própria constituição moderna da figura do arquiteto “desenhador”. Ele é “figura única capaz de determinar, independente dos demais trabalhadores, o sentido da obra”81 construída. Portanto, essa uma das prévias da etapa seguinte. Com o aparecimento do Arquiteto como mais um agente intermediário, o construtor se distancia cada vez mais da Modelo Arquitetônico. Nesta etapa, como se vê, não se insere a figura da Burocracia. Por conta disso esta etapa não se insere em nenhum dos Cenário Antropológicos
atuais. A referida etapa se deu nas grande obras religiosas, militares e de infra estrutura urbana que se desencadearam ao longo da evolução sociocultural. Hoje, aonde não há a necessidade de intermediação da Burocracia, não se faz o uso da figura do Arquiteto. Nessas situações, se faz uso da construção segundo as etapas anteriores. Vide Os Sertões, A Cidade de Lata e a porção “informal” d’O Canaã. Ali não existe a figura do Arquiteto, e por conseguinte, não há a presença da burocracia. Nesses lugares o arquiteto só entra em cena quando demandado pela burocracia ou, como veremos, em projetos específicos em duas frentes. Com a arquitetura pública nos grandes projetos de infra estrutura e de qualificação urbana etc. Ou nas atuações pontuais de grupos de arquitetos que com financiamentos curtos conseguem inserir a profissão de arquitetura nesses espaços esquecidos. Trataremos desses temas com mais pertinência no próximo capítulo.
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A Problemática
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esquema 03: Relação da produção do edifício com a inserção do Arquiteto. (MA) Modelo Arquitetônico, (U) Usuário, (A) Arquiteto, (C) Construtor e (O) Obra.
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2.1.4 A Complexidade da Máquina Seguinte a etapa anterior, a Complexidade da Máquina retrata uma série de rupturas. Como já visto, é dado pela quantidade de acúmulo tecnológico adquirido pelo homem no seu processo sociocultural. A etapa anterior mostrou a inserção do arquiteto na cadeia de produção do edifício e tem no Renascimento o evento que marca sua consolidação. A partir daí, temse na Revolução Industrial o evento que instaura alguns outros agentes nessa cadeia. A Revolução Industrial é marcada pelo acúmulo tecnológico que traz uma séries de inventos mecânicos à disposição do homem para acelerar a sua produção de bens. Isso “permite multiplicar fantasticamente a produtividade do trabalho humano”82. Darcy lembra que a Revolução Industrial não só se expande como uma “difusão de novos conhecimentos livremente adotáveis”, mas também como uma reordenação de povos e nações. Situa os pioneiros da industrialização em posição superior de domínio e riqueza, enquanto que conduz todos os demais à subordinação dentro dos “vastos complexos de nações dependentes e exploradas”. Portanto, é o começo de uma estrutura econômica nitidamente universal, que
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não tardaria a atingir a todos os povos da Terra, envolvendo agora cada nação
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e cada indivíduo em suas formas compulsórias de integração. A avançada etapa de evolução sociocultural de alguns grupos e nações os colocam à frente de outros grupos em estágio menos avançados 82 RIBEIRO, Darcy. O Processo Civilizatório: estudos de antropologia da civilização. Petrópolis: Vozes, 1983. p. 149.
socioculturalmente. Isso se dá pelo enriquecimento de uma nova burguesia urbana ensejada pela restauração do sistema mercantil europeu, pela apropriação dos bens eclesiásticos tornada possível pela Reforma Protestante,
pelo confisco dos baronatos feudais e dos direitos comunitários do campesinato. Darcy ainda lembra que esta acumulação de recurso eleva-se ainda com a riqueza proveniente do saque colonial, da exploração maciça do escravismo e da monetarização de suas economias. É o fato que se narra na primeira parte deste trabalho. Para tanto, vale lembrar que a Revolução se implanta primeiro em locais aonde se atenderam as exigências de renovação estrutural imposta pela revolução mercantil. Principalmente aonde “desobstruiu resistências oligárquicas à alteração do status quo”83. Essas condições estavam amadurecidas principalmente na Inglaterra e nos Estados Unidos84 e de forma mais rudimentar na França e na Alemanha85. Eram praticamente nulas em outras partes da Europa e ainda constrangidas na Península Ibérica, berço das expansões ultramarinas. Ali, Darcy assinala que continuavam impregnados as estruturas oligárquicas fundadas no monopólio da terra e no caráter despótico de suas ordenações sociais. Em contrapartida, os “povos atrasados da história”, seriam atingidos de um jeito ou de outro pela nova ordem econômica e sociocultural. matérias-primas agrícolas e de minérios e, acima de tudo, consumidores dos novos produtos industriais. Esses grupos urbanos, com a nova estrutura econômica se desdobrando, tem a oportunidade de dedicar-se à exploração da nova fonte de riqueza apresentada pela aplicação de capital em sistemas fabris de produção em massa. A inserção da máquina, movida por novas formas de energia inanimada que não a humana, demandava uma alteração mais radical na
83 RIBEIRO, Darcy. O Processo Civilizatório: estudos de antropologia da civilização. Petrópolis: Vozes, 1983. p. 149. 84 Estados Unidos foi o primeiro pais das américas a Proclamar a Independência em 1776 com bases na revolução francesa. 85 França e Alemanha estiveram abertas à industrialização principalmente por conta da Revolução Burguesa e da Reforma Protestante, respectivamente.
A Problemática
Seriam nada mais nada menos do que “proletários externos” provedores de
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estrutura sociocultural. Com essas alterações, torna-se vantajosa a conversão de toda a mão de obra, inclusive a escrava, em força de trabalho assalariada. Logo, a Inglaterra enquanto berço da Revolução Industrial é um dos pioneiros à incentivar a abolição do trabalho escravo. Era necessário, inclusive, atuar com certa urgência nessa conversão de mão de obra para liquidar de vez as formas de produção artesanal, inviáveis à máquina, a fim de; primeiro, dar novas funções aos trabalhadores, e depois, faze-los mercados consumidores da indústria. No correr deste processo, tanto a produção industrial quanto a população urbana cresce num salto sem precedentes. Essa necessidade clara da expansão traz uma quantidade enorme de trabalhadores86 dos campos para a cidade num processo de êxodo rural. Como consequência, a máquina chega ao campo proporcionando ainda mais deslocamentos para a cidade. Vale lembrar que os triunfos da medicina nessa época também impulsionaram o crescimento demográfico das cidades, uma vez que diminuíram os níveis urbanos da mortalidade. A partir daí, os desdobramentos87 dessas novas condições políticas, econômicas e sociais, são
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assim narradas por Darcy:
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86 No caso do Brasil, para instaurar tal alteração no sistema de produção, foi necessário a vinda de grande número de imigrantes principalmente dos países aonde já se assolava o grande contingente populacional nos centros urbanos. Ver O Canaã. 87 Vale lembrar que Marx sugere que o capitalismo é uma consequência da industrialização, e não o contrário.
“Com base nesta nova tecnologia instalamse, pela primeira vez na história, sistemas autopropulsores do desenvolvimento econômico que acelerariam, de então por diante, os ritmos de produtividade do trabalho humano e de transformação da ordem social, intensificariam a urbanização das populações e propiciariam aumentos crescentes das disponibilidades de bens de consumo nas sociedades industrializadas e uma elevação continuada do seu poderio militar. Surgem, desse modo, os primeiros países “desenvolvidos” como economias capitalistasindustriais, cujo objetivo supremo e cuja condição de existência
passa a ser a expansão constante de sua riqueza e poder, através da elevação da produtividade do trabalho, da maximalização dos lucros e do domínio de mercados de escala mundial”88. Nesse panorama é que se inserem agora, os outros dois agentes que compõem as rupturas na cadeia de produção do edifício. Primeiro, as empreiteiras, que passam a atuar como detentoras dos novos meios de produção inseridos com a disseminação da máquina. E segundo, a burocracia, que, numa esfera política e econômica altera a estrutura de estados e nações em relação a produção e distribuição dos bens de produção. Portanto, a aparição desses novos agentes desmascaram as consequências inevitáveis da inserção da máquina na cadeia de produção do edifício. Em um dado momento, o construtor, detinha todas as etapas do processo de produção, manejando a matéria-prima e os utensílios necessários. Agora, com a inserção da máquina, ele perde o controle desse processo e passa a se subordinar agora ao patrão que detém os meios de produção. Com isso, o construtor perde a posse da matéria-prima, do produto e, principalmente perde a posse do lucro. Passa a fazer parte de uma cadeia aonde o único objetivo é produzir rapidamente para o crescente mercado consumidor. Com isso, de construtor passa a mero operário. A isso se dá o nome de divisão social do trabalho, uma das premissas do liberalismo econômico que marca a época. estrutura política das grandes nações imperiais escravistas para economias de mercado baseado nas teorias do liberalismo econômico que dominou a consciência industrial. Isso se desdobra, no caso do Brasil e em outras nações da América Latina em Repúblicas que “incorporam agora os valores positivistas de conhecimento técnico e racionalidade, refletidos no slogan: Ordem
88 RIBEIRO, Darcy. O Processo Civilizatório: estudos de antropologia da civilização. Petrópolis: Vozes, 1983. p. 152.
A Problemática
A burocracia, por sua vez, entra na cadeia quando altera a
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e Progresso”89. Com isso, a burocracia não tarda a instaurar projetos e intervenções urbanas para “limpar” a nova cidade republicana e acabar de vez com os resquícios do sistema econômico de base escravista. São projetos que visam dar uma resposta primeira à questão da superlotação dos centro urbanos e ainda, como diz Ermínia, “simbolizar essa nova fase da história e atrair o capital externo que a expansão do café requeria”, e ainda, com algum atraso, as indústrias nacionais. Não se pode esquecer, que mesmo com as alterações políticas advindas desse processo, a mesma elite agrária se mantem no poder e é que comanda tais intervenções, claro, com seus intermediários urbanos, intensificando a segregação territorial. Portanto, nessa etapa, o arquiteto, com a função de conceber arquitetonicamente os desejos do usuário, encontra nas empreiteiras, detentores dos meios de produção, o intermediário. O empreiteiro atribui a função da construção do objeto ao operário que, com sua força de trabalho e os meios de produção executa a obra pretendida. O arquiteto encontra ainda a burocracia, que com seu aparato regulador da terra urbana, estipula leis de zoneamento, de parcelamento do solo e ainda, os códigos de posturas e de obra, ao qual o
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modelo arquitetônico deve se adequar.
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Note portanto, que com a inserção desses novos agentes, há a inserção também de outros Modelos Arquitetônicos. Num primeiro momento, o usuário imagina a obra e o projetista a traduz em outro Modelo Arquitetônico. O empreiteiro por sua vez, interpreta o Modelo Arquitetônico do arquiteto, gerando um terceiro modelo. Ao operário, como se sabe, cabe 89 MARICATO, Ermínia. Habitação e Cidade. São Paulo: Atual, 1997. P. 26.
agora unicamente a função de operar os meios de produção e construir a obra
MA
MA
Cl
MA
A
MA
Em
OP
O
B em questão. Esse sistema de trabalho é encontrado e disseminado principalmente pel’O Arrabalde, aonde está inserida a cidade “formal”. Ainda encontramos essa etapa em uma pequena porção urbana d’O Canaã, que como já dito, se insere compulsoriamente ao novo sistema econômico. Portanto, essa realidade é totalmente ausente nos outros cenários antropológicos. N’A Cidade de Palha e n’Os Sertões ainda se faz uso de outros sistemas. Ali, por conta principalmente da segregação territorial, o construtor ainda tem a autonomia
esquema 04: Relação da produção do edifício com a inserção da empreiteira e alteração do usuário e do construtor em clientes e operários, respectivamente. Perceba também a inserção da burocracia moderna na figura dos aparatos regulatórios de exercício da profissão e do zoneamento urbanístico. (MA) Modelo Arquitetônico, (Cl) Cliente, (A) Arquiteto, (Em) Empreiteira, (Op) Operário e (O) Obra e (B) Burocracia.
de executar a obra ao qual lhe foi cabido. Primeiro que o arquiteto perde os conhecimentos da técnica construtiva, dos materiais e das ferramentas necessárias, mas não do conhecimento teórico. Isso agora cabe ao empreiteiro, que, detentor dos meios de produção, avalia qual a melhor solução para executar a obra. Para isso ele leva em consideração o
A Problemática
Nota-se com isso, duas características essenciais desse processo.
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custo das matérias, das técnicas e dos mecanismos que usará. Por estar inserido neste novo sistema que se baseia na propriedade da terra, na mercantilização da obra e do morar e no lucro, inevitavelmente ele escolherá o menos custoso. Mesmo que isso signifique abdicar do planejamento urbano. Ao mesmo tempo acontece o distanciamento ainda maior do construtor, aqui operário, com o objeto construído.
2.2 A Estrutura Política e o Poder Burocrático Entra em cena, como já visto, a figura da burocracia como agente regulador do desenvolvimento de uma nação, Estado ou até de uma empresa privada. É indispensável ao funcionamento dessas instituições, a partir do momento que gerem os elementos essências da sua manutenção e desenvolvimento. Portanto, como veremos, a burocracia não é apenas uma forma avançada e complexa de organização administrativa, com base nos métodos racionais e científicos oriundo da fase anterior, mas também uma forma de dominação “legítima”. No caso das organizações de caráter público, é
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a burocracia, através do seu vasto corpo de servidores públicos, que gere a vida
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social, econômica e política da nação. Para isso, cria aparatos regulatórios em todas as esferas imagináveis da vida sociocultural. Regras essas que refletem as aspirações momentâneas e hegemônicas das elites que compõem o poder, mas que evidentemente também aderem à pressões populares. Citamos como exemplo primeiro a questão da industrialização à que debatemos no capítulo anterior.
Eram colocados empecilhos à industrialização brasileira pois era o conveniente ao sistema político e econômico em vigor na ocasião colonial. Com a vinda da Família Real ao Brasil em 1808, de prontidão, houve a abertura dos portos nacionais ocasionando a entrada de produtos industrializados e das primeiras máquinas e das primeiras industrias fabris. Segundo Ermínia, as primeiras indústrias têxteis, apesar de mais de trinta anos da vinda da família real, se instalaram em Salvador ou arredores a partir de 184490. Portanto, a elite que compõem o sistema político desenvolve este aparelho burocrático justamente para manter seu poder e legitimidade e, claro, para servir de suporte para a sua autoridade. Para tanto, o sistema político através da sua burocracia dita até o sistema de trabalho que conduzirá a economia. Ora era necessário a manutenção da mão de obra escrava como única força de trabalho da incipiente economia rural, ora o trabalho assalariado se expande para abrir espaço a essas novas premissas da virada do século. Contudo, é a mesma elite que continua a cargo do sistema político. E veremos que esse panorama continua vigente até os dias atuais, claro, com algumas ressalvas. Com a entrada do Século XX, acontece uma reviravolta na estrutura política, econômica e social no Brasil. Com a Constituição Republicana, que fora inspirada na americana, pela primeira vez o voto é direto igreja são separados e o registro civil de nascimento e casamento é instituído91. Com isso, é construído o senso de democracia na nova etapa política do país. A luta pairava sobre maior representatividade política dos cidadãos, direitos e garantias individuais e ainda, a descentralização administrativa da máquina
90 MARICATO, Ermínia. Habitação e Cidade. São Paulo: Atual, 1997. p. 24. 91 Ibid., p. 26.
A Problemática
e universal, apesar de ainda não mencionar a mulher neste quesito. Estado e
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burocrática. Com isso, ao invés dos grupos majoritários de nível federais assumirem o comando da burocracia, grupos locais poderiam fazer com muito mais legitimidade. Apesar da estrutura política se alterar e dar abertura para o crescimento urbano brasileiro, na virada do Século XIX para o XX, 80% dos trabalhadores brasileiros ainda estavam no campo. Por volta de 13% estavam ligados ao setor de serviços, a maioria em empregos domésticos e 7% na indústria92. Esses números nos dão uma dimensão de como o setor rural ainda era dominante na economia brasileira93. É, portanto, sob o domínio absoluto do café que o crescimento urbano/industrial se propaga gerando uma sociedade mais diversificada, com o aparecimento da classe média que era formada por profissionais liberais, jornalistas, militares. Logo, as cidade não são apenas local das atividades administrativas, comerciais, financeiras e culturais da elite agrária. Com a indústria, os centro urbanos passam ser também local da produção. Com isso, a burocracia que ora estava voltada com exclusividade para a gestão da empresa rural, agora tem que se voltar às necessidades urbanas que afloram inéditas. O inchamento dos centros urbanos acarretou uma
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demanda urgente de moradia, transporte e de demais serviços urbanos. Essa
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população advinda do campo para os centro urbanos traz consigo uma outra realidade urbana a medida que ocupam esses grandes centros. Contudo, com as cidades sem estrutura física para comportar esse contingente, é evidente 92 MARICATO, Ermínia. Habitação e Cidade. São Paulo: Atual, 1997. p. 26. 93 O domínio das oligarquias rurais tem sua decadência marcada pela Revolução de 30.
e inevitável a concentração de pobreza, a ausência de saneamento básico, desemprego, fome, altos índices de criminalidade, as epidemias, a insalubridade e o congestionamento habitacional nos cortiços. Com isso, a burocracia instaura
projetos de “limpeza urbana” principalmente para atrair o capital estrangeiro e camuflar a cidade com seus embelezamento supérfluo. “Os imigrantes que não se dirigiram para a zona rural (ou dela fugiram para evitar o tratamento antes dispensado aos escravos), os escravos libertos e os trabalhadores brancos libre foram aos poucos se constituindo em uma massa urbana, que, por sua vez, passou a demandar produtos industriais para sua sobrevivência”94. Grandes projetos urbanos sanitaristas são encampados nas principais cidades do Brasil, seguindo a linha de raciocínio da reforma de Paris, executada pelo urbanista Barão de Haussmann, entre 1850 e 1870. Manaus, Belém, Porto Alegre, Curitiba, Santos, São Paulo, Rio de Janeiro e Vitória. Data desta época o grande projeto já citado do engenheiro Saturnino de Brito para um Novo Arrabalde para a cidade da Vitória. Além de sanar os problemas de saneamento e de higiene urbana, trata também de instaurar medidas que afastam os pobres, mendigos e negros das áreas centrais. Pressupunha a inexistência da pobreza mas gerando a segregação territorial que marcará o crescimento e o planejamento urbano brasileiro. Evidentemente que nesses processos de remoção forçada, o debate sobre o destino dessa massa trabalhadora não faz parte desses projetos de reforma urbana. século, Ermínia lembra que a maior contribuição dessa alteração tenha sido o desvinculamento da relação de favor e subordinação que marcara a força de trabalho no Brasil até então. Com isso, as primeiras greves de operários no começo do século XX mostram que agora, o Brasil chegara à era do operariado
94 MARICATO, Ermínia. Habitação e Cidade. São Paulo: Atual, 1997. p. 26.
A Problemática
Com a alteração do sistema de trabalho que marca a virada do
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urbano e do capitalismo industrial. Apesar disso, ainda mantem resquícios da situação colonial que iriam conviver com a nova ordem. Lembramos do café, que fora o “financiador” da industrialização no Brasil, sobretudo no Espírito Santo e na região sudeste. Com isso, percebe-se que a ênfase da industrialização continua sendo a agroindústria. Logo, se na cidade imperial os escravos viviam junto a seus proprietários e à terra, a cidade instaurada pela República separa o trabalho do ócio95. Além de expulsar os negros e brancos pobres para as periferias, várzeas, morros e regiões ribeirinhas, a cidade oculta o trabalho e segrega o trabalhador. Ermínia lembra outro fator que se consolida na nova realidade urbana brasileira: “Na base de toda a transformação estava o processo que torna as edificações uma mercadoria capitalista, apropriada de forma distinta pelas classes sociais ou grupos sociais. A propriedade privada da terra era a primeira condição para que alguém pudesse ter acesso a essa mercadoria. Ela não era suficiente”96. Portanto, a inserção das edificações e, por consequência, das cadeias de produção do edifício nos moldes da produção capitalista, ainda anda
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atrelado à um grande aparato regulatório para lhe dar legitimidade. Em frente
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ao crescimento constante da malha urbana, e ainda, das necessidades naturais do novo sistema econômico, cria-se uma complexa legislação que estabelece normas para a construção de edifícios na cidade. Os códigos de postura municipais, passam a regulamentar a construção e reforma de edifícios, com 95 MARICATO, Ermínia. Habitação e Cidade. São Paulo: Atual, 1997. p. 30. 96 Ibid., p. 26.
exigências de desenho técnico, responsável pela obra, posse legal do terreno dentre outras. Desta forma, a estrutura política, através da sua burocracia, que
se consolida com a alteração do sistema econômico, legitima duas questões já debatidas. Primeiro, a inserção do desenho como codificador do saber construtivo e ainda, da manutenção da propriedade privada da terra urbana como quesito mínimo para a construção de edifícios no meio urbano. Logo, os projetos de “limpeza urbana” da virada do século juntamente com as legislações impondo regras à construção no espaço urbano visavam, em duas frentes, construir a segregação urbana que será uma das características do planejamento urbano brasileiro. Esse aparato regulatório terá papel fundamental, como assinala Ermínia, na estruturação do mercado imobiliário. Coincidentemente, “a atividade empresarial imobiliária é regulamentada nos primeiros dias da República”97. Apesar das primeiras greves do operariado, a burocracia se renderia à causa somente décadas depois. É somente em 1935, com Getúlio, que algumas conquistas trabalhistas são encampadas. No ramo da habitação, “pela primeira vez se reconhecia oficialmente (com a ajuda das lideranças empresariais industriais) que o mercado privado não tinha condições de resolver ele sozinho o problema da moradia e que o Estado tinha a responsabilidade de fazê-lo”. Nos anos que vigoraram alguns planos, projetos e fundos habitacionais, contudo, não foram suficiente para resolver o problema da habitação. Como veremos essa situação permanece sem solução até os dias atuais. seu impulso inicial através de dois atos de guerra. O próprio Getúlio “impôs ao aliados, como condição de dar seu apoio em tropas e matérias-primas, a construção da Companhia Siderúrgica Nacional em Volta Redonda e a devolução das jazidas de ferro de Minas Gerais. Surgiram assim, imediatamente após a
97 MARICATO, Ermínia. Habitação e Cidade. São Paulo: Atual, 1997. p. 26.
A Problemática
Darcy lembra, que a moderna industrialização brasileira teve
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guerra, dois dínamos da modernização no Brasil. Volta Redonda como matriz da indústria naval e automobilística e de toda a indústria mecânica. A Vale do Rio Doce pôs nossas reservas minerais a serviço do Brasil, provendo delas o mercado mundial”98. A implantação dessas indústrias nacionais de base e com o capitalismo de Estado que inaugura ganhos trabalhistas provocou a maior reação por parte dos privatistas e dos porta-vozes dos interesses estrangeiros. Ia de encontro ao liberalismo econômico que pregava a obstrução mínima do estado no setor. Com isso, percebe-se que a burocracia instaurada pela estrutura política, agora global, serve de instrumento de manipulação econômica de outras estruturas mais elevadas na hierarquia mundial. Tanto é que, como lembra Darcy, quando Getúlio estava a beira de instalar a Petrobrás e a Eletrobrás, uma campanha uníssona de toda a mídia levou seu governo a tal desmoralização que ele se viu na iminência de ser enxotado do governo. Contudo, Getúlio venceu pelo próprio suicídio, que acordou o Brasil para o caráter daquela campanha e para os interesses que estavam atrás das grandes empresas detentoras do capital industrial. Em consequência, os lideres liberais da direita não conseguiram
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alcançar o poder e Juscelino Kubitschek, de centro-esquerda, foi eleito
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presidente. Ora, se nem mesmo Getúlio conseguiu qualquer investimento, JK abandona o capitalismo de Estado e atrai numerosas empresas internacionais para implantar subsidiárias no Brasil. Para isso, concedeu todo o tipo de subsídios, tais como terrenos, isenção de impostos, empréstimos e avais à 98 RIBEIRO, Darcy. O povo brasileiro: evolução e sentido do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.
empréstimos estrangeiros. Tanto foi, que o slogan pregado na época era: “50 anos em 5”. Dentre tanto projetos, Brasília, a capital ordenadora da nova vida
social urbana brasileira. Com as heranças da dívida externa ocasionada pelo desenvolvimentismo de JK, Jânio, com alguns ideais trabalhistas, obteve o descontentamento geral da população e principalmente das elites. Mesmo congelando os salários, restringindo créditos e desvalorizando a moeda nacional não foram suficientes para impedir a alta inflação. As elites, por sua vez, viam a aproximação do governo com a causa socialista e se amedrontavam com a hipótese de perder suas regalias. Jânio mandou seu vice em viagem à China, presenteou Che Guevera com a Medalha Cruzeiro do Sul e criticou a postura e os embargos econômicos norte-americanos à Cuba, pós revolução de 1959. Jânio renuncia em 1961, após sete meses de governo. O descontentamento das elites era tão grande com os rumos que o país poderia tomar se seu vice assumisse a presidência, que os próprios militares planejaram matar o vice presidente antes mesmo dele assumir o cargo. Evidentemente o plano não foi posto em prática, mas não tardaria a acontecer uma reviravolta inédita na estrutura política do país. Quando a estrutura política, na figura de João Goulart, colocou como prioridade as “reformas de base” entre elas, a reforma agrária, reforma tributária, administrativa, bancária e educacional, a elite econômica não tardaria a se posicionar. Jango foi retirado do poder em 1964 por um golpe militar. Instauracomandados pela elite militar, com o intuito de dar continuidade aos projetos da elite econômica. Intensificar e reafirmar o liberalismo econômico com a entrada de capital estrangeiro no país. E, no ramo da indústria da construção civil, a consolidação das empreiteiras.
A Problemática
se no Brasil um período aonde a estrutura política e a burocracia passam a ser
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A ditadura militar, que durou de 1964 até 1985, através de um nova forma de estruturação política se abriu ao capital estrangeiro com diretrizes nacionalistas e desenvolvimentistas. É marcado por forte repressão contra dissidentes e opositores políticos e pelo controle de todos os meios de comunicação no país. Não havia espaço para a luta dos novos trabalhadores urbanos, tanto que os maiores adversários da estrutura militar foram os sindicatos de trabalhadores. O governo usou de lei trabalhista para eliminar a oposição sindical, interveio nas organizações sindicais e afastou seus lideres. Por fim, atacou todas estruturas que ameaçassem a estrutura política implantada com o golpe de 64. Nos sindicatos, nos movimentos sociais, e ainda, com a intervenção nas universidades brasileiras e no movimento estudantil, como veremos no próximo capítulo. Na esfera da habitação e do espaço urbano, os financiamentos, através do Sistema Financeiro da Habitação (SFH) e do Banco Nacional da Habitação (BNH) promoveram mudanças significativas99. Ermínia cita que “não se tratou, porém, de ruptura em relação às tendências anteriores”100. As
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políticas adotadas nessas esferas sofreram forte intervenção do estado: instaurou-
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99 No Espírito Santo, “outra iniciativa precursora foi a criação do Instituto de Bem Estar Social, responsável pela construção de residências populares muito antes da implantação do Banco Nacional de Habitação, no plano federal”. In: OLIVEIRA, José Teixeira de. História do Estado do Espírito Santo. Vitória: Arquivo Público do Espírito Santo, 2008. P. 531. 100 MARICATO, Ermínia. Habitação e Cidade. São Paulo: Atual, 1997. p. 26.
se a ideologia da casa própria, intensificando portanto, a mercantilização do edifício e da moradia; os materiais de construção se diversificavam, em decorrência da evolução da indústria nacional, sobretudo os de acabamentos; o mercado de terras urbanas se ampliou graças ao crescimento do sistema viário das cidades para a disseminação do automóvel e da indústria automobilística; o mercado de produção de edifícios habitacionais (apartamentos) para atender à nova classe média se ampliou; e, a escala dos empreendimentos urbanos habitacionais, de infraestrutura urbana e de saneamento também se ampliou,
necessitando maiores financiamentos. Apesar disso, como lembra Raquel, das “4,5 milhões de moradias erguidas com financiamentos do SFH entre 1964 e 1986, apenas 33% se destinaram à população de baixa renda, sempre em conjuntos localizados nas periferias urbanas, em área sonde a terra era barata por não haver acesso a infraestruturas de saneamento básico e transporte coletivo nem equipamentos comunitários de educação, saúde, lazer e cultura, e não apresentar oferta de empregos”101. O período militar entra em crise quando, por conta de sua política econômica, não consegue mais estimular a economia, tampouco controlar a inflação crônica e os níveis elevadíssimos de concentração de renda e pobreza da população brasileira. As greves de trabalhadores do ABC Paulista, então principal região industrial do Brasil, intensificam a crise da ditadura militar. Em 1985, com forte pressão popular e dos movimentos sociais de luta pela terra urbana sobre a estrutura política e econômica, acaba a ditadura militar, instaurando nova estrutura política no país. Com ela foi extinto também o BNH e desde então, o país não definiu nenhum novo projeto duradouro para a política habitacional. Concomitantemente com a decadência do regime militar surge, no âmbito dos movimentos sociais alguns grupos que questionam a posse também da terra rural, questionando o grande latifúndio monocultor. Nasce o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) e a União dos Movimentos de Moradia (UMM) como organizações populares de luta pela terra. É através da luta popular desses grupos sociais que, na Constituição de 1988 é adicionada questões que dizem respeito à terra urbana e sua função social.
101 ROLNIK, Raquel. As armadilhas do pacote habitacional. Le Monde Diplomatique Brasil, São Paulo, set. 2014. Disponível em : <http:// w w w. dipl om ati qu e . or g. br / ar tig o. php?id=461>. Acesso em 24 de set. De 2012.
A Problemática
da terra urbana, como causa primeira da segregação espacial, e da posse
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No âmbito dos movimentos sindicais da indústria paulista, surge o primeiro partido político que ascende dos núcleos de base do operariado. O Partido dos Trabalhadores (PT) vence as eleições na cidade de São Paulo no ano de 1989 e coloca a estrutura política em favor das reinvindicações da camada trabalhadora. Dentre seus projetos, vale lembrar: a municipalização do transporte público urbano, barateando as tarifas e aumentando a oferta; e a prioridade maior, a questão do déficit habitacional do trabalhador urbano. A estrutura política inaugurada passa a incentivar, pela primeira vez, a implantação de habitação de interesse social por mutirão autogerido em detrimento à atuação das empreiteiras. Esse sistema de trabalho ia de encontro à mercantilização do edifício e proporcionava a organização política dos envolvidos. Dentre outras consequências, outros dados são importantes em relação ao sistema de mutirão autogerido, que trataremos mais à frente. Por conta desses fatores é que na gestão seguinte, de Paulo Maluf, o sistema foi descontinuado, dando ênfase, mais uma vez, às empreiteiras e seus métodos de construção do edifício. É, a partir de 2002, no governo do PT, que, a nível nacional, afloram alterações importantes na estrutura política e na burocracia e no seu
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papel na gestão espaço urbano. Um conjunto de leis regulamenta a política
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urbana e suas diretrizes, como já predispunha a Constituição de 1988, e cria, em uma nova tentativa, um sistema de financiamento para a habitação de interesse social. Por sinal, parte dessas conquistas também foram encampadas pelos movimentos sociais populares. São regulamentados os artigos que tratam da questão urbana através do Estatuto da Cidade (2001) e, em 2003 é criado o Ministério das Cidades (2003) com o desafio principal de implementar um
novo sistema de financiamento para habitação. Com esses sistemas de financiamento para habitação, através, incialmente do Sistema Nacional de Habitação e Interesse Social (SNHIS) e do Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social (FNHIS), e posteriormente, com o Programa Minha Casa Minha Vida (MCMV), se inaugura uma nova relação entre a estrutura política, a burocracia e as indústrias da construção civil. Inaugura-se uma política de conciliação de classes, aonde se pretende aumentar o mercado da habitação à base da pirâmide social através do crescimento do mercado imobiliário. Com isso, as empreiteiras, curiosamente, se adiantam e fazem abertura de capital na bolsa de valores, investindo o dinheiro na especulação do espaço urbano e no lucro, que passa a se tornar mais vantajoso e lucrativo do que a própria produção. Rapidamente se capitalizam e compram grandes quantidades de terra urbana, geralmente nas periferias para por em prática os novos projetos de habitação proporcionados pelos financiamentos garantidos. Esse sistema gera a grande problemática que se quer narrar neste capítulo. Contudo, com a grande crise internacional estabelecida em 2008, as empreiteiras elevam-se a outro patamar de atuação dentro do crescimento do país. Logo, a partir da política de conciliação de classes, juntou-se o déficit habitacional com o incremento da indústria da construção civil para conter a uma série de medidas destinadas a estimular a produção habitacional e manter o desenvolvimento dos setores imobiliários e da construção civil, essa mobilização de investimentos públicos, notadamente em áreas de uso intensivo e disponibilidade rápida de mão-de-obra, tem sido uma das soluções keynesianas102 clássicas
102 O keynesianismo se opõe às concepções liberais, fundamentada na afirmação do Estado como agente indispensável de controle da economia.
A Problemática
crise presente. Raquel lembra que este “pacote habitacional” era “composto de
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para momentos como este”103. Portanto, à estrutura política e à burocracia, incitar a produção de moradia parece duplamente atraente: estimular a indústria da construção civil gerando empregos e sanando a questão cadente da sociedade brasileira. A absoluta precariedade que caracteriza a moradia urbana da maior parte da população. Resolve-se então o problema da indústria nacional, incentivando a construção civil e os sistema de construção do edifício ao qual narramos no capítulo anterior. E ainda, a grande problemática urbana da falta de empregos e oportunidades aos novos anseios dos trabalhadores urbanos. Nesse contexto, surge o Programa Minha Casa Minha Vida (MCMV) em 2009, que deixa a cargo das empreiteiras a construção das habitações para sanar o déficit de moradia. Isso gera problemas que vão além da construção do saneamento habitacional e da consequente influência no espaço urbano. As empreiteiras, portanto, passam a ter papel essencial na construção
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do espaço urbano e no saneamento da problemática habitacional. A proposta vai
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103 ROLNIK, Raquel. As armadilhas do pacote habitacional. Le Monde Diplomatique Brasil, São Paulo, set. 2014. Disponível em: <http:// w w w. dipl omati qu e . org. br / ar tig o. php?id=461>. Acesso em 24 de set. de 2014. 104 ROLNIK, Raquel. Eu sou você amanhã: a experiência chilena e o ‘Minha Casa, Minha Vida’. Blog da Raquel Rolnik, São Paulo, maio 2012. Disponível em: <http://raquelrolnik. wordpress.com/2012/05/10/eu-souvoce-amanha-a-experiencia-chilenae-o-minha-casa-minha-vida/>. Acesso em 24 de set. de 2014.
de encontro aos novos ideais neoliberalistasa de “intervenção mínima do Estado na questão promovendo a participação do mercado imobiliário e focalizando subsídios públicos aos grupos de extrema pobreza”104. Com isso, passam a recrutar uma massa trabalhadora barata disponível nas cidades e constroem esses empreendimentos em terrenos longínquos dos centros urbanos aonde a terra é mais barata. Portanto, essa política gera consequências desastrosas ao espaço urbano. Como, por motivos econômicos, a moradia passa a ser ofertada longe do centros urbanos, se aumenta exorbitantemente o gasto público com projetos de infraestrutura como saneamento básico, iluminação pública, transporte, saúde e escola.
Com isso, além de tentar sanar as novas demandas de projetos habitacionais as empreiteiras também tomam cargo da arquitetura pública desses novos déficits de infraestrutura. Cabendo à estrutura política e à burocracia somente a requisição de tais projetos por intermédio das licitações públicas. Esse aparato burocrático, claro, visa o menor preço das obras requeridas. Logo, entra-se em um jogo que é uma das maiores problemáticas encontradas no espaço urbano. Além de serem responsáveis pelos projetos de arquitetura pública de infraestrutura, e receptora dos financiamentos para a habitação social, as empreiteiras também passam a financiar a estrutura política em nome dos candidatos que disputam “democraticamente” o poder. Portanto, esses grandes projetos ganham importância decisiva à estrutura política. Ela passa a depender das empreiteiras, que com seus financiamentos de campanha, passam a construir o espaço urbano de acordo com as demandas do mercado e de seus interesses econômicos. Logo, a política de conciliação de classes favorece ao trabalhador pobre urbano, que consegue obter sua moradia, e favorece também, as empreiteiras que oferecem seu “produto” ao mercado aumentando os níveis de emprego e de desenvolvimento do país a cargo da indústria da construção civil. Contudo, isso será decisivo na
A Problemática
construção do espaço urbano, como veremos.
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2.3 A Tecnologia e a Universidade Durante o período colonial, e ainda, somando o período monárquico, a educação no Brasil foi delegada à outros agentes. Vide a influência dos colégios jesuítas até o século XVIII ou ainda, instituições protestantes responsáveis pela educação dos imigrantes europeus no século XIX. Portanto, como reflexo da política de colonização portuguesa que se estabelece nesse intervalo de tempo, não era de interesse criar escolas superiores de educação em território brasileiro. Logo, era mais adequado às elites da época procurar na Europa lugares para realizar seus estudos. Portanto, não é exagero inferir que Portugal exerceu, até o fim principalmente do Primeiro Reinado, grande influência na formação superior de nossas elites. Todos os esforços de criação de uma universidade brasileira, no período colonial e monárquico, foram malogrados, o que denota uma política de controle por parte da metrópole de qualquer iniciativa que vislumbrasse sinais de independência cultural e política da Colônia. Não por acaso, é somente, novamente em 1808, “que são criados cursos e academias destinados a formar, sobretudo, profissionais para o estado, assim como especialistas na
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produção de bens simbólicos, e num plano, talvez, secundário, profissionais de
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nível médio”105. Na questão da política colonial adota pelo português é tão evidente o seu caráter de exploração comercial que Buarque cita sendo essa a diferença 105 FÁVERO, Maria de Lourdes de Albuquerque. A Universidade no Brasil: das origens à Reforma Universitária de 1968. In.: Educar, n. 28, p. 17-36. Curitiba: Editora UFPR, 2006.
principal entre a américa portuguesa e espanhola. O que, evidentemente, influencia em várias esferas socioculturais, inclusive na educação superior. “Já em 1538, cria-se a Universidade de São Domingos. A de São
Marcos, em Lima, com os privilégios, isenções e limitações da de Salamanca, é fundada por cédula real em 1551, vinte anos apenas depois de iniciada a conquista do Peru por Francisco Pizarro. Também em 1551 é a da Cidade do México, que em 1553 inaugura seus cursos. Outros institutos de ensino superior nascem ainda no século XVI e nos dois seguinte, de modo que, ao encerrar-se o período colonial, tinham sido instaladas nas diversas possessões de Castela nada menos de 23 universidades, seis das quais de primeira categoria (sem incluir as do México e Lima)”106. Portanto, com a transmigração da Família Real para o Brasil, é instituído por Decreto os primeiros cursos superiores de medicina na Bahia e no Rio de Janeiro, ainda em 1808. E posteriormente, nos fins da década de 1820, a escola de direito de São Paulo e de Olinda. Essas entidades, passam a ter grande influência na formação de elites e na mentalidade política do Império. Constituem “centros de irradiação de novas idéias filosóficas, de movimentos literários, de debates e discussão culturais que interessavam à mentalidade da época”107. Claro, a maioria dessas importantes influências abrangem quase que unicamente a elite. Além disso, essas instituições também tornam-se provedoras de quadros para as assembléias, para o governo das províncias e também para o governo central. de alta organização cientifica, literária e cultural foi sendo postergado pelo governo federal até o surgimento de algumas escolas superiores, provisoriamente sob a órbita dos governos estaduais. Isso já nos primeiros anos da república. É a partir da virada do século, como se vê, com o advento da situação industrial que o país se encontrara, que algumas alterações substanciais acontecem.
106 HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.p. 98. 107 FÁVERO, Maria de Lourdes de Albuquerque. A Universidade no Brasil: das origens à Reforma Universitária de 1968. In.: Educar, n. 28, p. 17-36. Curitiba: Editora UFPR, 2006.
A Problemática
Contudo, uma entidade que poderia constituir-se em um centro
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Numa realidade de alteração do sistema político, econômico e social que caracteriza a virada do século, uma outra perspectiva se estabelece, diferente daquela do período 1808 à 1822. Naquele momento, as instituições se voltavam à manutenção da situação colonial, mas com uma diferença: a presença da grande aristocracia e a elite portuguesa em terras brasileiras. Esta, por sua vez, demandava outros tipos de serviços que até então eram impensáveis na situação colonial. Uma delas, o ensino superior, possibilita, conjuntamente com outros fatores a abertura do Brasil a inúmeros processos que desencadeiam a entrada na era industrial que já acometera as nações européias. Portanto, agora as elites que afloravam nos centro urbanos poderiam cumprir seus estudos superiores no Brasil. Ora, se na postura unicamente de mercados consumidores da indústria, não poderia ser diferente com a estrutura educacional que é implantada no Brasil nos primeiros traços de industrialização. “É de assinalar que as próprias universidades atuais da América Latina, também, são resultantes dessa modernização que as fez surgir ou as remodelou conforme o padrão napoleônico de organização do ensino superior”108, lembra Darcy. Logo, não fomos somente mercado consumidor dos frutos da industrialização como ferrovias, iluminação elétrica, máquinas,
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mas também receptores reflexos dos sistemas educacionais das instituições
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“dominantes”. Sistemas esses que nos impõem “sempre os frutos e não as sementes do saber e da nova tecnologia”. Darcy arremata quando afirma que, além de receptores dos frutos do saber científico, figurados unicamente em mercados 108 RIBEIRO, Darcy. A Universidade Necessária. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1975. P. 27.
consumidores, instituímos essas estruturas educacionais sempre de modo “a perpetuar a estrutura de poder e as camadas sociais por ela privilegiadas, embora
ao preço de condenar as nações latino-americanas a perpetuarem-se no papel periférico de povos dependentes e espoliados”109 . Em 1920 cria-se, legalmente pelo Governo Federal, a primeira instituição universitária. Resulta-se, portanto, da justaposição das três escolas que já existiam desde o Império. E ainda, apesar de assegurada autonomia didática e administrativa, não tinham maior integração entre elas, e cada uma conservava suas características. No entanto, a posição adotada em relação às funções e ao papel da universidade é a da formação profissional prioritária, confirmando as colocações de Darcy, como unicamente “agências de preservação do status quo”110. A outra posição é dos que consideram a universidade como agente da pesquisa científica, apta a lançar os fundamentos de uma tecnologia não copiada dos moldes e dos interesses estrangeiros, além, claro, de formar profissionais. Por essa visão, “para a universidade ser digna dessa denominação, deve tornar-se foco de cultura, de disseminação de ciência adquirida e de criação de ciência nova”111. No entanto, essa visão de universidade não se concretiza nos anos 20 com a Universidade do Brasil, na esfera federal, tampouco com a Universidade de Minas Gerais, criada a âmbito estadual em 27 segundo o modelo da primeira. Tampouco, também, compartilharam deste conceito de A partir dos anos 30, com uma forte centralização política, o Governo Provisório cria o Ministério da Educação e da Saúde Pública. O novo ministério é incumbido de adaptar o ensino vigente à modernização do país, com ênfase, na formação de elite e na capacitação para o trabalho. Apesar de apresentar algumas diretrizes ao projeto universitário proposto para a época,
109 RIBEIRO, Darcy. A Universidade Necessária. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1975. P. 27. 110 Ibid., P. 31. 111 ABE - ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE EDUCAÇÃO. O Problema Universitário Brasileiro. Rio de Janeiro: A Encadernadora S.A., 1929.
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universidade as escolas que tiveram essas duas como exemplos estruturais.
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como a promulgação do Estatuto das Universidades Brasileiras e a criação do Conselho Nacional de Educação, as universidades se multiplicam, “mas com predomínio da formação profissional, sem idêntica preocupação com a pesquisa e a produção de conhecimento”112. É, portanto, com a aceleração do ritmo de desenvolvimento no país, provocado pela industrialização e pelo crescimento econômico, que estimulam alterações substanciais na realidade educacional brasileira. Essas alterações refletem as várias transformações que ocorrem, tanto no campo econômico quanto no sociocultural brasileiro. Com isso, vários setores da sociedade tomam consciência da situação precária em que se encontravam as Universidades do país. Essa luta toma consistência com a tramitação do projeto de Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional e se consolida nos primeiros anos da década de 1960. Primeiro com a federalização de grande número de Universidades Estaduais, como foi o caso da UFES, federalizada por Jânio em 1961. Segundo, se consolida com a instituição da Universidade de Brasília. A UnB, criada por Lei e aprovada no Congresso Nacional, entra como uma das medidas adotadas por Jango para imprimir as reformas de base
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propostas para o Brasil. Consolida a discussão da reforma universitária ao
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momento que põe em discussão a estrutura universitária e suas características, e salienta: 112 FÁVERO, Maria de Lourdes de Albuquerque. A Universidade no Brasil: das origens à Reforma Universitária de 1968. In.: Educar, n. 28, p. 17-36. Curitiba: Editora UFPR, 2006.
“Ainda sendo uma instituição de existência material recente, a Universidade do Brasil, nasceu já velha porque essencialmente estava destinada à mera função de preparar decorativamente as elites sociais e culturais do país, como há dois séculos ou mais o faziam
as Universidades européias, e como passaram a fazê-lo as Faculdades e Escolas criadas pelo Império”113. Portanto, a Universidade de Brasília nasce de um plano definido, e em lugar de preservar o que já estava criado, abra-se para criar a “ciência nova”. Com isso, dentre os objetivos da nova proposta universitária, está: “o de formar cidadãos responsáveis, empenhados na busca de soluções democráticas para os problemas com os quais se defronta o povo brasileiro em sua luta pelo desenvolvimento econômico e social”, e ainda, “o de preparar profissionais de nível superior e especialistas altamente qualificados em todos os campos do conhecimento, capazes de promover o progresso social mediante a aplicação dos recursos da ciência e da técnica”114. Logo, a Universidade de Brasília se abre à pesquisa científica e ao saber tecnológico para coloca-los à disposição da sociedade brasileira traçar seus rumos e integrar sua nação à civilização industrial como sociedade autônoma. Foi pioneira na ênfase funcional do ensino superior, sendo agente fundamental no desenvolvimento econômico do país e na sua independência científica e cultural. Contudo, tais propostas, mais uma vez, iam de encontro aos interesses da elite industrial que como já dito, passa a ter influência internacional. Com isso, a Universidade de Brasília, como toda a sociedade, também na estrutura educacional superior brasileira. Mais uma vez, se interrompe um processo de crescimento autônomo da universidade e da sua criação técnica, para fazer manter a estrutura de abertura econômica, política, e agora, educacional aos interesses do grande capital estrangeiro. “Cada vez que uma universidade ou um centro de cultura superior tenta, na América Latina,
113 ALENCAR, Heron de. A Universidade de Brasília. Projeto Nacional da Intelectualidade Brasileira. In: RIBEIRO, Darcy. A Universidade Necessária. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1975. P. 275. 114 Ibid., P. 277.
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foi afetada pelo golpe militar de 1964, que impõem alterações substanciais
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desenvolver as ciências básicas para lançar os fundamentos de uma tecnologia não copiada dos moldes e dos interesses estrangeiros, um oportuno golpe de Estado destrói a experiência sob o pretexto de que assim é incubada a subversão”115. Isso se reflete na Reforma Universitária proposta pelo Governo Militar já em 1968. As alterações, claro, sugeridas por grupos internacionais, ditam novas alterações na estrutura universitária para dar continuidade ao processo de industrialização assistida pelo capital industrial. A Reforma Universitária extinguiu a cátedra, introduziu o regime de tempo integral e a dedicação exclusivas aos professores, consolidou a estrutura departamental, dividiu o curso de graduação em duas partes, ciclo básico e profissional, criou o sistema de créditos por disciplinas, instituiu a periodicidade semestral. Pela primeira vez, as entidades privadas de ensino superior foram reconhecidas como entidades assistidas pelo poder público. A proposta ainda absorveu a pressão crescente por ensino superior que demandava a nova sociedade industrial. Instituiu-se o vestibular unificado e classificatório para ingresso nas Universidades. Com exigência da indústria foram criados ainda cursos de curta duração, mas somente cursos
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àqueles que tivessem ligação direta com os interesses da indústria.
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Os cursos de pequena duração cumprem a função de responder uma necessidade imediata por ensino superior que demandava o desenvolvimento. Entretanto, a flexibilização do ensino também abriu novas portas para o ensino superior privado. Com a possibilidade de oferecimento 115 GALEANO, Eduardo. As veias abertas da América Latina. Porto Alegre, RS: L&PM, 2011. p. 345.
de cursos superiores a baixos custos, a rede particular se expande ao troco do estrangulamento do ensino público imposto pelos governos militares.
A Reforma Universitária de 1968 sana, a seu modo, a crise universitária e ainda promove a formação de recursos humanos para manter a dinâmica do desenvolvimento encampado em meados dos anos 50. Entretanto, a reforma não conseguiu alcançar o objetivo duplo de frear a corrida à universidade e de ampliar o número de vagar de tal forma que correspondesse a procura. Veremos que essa questão ainda não foi resolvida nos dias de hoje. Com isso, a estrutura universitária ainda hoje se organiza segundo os pressupostos da Reforma Universitária de 1968. A pesquisa científica e a tecnologia se voltam aos interesses estrangeiros e se preocupam em manter a estrutura sociocultural segregadora característica. Se ocupam como instituições repetidoras e difusoras de um saber já elaborado em outras partes e não contribuem para integrar suas nações à civilização industrial como sociedades autônomas, mas como entidades dependentes. Por isso, hoje uma das importantes políticas de governo é o aumento do número de vagas nas
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universidades, sem, contudo, discutir o seu papel na construção da sociedade.
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3.1 Panorama As problemáticas apresentadas no capítulo anterior refletem diretamente na construção do espaço urbano. Entidades e grupos econômicos da nova cidade contemporânea usam, como usavam, do crescimento tecnológico, do trabalho, da terra, da estrutura política e da Universidade para manter aspirações seculares de dominação. Primeiro usam da propriedade privada como elemento principal e inquebrável de acesso ao espaço urbano, o que gera a segregação territorial de centenas de milhares de pessoas que agora se veem na necessidade de morar nos centros urbanos. Com a terra, na cidade consolidada, exercem a especulação imobiliária encarecendo ou barateando a terra de acordo com sua localização e abastecimento de serviços básicos como saneamento, iluminação, transporte, serviços etc. Nos terrenos mais caros, evidentemente, constroem grandes edifícios residenciais ou de escritórios de grande luxo destinado à venda e ao lucro exorbitante. Nos mais baratos, claro, destinam a terra à construção de condomínio de casas e apartamentos para sanar os déficit habitacionais, geralmente com financiamentos públicos.
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Contudo, mesmo com o déficit habitacional em torno de 6
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milhões de unidades, os centros urbanos estão recheados de prédios vazios fechados servindo, mais uma vez, à especulação imobiliária, aguardando que seu preço de mercado eleve, para que o investidor lucre sobre ele o necessário. Essas unidades juntas somam 5 milhões de unidades. Mesmo os Planos Diretores Municipais, instituídos pela Constituição de 88 e regulamentados no Estatuto da Cidade, estipulando a desapropriação de edificações ociosas para
sanar o déficit habitacional, a propriedade privada se sobressai. As obras públicas de infraestrutura urbana, por sua vez, são deixadas à cargo das empreiteiras, que por meio de licitações, com o intuito de estabelecer a parceria público/privada, exigi o menor preço. Com isso, além dessas obras serem construídas prioritariamente nas áreas de maior concentração de renda e riqueza, servindo uns e esquecendo outros, essas obras são mal construídas, pois visam o barateamento dos materiais de construção e de mão de obra que é visivelmente abundante. Curiosamente, a estrutura política, gestora da vida urbana - e a isso inclui a construção e a manutenção de obras de infraestrutura no espaço urbano: obras de saneamento básico, infraestrutura viária, escolas, praças, pontes, parques, portos e -, tem suas campanhas eleitorais financiadas por essas mesmas empreiteiras que ficam incumbidas dessas obras essenciais. Logo, como consequência da troca de favores, o que se vê são as empreiteiras influenciando projetos de infraestrutura de grande abrangência no meio urbano, aonde podem atuar. Como por exemplo, as obras de mobilidade urbana que demandam alterações físicas na estrutura viária urbana. Nelas, as empreiteiras, em parceria com a indústria da automobilística, atuam de modo a perpetuar o uso do automóvel em detrimento à outras formas de locomoção. E para realizar toda essa façanha da indústria da construção civil, as empreiteiras se munem de um contingente interminável de mão de para serem seus operários. Este mesmo contingente, chamado de exército de reserva por Sérgio Ferro, são aquelas, oriundas do êxodo rural, que se dispõem ao crescimento da indústria civil. Como não detém os meios de produção, a
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obra barata, que claro, sem qualificação, se coloca à disposição do emprego
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organização e a especialização são contratados somente para executar a obra, segundo orientações superiores, sem participar do processo de produção do edifício. A Universidade, por sua vez, financiada e criada segundo modelos estrangeiros se ocupa na manutenção da estrutura vigente. Sua pesquisa, financiada por grandes empresas, legitimam sua forma de atuação e as suprem de mão de obra especializada. Forma profissionais nas mais diversas áreas, a fim de atuarem no mercado já estabelecido. E ainda, diante de tantas questões urbanas que afloram cotidianamente, como o planejamento urbano principalmente, se omite, e se não bastasse, ensina a seus profissionais capazes a reproduzir o que já está aí, ultrapassado. Enquanto isso, grande parte da população, sem acesso à esses sérvios básicos, se veem compelidos em mudar-se para áreas periféricas aos centros urbanos aonde recorrem à autoconstrução. Principalmente em áreas de proteção ambiental e em áreas de grande risco, como morro, encostas, mangues e regiões ribeirinhas. Essas ocupações, sem acesso à qualquer tipo de infraestrutura, são dispendiosas para a estrutura política uma vez que também necessitam das mesmas obras básicas. Isso abre oportunidade de atuação das
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empreiteiras em novas obras públicas.
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Contudo, uma pequena parcela da população ainda permanece no meio rural e fazem uso da agricultura familiar, em detrimento da mecanização do campo, para prover de insumos básicos os centros urbanos. Com dificuldade de sobrevivência, principalmente por conta da desestruturação do campo para a implementação da indústria, essas comunidades vivem diariamente à mercê do êxodo rural. Além disso, essa população ainda guarda resquícios importantes
da construção vernacular e das técnicas artesanais combatidas pela indústria. Com isso, o Panorama é a necessidade de análise das problemáticas e sua atuação nos Cenários Antropológicos. Isso dará abertura e viabilidade aos projetos que serão descritos no Catálogo que virá a seguir. Para melhor entendimento e análise, os desdobramentos das problemáticas nos cenários são destrinchados em três esferas: a esfera política, a esfera acadêmica e a esfera urbana.
3.1.1 Esfera Política No Brasil, a Constituição Federal de 1988 institui uma República Federativa Presidencialista de regime democrático-representativo. Ou seja, o povo, a qual emana todo o poder, o exerce por meio de seus representantes eleitos democraticamente. Contudo, em legislação complementar atual, que regula pormenores116 da carta maior, permite às campanhas eleitorais, e consequentemente aos candidatos, receber doações de empresas e de pessoas físicas para serem gastas exclusivamente para esse fim. Logo, a doação de campanha pode ser fator crucial para entender o desenvolvimento das políticas públicas propostas pelas estruturas políticas. Quem doa a um candidato, financiando-o para o pleito pretendido, está diretamente interessado nos rumos da cidade, sendo ela pessoa física ou jurídica. E quem está interessado nesses rumos costuma exigir do seu candidato daquilo que considera à altura do montante “investido”. A legislação ainda institui e normaliza os contratos e licitações entre a estrutura política e a iniciativa privada117. Regulamenta a prestação de
116 Ver Leis Federais consultadas para elaboração deste trabalho. 117 Dado retirado do sítio eletrônico <http://www.transparencia.org.br/>
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eleito políticas públicas à altura daquilo que considera melhor para a cidade ou
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serviços necessários à estrutura política, que não tendo a capacidade de fazêlo, e atribui ao setor privado a competência desses projetos. É nesse sistema de parceria que a maioria das obras são construídas, sejam elas escolas, pontes, estradas etc. Portanto, qualquer obra executada pela estrutura política em seu território. Com isso, as empreiteiras como representantes da indústria da construção civil se tornam prestadores de serviço à administração pública por meio de contratos e, principalmente, por meio das licitações públicas. Logo, as empreiteiras ganham importância essencial quando são elas as principais entidades prestadoras de serviços à estrutura política. Contudo, são também as empreiteiras que, como se vê, são as maiores doadoras de campanhas políticas. Em São Paulo, por exemplo, segundo a entidade Transparência Brasil118, nas eleições municipais do pleito de 2012 as empresas da construção civil e do ramo imobiliário, as empreiteiras portanto, foram responsáveis por 57% das doações feitas aos diretórios nacionais de partidos que elegeram vereadores na cidade. Lembrando que os vereadores são os que compõem as câmaras legislativas municipais e que são responsáveis por leis
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e projetos para proporcionar o crescimento saudável da cidade. É somente
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118 Dados retirados da palestra do Arquiteto Urbanista professor da UNIFESP, Pedro Fiori Arantes no XVIII Seminário Nacional de Escritórios Modelo em Arquitetura e Urbanismo (SeNEMAU) na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) em agosto de 2014. Disponível em <https://drive.google.com/?tab=mo &authuser=0&urp=http%3A%2F%2Fse nemaufloripa2014.wix.com%2Fsenema u#folders/0B9AFH0al4fElcUd2MUVyM khVelk>
com essas propostas que o Executivo, ou seja, o prefeito as executará ou não. Lembrando ainda que são os vereadores que são responsáveis pela fiscalização do Executivo quanto à gestão da cidade e das contas públicas. Como se vê, as empreiteiras então, além de serem responsáveis pelas obras de infraestrutura necessárias à população, ainda se infiltram na estrutura política na forma de financiamentos de campanha. Com elas, elegem seus representantes aos cargos Executivo e Legislativo que como resposta aos financiamentos listam em primeiro lugar as prioridades dessas entidades em
detrimento aos da população. Essas respostas se dão em políticas públicas e, principalmente, em obras de infraestrutura que, na maioria dos casos, expressam ligação somente com o mercado imobiliário e novamente com o financiamento eleitoral. Com isso, o panorama vigente na esfera política é de uma estrutura que permite seu acesso somente à pessoas que tenham grande capacidade de arrecadação de recursos de campanha junto à iniciativa privada. Salvo algumas exceções, esse parece ter se tornado o principal pré-requisito para almejar a estrutura política. Com isso, o que se vê é um choque de ambições no que diz respeito à cidade. Grupos financiadores de um lado e a população de outra. O panorama dessa esfera impede a estrutura política de atuar segundo necessidades básicas da população que demanda obras e serviços para a melhoria da sua realidade sociocultural. Com isso, a grosso modo, as empreiteiras definem os projetos urbanos, constroem e fazem a gestão. Tudo isso pelo menor preço e não por habilitação ou viabilidade técnica. Somado a isso, a estrutura política, financiada pelas empreiteiras, ainda atualizam seus aparatos regulatórios como os Planos Diretores Municipais e leis de zoneamento. Fazem isso para estimular a especulação imobiliária em determinados pontos da cidade para a atuação das empreiteiras num ciclo novo de segregação territorial. Abrem a possibilidade na legislação, de acordo com as necessidade do ramo da construção civil, de implementar projetos que visam entidades.
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unicamente o lucro desses novos empreendimentos encampados por essas
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3.1.2 Esfera Urbana O panorama na esfera urbana tem seus desdobramentos evidenciados principalmente nas obras de arquitetura pública. Essas obras, como citadas acima, se referem à todas as obras de infraestrutura necessárias ao país e à população. A arquitetura privada, por sua vez, que são obras contratadas por pessoas físicas e grupos econômicos, não serão aqui analisadas, apesar de também interferirem no espaço urbano. Elas representam fielmente, na maioria das vezes, a necessidade do contratante. A arquitetura pública, por sua vez, apesar de se ramificar em diversas áreas da infraestrutura, têm ligações mais visíveis com as empreiteiras em, principalmente, duas esferas de atuação: nos projetos de habitação destinada à sanar o déficit nesta área, e ainda, nos projetos de mobilidade urbana. São nessas áreas, como lembra Ermínia, que estão os “mercados” mais lucrativos para as empreiteira. São nessas esferas da arquitetura pública, portanto, e consequentemente no espaço urbano como um todo, aonde o panorama político interfere diretamente. No caso dos projetos de habitação a estrutura política abriu portas à atuação das empreiteiras com os novos programas de financiamento
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para este fim. Tem-se, portanto, o Programa Minha Casa Minha Vida
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(PMCMV) de 2008 como o maior plano habitacional desde o BNH do período militar. O programa, portanto, segue os modelo de provisão de moradia pela oferta privada, a cargo das empreiteiras. Isto, claro, para pessoas na faixa de 3 a 10 salários mínimos, aonde se encontra 6% da demanda por moradia mas aonde se tem destinados 53% do subsídio do programa. Esse dado nos coloca o primeiro grande panorama da esfera urbana. A indústria da construção civil,
as empreiteiras, voltam seus interesses de mercado à faixa média da população, apesar do déficit se concentrar na faixa da população de 0 a 3 salários mínimos. A faixa de 0 a 3 salários mínimos, por sua vez, aonde se concentra 93% da demanda por habitação, somente 47% do subsídio do programa é destinado. Esse montante da população, por não ter acesso à moradia pelo mercado formal, recorre às prefeituras, intermediárias do programa. Com isso, a estrutura política municipal fica com a iniciativa de prover essa oferta, talvez por conta disso, somente 8% do déficit nesta faixa salarial fora atendida119. Com o programa, as empreiteiras e a indústria da construção civil passam a liderar o mercado e são responsáveis pelo “desenvolvimento” e a retirada do Brasil da crise internacional. Elas, além de criar centenas de posto de trabalho, trabalham para sanar, de certa maneira, o déficit habitacional urbano do país. Contudo, não é só a dificuldade de acesso ao mercado imobiliário por essa faixa de renda que acarreta acesso limitado ao programa. Outros problemas se desencadeiam principalmente por conta da mercantilização da moradia. Atuam, portanto, em certa faixa da demanda por conta de ser a faixa mais lucrativa do mercado, deixando o restante a cargo do intermédio da estrutura política municipal. Se não bastasse, as empreiteiras ainda se munem barateia a obra mais não garante a qualidade. Outra questão, já mencionada, é o exército de reserva, aonde um contingente interminável de mão de obra barata está à disposição da indústria da construção civil. Não é raro com isso, casos de trabalho escravo neste ramo. Ainda assim, para baratear ainda mais esses projetos, as empreiteiras já munidas de grande quantidade de terra urbana, constroem
119 A própria Subsecretária de Transportes e Obras Pública do Espírito Santo declarou em apresentação do Plano Metropolitano de Mobilidade Urbano da Grande Vitória à Semana de Arquitetura e Urbanismo da UFES, no dia 9 de maio de 2014, que o referido plano não colocava a questão da restrição do uso do automóvel em pauta.
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de tecnologias que visam abaixar o preço dos materiais de construção. Isso
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em áreas longínquas aos centros urbanos. Aonde os lotes são mais baratos. Principalmente aonde não há a oferta de serviços básicos de infraestrutura como saneamento básico, iluminação pública, transporte público etc. Essas demandas, são deixadas a cargo do serviço público, tornando-se extremamente oneroso. Com isso, fecha-se o ciclo. Novos projetos de habitação em áreas que demandam obras de infraestrutura são um prato cheio, mais uma vez, para a atuação das empreiteiras. E para baratear ainda mais, os arquitetos são substituídos por marqueteiros que visam a venda da mercadoria em questão. Ao projeto arquitetônico, com isso, cabe o segundo plano, proporcionando ainda mais a baixa qualidade dessas obras. Com essa mentalidade e com os números tendendo à atender somente à uma faixa específica em detrimento ao restante, os projetos de habitação são um luxo à grande parte da população. Uma outra parte, ou mora nas ruas dos grandes centros urbanos, sem opção e sem acesso à moradia urbana, ou recorre à autoconstrução em morros, encostas e regiões ribeirinhas. Agravando ainda mais a segregação territorial. Essa mesma população, na grande maioria das vezes, é a mesma que se oferece ao emprego para as empreiteiras da construção civil.
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Com esse complexo sistema urbano envolvendo a habitação,
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ainda se soma à isso a introdução constante de novos materiais de construção e acabamento. Destinadas principalmente à arquitetura privada, os recentes matérias de acabamento e construção não sofrem a mesma evolução na ramo da construção proposto pelas empreiteiras como projeto para sanar o déficit habitacional. Lá, procuram tecnologias e materiais de construção cada vez mais baratos e fáceis de montar, tudo, para baratear e apressar a conclusão da obra
em questão. E se a atuação das empreiteiras influencia decisivamente o destino dos financiamentos para habitação nos grandes centros urbanos metropolitanos, nos pequenos centros do interior, não é muito diferente. Mas ao invés da atuação das grandes empreiteiras instaladas em meados da década de 50, lá os grandes proprietários de terras loteiam o espaço urbano e, num processo similar de segregação urbana, destinam certos terrenos à uma parcela da população e outras à uma outra parcela. Contudo, nos pequenos centros urbanos do interior a pratica parecer ser ainda mais lucrativa. Os próprios donos de terra urbana e rural são os que comandam a estrutura política e além de serem os recrutadores de mão de obra para a construção civil, ainda são os fornecedores e comerciante dos materiais de construção que são trazidos das indústrias da capital. O outro importante panorama urbano surge a partir da atuação das empreiteiras em parceria com a indústria automobilística. Essa indústria, implantada conjuntamente com a grande indústria da construção na década de 50, demandam grande projetos viários para que possam circular na cidade. A estrutura política os viabilizam justamente por esse ramo industrial também ser um dos maiores empregadores do cenário brasileiro, em conjunto, claro, com as empreiteiras. Esses projetos viários, postos em prática diariamente pela do automóvel como principal meio de locomoção nos centros urbanos. Isso acarretou, ao longo dos anos, desastrosos cenários de caos urbanos, tornando cada dia mais a cidade um espaço de segregação territorial. Isso coloca a
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estrutura política por intermédio das empreiteiras visam somente a disseminação
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questão da mobilidade urbana como uma das grandes problemáticas urbanas em conjunto com a questão habitacional. Logo, a estrutura política se abre para os novos projetos viários com dois propósitos: estimular a venda de carros e incrementar a indústria automobilística, e proporcionar às empreiteiras, seus financiadores de campanha, vasto campo de atuação. Contudo, esses grandes projetos de mobilidade urbana implantados cotidianamente pela estrutura política são de qualidade questionada por não apresentam os reais anseios da população. Prova disso, a péssima qualidade do transporte público urbano brasileiro e o aumento progressivo de seus usuários. Vale lembrar, que a questão do transporte público foi a motivação das grandes manifestações Brasil a fora em meados de Junho de 2013. Com isso, diariamente há a ampliação da malha urbana para incentivar a indústria. Em contrapartida, a grande velocidade dessas rodovias coloca os acidentes de trânsito e os atropelamentos como uma das principais causas de morte no Brasil. Junto à isso, soma-se o impedimento pela estrutura política da implantação de outros modais de locomoção como a bicicleta, o aquaviário e ainda, os teleféricos. Contudo, alguns projetos e planos de
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mobilidade urbana são instaurados pela estrutura política, mas, como é o caso
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do Plano Metropolitano de Mobilidade Urbana do Estado do Espírito Santo, ainda não colocam a restrição do uso do automóvel em pauta120.
3.1.3 Esfera Acadêmica Para finalizar o panorama, a esfera acadêmica. Como já visto, 120 Para saber mais ver Os Cenários Antropológicos.
é a estrutura acadêmica que supre a cidade, a sociedade, e por consequência
o mercado, dos mais diversos setores profissionais e técnico. Dentre desses prestadores de serviço, os arquitetos urbanistas. Com suas novas atribuições na cidade contemporânea, os arquitetos estão aptos a prestar um enorme número de serviços. Desde a concepção arquitetônica, a construção desses projetos, assessorias técnicas, planejamento urbano dentre outros. Contudo, com o amadurecimento da estrutura acadêmica, como na estrutura política, o ensino está vinculado ao interesse das grandes empresas, uma vez que são elas também seus financiadores. Com isso apesar da cidade demandar profissionais de arquitetura e urbanismo em diversas área, a estrutura acadêmica mantém os métodos e os conceitos de ensino implantados em meados do anos 50 em carona com o desenvolvimentismo. O estímulo e o espelho foram a difusão do modernismo e sua concepção do homem-máquina da virada do século, que acontecia na Europa. Mesmo hoje, algumas décadas depois, portanto, o ensino se mantem suprindo somente à indústria da construção civil e outros ramos que são destinados ao mercado. A grande parcela da população que migrou para os grandes centros urbanos e os lotou, também demanda da assessoria técnica em arquitetura. Contudo, esse trabalho é deixado à cargo da estrutura política, que já vinculada aos interesses da empreiteiras, dificulta o acesso ao profissional. Se não bastasse o ensino ser direcionado unicamente para atendimento ao mercado, as experiências excepcionais dentro da universidade única abertura e possibilidade de acesso à um profissional de arquitetura por uma grande parcela da população. Mesmo assim, essa parceria entre sociedade e universidade é dificultada e não recebe grandes incentivos e financiamentos
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são dificultadas pela burocracia acadêmica. É ali, na Extensão Universitária, a
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por parte da estrutura política e acadêmica. Os únicos grupos que recebem financiamento são os grupos de pesquisa. Não muito raro, grandes empresas também financiam pesquisas em ramos específicos do conhecimento humano. Além de direcionar o ensino à suprir o mercado estabelecido, a estrutura acadêmica, em nome de suas escolas federais superiores, sofre um processo de sucateamento quase proposital tanto da sua estrutura física, quanto da sua estrutura político pedagógica. Em relação à estrutura física, a universidade se omiti e deixam certos centros de ensino, como o caso da arquitetura, a mercê do tempo e da falta até mesmo de mobiliário adequado. Contudo, apesar disso, curiosamente o orçamento universitário cresce grandiosamente anos após ano, fazendo-nos comprovar que a dificuldade de repasse está mesmo na burocracia universitária. Com isso, nos casos dos cursos de arquitetura, soma-se a manutenção do seu projeto político-pedagógico que instaura cargas horarias mínimas para os cursos, e ainda, a organização vertical de suas aulas. Isso, para uma profissão que demanda sanar tantas atribuições, torna-se maçante para o aluno. A carga horaria mínima somada com a demanda necessária superlotam os cursos, mostrando mais uma vez a rapidez com que o mercado necessita
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desse tipo de profissional para atuar.
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Com esses panoramas, a atuação do profissional de arquitetura e urbanismo se vê, aparentemente, destinado a suprir de projetos de arquitetura e estudos de viabilidade técnica esses anseios segregadores do espaço urbano. Contudo, a Empiria, é a tentativa de abrir ao arquiteto urbanista outras possibilidades de atuação que não são encampadas pela maior parte dos
profissionais de arquitetura e urbanismo. Essas possibilidades de experimentação foram possíveis graças à algumas aberturas proporcionadas pela Universidade, principalmente, e ainda, pela própria estrutura política, que ao longo dos anos se viu pressionada à responder aos anseios da classe trabalhadora. A Extensão Universitária se coloca como possibilidade de aproximação da universidade com comunidades que lhe são contíguas e que não têm acesso à um profissional. Junta-se à extensão, os financiamentos públicos para moradia que abrem seu acesso à grupos organizados para solicitar o recurso. E ainda, a abertura importante obtida pelas Organizações NãoGovernamentais (ONG) que atuam com base em ações de solidariedade nessas populações excluídas das condições de cidadanias. Essas instituições atuam aonde há a ausência de políticas públicas e para isso recebem financiamentos públicos e privados. No caso dos financiamentos privados existe a isenção de impostos às empresas doadoras. Logo, o Panorama nos dá base para apresentar o Catálogo a seguir, que como sugere a Empiria, são oportunidades e experimentações criadas para tentar se traçar uma solução à algumas problemáticas pontuais
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apresentadas.
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3.2 Catálogo 2008/2015 O catálogo a seguir enumera os projetos, intervenções e estudos que traduzem a empiria realizada durante os anos de 2008 a 2015. Os projetos listados abaixo são as experiências realizadas neste período como tentativa de solucionar as problemáticas construídas. Tratam-se de tentativas pois fazem parte de um processo muito mais amplo que engloba outros patamares de atuação. Contudo, os seguintes projetos são importantes pois trazem o debate principalmente do papel social do profissional de arquitetura para a escola e para a sociedade. Logo, o catálogo abaixo reflete as possibilidades de atuação do arquiteto urbanista na sua realidade cotidiana. Por isso, os seguintes projetos se dividem em dois momentos primordiais. Trata-se de dois patamares ao qual os projetos foram construídos: primeiro no patamar acadêmico, com projetos inseridos na realidade da Universidade tendo como principal objetivo a inserção do profissional de arquitetura e urbanismo nas comunidades periféricas sem acesso à este serviço, mas principalmente, na construção do debate sobre o posicionamento da profissão ante as novas realidades urbanas da cidade contemporânea. E
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segundo, num patamar urbano, já com atuação profissional, ao qual o arquiteto
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se coloca como prestador de serviço para atuar em diferentes áreas de sua competência. Os projetos se consolidam, principalmente, por conta da inquietação construída nos primeiros anos de faculdade, quando se constata a omissão da estrutura acadêmica no que se refere à temas atuais que assolam as grandes cidades do país. Por isso, percebe-se facilmente que são as instituições
externas à universidade que estão à frente do debate desses temas urbanos fervorosos. Com isso, os projetos a seguir se tornaram possíveis principalmente por conta da necessidade do debate sobre os temas abordados por cada um deles, e ainda, pela abertura de determinadas instituições que com grande dificuldade difundem as novas aspirações urbanas. Os projetos a seguir foram possíveis com a abertura primordial de algumas instituições que se fazem importantes de citar. Primeiro o movimento estudantil no nome do Centro Acadêmico Livre de Arquitetura e Urbanismo (CALAU/UFES) e do Escritório Modelo de Arquitetura e Urbanismo (Célula/ EMAU) que fomentam o debate sobre a atuação profissional e o papel do arquiteto urbanista em diferentes esferas. Vale destacar também o fomento da Federação Nacional dos Estudantes de Arquitetura e Urbanismo (FeNEA) por criar espaços para a divulgação e apoio à novas idéias e projetos que brotam semelhantes em outras realidades estudantis. Assim, é o movimento estudanti, munido da Extensão Universitária, dissemina o exercício profissional de arquitetura e urbanismo às comunidades contíguas à universidade que não têm acesso à este profissional. Segundo, como já sugerido, a abertura da Extensão Universitária que financia projetos que são voltados à comunidade que não tem acesso à formalidade profissional e acadêmica produzida dentro da Universidade. A Extensão Universitária é um intermediador e facilitador desses projetos ainda, no debate sobre os temas omissos na Universidade. Terceiro, a figura das Entidades Civis Organizadas, como ONGs e Associações de Moradores. Essas instituições se tornam importantes quando
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encampados pelos movimentos estudantis na busca da atuação profissional, e
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se fortalecem e se organizam, e a partir daí podem pleitear projetos de melhoria da sua realidade urbana. A organização das comunidades facilita a atuação principalmente da Extensão Universitária e dos projetos pleiteados por ela. Por último, a abertura das instituições privadas de financiamento. Se figuram na imagem do contratante, que possui condições de arcar com o profissional de arquitetura, e ainda, na figura de grandes empresas, que com doações à entidades civis organizadas, pleiteiam abatimento na sua folha tributária. Essa doações chegam à essas entidades que por sua vez necessitam da atuação de um profissional de arquitetura. Com o apoio dessas instituições é que foi possível a construção e efetivação de muitos desses projetos. Evidentemente que alguns não passam de estudos e propostas, mas que refletem a tentativa de solucionar as grandes problemáticas levantadas neste trabalho. É por isso, aliás, que cada um dos projetos listados a seguir foram encampados em determinado Cenário Antropológico . Para facilitar o entendimento e traçar uma linha brevemente metodológica de como narrá-los, a cada projeto será abordado os seguintes pormenores: a proposta, que trata da intenção, dos motivos e dos contextos
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de cada projeto; o sistema de trabalho na fase projetual e na fase construtiva,
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debatendo como o referido projeto foi construído e por quem, e; os financiadores, que trata das pessoas e/ou instituições financiadoras que possibilitaram a construção dos projetos. Com isso, listaremos abaixo os projetos de acordo com seu ano de execução, de acordo com seu Cenário Antropológico. A lista dos projetos de acordo com as instituições envolvidas está no próximo capítulo.
Por Ano 2008 2009
2010 2011 2012
Habitantes da CEMUNI III Rosana Marineide Memória, Habitação e Vivência Pontos Sujos de Lixo Dossiê CEMUNI III SeNEMAU Vitória Respaldo à Comunidade Lauro Vieira Chaves Plano de Mobilidade Urbana de Vitória
2014 2015
Ocupar Gramados Tópicos em Arquitetura Contemporânea Laudo de Respaldo Técnico sobre a Expansão da Vila de Itaúnas Residência em Fradinhos Pomeranos: sua técnica construtiva e as influências da cidade contemporânea
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2013
Beco Limpo e em Cores Rádio do Bem Expansão da ZEE-8 Terceira Ponte
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Por Cenário Antropológico O Arrabalde Habitantes da CEMUNI III Dossiê CEMUNI III Plano de Mobilidade Urbana de Vitória Expansão da ZEE-8 Terceira Ponte Ocupar Gramados Tópicos em Arquitetura Contemporânea Residência em Fradinhos
O Canaã
Pomeranos: sua técnica construtiva e as influências da cidade contemporânea
Os Sertões
Respaldo Técnico sobre a Expansão da Vila de Itaúnas
A Cidade de Lata
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Rosana Marineide Memória, Habitação e Vivência Pontos Sujos de Lixo SeNEMAU Vitória Respaldo à Comunidade Lauro Vieira Chaves Plano de Mobilidade Urbana de Vitória Beco Limpo e em Cores Rádio do Bem
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3.2.1 Habitantes da CEMUNI III121 Este projeto acontece no contexto do curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Espírito Santo. O curso está sediado no edifício chamado de Célula Modular Universitária III, logo, CEMUNI III. Para entendermos a proposta deste projeto colocaremos algumas questões que se fizeram relevantes. Primeiro, o curso de Arquitetura e Urbanismo da UFES
imagem 18 a 23: As imagens retratam as atividades propostas durante o Habitantes do CEMUNI III. Contava com mesas redondas, palestrar, oficinas e exibição de filmes sobre arquitetura. As três primeiras imagens relembram a Assembléia de estudantes que aglomerou em torno de 120 estudantes do curso.
começou as suas atividades em 1979 e desde então, o projeto político pedagógico que gere o curso e sua grade curricular, sofreram algumas alterações. Apesar de neles constar a função social do arquiteto, o curso de arquitetura se embasa visivelmente na formação de profissionais para o mercado de trabalho. Se não bastasse a manutenção da sua grade curricular voltada à uma pequena parcela do espaço urbano, a cidade contemporânea dos dias de hoje traz temas cotidianamente novos que necessitam do respaldo do profissional de arquitetura. Mesmo assim, o curso de arquitetura continua enraizado nas diretrizes modernas das suas escolas modelo e ainda, como que negando o crescimento urbano, se nega a discutir os problemas que assolam as grandes cidades do país. Com isso, tornou-se necessário a discussão sobre a grade curricular do curso de Arquitetura e Urbanismo da UFES. Isso se fez importante para entender se o profissional que está sendo formado na universidade está apto a atuar na cidade com suas novas demandas. Em um sistema de grupos de para revisar pormenores da grade curricular, entender melhor a burocracia da universidade no que diz respeito ao projeto político pedagógico, e ainda, propor atividades diárias convidando os demais alunos do curso a aderirem
121 para saber mais <http://habitantesdocemuni3.blogspot.com.br/>
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trabalhos, alguns estudantes do curso se reuniram durante algumas semanas
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ao debate. Como consequência, barracas foram armadas no pátio do prédio para proporcionar ainda mais visibilidade e formalidade aos estudos e à discussão. Durante esse tempo, o prédio de arquitetura passou não só a ser local do estudo e da produção de arquitetura mas também local de moradia àqueles que estivessem disposto ao debate. Por isso, aliás, o termo habitar, que é o ato de residir e conviver com o espaço em questão. Conjuntamente com o debate sobre a grade curricular, entendiase como primordial a reestruturação das instituições estudantis de arquitetura dentro do curso para fomentar futuras atividades que se desdobrariam. O Centro Acadêmico Livre de Arquitetura e Urbanismo (CALAU/UFES) e o Escritório Modelo de Arquitetura e Urbanismo (Célula/EMAU) são as instituições estudantis formalizadas dentro do curso de arquitetura que foram também alvo dos objetivos deste projeto. Portanto, durante o processo, novos grupos se formavam para dar continuidade a muitos dos projetos que virão a seguir. Com isso, depois de algumas semanas de discussão, debates e atividades, o curso de arquitetura se reuniu numa assembléia de alunos e
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professores que contou com dois terços do curso, talvez mais de 120 pessoas.
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Neste dia, colocou-se todas as questões apontadas durante as semanas anteriores, as sugestões de alterações da grade curricular, e ainda, a sugestão de uma disciplina que trata-se como tema a questão da Habitação de Interesse Social.
3.2.2 Rosana Este é o projeto que inicia a atuação na comunidade de Jaburu em Vitória, ES. Esta comunidade carente faz parte do Território do Bem, região administrativa da Prefeitura de Vitória e faz limite com as Av. Leitão da Silva e Av. Vitória. Soma-se à Jaburu outras sete comunidade na mesma região administrativa e seu o contingente populacional beira os 10% da população total da capital capixaba. Nesta comunidade, a maioria das habitações são em áreas de morro e encostas, com risco cotidiano á salubridade e á estabilidade das construções. A Rosana é uma moradora da comunidade que na época se encontrava nas estatísticas de um contingente considerável de pessoas que não possuem moradia. A situação encontrada era delicada pois além de morar sob uma frondosa mangueira, ainda combatia o alcoolismo. É com o intuito de amparar tais mazelas que nessas comunidades atuam algumas instituições religiosas. Por intermédio delas, no caso da Rosana, conseguiu-se a doação de um pequeno pedaço de terra no fundos do quintal de uma outra residência. E ainda conseguiu-se a doação dos materiais de construção necessários à nova residência. Contudo, por exigência da igreja, necessitou-se de um projeto de arquitetura que planejasse a obra da Rosana para que se fizesse o melhor uso de todo o material que havia sido doado. Evidentemente que não haviam recurso também a doação do projeto. Neste cenário, chegou à um grupo de estudantes de arquitetura dentro da Universidade a demanda do projeto da residência da Rosana.
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para o projeto. Nessas situações drásticas, a única saída para este serviço seria
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Era duplamente interessante pois a oportunidade surgiria em um momento em que se debatia a questão da atuação do profissional de arquitetura dentro do curso e ainda, a possibilidade de destrinchar também a questão da técnica e da construção, temas que também são poucos abordados dentro da universidade. Contudo, se não bastasse o projeto e todo o debate que brotaria acerca dele, ainda era necessário organizar o canteiro de obras e, literalmente construir a casa. A partir daí, a concepção projetual seguiu premissas básicas que foram influenciadas principalmente pela disponibilidade de material de construção e pela mão de obra necessária para a construção. Outro ponto que deveria ter sido considerado, descobriu-se depois com o cotidiano da construção, foi a questão da localização do terreno e a dificuldade que teríamos de estocar os materiais de construção no canteiro de obras. Com isso, chegouse a um projeto básico que foi acordado com Rosana, com a instituição religiosa e com os trabalhadores que se prontificaram à ajudar na construção. Com isso, em regime de mutirão autogerido, vários moradores que já possuíam experiência na construção civil ajudaram na construção da casa da Rosana. Algumas pessoas que não podiam ajudar na obra mais estavam dispostas à se oferecer ao trabalho se voltava para o preparo das refeições para ficava a cargo da comida. A refeição ficava geralmente a cargo das mulheres, e ainda, vale lembrar, que os alimentos foram todos doados pela comunidade. Com a atividade prática, deparou-se com várias questões que estariam além da debate que estava sendo encampado na Universidade. A questão técnica entra em cena a partir do momento em que se necessitava tomar
imagem 24 a 29: (página ao lado) As etapas de construção da casa da Rosana. Dificuldades principalmente com o canteiro de obras e os poucos materiais de construção disponíveis. imagem 30: Projeto da residência da Rosana. Algumas alterações aconteceram ao longo dos mutirões de construção.
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o dia de trabalho. Com isso, enquanto um grupo ficava a cargo da obra, outro
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decisões importantes relacionadas à construção da pequena casa. Temas que também, a partir daquele momento, tornaram-se precário na universidade: a questão prática do que é ensinado na sala de aula. Como assentar os baldrames em blocos pré-moldados e varões de aço CA-50. O assentamento dos tijolos que deveria seguir um padrão, senão se gastaria muito com a argamassa. Ou ainda, como fixar as telhas doadas com as peças de madeira que estavam ali á disposição. Portanto, é com este projeto que várias questões se abrem novas e que vão ser decisivas nos projetos que virão. Primeiro a questão da inserção da arquitetura e de seu grupo organizado na comunidade carente de Jaburu, abrindo portas para outros projetos e de outras intervenções que virão. Outra questão que se abre, é a questão técnica, aonde também pela primeira se vê o fracasso da universidade de juntar teoria e prática.
3.2.3 Marineide Neste outro caso de projeto residencial em Jaburu, questões interessantes aparecem. Com o desenrolar do mutirão da Rosana houve um contato interessante com a comunidade. Começaram a aparecer demandas de outros projetos semelhantes no bairro. Com isso, por intermédio de algumas
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lideranças comunitárias do bairro de Jaburu nos chegou a demanda do projeto
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da Marineide. Ela, diferente da Rosana, havia juntado uma boa quantia em dinheiro com o qual comprou um terreno e pleiteava construir sua residência neste lote. Apesar disso, não havia material suficiente e o projeto se desdobraria em duas ou três fases. Primeiro uma pequena casa com banheiro, cozinha, uma pequena sala de estar e um quarto. Depois em duas intervenções posteriores a construção de outros dois quartos.
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imagem 31: Detalhe de uma prancha do desenho técnico entregue à Marineide. Contudo, o projeto entregue serviu somente como documentação essencial para a regularização do imóvel. Os moradores não conseguiram associar este material à cosntrução em si.
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Contudo, apesar dessas premissas básicas de projeto, a casa da Marineide seria um caso diferente. Primeiro pela questão básica de que ela poderia e arcaria, com dificuldades, claro, com o material de construção e com os construtores. O projeto de arquitetura ficaria a cargo desse novo grupo que estava estreitando os laços com a comunidade de Jaburu. Após algumas reuniões com a moradora, se chegou à um projeto residencial que seguia três etapas de construção, como as já narradas. O projeto foi entregue à Marineide que decidiria o melhor momento de começar a obra. Infelizmente não se soube das etapas da construção e por conta disso não houve o acompanhamento da obra. Vale relatar aqui que houveram alguns inconvenientes neste projeto que valem a importância do mesmo neste processo empírico que se inicia. Após alguns anos sem notícia da obra da Marineide teve-se conhecimento, por intermédio do próprio construtor contratato por ela, que ele mesmo nunca havia tido conhecimento de um projeto referente àquela construção. Isso fez crer que mesmo com o projeto em mão, não se associou aquele documento ao ato da construção. O projeto tornouse unicamente instrumento de simplificação da documentação necessária à regularização do imóvel junto a prefeitura.
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Além disso, outro debate que se fez importante na ocasião deste
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projeto foi o debate sobre o assistencialismo. A questão que se insere é como prestar esses serviços gratuitamente à comunidades carentes. Ou agíamos pontualmente atendendo à pessoas que não possuíam condições de arcar com o serviço de um profissional de arquitetura e assim, disseminando a profissão. Ou atuar em parceira com a Associação de Moradores em projetos e atividades que englobassem toda a comunidade.
3.2.4 Memória, Habitação e Vivência122 O próximo projeto que toma curso é o Memória, Habitação e Vivência. Este projeto consolida definitivamente a aproximação da universidade, por meio do novo grupo que se consolida e as entidades organizadas que atuam nas comunidades específicas de Jaburu e consequentemente de todo o Território do Bem. O grupo se depara não só com um novo território não explorado pelos arquitetos urbanistas mas também com uma estrutura consolidada e organizada que se ocupa do desenvolvimento comunitário da região. O novo grupo estudantil se aproxima e toma conhecimento de uma complexa estrutura comunitária de desenvolvimento que engloba desde fórum de moradores até a circulação de uma moeda comunitária: o Bem. E em parceria com as Associação de Moradores dos bairros do Território se figura o Atêlie de Idéias, organização não-governamental que dá incentivos e promove parcerias para estimular o desenvolvimento comunitário. Dentre tantas frentes de trabalho, o Bem Construir. Uma iniciativa interessante de crédito habitacional que faz uso da tecnologia de tijolos de solo-cimento. Uma fábrica montada para, além de vender a nova tecnologia sustentável, ainda proporcionar crédito às famílias e aos funcionários da fábrica por intermédio do Banco Bem. Com tantas informações novas e uma demanda crescente de profissionais de arquitetura para dar continuidade à esses projetos específicos, se prestes a intervir. Desvendar a formação sociocultural da comunidade para dar continuidade aos trabalhos. Entender de onde vieram aqueles moradores e entender efetivamente o motivo da formação daquela situação urbana.
122 para saber mais <http://memoriacelula.blogspot.com.br/>
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se colocou a necessidade de melhor entender a comunidade com a qual estava-
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Além disso, compreender também a realidade espacial e construtiva do novo território de atuação. Entender as formas de moradia, a compreensão dos moradores com as técnicas construtivas usadas e os aspectos da sua residência. Com isso, dezenove famílias mais antigas da comunidade de São Benedito se propuseram participar do estudo. Esta comunidade entra em cena por ser a mais populosa do Território do Bem e por ser sede dos mais influentes grupos comunitários do Território. Além disso, aquela região foi uma das primeiras a serem ocupadas na região do Morro Grande, aonde hoje abriga todo o Território do Bem. Como metodologia de atuação, à esses moradores participantes foram entregues fichas para serem preenchidas com as seguintes questões: falar sobre sua origem, ou seja, como chegaram na comunidade e o motivo; e questões mais específicas sobre as moradias. Questões como “o que é sua casa para você?” e ainda, “o que você mudaria na sua casa e como você a imagina no próximo ano?” A isso somou-se um espaço na ficha para que os moradores desenhassem suas próprias casa e ainda, a eles eram dadas uma câmera fotográfica descartável com o direito à três fotografias por família. Além das fichas, uma entrevista era marcada e registrada para serem colhidas também informações em áudio e vídeo. Essas informações proporcionaram um entendimento maior origens socioculturais e ainda, suas formas de apropriação do espaço através da sua moradia. Esse projeto culminou com a confecção de um catálogo que ainda espera para ser lançado com financiamentos da Universidade. Além dessas questões práticas, este foi o primeiro projeto ao
imagem 32 a 46: (página ao lado) Detalhe das fichas preenchidas pelos moradores mais antigos do Bairro de São Benedito. As fichas ainda contavam com um espaço reservado para os moradores poderem desenhar suas próprias casas.
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sobre a evolução urbana da comunidade, suas possibilidades de atuação, suas
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qual contou com o financiamento da Extensão Universitária. É através de bolsas de permanência e ainda de incentivos como gratuidade no curso de línguas aos voluntários, que a Universidade através da Extensão Universitária fomenta esses tipos de projeto. Contudo, mesmo com os incentivos listados a grande dificuldade de se tocar esses projetos é a participação dos estudantes e a
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abertura da estrutura acadêmica.
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imagem 47: (ambas pĂĄginas) Vista da janela do comĂŠrcio do Sr. Heraldo. O retrato do contraste entre o TerritĂłrio do Bem e o restante da Cidade.
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imagem 48: Levantamaneto produzido pelo CĂŠlula/EMAU contendo todas os locais ociosos e que acumulam lixo. iamgem 49, 50 e 51: Exemplo de pontos de lixo nas comunidades de ItararĂŠ, Jaburu e da Penha.
3.2.5 Pontos Sujos de Lixo, o Parque do Bem O projeto a seguir trata, como o nome já faz referência, da questão do lixo residencial nessas comunidades. A questão que se insere é de extrema importância para o desenvolvimento comunitário uma vez que proporciona insalubridade e pode trazer, dentre outros inconvenientes, a proliferação de doenças decorrente do seu mal destino. O tema surgiu por demanda da própria comunidade, que considera a questão do lixo ainda mais problemática do que a própria violência oriunda do trágico de drogas que assola a região. Portanto, em parceria com as entidades civis organizadas que atuam na região e por intermédio do fórum de moradores que levantava sua principais demandas, o grupo atuante se inseriu primeiramente no levantamento de todos os pontos viciados que acumulavam lixo. A partir daí, com todos os pontos viciados no acúmulo do lixo listados e catalogados o fórum de moradores escolheria três deles para intervenção. A idéia da intervenção
imagem 52: Estudo Preliminar do primeiro ponto de lixo que seria intervido, em Jaburu. Por dificuldades de atuação junto à PMV, o local de atuação foi alterado para aonde hoje é o Parque do Bem.
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surgiu após se perceber que a maioria dos pontos acumulava lixo não tinham
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uso, mesmo sendo áreas de visibilidade e de localização importantes para a comunidade. Portanto, o Fórum de moradores elegeu três pontos sujos de lixo para que sofressem a intervenção na tentativa de lhe dar uso e acabar com o caráter de área de acúmulo de lixo. Uma área em Jaburu, outra em São Benedito e uma terceira área no bairro do Floresta, bairro que também compõe o Território do Bem. Contudo, o ponto escolhido pelo fórum de moradores para sofrer a intervenção só foi contemplado na ocasião do SeNEMAU Vitória. Logo, os dois pontos que sofreriam as intervenções seriam os de Jaburu, em uma grande área com vista para a Av. Vitória e toda a região da Baía de Vitória, e de Floresta, um terreno acidentado entre algumas casa que acumulava lixo residencial. Contudo, apesar da escolha dos moradores de Jaburu, a área teve que ser alterada por conta de se inserir dentro de uma Zona de Proteção Ambiental (ZPA) da Prefeitura de Vitória, e isso, já estava trazendo dificuldades de atuação. Por isso, se escolheu uma outra área, mais central ao bairro, região próxima aonde acontecerá também os projetos e intervenção no projeto SeNEMAU Vitória.
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Os próximos passos após a escolha dos pontos foi a conversa
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com os moradores para entender melhor quais eram as demandas que se fazem necessárias e importantes para as áreas escolhidas. Como se viu, a principal demanda da comunidade era de áreas de recreação aos quais as crianças do bairro pudessem brincar e seus país pudessem descontrair. Com isso, as demandas que surgiram foram exatamente de praças e espaços públicos de lazer.
imagem 53: Ponto de lixo sendo estudando. As propostas surgiram em conversas com os moradores em visitas prévias.
imagem 55: Parque do Bem finalizado após várias intervenções e posterior reforma final financiada por uma empresa privada.
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imagem 54: Limpeza do terreno para intervenção. Foram retiradas mais de 3 caçambas de lixo e entulho depoisitado no terreno.
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O projeto recorreu ainda à intervenção por meio do sistema de mutirão autogerido, mais uma vez, com a ajuda dos moradores e dos interessados no projeto. Na ocasião dos mutirões de construção, a entidade que atua nas comunidades, o Ateliê de Idéias fez parceria com o CISV Brasil. Essa entidade se figura como um voluntariado internacional que presta ajuda e troca de experiências em comunidades carentes ao redor do mundo. Para a mudança dos pontos sugeridos, primeiro precisou-se limpar os terrenos e retirar todo o lixo e vegetação acumulada durante os anos. Lembrando que todas as atividades foram realizadas por mutirão. Após a limpeza que durou em torno de dois dias. Após a limpeza da área, havia a discussão dos participantes do mutirão e a apresentação das primeiras propostas. Contudo, essas idéias passavam pela disponibilidade de material, gerando de resíduos encontrados no próprio bairro, que viravam bancos e cadeiras. Como vê, o grande objetivo estabelecido para o projeto não foi a criação de um espaço de lazer em si, mas acumular o pertencimento dos moradores com o novo uso da área em questão. As pessoas que participam do mutirão tendem a cuidar melhor do espaço que estão intervindo e com isso, diminuir o acúmulo de lixo na região.Com isso, foram criadas novas áreas de
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lazer para a comunidade primeiramente com materiais reciclados e pequenas
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doações de plantas e alguns materiais de construção. Contudo, após alguns anos, o projeto de intervenção no bairro de Jaburu culminou com a participação de mais uma entidade. Após pleitear doações com empresas privadas, a comunidade de Jaburu conseguiu uma grande doação de materiais de construção, e ainda, de mão de obra contratada imagem 56: (página anterior) Aspecto atual do Parque do Bem.
para dar fim ao projeto original do que agora pôde-se chamar Parque do
Bem. Hoje, a comunidade conta com sua primeira e única área de lazer que foi construída em uma grande parceria entre a comunidade, as entidades civis atuantes, e a universidade, através dos incentivos de fomento da Extensão Universitária.
3.2.6 Dossiê da CEMUNI III O Dossiê é um projeto retoma a questão do papel da Universidade na sociedade. Desta vez, diferentemente do Habitantes da CEMUNI III, o Dossiê e principalmente, analisar se essas estruturas suportam o que é pleiteado pelo Projeto Político Pedagógico do curso. Isso se fez necessário principalmente por conta do visível sucateamento da Universidade Pública. Sucateamento este que está presente nas diversas áreas da Universidade. Principalmente a sua gestão do seu espaço físico quando possibilita o crescimento desordenado e desenfreado de novos prédios e o sucateamento dos prédios antigos. Com o novo fortalecimento das instituições acadêmicas dentro do curso de arquitetura o Dossiê é um documento formulado pelos próprios estudantes com o intuito de denunciar e pleitear alterações no espaço físico do curso para que ele se adeque à novas demandas. Contudo, as questões não só pairavam sobre o mobiliário e/ou a estrutura física das salas de aula e do prédio para abrigar as aulas de arquitetura. As questões englobavam muito mais questões que se colocavam omissas pela estrutura universitária. A questão que se insere diz respeito também às estruturas básicas do prédio que sedeia o curso. Suas instalações hidrossanitárias, sua estrutura elétrica, coberturas e sistema de ar condicionado. Tudo isso, como se vê cotidianamente na Universidade, têm sua manutenção duvidosa
imagem 57 e 58: (próxima página) Situação da estrutura física da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da UFES. Descaso e suacateamento de suas instalações. Na imagem, o eterno problema do esgoto que transborda cotidianamente. imagem 59: (página 149) Foto da caixa de gordura construída com recursos do próprio CALAU, para amenizar as precárias instalações de água e esgoto. imagem 60: (página 149) Uma das tantas oficinas de reforma das pranchetas para amenizar a questão do sucateamento e ainda, conscientizar o estudante ao bom uso das ferramentas de desenho. imagem 61: (página 149) Retrato da falta de planejamento: após alguns meses com o vidro da porta principal do prédio quebrado por ventura de um incidente, a Universidade paga pelo concerto, mas com outro tipo de material, menos oneroso.
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propõe o levantamento da estrutura física do curso de Arquitetura e Urbanismo,
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proporcionando gastos elevados de dinheiro público em pequenas obras de reforma que não fazem parte de um contexto maior de planejamento. As únicas intervenções concretas dentro da Universidade é a construção de novos prédios através de grandes licitações duvidosas sem a devida transparência de recursos e de seu manejo. Além disso, muita das vezes a verba que é destinada à novos prédio não contemplam por exemplo, seu mobiliário. Com isso, não são poucos os casos de prédio totalmente vazios pois não há recurso para mobiliá-los e coloca-los em condições de uso. Apesar do sucateamento da Universidade, seus orçamentos anuais aumentam consideravelmente todos os anos, chegando a cifras milionárias, fazendo-se crer que o sucateamento nada mais é do que problemas
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na própria gestão dos recursos da Universidade.
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3.2.7 SeNEMAU Vitória Com a reorganização das instituições estudantis e já com alguns projetos em andamento dentro das comunidades do Território do Bem, o grupo se propõe à realização do SeNEMAU Vitória. O SeNEMAU é o Seminário Nacional dos Escritórios Modelo em Arquitetura e Urbanismo (EMAU), projeto fomentado pela FeNEA e tem como objetivo principal a troca de experiências entre os EMAU. O evento é organizado anualmente em alguma universidade do país a cargo do seu respectivo EMAU, e em 2010 a UFES, por intermédio do seu EMAU sediou o evento. Mas além de apresentar os trabalhos já desenvolvidos para outras instituições do país, outra proposta colocada foi atender a mais uma demanda das comunidades atuantes. Além dessas atividades sugeridas, o projeto SeNEMAU ainda contou com oficinas, palestras, mesas redondas, visitas guiadas à cidade e às comunidades, tudo isso em torno de um eixo temático único: do singular ao coletivo123. Seguindo alguma diretrizes do projeto Ponto Sujos de Lixo, as comunidades de Jaburu e de São Benedito trouxeram novas demandas para que fossem trabalhadas durante o SeNEMAU Vitória. Em Jaburu, a própria uma antiga capela que estava em desuso. Contudo, este espaço necessitava de uma reforma para que abrigasse o novo uso proposto pela comunidade: sua sede comunitária. Espaço este que abrigaria reuniões de moradores, assembléias, oficina para as crianças, eventuais palestras e cursos para a comunidade. Contudo, apesar de não ser propriamente um ponto sujo de lixo, o equipamento proposto serviria de disseminação não só da questão do lixo,
imagem 62 a 67: (página anterior) Intervenção no edifício doado pela igreja à Comunidade de Jaburu. Reformas foram necessárias para o edifício abrigar novos usos com a sede da Associação de Moradores do Bairro do Jaburu. 123 para saber mais <http://senemauvitoria2010.blogspot.com.br/>
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estrutura comunitária conseguiu junto à estrutura religiosa atuante no bairro,
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imagem 68 a 71: Importância da atuação dos moradores na intervenção conjunta do SeNEMAU Vitória e da comunidade de Jaburu.
mas também para outros temas de interesse comunitário. Em São Benedito, por sua vez, a demanda surgida foi também de um espaço comunitário, contudo em um terreno ocioso e grande acumulador de lixo. Em um terreno que estava nas mão da municipalidade justamente aguardando o trâmite para a doação à instituição comunitária. Por conta das grandes demandas a serem executadas durante o evento, traçaram-se algumas diretrizes aonde colocu-se o SeNEMAU dentro de um processo mais amplo de construção dessas demandas apresentadas. Com isso, para a construção dos projetos levantados pela comunidade e servi-los de base para a organização do SeNEMAU, traçou-se as seguintes etapas: a aproximação com as comunidades de Jaburu e São Benedito com oficinas e atividades com moradores sobre os usos possíveis nesses espaços; o desenvolvimento que se baseia na construção projetual com os moradores sob orientações de professores da Universidade; a mobilização das instituições envolvidas tais quais a própria comunidade, as empresas e o setor privado com doações e apoio institucional às obras e ao evento; a Universidade com o apoio estrutural para o evento e a recepção de estudantes de outras universidades do país; e por fim, a transformação que sugere a construção e as intervenções necessárias ao andamento do projeto. A última etapa, a da transformação aconteceria nos três momentos: antes, durante e depois. Em cada etapa traçou-se atividades que visavam a construção do projeto. Antes do evento realizaram-se mutirões visando o a preparação e recepção do evento e dos estudantes participantes. As atividades necessárias passavam por limpeza do terreno, no caso de São Benedito, reboco de algumas
imagem 72 e 73: Acima o levantamento arquitetônico para planejamento e orçamento das intervenções no edifício do Centro Comunitário de Jaburu. Abaixo, projeto executivo do piso do Centro Comunitário. Uma vez que foram adquiridos através de doações, haviam três tamanhos de piso diferentes.
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Portanto, as três primeiras etapas aconteceriam antes do evento.
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imagem 74: O Centro Comunitário em pleno uso. Ali acontecem reuniões, assembléias, velórios, oficinas e cursos. Na foto ao lado, uma apresentação do movimento comunitário junto aos novos estudantes do curso de arquitetura.
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paredes para receber a pintura, no caso de Jaburu e claro, a aproximação com as comunidades, o desenvolvimento conjunto do projeto e a mobilização das entidades envolvidas. Durante o SeNEMAU além das atividades do evento, propriamente dito, aconteceriam as atividades chamas propositalmente de mutirões. O mutirão é a atividade aonde além de presenciar os projetos e as intervenções, os participantes do evento tem a oportunidade de participar da sua construção efetiva. Para isso foram organizadas etapas da obra no formato de mutirão autogerido durante o evento, mas com o cuidado de serem atividades que englobariam a maioria dos participantes. Com isso, além da pintura das paredes, grupos se dividiam em produzir mosaicos com material de doação para embelezar o mirante do bairro, outros ficavam a cargo de ajudar as cozinheiras na alimentação, e outros ficavam ainda com o projeto do piso do centro comunitário que deveria dar uso aos três tipos de revestimentos cerâmicos conseguidos por doação com comerciantes da região. Por fim, as atividades após o SeNEMAu figuravam em algumas intervenções pontuais que demandavam maior quantidade de material e ainda
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um trabalho mais minucioso, como a troca do telhado e o assentamento do
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piso cerâmico em si. Atividades, portanto, inviáveis com um número excessivo de “ajudantes” no canteiro de obras. Contudo, algumas atividades foram continuadas pela própria comunidade, sem mesmo o acompanhamento posterior do grupo. Por exemplo, o projeto concebido em pleno SeNEMAU Vitória do assentamento do piso oriundo de doações foi executado fielmente pela comunidade sem a
intervenção do grupo. Isso evidencia o pertencimento da comunidade e sua relação com a obra executada. Por fim, a reforma do Centro Comunitário de Jaburu culminou com um espaço aonde a comunidade têm pertencimento e usa nas suas mais diversas demandas. Em São Benedito, por sua vez, o projeto apresentado se encontra em fase de captação recursos e ainda, em fase de negociação com a estrutura política sobre a situação imobiliária do terreno em questão.
3.2.8 Respaldo à Comunidade Lauro Vieira Chaves O presente projeto toma forma na ocasião do SeNEMAU Fortaleza. O evento que acontecia em 2010 em Vitória/ES teve como sede no ano seguinte a cidade de Fortaleza no Ceará, organizado pelo Escritório Modelo de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Ceará (Canto/EMAU). Com os mesmos objetivos, o evento proporcionava a troca de experiência entre os EMAU de todo o Brasil, e ainda, a apresentação dos trabalhos deste EMAU para toda a comunidade interessada. Na ocasião, o Canto propôs intervenções na Comunidade Lauro Vieira Chaves124. Esta comunidade já era parceira do Canto/EMAU quando este realizou levantamento de regularização fundiária no bairro, sob demanda da municipalidade. Contudo o evento tomou rumos inevitáveis quando a necessária à realização da Copa do Mundo no Brasil. Fortaleza, evidentemente, fora escolhida uma das sedes dos jogos e já somava as consequências com a ameaça de remoção de inúmeras comunidades carentes. O mesmo
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comunidade fora ameaçada de remoção por conta de obras de infraestrutura
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imagem 75 a 78: Situação das ruas da Comunidade Lauro Vieira Chaves em Fortaleza/CE. Perceba as canaletas de esgoto cinza que corre à céu aberto.
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inconveniente aconteceu praticamente em todas as cidades sede125. Contudo, a ameaça de remoção estava vinculada à obra do Veículo Leve Sobre Trilho que seria construído na área do Aeroporto de Fortaleza, contígua à comunidade. Mas apesar de sofrer com obra de tamanho porte, a comunidade sequer havia sido contemplada com o saneamento básico. Em um cenário lamentável, o esgoto cinza de pias e banheiros corria diretamente à uma vala no meio da principal via que corta o bairro. Nesse cenário, algum tipo de intervenção demandaria postura técnica de outros tipos de profissional, e até, como é de responsabilidade do poder público, a intervenção das concessionárias de água e esgoto do estado. Portanto, a intervenção baseou-se unicamente em um documento de Respaldo à Comunidade Lauro Vieira Chaves. Esse respaldo figura-se num documento que tem o parecer da Federação Nacional de Estudantes de Arquitetura e Urbanismo (FeNEA) e dos EMAU das universidades federais do país sob o fomento da Extensão Universitária, sobre a demanda urgente da comunidade Lauro Vieira Chaves de saneamento básico. E ainda, fortalecendo seus instrumentos de luta no que diz respeito à ameaças de remoções forçadas. Com isso, o documento contava com a seguinte estrutura: primeiro um parecer sobre o documento explicando a estrutura do Seminário Vieira Chaves; em segundo as impressões registradas dos estudantes durante o evento, que foram relatadas pelos próprios moradores em entrevista, o mapeamento das demandas, com o levantamento de todas as residências do bairro que possuem a coleta do esgoto e as que só tinham seus esgotos negros drenados, e; por fim a justificativa do pedido com o respaldo das instituições.
124 para saber mais sobre a luta da Comunidade Lauro Vieira Chaves <https:// comunidadelvc.wordpress.com/lutadolauro/> 125 para saber mais sobre a Copa do Mundo e as remoções e despejos involuntários <http://www.portalpopulardacopa.org.br/>
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e das instituições estudantis atuantes e, evidentemente da Comunidade Lauro
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mapeamento das demandas Rua da Saudade
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casas com tratamento de esgoto casas sem tratamento de esgoto casas sem tratamento de esgoto (não confirmado) esgoto secundário à céu aberto esgoto secundário fechado ligação do esgoto secundário
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vegetação
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imagem 79: Levantamento sobre a situação das ligações de esgotos das residências da Comunidade Lauro Vieira Chaves.
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3.2.9 Plano de Mobilidade Urbana de Vitória O projeto que se segue entra no ramo da demanda de arquitetura pública e da necessidade de grandes obras públicas para sanar a questão urgente da mobilidade urbana que assola as grandes cidades do país. A proposta surge de uma disciplina de Projeto de Arquitetura dentro do curso de Arquitetura e Urbanismo da UFES. O objetivo principal é tratar a questão da mobilidade urbana em Vitória tendo como diretriz os dois elementos básicos: terra e água. Com essas premissas, o objetivo é abordar o debate urgente que aflora nas grandes cidades acerca da mobilidade urbana. A questão que se insere passa pelo incentivo irrestrito do automóvel particular em detrimento à outras opções de transporte. Essa decisão leva a necessidade iminente de planos e projetos de curto e longo prazo para sanar o problema oriundo desta decisão. Passa-se principalmente pelo trânsito iminente, por atropelamentos constantes por conta da elevada velocidade, e ainda, priva o sistema de transporte público de outros modais que podem ser trabalhados em conjunto com o sistema atual. Portanto, para dar linha às diretrizes traçou-se quatro eixos conceituais que fazem vínculo do tipo de modal com os aspectos físicos da cidade de Vitória. Primeiro o eixo conceitual água que se mostra elementar e essencial para a cidade. Numa ótica história da ilha da Vitória a água tem papel importante nos seus processos de ocupação. Logo, a água se insere como meio básico de transporte de passageiros desde os primeiros anos de ocupação meio foram descontinuadas na cidade de Vitória por volta dos anos 2000 para se enfatizar, mais uma vez, o transporte público terrestre para dar cabo da política rodoviarista que marca a época.
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da cidade. Contudo, os sistemas de transporte público que usam a água como
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O eixo conceitual morro, leva em consideração a característica acidentada da cidade. Seus morros, encostas e elevados somam mais de 40% do território da capital, o que incentiva o uso de outros modais de transportes. Uma alternativa usada em muitas cidades do mundo como Medellín, na Colômbia e ainda mais recentemente no Rio de Janeiro, é o uso de teleféricos suspensos entre as principais elevações da cidade. Os eixos conceituais aterro e mangue figuram os aspectos físicos no que diz respeito às áreas planas da cidade. Por volta de 10% da área total do município de Vitória é composta de aterros sobre praias e arrecifes, ao mesmo tempo que ainda conta com a maior área de mangue urbana do país. Nesses ecossistemas se sugere o uso compartilhado dos sistemas de transporte público baseado no motorizado coletivo e do uso particular de outros modais, como é o casa da bicicleta. Para acomodar harmoniosamente esses modais num sistema complexo de transporte público metropolitano criou-se a figura das estações modais de nível um, dois ou três. As estações de nível único, contavam com a abastecimento de apenas um dos modais referidos, geralmente de teleféricos nas elevações da cidade. As estações modais de nível dois contam com o
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abastecimento de dois modais básicos: teleférico e do transporte terrestre
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de ônibus. Essas estações são locadas no interior da cidade, principalmente próximos aos grandes corredores metropolitanos. E por fim, as mais importantes estações do sistema são as estações de modal três, que englobam os três modais básicos: teleféricos, o sistema aquaviário e o transporte terrestre por ônibus. Essas estações, por sua vez, são localizadas em pontos estratégicos que englobem um maior número de usuário e uma maior integração entre a
cidade de Vitória. Essas estações foram locadas em pontos específicos a saber: a estação modal de nível três Grande Santo Antônio, abrangendo a regiões da chamada baía noroeste da ilha da Vitória; a estação Centro, abrangendo a região antiga da cidade; a estação Grande Praia do Canto, englobando os bairros da parte leste da ilha, e; por último a estação UFES/Jardim da Penha, englobando a região continental da ilha com os modais propostos. Com isso, a região da UFES/Jardim da Penha foi escolhida como área de estudo por conta de algumas características básicas. A região comporta um dos principais corredores metropolitanos da cidade, a Av. Fernando Ferrari, e passou recentemente por um processo de duplicação que estava inserido nas obras de mobilidade urbana do governo do estado. Contudo, como se vê, as obras de mobilidade anunciadas não passaram da duplicação das vias carroçáveis e a implantação de uma tímida ciclovia. Contudo, outras impressões básicas podem ser tiradas dessa obra, como a maioria das intervenções viárias do governo de estado, colocou
imagem 80: Panorama da Avenida Fernando Ferrrari. À direita a UFES e à esquerda o bairro Jardim da Penha.
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grande obra viária do dito plano de mobilidade metropolitana do estado. A
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imagem 82: (página ao lado) Proposta de intervenção ao longo da Avenida Fernando Ferrari. Abertura de um canal dágua com a instalação de uma estação de modal três, comportando os três tipos de transporte. As manchas negras correspondem aos volumes construídos propostos
em prática as questões aqui abordadas. Primeiro a obra ocasionou um aumento
imagem 81: Locação das respectivas estações Modais M1, M2 e M3. As linhas em azul correspondem ao trajeto proposto para teleféricos. O vermelho na manutenção do transporte terreste e o tracejado corresponde ao sistema aquaviário.
para dar lugar à expansão das vias de rolamento e à um semáforo necessário
significativo da velocidade média, ocasionando atropelamento e acidentes diários na via, e ainda colocou o pedestre em segundo plano quando coloca em seus semáforos o temo máximo de travessia em torno de vinte a vinte e três segundos. Isso se comprova na demolição da antiga passarela da UFES. A estrutura construída exclusivamente para a travessia de pedestres foi demolida para a proporcionar a travessia dos que querem acessar a UFES. Contudo, ao invés da exclusividade proporcionada pela passarela agora o pedestre conta com dezenove segundos de travessia. Com essas questões levantadas, o projeto gira em torno
da reformulação do espaço ao longo da Av. Fernando Ferrari no trecho compreendido entre a Ponte da Passagem e a entrada norte da UFES. Nesta região se localiza a Estação Modal UFES/Jardim da Penha, que conta com os três modais: aquaviário, teleférico e terrestre. Contudo, o principal desafio é a abertura de um canal d`água para a passagem das embarcações. A decisão se torna viável uma vez que a região é originalmente alagadiça e de aterro. Outras diretrizes foram assimiladas pelo projeto foram o rebaixamento do trânsito de alta velocidade da Av. Fernando Ferrari para o subsolo, possibilitando o nível da rua receber somente trânsito local, a abertura de um corpo d`água para a passagem das embarcações do aquaviário, e a construções de três grandes edifícios. Esses edifícios comportariam, em pilotis, os seguintes usos: no andar térreo as áreas comuns, do primeiro andar comportaria áreas institucionais da Universidade, como as sede dos EMAU, por exemplo, e no segundo andar, a moradia estudantil da Universidade. No bloco principal, sobre uma grande praça no entroncamento UFES/Jardim da Penha, a estação modal de nível três. Apesar de ser um estudo acadêmico, sua viabilidade pode ser concretizada, caso for o interesse, por financiamento público do estado, em parceria com os municípios participantes, por intermédio de licitações transparentes que escolham os projetos e as empreiteiras executantes por qualidade da obra e dos projetos executivos. Essa questão primordial entra em urbana, passam, provavelmente por licitações fraudulentas, e nesta área da Av. Fernando Ferrari em específico, talvez a obra tenha sido executada sem a qualidade mínima exigida para uma obra pública.
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discussão uma vez que a qualidade presente nas atuais obras de mobilidade
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3.2.10 Beco Limpo e em Cores Este projeto, mais uma vez, envolve as instituições que atuam nas comunidades do Território do Bem em torno da questão do lixo. Nesta ocasião o grupo participou de uma espécie de concurso proposto pelas entidades organizadas do bairro. Este evento propunha aos moradores um concurso ao qual elegeria o beco mais limpo do bairro. Essa atitude gera as contribuições de todos os moradores dos beco, e consequentemente do bairro como um todo, em torno do lixo. O beco que houvesse adesão do maior número de pessoas ajudando na questão do lixo ganhava os materiais de construção e de pintura para a reforma de suas respectivas fachadas. Após a eleição dos ganhadores, o grupo atuava na aproximação com os moradores, na disseminação da questão do lixo e ainda, no quantitativo de materiais que seriam gasto no grande dia do mutirão. Vale evidenciar mais uma vez o uso do sistema do mutirão autogerido para a execução dos projetos. O material de construção utilizado na reforma das fachadas eram todos oriundos de doações junto à empresas e moradores das comunidades. Com isso, o projeto consolida a atuação do grupo nessas comunidades e ainda
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faz a manutenção do debate sobre a conscientização ambiental no Território do
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Bem usando de método principal a pertencimento dos envolvidos adquirido imagem 83 a 86: (página ao lado) Intervenção na fachada das casas que pertenciam ao beco mais limpo. imagem 87: (página ao lado) Cartaz de divulgação do concurso nas Comunidades.
nos processos de mutirão.
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3.2.11 Rádio do Bem O projeto da Rádio do Bem consolida os projetos acerca do lixo nas comunidades do Território do Bem. O Ateliê de Idéias, em parceria com as associações de moradores e com a assessoria técnica da arquitetura recebeu o Prêmio Fundação Banco do Brasil de Tecnologia Social126 por conta das ações já promovidas na comunidade. Contudo, o montante arrecadado deveria ser gasto na manutenção dos projetos sobre o lixo. Portanto, o próximo passo possível foi a criação de um estúdio de rádio para a confecção de spots com o intuito de disseminar a questão do lixo e promover a conscientização ambiental. O projeto consiste em oficinas de confecção de mídia e rádio à comunidade para a posterior divulgação com o intuito de atingir um número maior de pessoas sobre a questão do lixo. Para isso, uma estrutura seria necessária para comportar as oficinas, e o estúdio de criação. Vale lembrar que o projeto não abarca transmissão de sinal de ondas de rádio. Apesar do nome, em diferentes meios, como parceria com rádios comunitárias, divulgação em escolas e ainda, programação na rádio poste existente nas comunidades. Para isso, foi realizado um projeto de um estúdio de Rádio nas dependências do Atêlie de Idéias e que seria de uso de toda a comunidade interessada. O projeto seguiu as diretrizes programáticas de um estúdio de rádio e foi executado em madeira e vidro, pensando nos materiais de construção que caberiam com o pequeno orçamento, e ainda, com o local de difícil acesso. A rádio fica no quarto andar de uma grande residência alugada para fins comerciais no bairro do Itararé, também no Território do Bem. Contudo, o sistema de trabalho proposto para esse projeto
imagem 88 a 91: (página ao lado) Esquema de montagem da estrutura em madeira e MDF da Rádio. Modelo arquitetônicoCartaz de divulgação do concurso nas Comunidades. imagem 92 a 105: (página ao lado e próxima página) Montagem da Rádio do Bem. Fixação dos montantes em madeira, e posterior fixação das placas de MDF. Fixação do teto em mdf e Rádio do Bem já acabada. 126 para saber mais sobre o projeto <http://www.fbb.org.br/reporter-social/ tecnologia-social-ecos-do-bem-faz-campanha-ambiental-no-radio.htm>
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contudo, a rádio é destinada somente a produção de mídia para a divulgação
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aconteceu de maneira diferente do que até então era encampado pela parceria do grupo estudantil com as entidades civis organizadas que atuam nas comunidades. Nesta ocasião, o financiador do projeto foi o Atelie de Idéias, por intermédio do prêmio do Banco do Brasil. Nesta situação, a entidade arcaria com o projeto de arquitetura, com a compra do material, e ainda, com a contratação dos serviços necessários á obra. Valeu perceber que até então os projetos tinham a ajuda da Extensão Universitária principalmente na figura do apoio institucional da Universidade e de duas bolsas estudantis que eram divididas entre todos os participantes do grupo. Esta situação abre precedentes do grupo como prestador de serviço junto às instituições atuantes. Com a inserção de um novo agente financiador entra em cena a questão burocrática que gera dificuldades na contratação dos serviços e no pagamento de pessoal. Por ventura da burocracia imposta para o projeto, todos os serviços, pagamentos e afins eram realizados através de Registro de Pagamento de Autônomo (RPA). Isso significa que os pagamentos estavam condicionados à aprovação da instituição financiadora.
3.2.12 Expansão da ZEE-8 O projeto que se segue diz respeito à Expansão da ZEE-8. As Zonas de Equipamentos Especiais são delimitadas pelo Plano Diretor Municipal especiais, que exercem ou possam exercer impactos econômicos, urbanísticos, ambientais e funcionais no município. Para tanto, os responsáveis por esses equipamentos, implantados em oito diferentes zonas na cidade, deverão
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de Vitória como sendo áreas que englobam atividades de características
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imagem 106: Região da ZEE-8. Manchas em vermelho e verde mostram a proporção de cobertura e de área destinada à expansão. imagem 107: Esboço da nova Expansão da ZEE-8. Utilização da área da cobertura para ampliação dos espaços de lazer.
elaborar planos específicos para a ordenação das formas de uso e ocupação do solo dessas áreas. Os planos específicos de ocupação devem, segundo o PDU, envolver usuários e a população em geral e serem aprovados por Decreto do Executivo Municipal, com o parecer do Conselho Municipal do Plano Diretor Urbano. O CMPDU, por sua vez, é composto por titulares do poder público executivo e legislativo, das instituições que representam a classe profissional responsável pelo planejamento urbano e pela infraestrutura urbana, entidades empresarias de comércio e indústria, a Universidade, e os moradores dos bairros divididos em suas respectivas poligonais. A ZEE-8 em estudo é a região que engloba a área delimitada pela Av. Américo Buaiz e as ruas Marília Resende Scarton Coutinho e Renato Nascimento Daher Carneiro na Enseada do Suá em Vitória/ES. Ali está localizado o Shopping Vitória, um grande empreendimento comercial que gera seus devidos impactos na região. A região é privilegiada por sua localização em relação ao acesso à Terceira Ponte, que liga Vitória a Vila Velha, e abriga grande número de equipamentos institucionais urbanos em sua proximidade. A região sofre ainda influência da legislação que protege o cone visual do Convento Nossa Senhora da Penha, em Vila Velha. Na época do referido estudo, o empreendedor encaminhou ao Conselho do PDU um plano de ocupação do solo da área referida com a construção de Em estudo apresentado ao Conselho do Plano Diretor Urbano, nos terrenos localizados entre o empreendimento e a Ilha do Boi, e ainda, a ampliação da área edificada do shopping. Contudo, na ocasião o projeto foi duramente criticado principalmente por invadir o cone visual do Convento da
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o empreendedor sugere a construção de quinze a dezessete torres residenciais
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127 para saber mais sobre outros projetos apresentados para a ZEE-8 <http:// diariodaenseadadosua.blogspot.com. br/2012/11/ampliacao-do-shoppingvitoria-4.html>
Penha, e ainda, por apresentar um grande impacto na região da Enseada do Suá e da Ilha do Boi. Vale lembrar que outras propostas foram apresentadas posterior ao estudo que está aqui sendo apresentado127. Portanto, a proposta aqui apresentada é um estudo propositivo e alternativo para a expansão do empreendimento localizado na ZEE-8. Para elabora-lo, partiu-se das seguintes premissas básicas: primeiro assegurar o direito ao uso e a fruição gratuita dos espaços livres de uso público e da orla marítima, e; a abertura de um canal entre a enseada da Curva da Jurema com
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imagem 108: Imagem da proposta de Expansão da ZEE-8. Abertura do corpo d´àgua junto à ilha do Boi. Utilização da área da cobertura para ampliação dos espaços de lazer públicos e privados. Expansão e aumento da área útil de comércio e serviços.
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a enseada do Havaizinho. Por ventura do aterro dessas duas área, a Curva da Jurema consta com constantes assoreamentos principalmente por conta da restrição dos fluxos d`água. Além dessas diretrizes, o projeto ainda toma uma decisão importante. Para a ampliação da áreas de loja e por consideração ao uso e a
fruição gratuita da orla, a grande área de cobertura do empreendimento (por volta de 13 mil m2) será como uma grande praça pública gramada para o acesso dos transeuntes. Portanto, toda a expansão de lojas e área útil do empreendimento estaria localizados sob a grande área verde e livre proposta pela intervenção na cobertura. Uma grande área desaterrada comportaria espelhos d`água com o intuito de precaver a Curva da Jurema de sucessivos assoreamentos. Concomitantemente, uma grande marina seria construída na enseada do Havaizinho para abrigar passeios de escuna e de lancha pela Baía de Vitória. Um estudo mais detalhado pode ser necessário para fazer a interligação das ZEE com o Plano de Mobilidade Urbana de Vitória já apresentada. Nesta proposta a ser estudada, a estação modal três da Grande Praia do Canto poderia se incorporar ao projeto da expansão da ZEE-8. Contudo, essa ligação entre ambos fica para um estudo posterior. Por fim, as alternativas de viabilização deste projeto passam pelo contrato dos serviços de arquitetura pelo empreendedor, que evidentemente está vinculado ao interesse e ao retorno oriundo das expansões. Os financiamentos para construção também são oriundos do empreendedor interessado. Com isso, vale ressaltar a diferença deste projeto com os projetos anteriores: este é um estudo para uma entidade privada com financiamentos e contratos privados
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de projeto e execução.
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3.2.13 Terceira Ponte O projeto que se segue retoma o debate sobre a questão da mobilidade urbana. A Ponte Deputado Darcy Castello de Mendonça, a Terceira Ponte, é a principal ligação entre as cidades de Vitória e Vila Velha, e ainda, maior obra pública do Estado. Foi construída para desafogar as outras duas ligações entre a Ilha da Vitória e o continente que já se tornada crescente em meados da década dos anos 80. Em dados da concessionária que administra a ponte, o fluxo de automóveis desde a época da construção da ponte até os dias atuais sofreu um crescimento superior à 450%. Portanto a Terceira Ponte é um gigantesco nó aonde atravessam milhares de carros todos os dias, causando grande congestionamento principalmente nas horas de pico. Se não bastasse, a ponte é exclusivamente para a travessias de automóveis, portanto pedestres, ciclistas e outros métodos de transporte não motorizados não estão autorizados à atravessar a ponte. Desde sua inauguração, em fins da década de 80, foi instituído a cobrança do pedágio aos usuários. No período de 1989 até 1998, o dinheiro do pedágio foi destinado ao pagamento da dívida oriunda da construção da ponte.
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A partir da quitação da dívida, em 1998 foi aberto um edital de concessão para
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o trecho que vai da ponte até parte da Rodovia do Sol sentido sul. Com isso, há 15 anos o pedágio é cobrado para financiar a manutenção da ponte. Este servi, claro, é prestado pela empresa vencedora do edital. Contudo, em meados de abril deste ano o governador do Estado cancelou a cobrança do pedágio, depois de o Tribunal de Contas do Estado do Espírito Santo apontar um desequilíbrio em mais de 800 milhões de reais no
contrato da empresa prestadora de serviço e o governo. Mesmo com a cobrança do pedágio suspensa desde abril o pedágio está longe de acabar. Ainda existe a possibilidade da retomada da cobrança depois do relatório das instituições pertinentes. Mesmo com essa realidade, nada impede-se de pleitear estudos e propostas para o melhor funcionamento da cidade. Com isso, o projeto da Terceira Ponte figura-se como um estudo das alternativas proposta para o fim do pedágio. Como reorganizar uma estrutura ociosa oriunda do cancelamento da cobrança. Todas as estruturas de cabinas, escritórios e cancelas estariam a
imagem 109: Região e entorno do Pedágio da Terceira Ponte. Fonte: GEOWeb/PMV, 2014.
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partir dali ociosas. Portanto, a proposta tange uma reorganização do espaço
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para dar lugar á uma estrutura que vise tentar resolver a questão do trânsito, e ao mesmo tempo tornar o espaço agradável e acessível à outros modais de locomoção. Para tanto, na situação hipotética mas que toma forma cotidianamente, a praça do pedágio serviria de uma grande praça de lazer, usando-se da estrutura atual, e um grande acesso para o novo ciclotubo da Terceira Ponte. O ciclutubo é uma estrutura metálica aparafusada sob as vigas da ponte que possibilitaria a travessia de pedestres e ciclistas pela ponte. A velocidade do tráfego de automóveis na região é diminuída por conta da implantação de uma grande rotatória ao qual a praça do antigo pedágio se situa no centro.
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imagem 110: (acima) Proposta do ciclotubo em metal e vidro, aparafusado sob os vãos da ponte.
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imagem 109: (ao lado) Proposta de intervenção na região com o fim do pedágio da Terceira Ponte. Aproveitar a estrutura em concreto prémoldado para servir de acesso ao novo ciclotubo que será aparafusado sob os vãos da ponte. Uma grande quebra de fluxo acontece na descida e na subida da ponte, velocidade compatível com os grnades congestionamentos aos quais a Terceira Ponte está dariamente propícia.
Apesar disso, uma questão que se coloca, e que se figura como uma alternativa á restrição de automóveis nos centro urbanos, e consequentemente a diminuição dos congestionamentos, é justamente o uso do pedágio urbano. Contudo, para aplicar tal instrumento os recursos oriundos da prática da cobrança deve ser destinadas à políticas engajadas na questão da mobilidade urbana e do incentivo à outros modais de transporte coletivos ou não. Pro fim, o projeto da Terceira Ponte contempla a reformulação daquele espaço para atender alterações geradas pelo fim do pedágio. Contudo, tal obra passa pela autoridade do governo do estado como financiador, e da possível parceiria público privada, que também angaria fundos com a iniciativa privada. O concepção projetual e sua eventual execução tangem a necessidade de licitação de projeto e obra, entrando mais uma vez nos moldes convencionais de execução do objeto.
3.2.14 Ocupar Gramados128 O projeto Ocupar Gramados é um projeto de mobilização urbana, e engloba também performances com o intuito de alavancar o debate sobre os espaços públicos ociosos oriundos de grandes obras de infraestrutura viária. O debate surge na ocasião do projeto do Plano de Mobilidade Urbana de Vitória, já mencionado anteriormente. Além das questões já debatidas ocasionadas pela duplicação da Av. Fernando Ferrari a obra ainda gerou uma curvatura dos automóveis. Como se vê, o grande trevo construído para fazer a ligação UFES / Jardim da Penha / Av. Fernando Ferrari, gerou uma quantidade significativa
128 para saber mais sobre o projeto <http://ocupargramado.blogspot.com. br/>
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quantidade significante de áreas livres ociosas para comportar os raios de
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de áreas ociosas, aonde geralmente é cultivado um quase vistoso gramado. Com isso, o debate promovido pelo Ocupar Gramados gira em torno desses espaços residuais, das possibilidades desses espaços de comportarem diferentes usos e ainda o do estímulo dos pedestres, transeuntes e interessados no debate urbano principalmente da mobilidade urbana. Portanto, o Ocupar Gramados também está atrelado à necessidade urgente do debate sobre outro modais de transporte metropolitano, que poderiam, facilmente serem locados nessas áreas ociosas. Se faz uso principalmente da apropriação urbana desses espaços, tornando-os possíveis de comportar outro uso ao qual lhe é destinado. Mesmo que essa áreas sejam agradáveis e propícias à inúmeras atividades, sua localização em meio à velocidade exagerada dos automóveis nas vias desestimula qualquer apropriação por parte dos moradores ou transeuntes. Com isso, a proposta do Ocupar Gramados é fomentar reunião nesses espaços e mostrar que é possível a apropriação desses espaços estranhos à qualquer atividade humana. Baseou-se além de reuniões, em oficinas de alimento para os transeuntes e o convite para aderir ao movimento, e ainda, a divulgação de pequenos recados aos motoristas que passavam com palavras exaltando a importância do espaço público e sua ocupação. Outra atividade proposta aos participantes foi a discussão e levantamento de diretrizes para a alteração da situação atual do lugar. Aconteceram três reuniões para por em prática as atividades propostas. Uma na Av. Fernando Ferrari, no grande gramado contíguo ao trevo na descida da Ponte da Passagem que está inserido no contexto de duplicação da referida avenida. Uma reunião sob o Monumento do Imigrante, região próxima
imagem 112: (página ao lado) Proposta de ocupação dos gramados da Av. Fernando Ferrari nas proximidades do viaduto da UFES. Grande região verde obsoleta oriunda da Expansão Viária da avenida. imagem 113 (página ao lado) Proposta de ocupação dos gramados da Av. Nossa Senhora dos Navegantes, sob o Monumento ao Imigrante, perto à Curva da Jurema. Outra região com várias áreas verdes sem uso para proporcionar as alterações viárias necessárias ao uso irrestrito do automóvel.
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mobiliário urbano com resíduos encontrados nas redondezas, preparo de
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à Curva da Jurema. Esta região ociosa foi gerada pelo grande aterro de toda a região da Enseada do Suá, pouco posterior aos aterros do Novo Arrabalde na Praia do Canto. A terceira reunião aconteceu no trevo das Avenida Dante Michelini e da Av. Norte Sul. Essa região também é oriunda das obras viárias da Orla da praia de Camburi. Já em poucas reunião, houve uma divulgação interessante a ponte de em uma delas, haver a participação de mais de 200 pessoas em seu ponto máximo, contando com a participação da Bicicletada. A Bicicletada é um
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movimento urbano de estímulo e luta pela implementação e uso da bicicleta
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imagem 114: Proposta de intervenção com distribuição de recados ao pedestres e motoristas os incitando à ocupar os espaços públicos ociosos. imagem 115: Balanço foram instalados nas árvores para estimular a ocupação e uso desses espaços ociosos.
imagem 117: Ocupar Gramados no viaduto construĂdo por uma grande mineradora no fim da Praia de Camburi. Os encontros geravam principalmente o espanto dos pedestres e motoristas.
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imagem 116: Um grande balanço foi instalado em um flamboyant no trevo da Av. Nossa Senhora dos Navegantes e a Av. Jones dos Santos Neves. Outra grande årea verde ociosa na malha urbana.
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como alternativa de trabalho e lazer à mobilidade urbana. Contudo, após essas três reuniões o projeto Ocupar Gramados tomou proporções interessante e se candidatou à uma Bolsa de incentivo junto à Secretária do Estado da Cultura e seus editais de fomento. O Ocupar Gramados foi escolhido apto à receber o montante e a disseminar o debate sobre a questão dos espaços residuais urbanos. Nessa etapa do projeto, aconteceram mais duas reuniões que contaram com uma estrutura apta a comportar mais atividades e um maior número de pessoas. Logo, aconteceu uma reunião na Praia dos Namorados, no cruzamento da Av, Nossa Senhora dos Navegantes com a Av. Saturnino de Brito. Essa região, continuação da Av. Américo Buaiz, aonde foi palco a segunda reunião do Ocupar Gramados, também é oriunda de aterros destinados à obras viárias e gerou uma grande área ociosa nas redondezas. A segunda reunião sob o amparo do edital, foi na região recém inaugurada do chamado Viaduto da Vale. A obra financiada pela empresa situada contígua à Jardim Camburi teve seu trânsito alterado para facilitar a entrada de seus carros e ônibus de serviço. Contudo, mesmo a obra sendo destinada a melhorias unicamente no trânsito de veículos automotores, deixa de resquício grandes áreas verdes ociosas que
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poderiam ter o destino do lazer.
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Por fim, o Ocupar Gramados é um projeto novo que engloba a luta urbana e organizada por um melhor planejamento nas obras viárias. Se foca na adesão de alternativas à outros modais de locomoção que ocasionem menos espaços ociosos e ainda, ao debate urbano da apropriação dos espaços públicos e a necessidade da manutenção dessas áreas para o crescimento saudável da cidade.
3.2.15 Tópicos de Arquitetura Contemporânea Com a consolidação dos debates surgidos com os projetos já apresentados, Tópicos em Arquitetura Contemporânea é uma proposta que retoma seus objetivos à Escola de Arquitetura da UFES. Desta vez, já com projetos que englobam patamares externos à Universidade, o referido projeto é uma proposta de intervenção docente no quadro curricular do Curso de Arquitetura e Urbanismo da UFES. A proposta surge, mais uma vez, com a necessidade de formalização de um debate mais amplo em relação ao papel social do arquiteto e ainda, suas possíveis áreas de atuação que são deixadas de lado pela academia. Portanto, não é só a realidade formal e mercadológica da profissão que deve ser abarcado pelos arquitetos, mas outros ramos como os campo político e pedagógico. Com isso, o projeto Tópicos em Arquitetura Contemporânea se figura como uma disciplina ministrada por um grupo organizado de estudantes e profissionais de arquitetura e urbanismo. A proposta abarca duas disciplinas com duração de um semestre letivo cada. Para a formalização da proposta junto ao Departamento de Arquitetura e Urbanismo da UFES (DAU/UFES) formulou-se dois conteúdos programáticos referente a cada disciplina. A primeira disciplina, dividida em quatro partes sugere o debate das seguintes questões. A primeira parte aborda a discussão sobre a formação e desafios para o jovem arquiteto no Brasil. Pontuar os fatores determinantes para a transformação da profissão e os agentes responsáveis pela produção da arquitetura e do urbanismo. Com essas questões, a primeira parte visa dar um
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acadêmica do arquiteto urbanista, sua atuação profissional e as perspectivas
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panorama geral da atuação profissional do arquiteto e urbanista. A segunda parte aborda questões vinculadas ao canteiro de obras, ao desenho de arquitetura e as comunidades aonde a profissão se insere. Aborda diferenças e peculiaridades do desenho e da técnica em arquitetura e urbanismo nas respectivas comunidades antagônicas. A participação e construção coletiva e subjetiva na prática projetual e construtiva nesses diferentes territórios. E por fim, práticas derivadas do ensino formal e informal da arquitetura e a relação com as alternativas de atuação de alguns arquitetos como Lina Bo Bardi, Lelé, o Grupo Arquitetura Nova dentre outros. Em uma terceira parte mais conceitual, abordar o pertencimento e identidade na formulação dos territórios. O tema coloca em debate a movimentação social advinda dos processos projetual e seus desdobramentos na paisagem e no tecido urbano. A luta como resistência urbana e sua afirmação no território e ainda, a partir disso a cidadania e a arquitetura. Abordar ainda
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o papel na Universidade na construção desses territórios e ainda, o papel
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imagem 118: Aulas expositivas da disciplina de Tópicos em Arquitetura Contemporânea. Além da aula expositiva, um texto de arquitetura era dado e posteior havia o debate sobre o referido tema. A disciplina ainda conta com Mesas Redondas e visitas.
da Cidade Escola, narrando experiências nas Residências em Arquitetura e Urbanismo. Na quarta e última parte, a disciplina aborda a resposta à cidade contemporânea. Os reflexos, as ações e as reações de diferente grupos dentro do contexto urbano. Abordar fenômenos coletivos de atuação e movimentação urbana como luta à cidade apresentada. Essa fecha a primeira parte que aborda questões mais conceituais sobre a função social da profissão e suas perspectivas. Na segunda fase, instaurar uma abordagem mais técnica sobre a arquitetura. Dar ênfase na experimentação e no desenvolvimento de novas metodologias projetuais. Por em exercício a exploração de novos sistemas construtivos na nova situação emergente da profissão. Portanto, nessa nova fase, a disciplina se divide em três etapas narradas brevemente a seguir. A primeira parte tange a discussão sobre a formação acadêmica e profissional do arquitetura e urbanista. Aborda a capacidade do profissional em superar o poderio econômico, político e social coercivos como fatores determinantes e propor a implementação de novos modelos urbanos emergentes. E com isso, rever metodologias e técnicas construtivas compatíveis com a nova postura profissional. A segunda parte aborda a mobilização necessária para promover uma política do urbano. Figura-se na discussão da arquitetura e seus processos pelas demandas de seus habitantes. Como colocar a arquitetura em serviço da alteração das condições socioculturais e da realidade urbana. Por fim, desenvolver uma prática experimental que vincula a
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de construção. A compreensão da cidade como organismo reprogramável
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docência e o ofício. Propor intervenções alternativas que vinculem a concepção arquitetônica, suas metodologias e suas técnicas construtivas, com a realidade acadêmica. Propor ligações concretas entre a construção prática cotidiana da cidade com a realidade teórica das faculdades e cursos de arquitetura. Com isso, conclui-se a proposta em dois ciclos de debates, divididos em duas disciplinas. A metodologia proposta figura-se em reuniões expositivas sobre os temas de cada etapa da referida disciplina. As aulas práticas, aonde se realizam visitas em determinados lugares da cidade a fim de mostrar exemplos importantes de projetos e intervenções profissionais que abarquem outras realidades de atuação. As mesas redondas, com convidados externos à academia abordando temas específicos propostos para a disciplina. Essas mesas redondas aconteceriam abertas à toda a comunidade Universitária. As aulas de integração dialogada, aberta ao debate dos estudantes sobre a somatória de atividades oriundas dos outros três momentos. As conclusões entre as aulas expositivas, as aulas práticas e as mesas redondas. Na segunda etapa, inserese os laboratórios, que são visitas, derivas e oficinas projetuais, operacionais e construtivas, com o intuito de propagar o conhecimento e a leitura crítica das realidades construtivas.
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Contudo, apesar de uma proposta embasada, houve a dificuldade
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de abertura da estrutura acadêmica em relação à proposta. Por conta disso, somente foi possível a conclusão da primeira disciplina. Por volta de trinta alunos devidamente matriculados participaram da experiência.
3.2.16 Respaldo Técnico sobre a Expansão da Vila de Itaúnas O projeto em questão encontra novamente a Federação Nacional de Estudantes de Arquitetura e Urbanismo (FeNEA) como estrutura de construção e debate sobre o tema que se insere. Contudo, apesar de brotar na esfera estudantil o projeto figura-se como um Respaldo Técnico sobre a Expansão Urbana da Vila de Itaúnas. Para isso, foi formulado por arquitetos, estudantes e moradores da Vila de Itaúnas em Conceição da Barra/ES. Itaúnas é uma pequena vila situada às margens do rio de mesmo nome e tem sua formação histórica diretamente ligada às grandes fazendas de mandioca, café e açúcar que afloraram no norte do estado e no sul da Bahia principalmente na segunda metade do Século XIX. Porém, como se sabe, toda a economia Imperial Brasileira fora baseada no uso da mão de obra negra escrava. Com isso, o porto de São Mateus foi porta de entrada de centenas de milhares de escravos negros trazidos para trabalhar na região. Portanto, hoje sobrevivem inúmeras comunidades quilombolas contíguas aos inúmeros corpos d`água existentes na região ou espremidos no pequeno centro urbano da Vila de Itaúnas. Com isso, as características da região são essencialmente marcadas por uma forte presença negra que traz consigo traços genuínos de música, cultura, técnica construtiva, etc. Contudo, a região sofre com a presença de outros agentes que seus ricos traços e saberes culturais. Primeiro a presença das grandes madeireiras em toda a região norte do estado e sul da Bahia. Implantadas no período militar pós decadência do café, essas madeireiras poêm em risco principalmente a
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dificultam e ameaçam a sobrevivência não só dos moradores tradicionais, mas
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vastíssima biodiversidade que é a sobrevivência dos moradores tradicionais que ali se encontram.
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Com a iniciativa de tentar barrar o desmatamento desenfreado
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imagem 119: Região da várzea do Rio Itaúnas, com as dunas, à direita, proveniente do desmatamento da vegetação nativa, e a pequena vila, no centro da imagem. A aglomeração à esquerda refere-se à uma ocupação consolidada por moradores reinvidicando acesso à terras. A autoridade do Parque Estadual de Itaúnas protege toda a mata contígua a vila impedindo o avanço dos pastos de Eucalipto que avançam à esquerda na imagem. A estrada que corta a imagem, refere-se à Rodovia Estadual ES-010.
cria-se a instituição do Parque Estadual de Itaúnas (PEI), instituto com vínculo direto com o Instituto Estadual do Meio Ambiente (IEMA) do governo do estado. A autoridade do parque resguarda grande áreas de mata nativa alagadiça e de manguezal, instituindo regras de usufruto da mata, da caça e da pesca. Com isso, a Vila de Itaúnas se figura em duas realidades: de um lado grupos de negros organizados no interior da vila entre as matas nativas e as matas de eucalipto das grandes madeireiras, e de outro, uma vila confinada ao mal planejamento turístico, que sem espaço para expansão, expulsa seus moradores originais para dar lugar à grandes pousadas e um comercio dedicado
Portanto, Itaúnas se encontra na necessidade urgente de áreas de expansão da malha urbana para comportar, primeiro o crescimento demográfico natural da população residente, e depois, do grande número de turistas que buscam na vila lindas paisagens naturais. Com isso, o projeto consistiu num Respaldo Técnico destinado aos moradores da Vila de Itaúnas e ás instituições interessadas sobre a Expansão Urbana da Vila de Itaúnas. O projeto construído em discurso amplo com a comunidade traçou as seguintes diretrizes: ampliação da malha urbana em terrenos próximos à Vila de Itaúnas e que não sejam áreas de preservação sob a proteção do PEI e de preferencia para terrenos que já estejam limpos e que sejam de posse do Executivo Municipal; manutenção das áreas de
imagem 120: Proposta de Zoneamento Elaborado durante a Maratona de Projetos. Em Amarelo, a região consolidada da vila com as estrelas representando as duas referências urbanas. A praça central e o campo de futebol. Em alaranjado, região de ocupação consolidade posterior. Em azul, o terreno aonde será construída a nova Escola Estadual de Itaúnas. En verdem áreas de reflorestamento e regeneração da mata nativa e do ecossistema local. Em negro, a àrea pleiteada para a ocupação da vila e de posse do executivo municipal. Os pontos em vermelho referem-se à mudança do Portal de Itaúnas indo do ponto central ao mais à esquerda. E em vermlho, finalmente, a área pleiteada para a Expansão Urbana.
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principalmente à atividade turística.
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amortecimento e de regeneração da mata nativa; manutenção da área de várzea (15 m) do rio Itaúnas com o Área de Proteção Permanente, assegurando a permanência das edificações já existentes nesse perímetro; proibição de ampliação e de construção de novas edificações nas áreas de várzea asseguradas por sua manutenção; reafirmar e induzir o pertencimento da região do Rio Itaúnas como área de preservação ambiental e cultura com programas de conscientização encampada pelo Executivo Municipal, pelo PEI e por quem mais couber, e; proporcionar o acesso e o uso do Rio Itaúnas pela população com o mínimo de alteração da paisagem natural. Soma-se às seguinte diretrizes, a questão da mobilidade urbana na Vila de Itaúnas. A proposta apresentada pela municipalidade conta com a alteração da ES-010, via que dá acesso à Vila, para os limites da cidade de Conceição da Barra, isso possibilitaria a restrição do acesso de automóveis na vila em datas comemorativas como carnaval, ano novo e etc. Portanto, com as seguintes diretrizes, traçou-se um plano de intervenção e de expansão da Vila de Itaúnas e recebeu o nome de Plano de Mobilidade e Expansão da Vila de Itaúnas. Vale lembrar que o projeto foi construído dentro da estrutura
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do Encontro Regional de Estudantes de Arquitetura e Urbanismo (EREA) em
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Itaúnas. Em formato de Maratona de Projetos, o referido projeto foi construído por estudantes de arquitetura de várias escolas de arquitetura do Brasil, sob a orientação de um arquiteto orientador. O EREA é mais um projeto de fomento da FeNEA. imagem 121: Proposta de estudo e intervenção na Orla do Rio Itaúnas, necessário para frear a ocupação desordenada da área de varzea do rio. Em evidência, a revitalização de três regiões de acesso da via com o rio, propriamente.
3.2.17 Residência em Fradinhos O projeto em questão se volta exclusivamente para o mercado formal de arquitetura. Se presta à arquitetura de cunho estritamente particular. Com isso, a proposta figura-se em um estudo preliminar de uma residência unifamiliar no bairro de Fradinhos, em Vitória. Logo, o projeto se viabiliza por conta do contrato direto entre os prestadores de serviço e o proprietário do terreno em questão. O conteúdo programático do projeto surgiu com a apresentação das demandas pelo proprietário e após levantamento do terreno e das suas condições físicas, climáticas e de acesso, surgiu a proposta que foi apresentada. Após a aprovação do projeto junto ao proprietário, o próximo passo foi a aprovação do projeto junto à Prefeitura Municipal de Vitória para que lhe fosse concedido o alvará de execução. Contudo, a região aonde se encontra o terreno, conhecida como Nova Fradinhos, na parte baixa do bairro, surgiu de um grande loteamento clandestino sem a aprovação da prefeitura. A maioria das casas que ali foram construídas seguiram os índices e parâmetros construtivos dos próprios proprietários. Com isso, a maioria das casa de médio e grande luxo encontradas na região foram construídas sem o aval da municipalidade. O que acontece com frequência, portanto, é o suborno dos fiscais da prefeitura, que permitem a construção sem o alvará, principalmente por se tratar de uma área nobre. pela maioria dos moradores do bairro, foi de preocupação do proprietário a realização de todas as etapas burocráticas para a execução do projeto. Contudo, isso gerou o principal debate que aqui se insere. Primeiro a questão da burocracia
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Mesmo sabendo desses procedimentos que são adotados
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necessária para a execução desse tipo de projeto, ocasionando principalmente imagem 122: Proposta apresentada e a formalização do desenho técnico. Dificuldades de compreensão de toda a burocracia exigida. Lembrar da omissão da Universidade em relação ao trâmites jurídicos do projeto de Arqutietura.
a construção de edificações irregulares sem seguir os padrões estipulados pelas legislações pertinentes, e ainda, induzindo a prática do suborno. Isso se faz presente uma vez que é mais oneroso conseguir o alvará de construção nos trâmites legais propostos, do que subornar a fiscalização para simplesmente “não ver” a obra.
Segunda questão que se insere, e que se faz importantíssima para
129 para saber mais ver O Canaã.
debates futuros, é a omissão da Universidade em mais um tema importante que deveria ser inserida em sua grade curricular. O despreparo de seus estudantes e futuros profissionais em temas que tangem a burocracia necessária para a aprovação de projetos junto à municipalidade. Pontua-se aqui, portanto, mais um tema omisso pela escola de arquitetura.
3.2.18 Pomeranos: sua técnica construtiva e a influência da cidade contemporânea O projeto Pomeranos é uma proposta de estudo futuro que se faz necessário para debater o rumo das pequenas cidades interioranas do estado. Neste caso específico, o de Santa Maria de Jetibá/ES uma cidade marcada pela imigração pomerana129 de meados do Século XIX e que hoje sofre de alterações bruscas advindas do crescimento urbano acelerado. Com população em torno de 35 mil habitantes, segundo o Censo de 2010, 11.791 encontram-se espremida na área urbana. Portanto, esses dois terços que moram na área rural são responsáveis pela produção de hortifrutigranjeiros que abastecem grande parte da região metropolitana de Vitória e alcança mercados em Minas Gerais, São
imagem 123: Exempo de uma construção típica em enxaimel na região do vale do São Luiz, hoje Santa Maria de Jetibá.
Paulo e Rio de Janeiro. Por conta desta realidade o munícipio sofre de grande advento econômico e seu crescimento acelerado sobressai sobre outras cidades da região serrana do estado. Com isso, o pequeno centro urbano acomodado comércio, os dados ainda revelam uma questão curiosa. Segundo a Prefeitura Municipal de Santa Maria de Jetibá, 98% da população urbana é empregada, ou seja, apenas 2% são donos dos estabelecimentos comerciais.
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no vale do estrito rio São Luís cresce em ritmo acelerado. Munido de grande
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Nesse panorama três questões essenciais são necessárias ao debate. Primeiro a questão da ocupação do solo sem o devido planejamento, ocasionando regiões adensadas, com vias estreitas e ainda, sufocando os corpos d`água e a mata nativa. Sua localização montanhosa entre vales gera a ocupação desordenadas desses morros e encostas, abrindo ainda, lugar para a especulação imobiliária desses novas áreas de expansão. Se não bastasse, grandes áreas de
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expansão nessas regiões de morro têm seu loteamento e expansão incentivadas
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pela municipalidade. Segundo, o preocupante crescimento irrestrito do uso do automóvel, causando um verdadeiro caos urbano, tanto de carros de passeio, quanto de caminhões escoando a produção do interior. Vale lembrar, que segundo dados do Departamento Estadual de Trânsito (DETRAN) a imagem 124: Vista da região de Santa Maria de Jetibá ainda com poucos edifícios, mais já com a imponência do edifício da igreja Luterana.
evolução da frota de veículos nos municípios do interior do estado é maior do que a evolução da frota nos municípios da região metropolitana. E em
terceiro, o esquecimento da grande contribuição cultural desses povos, no que diz respeito à seus costumes, sua língua e ainda, seus métodos construtivos. O enxaimel, técnica construtiva em madeira e taipa de mão, foi trazida pelos primeiros imigrantes pomeranos e hoje sobrevivem somente alguns exemplares espalhados pelo interior do município. Alguns exemplares já desapareceram
imagem 125: Exemplo de construção existente em muitos resquícios rurais. Necessidade de preservação da técnica construtiva trazida com esses imigrantes e colonos é iminente. Nenhuma política pública é voltada à preservação desta técnica.
por despertarem o interesse de sua valiosa madeira, que recebiam tratamento excepcional antes da construção, e ainda, desapareceram também por conta ultrapassada e preferindo as construções em concreto armado e alvenaria convencional. Com isso, a proposta gira em torno principalmente das técnicas
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da omissão do poder público, acreditando ser aquela técnica construtiva
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construtivas usadas por esses primeiros imigrantes e os fatores determinantes para o seu desaparecimento. A inserção de novas técnicas construtivas, e de outros ritmos culturais influenciados pela cidade contemporânea. A manutenção dessas decisões e os agentes responsáveis pelos debates levantados. Pontuar o planejamento urbano como instrumento indispensável do crescimento urbano, bem como a manutenção da memória construtiva e cultural de seus habitantes. O projeto proposto buscará interessados e financiadores nas instituições mantenedoras da cultura e do executivo municipal. Contudo,
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dificuldades serão encontradas uma vez que a própria municipalidade é quem
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imagem 126 e 127: Somente algumas unidades sobraram no perímetro urbano da cidade. Logo, a maioria dessas construções está afastada do centro urbano, muitas vezes escondidas na mata. À esquerda, uma construção já na divisa com a cidade de Santa Leopoldina, e à direita, um exemplar abandonado às margens do Rio Santa Maria da Vitória.
faz a manutenção de grande parte dessas decisões, acarretado as grandes problemáticas encontradas neste campo de estudo.
3.3 Resultados e Dificuldades Após enumerar os projetos, estudos e intervenções realizados, parte-se para os resultados e as dificuldades encontradas na concepção de cada um deles e, quando for o caso, na sua execução. Trata de avaliar os resultados e dificuldades de acordo com as instituições que lhe deram abertura, e a partir daí propor as diretrizes que virão no próximo capítulo. Com isso, e para facilitar a organização, dividiu-se os projetos em cinco grupos que traduzem a relação do exercício profissional com a respectiva instituição envolvida. Contudo, como já foi colocado, alguns projetos não se passam de estudos sobre temas e debates que acredita-se serem pertinentes à profissão, logo, os resultados e dificuldades desses projetos são projeções, uma vez que os mesmos não foram concretizados. Com isso, para retratar seus resultados e dificuldades toma-se como exemplo projetos semelhantes que efetivamente foram executados. Apesar disso, mesmo sendo estudos e leituras baseadas unicamente em alternativas ao que efetivamente está sendo proposto ao espaço urbano, ainda é possível pontuar os seus resultados, uma vez que são experiências necessárias à intervenções e projetos futuros. Com isso, a primeira ligação faz-se entre a arquitetura e a academia. Essa relação insere projetos que surgiram e se desdobraram no espaço acadêmico do curso de Arquitetura e Urbanismo da UFES. Tem, ligados principalmente ao ensino de arquitetura, e claro, também à questões burocráticas da Universidade. Logo, acredita-se ser esse debate de suma importância, uma vez que a academia que forma os profissionais de arquitetura
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portanto, como objetivo a posição da profissão referentes aos temas que estão
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para atuarem nos mais diversos campos. A segunda ligação da arquitetura se faz com a Extensão Universitária. É através do seu fomento que grandes projetos foram possíveis, exclusivamente na região do Território do Bem. O fomento da Extensão visa primordialmente o acesso à comunidade dos saberes que são produzidos dentro da Universidade. Contudo, como já foi mencionado, o fomento se dá à grupos estudantis organizados sob a custódia de um professor orientador. Com isso, trata-se aqui dos resultados e dificuldades encontrada nos projetos que tiveram como instituição de fomento a Extensão Universitária. A próxima ligação se faz entre a arquitetura e as Entidades Civis Organizadas. São essas entidades que pleiteiam melhorias às suas respectivas comunidades, e ainda, no caso das Organizações Não Governamentais, as ONGs, pleiteiam também políticas urbanas aos quais o Estado se omite. Vale lembrar que no caso das ONGs, essas organizações surgiram no Brasil justamente por conta da omissão do poder público nessas comunidades. Portanto, além das ONGs, as Associação de Moradores de Bairro e de Desenvolvimento Comunitário também estão aptas a captar recursos e projetos através da vários financiadores, e que necessitam de assessoria de um profissional de arquitetura
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e urbanismo.
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A quarta ligação proposta para este estudo figura-se na associação entre a arquitetura e a iniciativa privada. Essa ligação, como se vê, é a ligação que mais demanda o exercício da profissão. A iniciativa privada, portanto, caracteriza-se por relações aonde não há a figura do Estado, logo, se faz entre entidades privadas e o prestador de serviço. Com isso, na etapa da concepção projetual, a relação faz-se através de contrato entre o arquiteto como
prestador de serviços, e o proprietário na figura de contratante. Na etapa da execução do referido projeto, faz-se também por contrato entre o construtor ou a empreiteira como prestador de serviço e o proprietário. Vale lembrar também que alguns projetos apresentados que se vinculam à essa ligação não foram executados, portanto, entram como questionamentos futuros ou hipotéticos de seus resultados e desdobramentos. A última ligação se faz entre a arquitetura e a iniciativa pública. A iniciativa pública é aquela fomentada pelos governos municipais, estaduais e federal que necessitam dos mais diversos tipos de projeto para executálos nos seus territórios. Contudo, toda e qualquer relação da arquitetura, ou claro, de qualquer outro ramo profissional, com a iniciativa pública se faz através de licitações públicas. Como se vê, as licitações públicas colocam todos os profissionais interessados em sanar as demandas públicas no mesmo patamar. Esses prestadores de serviço são escolhidos pela iniciativa pública, principalmente por conta da técnica e do menor preço oferecido pela proposta. Apesar disso, tem-se hoje a discussão de duas questões primordiais em relação às licitações públicas: primeiro a questão da necessidade do menor preço, acarretando obras de baixa qualidade; e ainda, a questão das fraudes nas licitações e de superfaturamento nessas obras, causando gastos excessivos aos cofres públicos. Contudo, os projeto incluídos nessa relação são estudo hipotéticos, que como se sabe, deverão passar por esses sistema de contratação Com isso, esses são os cinco grupos aos quais os projetos apresentados foram divididos. Traça-se a seguir os resultados e as dificuldades encontradas em cada um desses grupos e instituições:
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do serviço.
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3.3.1 Arquitetura e a Academia
Habitantes da CEMUNI III (2008) Dossiê da CEMUNI III (2009) SeNEMAU Vitória (2010)
Tópicos em Arquitetura Contemporânea (2013) Os projetos listados acima refletem a ligação da arquitetura com a academia. Os resultados oriundos desta ligação figuram-se principalmente no fortalecimento das estruturas estudantis. Como já mencionado anteriormente é através dela que se organizou a maioria dos projetos, inclusive sob fomento da Extensão Universitária. Com isso, além de serem projetos que dão abertura para novas intervenções e estudos, também tem o objetivo de colocar em debate a instituição acadêmica enquanto formadora da postura profissional. Além disso, também tange como objetivo o debate e a reformulação de temas que devem ser inseridos na estrutura acadêmica. Esses
temas,
como
descrito
nos
projetos,
figuram-se
principalmente na função social do arquiteto urbanista nas suas mais diversas atribuições. Sendo esta atribuição vinculada à academia, fomentando novos rumos à profissão através da docência ou também com sua inserção nas
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comunidades carentes sem acesso ao serviço deste profissional.
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Com isso, os resultados figuram-se na inserção de um novo debate na escola de arquitetura, mesmo sendo estimulado unicamente pela instituição estudantil. Isso desdobra-se em outras questões, principalmente no fortalecimento dessas instituições que ao longo dos anos foi capaz de angariar vários projetos em diferentes frentes. Contudo, hoje inicia-se um novo ciclo aonde há a necessidade de um novo fortalecimento estudantil junto à academia. Contudo, apesar de várias propostas encampadas no nível
acadêmico, sempre houve a dificuldade de diálogo com a estrutura universitária. Seja ela na figura dos professores do curso de arquitetura, ainda ligados à escola moderna, sem admitir o surgimento de outros campos profissionais, ou nas instituições superiores da Universidade, que se guardam de manter a estrutura vertical do ensino, oriundas de instituições segregadoras. Outra dificuldade encontrada na construção desses projetos é a dificuldade na adesão dos estudantes ao debate. Acredita-se que isso se dá por conta de alguns fatores essenciais. Primeiro a elitização do curso de arquitetura e da universidade em geral, aonde quem têm acesso ao ensino universitário é uma parcela mínima da população de alto poder aquisitivo que tem acesso ao ensino médio particular. Essa questão também envolve a precarização da estrutura pública média de ensino. Contudo, algumas políticas de ingresso, como cotas à estudantes de baixa renda, amenizam a questão. Outro fator essencial é na escolha do próprio aluno em atuar no mercado profissional instituído, pois esse o remunerará melhor. Com isso, os resultados gerais figuram-se na consolidação de uma postura profissional de um grupo que encampou essas alterações na realidade acadêmica do curso de arquitetura e urbanismo da UFES. Essa postura consolidou a construção de outros projetos que virão.
3.3.2 Arquitetura e a Extensão Universitária Pontos Sujos de Lixo (2009) SeNEMAU Vitória (2010) Os projetos encampados em parceria com a Extensão Universitária refletem a consolidação das estruturas estudantis junto à
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Habitação, Memória e Vivência (2009)
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Universidade. Primeiro pela sua organização em pleitear junto à Extensão a atuação da profissão, e por consequência do saber construído dentro da Universidade, nas comunidades periféricas sem acesso pleno à esses serviços. Com isso, os resultados primeiros foram a disseminação da profissão e das atribuições profissionais à uma comunidade sem acesso ao arquiteto, e ainda, a formação política dessas comunidades em pleitear a necessidade desse profissional em suas próprias realidades. Contudo, a primeira dificuldade encontrada figura-se na burocracia do registro da atividade de Extensão junto à Universidade. Além dessa burocracia encontrada, pontua-se o pouco incentivo aos projetos de Extensão com poucas bolsas de estímulo e com uma estrutura sucateada. Logo, os projetos de Extensão, como o EMAU, trabalham sem o espaço físico adequado e sem a verba necessária para pleitear seus projetos. Além disso, outra questão que envolve a ligação com a Extensão Universitária também tange a dificuldade de adesão de estudantes para as atividades propostas pelo EMAU e pelos projetos de Extensão em geral. Apesar dessa dificuldade, um dos resultados oriundos dessas atividades foi a produção de inúmeros Projetos de Graduação (PG) relatando as atividades executadas
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nessas comunidades e ainda, lançando inúmeros novos projetos à elas.
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Além dessas comunidades serem os maiores beneficiados dessa ligação da arquitetura e da Extensão Universitária, ainda se figura como resultado a abertura de novas áreas de atuação profissional. Isso se dá principalmente por conta da atuação conjunta com as Entidades Civis Organizadas. Esse campo profissional se abre com a ajuda da Extensão Universitária, que coloca a profissão nessas comunidades e mostram a esses grupos a extrema importância
de um profissional de arquitetura nas suas decisões comunitárias.
3.3.3 Arquitetura e as Entidades Civis Organizadas
Rosana (2008) SeNEMAU Vitória (2010) Respaldo à Comunidade Lauro Vieira Chaves (2011) Beco Limpo e em Cores (2012) Rádio do Bem (2012) Ocupar Gramados (2013) Respaldo Técnico sobre a Expansão da Vila de Itaúnas (2010) A relação da arquitetura com as Entidade Civis Organizadas, por sua vez, figura-se na dificuldade de atuação do profissional, mas ainda, na disseminação do trabalho do arquiteto e urbanista junto à essas entidades e suas respectivas comunidades carentes. A dificuldade se dá principalmente por conta da burocracia no acesso aos financiamentos públicos ou privados necessários para pleitear os projetos e intervenções que se deseja. Contudo, mesmo com a dificuldade de financiamento, os projetos encampados em um primeiro momento, buscaram principalmente disseminar a necessidade de um profissional de arquitetura aos pleitear seus projetos comunitários. Isso resultou no aparecimento de uma nova e grande demanda do trabalho do arquiteto e urbanista, o Território do Bem. Isso, vale lembrar, apesar da dificuldade da própria Universidade de reconhecer essa Isso, salvo postura pontuais de alguns professores do curso de Arquitetura e Urbanismo da UFES que voltaram suas disciplinas à problemáticas do Território do Bem. Contudo, isso ainda é pouco do que pode contribuir a
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demanda.
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Universidade. Voltando à questão primeira, a relação com as Entidades Civil Organizadas se dá em dois momentos distintos. Primeiro com projetos encampados pelo grupo de estudantes/arquitetos da UFES (financiados pela Extensão Universitária) aonde as Entidades, em conjunto, construíam a proposta. Em um segundo momento, já como prestadores de serviço, na figura de estagiários, ou até mesmo arquitetos contratados para dar assessoria à seus projetos. Com isso, o legado principal foi disseminar a profissão à essas Entidades para entender a necessidade do profissional de arquitetura. Já os resultados da execução desses projetos, figura-se principalmente na disseminação, na prática e no exercício do sistema de mutirão autogerido. No primeiro momento, esta é uma prática comum, uma vez que não há verba para destinar ao prestador de serviço. Contudo, o mutirão autogerido também é importante para angariar pertencimento dos participantes com as obras construídas e consequentemente com aquele território. Já em um outro momento, com a formalização de alguns projetos junto à instituições financiadoras e com recurso disponível para sua realização, necessitou-se da contratação de determinados serviços, principalmente para
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dar rapidez à obra, e ainda, melhor execução técnica.
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Os projetos encampados pelas Entidades e que necessitavam da assessoria técnica de um profissional de arquitetura e urbanismo era financiados principalmente por duas fontes: as públicas e as privadas. O financiador público, através de diversas instituições de fomento, como fundos públicos de moradia, editais de cultura, prêmios públicos de tecnologia social e outros; e ainda, o financiador privado na imagem de empresas privadas dos mais diversos ramos.
A relação com o primeiro financiador, o público, passa por elevada burocracia de inscrição dos projetos, e ainda, de manipulação da verba. Isso gera dificuldades de pagamento de pessoal e serviços, e ainda, no atraso do pagamento de funcionários dentre outras coisas. Isso acarreta, principalmente o atraso na conclusão dos projetos. O financiador privado, por sua vez, facilita o acesso à verba destinada ao projeto, contudo, cobra rapidez na execução na sua entrega. Como já mencionado, as empresas doam à essas Entidades para terem abatido parte dos impostos cobrados para seu funcionamento. Logo, apesar das dificuldades, a relação da arquitetura com as Entidades Civis Organizadas se figura nessas duas questões: primeiro a disseminação da necessidade de um profissional de arquitetura e urbanismo nessas comunidades carentes, e ainda, campo vasto de atuação da classe na construção de projetos que visem o crescimento saudável do cenário urbano.
3.3.4 Arquitetura e a Iniciativa Privada Marineide (2009) Expansão da ZEE-8 (2011) Residência em Fradinhos (2014)
A relação da arquitetura e da iniciativa privada desdobra nos seguintes resultados e dificuldades. A iniciativa privada figura-se na imagem do proprietário ou da empresa privada que contrata o arquiteto para prestar financiador. Contudo, vale lembrar que a iniciativa privada se divide em dois segmentos aos quais os projetos tiveram abertura. Primeiro o do financiador privado com alto poder aquisitivo,
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sua assessoria técnica e suas considerações sobre os temas colocados por esse
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ao qual além de contratar o serviço do arquiteto contrata ainda o serviço dos construtores e de todo o material de construção requerido. Ainda contrata os outros projetos complementares, como estruturais, hidrossanitários, elétricos e outros que se fizerem necessários. Segundo o do financiador privado com baixo poder aquisitivo, principalmente na figura de proprietários e moradores de comunidades carentes, que se veem na necessidade de regularização do imóvel junto à municipalidade. Contudo, apesar de haver verba destinada ao material de construção necessários à obra e aos construtores, geralmente não há a verba destinada à contratação do serviço do arquiteto e urbanista. Isso se faz, ou melhor, deveria ser feito, por intermédio do poder público, ofertando gratuitamente à comunidades de 0 (zero) à 3 (três) salários mínimos a assessoria técnica de um profissional de arquitetura. Isso se fez lei em 2008 com a promulgação da Lei da Assistência Técnica130. Contudo, ferramenta ainda dificilmente usada pelas prefeituras, principalmente por conta da omissão e da burocracia imposta ao recurso. Com isso, a ligação com o financiamento privado envolve resultados que também passam pela facilidade de proposição de idéias, uma vez que conta com uma relativa liberdade em relação ao uso dos materiais
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construtivos e da mão de obra disponível. Por conta disso, como se colocou,
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a relação da arquitetura com a iniciativa privada é a mais comum encontrada, uma vez que se concentra principalmente nos grandes centros urbanos e nos grandes empreendimentos a serem construídos. Evidentemente que esta ligação também traz como resultado a disseminação da profissão de arquitetura e urbanismo.
3.3.5 Arquitetura e a Iniciativa Pública
Plano de Mobilidade Urbana de Vitória (2012) Terceira Ponte (2012) Pomeranos: sua técnica construtiva e as influências da cidade contemporânea(2015) A relação da arquitetura com a iniciativa privada, por sua vez, figura-se na dificuldade de atuação do arquiteto urbanista principalmente no que diz respeito ao seu ingresso no sistema das licitações públicas. Como já mencionado, as obras públicas passam por licitações públicas que colocam os interessados no mesmo patamar. As licitações públicas, portanto, tem o objetivo de escolher a melhor proposta com base principalmente no menor preço. Isso traduz na dificuldade de acesso à essa verba e à esses estudos. Contudo, apesar das licitações públicas exigirem Acervo Técnico que comprovem a experiência do profissional, na maioria das vezes, como se viu, as licitações estão cobertas de fraudes nas contratações. Isso se evidencia cotidianamente nos grandes escândalos de propina e principalmente financiamento privado de empresas nas campanhas eleitorais. Isso está estritamente ligado uma vez que os maiores doadores são as empreiteiras do ramo da construção civil e também são elas as responsáveis por um grande número de obras públicas por intermédio das licitações. Com isso, o que se evidencia é uma tendência à priorizam alguns grupos diante do pleito licitatório. Isso comprova-se nos grandes escanda-los envolvendo Além de proporcionar a dificuldade de participação do certame, o privilégio das licitações à essas empresas ainda causam perigosos desdobramentos para o espaço urbano. Primeiro a questão já mencionado da
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empreiteiras, grandes obras públicas superfaturadas e os partidos políticos131.
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má qualidade das obras entregues por ventura dessas licitações fraudulentas. E ainda, como são essas as empresas legitimadas à atuar, o fazem de acordo com seus interesses. Isso se comprova nas grandes obras de infraestrutura viária, aonde as empresas executam projetos que visam ainda mais a manutenção desse ciclo vicioso, e ainda, com projetos que não atendem a real demanda urbana. Contudo, além de proporcionar o privilégio à certas empresas e projetos para executar de acordo com sua viabilidade, a postura dessas instituições particulares ainda são assumidas pelo próprio poder público que legitima a prática e ainda a mantém, pois é, atualmente, o sustentáculo do poder. Com isso, a relação da arquitetura com a Iniciativa Pública se faz principalmente pela dificuldade de inserção neste ciclo, e ainda, pela dificuldade de execução de projetos que realmente visem a sanar as demandas
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da sociedade e de suas organizações.
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Conclus達o e Perspectivas
4 Conclus達o e Perspectivas
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4.1 Anseios Com os projetos e estudos apresentados criou-se subsídio para entender melhor as problemáticas atuantes no contexto urbano. Contudo, esse entendimento foi construído a partir da experiência na construção dos projetos listados acima. Com isso, foi através da empiria, ou seja, da experiência e na tentativa de pleitear os referidos projetos, que as problemáticas surgiram e/ou se tornaram evidentes. Elas, por sua vez, incitaram a necessidade de lista-las nos seus referidos Cenários Antropológicos, uma vez que cada realidade sociocultural admite suas próprias dificuldades de desenvolvimento e suas problemáticas específicas. Logo, os desdobramento dessas práticas figuram-se como campo vasto de atuação do profissional de arquitetura e urbanismo, mesmo apesar da dificuldade de atuação imposta pelas determinadas instituições financiadoras. Ainda sim, muitas experiências evidenciaram a necessidade emergente da atuação do profissional de arquitetura nas mais diversas frentes. Contudo, apesar da necessidade emergente deste profissional, as instituições de abertura à sua atuação se omitem e fazem da arquitetura e
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do urbanismo serviço exclusivo de uma parcela restrita da população. Mesmo
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isso sendo evidenciado, ainda existe a dificuldade de atuação nestas outras frentes, deixando a cargo da autoconstrução e do crescimento urbano sem planejamento o desenvolvimento urbano das cidades. Logo, tem-se como Conclusão e Perspectiva deste trabalho, a necessidade de criação e formulação de uma estrutura atuante nos mais diferentes campos que possa disseminar a profissão do arquiteto e urbanista
e evidenciar sua necessidade omitida. Isso se estrutura a partir da necessidade de atuação do arquiteto em diversas áreas como na esfera acadêmica, na esfera política, e ainda, com sua atuação técnica na esfera urbana. Para isso, e para dar continuidade aos trabalhos aqui brevemente apresentados se propõe a construção de três estruturas que abrirão campo ao arquitetura e urbanista para sua atuação nas mais diversas frentes. Contudo, essas propostas que aqui se apresentam como perspectivas de atuação se baseia em uma alternativa encontrada pelo grupo atuante e que, em consenso, entendeu-se como a melhor opção e alternativa para a solução das problemáticas que se colocaram. Com isso, as propostas e perspectivas a seguir, refletem uma tática adotada para se dar continuidade às experiências projetuais e para a partir daí traçar alternativas. Por fim, as estruturas propostas figuram-se em propostas básicas para primeiro propor o crescimento urbano sustentável e saudável da malha e do contexto urbano. Pleitear o uso da arquitetura pública como instrumento de melhoria do espaço urbano nas suas diferentes esferas: na academia, na política e na sociedade. Concluindo, após traçar os projetos e intervenções apresentados proposta de criação das estruturas a seguir:
4.1.1 O Laboratório O Laboratório se figura na criação de um Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP) aonde reúnem-se arquitetos urbanistas interessados em atuar nas mais diferentes áreas. Tem por objetivo
Conclusão e Perspectivas
como tentativas de resolver as problemáticas apresentadas, lança-se uma
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a elaboração de estudos, pesquisas e projetos propondo o desenvolvimento de tecnologias alternativas, na produção e divulgação dos conhecimentos técnicos e científicos que dizem respeito à atividade profissional do arquiteto urbanista. Com isso, pleitear parcerias e convênios com a estrutura política para executar projetos nas comunidades organizadas carentes sem o acesso ao profissional de arquitetura. Além disso, pleitear ainda a efetiva utilização e financiamento da Lei da Assistência Técnica, e ainda, estar apto a captar recursos do Fundo Nacional de Habitação para dar luz à grande questão da falta de moradia digna. Ainda nessas comunidades, pleitear como objetivo político a organização dessas comunidades em estruturas aptas à captar recursos diversos e que posterior à isso, demandem a assessoria de um arquiteto urbanista. Além disso, se colocar na esfera da arquitetura privada, prestando assessoria nas mais diversas frentes e com isso, experimentar técnicas construtivas e formas arquitetônicas que caibam à essa determinada realidade. Atuar ainda em conjunto com a estrutura acadêmica, na figura da docência voluntária e ainda, com workshops, oficinas e vivências que englobem a Universidade e a Cidade. Atuar ainda como prestador de serviço à estrutura política,
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munindo-a de estudos de planejamento urbano, de estudo de impacto ambiental
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e urbano e ainda, estar apto à produzir arquitetura pública por intermédio das licitações públicas. Logo, essa estrutura organizacional se figura não como um escritório de arquitetura, mas como um Laboratório de atuação nas mais diversas áreas e ainda, destinado aos mais diversos mercados. Tem ainda como objetivo englobar os mais diversos profissionais, entendo a cidade e o espaço
urbano como uma entidade multidisciplinar.
4.1.2 A Escola do Trabalho A Escola do Trabalho figura-se na reestruturação do curso de Arquitetura e Urbanismo da UFES para se adequar as novas demandas da cidade contemporânea. Tem como principal objetivo discutir e disseminar o debate sobre o crescimento da cidade e da função social do arquiteto urbanista. Com isso, propõe o uso da prática arquitetônica como ferramenta básica de formação do arquiteto urbanista. Isso se faz necessário uma vez que não existe nenhum tipo de enfoque prático no curso de arquitetura o que é sanado, em alguns casos, como foi visto, por projetos encampados pelas instituições estudantis e por intermédio da Extensão Universitária. Com isso, a proposta tange a criação da Residência em Arquitetura e Urbanismo, que tem como objetivo a formalização de projetos e intervenções nessas comunidades carentes e que isso se incorpore à grade curricular do curso. Logo, as disciplinas de Projeto Arquitetônico que se valem de um terreno e um programa hipotético, agora se vinculam à uma comunidade Sendo elas de moradia ou de planejamento urbano, a Residência em Arquitetura se figura num instrumento que alia a teoria ensinada na sala de aula, com questões práticas, que só são visíveis ali. Além de formalizar o debate sobre essas questões intrínsecas ao arquiteto urbanista, a proposta ainda altera a percepção da academia em relação às novas demandas urbanas da cidade contemporânea.
Conclusão e Perspectivas
que têm demandas reais de atuação.
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Além da Residência em Arquitetura e Urbanismo, a Escola do Trabalho também tem por objetivo sua ligação com os Laboratórios para sanar da prática mercadológica a nova estrutura acadêmica proposta. Contudo, esse não deva ser o objetivo principal da Escola. Ela deve estar vinculada principalmente à Extensão Universitária, na figura do fomento à projetos que disseminem a profissão em comunidades carentes, e ainda, vinculada principalmente à Residência Acadêmica em Arquitetura e Urbanismo.
4.1.3 As Cooperativas de Trabalhadores Por fim, a última estrutura proposta sugere a organização dos trabalhadores do ramo da construção civil em Cooperativas de Trabalhadores. Essas Cooperativas figuram-se como alternativa às empreiteiras e seus métodos de organização e manipulação da força de trabalho. Contudo, além de prestarem serviços relacionados a construção civil, a Cooperativa de Trabalhadores ainda poderá prestar serviço às próprias empreiteiras, mas respeitando sua organização social, sua metodologia de trabalho e a divisão dos lucros do trabalho. Logo, essas instituições são importantes principalmente para dar
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fim ao sistema vertical do canteiro de obras imposto pelas empreiteiras, aonde
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um arquiteto ou engenheiro detém o conjunto de informações referente à obra e passa objetivos específicos à trabalhadores determinados. Nessa situação pretendida, o grupo de profissionais pleiteia a melhor formação organizativa do canteiro e da construção do objeto em questão. Estão aptos também à recorrer à assessoria de um arquiteto ou de um laboratório, contudo, ainda podem existir arquitetos no seu plantel de atuação.
Estão igualmente aptas à concorrer aos pleitos licitatórios das diversas obras públicas. A formação dessas entidades se dá com o apoio da Universidade, na figura de capacitação de seus funcionários e trabalhadores. As Cooperativas ainda podem atuar em conjunto com a Residência em Arquitetura e Urbanismo sob o fomento da Extensão Universitária. Nesse formato, as Cooperativas podem pleitear obras em suas respectivas comunidades, uma vez que estão aptas à concorrer às licitações de obra nas suas próprias comunidades. O poder público, por sua vez, pode ainda dar privilégio à esses grupos, pois desenvolve o senso comunitário dissemina instrumentos de desenvolvimento social. As Cooperativas ainda tentam sanar a questão já colocada do Exército de Reserva, que se figura como um contingente interminável de mão de obra barata à disposição das empreiteiras para atuar na construção civil. A organização desse contingente tende à valorizar o ramo da construção civil e da remuneração à eles conferida.
Graduação figuram-se na necessidade de transformação e da criação das determinadas instituições para dar cabo à novas experiências, a fim de se solucionar as problemáticas que se colocam urgentes no meio urbano. Com essas estruturas, disseminar e colocar a figura do arquiteto urbanista como profissional de necessidade ímpar na nova realidade urbana brasileira. A partir daqui, coloca-se o convite não somente à classe
Conclusão e Perspectivas
Com isso, a conclusão e as perspectivas para este Projeto de
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profissional dos arquitetos urbanistas, mas também à toda a sociedade interessada em traçar novos rumos à essa realidade, e ainda, a organizar
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alternativas estruturantes para encampar e antecipar as mudanças necessárias.
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imagem 47: Vista do morro do Jaburu. Fonte: acervo pessoal. imagem 48 a 51: Mapa dos bairros com os pontos viciados em lixo e exemplo de pontos de lixo nessas comunidades. Fonte: acervo Célula/EMAU. imagem 52: Estudo preliminar da intervenção em um ponto de lixo. Fonte: acervo pessoal. imagem 53 a 55: Etapas do processo de intervenção do viria a se chamar Parque do Bem. Fonte: Célula/EMAU. imagem 56: Parque do Bem. Fonte: acervo pessoal. imagem 57 a 61: Fotos da CEMUNI III. Fonte: acervo pessoal. imagem 62 a 71: Etapas do processo de construção e reforma do Centro Comunitário de Jaburu. Fonte: acervo pessoal. imagem 72 e 73: Levantamento Cadastral e projeto do assentamento do piso do Centro Comunitário de Jaburu. Fonte: acervo pessoal. imagem 74: Centro Comunitário de Jaburu. Fonte: acervo pessoal. imagem 75 a 78: Situação das instalações de esgoto da Comunidade Lauro Vieira Chaves. Fonte: acervo pessoal. imagem 79: Levantamento das residências sem ligação de esgoto cinza. Fonte: Renan Grisoni. imagem 80: Aspecto da Av. Fernando Ferrari. Fonte: acervo pessoal. imagem 81 e 82: Intervençnoes do autor sobre imagens do Google. Fonte: <http://www.googlemaps. com/> imagem 73 a 86: Intervenção nas residências do Beco Limpo e em Cores. Fonte: Célula/EMAU. imagem 87: Cartaz de divulgação do Concurso Fonte: Ateliê de Idéas/Ecos do Bem. imagem 88 a 91: Modelo Virtual da Rádio do Bem: Fonte: arquivo pessoal. imagem 92 a 105: Fotos das etapas construtivas da Rádio do Bem. Fonte: acervo pessoal. imagem 106: Intervenção do autor sobre imagem do Google. Fonte: <http://www.googlemaps. com/> imagem 107 e 108: Esboço da Expansão da ZEE-8. Fonte: acervo pessoal. imagem 109: Entorno da Praça do Pedágio da Terceira Ponte. Fonte: GeoWeb/PMV. imagem 110 e 111: Desenhos do autor. Fonte: acervo pessoal. imagem 112 a 117: Ocupar Gramados. Fonte: acervo pessoal. imagem 118: Aula de Tópicos em Arquitetura Contemporânea. Fonte: acervo pessoal. imagem 121: Vila de Itaúnas. Fonte: <http://www.googlemaps.com/> imagem 120: Vila de Itaúnas com intervenção do autor. Fonte: <http://www.googlemaps.com/> imagem 121: Croquis de projeto elaborados durante a Maratona de Projetos. Fonte: acervo pessoal. imagem 122: Desenho técnico da residência em Fradinhos. Fonte: acervo pessoal. imagem 123 e 124: Vista da Comunidade de Santa Maria de Jetibá. Fonte: Gerda Elizabeth Rölke Potratz. imagem 125 e 126: Construções antigas em enxaimel. Fonte: acervo pessoal.
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Agradecimentos Agradeço aos meus pais pelo apoio e pressão. À minha avó pela sabedoria e por sua lucidez germânica. Ao meu tio Günther, que à todos sempre sorri. Aos meus sinceros amigos de Santa Maria. Thiago, Joanerson, Kássio, Pedro, Lionel e tantos outros. À eles um abraço consanguíneo. Agradeço à professora Clara, tão sábia mas nem sempre tão clara. Ao professor Nelson e à sua prontidão e conhecimentos para este PG e para outros trabalhos. Ao Romanelli pelas inúmeras frustrações compartilhadas em relação à Universidade e claro, à Arquitetura. À Cristina Engel, por tantas experiências e desafios que me fizeram crescer como estudante e arquiteto. Aos amigos e companheiros primeiros da Turma 2006/02 e nossas incontáveis parcerias que hoje infelizmente estão tão afastadas. Emílio e Mano: se eu formei vocês também conseguem! Á eles todos, um futuro próspero e felicidades na profissão. Às figuras amigas de Junim, Reinaldo e Karlão, que tanto influenciaram direta e indiretamente neste trabalho e em tantos outros, imagino. Aos amigos queridos Bruno Bowen, Conrado, Torto, Renatim, Pedro Presidente, Mayara, Letícia, Lilian, Lígia e Priscila por tantas aventuras e desilusões. Aos amigos que junto comigo amadureceram tanto do que está neste livro: Renan, Thairo, Djavan e Gabriel. À toda a galera da Turma de Tópicos em Arquitetura Contemporânea. À eles todos um convite para voltarmos a discutir tudo o que discutíamos para efetivamente dominarmos o mundo.
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Á Vivian, que me aconselhou quando eu queria discutir aqui sobre tudo e sobre todos e ainda dar jeito no mundo inteiro. É, talvez não tenha dado muito certo. Aos grandes amigos que pude conviver em Porto Alegre. Jean, Puig, Rodrigo, Xêxeu, Thomás, Davi, Cíntia, Giana, Ciça, Dudu, Juliana e tantos outros. Ao Gustavo, Adolfo e ao Vitório pelo companheirismo nesta outra etapa. Quero agradecer também as instituições que possibilitaram várias das experiências aqui apresentadas. À Extensão Universitária pelo seu fomento tímido, mas ainda assim importante para tantos projetos grandiosos como o EMAU. Ao Ateliê de Idéias pela postura comunitária importante nas regiões carentes que tanto demandam de políticas públicas. E à estrutura da FeNEA, nos seus EREAs, ENEAs, SeNEMAUS e tantos outros momentos oportunos aonde não se deixa morrer o debate sobre nossa função social. Agradeço ao CALAU e ao EMAU, e às pessoas que através dele conheci, tanto da própria UFES quanto bons arquitetos do Brasil inteiro. Dotto, Tocantins, Souzalima, João Dudu, Ivan Besourão, Murilo Ferrari, Engels, Paulão e ainda um bando de bons arquitetos. Por fim, agradeço à CEMUNI III na sua imagem física e estática. É nela e dentro dela, que se vê que uma boa ou muito razoável arquitetura é possível. Agradeço aqui nominalmente à algumas pessoas que foram de importância relevante e às vezes, incorporaram muito mais do que a própria Universidade. Ao Zé Raimundo e Dona Deti, Dona Elza, Dona Verônica, Billzão, Fausto e tantos outros da Comunidade de Jaburu. Ao Walmir, ao Washington, à Dona Íris e alguns outros mais de São Benedito. Ao Seu Pedro
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e Dona Claudenir da Estrutural de Brasília/DF. Ao Ivanildo, Gabriel, Samuel e tanto outros da Comunidade Lauro Vieira Chaves em Fortaleza no Ceará. Ao Índio, ao Paulinho, á Ester e tantos mais da Comunidade Amarildo em Águas Mornas em Santa Catarina. Ao Jean e ao Ismael da Vila de Itaúnas. À todos esses ao qual vi e comprovei que a técnica está intrínseca ao homem, que a exerce cotidianamente, meu obrigado. À OCA, na figura do André Donadello, do Pablo Petri e do saudoso Fernando Boechat que me ensinaram muito da técnica e do desenho que sei hoje. Li muitos PGs para tentar bolar este. Os trabalhos do Renan, do Bruno Bowen, do Hugo Tavares, da Vivian, do Gabriel Urubu, do Paulão, da Gabriela, e da Tetê foram alguns. Alguns deles também cito como referência neste trabalho. Listo aqui algumas figuras das tantas que contribuíram para este trabalho. Desculpem se me esqueci de alguém e à lamentável omissão, pago com um caloroso abraço. E por fim, agradeço à Mayla, mulher linda ao qual esteve comigo nesse último ano, me apaixonando e me apoiando nesta e em outras tantas loucuras a que me proponho. Obrigado. Enfim, à todas as pessoas que se dispuseram a ler tudo o que está escrito aqui.
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