Raquel Gandra
ENTRE TRAMAS e LABIRINTOS
Raquel Gandra
ENTRE TRAMAS e LABIRINTOS
Dedicatória Dedico este livro à minha musa inspiradora Aracy dos Santos, que encantou-me com seu jeito doce, meigo e sereno, com sua força e sua fé e enredou-me com seu dom de contar histórias. Sua alegria de viver e sua resiliência são admiráveis e o respeito e o carinho que ela tem por absolutamente todos são inspiradores. Vovó Aracy é um ser luminoso e eu me sinto honrada e privilegiada de tê-la conhecido e de ter sido “adotada” pela sua maravilhosa família. A potência das palavras “meu povo”, entoadas por ela, me fizeram entender que conceitos como comunidade e solidariedade não são ideias teóricas distantes e utópicas, são modos de viver o dia a dia desde as mais pequenas coisas. Dedico também aos ilustres personagens de Canoa que se foram ao longo dessa jornada: Dudão, Marcílio, Seu Assis, Dona Agripina, Teté e Saúde. Dedico à minha mãe, que sempre me dá apoio mesmo quando não entende o que estou fazendo e que é um exemplo de mulher, mesmo que ela talvez não se dê conta disso. Muito do que faço parte do desejo de lhe provocar sorrisos sinceros, gargalhadas esfuziantes e brilhos no olhar. Dedico ao Hernani Heffner, guru, professor, conselheiro, mas sobretudo um grande amigo. Dedico ao José Fernando Dias, meu padrasto, que apesar de ter partido quando eu tinha apenas 12 anos, foi em grande parte responsável por eu ter escolhido o caminho das artes. Me ensinou que “de gênio e louco, todo mundo tem um pouco” e me incutiu valores e lembranças que moldam quem eu sou até hoje. Dedico finalmente a todos os moradores de Canoa Quebrada que me ensinaram e ensinam tanto sempre e que com sua simplicidade e generosidade me inspiraram a querer compartilhar suas histórias, seus encantos e suas sabedorias.
RAQUEL GANDRA
Apresentação Desde o ano de 2012, Raquel Gandra frequenta a pequena vila de Canoa Quebrada, no litoral do estado do Ceará e, a partir do convívio com seus moradores estabelece uma aproximação sensível e poética desse universo. Um território atravessado por questões que dizem respeito à movimentos de resistência e adaptação de um imaginário local frente a uma série de valores impostos por um movimento de turismo crescente. Dez anos após o primeiro encontro, a artista se lança ao desafio de evocar essa experiência, de assentar a ponta seca do compasso e descrever um arco poético capaz de abarcar o campo onde essa vivência se deu. Mas como referir-se a algo que é da ordem do intangível? Como conseguir que o enunciado evoque, de algum modo, as coisas e as ideias que animaram esse viver? A linguagem do testemunho nunca concilia, não faz acordo; antes, desperta o outro, desperta como um outro que está em nós mesmos. Em Entre tramas e labirintos a artista concebe uma gama de combinações entre fragmentos de relatos de moradores e imagens fotográficas de sua autoria que, sem a pretensão de descrever ou referenciar, tem por motivação reconhecer e separar eventuais particularidades, e colocá-las em relação consigo mesmas e com tantas outras por meio do que há de mais coletivo, de mais universal, de mais impessoal – a linguagem. Tal qual um montador que, sentado em uma moviola persegue uma ordenação de imagens na busca por uma história a ser contada, o jogo de palavras e imagens proposto por Gandra nos lança numa deriva que se estende em intermináveis conjecturas e interpretações. Vistas separadamente como unidade estável, cada uma se apresenta como um universo singular, mas, se compreendidas numa repetição de imobilização, maneira de pôr em movimento, o conjunto revela uma estranheza capaz de multiplicar seu próprio aspecto. Pura qualidade! É assim, entre a cadência da fala e a delicadeza das imagens fotográficas que Raquel Gandra se lança ao instigante exercício de forjar um motivo capaz de nos oferecer a feição e os contornos de um universo de sentidos.
ALEXANDRE SEQUEIRA
Prefácio
RAQUEL GANDRA
Lá de cima eu vejo Aquela aldeia tranquila E todos se beijam se amam E todos sabem o que se passa lá Lá de cima eu olho Aquela vila calma E todos se ajudam E todos sabem o que se passa lá Lá de cima eu vejo Aquele povoado sereno E todos se falam E muitos sabem o que se passa lá Lá de cima eu vejo e olho Aquela cidade agitada Alguns se falam Poucos se ajudam Nenhum se ama Poucos se beijam E ninguém mais sabe o que se passa lá...
MAURO E NICIANO
Começa pela curiosidade. Quem visita Canoa Quebrada, né? De quem conhece esse lado. Não é esse visitante que vem passa o dia na praia com a caixa de som curtindo e depois vai embora assim não se interessa pelo lado de saber realmente o que é Canoa Quebrada. Quem tem tempo de conviver pelo menos uma semana,
um mês aqui, né? Quinze dias e ter contato com o povo da terra, com o morador, com o nativo, tendo essa oportunidade, essa curiosidade.
VALDENIA
A gente vivia muito o dia da pesca né? E do labirinto então os pais iam pro mar pescar e a mãe dizia assim ó: Meu filho o almoço, só quando seu pai voltar da praia, se tiver o que comer come,
Antigamente menina, quando nós era garotinho aqui de cima da falésia, nós olhava pra dentro do mar você não via a boniteza de peixe pinotando aí.
se não tiver o que comer Peixe peixe brincando você via um monte aí na beira mesmo. espera.. espera
MAURO
RAPAZINHO
Um dia de domingo você ia na praia.
Vinha aquela onda do mar, você mergulhava.
Quando vinha outra,
pulava por cima.
Quando vinha outra, você mergulhava e já corria pra casa. Ai de você passar mais do que aquelas três onda acolá. Uma você mergulhava a outra pulava por cima, a outra mergulhava e já corria pra casa.
Aí o vento ia enterrando, jogando areia e começava a enterrar algumas casas, né? E aí as pessoas iam ter que ir mudando. Não era que num ano só enterrava não era uma ventania que de repente enterrava não. Era um processo, passava uns anos, cada ano ia subindo a duna subindo a duna até chegar um ponto que as pessoas sabiam que tinha que mudar de local,
desmanchava.
PEQUENA
VALDENIA
Naquele tempo, você já sabe, era só areia né? Não era assim. Era só areia, Canoa Quebrada. Nós tinha que pegar água perto da praia, na bomba, puxar a bomba, e poço também era do mesmo jeito. Aquele tempo era muito bom, aquele tempo em Canoa Quebrada. Pessoal de fora era pouco, pessoal de fora, era só os nativo mesmo. É. Pronto, aí pronto, aí pessoal de fora gostou de Canoa Quebrada, né? Compraram terreno. Aí ficou crescendo Canoa Quebrada. Os nativo morava perto da praia. Não é mais né? Os nativos agora ficam em cima. Os que moram perto da praia, só os de fora.
Aquele tempo era bom demais aquele tempo em Canoa Quebrada. Eu gostava, gostava demais, gostava muito eu. Pegar aqueles peixinho, botar dentro do samburá, entendeu? Naquele tempo em Canoa Quebrada tinha muito navegação, tinha muita jangada mas agora acabou-se. Não tem pescador mais né? Aquele tempo tinha muito pescador. Acabou mesmo. Agora os pescador não quer pescar mais não, sabia? Aquele tempo era muito bom, tu é doido é? E pra nós comer não era na bacia, sabe o que era? Era bicho de barro, uma panela de barro. Mexia, a gente fazia o pirão com farinha. Aí nós comia. Todo-mundo-junto. É, aquele tempo era muito bom. Agora acabou, aquele tempo agora.
MAURO (MÁRIO)
Era altamente primitiva, né? Era um lugar super reservado, era só os nativo e era assim, uma coisa assim bom e ao mesmo tempo, vamos dizer assim, não existe o bem e o mal. Que os dois caminham junto, né?
Quando o lugar cresce, aí cresce muitas coisas. Vem tanto vem coisa boa como vem coisa ruins. Aí mistura. Quando mistura afoga muito na nossa cultura.
A pessoa escolhe o que quer, né?
SEU ASSIS
MAURO ARTISTA
Aqui era assim. Um vizinho dava de comer a outro. Na minha casa, minha mãe foi assim. Se morria uma pessoa, morria todo mundo. Todo mundo ia enterrar, todo mundo chorava. Aqui quando você não tinha, outro tinha e te ajudava. Hoje mudou isso. Cada qual por si, né? Hoje ninguém liga mais ninguém. Hoje o pessoal quer uma casa boa, quem puder botar uma ruma de móveis… É esse negócio de GRANDEZA, sabe? E eu acho que o que vale de nós hoje é só saúde, o resto não vale nada. O resto é só ilusão da nossa vida.
Nasci aqui mesmo. Nasci na Canoa. Não nasci nem no Aracati. Minha mãe me contava que quando foram chamar a parteira que ela começou a sentir dor que quando a parteira chegou eu já tinha descido. Já estava no chão.
Acho que é por isso que eu gosto tanto de areia.
DALVA
VALDENIA
Então o labirinto, creio eu que, o labirinto hoje, a palavra labirinto, a gente sabe.
Porque pescador é como diz o ditado.
O que é um labirinto? É uma, né?
(Quando você veve aqui na praia, conhece, né?) Emaranhada
e você vai tentando encontrar o caminho, né? Talvez seja por isso?
Dia tem, Dia pega,
dia não tem. dia não pega.
E aí assim a gente ia vivendo.
Ou então pela dificuldade de aprender e pelo caminho de chegar até deixar a peça pronta até o final é um labirinto. O nome foi certo.
VALDENIA
PEQUENA
Comecei a pescar de mais ou menos dez ano, doze ano. Não sabia de nada. Aí tudo o que aprendi foi um cara que me ensinou. O nome dele é Amadeus. Nome do meu pai que me criou. Amadeus. Eu soube de tudo, marcar. Né GPS não, mas eu aprendi, olhando pros mato, pras planta, aprendi tudo. Num navio que tinha afundado meu coroa me levou lá. Tinha muito peixe. Aí meu pai me levou lá no navio que era afundado. Ele me ensinou uma marca. Meu filho, aquele mato ali, aquele outro é ali. Ele me ensinou duas, três vezes. Quando eu fui com ele, aí pegava muito peixe, num navio afundado que tem. Eu soltava a linha, quando chegava lá eu puxava as cavala grande. Serra. Guarajuba e areacó a linha nem assentava embaixo. Era só puxar. Aí ele falava, está vendo? Está pegando muito peixe? Olha assim pro mato. Olha ali a caverna e ali. Chegou, eu chorei de emoção. Ele me ensinou tudo. Olha ali. Olha ali. Olha ali. Sem GPS nenhum. Como é que você vai chegar num num lugar sem GPS? Só no olho. Só no olho. Você olha pro mato, os mato vai correndo pro lado, o outro vai correndo pro outro e depois você está no mesmo lugar. Pra você ver comé que é a inteligência do pescador também, viu? É sério. Tem muita gente que diz que pescador num sabe de nada. Pescador é muito inteligente e ele sabe de muita coisa. Muita coisa.
RICARDINHO
Eu não aprendi a ler, né? Só sei fazer meu nome nome. Mas sobre o mar, eu aprendi muita coisa do mar. Agora, pro mar eu não me gabo não, mas pro mar, eu era um professor. Eu durmo e acordo sonhando com o mar.
AMADEUS
Se o mar fosse um homem já tinha casado com ele.
MARCINHA
Todo tipo de peixe bem dizer eu conheço do mar. Oh aqui a gente tem um serra, cavala, guarajuba, cioba, ariacó, dentão, sargo, tem Arraia, tem Moreia, tem Camurupim, tem agulha, tem a sardinha, tem o galo, tem charéu, tem o camurinho, tem a pescada branca tem… meu irmão, aqui no mar mesmo, se eu for dizer os peixe mesmo eu acho que tem mais de um bilhão de espécies de peixe. Tem pargo, tem mancha, tem a saúna, tem o COIP, tem piolho, tem boca mole, tereré, bonito, robalo, sôia, batata, caraúna, o parum branco, o macaco, tem o canguito, a biquara, a mariquita, tem o sabão também que é um peixe, tem o boi. Tem muito peixe aí. Tem a mocinha, tem tudo.
O mar tem uma fase que quando a gente a gente começa a pescar, parece que ele diz assim, eu vou te incentivar, que eu vou te dar de peixe pra tu ficar iludido, né? (E é, mas é mesmo, sabe?) Aí quando começa a pescar o peixe parece que conhece a linha da gente.
TETÉU
AMADEUS
Aí a pescaria é assim. É tudo que você se acostuma. É uma profissão né? É uma arte na vida. Como você é motorista, quando você deixa de dirigir você vai sentir muita falta. É como o mar. Quando você pesca, fica naquela arte, quando você sai, você sente saudade. Eu mesmo trabalho no seco, mas eu só penso no mar.
MARCINHO
Tem dia que dá. Tem maré que você vai. Às vezes nem pega nem pra comer. Às vezes pega um temporal arriscado de levar uma virada, perder o material. Passar a noite no mar. A vida do pescador é isso daí. A gente sofre na vida do mar. a gente é apanhado no mar. Não é fácil. Mas a gente faz como o ditado é pra quem gosta. Pra quem nasce praquilo, né? É a sobrevivência que Deus deu pra gente, pra não estar fazendo coisa que não presta, é o mar.
EVANDRO
Rapaz a gente no mar a gente vê muito peixe grande.
Peixe grandão. Ninguém sabe nem o que é. Uns que a gente sabia mesmo que era baleia. Baleia mesmo nós tinha que ver pertinho ó se eu botar o barco bem perto, às vezes até meu irmão tinha medo, dizia “Rapaz, não bota muito perto não, que essa bicha dá um remanso e vira nós.” O fato é que o peixe é muito tirano, viu? O mar fica batendo, quem diz que tá num paredão de pedra. Coisa imensa, fora d’água. Não sei quantos metro. Coisa medonha. O mar bate chega a BUM BUM.
Assusta não? Uma bicha daquela dá um remanso ela vira qualquer barquinho. Aquele bicho é grande, não sei quantos metros. A gente ia bater bem pertinho dela, ela aboiada. Outras passavam viajando, a gente via um estirão medonho eu e meu irmão. Um bicho daquela... muitos metros viu? Você vê a sombra na água, você pensa que é outra coisa dentro d’água.
RAPAZINHO
Eu já vi muita coisa nessa beira de praia. A beira de praia era mal assombrada. Não era todo mundo que andava na beira da praia de noite, não. Era mal-assombrada. Agora não, agora só é gente. De primeiro tinha muito mal assombro. De primeiro tinha muita coisa. Só andava de noite quem tinha coragem. Não era pra todo mundo andar de noite. Hoje em dia não, hoje em dia, faz é o mal, faz é medo. O que faz medo, é um atacar a gente e matar a gente. Faz é medo de andar de noite. É que tem muita gente pro meio do mundo. Espalhado. Faz é medo de andar de noite sozinho. Que a pessoa pega o sujeito, toma o que o sujeito tem. Faz é medo.
BAZINHA
Tem canto que você é só botar a linha. Quando bota ele já tá agarrado lá. Mas tem canto que você passa duas, três
horas. Nada, nem bole nada.
Aí, tem gente que diz logo “aqui não tem peixe”. “Ó, vamos sair daqui, vai pro outro canto.” Esse aí passa o dia t-o-d-i-n-h-o e não pega nada. Quanto mais se avexa mais os peixe não pega na linha dele.
RAPAZINHO
Do meu tempo pra cá, eu vi uma coisa bonita, sabe? Uma vez, que eu nunca tinha visto, o pessoal falava eu não acreditava. A lua passou pelo sol. Lá no mar.
Eles me botaram uma bacia com água, ah pois a gente vê direitinho, sabe? Se você pegar um arrastarzinho que nem ali ó, se eu colocar água na hora que ela vai passar (que você sabe a hora mesmo, que é marcada que eles marcam mesmo, né? Eles sabe.) E aí você se você vê a coisa mais linda foi a coisa mais bonita. Muita coisa que acho bonito, mas uma lua assim passada pelo sol, eu achei muito bonito. Eu admirei. Fiquei muito admirado.
AMADEUS
Quando meu pai morreu, mamãe ficou com essa menina com dois meses de nascida. Só que ela sabia que meu pai ia morrer que quando ela estava de resguardo ela teve aviso. Foi, ela teve um aviso que meu pai ia morrer. E aí, ela não disse a ele? Ela disse a ele que ia morrer. Aí ele disse sonho é variedade. Sonho não é verdade não, é variedade. Só que foi verdade. Com dois mês que a menina nasceu, ele morreu. Porque ele quando ele era rapaz, ele levou uma virada no mar e a jangada bateu nas costa dele e virou um tumor interno. Só que nesse tempo não tinha esses médico que cuidava desses tumor interno, né? Só que o tumor interno ficou. Aí o doutor sempre avisava ele. Que quando aquele tumor estourasse ele ia morrer. Mas ele ficava consolado. Porque não tinha o que fazer. Ele sabia que ia morrer. Um dia eu vi ele arrumando as coisa do mar e falando, dizendo “Eu só tenho pena de morrer porque eu tenho pena de deixar meus filho tudo pequeno sem eu puder criar. Mas Deus quer assim, eu tenho que me conformar., né Deus?” Ele conversando com Deus. Sozinho. Arrumando as coisa do mar e falando e conversando. Que nem eu gosto de conversar também sozinha. Já me lembro dele. “Né, Deus?” Deus quer assim. Assim seja. Jesus toma de conta dos meus filhos. Né, Jesus? Ele conversando com Jesus. A fé né? A fé em Jesus. Que ele tinha.
ARACY
Uma história vai---------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------puxando a outra. É, quando eu me lembro, esqueço de uma, ele já lembra de outra
É isso que é bom.
NELSON
Eu sempre falo que existe quatro canoas, né? Tem a canoa antes do nome Canoa Quebrada, né? Que é bem antiga. Tem a canoa da época do nome Canoa Quebrada que é a de mil e seiscentos. Tem a Canoa de Dragão do Mar que é de mil e oitocentos
e tem a essa que nós vivemos agora.
MAURO
Hoje eu fui sonhar do que eu vi ontem na mata. Eu vi uma floresta devastada pelas mãos do ser humano. Fiquei de queixo caído do que vi. A gente ia pegar lenha, murici, caju, buscar madeira pra fazer as casa. Já fazia mais de vinte ano que eu não ia lá. Aí eu fui ontem fiquei de queixo caído do que vi. Eu vi foi a mata a floresta onde tem os caju, murici um monte de coisa boa. ....Tudo devastado.... Estão tudo fazendo loteamento loteamento. Já está chegando perto de Majorlândia. Eu não acreditei no que estava vendo. Acredita?
Como o ser humano é cruel cruel. Não é atoa que os bichinhos passarinho. Bichinho da mata tá vindo tudo pras casa. E eu achei que era só na Amazonas que estava fazendo aquilo ali ou em outro
mas aqui do lado da casa da gente estão devastando toda a nossa floresta.
IRENE
O homem só vê a, (vamos dizer assim), a ganância do dinheiro. dinheiro Mas não vê o perigo que atinge o seu próprio lar. (Está entendendo?) Porque a riqueza não compra a saúde. E fala aqui que o Brasil descoberto em mil e quinhentos mas muitos anos antes de quinhentos já existia um povo aqui na nossa região, né? E inclusive o pessoal comenta que quando Dom Pedro, né? Foi Dom Pedro que quando chegou no Brasil que viu o monte disse que foi, fiquei sabendo que foi ali na Ponta Grossa que foi descoberto. Não tem?
SEU ASSIS
NELSON
Eu não tenho raiva. Se eu tenho a minha raiva, se eu tiver a raiva aqui, na mesma hora ela passa. É. Porque tem gente que fica com aquela mágoa, aquilo guardado, aquele rancor e pra muitos séculos e séculos, né? Peço a Deus que nunca aconteça isso comigo não. Eu mesmo que eu tenha raiva, mas ela vai embora no vento mesmo. Vai, vai, vai, vai. Que raiva é coisa do demônio, né? E eu não quero nada com o demônio.
Eu não reclamo de nada da minha vida. não reclamo de nada. Se eu tiver com dinheiro, estou feliz, também sem dinheiro, eu estou feliz. Né? Se eu comer, enchi a barriga bem, eu estou feliz. Também se eu não comer, eu agradeço a Deus por aquele dia. Eu não comi naquela hora, mas outra hora eu posso comer. E acho que eu sou feliz, eu sou. Eu sou feliz e agradeço muito a Deus, agradeço muito a Deus, né? Por ter me tornado essa pessoa que eu sou. Que eu não tenho muita coisa, só tenho só a minha alma pra Deus, mas nesse mundo eu sou feliz, sou feliz.
AMADEUS
Eu sempre falo do caráter da pessoa, né? Eu sempre acho que tem o caráter, tem a criação né a criação que eu falo é o meio que você foi criado, a gente absorve aquilo que foi dos nossos antepassados né e faz não porque minha mãe fez, n ão porque meu pai fez, não porque Fulano de tal fez, não quero imitar ninguém. É uma coisa que é plantado, né? E através dos exemplos né? Eu acho que o exemplo é um ESPELHO, né? Eu vejo o exemplo e o espelho pra mim tem o mesmo significado eu me espelhar, eu me olhar no espelho e eu ver quem sou eu, e eu ver o exemplo do meus antepassado e eu né? Admirar, achar bom, gostar, ter amor àquilo né? Então muita coisa, as história dos meus antepassado eu acho muito linda, eu aprendi muita coisa com a minha mãe, principalmente esse ato de caridade à minha família, né? Que sempre Canoa Quebrada teve, né?
VALDENIA
Seu Assis: Bora começar, né? A infância do nativo em relação a hoje é totalmente diferente. Apesar da gente contar as histórias pra esses jovens, ele acha que não é verdade, o que aconteceu né? Porque quando a gente era pequeno assim. Pequeno um pouco grande né? Porque tinha que fazer as coisa em casa, né? Os pais não era essa coisa macia que hoje tem né? Que qualquer coisa vou pro conselho tutelar e vou fazer isso e aquilo. Não. A nossa infância era formidável e ao mesmo tempo era obediente. Não é que era arbitrária as coisas né? Mas sim, tinha moral de família.
era pra quem chegar primeiro, sabe? Aí era todo mundo procurando as coisas que pediu que era pra chegar primeiro que o outro.
Dalva: Hoje você cria um filho com amor, com carinho, dando tudo a ele, do bom e do melhor e aí o que é que os meninos se torna hoje? Se torna em nada. Do cento, você tira um de cem, você tira um que queira ser alguém na vida, no mundo de hoje, né? É totalmente diferente.
Marta: As brincadeira, era brincadeira assim, de esconde-esconde, de roda, daquelas que a gente pega no braço até fazer aquela roda. Tinha, era aquele coisa que tem um pau… galamar que a gente chama galamar, que um senta numa ponta, o outro noutra. E tinha muita brincadeira de Juda também. Era muita coisa. Tinha muita brincadeira boa.
Pequena: Hoje em dia tá aí a gente tem os filho da gente. Passa o dia inteirinho no meio do mundo. Quando chega em casa pra gente, fala ai, que ninguém pode... Rapaz se você tivesse nascido no tempo que a gente nasceu, vocês eram gente. Você hoje em dia vê um menino de cinco ano já dançando um reggae, com o celular no teco teco teco. Sabe de tudo. Eu com cinquenta e três anos dum celular só sei ligar pra fulano, pra cicrano, eu não sei botar um jogo, não sei brincar um jogo, não sei de nada. Eu olho pro menino que acabou de nascer, já tá com o celular na mão, teco teco.
Irene: Eu era uma menina bem desafiadora. Gostava de brincar sempre com os meninos, jogar bola, pular barreira. Pulei tanto da barreira, eu pulei tanto nas altura, até quando eu despenquei, aí fiquei com medo das altura. Fiquei meia traumatizada com a altura. Eu subia tão alto. Eu desafiava mesmo os menino. Sempre fui uma menina desafiadora aos meninos, sabia? Levava tapa lá no meio do jogo, mas eu ia.
Marta: Era muito boa. A gente trabalhava no labirinto, brincava no morro, dormia em cima dos morro, não tinha bicho pra mexer com a gente. A lua clara, tomando aquele vento bom.
Dalva: Ninguém nunca usava roupa boa. O maiô era de saco. Minha mãe fazia os vestidinho, a gente ia pra praia. Eu moçoca, tomava banho só de calcinha com os peitinho nascendo. Não tinha o que tem hoje. Cansemos de fazer tudo isso. Descer pra praia de noite. Um tal de esconde-esconde, umas correndo pra esconder, desci muitas e muitas vezes sozinha, nós tudinho na beira da praia. Hoje quem é que faz mais isso, minha amiga? Não é mais não.
Rapazinho: De primeiro tempo que a gente era pequeno, a gente brincava de manja nessas noite de lua. Às vezes foi um negócio de pegar umas coisa lá nos mato. De noite, ia pegar. Um negócio que dizia que
Marta: Mulher, agora de uns dois meses pra cá, uns três meses melhorou. Mas aí estavam matando era a gente em riba daquele morro. E gente escondido nos mato por ali que tinha ladrão que tava escondido por lá.
Seu Assis: E a gente brincava nessas falésias que era muito baixa, né? Ia à praia e pegava os peixinho pra trazer pra cá pra comer.
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Era o que tinha por lá já pra pessoa procurar pra achar. Escondido não. Rapaz, vai buscar uma folha de mato! Aí você tinha que correr pra chegar primeiro que os outros. Buscar um pé de pau, depende da qualidade, você ia caçar pra achar aquilo ali. Uma fruta. Você ia buscar uma castanha de caju. Depende de um local que você ia caçar pra achar. E chegar primeiro que o outro. Era muito, era dez, mais, brincando naquela noite de lua. Era pela praia também, pela praia, brincava pela praia.
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Pequena: Naquele tempo a gente não tinha as coisa mais fácil, como é agora. Povo diz que agora é difícil, mas não é não. Agora é mais fácil do que antigamente. Meu pai vendia lenha. A gente lavava roupa de ganho. Pra viver, né? De noite a gente passava a noite trabalhando no labirinto. Durante o dia era carregando lenha pra vender, carregando água, lavando roupa de ganho o dia inteirinho lá ali perto da dona Lurdes. Tinha um poço bem grande. Lá a gente lavava a roupa, tirava água nos baldes puxando. Pra lavar roupa de ganho. Lavava, minha mãe ia estendendo. Quando era de tarde eu fazia as trouxa de roupa e a gente ia deixar. Iracema: A gente lavava lá nos córregos que tinha perto de Majorlândia. A gente saía aqui de manhã, tomava café e fazia uma trouxinha grande, botava na cabeça e ia lavar lá. Era um pouco longe, né? Daqui pra Majorlândia assim a pé, com a trouxa bem grandona na cabeça pra lavar roupa, passava o dia todinho lavando roupa. A gente ia assim, negócio assim de oito hora mais ou menos. Mas tinha gente que ia mais cedo, mas a gente que ficava fazendo as coisinha né, ia mais um pouco mais tarde. Chegava lá, fazia o corrente e a gente fazia assim, pegava areia e fazia, tipo um poço, tampava na frente com a areia, aí enchia d’água. Aí a gente lavava a roupa e depois, quando terminava de passar o sabão na roupa, estourava o pocinho lá na frente pra escorrer a água suja, criar uma limpa, que era pra poder a gente tirar o sabão, né? Ficar toda limpinha. E lá era barreira e areia. A gente pegava a roupa, lavava, tirava todos os sabão, espremia assim ó, na mão. Tirava a água todinha e depois a gente estirava a roupa e botava em cima da barreira, em cima da areia. Areia ali bem limpinha, né? Aí deixava enxugar, quando a roupa tava toda enxutinha, a gente fazia trouxa, dobrava a roupa. Fazia trouxa, botava na trouxa e ia simbora. E a gente ia todo final de semana, todo final de semana nós ia lavar roupa da pousada. Era água doce. Agora não tem mais não porque assim, a maré cresceu, bota nas barreira, joga. E as barreira vai caindo, vai caindo, foi caindo, foi caindo, com as chuvas também né? Agora as barreira e as corrente que a gente ia lavar roupa
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não tem mais. Essas corrente que a gente ia lavar roupa quando eu era nova, não tem mais. As corrente não tem mais. A maré comeu todinha. Valdenia: Apesar de Canoa Quebrada ter tanto risco, tanto perigo, mas ninguém ia pra lagoa sozinha. Não ia uma pessoa só lavar uma roupa. E sempre era aos sábado. Porque de segunda a sexta era no labirinto. Todo mundo juntava a roupa da semana pra lavar no sábado na lagoa. Então era uma diversão. E aquele grupo se juntava e ao mesmo tempo pra fazer sua atividade, né? Pequena: Aí aquele dinheiro já era pra comprar alguma coisa pra comer, que a gente não tinha. Meu pai ia pro mar de rede. Dia que trazia, dia que não trazia. A gente passava fome que só, viu? Dia que a gente tinha pelo menos um caldo pra beber. Botava o peixe no fogo, farinha era difícil. A gente não comprava farinha no quilo. Era em lata, em litro. Um litro de farinha. Ali era pra comer. Botava só o caldo e uma coisinha de farinha por cima. Dalva: Não existia cebola, não existia coentro, esse negócio de tempero que nós vê hoje, naquela época não tinha não. Era o peixinho d’água e sal e todo mundo comia, ainda bebia o caldo, Ave Maria era muito gostoso! Hoje tem tudo isso, mas na época não tinha não. Mauro: Aqui o que comia mais era peixe, né? Todo mundo comia peixe. Final de semana, quem tinha condições é que comia uma carne ou galinha. Eu, quando criança, eu via assim, não vejo a hora de chegar domingo pra mim ir lá na casa do Dedé Caraças porque ele, como ele era empresário aqui, tinha condições, então lá eu sei que lá ia ser carne então eu passava o dia brincando com os filhos dele pra poder comer carne. Hoje em dia mudou. Quem come peixe é quem tem condições e hoje todo mundo come carne, come frango. Todo dia. Aí tá entendendo como as coisas vão invertendo? Aqui sempre na época de inverno que dá muita fruta, dá batata, então no café da manhã, cê faz o café, comia batata doce, ou senão, jerimum, que é a abóbora, né?
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Odonesio: O inverno era bom naquele tempo, naquele tempo tinha inverno. Chovia muito. Aí eles iam, cortavam, quando acabava ajuntava tudo aqueles galho que eles cortavam tudo, os pau aproveitava, fazia a cerca. E o resto queimava. Aí chamava de capoeira. Capoeira é tipo um roçado. É cercado. Aí eles queimam, que é pra dar, quanto mais queima a areia com tudo, mais ele produz bem. Aí a gente chamava de roçado, chamava de capoeira. Durava anos. Todo ano os pedacinho que eles faziam era só renovar a cerca. Era melancia, era feijão, era milho. Tudo que plantava dava. Tudinho. Valdenia: Existiam várias famílias e várias pessoas. Até aqui tem a dona Conceição, de noventa e três anos e ela foi por muito tempo agricultora, né? Então ali embaixo da duna do pôr do sol existe um pedaço de terra, um braço de terra, que tinha dono, os donos da terra, eles doavam aquele… emprestavam. Não era doação. Eles emprestavam a terra pra pessoa plantar e cultivar. Alguns em reconhecimento doava alguma coisa pro dono da terra e outros não, né? Mas eles plantavam feijão, melancia, mandioca, macaxeira, abóbora, batata-doce então tinha esse plantio. Milho, né? Na areia, embaixo da duna ali. Dava bastante feijão aí tinha uma parte que era pescador e outra parte que era agricultor. Então quando era a época da colheita, né? Quando começava a colher, eles colhiam o feijão. Aí à noite, uma noite de lua, isso aí eu lembro demais, a minha infância foi maravilhosa. Aí se juntava todo mundo, pegava uma vela de jangada, né? Essas vela grande já usada, que não servia mais pra pescar, aí espalhava ela no chão aí chamava a vizinhança, todo mundo sentava, colocava aquela saca de feijão, né? E ia todo mundo debulhar tirar aqueles… aí era uma festa, noite de lua era bom demais. Pra tirar o feijão. E fazia doação, né? Eles não vendiam, eles faziam doação. A melancia também. A melancia, sempre eles diziam. Eu lembro que o meu avô, que era agricultor, ele dizia “Não joga a semente. Junte a semente”. Ele juntava, colocava naqueles garrafão de vinho que era de vidro. Antigamen-
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te tinha uns garrafão de vidro, né? De vinho que era de vidro de cinco litro. Eu lembro que ele botava pra secar aquela semente toda, quando estava toda sequinha ele guardava pra próxima vez que fosse plantar o próximo ano já tinha aquelas sementes. Eles não compravam semente. Era a própria semente que eles guardavam. O milho, a melancia, o jerimum, que é a abóbora, né? Isso aí tudo eles guardava as semente pra replantar. Odonesio: Só aqueles pessoal antigo, os avós da gente, o bisavô da gente que fazia, os pais da gente, mas agora? Não existe mais. Não tem mais. Às vezes, aí no Córrego, os municípios que tem aqui, os pessoal sempre fazia, agora não fazem mais também, né? Porque é tudo só… os mais velhos está morrendo… os novos não querem fazer nada. É assim. Pequena: Meu pai plantava, ele tinha um bom roçado, tinha melancia, feijão, milho, abóbora, né? Pessoal, chama, né? Eu chamo jerimum. Aí a gente passava apertado assim, porque não tinha um peixe, não tinha uma farinha, não tinha nada. Nós tinha o feijão, tinha uma melancia, tinha um milho pra gente comer cozido, comer assado. A gente ia na praia, pegava um siri, botava um feijão verde no fogo, comia. Passava melhor do que certos, né? Aí esses menino que ficava com mais fome, chegava lá em casa. Ficava lá debaixo da Castanhola mais eu, brincando. Na hora do comer, mamãe botava um prato de feijão pra um, pra outro, a gente botava um siri e pronto. O comer era aquele. Farinha não tinha pra misturar. Era só mesmo o feijão, ou siri, ou um peixe, qualquer outra coisa que tinha pra gente comer assado. Mário (Mauro): Aquele tempo era muito bom, tu é doido é? E pra nós comer não era na bacia, sabe o que era? Era bicho de barro, uma panela de barro. Mexia, a gente fazia o pirão com farinha. Aí nós comia. Todo mundo junto. É, aquele tempo era muito bom. Agora acabou, aquele tempo agora.
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Pequena: Quando tinha caju a gente ia pros mato, pegava um balde de caju, minha mãe fazia doce, no mesmo dia a gente comia com bolacha, dava um jeito né? De comprar um pacote de bolacha ali, a gente comia, bebia água, pronto. Ali era almoço, era a janta, era aquilo ali, era uma bolachinha com doce, bebia água e pronto. Dalva: Naquele tempo a mãe fazia o café, não tinha gulodiça, chamava até era gulodiça. Era o pão, era bolacha, chamava o nome gulodiça. Hoje não, hoje é pãozinho carioca, francês com manteiga… No meu tempo não existia isso não, existia gulodiça. Aí, quando não tinha gulodiça, o que é que minha mãe fazia pros menino? Fazia o café, quando acabava, botava a farinha fininha, um pouquinho de manteiga, mexia, mexia, ficava bem pretinho. Até hoje ainda faço, quando eu quero eu pego, faço. Aí dava nos canequinho, a gente tomava. Quando não era, fazia o café, meu pai pegava os peixe, aqueles peixinho, ela fazia o fogo, botava numa grelha, assava tudinho, fazia um pirãozinho de café com farinha, nós comia com peixe. Era assim que a gente viveu. Minha mãe pegava, torrava manjerioba. Era uma planta que dava aí no terreiro. Pois sabe o que é que minha mãe fazia? Não tinha café… E é forte, viu? Ela torrava e quando acabava, pisava no pilão e fazia o nosso café. Era assim que a gente tomava. Quando não tinha dinheiro, café de Manjerioba. Mauro: Final de semana não tinha, então, cê tem que comer, comia bolacha, aquelas bolachazinha sequinha, né? Que era no domingo. Se chovesse, ninguém saía pra comprar, entendeu? Comia o que tinha dentro de casa, porque ninguém saía, ficava um deserto. Você come o que tem, o que não tiver, não tem essa não, né? Pequena: Eu sei que eu sofri muito, viu? Pra sobreviver. Ó, eu era bem magrinha. É que não sei se tu conhece minha menina, a Tibinha. A que tem a bodeguinha aqui atrás. Ah, eu era mais fina que Marieta.
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Pronto. Parecia que o vento ia me levando. Meu pai dizia assim, minha filha você vai se quebrar. Eu digo, é o jeito. Dalva: É tanta coisa ruim na antiga. Coisas boa tinha; de você ter lazer, sabe? De ficar na rua até a hora que você queria, ficava todo mundo sentada até não sei que hora da noite na lua, né? Isso nós tivemos, muita paz. Só que cresceu e mudou muito, né? Mas mudou muita coisa boa também. A gente não tinha uma casa digna, a gente tinha um casebre. Osmira: Aqui, nosso lugar, tudo era casa baixa, de palha, não tinha nem telha assim, tudo era palha, tudinho. As parede de palha. Aí, mas agora as casinhas estão tudo direita, tudinho é bonita. É bonito, né? Odonesio: Isso aqui, quando nós viemos morar aqui, isso aqui tudinho era mato. Tudo era mato. Aqui nessa casa. Essa e onde tem essas casa aqui, tudo era mato em cima dos morro. Não tinha nada. Tudo era areia. Valdenia: Era aquela Canoa realmente de areia, né? De dunas. Dunas móveis, porque era de acordo com o vento, né? O vento que fazia todo o processo da mudança de Canoa. Osmira: A gente mudava de um canto pro outro devido à areia. Areia vinha vinha enterrando até aqui nessa casa aqui. Quando eu botei essa casa aqui, a correnteza passava. Aqui era alto, né? Aí veio, veio enterrando, areia enterrando, enterrando e areia já vinha até aqui, foi que chegou essa estrada aí. Esses parapeito meu, areia vinha bater aqui na porta. Já vinha enterrando tudinho ela. Que ventava muito. Aqui venta muito. A Igreja acolá que foi feita no plano, cavava muito, cavava a calçada ao redor tudinho. Agora eu acho que venta muito pouco aqui, porque ventava muito. Ainda venta muito, mas não é mais como de primeiro não. Eu acho que porque as casa era mais distante uma das outras né? Minha casa aqui, outras acolá tudinho. Tinha pouca casa. Aí o morro enterrava muito.
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Valdenia: Tinha casas que era em cima das dunas, tinha casa que pegava embaixo aí quando dava aquele período de vento né? A gente tem o período de chuva, tem o período de vento. Aí o vento ia enterrando, jogando areia e começava a enterrar algumas casas, né? E aí as pessoas iam ter que ir mudando. Não era que num ano só enterrava. Não era uma ventania que de repente enterrava. Não. Era um processo, passava uns anos, cada ano ia subindo a duna subindo a duna até chegar um ponto que as pessoas sabiam que tinha que mudar de local, desmanchava. E era fácil de desmanchar as casas. Porque não era de alvenaria. Algumas eram de palha, né? Outras eram de taipa. De taipa agora por aqui tem muito pouco. Porque a gente fazia. Eu ia pegar muito material nos mato. Pau, vara e aí depois ia carregar um barro que tem. Barro saía lá ali dessas barraquinha aqui mais da ponta de cima. Dali saía um barro. Aí a gente carregava. Valdenia: Aquela argila que pega lá nos Estevãos, ali depois daquelas barraca perto da Bom Motivo. Ali tem um período da maré que quando cava muito solta o barro vermelho que é uma liga, aquela argila grossa, né? Rapazinho:Tinha muita gente que fazia a casa também de taipa. Sem chover mesmo. Carregava, botava no pé da falésia. Aí vai ficando mais seco, mais maneiro, né? Que pegava sol. Aí quando ficava mais maneiro a gente carregava pra casa. Ali, dependendo, se botava uma lata dele, botava três, quatro de areia, dependendo o canto que você quisesse pra ficar forte né? Aí você botava três, quatro de areia, aí ficava bem ardosado, aí era só botar nas parede. Mas mesmo assim, com as chuva forte, ainda derretia. A chuva ainda derretia ele. Aí você tapava, pegava uma chuva boa e ainda ficava só uns pau de pininho. Os pau e o barro caído. Aí quando tava mole, caía. No chão. Valdenia: Tinha que misturar na areia pra poder ajuntar e dá um branco. Que o barro que a gente chama o Barro Branco, a argila branca
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tanto serve pra lavar o cabelo, muita gente ia pra praia, pra lavar o cabelo, né? E pra passar nas casa. Tinha algumas casa que era branquinha, não era de cal. Era do barro que é branco. Eu lembro que uma vez, a minha casa, a casa da minha mãe foi pintada com esse barro. Colocava o escuro embaixo e o branco por cima e a casa ficava branquinha. Muito muito bom. Valdenia: A terra não tinha dono né? A terra era assim. Era os moradores que moravam, era uma vila pequena, não era grande como é agora. Eram poucos moradores e não tinha dono, né? Tirava de um lugar, a gente mesmo escolhia. Depois, assim, a partir dos anos setenta e cinco, setenta e quatro, o Zé Melancia, que ele foi capataz, né? Foi presidente da colônia dos pescadores, ele era um líder comunitário. Então muita gente fazia aquela consulta com ele né? Ele era uma pessoa que não teve estudo mas tinha uma experiência de vida assim… Parecia coisas de Deus. Né? Então muita gente conversava com ele e se aconselhava com ele. Ele era uma espécie de conselheiro. E muita gente respeitava. Naquela época todo mundo respeitava ele. Aí houve um período que ele delimitava a terra. Quando iam construir aí chamavam ele, ele olhava “aqui é bom, né?” Dá pra fazer aqui. Aí todo mundo construía. Também, ninguém precisava de tanto espaço né? Cada um fazendo sua casinha… umas casas só tinha um quarto outras casas tinha dois né? Quem tinha uma família maior construía a casa com dois quartos. Quem tinha uma família menor, um quarto só já bastava né? Porque hoje é que todo mundo dorme em quarto, mas antes dormia na sala da casa, arrumava a rede, dormia quatro, cinco menino, seis menino, né? O corredor, que a gente chama, né? E tinha gente às vezes que dormia até na cozinha, dependendo da quantidade da família. É por isso que hoje na minha cozinha tem uma rede. Mauro: Canoa cresceu pra cá e tipo, a gente num tem noção de como que seria a beleza mesmo de Canoa né? Porque hoje em dia você vem
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pra cá, acha muito bonito né? Imagina essa época quando não tinha nada que era só mesmo, não é? Tetéu: Mudou total, total. Tem nem, não tem nem como dizer, assim. Porque quando eu conheci Canoa e os Estevão aqui, meu irmão, tinha bem pouquinha casa e era na areiazinha que nem nós vê aqui. Isso agora está cidade. Tem canto que o cara tá em Canoa se não souber, nem entra e nem sai. Sabe nem pra onde é mais o beco mano. Era poucas poucas casa mesmo. Mauro: Minha tia conta que quando ela era criança, pra poder ela tomar banho ela tinha que pular do outro lado das pedras pra poder chegar na água. Nelson: Tanto a maré secava, sabe? Aqui era só duna e mato. Mauro: E eles contam que quando iam tomar banho, detrás, quando a maré secava, eles conseguiam encontrar piso de casa que eles ficavam em cima né? Nelson: Eu lembro que quando a gente morava lá embaixo, a gente olhava, via quando o pessoal vinha. Porque não tinha nada, não tinha carro, não tinha casa, não tinha nada. Aí antigamente as pessoas pegavam, pessoa antiga pegavam e botava alguma joia, alguma coisa assim dentro de pote. Aí teve uma barreira lá que o pessoal, quando a maré enchia, a pessoa encontrava ouro. Aí dizia que era o pessoal que enterrava os pote lá nas casa antiga. Chamava de botija, era. Aí encontrava, chamava até a barreira do ouro. Encontrava pedaço de ouro lá. Ali já veio consequência de casas que era lá e as pessoas, na época não existia banco, né? Podia guardar, enterrava, e depois a maré batia e aparecia. Valdenia: Eu tinha um avô, ele faleceu. Às vezes as menina diz que eu puxei a ele. Meu avô Caboclinho. O nome dele era Antônio, mais
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conhecido por Seu Caboclinho. Foi um dos primeiros comerciantes em Canoa Quebrada. Faleceu pobre, um rico pobre. Quando ele estava vivo, houve um período que a bodega dele enterrou. Como eu estava contando no início, né? A duna foi enterrando. E enterrou mesmo tudo. Aí quando os filho resolveram desenterrar e desmanchar, o que encontraram de dinheiro… Que dó. Tem pessoas aqui que tem algumas moeda ainda desse dinheiro dele. Tinha dinheiro em cédula. E tinha dinheiro em moeda. Só que o nosso dinheiro infelizmente desvaloriza. Nelson: Aí assim, eu recordo assim, muita coisa boa. Na minha época não tinha televisão. Quando chegou a televisão foi em setenta e pouco. Aí tinha uma senhora, que a gente ia assistir televisão lá, que era a Dona Biiza, sabe? Acho que num foi na tua época não. Aí a gente tinha que pagar pra poder assistir as novela. Aí depois, em setenta e três, ou foi em setenta e quatro, aí chegou a televisão pública. Era uma televisãozinha acho que de duas polegada com bateria. Ficava ali aonde é a biblioteca. Que era o chafariz. Aí quando era três horas da tarde todo mundo ia pra lá já com umas banquinha pra poder aguardar. Aí lá era o ponto assim de encontro de Canoa. Todo mundo ia pra lá assistir as novela. Odonesio: A tertúlia? Isso começou, que eu era garotozinho, em mil novecentos e setenta e um, setenta e dois. Todo domingo tinha o Chico da Radiola. E tinha Chico dos Palmas. Eles dois eram irmãos eles vinham com uma radiola daquelas que botava pilha. Todo domingo quando era duas horas, três horas começava, até seis hora. Era como se fosse um baile. Lá na casa duma tia da gente. Chamava ela Madrinha Conceição. A dona que toma de conta da igreja, é filha dela. Dona Osmira. Todo mundo ia. Todo mundo… O que era de garotão tudo ía pra lá pra festa. Lá era respeitado lá. Lá não… como falava naqueles dia, lá não botava boneco lá não. Botava não que elas não deixavam não. Era umas mulher, mas umas mulher tipo homem. Elas tinham uma bomba na
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praia, elas iam buscar água meia-noite, carregava água de lata na cabeça pros vizinho que comprava tudinho. Quando terminava de botar água era seis horas. Cinco e meia, seis horas elas iam pro mato cortar lenha. Elas não paravam não. Mário (Mauro): Nós acordava sabe que horas, nós? Pra pegar essa água lá embaixo, nós acordava duas horas de madrugada. Era as mulher com as lata na cabeça e os homem, duas lata no ombro. Era. Irene: Tinha umas lata de gás, umas lata de querosene que comprava, né? Aí quando esvaziava o pessoal da bodega dava pro pai, né? Aí meu pai tinha algumas que ele cortava um pedaço, né? Pra gente trazer meia. Nós tinha umas que ele amarrava só uma corda no meio, botava uma cuia dentro. Que era pra água não balançar tanto. Porque era pesado pra gente. Ou senão, você podia pegar um pote ou levava uma bichinha dessa e ia ajudar o pai e a mãe trazer. O poço não era poço não. Na época era bombas. Eram as bomba aqui. Era água. Cavava o poço e era umas bomba que puxava naquela bomba. Aí depois teve um senhor chamado Namundo, né? Que fez uma bomba e depois fez um poço puxando à cata-vento. Aí a gente ia lá, pegava água, pra depois chegar o chafariz, que foi aqui pra cima. Chafariz hoje que é a biblioteca, do lado do Seu Lourival. A gente ia todo mundo pra lá pegar água. Aí depois fez um poço, que é do lado da Cagece, teve outro aqui perto de Jeová, que foi quando começou a chegada da Cagese, com água encanada. Mas antes dessas bomba e o poço, a gente ia pegar água pra lá. Que era umas cacimba. Fazia uns buraco e tinha água. Chamava de cacimba. Aí pegava uma cuia e enchia lá. Água bem doce, muito boa. Osmira: Todo mundo aqui era pobre. Não tinha ninguém rico na Canoa Quebrada. Trabalhava no Labirinto… as mulher no labirinto e os homem era pescador, só. Não tinha outra condição não. Valdenia: Todas as mulheres da Canoa Quebrada na época sabia fazer labirinto. Umas aprendiam todos os passos né? Tem várias pessoas
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aqui que sabe todos os passos do labirinto, outras não, outras se destacavam mais só numa parte né? Cada um tem um processo. Minha mãe falava que eu com cinco anos, ela já começou a me ensinar a dar o nó. Eu primeiro aprendi a dar o nó da linha pra começar a prender o labirinto, né? Aí depois ela começou a me ensinar. E foi passo a passo. Minha mãe fazia todos os processos do labirinto. Do riscado, do cortado, do enchido, todas as etapas. O que eu aprendi com a minha mãe é o que eu sei hoje. Eu sempre fui uma pessoa muito curiosa, eu sempre, sempre, sempre quis aprender. E cedo, eu lembro muito disso, quando eu comecei a estudar acho que de sete anos, oito anos que a gente ia pra escola, aí na hora de fazer atividade eu me sentava do lado da grade da minha mãe fazendo labirinto e eu ia fazer a tarefa da escola do lado dela. Ela que me ensinava. E quando eu terminava a tarefa, aí eu pegava os pedacinho do fiapo do tecido e ela ia me ensinando a dar um nó. Rapazinho: Mamãe fazia labirinto. E tu já fez? Rapazinho: Rapaz, torcer, eu até que ainda fazia, mas negócio de encher que nem as mulher, eu não sei não. Esse negócio de encher é um bocado de pontinho, sabe? A linha por dentro do pano, a linha. Sobe e desce, sobe e desce. Fica bem colocadinha. Que o labirinto tem esse negócio de torcer, tem encher e tem que botar paleitão. E às vezes ainda tem que perfilar as beirinha todinha do pano pra ficar tudo seguro, sabe? Pra não desmantelar, as beirinha não ficar se abrindo. Fica tudo costuradinho. É um trabalho medonho e também tem muita mulher profissional. Porque, no dia de torcer tem mulher daquela que pra botar cem linha, é uma brincadeira. Porque tem umas que é ligeira, mas tem umas que com cem linha passa o dia todinho. Dá trabalho.
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Pequena: Aprendi com a minha mãe. Eu era pequena assim, como essa menina da Maria aqui, tinha uns sete ano. A gente não trabalhava em bastidor assim não. Era em grade. Marina: Era de quatro, cinco pessoas trabalhando no labirinto, numa grade. Babuda: Eu aprendi trabalhar praticamente por conta própria. Eu só fui assim ensinada pra fazer a renda do labirinto, essa eu fui ensinada. Pra fazer a renda do labirinto, essa eu fui ensinada porque eu não nasci aprendida pro labirinto. Mas uma coisa na cozinha, um almoço, um café, um varrimento de casa, passar pano numa casa, limpar uma prateleira, tudo isso eu via todo mundo fazendo, não era nem preciso, eu já sabia de cor. Agora, a renda eu te prometo que eu tive lição. Lição bem rígida porque na hora que se cortava e errava um pau, a minha avó vinha, tacava o cocorote na cabeça perguntando “cê tá cega? Desmanche, não é assim, é desse outro jeito”. E tinha que ser feito. Pequena: Mamãe sentava dum lado e eu me sentava do outro. “Vem”. Eu pegava a agulha e enfiava no labirinto. Cadê saber voltar? Eu enfiava com essa mão e voltava com essa outra. Minha mãe pegava a chinela. “Vai, é só com uma mão”. Eu digo ai, não dá não. A minha mão quebra, olha, pra voltar com a outra mão. Eu ia voltar com essa de novo. Enfiava com essa, voltava com essa. Menina, ó, eu passava a noite todinha. Odonesio: E as mulher da gente fazia assim. Tinha uma mulher no Córrego que dava o pano dava a linha pra fazer o labirinto. Aí ela pagava uma mixaria com tudo pra você fazer uma colcha grande. Tinha outra no Aracati que chamava de… era… faltou memória agora. A do Córrego chamava Rosária. E a outra faltou a memória agora. Aí pronto. Ela morava na Majorlândia, todo mundo ia, pegava pano pra fazer colcha grande, não era pano pequenininho não. Era colcha de cinco metro, seis metro, dez metro. Aí passava o quê? Passava três mês, quatro mês. Ganhava uma mixaria. Quando precisava de um dinheirozinho, ia
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até lá, ela dava. Tinha muita gente que quando terminava a colcha, já ficava devendo a ela, até fazer outra. Pequena: A gente já tinha, por certo, por semana acabar oito pano desse aqui ó. Cada uma. A gente fazia de encomenda, né? Pra outras pessoas. Oito pano assim. E desses assim, toalhinha, a gente tinha que fazer oito também. Iracema: A gente tinha que trabalhar, ajudar a nossa mãe, que ela ganhava o dinheirinho pra comprar nossas comida, as nossas roupa. Era dali mesmo, do labirinto. Odonesio: Ajudava, porque naquele tempo tudo era barato. Comprava tudinho. Farinha, açúcar, que aqui era o mais requisitado. Feijão, arroz, ninguém comia, só era farinha. Era. O dia de domingo! O dia de domingo, quando tinha condição, comprava um frangozinho. Ou senão, quem criava galinha, matava uma galinha de casa. Pronto, caipira que chama. E fazia. Fazia um almoçozinho, comprava um arroz, pronto e o feijão. Dia de domingo, olhe lá. Pequena: Quando a gente não fazia (o labirinto), a mulher ficava com raiva. Dizia que a gente estava preguiçosa. A gente sentava de manhã, era cinco horas da manhã. Era eu, a mulher do Casqueiro, Neneco, a minha prima. Se ajuntava Morena, minha irmã e a Marta. Minha mãe tinha um quintal, aí a gente entrava pra dentro do quintal com tudo escuro, ainda tinha estrela no céu. Aí a gente tinha vista boa, né? Começava a trabalhar. Quando era meio dia nós já tinha acabado dois labirinto desse aqui. Só pra encher assim como eu tô fazendo aqui. Do meio dia pra noite nós tinha que acabar mais quatro. Fazia seis. Durante a noite pra amanhecer o dia de manhã a gente tinha que terminar mais dois aí já acabaram aqueles dois fazia oito aí começava nos outros. Aí quando ela vinha pegar, ela dizia “ah agora aí está certo”. Aí quer dizer, a gente tra-
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balhava pra enricar os outros né? E a gente não tinha nada. Ganhava uma mixaria porque o labirinto nunca teve valor. Elcio: Ela fazia aqui, trabalho diário, trabalhava o dia inteiro. Se você fosse mensurar o que valia aquele trabalho, daquele dia inteiro, hoje em dia seria o quê? Dez reais. Dez reais por um dia de trabalho. Pequena: Pessoal nunca dava valor pro que a gente faz. Porque o trabalho do labirinto é fazer essas malhazinha. Isso aqui eu faço de cabeça. Eu imagino o que eu vou fazer e vou fazendo. Vou fazendo com a minha cabeça no que eu imagino, começo e vou inventando. As outras dizem assim “ixi, comé que tu faz desse jeito?” Digo. Rapaz o que eu começo eu termino. As outra tinha que ir atrás de uma amostra pra fazer tirar dum pra botar no outro. Eu não. Eu mesmo fazia o meu labirinto, eu mesmo. O chato é cortar. Não é fazer o labirinto. Chato é você cortar essas malinha tudo. Valdenia: As cortadeira, que a gente chama cortadeira, que é um dos primeiros passos, ela que tinha menos. Pequena: Aí comecei ter Tetéu, depois tive Ló. Pronto, o labirinto foi caindo. Porque eu tinha meus menino pra cuidar, não ia deixar eles chorando dentro de uma rede rebolado no chão. Aí quando a mulher chegava por semana “ai, só fez esses cinco?” Eu digo ainda dê por satisfeita. Porque eu tenho meus filho pra cuidar. Antigamente eu não tinha não, mas agora eu tenho meus filho pra cuidar. Aí ela ficou chateada, não trouxe mais. Eu digo, ah quer saber de uma agora? Agora, eu vou trabalhar pra mim mesmo. Aí juntei um dinheirinho e fui mais meu pai no Aracati. Aí comprei meu pano. Aí cadê eu saber cortar? Aí eu disse, Morena, como faz isso? “Ai, tu é burra”. Eu digo, não sou burra não. Tu vai cortar o meu labirinto, eu vou fazendo o teu. Aí quan-
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do ela cortou um, eu disse, rapaz, vou deixar de levar nome de burra. Eu num sou cega, vou prestar atenção. Pegava o labirinto e ficava olhando. Faz isso, faz aquilo. Eu não sabia fazer essas juntinhazinha. Eu não sabia entrar e sair. Eu cortava só reto. Aí quando foi um dia, eu comprei outro pano e eu disse, eu mesmo vou fazer agora do meu modelo. Se eu errar é meu. Se eu botar a perder também é meu. Aí comecei cortar as escadinhas, os dentinhos, os dentinhos, os dentinhos, fui seguindo. Olha, um lado ficou bom… e pra virar pro outro lado? Cortei um lado e eu digo, e agora? Vou ter que tirar daqui pra cá? Eu ficava olhando. É, vou fazer. Olhava de novo. Dizia, vou fazer. Pronto, foi de repente, eu aprendi. Ela ficou com inveja porque sempre os meu labirinto eu corto de vários modelo. Os delas não, é só um só. Até hoje. Ela diz assim “Pequena, como é que tu tem paciência de fazer esses entra e sai, entra e sai?” Eu digo, porque o labirinto fica mais bonito. Porque o que vai ter graça é o desenho que você faz. Não é nem o corte do pano. Aí graças a Deus até hoje eu mesmo faço tudo. No labirinto. Eu corto, eu encho, eu perfilo, eu torço, eu não boto no grude porque eu não gosto daquele negócio igual a um inseto duro. E aí, graças a Deus, até hoje, só estou com a vista mais ruim do que eu era, mas ainda dá pra trabalhar bem ainda, graças a Deus. Valdenia: Muita gente deixou de fazer labirinto porque não tem mais quem corte. Agora os outros processos não, os outros processos quase todo mundo aqui sabe. Foi passando de vó pra mãe, de mãe pra filho e de filhos pra neto, mas os netos da minha época né? Porque agora sim, se eu tiver de ensinar pra alguém, vai ser por curiosidade da pessoa querer aprender. Eu não ensinaria uma pessoa pela profissão, né? Se eu te falar que ah, eu vou ensinar alguém pra ser uma profissão pra pessoa sobreviver do labirinto, né? Não dá mais. Não dá. Porque o labirinto, ele requer muito cuidado, muita atenção, porque não adianta fazer de qualquer jeito, né? Não é uma máquina, é um cérebro, é mãos fazendo, né?
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Babuda: Era. Hoje, a minha filha, por exemplo. Sara, quer aprender a fazer labirinto? Ainda tentei. “Não, mamãe, não dá pra mim não. Sinto muito, mas Deus me livre. Não dá pra mim”. Desse jeito. Alexia: Nem sei te dizer porque…. Acho que é complicado demais. Fernanda: Porque elas acham que não é futuro. É futuro sim. Custa a vender, mas vende. Amadeus: No começo a gente fazia só trança, né? Trança é uma renda feita de palha. Aí a minha mãe começou a trabalhar também, fazer labirinto. Eu não gostava, mas era pra ajudar em casa, né? Porque a minha mãe, na época… Era ruim, né? No começo do inverno, aí a pesca ficava um pouco fraca, né? Aí os pescadores passava três dias, quatro dias lá fora no alto mar. Naquele tempozinho também chovia muito e aí pra gente fazer alguma coisa pra comprar comida, aí a minha mãe fazia um chapéu, a minha vó também fazia. Minha vó tinha mais gente em casa, fazia duzentos, cento e cinquenta, na semana, aí sábado iam pra Aracati vender. Aí lá tinha um senhor pra quem elas vendiam, né? Entregava, aí comprava a palha novamente pra trazer. Aí elas compravam farinha, comprava açúcar, café, sabão, gás, na época era querosene, né? E outras coisas também, né? Aí trazia pra passar a semana. Aí iam fazendo outras coisa e o chapéu que era o certo pra eu entregar lá pra trazer outras mercadoria. Aí quando apareceu esse negócio de labirinto, aí o labirinto era melhor, mais ligeiro, mais rápido. Aí minha mãe tirava o labirinto e fazia a trança também, né? O labirinto era mais rápido assim porque era mais fácil da gente fazer, né? Tinha toalha, chamava toalha de chá que era pequena, e tinha a colcha e tinha toalha de mesa. Uma toalha de mesa era um banquete daqui até acolá. Era um romance pra terminar. Mas aí, agora, era mais caro também, era mais dinheiro né? Essas coisas mais grande, levava mais tempo, era mais dinheiro. Aracy: O labirinto foi daqui. Foi inventado aqui na Canoa Quebrada. Uma jovem que era irmã do meu pai que inventou o labirinto. O
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labirinto foi inventado aqui. Tem gente aqui que sabe do começo do labirinto. O começo do labirinto é cortar e desfiar. O começo. Corta. Corta e desfia. E desfia e abre os pau. Os pau do labirinto. Eu sabia cortar, eu aprendi a cortar. Foi, eu não sabia era riscar o desenho. Mas eu sabia cortar pelo desenho. Sabia cortar labirinto. Eu era danada. Eu e Elza, nós duas. Elza também sabia fazer tudo de labirinto, Elza. Eu e ela, nós duas. Sabia cortar, desfiar, encher, torcer, perfilar. Até desenho de jangada a gente fazia no Labirinto. Fazia aqueles desenho de jangada, de vela de jangada, ficava bem bonito. Aqueles desenho. Coqueiro, fazia coqueiro, botava coqueiro no labirinto. Ficava bem bonito. Mauro: E até mesmo interessante o que conta o nosso poeta Zé Melancia sobre o labirinto. O labirinto é de mil oitocentos e cinquenta. Foi descendência de portugueses que veio pra cá e trouxe pra cá. E de certa maneira virou, como troca de moeda. Conta que muitos jangadeiros iam pra Recife, levavam o labirinto das suas esposa pra trocar por madeira do norte pra poder construir as próprias jangadas. Então Canoa Quebrada é um lugar riquíssimo, acho que em cultura e história, né? E em criatividade. Valdenia: Eu não sei falar porque que chama labirinto, porque alguns lugares chamava crivo, outro lugar chamava tela, mas Canoa Quebrada sempre foi o labirinto. Eu sei da história contada por Zé Melancia, né? De uma senhora chamada Joaquina Cafugá Teixeira, né? Que foi quem teve essa ideia de pegar um tecido e puxar o fio e começar a fazer essas peças linda e maravilhosa que por isso, mais uma vez eu reforço, Canoa Quebrada é uma terra abençoada e todos esses dons que a gente não sabe de onde surgiu mas que surgiu daqui né? É intuição, eu acredito, uma espiritualidade, uma intuição espiritual. Porque muita profissão daqui não foi ninguém que ensinou, né? Foi criado daqui. Quem ensinou? Um dom, né? Alguma força do universo, uma orientação, né? Veio do Deus maior e eu acredito nisso aí.
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E creio eu que, o labirinto hoje, a palavra labirinto, a gente sabe. O que é um labirinto? É uma coisa emaranhada e você vai tentando encontrar o caminho, né? Talvez seja por isso. Não sei de onde surgiu essa palavra labirinto naquela época. Que a gente não tinha esse conhecimento de uma palavra chamada labirinto. Nos anos 50, nos anos 60… Então pela dificuldade de aprender e pelo caminho de chegar até deixar a peça pronta até o final é um labirinto. O nome foi certo. E a senhora conheceu o Zé Melancia? Pequena: Não. Cheguei a conhecer não. Meu pai conhecia, mas quando a gente era pequeno… Naquele tempo, se tinha dois adulto conversando, um de menor não podia chegar perto. Meu pai passava o dia todinho lá embaixo bebendo e conversando com ele. Mas a gente não podia chegar lá. Valdenia: Conheci, tive um grande prazer de conhecer Zé Melancia. Mas quando eu conheci ele assim, né? Já conheci ele já adulto, já pra idoso. Ele era um senhor de pele clara, né? É o branco, que a gente chamava aqui, né? Pele clara. O cabelo assim já estava já calvo, a maioria do povo quando vai ficando velho né? Vai ficando, já vai perdendo mais os cabelo. Uma estatura alta, um porte muito bonito. Aquele senhor bem vistoso. Eu lembro que a primeira vez que eu vi uma pessoa de paletó, né? De terno. Foi Zé Melancia. Osmira: O nome dele era José da Rocha Freire. Melancia foi uma brincadeira. Aí ficou como Zé Melancia. Porque ele brincava muito com a criatura. Aí ele botou um apelido na criatura e a criatura botou um apelido nele, de Zé Melancia. Aí todo mundo só conhecia ele por Zé Melancia. Valdenia: Uns dizem que era porque ele gostava muito de melancia. Tem outra história que era porque a mãe dele ganhou neném lá no roçado, num pé de melancia. Pra lhe falar a verdade eu não sei lhe dizer realmente qual foi a verdadeira história do nome de Zé Melancia
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mas a família toda era seu Raimundo Melancia que era o irmão né, seu Miguel Melancia, Zé Melancia. É assim, sempre chamaram Melancia. Babuda: Tinha olho verde, ele. Era. Nelson: As descendências daqui dizia que era índio com holandês, sabe? A minha bisavó, ela era morena de olhos azuis. Como também o Zé Melancia. Babuda: Sempre tranquilo. Comia muito peixe, só comia peixe. Dificilmente, é muito difícil ele comer uma carne ou um frango, a comida dele era peixe, era pescador também, trazia muito peixe gostoso pra casa, quando ele parou de pescar ele ainda continuou comendo muito peixe mas não era aquele peixe que ele trazia. Passava semana comendo peixe pra nos domingos, comer uma carne e um frango. Era desse jeito. Seu Assis: Então, o Zé Melancia é meu tio. Ele era um cara muito carismático. E pra nossa comunidade, para quem conheceu, ele era uma pessoa extraordinária. Ele era um, vamos dizer assim, um criador. Um criador de ideias e a filha era a mulher da escrita. A madrinha Euda era que escrevia as palavra que saía da cabeça dele. Ele era um cara assim muito criativo. O chamado versos. E todo mundo ficava assim super admirado como é que o cara criava tudo aquilo ali. Osmira: Ele era analfabeto. Ele gostava também de… como que se dizia que eu não sei dizer direito quando rimava as coisas tudinho. Entonces aqueles verso que ele escrevia, ele quando chegava em terra ele passava pra filha. Era a filha quem escrevia. Ele era inteligente ele. Aracy: Zé Melancia? Ele era poeta. Respeite ele. Era poeta, seu Zé Melancia. Um menino pobre, nasceu pobre e era poeta. Teve essa inteligência de ser poeta. Ele era poeta. Da cabeça dele. Ele inventava os romance. Lindo lindo, um bocado de romance dele. Eu aprendi até um pedaço de um verso dele. Como era? Que eu sabia…
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Tinha um verso dele que dizia assim. O começo do verso dele. O começo do verso dele, que eu já gostava de ler os romance dele, de seu Zé Melancia. Tinha um verso dele que começava assim: Quem confia em Deus sempre alcança o que deseja. É coberto de virtude pelo uma mão bem faveja. E tem as palma triunfante da mais tremenda peleja. Um verso dele que tinha esse começo. Ah pois eu decorei esse verso, esse pedaço desse verso dele. Era um verso dele. Agora eu não sei o resto.
Mário (Mauro): Era assim, ele por exemplo, ele mandava nos pescadores naquele tempo. Era ele. O pescador que ia pro mar, o primeiro peixe que tirava era o dele. O peixe que ele comia era a espada. Aquela espada grande. O primeiro peixe era dele que ele tirava.
Babuda: Ele nunca foi à escola. A letra dele era um pouquinho difícil. A filha era quem entendia muito bem, a filha dele. Ele nunca foi ao colégio, mas ele fazia, escrevia os verso, as poesia dele tudinho na letra dele. Ali ele ajeitava tudo.
Ele era muito bom demais, Zé Melancia. Quem mandava, aqui, em Canoa Quebrada aqui, na colônia, era Zé Melancia. Era uma pessoa muito ótima um homem daquele, viu? Se aquele homem tivesse vivo, Canoa Quebrada não era assim não. Aqui tinha moral, Canoa Quebrada.
Valdenia: Zé Melancia foi um líder comunitário, uma pessoa especial. Eu lembro muito dele. Ele era pescador e cantador. Sabe o que é cantador? Tem aquele pessoal que chama o repentista?
Respeitavam muito ele, os pescador, sabe? Aqueles pessoal que ia pro mar ia tudinho só de calça pra ir pro mar. Se ele pegasse um pescador de bermuda indo pro mar, aquele ali não ia pro mar mais não. Ficava em terra, mas não ia pro mar. Porque ali ele botava moral. Ali que era um homem. Daquele, aqui em Canoa Quebrada, não teve nenhum como ele não. Nenhum aqui. Fora ele. É só ele mesmo.
Pronto. Pra nós era um cantador. E ele conseguia fazer esses, a gente chama repentes. Que era essas trovas. Quando o pescador chegava do mar aí se marcava o encontro num bar, né? Num barzinho desse, numa bodeguinha dessas, tomar uma bicadinha de cachaça e jogar conversa fora e o cara com o violão e fazia aquele repente e aquelas trova e ele desafiava. Pronto, era o desafio, né? É o repentista. Babuda: Se você chegasse lá e falasse seu Zé, eu vou me casar amanhã. Faça aí um verso aí pruma noiva que tá esperando a hora do casamento, ali mesmo pra já, ali mesmo já ditava. Na hora, tudo dele era na hora, tudo dele era. Rapazinho: Eu me lembro dele também. Ele era o capataz da Colônia dos Pescador. Ele ajeitava tudo e ele era bom demais, pra negócio de pescador. Que os menino, ele deixava pescar, sabe? Porque ele disse que do menino é que ia se formando pra
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ser um pescador veterano. Porque o menino ia aprendendo, né? Até chegar no tempo de idade que já sabia bem. E ele, quando vai pescar adulto, não é bem acostumado ainda a fazer as coisas, porque já vai já adulto, né?
Seu Assis: E ele participava na época de várias reuniões aqui na cidade do Aracati né? Ele foi um dos caras inteligente que criou o seu próprio espaço. Que criou a colônia de Canoa Quebrada. A colônia e ao mesmo tempo colégio pros filhos dos pescadores. Babuda: Ele era uma pessoa conhecida, toda a autoridade só vinha procurar ele. Todo esse pessoal mais ou menos, juiz, advogado, até contato com o presidente ele tinha. Trabalhou com a SUDEPE. Foi capataz da colônia por um bom tempo. Ele foi uma pessoa que ficou representado tipo um delegado de canoa. Que o que ele queria, ele ia no Aracati, conversava com as autoridades, as autoridades entendia ele, obedecia ele e vinham pra cá resolver a causa aqui. Era desse jeito.
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Valdenia: Quando ele saía pra falar com as autoridades em Fortaleza, que ele apesar de ser analfabeto, mas ele tinha um acesso ao povo da sociedade do Aracati, de Fortaleza até em Brasília. Ele tinha, ele mandava Telegrama pra deputado, pra governador. Então assim, por isso que ele assim, eu digo, ele era o líder naquela época. Ele mandava telegrama, ele mandava a carta e vinha a resposta. Babuda: Ele deu pra gente muito bom exemplo de saber respeitar, de como saber viver, como saber respeitar. Passar por um ser humano, dar um bom dia, fazer uma amizade. A senhora, o senhor. Sempre trabalhando. Valdenia: E ele era assim, muito bom e muita coisa dele não ficou gravado porque naquela época não existia esses gravador. Teve muita coisa que se perdeu também naquela época, ninguém sabia hoje, né? Como era que ia ficar. Então muitos documentos, muitas coisas foram se perder, mas existe muita coisa ainda de Zé Melancia. Muita coisa. Tem no livro de cordel de Zé Melancia. Seu Assis: Pra nós é uma relíquia. Uma história rica. Essa história não morre. Ela continua viva. Inclusive eu sou um dos defensores de preservar a memória do Zé Melancia, do Dragão do Mar e tantos outros filhos ilustres aqui da nossa Canoa. A luta aqui agora é pela preservação da história. Né? Se você não tem passado você não tem história. Mauro: Eu acho que esses lugares pequeno era pra ter tipo assim nos colégio pra ensinar a cultura local. Já de berço pra poder crescer, mas tendo na ponta língua o que é que o meu lugar representa pra mim. Sobre a história dos filhos ilustres e das coisas que aconteceu. Cada local tem suas peculiaridades, né? Porque assim, na realidade, Canoa Quebrada é muito antiga, porque só o nome Canoa Quebrada surgiu em mil seiscentos e cinquenta então isso significa dizer cento e cinquenta anos depois que os portugueses vieram pra cá né? Então quer dizer que antes de surgir o nome Canoa Quebrada já existia um pessoal
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aqui? Então acho que era uma mistura muito grande. Aracati deve ser o nome Tupi-Guarani que é a terra dos bons ventos. Então com certeza aqui também deve ter tido alguma tribo de índio. Então, acho que tem muitas histórias que nunca foram contada, né? Desse povo praieiro. E tem assim, uma conexão com a Amazônia. O próprio pai mesmo de Dragão do Mar que é o nosso herói, né? Que é o Francisco José do Nascimento, ele sai daqui pra ir trabalhar nos seringais lá, né? Que é pra poder dar uma vida melhor pra sua família, e lá contrai a malária e morre por lá. Então tinha muito isso. Toda vez, quando acontece algo, tem aquele evaporação de muitas pessoas pra lá, né? Como na Serra Pelada, que era o ouro, então eh quando veio a coisa do látex, então as pessoas vão pra lá atrás de fortuna, né? Nelson: Aqui era assim, tudo era primitivo aqui em Canoa. Era novidade mas era um lugar assim que era tranquilo sabe? Todo mundo unido, era animado os carnavais daqui tinha bloco sabe? Eu lembro também que tinha na época instrumento de assopro. Era bem animado Canoa Quebrada todas as festas era animado. Vinham muitos lugares, na realidade, né? Era bem cultural. Tinha Bumba meu Boi. Vinha o pessoal de Russas, pessoal de Quixaba. Ali do Cumbe, era. Fazia os blocos mesmo, desfile. Odonesio: No nosso tempo tinha um carnaval. Tinha sábado de aleluia era tradição. A gente, quando era menino, vinha as Carna Verde lá de Quixaba, os cara com os pau, todo fantasiado tipo a fantasia de reis. Eles tudo com pau, trac, trac, trac, era uma ruma deles, uma fila. Era, no carnaval, eles vinham pra cá só pra se apresentar. Chamava Carna Verde. Vinha do Cumbe também, era Cumbe e Quixaba. Tinha São João, mas aqui não, tinha no Córrego. Não tem aqueles quebra-mola que você passa por lá quando vem? Pois era ali. Córrego Rodrigues. Era muito falado, todo ano tinha, aí acabaram.
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Por que acabou? É porque esse pessoal mais novo não querem. Eles querem é ganhar dinheiro e naquele tempo o pessoal não pensava em dinheiro. Só pensava em brincadeira. Todo mundo ajudava. Vamos fazer um bloco? Bóra. Daí você dava tanto outra, dava tanto, comprava a fantasia. E hoje não, se não tiver dinheiro dado pelo prefeito, por qualquer pessoa, eles não fazem. Porque o negócio deles é botar no bolso. Não tem interesse. Naquele tempo todo mundo tinha interesse de brincar. Todo mundo cooperava. E ficava mais gostoso do que agora. Tinha a festa de São Pedro. Fim de junho. Junho, julho. Dia 29. Era tradição de Canoa Quebrada. Os pescador todinho se ajuntava, dava um dinheiro pro rapaz acolá, ele fazia caipirinha, ele fazia feijoada, fazia tudo, aí a alvorada vinha. Uma banda que tá em Itaiçaba vinha e acordava todo mundo cinco da manhã, todo mundo já ficava esperando, aí quando eles vinham, desciam no pé do morro e vinham tocando a rua todinha e todo mundo ia acompanhando até a igreja. Todo mundo chegava na igreja, depois ia até a missa, vinha todo mundo pra casa, trocava de roupa e ia à missa. Da missa ia pra procissão na praia. Da praia ia pra procissão de jangada. Depois subia a mesma tradição e ia lá. Depois já tem leilão, já tem as bebidas pros pescador, era uma diversão. Era o dia inteiro. A festa era o dia inteiro. Rapazinho: Quando era dia de São Pedro aí tinha um forró pros pescador, sabe? Aí, vezes tinha sábado e já tinha domingo. Era muito pescador bêbado. É. Pescador, tudo pra procissão né. Tinha procissão no mar e tudo gostava de ver os barcos. Era barquinho de todo jeito, vinha barco de Majorlândia pra cá pra acompanhar a procissão no mar. Era animado, ali era animado. A banda de música subia acompanhando o santo. A gente também dava uma ajudazinha, né? Pra ajudar pagar as banda de música e tudo, cada pescador dava uma porcentagem. Aí era bom demais. Tudo animado. Todo mundo tomava um melzinho, né? Todo mundo tomava um mel que era pra esquentar.
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Odonesio: Aí a Marinha empatou. Porque cada navegação só podia ir com cinco, seis pessoa e tinha que comprar os colete. Quem é que vai comprar um colete pra usar de ano em ano pra ir só pra festa… Aí, acabou a tradição. Tá com dois ano parece, foi há dois ano que terminou. Era a diversão da gente. Acabou porque os pescador, uns dava, outros não davam. Os pessoal agora, esses mais novo, não ligam igreja, não liga nada, quem liga é os pessoal mais idoso. A gente esperava o padre em cima dos morro que ele vinha de burro. Lá do córrego. Porque não vinha carro até a Canoa Quebrada. O padre vinha do Aracati prum senhor que morava ali no Córrego, aí o cara lá dava um burro pra trazer ele até Canoa Quebrada, aí nós ia esperar tudo ali no pé do morro. Depois da missa tinha o leilão, aí ficava o dia todinho tocando, tinha banda de música, tinha tudo naquele tempo, chamava era banda de música. Eles iam tudo tocando, a alvorada então tudo, pronto, ficava. Seu Assis: Então mesmo na mocidade a gente tinha, aqui em Canoa, a gente era muito tranquilo, né? Tranquilo porque ninguém conhecia turista nenhum. Era altamente primitiva, né? Era um lugar super reservado, era só os nativo e era assim, uma coisa assim bom e ao mesmo tempo, vamos dizer assim, não existe o bem e o mal. Que os dois caminham junto, né? A pessoa escolhe o que quer, né? Mas na época existia o lado bom e o lado ruim que era aquele, o lado da doença, né? É como a gente poderia deslocar daqui pra cidade do Aracati. Era uma dificuldade imensa. As mulheres grávidas geralmente eram as que mais sofriam. Na época não tinha nem Jipe. Jipe chegou nos anos sessenta, sessenta e cinco. A dificuldade de levar uma pessoa doente até o hospital era horrível porque era de rede. Valdenia: Colocava o paciente numa rede né? Colocava a tranca da jangada que é grande, né? E amarrava as rede na tranca como a gente faz em casa pra dormir, colocava o doente dentro da rede e muito ho-
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mem de um lado e do outro carregando aquela rede até o Aracati. Ia só revezando. Seu Assis: Um pau grande com a rede no meio e no mínimo dez, doze homem até o Aracati no pique, sabe o que é pique? No pique, correndo pra salvar aquela vida. Dalva: Naquela época morria muita criança. Disenteria, sabe? Eu perdi uma menina com seis meses, ela foi pro CESPE, tinha começado o CESPE muito bonito, muito arrumado, tinha feito a inauguração, minha filha caiu doente, bem forte. Passou nove dias no hospital, o bucho dela ficou deste tamanho, bem grande, aí a bichinha nem fazia fezes, nem mijava. Aí eu cheguei lá, eu disse, doutor, é o seguinte, minha filha, esse tempo todinho que tá aí, até agora não teve resultado. Ela não está fazendo nem fezes, nem urinando. O que você está fazendo com ela? Então vou levar pra casa. “Você não pode. Você tem que assinar um termo?” Eu trouxe pra casa. Óia. Cheguei em casa, aí fiz um chá de cidreira e botei uns pinguinho de magnésia. Quando eu dei esse pinguinho, esse chá, esse pinguinho de bicho, ela fez uma coisinha de fezes, bem pouquinho. Aí quando foi seis horas da manhã ela morreu. Aí lá vai nós. Cadê caixão que naquela época não tinha? Pegava as caixa, costurava a caixa todinha. Forrava com paninho branco, pegavam as corda, botava nas caixa e levava. As criança era enterrada nas caixa. Hoje tem caixão, mas na época era nas caixa. Aqui uma mãe tinha vinte e poucos filhos, criava dois, três, quatro… o resto morria tudinho. Aí chamava na época a doença da criança. Era barriga cheia, inchada. Não fazia fezes, as unhas ficava tudo roxa, as unhas da criança e morria, morria muita gente, muita mamãe teve dez escapou cinco, seis. Seu Assis: Mas por outro lado era tranquilidade, muita fartura, né? Essas coisas maravilhosas que hoje não existem. Nelson: Tinha uma época das fartura, que teve uma época que o pes-
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soal achou, diz que foi um navio que tinha virado e o pessoal achava fardo de borracha na praia, tá entendendo? Teve uma época que tinha uma fartura de agulha, sardinha, eu acho que era agulha ou sardinha, ficava assim uns monte, tá entendendo? Assim, parecia uma duna de sardinha, sardinha ou era agulha. Sempre tinha a época que o pessoal daqui dava pra ganhar dinheiro, tá entendendo? Sempre Deus abençoa Canoa Quebrada. Teve uma época também que era algum cisco, algas, você pegava as algas e botava pra secar, aí você vendia pra fazer comida pra gado. Aí depois que veio o turismo, aí com certeza Canoa melhorou cem por cento. Porque antigamente as mulheres esperavam os pescadores chegar da praia pra pegar às vezes o peixe pra trocar por farinha, tá entendendo? Pra fazer o comer. Valdenia: Eu acho que Canoa, eu acho não, tenho certeza, que Canoa Quebrada sempre foi abençoada por Deus. E sempre eu acredito na espiritualidade. Eu acredito muito que nós tivemos muita influência de espíritos evoluídos. Porque Canoa Quebrada, não desmerecendo as outras cidades vizinha, né? Outras localidades vizinha, mas Canoa Quebrada sempre se destacou, sempre um passo à frente, né? Hoje está todo mundo igual. As vizinhança nossa está de igual pra igual com Canoa Quebrada. Mas Canoa Quebrada sempre foi além. Nelson: Antigamente era bom, tá entendendo? Eh mas era muito dificultoso, né? Hoje em dia você tem energia, hoje em dia tudo é mais fácil. Tudo bem, você não vai ter aquela paz que você tinha, como antigamente as pessoas podiam dormir com porta aberta. Mauro: As pessoas podiam, vamos supor, você precisava duma coisa que já tinha seu vizinho, pra poder apoiar. Todo mundo era assim, mais unido. Hoje já é mais diferente. É mais ou menos cada qual sobre si, né? Maceuda: Antigamente a gente vinha, se não tivesse dinheiro, tinha troca, entendeu? “Vem aqui!” Todo mundo comia junto. Um pescava, o outro não pescava, toma aqui o peixe, tudo era dividido, porque
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não tinha o dinheiro. Então era uma troca, eu tenho a farinha, tu tem um peixe, tinha essa troca. Ninguém passava fome, todo mundo vivia muito bem, todo mundo era muito unido, sabe? Tipo assim, de dividir porque o peixe não tinha barraca, não tinha. Era uma barraca. Às vezes era pescado pra comunidade. Então era massa porque a gente ficava vendo, a jangada apontava lá na risca, ó Fulano está chegando. É muito doido porque todo mundo, a vela lá na risca, eles sabiam quem estava chegando: “Amadeus está chegando. Vamos lá então”. Vinha, conseguia sempre um peixe, sempre eles dividiam peixe pra comunidade. Então era uma troca. Pequena: Até hoje, eles são bem unido na praia. Assim, tu chega, tu quer um peixe? Tu não tem dinheiro, eles te dão. E é uma coisa que ajuda, né? Sempre você vai na praia. Você traz um peixe já traz pra comer. Dalva: Eu tenho minha casa. A minha irmã tem uma casa lá. Entra lá, come quem quer, entra aqui, come quem quer. Então ó, eu saio pra qualquer canto. A porta fica aí encostada. Eu durmo com ela encostada. O que tiver aqui, meus irmão come. Quando o irmão está doente, está todo mundo ali em cima. Hoje pessoal não liga mais isso. Caiu doente? Corre já. Parece assim: rasgando no dente. Um fazendo uma coisa, outro fazendo outra. A nossa família é assim. Se tiver um pra comer chega uma pessoa “Fulano tu já comeu? Não? Ali tem. Vai na panela.” Nunca botei uma xícara de arroz no fogo. É um quilo ou meio quilo. Sempre fica ali pra quem chegar, comer. “Fulano, tu já comeu?” Eu saio daqui e vou nas minhas irmã, tu tem que comer? “Tem não.” Lá em casa tem. Tu já comeu? “Não.” Lá em casa tem. E quando eu num tenho, vou lá. O que é que vão comer hoje aqui? Tá, eu vou comer hoje aqui. É assim. Eu digo muito que “é se dando que se recebe”. Se você não me agradecer, Deus está vendo. O que importa de nós é que aquele vê o que tu tá fazendo, não é você ver o que eu tô fazendo. Porque eu tô fazendo e você não tá nem aí. Entendeu? Mas aquele lá de cima tá vendo o bem que a gente tá fazendo.
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Amadeus: Tem pessoas que só dá se receber. Essa que é a dificuldade que nós estamos vivendo hoje, é isso. Porque a gente tem que dar o amor sem saber a quem, pra quem. Dá um amor de coração. Pai, fulano, tal, assim, assim, tal. Rapaz, não faça isso não, porque isso vai te fazer mal e tal e tal e tal e tal. Pronto, né? Se deu aquela sua contribuição é um amor que você está dando praquela pessoa, porque se aquela pessoa prestar atenção, sentir aquilo, ele vai dizer, “Realmente... fulano está me fazendo, ele está me falando vai me fazer bem”. Às vezes aqui, tô por ali, na hora do almoço, fulano comeu não? Aí aquilo nem faz aquela coisa... aí eu comi, fulano não comeu... é pouco, mas eu vou deixar um pouquinho pra ele também. Ele tá com fome. Isso é uma coisa que a gente, né? Transforma no amor. Você comer e lembrar do irmão, do filho, né? Sei lá, que fulano pode chegar em casa com fome, atrás de comer e aí deu um pouquinho pra ele, né? E tem pessoas que não, quando encheu a barriga é: quem qué que come, que vá atrás de comer. Problema, uma família faz. Mas não é por aí. Por aí é que não tem amor. É porque você tem olho grande em tudo. E não ajuda o irmão. Ajudar o irmão não é só a pessoa de casa, é qualquer pessoa que tá necessitada. Esse que é ajudar o irmão, é essa. É a realidade porque nós todos somos filho de Deus, somos irmão, né? Somos irmão, né? Seja ele branco, seja negro, seja preto, seja rico, seja pobre. Hoje os rico não quer ter essa mistura porque são rico, né? Eles só querem aqueles irmão que é rico também.
Seu Assis: Então a gente viveu assim obediente a seus pais trabalhando e na minha época não tinha muito o que aprender. Tinha que continuar a profissão do pai. Pescar, né? Então até os anos 70, 80 ainda tinha filho de pescador querendo pescar. Dos anos 80 pra cá não. Foi mudando a metodologia, foi mudando todo o sistema, né? Relacionado à cultura.
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Tetéu: Tem muitos ainda, mas eu não sei se as criança que é interessada a pescar, quando chegar grande vai pescar, porque a pesca não é pra todo mundo não viu? Porque às vezes você começa de pequenininho mas quando vê a boca esquentar desiste. Pra pescar mesmo do começo até envelhecer tem que ser invocado mesmo. Não é pra todos não. Só se você tiver o sangue mesmo do mar mesmo, tiver a alma mesmo assim, ah vou ser pescador pra sempre pronto. Não é pra todos não. Dizer assim, rapaz vou ser pescador, de dez ano até setenta, oitenta anos só no mar. É sofrido a vida. Sofrido mesmo, uma vida sofrida. De batalha mesmo. Tem que ser batalhador, tem que ser guerreiro mesmo, tá? Pra fazer essa batalha aí. Evandro: É arriscado sempre. Tem que ter a veia de pescador pra poder enfrentar esse mar. Pra quem gosta. Não é pra todo mundo não. Hoje eu vou pegar uma jangadinha e vou pro mar ó. Qualquer um vai debaixo de vento brando, o vento que tá assim calmo, ele vai. Mas debaixo de um temporal, debaixo do temporal não é todo mundo que arrisca ir não, que não tem manobra, tá entendendo? Não tem experiência. Baú: Na verdade precisa ter força de vontade, né? Porque não é só você chegar e já ser um pescador profissional. Tem que ter força de vontade também. Porque na verdade o bom pescador, ele sabe ele mesmo quando ele é um bom pescador. Amarrar um anzol, costurar uma rede, dar um nó numa corda, fazer uma costura. É, tudo isso, na verdade, faz parte do pescador. Faz parte da pesca. Se você vai pro mar, aí tem uma pessoa que lhe testa. O mestre do barco, ele diz assim, ó, “tem uma corda ali que está quebrada, emenda ali ela pra mim, faça uma costura”. Aí se tu não saber fazer uma costura ele dispensa logo tudo. De primeira linha. Tem que ser também completo, também nessa área aí também. Não só pra ir e pescar o pescado, né? Mas nessa área também.
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Na jangada tu tem que, mesmo que tu for à vela, tu tem que levar uma agulha, tem que levar uma linha, tem que levar cera, tem que levar fio. É, porque qualquer acidente no mar, na vela, tu tem como costurar a vela. Tu tem que saber costurar a vela. Tetéu: A maioria da gente aqui mesmo veve mais da pesca, bem dizer. Porque aqui, o trabalho aqui meu irmão, é mexer em cimento ou alguém que tem estudo, trabalha em algum canto, mas a gente não, a gente já começou a vida de pescador, né? Aí segue essa vida, cada qual segue seu destino, né? A gente faz assim, pela minha opinião. A gente pega o peixe, aí a gente tem o marchante, né? Porque o marchante é o que pega o peixe pra vender, né? Aí ele compra pelo preço que é o quilo do peixe, pronto. Aí paga. Aí pronto. O dinheiro que a gente pega do peixe serve pra alimentar, pagar a luz, comprar roupa, você sabe como é que é? Aí quando a gente também pega o peixe pouco, a gente tira só pra comer, né? Só pra aí bater o alimento. Aí sempre rola, né? Um peixe pra comer, pra vender. Eu mesmo, eu não vou tanto pro mar não. Mas eu gosto muito de pescar na minha vida. Minha vida foi pescar também. Eu deixei de estudar pra pescar. E eu tenho toda a manha do mar. Eu sou profissional, o que botar, jangada, eu governo ela sozinha, vou e volto de boa. Governo barco também, lancha. Amadeus: Eu não aprendi a ler, né? Só sei fazer meu nome, mas sobre o mar, eu aprendi muita coisa do mar. Agora, pro mar eu não me gabo não, mas pro mar eu era um professor. Porque eu aprendi pescaria, pescar, eu aprendi a pegar o peixe, eu aprendi a marcar a pescaria, onde a gente ia, então isso é de pessoas que, né? Queria ser um professor e nem todo mundo faz isso não. Mil pescador, você tira cem e faz essa história, né? E faz isso. Aprende a pescar, aprende a marcar a pescaria pelo olho. Pelo entendimento que a gente tem na cabeça. Porque você sair daqui pra pescar em oitenta, noventa quilô-
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metros de distância aqui. Você não deixa nada lá marcado em nada, você vai só pelo tino.
Waldinho: Aí nós corria dois, três quilômetros assim, né? E quando ele, quando chegava, ele desaprumava, né?
Hoje tá muito mais fácil, porque hoje o povo aqui, o pescador, só pesca mais no GPS. Ele não vai pela cabeça, vai pelo aparelho. Primeiro, as professora, as criança, era tudo na canetinha tal e tal e tal. Hoje no computador e no celular. Quer dizer, fica fácil de aprender. Mas aí, nem todo mundo tem a cabeça de dizer “não, isso aqui... rapaz…” O Aparelho. Tira o aparelho e pô, morreu. E o pescador, ele vai pro mar. Se ele levar o GPS, aí ele pesca aqui hoje e pesca amanhã e se ele passar dez ano, ele vem bater aqui. Porque está marcado no GPS. Aí é fácil. Agora manda ele procurar pela linha pra ver se ele vai ou não vai. Ele é um cego pra isso. E aí aquela época não, naquela época todo mundo fazia isso. Ou você aprendia ou não era mestre.
Rapazinho: Eu não tô usando GPS, só os olhos mesmo. Mas quando a gente é novo, é bom demais, viu? Mas vai ficando velho, a vista vai ficando cansada. Nós pega muita água do mar na vista, a vista fica meia ruim. Também acaba com a vista, água do mar, viu? Água muito salgada, chega arde. Aí pronto, é tanto que a gente vai ver quando se molha bem de água do mar, passa logo uma água doce nos olhos logo.
Waldinho: Facilita né você chegar numa pescaria e mudar pra outra, ainda mais no remo? Marcinha: Estou usando agora. É, dois ano, aqui no meu celular. Waldinho: Ela encontrou aí um, ela encontrou um jeito aí e deu certo agora. Marcinha: Baixei no celular. Aí taquei no celular e estou usando aí. Waldinho: Está usando e está dando certo pras pescaria. Ele dá o ponto mesmo certinho em cima das pescaria, viu? Você chegou aqui, aí ele marcou, aí no outro dia você vem, ele marca mesmo em cima de novo. O nosso GPS, esse que nós tinha. Ele tem uma setazinha, que ela indica né? As pescariazinha assim, quando você vai, né? Marcinha: Aí ele aponta pra onde é que fica. Waldinho: O nosso estava tão doido né? Que a pescaria pra lá apontava pra cá. Esse dia nós rodamos tanto na risca, né… “Nossa esse bicho não apruma não, Márcia! Eu disse pra ela, né. Marcinha: Ele tá fazendo a gente besta!
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Quem enxergava muito, que eu digo a você, com a vista boa, antes do sol sair já estava na pescaria afundiada. Só eu vi as marca ainda antes do sol sair, que tinha umas serra grande, a gente marcava pelas serras, tinha as moita e ela vai encosta aqui passa mais um pouquinho e é assim todo o tempo. E tem o caminho da divisão da torre, a torre que a gente chama é aquela torre que não sei se você já passou no caminho de Mossoró, tem uma torre, pois aquela ali é que a gente usa pros caminho da pescaria. Segue ela. Bota ela numa moita, aí qualquer que você vê que dá pra ir lá e você apruma. Tem isso também. E tem o acento de baixo. O acento de baixo é uma marca também. Uma marca, vai aqui, aqui ó, quando encosta aqui, pronto, chegou, é só arriar pra afundiar. É, também tem isso, né? Só o caminho não, tem que marcar lá também embaixo. Por isso que eu digo, se você não for bom, tiver vista boa, é só perder tempo. Agora não. Quem conhece, sabe marcar, no GPS é uma brincadeira. GPS tem nego aí tá afundiando até quatro hora da manhã. Porque o GPS de noite é aceso e vai pro caminho localizado até lá. Mas se você não souber também, é ficar olhando pra ele mas não sabe pra onde vai? É, tem isso também. GPS é bom, mas pra quem sabe. Amadeus: Realmente a ciência trouxe vários tipos de benefício, mas também trouxe malefício também. Antigamente, a gente pescava só de anzol. Todo mundo pegava peixe e tinha muito peixe. Aí com o tempo, aí apareceu rede. E aí a gente pegou muito peixe. E hoje a rede, ela não está
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mais sendo aquela pescaria que a gente pescava de muito peixe. A gente pega ainda muito peixe com a rede ainda. A gente pega. Mas o mergulho, a pessoa que mergulha vai lá pra baixo, esse é que está. Esse é o que está, como é que se diz, o que acaba mais com a natureza, são eles, porque eles mergulha. Se tiver cinquenta peixe aqui eles pode pegar até de cinquenta. De anzol, de cinquenta, pesca no máximo, a gente pega quinze ou vinte. Rapazinho: A gente pescava, pegava muito peixe, nós. A gente pescava peixe a semana todinha pegando bastante. Quando vinha do mar que trazia cinquenta quilo era pouco demais. Nós ia agora nós pegava as maré todinha. Nós saía daqui de duas horas da tarde pra chegar de noite. Nove, dez da noite a gente ancorava, com bastante peixe, viu? Muito peixe. Hoje em dia você vai passa o dia todinho feliz quando traz pra comer. Essas rede acabou demais. Essa rede que fizeram assim afundada, bota lá embaixo não, é mais as boieira. O cara botar mil braça de rede boeira quando vai puxar tira mil e quinhentos dois mil quilo de peixe. Aí quando a gente vai de linha cadê o peixe mais? E aí pronto, é cabação. Cabação que pega tudo. Toda qualidade. É o grande e o miúdo. Miúdo não cresce não que não dá tempo. Já tem a malha grande e pega o grande e o outro já bota mais a miúda pega o miudinho. É que nem aquela rede de camarão. Você pega camarão mas estraga muito peixe. E outra coisa também explorou muito o mergulho. Mergulho pegou muito peixe. Evandro: Já fiz muita pescaria de mergulho. Eu descia no peito vinte e cinco metro no peito. Arriscava muita vez. Salvei dois amigo meu que ia morrer nesse trabalho que a gente fazia. Aí eu deixei mais um pouco também por causa disso aí. Tá entendendo? Já vi dois pescador amigo meu morrer, na praia de cima ali no mergulho, na apneia no peito. É uma coisa muito arriscada, mas como diz o ditado, é a nossa sobrevivência, né? Eu gosto de pescar mais o peixe manual, na linha mesmo. Me dá mais emoção, está entendendo? É, dá mais emoção você puxar aquele peixe
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grande. Trabalhando com aquele peixe grande. A força do peixe e a sua força. O domínio do peixe dentro d’água e o domínio de você em riba da jangada. Dominando aquele peixe até ele cansar, pra chegar aqui. A gente fica muito emocionado. Em alto mar, quando está assim pescando assim um peixe grande. Rapazinho: Eu dou valor a pescar mais de linha. Eu tenho rede aí também, tem umas redinha aí, mas eu não pesco muito não. Mais de vinte pano tem mais. Porque de linha, o cara se for, sai a hora que quer. E a rede é uma pescaria que a gente só sai mais é cedo. É duas horas, uma hora, já tá tudo já, no caminho já. Eu dou muito valor a pescar peixe. Peixe grande eu dou valor demais. Peixe grande, ele pega com bem força na linha, chega puxa pra lá mesmo. Tem que ter a manha, tem que ter. Se não tiver a manha, não pega ele também não. Que ele é muito brabo, ele. E tem que cuidar também pros nylon não enganchar nas suas mãos porque senão, corta você e ele faz uma arte… É um perigo. Uma vez eu mais meu irmão, um grande daqueles Camurupins, ele lascou minha mão. Num bichou muito porque eu tava de camisa de manga comprida. Aí ele acochou mas não pôde cortar a camisa e eu fiquei aguentada adiante mais ele quebremo a linha. Levou o anzol tudo. Peixe grande daquele quando ele vai pra pinotar é muita força. Ele pinota muito. Um peixe daquele, grande daquele que dá dois, três pulo pra riba, salta uns dois, três metros de altura. Ele é um peixe que ele pinota muito. É a defesa dele, ele pinota e balança com a cabeça, que é pro anzol cair. E o anzol não tando seguro, cai mesmo. A gente às vezes está com ele, quando ele pinota, rebola o anzol. Sai fora. Waldinho: A felicidade do pescador é o peixe. Assim, porque o pescador quer ver pescar, né? Peixe né? Se passar uma semana sem pescar, pescando e sem pegar nada, a tristeza é muito grande.
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Marcinha: Pra mim é pescar. Pra mim é estar dentro do mar. Pra mim, estar dentro do mar, tô feliz. É só o que eu gosto mesmo. Mas como a gente sobrevive disso, né? De pescaria. A gente tem que, né? Pegar. Porque a gente vai ficar triste se não pegar, que a gente não vai ter dinheiro pra comprar as coisas dentro de casa, né? Mas se não fosse isso, eu ia ficar triste não. Porque eu gosto de estar no mar. Eu queria morar dentro do mar. Só eu lá no meio lá. Uma paz, com minha linha. Aí pega o peixe pra mim comer, aí tava bom demais! Queria nada mais não. Com todo sofrimento de pescador, assim, sofre por uma parte quando tem muito vento, né, quando tem chuva essas coisa temporal, é ruim, mas só sei que, Ave Maria, minha felicidade é o mar. Marinheiro: A sensação é boa. Tranquilo… Não tem estresse, não tem nada. não tem estresse, não tem nada. Eu vejo o sol saindo, é bonito demais. É melhor que na terra mesmo. O sol saindo de dentro do mar, na jangada lá, é bonito demais. E o sol quando tá sumindo lá no mar? Horizonte. Se você imaginar o tanto… tu é doido é? Tu fosse um dia vendo o sol no mar da jangada, é de se apaixonar, tu não queria saber mais doutra coisa não. Fica lindo, fica mais lindo que no pôr do sol mesmo, nas dunas. Fica lindo demais. Vai descendo, vai sumindo, até baixar de uma vez. Aí lá, logo logo escurece. Se eu passo quatro, cinco dias, já sinto falta. Marcinho: É tudo que você se acostuma. É uma profissão né? É uma arte na vida. Como você é motorista, quando você deixa de dirigir você vai sentir muita falta. É como o mar. Quando você pesca, fica naquela arte, quando você sai, você sente saudade. Eu mesmo trabalho no seco, mas eu só penso no mar. Eu trabalho no seco, né? Mas eu só penso na pesca. A minha mulher fica puta de raiva. É uma coisa que eu gosto de fazer. É uma coisa que eu aprendi. Foi a minha primeira arte antes de escola antes de tudo. Foi a arte da pesca.
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Eu comecei a pescar com doze anos. Quando eu comecei, eu ia escondido. O meu pai pescava de navegação, de bateira, aí eles ancorava as bateira lá na ponta lá, aí quando era de madrugada eu entrava pra depois ele me levar. Eu me escondia lá dentro pra ele não me ver. Quando ele caçava eu em casa, eu já estava lá na bateira fazia era tempo, esperando ele. Eu entrava de manhã cedo e ficava dormindo. Aí quando eu ia acordar estava lá no meio do mar ele não podia voltar comigo mais porque eu já estava lá mesmo. Assim que eu aprendi pescar. Meu pai mesmo, de sangue, ele não é pescador. É agricultor. Agora meu pai que me criou era pescador mesmo. Pescou até setenta e oito ano. Tiramos ele do mar, ele pescava comigo. A marinha começou a dar em cima deu, que eu estava levando ele pro mar, muito velinho. Aí depois passou uns oito, nove anos, ele morreu. Com saudade do mar. Eu ia pro mar e ele dizia assim “Meu filho me leve. Eu estou morrendo de saudade de pescar com você.” Baú: Eu aprendi a pescar com meu tio. Eu tinha oito anos quando eu comecei a pescar. Demorei muito, viu? Demorei. Eu até achei que não ia conseguir ser pescador mesmo profissional, né? Porque foi muito complicado pra mim. Passava muito mal. Toda vez que eu ia, eu enjoava muito. Só depois de um tempo que eu ia sem tomar café que eu fui me acostumar. Rapazinho: Comecei a pescar tinha uns dez anos, talvez nem tinha dez ano eu. Eu ia mais meu irmão, mais velho e um primo meu. Aí eu fui, primeira vez que eu fui, foi num barco desse ôco. Aí eu provoquei demais. Eu não era acostumado. Aí depois, eu aqui e acolá, ia mais meu pai, meu pai ia nesses barco ôco também, mas era pra alto mar, não era ir pra perto. A primeira vez que eu fui mais meu irmão, era ir pra perto, mas quando eu fui mais papai, era alto mar mesmo, era praquele lá doze légua ou mais. Aí era chão. Aí eles botavam eu, pra não tomar muito banho,
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que o barco molhava muito, aí botava eu para dentro do barco. Mas o barco fedia muito e tinha muita barata… aí eu saía pro lado de fora pra provocar da catinga deles. Catinga fedia demais. Eu digo aqui é pior do que ir em cima. Porque em cima pelo menos tinha o banho e aqui nessa catinga é que provoca ligeiro. Eu já não tava acostumado ainda. Aí a pessoa pra se acostumar, provoca demais, viu? Provoquei muito. Muito mesmo. Aquele derradeiro que a pessoa tem, aquele verde, eu fui provocar até aquilo ali. Pra me acostumar. Às vezes, eu chegava do mar, me deitava na praia, não tinha como ir pra casa não, porque tava muito lezo e provocava, era. Eu ia mais uns primo meu também e quando chegava lá no mar eles iam pescar e eu ia deitar em cima do paquete. Porque estava tonto. Aí eu me deitava. Ficava lá. Quando eles vinham simbora, eu me levantava. Pra me acostumar deu trabalho, viu? Rapaz, eu comecei a gostar já de uns dez anos que eu ia. Aí eu comecei a gostar de pescar. Era tanto que, às vezes, pra eu aprender um pouco da escola, eu ia, aí a professora dizia, não, você pode ir pra seu mar, pode. Quando você chegar de tarde, aí você vem que eu dou sua lição. Aí eu ia pra escola quando chegava. Mas é porque eu não ligava muito esse negócio de ir à escola. Ligava mais, depois que eu me acostumei, eu ligava mais era o mar mesmo. Pensava mais no mar que na escola. E aí pronto. Pequena: Tetéu tem até a sexta série. Não foi mais. Esse outro aí ainda terminou os estudo todinho já fez faculdade. A Aurora agora é professora. Mas por eles mesmo... O outro fez até a sexta série também, não quis mais estudar. Caio também do mesmo jeito, foi até a sexta série, não quis mais estudar. Eu fazia o que? Eu não ia poder pegar pelo braço e sair arrastando. Todo dia eu tinha que tá na escola com eles. Ia buscar, ia deixar, ia buscar, ia deixar, aí disse “assim não dá, não”. Aí tinha dia que ele aprontava demais na escola. Demorava pouco, o te-
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lefone tocava. “Dona Pequena, venha que Caio está aprontando.” Está certo. Me mandava. Quando eu chegava na escola ele pulava o muro oh. Pra fazer carreira pra eu não pegar ele. Esses menino me deram trabalho. É bom fazer eles trabalhar porque eu já digo a eles: ó, vocês não têm a gente por toda a vida não. Vocês um dia perde pai, perde mãe, aí vocês vão ter que batalhar mesmo pra sobreviver. Eu já disse, já. Vão estudar, porque a gente como mãe, a gente não tem nada pra dar pros filhos, mas o estudo é o que a gente tem que deixar pra eles, né? Porque é uma coisa que ninguém vai tirar deles é os estudo. Valdenia: Naquela época era a época da palmatória, né? Existia palmatória. A educação naquele tempo era muito rígida. Aos olhos de hoje, o conselho tutelar, né? Não permite. Mas foi, era como as pessoas aprendiam. Era a forma de castigo. Tinha uma professora que dizem que colocava o milho no chão, colocava o aluno de joelho de castigo, né? Em cima do milho. Tem pessoas daqui ainda que passou por essa fase. Eu graças a Deus não passei por essa fase não. As matérias eram matemática e português. Se a pessoa aprendesse a ler e a escrever, e aprendesse a contar, né? Que eram as quatro operações. Quem aprendia a somar, diminuir, dividir, multiplicar era um professor, já tava feito na vida? Aí tinha só duas professoras, uma no horário da manhã e outra da tarde. A minha mãe foi professora. Foi Zé Melancia também que conseguiu, na época, trazer essa escola pelo estado através da colônia de pescadores, a SUDEPE, o DNOCS, tudo isso junto, esses órgão todo, que ele conhecia muita gente, conseguiu trazer essa escola pelo estado pra cá, né? E era assim. Era professoras que sabiam e passavam o que elas sabiam pra gente. E eu não sei como te explicar porque, né? Mas sempre aqui teve pessoas que sabiam ler e escrever. Umas por causa de curiosidade de querer saber. E quem era analfabeto na época não era porque não
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queria estudar. Era a necessidade de trabalhar. Não tinha como parar pra estudar, né?
Marta: Mulher, ninguém não pode nem explicar. Porque a pessoa só ora porque a gente tem que fazer a nossa prece só com aquele lá de cima.
Muita gente não seguiu por conta disso. Os menino principalmente, quem sofreu mais na época foram os homens. Cedo tinha que aprender a pescar, ir pro mar. Ou pro mar ou pros mato ou carregar água. Então os pais preferiam que eles trabalhassem do que ir pra escola. Quem estudava não tinha como ir pro mar. Porque o pescador da época saía pro mar três horas da manhã pra chegar tarde. Hoje não, hoje o pescador tem pescarias que eles vão dez horas da noite, às vezes nove horas da manhã. Se fosse hoje, esse aluno poderia trabalhar com o pai e de tarde estudar.
Aí se eu sei de uma oração duma cura, duma oração que me levanta e eu conto aos outro, quebra a força. Eu era curadeira de primeiro, minha vó curava, ela curava toda a qualidade de coisa, tinha um velho que vinha pra aqui pra casa, era um homem abençoado. Se você tivesse uma enfermidade, uma ferida que num sarava, ele curava, ela fechava num instante. Sem precisar de remédio, sem precisar de nada, só com as palavra da oração. Fechava. Cicatrizava mesmo naquele dia. Aí ele ensinou a mim e à minha irmã. Mas ele disse, “olhe, eu estou ensinando porque eu estou indo simbora”, como ele foi. Mas se vocês aprenderem e for contar a uma, duas, três pessoa, você não pode mais rezar a ninguém que não vale nada. Já quebrou a força.
Naquela época ninguém sabia o que era pedagogia, ninguém sabia o que era uma faculdade, só quando começou os turista vir, que falava, que estudava, que fazia faculdade, que estudava pra isso, pra aquilo. E aqui nós sempre tivemos professores sem ser formados. Existe os formados, claro. Estou falando assim, existem professores sem ser formada, existe médicos sem ser formado. Existe psicólogos sem ser formada, né? Pronto. Pois é, aí sim, de cada profissão você vê que aqui em Canoa Quebrada tem. Então por isso que eu digo, é uma espiritualidade, é uma força maior que eu sei que existe. Os dons da curandeira né? As pessoas, as benzedeiras, as rezadeiras de onde veio, quem ensinou? Não é ensinado, né? Ninguém ensina, esse dom dessa caridade porque ninguém cobra nada. Então assim, é a fé que as pessoas têm, então é muita é muita é muita coisa pra uma canoa só. Dalva: A curadeira daqui mesmo que nós tinha foto era Dona Nália. Todo menino que caía doente corria lá pros Estevão pra ela curar. Vento caído, era um tal de vento caído, mau olhado. Aí todo mundo corria com esses menino lá pros Estevão. Não sei (onde aprendeu) eu sei que ela curava e os menino ficava bom.
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De primeira as crianças se engasgavam com espinha de peixe, às vezes grande mesmo. Aí corria pra casa de uma rezadeira. Vinha curado. Hoje em dia, é os médico. A pessoa não está crendo mais nas oração. Tudo que você for fazer com fé, faz e consegue. Consegue. Não importa a religião. O negócio é não duvidar. Se você vai fazer uma coisa aí e dizer assim “será?” Olha aí. A palavra será já não é a palavra que combina. Já está descrendo. Porque diz será? Não, vou dizer “eu vou fazer. Vou fazer e vai dar tudo certo.” Pronto. Você faz o dar certo. É como dentro do pensamento de Deus e de você e qualquer um de nós. Osmira: Uma gripe que a gente tinha era curada em casa. Qualquer coisa era curada em casa. Meu pai, nunca vi meu pai ir pro médico, nunca, tudo dele era remédio caseiro. Nunca vi meu pai ir pra médico. Luizinho: Minha mãe morreu com noventa e nove anos. Ela só foi ao médico pra pegar remédio só pra pressão dela, mas as planta dela tudo era do mato. Todos eles, esses mais velho. Agora tem pouco idoso aqui, né? Tem mais é que eu conto com meus dedo é três. A Dona Margarida,
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o Bazinha e a minha tia Dona Lu. O resto tudo já foi. Mas tudo a planta deles era do mato. Osmira: Chá, essas coisas assim. Do jeito que a mamãe fazia eu faço ainda. Ensino pra minhas neta, mas elas não têm… Elas têm medicina. Luizinho: Não tinha nada de ir a farmácia, nada não. E na época era difícil farmácia, né? Hoje é fácil. Você vai lá na farmácia, mas remédio de farmácia não é bom não. Acaba é os nervos, o estomago, tudo. Osmira: Têm o chá do mamão. Da fruta do mamão, da casca da laranja, faz o chá e bebe. Pra gripe mamãe fazia o chá da folha do eucalipto, botava um dente de alho, botava um limão dentro partido. Pra gripe, dor de cabeça, febre. Ave Maria. Pra uma pessoa com febre, já fazia o chá da flor do eucalipto, com limão, estava lá dentro, a pessoa estava boa. Menino gripado, que naquele tempo os menino não tinha médico… As mulher tudo gripada, tudo é curado com isso. Aí fazia o mel, mel da Malva. Luizinho: Tem a raiz do coqueiro, do cajueiro, tem a casca do cajueiro, tem a casca do jatobá, tem a quina, tem a janaguba, tem aquela outra, a casca do cardeiro, tanto serve a casca dele, eu tiro, o mandacaru, cê tira os espinho dele, o miolo dele você faz o xarope e a raiz serve pra remédio. Tem a urtiga, tem a janaguba, tem muito remédio aí no mato. Tem o Podarco, tem o pó ferro fêmea, tem um bocado de planta do mato que… tudo. Você faz uma garrafada todo dia de manhã, você toma um copo e fica de boa. O meu café da manhã sabe o que é? É o chá da casca do jatobá. Que é vermelho mais do que essa sua bolsa aí ó. O juazeiro também, o juá. A casca do juá. Serve pra você botar de molho, pra escovar o dente e serve pra xampu pro seu cabelo e serve pra remédio. A quixabeira também. Quixabeira é muito bom. Você tem anemia? Tomo o chá com a casca da quichabeira. Muito bom também. Torem é uma plantinha que bota as folhinhas assim igual uma grama. Tem uma florzinha assim quadrada, vermelhinha. Ali embaixo tu arranca
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tem uma cebolinha. Serve pra asma, serve pa dor no estômago, serve pra afinar o sangue. É igual açaí. É igual à florzinha dela. É miudinha, fica no chão assim. A imburana também. Imburana serve pra gastrite. Diabete é o genipapo. Ele bota umas frutinha igual aquelas bola de raquete. Cê pega ele, quebra ele e passa no liquidificador. Fica igual um abacate. Todo dia de manhã você toma copinho, um copinho, um copinho, um copinho, pronto. Tem uma planta também que é muito conhecida: Urtiga cansanção. Se passar em você, ela queima, a raiz dela serve pra abortar… As mulher procura muito esse remédio aí. A casca do pódói, se você tá com pouco sangue? Ele dá força. Muito bom. O chá fica vermelho. Sim forte. Forte, forte, forte mesmo. Irene: Tinha uma tia, a mãe de Jeová também fazia cura e tinha uma senhora que chamava mãe Vita. Era como se fosse assim, a mãe de todos, né? O nome dela era Juvita. Que ela também veio de Fontainha. Ela era uma curadeira. Ela ensinou pra filha dela, a Francisca. Então tinha Anália que era minha tia, irmã de minha mãe, uma curadeira. A mãe de Jeová também, a dona Albertina era uma curadeira. A dona Chica, que o nome dela era Francisca, também era curadeira e mãe Vita. Uns diz que é do bem, outros diz que é uma mistura, né? Assim, não sei. Não tenho medo dessa história. Eu sei que existe o bem e o mal, mas com certeza tem alguém que gosta de fazer certas coisas, mas eu acho que volta tudo pra aquela pessoa, porque se você não merece pra alguém lhe fazer o mal, não vai chegar isso em você. E se você também não acredita muito, né? Mas com certeza é que nem eu estou te falando. Existe gente do bem e gente do mal. Porque pra mim se tu faz uma reza é pro bem. Quando fala a palavra feiticeira, é uma palavra esquisita, é ou não é? Você não acha? Feiticeira. Ó, fulano é feiticeiro. A gente se assusta, né? Mas no mundo existe de tudo. Se for o feiticeiro do bem, então é ótimo. Mas se for o feiticeiro do mal, o mal vai-se embora pra lá. Mas o povo
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diz que o feiticeiro tanto faz o bem como faz o mal. Eu acho que isso aí é muito louco isso aí. Diz que tem mulher que faz coisa pra o homem ficar com ela. Uma hora a casa cai. Isso não é amor. Isso não é um amor, o amor do coração, o amor que tu gosta da pessoa. Se tem uma bruxaria numa coisa no meio, uma hora vai cair. E aí do mesmo jeito tu vai ficar pra trás, se tu fez isso sem a pessoa… Porque pra mim uma relação a dois tem que ser uma coisa do coração. Mas esse negócio de fazer pacto com não sei quem. Com bruxa. Nã, nã não. Amadeus: Um bom casamento a gente faz com amor, né? Com amor, os dois têm amor. E aí a gente têm bastante amizade, conversa e tal. Sabe? A gente se casa com... hoje eu não sei. Que as mulher se casava, mas os homens se casa com a mulher e mulher casa com mulher, com mulher e aí com dois mês, três, já estão separando. Não sei por quê. Eu acho que não. Isso não é casamento, né? Isso não é amor. É amor quando você constrói um amor, né? De coração. E aí pra gente construir uma família, uma amizade, assim de casamento, cê tem que ter muito amor, né? E a gente tinha amor nessa época. Hoje ela se afastou um pouquinho porque, ficando velho, aí tem neto, tem isso, tem aquilo. Aí uma hora ou outra tem um quebra-cabeça, uma coisa... A gente sempre tinha que fazer assim, não, eu não brigo com a minha mulher, a minha mulher não briga comigo. Casamento é aquela coisa, né? O amor, mas sempre em altos e baixos. Mas a gente leva a vida pra frente assim, né? Sem guardar rancor um do outro, né? E aí a gente vai seguindo em frente. Vai aparecendo família, vai aparecendo, né? E a gente pegando amor aos filho. Quando a gente casa, o amor é dos dois e quando tem família aí vai dividir o amor. Não tem mais aquele amorzão que eles tinham, doido, porque divide com o filho. O amor pra mim é uma coisa de coração. Pra mim o amor é você viver da paz, né? Tudo que você vai fazer, cê concordar com a mulher, com o marido, né? Se tá certo, se num tá. E assim a gente constrói o amor.
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Assim, porque é aquele bem né? Que a gente tem do outro. Porque se você não quer bem, você não tem amor, não. Amor vem do bem. Hoje, o dia desse que nós estamos vivendo, está difícil. Porque primeiramente, eu vou lhe dizer, o povo hoje. Não é o mundo, é o povo. A maioria eles não tem amor. Bom porque eu vou lhe dizer uma coisa. Quando a gente era menino a gente respeitava todo mundo do maior ao mais pequeno. Ninguém nem sabia quem era aquela pessoa, enxergava e dava a bença. Hoje os próprios filhos não querem mais dar benção aos pais. Os filho hoje, os filho, os próprios filho eles não têm amor. Você imagine os outros. Por isso que nós chegamos a esse ponto de, do povo tá no que tá. Falta o amor. Porque amor é aquela coisa: pra mim amor é o respeito. Você respeita, né? A gente constrói uma amizade e nessa amizade que a gente tem, a gente constrói a paz e o amor também, né? Porque fulano não é daqui, mas ele mora aqui e respeita, anda direitinho, num desrespeita ninguém, eu acho que aquela pessoa é como se fosse da família também, faz parte do amor também, né? Porque se você tem amor, você dá amor, se você não tem amor, você não dá amor. Tem isso também, né? Pra você dar amor você tem que ter amor. Mauro: Minha mãe fala assim, que desde que eu comecei a andar, que eu ando no mundo, né? E por andar no mundo, eu sempre andei nas casas de todo mundo. Então, senti fome, onde eu tivesse brincando com os amigos, lá eu comia. Então Canoa Quebrada tinha essa liberdade assim, tipo, pessoal quando vinham pra cá, não tinha onde ficar, era casa simples, um quartozinho, o banheiro era lá de fora, aí as pessoas dormiam nos alpendres dos outros, esticava uma vela de jangada, às vezes dormia do lado de fora, amanhecia o dia deitado na areia, contando história. Tinha essa liberdade, né? Valdenia: À noite não existia celular, não existia televisão, ninguém ia pros bares de noite, pra conversar num bar. Então era na rua, né?
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Toda a rua tinha areia e sempre a vizinhança, todo mundo tinha aquele grupo de vizinho, né? Sempre aqui foi assim. Aqui na minha rua você vê quando você passa, junta ali o Assis ali na casa da dona Idinha, ela com a família, com as filhas se senta ali até dez horas. Todo mundo conversando, depois da janta todo mundo senta fora, bota cadeira, antes era no chão, que areia era limpa. Aí noite de lua era bom demais ficar sentada assim na rua até dez horas da noite com a lua clara né? Às vezes merendando melancia, é muito bom comer melancia de noite e noite de lua e assim sempre tem aquele grupo que em alguns canto aqui, alguns pontos, se senta. Você não vê mais assim na areia. Irene: Eles começavam a conversar. Principalmente quando tinha a lua cheia, conversar. Aí ia sentando um, sentando o outro, sentando, às vezes eles tocavam numa lata, fazia a roda de côco, às vezes era roda de conversar do mar, sobre o mar, aí de repente alguém contava uma história pra nós, menino, que tava ali pra aprender, né? Aí ele começava a contar. Aí um puxava a história, o outro terminava, aí compadre, tu conhece essa daqui? Aí puxava outra. Compadre você conhece essa? Tinha até um… ficava até tarde também porque a gente acordava cedo e dormia cedo, né? Vamos dizer umas seis hora, ficava até umas sete hora por aí, sete e pouco. Depois todo mundo dormia muito cedo. Maceuda: A gente fazia fogueira. Eles contavam muitas histórias de peças que eles pregavam um pro outro. Várias histórias. Jeová também, Jeová. Umas história de pescador mesmo. Mente, mente, mente, mente, mente. A gente fazia muito disso. A gente, de madrugada a gente descia até, às vezes, pra esperar barco, a jangada que foi de dormida, né? Pra ajudar a pessoa. Era massa. Então a gente ia fazer a fogueira, ficávamos esperando a jangada chegar e aí nessa história um vai contando a história. “Tu viu fulano, tu viu história de jumento”, história, muitas histórias tem. Alguns já não me lembro mais, que aí foi a ideia de criar o livro Miolo do Pote, né? Que tem umas histórias também muito engraçada, né?
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Tersio: Ele contou muita história pra mim. Aqui na frente. Seu Antônio Miolo, ele contava muita história. Cê já viu esse livro? É claro que isso aí que tá escrito é o jeito que o Tersio fala, eu não posso falar o jeito que ele falava, eu não gravei, ninguém gravou. Talvez alguém tenha uma ou duas frases dele. Essa é minha versão. Isso aí é o que eu escutei dele, que eu absorvi dele, cada um vai absorver de uma forma, né? “Ah, mas não foi bem assim que ele falou”. É claro que não, porque quem está contando sou eu. Mas que bom que tem uma lembrança. Eu pensei dessa forma porque as crianças na escola poderiam lembrar e nunca esquecer de seu Antônio? Por causa de um livrinho desse. E mesmo elas lendo, vão contar da forma delas. Rapazinho: (Meu pai) contava muita história. Sabia de muita anedota dos mais velho. Eu gostava. Em Canoa também tinha outro senhor que ele dizia muita história, viu? Chamava ele de Zé dos Gato. A gente se assentava só pra ver ele dizendo, numa hora dessa assim ele tava lá na bodega, dizendo presepada, sabe? Ele dizia muita presepada. Lili: Eu gostava do seu Antônio Miolo, porque ele contava umas coisas BEM absurda. Mauro: Eu lembro quando eu era moleque antes da gente ir pro morro, né? A gente passava num canto pra poder merendar, né? Eu ia aqui pra seu Luiz, a gente comia era suco de murici e aquelas bolachazinha com uma salgadinha, né? Cê chegava lá, ele botava em cima do balcão, “eu quero tanto de bolacha” aí ele botava no balcã, pegava um suco de murici, você comia ali em cima do balcão mesmo as bolacha, né? Aí Antônio Miolo chegava pra beber, né? Que ele vinha aqui pra fazer compra aqui no seu Adolfo, aí ele dizia “seu Antonio Miolo, conta uma história pra mim?” Ele falava assim “eu só conto se tu pagar uma pinga pra mim.” Aí tinha isso aí pagava pinga pra ele, ele começava a contar história, né? E ai de tu se você falar que era mentira, tá entendendo? E era bem sério, né? Aí ele começava assim, aí às vezes as pessoas esperavam esses ho-
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rário pra poder pegar ele pra poder puxar essas história dele, né? Tu já viu ele contando a história da melancia? Que disse que chegou, trouxe a melancia do roçado. Chegou em casa, abriu a melancia e começou a sair água. Já afogava a família dele. Mas ele falava bem sério, viu? Bem sério. Lili: E ele falava “é verdade”. Aí se a gente risse, ele queria bater na gente? Ele dizia que ele tinha ido no mato e tinha pegado um caju tão azedo, tão azedo que a vaca mordeu e ficou com a boca torta. Aí a gente ia rir, menina, ele pegava um pau e saía correndo atrás da gente “você está pensando que é mentira, é?” Eu gostava demais de ouvir as histórias dele. Ele vinha aqui na frente e ficava sentado contando história. A gente ficava assim delirando com as histórias dele. Ele disse que foi no mato e aí ele escutou um barulho. Ele pensou que era um helicóptero. Aí quando ele olhou era uma muriçoca. Ele pegou, subiu, segurou nas asa dela, ela veio deixar ele em casa. E só a gente ria, que a gente sabia que era mentira, ele ficava puto, ele queria bater na gente! Que ele queria que a gente acreditasse. Luizinho: Meu pai era cheio de história. Ele foi pescar aqui nas pedra, maré baixa, aí encontrou uma pedra muito alta, era uma tartaruga. Ele pescando em cima não sabia o que era uma tartaruga. Quando ele olhou pra terra, tava três quilômetro da praia. Aí foi com a tartaruga pro meio das água, aí ele viu que era uma tartaruga e pulou. Quando ele pulou, o golfinho era amigo dele. Deu comida ao golfinho, segurou na cauda do golfinho, o golfinho deixou ele na praia. Muito amigo. Aí o meu pai chegou do mar, aí não tinha farinha em casa. Aí falou “Mulher tem…” Aí meu pai pegou o jegue. O transporte era o jegue e o tempo de chuva pesado. Aí chegou lá no mercadinho, comprou o saco de farinha e falou “Antonio não vai pra Canoa que vai molhar a farinha.” Montou o saco de farinha na traseira do jegue, subiu, a chuva arriou. Quando ele chegou em casa, que fez a curva, na época as casa era de palha, né? Aí minha mãe falou, marido tu é doido, molhou a farinha
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todinha, ele desceu pra tirar a farinha, olhou pra trás… A chuva só tinha molhado a ponta do rabo do jegue. Jegue rápido, viu? Rapazinho: Rapaz agora (essa coisa de contar história) está mais difícil. Porque quem sabia de muita anedota era esses mais velhos. Esses mais novo não tem a manha de anedota não. Porque não aprende com os velhos né? Os novo não pega lição com os véio. Eu não aprendi muito com meu pai muito não. Devia ter aprendido, né? Se eu tivesse aprendido, eu já sabia de muita anedota. Osmira: Aqueles velho que eu alcancei tudo, eles contava história. A gente já gostava de escutar as histórias do Zé. Agora não, agora ninguém conta mais história. No meu tempo aquele povo escutava tudinho. Agora não, o povo só é com o celular na mão tudinho, ninguém conta mais histórias. Iracema: Meu pai contava história, meu avô contava muita história. E eu gostava de assistir as histórias do meu pai quando ele contava. Gostava de assistir. E aí meu pai morava aí nessa casinha aí. Toda noite nós ia pra lá conversar mais ele e o outro amigo dele. A gente conversava muito, muito, muito. Irene: (Meu pai) Contava uma história de uma tal de Maria Bonita, duma raposa, dum macaco, era muitas histórias. Contava as histórias da princesa bonita que atravessou o outro lado do mar, com um cavalo, pra ver o príncipe. E a gente ficava naquela imaginação. Pra mim cada vez que passava uns urubu eu via eu ficava olhando pros urubu pra ver se eles passavam com cavalo pra atravessar o mato. Eu consegui assim capturar muitas histórias não, porque era tantas história e eu viajava nas história e acabava dormindo, né? Eu acabava dormindo. Quando eu acordava, a história já tava lá no meio do mundo. Aí eu num sei, num peguei muitas história, tanto que hoje os menino pede pra eu contar e eu fico assim até, porque eu me lembro só de algumas coisas e o resto da história eu não consigo.
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Dalva: Tinha um pai e uma mãe na época, que nasceu uma menina. Então o pai não gostava dessa criança, e o pai na época, queria matar essa menina, que existe essas história, né? A mãe cavou um buraco e botou essa criança lá. Aí na hora do comer, ela atirava o comerzinho dela, né? E ia deixar escondido dele. Era o meu cachinho de ouro. Aí batia três vezes. Se batesse três vezes era mãe, entendeu? Aí batia, ela vinha, comia. Aí um dia o marido ficou pastorando. Ela fazia aquela comida e escondia logo, ela acabava de comer e ia deixar lá. E o marido ficou assistindo, aquilo e viu. Aí quando foi um dia, no lugar da mãinha, o marido foi primeiro que a mãe. Bateu do mesmo jeito que ela bateu três vezes dela. Que ela apareceu, aí foi o pai. Quando chegou lá o pai matou ela, foi. Aí quando a mãe chegou, bateu pra dar de comer a ela e nada e nada e nada. Ela contava essas histórias, nós tudo trabalhando, nós chegava a ficar de boca aberta. E tinha muita história que elas contava, sabe? E a gente trabalhava. Umas história triste, umas história bonita, tem as história, tanta história que ela contava e agora eu nem me lembro mais. Aracy: Quem contava história era Pai Velho. Eu tinha um livro dele, mulher, eu ia te amostrar. Só que eu fui pra casa de Elza, ali eu levei o livro quando eu voltei e deixei lá. Eu já pedi a ela pra ela procurar. No livro de Pai Velho, era cheio de história daqui de Canoa. Esse Pai Velho, ainda tem gente de Pai Velho aqui. Tem Toinho, Toinho que toma conta das coisa lá embaixo, Pai Velho era tio dele. O pai dele, o pai de Pai Velho era irmão de Tia Rosa do Mel. Tia Rosa de Mel era parteira. Ela é a mãe de Zé Melancia. Rosa de Mel era mãe de Zé Melancia e era irmã de Fortunato. E Fortunato era pai de Pai Velho. E Pai Velho era filho de Fortunato. E Dona Clara era mãe de Pai Velho. Lili: Eu morria de medo de Pai Velho. Demais, demais. Qualquer coisa que a gente aprontava, a mamãe falava vou chamar Pai Velho. Menina! Era porque, sei lá, ele dava medo mesmo. Era uma pessoa magra mas assim, tão estranha, ele fazia algumas coisas, ele amedrontava as
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crianças, né? Ele dizia “eu vou comer o seu dedinho, eu vou assar…” Menina! Nós tinha tanto medo de Pai Velho! Sim, ele contava história, mas ele gostava mesmo era de assustar. Ele amedrontava, Raquel, eu tinha tanto medo de Pai Velho. Tinha medo demais. Aracy: E ele contava história que ele botava a jangada pra cima, esbantava jangada pra baixo. Pai Véi cuidava das jangadas. Quando as jangada chegavam do mar, ele estava lá. E aí ele estava na praia, quando chegou uma jangada de noite com três homem. Chegou uma jangada de noite com três homem. Aí perguntaram a ele se aqui tinha alguma casa desocupada. Então tinha essa casa que o pessoal tinha saído e tinha deixado aí ele disse “Tem uma casa aqui. Vamos lá ver se vocês gosta dessa casa?” Aí levou os homem pra lá. Quando chegou lá, os homi disseram assim. “Essa casa mesmo que nós sonhemos, que nós queremos”. Aí, Pai Velho “está certo”. Aí ele disse “Pois quando for de manhã o senhor venha botar nós pra ir embora”. Aí Pai Véi disse “está certo”. Aí eles ficaram né? E Pai Véi foi-se embora e deixou eles lá na casa. Quando foi de manhã, quando o Pai Véio chegou, não tinha mais ninguém. Só tinha um rastro deles. Aí, Pai Véio desceu pra praia. Quando o Pai Velho chegou na praia não tinha mais jangada, não tinha mais nada. Eles já tinham ido embora. Foram-se embora. Aí Pai Véio voltou pra trás né? Não achou mais eles. Aí Pai Véi foi na casa. Quando chegou lá, Pai Velho viu foi um buraco lá no quarto, um buraco que eles fizeram. Tiraram foi uma coisa. Eles sonharam com uma coisa e vieram atrás e acharam. E tiraram. Acabaram e foram-se embora. Nem ligaram pro Pai Véio. Djalma: “O pescador é mentiroso.” Não. Muitos aumenta né? Mas muitos conta mesmo a verdade. A gente, antigamente, a gente, quando era assim seis horas, que na época nem tinha luz, não tinha nada, a gente ficava aqui na ponta ali da barreira, olhava ali pra baixo, você via era a gente chamava Batatão. Você viu um foguinho como um cigarro? Você fica de olho né? Andava até ela, ia crescendo. Fazia aquela tocha.
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Aí depois sumia. Mas depois, isso acabou-se, a continuação do chegar a energia aí pronto. Isso acabou-se tudo, né? Aracy: Tinha um rapaz, um primo meu, um filho da irmã da minha mãe que ele trabalhava na beirada. Eu não sei o que era o trabalho que eles fazia, o trabalho aí na beirada que ele trabalhava. Aí ele quando veio de lá pra cá, ele disse que o Batatão acompanhou ele. O Batatão, o Batatão acompanhou ele. Aí ele sabia rezar que a mãe dele e o pai dele ensinaram ele a rezar. Aí ele rezou o “Crê em Deus pai” e ele ficou todo o tempo acompanhando ele e ele disse que veio simbora por cima do morro e o bicho acompanhando ele, o Batatão. Ele diz que ele é que nem uma pessoa: tem as duas pernas e ele é todo tempo pegando fogo. Todo tempo com a labareda. Ele diz que a cabeça dele é todo tempo subindo aquelas labareda de fogo. Eu nunca vi não. Eu nunca vi, eu nunca vi esse bicho não. Graças a Deus eu nunca vi eles não. Nelson: Aí essa outra história do Batatão era assim, a minha tia falava, sabe? Era assim, começava assim o fogo igual uma ponta de cigarro. Quando ia ver, ia crescendo, crescendo. Aí ela disse que era o Batatão, chamava a história do Batatão. Começava com a faísca, aí depois ia aumentando. Aí depois Canoa Quebrada começou a evoluir aí essas história acabou, não existe mais. Aracy: Existia também sabe o quê? Existia também, Dona Clara, a mãe de Pai Véio, Dona Clara, ela disse que quando a filha dela era pequena, ela se alevantou, que ela morava numa casinha de palha. Aí ela se alevantou de madrugada, que a menina estava com fome, aí ela fez o mingau e abriu a porta e foi esfriar o mingau e viu a burrinha. Ela diz que era uma burrinha. Os cachorro tudo atrás da burrinha. A burrinha na frente e os cachorro tudo atrás. Ela disse que era uma burrinha de fogo. Os cachorro tudo atrás e ela na frente e os cachorro atrás dela. Dona Clara viu. História de sereia? Tinha mas é no livro de Pai Velho.
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Jeová: Eu vi a sereia. Eu vi ela do meu lado. Aqui na frente, uma lua cheia, faz muito tempo. Meia-noite. Quando eu vi aqui ela, eu tava tomando banho tranquilo, bem legal, olhando a natureza. Quando eu vi, foi aquele chiado assim, um movimento na água, que eu olhei, eu vi, eu vi a imagem muito linda, cara. Mas eu, né? Fiquei com medo. Eu saí mesmo. Eu tive coragem de ficar, não. Mas ficou muito. Até hoje eu tenho essa imagem. Muito marcante né? Aracy: Eu sabia da história da mãe d’água só que eu me esqueci. Eu sabia, que eu lia os livro e eu aprendia as história. Eu sabia muita história, só que eu esqueci tudinho. Eu comecei a ler o evangelho, esqueci as histórias. Eu lia o evangelho e comecei a ler o evangelho, comecei a decorar os salmos do evangelho e esqueci as história que eu sabia. As histórias que eu sabia, eu me esqueci tudinho. Marta: O pessoal não crê que existe a Mãe d’água, mas tem. A Mãe d’água. É, tem. E ela é uma pessoa assim, como nós. Ela mora dentro d’água. Ela é uma pessoa como a gente. Agora só não é porque ela não anda de vestido. Ela anda coberta só com o cabelo. O cabelo dela é tão grande que passa dela. Ali é a vesta dela. Ela abre o cabelo, bota as banda, está toda coberta. Aí ela é a Mãe d’água. Uma pessoa como, como eu, como nós, feito de carne e osso. Já teve contato com ela. Essa criatura que teve contato com a Mãe d’água, ele já faleceu. Era um homem casado. E esse homem, ele só vivia de pescaria. Um bom pescador. Eu conheci ele. O nome dele que chamava era Zé. Zé de Manexico. O pai dele era esse curador. Pois esse Zé, ele conversou com a Mãe d’água, ele teve contato com ela, ela ensinou tudo pra ele do mar. Ensinou tudo pra ele. Ele pescando só e ela sentada em cima da jangada conversando com ele. Mas o primeiro sinal foi assim. Ele pescava, era um bom pescador.
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Aí os outros pescador e mesmo as pessoa que não era, o olho era deste tamanho pra ele. Sabe o que era que dizia? Por que é que esse homem, todo mundo vai pro mar não pega nada e ele parece que é amigado com a Mãe d’água? Só vem chapado esse homem. Aí quando foi um dia ela se declarou pra ele, ela no mar. Estava apaixonada, ela por ele. Disse “Zé, tem gente que está com inveja de você, mas agora eu vou fazer você levar mais peixe. E eu vou botar na sua linha só do bom.” E foi mesmo. Ele ia pro mar sozinho no paquete. Quando ele vinha só trazia peixe bom. Nada de coisa ruim. Aqueles peixe miúdo nada. Pois ela veio do mar, ela e disse a ele que fosse uma noite pra praia que ela ia passar a noite conversando com ele. E ele não foi? E ele não trouxe o cabelo dela pro pessoal ver? Um cabelo dela, um fio de cabelo, diz que era meio que assim, aqueles cordão de ouro bonito que tem? Assim era o cabelo dela. Era dourado. Ela disse “olha, bote no fundo do chapéu. E não amostre pra todo mundo não porque você vai ficar abortado.” Foi dito e feito. Mas o pessoal tem um olho maior do que a cara, começou a dizer: ele tá ligado com a Mãe d’água, tá ligado com a Mãe d’água, até um dia ele disse pra ela que não queria mais contato mais não. Ele ia deixar de pescar. Ele ia sair da pescaria e não queria mais viver naquela vida não. Ele ficou nervoso. Ela queria carregar ele pro mar pra ficar morando com ele lá. E ele tinha medo de morrer afogado. Mas ela tinha conversado com ele que ela morava dentro d’água mas a casa dela não tinha água dentro. Era meio que estar aqui na terra. E é dentro do mar. Eu disse, era dentro de uma vidraça. Aí ele não foi não. Ele deixou. Bazinha: Eu peguei o cabelo. Era da mãe d’água. A história é que eu vinha arrastando a corso. Vinha arrastando, que a gente arrastava a corso pra pegar peixe, sabe? Pega cavala, pega serra, pega peixe a corso. A linha amarrada aqui na perna, arrastando a corso. Quando chegou bem aqui, não pegou nada e eu fui puxar a linha. Apanhando a linha, apanhando a linha, apanhando a linha, mais pra lá eu vejo aquele cangaço vermelho na água e digo, que que foi? Que cangaço é aquele preso
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no anzol? Porque de primeiro a gente botava uma isca no anzol. Tirava uma isca de peixe e botava do anzol pra vir arrastando. Pegava peixe, pegava muito peixe. Aí eu cheguei lá por acolá pelo meio do caminho e fui puxar a linha. Espiei. Um vermelhão na água… que diabos é aquilo agarrado naquele anzol? Peixe não é. E quando eu cheguei era um cabelo, uma ruma de cabelo. Os cabelo era aqueles medonho. Espiei. Digo, cabelo dentro do mar… é a mãe d’água que soltou pra eu pegar. Só pode ser. Menina, os cabelos era bem ruivinho. Um estirão de cabelo que era aquele, medonho, uma ruma. Que pegou no anzol. Aí eu fui e soltei. E disse vai-te embora, pra onde tu viesse, não vem pra cá não. Porque teve um aqui, um lá na Majorlândia, que a Mãe d’água carregou ele. A Mãe d’água. Carregou ele. Lá na Majorlândia. Ele sonhou que quando fosse pro mar, a Mãe d’água carregava ele pro mar. Ele não queria ir. No sonho, sabe? Aí ele não queria ir e os outros “Rapaz, vambora!” Era um rapaz novo. Rapaz famoso. Lá de Majorlândia. “Rapaz vambora.” E ele, vou não. Ele contava a história. “Ah nada, rapaz, é o sonho da gente.” Aí foram pro mar de dormido. Era um rapaz bem novo. Aí foram pro mar de dormido. Pelejaram com ele, pelejaram que ele não queria ir. “Bóra rapaz, tu é doido. Mãe d’água, essas coisas, é sonho.” Aí ele foi pro mar mais os outros. Ele gostava de pescar, né? De noite. Ficou pescando. Ora, que ela não carregou ele? A Mãe do Mar. Ela aparecia pro pessoal. Eu não vi ela não, eu vi esse cabelo. Aí soltei. E era dela. O cabelo era bem vermelhinho, rapaz. Cabelo era o mesmo que ouro. Eu digo, vai simbora eu não quero tu não, vai-te embora. Aracy: Tem a história do lobisomem aqui. Que meu pai viu o lobisomem, ele disse que o lobisomem é que nem uma pessoa. Ele disse que o Lobisomem é que nem uma pessoa. Ele viu o lobisomem. Diz que antes dele correr atrás dele, ele veio-se embora. Ele aparecia na barreira, lá onde o povo joga lixo.
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Quem viu o lobisomem peito a peito foi o pai de Valdir. O pai de Valdir namorava com essa menina da Majorlândia. Que ele casou com uma moça da Majorlância. E aí ele foi um dia pra Majorlância, quando ele voltou de lá pra cá, quando ele voltou de lá pra cá, ele viu o lobisomem. Aí ele andava com um canivete. Aí ele furou o lobisomem com o canivete. Aí ele disse que quando furou lobisomem, ele virou numa pessoa, virou no Piel. Diz que era Piel que virava lobisomem. Aí ele foi e pediu a ele que ele não dissesse a ninguém que era ele não. Mas só que ele chegou aqui, encheu o mundo. Que tinha visto o lobisomem, e o lobisomem tinha avançado nele e ele tinha furado o lobisomem, e o lobisomem tinha virado no Piel. Marcinha: Rapaz, eu não gosto muito de contar essa história não porque, se eu contar, pessoas vão dizer que é mentira. Porque eu não sei se contamos essa história já, do lobisomem da praia. Nós andava na praia, nós já tinha ouvido falar dessa conversa, só que eu não tava acreditando nisso não, né? Que tinha um lobisomem na beira da praia… eu não estava acreditando muito nessa conversa não. Eu dizia que era história de bêbado. Aí o irmão de Valdir também, Nonatinho contou que viu uma cena diferente na praia. Eu não tava acreditando. Quando foi um dia, a gente foi, ia pro mar, era noite de lua cheia. A gente levantou cedo pra ir pro mar. Nós saímos cedo que só. Antes de doze horas, não foi? Waldinho: Nessa época já tinha os rastros na praia, não foi? Marcinha: Foi. Mas só que o pessoal contava essas história e eu não acreditava não, né? Não acreditava. Waldinho: O meu irmão falou assim “Rapaz, eu vi um rastro feio na praia.” Que negócio é esse? “Um rapaz com as mãos que fazia assim, ó.” Marcinha: Aí nesse dia nós fomos descer pra ir pro mar. Primeiro quando a gente desceu aí vinha um rapaz saindo da água, não foi?
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Waldinho: Foi, nós estava lá em cima da falésia, né? A lua bonita né? Marcinha: A lua bem clara. Waldinho: A maré, a maré tão seca, é, seca que não sei quantos metros de distância. Aí eu digo “Marcinha, tinha um homem tomando banho no mar ali.” Marcinha: Foi, e de roupa de manga comprida. Waldinho: Aí vamo rolar o paquete, pra gente ir simbora, né? Eu digo, “Marcinha, esse cara vai ajudar nós aí na arrancada”. Marcinha: Mas já tava estranho, já tinha visto um rastro estranho. Waldinho: Eu pensei que ele ia ajudar nós, né? A rolar a jangadinha. Ele passou direto. Foi, aí eu falei assim: “Oi”, né? Sempre eu gosto de, quando a pessoa passa, né? Que eu gosto de dizer “oi”. Nem falou comigo, todo rasgado o homem, eu digo, “rapaz, que é isso aí?” Era manga comprida assim né? E calça… Marcinha: E pequeno, não era muito grande. Waldinho: Esse homem aí todo rasgado aí. Que diabo é isso? Marcinha: E nem quando a gente falou. Waldinho: E nem dando atenção. Passou aqui pertinho. Mas também, desse dia pra cá, né? Que nós vimos ele, acabou-se o rastro da praia. Marcinha: E a gente viu um rastro estranho na nossa jangada assim. Era tipo uma coisa de banda, aí eu dizia assim, eu não queria acreditar que eu tinha visto aquela coisa estranha. Aí eu dizia assim, “Waldinho, rapaz, será que era uma pessoa com uma bicicleta e fazia assim com um pau?” Aí eu fazia o jeito pra ver se dava aquele rastro que estava, mas não era. Deve ser que nem um pé de uma pessoa que desceu assim pra praia e depois, foi não Waldinho? Ficou diferente. Waldinho: Era o pé da pessoa!
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Marcinha: Dentro da nossa jangada!
Waldinho: Criou asa. O bicho criou asa.
Waldinho: Quando vinha da falésia, né, que tinha uma descida assim de areia, era o pé de uma pessoa mesmo. Mas quando chegava lá perto da nossa jangada…
Marcinha: E a lua bem clara, viu? Dava pra ver assim as cor bem legal. Ele: “Vamo simbora, vamo simbora”. Aí a gente pensando, de quando amanhecer o dia, fica lá o rastro, né? Pro pessoal ver, né? Se a gente fosse contar o pessoal num acreditava, só que quando amanheceu o dia, esse negócio é tão sabido, né? Que fez mesmo perto da maré encher e apagar.
Marcinha: Uma coisa muito estranha! Waldinho: Aí eu acho que mudava assim, parece que era rasgando, e esse mocotózinho assim, né? Tipo assim na areia, mas ia longe né? Marcinha: Tipo bicho, né? Waldinho: Era tipo o bicho, era mesmo. Esse mocotózinho. Marcinha: Aí Waldinho ficou logo cismado. Waldinho: Eu cismo logo!
Marcinha: Mas era um rastro muito estranho mesmo. Nunca, eu nunca tinha visto daquele jeito ali não. Daquele jeito ali eu achei bem estranho.
Marcinha: Aí eu digo “Waldinho, onde é que essa coisa foi, Waldinho? Esse negócio feio! Vamos embora ver pra onde é que foi!” que eu sou curiosa.
Waldinho: Era mesmo, era mesmo. Era aquele homenzinho. Foi aquele homem.
Waldinho: Nós ia fazer até filmagem, né?
Waldinho: Aquele animalzinho ali, foi.
Marcinha: Foi, só que nós não tinha celular!
Aracy: Eu nunca vi essas coisa feia. Eu nunca vi não.
Waldinho: Era, o celularzinho. Não tinha.
Amadeus: De visagem essas coisas assim… Eu vi uma vez assim quando eu era garotinho assim de idade de onze pra doze anos, eu gostava muito de ir lá pra Canoa brincar de manja, né? Lá embaixo. Aí um dia eu fui brincar de manja, veio a noite, era dia escuro, só que Antônio Miolo disse que vinha vindo lá de Canoa um dia, aí viu aquele negócio lá pra banda da barreira. Aí ele disse que passando por lá, ele viu uma coisa estranha, aí ele dizendo. Ele disse que era assim, um cachorro correu atrás dele, o cachorro com a língua de fogo, atrás dele. Ele correu, ele veio com as pernas dele pisou e foi correndo até em casa. Isso foi Antônio Miolo contando, né? Aí eu fui pra Canoa. Eu fui pra Canoa brincar e lá eu me despi a brincar. Só que era noite de escuro. Eu sempre gostava de ir em noite de lua, né? Eu tinha uns tio, meus tio ficava lá
Marcinha: Aí “Vamo embora ver onde é que dá esse rastro!” Ele “Márcia, vamos simbora, tu é doida, é?” E eu “Vamos, bóra, bóra, Waldinho, bóra descobrir.” Aí viemo andando pra cá, viemo andando pra cá, que aqui tinha tipo um esgoto. Aí eu vim andando: eu na frente e Waldinho atrás, cismado já. Aí quando chegou perto desse esgoto, parece que aquela coisa voou, sumiu o rastro, não tinha mais nada lá não, viu? Sumiu esse rastro, não tinha nada, nada, nada. Waldinho: Nem pra frente, nem pra trás, nem pra banda do mar, não tinha. Marcinha: Aí eu disse, menina esse negócio saiu voando?
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Waldinho: Pra de manhãzinha, quando o pessoal chegar não vê mais aquele rastro mais, né?
Marcinha: Aí ele passou por nós essa pessoa.
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em Canoa também. Eu aí me descuidei, né, porque quando era noite de escuro assim que eu ia, às vezes eu esperava por eles, quando era nove horas eles vinham simbora, mais ou menos nove horas eles vinham simbora. Só que esse dia, eu demorei um pouco e eles vieram simbora. Não sei se eles vieram simbora mais cedo ou se fui eu que tardei. Eu sei que quando eu vim, não estavam lá mais. Eu passei lá, não tinha ninguém, eu fui embora. Aí eu vim, passei na frente da casa da velha Raimunda Marco. Quando cheguei aqui na frente, onde é aquela escada do casqueiro, ali tinha uma areia bem mole bem fofinha mesmo, sabe? E era assim uma baixa. Agora ficou tudo certo que o asfalto foi acabando. E aí o vento também enterrou uma parte. Mas era uma areia mole, aí quando passou da casa da senhora lá, da Raimunda Marco, aí eu fiquei com aquele negócio, aquele medo. Aí saí correndo. Não numa carreira fechada. Quando eu olhei pra trás eu olhei pra trás, aí eu vi direitinho. Um cachorro com a língua de fogo. Isso me deu um medo tão grande e uma carreira tão grande quando eu cheguei na casa da véia aqui mais em cima, que é a mãe do Bazinha, se o portão não tivesse aberto acho que eu tinha me acabado, num medo que eu tinha tão grande. Aí caí de uma vez. Aí eu fui, tive um pedaço cansado, morto de cansado mesmo. Aí a véia disse assim “O que foi isso menino? O que foi isso meu filho?” Aí eu digo ó Dona Chiquinha, eu vim ali agora vi um cachorro com uma língua de fogo na carreira atrás deu, aí ela disse assim “Olha danado, já te falei pra tu não andar fora de hora, né? Eu já te falei.” Aí, eu demorei lá um pedaço aí eu disse assim, Dona Chiquinha, a senhora me deixa lá em casa? Eu tô com medo de vim pra casa. Era bem pertinho a casa. Eu fiquei com tanto medo, que a gente fechou até a porta lá de casa. Aí eu passei um tempão, muito tempo, muito tempo mesmo com esse negócio na cabeça e depois eu ia lá pra baixo mais cedo eu vinha embora. Morrendo de medo desse negócio. Mas eu acho que aquilo não foi nada não. Aquilo foi só o medo da lembrança que eu tive dele dizer que tinha visto esse negócio.
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Porque eu não acredito negócio de visagem não. Eu acredito muito em Deus, mas eu não acredito nessas coisas. Agora diz que lobisomem existia, né? Mas nunca vi não, mas disse que o lobisomem existia. Porque diz que o lobisomem, a pessoa se transforma, assim, tem umas palavras que você diz como se fosse uma reza. E você vai pra dormida do animal, pode ser um jumento, pode ser um cachorro, um porco. Você vai, chega lá, dizendo as palavra e se enrola, né? E aí você se transforma no bicho. Pode ser qualquer um bicho, pode ser um jumento, pode ser qualquer animal, né? E aí diz que se transforma, né? Mas era coisa do passado, hoje não tem mais isso não. Bazinha: Na meia noite, meu pai contava que quando o sujeito visse uma coisa e fosse subindo, subindo, subindo, podia fazer viagem. Não espiasse não. Que era o fantasma da meia noite. Aí eu vinha lá debaixo, tarde, e eu só andava tarde, não tinha medo não. Tudo limpo, tudo limpo. Por onde eu vinha, era tudo limpo. A noite de lua era o mesmo que o dia. Aí eu espiei, aquele negócio, assim desse lado… Vi por esse lado e por esse lado. Olhei praquele negócio e disse Que diabo é isso? Que não tem nada por lá. Aí fiquei espiando. Olhe… não era ela não? Fiquei espiando e lá vai subindo. Lá vai subindo. Aí o finado meu pai dizia que quando o sujeito visse ela, não espiasse. Fizesse viagem, que ela subia e caía um pulo na gente. Aí eu fiquei espiando. Era que nem uma pessoa e foi crescendo, crescendo. E eu espiando. Aí eu fiz viagem. Tu é doido? Eu quase não cheguei em casa. Quanto mais eu andava, mais me puxava pra trás. A camisa quando eu cheguei em casa, chega saía água. De andar. Eu ia andando mas parece que ela tava é puxando pra trás. Aí quando eu cheguei em casa eu contei, aí o finado meu pai ainda era vivo. “Olha, eu não disse? Quando o sujeito visse uma coisa assim num espiasse, que era o fantasma da meia noite?” Jeová: Muitos anos atrás, eu tava caminhando na praia, seis hora, na época não tinha turista, não tinha bugre, era só os nativo, era só os pescador. E eu chegava do mar e sempre dava uma caminhada até a
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lagoa do mar, ali depois de Majorlândia e voltava, corria, corria muito. E caía ali e nadava até lá embaixo nas barracas e vinha pra cá. Aí numa tarde dessa, já anoitecendo, eu vinha caminhando ali numas pedra que eu conheço, que eu pesco aqui a vida inteira. Aí eu vi uma senhora bem antiga, mas antiga, muito antiga, uma velha mesmo bem aí de milhões, muitos anos, né? Coroa com as ruga muito marcante tudo, e eu vi, quando eu vi essa mulher sentada na pedra, eu disse quem é, meu Deus? Quem é, né? Aí quando eu cheguei, quando eu me aproximei, eu falei: “Boa tarde.” E ela falou “boa tarde Jeová”, bem assim. Como é que ela sabia do meu nome? Simplesmente ela falou “Boa tarde Jeová, me diga uma coisa, cê tá fazendo o que?” Eu disse “eu tô caminhando, eu tô dando uma caminhada, depois eu vou tomar um banho”, mas muito cismado. Aí ela me olhou assim e disse: “Me diga uma coisa, eu queria que cê fizesse um pedido” Dessa forma. Aí eu falei “Olha, eu não quero nada, eu não quero pedir nada. Muito obrigada, viu?” Aí eu andei assim uns cinco metro. Aí quando eu olhei, não tinha mais nada, cara. Mas eu me arrependi de não ter feito o pedido, ó. É cara, sinceramente. Porque essas coisa, é uma vez na vida, viu? Mauro: Eu lembro que, assim, em Canoa Quebrada sempre teve época. As crianças tinham brincadeira de inverno que é tipo cê brincar de bila, de pião, de arco, né? Aí tem brincadeira de vento. Você solta pipa, você solta botar saco, essas coisa, aí quando não tinha nada assim durante a noite, aí vocês brincavam de manja, tá? Numa dessas brincadeira, os meninos iam pra praia, pro morro, ia pros Estevãos se esconder até chegar tal hora de ir pra casa dormir. Aí eu lembro que assim, na igreja dizia que a igreja lá era encantada, então tinha horário que as pessoas não iam pros Estevãos, nem vinha. E a gente se escondendo por lá, passava por atrás da igreja, vê um monte de cavalo de fogo correndo atrás da gente. E a gente correndo e os cavalo correndo atrás da gente. Aí quando chega em Canoa, os cavalos somem. Aí tipo assim, a gente fica assim, tipo sem saber. “Vocês viram isso? Viram isso?”
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Essa não é mentira não, a gente vimos isso, né? Hoje em dia o lugar cresceu e essas coisa não acontece mais, né? Tipo hoje se você for contar, vão dizer que é mentira, né? O interessante porque não foi só uma pessoa que viu, foram várias pessoas, então. Várias pessoas. Como é que vão todos eles sustentar a mesma mentira, né? Tem uma coisa também que eu lembrava muito era tipo: desse seis hora, você tinha que se benzer, que diziam que era a hora das alma né? Aí então todo mundo eu lembro que eu ia muito lá pra casa da minha vó nos Estevãos, que era curandeira, seis horas da noite eu não podia voltar pra Canoa, eu tinha que ficar lá, aí ela ligava o rádio pra poder assistir o terço, aí depois que terminasse, você podia sair pra ir pros cantos. Era um horário sagrado. Nelson: Antigamente aqui era desse jeito, era assombrado, que era só a gente, né? Agora ninguém sabe nem o que é mais assombração mais. É, mas tem história, assim que não é nem lenda, sabia? Como no meu livro Canoa e seus mistérios, sabe? Aí tem o mistério, não foi na época dele não, mas na época da mãe dele, da vó dele, perguntar pra mãe dele, a mãe dele vai contar, vai falar que essa história é verídica, sabe? Aí tem o mistério da caixa de guerra. Quando era no mês de setembro, isso aí era só o pessoal de Canoa que morava aqui, né? Aí você ouvia, como tivesse um desfile assim, toque de sete de setembro, aí você olhava, você ouvia a zoada do carro, tá entendendo? Você ouvia o pessoal tocando, você ouvia o som, quando você olhava, não era nada, não tinha ninguém. Aí dizia que era a tropa de São Sebastião. Aí, essa mesma lenda eu vi na televisão que não é lenda, eu vi no Maranhão, aconteceu também no Maranhão lá. Esse negócio do que diz que é, que é a tropa de São Sebastião, tá encantado.
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Aí, também uma que o pessoal fala que é lenda da jangadinha. O avô dele deve saber dessa história, a mãe dele também. Quando é noite de lua cheia, o pessoal ia pra Barreira, às vezes tinha jangada que ia chegar a noite. Aí, quando vinha uma jangadinha com a vela branca, a jangadinha chegava e encalhava. Quando eles iam lá, não era ninguém. Aí também tinha, também no livro tem o disco voador. Também isso é verídico, inclusive a minha tia, a minha tia Dona Didi, sabe? Ela foi, porque o genro dela morava em Aracati, aí toda a tarde vinha pra cá, que era o Fernando, o pai de Valéria, sabe? Aí ela foi pra duna mais outras pessoas, eu acho que foram outras criança que foram com ela. Pra poder esperar Fernando chegar. Ela viu uma luzinha assim, bem distante, como fosse um copo, quando ela foi ver, já era um clarão assim em cima delas. Elas saíram correndo e deixaram as chinela lá. Aí disse que era o disco voador. Aí tinha uma senhora, uma amiga da gente, que ela tinha uma casa na lagoa, sabe? Ela era mineira, o nome dela era Lilisa. Aí ela gostava de um francês, do Patrick. Aí o forró daqui de Canoa era muito bom, sabe? Na época do forró de Dedé Caraças, era muito animado. Aí eles vieram pra cá, amanheceu, foram de madrugada pra casa, quase amanhecendo o dia, né? Aí diz que quando chegou foi pela praia , chegou lá perto ali, ela disse que bem distante ali mais ou menos ali onde tinha uma quixabeira né? Pela praia, ela disse quando viu, ela disse que uma nave e umas pessoas assim, tudo de assim, com uma roupa branca, aí entrou na nave e subiu. Aí ela dizendo que tinha visto o disco voador, sabe? Aí são coisas assim que a gente bota como lenda, mas não é lenda, que tem as pessoas que viram. Djalma: Quando eu morava lá na Majorlândia, eu estava com a minha esposa aqui, minha namorada. Aí nós de tardezinha nós fomos ir simbora pra lá, às seis e meia, sete hora. Aí nós vamos caminhando pela praia, né? Quando nós chegamos lá, ali a gente chamava Buraco do Boi, né? Aí quando ela olha pra cima assim da duna, aquele círculo de luz
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de todas as cores. Aí quando ela falou assim “Anda menino”. Aí ela se picou na carreira. Eu digo “Pra que isso?” “Não! Vamos, vamos, corre, corre”. Aí fiquemo olhando e andando, olhava e via o círculo. Muitas, muitas luz, mesmo. Era muitas luz, era luz de todas as cores. Aí quando nós chegamos lá, ela cansada. Aí ela foi dizendo, né? “Não, nós vimos ali um círculo com muita luz, aí nós corremos”. Aí o Luiz disse assim, “Vamos ver?” Que eu cheguei lá, “Cadê? Nada.” Voltamos. Eu mais os outros, né? Pa ver e quando cheguemos lá, nada. Sumiu, tinha sumido. Nelson: Aí também eu lembro também quando foi em setenta e cinco. Aí soltaram o foguete da barreira do inferno aqui de Natal. Lá em Natal, no Rio Grande do Norte, tem o ponto lá onde solta o foguete, chama Barreira do Inferno, sabe? É. Era noite de lua cheia, aí formou uma bola no céu, aí o pessoal daqui achava que ia morrer, que o mundo ia se acabar. Aí, Arnaldo trabalhava lá em seu Adolfo, Arnaldo desmaiou no meio do caminho. Aí era o pessoal chorando abraçado, sabe? Aí a minha tia ficava sentada, na época lá em casa tinha um batente na porta, ela sentava de perna cruzada e cantando aquela música de Raul Seixas, eh, esperando a morte chegar. Dalva: Agora eu me lembro. Eu mesma eu vi. Não me lembro, eu vi. Eu menina, nós tava tudo brincando, né? Quando sai de lá da planta daquele morro uma bola de fogo. Esta bola de fogo bem grande, menina, era tanta gente chorando que o mundo tava se acabando, tanta gente chorando que o mundo tá se acabando, era gente de joelho, era gente chorando e aquela bola de fogo crescendo, aquela bola, aquela bola, vem, vem, vem, vem, vem de lá entra de mar adentro, essa bola. Aí diz que era um disco-não-sei o que era né, essas coisa. Aí falaram que num lugar, não sei aonde, ele caiu e quebrou, esbagaçou todinho. Menino era muito, mas essa daí foi real, essa apareceu na canoa. A gente viu. Bazinha: Eu já vi muita coisa nessa beira de praia. A beira de praia era mal assombrada. Não era todo mundo que andava na beira da praia de
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noite não. Era mal-assombrada. Agora não, agora só é gente. De primeiro tinha muito mal assombro. De primeiro tinha muita coisa. Só andava de noite quem tinha coragem. Não era pra todo mundo andar de noite. Hoje em dia não, hoje em dia faz é o mal, faz é medo. O que faz medo é um atacar a gente e matar a gente. Faz é medo de andar de noite. É que tem muita gente pro meio do mundo. Espalhado. Faz é medo de andar de noite sozinho. Que a pessoa pega o sujeito, toma o que o sujeito tem. Faz é medo. Dalva: Então, o que eu tenho de Canoa na época, a tranquilidade. Cê saía não tinha hora pra chegar, você passava a noite, muitas vezes passa a noite todinha contando história, ia dormir não sei que hora. Seu Assis: Aí veio o turismo, né? Que eu posso até afirmar pra você que fui um dos caras que eu vi o primeiro turista a chegar em Canoa. Era eu, mais dois rapazes. Nós tava na duna do pôr do sol, esquiando. Hoje é esquiando, antigamente era carreteando né? Carreteando. Vamo falar português claro. Então nós no morro, as pessoas na estrada e chegando, chegando, chegando, chegando, chegando aí nós corremos e na época o meu tio Zé Melancia tava tomando uma cachacinha na casa da avó dele. E o meu tio estava lá de tarde, né? Ele, além de ser uma liderança super forte, ele era muito comunicativo e tal. Aí nós chegamos dizendo que tinham três lobisomem vindo. Subindo as Duna, né? Aí todo mundo fechando as portas e tal. Era um negócio assim fantástico, sabe? Demos o recado, mas ele ficou na dúvida, né? Se era mentira nossa ou não. Aí esse rapaz chegou até ele. Aí começaram a conversar e tal. Aí disse: pode abrir a porta que os caras são repórter da revista Manchete. Na época, Manchete. Eles vindo pela estrada viram o corredorzinho para vir pra praia e eles acompanharam o rastro. Aí descobriram isso aqui. Nelson: Teve uma época em mil novecentos e setenta e dois, a minha tia ia pro mato pegar lenha sabe? Porque ninguém tinha dinheiro pra poder comprar gás.
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Aí na descida da duna, porque tinha, a estrada de canoa não era asfaltada e era até lá debaixo da duna, onde tem o pé do cajueiro. Aí quando ela desceu tinha um cara lá com um carro e o cara era barbado, sabe? Aí tinha umas coisa dentro do carro, num sei se era brinquedo ou alguma coisa, aí ele chamou as criança, chamou ela, quando as criança viram aí na época… Quando a gente era criança aí tinha época do bebe sangue, mas isso aí é lenda, sabe? Aí diz que é uma pessoa barbado, que chega com brinquedo pra beber o sangue da criança. Isso é lenda, tá entendendo? Mas a gente acreditava. Aí quando viram isso aí, as crianças saíram correndo com medo. Esse cara, ele era jornalista, nome dele era Arnaldo do Rio de Janeiro. Aí ele veio até aqui, ele disse que a estrada nem placa não tinha, sabe? Aí ele disse que entrou por acaso, aí depois ele subiu aqui fez amizade com o pessoal daqui de Canoa. Naquela época, aqui não tinha estrada, tá entendendo? Você ia pra Aracati, você tinha que ir a pé. Quando chegava um jipe a gente ia ver na praia, tá entendendo? Um avião, todo mundo ia pra ponta da barreira pra olhar. Imagina na época da minha bisavó, como era Canoa, né? Valdenia: É. Antes de começar essa, essa invasão de turista, não tínhamos estrada, né? Todo mundo saía a pé e a estrada que eu falo é assim, tinha uma vereda né? A gente chamava vereda. Então tinha esse caminho, que passava só uma carroça ou passava um burro com as cargas, né? E as pessoas. A gente descia ali onde hoje é areninha, que era o campo de futebol, a gente descia por ali, descia a duna, passava pela Lagoinha, que é um lugarzinho que tem aqui entre Aracati e Canoa. Tem a Lagoinha, tem o Cantinho, que esse nome de cantinho é exatamente porque é bem numa curva. Quando termina aqui a estrada, a gente faz a curva pra pegar a reta na várzea do Aracati, né? Aí tem o cantinho, né? Tem o Córrego da Nica, tem o Córrego dos Rodrigues, tudo tem esses quatro lugarzinho até chegar lá no Aracati. Aí todo mundo só ia a pé. Então tinha que sair daqui três, quatro horas da manhã, né?
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Quando dava cinco, seis horas da manhã, sete horas estava chegando. Dependendo também do ritmo, né? Porque, às vezes dava aquela paradinha pra descansar um pouco e seguir viagem de novo. E, às vezes tem gente, os homem por exemplo, os marchantes que compravam peixe. Eles pegavam direto até dentro do Aracati, né? Com o galão de peixe que era pra poder o peixe não estragar também. Que até a venda do peixe também era assim desse jeito nas costa. E sempre quando ia pra Aracati sempre alguém, a vizinhança procurava saber quem vai pra Aracati amanhã? “Ai, eu estou querendo ir.” Aí nunca ia uma pessoa só. Sempre juntava, assim quatro, cinco ou até mais naquele dia e ia até Aracati. Era muito comum a festa de Santa Luzia e a festa de São Sebastião. Né? Eram duas festas tradicionais, né? Em Aracati. Aí então se juntava. A maioria do povo saía daqui todo mundo junto pra ir pra missa de Santa Luzia e pra missa de São Sebastião, que era cinco horas da manhã. Às vezes quando o dia estava amanhecendo né? Já clareando. Aí era que estava terminando a missa e o pessoal voltava de novo a pé. Passava no mercado pra tomar café e voltava a pé. Dava uma parada lá nesse cantinho que eu digo que tinha um senhor que tem uma criação de gados. Ele vendia leite. Ele que abastecia o leite de Canoa. Quem tinha crianças comprava o leite a ele. Eu quando eu tive Renata, Valquíria, ainda comprei leite a ele, né? Aí a gente dava essa parada lá, era a hora que ele estava tirando o leite. Era a primeira refeição do dia, né? Aquele leite. O leite do peito da vaca mesmo assim, sem passar por nenhum processo. E todo mundo que passava, tomava um copo de leite e seguia a viagem, né? Muito muito bom. E aí depois, com o tempo, apareceu um senhor que se candidatou a prefeito, né? O senhor Mauro Dela Roveri, já faleceu. Ele se candidatou a prefeito e ganhou. Ele era enfermeiro, né? Fazia muitas caridade também de consulta e ele se candidatou. No período que ele se candidatou, ele trouxe um braço de estrada que é por onde tem essa hoje, né? Sabe onde tem a pista? Ele juntou um grupo de agricultor daqui
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junto com as vizinhança. Trouxe uns trabalhadores e começaram a cortar o mato. E eles começaram a abrir, né? No machado mesmo na foice. Foram abrindo o caminho. Lembro-me disso muito bem. A década de setenta parece que foi uma década que, dez anos assim que… se passaram e tudo foi surgindo. Mas ao mesmo tempo é como se o processo fosse lento. Não deu pra perceber como agora a gente percebe de oitenta até agora. Vinte anos, né? Trinta anos. Então a gente nota assim, que Canoa avançou muito rápido. E nesse tempo de setenta pra oitenta tudo aconteceu, mas foi uma evolução lenta. A gente foi vendo cada passo, a gente tem a lembrança de tudo que aconteceu. E ele nesse ano de setenta que ele governou dois anos só de governo, ele conseguiu abrir essa estrada de terra. Era terra mesmo, areia. É tanto que não era todo o carro que vinha. Não era todo o carro que vinha pra Canoa Quebrada. Maioria era jipe, né? Naquele tempo era o jipe, era rural. E só chegava até o pé da duna. Dali todo mundo tinha que subir a pé. Qualquer hora do dia ou da noite tinha que subir a pé. E o transporte também era assim. Uma viagem pro Aracati por dia. Sai cedo. Aí tinha só a volta. À tarde ninguém nunca ia pra Aracati de tarde. E à noite só se fosse necessidade de doença, porque não tinha carro. Nelson: Agora, quando foi descoberto assim pelos turista, em setenta e dois veio o Arnaldo que eu falei pra você da história do bebe sangue. Aí depois ficou vindo a Lau, né? Que Lau é uma das pessoa mais antigas, né? Que veio pra Canoa Quebrada. Aí a partir… assim de dar o movimento mesmo foi a partir de setenta e sete. Que começou já a vir gente pra cá. Na realidade era no final da guerra do Vietnã. Começou a ter essas ondas de hippies né? Então começaram negócio de paz e amor, então o pessoal começava a desbravar o litoral nordestino, quando chegavam em Canoa se encantavam, né? Com o local, né? Seu Assis: Não tinha hospedagem. Eles ficavam na casa de pescadores que tinha eles como filhos. A amizade era tão grande, criava-se um
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laço de amizade tão forte, que esses cara não conseguiram ir embora em um mês. Ficaram três meses aqui. E daí eles fizeram uma reportagem e antigamente não tinha internet, era só revistas, jornais e começaram a publicar pequenas reportagem e aí o Brasil foi conhecendo, né? Foi conhecendo. Aí nos anos 80 foi aparecendo uma, vamos dizer assim uma levada, uma multidão de hippie, né? Esses cara de mochileiro e tal mas, vamo falar a verdade. Era uns hippies muito especiais. O pessoal era muito virtuoso, era umas pessoa muito mais criativas, pessoas que comunicava com os nativo numa boa, né? E fazia festa à noite de violas, tinha noite de lua cheia, galera, todo mundo de branco, tinha um forró do Dedé Caraças, do Chico de Judite, tudo isso na paz, como eu disse, né? Na paz, na tranquilidade. Aí dormiam pelado na praia, em cima das dunas, as pousada era muito pouca. Na época era a casa do seu Adolfo, Maria Alice. E assim foram surgindo outras, mas não era pousada de chuveiro, essas coisas não. Era pousada mesmo de você pegar caneca lá e ir lá pro tanque tomar seu banho. Geralmente, quando era noite. Alguns que traziam aquele saco, né? E outros não, dormiam em cima de esteira, assim, um desconforto total, mas todo mundo dormindo com as porta aberta, aquela liberdade, né? Estavam no paraíso que eles queriam. Mauro: Era um paraíso porque pra você chegar aqui, você tinha que subir as dunas. Pra você enfrentar, subir a dunas mais de trinta metro. Que quando você chegava, aí se deparava com esse mar verde, com essa beleza toda, né? Com as falésias vermelhas. Elcio: Eu cheguei aqui há quarenta e quatro anos atrás. Imagine aqui, há quarenta e quatro anos atrás, isso aqui era um lugar bem diferente. Era uma aldeia de pescadores, com casinhas simples, com casinhas de palha, de taipa, ruas de areia e que se mudava os locais das casas. Com o passar do tempo, que o vento ia empurrando as casas pra outros locais. Chegando, aquelas casinhas assim com luz de lamparina, com luz de vela, bem fraquinha, né? Aí eu, “ele vai ficar aqui”, ficamo aqui, arru-
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ma uma casinha de pescador aqui... Quando amanheceu o dia, que eu vi aquilo ali, onde eu estava eu falei “meu Deus que lugar é esse?!” Uma duna assim, um mar lá na frente, eu andava um pouquinho e via a mata do outro lado. Eu me senti assim no alto, assim, privilegiado. Com um visual completo. Mar e mato. Rapaz, eu fiquei impressionado. Aí foi passando o dia e foi escurecendo e eu fui sentindo toda aquela mudança, e as pessoas, uma alegria, um sorriso no rosto, uma coisa assim tão tão forte… que me cativou, né? Poxa, que lugar bom, vou ficar aqui uns dias aqui. Muito bom aqui. Dá pra ficar aqui uns dias. Fui bem recebido e tudo mais, né? Quando chegava tarde, a gente olhava pro mar, vinha um bocado de jangadas. A gente descia pra praia, uns caminhos assim, entre as falésias, não tinha um caminho. Cada um fazia seu caminho. Aí chegavam aquelas jangadas, eu ficava assim olhando. Tudo era novidade. O pescador olhava pra mim assim. “Vai querer um peixe?” Eu não entendia nada. Eu “Sim, eu quero” O cara nem me conhecia e me dava o peixe. Cada dia era uma experiência diferente. Outro dia amanhecia de outro jeito, via as pessoas. À noite, quando passou os dias, começou a ter lua. As pessoas ficavam na rua à noite, conversando com um lençol por causa do vento. E rapaz… Esse lugar aqui é mágico. Valdenia: Quando ele chegou aqui como hippie muita gente disse, porque ele vendia pulseira, fazia artesanato, era hippie. Então foi apelidado hippie, tinha o cabelo grande, né? Só não era de dread. E aí, Élcio começou amizade né? Foi um dos primeiros turistas dos anos oitenta. Nelson: E quando as pessoas vinham pra cá, quando começou a vir as primeiras pessoas pra Canoa Quebrada, ficava nas casas das pessoas. Aí eles ficavam nas casa dos nativo, mas pessoal nem cobrava nada. Então a forma que eles tinham de agradar, às vezes deixavam dinheiro, né? Assim deixava algum dinheirinho pra ajudar e às vezes quando eles iam embora, de lá eles mandavam. Valdenia: Não tinha um preço estipulado pra você ficar na casa de ninguém. E todo mundo ficava junto com todo mundo na casa dos pes-
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cadores, né? Se alimentava da mesma alimentação que a gente. Depois foi que foi surgindo as ideias das lanchonete. O pessoal foram vendo que precisava ter lanchonete. O próprio morador. Ah, um sanduíche, né? Um pão com queijo, um pão com carne moída. Isso aí veio bem depois. Tinha só o café do seu Adolfo. Mário (Mauro): Seu Adolfo era uma pessoa boa, sabia? Ele me criou desde pequenininho. Desse tamanho assim, ele me criou. Tudo, a casa dele me criou desde pequenininho. Toda a vida eu vendia bolo com ele. Era assim, um tabuleiro que botava na cabeça e levava lá pro Estevão. Nós saía daqui duas horas da tarde, nós chegava aqui o quê? Dez horas da noite. Eu comprava a goma dele. Sabe aonde? Eu comprava a goma dele lá na beirada. Em todo canto eu comprava as coisas dele. Entendeu? Comprava côco. Tudinho eu fazia com ele. Era. Valdenia: Que foi o tradicional pioneiro, né? Tapioquinha de manhãzinha de madrugada quando seu Adolfo acordava. O café com a tapioca. Esse era o café do turista. Nelson: Às vezes, quando iam embora, davam alguma coisa ou quando vinha trazia a roupa, sabe? Valdenia: Aqui houve um período que eu lembro que era frio. Hoje não, o clima mudou muito. Canoa é só sol, é quente. Mas houve um período aqui que eu lembro que eu era menina que era aquele vento frio né. Principalmente os pescador que saía de madrugada pro mar. Aí vinha muita roupa de frio de lá. São Paulo, do Rio, de Belo Horizonte. Nas caixa eu lembro quando abria. Aí tem um casaco. Vamos doar pra Fulano. Veio uma blusa de frio. Vamos dar pra Fulano que vai pro mar. E assim, eu lembro que a maioria do povo de Belo Horizonte, São Paulo, do Rio, esse povo tudo eles mandavam caixas de roupa pelo correio. Pra Canoa Quebrada né? Aquelas famílias onde eles ficavam hospedado, né?
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Tinha gente que acabou tendo afilhado, né? Muita gente que tem padrinhos de fora. Quando era período de escola, Vané conheceu uma moça chamada Sirlene, na praia, que ele vendia pulseirinha. Ele e o Márcio. E todo ano ela mandava igual ao que Will fazia com Vané. Todo ano vinha a roupa né? Meia, cueca. O material escolar. Pronto. Material escolar já era certo. Aquela pessoa mandava pelo correio pra Aracati e a gente ia buscar. Nelson: Aí quando ia embora, a gente, como aconteceu várias vezes, quando Lau vinha com a turma dela, aí fazia serenata, sabe o que é serenata? É tocar música com violão nas casas já de madrugada. Pessoal dormindo e tocando música de despedida. A gente ia deixar, chorava, sabe? Porque tinha ainda que esperar um ano pra poder vir de novo. Mauro: Porque antigamente, assim. Quem vinha nessa época, que volta pra cá, sempre vai atrás das pessoas que conviveram. “A família de tal ainda está vivo? Ah eu vim pra cá na década de oitenta, vim pra cá na década de noventa.” Anda por Canoa atrás dessas pessoas, né? Pra contar pros seus neto, pros seus filhos. “Olha, Canoa Quebrada antigamente era assim.” Eu via muitas pessoas quando eu trabalhava na loja que vinha assim tipo há vinte anos atrás, trinta anos atrás e dizia assim “Isso aqui cresceu muito, quando eu vim pra cá que era da liberdade, tinha um forró, amanhecia o dia, tinha essas coisa bem interessante.” Hoje em dia não, a pessoa passa o final de semana, mal conhece, acho que nem conhece as pessoas que tão na própria pousada, tá entendendo? Vai embora, num faz mais amizade como fazia antes, né? Tá se perdendo muito isso, eu acho. Quando vinha as pessoas de fora, antigamente, quase que a comunidade já conhecia aquela pessoa, tá entendendo? Nelson: As pessoas daqui tratavam todo mundo bem sem cobrar nada. Aí agora não, né? Porque depois foi tendo pousada né? Aí foi diferente. Mas ficava hospedado nos nativos na casa do nativo mesmo.
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Mauro: As primeiras pousadas eram interessantes porque era assim, era um banheiro coletivo, tinha um banheiro no canto e tinha um monte de quartinho, era só um vão. Só pra dormir, arrumava a rede e pronto. Aí você ia tomar banho, você tinha que pegar uma fila pra poder, né? Então cresceu muito assim, as pousada, até chegar hoje no luxo, de ter pousada com ar condicionado, piscina, né? Mas antes, nessa simplicidade, todo mundo vivia bem, era legal, num tinha... Hoje em dia não, muda, muda-se o povo, muda-se o progresso e cada vez que quanto mais poder aquisitivo você tem, assim, menos humilde você é, né? Nelson: Como ele tá falando de um banheiro só, a minha tia, ela tinha dez quartos, cinco dum lado e cinco do outro, mas era um banheiro pra todo mundo. Às vezes tinha, quando começou a chegar mais gente também, aí começou, como a Dona Rosa que vendia banho. Aí era fila de gente pra poder tomar banho, aí não tinha energia, era lamparina, tá entendendo? Poucas pessoas tinham lâmpada. Hoje em dia não, a pessoa quer com ar condicionado, é exigente. Antigamente não era isso. Era bem diferente. Como a simplicidade é muito importante, né? Na vida do ser humano. Valdenia: Naquele tempo em Canoa Quebrada a gente não tinha essa visão de ser rico. Ninguém queria ser, ninguém tinha essa visão de “Não, eu quero ser rico, eu quero ter isso ter aquilo”. Não. Viveu bem, tranquilo, tinha o que comer todo dia, tinha, então não precisava. Mudou, não mudou total, não vou te dizer que é todo mundo que é assim. Mas mudou. É como eu te falo. Todo progresso. Tem seu lado bom e seu lado ruim. Né? Tem que ser o lado positivo e seu lado negativo. Tem muitas pessoas que moram aqui que não tem ganância, não tem aquela ambição. “Ah eu tenho que ter um carro porque eu quero sair, quero passear”. Se eu tiver de comprar um carro seria por necessidade do uso, é um transporte pro meu uso de consumo, não por vaidade, né? Assim, um exemplo. Já tem outros que não. “Ah, eu tenho um carro, agora eu quero uma moto, ah agora eu quero um quadriciclo, agora eu
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quero isso, quero aquilo assim.” Quanto mais tem, mais quer ter e tem essa visão aí. Às vezes passa por cima dos outros, né, pra conseguir. Mas pra outras pessoas não, ainda continua naquela simplicidade, está bom. Eu já estou almoçando, já estou jantando, já tenho o que comer, eu já tenho dinheiro pra comprar um remédio. Pra mim está bom. Né? Eu não digo que o dia hoje seja ruim. Porque claro, todo o progresso é bom e todo o progresso também tem o seu lado negativo, né? Tem um lado positivo e tem o lado negativo. Mas o turista, o nosso turista, hoje a gente chama turista, né? Que antes era só nossos visitantes de ano que era quem vinha só de férias a cada ano. A gente recebia por ano. Hoje a gente recebe visita o ano tod, né? Todo dia chega gente nova. Naquela época não, era o período de férias. Eram duas vezes no ano, tinha pessoas que vinha em julho e tinha pessoas que deixava pra vim em janeiro, né? Que era o período de férias. E sempre foram pessoas maravilhosas, sabe? Lili: Assim, às vezes vinha um pessoal pra casa do meu avô. Não é? Porque eles vinha pra Canoa, não tinha pousada, aí conhecia os pescadores e ficava na casa dos pescadores. Aí foi quando eu conheci o arroz integral. Veio um rapaz pra casa do meu avô aí ele tinha plantação. Ele trouxe tanto arroz integral! Aí ele fazia o arroz integral, esperava meu avô chegar do mar que era pra gente comer com peixe. Ele veio, nessa época ele fazia artesanato, ele levou tanta concha, Raquel, tanta concha pra fazer abajur, colar… Levou sacos de concha porque também na praia tinha muita concha bonita, né? Isso pra gente era maravilhoso, né? Porque a gente não via ninguém. Aí um pessoa diferente que via era a festa. Maceuda: A primeira vez que eu vim em Canoa foi em oitenta. Eu tinha quinze anos. Depois eu vim em oitenta e seis, morava em Brasília. Eu vim passar umas férias. E me apaixonei. Eu acho que o lugar, as pessoas, as pessoas são de bem com a vida, né? Os nativo, adorava acordar cedo de manhã, vai sair, todo mun-
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do, bom dia, bom dia, todo mundo se cumprimenta, tá todo mundo varrendo seu terreiro. Tudo areia branquinha, né? Isso, toda a alegria de catar pinto, eu adorava ir pra fila do catavento, a gente tinha que ir buscar água no catavento, ficava uma fila enorme, todo mundo trazia lata d’água na cabeça. Eu adorava que saía tanta história ali também, tanta tanta história na fila do catavento. E isso, acho que as pessoas de bem com a vida. Eu acho que tipo assim, eu até hoje eu passo por todo mundo, todo mundo, eu cumprimento, todo mundo, eu falo com todo mundo e eu gosto muito disso. Isso era Canoa ainda, que Canoa era minúscula também, não tinha nada, eram três ruas. Marta: A Canoa Quebrada aqui era muitos céus aberto. Tinha espaço. Era só os morador mesmo daqui. Não tinha ninguém de fora. Não tinha nada. Só coisa boa. Mas quando passou da época do lagosta pra cá, começou a chegar gente assim de São Paulo não sei de onde. E alugavam casa e ficavam e depois já não queria mais alugar, já queriam ficar pra morar. E foi enchendo devagar, devagar… quando a gente soube pelo, uma notícia, que tinham vendido, já estavam vendendo a casa escondido. Mas nunca foi descoberto essa pessoa que vendeu a primeira casa aqui. Aí ficou nessa peleja aí até agora que na Canoa Quebrada não tem mais nativo, bem dizer. Só mais gente de fora. Ninguém não sabe nem da onde é. Entra um, sai outro, entra um, sai outro. Se sair dois, entra três e assim então está cheio.
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terreno. Ela vendeu sua casinha na Broadway. Vendeu porque quis. Ninguém obrigou ninguém a vender nada. Eu mesmo, várias pessoas me ofereceram terrenos aqui porque eu tinha uma televisãozinha que está até aqui agora. E eles queriam trocar isso por um terreno. Trocar isso por uma casa. E eu falei, não, eu não posso fazer isso com ninguém. Mas muitos fizeram, muitos. Então, hoje em dia eles têm uma casa porque o outro rapaz ganhou uma televisão. Isso aí é enganar os outros? Eu não sei, isso aí é índole, isso aí é você se colocar no lugar da outra pessoa, eu me coloquei no lugar de outra pessoa e nunca faria isso, mas muita gente fez e faz até hoje, porque a pessoa quer vender o terreno. Maceuda: Muita gente trocou terreno por televisão, por bateria. São coisas assim. E os estrangeiros chegaram, compraram e eles iam pra trás pra construir. Só que eles não sabiam lidar com dinheiro. Que o dinheiro acabava antes de fazer dois quartos, entendeu? Então ficava aquela parede sem… porque eles não sabiam mexer e muita gente foi, muito nativo ficou, teve ambição, teve a ganância de vender terreno que foi aí que começou o boom.
Seu Assis: Aí dos anos 80 pra cá, aí Canoa explodiu, né? Aí virou assim uma explosão, vamos dizer assim, em quarenta e oito horas, vamos dizer assim. Isso aqui foi invadido né? Mas a gente continuava com a nossa cultura, os nossos costumes.
Não sei se você conhece o Zé Tarcísio, um artista plástico. Ele é do Cumbe, mas ele vive aqui. Isso foi em oitenta e nove. Ele pintou um quadro bem grande assim no ateliê dele. Várias pessoas, várias nativas. As dunas de Canoa, ali atrás, sabe? Onde cresceu? O pôr do sol... As dunas ali e um monte de gente encostada nas cercas. Aí todo mundo achou que ele estava louco, né? Porque não tinha uma cerca lá, não tinha nada lá. Em oitenta e nove. Aí eu perguntei “mas Tarcísio por que você imagina isso?” “Não é que eu imagino, é para aí que vai se caminhar. Tu vai ver.” Ficou do jeito do quadro dele.
Tersio: Não foi nada pensado, mas eu acho que foi o que aconteceu, não foi, a culpa não é do turista que veio de fora. Não tem culpa. Na verdade não tem culpa. A pessoa que estava aqui, ela vendeu o seu
Então essa é a história do progresso, tá, todo lugar tem seu progresso mas aqui eu acho que cresceu muito desordenado e muito rápido sabe? Muito rápido porque começou o dinheiro, né? Essa história do
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dinheiro que veio porque antes você nem pensava “ai não tenho dinheiro pra…” Não se pensava nisso. Era muito doido. Tinha realmente troca. A comunidade era unida, sabe? Você estava passando ali no lugar estava rolando pirão. Já almoçou? Vem comer! Entendeu? Qualquer um podia vir. Era dividido o pirão, a farinha, o que fosse. E hoje em dia não, hoje em dia é tudo pelo dinheiro assim, né? Porque as pessoas vão ficando gananciosas, quando aparece o dinheiro, você já quer fazer o seu mundinho e eu acho que o estrangeiro que… eu não estou falando mal, não. Os estrangeiros que vieram pra cá e montaram residência, ele tá preocupado com o negócio dele em volta do negócio dele. Ele não está preocupado que o turista vai sair da casa dele e vai andar a Broadway a pé, vai ver lixo, ele não está preocupado. Só com o pedaço dele, sabe? E muitos não se doam pra comunidade, entendeu? Porque Canoa pecou muito nisso, assim. Não teve cara que veio de fora, eu vou fazer isso, vou fazer aquilo, é difícil você, tem poucos, tem alguns estrangeiros que ajudam. São poucos, pra todos os empresários que tem aqui, que são de fora, que tem pousada e que poderiam ajudar. É difícil, difícil, difícil fazer. Até ali mesmo na rua principal, né? Se você colocar uma coisa, vamos botar, não tinha lixeira, “vamos botar o lixo? Você pode fazer a manutenção, tira o saco à noite, tu num tira o lixo do restaurante?” “Ah não, não vou ter tempo.” Não tá preocupado com o todo, pode ter lixo em volta. É por aí, sabe? E eu acho que mudou muito, mas ainda tem essa história das pessoas serem unidas, não é como era antigamente, mas antigamente era muito bom, muito bom. Você não passava fome aqui. Não passava. A gente tinha muita taioba aqui. Era cheio, você saía, você enchia o saco rapidinho. Com essa taioba a gente vinha, já fazia uma farofa de taioba, já fazia pra todo mundo. Ah, eu tenho e divido. Todo mundo passava bem.
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(Hoje) Ainda se ajudam. Mas acho que muita gente se perdeu também com esse avanço, com esse progresso que pra mim não foi o progresso, porque cresceu numa coisa, mas faltou a cultura. Faltou, sabe? Mauro: Quando vem o progresso, que diz assim, o progresso é você ter uma coisa melhor, porque assim, muitas pessoas tinha as coisa, mas não usufruia, só fazia que tinha, né? Chegava um pessoal de fora, tem um pessoal que vinha de outros estado aí, chegava assim, ó “eu vou trazer uma geladeira pra você”. Tá entendendo? Tinha essa geladeira, mesmo que não tinha energia mas só em dizer que eu tenho uma geladeira, se sentia muito, né? Superior do que os outros. Aí começou a perder essa liberdade que tinha, né? Com os outros de você ajudar? Um fogão sem ter o botijão de gás, uma TV sem ter energia, né? Então eles trocavam o terreno, casa, muitas coisas por isso, só pra dizer assim, na esperança que no dia que chegar, você vai ter isso, né? Então tem uma coisa bem interessante que aconteceu comigo quando veio a energia pra cá. O gerador que ligava a energia era do lado da minha casa. Então veio o prefeito, veio o governador pra fazer isso. Aí eu com um primo meu, a gente tinha umas certas brincadeiras assim, nós vamos ser a primeira pessoa a tomar vitamina, tá entendendo? Aí liguei a tomada no liquidificador, né? E já com as banana e o leite dentro e ligava e nada de funcionar. Aí eu falava assim pra ele, ó, tu vai lá, quando o Governador apertar o botão, tu me avisa que eu vou, que eu vou ligar aqui pra ser o primeiro a comer, né? Tá beleza. Só que as tomadas de antigamente não era como era hoje, era tipo uma coisa assim pendurada, né? Aí eu coloco e ligo e nada de funcionar. Aí eu pego e vou tirar. Tá muito duro. Quando eu coloco o dedo no meio que eu puxo, o cara ligou. Aí caí eu, levei um choque, caí eu assim no pé da parede, eu com o liquidificador na mão não é? “E aí o que aconteceu?” “Rapaz, acabei de levar um choque!” Queria ser o primeiro a comer vitamina, fui o primeiro a levar o choque também. Se tivesse colocado na hora, podia até ter morrido, mas como eu tava querendo puxar a tomada, quando o cara ligou eu, puf!
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Então tinha muito isso assim, das pessoas conseguirem as coisas sem poder usufruir, só pra dizer que tem. Aí no momento que você tem as coisas você quer se sentir superior ao seu vizinho. Porque antes, assim você tá em casa, o que acontecia? Aqui num tinha o turismo, né? A gente vivia muito o dia da pesca né? E do labirinto então os pais iam pro mar pescar e a mãe dizia assim ó, meu filho o almoço, só quando seu pai voltar da praia, se tiver o que comer come, se não tiver o que comer espera. Então, às vezes quando chegava, um não pegava peixe, outro pegava, já dividia. Vai lá, pede um pedaço de peixe pra fulano de tal. Então eles eram muito unidos A gente trocava o peixe pela farinha. A farinha, aí um trocava coisa com o outro né? Maceuda: Eu morava na pousada da tia Júlia. Era uns quartinho assim, me lembro. Só tinha uma portinha e um banheiro pra todo mundo. A gente dormia com a lamparina de querosene dentro do quarto. Eu ficava com o nariz preto lá. Hoje a gente fala, ai Fumaça, vai morrer. Morre não, porque a gente não tinha nem janela nos quarto. Eu morava lá em troca, eu trazia arroz, feijão, fazia uma compra, tipo uma cesta básica e aí morava dentro dum quarto da casa deles, morava com eles. Essa era a troca, não é que eu pagava, tinha troca. Era assim, sabe? E a tia Júlia enchia o saco, de sair, com tudo, já estava como se fosse minha mãe. Foi, já passei quase mais de quase um ano, só na troca. Meus pais moravam em Fortaleza. E aí eu ia lá em casa fazia o supermercado lá e tchum. “Tia Juliaaa!” Era massa, era massa. Então é isso, hoje em dia é difícil isso. Difícil. Mudou muito, mudaram muito as pessoas. Elcio: As coisas foram mudando. Mas foi uma coisa, assim, quando eu cheguei do primeiro dia pra quando foi começar as mudanças, foi um tempo. Mas quando começou acho que mais ou menos em mil novecentos e oitenta e cinco, oitenta e seis, começou a ter um turismo aqui, aí foi muito rápido. Eles não tinham muito apego àquela terra. A nego-
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ciação era tão simples, tipo, uma geladeira, uma televisão, nem tinha energia naquela época. Depois era coisa de pouco dinheiro assim, por qualquer coisa eles vendiam, não tinha muito, tanto é que hoje em dia aconteceu isso, né? A cidade ficou adensada. Muitas casas. Os nativos em si não têm mais esse privilégio de estar de frente pro mar mais. Tão lá pra trás, tão bem distantes, né? E as pessoas que querem vir pra cá, querem local de frente pro mar, os melhores locais de frente pro mar, foram comprando, comprando, trocando tudo. Valdenia: Começou a surgir a ideia de fazer um quarto pra alguém de fora que vinha na sua casa. E o povo pra melhorar de vida, realmente eu não tiro a razão. Porque na época só o labirinto e a pesca não era suficiente pra pessoa construir outra casa, né? Já a sua já era o bastante. Ninguém tinha condições. O pescador não tinha condições nem a labirinteira. De construir outra casa e ter duas, três casa. Agora não. É que são vários trabalho né? Outras opções. Evandro: O turista aqui pra gente foi até bom, porque traz um trabalho, um benefício quando a pescaria estava ruim, né? Ajuda alguma coisa, né? Mas o meio de vida aqui da gente mesmo é a pesca. Valdenia: Ninguém sabia o que era carteira assinada naquele tempo aqui em Canoa Quebrada. Só o pescador que tinha a sua, a única carteira que existia de trabalho era do pescador, né? Quando pagava a colônia e tinha outros que era clandestina. Clandestino assim porque não pagava colônia então eles pescavam sem ter a documentação. Evandro: Tá se perdendo a pesca. Hoje em dia quais os filhos de pescador que quer ir mais pro mar? De vinte, vai tirar um. Os próprios filhos do pescador só querem ganhar dinheiro moleza, querem ganhar dinheiro fácil. Querem dormir fora de hora. Não é como antigamente que o pessoal vivia e vivia mais porque era com o meio braçal. Era da pesca, era do cultivo da terra. Hoje em dia não tem mais isso. Acabou muita coisa. Até as festa que tinha, as festa dos pescador. Hoje em dia
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já não tem mais. Porque os pescador não tem união. É isso que falta, está entendendo? Se você está ali no mar você chegou com um bocado de peixe, tudo bem. Tem mil pra ajudar. Se você chega do mar sem peixe, desses mil vai ficar uma pessoa pra te ajudar. Rapazinho: Hoje em dia que tem muito trabalho por aí em barraca, né? Que não tinha barraca nesse tempo. Agora jangada no mar passeia. É um dos trabalho aí, né? Ficou melhor, né, pra ganhar dinheiro? Porque pelo menos quem tem arte vai pra um lado, vai pra outro, né? Muito trabalho também de pedreiro, né? Quem sabe. Porque esse pessoal manda fazer altas casa aí grande. É pousada, é tudo aí, quem sabe trabalhar, trabalha até de ano direto. Também já o dia já tá custando uma nota agora, o pedreiro. É, o pedreiro agora tá cobrando alto já. Você, pra fazer um barraquinho desse tamanho aqui, agora, bote dinheiro, porque só um pedreiro, ele leva um dinheiro bom. É. Tem pedreiro que na diária qué duzentos conto. Tersio: Então na verdade, desenvolveu, como cê falou, num foi culpado, num é que tem a culpa, foi sem ordem, né? Foi se desenvolvendo Canoa sem uma ordem. Por mais que surgiram associações, cada um cuidava das suas barraca de praia, meio ambiente, moradores, mas não cuidaram da Canoa, a associação de toda Canoa que vão preservar a Canoa. Meu, era, num era bem assim não. Cada associação tinha também os seus interesses, sabe? Isso é o que está hoje, que a gente tem aqui na Canoa hoje. Por causa de nós mesmos. Alguns lutaram mais que outros, outros lutaram menos. Mas esse é o fruto que sobrou de tudo isso. Mudou? Mudou. Era de areia, agora a rua principal está com pedra, né? De calçamento eu acho, que se fosse de areia, até hoje deveria estar, se fosse cuidada, estava bonita mas não ia ser cuidada, tenho certeza, do jeito que é hoje, né? Que a gente vê as coisas, instalam e não cuidam né? Então eu acho que teve coisas boas do turismo, mas também teve coisa ruim, que o turismo traz droga, né? Traz gente maluca demais que não combina com desejos que outras pessoas aqui tem, né? Porque tem
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gente que compra um lugar e quer fazer a casa dele com cinco andares. Um lugar sobre uma duna que, uma duna ela não é tão fixa como outras terras que tem por aí, que as dunas são móveis geralmente, né? Então a pessoa que vai fazer uma construção de três, quatro andares sobre duna, ela é meio doida, meio maluca, mas acontece aqui, tem autorização, consegue e fazem, sabe? Então, eu acho que tem coisas boas do turismo, mas também tem coisas que não são muito legais. Maceuda: Até hoje eu vejo as pessoas aqui se perdendo pras drogas. E são pessoas novas, né? Novas que tão nessa história, né? De avião, cê vê menina de treze, quatorze anos na night já. Tem umas coisas muito tristes também. Eu vi meninas, eu vi, eu vi meninas indo embora com o gringo, dela chorando e a mãe “vai, você vai”, de forçar isso. O italiano ele era bem mais velho que ela. Ela chorava porque ela não queria ir. “Vai vai vai vai”. E foi. No fim era um cara legal, ela teve filho do cara, ele trata ela muito bem é apaixonado por ela, ela vem sempre visitar, mas eu me lembro dela falar assim “eu não quero ir”. Então essas coisas são bem tristes de se ver, sabe? Algumas sofreram, muitas foram e eram tratadas como empregadas lá, né? Muitas também são casadas até hoje e tal, tiveram sorte, mas muitas sofreram. Então é triste isso e é parte da cultura também né? “Não minha filha, lá pelo menos vai ganhar dinheiro e vai mandar pra gente porque aqui não tem nada pra fazer não tem nada.” Mas ninguém se mexe pra fazer nada, né? Mauro: O machismo, o homem sempre vai procurar a garotinha, né? Nunca vai procurar uma mulher formada, já e tudo, né? Tem esse esse ladozinho. Então é: um lado vai casando o outro. Uma procura a vida melhor, o outro procura uma coisa que ele se sinta, né? O talzão, por assim dizer. Hoje em dia está mais tranquilo, eu acho, porque: um lado bom e pro outro lado não bom, né? Porque assim, tipo, o que você não vê mais
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é novinha com um cara mais velho, com gringo, mas você vê novinha com menino novinho envolvido em outras coisas erradas. Porque hoje em dia é muito fácil, eu acho muito triste, assim, às vezes, você sair na rua e você ver a pessoa de treze, quatorze, quinze anos já bebendo. O cigarro na boca, fumando. Pra se sentir, sabe? “O adulto” por assim dizer. Então, se envolve muito cedo em bebidas, essas coisas, e mesmo em drogas. Então, assim, o que acontece? Fulano de tal consegue isso pra mim então vou ficar com ele, sabe? Vai suprimir o meu vício. Rola muito essas paradazinhas. Amadeus: Eu acho assim, porque aqui na nossa comunidade, aqui na nossa área, tem um menino ali que ele é viciado. E eu tenho também um filho que é quase viciado também. Ninguém maltrata eles, porque a gente ajuda com a comida, que é o mais necessário, né? E outras coisas também, né? Aí a bebida é um problema que ele às vezes não quer tomar um conselho. Eu digo rapaz, isso não te serve, e tal e tal, mas as pessoas levam aquilo como um mau conselho, acham que não. Agora eu não sei da rua né? Porque a rua é outra coisa, né? Se você respeita, na rua tem respeito. Se você não respeitar na rua, também não tem respeito não, né? Aí você encontra coisa errada, né? Mas eu acho que assim, por aqui mesmo a gente não tem um preconceito, né? Com quem bebe, quem usa maconha, não tem o preconceito não. Porque eu bebi, eu bebi muito na minha época, agora eu bebia muito mas nunca perturbei o meu pai nem minha mãe. Não fui aquela pessoa assim viciado, mas teve um tempo que eu já estava quase sendo viciado também, né? Eu chegava do mar, aí quando a gente chegava lá no porto, a gente vinha pra dentro da cidade, aí tinha um pessoal lá que tinha uns bar mesmo lá na praia e quase lá em cima na entrada da cidade tinha lá um bairro lá que tinha uns barzinhos né? Que vendia bebida. E lá ficava muito pescador. E aí eu também, às vezes eu ia pra lá e bebia lá e fiquei um tempo quase viciado. Chegou uma época, eu desisti de beber lá. Eu digo, eu vou deixar porque a gente só não passa sem comer, mas sem beber a gente passa. Aprendi isso do
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meu pai. Meu pai bebia muito, deixou de beber. Não fez promessa. Ele disse que não ia beber mais e acabou-se. Aí eu fui, “rapaz eu vou deixar de beber”. A galera tava por lá, rapaz, vamo tomar uma cerveja, vamo tomar uma cachaça? Aí, era que nem uma isca. Porque tem gente que toma só uma e fica satisfeito. Eu não, tomava uma, tomava duas, tomava três, tinha vez que tomava cinco, seis. E aí bebia até chegar naquela marca, eu não queria mais. Aí eu comecei a me desviar do caminho, passava pra outro canto, passava pro outro lado. Eu fui, fui e deixei. Aí a galera me chamava depois e eu dizia “Rapaz, não vou beber não que tô tomando remédio. Eu fiz umas consultas aí, eu tô tomando remédio”. Rapazinho: Eu também bebia muito. Eu passava três dia, quatro farreando. É, bebi muito também. Agora eu cansei porque eu também fiquei mais velho, né? Quando eu era novo, vinte ano, quinze, bebi que só. E por que o senhor acha que os pescadores bebem tanto? Às vezes, só o fado mesmo de beber. Agora, só que naquele tempo as bebidas era bem barata. Agora a cerveja está cara, né? Hoje em dia qualquer cervejinha é dez conto. Aquele tempo a gente bebia muito porque era barato também. O dinheiro tinha mais valor. Aí pronto. Iracema: Antigamente a vida era melhor. Pra mim, eu achava. Não tinha esses assim, muita gente de fora, só a gente mesmo morava, né? E aí, se a gente fosse pra praia, deixava as coisa da gente e ia. A gente voltava, a roupa estava lá, as coisas estava lá. Dormia na praia. Agora já é diferente. Você for na praia. Faz que nem eu, cochilar, deixar suas coisas de lado… Aí alguma pessoa que vier, vai lá e leva suas coisas né? Antigamente não existia isso. Por isso que eu digo que o passado era melhor do que agora? Por essa razão, mas agora também é bom, né? Que agora a gente as coisa tudo é mais fácil. Antigamente tudo era difícil pra nós, tudo era difícil, agora não. Osmira: Eu não acho bom não. Era é melhor o nosso tempo. Agora a gente vive trancada, com medo tudinho. É muita coisa acontecendo. Nos-
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so tempo não, era livre. A gente era tudo era livre. Tendo a comida pra comer não tinha problema, não tinha. No meu tempo eu achava melhor. Dalva: Eu vivi como pobre muito bem de espírito, de tudo, ninguém tinha história de “ah, eu quero um sapato bom, uma roupa boa.” Com o dinheiro do serviço a gente comprava as fazenda. A gente usava aqueles paninho bem ralinho que você ficava na frente da porta, o cabra via os fundilhos. Aí nós fomos trabalhar, fizemos esses vestidinho, né? Estampadinho amarelinho. Era um babadinho aqui e dois embaixo. Botava a cintura lá embaixo. Melindrosa era o nome dessa roupa. Mamãe deixou a gente usar (para uma festa). Aí quando chegou lá, minha irmã ficou na frente da casa, eu disse “Ei! Sai da frente daí do povo! Sai da frente da porta! Que a gente está vendo do fundo da tua casa!” Elas achavam graça. Só faltavam morrer de rir. Nós fomos tudo de chinela. Aí tinha uma, que ela ainda mora aqui, a Fatinha. E o pai dela tinha uma bodega. Na época, só tinha essa chinela quem tinha dinheiro. Era uma chinelinha que hoje ainda vende. Essas Havaianas, essas sandalinha que é de plástico. E a dela era toda feita de tirinha de plástico, muito bonitinho, e nós de chinelo. Aí quando eu vi essa sandalinha dela fiquei doidinha. Naquela época as crianças era criadas, tudo, com porco, existia muito bicho de pé. Aí eu espiei pra ela e disse “Vem cá Fatinha”, doida pra trocar com a bichinha. E ela “O que é mulher?” “Fatinha, mulher, não vai com essa sandália não, no meio do caminho porque tu está com bicho aí no pé de longe vai vendo!” “E é mesmo?” “É, mulher! Troca. Pega a minha chinela e me dá a tua!” Troquei a chinela, menina, quando eu cheguei nessa festa, parecia que eu estava com um salto mais lindo do mundo! Aí ela fazia assim “Ai, mas eu queria que tu desse minha chinela.” Eu respondia “Só quando acabar a festa, quando for no meio do caminho, te dou.” Quando acabou a festa, nós viemos à pé. Mulher. Lá da beirada pra cá. Quando eu saía da festa, que não tinha mais ninguém, eu pegava, tirava a chinela e dava ela. Me sentia tão bem! Mulher, a gente viveu tanta pobreza nessa
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Canoa quando ela era quebrada… Mas era feliz, tu entendeu? Não tinha nada, mas era feliz. A gente tinha uma felicidade, sabe? Todo mundo ia pra casa dos outro. Todo mundo era amigo. Hoje não existe mais isso. É assim: Deus pra si, o diabo pros outro. Valdenia: Eu sempre falo do caráter da pessoa, né? Eu sempre acho que tem o caráter, tem a criação né a criação que eu falo é o meio que você foi criado, a gente absorve aquilo que foi dos nossos antepassados né e faz não porque minha mãe fez, não porque meu pai fez, não porque Fulano de tal fez, não quero imitar ninguém. É uma coisa que é plantado, né? E através dos exemplos né? Eu acho que o exemplo é um espelho né? Eu vejo o exemplo e o espelho pra mim tem o mesmo significado, eu me espelhar, eu me olhar no espelho e eu ver quem sou eu, e eu ver o exemplo do meus antepassado e eu né? Admirar, achar bom, gostar, ter amor àquilo né? Então muita coisa, as história dos meus antepassado eu acho muito linda, eu aprendi muita coisa com a minha mãe, principalmente esse ato de caridade à minha família, né? Que sempre Canoa Quebrada teve, né? Muitas pessoas aqui que já faziam muita caridades sem ser pela troca. Nós temos a dona Maísa Batatinha, né? Que era parteira, uma das parteiras de Canoa Quebrada, que deixava a família, largava os filhos. Não precisava ninguém chamar ela. Na hora, ela sabia que tinha alguém precisando, tanto fazia ser no parto como ser outra coisa, uma pessoa que tivesse doente com qualquer outro problema de saúde. Era uma pessoa também que não sabia ler nem escrever mas batia na porta de qualquer prefeito, batia na porta de qualquer autoridade e era atendida, era respeitada. E ajudou muita gente. Muita gente sem querer nada em troca, sem chegar e pedir e cobrar, não existia isso. Então assim, são muitas pessoas que fizeram caridade, muitas caridades sem querer nada em troca, sem pensar que vai receber depois. Isso que eu acho muito bonito na minha comunidade. Ainda tem. Mas eu gostaria que fosse mais visível, sabe? Sei que Canoa Quebrada cresceu. Também antes era diferente, né? Quando di-
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zia “fulano de tal morreu”, todo mundo sabia. “Fulano de tal está muito doente”, todo mundo sabia. Hoje em dia às vezes as coisa acontece, você já vai saber um dia, dois dias depois. Por conta da evolução, do lugar também, né? Mas ainda tem. Muita gente bondosa ainda tem. Tersio: Eu acho que são várias coisas, né? Que geram essas consequências de a gente estar desunido, de a gente estar pensando cada um em si aqui, é porque não senta mais uma pessoa e a gente não senta pra ouvir. Essa pessoa não conta uma história e a gente não senta pra ouvir com o tempo das narrativas todas. Faz falta. Eu adorava isso. Como a contação de história, o labirinto, o artesanato de palha, o trançado de palha também vão se perdendo. E eu acho muito difícil voltar atrás nesse tempo de se unir. Sabe, a única coisa que uniu foi a enchente (nos anos 80) que foi uma calamidade e a pandemia agora. Valdenia: Essa pandemia aí foi uma prova também que ainda existe. Foi muita solidariedade, sabe? Foi muita solidariedade em todos, na alimentação, em remédio, em atendimento a um e a outro nativo, né? Povo de fora que mora aqui ajudaram muito, contribuíram, então assim, me deu uma esperança, apesar de ter sido num momento difícil, né? Que eu não queria que acontecesse só nesse momento de necessidade, mas que acontecesse no dia a dia, sabe? Que Canoa Quebrada continuasse, a maioria, pelo menos, a maioria, se pudesse ser todo mundo, mas não é, mas pelo menos a maioria. Já não visse as pessoas só com os olhos do ganhar, né? Só da troca. Daí existe aquela humanidade de ter que receber uma pessoa, uma visita em casa, ter que agasalhar uma pessoa, ter que dar um prato de comida, sem esperar em troca, sem achar que “ah eu vou fazer isso pro fulano, porque eu sei que fulano tem dinheiro, Fulano é filho não sei de quem” e é uma troca de valores. Seu Assis: Hoje, nos dias atuais nós estamos lutando pela saúde de Canoa Quebrada. Nós estamos lutando por um posto avançado que é, vamos dizer assim, uma mini UPA. Já que não pode ter uma UPA. Mas
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pelo menos ter um posto adequado. Com ambulância, médico vinte e quatro hora e tudo mais. Então o que nós queremos é a canoa cada vez mais se una né? Porque a Canoa tem muita potência. É um lugar turístico conhecido no mundo todo. Hoje, é o núcleo do turismo da Costa Leste então o que que o governo do município pode fazer? Preparar Canoa cada vez mais, sabe? Não colocar muita coisa, mas sim preservá-la deixar como ela está, não destruir o espaço do meio ambiente. Principalmente as duna. Parece uma coisa de louco. Cheio de pau. Coisa feia. Pra quê? É pra morar? Não. É sim pra morar, vamos dizer assim. Mas o que cercaram é pra vender. Sabe? Loteamento. E isso minha filha, é crime. São terras públicas que não pode ser vendida. É crime, você não pode vender uma área pública porque é de utilidade pública. Não pode vender que não é meu e nem é teu. É do estado. Irene: Olha, tu sabe que onde rola dinheiro né, todo mundo quer ser dono, parece, né? Eu nunca conheci a terra assim… que ali pra trás naquela mata tinha tanto dono como tem hoje. Eu conheci a mata que a gente ia pegar lenha, cortar madeira pra fazer as casa, né? Fazer as cerca e pegar fruta que era caju, murici, juá, jatobá, essas coisas. E ervas, também lá na mata tem algumas ervas que o pessoal pegava pra fazer chá, né? Mas agora tá complicado pra chegar até lá. Tu chega, mas tu num vai mais assim, porque tu sabe que ali tem um dono, né? Tu vai meio assustado, tu não vai mais assim como tu ia entrar na mata. O susto que tu tinha se fosse uma cobra, uma aranha, um bicho, né? Hoje tu tem medo é do ser humano de estar lá pastorando, quem é que vai chegando, quem é que vai entrar lá. Era só mata. A mata fechada mesmo. E agora tá tudo limpinho. E esse loteamento ele começa aqui, quando tu entra em Canoa não tem assim um loteamento Canoa, não sei o que, né? Paraíso da Canoa, alguma coisa assim. Pronto. Ele segue até perto de Majorlândia. Que eu pensava que era só um pouquinho. Não, vai, vai na mata inteira. Não sei quem é o dono. As terra agora tudo cheio de dono. Eu não sei.
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Valdenia: O que eu tenho vontade que aconteça é difícil eu fazer porque não depende… É uma questão de opinião, uma questão de… comé que eu vou te dizer? Da pessoa mesmo, né? Da índole da pessoa, mas uma coisa que eu gostaria que tivesse continuado na Canoa Quebrada que as pessoas não deixassem morrer e esses que fossem nascendo, fossem vendo e tentando querer resgatar as coisas do passado, mais a humildade, a humanidade a simplicidade, né? Aquele contato do outro como família né? Ah, eu não sou prima de fulano, eu não sou da família de fulano, mas eu sou aquela família da Canoa Quebrada né? É uma coisa que, assim, não depende de mim. Cada um tem sua própria natureza que a gente diz né? Mas é isso que eu queria, que as pessoas fossem mais humanas. Ainda tem, existe muito, mas tem um pouco de egoísmo, “se eu estiver bem pra mim está bom, não quero saber se o meu vizinho está bem ou não, não quero saber se fulano lá na ponta da rua está bem ou não”, mas ainda existe muita coisa boa a se fazer. É muita coisa boa, muita coisa boa pra uma Canoa Quebrada. E é o que me cativa, que eu admiro, que eu amo esse lugar, nasci aqui, amo minha terra. E gostaria que ela continuasse sendo ela mesmo com toda a evolução, mesmo com toda a modernidade que as pessoas não deixassem que isso morrer, acabar. Que é um desejo meu que essa história fosse prosseguida.
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A lua se juntou com a estrela e formou o símbolo desse lugar Jangadas passeia pelas águas calma desse verde Mar Canoa Quebrada princesa do litoral me ensina a dançar Sereia são as labirinteira que fazem rendas sem parar Saudades dos mestres dos mares Jangadeiros ilustres que me faz lembrar Da liberdade que eu tinha aqui desse lugar Salve Dragão do Mar Canoa eu quero viajar Nesse seu som Nesse seu luar Canoa eu quero deitar no teu colo e descansar Ouvir as histórias de meus avós Quando a noite chegar Fogueira acesa Esperando o peixe vindo da caceia a beira mar ...
MAURO OCEAN’S
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Índex Dedicatória
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Apresentação de Alexandre Sequeira
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Prefácio de Raquel Gandra
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Poema de abertura de Mauro Oceans e Niciano
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Fotografias Bloco 1
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Poemas Bloco 1
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Fotografias Bloco 2
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Poemas Bloco 2
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Fotografias Bloco 3
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Poemas Bloco 3
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Fotografias Bloco 4
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Poemas Bloco 4
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Fotografias Bloco 5
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Roda de Conversa
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Poema de Encerramento de Mauro Oceans
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Fotografia Síntese
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Índex
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Agradecimentos
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Ficha Técnica
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Agradecimentos Agradeço a todos os habitantes de Canoa Quebrada que me acolheram em suas casas e seus corações. A todos que me concederam sua amizade, seu tempo, sua imagem e sua palavra para que eu pudesse compor este livro. Agradeço à poesia contida na maneira corriqueira de dizerem as coisas que me fazia sobressaltar o coração e lacrimejar os olhos de tanta beleza. Agradeço a Mauro e Valdênia por me apresentarem a tantas pessoas maravilhosas e me guiarem neste processo deste o princípio. Enfim, agradeço o carinho e a alegria que encontro diariamente estando ali. Obrigada Vovó Aracy, Tia, Elsinha e João, Marília, Chiquinho, Valdênia, Vané, Renata, Victor, Bárbara, Valquíria, Viton, Janiza, Pequena, Dona Osmira, Odonésio e Babuda, Mauro (Mário), Santo e Kita, Geilson e todos que desafiam a fragilidade da vida com seus saltos mortais, Pequena, Tetéu, Miau, e toda a sua família, Ricardinho, Tototi, seu Amadeus, dona Marina e toda a sua família, Facha, Marinheiro, Íris, Bazinha, Iracilda, Anaísis, Camila e toda a sua família, Tchuca, Irene e Jeová, Marcia e Waldinho, dona Marta, Maceuda, Tersio e Lili, Nelson, Dalva, Rapazinho, Baú, Mané, Marcinho, Elcio, Iracema, Evandro, Luizinho, Fernanda e toda a sua família, Djalma, Seu Assis, Lucia, Dona Niete e tantos outros… Não fiquem chateados se o nome não estiver aqui. É muita gente e vocês moram no meu coração!
Primeira edição do livro “Entre Tramas e Labirintos” criado e editado por Raquel Gandra em 2022 Fotografias de Raquel Gandra Texto organizado por Raquel Gandra e Thiago David Design e Edição Digital por Ricardo Souza Audiodescrição por Luis Ladeira e Raquel Gandra Consultoria e Validação da Audiodescrição por Victor Caparica
Este livro digital é resultado do projeto “Entre Tramas e Labirintos”, selecionado e contemplado pelo XVI Prêmio Funarte Marc Ferrez de Fotografia 2021