Direito à Comunicação

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APRESENTAÇÃO

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proposta do livro que você tem em mãos é disseminar para os brasileiros e demais latino-americanos os principais conceitos relacionados à Campanha pelos Direitos à Comunicação na Sociedade da Informação, conhecida mundialmente como CRIS – Communication Rights in the Information Society. Também busca incluir nesse debate a perspectiva de países da América Latina, especialmente o Brasil. Pretende servir a todos os interessados, com destaque para as universidades e Organizações da Sociedade Civil, como base conceitual que sirva à pesquisaação e à mobilização social. Cresce em vários países a mobilização para que se inclua na pauta das nações o reconhecimento da Comunicação como um Direito Humano, por se tratar de um processo social fundamental, uma necessidade humana básica, o fundamento de todas as relações e organizações sociais. Os Direitos Humanos são, atualmente, o único conjunto universalmente disponível de padrões para a dignidade e a integridade de todos os seres humanos. As disposições das leis e convenções internacionais de Direitos Humanos representam os interesses de homens, mulheres e crianças, cidadãos comuns, seja como indivíduos, seja como grupos e comunidades. Permanece um consenso político internacional que reconhece nos Direitos Humanos sua universalidade e indivisibilidade. A Declaração Universal dos Direitos Humanos foi assinada em 1948, ainda sob o impacto do pavor. A Primeira Guerra Mundial serviu para mostrar como a capacidade industrial aumentava enormemente o número de mortos, feridos e o alcance destrutivo dos conflitos armados entre os povos. Já a Segunda Guerra ampliou as fronteiras do genocídio ao seu limite máximo: a possibilidade de eliminação completa da própria humanidade. Um mundo ainda


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dominado pelo colonialismo compreendeu que a esperança estaria na afirmação dos direitos civis e políticos, manifestos com mais clareza desde a luta contra o Absolutismo, caminhando junto com direitos econômicos e sociais, tais como o direito ao trabalho, ao lazer, à educação, à saúde, à segurança social e a condições dignas de vida. Em 1993, a Conferência de Viena sobre Direitos Humanos reforçou a natureza universal dos Direitos Humanos e reafirmou a relação indissolúvel destes com a democracia e o desenvolvimento. São muitas as mudanças ocorridas desde a década de 40 do século passado, que talvez possam ser sintetizadas no atentado terrorista de 11 de setembro de 2001, cujos efeitos de destruição e desequilíbrio foram multiplicados graças ao domínio da lógica midiática por aqueles que o impetraram. Os Direitos Humanos nesse mundo em mutação parecem estar sob ameaça constante, sobrepujados pelo princípio da violência, da dominação econômica, da colonização das mentes e da racionalidade armamentista. As Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs) e os processos a elas relacionados alteram e ampliam a complexidade das relações humanas. O conceito de Sociedade da Informação não é neutro. Informação é diferente de Comunicação. A Informação é uma fonte de poder e o domínio dos seus meios de produção, controle e disseminação pode aprofundar a desigualdade da distribuição dos poderes numa sociedade já marcada por disparidades iníquas. Vários indicadores apontam para a crescente concentração de poder, em seus diversos aspectos e manifestações, tais como o poder militar, ideológico, econômico, científico, tecnológico ou informacional. Posicionar-se pelos Direitos Humanos é se colocar contra aqueles que desrespeitam ou ameaçam esses mesmos direitos. Incluir os Direitos à Comunicação nessa luta é reconhecer a centralidade do ser humano como agente do seu próprio destino, seja como indivíduo ou grupo, capaz do diálogo. É garantir que a conversa sempre aponte para a liberdade, a solidariedade, a dignidade e o respeito à vida. A inspiração e vários capítulos do livro Direitos à Comunicação na Sociedade da Informação vieram da publicação Communicating in the Information Society (2003), editado por Bruce Girard e Seán Ó Siochrú e lançado durante a Cúpula Mundial da Sociedade da Informação (WSIS – World Summit on the Information Society). Communicating in the Information Society contou com o apoio do United

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Nations Research Institute for Social Development (UNRISD). O UNRISD é uma agência autônoma da Organização das Nações Unidas, engajada em pesquisas multidisciplinares sobre dimensões sociais dos problemas contemporâneos que afetam o desenvolvimento. Os capítulos escritos por Antonio Pasquali, William McIver, Cees J. Hamelink, Dafne Sabanes Plou e Marc Raboy foram gentilmente cedidos pelo UNRISD, tendo sido originalmente publicados em inglês no Communicating in the Information Society. Registramos aqui um agradecimento especial à editoraassociada da UNRISD, Suroor Alikhan, pelo seu pronto apoio e colaboração. Também aos editores Bruce Girard e Seán Ó Siochrú nossa palavra de reconhecimento pelo trabalho dedicado à causa dos Direitos à Comunicação, que os levou a permitir a tradução dos artigos para composição deste livro. Os originais em inglês estão disponíveis gratuitamente no site www.unrisd.org. Os capítulos escritos por Gaëtan Tremblay, Raúl Trejo Delarbre, Carlos Lamas e José Marques de Melo foram publicados originalmente na revista espanhola TELOS – Cuadernos de Comunicación, Tecnología y Sociedad, uma importante publicação científica no campo da Comunicação. Os capítulos de Murilo César Ramos e Cicília M. Krohling Peruzzo fazem parte do livro Sociedade da Informação e Novas Mídias: participação ou exclusão (2002), organizado por Cicília Peruzzo e Juçara Brittes e lançado pela INTERCOM – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação. Somos gratos aos autores e editores pela cessão do material. O capítulo de S. Squirra foi apresentado no CELACOM / ENDICOM 2004 (VIII Colóquio Internacional sobre a Escola Latino-Americana de Comunicação / V Encontro de Ensino e Investigação da Comunicação nos Países do Mercosul), realizado na Universidade Metodista de São Paulo (UMESP), que teve como tema central “Sociedade do Conhecimento: aportes latino-americanos”. O Colegiado da Faculdade de Comunicação Multimídia da UMESP abriga o livro Direitos à Comunicação na Sociedade da Informação dentre as suas publicações, o que permitiu toda a articulação internacional e esforços para a sua disponibilização. Os leitores vão observar que as referências bibliográficas foram deixadas sem tradução. Essa foi uma escolha metodológica adotada para evitar eventuais perdas de informações no caminho, tendo em vista os vários documentos citados como disponíveis na internet (alguns podem já não estar lá quando este texto estiver sendo lido), as diferentes áreas de conhecimento de origem dos autores (variados padrões de normalização) e

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as indicações de livros cujas informações não seriam suficientes para completar o que se pede nas normas ABNT, pelo menos, no tempo adequado para que a publicação não perca sua janela de oportunidade. Também se revezam as notas dos autores, organizadores e tradutor, sendo que vários conceitos trazidos para o contexto brasileiro necessitavam de um esclarecimento adicional, o que foi tentado no intuito de facilitar a leitura. Um agradecimento especial a André Sathler Guimarães, que se dispôs graciosamente a traduzir os textos em inglês. Seu profissionalismo se manifesta no cuidado e atenção, não só com a língua portuguesa, mas também com o uso adequado de terminologias técnicas e científicas, a partir de textos complexos. Os textos em espanhol foram mantidos no idioma original, tendo em vista a perspectiva ibero-americana que se pretende à publicação. A Associação Mundial de Comunicação Cristã (WACC – World Association for Christian Communication) liderou a organização do Fórum Mundial dos Direitos à Comunicação, realizado durante a WSIS em Genebra, Suíça. A WACC é uma das organizações à frente desse movimento em nível mundial, sendo, inclusive, a instituição que recebeu financiamento da Fundação Ford para a realização – no âmbito da Campanha CRIS – da pesquisa Global Governance Project, sobre a construção de indicadores mensuráveis de participação e governança da comunicação em níveis nacionais, regionais e mundiais. Graças à WACC, em forte parceria com a Universidade Metodista de São Paulo, o tema dos Direitos à Comunicação tem avançado no Brasil e demais países da América Latina. Este livro conta com o apoio institucional da WACC. A Cátedra Unesco de Comunicação para o Desenvolvimento Regional é um espaço de articulação e mobilização para pesquisa no campo comunicacional. Sediada na Universidade Metodista de São Paulo desde 1996, trabalha em parceria com cursos de Graduação e Pós-Graduação, especialmente com o Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social da UMESP. Seu engajamento na área dos Direitos à Comunicação começa a tomar corpo como possibilidade de mais um campo de pesquisa das Ciências da Comunicação. Boa leitura. E que os conceitos aqui encontrados possam ser compreendidos como fontes para iniciativas de pesquisa-ação e mobilização social pelos Direitos à Comunicação. José Marques de Melo Luciano Sathler organizadores

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RELAÇÃO DE AUTORES E TRADUTOR André Sathler Guimarães é economista pela UFMG, especialista em Administração Universitária pela Organização Universitária Interamericana, mestre em Sistemas de Informações Gerenciais pela PUCCampinas e mestre em Comunicação Social pela Universidade Metodista de São Paulo. Coordena o Curso de Gestão de Negócios Internacionais da Universidade Metodista de Piracicaba e é docente de vários cursos de graduação e pós-graduação. Antonio Pasquali é um respeitado acadêmico e pesquisador, professor na Universidad Central de Venezuela, em Caracas. Em seus livros publicados; dentre eles Comunicación y cultura de masas (1963); Sociologia e comunicação (Editora Vozes, 1973); Comprender la comunicación (1979); Comunicación y Cultura de Masas (1990); La comunicación cercenada (1990) e Bienvenido Global Village (1997), combina uma profunda reflexão teórica com experiência política e de atuação social. Entre 1974 e 1975 presidiu a Comissão Ministerial Venezuelana que trabalhou no Projeto Venezuelano de Rádio e Televisão (RATELVE), uma iniciativa em favor de uma nova política para a comunicação pública. De 1978 a 1989 atuou na Unesco em vários cargos, inclusive como Assistente do Diretor Geral para Comunicações. Cicília M. Krohling Peruzzo é Professora do Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social da Universidade Metodista de São Paulo. Doutora em Ciências da Comunicação pela Universidade de São Paulo. Presidente da INTERCOM - Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação (gestão 1999-2002). Autora de artigos publicados em revistas nacionais e estrangeiras e do livro “Comunicação nos movimentos populares: a participação na construção da cidadania”, publicado pela Editora Vozes. Organizou também várias coletâneas, entre elas, “Vozes cidadãs: aspectos teóricos e análises de experiências de comunicação popular e sindical na América Latina”. Coordena o GT Médios Comunitários y Ciudadania, de la Asociación Latinoamericana de Comunicación (ALAIC). E-mail: kperuzzo@uol.com.br Cees J. Hamelink é professor de Comunicação Internacional na Universiteit van Amsterdan desde 1984. Desde 2001 é docente também na área de Mídia, Religião e Cultura na Vrije Universiteit em Amsterdan. Tem seu Ph.D. junto à Universidade de Amsterdan, onde estudou Teologia e Psicologia. É editor-chefe do periódico científico Gazette The International Journal for Communication Studies. Tem mais de 16 livros escritos na área de mídias, ICT e Direitos Humanos. Dafne Sabanes Plou é jornalista e ativista social na Argentina. É membro da Association for Progressive Communications Women´s Networking Support Programme (WNSP) desde 1994. De 1991 a 1999 foi presidente da Região América Latina da Associação Mundial de Comunicação Cristã (World Association for Christian Communication – WACC). De 1992 a 2000 foi a presidente da Agência Latino-Americana e Caribenha de Comunicação (ALC). Escreveu vários artigos e livros, dentre eles Global Communications, is there a place for human dignity? (1996) e Peace in trobled cities (1998). Gaëtan Tremblay é professor do Departamento de Comunicação da Université du Québec à Montreal. É diretor do GRICIS Interdisciplinary Research Group on Communication, Information and Society, cujos focos de pesquisa englobam os papéis da informação e da comunicação na dinâmica da sociedade contemporânea. Publicou vários livros, dentre eles Industries culturelles et dialogue des civilisations dans lês amériques (2003). José Marques de Melo é jornalista, professor universitário, pesquisador científico e consultor acadêmico. Fez parte da equipe fundadora da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, onde fundou em 1967 o Departamento de Jornalismo e Editoração. Foi agraciado em 2001 com o título de Professor Emérito. Fundou e presidiu a Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares

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da Comunicação (INTERCOM), principal sociedade científica do campo comunicacional em nosso país. Foi presidente da Asociación Latinoamericana de Investigadores de la Comunicación (ALAIC), da Associação Iberoamericana de Comunicação (IBERCOM), da Federação Lusófona de Ciências da Comunicação (LUSOCOM) e vice-presidente da International Association for Media and Communication Research (IAMCR). Luciano Sathler é graduado em Comunicação Social, com habilitação em Publicidade e Propaganda pela PUC-MG. Especialista em Gestão Estratégica de Marketing pela CEPEAD-UFMG. Especialista em Gestão Universitária pela Organização Universitária Interamericana, ligada à Universidade de Montreal, Canadá (Convênio OUI / CRUB – Conselho de Reitores de Universidades Brasileiras). Mestre (UMESP) e doutorando em Administração (FEA/USP). Coordena a área de Educação Continuada e a Distância da Universidade Metodista de São Paulo, onde também atua como docente. É VicePresidente (2003-2007) para América Latina da Associação Mundial de Comunicação Cristã (World Association for Christian Communication – WACC), representando-a na Campanha CRIS na Região. Suas áreas de interesse incluem Governança, accountabillity e Terceiro Setor. Marc Raboy é professor e coordena o Communication Policy Research Laboratory do Departamento de Comunicação da University of Montreal. Tem seu Ph.D. junto à McGill University. É pesquisador-sênior do Programme in Comparative Media Law and Policy da Universidade de Oxford. Editou mais de 15 livros e atuou junto a diversas instituições, tais como Unesco, Japan Broadscating Corporation (NHK), Governo do Canadá e European Broadscating Union. Seus interesses atuais incluem políticas de comunicação no contexto da globalização. Murilo César Ramos é Ph.D. em Comunicação pela Universidade de Missouri-Columbia (1982) e professor do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade de Brasília. Autor de vários artigos, dentre eles “Do Planeta dos Macacos às Comunidades Virtuais”, in Maria Beatriz de Medeiros (Org.), Arte e Tecnologia na Cultura Contemporânea. Brasília: Universidade de Brasília, 2002. Raul Trejo Dellarbre é pesquisador do Instituto de Investigaciones Sociales e professor titular da Faculdade de Ciências Políticas e Sociais da UNAM - Universidade Nacional Autónoma de México. Doutor em Sociologia pela UNAM. Autor e editor de mais de 20 livros, dentre eles La prensa marginal (1991); Este puño sí se ve, Insurgencia y movimiento obrero en México (1987); Las agencias de información en México (1989); Crónica del sindicalismo en México 1976-1988 (1990); Los Mil Días de Carlos Salinas (1991); Ver, pero también leer. Televisión y prensa: del consumo a la democracia (1992) e La sociedad ausente. Democracia y medios de comunicación (1992). S. Squirra é mestre (87) e doutor (92) em Ciências da Comunicação pela ECA/USP. Cursou Pósdoutorado na University of North Carolina e Universidade Autónoma de Barcelona (95-96), tendo feito pesquisas para o Doutorado na Michigan State University (91). Graduado em jornalismo pela Universidade Metodista de São Paulo e em Comunicação Visual pela FAAP/SP. Fez o Curso para Maitrise de 3eme Cicle na Sorbonne, ParisIV(76-78).Publicou os livros Aprender telejornalismo (Brasiliense, 89); Boris Casoy, o âncora no telejornalismo brasileiro (Vozes, 93); O século dourado, a comunicação eletrônica nos EUA (Summus, 95); Telejornalismo – memórias 1 (ECA/USP, 97) e Jornalismo online (Arte e Ciência, 98). Foi Vice-Presidente e Diretor de Relações Internacionais da Intercom. Atualmente é Diretor da Faculdade de Comunicação Multimídia e Coordenador do Curso de Pós-Graduação em Comunicação Social da Universidade Metodista de São Paulo. William McIver, Jr. é professor na School of Information Science and Policy na University at Albany, EUA. Suas áreas de interesse são sistemas de armazenamentos de dados, informática social e informática comunitária. Foi co-editor do livro Advances in digital government: technology, human factors and policy (2002). É membro da Information Technology and International Cooperation Research Network, do Social Science Research Council. Seu Ph.D. em Computer Science foi na University of Colorado at Boulder.

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UM BREVE GLOSSÁRIO DESCRITIVO SOBRE COMUNICAÇÃO E INFORMAÇÃO (Para clarear e melhorar o entendimento mútuo)*

Antonio Pasquali

RESUMO Este glossário foi elaborado em resposta a uma crescente Torre de Babel1 lingüística e tecnológica no campo da comunicação. Ele oferece um filtro inicial para a terminologia corrente, baseado em um re-exame das premissas de informação e comunicação. O primeiro termo, a noção de relações humanas, significa um fenômeno que é ontologicamente impossível na ausência do ato comunicativo e a sua qualidade é reflexo do modelo de comunicação que o governa. O capítulo examina os seguintes termos: Deontologias, Moral e Ética, os quais são remetidos aos seus sentidos verdadeiros, sublinhando o caráter inerente da “moral” e da “comunicação”, e também da “intersubjetividade” e da “sociedade”. Informar e comunicar são conceitos que podem ser derivados por uma esquematização do grupo de categorias relacionais, de forma a mostrar a natureza de causalidade vertical dessocializante e imperfeita da última, em comparação com a natureza sintética, recíproca, socializante e perfeita da primeira, demonstrando que “informar” deve ser concebido a partir da perspectiva de “comunicar”, e não o inverso. Esse pensamento coloca as bases para uma legitimidade plena e para uma precedência dos Direitos de Comunicação, cujas áreas de aplicação são descritas. * Traduzido a partir da versão em inglês, por sua vez traduzida do espanhol, por Paul Keller. 1. Nota dos organizadores (N.O.) Torre de Babel refere-se a uma passagem bíblica que ilustra o princípio histórico da diversidade de linguagens, a partir da dispersão dos seres humanos por toda a Terra. Babel vem de um termo hebraico cuja etimologia significa ‘confundir’. PASQUALI, A. Um breve glossário descritivo sobre comunicação e informação. In MARQUES DE MELO, J.; SATHLER, L. Direitos à Comunicação na Sociedade da Informação. São Bernardo do Campo, SP: Umesp, 2005.


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O capítulo também discute o aspecto desses direitos, que provocam os maiores conflitos hoje, a delegação de seu exercício, de forma a demonstrar a necessidade para novos contratos sociais nessa área. A expressão livre fluxo de informação, conceito essencialmente positivo, embora normalmente aplicado inadequadamente, precisa ser recuperada, porque muitas das atuais controvérsias reproduzem velhas e não resolvidas polêmicas sobre a informação em seus outros sentidos. Os dois antônimos “acesso” e “participação” são identificados em termos comunicacionais como “receber” e “transmitir” mensagens. As duas noções, de grande importância estratégica, são geralmente distorcidas, quando não manipuladas. Finalmente, a sociedade da informação é um apelido triunfalista, utilizado para legitimar o repúdio a relações humanas melhores e mais pacíficas, expressas em uma sociedade da comunicação. Considerando a Sociedade da Informação na fase atual, o capítulo critica sua anomia evidente, os abusos das posições dominantes que a infestam, sua dependência da espionagem e sua ficha criminal. RACIONAL As explicações que se seguem sobre termos básicos nas áreas de comunicação e informação têm a intenção de funcionar como auxílio à memória (aide-mémoire), uma ajuda para que pessoas oriundas de diferentes áreas possam manter alguns conceitos essenciais em foco e serem capazes de se entenderem mutuamente. Essas explicações não se constituem em definições, nem buscam favorecer um sistema hermenêutico qualquer em detrimento de outro. Ao contrário, eles fornecem um quadro de referência para que se evitem mal-entendidos. Nosso vocabulário de bolso começa com o conceito de “relações humanas”. Embora a importância essencial desse empreendimento possa não ser imediatamente aparente, esta é, de fato, a razão de ser (raison d’être) do processo comunicativo e informativo. Não tem sido fácil para as jovens ciências ou disciplinas da comunicação e da informação a criação de seu próprio vocabulário, dada a vivacidade com que as suas aplicações estão se alterando. Elas são forçadas a emprestar termos de outros ramos do conhecimento para expressar conceitos essenciais, e esses termos vêm carregados de sentidos anteriores. Os sentidos pré-existentes não são sempre inequívocos, vindo de distintos contextos lingüístivos e culturais, dos quais emergem diferentes conotações. O fenômeno da Torre de Babel, no qual as relações entre significante e significado se tornam problemáticas, é muito mais freqüente em nosso campo do que gostaríamos que fosse.

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Muitos debates internacionais, nas décadas de 1970 e 1980, sobre o “livre fluxo de informação”, por exemplo, provaram, ao final, serem diálogos entre surdos porque seus participantes, geralmente sem perceber, tinham noções distintas e muitas vezes divergentes sobre informação e sobre liberdade, particularmente. Embora eles usassem as mesmas palavras, tinham conceitos diferentes em mente. Atualmente, a suposta necessidade de controle da informação por razões de segurança é apresentada disfarçadamente, sob a forma de clichês anódinos, tais como “segurança da informação” e “segurança da rede”, termos vagos empregados para evitar que a massiva interceptação de mensagens seja chamada pelo seu nome verdadeiro – espionagem. A polissemia de termos importantes, como informação e acesso, continua a criar problemas e teria sido sábio por parte do secretariado da Cúpula Mundial da Sociedade da Informação (World Summit on the Information Society –WSIS) ter produzido, com antecedência, um glossário terminológico que contasse com a concordância dos participantes para ser utilizado como meio de reduzir a confusão semântica. Cada definição de informação proposta pela União Internacional de Telecomunicações (UIT)2, por exemplo, não é compartilhada por outras agências intergovernamentais, especialistas de tecnologia da informação ou jornalistas. A proliferação de canais de comunicação e de digitalização, a globalização e as mensagens eletrônicas instantâneas, o crescente peso econômico, militar, político e cultural dos processos de informação e comunicação, bem como as intermináveis mudanças na conservação, disseminação, vetores, codificação e monitoramento de mensagens tornaram a informação e a comunicação cada vez mais complexas. O efeito Torre de Babel cresce, e, concomitantemente, a possibilidade de manipulação semântica. As reflexões seguintes compõem uma tentativa de contribuir para a clareza terminológica, promover o entendimento mútuo e facilitar a compreensão do que nós verdadeiramente desejamos dizer uns aos outros, em nosso diálogo sobre informação e comunicação. RELAÇÕES HUMANAS Melhorar as relações humanas (no seu sentido básico, não administrativo) é o objetivo último prático das Ciências Sociais. Contudo, esse 2. (N.O.) ITU (International Telecommunication Union), agência da Organização das Nações Unidas (ONU) designada para organizar a WSIS.

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conceito maior não é invocado tão freqüentemente quanto seria desejável e, conseqüentemente, embora a WSIS, como um fórum para a humanidade, tenha como intenção impactar certos parâmetros das relações humanas, considerados essenciais nos tempos atuais, não é de surpreender que o termo não apareça nos documentos finais do Encontro, com exceção de uma breve menção em uma ou mais das cláusulas “considerando que”. O conceito de relação é daqueles pertencentes a um pequeno grupo de conceitos lógicos indefiníveis no terreno do pensamento empírico. O próprio conhecimento é fruto de uma relação específica entre conhecedor e coisas. Filósofos ocidentais têm colocado a relação entre uma dúzia de conceitos chamados “categorias”, e se dedicado, em um processo descendente de esquematização estrutural, a ordenar os diferentes compartimentos utilizados para dividir o todo, baseados na forma com que a relação se manifesta em cada um deles. Desde o princípio, o microcosmo humano é percebido como o reino onde a relação alcança seu significado mais elevado. O ser humano é superior a todos os outros seres e até mesmo é a “imagem de Deus”, porque os seres humanos são os únicos capazes de se relacionarem conscientemente com seus iguais e de criarem comunidades. A forma com que a relação se manifesta entre os seres racionais é chamada koinonía (em grego), ou communitas (em latim). É inspirador, ainda hoje, contemplar o primeiro filósofo ocidental que explorou esse problema. Foi Democritus de Abdera, no século V a.C., que teve a visão de que foi a invenção da linguagem comunicativa que transformou os hominídeos em humanos. Democritus declarou que sem comunicação nós nunca teríamos transcendido o estado bruto de co-presença, que nós compartilhamos com os outros animais, para chegarmos à co-existência, na qual o outro se torna um vizinho com quem nós co-existimos, e no qual nós alcançamos a única forma de relacionamento plenamente consciente, ou seja, a comunidade. Vinte e seis séculos atrás, Democritus afirmou que não pode haver comunidade sem comunicação. Felizmente, quase todas as línguas modernas conservaram a raiz verbal koínos (comum) ou communis, communitas, communicatio, lembrando-nos para sempre do caráter inerente da comunicação e da comunidade. Se é verdade que sem a função comunicativa não pode haver comunidade, então qualquer mudança no comportamento comunicativo de um grupo social vai produzir mudanças nas formas de percepção, sentimento e de tratamento do outro, no contexto do relacionamento humano prático, dentro do quadro explicativo do modelo de comunidade em vigor. As palavras comunicação e informação, sempre, e necessariamente, referem-se à essência da comunidade e das relações humanas. Assim, é inaceitável que esses termos sejam reduzidos

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ao nível do discurso técnico ou econômico, que tentam minimizar ou desvalorizar as repercussões sociais do factum comunicativo. Conseqüentemente, a sociedade tem o direito ontológico inalienável de observar e participar de qualquer decisão que afete sua comunicação ou informação, atividades que constituem a essência das relações humanas. A ordem mundial atual favorece os interesses políticos e econômicos que buscam guiar a mudança social por meio do controle da comunicação e da informação. A Sociedade Civil internacional se opõe a este abuso com crescente clareza, colocando a questão de quem realmente deve exercer autoridade nas comunicações, a mais essencial função da co-existência humana. A declaração de que qualquer sociedade é um reflexo de suas redes de comunicação não é ideológica, mas torna ideologicamente suspeita qualquer tentativa de favorecer discursos estéreis e dissocializados sobre comunicação e informação, nos quais a terminologia é reduzida às suas dimensões semiológicas, científico-técnicas ou comerciais. Nós estamos vivendo uma transição histórica na qual muito do poder decisório está sendo deliberadamente removido dos órgãos consensuais, geralmente dentro da família da Organização das Nações Unidas (ONU), e colocado em novos centros de poder. Tem havido uma constante tentativa, ao longo de décadas, de desacreditar e bloquear a ONU (“Não se trata de uma boa idéia mal aplicada, mas simplesmente de uma má idéia”, como alegado pelo Washington Post, em março de 2003), e substituí-la por um sistema mais maleável. No novo clube dos mega-poderes – Fundo Monetário Internacional (FMI), Banco Mundial, Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), Organização Mundial do Comércio (OMC) e o Grupo dos Oito (G8) –, cujas áreas de autoridade estão continuamente se expandindo, o generoso e multilateral princípio de “um país, um voto” é substituído por um sistema de gerenciamento baseado no voto com pesos diferentes (no FMI, o voto dos países mais ricos vale 1.322 vezes mais do que o voto dos países mais pobres). Questões como propriedade intelectual são agora da alçada da OMC, e a água, acredite-se ou não, se tornou uma questão do Banco Mundial. Muitas atividades deliberativas relativas à comunicação e à informação também têm sido compelidas a migrarem para orgãos que são cada vez menos intergovernamentais em sua natureza, mais dóceis, privatizados ou inclinados a favorecerem interesses tecnológicos ou econômicos, ao invés de abordagens mais focadas no social para essas questões. O que as partes interessadas ganham com essas realocações, a Sociedade tende a perder em termos de sua coesão moral e social. A migração forçada para a União Internacional de Telecomunicações (UIT) da questão mais importante, a

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comunicação, reduzida ao subtítulo da informação é, obviamente, um desses casos. A UIT define a si mesma como uma “organização especializada em tecnologias de informação e comunicação” (ou seja, especializada em hardware) e, entre as organizações das Nações Unidas, talvez seja a mais avançada em termos do processo de privatização, com 189 países-membros, 660 membros do setor privado e nem uma organização sequer representando a Sociedade Civil. Seu importante e sem precedentes Painel Consultivo sobre a Reforma (RAP – Reform Advisory Panel), formado em Mineápolis, EUA, inclui a Câmara Internacional de Comércio, as empresas Cisco, AT&T e Nortel. A lista de seus “convidados” inclui ainda os conglomerados World Com, Global Crossing, Qwest, AOL Time Warner e a Xerox, algumas das quais desapareceram ou declararam falência recentemente. Enquanto isso, sua empresa de auditoria oficial foi recomendada por ninguém menos do que a Arthur Andersen. Em março de 2002, a “intergovernamental” UIT anunciou, orgulhosamente, em Instambul, Turquia, que “o novo mundo das telecomunicações será caracterizado como privado, competitivo, móvel e global”. O Secretário-Geral da ONU confiou a essa organização (bem diferente do que foi publicado pela própria ONU em seu relatório inspirador de esperanças, na Comissão Maitland3, chamado The Missing Link, em 1985) a tarefa de organizar a WSIS, com mandato para “ter um papel central no Encontro”. Dado o perigo, anunciado em sua sessão plenária de 2002, de grandes quedas nas contribuições dos países do norte ao seu orçamento, talvez a UIT esteja buscando que o RAP tenha resultados satisfatórios. Alguém também pode imaginar, entre os resultados futuros da WSIS, que um pacote de declarações etéreas que deixa as macro-realidades do setor sem serem tocadas, ou uma astuta revigoração da gigantesca besta industrial/comercial das telecomunicações, a qual está enfraquecida atualmente, devido à catastrófica especulação na Internet e nas freqüências do Sistema Universal de Telecomunicações Móveis (Universal Mobile Telecommunications System - UMTS). Durante os PrepComs4, a 3. (N.O.) A Comissão Maitland, coordenada por Donald Maitland, apresentou um relatório da Comissão Independente para o Desenvolvimento das Telecomunicações Mundiais (Independent Commission on World Telecommunications Development) com o título The Missing Link, que reconheceu a importância fundamental da infra-estrutura de telecomunicações para o desenvolvimento social e econômico de todos os países. Disponível em <http:// www.itu.int/osg/spu/sfo> acesso em 30/10/04. 4. (N.O.) PrepComs (Preparatory Committee Meetings) são encontros prévios à WSIS, realizados em diferentes partes do mundo, quando se organizam os interesses e pautas de preparação para a Cúpula.

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percepção de algumas Organizações de Sociedade Civil5 que participaram foi que a tendência era de transformar a WSIS em uma “promoção da Internet”. Ultimamente, não há como fazer previsão de cenários, mas um fato pode ser dado como garantido: enquanto se discute ajuda para o desenvolvimento, financiamento, direitos, freqüências de transmissão, digitalização, segurança, códigos e acesso à Internet, a WSIS vai falhar no tocante aos padrões de comportamento da dita Sociedade da Informação, e assim pavimentar o caminho para futuras decisões que, cedo ou tarde, para o melhor ou para o pior, vão mudar a comunidade dos seres humanos. Aqueles preocupados com relação a uma teleologia de relações mais eqüitativas entre seres humanos, e que estão lutando para uma paz razoável e pela unificação da família humana, vão resistir a toda forma de reducionismo e continuarão a refletir sobre os resultados da WSIS em termos de seus efeitos sobre as relações humanas. DEONTOLOGIAS, MORAL E ÉTICA Esses termos são usados amplamente de forma vaga e ambígua. O reduzido vocabulário moral da humanidade, subjugado hoje pelo glamouroso vocabulário dos dicionários tecnológico e econômico, que todos tentam imitar, revela certa cacofonia. A conclamação por um resgate da ética e da moral, comumente ouvida, falha, por exemplo, ao indicar qual ética e qual moral. Trata-se de usar a ética para melhorar a pobre imagem associada ao termo moral, ou estamos simplesmente lidando com um estereótipo verbal que as pessoas adotam sem questionamento, porque soa bem? Anos atrás, “Aldeia Global” era a expressão mais em voga. Um mínimo de clareza terminológica é preciso aqui. Quando se trata de analisar comunicações, há pelo menos duas razões para clarear os termos da filosofia moral. Primeiro, comunicação e moral são, antropologicamente falando, as duas categorias de relação com os maiores e mais históricos elos conceituais, desde que ambas referem-se uma à outra para nossa compreensão de seus significados. Uma vez que o grupo humano encontrou, na comunicação, o cimento para sua sociabilidade, a sobrevivência o obrigou a garantir um mínimo de harmonia. Os seres humanos o alcançaram por meio do contrato social. Eles colocaram para si mesmos padrões de comportamento que facilitam o processo 5. (N.O.) Optou-se por trabalhar com a nomenclatura Organizações da Sociedade Civil, e não organizações do Terceiro Setor, organizações sem fins lucrativos ou ONGs, pelo caráter mais abrangente e indicativo de atuação sócio-política apartidária, com finalidades públicas ou coletivas.

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de co-existência. É por isso que, por milênios, a justiça foi considerada a suprema virtude moral. Todos os padrões subseqüentes cresceram de um plexus moral original e a lei, sistematicamente, retorna a ele quando confrontada com crises inusitadas. Comunicação é um ato moral e um ato de relacionamento interpessoal, bem como um ato político e um ato de construção social. Comunicação e padrões de co-existência são dois caminhos fundamentais, essenciais e relacionados, pelos quais as pessoas se unem no relacionamento humano. A segunda razão é que os Direitos à Comunicação, assegurando uma distribuição justa e pluralista do poder de comunicar, fato sem precedentes na história da humanidade, não sobreviveriam na ausência de uma nova moralidade comunicacional, adotada por uma maioria daqueles que estão sujeitos a tal relacionamento, mais especificamente, uma nova moralidade intersubjetiva, concebida na base de padrões mais elevados de comportamento comunicativo e informativo. Sem essa nova moralidade vai ser difícil estabelecer uma nova legislação e políticas comunicacionais, as quais são indispensáveis no caso de uma democratização dos atuais direitos legais, perpassados, como eles são, por elementos autoritários. O sentido dos três termos fica, desta forma, clareado, para um possível uso pela WSIS. Deontologias: Esta palavra necessita ser reavivada no discurso moral de todas as línguas, de modo a prevenir vários tipos de mal-entendidos. Deontologias (ou “moral profissional”) são padrões consistentes e específicos que promovem a auto-regulação, a auto-estima, a boa governança e o respeito aos beneficiários de todas as atividades profissionais específicas. Elas não implicam em qualquer dispositivo de sanções legais e são normalmente refletidas em códigos deontológicos (dos quais o juramento de Hipócrates é um arquétipo). A frase, comumente usada, “código de ética”, cria grande confusão e deveria ser abandonada. As deontologias podem ser utilizadas para desonestidades morais, quando, em nome dos interesses ou liberdades do grupo, tentam remover o grupo do controle social, substituindo tal controle por mera auto-vigilância. O mundo da prática, governado apenas por uma pura, contraditória e não sistemática deontologia setorial ou por micro-sistemas de padrões, seria moralmente anárquico e politicamente hobbesiano 6 . As deontologias podem fornecer uma regulação bem delineada de comportamento quando funcionam como um conjunto de padrões acrescentados às

6. (N.O. ) Do pensamento de Thomas Hobbes de Malmesbury, filósofo inglês do século XVI.

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normas morais e legais pré-existentes, baseadas em panoramas externos. Por outro lado, elas podem se tornar uma desculpa, caso tentem ignorar as normas existentes e escapar às sanções legais. Na comunicação, essa versão degradada do conceito é a que tem prevalecido. Moral: Moral é um conjunto consistente, genérico, histórico e sistematizável de normas em constante evolução. Em uma comunidade que compartilha crenças e princípios, a moral fornece critérios axiológicos e práticos para todos os tipos de ações. Todos os grupos humanos, sem exceção, são governados por regras morais, não escritas ou codificadas, simples ou complexas – uma confirmação do princípio cartesiano de que, ao passo que a sobrevivência à metafísica é possível, a sobrevivência sem uma concepção moral coerente do mundo é impossível. Verdadeiros sistemas morais são caracterizados por serem sistemáticos e não contraditórios, com algum grau de hierarquia entre suas estruturas axiológicas.Um conjunto popular de provérbios, com seus diversos e contraditórios proto-padrões morais, ainda não é um sistema moral. A moral social, citada em muitas constituições, expressa o fato de que toda sociedade nacional, neste caso, se baseia mais em um conjunto de valores e deveres do que em outros: o que pode ser questionável ou repreensível para um sistema social moral pode tornar-se aceito por outro. Os princípios morais permanecem válidos ao longo do tempo caso ofereçam normas de comportamento apropriado, mesmo diante de novas situações. Caso falhem nesse quesito, sua credibilidade sobre o sistema social moral começa a: (1) gerar respostas amorais a estímulos não familiares; ou (2) buscar princípios mais inclusivos, que tornem possível a incorporação do novo dentro do sistema moral. A ciência, a tecnologia e a economia, que estão experimentando uma tumultuada evolução, geram – e, hoje, pode-se dizer que favorecem – comportamentos amorais (os quais são o primeiro passo num curto caminho para a desmoralização e para a imoralidade), ao invés de promoverem buscas combinadas por princípios morais superiores. Na comunicação e na informação, esse fenômeno é claramente evidente: como os códigos deontológicos são utilizados para evitar responsabilidades sociais e as maravilhas tecnológicas são cultivadas na busca de consensos amorais, de forma a evitar a necessidade de um exame obstruinte de autoridade e conteúdo. Ética: Este termo deve ser reservado para a filosofia moral, a qual é uma sistematização metafísica-gnosiológica dos valores morais históricos. A definição de Kant – Metafísica dos Hábitos Morais – ainda permanece válida.

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A ética somente começa quando a Razão pergunta por que existem princípios morais; quais princípios supremos, universais e atemporais são encontrados em todos os sistemas morais; por que os seres humanos são os únicos seres morais e qual é a origem dos grandes princípios morais. Assim, a ética somente existe na forma de partes coerentes de algum sistema filosófico. Qualquer outro uso do termo é inapropriado e promove confusão. Nós falamos corretamente da ética de Hume7 ou da Escola de Frankfurt, da moral do povo grego ou do nazismo e da deontologia de comunicadores ou médicos. O termo ética, com exceções ocasionais, deve ser reservado para as conferências filosóficas. As deontologias mostram-se suspeitas quando seus defensores são também os detentores de amplos interesses extra-morais, mas este termo é o que deve ser usado, o único, quando se refere à moralidade do comunicador. Moralidade precisa seriamente de uma atualização, conceitual e semântica, caso se queira evitar que seus grandes princípios venham a se tornar inaplicáveis, o que pavimentaria o caminho para que os princípios econômicos, militares, políticos, científicos ou tecnológicos os suplantassem. INFORMANDO E COMUNICANDO À luz do substancial progresso dos meios de comunicação, a ciência moderna tem sido forçada a resgatar o termo comunicação do ostracismo que esteve durante o recente período de cerca de pouco mais de um século. Contudo, “progresso” aqui não se refere a uma proliferação genérica dos canais artificiais e seu crescimento quantitativo na era industrial, mas, sim a três fenômenos precisamente definidos, que têm transformado qualitativamente as relações humanas: • a técnica de reprodutibilidade massiva das mensagens; • a progressiva irrelevância da distância espacial e temporal, como variável significativa; e, • nessas relocações, a preservação do que era antes não preservável, tais como sons, imagens estáticas e imagens em movimento. Não foi a notação musical de Guido d’Arezzo8 nem o linotipo móvel de Gutenberg que levaram à retirada do pó do termo genérico “comunicação”. 7. (N.O. ) Do pensamento de David Hume, filósofo escocês do século XVIII. 8. (N.O.) Guido d’Arezzo foi compositor e teórico da Música, que viveu no século XI, a quem se atribui o desenvolvimento inicial do atual sistema de escrita musical, que permitiu tornar mais acessível a disseminação nesse campo, a partir de um padrão universal.

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Antes, foi uma cadeia de invenções, como o daguerreótipo, a prensa rotativa, o telégrafo, o fonógrafo e a cinematografia, que produziram uma mudança qualitativa nas relações humanas, começando no século XIX. Informação, pelo contrário, pode ser rastreada desde a era clássica, onde tinha prosperado como conceito filosófico, denotando a interpenetração ou imposição de uma forma, idéia ou princípio, com ou em matéria, que assim se tornava “in-formada” ou “formada”. Assim, por exemplo, o mármore se tornava estátua (esse sentido antigo é insubstituível, ele continua a nos ajudar a entender as relações modernas, tais como as existentes entre as notícias e a opinião pública). Então, por séculos, o uso do termo informação foi quase que monopolizado por jornalistas. No nosso tempo, os múltiplos significados de informação, acrescentados às ambiguidades não resolvidas de “comunicando” e “informando”, criam certo efeito Torre de Babel, quando há uma tentativa de acordo sobre a definição do que deveria ser uma Sociedade da Informação ideal. Há a informação da Informática (a quantidade matematicamente mensurável do imprevisível da mensagem), a informação da Cibernética (o sinal de comando que alimenta ou fornece estímulo para sistemas programados), a informação do engenheiro de telecomunicações (que é digitalizável/transmissível), a informação do defensor dos Direitos Humanos e Liberdades (qualquer conhecimento que esteja aberto ao domínio público e seja acessível), e a informação do jornalista (essencialmente, que possa ser noticiada). Para aumentar a confusão, a venerável agência Reuter descreve-se a si mesma em sua página da internet nos seguintes termos: “mais conhecida por nossa expertise em jornalismo, nós somos também um dos maiores fornecedores de informação do mundo, com vendas anuais de £3,6 bilhões” (três bilhões e seiscentos milhões de libras esterlinas), fazendo a velha equivalência entre informação e notícias, e tomando informação como um sinônimo de “boletim econômico”. Os anfitriões e convidados da WSIS, com suas diferentes inclinações e interesses, podem apoiar uma ou outra definição. Isso leva a uma ameaça de “babelização” que pode ser resolvida a priori, com a votação ou assinatura de documentos. Um encontro mundial dedicado à comunicação e informação deveria ser uma ocasião para clarificação da terminologia, criando uma plataforma conceitual aceitável, na qual cada pessoa possa ver refletida a definição que ache mais convincente. Isso se tornará possível, desde que nós retornemos à abordagem genérica dos dois conceitos, à pureza do comunicando e informando.

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Para criar uma plataforma como esta, precisaremos de fato retornar à mais abrangente e importante categoria em nosso campo, a das relações, e perguntar a nós mesmos que tipo de relação, quanta relação, e qual a qualidade da relação necessária para assegurar que os seres humanos tenham informação e comunicação. Colocando em outros termos, qual o modelo de relações humanas a informação e a comunicação tendem a apoiar? Infelizmente, a filosofia pura não lidou com uma esquematização das categorias de relação em diferentes níveis antropológicos, mas ela determinou claramente quais são as categorias existentes para quaisquer possíveis esquematizações. As definições abaixo, em parênteses, são de Kant, e devem ser guardadas. • Inerência (relação entre substância e acidente) • Causalidade (relação entre causa e efeito) • Comunidade (ação recíproca entre agente e paciente) Trazidas para a área de comunicação, essas categorias podem ser esquematizadas como se segue: Inerência Causalidade Comunidade

= = =

Comunhão Informação Comunicação

A primeira categoria, comunhão, não parece ser aplicável à comunidade humana em qualquer uma de suas modalidades comunicativas, uma vez que conota absoluta inerência de uma coisa em outra, apagando toda a distância e a diferença de identidade entre objetos fundidos. Ao contrário, ela pode ser aplicada aos objetos inanimados (a brancura inerente da neve, a dureza da pedra) ou no nível do sobrenatural (a comunhão dos santos). Ela pode apenas ser utilizada metaforicamente, referindo-se a momentos de êxtase religioso, místico ou amoroso, apropriadamente definido como “ausência absoluta9” e “a perda de si mesmo no outro”, um estado de pura ausência de relações. No nível zero de relação, a comunhão denota um estado, o que faz com que não seja útil como um meio de conceber relações comunicativas, as quais sempre e em todos os casos, implicam distância e distinção entre sujeitos ou partes envolvidas. Informação e comunicação permanecem como as duas categorias básicas capazes de definir as relações comunicativas entre seres humanos. 9. Nota do Tradutor (N.T.) “Nothingness”, significando espaço vazio ou completa ausência de tudo. No original em espanhol o autor empregou “anonadamiento”.

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As categorias, as leis dialéticas que as unem, são irradicáveis. Para falar de informação, sempre e necessariamente há que se voltar para a comunicação, e vice-versa. Seria inteiramente irracional tentar entender um dos dois processos totalmente separado do outro. Eles são mutuamente explicáveis. Dada essa dialética, é estritamente verdade que, na prática, qualquer incremento no informativo necessariamente gere uma queda no comunicativo e vice-versa. Informação é ontologicamente relacionada à causalidade. Ela conota a mensagem/causa de um transmissor ativo, que busca gerar no receptor passivo um comportamento/efeito imediato ou remoto. Comunicação é ontologicamente relacionada à comunidade. Ela conota a mensagem/ diálogo, que busca produzir respostas não programadas, reciprocidade, consenso e decisões compartilhadas. Conseqüentemente, informação categoricamente expressa um relacionamento comunicativo menos perfeito ou equilibrado do que a comunicação, e tende a produzir mais verticalidade do que igualdade, mais subordinação do que reciprocidade, mais competitividade do que complementaridade, mais imperativos do que indicativos, mais ordens do que diálogo, mais propaganda do que persuasão. A seguir, apresentamos apenas alguns esquemas conceituais, que pretendem classificar ou incluir cada situação comunicacional no gênero ao qual pertencem. No presente mundo histórico dos seres humanos, é impossível encontrar uma relação de pura informação (como o termostato-aquecedor) ou uma relação de pura comunicação. Alguém que tentasse seria tão bem-sucedido quanto aquele que buscasse justiça, beleza ou verdade no seu estado puro. Mas esses esquemas podem tornar possível definir e descrever todas as relações comunicativas, para ter uma base sólida sobre a qual afirmar se o componente informativo ou o comunicativo é manifesto ou predominante nesta ou naquela relação. Informação refere-se a uma mensagem predominantemente informativa, na qual um dos pólos sempre ou predominantemente funciona como transmissor, enquanto que o outro sempre ou predominantemente atua como receptor. O transmissor tende aqui a institucionalizar sua capacidade de transmissão, a qual é uma forma de institucionalizar e fixar a mudez da função de recepção, no pólo oposto. O receptor se vê diante de uma crescente dificuldade ou é incapaz de se tornar um transmissor, e o estabelecimento de reciprocidade fica prejudicado. Isso é substituído por uma pseudo-interatividade, mascarada como reciprocidade, ou o receptor é simplesmente deixado sem canais de retorno imediato. Assim fica mais fácil para os transmissores institucionalizados explorarem em seu próprio benefício os seus

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monólogos casuais com um receptor mudo e sem possibilidade de exercer poder, tornando-se, por sua vez, sem reflexão, de uma forma imediata, um transmissor. Essa relação de determinação-causal, ao invés de dialogicamente determinada, faz com que a mensagem informativa seja parcialmente ou totalmente inquestionável. Mesmo com as melhores intenções possíveis, tais mensagens tendem a se tornar mensagens de comando, que silenciam o receptor – mensagens propagandísticas e informativas. Essa relação, a qual tende a ser informativa, pode também ser proveitosamente chamada de cibernética ou pilotada (kubernetés significa piloto, no grego homérico). O termo cibernética deve ser reservado exclusivamente para funções que incluem um componente de controle externo. Seu uso (ou o uso de ciber), no lugar de tele, como um sinônimo de distância, em termos como ciberespaço, cibersegurança, cibercrime, ciberaprendizado e cibersaúde, é inapropriado. Dois corolários podem ser levantados: 1. A midiatização moderna tem favorecido grandemente a mensagem informativa, por causa da predominância de canais de mão única que têm distanciado fisicamente e temporalmente transmissor e receptor. Isso significa que o transmissor se tornou parte de uma elite, enquanto que o receptor mudo é visto como massa. Algumas mídias (mais precisamente, alguns canais artificiais de comunicação) atuam como diodos: canalizam o fluxo de mensagens em uma direção mas não permitem o fluxo na outra. Isso reforça a institucionalização do transmissor e o caráter causal do relacionamento informativo, que é o efeito de propaganda das mensagens massivas (um tolo com um microfone hoje molda a opinião pública muito mais do que um sábio falando com seus vizinhos na esquina de sua casa). 2. A relação de informação se torna um aspecto da distribuição do trabalho e pode ser fruto de um pacto social não escrito. Muitas relações de informação positivas (tais como leitura, apreciação da arte e educação) são consensuais. O receptor desiste a priori e voluntariamente de usar seu poder de transmissão, e, conscientemente, assume o papel de receptor, intuindo que isso não vai retirar o seu poder de dialogar. Ele está quieto porque sabe que a fonte transmissora não quer torná-lo mudo (“apenas no discurso verdadeiro é possível o silêncio verdadeiro”, disse o filósofo Martin Heidegger.)

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Comunicação, ou mensagens predominantemente comunicativas, ou diálogo genuíno, ocorrem quando ambos os pólos encampam o padrão antecedente de “cima para baixo” e “causa/efeito” e, em princípio, compartilham de idêntico poder como transmissor e receptor, com a mesma habilidade para mudar instantaneamente entre os dois. Quando o receptor é respeitado sem qualquer tentativa de informá-lo ou induzir suas respostas, mas, ao contrário, buscando gerar nele um entendimento racional das idéias e fatos num clima de reciprocidade; quando todos os atores recebem o mesmo papel ativo e desfrutam o uso do mesmo canal, uma situação que favorece aqueles canais que asseguram bidirecionalidade instantânea (note-se que a delegação ou a contratação de alguma capacidade comunicacional para algum falante não viola a regra); quando, por meio do diálogo, no lugar de processo de persuasão ou ordenação, uma verdade maior do que a que se tinha inicialmente é alcançada, ou uma decisão não pré-concebida, compartilhada e consensual é alcançada. Comunicar-se significa preservar uma “distância” ótima do seu interlocutor, e estar aberto às suas proposições. Isso, por outro lado, significa respeitar sua alteridade sem a pretensão de absorvêlo, aliená-lo ou reificá-lo, por meio de sua redução via mensagem causal. Comunicar é alcançar um relacionamento bem temperado que permita que a harmonia germine. A definição lacônica e perfeita de Kant sobre ação recíproca entre agente e paciente, contudo, continua insuperável. Ainda podem ser mencionadas duas outras esquematizações: 1. Na área sociopolítica: Apenas comunicações genuínas e abertas podem criar uma massa crítica de reciprocidades capaz de dar vida às comunidades autênticas, abertas e livres, bem como à opinião pública não manipulada. Qualquer tentativa de tornar as relações informativas mais eficientes podem apenas criar acumulação adicional de privilégios ao transmissor e um correspondente declínio na comunicabilidade, reciprocidade, sociabilidade, pluralismo e democracia. Apenas mediante o esforço incansável para manter vivas áreas de suficiente reciprocidade comunicativa, sem o predomínio de fatores causais, é possível imaginar a sobrevivência da democracia genuína, um modelo irrenunciável de relações humanas que seria sufocado em qualquer universo de informação total. Qualquer tentativa de substituir o diálogo entre iguais por um meio mais eficiente, porém dessocializante e informativo, inevitavelmente cria efeitos que tendem a desconstruir o plexus social. Seguindo essa ordem de idéias,

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a frase Sociedade da Informação dificilmente é mais do que uma cosmética contradição em seus termos (uma vez que apenas comunicação cria a sociedade), enquanto que a frase comunicação social é uma tautologia (uma vez que a comunicação é, por essência, social). 2. Nas áreas instrumentais e institucionais: A panóplia de canais artificiais de comunicação, que evolui constantemente, e as mídias, bem como as instituições humanas que as usam, devem ser organizadas hierarquicamente, de acordo com a sua capacidade de serem veículos para promover, seja a comunicação ou a informação. Hoje, a hierarquia seria, sem dúvida, liderada pela Internet e pelo telefone (nesta ordem, uma vez que a Internet, ao acessar múltiplos receptores simultaneamente, superou um hiato que o telefone não tinha condições de preencher), os quais são os dois maiores instrumentos de bidirecionalidade aberta, de uso simultâneo de canal idêntico – em uma palavra, de reciprocidade e democracia. Candidatos para o final da lista seria a televisão, ou, o melhor de todos, as agências de notícias, o último dinossauro sobrevivente das comunicações, constituindo um conjunto, cada vez mais restrito, de transmissores cada vez mais poderosos, transmitindo 40 milhões de palavras por dia de pensamento uniforme – exemplo vivo de tudo o que é univetorial, causal, manipulativo, imposto e propagandístico na relação informativa atual. Dada essa situação, é racionalmente transparente, moralmente justo e politicamente desejável que sejam empreendidos esforços para: 1. Favorecer a comunicação, o que gera mais reciprocidade e amplia a comunidade, sobre os ainda necessários mecanismos de informação, os quais devem ser requeridos, tanto quanto possível, a serem usados, progressivamente, de forma mais comunicativa e sempre de acordo com os princípios do direito à comunicação; 2. Favorecer o uso de canais que facilitem a bidirecionalidade ou que estejam menos envolvidos em impor restrições tecnológicas ou econômicas aos usuários, enquanto acumulam vantagens para os transmissores; 3. Aumentar, tanto quanto possível, o coeficiente de pluralismo, transparência e democracia entre instituições que tenham excessivo poder sobre a tecnologia, transmissão e supervisão da infra-estrutura, canais, códigos e mensagens.

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DIREITOS À COMUNICAÇÃO Falando gnosiologicamente, comunicação é categoria sintética que incorpora todas as relações de comunicação, enquanto, ontologicamente, é a razão de ser (raison d’être) das relações humanas. Conseqüentemente, Direitos à Comunicação estão entre os Direitos Humanos mais originais e orgânicos. Sem os utilizar completamente, o ser racional não pode ser um animal político, escolher a modalidade de ser com o outro ou garantir a melhor reciprocidade possível. Apenas com uma extraordinária vontade internacional, uma commodity escassa na conjuntura do presente milênio, esse capítulo, essencial e ainda não escrito, dos Direitos Humanos pode tomar forma. Jean D’Arcy (1983) estava certo, nos anos 1980, ao reclamar que “ainda não foi estabelecido nenhum princípio de lei internacional concernente às comunicações”, e a campanha dos Direitos à Comunicação na Sociedade da Informação (CRIS – Communication Rights in the Information Society) está certo, hoje, ao afirmar que “o direito de comunicar constitui um direito humano universal que assume, e está a serviço de outros Direitos Humanos”. Caso ajam de boa fé, nem os que gostariam de ver esses direitos como derivados de outros direitos já existentes, nem os que advogam uma desregulamentação global, que negue a necessidade de mais declarações internacionais sobre o assunto, nada têm a temer. O direito não implica em qualquer limitação. Ao contrário, ele estende a liberdade comunicativa a mais pessoas. A menos que, logicamente e ontologicamente, alguém já tenha outra idéia na cabeça, nenhum direito já existente pode dar origem a um Direito de Comunicação que seja mais genérico e de escopo mais amplo. Os velhos direitos setoriais vieram até nós de eras localizadas e moldadas por uma única mídia, nas quais não estava claro o papel essencial da comunicação na relação, e não se previa a capacidade de uso e abuso que o Quarto Poder iria acumular ao redor do mundo. Nem imaginavam um sistema de mídia como o atual, o qual entraria em colapso sem os bilhões de dólares que os anunciantes, nada inocentes e despretensiosos, injetam nele. Comunicação e informação, desregulamentadas e monopolizadas pelo establishment são, atualmente, as mais pertinentes ilustrações do fato de que há liberdades que escravizam e leis que libertam, como afirmava Fontenelle, já em 1686. Essas múltiplas anomias são defendidas por grandes corporações midiáticas, com argumentos da Guerra Fria. Nós já sabemos o que isso significa – em termos de laissez faire – para a UIT, no sentido de estar atuando sem a reflexão e a análise que muitos

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gostariam, porque não conta, por exemplo, com uma carta constituinte que direcione e comprometa o seu trabalho com a promoção da eqüidade. Nós temos fragmentos não conectados, porém, que podem ser úteis para um futuro e coerente Direito à Comunicação. Princípios de liberdade de expressão consagrados pela comunidade internacional, livre uso de qualquer mídia para exercer essa liberdade e uma proibição de hostilidade contra os que exerçam esse direito continuam a ser sólidos fundamentos para a construção de um Direito à Comunicação fundamental. Todos os outros direitos vinculados à relação comunicativa – primeiramente, o Direito à Informação, inapropriadamente chamado de acesso à informação – devem ser considerados subsidiários e como derivados do Direito à Comunicação. Qualquer coisa que lhes seja imposta, que venha a contradizer os princípios originais e fundamentais dos Direitos à Comunicação, deve ser considerada inválida. Episódios como os que ocorreram durante a Segunda Guerra Mundial, quando um poder ocupante impediu os habitantes de um país invadido de usarem a sua língua nativa – o que é uma função comunicativa fundamental e prémidiática para que um ser humano possa ser em relação ao outro – são considerados violações das mais brutais do básico e irrestringível Direito à Comunicação. Visto contra os interesses míopes da mídia atual, o episódio mostra que um futuro documento que explicite os Direitos à Comunicação terá que cobrir uma área maior do que qualquer uma das já cobertas pelo artigo 19 da Convenção Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, de 1966, ou o altamente totemizado princípio do séc. XIX de “liberdade de expressão”, algo que é crescentemente virtual na era da hipermídia, sem uma correspondente “liberdade de comunicação”; uma área que não pode, absolutamente, ser reduzida à casuística econômico-político-midiática, na qual usualmente se tenta restringir, ou como discursos das corporações empresariais contra o Estado, que seria um Leviatã e um inimigo, por causa de seu aparato regulador de liberdades. Apenas quando os Direitos à Comunicação forem expressos e consensuados, o postulado com o qual D’Arcy começou um famoso estudo de 1969 vai se concretizar: “A declaração de Direitos Humanos que... estabelece pela primeira vez no seu artigo 19 o direito do homem à informação, vai algum dia reconhecer a existência de um direito mais amplo: o direito do homem à comunicação”. Vamos enumerar meia dúzia de ingredientes dos Direitos à Comunicação que podem ser deduzidos do que afirmamos até agora: 1. Comunicação é a transmissão/recepção entre pólos equipolares e recíprocos, em códigos acordados, de conhecimento ou sentimentos traduzidos na forma de uma mensagem; 32


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2. Isto é um direito inalienável, nato, dos seres humanos, dotado como nenhum outro ser vivo para a codificação/transmissão e decodificação/ recepção das mensagens, para que um conheça o outro, pela intercomunicação em códigos e canais selecionados por eles. Sua capacidade de interagir e sua elevação à categoria de seres políticos vai depender do livre exercício desse direito para uma relação comunicativa; 3. Uma vez que a ação recíproca é o conceito que define, por seu caráter adjetivado, a comunicação, um Direito à Comunicação deve, a princípio, tanto quanto possível, garantir a todas as partes em um relacionamento comunicativo o caráter isodinâmico da relação. Em outras palavras, eles precisam ter a mesma e idêntica habilidade prática para codificar, selecionar canais, e transmitir e receber mensagens, assim prevenindo que um relacionamento comunicativo se deteriore em um relacionamento informativo. Subsidiariamente, os direitos de comunicação vão dispor as condições para uma cessão parcial, delegada e consensual dessas prerrogativas e capacidades (veja a seguir); 4. As sociedades humanas, idealmente consideradas como um continuum hierárquico do aberto ao fechado, refletem as relações comunicativas nelas prevalecentes e, como os seus cidadãos, exercem os Direitos à Comunicação. Qualquer mudança no modelo comunicativo leva à mudança social; qualquer desequilíbrio comunicativo leva à degradação da comunicação em informação; qualquer obstáculo colocado no caminho do livre exercício dos Direitos à Comunicação, com relação aos códigos, aos canais, ao conteúdo, ao momento, ao lugar ou à escolha dos receptores, é um ataque à natureza relacional dos seres humanos e deve ser considerado um crime; 5. Direitos individuais e sociais à comunicação (quando definidos democraticamente) têm a mesma dignidade e precisam ser reconciliados harmoniosamente; 6. Direitos à Comunicação são inalienáveis e não podem ser delegados à vontade de comunicadores profissionais. Contudo, vai ter que ser inteiramente revista a realpolitik 10 , que desfigura a delegação justa e permite que poderes políticos e econômicos exerçam a maioria desses 10. (N.O. )Realpolitik é uma expressão da Ciência Política cuja formulação no Ocidente é atribuída a Maquiavel, tendo seu significado atual e erradamente compreendido como uma concepção excessivamente pragmática, distante dos princípios morais e voltada ao que é real e não ao ideal.

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direitos, sem o consenso democrático (até mesmo legalizando o princípio imoral “do primeiro a chegar é o primeiro a ser servido”). Esse direito confiscado precisa retornar à Sociedade e o máximo possível de pluralismo e eqüidade precisa ser restaurado à livre comunicação. O LIVRE FLUXO DA INFORMAÇÃO O Livre Fluxo da Informação inflamou o mundo durante um tempo, na décadas de 70 e 80, quando os campeões de uma Nova Ordem Mundial de Informação e Comunicação (NOMIC), derivada da precedente Nova Ordem Econômica Mundial (NOEM), postularam a necessidade de retificar os desequilíbrios de informação e abrir oportunidades comunicativas para aqueles que careciam de poder comunicativo. Eles foram imediatamente descartados como defensores da estatização e cúmplices dos soviéticos, sendo que o Ocidente de fala inglesa respondeu com uma dura defesa do livre fluxo, o qual (no estilo de Foster Dulles 11 ) foi declarado princípio irrenunciável da democracia. As gaitas de foles da Guerra Fria fizeram o resto. O documento mais educativo e objetivo do período ainda é a Resolução 4/19, da Conferência Geral da Unesco, que carece de releitura. Na área da liberdade, é preciso prudência aristotélica. Nós, por nós mesmos e pelas próximas gerações, vamos continuar a debater esse assunto complexo e metafísico, e é uma saudável precaução assumir que aqueles que alegam ter uma fórmula perfeita e libertadora para a comunicação, e quiserem impô-la a todos os outros são ignorantes, arrogantes ou vendidos. O problema do Livre Fluxo da Informação re-emerge incessantemente, e está em ordem uma revitalização do conceito. O Livre Fluxo da Informação traz a noção do canal: defende a mais absoluta e irrestrita liberdade de circulação para mensagens, especialmente por meio de fronteiras, com ausência de obstáculos geopolíticos, tecnológicos ou legais, exceto os dispostos nos tratados internacionais. Favorece um universo de informação sem hiatos ou barreiras, um universo aberto a todos, que explica a importância fundamental dada ao conceito nos países capitalistas europeus, durante as décadas da Guerra Fria, quando as transmissões de rádio para os países da Cortina de Ferro minavam as crenças das pessoas no socialismo e

11. (N.O.) John Foster Dulles, Secretário de Estado dos EUA, nomeado em 1953, conhecido como anticomunista obsessivo e ideólogo da Guerra Fria que defendia a retaliação nuclear maciça frente à ameaça soviética.

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levaram a União Soviética a consumir bilhões de kilowatts anualmente, e futilmente, para tentar bloquear as transmissões. Com a Guerra Fria oficialmente encerrada, uma conclusão desafortunada vem se forçando sobre nós: um efêmero confronto entre Leste e Oeste foi usado para deixar de lado a disparidade estrutural entre Norte e Sul. Todos os velhos desequilíbrios foram agravados: os comunicadores mais fortes acumularam mais poder, enquanto os mais fracos ficaram ainda mais fracos. Uma compreensível aura de suspeita continua a rodear o princípio, teoricamente irrefutável, do Livre Fluxo da Informação, que os EUA usaram para os seus próprios interesses durante décadas, como um tipo de “tratado de livre navegação” imposto por ele próprio ou pela Suíça à Bolívia ou à Nigéria, para dar aos países mais pobres uma impressão bem embalada de mais liberdade, enquanto os primeiros dominavam toda a navegação do mundo. O Sul foi declarado livre, mas desprovido de instrumentos para exercitar sua liberdade (suas próprias novas agências, leis da indústria do cinema, indústrias culturais locais e assim por diante). Parece que ainda não perdeu seu apelo o pobre exemplo dado pelo procônsul romano Titus Quintus Flaminius, em 196 a.C., que declarou que a Grécia ocupada era livre. Hoje, a noção de Livre Fluxo da Informação tem complexidades mais sutis, como resultado das tecnologias de rede, códigos e filtros que, por um lado, ampliaram as liberdades pessoais dos indivíduos (um blackout informacional total é difícil ou mesmo impossível em nossos dias, inclusive nos países onde as comunicações são altamente controladas). Por outro lado, prestarem-se a si mesmos (ainda mais docemente) à espionagem é uma atividade definida por especialistas como roubo informacional sistemático. De fato, nós entramos em uma nova era de liberdade globalmente vigiada, um paradoxo pelo qual nos vendem mais liberdade para melhor vigiar a nós mesmos. Problemas sem precedentes de Livre Fluxo da Informação emergem de uma hora para outra. Entusiastas da liberdade extrema acreditam que cada nova tecnologia abre as fronteiras para um novo oeste selvagem, para a liberdade da conquista. Eles não querem entender que se a pedofilia ou a apologia do Nazismo são violações dos códigos penais, essas atividades não podem se tornar inocentes apenas pelo fato de serem cometidas na Internet. Pelo lado suspeito, deixe-nos lembrar que: • cada nova tecnologia de comunicação (freqüentemente como um resultado de demandas dos governos perante os fabricantes de equipamentos) aumenta a possibilidade de localizar usuários, interceptar ou esvaziar suas memórias digitais e copiar suas mensagens; 35


DIREITOS À COMUNICAÇÃO NA SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO

• o livre uso de códigos confidenciais, bem como de códigos abertos (mais difíceis de espionar e controlar), está sobre um grande e crescente ataque; • o país que até agora detém o Sistema de Posicionamento Global (Global Positioning System – GPS), a Internet, centenas de satélites de comunicação e de espionagem é o único com capacidade unilateral de bloquear a comunicação de parte ou mesmo de toda a humanidade, enquanto empreende os seus melhores esforços para garantir que outros países não adquiram seus próprios sistemas de GPS; • informação, precursora de poder, não é apenas um dos mais valorizados bens da atualidade, mas o mais manipulado em seu próprio terreno. E não foram necessários os preparativos para a invasão do Iraque para provar isso: o trabalho sobre a economia da informação, que rendeu o Prêmio Nobel a J. E. Stiglitz, lidou com a “assimetria de informação” causada por agentes econômicos que, de forma fraudulenta, acumulam mais informação do que outros; • a espionagem eletrônica universal tem se tornado extremamente eficiente e é, agora, fenômeno real (por meio de empresas como Echelon, Carnivore, Fluent e Oasis), especialmente desde os ataques de 11 de setembro de 2001; e o Total Information Awareness12 (Consciência Total da Informação), que controla pessoas a partir de redes, já se tornou uma realidade, enquanto o Escritório de Influência Estratégica do Pentágono se tornou uma espécie de “007” da informação, com licença para mentir. Essa inapelável, massivamente manipulada e ameaçada liberdade já faz parte de nossa Sociedade da Informação. Apesar das declarações solenes dos pró-Livre Fluxos da Informações essa sociedade transformou a privacidade em um valor suspeito, em perigo de extinção. Esses argumentos devem ser lembrados quando os panegíricos do Livre Fluxo da Informação se tornarem muito estridentes. Apesar de tudo isso, o Livre Fluxo da Informação é um princípio bonito, positivo, que precisamos defender nas conferências e na vida real, 12. (N.O.) Total Information Awareness é um projeto conduzido nos EUA pelo Department of Defense Advanced Research Projects Agency (DARPA), com interesse em monitorar e controlar a população por meio de registros diversos, sob o pressuposto do fim da privacidade em prol da Segurança Nacional. Após as críticas iniciais, teve a palavra Total alterada em seu título para Terrorism.

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embora precisemos denunciar incessantemente os abusos feitos em seu nome por posições dominantes. Seria infinitamente pior não ter qualquer tipo de Livre Fluxo da Informação. Mas deve-se insistir quanto a uma condição: é necessária reciprocidade para ajudar que os enfraquecidos sejam tão livres quanto os mais poderosos. Uma liberdade que não liberta é egoísmo e privilégio. O duplo padrão de se ter livre informação como um conceito abstrato, enquanto a informação no mundo concreto é gerenciada sob princípios mercantis, que tornam possível a eliminação de outras alternativas, é relacionalmente e comunicacionalmente desonesto. ACESSO E PARTICIPAÇÃO Esses dois antônimos, aos quais a Unesco dedicou uma conferência em 1974, são fontes de confusão por três razões: • o freqüente uso do primeiro, em detrimento do último; • exclusão deliberada do último; e, • certos usos ideológicos do último ao final do período do socialismo/ comunismo. Por exemplo, com as desculpas aos seus autores, leiamos dois parágrafos dos documentos preparatórios da WSIS: “O acesso à informação e às mídias de comunicação como um bem público e internacional deve ser participativo, universal, abrangente em escopo e democrático. Princípios chave: 1. Acesso à informação e Livre Fluxo da Informação são Direitos Humanos fundamentais”. (O termo “participação” não aparece em qualquer dos dez princípios enunciados no documento.) No primeiro caso, nós temos o acesso como um desejo de que seja participativo. No segundo (onde as pessoas envolvidas na comunicação são consideradas apenas como “usuários da comunicação, das redes de informação e da mídia”), os autores não usam o termo participação em qualquer lugar, e implicitamente repudiam várias definições deste glossário, especificamente àquelas relativas aos Direitos à Comunicação e ao Livre Fluxo da Informação. Eles continuam, como nos tempos da Guerra Fria, a considerar que os direitos básicos de comunicação são acesso à informação e Livre Fluxo da Informação. Onde quer que a cultura e a comunicação estejam envolvidas, nós sugerimos o entendimento desses termos da seguinte forma: • Acesso: exercício da capacidade de receber (decodificar, vir a saber, descobrir, investigar, demandar, recuperar, ou colocar no domínio público) mensagens de qualquer natureza;

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• Participação: exercício da capacidade de produzir e transmitir (gerar, codificar, fornecer um veículo para disseminar, publicar ou transmitir) mensagens de qualquer natureza. Levar uma orquestra sinfônica para um bairro de trabalhadores facilita o acesso à música clássica executada ao vivo (recepção passiva); abrir uma escola de música na mesma vizinhança cria um processo de participação na vida musical (transmissão ativa). Aqueles países cuja mídia vive exclusivamente do acesso às fontes exógenas de informação, sem suas próprias agências e correspondentes participando na criação da informação, perdem toda a capacidade de entender e interpretar o mundo de forma autônoma. A seguinte equação é então produzida: acesso recepção

=

participação transmissão

Complementaridades recíprocas e negações são produzidas entre acesso e participação, assim como entre informação e comunicação. A crescente facilidade de acesso faz a participação mais difícil e pode inibila (e vice-versa), gerando mais dependência, paternalismo e cibernetização social, o que explica o fato de que a palavra acesso abunda no discurso econômico hegemônico, enquanto que participação raramente aparece. A saúde comunicativa de uma sociedade pode ser mensurada em termos das complementaridades e do saudável equilíbrio existente entre a pluralidade e a qualidade das mensagens às quais ela tem acesso, e em termos de sua cota de participação na geração de mensagens e na transmissão. Por exemplo, a América Latina como um todo falha em participar, com agências próprias, na produção global de notícias, enquanto a população dos EUA é mantida praticamente sem acesso ao cinema de outras partes do mundo. Acesso e Livre Fluxo da Informação, como mencionado anteriormente, são palavras-chave no vocabulário do mundo de informação/comunicação atual. Com a mesma paixão que eles demonstram para defender o Livre Fluxo da Informação, os mentores da Sociedade da Informação pregam o acesso (mesmo quando há uma superabundância do mesmo), ao mesmo tempo em que persistem no pecado de omitir a questão da participação. Acesso, obviamente, é construído em relação aos inputs e às mensagens produzidas e colocadas em movimento por aqueles que o defendem, enquanto os mesmos

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mantém um embargo quanto aos elementos que poderiam facilitar um processo participativo, pelo qual os consumidores se transformariam em produtores. Tais elementos são software livre, padrões universais, fontes e códigos abertos, generosidade no tocante ao dominío público e à Propriedade Intelectual e assim por diante. Graças a esse sutilmente projetado desequilíbrio, muitos têm sido erroneamente persuadidos de que a abundância dos meios de acesso e de receptores é equivalente a mais informação e comunicação, quando, na verdade, se tem justamente o oposto. Contudo, saturar a função de acesso para o propósito de dumping rende altos dividendos. Antes de tudo, são desencorajados e inibidos quaisquer desejos potenciais de participação por parte dos receptores. Não há falta de experimentos para mensurar o acesso, medindo quantas mensagens o usuário pode suportar (vizinhanças urbanas têm sido saturadas com até 500 canais de televisão). Enquanto isso, um projeto modesto de participação, tal como uma estação local, pequena e nas circuvizinhanças, gerenciada pela própria comunidade, faria o que nenhuma overdose de acesso pode jamais fazer: melhorar as relações, a participação e promover uma genuína comunicação. As leis nacionais concernentes ao Direito à Informação incluem recente lei sobre liberdade de informação num grande país asiático. O objeto essencial é definido como sendo “fortalecer cada cidadão com o direito de obter informação do governo”. Contudo, o primeiro artigo da lei limita o direito a somente um dos lados da moeda: acesso. Ela garante aos cidadãos o poder de conhecer e utilizar informações oficiais – nós devemos dizer, de passagem, que muitas fontes privadas também cerceiam o acesso à informação – sem sequer mencionar o lado positivo, ativo e participativo da moeda, o que deveria ser garantido primeiramente: o direito do cidadão gerar e transmitir informação. Nos documentos oficiais para a WSIS, a UIT atribui a si mesma, como seu principal objetivo, “garantir acesso universal à Sociedade da Informação”. O produto final, indesejável, desse tipo de imprecisão semântica é que mesmo em documentos tão importantes quanto as minutas de declarações e do plano de ação do segundo PrepCom, o termo acesso aparece 47 vezes, enquanto que o termo participação apenas seis, mas não com o sentido discutido aqui (por exemplo, se encontra nos documentos “a participação do setor privado”). Então, nós podemos com segurança definir um placar de 47 a 0. A noção de informação, que por sua vez é também limitante e dessocializante, em relação à comunicação, recebe uma segunda limitação aqui, ao ser reduzida ao mero acesso às mensagens de terceiros, amputando o lado participativo, a criação e a transmissão das mensagens próprias de alguém.

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Uma redução institucional do fenômeno informativo na recepção de conhecimentos e opiniões de terceiros, sem uma contrapartida, pode apenas institucionalizar o mudismo do receptor/consumidor. Esse é um objetivo coerente apenas no modelo das concepções economicistas da comunicação, na qual o receptor/cliente dificilmente conta e o que importa é o custo/ benefício, economias de escala, alvos e retorno sobre o investimento em publicidade, critérios que as políticas de comunicação gradualmente incorporaram como seus. Além disso, nossas sociedades se tornaram sociedades de informação, proporcionalmente ao seu grau de conectividade. A indução de comportamentos pró-acesso promove consumo exagerado e desnecessário, tanto nos terminais de decodificação (linhas de telefone fixas e celulares, fax, rádios, televisões, computadores, modems, scanners, antenas, conexões e assim por diante) quanto dos vetores das telecomunicações, cujas taxas vão continuar a ser muito altas até que seus fornecedores reabsorvam as perdas com as especulações gigantescas do final do milênio. Assim, é o interesse econômico (para não mencionar o político) que leva as mais importantes fontes ao discurso pró-acesso da Sociedade da Informação. Com todas essas omissões, o termo participação tem sido perigosamente abandonado pelo vocabulário da comunicação e da informação. Agora que a WSIS é iminente, torna-se importante reviver o termo e torná-lo um conceito guia que possa ajudar a superar a hipertrofia do acesso, que pode nos levar a uma séria atrofia na participação. No ambiente de informação que nos cerca, que tem sido alvo de muitos panegíricos (a UIT mesmo não se cansa de falar na grande revolução da humanidade), os indivíduos e as sociedades não podem se resignar a ser um coro, meros espectadores, mas devem buscar um papel participativo e de liderança. Em uma área tão anômica como a comunicação, sem contratos sociais básicos que a governem, há espaço para se enxergar formas originais de participação. Muitas já foram inventadas e são simples o suficiente para serem aplicadas ou fortalecidas. Por exemplo: 1. Dado que quase todos os regimes políticos, mesmo nas grandes democracias, tendem a gerar formas doentias de conluio entre o Poder Executivo e a Mídia, sem o conhecimento da população, as sociedades devem incessantemente denunciar esse abuso das posições dominantes e demandar dos outros poderes governamentais medidas que garantam mais participação e pluralismo real (não apenas “mais do mesmo”) na produção e transmissão de mensagens;

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2. Em nome de um Livre Fluxo da Informação que possa co-existir com outros livres fluxos, as diversidades culturais e a chamada exceção cultural devem ser tenazmente preservadas e garantidas, no interesse da humanidade como um todo. Especificamente, isso significa: • garantir participação suficiente e apropriada, que é a presença na mídia do criador, produtor e transmissor local de mensagens (uma batalha difícil no nível internacional, especialmente quando ocorre em instituições culturalmente incompetentes, como a Organização Mundial do Comércio); e, • quando possível, negociação de co-produção ou reciprocidade; 3. A tecnologização da mídia torna a participação colaborativa na produção e transmissão de mensagens economicamente impossível para muitos aspirantes a transmissores hoje. Uma taxação justa poderia ser utilizada para assegurar que paguem mais aqueles que lucram com a informação e a comunicação, por meio da utilização de bens públicos na base de concessões, financiamentos ou mesmo, ainda que parcialmente, fornecendo informações que não são economicamente viáveis, mas que têm interesse público. Eles devem, na verdade, fazer grandes esforços para assegurar que todos que participam de atividade informativa como transmissores tenham livre e eqüitativo acesso a insumos e tecnologias, que possam ser utilizadas seletivamente para beneficiar alguns e não outros. No nível internacional, os esforços dos países em desenvolvimento para criar e desenvolver sua capacidade própria de hardware e software devem ser facilitados e não obstaculizados; 4. Ao redor do mundo, mesmo em países com democracias antigas, a Sociedade Civil e os usuários ainda não tiveram a garantia de plena presença participativa, por meio do mecanismo de “representantes dos usuários”. Esse é um poder importante, em si mesmo e em relação aos organismos internacionais, regionais e locais que lidam com a comunicação e a informação. Isso vai das organizações da ONU às agências regulatórias nacionais e internacionais, concílios audiovisuais, órgãos de supervisão de concessões de rádio, serviços públicos de transmissão e certos comitês deontológicos. Esse preceito participativo é indispensável, para evitar que organismos antes intergovenamentais ou públicos incorporem somente representantes das indústrias de informação e comunicação em suas

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organizações, reproduzindo, no nível internacional, o tipo de conluio entre governo e setores empresariais a que nos referimos no nível nacional. A co-habitação imoral das agências regulatórias com os setores regulados exige que a função de guardiã da Sociedade Civil seja fortalecida. A UIT, como organizadora da WSIS, poderia dar bom exemplo nesse sentido, criando uma espécie de Painel Consultivo de Controle, composto inteiramente por usuários, para contrabalançar o Painel Consultivo da Reforma (RAP), inteiramente devotado ao setor empresarial; 5. Assegurar maior e mais ativa participação dos cidadãos nos processos de comunicação deve levar, entre outras coisas, à redescoberta da noção e dos benefícios dos serviços públicos nas comunicações. Bem concebidos e gerenciados, esses serviços públicos ainda podem ser os melhores exemplos de participação genuína, em três formas distintas: • garantindo oportunidades que conduzam à diversidade cultural e à criatividade; • sendo primariamente financiados com recursos públicos (em alguns casos, taxas e outras contribuições dos próprios usuários); e, • admitindo que representantes eleitos por usuários façam parte ex-officio de seus órgãos decisórios. Há países, especialmente no Hemisfério Sul, que nunca experimentaram serviços públicos na área de comunicações ou cujas experiências não foram positivas. Em alguns casos, esses órgãos degeneraram em aparelhos de propaganda governamental. É um dever moral das sociedades que conhecem as vantagens de serviços públicos eficientes (como correios, telecomunicações, rádio e televisão) exercerem um papel educativo em relação às demais sociedades menos afortunadas. Em uma época em que a privatização do mundo parece ter alcançado seu limite máximo, não seria inapropriado que as seguintes questões incômodas sejam colocadas na WSIS: será que não é chegada a hora de transformar certos serviços de informação e comunicação, até aqui oligopolistas, anti-pluralistas e totalmente anti-participativos, em uma nova geração de serviços públicos, sob vigilância estrita da Sociedade Civil, ou mesmo transformados em cooperativas de usuários? A SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO Logicamente falando, conforme discutido anteriormente, “Sociedade da Informação” é uma contradição em termos, uma combinação do fenômeno

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dessocializante da “informação” com o forte e nobre substantivo “sociedade”, o qual, na realidade, relaciona-se apenas à comunicação. Contudo, é fútil impugnar estereótipos que se tornaram lugar-comum. Vamos adotar o termo sem reservas, embora guardemos na mente essas questões. Vamos permitir, tolerantemente, que a Sociedade da Informação aqui denote um segmento da Sociedade da Comunicação no qual, por acordo pragmático, as relações informativas vão predominar, mas onde os valores e padrões para a comunicação, como formulados pelos Direitos à Comunicação, mantenham sua força total. Mais do que Sociedade da Informação, a nossa é, mais precisamente, uma civilização “computadorizada”, ou uma sociedade dependente da informação, em grau diretamente proporcional à riqueza de um país. No último meio século, muito conhecimento foi democratizado graças às comunicações: a produção, a conservação e a disseminação do conhecimento devem muito às tecnologias de informação e comunicação. A Internet preencheu a antiga aspiração da era do telefone, ao democratizar ainda mais a mídia: se tornou possível alcançar todos simultaneamente. A Web não apenas alcançou isso, mas colocou o mais eficiente e inimaginável serviço de correios ao alcance de todos, tornando possível que qualquer um produza seu próprio jornal e o coloque nas telas do mundo inteiro. Isso é parte da “lenda dourada” que nós todos claramente subscrevemos, embora sem permitirmos que sejamos ofuscados. Contudo, uma Cúpula Mundial é uma ocasião quase única para se comparar essa “lenda dourada” com a “lenda obscura”, não com a intenção de substituir a primeira pela última (o que seria infantil), mas antes para buscar um caminho intermediário, razoável, capaz de proteger a parte vulnerável da humanidade de um espetáculo de enganação e distração. Isso tornaria possível alcançar um consenso quanto a um modelo universalmente aceito de Sociedade da Informação, uma vez que deixa clara a sua teleologia, sem truques em seus métodos para alcançar os objetivos acordados. A primeira coisa a se observar é que a chamada Lei de Pareto tem sido reproduzida ou especificamente esquematizada nas comunicações (na verdade, seria quase que um milagre se esse não fosse o caso). Oitenta por cento da riqueza do mundo tende a se acumular, independente da política, nas mãos de vinte por cento dos mais favorecidos, apesar de que a avareza humana tenha recentemente quebrado esse parâmetro, de forma que 87% da riqueza da terra está concentrada no quintil superior. Comunicações (como a Lei de Jipp, quanto

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à correspondência entre densidade de telefones e o Produto Interno Bruto demonstrou décadas atrás) seguem a mesma curva, com uma fidelidade exagerada. Em 2000, 91% dos usuários da Internet estavam concentrados nos países da OCDE, que representam apenas 19% da população mundial. Durante os meses em que Luxemburgo estava chegando a uma densidade de 170 telefones por cada 100 habitantes, a Nigéria caia para 0,21 por 100, uma proporção comparativa de 800 para 1 entre os dois países. Isso sugere no mínimo cinco grandes questões para os encontros da WSIS em Genebra e na Tunísia: 1. Nas doses apropriadas, com a quantidade apropriada de tecnologia e no tempo certo, as comunicações e a informatização inegavelmente melhoram a qualidade de vida. Seria errado, contudo, ignorar o fato de que as prioridades absolutas e dramáticas de 70% da humanidade continuam a ser alimento, água e uma educação e saúde módicas, ao invés de conexão com a Internet. Diante de tais escandalosos níveis de pobreza, a idéia de tecnologia como redentora é inaceitável; 2. Assumindo que alguém aja de boa fé, não se pode mudar certos determinantes econômicos. Conectividade vai continuar a ser essencialmente uma variável dependente do PIB. A humanidade precisa primeiro ser aliviada de sua pobreza crítica e, junto com isso, o acesso à informação e à comunicação pode ser melhorado; 3. Qualquer tentativa de violar esse padrão determinante é parte do erro chamado “desenvolvimentismo”. Essa abordagem falhou na década de 60, quando era ensinado que a saturação do universo dos necessitados com os brinquedos dos ricos seria suficiente para fazer com que os necessitados agissem como se não o fossem; 4. O Hemisfério Sul é o último reservatório não saturado de acesso (não há praticamente participação, o que significa dificuldades enormes para competir). É o único lugar onde ainda é possível forte expansão de mercado e é também a parte do mundo com as taxas mais elevadas para as telecomunicações. Esse coquetel de ingredientes explica porque tem havido tanto interesse em fornecer mais terminais de acesso para a região; 5. De todos os universos interligados, nos quais as relações humanas se movem, o que apresenta menos pluralismo e democracia, o pior exemplo de relações humanas, é absurdamente, o universo comunicacional. Esse é

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um paradoxo perverso, resultado de uma excessiva confiscação e concentração do poder comunicativo, situação que precisa ser alterada. Qualquer decisão que não democratize a informação e a comunicação em seus dois componentes, acesso e participação, é suspeita e deve ser descartada. De outra forma, o “acesso universal à Sociedade da Informação” pareceria como vender conchas de vidro para os pobres, imortalizando o cartoon de uma pequena casa de fazenda esmagada sob o peso de uma antena de satélite muito maior. O segundo componente da “lenda obscura” é a anomia setorial. Os esforços, pelos quais aqueles que geram quase toda a informação disponível, no sentido de fazer avançar a Sociedade da Informação de uma forma desregulada e quase num vácuo legal, parecem ser semelhantes à iniciativa das nações marítimas em impor um tratado de livre navegação às nações sem saída para o mar. É essencial que a WSIS aprove a Declaração Universal sobre os Direitos à Comunicação, da qual já há uma boa minuta em circulação. Vamos nos limitar a mencionar alguns dos seus aspectos cruciais para os tempos atuais, aqueles relacionados à função vicária das comunicações. Desde que a comunicação face-a-face foi substituída pela mídia, que proliferou mas alterou as intercomunicações, quase todas as comunicações humanas passaram a ser “mediadas”, despersonalizadas pelos canais pelos quais passam. Algumas pessoas são capazes de utilizar a mídia efetivamente, enquanto que outras, que são mantidas à distância da mídia, não conseguem ser ouvidas. A mídia simultaneamente trouxe uma expansão e um desequilíbrio para as relações humanas. Nas comunicações e na informação, a única legitimação do transmissor (e não uma legitimação codificada) é tanto o “chegar primeiro” quanto o ter poder político-econômico suficiente para acumular conhecimento e o converter em mensagens. Nenhum contrato social ou acordo internacional governa o Quarto Poder. Essa afirmação não tem como objetivo retirar a liberdade da Imprensa, mas sim ampliar a liberdade daqueles que não chegaram primeiro, ou daqueles que têm poucos recursos. Desde Adam Smith até Jürgen Habermas, a validade dos controles exercidos sobre os governos pela opinião pública, por meio da mídia, tem sido confirmada. Contudo, a cumplicidade entre o governo e a mídia, mesmo nas democracias tradicionais, é tamanha que a interrogação sobre quem controla os controladores é uma questão global. Há 6 bilhões de pessoas no mundo e em breve seremos 10 bilhões. A idéia de

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todos nós sermos transmissores por meio dos mass media é obviamente um pesadelo. A aceitação da prática de existirem alguns poucos e vicários transmissores de comunicações e informações em nome de muitos é o que a melhor lógica sugere, em termos de economia social e distribuição do trabalho. Apesar disso, e esse é o problema, cidadãos sem qualquer capacidade real de comunicação pela mídia continuam a ser considerados como depósitos permanentes do mesmo poder irrenunciável (veja a afirmação de Heidegger de que “silêncio não significa mudo”) o qual eles atribuem a outros o exercício em seu nome. Os Direitos à Comunicação devem levar, pela primeira vez, a uma categoria legal que assegure um poder comunicativo vicário, sem conflitar, obviamente, com os outros Direitos Humanos básicos. Assim, os hoje freqüentes abusos das posições dominantes nas informações e comunicações podem ser minimizados e punidos. O processo de concessão será obviamente mais intrincado quando a pessoa delegada fizer uso concessionário de bens públicos, como freqüências de transmissão e infraestrutura pública. Nesses casos, a comunidade tem o direito de impor um conjunto de obrigações e padrões de qualidade ao comunicador, em ordem para assegurar que a mesma receba o serviço para o qual teve o direito de transmissão pública concedido. Terceiro: as sociedades humanas e suas organizações comunitárias vão ter que declarar claramente e sem medo se aceitam o conceito de que a Sociedade da Informação deve ser, estruturalmente, uma sociedade de suspeita, vigilância e espionagem, de forma unilateral, ao invés de um sistema universal e compartilhado de critérios de segurança. Quarto: deve ser lembrado que a Sociedade da Informação não é um futuro distante. Ela já existe, com sua história e seus donos, e tem amplamente demonstrado seu potencial e limitações. O que deve ser feito, antes de se conceber outra versão melhor, é uma análise estratégica dos méritos e deméritos do sistema atual. Nossa Sociedade da Informação, por exemplo, já fez coisas que, sob a lei, não estão muito longe de serem qualificadas como crime, como as duas bolhas especulativas usadas na tentativa de fazer a Internet (nos estados Unidos) e a telefonia UMTS (na Europa) as mães da especulação. Em março de 2000, a especulação com ações da Internet levou ao que se chamou de “a maior criação de riqueza da história da humanidade”. Menos que três anos mais tarde, US$ 7 trilhões desapareceram na quebra da Nasdaq, descrita como a “maior destruição de riqueza em tempos de paz”. Essa perda foi suportada

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por milhões de poupadores, iludidos por gerentes desonestos, vendas de pseudo-necessidades, criminosos profissionais e cumplicidade ilegal por parte de bancos e firmas que faziam a análise, auditoria e consultoria financeira. Em resumo, foram defraudados pelo sistema. Na Europa, um poderoso lobby industrial convenceu a União Européia, em 1998, de que os países-membros poderiam conceder licenças UMTS, o que um número de governos gananciosos passou a fazer, coletando US$ 314 bilhões em poucas semanas. A tecnologia não estava pronta e os países, já saturados de telefones, compraram-na a preços mais exorbitantes do que aqueles pagos pelas tulipas na Holanda no séc. XVII 13 . Na Inglaterra, o custo das licenças de UMTS alcançaram o valor extravagante de US$ 652 por habitante, enquanto que sistemas nacionais inteiros de telefonia foram privatizados a preços de US$ 5075, como na Venezuela. Hoje, os países com o maior débito de telefonia em nível global são aqueles que compraram a UMTS a preço maior. O custo dessas duas especulações foi transferido para os usuários. Calcula-se que durante toda a próxima geração nós estaremos pagando valores artificialmente elevados pela Internet e pelo serviço de telefonia, para permitir que as firmas recuperem suas perdas. Com as ilusórias bolhas da Internet, a manipulação maliciosa com a UMTS, falências fraudulentas como a da Global Crossing14 e fraudes suspeitas como a do já esquecido bug do milênio, seria muito bom que a WSIS fosse o lugar de colocar essas questões em aberto e requerer um mínimo de garantias para assegurar que essas coisas não voltem a acontecer.

13. (N.O.) Considera-se que na Holanda do século XVII surgiram os princípios da especulação financeira moderna. Na época, foi emblemático o episódio dos enormes prejuízos deixados aos investidores por negociantes que insuflaram a valorização artificial das Tulipas, sendo que se chegou a vender ou negociar contratos futuros de uma flor pelo valor de uma casa. 14. (N.O.) A empresa Global Crossing fornece serviços de telecomunicações por meio de uma rede privada de fibras óticas, em nível mundial. Pediu concordata no início de 2002, em meio a um dos maiores casos de escândalos corporativos da história dos EUA, envolvendo bilhões de dólares, tendo sido vendida posteriormente a credores e a empresas asiáticas do segmento.

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Referências Bibliográficas D’ARCY, Jean. (1983). “An ascending progression.” In Desmond Fisher and L. S. Harms (eds.), The Right to Communicate: A New Human Right. Boole Press, Dublin. ———. 1969. “Direct broadcast satellites and the right to communicate.” EBU Review, No. 118. FONTENELLE, Bernard. (1686). Entretiens sur la pluralité des mondes. <http://abu.cnam.fr/ cgi-bin/go?plural3>, acessado em outubro de 2003. INDEPENDENT COMMISSION FOR WORLDWIDE TELECOMMUNICATIONS DEVELOPMENT (1985). The Missing Link. Relatório da Independent Commission for Worldwide Telecommunications Development. ITU, Geneva. WEILL, Georges (1934). “La presse anglaise et antinapoléonienne de 1789 à 1815. Lutte et progrès de la presse anglaise” In Le journal: Origines, évolution et rôle de la presse périodique. La Renaissance du livre, Paris.

Antonio Pasquali é um respeitado acadêmico e pesquisador, professor na Universidad Central de Venezuela, em Caracas. Em seus livros publicados; dentre eles Comunicación y cultura de masas (1963); Sociologia e comunicação (Editora Vozes, 1973); Comprender la comunicación (1979); Comunicación y Cultura de Masas (1990); La comunicación cercenada (1990) e Bienvenido Global Village (1997), combina uma profunda reflexão teórica com experiência política e de atuação social. Entre 1974 e 1975 presidiu a Comissão Ministerial Venezuelana que trabalhou no Projeto Venezuelano de Rádio e Televisão (RATELVE), uma iniciativa em favor de uma nova política para a comunicação pública. De 1978 a 1989 atuou na Unesco em vários cargos, inclusive como Assistente do Diretor Geral para Comunicações.

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LA SOCIEDAD DE LA INFORMACIÓN Y LA NUEVA ECONOMÍA PROMESAS, REALIDADES Y FALTAS DE UN MODELO IDEOLÓGICO Gaëtan Tremblay

RESUMO Frente a la presunción de que la Sociedad de la Información y su proclamada “nueva economía” representan una ruptura con los modelos sociales precedentes, se defiende que la Sociedad de la Información (SI) es sólo otra etapa en la evolución del sistema capitalista. Y se propone el calificativo de “gatesismo” para designar los cambios de las avanzadas sociedades contemporáneas. En este estadio las nuevas Tecnologías de la Información y la Comunicación cumplen un rol central en la organización del trabajo y en la formación de demandas. INTRODUCCIÓN Desde hace dos o tres década se habla y escribe sobre la denominada SI y la revolución tecnológica o, por lo menos, de la transformación social mayor resultante, según muchos autores, del avance tecnológico. Y desde hace tanto tiempo, algunos sociólogos y comunicólogos, entre los cuales me cuento, tratan de evaluar la naturaleza y la importancia de las transformaciones sociales, económicas y culturales que ocurren en nuestras sociedades desde los años 70 del siglo pasado, sin postular que vivimos un cambio radical, pero sin excluir tal posibilidad. Es la cuestión del cambio social la que preocupa a sociólogos, economistas y otros especialistas de las ciencias sociales desde comienzos del siglo XIX. Cuando empecé a estudiar la sociología, hace más de treinta

TREMBLAY, G. La sociedad de la información y la nueva economía: promesas, realidades y faltas de un modelo ideológico. In MARQUES DE MELO, J.; SATHLER, L. Direitos à Comunicação na Sociedade da Informação. São Bernardo do Campo, SP: Umesp, 2005.


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años, mis profesores, criticaban con razón los modelos funcionalistas por limitarse a describir y analizar el funcionamiento de la sociedad sin tomar en cuenta el cambio social. Por el contrario, estos profesores se entusiasmaron con algunos pensadores, menos numerosos en esta época, que pusieron al cambio social en el centro de sus preocupaciones y avanzaron en una propuesta para explicarlo. Leyendo a muchos autores tengo la impresión de que basculamos de un extremo a otro contaminados por unas medias de comunicación, obsesionadas por el espectáculo y la novedad, que tienden a amplificar el impacto de cada innovación. La cuestión ya no es saber si cambian nuestras sociedades. Esto es evidente. El desafío consiste en comprender la dinámica, dirección y amplitud del cambio. El siglo XX soñó con la revolución; ocurrieron algunas, fracasaran muchas. El pasado siglo registró también innovaciones científicas y técnicas importantes, sufrió guerras atroces y devastadoras, y el medio ambiente experimentó transformaciones profundas. Así, muchas vertientes de la vida individual y colectiva resultaron modificadas. Pero, ¿ puede decirse que la resultante de estos cambios fue un modelo de sociedad radicalmente diferente al modelo de la sociedad industrial ? Desde hace muchos años esta pregunta suscita un debate sin que se imponga una respuesta consensuada. El titulo del encuentro1 en el que presenté una primera versión de este texto retomaba la pregunta a propósito de la SI y la nueva economía: ¿ruptura o continuidad? Tal pregunta puede entenderse de tres maneras diferentes: – En una primera interpretación, uno puede establecer una distinción fuerte entre las dos expresiones preguntándose si la nueva economía representa una forma evolutiva de la SI o si existe una ruptura entre lo que representan las dos denominaciones, si la nueva economía se da como herencia de la SI o como discontinuidad. En otras palabras, la nueva economía, la economía del saber, ¿constituye la economía propia, idónea, de la SI? O, por el contrario, ¿las promesas de la SI resultaron, se redujeron, finalmente en la nueva economía? – Segunda interpretación: si la SI y la nueva economía se perciben como dos vertientes de la misma cara, la pregunta debe referirse a su relación a la 1. II Encuentro de Economía Política de la Comunicación del Mercosur, “Sociedad de la Información y Nueva Economía: ruptura o continuidad. La visión de la Economía Política”, celebrado en Brasilia (Brasil), 26-28 de mayo de 2002.

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anterior, digamos, al sistema capitalista. En este sentido, algunos analistas definen a la SI y a su componente económico en términos de ruptura radical. Otros hablan de transformación mayor del sistema capitalista, mientras que algunos la interpretan meramente como otra etapa de la evolución del capitalismo. – En una tercera interpretación uno puede preguntarse, frente a acontecimientos recientes como el pinchazo de la burbuja especulativa y la caída del Lasdaq, la quiebra de las puntocom, el crecimiento del terrorismo y la represión, los fracasos de políticas globalizadoras, etc., si asistimos a resultados previsibles del modelo o a fenómenos incompatibles que marcan una ruptura en su evolución. Como indica el título de mi artículo, me propongo examinar promesas, realidades y faltas de la SI y de la nueva economía. Por lo tanto, me propongo analizar varios discursos que adaptan una u otra de las tres perspectivas previas. Mi punto de vista personal es que la SI es sobre todo una ideología que, como cualquier otra, proporciona una lectura selectiva, deformada, de la realidad, del cambio y del desarrollo social. Y esta ideología está fundada en el determinismo tecnológico. Mi análisis llega a la conclusión que la SI no constituye una ruptura radical con el sistema capitalista, sino que debe entenderse como otra etapa en la evolución del mismo. La nueva economía, o mejor dicho la economía digital o la digitalización de la economía, a pesar de sus dificultades recientes, parece una realidad más concreta que las promesas salvadoras de la Sl. VISIONES DE RUPTURA En varios textos publicados, aproximadamente a lo largo de los últimos veinte años, la argumentación que presenta el advenimiento de la Sl como un cambio radical reposa fundamentalmente sobre dos tipos de consideraciones: 1. los desarrollos tecnológicos fulgurantes en el tratamiento y la transmisión de la información, 2. la importancia estratégica creciente de la información y del conocimiento en el conjunto de las actividades humanas. Los profetas de la Sl afirman que, a partir de ahora, se debe concebir a la sociedad o a economía esencialmente en términos de producción y de

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circulación de la información. La información se habría convertido en el factor de producción y el producto más importante de la vida económica. El modelo pone a la información y la comunicación en el corazón mismo del funcionamiento de las sociedades. Es esta nueva centralidad de la comunicación lo que constituiría la característica principal del cambio que viven las sociedades industriales avanzadas. Tal perspectiva conduce a pensar en la SI como una superación de la sociedad industrial, como el advenimiento de algo completamente diferente que obedece a otras reglas y abre horizontes desconocidos. De esta manera habríamos pasado de una sociedad tradicional rural a una sociedad industrial urbana (la cual ha conocido una primera y luego una segunda revolución industrial) y entraríamos ahora en la Sociedad de la Información. La energía perdería importancia delante de la información, la fabricación pasaría a un segundo plano detrás de la concepción, el sector secundario debajo del terciario. Las economías dinámicas del futuro se fundarían esencialmente en empresas de producción y tratamiento de información, mientras que las actividades de fabricación material serían incumbencia de las economías de segundo orden, para no decir de las economías subdesarrolladas. EL CAPITALISMO INFORMACIONAL DE CASTELLS Uno puede hablar de sociedad nueva cuando ha ocurrido una transformación estructural en las relaciones de producción, en las relaciones de poder, en las relaciones entre las personas. Estas transformaciones producen una modificación igualmente notable de la especialidad y la temporalidad sociales, y la aparición de una nueva cultura. Castells2. Los teóricos de la SI, desde Daniel Bell hasta Manuel Castells, están convencidos que hemos ingresado en la era post-industrial y que las sociedades contemporáneas son radicalmente diferentes de las precedentes. Como señala la cita anterior, se habrían manifestado cambios estructurales en las relaciones económicas, sociales y políticas como resultado de la influencia conjunta de tres fenómenos ocurridos entre el fin de los años 60 y la mitad de los 70 del pasado siglo: 1) la revolución de las Tecnologías de la información; 2) la crisis del capitalismo y del estatismo, y 3) la efervescencia de movimientos sociales (como la defensa del medio ambiente y el feminismo). Sin embargo, entre estos tres factores, el 2. La traducción mía, a partir de la versión francesa (Castells, 1999, Tomo III).

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primero se destaca como el eje central del modelo de la SI. Las innovaciones tecnológicas, que se sucedieron a un ritmo muy rápido desde inicios de la década del 70, habrían colocado al conocimiento en el corazón del sistema productivo creando las condiciones de la globalización y de la empresa-red, de la sociedad en redes, del espacio de los flujos y de la cultura de la realidad virtual. La teoría de la SI no tiene éxito en liberarse del determinismo tecnológico, incluso cuando pretende desmarcarse, como intenta Castells. En sus tres libros publicados entre 1996 y 1999, Castells ha proporcionado una de las formulaciones más destacadas de las tesis relacionadas con la SI. No tengo espacio suficiente aquí para exponerla con todo detalle. Por lo tanto, sólo voy a limitarme a comentar algunos aspectos que me parecen fundamentales en la evolución del cambio que representa la SI. Según Castells, y la mayoría de los teóricos de la SI, el capitalismo experimentó durante la segunda mitad del siglo XX un cambio mayor causado por la importancia creciente de la información (también a menudo se utilizan los términos “conocimiento” y “saber”, lo cual introduce más confusión en el potencial explicativo del modelo) en el proceso de producción de bienes y de servicios. A esta metamorfosis, Castells la denomina “informacional”. La referencia al papel central de la información conlleva a dos vertientes entre las cuales la argumentación oscila sin ponerlas con claridad: por un lado, existe el papel del conocimiento en el proceso de producción; por otro, el papel de las nuevas Tecnologías de la Información y la Comunicación (TIC). Castells reconoce que toda forma de producción implica el dominio de ciertos conocimientos “pero lo que caracteriza al modo informacional de desarrollo – escribe – es la acción del saber sobre el saber mismo como fuente principal de la productividad” (Castells, 1998, tomo I). ¿Qué significan estas palabras: “la acción del saber sobre el saber”? Nicholas Garnham (1998) los asimila al conocimiento teórico o especializado (theoretical or specialized knowledge). Es una posibilidad. Si tal es el caso, el fenómeno no es tan nuevo. Debe acordarse de que la importancia de la ciencia y de las técnicas derivadas en el proceso de producción no surge en los años 70 del siglo pasado, período en el cual se ubica el origen de la SI, sino que todos los historiadores lo reconocen como uno de los rasgos esenciales de la segunda revolución industrial que empezó en el último cuarto del siglo XIX. Sin embargo, hay otra manera de entender la frase “acción del saber sobre el saber” que remite más específicamente al auge de la digitalización. El

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saber que otorga digitalizar con eficiencia, inventar chips o máquinas y programas permite trabajar sobre el conjunto del saber acumulado codificándolo para almacenarlo y transmitirlo produciendo en el proceso nuevos conocimientos. “El saber sobre el saber” podría referirse a la recodificación digital del saber, remitiendo sobre todo al desarrollo de las TIC y a su generalización en el conjunto de las actividades sociales. Según Castells y sus émulos, las TIC constituyen el principal factor responsable por la productividad en la sociedad en redes y definen, en términos propios del autor, un nuevo modo de desarrollo. Sin embargo, Castells no tiene otro remedio que reconocer que los datos disponibles no confirman, hasta la fecha por lo menos, los vaticinios teóricos. La distancia es tan larga que puede hablarse de verdadera paradoja (Triplett, 1998). Se evocan generalmente tres tipos de argumentos para explicarlo: Hay un debate en marcha sobre la contribución de las TIC a la productividad. Algunos creen que las TIC han tenido un impacto positivo sobre la productividad, todavía no evidenciado en las estadísticas de los Gobiernos por la inadecuación de las técnicas de medición. Otros creen que las TIC no han tenido un impacto mensurable sobre la productividad, porque los negocios no han reorganizado todavía sus operaciones como para sacar ventaja de las Tecnologías de la Información. Estos últimos destacan que el retraso entre las inversiones y sus frutos completos tardan mucho años (Margherio, Henry, Cooke, Montes y Hugues, 1998). Es claro que se necesitan nuevas definiciones de la productividad para evaluar el impacto de nuevas herramientas. No puede medirse de la misma manera la productividad en los sectores de servicios que en los de producción de bienes materiales. El problema, como señaló Garnham (1998), es que la productividad medida por las relaciones entre inputs y outputs es un concepto termodinámico. ¿Cómo trasladar este concepto a términos informacionales? ¿Cómo adaptar un concepto que define relaciones entre entidades energéticas a la medida de actividades simbólicas? Es obvio que la medida de la productividad, en los marcos de la educación y de la salud, por ejemplo, es mucho más compleja que el mero cálculo de los outputs en referencia a los inputs en un tiempo determinado. Mejorar la productividad no puede hacerse sencillamente por el crecimiento de titulados o por una reducción del tiempo pasado en el hospital. En este caso, deben tomarse en cuenta criterios de calidad del servicio y de satisfacción de los usuarios. ¿Cómo cuantificarlos para

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integrarlos en el cálculo de la productividad si uno quiere comprobar su crecimiento? A pesar que los logros de productividad no pueden medirse con precisión matemática, es un hecho innegable que las TIC introducen cambios en el proceso de producción. Pero, ¿estos cambios conducen a un nuevo modo de desarrollo? ¿Se trata de una ruptura o de una continuidad con el modelo de desarrollo industrial fundado en la innovación científica y tecnológica que caracteriza al capitalismo de los países desarrollados desde finales del siglo XIX? La respuesta positiva no es evidente y remite por el momento más a los a priori teóricos, que al análisis de datos concretos. EL SUEÑO NORTEAMERICANO DE LA NUEVA FRONTERA Según Al Gore, ex-vicepresidente de Estados Unidos, la nueva economía es sencillamente el resultado de la revolución iniciada por el progreso en las TIC. Es la economía idónea de la SI y gracias a la política de su gobierno ésta registra un éxito innegable, como señalaba en el prólogo al tercer informe del US Government Working Group on electronic commerce (2000). Y, como afirma en ese texto, que resume muy bien el punto de vista oficial norteamericano que no creo que haya cambiado mucho con el gobierno de George W. Bush: “Hemos hecho a nuestro Gobierno más eficiente, accesible, responsable y, más importante aún, más sensible hacia sus clientes de lo que nunca fue” 3. “¡Sus clientes!”. Al Gore habla de los ciudadanos norteamericanos como clientes del gobierno. Todo el sentido de la Information Age se concentra en estas palabras. Para la administración norteamericana, la SI no significa otra cosa que la economía digital. Para lograr sus objetivos, el gobierno norteamericano había adoptado una estrategia fundada en cinco principios: la inversión privada, la competencial, el acceso abierto, un marco regulatorio flexible y el acceso 3. Our economy, which has experienced the longest expansion in peacetime history, reflects our success in using information technologies to sour growth, raise productivity, limit inflation, and create jobs. Our society reflects our success in using information technologies to expand greatly access to education, training, and medical and heath information. Our government reflects our success in empovering our citizens and in reinventing government for the Information Age. We have made our government more efficient, accessible, accountable, and most importantly, more responsive to its customers than ever before (Al Core, 2000, Preface).

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universal. No sólo se felicita del éxito de su política en su propio país, sino que se vanagloria de haber logrado imponerla a todo el mundo4. No hay duda de que – según el discurso de la administración norteamericana – “hemos llegado a una nueva era económica, the digital economy, en la cual tanto los individuos como las empresas y las organizaciones usan las Tecnologías de la Información e Internet de manera imaginativa para mejorar la calidad de vida y los procesos empresariales” (Al Gore, 2000). El informe presenta muchos datos para comprobar el crecimiento en el uso de las computadoras e Internet en varios tópicos de la vida doméstica, la administración pública, los procesos productivos y las transacciones comerciales. Argumenta, pero sin demostrarlo de manera definitiva, a propósito de papel clave de las TIC en el auge de la productividad. Por supuesto, este tercer informe se escribió y publicó antes de la caída del NASDAQ y de la recesión sufrida por la economía norteamericana en los últimos meses. Uno puede preguntarse: ¿cómo separar lo que depende de la coyuntura, del ciclo económico a corto plazo, y lo que constituye el fracaso de un modelo mítico? En mi opinión no importan mucho estos movimientos coyunturales de corto plazo. Pues no ponen en duda las transformaciones estructurales que tienen lugar con el desarrollo de la economía digital. Es más grave, sin embargo, que el informe describa la nueva economía limitándose a ciertos aspectos del uso de las TIC, silenciando en cambio tendencias claves como la convergencia y la concentración de la propiedad. El fracaso de muchas puntocom – pequeñas empresas de la economía digital – y la quiebra de Enron – empresa-red gigante de la misma nueva economía – conllevan lecciones sobre la llamada SI. Entre muchos, cabe destacar dos. La primera apunta a la locura de los que pretendían que la nueva economía obedece a pautas completamente diferentes de la vieja economía. Ahora callan, pues los acontecimientos de los dos últimos años nos

4. “We based our strategy for achieving these objectives on live essential principles: private investment, competition, open access, flexible regulatory frameworks, and universal access. Since 1994, these principles have been broadly accepted worldwide, and have helped create flourishing markets in many countries that have enabled telecommunications and information technologies to reach, more people and improve their lives. Privatization, competition, and liberalization remain the object of our policy” (Ibidem).

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recordaron a todos que la primera meta en el sistema capitalista, hoy como ayer, es obtener beneficio, el beneficio más alto posible. La segunda lección subraya la importancia de la información en las complejas sociedades contemporáneas, pero no en el mismo sentido al cual se refieren habitualmente los discursos ejemplificados en el citado informe. Recuerda a todos los empleados y accionistas, de manera directa y dolorosa, una verdad muy común: que la información de ser posible, que se pueda esconder y que también se pueda manipular. La economía digital, señor Gore, no es el paraíso que usted describe. EL GATESISMO, RÉGIMEN DE ACUMULACIÓN DEL CAPITAL Inspirado por los trabajos de investigadores de la escuela francesa de la regulación, he propuesto, en 1995, hablar de gatesismo en lugar de SI para calificar los cambios, ligados a la innovación tecnológica y a la economía del saber, que ocurren en las avanzadas sociedades contemporáneas. Al igual que el fordismo, el gatesismo s refiere a un régimen específico de acumulación del capital5 Estudiar a largo plazo las posibilidades de acumulación equivale, pues, a investigar las diferentes regularidades sociales y económicas que la afectan: – Un tipo de evolución de la organización de la producción y de relación de los asalariados con los medios de producción. Henry Ford prestó su nombre, muy involuntariamente, para identificar una norma de producción y una norma de consumo que ha caracterizada una 5. Estudiar a largo plazo las posibilidades de acumulación equivale, pues, a investigar las diferentes regularidades sociales y económicas que la afectan: – Un tipo de evolución de la organización de la producción y de relación de los asalariados con los medios de producción. – Un horizonte temporal de valorización del capital sobre la base del cual puedan desprenderse los principios de gestión. – Una distribución del valor que permita la reproducción dinámica de las diferentes clases o grupos sociales. – Una composición de la demanda social que dé valor a la evolución de las tendencias de las capacidades de producción. – Una modalidad de articulación con las formas no capitalistas, cuando estas últimos tienen un lugar determinante en la formación económica estudiada. – De ahí la definición de un régimen de acumulación. Se designará bajo este término el conjunto de regularidades que aseguran una progresión general y relativamente coherente de la acumulación de capital, es decir, que permita reabsorber o desplegar en el tiempo las distorsiones y desequilibrios que nacen permanentemente del proceso mismo (Bayer, 1987).

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forma del capitalismo. ¡Bill Gates ha admitido explícitamente su ambición de convertirse en el Henry Ford de la informática y de las nuevas tecnologías de la comunicación! ¿Tomaremos prestado su nombre para calificar una nueva norma de producción y de consumo, características de un nuevo desarrollo del capitalismo? El, en todo caso, sin duda no vería ninguna objeción. El fordismo evoca un modo de producción y de organización del trabajo: la producción en serie, el trabajo en cadena, una concepción taylorista del trabajo. Pero es un modelo que implica también un mmodelo que implica también un n serodo de regulación social y una norma de consumo. La negociación colectiva, un cierto tipo de sindicalismo y el desarrollo del Estado-Providencia han constituido las principales medios de resolución de conflictos y antagonismos, de gestión del crecimiento y las recesiones, de enmarcado de las necesidades y las reivindicaciones sociales. También han permitido el desarrollo del poder de compra y la constitución del mercado de consumo necesario para la sólida consolidación de la producción en masa. El New Deal de Franklin D. Roosevelt ha consagrado la institucionalización de este modo de organización no solamente económico, sino también político y social. Al igual que el fordismo tomó formas diferentes en distintos países, el gatesismo no debe entenderse como modelo homogéneo universal. Existen condiciones históricas y estructurales que imponen características nacionales, regionales y locales de las cuales resultan varios tipos de gatesismo. En el gatesismo se reconoce la importancia de las TIC no tanto como factor de mejora de la productividad, sino por su papel en la organización del trabajo y de la formación de la demanda social. Además, el calificativo gatesismo, referido al fundador de Microsoft, llama la atención sobre el software y recuerda que cuenta tanto, si no más, que el hardware en la nueva economía digital. También, la computadora e Internet desempeñan un rol clave en la hegemonía del sector financiero y en el crecimiento de la globalización, dos rasgos, principales de esta forma de capitalismo que propongo denominar gatesismo. Así, las transacciones financieras constituyen las actividades económicas más globalizadas, gracias a la digitalización y las redes de comunicación. Para elaborar la hipótesis del gotesismo, cabe identificar y describir las formas que toma la competencia en este régimen de acumulación. Tanto el auge de las alianzas y de las fusiones como los políticos que favorecen la convergencia y la reglamentación flexible apuntan a una competencia de tipo oligopólico.

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LA BÚSQUEDA DE NUEVOS MODOS DE REGULACIÓN El Estado-Providencia no ha desaparecido totalmente del mundo. Sin embargo, en los países donde se mantiene, ha sufrido transformaciones importantes. Con importantes déficit y una deuda acumulada que alcanza en muchos casos proporciones inquietantes, los Estados también racionalizaron sus gatos: privatizaciones, reducciones de servicios, programas y personal, etc. Pese a que todos los gobiernos no comporten la misma ideología, todos adaptan medidas que intentan limitar los gastos y las intervenciones del Estado y confían más en el mercado y la sociedad civil para asegurar la regulación social. La internacionalización y la interdependencia creciente que resulta de ello muestran los límites de los Estados-Nación. Las políticas y las reglamentaciones deben ajustarse más y más las unas a las otras. Los gobiernos, que se alejan demasiado de las tendencias generales no tardan en sufrir las consecuencias y deben realinearse tarde o temprano. Aquí, todavía, la noción de SI tiene poca utilidad para comprender lo que está pasando. La evocación de la aldea global, de las posibilidades de interconexión rápida entre todos los puntos del planeta y las virtudes de la democracia electrónica no proporciona mucha luz sobre los procesos reales de regulación social que están definiéndose. ¿Cómo, para mencionar únicamente este problema, la SI asegurará la integración de los individuos, los grupos étnicos y las diversas culturas? En una época en que los mecanismos tradicionales de integración no funcionan en la mayoría de los países del globo y donde a veces se manifiestan con violencia los conflictos de todo orden, una visión global de la sociedad no puede hacer abstracción de estos asuntos. Desde hace algunos años, al tiempo que se privatiza y desreglamenta el campo de las comunicaciones, vemos dibujarse una estrategia de alianzas internacionales entre los actores más importantes de las diferentes líneas 6: telefonía, distribución vía cable, productores y editores de contenidos, operadores de satélite, fabricantes de programas, programadores generalistas o especializados, etc. Estas alianzas permiten a los grandes operadores no descuidar ningún sector potencial de desarrollo y asegurarse una penetración diversificada, al tiempo que comportan riesgos.

6. Ver em particular Juan Carlos de Miguel (1993). Los grupos multimedia, estructura y estrategias en los medios europeos. Barcelona, Bosch Comunicación.

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Son estos pocos grandes grupos o consorcios los que van a compartir la mayor parte de los mercados nacionales desreglamentados y abiertos a la competencia. Recelosos de la protección de sus intereses, ejercen una gran influencia de las reglas del juego para hacer saltar las “barreras” – las del servicio público, la propiedad nacional de los medios, las cuotas de contenidos, etc. – que contrarrestan su acceso a los mercados y el desarrollo de sus actividades. El funcionamiento de la democracia exige que se preserve una verdadera diversidad de fuentes de información. Existe un particular peligro para aquellas pequeñas naciones que no pueden fomentar la constitución de grupos de tamaño suficiente para competir a nivel internacional sin tener que reducir trágicamente el número de medios independientes en su entorno. El problema no es nuevo pero surge de modo agudo en la actualidad, particularmente en Canadá donde la concentración de los medios ha logrado niveles inquietantes. El servicio público retrocede y el Estado-Providencia ha abandonado muchas de sus ambiciones. Mientras, se buscan nuevos mecanismos de regulación. Si bien no es posible, por el momento, identificar el modelo de reemplazo, pueden destacarse algunas tendencias: La primera está relacionada con el aumento de acuerdos regionales e internacionales de libre comercio que abarcan más y más sectores de actividades. Estos acuerdos definen pautas a las cuales los estados participantes aceptan ligarse. En ciertos casos, como en el Tratado de Libre Comercio en América del Norte (NAETA) y como se intentó hacer en el Acuerdo Multilateral sobre Inversiones (AMI), las empresas pueden quejarse directamente ante los gobiernos extranjeros de sus comportamientos y llevarlos ante los tribunales. El resultado de algunos pleitos pendientes es esperado con ansiedad. La segunda tendencia radica, me parece, en la popularidad desde el principio de los años 90 de los partnerships, distintos tipos de colaboración entre el sector privado y el gobierno con, a veces, la participación de sindicatos y sectores de la comunidad. La multiplicación de las cumbres, a nivel nacional e internacional, puede interpretarse como una forma de participación en la misma búsqueda de contratos sociales. Por un lado, los acuerdos definen el marco y los pautas de la competencia a nivel supranacional. Por otro, mediante los partnerships, los actores privados y públicos establecen estrategias y firman contratos particulares para protegerse de la competencia y sacar los beneficios mayores posibles de la apertura de los mercados.

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Los excluidos de estas formas de regulación son tanto los representantes elegidos (diputados de parlamentos, congresos y asambleas nacionales) como varios sectores de la sociedad civil. Sin embargo, desde hace unos años, éstas se están organizando en movimientos y cumbres paralelos – como la de Porto Alegre – donde se manifiesta la voluntad para definir otras prioridades sociales, adaptar otros modelos de regulación y construir otro tipo de mundialización. Referências Bibliográficas BLANE, E. y otros. Sizing intercompany Commerce, Forrester Research, 1997. BOYER, R. La théorie de la regulation: une analyse critique. Paris, La Decouvert, 1987. CASTELL, M. La socièté en réseaux. L´ére de l´information I. Paris, Fayard, 1998 (nouvelle édition en 2001). CASTELL, M. Fin de millénaire. L´ére de l´nformation III. Paris, Fayard, 1999. CEFRIO, BSQ y RISQ. Énquéte sur lóccès et l´utilisation d´Internet ou Québec. www.risq.qc.ca/ enquete, 1998. CLAVEAU, G. HOOVER, S. y de DE TONNANCOUR, S. Analyse statisque des technologies de l´information et des communications, 1990-1997, Industrie Canada, Ottawa, 1999. GARNHAM, N. Information Society Theory as Ideology: a critique, en TREMBLAY G. y B. MIEGE (directores) “Théories de la communication”, número temático de la revista Loisir et Société, vol. 21, num. 1. Québec, Presses de l´Université du Quebec, 1998. GATES, B. The Rood Ahead. New York, Viking, 1995 (en francés: La route du futur. Paris, Robert Laffont, 1995). GLADIEUX, L. E. y SWAIL, W. S. The virtual university and Educational Opportunity, Washington, D. C., The College Board, 1999. HENRY, D. y otros. The Emerging Digital Economy II. U. S. Department of commerce, Washington, 1999. www. ecommerce.gov. ITM SOLUTIONS. International Internet Statistic, 1999. www.lslink.com/Usage_Stats. html. LACROIX, J. G. y G. TREMBLAY. The information society and the cultural industries theory, Current Sociology. Trend Report. Londres, Sage Publications, Vol. 45, núm. 4, 1997. LACROIX, J-G. A. LEFEBVRE, B. MIEGE, P. MLEGLIN y G. TREMBLAY (1997). Industries culturelles et informatisation sociale. Nouvelles perspectives de recherche. Sciences de la societé. Toulouse, num. 40, págs. 3-9. LACROIX, J-G. y G. TEMBLAY (directores). Les autoroutes de l´nformatión: un produit de la convergence. Saint-Foy, Presses de l´Université du Québec, 1995.

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Gaëtan Tremblay é professor do Departamento de Comunicação da Université du Québec à Montreal. É diretor do GRICIS Interdisciplinary Research Group on Communication, Information and Society, cujos focos de pesquisa englobam os papéis da informação e da comunicação na dinâmica da sociedade contemporânea. Publicou vários livros, dentre eles Industries culturelles et dialogue des civilisations dans lês amériques (2003).

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UMA INFORMÁTICA COMUNITÁRIA PARA A SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO William McIver, Jr.

RESUMO A Informática Comunitária é um campo emergente, interdisciplinar, relativo ao desenvolvimento e gerenciamento de sistemas de informação concebidos com e por comunidades para resolver os seus problemas. Dos pontos de vista acadêmico e de concepção de políticas, a Informática Comunitária está atualmente preocupada com o desenvolvimento de uma teoria e metodologia coerentes, a partir de projetos históricos que já se tornaram significativos, e com os crescentes esforços para usar as tecnologias de informação e comunicação para resolver problemas críticos para a vida dessas comunidades. Informática Comunitária pode ser considerada análoga à já estabelecida disciplina de Sistemas de Informações Gerenciais (SIG), em que a primeira é adaptada para os requisitos específicos das comunidades e os problemas críticos que eles apresentam para os desenvolvedores de sistemas de informação. Esses requisitos e problemas são significativamente diferentes daqueles enfrentados pelos SIG, portanto, garantindo-se foco disciplinar único.

MCIVER, JR., W. Uma informática comunitária para a Sociedade da Informação. In MARQUES DE MELO, J.; SATHLER, L. Direitos à Comunicação na Sociedade da Informação. São Bernardo do Campo, SP: Umesp, 2005.


DIREITOS À COMUNICAÇÃO NA SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO

Os objetivos desse artigo são: • Mostrar a necessidade da Informática Comunitária no contexto da Conferência Mundial sobre a Sociedade da Informação (WSIS – World Summit on the Information Society); • Traçar um panorama das questões conceituais e metodológicas; e, • Propor os parâmetros de uma Informática Comunitária que sejam suficientes para tratar das metas de desenvolvimento recentemente estabelecidas pelas iniciativas da ONU, incluindo a “Declaração do Milênio” e a Força Tarefa das Tecnologias de Informação e Comunicação (ICT Task Force), e, em particular, a WSIS. Muitos dos conceitos e questões discutidas aqui são os resultados de pesquisa e prática nos países mais ricos. Apesar disso, o artigo reflete esforço para ligar a Informática Comunitária às realidades das comunidades nos países empobrecidos1, bem como às comunidades em desvantagem nos países altamente desenvolvidos. Também são feitas sugestões para novas áreas de pesquisa. Um conjunto de recursos relacionados é listado no anexo ao artigo. A BASE DA INFORMÁTICA COMUNITÁRIA Que sistemas tecnológicos não são neutros quanto a valores nem infalíveis não se discute mais. O que ainda está em questão é a falácia de que algumas Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) são solução a priori para problemas sociais. Apesar disso, as discussões recentes sobre políticas de alto nível concernentes à introdução das TIC na sociedade ainda não reconheceram esse fato claramente. Soluções tecnocêntricas têm sido empurradas, sem análise crítica do potencial e dos impactos das tecnologias e sem conhecimento apropriado dos processos históricos, responsáveis pelas desigualdades econômicas e sociais para as quais as TIC são propostas como soluções. Isso, para não mencionar a “tecnofilia” e o “ciber-fetichismo” que parecem ser crescentes no discurso popular. 1. Nota dos organizadores (N.O.) A partir daqui fica mantida a designação do autor para Países Desenvolvidos e Países em Desenvolvimento. Vale ressaltar que o conceito de Desenvolvimento deve ser compreendido em termos de sua totalidade, ou seja, incluir aspectos econômicos, sociais e ambientais. Também é preciso distinguir entre pobre e ter se tornado empobrecido por políticas e práticas exploratórias de dominação, que estabeleceram condições de reprodução social difíceis de serem desarraigadas (ver DOWBOR, Ladislau; KILSZTAJN, Samuel – Orgs.. Economia social no Brasil. São Paulo: Editora Senac, 2001).

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A Informática Comunitária é um reconhecimento do caráter não-neutro e falível das TIC. É um reconhecimento de que a idéia de soluções puramente técnicas para problemas sociais é uma falácia e, mais, que a busca de soluções técnicas precisa necessariamente passar a ser um processo com enfoque social. Mumford (1934), em seu livro seminal “Técnicas e Civilização”, mostrou que a tecnologia é a técnica baseada em interações entre pessoas e ambiente, e entre pensamento e criação, de forma a alcançar um objetivo específico. É claro que essas interações nem sempre têm sido positivas. Para que essas interações beneficiem pessoas ou comunidades que serão impactadas pelos artefatos resultantes, o processo de projeto precisa ser participativo. Kristen Nygaard foi um cientista da computação pioneiro na prática de projetos participativos nos anos 1960, quando os trabalhadores levantaram questões sobre o potencial de que as TIC introduzidas em suas fábricas eliminariam seus empregos. Uma vez que novos sistemas invariavelmente introduzem mudanças não previstas nas organizações, geralmente com conseqüências negativas, Nygaard buscou o envolvimento dos usuários a partir do ciclo de vida de um sistema (sua concepção e operação). Ele também mostrou que as TIC deveriam ser vistas apenas como parte de um sistema maior, com as pessoas sendo os principais componentes dos sistemas (Hausen and Mollerburg, 1981). Os insights de Nygaard vieram a ser apoiados por outro pesquisador, Benjamin (1999), no contexto da África do Sul pós-apartheid, que mostrou como os projetos de informática baseados na comunidade tinham falhado, devido à utilização de abordagens não-participativas. Participação é condição necessária, mas não suficiente, para que a Informática Comunitária seja efetiva. Entre as grandes ameaças das novas tecnologias está o potencial que elas têm para expandir e perpetuar as relações de poder existentes e as iniqüidades, bem como permitir novas formas de repressão pelo Estado. Como instrumento para fortalecer as comunidades para responder e evitar essas ameaças, a Informática Comunitária precisa facilitar um processo completamente democrático. Isso é, ela precisa ser mais do que uma democracia política embutida numa abordagem participativa. A Informática Comunitária precisa permitir que as pessoas compartilhem o controle da tomada de decisão sobre o ambiente socioeconômico e outras questões concernentes aos projetos baseados em TIC. Mais fundamentalmente, a Informática Comunitária precisa fortalecer as comunidades que contemplam soluções baseadas em TIC, no sentido de que possam desenvolver suas próprias forças produtivas dentro da Sociedade da Infor-

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mação, de modo que eles possam controlar os modos de produção que evoluem com ela, portanto, ter a possibilidade de se prevenir e responder às suas ameaças. O movimento de open source e software livre, como meios de produção, são exemplos ímpares dos elementos necessários para uma Informática Comunitária, que permitem que as comunidades desenvolvam suas próprias forças produtivas. Finalmente, uma abordagem participativa precisa também responder à diversidade de usuários e necessidades que existe entre as comunidades. As comunidades usuárias não podem ser vistas como homogêneas. Esse princípio está embutido na abordagem universal da concepção, discutida mais adiante neste capítulo. Enquanto esse artigo enfatiza questões metodológicas dentro da Informática Comunitária, as referências à concepção, desenvolvimento e análise na discussão seguinte devem ser entendidas como fundamentadas na perspectiva participativa e democrática formulada acima. O IMPACTO POTENCIAL DAS TIC E O PAPEL DA INFORMÁTICA COMUNITÁRIA Dadas as ameaças potencialmente sérias que as TIC colocam às comunidades, seus benefícios precisam ser constantemente desafiados e balanceados cuidadosamente em relação aos riscos. Um insight crítico aqui é levantar as razões que levam a considerar as abordagens baseadas em TIC nas comunidades, entendendo que os relacionamentos entre tecnologia e sociedade não são lineares. Geralmente um jogo cíclico e dialético é possível. Por exemplo, enquanto as TIC têm o potencial de fortalecer relações injustas de poder, elas podem algumas vezes oferecer a entidades da Sociedade Civil mais flexibilidade para responder a essas questões. Os benefícios potenciais das TIC podem ser vistos num nível básico dentro das respostas das comunidades aos problemas econômicos e sociais. A pesquisa na area de comunicação tem demonstrado que as pessoas em comunidades marginalizadas social e economicamente gastam grande quantidade de tempo e dinheiro buscando e gerenciando informação relativa à sua sobrevivência e segurança. Informação e a habilidade de comunicá-la, recebê-la e repartí-la, são condições necessárias (mas não suficientes) para que as comunidades possam se desenvolver e seus habitantes prosperar. Concebidas apropriadamente, as TIC podem preencher tais necessidades. Pesquisas têm também demonstrado que pessoas margina-

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lizadas econômica e socialmente gastam grande quantidade de energia lidando com questões concernentes ao tempo e a distância. Trabalhos recentes na área de Governança do Estado, com informações mediadas por computador (Digital Government), por exemplo, revelaram a falta de pontos de acesso apropriados para a integração dos sistemas de informação do governo dos EUA, o que impede o fornecimento de serviços sociais, forçando os indivíduos, geralmente os mais pobres, a viajar longas distâncias entre os escritórios (Bouguettaya et al. 2001; 2002). As TIC, nesse contexto, oferecem a possibilidade de introduzir mais flexibilidade nas vidas das pessoas em termo de espaço e tempo. As vantagens específicas das TIC são discutidas em seguida. OS IMPACTOS POTENCIAIS DAS TIC NOS PAÍSES MENOS DESENVOLVIDOS E NAS COMUNIDADES EM DESENVOLVIMENTO A Declaração do Milênio das Nações Unidas (DMNU, 2000) contém uma série de objetivos para a melhoria da sociedade humana até 2020. Os objetivos podem ser categorizados nas areas de erradicação da pobreza e da fome; educação e alfabetização universais; reversão do crescimento das principais doenças e melhoria do cuidado com a saúde; sustentabilidade do meio-ambiente e igualdade entre os gêneros. Ao examinar os impactos potenciais específicos das TIC para tratar da pobreza no mundo em desenvolvimento, Accascina (2000) defendeu uma definição mais ampla de pobreza, que inclua a pobreza informacional. A Informática Comunitária, nessa perspectiva, seria concernente a facilitar o acesso à informação, independente de tecnologias específicas. Accascina fornece uma taxonomia útil para se enxergar os impactos potenciais das intervenções tecnológicas. Os impactos são considerados, junto com as dimensões geográficas e do tipo de benefício que poderia advir para as comunidades em desenvolvimento e, conseqüentemente, para os indivíduos que moram nelas. Os impactos potenciais nos indivíduos mais pobres e nas comunidades são vistos como originários de iniciativas locais, regionais, nacionais ou globais. Para cada um, os impactos podem ser tanto diretos quanto indiretos. Exemplos, inclusive os citados por Gurstein (2000) e Finquelievich (1999), no contexto de comunidades rurais e organizações sem fins lucrativos, tanto em países desenvolvidos como em países em desenvolvimento, são mostrados na Tabela 1.

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TABELA 1: BENEFÍCIOS POTENCIAIS DAS INTERVENÇÕES DE TIC PARA AS COMUNIDADES

Âmbito Geográfico

Benefícios Diretos Potenciais

Benefícios Indiretos Potenciais

Local ou Regional

• Acesso à informação sobre o mercado local ou regional pelos pequenos produtores • Acesso à informação sobre serviços sociais e de saúde • Facilitação de transações entre consumidores, e entre comunidades e consumidores (por exemplo, o turismo) • Melhoria em relação ao espaço e ao tempo para o trabalho das Organizações da Sociedade Civil (OSCs) • Acesso à informação sobre questões legais e políticas • Acesso à informação sobre empregos. • Facilitação de transações entre empresas

• Empregos no setor das TIC ou empregos requerendo habilidades em TIC aos membros das famílias • Melhor distribuição dos recursos humanos, em resposta à problemas da comunidade

• participação em sistemas baseados em TIC (por exemplo, comércio) • Acesso a serviços fornecidos por OSCs internacionais

• Melhoria geral nos índices de Desenvolvimento Humano e nos índices de pobreza

Nacional

Global

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• Melhoria geral nos indices de Desenvolvimento Humano e nos índices de pobreza


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Assim, uma Informática Comunitária pode potencialmente trazer contribuições em múltiplos níveis para uma sociedade e por vários relacionamentos diretos e indiretos com o desenvolvimento. Em particular, TIC desenvolvidas comunitariamente podem ser vistas como contribuindo para as seguintes áreas da Declaração de Desenvolvimento do Milênio: Erradicação da pobreza e da fome: A erradicação da pobreza e da fome pode ser parcialmente tratada pela melhoria do acesso à informação, que impacta a produção de alimentos ou outros setores das economias locais, como o turismo. A capacitação em habilidades relacionadas às TIC pode preparar as pessoas para ocuparem empregos com melhores remunerações em seus países. Educação e Alfabetização: A suplementação ou melhoria da educação básica também pode ser facilitada com a implementação de soluções baseadas em TIC. Esse é claramente o caso para sociedades cujas necessidades educacionais já são insuficientes em relação aos objetivos propostos pela DMNU ou para aquelas cujas forças de trabalhadores adultos foram devastadas por graves epidemias, como a do HIV/AIDS. Embora não seja pedagogicamente ideal, o ensino pode ser expandido “virtualmente” pelo uso das diferentes formas de educação a distância. As TIC fornecem vários meios pelos quais o conteúdo educacional pode ser capturado, armazenado e gerenciado para o uso dessas localidades. Os recursos didático-pedagógicos podem ser desenvolvidos ao vivo ou já gravados. Especialistas também podem ser compartilhados, oferecendo cursos ao longo de áreas com grandes distâncias geográficas. O analfabetismo é outro fator importante para a DMNU, bem como o Desenvolvimento Humano em geral, que pode potencialmente ser abordado por meio da aplicação de TIC avançadas. A alfabetização dos adultos permanece abaixo dos 60% em muitos países do mundo, com taxas inferiores a 50% nos países menos desenvolvidos (DMNU, 2002). Tanto o áudio quanto o vídeo podem ser agora utilizados em plataformas computacionais relativamente baratas. Elas podem oferecer meios alternativos para entregar informação que, de outra forma, seria inacessível aos adultos analfabetos. Adicionalmente, o uso simultâneo do áudio e do vídeo-texto poderia ser explorado para reduzir a taxa de analfabetismo funcional entre os adultos. Isso já vem sendo explorado no contexto de interfaces icônicas entre computadores e homens (Noronha, s/d.).

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Reversão das doenças endêmicas e melhoria do cuidado com a saúde: O fornecimento de informação crítica para a vida e a saúde também pode ser muito facilitado por meio de soluções de TIC (Discroll, 2001). A falta de acesso à informação e à comunicação tem sido identificada como fator crítico na crise da saúde pública ao redor do mundo (Garret, 2000). Garret sugere que fornecer aos cidadãos dos países em desenvolvimento pontos comunitários de acesso à informação sobre saúde seria o passo inicial crítico para tratar da crise do cuidado com a saúde. Contudo, esses pontos de acesso deveriam suportar mais do que um fluxo unidirecional de informação (por exemplo do especialista para a comunidade e o paciente). As comunidades precisam ter a permissão de participar na seleção e criação de fluxos de comunicação que considerem úteis e necessários para o tratamento da saúde (por exemplo, entre os profissionais de saúde locais e entre os pacientes). Exemplos dos esforços atuais nessa área incluem a disseminação de informações sobre o HIV/AIDS usando CD-ROM, disquetes e outros tipos de TIC na África, e um site na Web, mantido pelo Programa de Desenvolvimento das Nações Unidas (PDNU) sobre o HIV/AIDS no sudeste asiático (Driscoll, 2001). Questões ambientais: o fornecimento de água, a disponibilidade de ar fresco e as condições sanitárias são todos fatores que têm sido ameaçados pelas tendências e pressões trazidas pela necessidade de desenvolvimento. As TIC são vistas como parte da solução para esses problemas. Uma abordagem baseada nas TIC para melhorar as questões ambientais é o gerenciamento dos recursos naturais pela própria comunidade (Bhatt, s/d.). Como nas outras áreas, as TIC podem facilitar a melhor entrega, coordenação e análise da informação sobre questões ambientais. Um exemplo é o Sri Lanka, que dispõe do Programa de Televisão Ambiental (SLEPT), que integra televisão, vídeo e a Internet para divulgar informação aos transmissores, instituições educacionais e lares. Igualdade de gêneros: Jansen (1989) e outros têm destacado que a concepção da tecnologia e os processos usados em seu desenvolvimento geralmente refletem padrões sociais quanto às questões de gênero (ver Muller et. Al, 1997; e Sabanes Plou, neste volume). Isso infelizmente tem sido o caso em atitudes quanto ao gênero relativas às TIC avançadas e às oportunidades dadas às mulheres de aprenderem habilidades em Tecnologia da Informação em muitas partes do mundo. O potencial das TIC para essa área é menos linear do que

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para outras áreas já discutidas. A aplicação das TIC em si mesma não pode ser vista como fator que vá melhorar a questão da igualdade dos gêneros, embora argumente-se que um ciclo significativo de reforço positivo quanto à igualdade de gêneros pode ser criado em uma sociedade pela melhoria das oportunidades relacionadas às TIC para as mulheres. Pode-se argumentar ainda, nessa mesma linha, que as melhorias em outras áreas da DMNU podem ser alcançadas por meio do fornecimento de oportunidades iguais para homens e mulheres. Há muitos argumentos para apoiar esse ponto. Munya (2000) destacou que o conhecimento mais crítico, culturalmente situado, reside com as mulheres e, desta forma, a melhoria das habilidades desse gênero para continuar a trocar essa informação é parte necessária para qualquer processo de desenvolvimento que venha a ser realizado em alguma comunidade ou região. Adicionalmente, Munya destaca que todas as mulheres no mundo em desenvolvimento são geralmente essenciais para a produção agrícola, e então gastam mais de suas rendas com suas famílias do que os homens. Assim, pode ser ponderado que as mulheres têm mais probabilidade de distribuir melhor os benefícios potenciais das TIC em todas as áreas aqui discutidas. A NECESSIDADE DE UMA INFORMÁTICA DISTINTA PARA AS COMUNIDADES A pressão advinda da natureza dos problemas delineados acima urge que todas as estratégias úteis sejam utilizadas na tentativa de tentar resolvê-los, incluindo a aplicação de TIC. Pode ser argumentado que a informática tradicional nas organizações existe há muito tempo e já está pronta e disponível para guiar o desenvolvimento das TIC na direção de atender aos objetivos da DMNU e outros tipos de desenvolvimento comunitário. A informática organizacional (IO) é assumida aqui com o sentido dos desenvolvimentos tradicionais das TIC em ambientes ricos em recursos e de alta capacidade, como corporações e governos. Isso abrange a aplicação de disciplinas como análise de sistemas, software, engenharia e Sistemas de Informações Gerenciais (SIG). A necessidade de uma Informática Comunitária como distinta da informática organizacional tem sido motivada pelo reconhecimento de duas realidades. Primeiro, a informática organizacional já é conhecida por ser muito difícil, bem como pelo tamanho de suas falhas. Uma vasta maioria dos projetos para governos envolvendo TIC falha (McIver e Elmagarmid 2002). Segundo, as características das comunidades são únicas e distintas das das organizações e, desta forma, o desenvolvimento de TIC

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para comunidades garante um foco especial: Informática Comunitária (Gurstein 2000, 2002). Disciplinas como ciência da computação e matemática periodicamente listam problemas grandes e desafiadores, um conjunto de questões cujas soluções são necessárias para que se possa obter um progresso ainda maior na área e que possibilitem aplicações posteriores que tragam o avanço da sociedade. A identificação de soluções tecnicamente candidatas a alcançar os objetivos da DMNU é relativamente fácil no contexto de uma abordagem de informática organizacional. No âmbito da Informática Comunitária, contudo, o grande desafio é desenvolver soluções tecnológicas que sejam economicamente, socialmente e culturalmente apropriadas para as comunidades, bem como sustentáveis operacional e economicamente. Isso é particularmente verdade para os países em desenvolvimento, onde os recursos e o treinamento podem ser ainda mais escassos do que na maioria das comunidades. A adequação econômica, social e cultural da concepção das TIC é um grande desafio, e precisa tratar das significativas diferenças e dos déficits no conhecimento e na experiência entre as comunidades a serem beneficiadas. A análise e o desenvolvimento de sistemas são geralmente feitos de maneira superficial, mesmo nas organizações com muitos fundos e disponibilidade de recursos de alta tecnologia dos países desenvolvidos. Uma série de evidências sugere que essa realidade pode ser pior no caso das comunidades em países em desenvolvimento, caso não seja adotada uma abordagem especial. A história geral do desenvolvimento tecnológico em organizações e para o mercado consumidor é repleta de casos de fracassos. A maioria é atribuída a práticas apressadas de projeto. A análise e o projeto de sistemas, a engenharia de sofware, a engenharia de usabilidade e outras disciplinas relacionadas, que constituem a constelação das geralmente reconhecidas como melhores práticas, demandam pessoas com treinamento especial e experiência específica. As comunidades que não dispõem de acesso à educação formal apropriada ou de um sistema de conhecimento terão dificuldades para contar com essas pessoas. Com base na história do desenvolvimento das TIC em um contexto organizacional também pode ser argumentado que as comunidades não têm muita probabilidade de chegar a aplicar essas melhores práticas por sua própria conta. Assim, um treinamento especial no nível da comunidade é necessário. O processo envolvido, como tradicionalmente feito, também pode ser custoso. Conseqüentemente, as comunidades podem ter que esquecer as melhores práticas.

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Portanto, abordagens alternativas para o desenvolvimento de TIC precisam ser desenvolvidas, com enfoque na redução de custos e eficácia. As evidências sugerem que a viabilidade do projeto de tecnologia para as comunidades do mundo em desenvolvimento é muito mais sensível do que o uso das melhores práticas de projetos no geral, e a atenção às dimensões econômicas, culturais e sociais de sua adequação, em particular. Os potenciais usuários de novas tecnologias nas comunidades podem ser menos capazes de suportar os impactos econômicos e sociais de projetos com problemas, pois os custos do fracasso em projetos baseados em TIC são, na média, altos, em relação ao tamanho de uma organização. As comunidades em regiões em desenvolvimento têm menos probabilidade de lidar com tais impactos. Adicionalmente, as normas sociais e culturais sobre a adequação das várias facetas de uma dada aplicação de tecnologia pode diferir grandemente entre comunidades e, dessa forma, impactar a viabilidade de um sistema. Tais facetas podem ser concernentes à funcionalidade (ou falta dela) de um determinado sistema, aos métodos de interação requeridos para usá-lo ou às metáforas utilizadas nas interfaces do usuário. Uma razão principal para a pobreza dos projetos é a falha em envolver adequadamente a comunidade no processo de concepção. Isso é também uma falha comum em ambientes organizacionais (Landauer, 1995; Norman, 1998). Sem um treinamento apropriado, é mais provável que as comunidades também falhem se tentarem empregar processos de projeto centrados no usuário. Finalmente, pesquisas sugerem que o nível geral de alfabetização técnica dos usuários dos sistemas pode ter impacto significativo na percepção de sua usabilidade, sendo os especialistas menos sensíveis a problemas com projeto. Isso sugere que as comunidades no mundo em desenvolvimento, cujos cidadãos provavelmente têm nível menor de alfabetização técnica ou experiência com sistemas, podem ter tolerância ainda menor para projetos ruins do que nos países desenvolvidos, o que pode fazer com que a necessidade de uma Informática Comunitária prática e efetiva no mundo em desenvolvimento seja crítica. São necessárias mais pesquisas e mais experiências práticas para melhor compreensão das necessidades das comunidades dos países em desenvolvimento, em respeito a todos os fatores discutidos. Contudo, está claro, com base nas experiências no âmbito mais geral do desenvolvimento das TIC, que os países em desenvolvimento precisam de métodos de análise de sistemas e design que sejam customizados especificamente às suas limitações econômicas, sua experiência e suas necessidades de treinamento.

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A sustentabilidade operacional e econômica do projeto das TIC é um fator de grande desafio, uma vez que elas precisam lidar com déficits significativos de investimento de capital, infra-estrutura e experiência. Os recursos econômicos de uma comunidade vão geralmente impedir que sejam desenvolvidas soluções individualizadas, o que geralmente é a norma nas nações desenvolvidas, tais como acesso à Internet em domicílios. Ao contrário, devem ser buscadas abordagens baseadas em grupos. Adicionalmente, a grande distância para algumas comunidades vai impedir modalidades de comunicação, como a banda larga. Mas, novas abordagens utilizando acesso sem fio (wireless), telefonia celular, rádio, satélites ou televisões de baixa potência serão necessárias. Em geral, a Informática Comunitária precisa estar aberta a utilizar abordagens alternativas em seu projeto e nas suas tecnologias. Isso inclui o uso de padrões abertos de hardware e fontes abertas de software, a apropriação criativa e a adaptação das tecnologias e infra-estrutura existentes, e o uso de TIC tradicionais (como impressoras e rádio). Adicionalmente, o uso de tecnologias abertas, em oposição às opções comerciais fechadas, requer pessoas na comunidade que tenham conhecimento suficiente para desenvolver, operar e manter sistemas. Isso é um desafio adicional para as comunidades em desenvolvimento, onde esse conhecimento pode ser difícil de encontrar, ou caro. Uma Informática Comunitária precisa, dessa forma, estabelecer metodologias que fortaleçam as comunidades a construírem a capacidade e o conhecimento para sustentarem soluções tecnológicas. As comunidades que são apropriadamente envolvidas no processo de desenvolvimento e sustentação de seus próprios sistemas precisam também desenvolver um fundamento educacional para o seu trabalho. Em resumo, a necessidade para uma Informática Comunitária existe em total contraste com os domínios tradicionais dos SIG e das aplicações de engenharia para as quais grandes quantidades de conhecimento e melhores práticas têm sido desenvolvidas. Essas práticas geralmente assumem uma abundância de recursos e conhecimento. As características e necessidades das comunidades são significativamente diferentes daquelas dos negócios e das organizações técnicas e, assim, requerem abordagens diferentes no projeto, desenvolvimento e operação. A próxima seção desenvolve uma visão canônica de uma Informática Comunitária necessária para adequadamente tratar dos desafios discutidos acima.

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QUESTÕES CONCEITUAIS E METODOLÓGICAS NO CAMPO DA INFORMÁTICA COMUNITÁRIA A Informática Comunitária é um campo interdisciplinar concernente ao desenvolvimento e gestão de sistemas de informação, concebidos com e por comunidades para resolver os seus próprios problemas. Pode-se argumentar que há uma parte de informática social, definida por Kling (1999) como “o estudo interdisciplinar do design, usos e conseqüências das tecnologias de informação que levam em consideração sua interação com contextos institucionais e culturais”. A pesquisa sobre informática social tem tido três focos principais: • Teorias e modelos: O desenvolvimento de modelos e teorias que explicam os usos sociais e organizacionais e os impactos das TIC; • Metodologias: O desenvolvimento de metodologias que tratem dos impactos sociais do design, implementação, manutenção e uso das TIC; • Questões filosóficas e éticas: O estudo das questões filosóficas e éticas que surgem com o uso de TIC nos contextos sociais e organizacionais. Assim, a Informática Comunitária deve ser vista no contexto da informática social, como um campo disciplinar focado no desenvolvimento de tecnologias de informação para comunidades, o que leva em consideração as pesquisas da informática social, bem como dos SIG, da engenharia de software e outras áreas técnicas. Também pode ser argumentado que a definição de Informática Comunitária precisa incluir uma parte tradicional dos SIG, que concerne ao envolvimento dos interesses públicos e se os mesmos são devidamente considerados. Exemplos são os casos de investimentos em TIC com financiamento público, onde a participação democrática e a supervisão pelos cidadãos pode ajudar a reduzir as já tradicionais altas taxas de insucesso e tratar dos impactos sociais negativos. CLASSES DE SISTEMAS BASEADOS NA COMUNIDADE Um amplo espectro de tecnologias, tanto hardware quanto software, pode ser considerado para o uso em sistemas baseados na comunidade. Isso abrange tecnologias que “externalizam” Organizações da Sociedade Civil (OSCs) ou governos, permitindo que as pessoas interajam com processos internos a essas organizações e essas tecnologias possam ser usadas para melhorar os mesmos processos internos, também beneficiando as comunidades. O primeiro tipo de

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tecnologias vai ser chamado de sistemas de externalização e o segundo, de sistemas internos. Os melhores exemplos de sistemas de externalização são os sites baseados na Web que fornecem serviços governamentais, que têm sido mais proeminentes nos últimos anos no mundo desenvolvido. As tecnologias dos sistemas internos incluem novas aplicações de técnicas de computação às comunicações, sistemas de informação geográfica (GIS – Geographic Information Systens), gerenciamento de bancos de dados e processamento de imagens, para resolver problemas críticos dentro dos governos ou OSCs. É claro que muitos sistemas de externalização empregam serviços dos sistemas internos. A arquitetura dos sistemas, em ambas as categorias, é, em muitos casos, centradas nos mesmos bancos de dados. A visão dominante dos sistemas de externalização para a maioria das organizações se tornou, como muitas outras áreas do setor de tecnologias da informação, centradas na Web. O serviço comercial da Web claramente aumentou as expectativas dos cidadãos com relação à qualidade do serviço oferecida pela área não-comercial da Web (Cook, 2000). Esses sistemas podem ser geralmente caracterizados ao longo de duas dimensões: o relacionamento arquitetural que eles têm com seus clientes e o tipo de serviço que eles são capazes de fornecer. As arquiteturas incluem intranets, para apoiar os processos intra-organizacionais; redes públicas de acesso, para facilitar as interações entre organizações e cidadãos; e extranets, para apoiar as interações entre as organizações (por exemplo, governo-negócios, governo-OSCs, OSCs-OSCs). Quatro tipos básicos de arquitetura para a Web são encontrados entre os atuais sistemas de externalização, cada qual correspondendo a um nível de serviço (McIver e Elmagarmid 2002). • Nível 1: Esses serviços fornecem comunicação unidirecional, apresentando informações sobre uma determinada agência ou aspecto de uma organização; • Nível 2: Esses serviços disponibilizam uma comunicação bi-direcional simples, usualmente para formas mais simplificadas de coleta de dados, tais como registro de comentários ou solicitações para uma organização; • Nível 3: Esses serviços ampliam os serviços oferecidos no nível 2 e disponibilizam a capacidade de efetuar transações complexas que podem envolver fluxos de trabalhos intra-organizacionais e procedimentos contratuais. Exemplos incluem os sistemas de votação eletrônica e o registro de veículos, e sistemas de corretagem envolvendo terceiros (ver Gurstein, 2000); e, • Nível 4: Esses serviços são caracterizados pela emergência de portais que buscam integrar uma vasta diversidade de serviços ao longo de setores

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inteiros, organismos regionais ou organizações dispersas geograficamente. O portal eCitizen, desenvolvido pelo governo de Singapura, é um bom exemplo desse tipo de sistema. Um vasto espectro de tecnologias pode ser considerado dentro da categoria dos sistemas internos, incluindo aquelas que desempenham tarefas comuns às grandes organizações, como gestão financeira, processamento de documentos e comunicações (e-mail, por exemplo). O desenvolvimento de novos sistemas que poderiam beneficiar as comunidades pode ser abrangido, de forma genérica, por duas categorias: • Sistemas integrativos e comunicativos: Fornecem apoio para a integração interorganizacional e para a cooperação. Esse tipo de sistema pode ampliar o compartilhamento de dados e a coordenação dos processos entre as organizações. • Processamento específico e sistemas de gestão do conhecimento: Fornecem apoio para o processamento e interpretação dos dados dentro de ontologias que são únicas para cada organização, comunidade ou governo. Incluem o processamento de estatísticas agrícolas, gestão dos investimentos comunitários, coordenação das políticas de serviço social (que são regras) e dados, além de gestão de imagens geográficas por parte do governo e pesquisas geológicas locais. QUESTÕES PRINCIPAIS PARA A INFORMÁTICA COMUNITÁRIA Como discutido acima, a Informática Comunitária pode ser considerada como análoga aos SIG. Seguem-se algumas das principais questões que ela precisa tratar, de forma independente dos SIG. Priorização dos requisitos sociais: A Informática Comunitária difere dos SIG por precisar, no interesse dos objetivos sociais e culturais, estar aberta a soluções criativas para as comunidades, que podem estar fora da ortodoxia tradicional dos SIG e das análises de custo-benefício. Acesso, projeto universal e design participativo: A Informática Comunitária precisa ter um compromisso, como um princípio essencial, e até mesmo ser regulamentada pela lei em alguns países, com o desenvolvimento de TIC voltado para as comunidades, de forma que a vasta maioria dos cidadãos possa desfrutar de seus benefícios, particularmente aqueles com desvantagens (Glinert e York, 1992). O conceito de projeto universal evoluiu do objetivo de que os sistemas de concepção estivessem disponíveis para as pessoas com

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desvantagens. Foi reconhecido, contudo, que o sistema de projeto universal beneficia todas as pessoas, não apenas aqueles com alguma incapacidade. Os princípios gerais para o projeto universal têm sido desenvolvidos por algumas organizações. Os princípios de projeto universal também têm sido desenvolvidos em alguns domínios específicos de engenharia de software e aplicações para a Web (W3C, 2001). Finalmente, o projeto universal precisa levar em consideração a alfabetização e as barreiras lingüísticas. Geografias sociotécnicas: As comunidades estão situadas geograficamente e, assim, geralmente há questões e componentes geográficos em seus problemas. Por exemplo, comunidades rurais ao longo do mundo têm historicamente enfrentado o problema de barreiras maiores ao acesso à infra-estrutura necessária para o uso das TIC, incluindo eletricidade e telefonia. Limitações do ciclo de vida da tecnologia: As comunidades também enfrentam estreitos limites financeiros, mais do que as empresas e os governos, ao tentarem resolver seus problemas com TIC, em termos de custos de implementação e manutenção no longo prazo. A busca de soluções baseadas em TIC precisa, dessa forma, incluir considerações quanto à soluções de baixo custo, domínio público e de fonte aberta. O processo de desenvolvimento precisa também incluir o treinamento de membros da comunidade e o desenvolvimento de capacidade local para participar no processo de design e fornecer suporte técnico constante para os próprios sistemas. O desenvolvimento de tecnologia para comunidades sem a devida consideração para as suas especificidades, citadas acima, têm geralmente levado a conseqüências desastrosas (Rudolph, 2002; Margonelli, 2002). A Informática Comunitária como uma disciplina, dessa forma, precisa desenvolver um corpo de teorias e métodos para tratar das questões levantadas acima. Cada uma dessas áreas é examinada com mais detalhes a seguir PRIORIZANDO OS REQUISITOS SOCIAIS Em projetos de TIC baseados na comunidade, as questões sociais e culturais têm mais prioridade do que elas normalmente encontram na informática organizacional. No interesse dos objetivos sociais e culturais, dessa forma, a Informática Comunitária precisa ser mais aberta a soluções criativas para as comunidades. Possíveis soluções precisam ser consideradas para as comunidades, mesmo que estejam fora da ortodoxia tradicional das análises de custo-benefício, ainda que não atendam aos requisitos de um ambiente organizacional ou às expectativas de um contexto de consumidores (por exemplo, acesso individual à Internet).

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Um exemplo comumente citado aqui é o argumento sobre o hiato digital e as estratégias para enfrentá-lo, sendo que faz pouco sentido priorizar a introdução de TIC avançadas em países em desenvolvimento enquanto ainda permanecem grandes déficits em outros elementos componentes do Índice de Desenvolvimento Humano2. Em particular, pode ser argumentado que não é razoável implementar acesso individual à Internet em uma sociedade onde as taxas de alfabetização ainda são baixas, e a saúde pública e outros serviços estão em falta. Nesse contexto, TIC avançadas, tais como a Internet, precisam ser consideradas apenas como “possíveis candidatas à soluções”, durante a fase de análise de sistemas, dentro de uma abordagem da Informática Comunitária. Elas precisam também ser vistas apenas como potenciais componentes de soluções mais amplas para o problema, quando outros fatores não técnicos e sociais desempenham papel mais crucial. A preocupação maior, então, deve ser a seleção de tecnologias adequadas para uma determinada comunidade, considerados os seus elementos sociais, culturais, econômicos e a sustentabilidade do investimento em tecnologia. Para se chegar a esse ponto, é necessário estar aberto a todo o amplo espectro de modalidades de comunicação e de tecnologias, incluindo tecnologias analógicas de transmissão, métodos de comunicação interpessoal e mecanismos institucionais, como bibliotecas. O que também precisa ser percebido, quando se pensa na priorização dos requisitos sociais, é que a maioria das tecnologias de telecomunicações podem ser desenvolvidas com gradações apropriadas às necessidades e recursos de uma comunidade. Isto é, um número de TIC avançadas pode ser desenvolvido dentro de uma abrangência de escopo de acesso, do nível do acesso da comunidade ao nível do acesso individual. Essa perspectiva afasta a Informática Comunitária da organizacional e da abordagem a consumidores que muitas aplicações no mundo desenvolvido usam, onde as expectativas são mais orientadas para o acesso individual.

2. (N.O.) IDH – Índice de Desenvolvimento Humano, pesquisado e divulgado anualmente pelo PNUD – Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, em seu Relatório de Desenvolvimento Humano (RDH). O índice marcou a história ao mesclar três componentes distintos das métricas econômicas isoladas: indicadores de longevidade, educação e rendimento per capita. A riqueza das informações adicionais encontradas no RDH, somada à proposta ideológica da pesquisa, torna a discussão do IDH fundamental, ainda que alguns críticos considerem que o Índice careça de uma abrangência metodológica mais ampla, que abarque outras dimensões do Desenvolvimento Humano.

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ACESSO, PROJETO UNIVERSAL E PROJETO PARTICIPATIVO Uma abordagem de Informática Comunitária precisa assegurar que o mais amplo escopo possível de pessoas seja capaz de desfrutar dos benefícios das TIC. Há uma preocupação particular com as pessoas em desvantagens e aquelas que têm barreiras lingüísticas e de alfabetização para acessar a informação. O conceito de acessibilidade abrange não apenas as interações entre pessoas e TIC necessárias para conduzir transações, mas também fatores que limitam as interações físicas dos cidadãos com as organizações e outros indivíduos. Barreiras à interação física incluem tanto as situações de pessoas com desvantagens quanto incapacidades, problemas geográficos e de tempo, independente de desvantagens que impedem as pessoas de irem até as localidades que têm serviços de informação baseados na comunidade. A integração de telecomunicações e computação tem, é claro, servido para a redução dessas barreiras de distância e tempo, apesar de ainda restarem muitas questões concernentes à infra-estrutura. O Trace Center for Research and Design da Universidade de Wisconsin, EUA, identificou quatro categorias principais de incapacidades ou desvantagens: • Prejuízos visuais: Variam desde visão baixa até a cegueira. Algumas pessoas com prejuízos visuais podem ser capazes de enxergar luzes, embora não tenham a capacidade de discernir formas, a visão de algumas pessoas é embaçada. Outras não conseguem diferenciar entre certas cores e outras não podem ver qualquer vestígio de luz; • Prejuízos auditivos: Variam de problemas parciais até a surdez completa; • Prejuízos físicos: Dois grandes tipos de prejuízos físicos são os esqueléticos e neuromusculares. Aqueles com problemas esqueléticos podem ter um escopo limitado de movimentos para certas articulações ou podem ter membros pequenos ou perdidos. Aqueles com problemas neuromusculares podem ter paralisia em algumas partes do corpo ou mesmo no corpo todo, ou ainda podem ter pouco controle neuromuscular; • Prejuízos cognitivos/de linguagem: Prejuízos cognitivos ou de linguagem podem incluir problemas com a memória, percepção, resolução de problemas, conceitualização, compreensão e expressão de linguagem. Geralmente as pessoas têm múltiplas desvantagens. Responder a todos esses tipos de incapacidades pode ser criticamente importante em áreas do mundo onde as pessoas tenham sofrido as agruras de uma guerra.

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As TIC são a base para uma grande variedade de soluções que acomodam as pessoas com necessidades especiais. As soluções incluem reconhecimento de voz e de textos, dispositivos para ampliar o tamanho das letras em textos em sistemas operacionais de computadores e softwares, controles ativados por voz para aplicações de computadores, dispositivos de telecomunicações para surdos (TDD), close caption para dados em vídeo e Braille baseado em computador para os cegos. Abordagens para acomodar os tipos específicos de desvantagens (ou combinações dos mesmos) não são sempre óbvias e, dessa forma, merecem a atenção de especialistas. Por exemplo, muitas pessoas com problemas de audição nos Estados Unidos usam a linguagem de sinais americana (ASL) para se comunicar. Não se pode assumir, contudo, que os falantes de ASL entendam o inglês, uma vez que é uma língua completamente diferente do que o ASL. O conceito de projeto universal evoluiu do objetivo de conceber sistemas que pudessem acomodar as pessoas com algum tipo de desvantagem. O objetivo de um projeto universal é desenvolver sistemas que possam ser usados pela vasta maioria das pessoas com necessidades especiais, sem muitas modificações no design. Os princípios gerais do design universal têm sido desenvolvidos por uma série de organizações. Os princípios de projeto universal também têm sido desenvolvidos para o domínio específico de aplicações para a Web e para engenharia de software (W3C, 2001). A acessibilidade de sites da Web será discutida mais avante, nesta seção. Dois pontos precisam ser destacados na motivação do uso do projeto universal. Primeiro, é crítico que os princípios de projeto universal sejam aplicados desde o nascimento de um projeto. As questões de acessibilidade podem ser mais úteis quando elas são feitas como partes integrais do design. Também é usualmente mais efetivo em termos de custo incluir a acessibilidade em um projeto desde o seu início do que retornar quando se tem um sistema completo. Segundo, os benefícios do projeto universal alcançam todas as pessoas, não somente aquelas em situação de desvantagem. As técnicas desenvolvidas para fornecer àqueles que têm algum tipo de prejuízo acesso aos sistemas são geralmente também úteis para outras pessoas. Por exemplo, ferramentas de leitura automática de textos se revelaram úteis para aplicações que necessitam das mãos livres, tais como capturar mensagens de e-mail enquanto se fazem outras atividades. Os sistemas de close caption se mostraram úteis não somente para as

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pessoas com problemas auditivos, mas também para pessoas que escutam bem, trabalhando em ambientes muito ruidosos. O Instituto Nacional de Pesquisas sobre Incapacidades e Reabilitação (National Institute on Disability and Reabilitation Research) dos EUA, segundo Connell (1997) desenvolveu os seguintes princípios para o projeto universal: • Os sistemas devem acomodar um amplo espectro de usuários, com suas habilidades e preferências; • Deve ser fácil adaptar os sistemas para um espectro mais amplo de usuários com suas preferências e habilidades; • As interfaces do sistema devem ser intuitivas e simples de usar; • Os sistemas devem ser capazes de desenvolver diferentes formas de entrada e saída, de acordo com as habilidades e capacidades do usuário e as condições ambientais; • Os sistemas devem ser concebidos para minimizar falhas e para serem tolerantes aos erros dos usuários; • Os sistemas devem ser utilizáveis com um mínimo de esforço físico; e, • O tamanho especial do local para a colocação dos elementos do sistema deve ser suficiente para acomodar uma vasta amplitude de tamanhos de pessoas, posturas e condições de mobilidade. Deve ser dada atenção especial à acessibilidade no contexto do conteúdo da Web. Diferentes aspectos das linguagens de marcação colocam problemas específicos para vários sistemas adaptativos. Alguns leitores de textos, por exemplo, têm dificuldade de processar o HTML. Orientações para design de conteúdo para a Web com acessibilidade têm sido desenvolvidas pelo Consórcio da World Wide Web (W3C) e são continuamente revisadas as formas de evolução das linguagens de markup (ver W3C, 2001). Estão disponíveis algumas ferramentas para validação de conteúdo para a Web dentro dessas orientações de acessibilidade. Browsers especializados e dispositivos de hardware têm sido desenvolvidos para disponibilizar formas alternativas para as pessoas usarem a Web. Isso inclui browsers especiais para aqueles com prejuízos visuais, que permitem que o conteúdo da Web seja lido em voz alta ou mostrado em dispositivos como barras de Braille: alguns dispositivos genéricos de leitura de telas e softwares que permitem aos usuários ter conteúdo na tela lido para eles. Estão inclusas ainda outras tecnologias adaptativas, como sistemas de entrada por voz, browsers da Internet baseados em telefonia e

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sistemas que transformam ou filtram o conteúdo existente na Web em formas mais acessíveis. FOCO NO USUÁRIO E DESIGN PARTICIPATIVO Landauer (1995) tem chamado a atenção para as falhas de design como causa central dos problemas com a utilidade e usabilidade dos sistemas e processos informatizados. Essas falhas, ele indica, são geralmente devidas à falta de foco no usuário, quando do processo de design, desenvolvimento e operacionabilidade dos sistemas. Landauer também cita alguns dos principais fatores que impactam a utilidade e a usabilidade. Limitações de hardware e software: A utilidade e a usabilidade são geralmente limitadas pelas limitações funcionais dos sistemas de software e, em alguns casos, as limitações técnicas dos sistemas de hardware que eles controlam. A literatura está repleta de casos de sistemas de software que restringem as formas que as tarefas podem ser realizadas ou que não permitem que as mesmas sejam realizadas de forma alguma. Sites da Web com multimídia geralmente cobram a restrita capacidade de processamento e as limitações de banda do hardware a muitos usuários. As limitações de banda, em particular, vão continuar a ser preocupação da Informática Comunitária, sobretudo nos países em desenvolvimento. Sistemas não confiáveis: Os sistemas falham devido a erros de software e hardware, com o primeiro dos dois fatores sendo o mais comum. Landauer atribui a responsabilidade pelos erros dos usuários aos sistemas. Eles deveriam ser concebidos para previnir que os usuários cometessem esses erros. Provavelmente, a produção de tencologias que atendam a esse requisito é ainda mais difícil quando se trata das comunidades onde as pessoas têm pouca experiência em usar TIC avançadas. Sistemas incompatíveis e tipos de dados: Enquanto a padronização dos sistemas de software e dos tipos de dados (por exemplo, os formatos de arquivos) têm se tornado amplamente utilizada, particularmente no contexto das tecnologias para a Web e nos ambientes de computadores pessoais, problemas de incompatibilidade continuam a limitar a utilidade e usabilidade de muitos sistemas. Apesar dos clientes da Web (como os browsers) terem aportado uma sensível melhoria na interoperabilidade das fontes de dados de diferentes aplicações e

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sistemas operacionais, o uso de fontes de dados como arquivos PDF e streams de RealAudio requer que os clientes suportem sistemas de software adjuntos (por exemplo, os plug-ins). A compatibilidade devida a essa questão tem mais probabilidade de ser uma questão crítica para os cidadãos em situação econômica inferior e para as organizações comunitárias (por exemplo, escolas e bibliotecas) que não podem fazer a atualização dos sistemas antigos ou dos equipamentos utilizados pelo usuário final. Ergonomia negativa e impactos sociais dos sistemas computadorizados: Sistemas computadorizados são reconhecidos como fontes potenciais de problemas ergonômicos tais como o stress de tarefas repetitivas e a fadiga dos membros. Muitos impactos sociais negativos têm sido atribuídos ao desenvolvimento e uso de sistemas computadorizados. Esses impactos são sentidos no trabalho e na vida do trabalho, na privacidade, na cultura e no meio-ambiente. Landauer e muitos outros têm recomendado, há tempos, que abordagens centradas no usuário sejam adotadas no projeto e desenvolvimento, como necessidades básicas para a criação de sistemas computadorizados que seja úteis e de fácil usabilidade. Essas abordagens fazem com que os designers, desenvolvedores, e pessoal de suporte técnico dos sistemas se engagem em processos iterativos de análise dos sistemas, implementação e operação, com cada processo tendo o usuário como seu foco central. Infelizmente, essas abordagens não são utilizadas com muita frequência. Restrições financeiras e de tempo são as razões mais comumente levantadas para que as abordagens centradas no usuário sejam postergadas. Os projetistas que trabalham na Informática Comunitária teriam que trabalhar continuamente em interação direta com os usuários na fase de design para adquirirem compreensão profunda das necessidades dos usuários e para explorar possíveis abordagens de forma a atenderem a essas necessidades. Os desenvolvedores estariam, então, engajados em ciclos iterativos de implementação, avaliação da usabilidade e modificações do projeto baseadas nos resultados de testes. Uma vez que um sistema esteja pronto para entrar em operação, processos centrados no usuário seriam utilizados para determinar quão bem integrados os mesmos estão aos fluxos de trabalho humano, para determinar quais habilidades são necessárias para sua utilização, e para monitorar, periodicamente, sua utilidade e usabilidade. O desenvolvimento inclui a demanda por sistemas

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de software e hardware desenvolvidos por outras organizações, que também sejam centrados no usuário, com entradas para as pessoas que usariam e gerenciariam tais sistemas. GEOGRAFIA SOCIOTÉCNICA NA SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO As tecnologias de informação e comunicação têm sido vistas como sistemas espaciais que mudam as relações de espaço e de tempo para criar uma nova geografia “virtual” (Gillespie and Robins, 1989; Kitchin, 1998). Isto inclui a geografia definida pelas formações econômicas, comunicacionais e sociais. A geografia coloca problemas significativos para muitas comunidades e para o desenvolvimento de projetos de TIC para essas comunidades. A análise das necessidades dos usuários em áreas como e-government, por exemplo, tem revelado sérias barreiras geográficas para o fornecimento de serviços sociais. Foram identificadas situações nas quais as pessoas, necessitando de determinados serviços sociais, precisam, geralmente, viajar longas distâncias entre os vários escritórios e agências governamentais que oferecem os serviços (Bouguettaya et al., 2002). Essas barreiras podem ser eliminadas por meio da disponibilização on-line de serviços e pontos de acesso local à Internet (como terminais de computadores, telefones, e caixas automáticos). Uma Informática Comunitária efetiva precisa estar preocupada com a acessibilidade em áreas geográficas nas quais os pontos de acesso ou outras ferramentas adequadas de telecomunicações são escassos. Esses espaços incluem ambientes de trabalho, bibliotecas e escolas que podem ser usados primordialmente. Uma relação menos óbvia é a que existe entre o desenvolvimento dessas tecnologias e o planejamento urbano, tanto pelo setor público quanto pelo privado. Tanto a geografia rural quanto a urbana precisa ter uma infraestrutura que evolua para fornecer serviços de telecomunicações suficientes para sustentar os projetos de Informática Comunitária, ou políticas que permitam às comunidades se apropriarem de novas tecnologias (como por exemplo o licenciamento de estruturas que permitam o desenvolvimento de tecnologias Wireless, para acesso sem fio). As características das tecnologias emergentes deverão sobrepor as velhas tecnologias de telecomunicação, permitindo a criação de infra-estrutura a custos menores. O acesso ao conhecimento tem tradicionalmente demandado acesso às localidades físicas onde as informações desejadas estejam. Essas localidades

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incluem não somente os pontos de acesso às tecnologias, como vídeos e livros, mas, mais importante, são onde estão as pessoas que possuem o conhecimento e que podem transmití-lo. Nesse contexto, os projetos de Informática Comunitária podem ter impactos profundos em termos do atendimento aos objetivos da DMNU. A entrega automática de informações não vai ser suficiente para que aqueles objetivos sejam alcançados nas áreas de educação, cuidados com a saúde e outros domínios nos quais são necessários especialistas que possam ser consultados continuamente, ao contrário do fornecimento de artefatos de engenharia como água e tecnologias ambientais. GERENCIANDO AS RESTRIÇÕES DO CICLO DE VIDA DA TECNOLOGIA O projeto, desenvolvimento e operação dos sistemas de TIC têm tradicionalmente sido vistos como um ciclo de vida em que esses sistemas entram em processos interativos contínuos entre seu nascimento e sua modificação ou substituição. Esse tipo de perspectiva é importante no gerenciamento da complexidade de se conceberem os sistemas, colocá-los em operação e responder às eventuais falhas ou mudanças nos requisitos. Muitas articulações existem ao longo do ciclo de vida de um sistema. A norma ISO/ IEC 12207 é um padrão adotado para essas mudanças. Os processos de ciclo de vida para os softwares definidos pela Organização Internacional de Padronização (ISO) e pela Comissão Internacional para Eletrotécnica, debaixo do padrão da ISO/IEC 12207 (ISO/IEC, 1995), contém os seguintes processos primários: aquisição, fornecimento, desenvolvimento, manutenção e operação (Moore, 1998). O ciclo de vida pode ser visto como na figura 1. Processos Organizacionais Desenvolvimento

Gestão Aquisição

Fornecimento

Operação

Melhoria Manutenção

Figura 1: ISO/IEC 12207 Ciclo de Vida

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Infra-estrutura

Treinamento


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Muitas relações-chave podem ser examinadas entre as visões tradicionais de ciclo de vida e o desenvolvimento de uma Informática Comunitária. Processos primários Aquisição: Esse processo envolve a identificação dos requisitos dos sistemas, análise e projeto de sistemas prospectivos, e a identificação e aquisição dos componentes ou serviços necessários para o desenvolvimento dos componentes. Isto é, a aquisição pode envolver componentes comerciais pré-fabricados ou acordos contratuais com os desenvolvedores. As comunidades geralmente lidam com restrições financeiras agudas, que os governos ou empresas não têm, ao tentarem adquirir tecnologias e outros recursos necessários para a implementação de soluções baseadas em TIC. Tecnologias de domínio público e de fonte aberta oferecem abordagens potenciais para mitigar os custos de aquisição. Isso é discutido a seguir. Fornecimento: Esse processo envolve a entrega de componentes do sistema, voltados para atender aos requisitos do sistema, os quais foram contratados durante o processo de aquisição. O fornecimento pode envolver muitas possibilidades ou combinações como as seguintes: começo do processo de desenvolvimento para um sistema único ou começo da operação de um processo usando um sistema chave para o serviço de um terceiro. Esse processo é complementar ao de aquisição e, como aquele, também pode ser impactado pela Informática Comunitária, dadas as restrições financeiras que as comunidades enfrentam. Adicionalmente, o fornecimento envolve o fortalecimento de arranjos contratuais e a coordenação de sua entrega. No contexto da Informática Comunitária, ao contrário da organizacional, isso deve ser apoiado por uma supervisão apropriada e por mecanismos de governança. Desenvolvimento: Envolve a produção de um novo sistema. Isto ocorre tanto por meio da integração dos componentes existentes quanto pela implementação de hardware e software (por exemplo, programação), ou alguma combinação desses dois tipos de atividades. Manutenção: Envolve tanto a correção de falhas em um sistema operacional com a sua melhoria, de forma a atender a novos requisitos. Tais requisitos podem ser novas funções desejadas pelos usuários, tarefas que passem a ser exigidas pela legislação, ou alguma outra mudança fundamental desejada na operação de um sistema.

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Operação: Envolve a atividade contínua de colocar um sistema em funcionamento, isto é, em um estado no qual os usuários possam começar a perceber os seus benefícios. Esse processo pode ser alcançado por alguns dos seguintes caminhos: quando o processo de desenvolvimento se completou, quando o processo de manutenção se completou, ou diretamente do processo de fornecimento, em cada caso de contratação de um serviço. Nesse último caso, não é necessário desenvolvimento, uma vez que já existe um sistema atualmente em uso (de propriedade do provedor se serviços). Na abordagem da Informática Comunitária, o desenvolvimento, manutenção e operação requerem treinamento e capacitação das comunidades, para que tais processos venham a ser suportados adequadamente pelos membros da comunidade. Para ser feito de forma adequada, isto requer um conjunto formal de atividades levadas a efeito de maneira altamente disciplinada. Junto com os custos exigidos para realizar esses processos, as habilidades requeridas para fazê-los constituem um dos elementos principais da sustentabilidade dos projetos comunitários de TIC. Processos organizacionais A ISO/IEC 12207 também inclui conjuntos de processos de apoio e organizacionais. Os processos primários e organizacionais são da maior importância aqui. Os processos organizacionais compreendem gestão, infraestrutura, melhoria e treinamento, necessários para a administração dos processos primários e de suporte. Como no desenvolvimento, manutenção e operação, as comunidades precisam ter a habilidade de realizar esses processos por sua própria conta, caso os projetos sejam realmente sustentáveis. Mais uma vez, treinamento e recursos financeiros são essenciais. QUESTÕES INTERDISCIPLINARES SELECIONADAS SOBRE A INFORMÁTICA COMUNITÁRIA As questões discutidas aqui têm interseções com muitas das questões conceituais e metodológicas discutidas anteriormente. O potencial das tecnologias existentes e emergentes Como Innis e outros têm mostrado, as TIC e as transições para novos tipos de TIC têm historicamente causado profundos impactos nas comunidades (e em civilizações inteiras). Adicionalmente, ele mostrou como as

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características específicas das diferentes mídias têm determinado a natureza e os padrões dos impactos que elas são capazes de produzir em termos de espaço-tempo (Innis, 1964). É razoável, portanto, olhar proativamente para as tecnologias novas e já existentes ao se considerar como as abordagens de desenvolvimento de sistemas para Informática Comunitária podem vir a se desenvolver. Convergência de mídias e de dados Muitas OSCs atualmente defendem que é necessário se direcionar a atenção para as TIC tradicionais (por exemplo, rádio e televisão). Essa é uma abordagem prudente por várias razões, em termos de Informática Comunitária, pois as propriedades específicas das tecnologias que permitem a Internet não podem ser subestimadas em termos de suas contribuições potenciais para os projetos comunitários de TICs. As propriedades das tecnologias que permitem a Internet precisam ser examinadas pela Informática Comunitária desde que ofereçam soluções para superar os hiatos entre TIC tradicionais e avançadas, bem como suportando diferentes modalidades de comunicação. Suas características técnicas têm permitido grau ímpar de dispersão e elas suportam praticamente todos os tipos das formas antigas de comunicação. A natureza da troca de pacotes da Internet permite o uso de uma infraestrutura distribuída, repartindo os custos de instalação e acesso entre diferentes organizações e comunidades, o que amortiza os custos de desenvolvimento de infra-estrutura. O uso da comutação de pacotes também é independente da mídia física de transmissão (cobre, fibra ótica, rádio ou satélite). Sua forma de operação armazena – envia permite que ela suporte múltiplos modos de transmissão: contínuo, descontínuo, síncrono, assíncrono. Essas características técnicas têm tornado elevado o seu potencial para dispersão. De fato, a dispersão tem tomado o lugar de muitos tipos de infra-estrutura. Na camada da aplicação, a comutação de pacotes tem criado uma ligação entre diferentes formas de comunicação. A Internet é, desta forma, capaz de suportar todos os componentes do modelo comunicativo de J. Richstads (2003): interativa, participativa, horizontal e multimodal. A implicação desse fato para a Informática Comunitária existe na camada de aplicação, na qual ela pode permitir a integração de todas as formas elementares de comunicação: texto, áudio, imagens e vídeo, e a maioria das tecnologias de comunicação: correios, telefonia, rádio, cinema e televisão e aplicações colaborativas. Nesse sentido, a Internet está atualmente apta a servir como

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tecnologia que liga as novas e as velhas formas de comunicação (por exemplo, transmissão de uma rádio pela Internet). Assim, enquanto é prudente manter as TIC tradicionais dentro de um leque de tecnologias a serem consideradas nos sistemas informatizados comunitários, deve ser desenvolvido um foco especial na tecnologia de comutação de pacotes para transmissão de dados (por exemplo, a Internet e o TCP/IP). Comunicações sem-fio (wireless) A comunicação sem fio para dados, incluindo o WiFi, é vista como tendo aplicabilidade significativa para o mundo em desenvolvimento. Comunicações sem-fio têm oferecido ao mundo em desenvolvimento a possibilidade de sobrepujar o mundo desenvolvido, em termos de poder adquirir infra-estrutura de comunicação mais avançada. Os altos custos envolvidos nas infra-estruturas terrestres da telefonia tradicional têm sido uma barreira econômica intransponível para muitos países em desenvolvimento. Mas o desenvolvimento de comunicações sem fio, por outro lado, requer menos materiais (por exemplo, cabos e postes) e é menos intensivo em termos de trabalho. A comunicação sem-fio também torna possível a distribuição de comunicações por uma área mais ampla mesmo em localidades de difícil acesso, onde abordagens cabeadas não seriam possíveis. Finalmente, alguns padrões da comunicação sem fio podem ser desenvolvidos e distribuídos de forma incremental. O WiFi, por exemplo, pode ser utilizado para construir uma rede evolutiva, na qual os indivíduos e organizações contribuem para a expansão da rede ao adquirirem e manterem novos nós operacionais (por exemplo, instalar o serviço WiFi em suas plataformas). Uma abordagem de Informática Comunitária precisa manter o foco em derivar o máximo de benefícios das tecnologias, dadas as restrições financeiras enfrentadas pelas comunidades. Desenvolvimentos de código aberto e domínio público O código aberto pode potencialmente capacitar as comunidades a se tornarem auto-suficientes na replicação, manutenção e implementação de projetos de desenvolvimento baseados em TIC. Essa abordagem permite que a comunidade tenha acesso completo ao funcionamento interno das tecnologias (por exemplo, software e hardware). Muitas tecnologias de código aberto são também de domínio público, o que alivia os desenvolvedores de muitos dos custos de aquisição dessas tecnologias.

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O código aberto tem despertado um grande interesse entre as OSCs envolvidas com a preparação da WSIS. Na reunião do segundo comitê preparatório (PrepCom 2) da WSIS, em fevereiro de 2003, por exemplo, uma parceria entre OSCs africanas iniciou um projeto de código aberto. O objetivo é promover maior desenvolvimento, ao longo do continente africano, por meio da difusão de tecnologias gratuitas e de evolução compartilhada. Muitos participantes da Sociedade Civil têm consistentemente declarado seu desejo de criar uma associação global comum com esse objetivo durante a WSIS. A UNESCO também inaugurou um portal na Web, em 2001, para promover o software livre e código aberto. Veja o anexo para mais informações. Hardware de baixo-custo Do lado do hardware, foi iniciado um esforço em 2000 para criar um projeto aberto, de domínio público, para um dispositivo de computação mais barato para o mundo em desenvolvimento. A abordagem adotada foi criar uma organização sem fins lucrativos, para a qual muitas pessoas se voluntariaram. O resultado foi chamado de Simputer. Em sua versão atual, ele tem 32MB de memória e, um sistema operacional baseado em Linux. É portátil, com interface baseada no uso de caneta especial e funciona com três pilhas AAA. Atualmente ele é oferecido para venda por várias organizações, incluindo a Simputer.org, PicoPeta e Encore Software, da Índia, ao custo de aproximadamente US$ 200. Ainda que esse custo continue proibitivo para muitas áreas do planeta, é um começo, e a abordagem adotada no seu desenvolvimento deve ser computada como um dos desenvolvimentos da Informática Comunitária que contribuiriam para o atingimento dos objetivos da DMNU. Envolvimento público e governança da Sociedade da Informação Políticas democráticas, mecanismos de responsabilidade e práticas socialmente responsáveis por profissionais da informática são necessários para que as comunidades assegurem que as TIC serão desenvolvidas apropriadamente. É fato que cidadãos e OSCs, como a Profissionais de Computador para a Responsabilidade Social (Computer Professionals for Social Responsibility), têm historicamente desempenhado relevante papel na definição e implementação das infra-estruturas técnicas das muitas partes da Sociedade da Informação, mas também ao elaborar e colocar em vigor recomendações políticas concernentes à operação das TIC. Isto inclui a

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Corporação para Designação de Nomes e Números da Internet (Internet Corporation for Assigned Names and Numbers), que define padrões para a governança da Internet e desenvolvimento de novas aplicações. O papel das organizações internacionais A necessidade de uma Informática Comunitária pode ser motivada pelos objetivos e imperativos estabelecidos no quadro mais amplo dos Direitos Humanos. A Declaração Universal dos Direitos Humanos articulou direitos que podem ser diretamente relacionados às implicações sociais levantadas pelos sistemas de informação e pelo avanço tecnológico em geral. O artigo 27, seção 1, afirma: “Todos têm o direito de livremente... compartilharem do avanço científico e seus benefícios” (Nações Unidas, 1993). A Informática Comunitária é um meio necessário para tanto, dada a dinâmica econômica atual do desenvolvimento das TIC, ao permitir que “uma ordem social e internacional nas quais os direitos e liberdades estabelecidos” na declaração “possam ser completamente realizados”, como o afirmado no artigo 28, por aquelas comunidades que não são capazes de negociar no mercado das TIC avançadas. Muitas comunidades podem ter que adquirir ou desenvolver suas próprias tecnologias. Uma grande área de contenção no desenvolvimento de uma Sociedade da Informação por meio da Informática Comunitária será a definição e o cumprimento de direitos dos stakeholders3, bem como dos indivíduos, em sua governança. Questões críticas no tratamento dos direitos e da governança são: • gestão democrática dos organismos internacionais que lidam com as TICs; • direitos de informação e comunicação dos governos, empresas e cidadãos; • políticas de privacidade e segurança; • censura e regulação do conteúdo; • o papel da mídia;

3. (N.O.) O conceito de stakeholders engloba todos os agentes sociais interessados em determinado tema ou organização. No campo da Governança Corporativa inclui shareholders (acionistas ou proprietários da empresa), funcionários e seus familiares, OSCs, órgãos governamentais (legislativos, judiciários e executivos), comunidades, fornecedores, bancos, imprensa, concorrentes e até mesmo questões relacionadas ao meio-ambiente (mesmo que não assumidas por um agente social específico), no sentido de ser um assunto imbricado com a qualidade de vida da Sociedade.

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• definição, identificação e respostas às atividades criminais dentro de uma Sociedade da Informação; • a aplicação das TICs para o e-government e a descentralização (McIver e Elmagarmid 2002); e, • propriedade e concentração da mídia. Uma ênfase importante nessa área, para a Sociedade Civil e para alguns governos, tem sido o estabelecimento de mecanismos de apoio para os cidadãos. O relacionamento aqui não é linear, como na questão da igualdade de gêneros, discutida anteriormente, em que muitos vêem a Sociedade da Informação como possibilitadora da reforma e do fortalecimento da democracia, a qual, por sua vez, fortalecerá, presumivelmente, a participação dos cidadãos nos processos de Informática Comunitária. Mueller (1999), Hamelink (1999) e outros têm demontrado a importância de estruturas de participação na manutenção do interesse público no desenvolvimento e uso das TICs. Finalmente, organizações internacionais, como a Unesco, o Instituto das Nações Unidas para Pesquisas sobre Desenvolvimento Social (United Nations Research Institute for Social Development) e outras organizações podem continuar a desempenhar papel importante, apoiando o desenvolvimento da Informática Comunitária de forma análoga à da União Internacional de Telecomunicações (UIT) no setor de telecomunicações. Por exemplo, a Unesco mantém um portal na Web para promover o desenvolvimento e uso de software livre, de código aberto. Alguns dos programas da Universidade da ONU têm mandatos para desempenhar treinamento e pesquisa sobre tecnologias de informação para países em desenvolvimento, bem como para estudar os impactos sociais e econômicos das novas tecnologias. Aqui se incluem o Instituto Internacional para Tecnologia de Software (International Institute for Software Technology) e o Instituto para Novas Tecnologias (Institute for New Technologies – INTECH). O projeto do Instituto das Nações Unidas para “Pesquisas sobre Desenvolvimento Social” sobre Tecnologias de Informação e Desenvolvimento Social tem desempenhado papel crítico no apoio a pesquisas sobre a elaboração de políticas e fatores institucionais que afetam a “probabilidade de que as novas tecnologias de informação e comunicação possam ser usadas para melhorar a vida de grandes parcelas de pessoas nos países em desenvolvimento”. Veja o anexo para mais informações sobre recursos de Informática Comunitária, tanto na ONU quanto em OSCs internacionais.

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RECOMENDAÇÕES A Informática Comunitária promete ser um instrumento importante para atingir os objetivos da DMNU. Contudo, ela ainda está evoluindo como uma meta-disciplina, e mais pesquisas e experiências são necessárias para fazer com que ela seja mais efetiva. Organizações internacionais podem ter papel importante para que se consiga mais progressos nessa área. As seguintes recomendações são feitas com esse propósito: Apoio à pesquisa: Pesquisas concernentes à evolução da Informática Comunitária precisam ser apoiadas. Isto inclui o desenvolvimento de uma agenda de pesquisa entre os usuários, especialistas, pesquisadores e comunidades; o catalogação dos projetos de Informática Comunitária e a identificação de fatores de sucesso e fracasso, além do apoio a projetos piloto de sistemas. Apoio para conferências: Uma conferência permanente em nível internacional sobre Informática Comunitária é necessária. Ela possibilitaria criar um centro temático e um fórum no qual pesquisadores, especialistas, e comunidades poderiam trocar resultados e manter uma agenda coerente e baseada nas necessidades de campo, como é feito em outras áreas; Desenvolvimento de padrões: A ISO, a IEC e outros organismos relevantes precisam ser envolvidos no desenvolvimento de padrões que sejam adequados para a Informática Comunitária. Isso pode requerer um re-exame do padrão de ciclo de vida determinado pela ISO/IEC 12207; Estabelecimento de mecanismos de governança: a WSIS e outros processos similares precisam estabelecer mecanismos para governança da sociedade global de informação, que fortaleçam os cidadãos na aplicação e gestão de processos de Informática Comunitária de formas significativas. Isso inclui a criação de mecanismos de proteção à Propriedade Intelectual que estimulem o uso de tecnologias de código aberto e os processos de desenvolvimento. Adicionalmente, devem ser criados mecanismos que assegurem que o interesse público seja levado em consideração quando os processos de Informática Comunitária envolvam o setor privado. ANEXO: RECURSOS SELECIONADOS DE INFORMÁTICA COMUNITÁRIA Essa seção fornece uma lista de organizações e projetos de informática comunitária. 96


UMA INFORMÁTICA COMUNITÁRIA PARA A SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO

Unidade de Pesquisa e Aplicações de Informática Comunitária (Community Informatics Research and Applications Unit – CIRA): O CIRA está localizado na Universidade de Teesside, Middlesbrough, no Reino Unido. CIRA é uma entidade multidisciplinar, na qual os impactos econômicos e sociais das TICs nas comunidades são estudados. Dá ênfase ao estudo do crescimento da Internet e suas conseqüências para o desenvolvimento da comunidade, reestruturação econômica e inclusão social” (www.cira.org.uk); Centro de Recursos para Informática Comunitária (Community Informatics Resource Center - CIRC): O CIRC é um programa do Instituto de Pesquisas sobre Políticas Rurais da Universidade do Missouri, nos EUA. Ele oferece um ambiente no qual as “implicações das questões que afetam a América Rural possam ser mais facilmente visualizados, analisados, questionados e mapeados” (http://circ.rupri.org); UNU/INTECH: O Instituto para Novas Tecnologias da Universidade das Nações Unidas, em Maastricht, é um centro de pesquisas e treinamento da Universidade da ONU. Conduz pesquisas e análises, além de empreender esforços na construção de capacidades no campo das novas tecnologias. Em particular, as pesquisas examinam as novas tecnologias no tocante à suas características de difusão, as oportunidades que elas oferecem, e os impactos sociais e econômicos que apresentam. É dada ênfase aos países em desenvolvimento (www.intech.unu.edu); UNU/IIST: O Instituto Internacional para Tecnologia de Software da Universidade das Nações Unidas, em Macau, tem um mandato para ajudar “os países em desenvolvimento a fortalecer sua educação e pesquisa na área de ciências da computação e sua capacidade de produzir softwares para computadores”. Em particular, o IIST trabalha com universidades nos países em desenvolvimento na melhoria de curriculos nas áreas de ciências da computação e engenharia de software, bem como no desenvolvimento de programas de pesquisa (www.iist.unu.edu); Instituto Jiva: Jiva é uma organização que desenvolve projetos sustentáveis de tecnologia na Índia (www.jiva.org); O Projeto UNRISD sobre Tecnologias de Informação e Desenvolvimento Social: Esse projeto tem desempenhado papel crítico no apoio às pesquisas sobre a elaboração de políticas e fatores institucionais que afetam a “probabilidade de que as novas tecnologias de informação e comunicação possam ser usadas

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para melhorar a vida de grandes parcelas de pessoas nos países em desenvolvimento”. Em particular, o projeto apoia pesquisas sobre tendências e padrões de concentração dentro da indústria global de Tecnologia da Informação, novos desenvolvimentos nas políticas regulatórias internacionais que impactam o desenvolvimento de Tecnologias de Informação e pesquisas por pessoas do mundo em desenvolvimento sobre “os usos específicos das tecnologias de informação” em seus países (www.unrisd.org); O Consórcio Simputer: foi criado por acadêmicos e especialistas da indústria para desenvolver um dispositivo computacional barato e acessível, de domínio público, chamado Simputer (www.simputer.org); Portal da UNESCO sobre software livre: A UNESCO mantém este portal, que serve como um repositório público e de livre acesso para documentos e Websites que promovem o movimento de software livre e de código aberto. Também oferece recursos para usuários e desenvolvedores de software livre (www.unesco.org/webworld/portal_freesoft/index.shtml). Referências Bibliográficas ACCASCINA, G. 2000. “Information technology and poverty alleviation.” SD Dimensions. Food and Agricultural Organization of the United Nations (FAO), Rome. www.fao.org/sd/ CDdirect/CDre0055h.htm, accessed in November 2002. AGADA, John. 1999. “Inner-city gatekeepers: An exploratory survey of their information use environment.” Journal of Information Science, Vol. 50, No. 1, pp. 74–85. BARBOUR, I.G. 1993. Ethics in an Age of Technology. Harper Collins, San Francisco. BENJAMIN, P. 1999. “Community development and democratisation through information technology: Building the new South Africa.” In R. Heeks (ed.), Reinventing Government in the Information Age: International Practice in IT-Enabled Public Sector Reform. Routledge, London. BERGMAN, E. and E. JOHNSON. 1995. “Towards accessible human-computer interaction.” In J. Nielsen (ed.), Human-Computer Interaction, Vol. 5. http://research.sun.com, accessed in November 2002. BHATT, S. (No date.) IDRC’s Environment and Natural Resources Management (ENRM) Programming in South Asia. IDRC Discussion Paper for Regional Workshop. www.dgroups.org/groups/saro/enrm/docs/ ENRM%20discussion %20paper.rtf, accessed in April 2003. BOUGUETTAYA, A., O. MOURAD, M. BRAHIM, and A.K. ELMAGARMID. 2002. “Supporting data and services access in digital government environments.” In W. McIver, Jr.,

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William McIver, Jr. é professor na School of Information Science and Policy na University at Albany, EUA. Suas áreas de interesse são sistemas de armazenamentos de dados, informática social e informática comunitária. Foi co-editor do livro Advances in digital government: technology, human factors and policy (2002). É membro da Information Technology and International Cooperation Research Network, do Social Science Research Council. Seu Ph.D. em Computer Science foi na University of Colorado at Boulder.

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DIREITOS HUMANOS PARA A SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO Cees J. Hamelink

RESUMO O artigo propõe explorar como “os desenvolvimentos informativos” interagem com as sociedades em que ocorrem. Esses desenvolvimentos referem-se ao significado crescente dos produtos da informação (tais como notícias, propaganda, entretenimento e dados científicos) e de serviços de informação (tais como aqueles fornecidos pelo World Wide Web); os volumes crescentes da informação gerados, coletados, armazenados e disponibilizados; o papel essencial da tecnologia de informação como a espinha dorsal de muitos serviços sociais e como o motor da produtividade econômica moderna. Propõe ainda uma tipologia dos desenvolvimentos informacionais como interações com sociedades e questiona as formas em que os padrões internacionais de Direitos Humanos são pertinentes a essas interações. Aponta para a necessidade do estabelecimento dos Direitos à Comunicação como protagonista e fundamento essencial de qualquer sistema democrático. INTRODUÇÃO Sociedade da Informação é um conceito ambíguo, ainda sem significado preciso ou definição estabelecida. Apesar dos argumentos sobre suas fraquezas, esse conceito se tornou parte do discurso político, econômico e cultural em nível internacional. Pode-se questionar se em algum lugar do mundo atual existe uma Sociedade da Informação. Talvez seja mais apropriado dizer que algumas HAMELINK, C. J. Direitos Humanos para a Sociedade da Informação. In MARQUES DE MELO, J.; SATHLER, L. Direitos à Comunicação na Sociedade da Informação. São Bernardo do Campo, SP: Umesp, 2005.


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sociedades são confrontadas com “desenvolvimentos informacionais”. Essa noção se refere à crescente importância dos produtos de informação (tais como notícias, publicidade, entretenimento e dados científicos) e serviços de informação (como os oferecidos pela World Wide Web); os crescentes volumes de informação gerada, coletada, armazenada e disponibilizada; o papel essencial da tecnologia da informação como espinha dorsal de muitos serviços sociais e como motor da produtividade econômica e a entrada do processamento de informação nas transações comerciais e financeiras. O confronto social com os desenvolvimentos informacionais ocorre de diversificadas formas, em diferentes níveis, com variadas velocidades e em contextos históricos específicos. As sociedades concebem suas respostas a esses desenvolvimentos por meio de políticas, planos e programas, seja com iniciativas centralizadas ou com atividades descentralizadas, nos níveis nacional e local. Muitas dessas iniciativas são motivadas por razões econômicas mostram-se fortemente tecnocêntricas. Os atores envolvidos são tanto instituições públicas como organizações privadas, atua-se, cada vez mais, na forma de parcerias público-privadas. As sociedades podem responder aos desenvolvimentos informacionais com o estabelecimento de leis ou com modelos de auto-regulação. Este capítulo propõe uma tipologia dos desenvolvimentos informacionais como interações com sociedades e questiona as formas em que os padrões internacionais de Direitos Humanos são pertinentes a essas interações. POR QUE DIREITOS HUMANOS? A decisão de analisar aquilo que o campo dos Direitos Humanos internacionais pode oferecer à discussão dos desenvolvimentos informacionais é, obviamente, uma opção normativa. Esses desenvolvimentos também podem ser abordados pelo ângulo dos acordos internacionais de comércio ou pelas convenções técnicas de padronização. Este capítulo é inspirado pela noção de que os desenvolvimentos informacionais afetam as pessoas em múltiplos níveis, sendo moldados e governados por iniciativas humanas. As futuras sociedades da informação serão as configurações sociopolíticas nas quais os indivíduos e os grupos sociais conduzirão suas vidas, trabalharão, amarão, jogarão, desfrutarão e sofrerão. Desta forma, é uma opção legítima de abordagem, de olhar para o futuro e tentar construir algo novo de forma a atender melhor aos interesses do povo. 104


DIREITOS HUMANOS PARA A SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO

Uma definição do interesse popular é uma tarefa complexa, porque não pode ser expressa de uma forma singular, nem um fórum claramente identificável. Por isso, o interesse popular precisa ser inferido a partir de um conjunto de padrões, claramente identificável e sobre o qual haja comum acordo. Isso parece quase impossível, dado que, num mundo multicultural, com sociedades multiestratificadas, as pessoas terão interesses distintos e farão escolhas normativas diferentes. Contudo, apesar das tentações de um relativismo normativo e a justificada suspeita de julgamentos de valor unitários, é possível inferir o interesse popular dos padrões universalmente aceitos. Esses padrões são dados pelos Direitos Humanos internacionais. Os Direitos Humanos formam, atualmente, o único conjunto universalmente disponível de padrões para a dignidade e a integridade de todos os seres humanos. É no interesse de todas as pessoas que eles são respeitados. As disposições das leis de Direitos Humanos internacionais representam os interesses de homens, mulheres e crianças, cidadãos comuns, seja como indivíduos, ou como grupos e comunidades. Existe, no presente, consenso político internacional sobre Direitos Humanos. A comunidade política global tem reconhecido a existência dos Direitos Humanos, sua universalidade e indivisibilidade, e tem aceito a concepção de formas para o seu contínuo reforço. Em 1993, a Conferência de Viena sobre Direitos Humanos reforçou a natureza universal dos padrões dos Direitos Humanos. Isso significa que as leis internacionais de Direitos Humanos representam, ainda que ineficazmente, um conjunto universalmente aceito de reivindicações morais. Desta forma, temos um guia normativo legítimo para as respostas das sociedades aos desenvolvimentos informacionais. INTERAÇÕES ENTRE SOCIEDADES E DESENVOLVIMENTOS INFORMACIONAIS As sociedades e os desenvolvimentos informacionais interagem de muitas formas. Essas interações podem ser diferenciadas por quatro dimensões, citadas a seguir. Dimensão tecnológica da interação. A tecnologia objetivamente desempenha papel essencial nos desenvolvimentos informacionais. O escopo, volume e impacto desses desenvolvimentos são, em larga medida, moldados pelas inovações tecnológicas e as oportunidades que elas criam. A interação é um processo no qual as forças sociais e os interesses também contribuem para

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moldar as inovações tecnológicas. Nessa dimensão, são colocadas questões sobre o controle e o acesso à tecnologia e a determinação de quem se beneficia dela, bem como os riscos sociais embutidos nas inovações e suas aplicações. Dimensão cultural da interação. As formas das sociedades lidarem com a provisão e o processamento de informação são determinadas por perspectivas culturais. Conteúdos informacionais são produtos culturais. A informação é parte de uma produção cultural da sociedade. Entre as questões importantes dessa dimensão está o compartilhamento do conhecimento e a proteção da identidade cultural. Dimensão sociopolítica da interação. Informação e tecnologia de informação têm impacto no desenvolvimento, no progresso e no sistema político das sociedades. Entre as questões importantes relativas a essa dimensão, temos a liberdade de opinião e de discurso político, a proteção contra os discursos abusivos e as necessidades informacionais das sociedades. Dimensão econômica da interação. Surgiram mercados globais de informação. Os interesses econômicos estão de sobreaviso no tocante à proteção da propriedade do conteúdo. Há questões de Responsabilidade Social Empresarial1 e de auto-determinação das nações no desenvolvimento econômico. DIMENSÕES E DISPOSIÇÕES DE DIREITOS HUMANOS Quais disposições de Direitos Humanos internacionais são relevantes para essas quatro dimensões? Ou, em outras palavras, como deveria ser um modelo normativo que estabelecesse padrões para as formas pelas quais as sociedades devessem responder aos desenvolvimentos informacionais? Cada uma das quatro dimensões é considerada nas próximas páginas, com descrição detalhada das disposições relevantes existentes sobre elas nos vários acordos internacionais. No final de cada seção, são listados os instrumentos considerados relevantes. 1. Nota dos organizadores (N.O.) Corporate Social Responsibility (CSR), compreendida aqui não como filantropia empresarial ou marketing relacionado a causas, mas sim como uma das “funções organizacionais inerentes, no fluxo das relações e interações que se estabelecem entre sistemas empresariais específicos e o sistema social mais amplo” (ver FISCHER, Rosa Maria. O desafio da colaboração: práticas de responsabilidade social entre empresas e terceiro setor. São Paulo: Editora Gente, 2002). Trata de como a responsabilidade das empresas vai para muito além do lucro, visão indispensável para o bem-estar da Sociedade.

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Sobre tecnologia e Direitos Humanos Compartilhando os benefícios do desenvolvimento da tecnologia O direito de acesso à tecnologia é disposto no artigo 27.1 da Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH), onde se afirma que “todos têm o direito de ... partilhar do avanço científico e de seus benefícios”. Este direito é inspirado pelo princípio moral básico da eqüidade e pela noção de que ciência e tecnologia pertencem à herança comum da humanidade. Até 1968 não havia debate sério na comunidade internacional sobre a relação direta entre o desenvolvimento científico e tecnológico e a proteção dos Direitos Humanos. A seguinte declaração foi adotada na Conferência Internacional de Teerã, sobre Direitos Humanos, em 1968: Embora as descobertas científicas recentes e os avanços tecnológicos tenham aberto vastas perspectivas para o processo econômico, social e cultural, esses desenvolvimentos podem, todavia, colocar em risco os direitos e liberdades dos indivíduos e vão exigir contínua atenção (UN, 1968). A Conferência recomendou, na Resolução XI, “que as organizações da família da ONU devem assumir um estudo sobre os problemas relativos aos Direitos Humanos advindos dos desenvolvimentos na ciência e tecnologia”. A Assembléia Geral da ONU aprovou essa recomendação e pediu à Secretaria Geral (Resolução 2450, 19/12/1968) para focar este estudo particularmente em: • respeito à privacidade dos indivíduos e à integridade e soberania das nações, à luz dos avanços das tecnologias, particularmente as de armazenamento de dados; • proteção da personalidade humana e sua integridade física e intelectual, à luz dos avanços na biologia, medicina e bioquímica; • usos de aparelhos eletrônicos que possam afetar os direitos das pessoas e os limites que devem ser colocados a esses usos em uma sociedade democrática e • de uma forma mais geral, o equilíbrio que deve ser estabelecido entre o progresso científico e tecnológico e o avanço intelectual, espiritual, cultural e moral da humanidade.

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Em 11 de dezembro de 1969, a Assembléia Geral da ONU adotou a Declaração sobre o Progresso Social e o Desenvolvimento. Em seu artigo 13, esta Declaração dispõe sobre: • o compartilhamento eqüitativo dos avanços científicos e tecnológicos entre os países desenvolvidos e os em desenvolvimento, e um crescimento balanceado no uso da ciência e tecnologia, em benefício do desenvolvimento social; • o estabelecimento de um equilíbrio harmônico entre o progresso científico, tecnológico e material e o avanço intelectual, espiritual, cultural e moral da humanidade; e; • a proteção e a melhoria do meio-ambiente. Com base no estudo que a Assembléia Geral havia pedido em 1968, e também em vários relatórios relacionados ao tema, a Comissão de Direitos Humanos deu considerável atenção ao tema em sua 27ª sessão, em 1971, tendo destacado, particularmente: • a proteção dos Direitos Humanos nos campos econômico, social e cultural, de acordo com a estrutura e os recursos dos estados e o nível científico e tecnológico que eles alcançaram, bem como a proteção do direito ao trabalho, nas condições de automação e mecanização da produção; • o uso dos desenvolvimentos científicos e tecnológicos para ampliar o respeito pelos Direitos Humanos e legitimar interesses de outras pessoas e o respeito a padrões morais e de legislação internacional mais genericamente reconhecidos; e, • a prevenção de que as conquistas da ciência e tecnologia sejam usadas para restringir direitos e liberdades democráticas fundamentais. Nos anos de 1971 a 1976 uma série de relatórios foram produzidos, lidando com os problemas de proteção à privacidade, uso de satélites de observação, processos de automação, procedimentos de diagnose pré-natal, introdução de químicos na produção de alimentos, deterioração do meioambiente e o poder destrutivo dos modernos sistemas de armamentos. Na Resolução 3026 (18/12/1972), a Assembléia Geral da ONU pediu à Comissão de Direitos Humanos que analisasse a possibilidade de elaboração de um instrumento legal internacional para tratar da questão do fortalecimento dos Direitos Humanos à luz dos desenvolvimentos científicos e tecnológicos. Em 1973, a Assembléia Geral (Resolução 3150) conclamou os estados a ampliar a cooperação internacional para assegurar que os desenvolvimentos 108


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científicos e tecnológicos fossem utilizados para fortalecer a paz, a segurança, a realização do direito dos povos à auto-determinação, o respeito à soberania nacional e o propósito do desenvolvimento econômico e social. Solicitou-se à Secretaria Geral a elaboração de um relatório sobre esses assuntos. O relatório, apresentado em 1975, tratou dos efeitos nocivos da automação e da mecanização sobre o direito ao trabalho, os efeitos nocivos dos desenvolvimentos científicos e tecnológicos sobre o direito à alimentação adequada, e os problemas de um tratamento eqüitativo em relação aos impactos dos desenvolvimentos científicos e tecnológicos no direito à saúde. O relatório também analisou a deterioração do meio-ambiente, o problema da explosão populacional e o problema especial do impacto da radiação atômica na saúde pública. Então, em 10/11/1975, a Assembléia Geral resolveu adotar a Declaração sobre o Uso do Progresso Científico e Tecnológico no Interesse da Paz e para o Benefício da Humanidade (Resolução 3384). Os princípios-chave desta declaração são: • cooperação internacional para assegurar que os resultados dos desenvolvimentos científicos e tecnológicos sejam usados para fortalecer a paz e a segurança internacional, para promover o desenvolvimento econômico e social e para realizar os Direitos Humanos e liberdades; • medidas para assegurar que os desenvolvimentos científicos e tecnológicos satisfaçam as necessidades materiais e espirituais de todas as pessoas; • um compromisso dos estados para impedir o uso dos desenvolvimentos científicos e tecnológicos para violar a soberania e a integridade territorial de outros estados, de interferir em seus assuntos internos, para empreender guerras, para suprimir movimentos de liberação ou para exercer políticas de discriminação racial; • cooperação internacional para fortalecer e desenvolver a capacidade científica e tecnológica dos países em desenvolvimento; • medidas para estender os benefícios dos desenvolvimentos científicos e tecnológicos para todas as camadas da população e para proteger as camadas de menor renda dos possíveis efeitos nocivos; • medidas para assegurar que o uso da ciência e tecnologia promova a realização dos Direitos Humanos; • medidas para prevenir o uso dos desenvolvimentos científicos e tecnológicos em detrimento dos Direitos Humanos; e,

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• ações para assegurar que as legislações nacionais sejam compatíveis com a necessidade de garantir os Direitos Humanos num ambiente de desenvolvimento científico e tecnológico. Em setembro de 1975, especialistas reunidos em Genebra recomendaram o estabelecimento de um mecanismo internacional para abordar as novas tecnologias do ponto de vista dos Direitos Humanos. Esta forma de compreensão da tecnologia incluiria a avaliação dos seus possíveis efeitos colaterais e os efeitos de longo prazo das inovações tecnológicas, pesando suas vantagens e desvantagens. A Assembléia Geral não adotou essa recomendação, tendo meramente pedido à Comissão de Direitos Humanos que acompanhasse, com especial atenção, a implementação da Declaração. Desde 1982, a Secretaria Geral relata regularmente sobre a implementação das disposições da Declaração para a Assembléia Geral. Nos últimos anos, a Assembléia Geral e a Comissão de Direitos Humanos adotam uma série de resoluções que apóiam e ampliam os princípios da Declaração. Entre elas está a resolução 1986/9, da Comissão de Direitos Humanos (Uso do Desenvolvimento Científico e Tecnológico para a Promoção e a Proteção dos Direitos Humanos e Liberdades Fundamentais) que conclama os países a empenharem todos os esforços na utilização dos desenvolvimentos científicos e tecnológicos para a promoção e a proteção dos Direitos Humanos e liberdades fundamentais. Ao longo dos anos, a Unesco tem estado particularmente preocupada com as implicações humanas e culturais dos desenvolvimentos científicos e tecnológicos. Em uma série de reuniões de especialistas, o organismo tratou de problemas relacionados aos efeitos da ciência e tecnologia sobre as culturas locais. Em 1982, promoveu um seminário em Trieste (sob os auspícios do Instituto Internacional para Estudo dos Direitos Humanos) para estudar as conseqüências para os Direitos Humanos dos desenvolvimentos científicos e tecnológicos, particularmente nos campos da informática, telemática e manipulação genética. Os princípios estabelecidos nos artigos 23 e 26 da DUDH e a Convenção Contra Discriminação na Educação (1960), bem como as disposições das duas mais importantes convenções no âmbito dos Direitos Humanos (a Convenção Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos e a Convenção Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais) e a Convenção para Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra a Mulher (1979) são parte do preâmbulo que precede a Convenção da Unesco sobre Educação Técnica e Vocacional, de 1989, com 110


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vigência a partir de 1991. Esta convenção dispõe o direito de acesso eqüitativo à educação técnica e presta especial atenção às necessidades de grupos em situação de desvantagem. Tecnologia e a proteção contra os seus efeitos nocivos Nas últimas décadas, a Comissão de Direitos Humanos e a Assembléia Geral da ONU têm atentado para o fato de que os avanços da tecnologia não geram somente benefícios, mas também podem prejudicar as pessoas. Há consciência dos potenciais efeitos negativos das novas tecnologias sobre a integridade física e mental das pessoas (por meio de novas formas de testes pessoais e corporais); sobre a privacidade de seus lares e a confidencialidade de suas correspondências (a partir de novas formas de vigilância); sobre a deterioração dos ambientes de trabalho (devido às técnicas de automação); e sobre o meio-ambiente (como um resultado do crescimento do desperdício elétrico e eletrônico). Tecnologia e tomada de decisões A idéia de Direitos Humanos precisa se ampliar para as instituições sociais (os arranjos institucionais) que facilitariam a realização dos padrões fundamentais. Os Direitos Humanos não podem ser assegurados sem o envolvimento dos cidadãos no processo de tomada de decisão nas áreas nas quais os padrões de Direitos Humanos ainda estão por ser alcançados. Isso move o processo democrático para além da esfera política e amplia o requisito de participação dos arranjos institucionais para outros domínios sociais. O direito humano de participação democrática requer que as escolhas tecnológicas também devam ser sujeitas a controles democráticos. Isto é particularmente importante à luz do fato de que o processo político corrente tende a delegar importantes áreas da vida social ao controle privado, ao invés do controle público, melhor acompanhado por accountability2. Volumes cada vez maiores de atividade social estão saindo da esfera da responsabilidade pública, do controle democrático e da participação de cidadãos na tomada de decisão. Contra isso, tanto a DUDH quanto a Convenção Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos estabelecem o direito das pessoas de 2. Nota do tradutor (N.T.) O termo “accountability” foi mantido no original, podendo remeter a um sentido de responsabilização, monitoramento, controle e transparência que é transversal e multidisciplinar, especialmente na Governança do Estado.

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participarem na condução de assuntos públicos, seja diretamente, seja por meio de representantes livremente escolhidos. Isto aponta para a necessidade de desenvolvimento de formas de governança democrática, que garantam os direitos e liberdades dispostos por esses instrumentos. Os instrumentos relevantes • a Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH); • a Convenção Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos; • a Declaração sobre o Progresso Social e o Desenvolvimento (Assembléia Geral da ONU, 11/12/1969); • a Declaração sobre o Uso do Progresso Científico e Tecnológico no Interesse da Paz e para o Benefício da Humanidade (Resolução 3384, da Assembléia Geral da ONU de 1975); • a Convenção da Unesco sobre Educação Técnica e Vocacional, de 1989. SOBRE CULTURA E DIREITOS HUMANOS Durante as discussões que precederam a adoção da carta constituinte 3 da ONU, em 1945, muitos países latinoamericanos propuseram a inclusão de direitos culturais, o que não foi aceito naquele momento, mas, em 1948, uma referência aos direitos culturais foi incluída nos artigos 22 e 27 da DUDH. O artigo 22 dispõe que todos são elegíveis à realização dos direitos econômicos, sociais e culturais indispensáveis para sua dignidade e o livre desenvolvimento de sua personalidade. O artigo 27 dispõe que “todos têm o direito a participar livremente da vida cultural da comunidade”. Em 1966, a Assembléia Geral da ONU adotou a Convenção Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, e os direitos culturais foram estabelecidos nos artigos 1 e 15. O artigo 1 dispõe que “todos os povos têm direito à auto-determinação. Por meio desse direito, eles determinam livremente o seu status político e buscam livremente o seu desenvolvimento econômico, social e cultural”. E o artigo 15 diz que os países signatários da Convenção reconhecem o direito de todos: • a participar da vida cultural; 3. (NT.). “Charter” foi traduzido como carta constituinte. Normalmente, se refere a um documento que expressa as finalidades e os princípios de uma organização. No caso das Nações Unidas, o seu documento fundador chama-se, em português, meramente “Carta das Nações Unidas”, conforme site da ONU em português – www.onu.org.

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• a desfrutar os benefícios do progresso científico e suas aplicações; • a se beneficiar da proteção dos interesses morais e materiais resultantes de qualquer produção científica, literária ou artística das quais eles são autores. A Unesco se tornou a agência da ONU especializada na proteção desses dispositivos. Nas últimas décadas, produziu muitos instrumentos relevantes que tratam dos direitos culturais. Em 1995, a Unesco recebeu o relatório da Comissão Mundial sobre Cultura e Desenvolvimento, intitulado “Nossa diversidade criativa” (Our creative diversity), o qual propôs uma agenda de ação sobre os direitos culturais. Em 2/11/2001, a 31ª Conferência Geral da Unesco adotou a Declaração Universal de Diversidade Cultural. Como declarou o Diretor-Geral da Unesco à época, Koichiro Matsuura, “Esta é a primeira vez que a comunidade internacional comprometeu a si mesma com um instrumento de definição de parâmetros tão abrangente, elevando a diversidade cultural ao grau de ‘herança comum da humanidade’, como necessária para a raça humana assim como a biodiversidade no campo natural, e fez de sua proteção um imperativo ético, inseparável do respeito pela dignidade humana”. O florescimento da diversidade criativa requer uma completa implementação dos direitos culturais. Todas as pessoas têm, portanto, direito de livre expressão, de criar e disseminar seu trabalho, na língua de sua escolha, particularmente na sua língua nativa; todas as pessoas são elegíveis a uma educação de qualidade, que respeite plenamente a sua identidade cultural; e todas as pessoas têm o direito de participar na vida cultural de sua escolha, condizente com suas próprias práticas culturais. A Declaração afirma, no artigo 7º, que todas as culturas devem ter a capacidade de expressar a si mesmas e fazer a si mesmas conhecidas, e devem ter acesso aos meios de expressão e disseminação. O artigo 8º trata dos bens e serviços culturais e demanda especial atenção “para a diversidade da oferta de trabalho criativo, ao devido reconhecimento dos direitos dos autores e artistas e à especificidade dos bens e serviços culturais, os quais... não devem ser tratados como meras commodities ou bens de consumo”. 113


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A Declaração é acrescida de um plano de ação para sua implementação. Ela propõe, entre outros objetivos: • preservar a herança lingüística da humanidade; • promover a alfabetização digital e o gerenciamento das novas tecnologias de informação e comunicação; • promover o acesso às novas tecnologias de informação e comunicação nos países em desenvolvimento e nos países em transição; • apoiar a presença de diversos conteúdos na mídia e enfatizar o papel das instituições públicas de transmissão; • aumentar a mobilidade de artistas criativos; • ajudar a capacitar as indústrias culturais dos países em desenvolvimento; • envolver a Sociedade Civil na elaboração de políticas sociais que tenham como objetivo a preservação da diversidade cultural. Dentro do regime de Direitos Humanos internacionais, foram identificados os direitos culturais essenciais mencionados a seguir (Hamelink, 1994). O direito à cultura Muitos fatores explicam a emergência dos direitos culturais no pós-II Guerra Mundial. Houve o surgimento de nações pós-coloniais, que buscavam definir sua identidade, à luz tanto dos padrões coloniais impostos como de seus próprios valores tradicionais. A questão da identidade cultural se tornou muito importante no processo de descolonização. Os países recém-independentes viam a afirmação de sua identidade cultural como um instrumento de batalha contra a dominação estrangeira. Em sua batalha primordial contra o colonialismo, a identidade cultural tem desempenhado um papel significativo na motivação e legitimação do movimento de descolonização. A proliferação dos meios de comunicação de massa criou a possibilidade de uma interação cultural sem precedentes, bem como os riscos de uniformidade cultural. A difusão de uma sociedade consumidora, largamente promovida pelos meios de comunicação de massa, levantou preocupações sérias sobre a emergência de uma nova “cultura global” homogênea. A adoção do direito à cultura como parte do sistema de Direitos Humanos, com sua ênfase inclusiva, direitos para “todos”, implica a saída de uma concepção elitista do setor para uma visão da cultura como “herança comum”. Atualmente, a Declaração da Unesco sobre Raça e Racismo, de 1978 (Conferência Geral da Unesco, Resolução 3/1.1/2) fundamentou o

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direito à cultura na noção dessa como “herança comum da humanidade”, implicando que todas as pessoas devem “respeitar o direito de todos os grupos à sua própria identidade cultural e o desenvolvimento de uma vida cultural distintiva dentro do contexto nacional e internacional” (artigo 5). Em 1968, uma conferência de especialistas da Unesco considerou a questão dos direitos culturais como Direitos Humanos. A conferência concluiu: “Os direitos à cultura incluem a possibilidade de cada homem obter os meios de desenvolvimento de sua personalidade, através de sua participação direta na criação de valores humanos e de se tornar, dessa forma, responsável por sua situação, seja em escala local ou global” (Unesco 1968:107). A Conferência Intergovernamental sobre Aspectos Institucionais, Administrativos e Financeiros das Políticas Culturais (reunida pela Unesco em 1970) decidiu que o direito de participar na vida cultural obriga os governos ao dever de fornecer os meios efetivos para essa participação. Uma série de conferências regionais sobre políticas culturais (em 1972, 1973 e 1975) forneceram importantes elementos para a formulação de uma recomendação da Unesco sobre a Participação Ampla das Pessoas na Vida Cultural e sua Contribuição a Ela, aprovada pela 19ª sessão da Conferência Geral da Unesco, em 26/11/1976. A recomendação almejava “garantir como Direitos Humanos aqueles direitos relativos ao acesso e à participação na vida cultural” e propôs que os países-membros “disponibilizem salvaguardas efetivas para o livre acesso à cultura nacional e global por todos os membros da sociedade”, “prestem especial atenção à elegibilidade plena das mulheres ao acesso à cultura e participação efetiva na vida cultural” e “garantam o reconhecimento da igualdade das culturas, incluindo a cultura de minorias nacionais e minorias estrangeiras”. Com relação aos meios de comunicação de massa, a recomendação afirma que eles “não devem ameaçar a autenticidade das culturas ou empobrecer a sua qualidade; eles não devem agir como instrumentos de domínio cultural, mas servir ao mútuo entendimento e à paz”. A recomendação preocupa-se particularmente com a concentração do controle sobre os meios de produção e distribuição de cultura e sugere que os governos “devem certificar-se que o critério de lucro não exerça uma influência decisiva nas atividades culturais”. Houve uma oposição ocidental muito forte a vários elementos da recomendação, como à menção, de uma 115


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forma negativa, da cultura comercial de massa, e o uso da expressão “ampla” no título da recomendação. Nas reuniões preparatórias e durante a Conferência Geral da Unesco, muitas delegações ocidentais expressaram a sua preocupação de que, caso implementada, a recomendação restringiria o Livre Fluxo de Informação e a independência dos meios de comunicação de massa. O opositor mais forte foi os Estados Unidos. “Os Estados Unidos defenderam a crença de que o acesso e a participação na vida cultural não eram temas sujeitos à regulação internacional, participaram muito pouco do processo de elaboração e rascunho do documento, não enviaram delegação à reunião intergovernamental, pediram que a Conferência Geral não aprovasse o texto proposto e, após a sua adoção, anunciaram que não tinham intenção de transmitir a recomendação para as autoridades e instituições relevantes nos EUA” (Wells, 1987: 165). A recomendação usou uma noção ampla de cultura como parte integral da vida social e um dos principais fatores no progresso da humanidade. A cultura “não é meramente uma acumulação de trabalhos e conhecimento que a elite produz, coleta e conserva... mas é... a demanda por um modo de vida e a necessidade de comunicar”. A principal linha de pensamento da recomendação foi reforçada pela Conferência Mundial sobre Políticas Culturais, realizada em 1982 na Cidade do México. A Declaração sobre Políticas Culturais adotada pela Conferência reafirmou a conclamação aos Estados para que tomassem medidas adequadas para implementar o direito à participação cultural. Em suas várias recomendações, os participantes da Conferência reivindicaram que a democracia cultural devia se basear numa participação mais ampla possível, por parte dos indivíduos e da sociedade, na criação de bens culturais, na tomada de decisão relativa à vida cultural e na disseminação e desfrute da cultura. Muitos estudos sobre a implementação da recomendação na participação na vida cultural nos últimos anos têm mostrado que pouco tem sido feito, em inúmeros países, e que essas questões permanecem relevantes. Em resumo, pode ser estabelecido que o reconhecimento do direito humano à cultura implica a participação na vida cultural, a proteção da identidade cultural, a necessidade de conservar, desenvolver e difundir cultura, a proteção aos direitos de Propriedade Intelectual e o reconhecimento da diversidade lingüística. Cada um desses temas é tratado nos parágrafos seguintes. 116


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O direito a participar plenamente na vida cultural A participação na vida cultural tem levantado questões difíceis sobre a definição de comunidades, a posição de sub-culturas, a proteção aos direitos de participação das minorias, a provisão de recursos físicos de acesso, os elos entre acesso cultural e condições socioeconômicas. Subjacente a algumas dessas dificuldades está a tensão entre a interpretação da cultura como bem público ou como propriedade privada. Essas interpretações podem ser mutuamente excludentes quando o trabalho histórico de arte desaparece nos labirintos de coleções privadas. O direito a participar livremente da vida cultural de uma comunidade reconhece que a qualidade de sociedade democrática não é definida somente por instituições políticas, mas também pela possibilidade das pessoas moldarem sua identidade cultural, perceberem o potencial da vida cultural local e praticarem tradições culturais. Direitos de participação também abrangem o direito das pessoas de “participarem livremente na vida cultural da comunidade, desfrutarem das artes e partilharem do avanço científico e seus benefícios” (artigo 27 da DUDH). A reivindicação de participação requer a criação de condições sociais e econômicas que permitam que as pessoas “não apenas desfrutem dos benefícios da cultura, mas também tenham uma participação ativa na vida cultural geral e no processo de desenvolvimento cultural”. A Recomendação da Unesco sobre Participação Ampla das Pessoas na Vida Cultural e Sua Contribuição a Ela, que articula esse requisito, também dispõe que “a participação na vida cultural pressupõe o envolvimento de diferentes parceiros sociais no processo de tomada de decisão relacionado à política cultural”. Essa participação vai além da participação do público na produção midiática ou na gestão midiática nas áreas de tomada de decisão pública. A Consulta de Especialistas da Unesco, realizada em Bucareste, Romênia, em 1982 (Unesco 1982) enfatizou que é essencial “que os indivíduos e grupos sejam capazes de participar, em todos os níveis pertinentes, em todas as fases da comunicação, monitorando e revendo as políticas de comunicação”. Este padrão necessita, então, que as práticas políticas disponham sobre a participação das pessoas na tomada de decisão pública sobre a produção da cultura. Pessoas têm o direito de participar das decisões públicas sobre a preservação, proteção e desenvolvimento da cultura. Isto significa que deveria haver amplo espaço para participação pública na formulação e implementação de políticas culturais públicas.

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O direito à proteção da identidade cultural A proteção da identidade cultural se tornou um assunto especialmente sensível durante os debates, nos anos setenta, sobre imperialismo cultural. Em 1973, chefes de estado no Encontro de Países Não-Alinhados, em Algiers, afirmaram em sua declaração que “é um fato estabelecido que a atividade do imperialismo não é limitada aos domínios econômico e político, mas abrange também as áreas culturais e sociais, impondo dessa forma uma dominação ideológica estrangeira sobre as pessoas do mundo em desenvolvimento”. A dominação cultural e a ameaça à identidade cultural também foram tratadas pela Comissão Mac-Bride, que foi designada pela Unesco. A Comissão enxergou que a identidade cultural estava “ameaçada por uma superpoderosa influência sobre a assimilação de algumas culturas nacionais, embora essas nações possam muito bem serem herdeiras de uma cultura muito mais antiga e rica. Considerando que diversidade é a qualidade mais preciosa da cultura, o mundo inteiro fica mais pobre (Comissão Internacional para o Estudo de Problemas de Comunicação, 1980:31). Em suas recomendações, a Comissão ofereceu poucas contribuições para uma aproximação multilateral ao assunto da dominação cultural. Sua principal recomendação foi no sentido de estabelecer políticas nacionais que deveriam nutrir a identidade cultural. Tais políticas também deveriam conter diretrizes para salvaguardar o desenvolvimento cultural nacional, e, ao mesmo tempo, promover o conhecimento de outras culturas” (Comissão Internacional para o Estudo de Problemas de Comunicação, 1980:259). Nenhuma recomendação foi proposta no tocante às possíveis medidas da comunidade mundial, em nível coletivo. A Comissão propôs o fortalecimento da identidade cultural e a promoção de condições para a preservação da identidade cultural, mas deixou a implementação para o nível nacional. Dez anos depois, a Comissão Sul (South Commission) também tratou do assunto da identidade cultural. De acordo com seu relatório, a preocupação com a identidade cultural “não implica a rejeição de influências externas. Ao contrário, ela deve ser parte de esforços para fortalecer a capacidade para tomada de decisão autônoma, misturando elementos indígenas e universais a serviço de uma política centrada nas pessoas” (Comissão Sul, 1990:132). 118


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A Comissão conclamou os governos a adotarem Acordos de Desenvolvimento Cultural, que articulassem os direitos básicos dos indivíduos no campo cultural. Políticas culturais deveriam destacar o direito à cultura, a diversidade cultural, bem como o papel do estado na preservação e no enriquecimento da herança cultural da sociedade (Comissão Sul, 1990:133). A noção de identidade cultural permanece um tópico para muita discussão. Entre os assuntos não resolvidos, está a questão de como uma sociedade pode proteger a identidade cultural de suas partes constituintes, mantendo, ao mesmo tempo, sua coesão social. O direito à proteção da propriedade e da herança cultural nacional e internacional Este direito cultural é particularmente pertinente em tempos de conflito armado. Também tem implicações importantes para o reconhecimento da Propriedade Intelectual de povos indígenas. Em 14/12/73, a Assembléia Geral da ONU adotou uma resolução (Resolução 3148, XXVIII), sobre a preservação e o desenvolvimento adicional dos valores culturais. A resolução considera o valor e a dignidade de cada cultura, bem como a habilidade para preservar e desenvolver seu caráter distintivo, como um direito básico de todos os países e povos. Sob a luz dos possíveis riscos aos caracteres distintivos das culturas, a preservação, o enriquecimento e o desenvolvimento adicional das culturas nacionais deve ser apoiado. É importante notar que a resolução reconhece que “a preservação, renovação e criação contínua de valores culturais não deveria ser um conceito estático, mas sim dinâmico”. A resolução recomendou ao diretor-geral da Unesco a promoção de pesquisas para analisar “o papel dos meios de comunicação de massas na preservação e desenvolvimento adicional de valores culturais”. A resolução também conclamou os governos a promoverem “o envolvimento da população na elaboração e implementação de medidas que assegurem a preservação e o desenvolvimento futuro de valores culturais e morais”. Sobre a proteção da propriedade cultural, os governos adotaram duas convenções da Unesco: a Convenção de Hague para a Proteção de Propriedade Cultural no Caso de Conflito Armado (1954), e a Convenção sobre os Meios de Proibir e Prevenir a Importação, Exportação e Transferência Ilícitas de Propriedade Cultural (1970).

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Um instrumento específico sobre a proteção da herança cultural mundial foi adotado pela 17ª sessão da Conferência Geral da Unesco, em 1972: a Convenção para a Proteção da Herança Cultural e Natural do Mundo. O texto observou que a herança cultural do mundo está ameaçada, o que é um fator de empobrecimento para a humanidade. Então, são necessárias providências efetivas para proteger coletivamente a herança cultural de valor universal. Na convenção, a proteção internacional da herança cultural mundial é entendida como “o estabelecimento de um sistema de cooperação e ajuda internacional, projetado para apoiar os estados-membros da Convenção em seus esforços para conservar e identificar aquela herança”. Em 18/12/73, a Assembléia Geral da ONU adotou uma resolução sobre a Restituição de Obras de Arte a Países Vítimas de Expropriação (Resolução 3187, XXVIII). A resolução vê a imediata restituição de obras de arte como um fortalecimento da cooperação internacional e como uma reparação justa aos danos feitos. Para implementar esta resolução, a Unesco estabeleceu o Comitê Intergovernamental para Promover o Retorno da Propriedade Cultural aos seus Países de Origem ou sua Restituição nos casos de Apropriação Ilícita. Ao longo dos anos 80, a Assembléia Geral da ONU destacou o assunto, recomendando o trabalho da Unesco neste campo e convocando os países associados a ratificar a convenção pertinente. Em 1986 a Assembléia Geral proclamou o período 1988-1997 como a Década Mundial para Desenvolvimento Cultural. Foram formulados os seguintes objetivos durante a década: o reconhecimento da dimensão cultural do desenvolvimento, o enriquecimento das identidades culturais, a participação ampla na vida cultural e a promoção de cooperação cultural internacional (Assembléia Geral da ONU, Resolução 41/187, 8/12/86). Outras abordagens da comunidade internacional à proteção da propriedade cultural incluem a proteção da cultura tradicional e do folclore. Em 1989, a Conferência Geral da Unesco adotou uma recomendação que acentuou a necessidade de se reconhecer o papel de folclore e os perigos que ele enfrenta. O folclore foi definido como a totalidade das criações baseadas na tradição de uma comunidade cultural. A recomendação reivindica medidas para a conservação, preservação, disseminação e proteção do folclore.

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A Minuta de Declaração sobre os Direitos dos Povos Indígenas, da ONU (1994), refere-se explicitamente à propriedade cultural dos povos indígenas. O artigo 12 dispõe que: “Os povos indígenas têm o direito para praticar e revitalizar as suas tradições culturais e seus costumes. Isto inclui o direito de manter, proteger e desenvolver as manifestações de suas culturas no passado, no presente e no futuro, tais como locais arqueológicos e históricos, artefatos, cerimônias, tecnologias e artes visuais e performáticas e literatura, bem como o direito à restituição da propriedade cultural, intelectual, religiosa e espiritual que foi levada sem o seu livre e bem-informado consentimento ou em violação às suas leis, tradições e costumes”. O direito a usar o idioma nativo em privado e público Este direito cultural reconhece que os direitos lingüísticos são uma parte crítica dos Direitos Humanos. O idioma que falamos e a nossa língua materna, em particular, são uma parte crucial de quem nós somos como indivíduos. Para um grupo minoritário, a perda do idioma ameaça a existência do grupo, porque eventualmente ocorrerá uma assimilação ao grupo do idioma que se fala. O artigo de mais amplo alcance que articula as leis de Direitos Humanos com os direitos lingüísticos é o artigo 27 da Convenção Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (1966), que estabelece: “Naqueles estados nos quais as minorias étnicas, religiosas ou lingüísticas existem, as pessoas que pertencem a essas minorias não devem ter negado o seu direito a, em conjunto com outros membros do seu grupo, desfrutarem de sua própria cultura, professarem e praticarem sua própria religião, ou de usarem seu próprio idioma”. Inicialmente, este artigo foi interpretado como se referindo aos indivíduos e não a grupos. Isto não ajudou as comunidades de imigrantes, que não foram vistas como minorias. Porém, isto mudou a partir de uma nova interpretação do artigo, feita em um comentário geral ao artigo 27, adotado pelo Comitê de Direitos Humanos da ONU, em 6 de abril de 1994. O Comitê entendeu que o artigo oferecia proteção a todos os indivíduos no território de uma nação, ou que estejam sob sua jurisdição, inclusive os imigrantes e refugiados. 121


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A Minuta da Declaração da ONU sobre os Direitos dos Povos Indígenas formula explicitamente os direitos lingüísticos e demanda que os países aloquem recursos para tratar desse assunto. Mas o destino da Minuta ainda é incerto, a mais recente versão foi completada em julho de 1994 e remetida à Sub-Comissão da ONU para Prevenção da Discriminação e Proteção das Minorias, que, por sua vez, submeteu o assunto à Comissão de Direitos Humanos da ONU, para discussão em fevereiro de 1995. Os trabalhos na Minuta ainda continuam e grandes alterações ainda são esperadas. Porém, há alguma suspeita de que os povos indígenas não venham a ter, eles mesmos, muita influência nesses dispositivos. Com relação ao reconhecimento dos seus direitos lingüísticos, a minuta de Declaração dispõe, também no artigo 17, que as pessoas indígenas têm “o direito eqüitativo a todas as formas de mídia não indígena”. Adicionalmente, diz que “os estados devem tomar medidas efetivas para assegurar que as mídias públicas reflitam apropriadamente a diversidade cultural indígena”. A Conferência Mundial sobre Direitos Lingüísticos foi realizada em Barcelona, em junho de 1996, organizada pelo Clube PEN Internacional e pelo Centro para a Legislação Lingüística, fundado pela União Européia, baseado na Catalunha. Uma Minuta da Declaração Universal de Direitos Lingüísticos foi aprovada e a Unesco empreendeu um esforço de promoção e submissão da declaração ao endosso dos governos nacionais, bem como para refinar o texto em colaboração com as associações pertinentes. O texto é um documento abrangente, que traz um esclarecimento conceitual sobre os direitos lingüísticos na administração pública, na educação, na mídia, na cultura e na esfera socioeconômica. O fato de que o documento acentua os direitos do que chama “comunidades” lingüísticas (correspondendo, grosso modo, a minorias territoriais) à sua língua materna e à proficiência na sua língua oficial, é de pouca ajuda para minorias não territoriais e minorias de imigrantes. A Declaração de Unesco sobre Diversidade Cultural tem algumas referências a direitos lingüísticos, mas não destaca o assunto do idioma. Em seu artigo 5, dispõe que “todas as pessoas têm, desta forma, o direito de expressarem a si mesmos e de criarem e disseminarem o seu trabalho na língua de sua escolha, e particularmente na sua língua natal”. O item 5 do plano de ação propõe “que se proteja a herança lingüística da humanidade e que se apóie a expressão, criação e disseminação no maior número possível de línguas” e o item 6 estabelece o dever de se “encorajar

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a diversidade lingüística, ao mesmo tempo que respeitar a língua materna, em todos os níveis da educação, onde quer que for possível, e disseminar o aprendizado de muitas línguas para os jovens”. O item 10 recomenda “a promoção da diversidade lingüística no ciberespaço”. Os instrumentos relevantes • A Declaração Universal de Direitos Humanos (1948); • A Convenção Internacional sobre Direitos Sociais, Econômicos e Culturais (1966); • A Convenção Internacional sobre Direitos Civis e Po-líticos (1966); • A Convenção de Hague, da Unesco, sobre a Proteção da Propriedade Cultural no caso de Conflito Armado (1954); • A Convenção da Unesco sobre os Meios de Proibir e Prevenir a Importação, Exportação e Transferência Ilícitas de Propriedade de Propriedade Cultural (1970); • A Convenção da Unesco para a Proteção da Herança Cultural e Natural do Mundo (1972); • A Recomendação da Unesco sobre a Participação Ampla das Pessoas na Vida Cultural e sua Contribuição para Ela (1976); • A Minuta da Declaração da ONU sobre Direitos dos Povos Indígenas (1994); • A Declaração da Unesco sobre os Princípios de Cooperação Cultural Internacional (1966); • A Declaração Universal da Unesco sobre Diversidade Cultural (2001). SOBRE POLÍTICA, SOCIEDADE E DIREITOS HUMANOS Liberdade de expressão No tocante às interações entre os desenvolvimentos informacionais e os sistemas políticos das sociedades, os dispositivos-chave de Direitos Humanos se referem à liberdade de expressão. Esses dispositivos são encontrados na DUDH (artigo 19) e na Convenção Internacional em Direitos Civis e Políticos (artigo 19). O direito à liberdade de expressão das crianças é também disposto na Convenção sobre os Direitos das Crianças (artigo 13). A disposição essencial continua sendo a formulação do artigo 19 da DUDH, onde se afirma que “todos tem o direito à liberdade de opinião e de expressão; este direito inclui a liberdade de manter opiniões sem interferência e de buscar, receber e dar informações e idéias através de qualquer mídia e independentemente de fronteiras”. 123


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De modo a proteger as sociedades contra os possíveis abusos do direito à liberdade de discursos, as leis internacionais de Direitos Humanos também têm disposto uma série de limitações a essa liberdade. Entre essas está a proibição do incitamento ao genocídio. O artigo 3 da Convenção sobre Prevenção e Punição do Crime de Genocídio de 1948 declara que entre os atos passíveis de punição está o “incitamento direto e público ao crime de genocídio”. O artigo 4 define que “as pessoas que cometem genocídio ou qualquer um dos outros atos estabelecidos no artigo 3 devem ser punidas, sejam eles legisladores, constitucionalmente responsáveis, oficiais públicos ou indivíduos”. Também há dispositivos sobre a proibição à discriminação. No artigo 2 da DUDH está escrito que “todos são elegíveis a todos os direitos e liberdades descriminados nessa declaração, sem distinção de qualquer tipo, tais como de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou outra, origem nacional ou social, propriedade, nascimento ou outra condição”. Além disso, de acordo com a declaração, não deve ser feita qualquer distinção com base na condição política, jurisdicional ou internacional do país ou território ao qual a pessoa pertença, seja ele independente, colônia, ou sem auto-governo ou sobre qualquer tipo de limitação de sua soberania. O princípio essencial é a eqüidade. Tratamento diferencial às pessoas com base nas características específicas das pessoas ou grupos está em flagrante conflito com a noção básica de dignidade humana. O artigo 2º tem como intenção prover uma proteção geral contra a discriminação. O padrão de igualdade entrou no direito internacional pela primeira vez com a criação da ONU. A Convenção da Liga das Nações (1919), por exemplo, não continha tal proteção. O preâmbulo da carta de criação da ONU pede por “direitos iguais para homens e mulheres e para nações grandes e pequenas”. Durante o trabalho na minuta da carta de criação da ONU, um dos pontos da discussão foi a discriminação, entre outras. Uma das controvérsias era: devem ser incluídas a opinião política ou noções como condição, propriedade e nascimento, uma vez que eram alvo de opiniões contraditórias? A frase “sem distinções de qualquer natureza, tais como ...” implica que a enumeração não deve ser lida como exaustiva.

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A DUDH e a Convenção Internacional sobre Direitos Civis e Políticos usam o termo “distinção”, e a Convenção Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais usa “discriminação”. Contudo, a Convenção Internacional sobre Direitos Civis e Políticos usa o termo discriminação no artigo 4.1. Um dos mais importantes tratados para codificação dos padrões de não-discriminação é a Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial (1965). A mais contestada (e, para a mídia, a mais pertinente) disposição dessa convenção encontra-se no artigo 4, que diz respeito à disseminação de idéias baseadas na superioridade racial. A convenção sobre discriminação racial foi ratificada pela ampla maioria dos países associadas à ONU. O artigo 4 dessa convenção e o artigo 20.2 da Convenção Internacional sobre Direitos Civis e Políticos incorporaram à legislação doméstica a proibição da disseminação de idéias baseadas na superioridade racial e o “incitamento ao ódio racial ou à defesa de ódio religioso, racial ou nacional, que constitui o incitamento à discriminação, hostilidade ou violência devem ser proibidos por lei”. Outros importantes dispositivos contra a discriminação são encontrados na Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (1979). O artigo 5 dessa convenção demanda a “eliminação de representações estereotipadas dos papéis dos homens e mulheres e preconceitos baseados na idéia da inferioridade ou superioridade de qualquer um dos sexos”. No artigo 10, sobre educação, há uma forte argumentação pela eliminação de qualquer conteúdo estereotipado sobre os papéis dos homens e das mulheres em qualquer dos níveis e em qualquer forma de educação. A limitação da liberdade de expressão está também implícita pelos padrões de Direitos Humanos sobre a proteção da privacidade das pessoas contra interferências indevidas. A DUDH dispõe, em seu artigo 12: “Ninguém deve ser submetido à interferência arbitrária na sua privacidade familiar, de sua casa ou de sua correspondência, nem a ataques à sua honra e reputação. Todos têm o direito à proteção legal contra tais interferências ou ataques”.

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A liberdade de ter opiniões No artigo 19 da DUDH, a liberdade de manter opiniões sem interferência é devidamente reconhecida. Quando esse dispositivo foi transformado em lei, após sua incorporação à Convenção Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (artigo 19), um desenvolvimento interessante teve lugar. Na Convenção, a liberdade de opinião e a liberdade de expressão são separadas. A Convenção dispõe pelo direito absoluto de liberdade de opinião, mas permite certas restrições no direito de expressão, como as necessárias ao respeito dos direitos e reputações de terceiros e à proteção da segurança nacional ou da ordem pública (ordre publique), ou da saúde pública ou da moral (parágrafo 3º do artigo 19). A Convenção também limita a liberdade de expressão pelos dispositivos do artigo 20, que demandam que qualquer propaganda da guerra deve ser proibida por lei e que qualquer defesa de ódio nacional, racial ou religioso que constitua incintamento à discriminação, hostilidade ou violência também deve ser proibida por lei. A Convenção enfatiza o caráter especial do direito à liberdade de manter opiniões, fazendo deste um direito privado (relacionado à proteção da privacidade) que não pode ser sujeito a qualquer interferência. Sobre a exposição pública de prisioneiros de guerra As leis humanitárias internacionais (as quais podem ser descritas como Direitos Humanos para tempos de conflito armado) proíbem a exposição de prisioneiros de guerra à curiosidade pública (Terceira Convenção de Genebra relativa ao Tratamento de Prisioneiros de Guerra, de 12 de agosto de 1949). Os noticiários violam esse dispositivo de Direitos Humanos quando publicam fotos de prisioneiros de guerra capturados, expondo-os à curiosidade pública. Em vários conflitos armados recentes esse padrão foi violado pela maioria dos noticiários globais. Exemplos muito bem conhecidos dessas violações são as fotos dos suspeitos de pertencerem à Al Qaeda, na Baía de Guantânamo e no Afeganistão, a estação de TV Al Jazeera mostrando soldados britânicos capturados, bem como os fragmentos de vídeo de prisioneiros iraquianos sendo capturados, que foram transmitidos ao redor do mundo pela mídia ocidental. Fornecendo informações As leis de Direitos Humanos internacionais também apontam para a responsabilidade social de disseminar certos tipos de informações. Os preâmbulos da DUDH e as duas convenções internacionais sobre Direitos Humanos (Convenção Internacional sobre Direitos Civis e Políticos e 126


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Convenção Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais) propõem uma responsabilidade geral que contribua para o ensino dos Direitos Humanos. A DUDH declara que “todos os indivíduos e todos os órgãos da sociedade, mantendo esta Declaração sempre em mente, devem lutar por ensinar e educar tanto a promover o respeito a esses direitos e às liberdades”. Os preâmbulos das duas convenções declaram que “Perceber que o indivíduo, tendo deveres com relação aos outros indivíduos e para com a comunidade que ele pertence, está sob uma responsabilidade de se esforçar para promover e defender a observância dos direitos reconhecidos na presente Convenção”. A referência a “todos” e a “cada órgão da sociedade” e à responsabilidade individual, parece implicar, logicamente, que todos os fornecedores de informação estão entre esses indivíduos e espera-se que contribuam para a promoção e a proteção dos Direitos Humanos. A Convenção sobre os Direitos das Crianças também encoraja a provisão de um tipo especial de informação. No artigo 17, esta Convenção dispõe que: “Os países-membro reconheçam a importante função desempenhada pelos meios de comunicação de massa e devam assegurar que as crianças tenham acesso à informação e materiais de uma diversidade de fontes nacionais e internacionais, especialmente àquelas voltadas para a promoção de seu bem-estar social, espiritual e moral, bem como sua saúde física e mental”. Para essa finalidade, os países-membro devem: • Encorajar os meios de comunicação de massa a disseminar informações e materiais que beneficiem social e culturalmente as crianças e que estejam em consonância com o espírito do artigo 29; • Encorajar a cooperação internacional na produção, intercâmbio e disseminação de tais informações e materiais, de uma diversidade de fontes culturais, nacionais e internacionais; • Encorajar a produção e disseminação de livros infantis; • Encorajar os meios de comunicação de massa a prestarem especial atenção às necessidades lingüísticas de crianças que pertençam à grupos minoritários ou que sejam de origem indígena.

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Os instrumentos relevantes • A Declaração Universal de Direitos Humanos (1948); • A Terceira Convenção de Genebra relativa ao Tratamento de Prisioneiros de Guerra (1949); • A Convenção Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (1966); • A Convenção sobre a Prevenção e o Castigo do Crime de Genocídio (1948); • A Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra Mulheres (1979); • A Convenção nos Direitos da Criança (1989). SOBRE A ECONOMIA E OS DIREITOS HUMANOS O direito à auto-determinação e o direito ao desenvolvimento Com relação aos desenvolvimentos informacionais e o desenvolvimento das indústrias locais para a produção e disseminação de informação, é importante observar que o artigo 1º da Convenção Internacional sobre os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais dispõe sobre o direito à autodeterminação. Isso implica que todas as sociedades são livres para determinar e perseguir o seu desenvolvimento econômico. Esse padrão foi posteriormente fortalecido pela Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento, adotada pela Assembléia Geral da ONU, por meio da resolução 41/128, de 4 de dezembro de 1986. No seu artigo 2º, a declaração dispõe que “Os países têm o direito e o dever de formular políticas nacionais de desenvolvimento apropriadas, que mirem na melhoria constante do bem-estar da população inteira e de todos os indivíduos, na base da sua ativa, livre e significativa participação no desenvolvimento e na justa distribuição dos benefícios dele resultantes”. Esse padrão tem implicações óbvias para a formulação de políticas relacionadas aos desenvolvimentos informacionais. O direito à proteção dos interesses morais e materiais das obras culturais Esse padrão de Direitos Humanos veio desempenhar um papel crescentemente importante na economia internacional. As regras internacionais 128


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para a proteção da Propriedade Intelectual são originárias do século XIX. Desde o princípio, essa proteção tem sido inspirada por três razões. A primeira era a noção que aqueles que investiram na produção de uma Propriedade Intelectual deveriam ter garantido sua remuneração financeira. Com o estabelecimento dos primeiros tratados internacionais sobre proteção da Propriedade Intelectual (a Convenção de Paris para a Proteção da Propriedade Industrial, de 1883; e a Convenção de Berna para a Proteção das Obras Artísticas e Literárias, de 1886), um benefício monetário para o criador era percebido como incentivo necessário para o investimento na inovação e à criatividade. Durante a revisão da Convenção de Berna, em 1928, a segunda razão, a noção dos direitos morais, foi adicionada ao direito aos benefícios econômicos. A introdução do valor moral dos trabalhos reconheceu que eles representam a personalidade intelectual do autor. Os direitos morais protegem o trabalho criativo contra a modificação sem o consentimento do autor, protegem a reivindicação de autoria e o direito do autor sobre a publicação ou não de um trabalho. Anteriormente, no desenvolvimento dos direitos à Propriedade Intelectual, também era reconhecido que havia um interesse público na proteção da Propriedade Intelectual. Como princípio comum e como terceira razão, reconhecia-se que os direitos à Propriedade Intelectual promoviam a inovação e o progresso nos campos artístico, tecnológico e científico, e, desta forma, atendiam ao interesse público. O artigo 1º da Constituição dos Estados Unidos, por exemplo, articula essa idéia da seguinte forma: “promover o progresso da ciência e das artes úteis, assegurando, por um tempo limitado, direitos exclusivos aos autores e inventores com relação aos seus respectivos escritos e descobertas”. A proteção aos direitos da Propriedade Intelectual são, de fato, um delicado equilíbrio entre interesses econômicos privados, propriedade individual e interesse público. Com a crescente importância econômica da Propriedade Intelectual, o sistema global de governança nesse domínio se deslocou das dimensões morais e do interesse público, enfatizando, atualmente, os interesses econômicos dos donos da Propriedade Intelectual. Atualmente, tais proprietários não são mais, na maioria dos casos, os autores individuais ou compositores que criaram produtos culturais, mas corporações transnacionais que produzem bens culturais. Os autores individuais, compositores e artistas estão embaixo na lista dos dados comerciais e, como resultado, há uma tendência em relação a arranjos de proteção aos direitos de Propriedade 129


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Intelectual que favoreçam o investimento institucional em detrimento dos produtores individuais. A tendência recente de incluir os direitos à Propriedade Intelectual nas negociações globais de comércio demonstra os interesses comerciais dos principais beneficiários atuais. Os problemas de copyright têm se tornado questões comerciais e a proteção ao autor tem cedido lugar aos interesses dos comerciantes e investidores. Essa ênfase na propriedade corporativa implica em ameaça ao uso comum da Propriedade Intelectual e traz transtornos ao equilíbrio entre as reivindicações de propriedade individual por parte dos produtores e as reivindicações dos benefícios públicos, pelos usuários. O equilíbrio entre os interesses dos produtores e usuários sempre tem estado sob ameaça no desenvolvimento dos direitos à Propriedade Intelectual e seu sistema de governança, mas parece que os arranjos surgidos recentemente não beneficiam nem os criadores individuais nem o público de forma ampla. Os principais beneficiários dos arranjos têm sido os conglomerados de mídia, cujo principal negócio é o conteúdo. Muitas das fusões vistas recentemente nesse setor foram, de fato, motivadas pelo desejo de obter controle sobre os direitos de conteúdos, como, por exemplo, investimento em filmotecas ou em coleções de músicas. Os desenvolvimentos recentes nas tecnologias digitais, que abrem possibilidades sem precedentes para o acesso livre e fácil, para a utilização do conhecimento, também têm tornado a produção, reprodução e distribuição profissional de conteúdo vulnerável à pirataria em grande escala. Isso tem feito com que os proprietários de conteúdo fiquem muito preocupados quanto aos seus direitos à propriedade e interessados na criação de um regime legal reforçado para a sua proteção. Contudo, a proteção à Propriedade Intelectual não está isenta de riscos, pois também restringe o acesso ao conhecimento, uma vez que define o conhecimento como propriedade privada e tende a facilitar práticas monopolistas. A concessão de um controle monopolista sobre uma invenção pode restringir a sua utilização social e reduzir os benefícios públicos potenciais. O princípio de controle exclusivo sobre a exploração das obras que alguém criou pode constituir-se num direito efetivo ao controle monopolista, que restringe o livre fluxo de idéias e de conhecimento. Nas batalhas atuais travadas pelas corporações contra a pirataria, parece que os protagonistas principais estão, em geral, mais preocupados com a proteção dos investimentos do que com a integridade moral das obras criativas ou com a qualidade da vida cultural no mundo. 130


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No regime de direitos à Propriedade Intelectual que está emergindo, algumas poucas megaempresas tornam-se as controladoras globais da herança cultural da humanidade. Ao mesmo tempo, dificilmente os pequenos produtores individuais ou comunitários de literatura, artes ou música se beneficiam de proteção legal internacional. A maior parte do dinheiro coletado vai para uma pequena porcentagem de pessoas criativas (cerca de 90% do dinheiro vai para 10% das pessoas criativas) e a maioria dos artistas que produzem Propriedade Intelectual recebem uma porção menor dos fundos coletados (cerca de 90% dividem 10% de recursos). A maior parte do dinheiro vai para artistas-estrelas e autores de best-sellers. A indústria da mídia não faz dinheiro criando diversidade cultural tanto quanto ganha com os artistas blockbusters. Caso haja mais variedade no mercado musical, por exemplo, os títulos pequenos e independentes iriam competir com os líderes de mercado transnacionais. Embora isso se encaixe no pensamento tradicional sobre mercados livres, a indústria, na realidade, prefere a consolidação do que a competição! Tem se tornado cada vez mais claro que o movimento para proteger produtos de mídia contra reprodução não-autorizada leva a um crescente nível de restrições à reprodução para propósitos privados. Os direitos à Propriedade Intelectual são reconhecidos pela DUDH (artigo 27), que coloca a proteção à Propriedade Intelectual no contexto de outros Direitos Humanos, como a liberdade de expressão e o direito ao acesso à informação e ao conhecimento. Esse contexto de Direitos Humanos deve moldar o ambiente político para todas as partes envolvidas: produtores, distribuidores, artistas e consumidores. Isso implica que a proteção aos direitos à Propriedade Intelectual não pode ser separada do contexto do direito à plena participação na vida cultural, estendido a todos; o direito ao acesso em condições razoáveis, para todos; o reconhecimento aos direitos morais dos produtores culturais; os direitos dos artistas criativos; a diversidade da produção cultural e a proteção do domínio público. Um acordo internacional baseado nos Direitos Humanos sobre a proteção aos direitos de Propriedade Intelectual deveria reconhecer as necessidades de todas as pessoas, a noção de direitos comuns e o compartilhamento dos benefícios (o Acordo da Organização Mundial de Comércio sobre os Direitos à Propriedade Intelectual Comerciáveis, de 1993, reconhece em seu preâmbulo, os direitos à Propriedade Intelectual apenas 131


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como direitos privados). O seu propósito básico seria social mais do que comercial, e os direitos à Propriedade Intelectual deveriam ser vistos como direitos de liberdade mais do que como direitos de restrição e propriedade. A concepção inicial dos direitos à Propriedade Intelectual como Direitos Humanos concebia a restrição ao uso de tal propriedade apenas temporariamente. Essa monopolização era vista como socialmente aceitável desde que o produto eventualmente voltasse ao domínio público. Os esforços atuais para estender a duração da proteção (tal como nos Estados Unidos, onde recentemente a proteção foi estendida de 50 para 70 anos após a morte do autor) aponta para a direção de uma restrição praticamente ilimitada. Direitos Humanos e responsabilidades corporativas Muitas das operações das corporações transnacionais ao redor do globo têm dimensões relacionadas aos Direitos Humanos. As atividades comerciais de um número crescente de corporações transnacionais afetam questões como o aquecimento global, o trabalho infantil, os alimentos geneticamente modificados e os mercados financeiros. Segundo as políticas de liberalização e desregulamentação amplamente disseminadas e aceitas, o alcance e a liberdade das corporações transnacionais têm se expandido consideravelmente sem o desenvolvimento paralelo de suas responsabilidades sociais. As corporações transnacionais, contudo, enfrentam desafios públicos à sua conduta moral, e para alguns atores corporativos isso têm significado que eles precisam começar a refletir sobre padrões de boa Governança Corporativa e Responsabilidade Social. Algumas empresas têm proposto que o atendimento voluntário aos padrões de Direitos Humanos (por meio de códigos de conduta e autoregulação) é bom para os negócios e faz com que as empresas pareçam melhores aos olhos dos consumidores, além de evitar processos legais, melhorar a gestão do risco e aumentar a produtividade dos trabalhadores. Em um pronunciamento à ONU, a organização não-governamental Human Rights Watch propôs o desenvolvimento de algumas diretrizes sobre o assunto como primeiro passo ao processo de desenvolvimento de padrões de Direitos Humanos para corporações. Ela acredita “que há a necessidade de padrões vinculantes que previnam que as corporações tenham um impacto negativo no desfrute dos Direitos Humanos. Tais padrões não devem somente se limitar às corporações transnacionais, mas sim serem aplicados a qualquer corporação: local, nacional ou transnacional”. O Relatório da ONU sobre

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Desenvolvimento Humano, de 1999, também argumenta que as corporações transnacionais são muito importantes para que sua conduta seja deixada a padrões auto-determinados e de adesão voluntária. A questão dos Direitos Humanos com relação aos atores privados se tornou mais importante agora que os serviços públicos são geralmente desempenhados por atores privados. Uma vez que as instituições outrora de propriedade estatal, como os serviços postais, são privatizadas, a obrigação, por exemplo, de garantir que o Direito Humano à privacidade não seja violado não pode mudar. A proteção aos Direitos Humanos implica que os Estados devam impedir que agentes privados violem os Direitos Humanos de seus cidadãos. As Diretrizes sobre Violações de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (1997), elaborada durante reunião de especialistas em Maastricht, afirma que: “a obrigação de proteger inclui a responsabilidade dos estados de assegurar que as entidades privadas ou indivíduos, inclusive corporações transnacionais sobre as quais exerçam jurisdição, não privem as pessoas de seus direitos econômicos, sociais e culturais” (ICJ et al., 1997:9). Os Direitos Humanos internacionais realmente dispõem que os Estados têm obrigação de assegurar que os negócios privados respeitem os Direitos Humanos. Isto é parte da responsabilidade indireta dos Estados. Também há, contudo, obrigações diretas para a conduta das empresas comerciais. Há obrigação para todas as partes (como estabelecido no preâmbulo da DUDH) de promover os Direitos Humanos. Isto significa dar publicidade e disseminar os princípios e padrões dos Direitos Humanos, para explicá-los, para ajudar outros a entendê-los e a usar qualquer influência que alguém tenha para protegê-los. A Convenção Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais foi muito explícita sobre a inclusão de atores privados na proteção de Direitos Humanos. O comitê, entre outras coisas, apontou a necessidade do direito à privacidade ser protegido de violações cometidas por entidades privadas. Assumiu também a posição de que os direitos pelos quais é responsável em disseminar realmente se aplicam a partes privadas. Semelhantemente, a Declaração Tripatirte da Organização Mundial do Trabalho sobre Princípios Concernentes às Empresas Multinacionais e à Política Social (1977) refere, no artigo 8, à necessidade de respeito os Direitos Humanos por todas as partes envolvidas (governo, empregadores e sindicatos) e menciona direitos como a liberdade de expressão.

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A Subcomissão para a Promoção e Proteção de Direitos Humanos (um órgão da Comissão de Direitos Humanos da ONU) tem um grupo de trabalho sobre corporações transnacionais e Direitos Humanos. Em 1999, o grupo de trabalho começou a trabalhar em um código de conduta em corporações no tocante aos Direitos Humanos, que foram aprovados para desenvolvimento adicional em 2000. O grupo de trabalho quer, eventualmente, fazer do código um instrumento vinculante. A administração dos EUA se opôs a isto e propôs a dissolução do grupo. Privacidade e segurança Obviamente, para o comércio internacional, a segurança das transações on-line se tornou assunto crucial. A pergunta que surge disto é se podem ser aplicados dispositivos de Direitos Humanos à proteção da privacidade e à confidencialidade das comunicações. A complicação aqui é que a indústria tende a usar um padrão duplo. Por um lado, há forte preferência por proteção das comunicações seguras, como condição prévia essencial para o crescimento do comércio eletrônico, e por outro lado está aumentando o interesse das corporações em coletar e negociar dados pessoais dos consumidores. Tecnologias de criptografia são as ferramentas óbvias para assegurarem comunicações eletrônicas seguras. Esta tecnologia tem vantagens claras para a privacidade dos usuários, mas também facilita a comunicação secreta entre membros de organizações criminosas. A maioria dos países reivindica o direito de ter acesso aos fluxos de informação nos casos em que eles possam arriscar a segurança nacional, ou no caso de processos judiciais que requerem isto. Como resultado, eles tendem a defender posições ambivalentes quanto à criptografia. A tendência dominante nos países da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) é em favor da liberalização da criptografia e da aceitação geral de técnicas de codificação. Um assunto ainda a ser solucionado é se os códigos utilizados no processo de criptografia devem ser depositados com terceiros, de forma que os governos possam acessá-los quando precisem, para segurança ou para propósitos legais. Em março de 1997, a OCDE recomendou uma regulamentação que demonstrava essa ambigüidade de forma muito clara. As Diretrizes da OCDE para a Política de Criptografia formavam um conjunto de princípios não vinculantes sobre o uso das tecnologias de criptografia. Os princípios regulatórios essenciais são a confiança e a 134


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escolha dos métodos de criptografia, o desenvolvimento de princípios de criptografia orientados para o mercado, a necessidade de padronização nos métodos de criptografia, a proteção da privacidade e dos dados pessoais, o acesso coberto por dispositivos legais, a imputabilidade e a cooperação internacional. As regras enfatizam que as políticas nacionais sobre criptografia devem respeitar os direitos fundamentais dos indivíduos à privacidade, à confidencialidade da comunicação e à proteção dos dados pessoais. Contudo, o princípio do acesso, conforme definido nas decisões legais, permanece muito vago e pode ser interpretado de formas distintas, que não fornecem proteção muito clara à privacidade. A OCDE e outros fóruns, tais como as câmaras de comércio, estão inclinados a adotar um sistema no qual as chaves de criptografia sejam depositadas com organizações independentes. Uma questão que se levanta sobre essa possibilidade é o que isso significaria no caso dos cidadãos que respeitam a lei passem a obedecê-la, enquanto os criminosos desenvolvem seus próprios sistemas de criptografia. Na União Européia, a maioria dos governos tende a permitir aos usuários de meios eletrônicos de transmissão que utilizem formas de criptografia, porém solicitando o acesso nos casos em que for muito necessário. Uma recomendação do Conselho da Europa relativa aos problemas das leis sobre procedimentos criminosos com a tecnologia da informação destaca a necessidade de minimizar os efeitos negativos da restrição da criptografia para o processo criminal, ao mesmo tempo em que se permita o uso legítimo das tecnologias. Em 8 de outubro de 1997, a Comissão Européia emitiu uma recomendação, chamada Rumo a um Modelo Europeu para Assinaturas Digitais e para Criptografia. A Comissão enfatizou o significado de uma proteção forte da confidencialidade das comunicações eletrônicas, pois estava preocupada com o fato de que a restrição às tecnologias de criptografia pudesse afetar negativamente a proteção à privacidade. Na verdade, a Comissão sentiu que as restrições poderiam tornar os cidadãos comuns mais vulneráveis aos criminosos, uma vez que esses últimos não se sentiriam constrangidos em utilizar essas tecnologias. A preferência individual em ser deixado sozinho e sem ser incomodado (direito à privacidade) conflita com o desejo de instituições públicas e privadas de reunir informações sobre os indivíduos. O desen135


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volvimento de tecnologias de informação e comunicação digitais aumentou a tensão desse conflito, bem como o seu senso de urgência. A proteção aos dados pessoais sempre foi um desafio difícil, mas com o desenvolvimento de tecnologias, como a Internet, o esforço tem se tornado muito desencorajador. Informações sobre como as pessoas utilizam a Internet são coletadas de várias formas (tais como os chamados cookies), e cada ato no ciberespaço contém um perigo real de invasão de privacidade. Usar um correio eletrônico, por exemplo, implica, inevitavelmente, uma perda considerável do controle sobre sua privacidade pessoal, a menos que os usuários sejam treinados para o uso de técnicas de criptografia, enquanto essas não sejam proibidas por lei. Quando nos envolvemos em transações no ciberespaço, nós deixamos um rastro digital por meio de cartões de crédito, de bônus e de visita. E com o crescimento das transações online, a coleção de dados pessoais vai aumentar. Eles não somente são atrativos para as empresas, para saber as preferências de seus clientes, como são vendáveis a terceiros, gerando lucro. Adquirir dados sobre o perfil biogenético de uma pessoa, bem como dados de consumo, pode ser muito valioso para uma empresa de seguros, entre outras. A combinação de informações sobre pressão alta e compra de bebidas alcoólicas, por exemplo, ajuda a seguradora a definir o nível de risco e também o preço que o cliente deverá pagar por sua apólice. Dados pessoais estão armazenados em lugares conhecidos como armazéns de dados (data warehouses). Com a ajuda de sistemas de informação cada vez mais inteligentes, todos esses dados podem ser analisados, detalhados e perfis pessoais podem ser compostos por meio da combinação de dados de várias fontes. Isso permite que sejam respondidas, em profundidade e com razoável acerto, perguntas sobre o comportamento de certas categorias de clientes, o que implica, por um lado, que eles podem ser melhor servidos pela venda de bens e serviços customizados. Mas isso também aponta que a sua privacidade vai ser progressivamente minada. Coletar, analisar e interpretar dados pessoais se tornou uma indústria (data mining). Propriedade corporativa As leis de Direitos Humanos internacionais não contêm nenhum dispositivo diretamente relacionado à questão da propriedade de informação e das organizações de comunicação. Não há padrões que regulem a

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possibilidade de monopolização ou oligopolização, tanto da produção quanto da distribuição de bens/serviços informacionais e comunicacionais. Contudo, há uma série de dispositivos sobre a diversidade do conteúdo cultural e das fontes de informação, a função social da informação, o compartilhamento eqüitativo da informação e do conhecimento, e a especificidade dos bens e serviços culturais, como algo mais do que meramente bens de consumo. É difícil enxergar como esses dispositivos podem ser combinados com a questão de um controle monopolista ou oligopolista dos mercados de informação e comunicação. As implicações dos dispositivos atuais sobre Direitos Humanos parecem apontar para a necessidade de variedade de produtores e distribuidores de bens e serviços de informação e comunicação que sejam independentes, e para uma mistura equilibrada de propriedade privada, atores corporativos comerciais, atores públicos e instituições sem fins lucrativos. Os instrumentos relevantes • A Declaração Universal de Direitos Humanos (1948); • A Convenção Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (1966); • A Declaração da Organização Internacional do Trabalho sobre Princípios Relativos a Empreendimentos Multinacionais e Política Social (1977); • A Declaração da ONU sobre o Direito ao Desenvolvimento (1986). SOCIEDADES E DESENVOLVIMENTOS INFORMACIONAIS: RESUMO Os dispositivos de Direitos Humanos relevantes para as interações entre as sociedades e os desenvolvimentos informacionais podem ser resumidos na tabela seguinte:

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TABELA 1: DISPOSITIVOS DE DIREITOS HUMANOS D im ensões Tecnologia

D ispositivos de D ireitos H um anos § A cesso à educação técnica § U so da tecnologia para prom overos D ireitos H um anos § Com partilham ento eqüitativo dos benefícios da tecnologia § Proteção contra os efeitos nocivos § Participação na concepção de políticas públicas § A tenção para as necessidades de grupos em situações de

desvantagem C ultura

§ A uto-determ inação do desenvolvim ento cultural § D iversidade do trabalho criativo e conteúdos de m ídia § Participação na vida cultural § Reconhecim ento de práticas culturais § Com partilham ento dos benefícios do desenvolvim ento

científico § U so da língua m aterna § Proteção da herança cultural § Envolvim ento nas polít icas culturais

Política

§ Liberdade de expressão § Liberdade de opinião § Proteção contra o incitam ento ao ódio e à discrim inação § Proteção à privacidade § Proteção aos prisioneiros de guerra § Presunção da inocência § Responsabilidade de fornecerinform ações sobre questões de interesse público § Elim inação de conteúdos estereotipados

Econom ia

§ A uto-determ inação do desenvolvim ento econôm ico § D ireito ao desenvolvim ento § Proteção à Propriedade Intelectual § Responsabilidade socialem presarial § Privacidade/segurança § Propriedade corporativa

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IMPLEMENTAÇÃO A mais importante questão para a significância e a validade do regime de Direitos Humanos é o fortalecimento dos padrões que eles propõem. Fortalecimento Há evidências abundantes de que esses padrões são quase incessantemente violados ao redor do mundo, por atores com variadas posições políticas e ideológicas. Ao se analisar os relatórios anuais da Anistia Internacional, por exemplo, parece que não há nenhum país onde os Direitos Humanos não sejam violados. Para filósofos da moral, isso não é, na verdade, surpreendente. Está relacionado ao clássico hiato entre o conhecimento moral possuído por seres humanos e sua intenção de agir moralmente. Os mecanismos que a comunidade internacional desenvolveu para lidar com o “hiato moral” são amplamente inadequados. Os atuais procedimentos são baseados principalmente no Protocolo Opcional (OP) à Convenção Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (1966) e a Resolução 1503, adotada pelo Conselho Econômico e Social da ONU, em 1970. O protocolo autoriza ao Comitê de Direitos Humanos da ONU a receber e considerar comunicações de indivíduos dos países signatários do OP (atualmente 75 países) que aleguem serem vítimas de violações dos Direitos Humanos ou de qualquer um dos direitos estabelecidos na Convenção. Essas reclamações são publicadas como parte de um relatório sobre Direitos Humanos nos países. O OP dispõe sobre as comunicações, análise e relatório, mas não sobre sanções. O Conselho Econômico e Social da ONU, em sua resolução 1503, reconhece a possibilidade de reclamações individuais sobre violações dos Direitos Humanos. Ela autoriza à Comissão de Direitos Humanos da ONU a examinar “comunicações, junto com as respostas dos governos, se houver, as quais aparentem revelar padrões consistentes de graves violações dos Direitos Humanos”. O procedimento estabelecido pela resolução 1503 é lento, confidencial e não dá aos indivíduos o direito de recurso. Adicionalmente ao papel da Comissão sobre Direitos Humanos da ONU e do Comitê de Direitos Humanos de monitorar o cumprimento da Convenção Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, outros mecanismos institucionais para a implementação da mesma são o Comitê para a Eliminação da Discriminação Racial, o Comitê para os Direitos Econômicos, Sociais e Políticos, o Comitê sobre a Eliminação da Discriminação contra a Mulher, o Comitê contra a Tortura, o Comitê sobre os Direitos das Crianças. Embora o trabalho de todos esses organismos seja importante, a sua 139


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autoridade para fortalecer os padrões dos Direitos Humanos é muito limitada. Seus membros são representantes dos países. Descobertas da Comissão têm um certo significado, mas não são vinculantes. O Comitê de Direitos Humanos da Convenção Internacional sobre Direitos Civis e Políticos consiste de 18 especialistas que supervisionam a implementação da Convenção. O trabalho do Comitê cobre apenas os Estados que assinaram a Convenção (atualmente 129 países) e fornece monitoramento internacional com base nos relatórios feitos pelos países. O monitoramento do Comitê não resulta em qualquer sanção, mas pode gerar alguma publicidade negativa com relação ao desempenho de determinado país no campo dos Direitos Humanos. O Comitê sobre a Eliminação da Discriminação Racial foi estabelecido para a implementação da convenção sobre discriminação racial. Ele pode receber reclamações de estados, mas apenas 14 estados autorizaram o Comitê a receber reclamações de indivíduos. O órgão de implementação da Convenção sobre a Eliminação da Discriminação contra a Mulher é o Comitê sobre a Eliminação da Discriminação contra a Mulher, que é autorizado a receber comunicações de indivíduos. O Comitê sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais não tem direito de receber reclamações de indivíduos ou grupos. Em seu relatório à Conferência Mundial sobre Direitos Humanos da ONU, de 1993, o Comitê pediu por um procedimento formal para reclamações: “Uma vez que a maioria dos dispositivos da Convenção (e mais notavelmente aqueles relativos à educação, saúde, alimentação e nutrição, e habitação) não são alvo de qualquer escrutínio detalhado em nível internacional, é mais improvável que eles venham a ser objeto de exame no nível nacional” (ONU, 1993a: parágrafo 24). Em 1997, a 53ª sessão da Comissão sobre Direitos Humanos da ONU discutiu uma minuta de protocolo para um procedimento de reclamações e, em uma resolução, afirmou o interesse dos seus membros na minuta. Este foi o primeiro passo no longo processo que culminou no Protocolo Opcional. Para a Convenção sobre os Direitos da Criança, as instituições e procedimentos para um fortalecimento sério dos direitos são amplamente não efetivos. Em 1991 os países signatários da Convenção elegeram pela primeira vez um órgão de monitoramento para a Convenção: o Comitê sobre os

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DIREITOS HUMANOS PARA A SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO

Direitos da Criança. Composto por 10 especialistas, este comitê reúne-se três vezes por ano para examinar os relatórios de implementação que são submetidos pelos países-membros que aceitaram o dever (artigo 44 da Convenção) de relatarem regularmente os passos tomados para implementar a Convenção. Contudo, um importante trabalho do Comitê, o de reforçar os padrões da Convenção, é severamente limitado. Além do mais, a Convenção não permite que sejam recebidas reclamações individuais de crianças ou de seus representantes sobre eventuais violações. Os obstáculos Adicionalmente à fraqueza dos mecanismos formais de fortalecimento (as condições “internas”), as seguintes condições “externas” impedem a implementação efetiva dos dispositivos de Direitos Humanos: • A ampla falta de conhecimento ao redor do mundo sobre a existência dos Direitos Humanos. Há muitos esforços no campo da educação para os Direitos Humanos, mas, no momento, o comprometimento com recursos para esses esforços é claramente insuficiente; • A atual suspensão, em nível mundial, de Direitos Humanos fundamentais, em função da guerra ao terrorismo ou da proteção à segurança nacional; • A ausência de vontade política de comprometer recursos adequados para a realização dos Direitos Humanos; • O alargamento do “hiato digital” (digital divide) entre e intrasociedades e a recusa comum dos elaboradores das políticas públicas de enxergar o hiato digital e sua solução como parte da vontade política de resolver o problema do alargamento; • O existente, e em expansão, regime para a proteção dos direitos à Propriedade Intelectual, que impede o acesso eqüitativo à informação e ao conhecimento; • A tendência a sujeitar bens e serviços culturais às regras do regime da Organização Mundial do Comércio e a recusa de isentar a cultura das políticas internacionais de comércio, que ameaçam a diversidade cultural; • A apropriação de muito do conhecimento técnico mundial por corporações privadas e a recusa dos detentores da tecnologia em concordar com padrões internacionais para transferência de tecnologia; • O controle corporativo monopolista ou oligopolista sobre a produção e distribuição dos bens e serviços informacionais e comunicacionais;

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DIREITOS À COMUNICAÇÃO NA SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO

• A proliferação, em nível mundial, de um jornalismo orientado para o mercado, com subinformação – quando não desinformação – do público ao redor do mundo no tocante à questões de interesse público; • As perspectivas limitadas dos Direitos Humanos como sendo principalmente, ou mesmo tão somente, direitos individuais. Isto ignora o fato que as pessoas comunicam-se e se envolvem em práticas culturais, como membros de comunidades, e impede o desenvolvimento de fontes indígenas de informação e de conhecimento. O DIREITO HUMANO À COMUNICAÇÃO Não importa qual a forma de desenvolvimento que será seguida pelas Sociedades da Infomação, nós provavelmente veremos diferentes padrões para o trânsito da informação entre as pessoas. Seguindo uma proposta de Bordewijk e Vann Kaam (1982), quatro padrões podem ser distinguidos: • A disseminação de mensagens (Bordewijk e Van Kaam chamam isso de “alocução”); • A consulta à informação (como em bibliotecas ou na Web); • O registro de dados (para fins públicos ou privados); • O intercâmbio de informação entre pessoas (a modalidade da conversação). Levantamento sobre os Direitos Humanos existentes pertinentes aos desenvolvimentos informacionais mostra que eles cobrem principalmente a disseminação, a consulta e o registro de informações: • Os Direitos Humanos para a disseminação tratam das questões da liberdade do discurso e suas limitações. • Os Direitos Humanos relativos à consulta tratam das questões do acesso e da confidencialidade. • Os Direitos Humanos relativos ao registro tratam das questões da privacidade e da segurança. A tabela seguinte dá um panorama. Padrões Disseminação Consulta Registro

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Dispositivos de Direitos Humanos Liberdade de Expressão Acesso à informação Proteção da privacidade


DIREITOS HUMANOS PARA A SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO

Embora os três primeiros padrões estejam cobertos, há grande omissão nos Direitos Humanos internacionais com relação a dispositivos sobre o quarto padrão – a conversação, ou a comunicação no sentido específico do termo. Praticamente todos os dispositivos de Direitos Humanos referem-se à comunicação como “transferência de mensagens”. Isto reflete uma interpretação da comunicação que se tornou bastante comum desde que Shannon e Weaver (1949) introduziram a teoria matemática da comunicação. O seu modelo descreve a comunicação de forma linear, como um processo de mão única. Isto é, contudo, uma concepção muito limitada e por vezes enganosa de comunicação, por ignorar o fato de que, na essência, “comunicar” refere-se a um processo de compartilhar, tornar comum ou criar uma comunidade. Comunicação é utilizada para a disseminação de mensagens (tal como no caso dos meios de comunicação de massa), para a consulta às fontes de informação (como pesquisas em bibliotecas ou buscas na World Wide Web), para o registro de informações (como acontece nos bancos de dados) e para as conversas das quais as pessoas participam. As leis existentes de Direitos Humanos, asseguradas pelo artigo 19 da DUDH e artigo 19 da Convenção Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, cobrem o direito fundamental à liberdade de opinião e de expressão. Isto é, indubitavelmente, uma base essencial para o processo de diálogo entre as pessoas, mas não se constitui como tráfego de mão dupla. É a liberdade de expressão do mendigo que fala em uma esquina, e a quem ninguém tem que ouvir, e que pode não estar se comunicando com ninguém. O artigo também se refere à liberdade de ter opiniões: isto se refere às opiniões dentro da cabeça das pessoas, que podem servir para a comunicação consigo mesmo, mas não necessariamente traz uma obrigatoriedade de comunicação com outros. Menciona o direito de buscar informações e idéias: dispõe para o processo de consultar e reunir notícias, por exemplo, o que é diferente de comunicar. Também há o direito a receber informação e idéias, o que é também, em princípio, um processo de mão única: o fato de que eu possa receber quaisquer informações ou idéias que eu queira não implica que eu esteja envolvido em um processo comunicacional. Finalmente, há o direito a disseminar informações ou idéias: isso se refere à disseminação/alocução que vai além da liberdade de expressão, mas da mesma forma não implica em diálogo ou intercâmbio. Em suma, os dispositivos dos artigos tratam apenas de um processo de mão-única de transporte, recepção, consulta e alocução, mas não do processo de mão-dupla, que é a conversação. 143


DIREITOS À COMUNICAÇÃO NA SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO

Questão crucial para este capítulo é como esta omissão pode ser remediada. Em 1969, Jean d’Arcy introduziu o Direito à Comunicação, ao escrever “vai chegar o tempo em que a Declaração Universal dos Direitos Humanos vai ter que abranger um direito mais extensivo do que o direito humano à informação. (...) Este é o direito do homem a comunicar”. (D’Arcy 1969:14). A comunicação precisa ser entendida como um processo interativo. As regras adotadas foram criticadas por focarem muito no conteúdo do processo. “É a informação, por si mesma, que é protegida” (Fisher 1983:8). “As declarações anteriores sobre a liberdade de comunicação ... implicavam que a liberdade de informação era um direito de mão única de um nível mais elevado para um nível mais baixo” (Fisher 1983:9). Há uma crescente necessidade de participação: “mais e mais pessoas podem ler, escrever e usar equipamentos de transmissão em massa, e não podem mais continuar a ter acesso negado à participação nos processos de mídia por ausência de comunicação ou habilidades manuais” (Fisher 1983:9). O direito de comunicar é percebido por seus protagonistas como mais fundamental do que o direito à informação, como atualmente disposto pelas leis internacionais. A essência do direito seria baseada na observação de que a comunicação é um processo social fundamental, uma necessidade humana básica e o fundamento de todas as organizações sociais. A idéia foi introduzida no âmbito da Unesco desde 1974. A 18ª sessão da Conferência Geral da Unesco, em sua resolução 4.121, afirmou que “todos os indivíduos devem ter acesso igual às oportunidades de participação ativa nos meios de comunicação e de se beneficiar de tais meios, enquanto preservam o direito à proteção contra seus abusos”. A resolução autorizou então o diretor geral a “estudar caminhos e meios pelos quais uma participação ativa no processo de comunicação possa se tornar possível e analise o direito de comunicar”. Em maio de 1978, o primeiro seminário de especialistas da Unesco sobre o direito de comunicar teve lugar em Estocolmo (em cooperação com a Comissão Nacional da Suécia, da Unesco). Os participantes identificaram diferentes componentes do conceito do direito a comunicar. Esses incluem o direito à participar, a acessar os recursos de comunicação e o direito de informação. A reunião concordou que grupos devem ter os direitos de acessar e participar do processo de comunicação. Também foi destacado que deve ser dada especial atenção com relação ao Direito à Comunicação de várias minorias – nacionais, étnicas, religiosas e lingüísticas” (Fisher 144


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1982:43). Em resumo, a reunião de Estocolmo concluiu que: “O conceito do direito de comunicar coloca problemas ‘grandes e complexos’, que requerem um panorama maior do que o fornecido por qualquer background cultural, qualquer disciplina profissional ou qualquer órgão particular de experiência profissional. E embora alguns dos aspectos do conceito sejam desconfortáveis para alguns dos participantes e observadores, esses mesmos participantes e observadores também achavam, de uma forma geral, o conceito como esperançoso e encorajador” (Fisher 1982:45). Ainda que a reunião de Estocolmo tenha fornecido ampla análise do direito a comunicar nos níveis individual e comunitário, um segundo seminário de especialistas, focado na dimensão internacional do direito a comunicar, foi realizado durante a Reunião de Especialistas sobre o Direito a Comunicar, em Manila. Essa reunião foi organizada em parceria com a Comissão Nacional da Unesco nas Filipinas e teve lugar de 15 a 19 de outubro de 1979. Os participantes propuseram que o direito a comunicar seja tanto um direito individual quanto social. Como um Direito Humano fundamental, ele deveria ser incorporado à DUDH. Ele tem validade nacional e internacional, abrange deveres e responsabilidades para indivíduos, grupos e nações e requer a alocação de recursos apropriados. Em seu relatório final, a Comissão MacBride, designada pela UNESCO, concluiu que o reconhecimento desse novo direito “promete fazer avançar a democratização da comunicação” (Comissão Internacional para o Estudo dos Problemas da Comunicação, 1980:173). A Comissão declarou que “as necessidades de comunicação em uma sociedade democrática devem ser atendidas pela extensão dos direitos específicos, tais como o direito a ser informado, o direito a informar, o direto à privacidade, o direito a participar na comunicação pública – todos elementos de um novo conceito, o direito de comunicar. No desenvolvimento do que chamamos de uma nova era de direitos sociais, nós sugerimos que todas as implicações do direito de comunicar sejam explorados mais profundamente” (Comissão Internacional para o Estudo dos Problemas da Comunicação, 1980:265). A Comissão também observou que a “liberdade do discurso, da imprensa e de reunião são vitais para a realização dos Direitos Humanos. A extensão dessas liberdades de comunicação para um direito individual e

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coletivo mais abrangente, o direito de comunicar, é um princípio evolutivo do processo de democratização” (Comissão Internacional para o Estudo dos Problemas da Comunicação, 1980:265). De acordo com a Comissão, “o conceito de ‘direito de comunicar’ ainda tem que receber sua forma final e seu conteúdo pleno ... ainda está no estágio de ser pensado através de todas as suas implicações e ser gradualmente enriquecido” (Comissão Internacional para o Estudo dos Problemas da Comunicação, 1980:173). A Conferência Geral da Unesco de 1980, em Belgrado, em sua resolução 4/19,14, definiu direito de comunicar como sendo o “respeito ao direito do público, de grupos étnicos e sociais e de indivíduos de ter acesso à fontes de informação e de participar ativamente no processo de comunicação”. A Conferência Geral da Unesco de 1983, em Paris, adotou a resolução 3.2 sobre o direito de comunicar: “retomando que o objetivo não é substituir a noção de direito de comunicar por quaisquer outros direitos que já são reconhecidos pela comunidade internacional, mas aumentar o seu escopo com relação a indivíduos e os grupos que eles formam, particularmente em vista das novas possibilidades de comunicação ativa e diálogo entre culturas que são abertas pelos avanços nas mídias”. A 23ª Conferência Geral da Unesco, em 1985, em Sofia, solicitou ao diretor-geral que desenvolvesse atividades para a realização do direito de comunicar. No início dos anos 1990, o direito de comunicar havia praticamente desaparecido da agenda da Unesco. Não era mais um conceito crucial no Plano de Médio-Prazo para 1990-95. O direito de comunicar foi mencionado, mas não convertido em ações operacionais. Em 1992, Pekka Tarjanne, secretária-geral da União Internacional de Telecomunicações (UIT) levantou a questão do direito de comunicar e afirmou “eu sugeri aos meus colegas que a Declaração Universal dos Direitos Humanos deve ser emendada para reconhecer o direito de comunicar como um direito humano fundamental” (Tarjanne 1992:45). Durante os preparativos para o Encontro Mundial da ONU sobre a Sociedade da Informação (WSIS), que foi realizado em 2003, em Genebra e será continuado em 2005, na Tunísia, a discussão sobre o direito de comunicar se revitalizou. Isto ocorreu devido, particularmente, às atividades da campanha dos Direitos à Comunicação na Sociedade da Informação (CRIS), durante as reuniões preparatórias do Comitê (em julho de 2002 e fevereiro de 2003). É especialmente significativo que a Secretaria Geral da ONU, em sua mensagem pública no 146


DIREITOS HUMANOS PARA A SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO

Dia Mundial das Telecomunicações (17 de maio de 2003), tenha lembrado à comunidade internacional que “milhões de pessoas nos países mais pobres ainda são excluídas do direito de comunicar, cada vez mais visto como um direito humano fundamental”.4 Em sua evolução, o direito de comunicar não ficou isento de críticas. Desmond Fisher escreveu, ainda em 1982: “O direito de comunicar abraça um espectro muito mais amplo de liberdades de comunicação do que as formulações anteriores, as quais falharam em conseguir apoio geral por causa da incerteza sobre suas conseqüências práticas. Inevitavelmente, a nova formulação vai encontrar uma oposição ainda maior” (Fisher 1982:34). Ao longo do debate, foi continuamente levantada a objeção de que “a comunicação é uma parte tão integral da condição humana que é filosoficamente desnecessário e talvez equivocado descrevê-la como um direito humano” (Fisher 1982:41). Outra objeção apontava para o possível uso do conceito por parte de grupos poderosos na sociedade: “O conceito tem que ser interpretado e isso vai ser feito pelos grupos no poder, não pelos mais fracos ou oprimidos. Limites vão ser fixados dentro dos quais o direito de comunicar pode ser exercido. Esses limites vão ser definidos politicamente e vão favorecer as atuais relações de poder no mundo. O direito de comunicar não é um conceito que leva para uma mudança; é uma tentativa de dar a grupos que trabalham em prol de uma liberação um sentimento de que são levados a sério, enquanto, na prática, o direito de comunicar vai ser usado para preservar a atual ordem do mundo e, talvez, para consolidá-la ainda mais” (Hedebro 1982:68). A oposição ao direito de comunicar veio de diferentes pontos de vista ideológicos. “O conceito do direito de comunicar é alvo de desconfiança das nações ‘ocidentais’ que o vêem como parte dos propósitos relativos à Nova Ordem Informacional e Comunicacional mundial, sobre os quais eles têm muitas suspeitas... Em alguns países socialistas e do Terceiro Mundo, a oposição ao direito origina-se no fato de que ele possa ser usado para justificar a continuidade do presente desequilíbrio massivo no fluxo de informações e 4. (N.T.) Mensagem do Secretário-Geral da ONU por ocasião do Dia Mundial das Telecomunicações, www.itu.int/newsroom/wtd/2003/unsg_message.html, acessado em 23/10/2003.

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para importação irrestrita de tecnologia e informação ocidental e, conseqüentemente, valores ocidentais” (Fisher 1982:34). O governo dos Estados Unidos se opôs ao direito de comunicar nos debates iniciais e denunciou o conceito como artimanha comunista. Em sua rejeição, o principal argumento foi a ligação entre o direito de comunicar e a noção dos direitos das pessoas. Embora a referência às pessoas e aos direitos das pessoas seja muito comum na história política dos Estados Unidos, no contexto da Unesco isso foi visto como defesa dos direitos dos países e uma ameaça aos direitos individuais. Uma questão importante para a discussão do direito humano de comunicar é saber se a expansão do regime de Direitos Humanos como um novo direito vai ameaçar os dispositivos já existentes. A lei internacional é um processo vivo e o catálogo dos Direitos Humanos tem crescido consideravelmente ao longo dos últimos anos para incluir novos direitos e liberdades, sem ameaçar os padrões básicos formulados pela DUDH. E, na verdade, não deveria haver razão para problemas com a adição do direito de comunicar, uma vez que tudo o mais permanecerá do mesmo jeito. A última coisa que alguém tentaria fazer é abrir a discussão sobre os artigos da DUDH e revê-los. Esse seria um caminho muito perigoso hoje, porque a comunidade internacional certamente não adotaria um documento tão amplo quanto a DUDH de 1948. Outro importante ponto levantado na discussão presente sobre o direito de comunicar é se esse novo direito leva ou não a um abuso por parte de governos. Todos os dispositivos das leis internacionais podem ser desrespeitadas por parte de governos. Mesmo a Carta da ONU pode ser interpretada por um país membro de formas deturpadas. Adotar um padrão internacional sobre comunicação é mais um problema para governos antidemocráticos do que o direito à liberdade de expressão. Permitir que as pessoas falem livremente nas esquinas ameaça menos um governo do que permitir que as pessoas se comuniquem livremente umas com as outras. O direito à liberdade de comunicação vai ao âmago do processo democrático, e é muito mais radical do que o direito à liberdade de expressão! A tentativa de ter um direito de comunicar adotado pela comunidade internacional deverá, desta forma, ter uma grande resistência. Para os protagonistas do direito de comunicar há várias possibilidades de ação. Primeiro, há uma trajetória na lei internacional formal, onde o final desejado é a incorporação do direito de comunicar nas leis de Direitos Humanos internacionais. Essa rota implica a preparação de uma formulação

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(na forma de uma resolução ou declaração) que seria dotada por uma Conferência Intergovernamental, como a Cúpula Mundial da Sociedade da Informação (WSIS), ou pela Conferência Geral de uma das agências da ONU, como a Unesco. Eventualmente, essa abordagem pode levar a uma Conferência Especial da ONU a fazer uma Minuta de Convenção. Segundo, há um caminho pelo qual os representantes dos movimentos da Sociedade Civil adotam uma declaração do direito de comunicar como um documento inspirador, ferramenta educacional ou como guia para a ação social. Eles não buscam o consentimento de outros setores, como o governo ou empresas, um exemplo dessa abordagem é a Carta de Comunicação das Pessoas. Terceiro, há a opção de expandir a comunidade de países que adotam, tal direito, usando o exemplo da Declaração de Hague sobre o Futuro da Política de Migração e Refugiados. Esta declaração surgiu de uma reunião patrocinada pela Sociedade para o Desenvolvimento Internacional (novembro de 2002) e os signatários eram indivíduos da Sociedade Civil, governo e empresários. Tal declaração funcionou como um lembrete para a comunidade internacional dos padrões relevantes e sugere ações futuras. CONCLUSÃO No final de 2003 e novamente em 2005, a Cúpula Mundial da Sociedade da Informação (WSIS), reunida pela ONU trata de algumas das questões mais importantes no campo da informação e da comunicação. O encontro é inspirado por uma necessidade de encontrar uma visão comum sobre os desenvolvimentos informacionais que atualmente afetam a maioria das sociedades e que são convenientemente reunidos sob o título de “Sociedade da Informação”. A conquista mais significativa da comunidade internacional, desde a II Guerra Mundial, foi a articulação e a codificação de um amplo espectro de Direitos Humanos fundamentais. Pareceria, então, lógico que um modelo normativo de padrões de Direitos Humanos deveria moldar essa visão comum. De fato, nas últimas décadas a comunidade internacional tem adotado e muitas vezes confirmado leis vinculantes e uma variedade impressionante de padrões relativos à informação e à comunicação. Este capítulo fez um panorama desses dispositivos e apontou para o problema maior: a ausência de implementação. Seguindo essa análise, a WSIS pode lembrar à comunidade internacional de tudo o que já foi conquistado e destacar a importância de seriamente identificar e remover os maiores obstáculos à necessidade urgente de implementação dos 149


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dispositivos existentes. A Cúpula também pode apontar que a omissão essencial nos “Direitos Humanos para a Sociedade da Informação” é a ausência de dispositivos de Direitos Humanos concernentes ao modo de conversação da comunicação ou a comunicação como um processo interativo. Como o Secretário-Geral da ONU, Kofi Annan, declarou em sua mensagem no Dia Mundial das Telecomunicações (17 de maio de 2003), o objetivo básico da Cúpula é ajudar todas as pessoas do mundo a se comunicar. “Se, de fato as pessoas do mundo, podem ser ajudadas a participar nas conversações públicas e privadas que afetam suas vidas, a comunidade internacional vai ter que assegurar condições sob as quais esse processo possa ter lugar. A comunicação conversacional entre indivíduos e grupos, seja em público ou em particular, deve ser protegida contra interferência indevida de terceiros. Precisa de confidencialidade, espaço e tempo, e requer o aprendizado da ‘arte da conversação’. Também pede recursos para conversações multilingüísticas, e para a inclusão das pessoas em situação de desvantagem. Tudo isso requer o compromisso de uma comunidade de multistakeholders – governos, organizações intergovernamentais, Sociedade Civil e empresas. Uma declaração da WSIS sobre o ‘direito de comunicar’ pode transmitir ao mundo um forte sinal para a mobilização em prol desse compromisso”.5 Referências Bibliográficas Bordewijk, J.L. and B. Van Kaam 1982. Allocutie. Bosch and Keunig, Baarn. Council of Europe. 1995. Recommendation (R(95)13), Concerning Problems of Criminal Procedure Law Connected with Information Technology. Strasbourg. D’Arcy, J. 1969. “Direct broadcasting satellites and the right to communicate.” EBU Review. No. 118, pp. 14–18. European Commission (EC). 1997. Towards a European Framework for Digital Signatures and Encryption. EC, Brussels. Fisher, D. 1982. The Right to Communicate: A Status Report. UNESCO Reports and Papers on Mass Communication, No. 94. UNESCO, Paris.

5. (N.T.) Mensagem do Secretário-Geral da ONU por ocasião do Dia Mundial das Telecomunicações, www.itu.int/newsroom/wtd/2003/unsg_message.html, acessado em 23/10/2003.

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DIREITOS HUMANOS PARA A SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO

Fisher, D. and L.S. Harms (eds.) 1983. The Right to Communicate: A New Human Rights. Boole Press, Dublin. Hamelink, C.J. 1994. The Politics of World Communication. Sage, London. Hedebro, G. 1982. Communication and Social Change in Developing Nations. Iowa State University Press, Ames. International Commission for the Study of Communication Problems. 1980. Many Voices, One World. Report of the International Commission for the Study of Communication Problems (chaired by Sean MacBride). UNESCO, Paris. International Commission of Jurists (ICJ), Urban Morgan Institute on Human Rights and Maastricht University. 1997. The Maastricht Guidelines on Violations of Economic, Social and Cultural Rights. Maastricht University, Maastricht. Organisation for Economic Co-operation and Development (OECD). 1997. Guidelines for Cryptography Policy. Paris. South Commission. 1990. The Challenge to the South. Oxford University Press, Oxford. Tarjanne, P. 1992. “Telecom: Bridge to the 21st century.” Transnational Data and Communications Report, Vol. 15, No. 4, pp. 42–45. United Nations. 1968. Proclamation of Teheran: Final Act of the International Conference on Human Rights. (Teheran, 22 April–13 May). (UN Doc. A/CONF. 32/ 41 at 3). www1.umn.edu/humanrts/instree/l2ptichr.htm, accessed on 23 October 2003. United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization (UNESCO). 1982. Right to Communicate: Legal Aspects. UNESCO, Paris. ———. 1968. Meeting of Experts on Cultural Rights as Human Rights. Final report (Paris, 8–13 July). UNESCO, Paris.

Cees J. Hamelink é professor de Comunicação Internacional na Universiteit van Amsterdan desde 1984. Desde 2001 é docente também na área de Mídia, Religião e Cultura na Vrije Universiteit em Amsterdan. Tem seu Ph.D. junto à Universidade de Amsterdan, onde estudou Teologia e Psicologia. É editor-chefe do periódico científico Gazette The International Journal for Communication Studies. Tem mais de 16 livros escritos na área de mídias, ICT e Direitos Humanos.

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E AS QUESTÕES DE GÊNERO NA SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO? Dafne Sabanes Plou

RESUMO Apesar de existirem muitos trabalhos sobre gênero e tecnologias de informação e comunicação, oriundos das mais diversas fontes, há poucas referências às muitas questões críticas envolvendo gênero e TIC quando se trata da Sociedade da Informação, em todos os níveis. Uma perspectiva mais abrangente sobre questões de gênero precisa abranger a especificidade e a diversidade das preocupações de diferentes segmentos femininos, seja no Norte como no Sul. Este capítulo busca enfatizar o princípio de que uma orientação geral quanto a questões de gênero precisa ser adotada no momento em que se discute a participação das mulheres na Sociedade da Informação, levando em consideração seus Direitos à Comunicação e sua demanda por plena participação no desenvolvimento mais amplo das TICs. Aqui se inclui o desafio de sua atuação nas novas mídias, a consideração dos direitos trabalhistas no mercado das TICs, a realização de mudanças radicais nas políticas educacionais, a garantia da participação das mulheres na ciência e tecnologia, seu acesso ao processo decisório e um trabalho no sentido de redistribuição eqüitativa dos recursos no campo das TICs. As TICs são um dos campos nos quais as relações de gênero ocorrem, algumas vezes reforçando antigos papéis, outras mudandoos, mas nos tornando conscientes de que os contextos sociais e culturais têm impacto no desenvolvimento e uso das TICs, e que PLOU, D. S. E as questões de gênero na Sociedade da Informação? In MARQUES DE MELO, J.; SATHLER, L. Direitos à Comunicação na Sociedade da Informação. São Bernardo do Campo, SP: Umesp, 2005.


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não é possível se pensar nas novas tecnologias de comunicação como sendo neutras em relação ao gênero. A ausência das vozes das mulheres e de suas perspectivas na Sociedade da Informação também nos mostra que as relações de poder nas novas mídias muitas vezes reproduzem aquelas existentes nas mídias convencionais. A globalização das comunicações produz novos desafios e impactos que precisam ser considerados em relação à igualdade de gêneros. O acesso das mulheres às fontes de informação e aos canais de comunicação é crucial para que elas venham a ter uma participação democrática, respeito aos seus Direitos Humanos e voz igual na esfera pública. Convencido de que as TICs podem ser uma ferramenta importante de fortalecimento, resistência, mobilização social e desenvolvimento nas mãos das pessoas e organizações, trabalhando pela liberdade e pela justiça, o movimento feminino se tornou participante ativo no processo preparatório da Cúpula Mundial da Sociedade da Informação (WSIS). As mulheres estão batalhando para assegurar que o gênero seja uma questão transversal na discussão das políticas de TIC em todos os níveis: internacional, regional e local. Elas incentivam a democratização dos processos políticos dentro do setor de TIC, incluindo o uso de ferramentas de TIC para apoiar o processo, e para formular e implementar políticas de TIC baseadas em princípios de abertura e participação justa. Esta participação coletiva no campo das comunicações é também elemento essencial para o fortalecimento das mulheres. INTRODUÇÃO Apesar de existirem muitos trabalhos sobre gênero e tecnologias de informação e comunicação (TIC) ao redor do mundo, oriundos de diversas partes, poucas referências são feitas às questões críticas concernentes a gênero e TIC, em todos os níveis. Uma perspectiva plenamente informada sobre gênero precisa abranger a diversidade e as especificidades de diferentes categorias de mulheres, tanto no Norte como no Sul. Este capítulo tem por objetivo enfatizar o fato de que uma orientação geral sobre questões de gênero precisa ser adotada quando se discute o papel das mulheres na Sociedade da Informação, levando em consideração seus Direitos à

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E AS QUESTÕES DE GÊNERO NA SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO?

Comunicação e sua demanda por uma participação plena no desenvolvimento das TICs, o que inclui o desafio de sua participação nas novas mídias, a consideração dos direitos trabalhistas no mercado de trabalho das TICs, a realização de mudanças radicais na sua educação e participação na ciência e tecnologia, o incentivo do acesso das mulheres ao processo decisório, e uma redistribuição eqüitativa dos recursos disponíveis no campo das TICs. Uma das conquistas do movimento global em favor dos direitos das mulheres foi a consolidação da “Seção J” sobre Mulheres e Mídias na Plataforma de Ação, de Pequim, durante as reuniões preparatórias para a Quarta Conferência das Nações Unidas sobre Mulheres. A relação entre a mídia, as novas tecnologias de comunicação e o avanço das mulheres se tornou uma das áreas críticas de preocupação discutidas durante a conferência, graças ao ativismo e aos esforços de milhares de mulheres ao redor do mundo. Elas sentiram que faltava sensibilidade para as questões de gênero na mídia e nas TICs emergentes, o que precisava ser tratado de modo a envolver as mulheres nessa indústria em expansão e nesse novo campo do conhecimento, que tem crescentes impactos sociais e culturais e grande influência nas políticas de desenvolvimento. Os dois objetivos estratégicos delineados na Plataforma de Ação de 1995 se tornaram a base para a defesa do trabalho das mulheres num campo das comunicações e sua luta pelo avanço das mulherese em um campo em que elas se sentiam excluídas e manipuladas. Esses objetivos são: • Objetivo estratético J.1: Aumentar a participação das mulheres na expressão e no processo decisório em e através da mídia e das novas tecnologias de comunicação; • Objetivo estratégico J.2: Promover uma partipação equilibrada e não estereotipada das mulheres na mídia. Oito anos mais tarde, a necessidade de reafirmar esses objetivos é urgente, dado o rápido crescimento das telecomunicações, do setor digital, das tecnologias de cabo e satélite, bem como a ênfase na velocidade e na miniaturização das tecnologias, o que permite que as pessoas carreguem dispositivos de comunicação de última geração em seus bolsos, moldando comportamento, pensamento e forma de vida das pessoas (Gil, 2003). As novas tecnologias de comunicação são veículo para um processo de globalização que toma lugar em termos iníquos e que geralmente aumenta a

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desigualdade social e econômica, entre e intra países e pessoas. Ao mesmo tempo, tais tecnologias podem ser ferramenta de fortalecimento da resistência, de mobilização social e do desenvolvimento, quando nas mãos de pessoas e organizações que trabalham pela liberdade e pela justiça. As relações de gênero nas TICs, seja reforçando antigos papéis seja os alterando, destacam o impacto do contexto social e cultural no desenvolvimento e uso das TICs, e o fato de que as novas tecnologias de comunicação não são cegas em relação ao gênero. A ausência das vozes das mulheres e suas perspectivas na Sociedade da Informação também revela que as relações de poder entre gêneros nas novas mídias replicam de muitas formas, o que aconteceu na mídia convencional. Uma abordagem centrada nos Direitos Humanos está moldando o debate sobre os direitos das mulheres na Sociedade da Informação. O movimento feminino acredita que os direitos das mulheres à informação e à comunicação podem fortalecer as oportunidades para uma governança mais democrática, para o exercício da cidadania e para a participação plena no desenvolvimento para todos (UNCSW, 2003). Por outro lado, focar o debate no ativismo político nas e para as TICs, dentro de um quadro dos Direitos Humanos e do Desenvolvimento Humano, incentiva o envolvimento das mulheres. Quando as mulheres associam as TICs à luta contra a pobreza, desemprego, violência, racismo, discriminação e a consolidação da democracia e do crescimento econômico, a sua participação nos programas e políticas de TIC ganha força, impacto e relevância social (Bonder 2002). Entre 1998 e 2000, a Associação Mundial para Comunicação Cristã (WACC – World Association for Christian Comunication) organizou uma série de conferências regionais ao redor do mundo sobre Gênero e Políticas de Comunicação. Comunicadores de organizações de mulheres e feministas se reuniram para discutir o seu papel na Sociedade da Informação e urgiram a necessidade de que o direito das mulheres de comunicar se tornasse efetivo, de forma a construir processos civis e fortalecer a democracia. Os participantes da conferência regional da América Latina consideraram que, para que o direito das mulheres à comunicação fosse mais efetivo e real, esses precisariam incluir: • a liberdade de expressão e a livre circulação de idéias; • o direito de acesso à informação e o direito das pessoas serem apropriadamente informadas;

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E AS QUESTÕES DE GÊNERO NA SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO?

• o direito de acesso aos canais de comunicação como fontes de informação, como expressões de auto-identidade e como sujeitos ativos na construção da cidadania democrática; • o direito das mulheres terem seus próprios canais de comunicação e produzirem suas próprias mensagens comunicativas; • o direito de contar com modelos legais e condições econômicas e tecnológicas para o desenvolvimento das mulheres nesse campo e • o direito de participar nos níveis de tomada de decisão em organizações públicas e privadas (WACC, 1998:5). AS TICs PODEM ABRIR NOVOS CANAIS PARA A PARTICIPAÇÃO DAS MULHERES NO PROCESSO DECISÓRIO? É possível usar a Internet e outras ferramentas de TICs para modificar a situação da cidadania feminina e a defesa dos direitos das mulheres? Podemos dizer que as TIC abrem novos canais para a participação e tomada de decisão nas esferas social e pública? A experiência passada nos mostra que o acesso à mídia pode modificar a estrutura de poder em uma sociedade. O controle sobre o conhecimento e a informação constitui importante fonte de poder e é nesse ponto que a mídia se torna relevante. É notável que as mulheres, que compõem metade da população mundial, sempre tenham que lutar para ter suas vozes na mídia. Segundo uma feminista, “a globalização também significa tornar o patriarcado mais poderoso e mais entricheirado” (Bhasin, 1994:5). Uma das mais bem-sucedidas redes de informação de mulheres na América Latina nasceu de uma necessidade urgente de produzir notícias e informação com uma perspectiva de gênero para fortalecer o movimento nacional de mulheres, afirmar o direito de comunicação delas e quebrar o discurso dominante na mídia, que distorcia em debate sobre a questão dos direitos reprodutivos. Em 1992, o movimento de mulheres no México estava começando a participar no processo preparatório para a Conferência das Nações Unidas sobre População e Desenvolvimento, que aconteceria no Cairo, Egito, em dois anos. Tinha ficado evidente que a informação estava concentrada em apenas um local, a Cidade do México, e fortemente influenciada por poucas vozes, muitas pertencentes às estruturas patriarcais de poder, que queriam manter o controle sobre os corpos das mulheres e suas decisões quanto à sua vida sexual e saúde reprodutiva. As organizações femininas em

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outros estados mexicanos se sentiam isoladas de todas as informações geradas pelo movimento das mulheres, dos debates, das análises políticas, das notícias atualizadas e do planejamento de futuras ações e estratégias. As mulheres não podiam pagar pela comunicação por telefone ou fax e os correios eram muito lentos. Uma ativista feminista, que na época trabalhava em Yucatan, sentia que o isolamento e a falta de comunicação estavam enfraquecendo as iniciativas de uma forma geral. A necessidade de ligar as organizações de mulheres numa base nacional tinha se tornado prioridade e ela decidiu criar uma rede de comunicação eletrônica. Com uma infra-estrutura mínima e algum treinamento prévio sobre o uso do correio eletrônico, um grupo de mulheres começou a Modemmujer, rede de informações e comunicação que tinha como objetivo fortalecer a participação das mulheres no processo. Durante os primeiros anos de trabalho, seja em combinação com as tecnologias já bem estabelecidas (rádio, fax, e mídia impressa) e com o reempacotamento de informações disponíveis on-line, a Modemmujer estava capacitada a superar a distância entre as organizações de mulheres e os processos de tomada de decisão (Sabanes-Plou, 2000). A necessidade de fortalecer a sua participação política fortaleceu a vontade das mulheres na Indonésia de atuarem no campo das TICs. Em 1998, quando as organizações de mulheres estavam demandando o fim do regime de Suharto e trabalhando pelo estabelecimento da democracia em seu país, elas viram que caso quisessem influenciar o novo processo político e ter voz nas decisões sobre o futuro do país, precisariam construir uma estratégia de comunicação. Elas queriam compartilhar suas idéias e propostas com o máximo possível de outras mulheres ativistas. Com as organizações de mulheres dispersas em várias ilhas do extenso arquipélago, era crucial identificar meios de distribuir e trocar informações rapidamente, ao custo mais baixo possível. Um serviço gratuito de lista de discussão baseada na Web se tornou uma opção possível. Então, foi criada a Rumpun e-mail Perempuan (Lista de Discussão de Mulheres), em julho de 1998, já com vários assinantes que se multiplicaram por 10 em dois anos. A lista de discussão cobria anúncios, alertas, novidades, declarações, press releases e tópicos de discussão estritamente sobre questões de mulheres e ativismo. Ao colocarem em prática o seu Direito à Comunicação, as indonésias foram capazes de construir sólidas posições em torno de questões de interesse nacional (Buntarian, 2000). Como as mulheres podem melhorar o desenvolvimento de suas comunidades e desempenhar papel informado na vida pública, sem ter acesso à infor-

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mação plural, aos meios de expressão pública e ao compartilhamento do conhecimento? Como as mulheres podem trabalhar rumo a uma nova ordem geopolítica, governada pelos princípios da paz e do respeito mútuo, sem ter acesso a canais de comunicação para o diálogo e troca de informações? Quando as políticas de TICs são ligadas às questões de Direitos Humanos das mulheres, como declarado na Plataforma de Ação de Pequim, pode ser visto que as TICs oferecem um potencial para a defesa e o avanço desses direitos. As mulheres ao redor do mundo usam as TICs para promoção e proteção de seus Direitos Humanos, usando a Internet para denunciar as violações, enviar alertas e campanhas pelos seus direitos. Elas também estão usando as TICs para facilitar a comunicação entre as organizações, fortalecendo as redes que trabalham para garantir que as mulheres tenham direitos iguais. Ganhar acesso à informação legal (leis e outros instrumentos legais, nova legislação e recursos legais e procedimentos de responsabilização) pela Internet faz com que seja possível que as mulheres discutam as questões de Direitos Humanos com autoridade e, assim, ampliem a sua batalha contra todas as formas de discriminação (IWTC, 2003). Em uma bem-sucedida utilização da Internet em campanhas contra a violência à mulher, a rede Comunicação e Desenvolvimento das Mulheres Africanas (African Women’s Development and Communication Network - FEMNET), baseada no Quênia, lançou a iniciativa Homem a Homem em 2001 para marcar os Dezesseis Dias do Ativismo Contra a Violência contra a Mulher. A campanha mirou em homens para promover o envolvimento masculino nas ações para combater a violência baseada no gênero no nível regional da África. Na Costa Rica, a rádio FIRE (Rádio Feminina Interativa), a primeira estação de rádio feminista baseada na Web na América Latina, organizou uma maratona de 24 horas, em 2000, transmitindo um programa especial no dia 25 de novembro, o Dia Internacional Para a Eliminação da Violência contra a Mulher. A rádio pediu a mulheres de todo o mundo que colaborassem com a programação e convidou outras estações de rádio ao redor do mundo para fazerem transmissão simultânea. Por causa desse esforço, a rádio FIRE recebeu o Prêmio de Construtores da Paz (Peace Builders Award) durante o IV Encontro Mundial de Não-Violência (WomenAction 2000-2001). A globalização das comunicações produz novos desafios e impactos que precisam ser considerados em relação à igualdade de gêneros. O acesso das mulheres à fontes de informação e aos canais de intercâmbio é crucial para a sua participação democrática, o respeito aos seus Direitos Humanos e sua possibilidade de intervenção, em termos legais, na esfera pública.

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QUESTÕES DE GÊNERO NA SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO “Velhos” padrões na “nova” mídia? As “novas” TICs já refletem muitos dos padrões de gênero (com relação ao poder, valores, exclusão etc.) que têm sido evidentes por décadas na “velha” mídia. Na verdade, esses padrões não podem ser separados dos padrões de relações de gênero da sociedade como um todo. Tanto a velha quanto a nova mídia não podem, por si mesmas, oferecer soluções para o problema. Suas estruturas refletem, em nível mais amplo, as relações sociais, econômicas e políticas nas quais as mulheres tendem a ser marginalizadas. Por exemplo, as novas mídias, como as antigas, são veículos primariamente voltados à transmissão de idéias, imagens e informação. Uma questão para as mulheres, com relação às velhas e às novas mídias, é quem decide sobre o acesso, o conteúdo e o controle. Essencialmente, muitas das questões são as mesmas que existem desde que se começou a pensar em questões de poder e relações de poder no âmbito do gênero. No presente, as organizações de mulheres constatam que, apesar de haver mais mulheres com graus universitários no campo das comunicações e mais mulheres treinadas com habilidades comunicativas, pouco se ganhou em termos de acesso a organismos com poder decisório, à quebra da parede de vidro nas companhias, públicas ou privadas, de comunicação, ou mesmo em termos de tomar parte na elaboração de políticas nos níveis local e nacional. Durante a revisão do documento Pequim+5, as mulheres comunicadoras da América Latina emitiram um documento chamado “Nós alcançamos os nossos compromissos, e vocês?” (WomenAction, 2000), no qual elas descrevem as conquistas do movimento das mulheres na região em termos de atendimento aos objetivos da Seção J. Elas também questionaram os governos e o setor privado sobre os seus esforços e as conquistas nessa área, as quais foram muito limitadas e não avançaram muito desde então. Embora existam milhares de páginas na Web pertencentes às organizações de mulheres ou a mídias alternativas que dão espaço para as questões e preocupações das mulheres, os jornais e as agências de notícias que utilizam a Internet mantém as mesmas políticas de suas versões impressas. A tecnologia mudou, mas os fundamentos permanecem os mesmos. A ausência das mulheres na informação é crucial porque hoje a mídia desempenha papel decisivo na construção da agenda pública. A mídia destaca algumas agendas ou questões, priorizando algumas em detrimento de outras, ou ao dar a algumas vozes ou

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imagens privilégios em detrimento de outros. Como consequência, a mídia (e sua presença na Internet) dissemina uma imagem do mundo na qual as mulheres são estereotipadas de forma discriminatória e debilitadora ou simplesmente não existem. A sua invisibilidade como atores sociais resulta no fato de que os seus pontos de vista e as suas preocupações são sub-representadas no debate que define as políticas públicas que comandam nossas sociedades. O retrato das mulheres na mídia é um desafio urgente que precisa ser tratado em todas as regiões e em todos os tipos de mídia (Spears et al., 2000). Ainda se mantém um retrato sexista e estereotipado das mulheres na mídia e há necessidade de trabalhar com os profissionais da área para criar um ambiente que promova a igualdade dos gêneros, ao promover imagens positivas da mulher e seus pontos de vista. Muitas organizações de mulheres, em diferentes partes do mundo, têm desenvolvido estratégias para fazer lobby e defender seus direitos no tocante à evitar a violência baseada no gênero. Em 1998, a Associação de Mulheres da Mídia da Tanzânia organizou oficinas para sensibilizar jornalistas, como parte de uma campanha de lobby para emendar a Lei de Casamento daquele país, a qual, por seu conteúdo ambíguo, favorece a violência doméstica, negando às mulheres e às crianças os seus direitos. As oficinas mobilizaram boa cobertura da mídia e ajudaram as mulheres na defesa da necessidade de revisão da lei. No Nepal, Sancharika Samuha (Forum de Mulheres Comunicadoras) focou no uso da mídia para tratar das violações dos Direitos Humanos das mulheres. O Fórum desafiou a campanha da mídia principal contra a concessão às mulheres de alguns direitos de herança iguais aos dos homens. O grupo conseguiu colocar artigos sobre os direitos iguais de herança na imprensa, produzir seus próprios jingles para rádio e publicidade na televisão, distribuiu posteres e fez workshops com jornalistas e ONGs. Como resultado, surgiu um novo estado de consciência entre os jornalistas e o público em geral sobre os direitos das mulheres (Gallagher, 2001). Outra questão a considerar é o fato de que a imagem das mulheres na Internet geralmente reproduz um modelo que reforça estereótipos já existentes na sociedade e moldam o papel das mulheres como atoras sociais e sua capacidade de influenciar a vida pública e a discussão de questões públicas. A Internet não está livre de imagens e retórica sexista e é utilizada crescentemente para divulgar pornografia violenta e pedofilia, assim como para o tráfico de mulheres e crianças. O movimento das mulheres acredita que as políticas que buscam redirecionar esse uso da Internet não deveriam, em nenhuma circunstância, serem utilizadas para promover um controle centralizado de todo o

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conteúdo desenvolvido na Web (GSWG 2003). Devem haver políticas para encorajar o setor a eliminar a violação dos direitos das mulheres e os provedores de serviços de Internet deveriam assumir esforços para minimizar a pornografia, o tráfico de mulheres e todas as formas de violência baseada no gênero on-line, re-examinando suas próprias políticas editoriais e de usuários com perspectiva de gênero (IWTC 2003). Definindo o desenvolvimento das TICs a partir de uma perspectiva de gênero O acesso às TICs é tipicamente dividido, como as linhas tradicionais de desenvolvimento resultantes de um acesso desigual, fenômeno que se tornou conhecido como “digital divide” ou exclusão digital. Essa exclusão é geralmente caracterizada por altos níveis de acesso à tecnologia, incluindo a Internet, nos países desenvolvidos, enquanto a infra-estrutura para seu uso nas nações menos desenvolvidas ainda está em nível muito baixo, graças à pobreza, à falta de recursos, ao analfabetismo e aos baixos níveis de educação. O acesso para as pessoas no mundo em desenvolvimento continua a ser marginal, porque o alto custo da conectividade resulta na sua exclusão do sistema global emergente, que está sendo construído em torno da informação e do conhecimento. As mulheres são particularmente marginalizadas, uma vez que a maioria delas não tem poder aquisitivo e nem acesso aos modernos meios de comunicação. As mulheres estão no ponto mais fundo do abismo digital e essa tem sido a principal mensagem dos defensores das questões de gênero no tocante ao desenvolvimento das TICs (APC WNSP, 2001). Prioridade essencial que tem guiado o movimento das mulheres na última década é a abordagem intersetorial. Isso leva em consideração as necessidades diversas e as perspectivas de mulheres oriundas de diferentes contextos geopolíticos, históricos, de classe social, raciais e étnicos. Os movimentos das mulheres consideram que estratégias e soluções para se alcançar a igualdade dos gêneros, incluindo o desenvolvimento das TICs, precisam atacar a raiz das relações iníquas de poder – não apenas entre homens e mulheres, mas fundamentalmente entre ricos e pobres, Norte e Sul, urbano e rural, poderosos e marginalizados (GSWG 2003). As mulheres estão sub-representadas em todas as estruturas de decisão concernentes às TICs, e as políticas de TICs atualmente estão baseadas na premissas de que as tecnologias de informação e comunicação são neutras no

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tocante ao gênero e que as mulheres precisam se adaptar às novas tecnologias, ao invés de se desenvolverem políticas de TICs específicas para atender aos interesses e necessidades das mulheres. Está claro que sem intervenção das ativistas de gênero, as novas TICs provavelmente não trarão contribuição positiva para a igualdade dos gêneros, ao desenvolvimento sustentável e para a democratização das comunicações. Especialistas em gênero e outras questões de TIC consideram que “há evidência substantiva para apoiar o argumento de que a elaboração de políticas no campo tecnológico ignora as questões de gênero” (Hafkin 2002:3). As análises de gênero têm avançado substancialmente nos campos econômico e social, mas são raramente usadas quando se leva em consideração as tecnologias de informação e comunicação. As diferenças de gênero e as disparidades têm sido ignoradas nas políticas e programas lidando com o desenvolvimento e a disseminação de tecnologias avançadas. Como resultado, as mulheres têm se beneficiado cada vez menos e se encontram em situação de desvantagem em relação aos avanços tecnológicos. As mulheres, desta forma, precisam se envolver ativamente na definição, projeto, desenvolvimento de novas tecnologias, de forma a evitar outras formas de exclusão e a garantir que as mulheres e garotas tenham acesso igual às oportunidades relativas aos desenvolvimentos da ciência e da tecnologia (APC WNSP, 2001). Avaliação das relações de gênero num telecentro de uma vizinhança empobrecida descobriu que os pais não queriam que seus filhos, especialmente as meninas, fossem ao telecentro porque consideravam o centro como um “antro de perdição”, importante ressaltar que o telecentro tinha um programa especial para a juventude que não estava na escola. Menos de 2% dos usuários eram garotas. Os avaliadores viram que essas garotas dificilmente usavam os computadores. Ao contrário, elas sentavam-se ao lado dos rapazes e observavam como eles surfavam na Internet, jogavam e trabalhavam no computador. Todos os treinadores, gerentes e pessoal de apoio técnico eram homens; havia apenas duas mulheres na equipe de apoio administrativo de logístico. A gestão percebeu que a falta de participação das garotas no telecentro era um indicativo da falha da iniciativa em atender às necessidades da comunidade e dos jovens. Novos programas e serviços para garotas e jovens mulheres foram planejados para superar essa situação. Este é um exemplo que precisa ser examinado em perspectiva mais ampla: o que os elaboradores de políticas deveriam fazer para assegurar que o hiato de gênero seja superado no campo das TICs?

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Os programas educacionais de promoção do uso das TICs entre as mulheres, particularmente as garotas e mulheres jovens, são altamente instrumentais e insensíveis no tocante às questões de gênero. Há necessidade de desenvolvimento de projetos educacionais que estimulem as habilidades críticas e criativas e incentivem na maior participação das mulheres no design e produção de novas tecnologias. A falta de reconhecimento das iniquidades de gênero em todas as áreas sociais e nos campos tecnológico e científico em particular é responsável pela ausência de políticas justas em termos de gênero nessa área. Muitas mulheres não têm o capital educacional e cultural para administrar o imenso fluxo de informação que a Internet oferece e que não pode ser disponibilizado tão somente por computadores. Conexões inteligentes e seletivas precisam ser feitas e demandam muito mais tempo do que as mulheres normalmente têm, por causa de seus deveres para com a família ou o trabalho. A falta de infra-estrutura e de habilidades tecnológicas impede as mulheres de se tornarem produtoras de novos conteúdos e formatos que sejam atrativos e poderosos do ponto de vista comunicacional (Bonder, 2002). “Educação é o fator isolado mais importante para aumentar a capacidade das mulheres e garotas de participarem plenamente na nova Sociedade da Informação, em todos os níveis. Isto requer um conjunto abrangente de intervenções, indo de uma educação pública de qualidade até a educação científica e tecnológica” (Global Unions, 2003). Infelizmente, muitos estudos mostraram que quando se trata de estudos computacionais, os professores prestam menos atenção e dedicam menos tempo e encorajamento às meninas, em comparação com os rapazes. Foi observado que muitas garotas se sentem tensas quando têm que trabalhar com computadores na presença de outras pessoas, especialmente rapazes. Esse fato tem relação com a pressão dos rapazes, que algumas vezes fazem com que as garotas se sintam ridículas, buscando dominar o “show” ou mostrarem suas próprias habilidades. Também é sabido que os estudantes masculinos, em laboratórios de informática universitários, geralmente mandam mensagens pornográficas para suas colegas de classe ou mesmo colocam mensagens nas paredes. Diante de protestos contra esse tipo de abuso sexual, as autoridades universitárias não colocaram em ação nenhuma medida política que visasse a impedir esse tipo de comportamento. Caso as garotas e jovens mulheres mostrem pouco interesse pelos estudos de computadores, isso é

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atribuído a algum tipo de “tecnofobia” natural, ou então ao fato de que uma cibercultura dominada pelo elemento masculino rejeita as mulheres ou então as ofende. (Bonder, 2001). Algumas vezes, fatores culturais colaterais, outras atitudes culturais baseadas em padrões de gênero, e não a identificação imediata do uso da tecnologia com base no gênero, impedem que as garotas e jovens mulheres acessem e usem as TICs (Hafkin, 2003:5). Pesquisas desenvolvidas pela Comissão de Tecnologia, Gênero e Educação de Professores da Fundação Educacional Associação Americana de Mulheres Universitárias chega à conclusão de que as garotas são críticas da cultura de computadores, mas não por terem fobia a computadores. Sherry Turkle, professora de sociologia no Massachusetts Institute of Technology (MIT) e copresidente da comissão, disse que os resultados mostraram que ao invés de tentar fazer as garotas se encaixarem na cultura de computadores existente, é a cultura de computadores que precisa se tornar mais atraente para garotas. Algumas das principais conclusões da comissão mostram que as garotas acham as classes de programação entendiantes, os jogos de computadores violentos e redundantes e as opções de carreira na área de computadores não inspiradoras. As garotas também mostram idéias claras e fortes sobre os tipos de jogos que gostariam de projetar: jogos que tivessem simulação, estratégia e interação. As críticas das garotas apontam para uma cultura de computadores mais inclusiva, que abrace interesses múltiplos e culturas e que reflita a atual ubiqüidade da tecnologia em todos os aspectos da vida. Nesse modelo, ser alfabetizado tecnologicamente requer um conjunto de habilidades críticas, conceitos e capacidade de resolução de problemas. Baseado nas suas descobertas, a comissão está trabalhando em uma nova definição de alfabetização informática e de eqüidade. Ela reconhece que obter eqüidade de gênero nesse campo significa usar a tecnologia proativamente, sendo capaz de interpretar a informação que a tecnologia torna disponível, entender os conceitos de projeto e ser um aprendiz pelo resto da vida. Em suas recomendações, a comissão declarou que as garotas deviam ser reeducadas para serem desenvolvedoras de TICs e não apenas usuárias. Educadores e pais deveriam ajudar as garotas a imaginarem-se a si mesmas, desde cedo, como programadoras, projetistas e produtoras de tecnologia, estimulando interesse mais profundo nas TICs e fornecendo oportunidades para que as garotas expressem sua imaginação tecnológica (AAUW, 2000).

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Muitos dos conceitos sublinhados pela AAUW são evidentes quanto ao uso feminino das TICs. Em um uso feminista, as mulheres não são vistas como consumidoras; ao invés, elas são encorajadas a desenvolver contéudo onde as habilidades analíticas, conceitos de computadores e usos inovadores da tecnologia desempenham um papel importante. As redes eletrônicas de mulheres têm criado oportunidades para elas aprenderem sobre as ferramentas de TIC de forma a manterem relações dinâmicas, as quais fortalecem e permitem que as mulheres construam estratégias e políticas para o avanço de seus direitos. “A questão do papel das mulheres na criação de conhecimento incorporado nas redes de TIC é uma questão educacional essencial (Kirkup, 2002:11, parágrafo 1.8.3). As mulheres, em seu relacionamento diário, têm sido capazes de criar múltiplos pontos de acesso à alfabetização em TIC. Essas práticas têm permitido que elas reconheçam a si mesmas dentro da cultura de computadores e têm ajudado na superação de barreiras criadas pelos padrões de gênero. As mulheres têm encontrado um instrumento para o seu fortalecimento e emancipação nas tecnologias de comunicação. A Internet tem permitido que seja ouvida a voz de cidadãos comuns e de organizações que não têm muitos recursos financeiros. Como a Internet disponibiliza uma esfera única onde as decisões que moldam a vida das pessoas podem ser debatidas e consideradas, pequenos grupos e indivíduos, homens e mulheres, que antes trabalhavam isolados uns dos outros, têm sido capazes de se comunicarem, compartilharem informações e prepararem ações de formas que nunca tinham sido possíveis antes (APC WNSP, 2001). Enquanto mais mulheres estão agora tomando parte nessas novas práticas tecnológicas, os perigos de uma exclusão ainda mais profunda para aquelas que não têm acesso às TICs, infelizmente, é bastante real para a maioria, especialmente aquelas que vivem em países em desenvolvimento. Na África, América Latina e no Sudeste Asiático, os telecentros comunitários se tornaram ambientes amigáveis onde as mulheres podem ter acesso às TIC. O uso de software de fonte aberta, com baixos requisitos técnicos e o treinamento nas línguas locais tem estimulado o interesse das mulheres no acesso às TIC em áreas e grupos sociais com recursos tecnológicos esparsos. As mulheres podem encontrar oportunidades para usar as novas tecnologias de forma associada com as velhas, nas quais

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elas já têm experiência (como rádio e vídeo), bem como as formas mais tradicionais de comunicação (WomenWatch e Women Action, 1999). Nos telecentros comunitários as mulheres podem ser treinadas não apenas quanto aos aspectos tecnológicos, mas também com relação aos usos estratégicos das tecnologias digitais para mudança social. Em um dos telecentros que a Chasquinet patrocinou em uma vizinhança perto de Quito, Equador, as mulheres se reuniram para organizar um micronegócio que as ajudaria a comercializar a sua produção de marmelada. O fato de que elas aprenderam a usar os computadores para desenvolver um plano de marketing e para anunciar os seus produtos na Web foi apenas um dos elementos da sua experiência. Elas também foram capazes de criar uma comunidade de interesses e intercâmbio, prestando atenção a outras necessidades da vizinhança e demandando a sua participação. Os melhores projetos de TIC são aqueles que não são apresentados como projetos de TIC, voltados a darem acesso ou conexão para as mulheres, mas aqueles que são integrados de forma natural nas vidas e preocupações das mulheres” (Gill, 2003:7). Superar as barreiras lingüísticas e a falta de conteúdo local tem sido também preocupação nos processos de estimular as mulheres a usar as TICs em áreas rurais e comunidades empobrecidas. O alto número de mulheres analfabetas e o fato de que a maioria delas trabalha no setor informal para sustentar suas famílias acrescenta importantes desafios na perspectiva de gênero. Um experimento interessante no Telecentro Multiuso, no distrito de Luweero, em Uganda, mostrou que a tecnologia por si mesma não pode alcançar os resultados esperados sem a ferramenta de acompanhamento produzida na língua local, Luganda, e com conteúdo adaptado às necessidades e interesses das mulheres. O uso de um CD-ROM em Luganda, para aumentar a participação das mulheres no campo econômico, tem aberto caminho para a participação delas no telecentro local e para que aprendam mais, participem de treinamentos e treinem outras no uso dessa nova ferramenta. Anastasia Namisango, mulher de 70 anos, que se tornou treinadora e uma bem-sucedida produtora de conteúdo, graças ao uso das TIC, disse, em uma entrevista, que ela ensina as outras mulheres e homens a usarem o CR-ROM porque “eu não quero ver mulheres chorando por causa da pobreza quando elas têm acesso a tantos recursos” (Women’s Worlds, 2002). O CD-ROM, intitulado “Idéias para se Ganhar Dinheiro” foi desen-

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volvido pelo Centro Internacional da Participação das Mulheres, baseado nos Estados Unidos, com o apoio da Unesco e do escritório ocidental do Centro Internacional de Pesquisas sobre o Desenvolvimento da África. AS TIC E A VIDA DAS MULHERES QUE TRABALHAM AS TICs oferecem oportunidades melhores de trabalho para as mulheres nos centros de comunicação, em telemarketing, no campo da telefonia celular e na indústria de software. Milhares de mulheres agora trabalham no processamento de dados, por exemplo. As mulheres também passaram a ter oportunidades de trabalho autônomo como teletrabalhadoras, usando as TICs a partir de suas casas. Nos países em desenvolvimento, as TICs até mesmo alteraram o padrão da produção no setor informal, o qual recruta grandes quantidades de mulheres. De acordo com um relatório da Organização Internacional do Trabalho (ILO, 2001), o papel da mulher na era digital está concentrado na área de informação e trabalho on-line. A renda das mulheres nessa nova economia é mais alta do que o usual. Contudo, a discriminação por gênero existe, porque os homens usualmente conseguem as melhores posições, enquanto as mulheres são incumbidas com tarefas de menor complexidade. O relatório destaca que a difusão das tecnologias se dá de acordo com as habilidades e, portanto, é acompanhada pelas crescentes discrepâncias de salários. Embora haja desigualdade de pagamento entre aqueles com habilidades nas TICs e aqueles sem, também existe uma polaridade de pagamentos entre aqueles com habilidades em TICs, e muitas vezes essa polarização tem por base o gênero. Mas o hiato também está presente entre as próprias mulheres. Classe, educação e idade restingem a capacidade da maioria das mulheres de conseguirem melhores posições no mercado de trabalho das TIC. As mulheres também reclamam das condições de trabalho na área de telemarketing, call-centers e bancos de dados, onde são a maioria. Elas estão preocupadas com possíveis prejuízos à saúde, advindos do trabalho repetitivo e sob alta pressão. E embora os salários e as condições de trabalho nos call-centers parecem variar grandemente, os piores deles são chamados de “sweatshops”1. O teletrabalho também levanta algumas preocupações. Enquanto ele criou 1. (N.T.) O significado corrente é o de pequenos negócios, fábricas nas quais as pessoas trabalham em excesso, recebendo baixíssimos salários e em péssimas condições de salubridade.

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novas oportunidades de emprego para as mulheres, ele também tem efeitos negativos potenciais sobre a qualidade de vida das trabalhadoras. As mulheres podem se ver excluídas de melhores oportunidades de carreira, porque, ao invés de alcançarem equilíbrio entre a família e o trabalho, elas normalmente se vêem presas em difícil situação, com novas demandas se empilhando em cima das antigas. O relatório da OIT recomenda a formulação de políticas adequadas para proteger os direitos trabalhistas das mulheres na indústria de TIC. No momento da formulação de políticas sobre o trabalho na área das TICs, os desafios enfrentados pelas mulheres no sentido de se ajustarem às novas demandas, e às suas respostas e estratégias para lidar com esses desafios, devem ser levadas em consideração. De acordo com Mitter (Mitter et al., 1995), um pensamento radical quanto ao treinamento nas TICs que leve em consideração os obstáculos que as questões de gênero e de classe colocam para um aprendiz será essencial para que o potencial humano possa ser aproveitado em sua plenitude. As mulheres desempenham papel inconsciente ao reproduzirem a natureza da sociedade como um todo em termos de gênero, na área de TIC. Elas ainda precisam superar barreiras internas e vencer a tecnofobia. Para que consigam, as mulheres precisam manter uma perspectiva política (Hafkin, 2002). Contudo, um progresso importante tem sido feito no lado “soft” do conhecimento tecnológico, como as comunicações e a interação entre usuários e produtores. As mulheres nesse setor têm se saído melhor do que nas ocupações tradicionais da área técnica, como engenharia. Avanços positivos podem capacitar as mulheres para alcançar oportunidades sociais e econômicas melhores. TRABALHANDO POR POLÍTICAS DE TIC QUE INCLUAM AS PREOCUPAÇÕES COM GÊNERO Um dos pontos mais importantes para intervenção na questão das mulheres que trabalham com TIC é a arena política. As políticas de TIC nos níveis internacional, regional e nacional precisam ser tratadas de forma a criarem uma cultura tecnológica apropriada para as mulheres. Sem que haja uma perspectiva de gênero na questão, as novas TICs vão continuar a se desenvolver a uma velocidade e em uma direção que contribuam para a alienação das mulheres. Há falta de reconhecimento por parte dos governos sobre as desigualdades de gênero em áreas sociais e particularmente nos campos científico e tecnológico. Como resultado, há falta de políticas públicas justas do ponto de vista do gênero. Há poucas ativistas de gênero, pesquisadores e educadores

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envolvidos nessa área e aqueles que trabalham com a questão não coordenam seus esforços, o que poderia fazer com que viessem a ter mais influência sobre as políticas regionais e nacionais. Levando esses fatos em consideração, durante a reunião do grupo de especialistas da Divisão para o Avanço das Mulheres das Nações Unidas (United Nations Division for the Advancement of Women - UNDAW), em Seul, na Coréia, em 2002, foi acordado que duas questões seriam cruciais quando fossem trabalhadas políticas de TIC com perspectiva de gênero: • sensibilização dos elaboradores das políticas para com as questões de gênero; e, • sensibilização dos defensores das questões de gênero para a tecnologia de informação (Hafkin, 2002). Com essas duas necessidades em mente, as mulheres deveriam trabalhar pela representação de gênero nas arenas de tomada de decisão quanto às TICs, no tocante às questões de privacidade e segurança levantadas pelas TIC e seus impactos sobre o gênero, e assim como representação de gênero na indústria e força de trabalho de TIC. A perspectiva de gênero deve estar presente quando se trabalharem questões políticas no campo tecnológico; questões candentes, como infra-estrutura, questões sociais e culturais, recursos financeiros; conteúdo que atenda às necessidades informacionais das mulheres; atividades de militância e participação nos negócios, no entretenimento e na educação. O hiato de gênero será superado: • se as mulheres também tiverem os meios para acessarem o conhecimento necessário para serem protagonistas do desenvolvimento e não somente objetos do desenvolvimento; • se as mulheres e suas preocupações forem apresentadas em todos os níveis do desenvolvimento, das raízes até os conselhos diretores e os gabinetes; e • se as dimensões de gênero e as consequências de todas as decisões forem levadas em consideração, inclusive aquelas questões que não são obviamente de gênero (Malcom, 1999). O Intercâmbio de Recursos para Mulheres Asiáticas (Asian Women’s Resource Exchange - AWORC) foi formado em 1998, para responder ao desafio colocado pela necessidade de acessar conhecimento sobre TIC e encorajar

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uma participação chave das mulheres nas políticas de desenvolvimento. Desde então, a AWORC tem crescido e se tornou uma rede ativa e enérgica, baseada na Internet, de organizações de mulheres e centros de recursos, desenvolvendo abordagens cooperativas e parcerias para aumentar o acesso a, e as aplicações das novas tecnologias de informação e comunicação para o desenvolvimento social e econômico das mulheres. Em 1999, a AWORC promoveu a primeira Rede de Treinamento Eletrônico para Mulheres Asiáticas (WENT99), na Universidade de Mulheres Sookmyung, na Coréia. Foram promovidos outros workshops regionais nos anos seguintes e, em 2002, seminários nacionais foram realizados na Malásia e nas Filipinas. Treinadores regionais da WENT começaram a trabalhar com organizações de mulheres baseadas nacionalmente e treinadores de TIC para desenvolver e manter em funcionamento oficinas baseadas no modelo da WENT, as quais são concebidas para alcançar mulheres e organizações interessadas em aumentar sua capacidade de usar as TICs para sua ação social e trabalho de disseminação. Os workshops também objetivavam fortalecer as habilidades de treinamento das mulheres e a sua capacidade de desenvolver e manter em funcionamento TIC para capacitações em nível nacional ou comunitário. Evento similar ocorreu na África pela primeira vez, com um workshop WENT organizado pela Associação para Comunicações Progressistas (APC) para Mulheres Africanas, na Cidade do Cabo, na África do Sul, em abril de 2003. Os participantes e capacitadores trabalharam juntos para compartilhar habilidades e discutir questões de políticas de TIC e de gênero. Redes como a AWORC e a APF de Mulheres Africanas, equipadas com experiência, bem como com um entendimento teórico do papel das mulheres e suas relações com as TICs, estão prontas para participar do desenvolvimento de uma política de TIC que assegure o atendimento às perspectivas de gênero (Cinco and Garcia, 2000). Karat, coalização de Organizações de Sociedade Civil (OSCs) de mulheres na Europa Central e do Leste, está liderando um projeto de TIC para melhor entender os direitos econômicos das mulheres e o impacto da economia, nível de emprego e políticas sociais sobre as mulheres. O projeto almeja produzir informações e iniciar debates sobre os direitos econômicos das mulheres e o impacto em termos de gênero das políticas, para melhorar os padrões de gênero e a sua implementação na Europa. Os membros da Karat dizem que, enquanto a ampliação da União Européia tem recebido grande atenção da mídia, há pouca informação para a questão de como

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ficarão os direitos das mulheres e as questões de gênero após a integração. Elas acreditam que os grupos de mulheres na Europa Central e no Leste precisam ser mais ativos no trato da questão dos direitos do gênero no contexto da integração da União Européia para elas há oportunidade estratégica para parceria com organizações de mulheres dos países que são atualmente membros da União Européia, de forma a reforçar o compromisso com padrões igualitários em termos de questões de gênero. Com o apoio do Fundo de Desenvolvimento para Mulheres das Nações Unidas (United Nations Development Fund for Women - UNIFEM), Karat foi capaz de criar uma rede ativa que compartilha eletronicamente notícias, relatórios e boletins conjuntos, ensinar exemplos de militância, disseminar informação sobre igualdade de gênero e acesso à União Européia, além de produzir relatórios e informações alternativas para os parlamentares e para a mídia. Eles também têm mantido encontros de capacitação para ativistas dos países da Europa Central e do Leste (Karat, 2002). COLOCANDO A QUESTÃO DE GÊNERO NO PROCESSO DA WSIS Convencido de que as TIC podem ser uma ferramenta para fortalecer a resistência, melhorar a mobilização social e para o desenvolvimento, nas mãos das pessoas e organizações que trabalham pela liberdade e pela justiça, o movimento das mulheres se tornou um participante ativo no processo preparatório para a Cúpula Mundial da Sociedade da Informação (WSIS). Participando da discussão dos principais documentos, o movimento das mulheres contribuiu com elementos importantes para o debate que a Sociedade Civil encoraja e sobre os principais tópicos da WSIS “A Sociedade da Informação deve ser baseada em princípos de eqüidade de gêneros, dignidade humana e justiça de gêneros, e deve almejar a erradicação das disparidades de gênero na educação, treinamento, status sócioeconômico, e decisão política e social” (APC WNSP, 2003). Uma das principais demandas dos movimentos de mulheres tem sido a adoção de princípios concernentes às questões de gênero em todos os aspectos da Declação e Plano de Ação da WSIS. Isso não aconteceu e as organizações de mulheres que trabalharam para a WSIS querem que os documentos oficiais reconheçam a centralidade da inequalidade de gênero dentro da questão mais ampla das iniqüidades sociais de uma forma geral.

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As organizações de mulheres também estão preocupadas com a participação destas nos processos de tomada de decisão concernentes às políticas de TIC. Elas sabem que relações desiguais de poder e outros aspectos sociais e culturais têm contribuído para esse diferencial de acesso, participação, controle e acesso a recursos e status entre homens e mulheres. Elas gostariam que a WSIS levasse em consideração os compromissos feitos por governos na Plataforma de Ação de Pequim, registrados no artigo 13, que diz: “O fortalecimento das mulheres e a sua participação plena na base da igualdade, em todas as esferas da sociedade, incluindo a participação nos processos de tomada de decisão e no acesso ao poder, são fundamentais para que se alcance igualdade, desenvolvimento e paz” (UN, 2001). Discussões e desenvolvimento de políticas sobre igualdade de gêneros, por um lado, e sobre as TIC, as mídias e sistemas de comunicação, por outro, tendem a ser efetivadas em paralelo e quase nunca são interconectadas no nível internacional, ou mesmo no nacional. Os processos de tomada de decisão concernentes às TICs são considerados mais técnicos do que políticos ou sociais. Em março de 2003, a Comissão da ONU para o Status das Mulheres discutiu as questões de participação e acesso das mulheres à mídia e às tecnologias de informação e comunicação. Os representantes dos governos encorajaram a participação das mulheres na WSIS e reiteraram os objetivos estratégicos da Plataforma de Ação de Pequim e o documento resultante, Igualdade de Gêneros, Desenvolvimento e Paz no Séc. XXI, que culminou na Sessão Especial da Assembléia Geral da ONU para rever a Conferência de Pequim (Pequim+5), em 2000 (UN, 2001). Eles também reiteraram a Declaração do Milênio da ONU, que “resolve promover a igualdade de gênero e o fortalecimento das mulheres como formas efetivas de combater a pobreza, a fome e a doença e de estimular o desenvolvimento que é verdadeiramente sustentável, e para assegurar que os benefícios das novas tecnologias, especialmente as tecnologias de informação e comunicação estejam disponíveis para todos” (UN, 2000). A Comissão conclamou os governos a tomarem ações para priorizar “a integração das perspectivas de gênero e assegurar que as mulheres tenham uma participação plena e desde o início no processo de desen-

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volvimento e implementação das políticas nacionais, projetos, estratégias e instrumentos regulatórios e técnicos na área das tecnologias de informação e comunicação e mídia e comunicações” (UNCSW, 2003b:2). A Comissão também reconheceu a necessidade de construção de padrões de igualdade de gênero nos desenvolvimentos da TIC dentro da Sociedade Civil e para os governos. O monitoramente e a avaliação de tais desenvolvimentos também deverão ser incluídos numa análise do impacto das questões de gênero. Mas nenhuma política pode ser planejada e implementada sem financiamento apropriado. As organizações de mulheres recomendaram em suas propostas que a WSIS deveria: “• desenvolver e implementer planejamento de gênero e orientações orçamentárias para a alocação de recursos de parcerias públicas e privadas, com relação aos investimentos na infra-estrutura de TIC, nos projetos e programas; • encorajar o investimento no desenvolvimento de tecnologias de baixo custo e interfaces para computadores não baseadas em texto, usando ícones e reconhecimento de voz, para facilitar o acesso das mulheres mais pobres e analfabetas às TIC e • tomar passos para financiar tecnologias, de fonte aberta e softwares que facilitem o acesso das mulheres às TIC” (APC WNSP, 2003). As mulheres ativistas estão lutando para assegurar que o gênero seja um princípio transversal quando forem discutidas políticas públicas e têm se comprometido a adotarem abordagens orientadas pelo gênero em todas as suas atividades, inclusive informações e comunicações. Elas encorajam a democratização dos processos políticos no setor de TIC, incluindo o uso de ferramentas de TIC para apoiar seus processos, assim como para formular e implementar uma política de TIC que use os princípios de abertura e participação justa. Essa participação coletiva no campo da comunicação é também elemento essencial para o fortalecimento e autonomia das mulheres. Após três décadas de pesquisa feminista, teorização e análise, as mulheres estão em melhores condições de confrontar os problemas advindos das novas TICs do que estavam em relação às mídias antigas, que foram criticadas de forma muito simples, em uma época em que a análise feminista ainda estava na infância. Também em alguns aspectos, embora de formas diferentes, tanto os governos quanto a Sociedade Civil agora reconhecem

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algumas das reivindicações do movimento das mulheres, ao invés de desconsiderá-las, ou ignorá-las, como faziam há 20 anos. Durante a Reunião Preparatória Regional da África para a WSIS, em Bamako, Mali, realizada em maio de 2002, as representantes das mulheres, de OSCs e de outras organizações de comunicação se reuniram a convite da UNIFEM e organizaram o “Caucus de Gênero”, que agora se reúne durante as conferências regionais e os comitês preparatórios. Ele emitiu uma declaração em Bamako que levantou questões relevantes concernentes ao movimento das mulheres, as quais foram rapidamente adotadas pelas ativistas feministas em todo o mundo, para serem defendidas nos níveis nacional, regional e internacional. A declaração foi direcionada para o sistema de agências da ONU, organizações regionais, órgãos nacionais e setor público, setor privado na África, comunidade privada e pública da mídia, comunidade de pesquisa, sociedade civil. Ela conclamava, entre outras coisas, a: “• atuar na direção de ratificar tratados e protocolos que reconhecem os Direitos Humanos das mulheres, incluindo o Direito à Comunicação; • desenvolver capacidade de treinamento e de desenvolvimento de programas que possam aumentar a consciência da natureza de gênero da Sociedade da Informação e identificar estratégias que assegurem participação justa e eqüitativa para homens e mulheres; • aumentar o acesso às instalações de TIC por meio de arranjos que apoiem o alcance de alvos universais de acesso e da definição de alvos para o acesso das mulheres às TIC; • assegurar que a eqüidade de gênero seja um princípio transversal e se comprometer a adotar uma abordagem orientada pelo gênero em todas as atividades, inclusive planejamento, implementação, monitoramento e avaliação, na própria estrutura das OSCs; • promover a diversidade cultural e a implementação de políticas nacionais de TIC, incluindo o uso ativo de línguas locais e fornecimento de informações sobre estratégias em várias mídias, inclusive rádios comunitárias e mídias não eletrônicas; • assegurar que haja igualdade de gêneros na educação, especificamente pela disponibilização de oportunidades para aumentar a alfabetização das mulheres, e pela disponibilização de acesso à participação mais justa e eqüitativa na educação científica e tecnológica, e no treinamento em todos os níveis:

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• apoiar o uso das TICs para o fortalecimento das mulheres, inclusive pela aplicação das TICs na sua saúde, educação, comércio, emprego e outras áreas de desenvolvimento das mulheres; • promover as línguas nacionais e o conteúdo local, como forma de assegurar a participação o mais ampla possível e a inclusão das mulheres; • assegurar que o conhecimento local, inclusive o conhecimento local sobre gênero, seja valorizado no conteúdo da mídia, e que sejam adotadas medidas para estabelecer padrões de relatórios que incluam as dimensões de gênero” (Gender Caucus, 2002). Em muitas ocasiões, as organizações de mulheres têm declarado que são a favor de um sistema de comunicação nos níveis nacional e internacional, baseado em princípios democráticos, que limitem o monopólio na globalização das telecomunicações. Elas também têm trabalhado em direção à Sociedades da Informação e Comunicação, nas quais o desenvolvimento esteja focado nas necessidades humanas fundamentais e tenha objetivos sociais, culturais e econômicos claros; onde seja dada prioridade à eliminação da pobreza e outras desigualdades, de forma que sejam sustentáveis ecologicamente. Alcançar o controle sobre as comunicações e sobre o campo das TICs é importante para assegurar que os recursos e benefícios da Sociedade da Informação e Comunicação sejam distribuídos igualmente entre mulheres e homens. Referências Bibliográficas AMERICAN ASSOCIATION OF UNIVERSITY WOMEN (AAUW). 2000. Tech-Savvy: Educating Girls in the New Computer Age. Educational Foundation Commission on Technology, Gender and Teacher Education, AAUW, Washington, DC. ASSOCIATION FOR PROGRESSIVE COMMUNICATION WOMEN’S NETWORKING SUPPORT PROGRAMME (APC WNSP). 2001. ICTs for Social Change. www.apcwomen.org/gem, accessed in October 2003. ———. 2003. Comments on WSIS Documents (21 March 2003). www.apc.org/english/ news/index.shtml?x=12233, accessed in October 2003. BHASIN, Kamla. 1994. “Women and communication alternatives: Hope for the next century.” Media Development, Vol. 41, No. 2. BONDER, Gloria. 2002. From Access to Appropriation: Women and ICT Policies in

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Dafne Sabanes Plou é jornalista e ativista social na Argentina. É membro da Association for Progressive Communications Women´s Networking Support Programme (WNSP) desde 1994. De 1991 a 1999 foi presidente da Região América Latina da Associação Mundial de Comunicação Cristã (World Association for Christian Communication – WACC). De 1992 a 2000 foi a presidente da Agência Latino-Americana e Caribenha de Comunicação (ALC). Escreveu vários artigos e livros, dentre eles Global Communications, is there a place for human dignity? (1996) e Peace in trobled cities (1998).

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MÍDIA E DEMOCRATIZAÇÃO NA SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO Marc Raboy

RESUMO A globalização e as mudanças que a acompanharam têm sido marcadas por algumas tendências, com implicações diversas para a mídia. Esse artigo examina o impacto dessas mudanças no papel desempenhado pela mídia na democratização das sociedades. A privatização e a liberalização trouxeram a promessa de mais canais, mas isso não resultou em uma mídia mais aberta e pluralista. O rompimento de monopólios estatais no setor de transmissão teve impacto positivo em muitos países em desenvolvimento, mas em muitos outros os monopólios estatais apenas foram substituídos por monopólios privados, com objetivos tão suspeitos quanto os dos primeiros. O declínio da transmissão pública é uma preocupação importante, mesmo nos países desenvolvidos da Europa. Mídias alternativas ou comunitárias têm sido uma promessa, mas são cronicamente afetadas pela falta de recursos e pela marginalização. A consolidação da propriedade e do controle e o surgimento de conglomerados globais de multimídia, com influência em praticamente todos os aspectos da vida cultural e política, é outra área de preocupação, dada a limitação do pluralismo e do conteúdo local. Dadas essas características da Sociedade da Informação, o artigo foca em questões de governança e regulação da mídia, incluindo: • os efeitos de uma crescente concentração da propriedade da mídia comercial; RABOY, M. Mídia e Democratização na Sociedade da Informação. In MARQUES DE MELO, J.; SATHLER, L. Direitos à Comunicação na Sociedade da Informação. São Bernardo do Campo, SP: Umesp, 2005.


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• o lugar da mídia pública; • como promover e ampliar as iniciativas independentes de mídias alternativas; • como promover a liberdade de expressão e a comunicação por intermédio da mídia; e • o leque de assuntos relacionados às novas tecnologias e às novas plataformas de comunicação, como a Internet. Atenção particular será dada aos novos sites transnacionais de governança e regulação da mídia e o seu papel no projeto mais amplo de democratização da governança global. O acesso à elaboração de políticas para a nova mídia global por meio da participação da Sociedade Civil em processos como a Cúpula Mundial da Sociedade da Informação (WSIS) é crucial para esse projeto, uma vez que até o momento a promoção da pluralidade e da diversidade na mídia pode ser vista como facilitadora da participação mais ampla dos cidadãos em cada aspecto da vida pública. INTRODUÇÃO As mudanças nas formas em que a informação e o entretenimento são produzidos e distribuídos têm enorme impacto no seu papel na sociedade, ainda que essas mudanças tenham atraído pouca atenção no debate sobre a Sociedade da Informação. Esse artigo vai sublinhar algumas das principais questões concernentes às mídias, a partir da perspectiva de sua democratização, e então sugerir como algumas dessas questões podem ser destacadas na arena política internacional, por meio de intervenções como a Cúpula Mundial da Sociedade da Informação (WSIS). Alguns dos aspectos da organização e do desempenho das mídias que precisam ser levados em consideração incluem: • a crescente concentração da propriedade no setor comercial da mídia; • os desafios ao papel tradicional dos serviços nacionais públicos de mídia; • os limites e possibilidades do chamado Terceiro Setor (não-comercial, não-estatal) como uma alternativa (também conhecido como mídia sem fins lucrativos, mídia comunitária); e, • abrangendo os itens acima, a natureza mutante da regulação da mídia e outras intervenções de políticas públicas à luz da globalização e as areias movediças da tomada de decisão com respeito à mídia (Raboy, 2002; Ó Siochrú and Girard, 2002).

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O CONTEXTO HISTÓRICO O pensamento convencional sobre os meios de comunicação de massa no século XX enfocou a capacidade das organizações de mídia desempenharem um papel na democratização das sociedades, ao criarem uma esfera pública por meio da qual as pessoas poderiam ser fortalecidas para tomar parte nos assuntos cívicos, no fortalecimento das identidades nacional e cultural, na promoção de expressões criativas e do diálogo. Em quase todos os setores nos quais a mídia era vista como essencial para esses valores, alguma forma de intervenção governamental era profundamente necessária para capacitar e facilitar o papel da mídia. Tão logo a produção da mídia começa a requerer maior grau de organização e mais recursos do que possam ser gerados em base artesanal, alguma forma de regulamentação estrutural foi profundamente necessária para assegurar que a mídia atendesse a um padrão mínimo de responsabilidade social. Isso seria assegurado de diversas formas: a concessão de freqüências de transmissão, a criação de serviços públicos de rádio e televisão, a criação de mídia comunitária, sem fins lucrativos, as restrições à propriedade de mídia comercial (limitando a quantidade de emissoras que uma empresa em particular poderia ter, ou excluindo a possibilidade da propriedade por estrangeiros). Com o advento das novas tecnologias de informação e comunicação, por uma combinação de razões, algumas técnicas, outras políticas, algumas econômicas, outras ideológicas, os elaboradores de políticas nacionais têm se tornado menos desejosos e menos capazes de intervirem na esfera de atividade da mídia. Ao mesmo tempo, mecanismos formais e informais poderosos (como acordos internacionais de comércio) têm surgido no nível internacional, restringindo a capacidade de influência dos governos nacionais sobre o setor de mídia. O ambiente global da mídia é uma nova fronteira, na qual as leis estão sendo feitas no caminho; como em qualquer situação de fronteira, os poderosos estão fazendo as regras, adequando-as às suas necessidades. Isto é, para dizer o mínimo, um paradoxo, dada a vocação convencional designada para as mídias durante o século passado. Cada um dos modelos principais de comunicação de massa que foram referidos anteriormente (comercial, serviço público, Estado, mídia alternativa) apresentam diferentes problemas e possibilidades; cada um está também carregado de paradoxos e contradições. A mídia independente surgiu em oposição ao Estado, e em prol dos valores de livre expressão. As mídias, em seus primórdios, eram dirigidas política e ideologicamente, o que pode ser

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bem exemplificado pelos panfletos de Thomas Paine e outros defensores das Revoluções Francesa e Americana (Keane, 1991). No início do séc. XIX, mais de 100 jornais eram publicados na porção francófona da América do Norte Britânica (Quebec), apenas como um exemplo. Por volta de 1880, a principal função da mídia tinha se transformado, dado o surgimento de crescente pressão comercial em todas as sociedades capitalistas avançadas, um fenômeno caracterizado, pelo filósofo alemão Jürgen Habermas (1989) como “a transformação estrutural da esfera pública”. Paradoxalmente, uma das grandes forças motoras em apoio à comercialização da mídia (ou comoditização) foi a emergência de um novo público de massa récem-alfabetizado, o que tornou possível, demograficamente, sucessos como a “imprensa barata” acompanhada do desenvolvimento do financiamento dos veículos de comunicação pela propaganda. Já por volta de 1920, quando a mídia eletrônica começava a aparecer, a imprensa comercial de massa tinha se tornado a linha dominante. Nos anos 1950, o sociólogo crítico norteamericano C. Wright Mills (1956) foi instado a distinguir entre funções de mídia “públicas” e de “massa”. Nos Estados Unidos e em outros países (como a Austrália, Canadá e a maior parte da América Latina), o rádio, e, depois, a televisão, enquanto regulados por uma autoridade governamental responsável pela concessão das freqüências de transmissão, desenvolveu-se um modelo econômico da imprensa. Mills e outros críticos não consideraram a emergência de um novo fenômeno, a partir dos anos 1920, primariamente na Europa Oriental, pelo menos no que concerne as elites, nos postos coloniais avançados: o serviço público de transmissão (public service broadcasting – PSB). Em algumas partes do mundo, o PSB conviveu com a mídia comercial, e na maior parte da Europa Oriental ela desfrutou de status de monopólio até praticamente os anos 1980 (Raboy, 1997). Baseado num conjunto de princípios universais, uma mídia mantida pelo Estado era concebida para apresentar uma alternativa ou para reduzir o modelo dominante de mídia na área de transmissão. A transmissão nesses países teria uma vocação social, cultural e educacional, mais do que comercial (pelo menos segundo a teoria). Os dispositivos garantindo que as instituições públicas de transmissão fossem um braço independente de Estados e governos, que as financiavam e protegiam, eram cruciais para isso. A transmissão pública passou por várias crises morais e fiscais durante as últimas décadas do séc. XX, mas ainda é reconhecida atualmente como elemento-chave da democracia. Por

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exemplo, no chamado Protocolo de Amsterdam do Tratado da União Européia1 (Concílio da União Européia 1997). Segundo um estudo recente, a transmissão pública constitui um instrumento de política pública à disposição dos países que escolheram intervir na esfera da mídia (McKinsey e Company 2002). Enquanto isso, mídias alternativas e de oposição, geralmente atreladas a movimentos políticos, continuaram a desempenhar papel substancial nas situações em que existiam governos coloniais ou autoritários, bem como nas democracias liberais ocidentais, onde órgãos de mídia do Terceiro Setor começaram a surgir paralelamente ao crescimento de novos movimentos sociais e da juventude, nos anos 1960 (Downing, 2000). No Ocidente, floresceram a imprensa alternativa e, mais tarde, o rádio e a televisão comunitária, geralmente, paradoxalmente, com recursos disponibilizados pelo Estado. Na Europa, mídias “piratas” radicais surgiram para desafiar os monopólios de PSB. A liberalização, que permitiu que surgissem mídias não vinculadas ao Estado em países como França e Itália, nos anos 1980, teve o efeito imprevisto de legitimar as mídias piratas e abrir as comportas para a introdução de mídias comerciais, segundo o modelo americano. Até o final do século, as mídias alternativas foram instrumento para derrocada do sistema soviético, assim como para a democratização de partes da Ásia, África e América Latina, promovendo alternativas e uma “outra” globalização e os direitos de minorias, como gays e lésbicas, mantendo culturas em extinção e assim por diante. Em países com setores de mídia comercial bem desenvolvidos, como o Canadá e a Alemanha, a mídia do Terceiro Setor foi reconhecida na legislação e regulamentada, desfrutando tanto da legitimidade como de um certo grau de suporte por parte do Estado. Esse foi um breve retrato, então, do início do séc. XXI: crescente concentração da propriedade da mídia e perda da regulamentação mínima concernente aos elementos mais básicos da responsabilidade social da mídia comercial, seja impressa, rádio ou televisão; persistência de transmissões públicas, com uma crise profunda de financiamento e legitimidade, sobretudo diante do despertar dos governos para as políticas fiscais e da queda da audiência perante a mídia comercial. Constata-se ainda o reconhecimento de status legal e regulamentação mínima de mídias 1. O Protocolo de Amsterdam sobre o sistema de transmissão nos países membros foi assinado em 1997. Esse e outros documentos relevantes sobre a transmissão pública podem ser encontrados em uma compilação recente, feita por Price e Raboy (2001).

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alternativas, baseadas na comunidade, em algumas partes do mundo2; e lutas básicas pela liberdade de expressão e pela liberalização da mídia controlada pelo Estado em muitas regiões do mundo. DA UNESCO À UIT E À WSIS Neste contexto, quais são as questões relativas à mídia que devem ser consideradas no debate sobre a Sociedade da Informação? Elas podem ser agrupadas basicamente em cinco categorias: • como limitar os efeitos da crescente concentração da propriedade da mídia comercial; • como fortalecer e ampliar o espaço dos serviços públicos de mídia; • como promover e ampliar as iniciativas de mídias independentes e alternativas; • como promover a liberdade de expressão e a comunicação através da mídia, especialmente em situações de controle autoritário por parte do Estado; e , • como lidar com essa pletora de questões no contexto das novas tecnologias e das novas plataformas de comunicação, como a Internet. Após considerar essas questões, duas coisas ficam imediatamente claras: • Os esforços de intervenção na mídia requerem iniciativas nacionais e dependem da soberania nacional na esfera da mídia; e, • as questõers de mídia são cada vez mais transnacionais, e vão precisar ser tratadas por convenções internacionais ou outras medidas internacionais.

2. Uma cobertura completa sobre a enorme variedade de exemplos, status legal e abordagens das mídias alternativas demandaria um artigo separado. Por exemplo, na América Latina, a maioria dos transmissores comunitários são, na verdade, licenciados e regulamentados como transmissores comerciais. Apenas três países da América Latina reconhecem a transmissão comunitária como um setor distinto e apenas um dá apoio efetivo a esse setor. Os países asiáticos também apresentam variedade de abordagens diferentes, enquanto que a vocação para serviços públicos e alternativos de mídia algumas vezes prepondera. Estações de rádio comunitárias locais têm aparecido em países africanos nos anos recentes, com Mali e a África do Sul liderando. Na maioria dos países da antiga União Soviética, as mídias alternativas são inerentemente oposição aos partidos do governo. Ver, por exemplo, Okigbo (1996), Roncagliolo (1996), Rosario-Braid (1996) e Girard (1992).

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O especialista em Direito, Monroe E. Price (2002), descreveu uma “taxonomia de influências” sobre as respostas nacionais às questões de mídia, como incluindo a estrutura do regime existente, as tradições prevalentes entre a mídia privada e estatal, a acessibilidade das novas tecnologias, as abordagens ao comércio livre, a situação do país com relação aos realinhamentos do poder global, sua sensibilidade para as normas internacionais e, crescentemente, a influência das preocupações de segurança nacional. Segundo essa análise, a negociação de um espaço regulatório para a mídia, neste contexto, pode, eventualmente, levar a “uma agência única, com múltiplos braços, com poderes regulatórios, uma glorificada e mais fortalecida União Internacional de Telecomunicações” (Price 2002:248). Caso Price, esteja certo, o resultado da WSIS pode ser importante, de fato, para o futuro da mídia em todo o mundo. A mais séria tentativa, até o momento, de lidar com essas questões de forma global, pode ser encontrada no relatório da Comissão Mundial sobre Cultura e Desenvolvimento (WCCD – World Comission or Culture and Development), chamado de Nossa Diversidade Criativa (1995) e o documento subsequente da UNESCO Minuta de Plano de Ação para Políticas Culturais para o Desenvolvimento (1998). Em uma revisão ampla das questões culturais, indo da ética ao ambiente, a WCCD, constituída conjuntamente pela ONU e pela Unesco, propôs uma agenda internacional para as políticas globais de desenvolvimento com relação ao desenvolvimento cultural. Muitos capítulos e propostas relativas à mídia e às novas questões globais nos meios de comunicação de massa foram modeladas pela seguinte questão: “como as crescentes capacidades de mídia do mundo podem ser canalizadas para apoiar a diversidade cultural e o discurso democrático?” A WCCD reconheceu que, enquanto muitos países estão lidando individualmente com vários aspectos importantes da questão, chegou o tempo em que a ênfase deve ser transferida do nível nacional para o internacional. “Há espaço para um modelo internacional que complemente os modelos relatórios nacionais” (WCCD, 1995:117). Enquanto muitos países ainda precisam ser estimulados a colocar em andamento ou modernizar seus modelos nacionais existentes, há uma crescente justificativa para a transferência de atenção ao nível global. A concentração da propriedade da mídia e produção está se tornando ainda mais acentuada internacionalmente do que nacionalmente, fazendo com que a mídia global se torne cada vez mais orientada pelo mercado. Nesse contexto, será que é possível o encorajamento, global, de um sistema de economia mista para

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a mídia, como tem surgido em muitos países? Podem os profissionais de mídia sentarem-se juntos com os elaboradores de políticas e consumidores para promoverem o acesso e a diversidade de expressão, apesar do ambiente agudamente competitivo que guia os grandes conglomerados de mídia? (WCCD, 1995:117). Essas questões são ainda mais relevantes hoje do que quando foram formuladas pela WCCD em 1995. A WCCD admitiu que não tinha ainda respostas para essas questões, mas que tais respostas precisariam ser buscadas a partir do diálogo internacional: “Muitos especialistas têm dito à Comissão quão importante seria que se chegasse a um equilíbrio internacional entre os interesses públicos e privados. Eles antevêem um solo comum para o interesse público em uma escala transnacional. Eles sugerem que as diferentes abordagens nacionais possam ser alinhadas, que orientações amplamente aceitas poderiam ser elaboradas com a participação ativa dos atores principais, que as novas regras internacionais não são um sonho, mas poderiam emergir através de uma aliança transnacional entre os espaços midiáticos públicos e privados” (WCCD, 1995:117). A agenda internacional da WCCD contém uma série de propostas especificamente voltadas para a “ampliação do acesso, da diversidade e da competição no sistema internacional de mídia”, baseado na assertiva de que as ondas do ar e o espaço são “parte dos bens globais comuns, um conjunto coletivo que pertence à toda a humanidade” (WCCD, 1995:278). “Esse conjunto internacional, no presente, é utilizado gratuitamente por aqueles que possuem os recursos e a tecnologia. Eventualmente, “direitos de propriedade” poderão ser atribuídos aos bens globais comuns, e o acesso às ondas magnéticas e ao espaço ser regulamentado conforme o interesse público” (WCCD, 1995:278). Da mesma forma que a mídia comunitária nacional e os serviços públicos de mídia requerem subsídios públicos, “internacionalmente, a redistribuição dos benefícios da crescente atividade comercial da mídia poderiam ajudar substancialmente a subsidiar o resto. Como um primeiro passo, e dentro de um contexto de mercado, a Comissão sugere que pode ter chegado o tempo em que os serviços comerciais de satélite, rádio e televisão, que atualmente usam

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os bens globais comuns gratuitamente, passem a contribuir para o financiamento de um sistema de mídia mais plural. Novas receitas podem ser investidas em programações alternativas para distribuição internacional” (WCCD, 1995:278). Políticas de competição, como existem em vários países, precisariam ser validadas na esfera internacional para assegurar práticas justas. Serviços de transmissão pública internacionais precisaram ser estabelecidos para “ajudar a assegurar um espaço midiático genuinamente plural”. Em geral, a WCCD conclamou um novo e orquestrado esforço internacional, “uma política ativa para promover a competição, o acesso e a diversidade de expressão entre a mídia, globalmente, análogas às políticas que existem no nível nacional” (WCCD, 1995: 279). A Conferência Intergovernamental sobre Políticas Culturais para o Desenvolvimento, de 1998, organizada pela Unesco em Estocolmo, deu um passo a mais, ao adotar o Plano de Ação para Políticas Culturais para o Desenvolvimento (Unesco, 1998) e recomendar uma série de objetivos políticos para os países-membros da Unesco, mantendo posição filosófica geral de que os recursos comunicacionais constituem parte “dos bens globais comuns”. Reconhecendo que “em um modelo democrático, a Sociedade Civil vai ser crescentemente importante para o campo da cultura”, a conferência endossou uma dúzia de princípios, incluindo o direito fundamental de acesso e de participação na vida cultural, e ainda o objetivo de política cultural de estabelecer as estruturas e assegurar os recursos adequados para “criar um ambiente que conduza à plenitude humana”. Considerando-se a política de mídia como um subconjunto da política cultural, a conferência deu algumas contribuições de relevância direta para as preocupações deste artigo, ao afirmar que: “• Participação efetiva na Sociedade da Informação e o domínio por qualquer uma das tecnologias de informação e comunicação constituem uma dimensão significativa de qualquer política cultural; • Os governos deveriam buscar alcançar parcerias mais estreitas com a Sociedade Civil na concepção e implementação de políticas culturais que sejam integradas às estratégias de desenvolvimento; • Em um mundo crescentemente interdependente, a renovação das políticas culturais deve ser antevista simultaneamente nos níveis local, nacional, regional e global; • As políticas culturais devem colocar ênfase particular na promoção e fortalecimento das formas e meios de prover acesso mais amplo à 189


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cultura para todos os setores da população, combatendo a exclusão e a marginalização e ampliando os processos que favoreçam a democratização cultural” (Unesco, 1998:3). Entre os objetivos relevantes de políticas recomendadas pela Unesco a seus países-membros, a conferência propôs “intensificar a cooperação entre governos, setor empresarial e outras organizações da Sociedade Civil no campo da cultura, criando modelos regulatórios apropriados”. Algumas das propostas lidam especificamente com a mídia e as tecnologias de comunicação. A conferência solicitou aos países-membro que: “• promovam redes de comunicação, incluindo rádio, televisão e tecnologias de informação, as quais atendam às necessidades culturais e educacionais do público; • estimulem o comprometimento do rádio, da televisão, da imprensa e das outras mídias com as questões de desenvolvimento cultural, ao mesmo tempo em que garantam a independência dos serviços públicos de mídia; • considerem o fornecimento de rádio e televisão públicas e a promoção de espaço para serviços comunitários, e voltados às minorias étnicas e lingüisticas; • adotem ou reforcem os esforços nacionais para promover o pluralismo da mídia e a liberdade de expressão; • promovam o desenvolvimento e o uso de novas tecnologias e novos serviços de comunicação e informação; • destacar a importância do acesso às supervias da informação e aos serviços, a preços acessíveis” (Unesco, 1998:6). O surgimento desse plano de ação, endossado por 140 governos, sob o patrocínio de um organismo internacional e intergovernamental, foi certamente enaltecedor, mas o subtexto e o contexto em volta de sua adoção também apontavam para as dificuldades que teriam que ser enfrentadas adiante. Levou dois anos e meio para a organização da conferência de Estocolmo, seguindo a recomendação do Relatório da WCCD sobre o qual os documentos apresentados em Estocolmo foram baseados. Como já mencionado, o relatório original sublinhou a premissa de que a mídia e a comunicação eram pedras angulares da democracia e do desenvolvimento cultural, parte dos “bens globais

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comuns”, bem como sugeriu um modelo global para regulação da mídia, como alternativa para inspirar uma mídia mais pluralista, por meio da, por exemplo, criação de um imposto sobre atividades comerciais de mídia transnacionais, o qual poderia ser utilizado para gerar apoio financeiro para serviços públicos globais e mídias alternativas. Esse empurrão proativo, baseado no uso dos mecanismos de política existentes e na extensão da lógica política nacional para o nível global, não sobreviveu às negociações diplomáticas que culminaram com o plano de ação adotado em Estocolmo. Além do mais, a minuta da versão do plano de ação, apresentada na preparação da conferência, era muito mais afirmativa no tocante ao estímulo aos países-membros para fornecer serviços públicos de rádio e televisão (ao invés de meramente “considerar” o oferecimento) e em sua conclamação para uma legislação internacional, tanto quanto nacional, para promover o pluralismo da mídia. Significativamente, uma proposta que tal legislação deveria ampliar a “competição e prevenir o excesso de concentração da propriedade da mídia” foi alterada para se referir, ao contrário, à “liberdade de expressão”. Uma proposta para “promover a Internet como um serviço público universal por meio da ampliação da conectividade e de um consórcio sem fins lucrativos, adotando-se políticas razoáveis de precificação”, desapareceu do texto final. Em termos de implementação, a Conferência de Estocolmo recomendou que o Diretor-Geral da Unesco desenvolvesse uma estratégia abrangente para o acompanhamento prático das medidas da conferência, “incluindo a possibilidade de se organizar uma Cúpula Mundial sobre a Cultura e o Desenvolvimento”. O relatório da WCCD tinha proposto essa Cúpula, o que foi endossado, entre outros, pelos participantes em um forum das organizações da Sociedade Civil, reunido em paralelo à conferência intergovernamental em Estocolmo. Mas Frederick Mayor, então diretorgeral da Unesco, imediatamente descartou a organização de tal cúpula no curto prazo. Em uma declaração para a Agência de Notícias Panafricana (PANA), no final da Conferência de Estocolmo, Mayor disse que levaria no mínimo três ou quatro anos para que as sementes semeadas em Estocolmo amadurecessem. Enquanto isso, ele afirmou, a iniciativa deve ser deixada aos países-membros e às organizações regionais, para implementar os princípios e compromissos assumidos. A WSIS é a sucessora direta dessa proposta. A única diferença é que a organização que liderou a preparação da Cúpula foi a União Internacional

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de Telecomunicações (UIT) e não a Unesco. A distinção é crítica para as questões de democratização da mídia. Dentro da lógica da UNESCO, a mídia é uma instituição cultural, parte do processo do desenvolvimento humano. Dentro da lógica da UIT, a mídia é um sistema técnico para entrega da informação. Houve, de fato, um momento de interseção entre as duas abordagens, em 1995, quando um estudo conjunto da UIT-Unesco, chamado O direito à comunicação: a qual preço? (1995) analisou sobre em que extensão os objetivos sociais poderiam ser reconciliados com os objetivos comerciais, nesse contexto. Esse relatório interagências representou um raro esforço de superar o hiato entre os setores técnicos e socioculturais, até o ponto em que a Unesco pode ser considerada como constituindo uma comunidade de “interesse público” para os serviços de telecomunicações fornecidos pelos membros da UIT. O estudo observou os efeitos deletérios das barreiras econômicas para o acesso aos serviços de telecomunicações, a falta de infra-estrutura em alguns países, e a falta de infra-estrutura universal e internacional em telecomunicações. O estudo reconheceu que isso é geralmente o resultado de circunstâncias históricas. A WSIS pode ser generosamente conceituada como uma tentativa de dar seguimento a esse conjunto de preocupações. O problema, é que a história não espera enquanto as conversações continuam. Desde a adoção do Plano de Ação de Estocolmo, na verdade, desde o processo de preparação da WSIS, os acordos no âmbito da Organização Mundial do Comércio (OMC) têm crescentemente invadido a capacidade dos governos nacionais de controlarem seu espaço cultural e midiático3, enquanto o capital empresarial transnacional continua a ser bemsucedido na promoção de seus interesses, em nível global. A Sociedade Civil, enquanto isso, arrisca-se a ficar novamente confinada ao papel de dama-de-honra, observando as laterais, as margens, esperando uma próxima vez, a menos que seja mais agressiva na formulação de sua agenda – na WSIS e em qualquer lugar. Em alguns aspectos, o processo da WSIS pode ser visto como tendo atualizado e pragmatizado a polêmica abordagem do debate sobre a Nova Ordem de Informação e Comunicação (Nomic), nas décadas de 70 e 80. 3. Isso tem inspirado alguns governos a criarem uma rede internacional sobre política cultural (INCP), com o ponto de vista expresso de promover o estabelecimento de um “novo instrumento internacional de política internacional sobre diversidade cultural” para subjugar os impactos dos acordos da OMC e geralmente manter a cultura fora da mesa de negociações do comércio internacional.

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Com o risco de levantar as expectativas daqueles que desejam ver qualquer referência histórica à Nomic como tentativa de reacender as confrontações ideológicas da Guerra Fria, é preciso ser lembrado que uma releitura dos textos principais do debate sobre a Nomic, como a Declaração da Unesco sobre os Meios de Comunicação de Massa, de 1978, e o subsequente relatório, em 1980, da Comissão Internacional para o Estudo dos Problemas de Comunicação, presidido por Sean MacBride, mostra quão relevante e oportuno aquele debate ainda é nos dias de hoje. É geralmente – e convenientemente – esquecido que a Comissão Independente da UIT, de mesma origem, presidida pelo Sir Donald Maitland, veio a chegar, essencialmente, às mesmas conclusões que o relatório MacBride, quanto ao estado iníquo e à qualidade do desenvolvimento comunicacional do mundo (Comissão Independente para o Desenvolvimento Global das Telecomunicações 1984). Mas há uma diferença fundamental a ser notada, que o debate sobre a Nomic foi estritamente entre países, e os interesses representados pelos respectivos governos, enquanto que o debate atual sobre a Sociedade da Informação (pelo menos como está ocorrendo na WSIS) é significativamente mais amplo, não apenas nos temas e questões que cobre, mas na amplitude de atores que estão tentando fazer parte. MÍDIA, DEMOCRATIZAÇÃO E REGULAÇÃO O debate sobre mídia e democratização têm sempre tido um foco dual: democratização da mídia, como valor positivo em si mesmo, e a ampliação do papel da mídia no processo de democratização das sociedades. Para alguns, a mídia tem tendência a ser vista como espaços isolados e imparciais de informação, mas ela é na verdade um espaço de contestação, objeto de contenção em seu próprio direito. Os ativistas da mídia têm lutado para encontrar uma forma de problematizar essa questão: como fazer da mídia uma questão social, ao invés de apenas algo que as pessoas simplesmente sofrem, e como ampliar o discurso público sobre o papel da mídia na democracia. Historicamente, as questões de mídia não têm tido a mesma ressonância entre os ativistas sociais como outros temas, como o meio ambiente, as questões de gênero e os Direitos Humanos. Uma declaração de 1999, feita pelo grande grupo de ativistas de mídia Voices 21, buscou começar a constuir um novo movimento social em torno das questões de comunicação e da mídia. Ele propôs “uma aliança internacional para tratar das preocupações e trabalhar conjuntamente nos assuntos concernentes à mídia e às comu-

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nicações”. Todos os movimentos que trabalharam na direção da mudança social usaram a mídia e as redes de comunicação, destacou então o Voices 21 que é essencial o foco nas tendências atuais, como o crescimento da concentração da propriedade da mídia em poucas mãos (Voices 21, 1999) 4. O advento da Cúpula Mundial sobre a Sociedade da Informação oferece uma oportunidade para se seguir naquela direção. As questões de mídia e comunicação estão criando o seu caminho na direção de uma agenda social mais ampla (por exemplo, por meio do Fórum Social Mundial). McChesney e Nichols (2002), entre outros, escreveram sobre a presença da democratização da mídia no centro de um movimento social: eles apresentaram um programa para uma reforma estrutural da mídia nos EUA. Entre outras coisas, o movimento de reforma da mídia norte-americana conseguiu convencer os congressitas dos EUA a deter algumas das tentativas mais agressivas da Comissão Federal de Comunicações (Federal Communication Commission – FCC) de liberalizar as regras de propriedade de mídias. Em resumo, há necessidade de casamento entre as propostas de reformas da mídia dominante e da mídia alternativa, com intervenção política, pesquisa e educação. A democratização da mídia será baseada numa bem-sucedida realização de cinco tipos de intervenção, lideradas por cinco conjuntos de atores: • análise crítica contínua das questões da mídia (pesquisadores); • esforços de alfabetização midiática (educadores); • construção e operação de mídias autônomas (operadores de mídia alternativa); • práticas progressistas dentro da mídia dominante (jornalistas, editores, publicadores etc.); e. • intervenção política (ativistas quanto às políticas para as mídias). A WSIS oferece uma oportunidade para que essas questões sejam trabalhadas dentro de um modelo institucional, e para manter em mente essa abordagem de cinco fatores. Além disso, na atualidade, as tentativas formais de influenciar o desenvolvimento da mídia pode tomar cinco caminhos possíveis. A abordagem liberal: essa abordagem não favorece a regulação da mídia. Com a dispersão de novas tecnologias digitais, como a Internet, essa abordagem é atualmente defendida por reguladores nacionais (a Austrália é uma exceção importante), sobretudo porque elas ou não sabem o que fazer 4. No interesse da transparência, deve ser declarado que o autor é um membro do Voices 21.

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ou como fazer. É também amplamente defendida por muitos dos ativistas de base que estão se beneficiando desse modelo aberto de comunicações. Mas a história das antigas mídias mostra que, deixada a seus próprios interesses, esse acesso aberto não deve durar. Um modelo liberal de governança da Internet vai provavelmente levar à portas fechadas, acesso restrito e comunicação limitada. Auto-regulação: Essa é a abordagem mais comumente defendida pelos membros da indústria, com o apoio dos reguladores nacionais. É correntemente propagada como a solução para problemas como o conteúdo abusivo e a proteção de direitos, sob o argumento de que os consumidores vão responder, caso não estejam satisfeitos. Mas como nós vemos nas iniciativas concernentes ao copyright e ao comércio eletrônico, mesmo os promotores da auto-regulação estão reconhecendo que há uma necessidade de um modelo estrutural global para a atividade comunicacional, dentro da qual a autoregulação da mídia possa tomar parte. O clube fechado, ou modelo institucional ‘top down’5: Essa abordagem preenche o vazio criado pela retirada dos governos nacionais das questões regulatórias. Acordos são negociados em organizações como a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), Grupo dos 8 (G8) ou a Organização Mundial do Comércio (OMC), bem como nas novas instituições que estão surgindo no setor corporativo. Aqui, os jogadores mais poderosos economicamente simplesmente ditam as regras do jogo para todos os outros, e a mídia é percebida como um negócio, veículo de entretenimento e órgãos de controle estrito de informação pública. A longa marcha através das instituições: Este é um processo que está amarrado ao projeto mais amplo de democratização da governança global, refletido em algumas das iniciativas em torno da reforma da ONU e de noções como “democracia cosmopolita”. O acesso à elaboração de políticas globais por meio da participação da Sociedade Civil, em processos como a WSIS, é crucial para esse modelo, que é um corolário para ampliar a pluralidade e a diversidade da mídia, vista como facilitadora de uma participação mais ampla em cada aspecto da vida pública. 5. (N.T.) “Top down”, de cima para baixo.

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Em termos de democratização das mídias e do papel democrático da mídia, a última alternativa é claramente a única viável. Transparência, participação pública e abordagem sóciocultural na governança da mídia são valores merecedores de serem promovidos transnacionalmente. Uma abordagem política global ao longo dessas linhas ajudaria a redefinir o papel do Estado com relação à mídia, tanto domesticamente quanto transnacionalmente, ao mesmo tempo em que permitiria a disponibilização de um ambiente para tratamento de uma série de questões específicas que estão atualmente fora da agenda. No atual contexto de globalização, a mídia pode tanto ser uma locomotiva do desenvolvimento humano como um instrumento de poder e dominação. Seu papel ainda não está determinado, razão pela qual os debates na WSIS são tão cruciais. Na medida em que as questões envolvendo a regulação da transmissão caminham para se tornarem globais, então, nós precisamos começar a pensar sobre mecanismos apropriados para a regulação global. Isto tornaria possível que se começasse a pensar em intervenções globais em uma variedade de questões, como as seguintes: • regulação das atividades comerciais de mídia segundo o interesse público, para garantir acesso eqüitativo a serviços básicos; • financiamento e apoio institucional para a criação e o sustento de serviços públicos e mídias alternativas; • colocação de limites para os controles corporativos resultantes da concentração transnacional de propriedade nas novas e tradicionais mídias e telecomunicações; • fornecimento de incentivos (por meio de medidas de apoio fiscal etc.) para a produção, distribuição e exibição de conteúdo de mídia que atenda aos objetivos das políticas públicas; • garantia de acesso a todos os canais de mídia disponíveis na base do critério do interesse público; • desenvolvimento de códigos universais e padrões para reduzir a difusão de conteúdo abusivo; • facilitação da capacidade de interconexão, por meio do uso das tecnologias da mídia por organizações sem fins lucrativos; e, • disponibilização de espaços públicos de mídia para resolução de conflitos e diálogo democrático sobre questões globais.

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Eu estou consciente que essa “abordagem regulatória” tem limitações importantes. A extensão em que os chamados reguladores independentes nas democracias liberais têm sido capturados pelos interesses da Indústria, está bem documentada.6 Regulação, em alguns casos, age como uma justificativa sutil para a interferência do Estado na independência da mídia. Ativistas da mídia alternativa têm gasto energia preciosa participando de consultas sem sentido e reuniões para definição de requisitos regulatórios. Assim, permitamme fazer o contra-argumento. Veja, por exemplo, a recente decisão, mediada pela FCC, de reduzir as restrições nos EUA para a propriedade cruzada de mídias e a concentração de propriedade de mídias. Um olhar mais próximo para essa situação revela que os EUA ainda têm regras mais sólidas com relação à concentração da propriedade de mídia do que a maioria dos países ocidentais. As “novas” regulamentações da FCC determinam que uma rede pode possuir estações que alcancem até 45% da população nacional, e um número limitado de mídias no mesmo mercado. No vizinho Canadá, para citar um exemplo de país geralmente tido como muito ativo nas medidas regulatórias, não há restrições com relação à propriedade cruzada ou à concentração de propriedade. Assim, uma empresa (que ocorre de ser a maior corporação industrial do Canadá, a Bell Canada Enterprises – BCE) possui uma das duas redes nacionais de jornais, bem como uma rede líder de televisão, cujas estações alcançam 99% da população de fala inglesa.7 Nos anos 1980, cavalgando a onda ideológica de desregulamentação desencandeada pela eleição de Ronald Reagan, o presidente da FCC declarou: “A televisão é apenas outro aparelho... uma tostadora com imagens”. Não se regula as tostadoras, então por que regular a televisão, era o argumento. Mas o rádio, a televisão ou a Internet não são apenas tostadeiras com imagens. O ponto é distinguir entre “regulação” e “controle”: regulação precisa ter como objetivo fornecer um modelo capacitador dentro do qual as mídias possam florescer e contribuir para a vida pública democrática e para o desenvolvimento humano, e ampliando a liberdade de expressão e o direito à comunicação. Como escreveu um acadêmico famoso 6. Ver, por exemplo, o Centro para a Integridade Pública (2003), cujos documentos mostram as bemsucedidas atividades de lobby das corporações midiáticas norte-americanas vis-a-vis à FCC. 7. De fato, enquanto escrevia este artigo, um comitê parlamentar no Canadá acabou de recomendar uma moratória quanto à futuras fusões, até que o governo proponha uma política abrangente quanto à propriedade de mídias (Fraser, 2003);.

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nos EUA, Edwin Baker (2002) que a regulação da mídia precisa ser vista como legítima, necessária e possível. Autoridades regulatórias independentes e instituições públicas, como os transmissores públicos, têm, de fato, protegido o interesse público do uso abusivo por parte do Estado, sejam os presidentes Richard Nixon, Ronald Reagan ou George W. Bush, nos Estados Unidos, Margaret Thatcher no Reino Unido, ou outros. Apesar do declínio da audiência (resultado de uma combinação de fatores, como ploriferação de canais, globalização cultural e uma lentidão na adaptação ao novo contexto), a transmissão pública ainda merece amplo apoio popular, onde floresceu historicamente. Com a exceção exclusiva da França, nenhum país desenvolvido “privatizou” um transmissor nacional público, apesar da retória generalizada de uma liderança política neo-liberal. A regulamentação pode ser ainda mais importante na promoção de um Terceiro Setor na mídia, especialmente na área de transmissão, e, possivelmente, em breve, a Internet. A regulamentação pode garantir um espaço no ambiente para uma mídia que não possa forçar o seu caminho por meio do comando de recursos financeiros cada vez maiores e cotas massivas de audiência. Regimes fiscais progressivos e programas de financiamento podem fornecer garantias de que as vozes alternativas serão ouvidas. A questão, como sugerido acima, é como transferir esses valores para a esfera internacional – garantindo-as onde elas já existam (em face dos desafios do comércio internacional regressivo e dos regimes de copyright), promovendoas quando elas não existem (em países não liberais) e refocando-as diante do novo contexto de convergência tecnológica e globalização. Em resumo, a regulamentação da mídia pode tratar dos seguintes pontos: • licenciamento de serviços de transmissão públicos, privados e comunitários (objetivo: competição, administração do sistema); • transações de propriedade (objetivo: pluralismo de mercado, diversidade); • conteúdo abusivo (objetivo: proteção de normas sociais); • cotas de conteúdo (objetivo: proteção e promoção da cultura nacional); • obrigações de desempenho (objetivo: serviço público, requisitos de programação); • taxas para transmissão pelo ar, assinaturas, serviços pay-per-view (objetivo: proteção dos consumidores); • dispositivos de acesso (objetivo: oportunidades iguais para a livre expressão);

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• relação entre os serviços públicos e privados (objetivo: equilíbrio do sistema); e, • requisitos de financiamento (objetivo: promoção de serviços prioritários). O papel da regulamentação da mídia é determinar o interesse público, numa base contínua, com relação a questões específicas como as mencionadas acima. Essa é uma tarefa a ser executada por governos juntamente com suas atividades gerais. Não pode ser deixada somente para os transmissores, pois eles necessariamente tem interesses próprios (mesmo no caso dos serviços públicos de transmissão). O mercado é cego como instrumento. Os cidadãos podem individualmente e por intermédio de suas organizações coletivas, articular expectativas, mas não têm poder para implementá-las. O sucesso de uma abordagem regulatória vai, dessa forma, depender do seguinte: • orientações políticas claras, mas não genéricas, das autoridades constituídas; • poderes claramente definidos, apoiados por mecanismos efetivos de complacência; • a mais completa transparência possível em todas as operações e • acesso real e significativo aos processos de tomada de decisão, para todos os atores envolvidos, especialmente organizações de interesse público, que de outra forma estariam alijadas dos centros de poder. O papel da autoridade regulatória seria: • supervisionar o equilíbrio do sistema: entre os setores público, privado e comunitário; • garantir a responsabilização do setor público; • especificar a contribuição do serviço público para o setor privado; • facilitar a viabilidade do setor comunitário; • supervisionar o desenvolvimento do sistema (por exemplo, a introdução de novos serviços); • elaborar a política geral (entre o nível macro, da política do Estado, e o microgerenciamento das operações dos transmissores); • supervisionar a auto-regulação da indústria; • supervisionar os processos de concessão e renovação de licenças e • lidar com as reclamações e com as questões de conteúdo na base de códigos e padrões estabelecidos. 199


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A regulamentação pode ser vista como um processo de corretagem entre os interesses do Estado, das empresas privadas e da Sociedade Civil. Regulamentação se relaciona à estruturação de um modelo, mais do que, como é comumente pensado, a controle. Vista dessa forma, a WSIS pode significar o estabelecimento de um novo ambiente global para a mídia. É uma oportunidade que não deve ser perdida, mas cuja relevância precisa ser cuidadosamente pesada e coloca em uma perspectiva apropriada. Referências Bibliográficas Baker, C. Edwin. 2002. Media, Markets and Democracy. Cambridge University Press, Cambridge. Center for Public Integrity. 2003. Behind Closed Doors: Top Broadcasters Met 71 Times with FCC Officials. www.publicintegrity. org/dtaweb/report.asp?ReportID=526&L1= 10&L2=10&L3=0&L4= 0&L5=0, accessed on 1 July 2003. Council of the European Union. 1997. “Protocol on the system of public broadcasting in the member states”. In Draft Treaty of Amsterdam. Brussels. Downing, John. 2000. Radical Media: Rebellious Communication and Social Movements. Sage Publications, Thousand Oaks, CA. Fraser, Graham. 2003. “Cross-ownership under attack”. Toronto Star, 12 June, p. A4. Girard, Bruce (ed.). 1992. A Passion for Radio: Radio Waves and Community. Black Rose Books, Montreal. http://comunica.org/passion, accessed on 1 July 2003. Habermas, Jürgen. 1989. Structural Transformation of the Public Sphere: An Inquiry into a Category of Bourgeois Society. MIT Press, Cambridge, MA. International Commission for the Study of Communication Problems. 1980. Many Voices, One World. Report of the International Commission for the Study of Communication Problems (chaired by Sean MacBride). UNESCO, Paris. Independent Commission for Worldwide Telecommunications Development. 1985. The Missing Link. Report of the Independent Commission for Worldwide Telecommunications Development (chaired by Sir Donald Maitland). ITU, Geneva. International Telecommunication Union (ITU) and United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization (UNESCO). 1995. The Right to Communicate: At What Price? Economic Constraints to the Effective Use of Telecommunications in Education, Science, Culture and in the Circulation of Information. ITU and UNESCO, Paris. Keane, John. 1991. The Media and Democracy. Polity Press, Cambridge. McChesney, Robert W. and John Nichols. 2002. Our Media Not Theirs: The Democratic Struggle against Corporate Media. Seven Stories Press, New York.

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MÍDIA E DEMOCRATIZAÇÃO NA SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO

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INTERNET ES EL FUTURO Raúl Trejo Delarbre

La red de redes gana terreno como medio de servicio e información; sus conectados han crecido geométricamente y los sitios se multiplican. Pero los “internautas” siguen siendo una minoría, navegan menos y se concentran en menos portales. Internet es el futuro, pero no es un futuro perfecto. INTERNET Y LOS MEDIOS EN 11 DE SEPTIEMBRE El 11 de septiembre de 2001, igual que el mundo entero, la Internet quedó pasmada. Durante varias horas los sitios de noticias más conocidos, todos ellos estadounidenses, fueron colmados por la demanda de información provocada por el ataque a las Torres Gemelas de Nueva York y más tarde el asalto al Pentágono en Washington. Entre las 9 y las 10 de la mañana, hora del este americano, las páginas de CNN.com, NYTimes.com y ABCNew.com eran inaccesibles para la mayoría de los “internautas” de todo el mundo que buscaban saciar su inagotable necesidad de informaciones. El atentado terrorista fue tan monstruoso y al mismo tiempo tan explicable que centenares de millones de personas querían, si no respuestas, al menos nuevos ecos de la tragedia, además de los que ofrecían los medios de comunicación tradicionales. Durante todo el día el acceso a esas páginas y también las de MSNBC.com y USAToday.com entre otras, fue varias veces más lento que en circunstancias regulares. A fin de aligerar el volumen de información digital que sus servidores enviaban a cada usuario esas empresas modificaron sus home pages, simplificando el diseño y limitando la información a unos cuantos titulares y algunas fotografías. La página de entrada de CNN.com que suele “pesar” 255 kilobytes quedó reducida a 20 kbs. Para que más gente pudiera tener acceso a ella. DELARBRE, R. T. Internet es el futuro. In MARQUES DE MELO, J.; SATHLER, L. Direitos à Comunicação na Sociedade da Informação. São Bernardo do Campo, SP: Umesp, 2005.


DIREITOS À COMUNICAÇÃO NA SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO

Ese día, en medio de la enorme tragedia en Nueva York y Washington, la Internet manifestó las limitaciones que todavía la atajan y las virtudes que podrá desplegar en el futuro inmediato. Los servidores de las empresas noticiosas no dieron abasto para enviar información a una cantidad inusitada de “internautas”, pero decenas de millones sí pudieron conectarse a algunas de esas páginas. Luego, conforme avanzó ese día y los siguientes las noticias de la penosa búsqueda de víctimas y la discusión sobre qué podían hacer Estados Unidos y el mundo ante el terrorismo se propagaron a través de millares de páginas en la red de redes. El 11 de septiembre la Internet y la televisión se ocuparon de la tragedia apoyándose mutuamente. Pocos minutos después de que el primer avión secuestrado se estrellara contra la Torre Norte en Manhattan los principales portales (como MSN.com y Lycos.com) así como los buscadores más concurridos (Yahoo. com, Altavista.com, Google.com) colocaron avisos para que todo aquel que accediera a ellos, si aún no lo sabía, se enterase del siniestro. Entonces se produjo un recorrido de ida y vuelta de la Internet a los medios convencionales. Los administradores de Google.com colocaron el siguiente aviso: “Si usted está buscando noticias, encontrará la información más actual en la televisión o en la radio. Muchos servicios de noticias en línea no están disponibles debido a la demanda extremadamente alta”. Google.com copió las portadas de los sitios de The Washington Post y la CNN para ofrecerlas a sus usuarios. La Internet contribuyó, de esa manera, a incrementar la audiencia de las cadenas de televisión. Para enterarnos de los asuntos más recientes o incluso para presenciarlos en directo como ocurrió con los atentados del 11 de septiembre el medio idóneo es la televisión. Para ofrecer información de contexto y espacios de discusión y retroalimentación la red de redes comienza a ser entendida como medio de servicio y no sólo de entretenimiento. Una encuesta levantada al día siguiente por el Pew Internet and Life American Project confirmó que la gran mayoría de los estadounidenses prefirió la televisión para conocer las secuelas de los atentados. El 81 por ciento obtuvo de la TV la mayor parte de la información acerca de esos acontecimientos. El 11 por ciento atendió preponderantemente a la radio y solamente el 2 por ciento declaró haber preferido la Internet. El 1 por ciento tuvo a los periódicos como fuente principal de información. Ese y los siguientes días, en cambio, la participación en foros de discusión en la red aumentó al menos una tercer parte.

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INTERNET ES EL FUTURO

HÁBITOS, CRECIMIENTO Y DESIGUALDADES EN LA RED Pero la Internet no se encuentra tan concurrida todos los días ni sus usuarios la emplean con tal intensidad para buscar informaciones de actualidad. En los países en donde este recurso informático se ha desarrollado más el empleo del correo electrónico es habitual y la consulta de datos, tanto para esparcimiento como para trabajar, se ha vuelto frecuente. En Estados Unidos en agosto de 2000 según un estudio gubernamental, el 80 por ciento de los usuarios de la Internet enviaban y recibían correos electrónicos y el 43,2 por ciento acostumbraba a buscar información en sitios de noticias. El 35,3 recababa datos para asuntos relacionados con su trabajo y el 30 por ciento había realizado compras en línea (Gráfico 1). GRÁFICO 1 QUÉ HACE LA GENTE EN INTERNET (ESTADOS UNIDOS) 79,9

80 70

58,8

60 50

43,2 35,4

40

35,3 30

30

16,1

20

9,1

10

5,7

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0

Fuente: Tabla elaborada a partir de datos en el US Department of Commerce Falling throug the net. Toward digital inclusion http://www.ntia.doc.gov/ntiahome/tttn00/falling.htm#47.

En España, según otra investigación publicada en julio de 2001, prácticamente todos los usuarios de Internet lo son antes que nada de correo electrónico, el 82 por ciento consulta noticias y el 45,3 por ciento hace compras y casi el 40 por ciento descarga archivos de audio en formato MP3 (Gráfico 2). Las dos encuestas tienen parámetros distintos pero algunos de sus resultados se pueden comparar cotejando las dos tablas adjuntas.

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GRÁFICO 2 QUÉ HACE LA GENTE EN INTERNET (ESPAÑA) 99,2 81,6

Buscar empleo

Descargar MP3

Comprar y pagar cuentas

Revisar notícias

25,2

19,6

19,3

Juegos em red

39,4

Consultar programación de TV

45,3

Correo electrón.

100 90 80 70 60 50 40 30 20 10 0

Fuente: Tabla elaborada a partir de Navegantes en la red. Cuarta encuesta AIMC a usuarios de Internet. Asociación para la Investigación de Medios de Comunicación, Madrid, julio 2001. http:// download.aimc.es/aimc/html/inter/macro2001.pdf

La Red es cada vez más útil como transmisora de noticias de actualidad y fuente de información documental, bibliográfico e institucional. Además nutre el esparcimiento de sus usuarios e incluso se ha constituido en guía para los más distintos espectáculos. No hay, hasta ahora al menos, una disminución significativa de la atención a otros medios por navegar por la Red. Al contrario: las pautas de contemplación fundamentalmente pasiva que singularizan a los espectadores de los medios convencionales se han reproducido entre la mayoría de los usuarios de la Red de redes. GRÁFICO 3 – SITIOS WEB 1990-2003

Fuente: Robert Hobbles Zakon, Hobbes´ Internet Timeline v5.4, http://www.zakon.org./robert/timeline

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INTERNET ES EL FUTURO

Casi todos ellos, especialmente en el espacio multimedia de la Internet que es la world wide web, se limitan a ser consumidores de datos. Sólo una pequeña porción de “internautas” aprovecha la red como espacio para ser ellos mismos propagadores de contenidos propios. Son muchos más quienes miran las páginas web de otros, que aquellos que enriquecen la red con sus respectivos sitios. Aunque la cantidad de sitios ha crecido muy considerablemente, los usuarios de la red suelen buscar los mismos domicilios. La abundancia de información que hormiguea por la red de redes se ha convertido en prácticamente inasible por sus dimensiones colosales. Los más tecnificados buscadores de contenidos, como Google y Yahoo, apenas alcanzan a rastrear una quinta parte de todo el acervo – en donde hay de todo – en la www. La Internet se ha convertido en una sucesión de océanos en donde sólo es posible no extraviarse si se tiene experiencia y brújulas adecuadas. Hacia la mitad de 2001 existían casi 30 millones de sitios web, que no hay que confundir con las páginas en la Red. Un sitio puede estar conformado por una o por varias (incluso millares) de páginas. Si consideramos que ocho años antes, en 1993, apenas existían 130 sitios, que cinco años antes (en 1996) eran 25 mil y que un año antes, en 2000, habían crecido a 17 millones, queda claro el desarrollo intenso y vertiginoso que ha tenido la Internet. El gráfico 3, elaborado con datos del investigador Robert H. Zakon, resulta muy explícito. El despegue de la red de redes ocurre a mediados de 1997 cuando alcanza más de un millón de sitios, se duplica al año siguiente y entre 1997 y 1998 crece dos veces y medio. Luego casi se triplica. En cambio el crecimiento entre 2000 y 2001 medido de junio a junio alcanza la tasa más baja en seis años. Las variaciones en el ritmo de desarrollo de sitios web aparece en el gráfico 4. Cada vez hay más sitios, evidentemente, pero el ritmo de su crecimiento tiende a disminuir. La Internet es más grande y sus navegantes aprovechan de ella recursos de índole muy variada, pero aún constituyen una porción pequeña de la población mundial. El acceso a este recurso informático se ha convertido en su principal limitación no sólo desde la perspectiva de los intereses de cada nación sino, también, para el desarrollo de la red como opción mercantil. La debacle de las llamadas “empresas-punto com” entre las cuales muchas hicieron severos ajustes y cerraron a partir del año 2000, se debe fundamentalmente a la sobrevaloración que muchos de sus promotores habían hecho de la Internet. Se llegó a pensar que bastaba colocar un sitio en la red para que llovieran las compras y las inversiones. En la mayoría de los casos no ha ocurrido así porque

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GRÁFICO 4 – CRECIMIENTO PORCENTUAL DE LA WWW Gráfico 4 - Crescimento Porcentual de La WWW 2500 2000

2100

1500 1000

858

500 0

443 107 1993-1994

1994-1995

1995-1996

215 1996-1997

256

1997-1998

277

1998-1999

171

1999-2000

los mecanismos de transacción comercial tradicionales no ha sido substituidos por los de carácter electrónico y, también, debido a que los usuarios de la Internet no son tantos como se había esperado. De todos modos suman un número respetable. Se estima que al finalizar 2001 habrá casi 500 millones de personas que tienen acceso regular a la Internet en todo el mundo. Son muchos, pero apenas constituyen el 8 por ciento de la población mundial. Medidas de acuerdo con la cantidad de anfitriones o hosts (es decir, aparatos de cómputo conectados a la Internet) el Gráfico 5 muestra la evolución que ha tenido el acceso a la red de redes en una decena de países. GRÁFICO 5 – ANFITRIONES DE INTERNET POR CADA MIL HABITANTES 1995-2000 Noruega Estados Unidos Japón Alemania España Suecia Argentina México China Turquía

1995 20,1 21,1 2,3 6,3 1,8 18,6 0,2 0,2 0 0,2

2000 193,6 180 49 41,2 21 125,8 8,7 9,2 0,1 2,5

Fuente: Gráfico elaborado a partir del Programa de las Naciones Unidas para el Desarrollo - PNUD, Informe sobre desarrollo humano, 2001. México, 2001, p. 62-65.

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INTERNET ES EL FUTURO

La concentración de las desigualdades económicas y sociales se traduce en mayores dificultades para el acceso a la red de redes. De acuerdo con el Programa de las Naciones Unidas para el Desarrollo Humano el año 2000 la cantidad de hosts por cada mil habitantes era de 0,4 en los países árabes, 0,6 en Asia Oriental y el Pacífico, 0,6 en Asia Meridional y 0,1 en el África Subsahariana. En América Latina y el Caribe esa proporción era de 5,6 y en Europa Oriental y la CEI de 4,7 anfitriones de Internet por cada millar de personas. En los países de alto ingreso de la OCDE esa tasa era de 96.9. No hay que tener dones proféticos para decir que en el futuro esas tendencias se mantendrán en lo fundamental, aunque a largo plazo el acceso a la Internet vaya siendo cada vez más amplio. Hay quienes estiman que en 2005 los usuarios de la red de redes serán mil millones, lo cual significaría un aumento del 100 por ciento en cuatro años. Entre 1995 y 2000 la cantidad de anfitriones de Internet creció de 1,7 a 15,1 por cada mil habitantes en el mundo. La población en línea, según evaluaciones que parecen fiables, creció de 50 millones en 1996 a 117 en 1998, 391 en 2000 y llegará a 490 al finalizar 2001. Es decir, el número de “internautas” en el planeta se incrementó casi mil por ciento en ese lustro. El posible comparar el crecimiento de los usuarios de la Internet en el mundo con el incremento en el número de sitios. En 1996 teníamos un sitio por cada 198 usuarios de la red por cada sitio, en promedio. En 2000 la relación fue de 22,84 por cada sitio. En 2001, contamos con 16,72 usuarios por cada sitio en la Internet. (La comparación es ligeramente forzada porque los datos de sitios web son de junio de cada año y los de usuarios reflejan las estimaciones totales al final de cada año, pero muestran un panorama significativo). SATURACIÓN Y CONFUSIÓN. LOS “INTERNAUTAS” ESTÁN FATIGADOS Esas correlaciones parecieran indicar que cada vez tenemos una red más representativa de los intereses, la diversidad y las singularidades de sus usuarios. Eso es cierto solamente en parte. Cada vez más personas colocan su información en la Internet aunque sigan constituyendo un porcentaje modesto del conjunto de consumidores de ese medio. Sin embargo los sitios más visitados son unos cuantos en comparación con la descomunal cuantía de opciones que ofrece la Internet. Los usuarios de la red, al menos en Estados Unidos, visitan cada vez menos sitios web. El espíritu de exploración

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que animaba a quienes se sumergían en ella en los primeros años de la Internet, ha venido decantando en la consulta rutinaria a los mismos domicilios. En 2000 el 60 por ciento de los usuarios de la red en ese país se asomaba a más de 20 sitios al mes. Un año después la cantidad de sitios visitados se ha reducido a casi la mitad. Es paradójico: tenemos más sitios en la red pero la gente la recorre menos. Cada vez resulta más difícil hablar de navegantes como en los primeros tiempos de la Internet. Ahora la costumbre es recalar en los lugares ya conocidos, como si los “internautas” se hubiesen fatigado y ya no conservasen el espíritu de aventura y búsqueda que era considerado como uno de los atractivos de la red. Pero la Internet llegó no sólo para quedarse, sino para crecer y diversificar su presencia en los más variados órdenes. En el futuro cercano el crecimiento de las personas con acceso a la red seguirá aumentando, particularmente en los países en donde la Internet ha comenzado a acreditarse recientemente. Ese desarrollo seguirá supeditado a intereses fundamentalmente mercantiles en ausencia de políticas nacionales y regionales – que sean suficientemente eficaces, y con recursos – para promover el acceso de los ciudadanos a la Internet. Es previsible que el ritmo de crecimiento de los sitios web sea menor, pero también que una gran cantidad de los accesos de los ínter nautas en todo el mundo sea a las páginas de las mayores corporaciones de la información y el entretenimiento – casi todas ellas asociadas a las empresas de medios tradicionales. Así como el 11 de septiembre de 2001 los espacios más visitados en la red dirigieron a quienes los consultaban a la televisión que ofrecía información más oportuna y masiva, con frecuencia las cadenas televisivas recomiendan a sus espectadores que se asomen a sus respectivos sitios web. La brecha informática que existe entre las naciones y que escinde a las sociedades también se reproduce dentro de la red de redes. Aquellas empresas y personas con mayores recursos tecnológicos y financieros pueden no sólo colocar, sino difundir, remozar y actualizar sus sitios en la Internet con más ventaja que los negocios pequeños o los ciudadanos comunes. En el futuro inmediato se mantendrán sin solución satisfactoria varios de los grandes dilemas que enfrenta hoy la Internet. Asuntos como la propiedad y la autoría de la información, la defensa de la privacidad, la existencia de barreras culturales e idiomáticas que forman parte de la complejidad de las sociedades humanas y que en la Internet se reproducen y hacen patentes, serán

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INTERNET ES EL FUTURO

vistos según la perspectiva de cada interesado. Tendrá que pasar más tiempo para que establezcamos consensos sobre derechos patrimoniales, respeto a la intimidad y reconocimiento de la diversidad en la Internet. Aun así la extensión de las redes en nuestras sociedades, su imbricación y complementariedad con otros medios y las posibilidades todavía escasamente exploradas que ofrece para informar, recrear y educar, harán de Internet no sólo parte del futuro de la comunicación. La red de redes es el futuro y para admitir este diagnóstico es preciso considerar que su desarrollo tecnológico y su disponibilidad (ancho de banda, velocidad de conexiones, capacidad instalada en cada comunidad y hogar, etc.) apenas se están desarrollando. No es un futuro perfecto, ni mucho menos – y no nos referimos solamente al tiempo gramatical. Se trata de un porvenir repleto de contradicciones y que, valgan la obviedad y el gerundio, apenas se están construyendo. Sobre todo, es altamente posible que la formidable capacidad que la Internet ofrece en ilimitados campos de actividad quede circunscrita por la preponderancia de unas cuantas empresas en el desarrollo y la promoción de la Red. Junto con la brecha digital entre los países y también dentro de muchas naciones, la gran dificultad para usufructuar Internet será como desbrazar entre millones de sitios y miles de millones de páginas la información que mejor nos pueda enterar, cultivar, auxiliar y entretener. Los ordenadores están dejando de servir como instrumentos para organizar la información para convertirse, antes que nada, en proveedores de ella a través de las conexiones digitales. Nuestras sociedades, incluso con respetables índices de acceso a Internet, siguen padeciendo una suerte de analfabetismo digital: mucha gente se asoma a la Red sólo para cumplir con tareas elementales y rutinarias a semejanza de quienes, disponiendo de una enorme biblioteca, únicamente la utilizan para consultar recetas de cocina y la guía de teléfonos.

Raul Trejo Dellarbre é pesquisador do Instituto de Investigaciones Sociales e professor titular da Faculdade de Ciências Políticas e Sociais da UNAM - Universidade Nacional Autónoma de México. Doutor em Sociologia pela UNAM. Autor e editor de mais de 20 livros, dentre eles La prensa marginal (1991); Este puño sí se ve, Insurgencia y movimiento obrero en México (1987); Las agencias de información en México (1989); Crónica del sindicalismo en México 1976-1988 (1990); Los Mil Días de Carlos Salinas (1991); Ver, pero también leer. Televisión y prensa: del consumo a la democracia (1992) e La sociedad ausente. Democracia y medios de comunicación (1992).

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LA INVESTIGACIÓN DE INTERNET Carlos Lamas

1. INTRODUCCIÓN Al mismo tiempo que el uso de Internet ha venido incrementándose durante los últimos años, se ha venido también planteando la necesidad de su cuantificación y medición. Al igual que en el caso de otros medios de comunicación (radio, cine, televisión, prensa, revistas, etc.), esta necesidad surge por el efecto combinado de dos intereses básicos: el interés sociológico (el desarrollo de Internet se puede contar como uno de los hechos más relevantes y con mayor transcendencia de la última década) y por el interés económico que su utilización conlleva (su uso como medio publicitario, como vehículo del comercio electrónico, etc). Las metodologías sobre Internet han venido clasificándose en tres grupos, dependiendo de la tipología de la unidad básica de estudio: Métodos basados en los usuarios (user-centric en la terminología anglosajona), donde la unidad a estudiar es la persona. Métodos basados en los servidores (site-centric) donde el sitio Web es el objeto inmediato de la investigación. Métodos basados en el los suministradores de publicidad (ad-centric) donde la medición se lleva a cabo desde los servidores encargados de gestionar la publicidad de una red de sitios Web -como, por ejemplo, DoubleClick-, suministrando en cada momento al visitante a uno de esos sitios Web un elemento publicitario diferente en base a condiciones previamente pactadas. Suelen combinar el contaje de peticiones a través de los registros log del servidor con la utilización de cookies para poder estimar cobertura y frecuencia. Estos métodos se centran específicamente en la medida de la LAMAS, C. La investigación de Internet. In MARQUES DE MELO, J.; SATHLER, L. Direitos à Comunicação na Sociedade da Informação. São Bernardo do Campo, SP: Umesp, 2005.


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audiencia de los banners publicitarios (tanto su mera exposición como su tasa de click-through) y aunque no nos extenderemos más en su descripción, sí merece la pena mencionar que muchas veces estas mediciones han entrado en conflicto con las realizadas por los sites en base a sus ficheros log (éstas últimas suelen proporcionar cifras más elevadas). Dado que el medidor tiene un interés comercial en el dato que proporciona, las mediciones de este tipo precisarían de una auditoría y consiguiente certificación externa (no existente en estos momentos) que les conceda imagen de neutralidad y garantía de objetividad ante el usuario. Los tres grupos de metodologías tienen ventajas y debilidades relativas y, hasta que se produzca un cambio tecnológico relevante, parece que el estudio de Internet debe combinar, en proporciones adecuadas, estudios de las tres tipologías mencionadas. 2. MÉTODOS BASADOS EN LOS USUARIOS Dentro de este grupo vamos a señalar los tres tipos de estudios más frecuentemente utilizados. Encuestas tradicionales (personales o telefónicas) Realizadas específicamente a los efectos del estudio de Internet o, lo que es más habitual, integradas en estudios multiobjetivo, utilizan una muestra de la población general para medir temas globales sobre la penetración y uso de la red. Las preguntas usuales en los cuestionarios utilizados se refieren a la posibilidad de acceso a la red, a la frecuencia de uso, al lugar de conexión y uso de los diferentes servicios (navegación por la Web, correo electrónico, transferencia de ficheros, chats, etc.). Las respuestas a estas preguntas se combinan y cruzan con las características socio-demográficas habituales (edad, sexo, estudios, región, hábitat, etc). Se utilizan como referente general de la extensión del uso de la red proporcionando una cuantificación de los usuarios de la red así como sus perfiles caracteriológicos básicos. Están sujetos, en el detalle de las preguntas, a las limitaciones inherentes a la capacidad de memoria de las personas. Merece la pena resaltar el esfuerzo de homogeinización de este tipo de investigaciones llevado a cabo por EuroJICs (http://www.ejic.org ) con una propuesta de cuestionario a utilizar. También se utilizan sistemas de encuesta para cuantificar la cobertura de los sites. Generalmente estos estudios se limitan a un número limitado de sites (entre los más importantes) y utilizan técnicas de recuerdo sugerido combinadas con una

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LA INVESTIGACIÓN DE INTERNET

pregunta sobre el momento de la última visita, siguiendo la metodología más utilizada para el estudio de la audiencia de los medios impresos. Encuestas en la propia red Los encuestados se reclutan entre los visitantes a un grupo de sitios Web o, alternativamente, entre los integrantes de listas de correos electrónicos recogidos por diferentes entidades. Son eficientes en la medida que se encuesta solo a usuarios de la red, tienen un coste relativamente bajo y, en general, parecen apropiadas para realizar cuestionarios extensos sobre Internet. Su mayor handicap es la falta de representatividad estadística derivada de los sesgos en el reclutamiento de la muestra. El fenómeno de autoselección de la muestra en unos casos y la baja calidad de las listas disponibles por otro, hacen que el muestreo se aleje de los requisitos básicos del muestreo probabilístico. La dirección del sesgo, en la medida que éste se ha podido estudiar, apunta a una sobrerrepresentación de aquellas personas que hacen un uso más intenso de la red, entre otras posibles desviaciones. Pero si las muestras que se consiguen son suficientemente altas, se puede justificar el estudio, siempre que el analista sea consciente de los riesgos que supone proyectar los datos muestrales al colectivo general. Aunque probablemente no solucionen totalmente la falta de representatividad de las muestras, es obligado señalar que las técnicas de selección de la enésima visita (en sus diferentes variantes) para muestrear entre los visitantes a un sitio específico atenúan en gran medida los sesgos muestrales mencionados. Paneles de PC´s (PC-meters) De forma muy análoga a la metodología de medición de audiencia de televisión a través de paneles audimétricos, tratan de reclutar una muestra representativa de usuarios de Internet y colocan en sus respectivos PC´s un software de control que permite el seguimiento continuo de la actividad de estos PC´s; cuando se conecta a la red, que sitios visita, qué paginas dentro del sitio, etc. Tienen el indudable valor de la precisión y detalle que se consigue, así como de la combinación que permite de los datos recogidos con las características socio-demográficas de los panelistas. Es, sin lugar a dudas, el mejor método para efectuar estimaciones sobre el uso de la red, proporcionando indicadores imposibles de obtener por otros métodos. Su mayor problema reside en el tamaño de la muestra que se necesita para hacer estimaciones sobre el tráfico

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de los sitios individuales, dada la gran fragmentación de los contenidos de la red. Y tampoco es despreciable la dificultad de obtener una muestra adecuada de los PC´s situados en centros de trabajo. Necesitan un estudio constante de la penetración de los usuarios de Internet dentro de la población general que asegure la actualización de las proyecciones y proporcione, al mismo tiempo, un marco de muestreo adecuado para actualizar el panel con muestras de las nuevas incorporaciones de usuarios. 3. MÉTODOS BASADOS EN LOS SERVIDORES (SITE-CENTRIC) A través del análisis de los ficheros log de los servidores, miden automáticamente las peticiones de páginas que se realizan a los mismos. Y lo hacen con un detalle considerable y sin estar sujetos – al ser un sistema de tipo censal – a los márgenes de fiabilidad inherentes a los procedimientos de muestreo. Para poder ser un elemento de información creíble, el contaje debe ser realizado o auditado por un organismo de reputada credibilidad y neutralidad. Las mayores debilidades del método residen en la falta de control de los accesos que se producen a través de servidores proxy o recuperando información a través de la memoria cache del usuario. Y, adicionalmente, el hecho de no poder suministrar el perfil socio-demográfico de los usuarios ni la cuantificación de los mismos – cuentan contactos o, en el mejor de los casos, las visitas, pero no los visitantes – representa una limitación relevante. Por otra parte no proporcionan, ni lo pretenden, una visión general del uso de la red, sino que se concentran en el estudio del tráfico de sitios específicos. Para paliar en lo posible algunas de las deficiencias apuntadas de los sistemas log-based anteriormente descritos, se han desarrollado los sistemas browser-based como los que comercializan firmas como HitBox, Red Sheriff, Weborama, etc. El principio básico es introducir unas marcas (tags) no visibles en las páginas del site a medir. Cuando el usuario descarga esta página, el navegador lee el tag y ello activa el envío de la oportuna información (día, hora, página, navegador, dirección IP, etc) al servidor central encargado de la medición. Suelen combinarse con la emisión y seguimiento de cookies para estimar la cobertura y frecuencia de los sites. E incluso mantienen que es posible dar perfiles tras una extensa campaña de registro de usuarios. 4. PRINCIPIOS, DIRECTRICES, CONCEPTOS Y DEFINICIONES Desde que Internet salió del circulo restringido de los ámbitos académicos y gubernamentales, diversos organismos y asociaciones han

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LA INVESTIGACIÓN DE INTERNET

tratado de dar recomendaciones de cara a una medición lo más perfecta posible por una parte y, por otra, fomentar la mayor homogeneidad entre las diferentes operaciones de medida, fomentando el uso de definiciones y conceptos uniformes.. Mencionaremos solo dos referencias importantes: Internet Advertising Bureau (ver http://www.iab.net) Principios FAST (ver http://www.fasteurope.org/audience/ guidelines.htm) 5. EL ESTUDIO DE INTERNET EN ESPAÑA Podemos decir que prácticamente todas las metodologías antes reseñadas se han utilizado en nuestro país, o están muy cercanas a serlo. Encuestas tradicionales: el Estudio General de Medios Resaltamos dentro de este apartado el EGM, por ser, no el único ejemplo, pero sí el más veterano, con mayor continuidad y el más conocido y utilizado. Se trata de un estudio multimedia con un cuestionario amplio que recoge información sobre: 1. Las características socio-demográficas del entrevistado. 2. Consumo de los diferentes medios (televisión, radio, prensa, suplementos semanales, revistas, cine e Internet). 3. Equipamiento del hogar. 4. Consumo de productos y servicios (generalmente sin descender a marcas). 5. Características indicadoras de los estilos de vida. Las preguntas que se hacen con respecto a Internet se centran en el acceso, el uso y su frecuencia, el tipo de uso, el lugar de acceso, etc. y últimamente se han añadido preguntas adicionales sobre el acceso a diarios electrónicos, buscadores/directorios más frecuentemente utilizados y sobre la compra a través de la red. El universo del estudio es el de residentes en España con al menos 14 años de edad. El muestreo se realiza en tres etapas básicas: Selección aleatoria de los puntos de muestreo –secciones censales–, selección de 6 hogares por sección censal a través de un método similar al de rutas aleatorias y selección aleatoria de una persona dentro de cada hogar elegido. Las entrevistas son personales y se utiliza un tamaño de muestra de algo más de 40.000 entrevistas por año. El estudio lo lleva a cabo AIMC (Asociación para la Investigación de los Medios de Comunicación), entidad sin ánimo de lucro a la que pertenecen las

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empresas de medios (televisiones, radios, editoras de prensa diaria o revistas, etc.) y también las empresas de publicidad (centrales de compra, agencias, exclusivistas, etc). La distribución completa de la información del EGM está limitada a los asociados a AIMC, pero la información sobre Internet y un resumen general de los otros medios está disponible en la red (ver http:// www.aimc.es ) 24 22

19,8

20

20,3

21,2

22,2

18

15,8

16 14 12

10,5

11,3

2,3

*3.942

*5.486

*6.894

*7.079

*7.388

*7.734

2

*3.660

4

5,8 4,0

*2.017

6

*1.362

*242

8

*765

10

Feb/Mar 1997

Feb/Mar 1998

Feb/Mar 1999

Feb/Mar 2000

Abr/May 2000

Oct/Nov 2000

Feb/Mar 2001

Abr/May 2001

Oct/Nov 2001

Feb/Mar 2002

0,7

0

Feb/Mar 1996

A título de ejemplo sobre la información que el EGM proporciona (desde 1996), podemos observar en el cuadro la evolución del principal indicador de la penetración de Internet (personas con uso último mes). El gráfico muestra el porcentaje de penetración sobre la población de 14 años o más y también el valor absoluto de usuarios en miles de personas. Para responder a la necesidades que el mercado manifestaba en relación a la audiencia de los diferentes sites -en un momento en el que no existían los paneles de Internet y el abanico de soportes electrónicos controlados por la OJD era muy limitado-, la Comisión Técnica de AIMC propuso avanzar en esta línea fundamentalmente a través de dos preguntas que se introdujeron en el EGM. Las dos preguntas se refieren a la lectura de diarios electrónicos y al uso de buscadores/directorios. En los dos casos la pregunta es de tipo espontáneo lo que, dada la multiplicidad de sites, no es el planteamiento idóneo y posiblemente favorezca en el ranking a los sites con más notoriedad. En el caso de los buscadores/directorios se optó por preguntar por los visitados más frecuentemente en vez de los visitados en el último período, lo que tampoco responde a la metodología más admitida y aplicada en la investigación de

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LA INVESTIGACIÓN DE INTERNET

audiencia de medios. Por tanto, en una etapa inicial, se sacrificó el rigor metodológico en función del carácter puramente complementario y provisional que entonces se le quiso dar a estas preguntas y en aras de un más fácil consenso en el planteamiento de las preguntas. El acuerdo sobre una metodología más rigurosa y más en consonancia con las pautas generalmente aceptadas para la investigación de medios aplicada a la estimación de las audiencias de los sites ha llevado algún tiempo y supuesto múltiples discusiones en el seno de diversos grupos dentro de AIMC. La propuesta que finalmente ha sido aprobada sigue la siguiente secuencia de preguntas: i. Pregunta filtro: Durante los últimos 30 días, ¿ha visitado algunos de los websites que le voy a mostrar? Indique cuales. Presentación de cartones con los logos para la lista seleccionada de sites. ii. Para los sites que superen la pregunta filtro, hacer las preguntas de frecuencia y de visita última vez (esquema horizontal). iii. Frecuencia. ¿Con qué frecuencia suele Ud. visitar este site? Las posibilidades de respuesta serán: 1. Varias veces al día 2. Prácticamente todos los días 3. Algunos días por semana 4. Al menos una vez a la semana 5. Varias veces al mes 6. Al menos una vez al mes 7. Con menor frecuencia iv. Sin contar el día de hoy, ¿cuando ha sido la última vez que ha visitado este site? 1. Ayer 2. Última semana 3. Último mes Con carácter experimental, se inició este tipo de medición para 17 sites en la tercera ola de 2001. Los primeros resultados oficiales vieron la luz con la primera ola del 2002 y para la segunda ola se están estudiando unos 25 sitios. Como se ve, el planteamiento se asimila al aplicado en la investigación de revistas y suplementos con una metodología de recuerdo sugerido para un número limitado de soportes. El desarrollo del sistema incluye la probabilización de los contactos y la inclusión de los soportes de Internet en los programas de planificación (TOM) de forma análoga a los soportes de los medios tradicionales.

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Debemos señalar que el uso de técnicas de declaración y recuerdo como la anteriormente descrita está totalmente justificado, aún cuando, en paralelo, existan otras técnicas de medición de la audiencia basadas en recuentos electrónicos porque: a. En relación a la medición de Internet, nos encontramos en una fase inicial donde todavía no se ha llegado a un consenso sobre la técnica de medición ideal. Las discusiones sobre los méritos y deméritos de las diferentes técnicas están a la orden del día, con la agravante de que las diferencias entre las estimaciones que proporcionan las diferentes mediciones electrónicas son de tal magnitud que no llegan a explicarse en función de la respectiva técnica de medición ni en función de errores muestrales. En esta situación, la existencia de una medida de declaración -método imperfecto pero sin cajas negras y suficientemente contrastado históricamente- constituye un aporte indispensable en la construcción de una fotografía que refleje adecuadamente la realidad. Al menos, tan indispensable como cualquiera de las otras técnicas existentes. b. Las técnicas de declaración son menos manipulables que las técnicas electrónicas. c. Las operaciones de medida hoy existentes no apuntan exactamente al mismo objetivo y, por lo tanto no son sustitutivas. Por citar algunas de sus diferencias relativas, los paneles de Internet se circunscriben al uso de Internet desde el hogar, el recuento de la OJD no tiene en cuenta las páginas servidas desde los servidores proxy o el caché del PC del usuario ni proporciona características sociodemográficas de los visitantes, etc d. Operaciones de medida basadas en la declaración existen en muchos países, normalmente coexistiendo con alguna otra técnica de medición. e. Es la única forma de combinar, bajo una metodología homogénea, la lectura de diarios (o revistas, emisoras de radio, etc.) en sus versiones online y offline. f. En un momento en que la investigación social y de mercado busca bases de datos single source con información múltiple relacionada para los mismos individuos, poder combinar a través del EGM la información sobre audiencia de soportes de Internet con un amplio abanico de información sobre otros medios, equipamiento, estilos de vida y consumos tiene un valor indiscutible para una mayor aproximación al conocimiento de los usuarios de Internet y a una mejor planificación de las inversiones publicitarias. No solo el EGM hace investigación de Internet por medio de sistemas de declaración en España. Sin ánimo de exhaustividad, podemos señalar las

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LA INVESTIGACIÓN DE INTERNET

operaciones de Opinática (con encuestas telefónicas), el estudio de OnlineMonitor que recientemente ha lanzado GfK y otras mediciones que realizan institutos como Demoscopia, TNS Market Research o Ipsos. ENCUESTAS EN LA PROPIA RED AIMC ha realizado cuatro estudios de este tipo. En el primero, realizado a finales de 1996, se consiguió una muestra de 10.826 entrevistas útiles. En el segundo – en la primavera de 1998 – y el tercero – referido a finales de 1999 – la muestra útil se elevó hasta las 32.408 y 35.234 encuestas, respectivamente. En la última edición - primavera 2001- se consiguió un total de 43.942 respuestas válidas. Los altos tamaños de muestra alcanzados se deben fundamentalmente a la destacable participación de numerosos e importantes sitios web que colocaron un banner de llamada y direccionamiento a la participación en sus páginas y, por otra parte, al grado de interés que el tema de Internet suscita entre sus usuarios. El cuestionario se realizó, además de en castellano, en catalán, euskera y gallego. Y, sin llegar a la exhaustividad del estudio de este tipo más conocido y representativo (el que lleva a cabo periódicamente GVU en Estados Unidos - http://www.cc.gatech.edu/gvu/ user_surveys/ -), el cuestionario era relativamente extenso, lo que supuso una media de cerca de 20 minutos en la cumplimentación del mismo. Los resultados están disponibles en la web de AIMC. Paneles de PC´s Desarrollados inicialmente en Estados Unidos, pusieron sus primeros pasos en Suecia hace tres o cuatro años y posteriormente se introdujeron en Inglaterra, Irlanda, Alemania y Francia, para extenderse luego por una amplia lista de países. En España, tres paneles se establecieron durante la segunda mitad del 2000. Uno pertenece a la firma MMXI (que une las fuerzas de la compañía americana Media Metrix –que gestiona el panel más antiguo de Estados Unidos– con la alemana GfK y la francesa Ipsos), otro a Nielsen eRatings (empresa que combina las capacidades de A.C.Nielsen con la experiencia de NetRatings en este tipo de paneles) y el último a la compañía francesa NetValue. Las últimas noticias dan cuenta de la compra por parte de NetRatings de los contratos que MMXI tiene en Europa, lo que seguro tendrá importantes consecuencias en el mercado de la medición aunque, al día de hoy, no se conozcan como se van integrar los dos paneles.

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Métodos basados en los servidores En 1997, la OJD (http://www.ojd.es),-siguiendo una estrategia avalada por la Federation of Audit Bureaux of Circulations de la que forma parte- comenzó a proporcionar a los websites interesados un servicio de certificación de tráfico de los mismos, haciendo uso de programas de análisis de los ficheros log de los respectivos servidores. Aunque el uso de estos programas se conociera con anterioridad, OJD vino a ofrecer, a través del servicio de certificación, una garantía de medida homogénea – todas las mediciones eran hechas de la misma forma y usando las mismas herramientas – e independiente – neutralidad avalada por la trayectoria del mismo organismo en la medida de la difusión de los medios gráficos. El número de webs bajo estudio supera el centenar y, entre ellas, se encuentran los periódicos electrónicos más visitados tales como El País Digital, El Mundo, ABC, La Vanguardia Digital, El Periódico On Line, Marca Digital, etc., y también algunos de los portales más importantes, Terra, Altavista, Canal 21, EresMas, etc . Los resultados se publican mensualmente en la web de la OJD (ver http://www.ojd.es ). La información que proporcionan se centra en número de páginas y de visitas. Las definiciones que utilizan son, entre otras: • Página Documento de una dirección que puede contener texto, imágenes u otros elementos. Cuando la página está formada por varios marcos, el conjunto de los mismos tendrá, a efectos de cómputo, la consideración de página unitaria. Tienen la consideración de página los cgi’s que realicen llamadas a páginas de hipertexto, como consecuencia de la acción de un usuario. • Visita Una secuencia ininterrumpida de páginas realizada por un usuario en una dirección. Si dicho usuario no realiza páginas y visitas en un período de tiempo discrecional (10 minutos) predeterminado, la siguiente consulta constituirá el principio de una nueva visita. 6. LAS CARACTERÍSTICAS DE LOS PANELES DE PC’S El sistema guarda una clara analogía con la medición de la televsión a través de paneles de audímetros. El hecho de que el uso de la red se hiciera a través de un PC, con capacidades de proceso infinitamente superiores a la de la terminal tonta que es la caja de televisión, hacía posible descartar -por innecesario- el diseño y construcción de un elemento hardware como el audímetro, para simplemente desarrollar un software de control que,

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LA INVESTIGACIÓN DE INTERNET

residiendo en los PC´s, pudiera efectuar el seguimiento deseado. Este software “chivato” controla y registra todos los movimientos efectuados por una muestra de máquinas. Y, al comienzo de cada sesión, solicita la identificación del usuario concreto que va a usar el ordenador. Por otra parte, se recogen y almacenan las principales características de todas las personas colaboradoras (sexo, edad, hábitat, provincia, etc.), con lo que se está en disposición de caracterizar el consumo de la red por todas estas variables. La base de datos resultante recoge con fidelidad y puntillosidad todos los movimientos (página a página y segundo a segundo) de los individuos controlados y la gama de análisis que su explotación permite es sumamente amplia y atractiva. En relación a la red en su conjunto, tiempo promedio de uso, número de sesiones, días de uso, concentración del consumo, etc. En relación a los sites, número de usuarios únicos (reach), perfiles sociodemográficos de los visitantes, migraciones (a corto y a medio plazo) entre sites, estudios de procedencia y destino, repetición de visitas, duplicaciones, tiempo de permanencia en el site, páginas más visitadas, etc. Permite también conocer el reach que alcanza un banner específico a lo largo de todos los sites que lo contienen y el perfil de los contactos, determinar la curva de distribución de los contactos, medir las tasas de click-through, etc. Es especialmente interesante el seguimiento de los comportamientos del visitante en los sites de comercio electrónico midiendo todas las posibles fases del proceso, visitas, selección de artículos, confección del pedido, envío de la orden, etc. Y un sinfín de otras utilidades posibles dependiendo del interés específico del usuario de la información. La información generada es de utilidad para los sites, los empresarios de la nueva economía, los inversores, etc. Pero el uso que me interesa resaltar aquí es el de servir de moneda de cambio para la compraventa de espacios publicitarios en la red. La magnitud de la inversión publicitaria en Internet evoluciona positivamente y pronto alcanzará cotas importantes. Durante el último año y medio han venido operando en España tres paneles para la medición de Internet, los correspondientes a las empresas MMXI Europe, Nielsen eRatings y NetValue. MMXI Europe (http:// www.mmxieurope.com) procede de la unión entre la americana Media Metrix (http://www.mediametrix.com) y dos firmas europeas: la alemana GfK (http:/ /www.gfk.com/) y el grupo Ipsos de origen francés (http://www.ipsos.com). Media Metrix es la compañía pionera en esta metodología. En 1995, construyó su primer panel en Estados Unidos, entonces bajo el nombre de NPD. De

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forma un tanto indirecta, también le pertenece el primer panel europeo de este tipo. La compañía sueca SIFO construyó un panel hace cuatro años años usando tecnología procedente de la firma americana Relevant Knowledge, a la sazón competidora de Media Metrix en Estados Unidos. Media Metrix absorbió a Relevant Knowledge hace tres años y recientemente ha comprado el panel sueco en funcionamiento. En Junio de 2001, Media Metrix se fusionó con Jupiter Communications (http://www.jup.com/home.jsp) -firma consultora especializada en el análisis de Internet- para formar la actual Jupiter Media Metrix. La compañía NetRatings (http://www.netratings.com/), en posesión de tecnología propia para medir el uso de la red y con la experiencia de haber gestionado un panel en Estados Unidos, cuenta hoy con dos aliados estratégicos de primer orden. Con Nielsen Media Research (http:// www.nielsenmedia.com/), la empresa más veterana del mundo en la gestión de paneles para medir la televisión, para sus operaciones en Estados Unidos. Y con ACNielsen (http://www.acnielsen.com/) y a través de la firma Nielsen eRatings para la creación y gestión de los paneles fuera de Estados Unidos. ACNielsen es la mayor empresa de estudios de mercado del mundo y cuenta con una enorme experiencia en la explotación de paneles de detallistas -su principal producto- y también en paneles de consumidores. La francesa NetValue ( http://www.netvalue.com/), alternativa totalmente europea a las dos opciones tecnológicas americanas ya citadas, cuenta con un importante aliado, el grupo anglofrancés Taylor Nelson Sofres (http:// www.tnsofres.com/), especialista también en el diseño y operación de paneles de televisión y de consumo. Ya está presente en Estados Unidos, principal campo de batalla, y ha sido el primero en presentar datos para España, los correspondientes al mes de Octubre del 2000, mientras que el primer mes que los otros dos contendientes reportaron fue Diciembre de 2001. Como no podía ser menos tratándose de Internet, los tres grupos tienen una estrategia de desarrollo global y presentan unos planes de introducción en nuevos países de ritmo trepidante. Todos entienden, con razón, que debido al carácter de la red y la existencia de jugadores importantes de carácter internacional (Yahoo, Microsoft, etc.) se buscan mediciones de cobertura geográfica muy amplia, lo que implica la implantación de paneles en los países más avanzados y con poblaciones importantes de forma que el panel global tenga cobertura suficiente para controlar al menos el 90% del tráfico de Internet. La lucha comercial tiene un carácter internacional que no se ha dado en operaciones de medida de otros medios, donde la creación, gestión y financiación se ha hecho desde una óptica casi estrictamente nacional.

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Además del mencionado carácter internacional, las tres compañías presentan características metodológicas comunes: Realizan estudios referenciales de tipo continuo para cuantificar a los usuarios de Internet y suministrar información sobre sus características más importantes (generalmente, de carácter demográfico, de equipamiento y otras relacionadas con el uso de la red). Estos estudios se utilizan para ajustar periódicamente el diseño y composición del panel, para proyectar los datos de la muestra al universo y también para pulsar el interés de los entrevistados de cara a una posible colaboración en el panel, seleccionándose aquellos que tienen las características que el panel precisa en cada momento. La actualización de los universos se hace de forma relativamente frecuente en consonancia con la fuerte dinámica de crecimiento del medio. Al menos en una primera fase, las tres operaciones se limitan a la medida del consumo desde la casa propia. Otros consumos, como los realizados desde el puesto de trabajo, la universidad, bibliotecas, cibercafés, etc., no están cubiertos por la operación de medida. La captura de colaboradores se hace básicamente por teléfono. No hay visitas a los hogares. La instalación del software de control la hacen los propios panelistas, a partir de un disquete que reciben por correo o descargando el software a través de la red. En todos los casos, el usuario del PC donde reside el programa de control debe identificarse, eligiendo su nombre entre los posibles usuarios del mismo PC, usuarios que están convenientemente parametrizados en el sistema. Las características básicas de los panelistas están introducidas en el sistema a fin de poder ser utilizadas como variables de segmentación. El programa de control y seguimiento recoge y archiva la información referida a los movimientos del usuario a través de la red, sin participación alguna del panelista, fuera del requisito de identificación ya mencionado. El archivo de movimientos es descargado por el servidor mientras el panelista está conectado a la red. Esta transferencia de información se hace de forma automática, sin que el panelista sea consciente del momento en que se produce y, según declaración de los medidores, sin ralentizar la velocidad de navegación de la máquina del panelista, ya que se utilizan los tiempos muertos (sin actividad) que se producen durante la navegación. Se suele apuntar el carácter “pasivo” de esta metodología. En realidad no es más pasivo este sistema que el de los audímetros empleado para medición de la televisión. La intervención del panelista es similar en los dos casos. Se le

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pide a la identificación al comienzo de cada sesión y el seguimiento posterior (canales en el caso de la televisión y sites y páginas en el caso de Internet) se hace sin necesidad de intervención adicional por parte del panelista. Cuadro comparativo de algunas de las características de los tres paneles en España Definición del universo

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Tanto MMXI como NetValue definen como pertenecientes al universo a aquellas personas de 2+ años de edad que han accedido a Internet (cualquiera de sus servicios: navegación por la Web, correo electrónico, grupos de noticias, FTP, etc.) desde la casa propia al menos una vez durante los últimos treinta días. Nielsen eRatings trabaja con dos universos diferenciados. El de los “usuarios potenciales”, definido como el que forman las personas de 2+ años que viven en hogares con posibilidad de acceso a Internet desde los mismos (existencia de PC y también modem, red de cable, etc.) y el de los “usuarios activos” formado por aquellos “usuarios potenciales” que han accedido a la red al menos una vez durante los últimos treinta días. Cuantificación y caracterización del universo Los tres operadores llevan a cabo un estudio referencial (establisment survey, ennumeration survey, etc.) a estos efectos. En todos los casos este estudio es de carácter continuo, de entrevista telefónica y la selección de la muestra se hace por marcado aleatorios de los dígitos que componen el teléfono a llamar (RDD, Random Digit Dialing). Aunque es más caro, el RDD presenta la ventaja de que, frente a los sistemas que utilizan las guías telefónicas como marco muestral, no se excluyen los hogares que han pedido -por distintas razones- no figurar en dichas guías. Los americanos lo cualifican como procedimiento “gold standard” y lo aplican con una frecuencia bastante mayor de lo que se hace en Europa. A través de estos estudios referenciales continuos, los operadores producen actualizaciones frecuentes de los universos a aplicar al diseño, estructura y elevación del panel y, al mismo tiempo, aportan una base de contactos de donde extraer la muestra de hogares/individuos que el panel, en cada momento, precisa. Lo que produce cierta preocupación es el muy reducido número de entrevistas en las que basan estas frecuentes actualizaciones. Muestra En los tres casos, la unidad última de selección es el hogar. Es decir, que se busca la inclusión de hogares en el panel donde todos los internautas residentes en el mismo estén dispuestos a colaborar en la investigación. Y el software de seguimiento se instala en todos los PC´s de la casa con acceso potencial a la red.

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Puestas las cosas así, uno podría expresar la muestra y su tamaño en términos de número de hogares, de usuarios (con dos posibles alternativas en el caso de Nielsen eRatings) e incluso, en términos del número de PC´s controlados. Pero, al menos, se debería aspirar a que los operadores informaran sobre la muestra teórica, muestra instalada y muestra útil (in-tab) -según sea el caso- tanto en términos de individuos como de hogares, para proporcionar al usuario alguna idea del efecto conglomerado -derivado de la agrupación de los individuos muestrales en hogares- que afecta a la precisión de las estimaciones. Las tres compañías tienen planes a medio plazo de ir ampliando progresivamente el tamaño de muestra establecido para el momento de arranque. Participación Tanto las declaraciones de los operadores hispanos como la información procedente del panel sueco1 apuntan a una cierta predisposición del usuario de Internet a prestar su colaboración dado el interés que el tema suscita entre los mismos y su vinculación personal con el medio. Pero es seguro que las noticias constantes sobre virus, gusanos, caballos de Troya, actividad de los hackers, etc. no ayudan precisamente a despejar posibles suspicacias de los contactados sobre la seguridad de su sistema y sus archivos y también sobre la confidencialidad de sus acciones y comportamientos individuales ante la tesitura de dejar instalar un software “vigía” en su máquina. Y el miedo a que el nuevo software ralentice su navegación, por muchas seguridades que se le den, puede también afectar negativamente al nivel de participación. De forma muy general, las tasas de respuesta esperadas estarán bien por debajo del 50%. Los incentivos a los panelistas Se dice muchas veces que hay un porcentaje de la población que no va a colaborar en una investigación específica. Hay otro grupo que está predispuesto a participar sin importarle que haya o no contraprestación alguna. Y un grupo central que colaborará o no dependiendo de cómo se le venda la idea, del objeto de la investigación y también del incentivo que le prometan. Es a este grupo, casi siempre cuantitativamente importante, al que van dirigidos los esquemas de incentivos. La cuantía y forma (sorteos, suscripciones, catálogo de regalos, pagos en metálico, etc.) del incentivo no 1. Callius, Peter. Building of an Internet panel to get a holistic view of the Internet user. III Encuentro Internacional AIMC sobre Investigación de Medios. Noviembre 1999.

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está sujeta a reglas pero cada vez se le concede más importancia en el diseño de estrategias para conseguir tasas de respuesta lo más elevadas posibles. La rotación del panel En estos momentos iniciales parece que, a primera vista, es un poco prematuro hablar de esquemas de rotación forzosa. Pero, si se va aplicar alguna regla sobre este tema, es conveniente tenerla en cuenta desde el principio y no dejar llegar al panel inicial a su antigüedad máxima sin haber aplicado algunas acciones de reemplazamiento previas para evitar, en ese momento del tiempo, roturas importantes en la estabilidad del panel. Hay dos operadores que fijan una permanencia máxima en el panel, cuatro años MMXI y tres años Nielsen eRatings, mientras que en NetValue no consideran necesario fijar ningún tipo de límite. En los paneles de televisión, éste es un tema de permanente debate sin que, a pesar de los relativamente numerosos estudios para cuantificar el “efecto fatiga” en el panel, se haya llegado a un consenso: ni en la necesidad de establecer un límite ni en la cifra de años idónea – suponiendo que la existencia del límite sea aceptada. Otros elementos metodológicos Para mantener la extensión de este artículo en límites razonables, el análisis comparativo no ha entrado en otros componentes de la metodología como el tratamiento de los panelistas en vacaciones, los sistemas de control de calidad, las variables utilizadas en el diseño y control del panel, los procedimientos de cálculo de los factores de elevación, las reglas de clasificación de sites, la definición de property, el tratamiento de subdominios, las definiciones de los indicadores de audiencia, etc. Pero todas estas cuestiones merecen también un análisis detenido por tener repercusiones en la magnitud y significado de las cifras reportadas. La tecnología del meter En la presentación oficial en España de los servicios ofrecidos por su compañía, Bill Pulver – CEO de Nielsen eRatings – hizo una distinción entre la metodología (universos, muestreo, gestión del panel, etc.) y la tecnología (características y capacidades del software de seguimiento), distinción que me parece especialmente oportuna. Mientras que los aspectos metodológicos tienen su equivalencia en otros tipos de paneles y son suficientemente conocidos, los elementos tecnológicos son nuevos y específicos a la medición

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de Internet. Es por ello que es en esta parte donde se necesita un mayor esfuerzo de explicación y clarificación para despejar toda posible imagen de “caja negra” asociada al meter. La rentabilidad de las operaciones de medida En comparación con los paneles audimétricos al servicio de la medición de la televisión, estos paneles para Internet cuentan con dos claras ventajas en al menos dos de los capítulos de gastos más significativos. El coste de cada copia adicional de meter es prácticamente nulo, mientras que el precio de cada audímetro para televisión es hoy todavía relevante. Y, frente al coste sustancial que, para los paneles de televisión, representan las llamadas nocturnas a cada uno de los hogares muestrales para recoger los registros de movimientos, en los paneles de Internet se aprovecha la conexión a la red que realiza el mismo panelista para efectuar la transmisión de la información recogida sobre el comportamiento de los internautas del hogar hacia el centro de proceso. Pero también es verdad que la comercialización del panel y la recuperación de la inversión presenta mayores retos. No todos los potenciales clientes del servicio están convencidos de la utilidad/necesidad del mismo y, por otra parte, dentro de la cultura imperante en la red se ha cultivado la presunción de que la información debe ser abierta y gratuita. Y el hecho de que los ingresos potenciales deban repartirse entre varios operadores mengua las posibilidades de alcanzar balances positivos. La relativa crisis actual de Internet no ha vendo precisamente a ayudar en este sentido. Probablemente la solución a la falta de rentabilidad actual de los paneles pasa por la existencia de una única operación que concentre todas las aportaciones de los agentes del mercado. Esta hipotética operación única podría, alcanzado el umbral de la rentabilidad, afrontar el coste de tamaños de muestra mayores que los actuales y/o encarar la medición en el lugar de trabajo. El concurso que la industria italiana llevó a cabo, a través de AUDIWEB, el año pasado para seleccionar un operador “oficial” así como la reciente creación en Gran Bretaña de JICNET para hacer algo similar van por ese camino. Comscore y otros jugadores 2 La compañía americana Comscore ha enfocado su panel de forma un tanto heterodoxa. Su universo es de máquinas y no de individuos. Captura 2. McDonald, Sott. Online Media Measurement: after the deluge. Readership Symposium, 2001

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a los participantes con un sistema de reclutamiento a través de banners en la red que propicia el carácter de muestra autoseleccionada y no probabilística, con el consiguiente riesgo de sesgo. Cuando alguien accede a participar en el panel, descarga un applet que le reconfigura el navegador de forma que el tráfico se redirecciona hacia una de los 200 proxy servers de Comscore. Al potencial panelista se le promete una velocidad de acceso más alta gracias a este redireccionamiento. Posteriormente, el tráfico generado por el panelista se determina a través del análisis demlos ficheros log de los servidores de Comscore. Nos encontramos, por tanto, ante un procedimiento un tanto mixto entre site-centric y user-centric. Afirman que el consumo desde el lugar de trabajo está incluido aunque probablemente, al igual que en los paneles de trabajo de NetRatings y Media Metrix, infrarrepresentará a los empleados de las grandes firmas. Su gran ventaja es el tamaño del panel. En Estados Unidos cuentan con más de un millón y medio de panelistas, lo que les permite un detalle en la información muy superior a la que ofrecen los paneles tradicionales. Específicamente, les permite hacer un seguimiento del comercio electrónico y desarrollar lo que ellos llaman un Buying Power Index que cualifica a los navegantes y que constituye un elemento sumamente atractivo en la cualificación de los visitantes de un site. Comscore, es un esfuerzo conjunto con su aliado NetValue, está comenzando a introducirse en Europa y España está dentro de sus planes para 2002. Y hay otros intentos. Por ejemplo, Compete.com ofrece seguir la navegación de más de ocho millones de máquinas y Alexa websearch está en la misma línea. Y la aparición de nuevos medidores no cesa. Aunque también es justo mencionar que muchos de ellos desaparecen después de una breve existencia. 7. LA MONEDA ÚNICA ESTÁ TODAVÍA LEJOS Según un analista británico y refiriéndose a la comparación entre la información proporcionada por los tres paneles en el Reino Unido, las cifras reportadas han venido siendo consistentemente inconsistentes 3. Y esto se ha venido repitiendo en los diferentes países donde han empezado a operar, sin que las diferencias puedan justificarse por los márgenes de error estadístico. Habría que analizar en detalle las metodologías utilizadas para ver en qué medida pueden justificar las diferencias obtenidas. Si queremos evitar la 3. Porter, Bryan. The battle continues. New Media Age, 10 Agosto 2000

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confusión y la pérdida de credibilidad del método -considerado en su conjunto- hay que hacer todos los esfuerzos para que el usuario de la información conozca en detalle las implicaciones que una determinada opción metodológica tiene en las estimaciones de audiencia. Como en el resto de estudios de audiencia, la transparencia de los métodos aplicados debe ser un principio de aplicación general. Las diferencias entre los datos que proporcionan los paneles se dan en otros países y, específicamente, en Estados Unidos. Para Francia, Emmanuel Fraisse dio cuenta de estas discrepancias en la ponencia que presentó en el Seminario de ESOMAR sobre Internet celebrado en París4. Y algo parecido sucede cuando se comparan los resultados ofrecidos por los paneles con mediciones site-centric procedentes del análisis de los ficheros log de los servidores. Hace dos años se llevó a cabo un estudio comparativo de este tipo en Estados Unidos y para 28 sites5. La falta de congruencia fue relevante. El camino que ha recorrido la televisión hasta llegar a la publicación de unas normas de aplicación internacional 6 es un referente a imitar. Y por último, se han iniciado actividades auditoras externas sobre las operaciones de medición. En 1999, el CESP (http://www.cesp.org/) francés -asociación del sector formada con la participación de los medios, de los anunciantes y de las empresas de publicidad- comenzó a auditar los paneles de Internet al igual que ya hacía con todos los estudios de audiencia existentes en el país vecino. Los primeros resultados se hicieron públicos a mitad de 2001. En Estados Unidos, el Media Rating Council también ha comenzado a efectuar auditorías de sistemas site-centric y ad-centric mientras que ha abandonado sus planes de auditoría de los paneles. En relación a los sistemas site-centric y a principios de 2001, el IAB encargó a PriceWaterhouseCoopers un estudio comparativo de los métodos existentes y la confección de unas recomendaciones que favorecieran la homogenización de los mismos. Hasta ahora han sido las empresas de medición las que han llevado la iniciativa. Y los mercados o usuarios no han jugado un papel mínimamente decisivo en el desarrollo de las herramientas de medición, aunque 4. Fraisse, Emmanuel. User-centric approaches. Surveys and panels: an European perspective. ESOMAR Online Media Measurement Conference. París, Julio 2000. 5. Yahoo Director of Research Bruce MacEvoy and Professor Kirthi Kallyanam of Santa Clara University. Data Reconciliation: Reducing Discrepancies in Audience Estimates from Web Servers and Online Panels. 6. ARM Group. Towards Global Gidelines for Television Audience Measurement. EBU, 1999

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LA INVESTIGACIÓN DE INTERNET

probablemente los intentos mencionados del AUDIWEB italiano o del JICNET británico constituirán precedentes a imitar y mejorar. Pero es claro que todavía estamos lejos de tener un estándar de medición. Hace falta que las posibilidades de la red se estabilicen, que haya más investigación comparativa entre los diferentes sistemas y más actividades auditoras que den seguridad a los usuarios. O quizá ese momento no llegue nunca: que estemos ante un medio técnicamente tan complejo y con tantas posibilidades que nunca tendremos un único sistema de medida ya que solo una combinación de metodologías podrá proporcionar la visión justa y precisa de la realidad de Internet.

Carlos Lamas é diretor-adjunto de La Asociación para la Investigación de Medios de Comunicación (AIMC), sediada em Madri, Espanha. Criada em 1988, é constituída por empresas da área de Comunicação, interessadas em conhecer sua audiência e o perfil de ‘consumo’ da mídia na Espanha. Seu trabalho demonstra tipos de pesquisa que podem ser realizados e compartilhados pela Sociedade para medir o impacto das mídias.

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PANORAMA BRASILEIRO


DIREITOS À COMUNICAÇÃO NA SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO

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EXCLUSIÓN COMUNICACIONAL Y DEMOCRACIA MEDIÁTICA

EXCLUSIÓN COMUNICACIONAL Y DEMOCRACIA MEDIÁTICA: DILEMA BRASILEÑO EN EL UMBRAL DE LA SOCIEDAD DE LA INFORMACIÓN José Marques de Melo

La imprenta figura en la historia de la humanidad como la innovación que alteró profundamente la marcha de la civilización. Instauró la ciudadanía, creando las condiciones indispensables para la aparición de las sociedades democráticas. Pero éstas solamente se perfeccionan y consolidan en la medida en que son capaces de garantizar el régimen de libertad de prensa. En este sentido, el derecho de informar o de recibir información constituye el fermento de la ciudadanía, el oxígeno que nutre la vida democrática. REVOLUCIÓN GUTENBERGUIANA Quien mejor ha sintetizado el impacto histórico de la prensa ha sido el comunicólogo canadiense Marshall Mc Luhan en su libro La Galaxia Gutenberg (Toronto, 1962). Apunta tres efectos producidos por la cultura tipográfica: a) Individualismo: libera a los componentes de la tribu y los convierte en ciudadanos capaces de constituir comunidades autónomas. b) Nacionalismo: sedimenta las lenguas escritas a través de la literatura y fomenta el sentimiento nacional capaz de generar Estados independientes. c) Espíritu crítico: estimula, a través de la lectura silenciosa, la reflexión privada capaz de producir sentidos estereotipados que convergen hacia la formación de la opinión pública.

MARQUES DE MELO, J. Exclusión comunicacional y democracia mediática: dilema brasileño en el umbral de la sociedad de la información. In MARQUES DE MELO, J.; SATHLER, L. Direitos à Comunicação na Sociedade da Informação. São Bernardo do Campo, SP: Umesp, 2005.

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En su presentación de la edición brasileña del libro clásico de Mc Luhan, el educador Anisio Teixeira resume con perspicacia la revolución de Gutenberg: … es la invención de la tipografía lo que marca la gran transformación. La tecnología de la imprenta otorga al hombre, con el libro, (…) la posesión del saber y, armándolo con una perspectiva visual y un punto de vista uniforme y preciso, lo libera de la tribu, que desaparece, viniendo a transformarse, hoy en día, en las grandes multitudes solitarias de los inmensos conglomerados individuales. Se inicia la fase de la Galaxia Gutenberg con el descubrimiento de la imprenta, con lo cual se desdobla la cultura grecolatina en las variedades de culturas vernáculas y nacionales, se funden los grupos feudales en las naciones modernas con la aparición del Público, el Estado, el individuo y las civilizaciones nacionales. El nuevo medio de comunicación que es la palabra impresa se convierte en el gran instrumento de la civilización. Por eso mismo la imprenta atemorizó a los “dueños del poder”, tanto civil como eclesiástico, instaurando el régimen de censura previa que duró casi tres siglos. Se inicia con el acto del Papa Alejandro VI al prohibir la creación de imprentas y la edición de libros sin licencia especial de los obispos, y alcanza su apogeo con la vigencia del Index Librorum Prohibitorum, aprobado por el Congreso de los Cardenales en 1588. LA BATALLA CONTRA LA CENSURA Con todo, la batalla por la libertad de imprenta sólo alcanzaría repercusión a mediados del siglo XVII, cuando John Milton lanza su Aeropagítica. Ese movimiento de protesta encontraría eco en el Parlamento británico, que decretó la abolición del Licensing Act, o sea, eliminó la censura previa, instituyendo en su lugar la vigilancia judicial para castigar los abusos cometidos. Es en el seno de las democracias construidos por la Revolución norteamericana (1776) y por la Revolución francesa (1789) donde la libertad de imprenta gana legitimidad política, proporcionando modelos que se reproducirían en distintas partes del mundo. La doctrina de la libertad de imprenta se rige por el principio democrático de que los ciudadanos tienen asegurado el derecho de expresarse libremente. No obstante, predomina el consenso de que la libertad individual está regulada por el interés colectivo. Se le retira al Estado el privilegio de

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ejercer censura a priori sobre los impresos, pero le corresponde el deber de reprimir a posteriori los abusos cometidos por ciudadanos que se desvíen de las normas colectivamente instituidas. En términos constitucionales, se puede decir que el poder ejecutivo pierde la capacidad discrecional de censurar impresos. La libertad de expresión conquistada por los ciudadanos no es, sin embargo, ilimitada; sus fronteras pasan a ser regulados por el interés público. Este adquiere transparencia a través de la legislación de prensa, instituida por el poder legislativo. Pero su aplicación es una prerrogativa del poder judicial. Este puede ser activado por cualquier individuo u organización, incluido el gobierno, demandando castigo por los excesos individuales cometidos. PANORAMA BRASILEÑO Brasil permaneció bajo el régimen de censura previa hasta 1820, cuando la Revolución de Oporto establece en la metrópoli lusitana la libertad de impresión. Los patriotas nacionales se valieron de ella para publicar periódicos en nuestras ciudades más importantes, creando un ambiente favorable a la independencia brasileña, decretada en 1822. El modelo de libertad de prensa aquí adoptado tuvo, durante los siglos XIX y XX, fuerte influencia francesa, que se tradujo en la existencia de legislación ordinaria destinada a castigar a posteriori los excesos cometidos por los eventuales transgresores. Solamente la Constitución de 1988 adaptaría el modelo estadounidense. La cláusula inspirada en la primera Enmienda (Art. 220, párrafo 1º) prohíbe la aprobación de leyes ordinarias destinadas a establecer censura previa por parte del Estado. Esa salvaguarda constitucional todavía no impide la vigencia de la Ley de Prensa, que somete a disciplina los crímenes de información y opinión. O sea, los abusos cometidos por los periodistas, empresarios de prensa o ciudadanos que cometen abusos mediáticos. La tipificación de tales crímenes y su castigo constituye una prerrogativa que atañe exclusivamente al poder judicial. Al hacer un balance de la libertad de prensa en el Brasil independiente, del período monárquico al republicano, tenemos necesariamente que reconocer que su vigencia ha constituido un capitulo singular de la lucha de la ciudadanía por la consolidación del régimen democrático en territorio nacional. Podríamos afirmar, sin sombra de duda, que tuvimos una convivencia atribulada con la

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libertad de prensa, alternando momentos caracterizados por su pleno ejercicio con períodos en los que la censura del gobierno se impuso a la sociedad. Presenciamos, durante el siglo XX, instantes traumáticos, principalmente, aquellos que marcaran el régimen del “Estado novo”, en la segunda mitad de los años 30 y principios de los años 40; y el ciclo militar posterior al 64, que perduró hasta la constitución de 1988. Privado del derecho de expresarse libremente, los ciudadanos reaccionan históricamente a los ciclos autoritarios, reinventando la democracia y restableciendo la libertad de prensa. Pero es innegable el reconocimiento de que el período posterior a la Constitución de 1988 figura como aquel en que disfrutamos de plena libertad de expresión y comunicación pública en Brasil. Nunca la prensa se ha servido de esa competencia de informar libremente a la sociedad como en la última década. Con todo, permanece latente un dilema político: ¿la libertad de información garantizada por el Estado a las empresas periodísticas constituye una evidencia de la plena libertad de prensa en el país ? EL DERECHO A LA INFORMACIÓN Si podemos afirmar que Brasil inicial es nuevo siglo viviendo una de las más vigorosas etapas de libertad de prensa, desgraciadamente hemos de reconocer que constituye un privilegio de las elites nacionales. Los grandes contingentes de nuestra población permanecen al margen de esa libertad constitucional. Dejan de gozar tanto de la prerrogativa de la libre expresión como del derecho de tener acceso a la información que los habilita a la plena ciudadanía y, consecuentemente, a la participación integral en la vida democrática. Somos testigos de una situación caracterizada por la exclusión comunicacional. No se trata de un fenómeno peculiar de Brasil, sino que es perceptible también en un gran número de países. Precisamente aquellos que todavía no lograran constituir democracias estables donde todos los ciudadanos disfruten de los beneficios de la modernidad. Se trata de la persistencia de aquella cultura del silencio a la que se refirió Paulo Freire cuando diagnosticaba el mutismo de la población brasileña durante el período colonial. Situación que se proyectaría sobre el Brasil independiente, prolongándose hasta mediados del siglo pasado, agravado por la llaga del analfabetismo. Sin dominar el código alfabético, sin saber leer, contar y escribir, la mayoría de nuestra población permanecía casi muda por la carencia educativa

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y por la inhibición cultural a que fue condenada por nuestras elites dirigentes. Al ingresar en el siglo XXI, Brasil sufre un mal endémico. Su prensa permanece restringida a una franja minoritaria de la sociedad. Es reducido el número de brasileños que son lectores habituales de libros, revistas o periódicos si lo comparamos con los estadounidenses, canadienses, ingleses, franceses, argentinos o chilenos. Adquiere una característica singular la crisis nacional de la lectura de periódicos. El aumento de las tiradas diarias se muestra absolutamente desacompasado con el ritmo de incremento demográfico. En la década de los 50 teníamos un volumen diario de 5,7 millones de ejemplares de periódicos para una población de 52 millones de habitantes. Llegamos al año 2000 con una tirada diaria de 7,8 millones de periódicos para una población estimada en más de 170 millones de personas. La población brasileña creció más del 300 por ciento, mientras la tirada diaria de periódicos se amplió solamente en un 40 por ciento en la última mitad del siglo XX. Lo más grave de esa comparación estadística está en el hecho de que, en el mismo período, se amplió la escolarización en todo el país, reduciéndose la tasa de analfabetismo. Al mismo tiempo, se elevó la renta nacional y aumentó la capacidad adquisitiva de las capas medias de nuestra población. Esta es la otra cara de la libertad de prensa en Brasil. Constituye un privilegio de las elites que puede expresarse libremente a través de modernos soportes mediáticos. Representa también un privilegio de las clases medias que fueron educadas para leer y pudieron adquirir capacidad de abstracción para participar en el banquete intelectual de la humanidad. Aunque tengan acceso a las informaciones rápidas, condensadas y simplificadas que fluyen a través de los medios electrónicos, los contingentes mayoritarios de nuestra sociedad no asimilaron los contenidos culturales que les permitiesen asumir integralmente los sentidos difundidos por los productos de la industria cultural. Se encuentran privados de la libertad de prensa en la medida en que no tienen capacidad cognoscitiva. Marginados de la cultura escrita, no participan equitativamente de las oportunidades de ascenso social que la sociedad democrática les ofrece. Excluidos de la educación avanzada, quedan postergados en el acceso a los puestos de trabajo cualificados que emergen en el seno de la economía de mercado.

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Todo el esfuerzo que viene haciendo el gobierno brasileño para ampliar las fronteras de la sociedad de la información en territorio nacional tropieza precisamente con el fenómeno de la exclusión comunicacional. Una reciente investigación del Ibope, estima que el universo de Internet en Brasil no supera el nivel de los 10 millones de usuarios. Esta cifra es ligeramente menor que la de los lectores de periódicos diarios. Se trata de contingentes superpuestos. Los internautas se corresponden aproximadamente con los ciudadanos que tienen el hábito de informase a través de la prensa. Es posible que la población usuaria de la web se duplique o triplique en el transcurso de esta primera década del siglo XXI. Pero es probable también que ese crecimiento no esté relacionado con el mundo de la información, que fortalece a la ciudadanía. A juzgar por los hábitos preferidos de los internautas de ese primer ciclo histórico de la web, que se guían por el inmediatismo utilitarista, trabajaremos con la hipótesis de que la libertad de prensa no tiende a extenderse por el país. Precisamente por la incapacidad o inapetencia de los nuevos ciudadanos en relación con la información contextual. DEMOCRACIA Y GOBERNABILIDAD La vida democrática se asienta en la libertad de prensa entendida como la expresión plural de las corrientes de pensamiento que actúan en la sociedad. Pero sólo se fortalece cuando el conjunto de la sociedad disfruta de los beneficios de la información pública. La exclusión comunicacional constituye un serio riesgo para la estabilidad democrática y, consiguientemente, para la gobernabilidad. Este es el dilema principal con que nos enfrentamos en el umbral del nuevo siglo. Vale la pena reflexionar sobre él para no repetir los errores históricos que metieron a la libertad de prensa en una trampa política, alternando momentos de vigencia plena en los ciclos democráticos con instantes dramáticos marcados por la restauración de la censura en los ciclos autoritarios. Cuando una sociedad preserva el derecho de expresión de sus elites, pero garantiza, al mismo tiempo, el derecho de información al conjunto de sus ciudadanos, está fortaleciendo su experiencia democrática y previniéndose contra los retrocesos constitucionales. Sólo un pueblo bien informado es capaz de elegir los gobernantes capaces de convertir la libertad de prensa en pieza clave del constante perfeccionamiento democrático.

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José Marques de Melo é jornalista, professor universitário, pesquisador científico e consultor acadêmico. Fez parte da equipe fundadora da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, onde fundou em 1967 o Departamento de Jornalismo e Editoração. Foi agraciado em 2001 com o título de Professor Emérito. Fundou e presidiu a Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação (INTERCOM), principal sociedade científica do campo comunicacional em nosso país. Foi presidente da Asociación Latinoamericana de Investigadores de la Comunicación (ALAIC), da Associação Iberoamericana de Comunicação (IBERCOM), da Federação Lusófona de Ciências da Comunicação (LUSOCOM) e vice-presidente da International Association for Media and Communication Research (IAMCR). Detentor do Prêmio Wayne Danielson de Ciências da Comunicação (Universidade do Texas) e da Medalha do Mérito Rui Barbosa (Ministério da Cultura), preside a Rede Alfredo de Carvalho de História da Mídia, coordena o Grupo de Estudos sobre o Pensamento Jornalístico Brasileiro (USP) e dirige a Cátedra UNESCO de Comunicação (Universidade Metodista de São Paulo). É membro efetivo do Instituto Histórico e Geográfico do Estado de São Paulo. Autor de vasta e conceituada obra sobre jornalismo e comunicação, tendo publicou dezenas de livros e coletâneas, bem como centenas de artigos difundidos em revistas científicas ou profissionais, tanto no país quanto no exterior. Lançou recentemente cinco livros: História Social da Imprensa (Edipucrs), Jornalismo Opinativo (Mantiqueira), Jornalismo Brasileiro (Sulina), História do Pensamento Comunicacional e A esfinge midiática (Paulus).

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COMUNICAÇÃO, DIREITOS SOCIAIS E POLÍTICAS PÚBLICAS* Murilo César Ramos

1. INTRODUÇÃO: O DIREITO À COMUNICAÇÃO As forças democráticas e populares hoje, quando postas diante do desafio urgente de buscar uma cada vez maior democratização dos meios de comunicação, precisam atentar para o fato básico de que a comunicação é portadora de um novo direito social, o direto à comunicação, que podemos considerar “de quarta geração”, mas que está ainda muito longe de ser reconhecido como tal. Comecemos recordando que os direitos civis – que dizem respeito à personalidade do indivíduo (liberdade pessoal, de pensamento, de religião, de reunião e liberdade econômica) – podem ser chamados de direitos de “primeira geração”. São direitos que obrigam o Estado a uma atitude de renúncia, de abstenção diante dos cidadãos, quase no exato momento em que ele se formava, na esteira das revoluções burguesas, entre os séculos XVII e XVIII. Já os direitos políticos (liberdade de associação nos partidos, direitos eleitorais) estão ligados à formação do Estado democrático representativo e implicam na liberdade ativa, na participação dos cidadãos na determinação dos objetivos políticos do Estado, e podem ser chamados de direitos de “segunda geração”, contemporâneos, no século XIX, de um capitalismo que vivia a emergência da sua fase industrial. Por outro lado, os direitos sociais (direito ao trabalho, à assistência, ao estudo, à tutela da saúde, liberdada da miséria e do medo), maturados pelas * Texto originalmente escrito como contribuição do autor ao ideário de reconstituição do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação.

RAMOS, M. C. Comunicação, direitos sociais e políticas públicas. In MARQUES DE MELO, J.; SATHLER, L. Direitos à Comunicação na Sociedade da Informação. São Bernardo do Campo, SP: Umesp, 2005.


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novas exigências da sociedade industrial, implicam, por seu lado, em um comportamento ativo por parte do Estado ao garantir aos cidadãos uma situação de certeza. São direitos de “terceira geração”, imbricados com a emergência e o auge do Estado-Providência, entre o fim do século XIX até os anos 60 do século XX. Como vemos, a informação – na forma de liberdade de pensamento, de expressão, de culto e de reunião – enquanto insumo fundamental para a cidadania, faz parte da primeira geração dos direitos humanos e pode ser encontrada já na gênese da modernidade ocidental. Ela gestou, no entanto, um direito humano restritivo, traduzido contemporaneamente no direito que temos, nas democracias representativas de massa, de ser informados – direito que, reconheçamos, tende a ser, fora das ditaduras e dos regimes autoritários, muitas vezes extremamente amplo. Mas, por mais amplo que possa ser, será sempre insuficiente. Foi por isto que, entre os anos 60 e 70 do século XX, sob os auspícios da Unesco, órgão das Nações Unidas que trata da educação, ciência e cultura, emergiu rica discussão sobre a comunicação e seu papel para o fortalecimento da democracia. O momento alto dessa discussão, apesar das polêmicas que a questão sempre engredou 1, foi o lançamento, em 1980, pela Unesco, do relatório da comissão presidida pelo jurista e jornalista irlandês, Sean MacBride, intitulado Um mundo e muitas vozes – comunicação e informação na nossa época2, publicado no Brasil três anos depois. Um vasto, denso e instingante documento, ainda que contraditório em muitos pontos por conta da heterogeneidade político-ideológica dos membros da comissão de alto nível que o escreveu, o Relatório MacBride, como também ficou conhecido, é até hoje o mais completo relato já produzido sobre a importância da comunicação na contemporaneidade. Lamentavelmente, ele sucumbiria, como sucumbiu a própria Unesco no tocante às questões de comunicação, ao cerco imposto pelos Estados Unidos e pela Inglaterra, cujos governantes, Ronald Reagan e Margareth Thatcher, no início da década de 80, comandaram a retirada de seus países daquele órgão das Nações Unidas. Para o pensamento neoliberal que então começava seu período de hegemonia, era absurdo se pensar a comunicação na ótica de políticas nacionais. 1. Ver Murilo César Ramos, As Políticas Nacionais de Comunicação e a Crise dos Paradigmas. Textos de Cultura e Comunicação n. 27, 1º sem. 1992, pp. 45-50. 2. Unesco, Um mundo e muitas vozes – comunicação e informação na nossa época. Rio de Janeiro: Editora da Fundação Getúlio Vargas, 1983.

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Mais absurdo ainda era pensar a comunicação como um direito mais amplo do que o consagrado, mas restritivo, direito à informação, do qual beneficiava-se fundamentelmente a imprensa, enquanto instituição, e seus proprietários privados, como agentes privilegiados de projeção de poder sobre as sociedades. No entanto, neste final de década e de século, quando presenciamos um período de extraordinários avanços tecnológicos no mundo da informação e da comunicação, quando a digitalização da informação e a convergência que ela possibilita de suportes técnicos, de conteúdos e de serviços – da qual a manifestação mais evidente é a Internet enquanto rede mundial de comunicações por computadores, e a World Wide Web enquanto inferface amigável dos indivíduos com a rede –, cremos em uma sociedade da informação e da comunicação como a nova forma de organização hegemônica do capitalismo, em oposição a uma sociedade industrial em declínio. Entendemos que tornase imperativo retomar o debate sobre o direito à comunicação enquanto um novo direito humano fundamental. Um direito social de “quarta geração”, aquele, quem sabe, mais adequado para amparar, nas sociedades da informação e da comunicação, nossas inesgotáveis expectativas de avanço crescente da democracia da igualdade em todo o mundo. No intuito de fortalecer essa argumentação, recorremos ao Relatório Mac Bride, transcrevendo alguns de seus trechos: Hoje em dia se considera que a comunicação é um aspecto dos direitos humanos. Mas esse direito é cada vez mais concebido como o direito de comunicar, passando-se por cima do direito de receber comunicação ou de ser informado. Acredita-se que a comunicação seja um processo bidirecional, cujos participantes – individuais ou coletivos – mantém um diálogo democrático e equilibrado. Essa idéia de diálogo, contraposta à de monólogo, é a própria base de muitas das idéias atuais3 que levam ao reconhecimento de novos direitos humanos. 3. O que ocorre freqüentemente sob o rótulo de comunicação é pouco mais que um “autoritário” monólogo, no interesse do iniciador do processo. Não se emprega a retroalimentação para dar uma oportunidade de autêntico diálogo. O receptor das mensagens é passivo e submisso, pois quase não lhe dão oportunidades proporcionais de agir com verdadeiro e livre emissor, seu papel essencial consiste em escutar e obedecer (...). Uma relação social tão vertical, assimétrica e quase autoritária constitui, na minha opinião, um exemplo antidemocrático de comunicação (...) devemos ser capazes de construir um conceito novo de comunicação. Um modelo humanizado, não elitista, democrático e não-mercantil (Luis Ramiro Beltran, Colombia, Desarrolo rural y comunicación social: relaciones y estrategias. Simpósio Internacional Cornell-Ciat, New York, Cornell University, March, 1974).

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O direto à comunicação 4 constitui um prolongamento lógico do progresso constante em direção à liberdade e à democracia. Em todas as épocas históricas, o homem lutou para se libertar dos poderes que o dominavam, independentemente de que fossem políticos, econômicos, sociais ou religiosos, e que tentavam impedir a comunicação. Graças apenas a alguns esforços fervorosos e infatigáveis, os povos conseguiram a liberdade de palavra, de imprensa e de informação. Hoje em dia, prossegue a luta por estender os direitos humanos e conseguir que o mundo das comunicações seja mais democrático do que agora. Mas, na atual fase da luta, intervêm novos aspectos do conceito fundamental de liberdade. A exigência de circulação de dupla direção, de intercâmbio livre e de possibilidades de acesso e participação dá nova dimensão qualitativa às liberdades conquistadas sucessivamente no passado 5. A idéia do direito a comunicar eleva todo o debate sobre a “livre circulação” a um nível superior e oferece a perspectiva de tirá-lo do beco sem saída onde se manteve durante os últimos 30 anos. Entretanto, a idéia do “direito à comunicação” não recebeu ainda sua forma definitiva, nem o seu conteúdo pleno. Longe de ser já, como parecem 4. Comentário do sr. S. Losev.: “O direito à comunicação não é um direito internacional reconhecido nem no plano nacional nem no internacional. Por conseguinte, não deveria ser examinado tão amplamente, nem abordado desse modo em nosso relatório”. 5. Um dos primeiros promotores do “direito à comunicação”, Jean D´Arcy, delineou as etapas sucessivas que poderiam facilitar sua adoção: “Na época da ágora e do foro, na época da comunicação interpessoal direta, surge primeiro – conceito básico para todo o progresso humano e para toda civilização – a liberdade de opinião (...). O surgimento da imprensa, que foi o primeiro dos meios de expressão de massa, provocou, pela sua própria expansão e contra as prerrogativas de controles reais ou religiosas, o conceito correlato de liberdade de expressão (...). O século dezenove, que presenciou o extraordinário desenvolvimento da grande imprensa, caracterizou-se por lutas constantes em prol da liberdade (...). A chegada sucessiva de outros meios de comunicação de massa – cinema, rádio, televisão – da mesma forma que o abuso de todas as propagandas em véspera de guerra, demonstraram rapidamente a necessidade e a possibilidade de um direito mais preciso, porém mais extenso, a saber, o de procurar, receber e difundir as informações e idéias sem consideração de fronteiras (...) ou por qualquer procedimento. Hoje em dia parece possível um novo passo adiante: o direito do homem à comunicação, derivado de nossas últimas vitórias sobre o tempo e espaço, da mesma forma que da nossa mais clara percepção do fenômeno da comunicação (...). Atualmente, vemos que engloba todas as liberdades, mas que além disso traz, tanto para os indivíduos quanto para as sociedades, os conceitos de acesso, de participação, de corrente bilateral de informação que são todas elas necessárias,como percebemos hoje, para o desenvolvimento harmonioso do homem e da humanidade.” (Le droit de l´homme à comunique, Documento nº 39, da CIC).

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desejar alguns, um princípio bem estabelecido, cujas conseqüências lógicas poderiam ser deduzidas a partir de agora, ainda está na fase em que as pessoas refletem sobre todas as suas implicações e continuam a enriquecê-lo. Somente depois de ter explorado na Unesco e nas numerosas organizações nãogovernamentais interessadas todas as aplicações possíveis dessa hipótese é que a comunidade internacional poderá decidir o seu valor intrínseco. Ter-se-á que reconhecer, ou que rejeitar, a existência de um direito novo, que poderia ser somado aos direitos do homem já adquiridos, e não substituilos. Por isso, apresentamos uma formulação desse direito, que indica a diversidade dos seus elementos e o espírito que o inspira: Todo mundo tem o direito de comunicar. Os elementos que integram esse direito fundamental do homem são os seguintes, sem que sejam de modo algum limitativos: a) o direito de reunião, de discussão, de participação e outros direitos de associação; b) o direito de fazer perguntas, de ser informado, de informar e outros direitos de informação; c) o direito à cultura, o direito de escolher, o direito à proteção da vida privada e outros direitos relativos ao desenvolvimento do indivíduo. Para garantir o direito de comunicar seria preciso dedicar todos os recursos tecnológicos de comunicação a atender às necessidades da humanidade a esse respeito6. Achamos que esse enfoque oferece a perspectiva de um progresso da democratização da comunicação nos planos internacional, nacional, local e individual. A reivindicação da democratização da comunicação tem diferentes conotações, muitas além das que se costuma acreditar. Compreende evidentemente o fornecimento de meios mais numerosos e variados a maior número de pessoas, mas não se pode reduzir simplesmente alguns aspectos quantitativos a um suplemento de material. Implica acesso do público aos meios de comunicação existentes, mas este acesso é apenas um dos aspectos da democratização. Significa também possibilidades mais amplas – para as nações, forças políticas, comunidades culturais, entidades econômicas e grupos sociais – de intercambiar informações num plano de igualdade, sem domínio dos elementos mais fracos e sem discriminações. Em outras palavras, implica mudanças de perspectiva. 6 Está citação foi tirada do documento An emergent communication poliyc science: content, rights, problems and methods, de L. Harms, Departament of Communication, Hawai University, Honolulu.

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Sem dúvida, isso requer informação mais abundante, procedente de uma pluralidade de fontes, mas se não houver possibilidades de reciprocidade, a comunicação não será realmente democrática. Sem a circulação de duplo sentido entre os participantes, sem a existência de várias fontes de informação que permitam maior seleção, sem o desenvolvimento das oportunidades de cada individuo para tomar determinadas decisões baseadas no conhecimento completo de fatos heteróclitos e de pontos de vista divergentes, sem a participação dos leitores, espectadores e dos ouvintes na adoção de decisões e na constituição dos programas dos meios de comunicação social, a verdadeira democratização não chegará a ser uma realidade. 2. COMUNICAÇÃO E POLÍTICAS PÚBLICAS A primeira e fundamental conseqüência de se reconhecer o direito à comunicação é entender de que ela precisa ser vista como passível de discussão e ação enquanto política pública essencial, tal como políticas públicas para os segmentos de saúde, alimentação, saneamento, trabalho, segurança, entre outros. Mas, como bem expresso em documento fundador do Laboratório de Políticas Públicas (LPP), da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (ver http://www2.uerj.br/lpp), na medida em que o mercado não reconhece direitos, a função central que ele vai assumindo na reformulação das relações econômicas e sociais representa uma transformação do que era direito em um bem negociável no mercado. Assim, de direitos universais os direitos à educação e à saúde passaram a ser mercadorias, e, concomitantemente, o Estado deixou de desempenhar seu papel na afirmação de direitos, para, ao contrário, centrando-se em políticas de desregulamentação, abrir espaços para a mercantilização crescente das políticas sociais. Por conseguinte, difícil é e será sempre o reconhecimento da comunicação como política pública no capitalismo, justamente por ser ela entendida, na ideologia liberal das sociedades de mercado, como a principal garantidora e, mesmo, alavancadora da liberdade de mercado, por meio da teoria do livre fluxo da informação. Segundo esta teoria toda ação do Estado sobre os meios de comunicação torna-se automaticamente ação censória e, por isso, uma ameaça a todos os direitos e a toda liberdade.

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Esse dilema torna-se ainda mais agudo quando constatamos que um dos maiores desafios na luta por um Estado democrático contemporâneo é o de resgatar o espaço público como formador das políticas sociais mediante a inclusão crescente de todos os atores sociais relevantes. Justamente o espaço público que, no capitalismo, é quase inteiramente constituído pelos meios de comunicação dos quais a maioria desses atores sociais encontra-se hoje quase que totalmente excluída. Em suma, de acordo com o exposto, torna-se praticamente impossível pensar em políticas sociais democráticas amplamente debatidas pela sociedade no espaço público, inclusive as referentes à comunicação, sem que haja concomitantemente a democratização desse espaço. Um círculo vicioso, reconheçamos, muito difícil de ser quebrado, mas que é a razão de ser, do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC). 3. POR POLÍTICAS DEMOCRÁTICAS DE COMUNICAÇÃO O que se segue é a agenda básica capaz de nortear a discussão e formulação de um amplo programa de políticas democráticas de comunicação no Brasil, cuja premissa fundamental visa o reconhecimento da comunicação como política social, derivada do direito à comunicação. Tal direito, decisivo para a democratização das sociedades contemporâneas, que tem na informação e na comunicação seus principais motores políticos, econômicos e culturais. Premissa que deve ser assumida por todas as forças democráticas e populares, nelas incluídos em os partidos políticos de esquerda, para os quais ela parece ainda estar longe de ser compreendida, quanto mais de ser assimilada e incorporada às suas discussões programáticas. Assumidas, assim, as premissas fundamentais da comunicação como direito social e como destinatárias de políticas públicas, podemos avançar a mobilização, não sem antes levar em conta outras questões de fundos igualmente fundamentais, a saber: a) O papel da comunicação nas sociedades contemporâneas. Para identificar melhor esse papel, sugere-se aqui as seguintes funções: – o de conformadora do espaço público mas decisivo para o exercício da cidadania e conseqüente prática radical da democracia; – o de importante instrumento de educação pública (que hoje chega a rivalizar em muitos casos com a família, a escola, as religiões)

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– não só cívica e política, como visto acima, mas também formal; – o de importante instrumento de formação cultural ampla, não só a partir das funções descritas acima, como igualmente por sua capacidade de prover entretenimento e lazer necessários à plena fruição da vida social. – o de importante instrumento de preservação e afirmação de valores culturais nacionais, a começar pela defesa da língua e suas vitais manifestações literárias, além da preservação e afirmação de outras formas de expressão artística; – o de importante instrumento de integração e afirmação da cultura nacional nos ambientes transnacionais e globalizados, como forma de projeção autônoma de nosso poder nacional. b) Estratégias para consecução de políticas públicas que viabilizem as premissas, papel e funções acima sugeridos. A estratégia fundamental deve ser ampliar o acesso democrático aos meios de comunicação, por conseguinte, ao espaço público, pelo conjunto cada vez mais amplo de forças e movimentos sociais. Essa ampliação terá que se dar por meio dos seguintes processos políticos: – pela propriedade direta, pública, de instituições e meios de comunicação; – pelo acesso indireto a instituições e meios de comunicação de propriedade estatal e privada, via instrumentos legais; – pela existência de ambiente regulatório democrático, que nivele ao máximo as possibilidades de ação da sociedade em todas as etapas dos processos normativos. c) A agenda de mobilização. A agenda de mobilização da sociedade por políticas democráticas de comunicação visa em última instância à formulação de um novo modelo institucional para a comunicação brasileira, a partir dos seguintes eixos norteadores: – O eixo da mobilização propriamente dita: seu fulcro deve ser a reconstituição do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), na forma original de uma executiva nacional nascida da base de comitês locais e regionais, dos quais participem as mais variadas entidades da sociedade civil; – O eixo da ação institucional, que deve hoje incidir sobre as seguintes questões fundamentais:

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COMUNICAÇÃO, DIREITOS SOCIAIS E POLÍTICAS PÚBLICAS

• Estudo e debate do Capítulo da Comunicação Social, da Constituição Federal, de maneira a se propor eventuais revisões e novas proposições que apriorem os marcos fundadores do sistema brasileiro de comunicação social, em especial no que diz respeito: • à relação entre meios de comunicação, crianças e adolescentes; • à desconcentração da propriedade dos meios de comunicação e à descentralização da produção; • à diferenciação e regulamentação dos sistemas estatal, público e privado de comunicação, como forma de dar pluralidade democrática à propriedade dos meios de comunicação; • à presença ou não do capital estrangeiro no financiamento e controle de meios de comunicação brasileiros; • aos modos de financiamento da produção em comunicação, via publicidade e fundos públicos, como forma de dar pluralidade democrática aos conteúdos dos meios de comunicação; • ao modo de regulação dos meios de comunicação, com exame dos papéis reservados aos ministérios, às agências reguladoras, ao Congresso Nacional, neste incluída a questão do atual Conselho de Comunicação Social, bem como à participação ampla da sociedade em todos os processos e procedimentos regulatórios; • Estudo e debate de processos normativos decorrentes do arcabouço constitucional, como: • a nova legislação para o rádio e a televisão, que substituirá o antigo Código Brasileiro de Telecomunicações (Lei 4117/62), hoje já quase inteiramente revogado pela Lei Geral de Telecomunicações (Lei 9472/97), e que acolha e revise as normas hoje existentes para a radiodifusão comunitária; • a revisão e consolidação de toda a legislação de televisão por assinatura, hoje dispersas em normas específicas para TV a cabo, MMDS e DTH; • a discussão e revisão dos termos em que hoje se dá a adoção das novas tecnologias digitais que tenderão a alterar muito profundamente o modo de organização institucional, de financiamento, de produção e difusão de conteúdo dos meios de comunicação tradicionais – jornais, revistas, rádio e televisão. Murilo César Ramos é Ph.D. em Comunicação pela Universidade de Missouri-Columbia (1982) e professor do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade de Brasília. Autor de vários artigos, dentre eles “Do Planeta dos Macacos às Comunidades Virtuais”, in Maria Beatriz de Medeiros (Org.), Arte e Tecnologia na Cultura Contemporânea. Brasília: Universidade de Brasília, 2002.

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SOCIEDADE DO CONHECIMENTO S.Squirra

INTRODUÇÃO Apesar da objetiva, e aparentemente simples, delimitação do título, devese apontar que o campo proposto é vasto e profundo e, ao mesmo tempo, movediço e complexo. No presente capítulo, pretendemos fazer uma abordagem panorâmica sobre a configuração da atual sociedade do conhecimento, suas origens e vieses de interpretação. A sociedade do conhecimento trouxe consigo a velocidade do tempo real, com amplas possibilidades de controle, armazenamento e liberação de acesso a múltiplos conjuntos de informações. Cada vez mais, essas possibilidades tornaram-se alguns dos vetores mais importantes na definição da produtividade das economias nacionais, e a informação configurou-se como o principal ativo das empresas e países na sua busca por maior competitividade. O termo conhecimento é polissêmico e escorregadio, atraindo atenção de diversos campos do saber. Por proximidade, vem despertando também muito interesse na confraria intelectual que estuda os fenômenos das comunicações. Independentemente da definição que se adote para conhecimento, entretanto, há um denominador comum que aponta para uma sociedade do conhecimento que representa a combinação das configurações e aplicações da informação com as tecnologias da comunicação em todas as suas possibilidades.

SQUIRRA, S. Sociedade do Conhecimento. In MARQUES DE MELO, J. M.; SATHLER, L. Direitos à Comunicação na Sociedade da Informação. São Bernardo do Campo, SP: Umesp, 2005.


DIREITOS À COMUNICAÇÃO NA SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO

Tendo em vista a centralidade da informação nessa nova configuração da sociedade, há que se refletir se estamos em uma sociedade do conhecimento numa sociedade da informação, na qual a humanidade deixa suas bases originais na agricultura, posteriormente na manufatura e industrialização, para ingressar na economia da informação, na qual a manipulação da informação é a atividade principal. Como nas outras configurações sociais, a sociedade da informação gera formas próprias de exclusão, entre aqueles que têm (“have”) e aqueles que não têm (“have not”) acesso ao ativo principal gerador de produtividade, no caso informação. Surge a reflexão sobre esse fenômeno, que vem sendo genericamente chamado de divisão digital (“digital divide”). Concluindo o capítulo, fazemos uma discussão sobre as possibilidades teóricas advindas do estudo das relações entre o campo das comunicações e a sociedade do conhecimento. UMA SOCIEDADE EM TEMPO REAL Pessoalmente, este tema vem há algum tempo “roçando-me a alma” (parafraseando Fernando Pessoa), principalmente após o surgimento de inquietações intelectuais provocadas pelos esforços de pesquisadores mais qualificados em transitar logicamente pelo mesmo. De fato, não deveríamos estar falando de Sociedade do Conhecimento e sim, de Sociedades dos Conhecimentos! Por esta constatação, somada às dinâmicas das implantações tecnológicas e os vieses de interpretação na área de atuação deste pesquisador, o assunto vem provocando exaustivas reflexões e estudos que, após as transformações radicais por que passam as sociedades nos últimos anos, tornou-se mais um campo de interesse que de local para incômodos intelectuais. Posto o título, o que inicialmente se constata é que o conceito de Sociedade do Conhecimento vem sendo cunhado e implementado nos últimos tempos nos diferentes cenários da cultura mundializada. Os princípios dessa sociedade trazem em si estampadas as modernas e dinamicamente evolutivas práticas e modelos de ação dos países mais avançados do globo. Nela, as complexas possibilidades de controle, armazenamento e liberação de acesso aos múltiplos conjuntos de informações relegam a maior parte das nações a situação idêntica a que vivencia um espectador do interior de um país periférico, estando este numa pequena estação de trem por onde, de repente, passasse o TGV, o expresso de altíssima velocidade, ícone de uma das mais avançadas formas de conquista tecnológica.

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SOCIEDADE DO CONHECIMENTO

Irrecusavelmente, este é o ordenamento, e a práxis, das modernas economias. Sem a consciência rápida e em tempo real, paradoxalmente focada e multifacetada ao mesmo tempo, e tão eficiente que permita galgar posições de destaque para a tomada imediata de decisões, não se pode ter segurança de pertencer ao mundo da competitividade, inserindo-se no seleto time de agrupamentos de comando do mundo atual. Resgatando a ilustração da estação de trem, entendo que, como coadjuvantes, somos convidados a entrar, desfrutar dos recursos disponibilizados no “trem de grande velocidade” contanto que paguemos o preço definido, nos comportando de acordo com o “figurino” e conservando-nos exclusivamente na condição de consumidores-fim do processo. QUAL SOCIEDADE DO CONHECIMENTO? Esta é a realidade dos tempos em que vivemos. Todavia, tanto para uns quanto para outros (os que estão “dentro” e os “marginais”), o termo vem se configurando como de difícil definição, não existindo consenso sobre o que significa, justamente pela abrangência e ambigüidade estrutural do termo. Na tentativa de trilhar a essência da existência, tanto o conceito de Sociedade do Conhecimento quanto o termo conhecimento vêm chamando a atenção dos especialistas de diferentes áreas. Pela sua abrangência e profundidade, interessa aos filósofos, economistas e toda sorte de cientistas sociais. Por proximidade, vem sendo muito útil à confraria intelectual que estuda os fenômenos das comunicações. Também neste nível, entendimentos consensuais ainda estão distantes. Genericamente, pode-se dizer que conhecimento seja o “ato de saber” de algo, de tomar consciência de determinado fato ou objeto, experiência ou relato. Todavia, conhecimento pode também ser entendido como a “familiaridade ou estado de consciência que se obtém com a experiência de estudar” determinado fato. Pode ainda ser entendido como a “soma da extensão/percurso/área do que tem sido encontrado, percebido ou aprendido” e, ainda a “específica informação sobre alguma coisa”. Ressaltase aqui a inclusão do conceito de informação, que abordaremos mais adiante. Uma sub-divisão da palavra conhecimento pode ainda incluir variantes como a) “conhecimento de objetos”, onde ocorrências sobre os distintos objetos são estocados; b) conhecimento de “ações e acontecimentos”, a partir do arquivamento de ocorrências sobre os múltiplos eventos são arquivados; c) conhecimento sobre “performances”, em que se estocam ocorrências sobre

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DIREITOS À COMUNICAÇÃO NA SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO

as habilidades, geralmente as experiências físicas e d) meta-conhecimento, em que se arrolam as constatações sobre o que se sabe que ainda não se sabe. Os especialistas indicam ainda que para se entender melhor o termo conhecimento torna-se necessário a divisão em três categorias: declarativa, procedimental e estratégica. E definem que o conhecimento declarativo é aquele que nos diz porque as coisas funcionam da maneira que funcionam. O conhecimento procedimental traz implícitas as indicações de como realizar determinada tarefa. Por último, como conhecimento estratégico deve-se entender o conhecimento do contexto no qual determinados procedimentos devem ser implementados. Outros lembram que o termo conhecimento é freqüentemente usado para se referir ao conjunto de fatos e princípios acumulados pela humanidade no decurso do tempo. Todavia, a idéia de se entender o conhecimento como algo que possa ser estocado em uma prateleira de mercearia é radicalmente criticado por muitos. Abrindo espaço, um setor da filosofia, a epistemologia, dedica-se ao estudo do conhecimento e suas fontes, variedade e limites. Na epistemologia, o empirismo indica que o conhecimento surge da experimentação, enquanto o apriorismo considera que o conhecimento é inato. Concretamente, o Aurélio define epistemologia como “teoria do conhecimento e metodologia”. E conhecimento como “ato ou efeito de conhecer, idéia, noção, informação, notícia, prática da vida, experiência”. SOCIEDADE DO CONHECIMENTO OU SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO Qualquer que seja a definição e enquadramento, um denominador comum aponta que a Sociedade do Conhecimento representaria a combinação das configurações e aplicações da informação com as tecnologias da comunicação em todas as suas possibilidades. É importante destacar que seu escopo de abrangência vai além do mundo da internet e está redefinindo a economia global, trazendo consigo a transformação do mundo “inteligente” em todas as suas dimensões. Traz consigo os referenciais definitivos e irrefutáveis do domínio do mundo dos “negócios” a partir dos gigantescos bancos de dados, onde se encontra armazenada infindável miríade com todos os tipos de agrupamentos de informações, bancos estes dominados pelos grandes conglomerados e disponíveis para acesso em sofisticadas formas de “pay-to-have”.

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SOCIEDADE DO CONHECIMENTO

De forma historicamente sumarizada, o conhecimento vem sendo assumido como um fator de produção e domínio, representando o denominador determinante dos desenvolvimentos econômicos e sociais. Isto pois, desde a formação dos agrupamentos sociais, o conhecimento significava o domínio dos processos de plantar, construir e/ou manufaturar. Em todas as estruturas de aquisição, controle e trocas, as bases do domínio se concretizavam no conhecimento das formas de informação sobre os processos de construção, armazenamento e oferta. No mundo moderno, as necessidades de domínio dos processos de manipular, estocar e transmitir gigantescas (e cada vez mais crescentes) quantidades de informação, por meios cada vez menos dispendiosos, cresceu a níveis sofisticadíssimos, definindo quem sobrevive -ou não- em praticamente todos os setores dos negócios “em redes e em tempo real”. Esta realidade é tão definitiva que se crê que nas últimas décadas, de 70 a 80 por cento do crescimento da economia podem ser creditados ao maior e melhor domínio do conhecimento sobre as infindáveis, complexas e sutis camadas de informação em que se organiza a experiência humana. Anteriormente introduzida, focaremos a palavra informação. Esta traz o radical formar, ou ainda, as palavras forma e também fôrma. O Oxford English Dictionary define-a como “a ação de informar, formação ou moldagem da mente ou da personalidade, treinamento, instrução, o ato de ensinar, o ato da comunicação de conhecimento instrutivo”. E apresenta um volume expressivo de outras definições e explicações das particularidades da palavra, revelando a extrema dificuldade em definir as suas inúmeras aplicações. Michael Buckland (1991)1 titula o capítulo primeiro de um livro de sua autoria com o sugestivo “A ambigüidade de ‘informação’”, de cara reconhecendo que “uma exploração do sentido de informação nos leva para dificuldades imediatas”. Sandra Braman (1989) adverte que tentar definir informação sem muitos cuidados e sem observar abordagens pluralísticas é politicamente problemático”2. Thomas Davenport pergunta: “Afinal de contas o que é a informação?” 3, ponderando que se deve começar por distinguir as diferenças entre dados, informação e conhecimento. Esse autor entende que “durante anos, as pessoas se referiram a dados como informação; agora, 1. Buckland, M. Information and information systems. New York, Praeger, 1991, p.3 2. Braman, Sandra. Defining information – No approach for policymakers. Telecommunications policy, Stoneham, Butterworth & Co, 1989, p.233 3. Davenport, Thomas. Ecologia da informação. S.Paulo, Futura, 2001, p.18

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DIREITOS À COMUNICAÇÃO NA SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO

vêem-se obrigadas a lançar mão de conhecimento para falar sobre a informação”. Nas suas andanças teóricas, resgata a definição de Peter Drucker que definiu informação como “dados dotados de relevância e propósito”. Neste contexto, enquanto a complexidade aumenta, cresce também o número de novas configurações de áreas que surgem na esteira teórica das demais ciências: dividir e estudar partes segmentadas do conjunto, visando conhecer e compreender adequadamente o todo. Neste intento, outros autores apresentaram a delimitação e conceito de Sociedade da Informação. Dentre eles, destaca-se Armand Mattelart que acrescenta que “a noção de sociedade global da informação é resultado de uma construção geopolítica”. Mattelart resgata Francis Bacon4 indicando que para esse intelectual “a palavra informação significa o mesmo que inteligência”5. Dedica-se a traçar todos os percursos já definidos, apresentando os intelectuais que, de uma forma ou de outra, contribuíram para melhor entender este recorte. Resgata Leibniz6, declarando ter sido este cientista quem primeiro propôs a adoção do sistema binário 0 e 1 (base da informação digital), indica que um sistema parecido com este já estava em vigor “há 4 mil anos na China de Fo-Hi”. Depois da navegação por inúmeros autores e teorias, Mattelart foca Norbert Wiener7 e seu conceito de Cibernética e Claude Shannon, que formulou a Teoria matemática da comunicação8. Com relação a esta obra, na introdução, o co-autor, Warren Weaver adverte que na contextualização que Shannon havia originalmente formulado o conceito de “informação não deve ser confundido com significado (ou compreensão)”9, adiantando que na teoria da comunicação a palavra informação “se refere não ao que se sabe, mas àquilo que se poderia saber”. Ainda focando a sociedade da informação, Straubhaar reconhece que “inúmeras pessoas não acreditam na idéia de uma ‘sociedade da informação” e o que isto representa” 10, e pergunta: “já que se aceita que a sociedade 4. Mattelart, Armand. História da sociedade da informação. S.Paulo, Loyola, 2002, p. 14 5. Do original intelligence 6. op.cit. “o projeto de automação do raciocínio formulado por Leibnitz participa da busca de uma língua ecumênica”, p. 15. 7. Op.cit. p.58. 8. Op.cit. p.65. 9. Shannon, Claude e Weaver, Warren. The mathematical theory of communication. Urbana, University of Illinois Press, 1949, p. 8. 10. Straubhaar, Joseph e LaRose, Robert. Communications media in the information society. Belmont, Wadsworth Publ.Co., 1995, p.63.

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SOCIEDADE DO CONHECIMENTO

industrial pode ser considerada como do período moderno, a sociedade da informação seria uma característica da sociedade pós-moderna?”. Realça que muitos teóricos acordam que a modernidade tenha sido a época conhecida como Iluminismo, que data dos anos 1600. Trazendo a questão para nossos dias, e depois de focar as idéias de Jean Baudrillard, Straubhaar reconhece que a visão pós-moderna é a que não existe uma verdade universal, aquela na qual o que você pensa depende da sua própria experiência, que depende do grupo a que você pertence, a qual mídia você assina e tem acesso, qual educação você recebeu de sua família, e assim sucessivamente11. Após indagar o que é a sociedade da informação, Straubhaar apresenta uma resposta indicando que é “aquela na qual produção, processamento e distribuição de informação são as atividades econômica e social primárias”. Adianta que nela se deve investir cada vez mais tempo com o uso das tecnologias da informação (como telefone e computadores), onde contingentes crescentes de trabalhadores estejam sendo empregados na área e pessoas que processam, produzem e distribuem informação tendo isto como sua atividade principal. Conclui afirmando que a Sociedade da Informação representa um passo à frente na evolução da sociedade, das suas bases originais na agricultura, na manufatura e na economia da informação, na qual a manipulação da informação era a atividade básica e principal 12. Nesta variante, surgiu o princípio da gestão do conhecimento (“knowledge management”) que se transformou em precioso recurso estratégico para a vida das pessoas, mas especialmente para o controle dos processos pelas empresas. NOVAS FORMAS DE EXCLUSÃO Qualquer que seja o enfoque, o macro desenho da área revela que é praticamente impossível que o conjunto da sociedade venha a ter acesso aos múltiplos e específicos recursos desta forma de organização, da Sociedade do Conhecimento. Esta inequívoca constatação delineia o que ficou conhecido como princípio dos que têm (“have”) e dos que não têm (“have not”) acesso e domínio da informação, no que ficou conhecido como hipótese da lacuna do conhecimento (“knowledge gap hypothesys”). Aqui

11. Op.cit. p.64-65 12 op.cit. p.22

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DIREITOS À COMUNICAÇÃO NA SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO

se reconhece que apesar de todos ganharem com a modernização e incremento dos processos de comunicação, o que vem acontecendo é que a distância entre os que tinham mais e os que tinham menos acesso à informação se alarga indefinidamente com a implementação sucessiva – e cada vez mais intensa – de mais recursos tecnológicos. De forma concreta, esta constatação nos leva na direção do triste reconhecimento de que as desigualdades não devem mudar de rumo no futuro tecnopolitizado. Isto, apesar de Mattelart pontuar a crença de Piotr Kropotkin de que a modernidade traria o fim do período paleotécnico (que tem suas bases na civilização fundada no trilho e no vapor, na mecânica e nas redes da indústria pesada), substituindo-a pela era da neotécnica, que significa a “libertação do potencial de flexibilidade e de ubiqüidade inerente à eletricidade”13. Assim, alerta que o simples alavancamento tecnológico, aqui simbolicamente representado pela disponibilidade da energia elétrica, não garante a diminuição da carência de acesso aos bens de consumo modernos. Neste sentido, torna-se inevitável acrescentar o princípio da divisão digital (“digital divide”), realidade reconhecida e mesmo expressiva de ascensão social, que consolida a separação de impotentes contingentes sociais, e mesmo nações inteiras, na sociedade do conhecimento dos tempos atuais. Uma distinta formatação vem ganhando espaço, a economia do conhecimento, sendo definida “como a mobilização das competências empresariais, acadêmicas e tecnológicas com o objetivo de melhorar o nível de vida das populações” 14. Contini, Reifschneider e Savidan adiantam que, na economia do conhecimento além dos critérios tradicionais, como renda per capita ou desenvolvimento humano, os países também passaram a ser classificados quanto à sua capacidade de gerar conhecimentos e transformá-los em riqueza. Eles observam a área do ponto de vista da economia global, enxergando saídas somente a partir das ações governamentais, com investimentos substanciais em pesquisa de ponta. Deste ângulo, reconhecem que

13. Op. Cit. p.51 14. Contini, Elísio, Reifschneider, Francisco e Savidan, Yves. Os donos do conhecimento. Revista Ciência Hoje, vol.34, no. 201, p.16

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SOCIEDADE DO CONHECIMENTO

inequivocamente “há países produtores de conhecimento, países usuários em vários graus e outros marginalizados desse processo” 15. A objetividade dessas constatações não oferece muitas saídas, a não ser reconhecer a indicação da necessidade de se realizar esforços monumentais em inovação e domínio tecnológicos, conjuntamente com pesquisa e produção científicas. Isto, se esta nação quiser mudar da condição de mera info-espectadora na complexa e sofisticada sociedade dita do conhecimento. Mas, reconhece-se que o caminho não é curto e sem reveses, uma vez que os insuperáveis problemas sociais, políticos e econômicos impedem a caminhada tranqüila e constante na direção da evolução. Resgata-se novamente a imagem da estação por onde transitam trens a vapor e, de repente, o máximo da tecnologia estaciona e nos convida a usufruir simbioticamente dos recursos que apresenta, numa experiência de “mergulho no desconhecido”. Nesse cenário de paradoxos sócio-tecnológicos, explode a evidência de que a condição de passividade de consumidor alienado só vai mudar se, prioritariamente, se investir decididamente em pesquisa e desenvolvimento. E, deve-se reconhecer, este é um longo caminho já que no atual momento, enquanto a América do Norte vem investindo 2,7 por cento e a Europa 1,7 por cento dos seus volumosos PIBs, a América Latina destinou somente 0,6 por cento do seu minguado PIB neste segmento. COMUNICAÇÃO E CONHECIMENTO No campo das comunicações, a área poderia trazer contribuições concretas neste esforço de mudança de status se conseguisse a) recortar e focar melhor o escopo das investigações; b) dedicar-se a maior compreensão das particularidades do fenômeno; c) contentar-se por revelar seus pressupostos a partir da condição real do estado de desenvolvimento do país e d) evitar a reprodução da sedutora sofisticação teórica dos intelectuais dos países centrais. O último item, se torna essencial, uma vez que esses intelectuais-modelo vivem em sociedades em que se experimentam as delícias da oferta e acesso às informações digitais em todas as suas formas e, para quem, a sociedade pós15. Op.cit. p.17

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DIREITOS À COMUNICAÇÃO NA SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO

moderna é uma realidade vivenciada no dia-a-dia. Irrecusavelmente, na periferia da vivência plena do capitalismo a realidade é outra. Na sociedade do conhecimento, os procedimentos são rigorosa e extremamente precisos e sofisticados, requerendo complexas ações para o domínio de suas vastas possibilidades. Afinal, o dicionário esclarece que o substantivo sociedade, entre muitas definições, pode tratar-se de um corpo orgânico estruturado em todos os níveis da vida social, com base na reunião de indivíduos que vivem em determinado sistema econômico de produção, distribuição e consumo, sob um dado regime político, e obedientes a normas, leis e instituições necessárias à reprodução da sociedade como um todo16. Dessa forma, para tornar-se societário do conhecimento, os investigadores do segmento das comunicações deveriam contextualizar suas pesquisas a partir de cuidadoso detalhamento de ações, visando torná-las objetivamente consistentes e evitando desfocamentos que acabariam identificando-os com os “impostores intelectuais”, como foram chamados alguns expoentes estrangeiros da área no livro de Sokal e Bricmont. Estes pesquisadores denunciaram que vários autores, que vêm sendo a referência teórica para muitos estudiosos brasileiros nessa área, e que representam o panteão da teoria francesa contemporânea (Deleuze, Guattari, Lacan etc) abusaram repetidamente da terminologia e de conceitos científicos: tanto utilizando-se de idéias científicas totalmente fora de contexto, sem dar a menor justificativa...., quanto atirando a esmo jargões científicos na cara de seus leitores não-cientistas, sem nenhum respeito pela sua relevância ou mesmo pelo seu sentido17. Concluindo, adianta-se que a sociedade do conhecimento é muito mais complexa e delicada de ser decifrada do que os seguidores dos profetas do momento parecem conseguir ver. Trata-se de setor que requer deslocamentos interdisciplinares sofisticados para que se possa decodificar suas intrincadas ramificações, sujeitos e abrangências. Pela riqueza e complexidade do tema, espera-se que quaisquer pesquisadores que se aventurarem pelo território 16. Novo Dicionário Aurélio, p. 1315 17. Op. Cit., p.

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SOCIEDADE DO CONHECIMENTO

devem fazer mais que se limitarem de forma acentuada à simples sedução pela reprodução descontextualizada dos modismos teóricos do momento. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BRAMAN, Sandra. Defining information – No approach for policymakers. Telecommunications policy, Stoneham, Butterworth & Co, 1989, p.233. BUCKLAND, M. Information and information systems. New York, Praeger, 1991, p.3. CONTINI, Elísio, REIFSCHNEIDER, Francisco e SAVIDAN, Yves. Os donos do conhecimento. Revista Ciência Hoje, vol.34, no. 201, p.16. DAVENPORT, Thomas. Ecologia da informação. S.Paulo, Futura, 2001, p.18. MATTELART, Armand. História da sociedade da informação. S.Paulo, Loyola, 2002, p. 14. SHANNON, Claude e WEAVER, Warren. The mathematical theory of communication. Urbana, University of Illinois Press, 1949, p. 8. STRAUBHAAR, Joseph e LAROSE, Robert. Communications media in the information society. Belmont, Wadsworth Publ.Co., 1995, p.63.

S. Squirra é mestre (87) e doutor (92) em Ciências da Comunicação pela ECA/USP. Cursou Pósdoutorado na University of North Carolina e Universidade Autónoma de Barcelona (95-96), tendo feito pesquisas para o Doutorado na Michigan State University (91). Graduado em jornalismo pela Universidade Metodista de São Paulo e em Comunicação Visual pela FAAP/SP. Fez o Curso para Maitrise de 3eme Cicle na Sorbonne, ParisIV(76-78).Publicou os livros Aprender telejornalismo (Brasiliense, 89); Boris Casoy, o âncora no telejornalismo brasileiro (Vozes, 93); O século dourado, a comunicação eletrônica nos EUA (Summus, 95); Telejornalismo – memórias 1 (ECA/USP, 97) e Jornalismo online (Arte e Ciência, 98). Foi Vice-Presidente e Diretor de Relações Internacionais da Intercom. Atualmente é Diretor da Faculdade de Comunicação Multimídia e Coordenador do Curso de Pós-Graduação em Comunicação Social da Universidade Metodista de São Paulo.

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INTERNET E DEMOCRACIA COMUNICACIONAL: ENTRE OS ENTRAVES, UTOPIAS E O DIREITO À COMUNICAÇÃO*

Cicília M. Krohling Peruzzo

INTRODUÇÃO A Internet e as alterações que ela ajuda a proporcionar em várias dimensões da atividade humana têm despertado grande interesse no meio acadêmico. Entre as discussões fala-se muito sobre os entraves ao acesso à mesma, principalmente aqueles relativos à exclusão das maiorias populacionais ao redor do mundo. Este texto tece breves discussões sobre a democratização da Internet e seu potencial de alterar o sistema convencional de produção e circulação de informações, atividade até recentemente concentrada, por excelência, nos detentores da mídia tradicional. Tendo por base a pesquisa bibliográfica, objetiva-se traçar um breve panorama sobre o acesso da população brasileira à Internet e discutir a potencialidade da mesma em tornar as pessoas não apenas receptoras, mas produtoras e difusoras de mensagens. DA POTENCIALIDADE DE UMA COMUNICAÇÃO SEM LIMITES AOS ENTRAVES DE ACESSO Algumas grandes descobertas que vieram facilitar os processos de comunicação entre as pessoas e entre os povos deixaram suas marcas * Este texto consiste numa versão revisada do ensaio “Sociedade da informação no Brasil: desafio de tornar a internet de todos para todos” (2002a) que articula algumas das idéias desenvolvidas nos artigos “Webjornalismo: do hipertexto e da interatividade ao cidadão jornalista” (2003) e “Direito à comunicação comunitária: participação popular e cidadania” (2004), da autora. PERUZZO, C. M. K. Internet e Democracia Comunicacional: entre os entraves, utopias e o direito à comunicação. In MARQUES DE MELO, J.; SATHLER, L. Direitos à Comunicação na Sociedade da Informação. São Bernardo do Campo, SP: Umesp, 2005.


DIREITOS À COMUNICAÇÃO NA SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO

profundas na história da humanidade. É o caso do surgimento da escrita, a invenção da imprensa de massa, do rádio e da televisão. Na última década do século XX uma nova grande mudança chega com as redes cibernéticas que vêm revolucionar todo o status quo conhecido até então, da economia às comunicações, passando a configurar uma realidade que passou a ser denominada de sociedade da informação, sociedade da comunicação ou de era da informação. Como diz André Lemos (2002, p.35-36), a comunicação de massa publiciza fatos a partir de centros editores fazendo com que a indústria cultural opere por fluxo de comunicação “um para todos”, garantindo o poder sobre a emissão. Já as tecnologias digitais geram processos de comunicação que conectam usuários, gerando um fluxo bidirecional da informação num modelo “todos-todos”. A Internet possibilita a circulação de mensagens independente de territórios geográficos, de tempo, das diferenças culturais e de interesses, sejam eles econômicos, culturais ou políticos, globais, nacionais ou locais. Traz a possibilidade de alterar o sistema convencional de tratamento da informação, antes atividade por excelência concentrada nos agentes profissionais vinculados à mídia tradicional, ao viabilizar a produção de conteúdos endógenos e sua transmissão, sem fronteiras, pelos próprios agentes sociais. Qualquer pessoa pode processar e difundir conteúdos criando uma estação de rádio ou um jornalzinho online, por exemplo. Por outro lado, essa ruptura não representa a eliminação ou superação dos meios de comunicação de massa tradicionais, como atesta a televisão, que continua sendo um meio de grande importância e potencial de influência. Nem elimina a importância dos meios de comunicação comunitários presenciais e locais, tais como o teatro popular, o boletim informativo e a rádio comunitária. O que há de novo é a convergência das mídias e a quebra da barreira de uma comunicação de um pólo emissor a muitos emissores. Convergência significa a fusão de diferentes mídias entre si ou delas com serviços, como televisão, rádio, Internet, cinema, música, livros, publicidade, venda de produtos e serviços online etc. É inegável a revolução nas possibilidades de comunicação que o espaço cibernético proporciona em relação ao sistema analógico, o que será detalhado mais adiante. Sua entrada em cena representa um marco divisor nos modos de comunicar, provoca alterações nas culturas, no

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trabalho, na economia, nos serviços, na participação social do acesso à informação etc., e tudo isso, em nível universal. Na verdade, a Internet tem muito mais “características de um ambiente de comunicação do que propriamente um meio. As listas de discussão, os fóruns on-line, as ‘salas’ de bate-papo e o correio eletrônico são ferramentas de comunicação de fato interativas, baseadas em estruturas não verticais onde os pólos de emissão e recepção tem flexibilidade suficiente para se alternarem de modo semelhante à conversação oral” (CUNHA FILHO, 1999, p.49). Contudo, apesar do crescimento da Internet ser rápido, na realidade o grande problema está no acesso aos serviços de informação e comunicação proporcionados pelas redes cibernéticas. O acesso é desigual gerando novas categorias sociais, como as dos conectados e não conectados, dos incluídos e dos excluídos do acesso às redes digitais. No mundo, segundo dados da NUA Limited, existem 605,60 milhões de usuários 1 da Internet, dos quais 190,91 milhões estão na Europa; 187,24 milhões na Ásia e Pacífico; 182,67 milhões nos Estados Unidos e Canadá; 33,35 milhões na América Latina; 5,12 milhões no Oriente Médio e 6,31 milhões na África. Como se pode observar, os países pobres estão em desvantagem também com relação ao acesso à Rede Mundial de Computadores 2 (HOW MANY..., 2004, p.1) Em número de hosts3, em 2004, o Brasil ocupa o 8º lugar no ranking mundial (3.163.349 hosts), em grande contraste com o 1º colocado, os Estados Unidos, com 162.195.368 hosts. Em seguida vem o Japão (12.962.065 hostes), a Itália (5.469.578), o Reino Unido (3.715.752 hosts), a Alemanha (3.421.455 hosts), a Holanda (3.419.182), o Canadá (3.210.081hosts), a Austrália (2.847.763), Taiwan (2.777.085), a França (2.770.836), e a Suécia, em 12º lugar, com 1.694.601 hosts. Na América do Sul, o Brasil desfruta a 1ª posição com 3.163. 349 hosts, seguido da Argentina (742.358 hosts), do Chile (202.429 hosts), da Colômbia (115.158 hosts), do Uruguai (87.630 hosts), do Peru (65.868), Venezuela (35.301), Paraguai (9.243), da Bolívia (7.080) e do Equador (3.188) (INDICADORES... 2004, p.1-3).

1. A população mundial é de 6 bilhões e 300 milhões de habitantes. 2. Dados de setembro de 2002. 3. Computadores conectados permanentemente à Internet.

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No Brasil, pelos dados do Comitê Gestor da Internet, estima-se que o número de usuários4 em janeiro de 2004 seja de 31.633.490 (31,6 milhões), o que representa 17,5% da população 5. O acesso à Internet tem como base as condições econômicas e políticas dos países. O acesso é desigual e beneficia as classes ricas e médias na proporção da desigualdade econômica existente dentro dos países e entre países. Pelos dados do Banco Mundial apenas 20% da população mundial – dos países do capitalismo avançado – gastam 83% dos recursos do planeta. Essa realidade se choca com as condições de 11 milhões de crianças, que morrem de desnutrição por ano. E com as de 1 bilhão e 200 milhões de pessoas que vivem com menos de um dólar por dia. Mais de 1 bilhão e 500 milhões não têm acesso a água potável. Cerca de 125 milhões de crianças em idade escolar não freqüentam escolas (SIM...., 2001, p.1). O Brasil está em 72% posição em qualidade de vida, no ano de 2004, no mundo, segundo o Índice de Desenvolvimento Humano e indicadores sociais da Organização das Nações Unidas (ONU)6 (BRASIL..., 2004, p.Port-1). No Brasil, segundo dados do Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada (IPEA), em 20027, 52 milhões de pessoas (31,27% da população) viviam com renda inferior à linha de pobreza e 20 milhões (12,16%), com renda abaixo da linha indigência (POBREZA..., 2004). Nesse panorama, a renda média dos 10% mais ricos no país é 28 vezes maior do que a renda média dos 40% mais pobres. Há ainda uma crescente concentração de riqueza pelos mais ricos. Segundo o “Atlas da Exclusão Social – os Ricos no Brasil”, elaborado com base em informações dos Censos de 1980 e 2000 e da Pesquisa Nacional por Amostragem de Domicílio (Pnad), a concentração da riqueza do país pelas famílias consideradas ricas subiu de 20% para 33%, em 20 anos, contados a partir do início dos anos de 1980 (RICOS CRESCEM..., 2004, p.B1) 4. Os cálculos são sempre estimados e variam bastante de uma fonte para a outra. Aqui nos baseamos nos números do Comitê Gestor da Internet no Brasil e se referem a 2004. O “Mapa da Exclusão Digital”, da Fundação Getúlio Vargas, por exemplo, mostra que “em 2001, [apenas] 12, 46% da população brasileira dispunha de acesso em seus lares a computador e 8,31% à Internet” (MAPA... 2003). 5. Fonte: www.cg.org.br/faq/informacoes-02.htm 6 Os resultados de 2004 não são comparáveis aos do RDH 2003 devido a mudanças no cálculo de um dos indicadores que formam o Índice de Desenvolvimento Humano. No relatório de 2003 o Brasil aparecia na 65ª posição (Brasil..., 2004). 7 Em 1999 os percentuais eram de 56,18% e 15,03%, respectivamente.

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Como dispor de computador, de linha telefônica, adquirir softwares e ainda pagar uma taxa mensal a um provedor para ter acesso à Internet onde ainda se morre de fome? Como alimentar a utopia de uma Internet de todos pata todos diante dessa situação? IGUALDADE NO PODER DE COMUNICAR: UTOPIA? A utopia torna-se fundamental porque pode ser fator de mudança. Indicará pistas para a constituição de uma sociedade diferente que possibilita o acesso igualitário à riqueza e aos bens gerados coletivamente. Como se pode observar, entendemos utopia8 não como comumente é tratada, ou seja, como algo irrealizável. As utopias são passíveis de realização já que expressam indicativos, ou os sonhos, de onde se quer chegar, embora possam estar distantes da realidade concreta. O presumido caráter irrealizável das utopias não é de todo incontestável. De acordo com Herbert Marcuse (1969, p.3), primeiro, ele só poderia ser definido ex post facto9, segundo, porque a realização de um projeto revolucionário pode ser “impedida por forças e movimentos contrários que, no processo revolucionário, podem ser superados”. Assim sendo, no tema em questão, a utopia está em tornar a Internet, realmente, de todos para todos. Não apenas no sentido da interatividade, mas também quanto ao acesso: possibilitar o acesso universal à mesma, sem distinção de classes dentro dos países, nem distinção entre os países e continentes. A democratização desse acesso contribuirá para ampliar a liberdade de comunicar-se, no mais profundo sentido da comunicação, do ato de por em comum, de partilhar informações, idéias, pensamentos e conhecimentos, de dialogar, de transmitir e receber mensagens de modo ilimitado dentro de todo o potencial que as redes digitais oferecem. Liberdade esta, de partilhar o saber e as descobertas científicas e tecnológicas para estabelecer elos, colocar-se em contato com os outros, partilhar identidades, enfim, participar das redes enquanto cidadãos sujeitos da história. No Brasil produziu-se o Livro Verde, uma proposta do Programa Sociedade da Informação (SOCINFO) 10 , documento de suma importância que reúne 8. No seu sentido original, utopia refere-se a algo (como uma cidade) que não se estabeleceu em nenhum lugar. Seria uma construção mental, desproporcional ao que existe na realidade. Ver Mannheim (1958, 267). 9. Após a ocorrência do fato. 10. Lançado em 1999 pelo governo federal, coordenado pelo Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT) e confiado ao Grupo de Implantação composto por representantes do governo, do setor privado, da “ comunidade” acadêmica e do terceiro setor.

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estudos sobre várias dimensões da realidade no que se refere às condições de mercado, da educação, dos meios de comunicação e cultura, da infra-estrutura tecnológica e da democratização da Informação e Comunicação, além de apresentar diretrizes de ação para a constituição da Sociedade da Informação no Brasil. Após consultas e debates na sociedade, o Livro Verde serviu de base para a confecção do Livro Branco 11 , plano definitivo de atividades para a implantação da Sociedade da Informação no Brasil. A Sociedade da Informação, para o referido Programa, o SOCINFO, “está baseada em tecnologias de informação e comunicação que envolvem a aquisição, o armazenamento, o processamento e a distribuição da informação por meios eletrônicos, como rádio, televisão, telefone e computadores, entre outros. Essas tecnologias não transformam a sociedade por si só, mas são utilizadas pelas pessoas em seus contextos sociais, econômicos e políticos, criando uma nova comunidade local e global, a Sociedade da Informação” (A SOCIEDADE..., 2002, p.1). Para que a sociedade da informação seja efetivamente construída é necessário que haja a universalização dos serviços de informação e comunicação. A partir da evolução do conceito de universalização dos serviços de informação e comunicação que, nos anos de 1990, incorpora a meta de acesso de todos à Internet 12 , o Livro Verde, no capítulo 3, dedicado, especialmente, à questão da “Universalização dos Serviços para a Cidadania”, explicita que o referido acesso não diz respeito apenas a disponibilização de suportes tecnológicos. Ou seja, o documento enfatiza que não se trata tão somente de tornar disponíveis os meios de acesso e de capacitar os indivíduos para tornaremse usuários dos serviços de Internet, mas, sobretudo, de permitir que as pessoas atuem como provedores ativos de conteúdos que circulam na rede. Nesse sentido, considera-se imprescindível promover a alfabetização digital, que proporcione a aquisição de habilidades básicas para o uso de computadores e da Internet, mas também que capacite as pessoas para a utilização

11 O Livro Branco da Ciência, Tecnologia e Inovação foi lançado em agosto de 2002. Ele traça as linhas de uma política para o Sistema Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação. Está disponível em: http://www.cgee.org.br/arquivos/livrobranco.pdf. 12. Tradicionalmente o conceito dizia respeito à telefonia (a idéia de que todos tivessem acesso ao telefone), depois evoluiu para a comunicação de dados (serviços como o Minetel - França - e similares).

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dessas mídias em favor dos interesses individuais e comunitários, com responsabilidade e senso de cidadania (UNIVERSALIZAÇÃO, 2001, p.1-2). A democratização do acesso e manuseio da Internet no Brasil tem como dificultador as condições de pobreza da população. Em primeiro lugar, para se poder conectar à rede é preciso dispor de infra-estrutura básica – linha telefônica e computador, mais uma placa de rede e ainda pagar pelos serviços de um provedor de Internet, além dos custos da linha telefônica e aquisição de softwares. Em segundo lugar, não basta dispor dessas condições, é preciso dominar – por minimamente que seja – o manuseio do computador e dos recursos da Internet. A regras do jogo em vigor, de acesso por conta de cada um, são condições inacessíveis a grande parte da população brasileira devido à situação de empobrecimento econômico e de exclusão à escolaridade. Por um lado, há a negação da possibilidade de aquisição de equipamentos e serviços necessários. Por outro, pela existência de baixa escolaridade e da falta de formação para atualização tecnológica, há a dificuldade de abstração intelectual e carência das habilidades básicas para manuseio de computadores e da Internet. Nesse contexto, tornar a Internet de todos para todos, coerentemente com o espírito do Livro Verde, implica criar condições para o acesso público dos cidadãos às redes digitais, porém, não apenas o acesso aos suportes tecnológicos necessários, mas também a capacitação das pessoas para tornarem-se usuárias ativas, ou seja, não somente receptoras, mas também emissoras de conteúdos. A possibilidade das pessoas, organizações comunitárias, movimentos sociais, ONGs etc. tornarem-se emissores de conteúdos, de maneira ilimitada e sem controle externo (como é na mídia tradicional), a partir dos interesses e necessidades pessoais, comunitárias e de interesse público, é a grande novidade que a Internet traz, o grande potencial revolucionário que o mundo coloca a serviço da humanidade. Trata-se de um potencial ainda sub-utilizado pela maioria dos usuários, que em geral explora mais o correio eletrônico, a navegação e a participação em sessões de bate-papos, quando é possível muito mais, como por exemplo abrir sites, editorar e transmitir textos, disponibilizar estação de rádio, programa de televisão, criação de grupos de discussão etc. Enfim, simultaneamente a toda uma luta pela democratização econômica como forma de provocar a distribuição eqüitativa da riqueza socialmente produzida e, conseqüentemente, da fruição de todos os direitos de cidadania

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pelo conjunto da sociedade e não apenas só pelas elites, há que se achar saídas para viabilizar a democratização do acesso às redes cibernéticas. Os caminhos até agora visualizados para a democratização efetiva da Internet às populações de baixo poder aquisitivo são: a alfabetização digital (aquisição de habilidades para uso do computador e da Internet para exploração de todo o potencial que a rede oferece) e a disponibilização de serviços gratuitos e de acesso público aos cidadãos. Para tanto, a tendência mundial é a criação de espaços de acesso público à Internet e a realização de cursos e oficinas de capacitação técnica. Os referidos espaços são comumente viabilizados por meio da criação de cabines ou telecentros de acesso público e/ou da disponilização dos suportes tecnológicos para uso da Internet em escolas da rede pública de ensino, nas bibliotecas públicas, nos centros turísticos, postos de saúde, museus, centros culturais etc., sob a responsabilidade governamental e de entidades civis sem fins lucrativos, em geral em parceria com empresas de telefonia e informática. Citamos como exemplo, o Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (FJST), constituído pela contribuição de 1% sobre o valor da receita operacional bruta (deduzidos os impostos ICMS, PIS, CONFINS) das prestadoras de serviços de telecomunicações, cujos recursos devem ser revertidos para programas públicos de inclusão digital. Os espaços de acesso público à Internet recebem os nomes de telecentro ou cabine pública, entre outros13, e são destinados ao uso das pessoas que não dispõem de recursos para aquisição de computador, modem, provimento de acesso etc., ou para grupos de pessoas em situações especiais, como portadoras de deficiências, doentes ou pessoas em trânsito de uma cidade para outra. No Brasil, várias experiências de capacitação e disseminação da informática a partir de telecentros (ou outras denominações equivalentes) são desenvolvidas por organizações do terceiro setor 14, especialmente Organizações não Governamentais (ONGs), e por órgãos do poder público, em geral envolvendo parcerias com instituições públicas e privadas. 13. Outros termos ou termos em outros idiomas: telecottage, centro comunitário de tecnologia, centro de aprendizagem em rede, clube digital, espace numérisé, telestuben, oficina de comunicação, escola de informática, centro de acesso comunitário, teletienda, infocentro etc. (Livro Verde,cap.3 – p.3). Há também os cibercafés, locais com acesso à Internet que cobram taxas dos usuários. 14. Como a RITS (Rede de Informações para o Terceiro Setor) e o, Movimento Viva Rio, entre outros.

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Destacamos como exemplo o Comitê para Democratização da Informática (CDI ), ONG sem fins lucrativos, criada em 1995, que, por intermédio das Escolas de Informática e Cidadania (EICs) promove programas educacionais e profissionalizantes com o objetivo de “reintegrar os membros de comunidades pobres, principalmente crianças e jovens, diminuindo os níveis de exclusão social a que são submetidos no Brasil e em todo o mundo” (APRESENTAÇÃO, 2002, p.1). As EICs são criadas a partir de parceria entre o CDI e organizações comunitárias, tais como associações de moradores, ONGs e grupos religiosos, que passam a gerenciá-las de forma autônoma logo após sua criação. O CDI apenas apóia a criação da Escola de Informática com o fornecimento gratuito de assessoria técnica, capacitação de instrutores, doação de computadores, impressoras e software diversos etc., e se compromete a acompanhar o desenvolvimento do projeto, que deve ser financeiramente auto-sustentável. Com cerca de 860 Escolas de Informática e Cidadania criadas em parceria com organizações locais, o CDI está em 20 estados brasileiros e em 11 países. As EICs já formaram mais de 615 mil educandos e tem cerca de 4,3 mil computadores instalados e 1036 voluntários em toda a Rede CDI (HISTÓRICO..., 2004, p.1). A democratização do acesso à Comunicação Mediada por Computador (CMC) ou à rede das redes, é um processo em curso e tende a ganhar cada vez mais importância e visibilidade quando da sua inclusão como parte das políticas públicas e a partir da ampliação das iniciativas autônomas da sociedade civil. ACESSO À INTERNET COMO DIREITO DO CIDADÃO Decorridos alguns anos de uma incipiente disseminação da Internet no Brasil, mundialmente, a inclusão digital passa a ser vista como um direito humano, no mesmo patamar do direito ao acesso de qualquer cidadão a outras mídias e a condições dignas de existência. Várias entidades, estudiosos e ativistas têm se posicionando publicamente a favor do direito à comunicação15, tomando-o como mecanismo de se efetivar a democratização dos meios de comunicação. O cerne das manifestações em torno desse tipo de direito tem como expoente a Campanha CRIS (Communication Rights in the Information Society – Direito à Comunicação na Sociedade da Informação).

15. Ver abordagem mais completa em Peruzzo(2004).

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A Campanha CRIS se constitui num movimento liderado por organizações não governamentais dos campos da comunicação e dos direitos humanos de diversos países, organizado com a finalidade de discutir a democratização das tecnologias de informação e comunicação (TICs) e promover um fórum mundial alternativo ao CMSI (Cumbre Mundial de la Sociedade de la Información) 16 , cúpula convocada pela Organização das Nações Unidas (ONU). A CMSI foi realizada de 10 a 12 de dezembro de 2003, em Genebra, Suíça, visando discutir e traçar planos de ação sobre as políticas para a administração global das tecnologias de informação e comunicação (TICs) e inclusão digital. Participaram do evento representantes dos governos e de grandes empresas17. A Campanha CRIS, lançada em 2001 e que teve seu ponto alto no Fórum de 2003, em Genebra, reivindica não só o acesso às tecnologias da informação e comunicação, mas o cumprimento de todos os direitos humanos nas suas dimensões civis, políticas, econômicas, sociais e culturais. O documento final “Declaração da Sociedade Civil” (DECLARAÇÃO, 2003), divulgado pelas organizações da sociedade civil no final do encontro de Genebra, postula a redução da pobreza, a observação dos direitos humanos, o desenvolvimento sustentável, o direito à privacidade e a justiça social etc., ao mesmo tempo em que focaliza o tema do direito à informação e à comunicação na sociedade da informação. Quanto a este último aspecto, não se limita a preocupações acerca da “brecha digital” e a inclusão universal dos cidadãos à Internet, mas dos direitos de domínio público, solftware livre e de propriedade intelectual, e ao acesso global a todas as tecnologias de informação e comunicação, incluindo menção explícita aos meios comunitários. Portanto, não se trata apenas de disponibilizar pontos de acesso à Internet a todos. O problema da desigualdade precisa ser superado em todas as suas dimensões e atingir desde a democracia econômica até a comunicacional. A democratização da comunicação começa nas comunidades. O que se pretende é sua ampliação horizontal e múltipla. Dito por outras palavras, que seja acessível a todos e perpasse todos os meios, do alto-falante

16. Em inglês: WSIS (Word Summit on the Information Society) 17. Ao término, chegou a ser considerada em documento da CRIS “uma Cumbre para las grandes empresas”. Sobre seus resultados Sally Burch (2004) disse: “CMSI: acuerdos mínimos y compromisos débiles”.

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à rádio comunitária, do vídeo à televisão, do jornalzinho impresso ao online, das comunidades presenciais às virtuais. Em razão deste tipo de premissa, o referido documento considera que “os meios de comunicação comunitários que são independentes, manejados pela comunidade e embasados na sociedade civil, têm um papel específico e crucial na habilitação do acesso e participação de todos na sociedade da informação, especialmente para as comunidades mais pobres e marginalizadas” 18 (DECLARAÇÃO, 2003, p.5). A Campanha CRIS explicitou os seguintes temas como merecedores de abordagens específicas por afetarem diretamente a vida das pessoas: “fortalecimento do domínio público, assegurando que a informação e o conhecimento estejam disponíveis para o desenvolvimento humano, e não encerrados em mãos privadas; assegurar o acesso e uso efetivo de redes eletrônicas em um contexto de desenvolvimento, como por exemplo através de regulação sólida e inovadora, garantindo sua sustentabilidade mediante investimento público; assegurar e estender os bens coletivos globais, tanto para meios de difusão quanto para telecomunicações, para assegurar que estes recursos públicos não sejam vendidos para fins privados; institucionalizar o manejo democrático e transparente da Sociedade da Informação em todos os níveis: desde o local até o global; acabar com a vigilância e a censura, por parte de governos ou empresas; apoiar os meios de comunicação comunitários e todos aqueles cuja atuação é centrada nos interesses do cidadão – tanto os meios tradicionais quanto os novos” (THE CRIS campaign, 2004, p.2)19. Entre as várias organizações que vêm se destacando na defesa do direito à comunicação, inclusive com envolvimento ativo na Campanha CRIS, estão a ALAI (Agencia Latino Americana de Información), a AMARC (Associação Mundial de Rádios Comunitárias), ALER (Associação Latino Americana de Educação Radiofônica), WACC (Associação Mundial para a Comunicação Cristã) e ISIS Internacional de Manila. 18. Tradução nossa. 19. Dados sobre a Campanha CRIS e a CMSI estão disponíveis nos seguintes sítios eletrônicos: www.genebra2003.org/WSIS; www.alainet.org; www.movimientes.org; www.crisinfo.org

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Ao contrário das três primeiras edições do Fórum Social Mundial, no de 2004, realizado em Mumbai, Índia, o tema da comunicação como direito fundamental ganhou espaço de destaque. Foi debatido nos dos painéis: “Sociedade da Informação para Quem?” e “O Direito à Comunicação e aos Meios Alternativos”, levando como palestrantes pessoas que tinham participado do encontro da CRIS em Genebra. Entre os desafios mencionados no evento, se propôs “a elaboração de um mapa dos direitos da comunicação e o fortalecimento dos meios de comunicação produzidos por entidades da sociedade civil e por movimentos sociais. A necessidade de construir um movimento de Direito à Comunicação, seguindo o exemplo do que foi o movimento ambientalista faz 20 anos, foi uma das conclusões do painel”20 (Burch, 2004, p.1). Direito à comunicação, sob o ponto de vista teórico, tradicionalmente, tende a ser tomado como direito ao acesso à informação e como direito à liberdade de informação e de expressão. Tal concepção também está expressa nos ordenamentos jurídicos que abordam o tema. A Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, no Artigo 19º, por exemplo, assegura que “todo o indivíduo tem direito à liberdade de opinião e de expressão, o que implica o direito de não ser inquietado pelas suas opiniões e o de procurar, receber e difundir, sem consideração de fronteiras, informações e idéias por quaisquer meios de expressão”. A Convenção Americana de Direitos Humanos, de 1969, estabelece que “toda pessoa tem o direito à liberdade de pensamento e de expressão. Este direito inclui a liberdade de procurar, receber e difundir informações e idéias de qualquer natureza, sem considerações de fronteiras, verbalmente ou por escrito, ou em forma impressa ou artística, ou por qualquer meio de sua escolha”. A Constituição Brasileira de 1988 (Cap.I, Artigo 5º, inciso IX) expressa que “é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença”. A nosso ver, tal concepção vem sendo renovada pelos movimentos sociais recentes, que atuam em defesa do direito à comunicação, ao incluir a dimensão do direito à comunicação enquanto acesso ao poder de comunicar. As liberdades de informação e de expressão postas em questão na atualidade não dizem respeito apenas ao acesso da pessoa à informação como receptor, nem apenas no direito de expressar-se por “quaisquer meios” – o que soa vago e não garante o acesso do cidadão, com poder de controle, à grande 20. Tradução nossa.

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mídia, por exemplo – mas de assegurar o direito de acesso do cidadão e de suas organizações coletivas aos meios de comunicação social na condição de emissores – produtores e difusores - de conteúdos. Trata-se de democratizar o poder de comunicar. Os maiores expoentes dessa nova concepção são alguns movimentos populares e organizações da sociedade civil, estudiosos e ativistas da comunicação e dos direitos humanos. Já se reivindica, inclusive, uma Declaração Universal sobre o Direito à Comunicação. Nas palavras de Osvaldo Leon (2002, p.3) o “direito à comunicação se apresenta agora como aspiração que se inscreve no dever histórico que começou com o reconhecimento de direitos aos proprietários dos meios de informação, logo, aos que trabalham sob relações de dependência com eles, e, finalmente, a todas as pessoas, que a Declaração dos Direitos Humanos [...] consignou como direito à informação e à liberdade de expressão e de opinião. [...] Esta é parte de uma concepção mais global [...] que incorpora de maneira peculiar os novos direitos relacionados com as mudanças de cenário da comunicação e um enfoque mais interativo da comunicação, no qual os atores sociais são sujeitos da produção informativa e não simplesmente receptores passivos de informação”. Contudo, a mobilização social pelo direito à comunicação não vem atraindo todos os segmentos organizados nem tem muita visibilidade pública. Victor van Oeyen, Paulo Lima e Graciela Selaimen (2002, p.2) chegam a firmar que “a mobilização pela defesa do direito à comunicação é mais difícil que qualquer outra mobilização por direitos humanos. A Comunicação ainda é vista como uma questão menos urgente – quando chega a ser cogitada – por governos e sociedade civil. A luta por este direito mostra-se incipiente, mas é fundamental que todas as organizações da sociedade civil e pessoas dedicadas ao fortalecimento da cidadania, e não apenas aquelas dedicadas aos temas de mídia e comunicação, voltem sua atenção e uma parcela de seus esforços para garantir que o direito à Comunicação seja preservado”. AMPLIANDO O NÚMERO DE EMISSORES: O CIDADÃO JORNALISTA 21 As modificações introduzidas pela inclusão da Internet, principalmente os mecanismos de interatividade e as alterações nos processos de produção, 21. Idéias originalmente tratadas no texto “Webjornalismo: do hipertexto e da interatividade ao cidadão jornalista” (2003), da autora.

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difusão e consumo de informações, possibilitam a inclusão dos cidadãos como sujeitos e não como simples consumidores de mensagens. Daí decorre a importância da capacitação técnica e do acesso aos suportes tecnológicos referidos na primeira parte deste texto. As transformações no processo de comunicação são visivelmente percebidas nas rotinas produtivas de um jornal, no produto que perde a característica analógica e no estabelecimento de novos contratos sociais de leitura, motivadas pelos mecanismos da interatividade, como já apontou Sergio Capparelli (2002, p. 8) em estudo sobre jornalismo online. Com base em Roger Chartier (1998), Capparelli (2002, p.18-19) mostra que, no jornalismo online, um produtor de texto pode ser o editor do texto no duplo sentido – de darlhe forma definitiva e daquele que o difunde a um público de leitores, num processo em que, graças à rede eletrônica, a difusão é imediata. Portanto, é evidente o contraste com o padrão instituído pela revolução industrial da imprensa em que os papéis do autor, do editor, do tipógrafo, do distribuidor e do livreiro estavam claramente separados. As rotinas produtivas de um jornal são modificadas também pelos mecanismos de interatividade potencializados pelas tecnologias digitais, na medida em que o contato com o usuário é facilitado por de vários mecanismos, tais como o correio eletrônico, chats, fóruns, grupos de discussão, entrevistas online e a disponibilização de informações suplementares aos fatos noticiados etc. Trata-se de um feedback, porém enriquecido com a abundância de informações e maior liberdade de expressão, o que contribui para modificar a prática jornalística do emissor. A participação direta do leitor, melhor, do usuário ativo, além de fornecer idéias, críticas e informações ao produtor de texto jornalístico, tem o potencial de interferir na constituição dos contratos de leitura entre emissor e receptor. Contrato expresso tanto na linha editorial, como nos mecanismos de hipertexto que são cada vez mais colocados à disposição do leitor. O novo jornalismo que está em formação, na forma de jornalismo online, evidencia traços distintos22: a disseminação instantânea de notícias, a superabundância de notícias e de informação, a personalização, a utilização das linguagens multimídia e a possibilidade da interatividade (CORREIA, 2003, p. 3), podendo 22. Embora alguns deles também estejam presentes em outras formas de jornalismo, como o radiofônico e televisado, são características inerentes ao ambiente comunicacional constituído pela internet e não propriamente do jornalismo na Rede.

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ser acrescido do “caráter hipertextual, [...] convergente [e] [...] passível de incorporar memória” (Marcos Palácios, apud CORREIA, 2003, p.3). De todas as características acima mencionadas, a interatividade, ou a participação do usuário no jornalismo online, advinda do hipertexto23 e do modo de difundir informações no modelo todos-todos, pode vir a representar uma revolução no quefazer comunicacional popular. Mesmo que não signifique falar para os públicos diretamente envolvidos nas ações presenciais das lutas populares, trata-se de uma oportunidade de falar para segmentos amplos da sociedade e difundir as informações que não encontram espaço na mídia tradicional. Em outras palavras, a nova estrutura comunicacional representada nos suportes digitais, como a Internet, provoca alterações culturais cruciais, como aquelas relacionadas ao texto não-linear, instantaneidade, diversificação e capacidade de memória, e acima de tudo, à forma como se torna possível a participação e o uso da mídia. Tanto pelo usuário individualmente – em decorrência da interatividade, como pela possibilidade de uma comunicação de muitos com muitos ou de todos com todos. Ao potencializar uma prática diferenciada ao jornalista e ao modificar o seu relacionamento com o próprio texto, também se institui a possibilidade do surgimento de um número ilimitado de “jornalistas”24, o que favorece a comunicação alternativa e a consecução do direito à comunicação. No ambiente da rede é possível acumular as funções de repórter, redator e editor, ou seja, uma mesma pessoa pode levantar, apurar, elaborar, suprimir e

23. Hipertexto é tomado aqui como um tipo de “escrita não-seqüencial, [que] sucessivamente leva o leitor a outros documentos localizados em outros centros e computadores, muitas vezes funcionando em diferentes partes do globo” (SQUIRRA, 1998, p.65). Em se tratando de jornalismo na Internet, hipertexto “é uma série de blocos de textos jornalísticos [...] conectados entre si e possibilitando ao leitor diversos caminhos de leitura. Esses blocos de texto podem ser constituídos, por exemplo, de uma reportagem principal, com diversas retrancas ou nós; podem ser formados por documentos integrais ou parciais que contextualizam determinado fato ou fragmento do fato, registrando seu início ou sua análise no tempo – ou mesmo informações colaterais – a partir de edições anteriores do jornal; podem ter links externos, possibilitando ao leitor navegar além da estrutura hipertextual à sua disposição no momento” (CAPPARELLI, 2002, p. 20). 24. As aspas expressam nossa intenção de dizer que não se trata de um jornalismo, propriamente dito, no sentido de jornalismo feito por jornalistas, mas de formas autônomas de retratar e discutir acontecimentos e idéias.

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acrescentar partes, redirecionar o texto na linha que lhe aprouver e ainda difundi-lo instantaneamente pela Internet. Nada mais propício ao surgimento de novos emissores, novos jornais online, novos espaços interativos. Estamos falando do potencial para o exercício da liberdade de imprensa que a Internet traz à sociedade. Se, por um lado, o jornalismo online se caracteriza como um novo jornalismo ao incorporar o hipertexto e outras inovações, por outro, ele enseja uma comunicação num modelo de todoscom-todos. Qualquer indivíduo pode se tornar emissor de mensagens, como já foi dito anteriormente. Trata-se de uma ruptura que representa uma alteração crucial em relação ao sistema dos meios de comunicação de massa tradicionais, com suas características de transmissão de informações concentradas social e geograficamente. Pelas diferenças tecnológicas, as redes cibernéticas podem enviar e receber textos, sons e imagens de qualquer nó no rizoma. Qualquer computador, ligado à rede telefônica e conectado a um provedor de Internet, pode tornar-se correio, jornal, editora, estação de televisão e de rádio (CUNHA FILHO, 1999, p. 57). O marco divisor, nos modos de se comunicar representado na Internet, altera profundamente o sistema convencional de tratamento da informação, centrado nos agentes profissionais vinculados à grande mídia. O que não quer dizer que desapareçam; pelo contrário, são os que mais rapidamente se adaptam às novas situações. Mas, abrem-se outras possibilidades de produção de conteúdos endógenos e sua transmissão, sem fronteiras e sem gatekeepers, pelos agentes sociais, seja cada pessoa individualmente ou entidades associativas, em torno das quais as pessoas se unem com a finalidade de contribuir para resguardar os interesses coletivos. Aqui está a chave de um outro tipo de novo jornalismo. Um jornalismo independente dos grandes meios de comunicação e, em geral, sem ter a intenção de competir com eles, pois trabalha com uma informação diversa daquela priorizada pela grande imprensa. Um jornalismo feito por qualquer cidadão (individualmente), por entidades coletivas de interesse social (associações comunitárias, entidades filantrópicas, sindicatos, organizações não-governamentais etc)25, por organizações de comunicação independentes 25. Para Ignácio Ramonet (2001, p. 55-56), uma série de atores compartilham o espaço da rede para suas mensagens jornalísticas contribuindo para a quebra do oligopólio: os atores sociais (sindicatos, associações, ONGs), os atores econômicos (empresas, patronato),

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(Le Monde Diplomatic, Centro de Mídia Independente – CMI, Slashdot etc.), que se dedicam a uma comunicação voltada para interesses específicos com finalidade pública, a uma comunicação alternativa e crítica à mídia tradicional. A modificação no universo comunicacional criado pelas novas tecnologias chega a preocupar teóricos. Inácio Ramonet (2002, p. 56) chega a indignar-se com o que chama de confusão “entre o universo das relações públicas e o da informação” e com as alterações no que se concebia como especificidade do jornalista, já que “cada cidadão se torna jornalista”. O entusiasmo com o potencial de inserção na rede das redes precisa ser tomado com o devido senso de limites em decorrência da desigualdade de acesso à Internet e capacitação para seu uso, como explicitado anteriormente. Contudo, é inegável que a Internet traz uma mudança fundamental: a possibilidade de pessoas, organizações comunitárias, movimentos sociais, ONGs, grupos de comunicadores etc. tornarem-se usuários ativos, emissores de conteúdos, de maneira ilimitada e sem controle, por parte dos canais tradicionais de mídia ou pelos condicionamentos legais ao acesso à propriedade de canais, como ocorre no âmbito das telecomunicações. Nos termos até aqui explicitados, a liberdade de comunicação contribui para instituir um novo jornalismo na perspectiva em que: a) Quebra do papel do jornalista como mediador26 e gatekeeper27, já que qualquer pessoa pode tornar-se produtora e difusora de textos,imagens e sons; b) Assegura a liberdade de difusão de mensagens das organizações comunitárias de interesse público, por canais próprios, livrando-as dos gatekeepers da grande imprensa; c) Permite a inclusão e o aumento da capacidade de difusão de novos jornais e boletins comunitários (de associações, ONGs, associações culturais, sindicatos, centros de pesquisa etc.) no cenário dos já existentes;

políticos (governo, partidos, grupos) ou culturais (teatros, óperas, centros culturais, casas de cultura, editores, livrarias) que produzem informação, têm seu próprio jornal, seu próprio boletim, seus próprios responsáveis pela comunicação. O autor mostra certa indignação, pois considera que este tipo de comunicação acaba por “perturbar, parasitar, confundir o trabalho do jornalista”, roubando-lhe especificidade. 26. Para alguns, o jornalista exerceria, entre outras funções, a de mediador, entre o fato, a fonte e o leitor. 27. Significa “porteiro”, aquele que seleciona o que é difundido ou não no jornal ou na TV.

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d) Abre espaço para a criatividade e inovações de linguagem ao facilitar a experimentação de novos formatos de textos, não necessariamente presos aos esquemas tradicionais da pirâmide invertida28, da linguagem sensacionalista ou dos truques editorais, pois não há necessidade de submissão aos controles a partir de regras e padrões de produção de textos da grande imprensa; e) Amplia a diversificação de emissores e conseqüentemente dissemina novos conteúdos, amplia as fontes (cidadãos, associações) e modificam-se os critérios para a seleção do que venha a ser noticiado, o que favorece o pluralismo de idéias e a ampliação da agenda pública. Portanto, a exploração integral do espaço comunicacional online provoca alteração fundamental no processo de constituição e ampliação dos direitos de cidadania. Sob o ponto de vista do direito social, todo cidadão tem direito aos canais de expressão. Não somente no sentido de acesso às informações, mas ao poder de comunicar. Quanto à questão da mediação e da seleção de mensagens, há que se fazer distinções entre o ambiente virtual, no qual o usuário (individualmente ou coletivamente, no caso das comunidades virtuais e entidades) tem total domínio do processo – da produção à difusão das mensagens –, e aqueles em que há necessidade de alguma mediação em torno do resultado da participação das pessoas (em grupo de discussão, por exemplo) e da formatação do produto final (um jornalzinho), ou mesmo para dirimir conflitos, selecionar notícias, elencar prioridades etc. No primeiro caso, a figura do jornalista como mediador não faz mais sentido. Qualquer cidadão pode ser o “jornalista”, quer dizer, exercer as funções de repórter, redator, editor e transmissor de mensagens, como já foi dito, mesmo não sendo um especialista formado nas faculdades de Comunicação. Porém, aqui estamos falando apenas do jornalismo popular/ comunitário. Na grande imprensa, o papel do jornalista profissional segue tendo seu curso normal e importante. Mas, no segundo caso, admite-se a necessidade de alguém “fazer o meio de campo”. Como disse Correia (2003, p.5), nesse ambiente, o jornalista, na melhor das hipóteses,

28. Técnica empregada na produção do texto jornalístico que consiste em redigir a notícia pela ordem de importância de seus componentes.

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“manterá características de gatekeeper, num universo de maior complexidade. Se assumir como sua a missão de imprimir uma certa racionalidade na produção e circulação de mensagens, então terá de se adaptar à gestão dos fluxos comunicacionais em dimensões de espaço e tempo completamente novas. O jornalista desempenhará então funções de mediador público”. No contexto desse outro webjornalismo, no entrosamento do hipertexto com a interatividade e com a liberdade de expressão, além dos espaços das organizações sem fins lucrativos já mencionados, vêm se desenvolvendo experiências fabulosas de dialogo, principalmente em ambientes de sites interativos que podem estar contribuindo para o surgimento de um jornalismo de fonte aberta (jornalismo open source). Referimo-nos a sites na linha do peer-to-peer29, do slashdot, dos blogs30 (weblogs ou personal weblogs), que levam alguns a acreditar que o selftpublishing será o futuro da net (CORREIA, 2003, p. 4). O jornalismo open source é apontado por Catarina Moura (2002) como sendo aquele praticado por comunidades virtuais do tipo slashdot 31 . “Situado entre a webzine e o fórum, o slashdot representa o que muitos consideram o início da era do jornalismo open source, o que implica, desde logo, permitir que várias pessoas (que não sejam jornalistas) escrevam e, sem a castração da imparcialidade, dêem a sua opinião” (MOURA, 2002, p. 2). O Slashdot aceita que qualquer usuário da internet insira a informação que deseja colocar online, seja no formato de texto, um link ou um fragmento de página web. De acordo com a relevância, o assunto pode ser selecionado pelos editores do slashdot e inseridas no site. Apesar de se pautar pelo particular e não pelo universal, na essência continua a ser um fórum noticioso, diversificado e plural 32 (MOURA, 2002, p. 3). Sites similares ao Slashdot, 29. Conceito: entende-se por peer-to-peer a “partilha de recursos e serviços através da troca direta entre sistemas” (site oficial Peer-to-Peer Work Group, apud MOURA, 2002, p. 1) 30. Blog é o site pessoal, em que a pessoa coloca comentários, links e qualquer outra coisa de seu interesse. Ver www.labblogs.com 31. Trata-se de um site cujo conteúdo é voltado para os interesses de “nerds” tecnológicos, segundo sua auto-denominação: “News for Nerds. Stuff that Matters”. Endereço: http:/ /www.slashdot.org. 32. O Slashdot faz questão de deixar claro que não faz jornalismo, pois respeita a idéia dos jornalistas de que “jornalismo é algo que os jornalistas fazem”, segundo Rob Malda, um dos criadores do site (Apud MOURA, 2002, p. 2)..

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como o Kuro 5him (http://www.kro5him.org) e o Plastic (http:// www.plastic.com), apesar das diferenças no que diz respeito ao controle editorial, tem traços em comum: qualquer pessoa pode colocar um artigo; todos comentam os artigos; métodos de filtragem de artigos e de comentários baseiam-se em índices de leitura (CORREIA, 2002, p.4). Desse modo, a Comunicação Mediada por Computadores (CMC) representa uma ruptura no modo de produzir e difundir mensagens, bem como no modo de interagir com os outros e de receber informações. Permite a produção e a difusão descentralizada num esquema todos-todos ou de muitos-muitos, abrindo as comportas da emissão em direção ao pluralismo de idéias e à diversificação incessante de fontes. Permite uma relação não-linear com o texto e a interatividade do leitor (seja como mero receptor ou quando se transforma também em emissor ativo) com os emissores de produtos jornalísticos, com outras fontes ao redor do mundo ou com outros usuários, ensejando a possibilidade de sua interferência nos pólos da produção e da circulação de notícias. CONSIDERAÇÕES FINAIS Socialização do acesso à Internet significa a necessidade de romper as barreiras que impedem o exercício ampliado da cidadania com igualdade e liberdade. Sua efetivação contribuirá para o exercício da cidadania na sua dimensão política, por meio da ampliação das possibilidades de participação do cidadão na vida de sua cidade, do país e do mundo. Por intermédio das redes digitais pode-se mais facilmente acompanhar as políticas públicas e os programas de governo e interferir neles, discutindo, sugerindo e fiscalizando suas operações; ter acesso a oportunidades de trabalho, participar de comunidades virtuais, valer-se de serviços úteis no dia-a-dia (marcar consulta, saber dos horários de ônibus interurbanos etc.), participar de programas de ensino a distância, visitar museus e bibliotecas e assim por diante. Contribuirá, ainda, para o exercício da cidadania nas suas dimensões econômica e social, a partir do acesso aos bens materiais e serviços públicos (computadores, modens, linha telefônica, serviços de provedor etc.), embora não haja a posse (propriedade) privada dos mesmos, o que aliás mostra-se como dispensável, no caso. Como também do exercício da cidadania em sua dimensão cultural, potencializada pelo acesso à informação e ao conhecimento acumulado que a rede proporciona, além do exercício do direito de partilhar o poder de comunicar.

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