Reportagem Etnográfica

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Ibmec P2 Rayssa Novaes 1418120343 Jornalismo Etnográfico Reportagem Etnográfica Gravidez na adolescência: olhares, percepções e histórias

2016.1


Gravidez na adolescência: olhares, percepções e histórias O processo de aceitação Às três da tarde de um domingo ensolarado, ela estava na maternidade Leila Diniz, na Barra da Tijuca, para dar a luz à Agatha. O parto era normal e as lágrimas dela não eram tão normais assim. Um choro de dor, de medo, de aflição. Eram lágrimas de insegurança que hoje, três anos depois, transformaram-se em sorrisos de esperança e sonhos de uma mãe jovem que gerou uma criança. Conheci Nicole Helen Souza, de 21 anos, por meio de um amigo em comum. Marcamos a entrevista em uma praça calma no bairro onde ela reside em Vargem Pequena. Enquanto Agatha brincava no parquinho, a mãe não tirava a atenção da menina nem por um segundo. Nicole disse que estava feliz em ter lugar de fala na reportagem: “Ainda é um tabu. Muitas meninas da minha idade passaram e passam por situações piores que a minha. Mas eu vivo um dia de cada vez. Trabalho para proporcionar o melhor para mim e para minha filha. Que bom que você escolheu esse tema para abordar”, relatou a jovem. Na primeira entrevista, Nicole me contou o quanto foi difícil contar para a família que estava grávida. – Eu estava três meses com o pai da Agatha e um dia, do nada, comecei a passar mal. Inicialmente, achei que fosse apenas um mal estar. Falei para a minha mãe comprar um remédio e ela chegou em casa com um teste de gravidez. Achei que ela estava louca. Eu não cogitava essa possibilidade. Tinha apenas 18 anos e muitos sonhos para realizar. – disse a jovem. Passamos um tempo conversando sobre sonhos e Nicole me disse que até hoje sonha em fazer faculdade, ter um diploma e viajar para a Disney com a filha. Mas segundo ela, esses sonhos não passam de uma utopia. “Não sei se um dia vou conseguir realizá-los. Agora não sou eu por mim, existe uma vida que depende de mim. Sou eu por ela.”, falou.


A jovem mãe é de uma família religiosa tradicional, que abomina o sexo antes do casamento e não sabe lidar com essas situações. Isso era uma trava para Nicole. Ela estava a uma semana sentindo mal estar, com um teste de gravidez na gaveta e o peso do medo nas costas. – Era uma segunda feira e na noite anterior eu tinha sonhado com uma borboleta saindo do casulo. Acordei pensativa e decidida que faria o teste naquele dia. O mal estar continuava e falei comigo mesma: preciso saber logo a verdade. Fui fazer o teste e após ver o resultado, sentei no chão do banheiro da minha casa e comecei a chorar. Nunca chorei tanto na minha vida. – Mas como você contou para a sua família? Como sua mãe reagiu? – Perguntei-a. – Já tinha passado algumas semanas e minha mãe já estava certa de que não era uma gravidez porque não comentei mais sobre as dores que eu sentia na barriga e os enjoos. Dois dias depois que soube o resultado, estava na sala com a minha mãe. Era noite e estávamos quase indo dormir. Eu disse: mãe eu preciso falar com você sobre uma mudança que vai acontecer nas nossas vidas. Ela desconfiou que fosse a gravidez. – respondeu. Em outra ocasião, estive com Marta Maria Souza, mãe de Nicole e avó de Agatha. Nicole me convidou para conhecer a casa dela e disse que era simples as era a casa que ela passou a infância e tem boas memórias do lugar. A mãe de Nicole me recebeu com um copo de suco e pediu para que eu sentasse em um banco que estava ao lado do sofá, que só cabia duas pessoas. A televisão estava ligada em um desenho animado e em som alto. Marta pediu para Nicole desligar a TV para que pudéssemos conversar melhor. Neste momento, Agatha dormia em um quarto ao lado da sala. Nicole me perguntou sobre as funções do jornalista e curiosa, questionou sobre a faculdade, as matérias e os professores. Marta, atenta, observava a conversa e disse que quando era jovem, também sonhava em se formar em comunicação, mas precisou trabalhar desde os 12 anos e não conseguiu estudar. A mãe de Nicole tem 52 anos e trabalha como secretária do lar em uma casa de família no Leblon.


Percebi que o clima á estava descontraído e senti a hora certa para começar a entrevista. Marta perguntou sobre minha vida pessoal, se eu era filha única e se eu tinha irmãos. Respondi e aproveitei a deixa para questioná-la: Como foi quando você soube da gravidez da Nicole? – Era um dia à noite e estávamos quase indo dormir quando a Nicole disse que precisava me contar uma notícia que mudaria nossa vida. Naquele momento eu desabei em lágrimas. Como lidar com a minha filhinha sendo mãe tão nova? Como vamos sustentar essa criança? Não temos boas condições. Apesar de ter ficado chocada com a novidade, disse a minha filha que daria o apoio que ela precisasse. Não seria tão simples contar para as outras pessoas da família, porem, só quem sabe o que passávamos era Deus. – Relatou Marta. A mãe de Nicole precisou sair para resolver assuntos pessoais na rua e eu fiquei na sala conversando com Nicole. Aproveitei que a mãe dela havia saído e perguntei sobre o pai da Agatha. – Ainda bem que você não perguntou sobre ele1 na frente da minha mãe, ela não gosta dele. Estávamos juntos há três meses quando fiquei grávida. Minha mãe nunca gostou dele e eu achava que era implicância dela. Mas um tempo depois descobri que ele era envolvido com drogas e outras barbaridades. Nicole disse que ele não aceitava a situação e queria que ela fizesse um aborto. “Essa possibilidade nem existia na minha cabeça. Apesar de todas as circunstâncias, eu iria criar essa criança com o melhor que eu poderia dar.”, retrucou Nicole. A sala de aula trocada pela sala de parto Problemas com a família, solidão e aborto. Raylane Maria Fernandes tinha 16 anos quando descobriu que estava grávida. Não pensou duas vezes e foi procurar uma forma de se livrar daquele peso, daquela vida, daquele feto. Fez o processo e só foi contar para a mãe, depois que já não havia mais feto.

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Não é aconselhável citar nomes.


– Foi um choque para ela. Minha mãe e eu nunca tivemos uma boa relação. Ela exagera na bebida e desde criança, eu sou a filha da Tatiana bêbeda 2. Ela não poderia fazer nada, não me deu atenção. O que faltou em casa eu busco na rua. Raylane mora na Cidade de Deus e desde os 15 anos, frequenta bailes e festas para maiores de 18 anos. Não estive pessoalmente com ela as conversamos por skype3 e pelas redes socias. Em uma das conversas por skype, perguntei a ela se o suposto pai concordou com a decisão. Ela ficou tímida e disse – Não sei e nunca soube quem era o pai. Naquela época, eu saia com muita gente. Hoje, Raylane tem 19 anos, é mãe de duas crianças, Bruna Fernandes, de um ano e meio e Mayara Fernandes, de sete meses. Ela mora em uma casa com as duas filhas e o namorado. Raylane deixa as crianças na creche enquanto trabalha vendendo lingeries4.

– A renda da casa vem da venda das lingeries e dos bicos5 que o Natan, meu namorado faz. Às vezes ele vende doces nos ônibus, e às vezes ele ajuda em alguma construção. A gente vive como pode. A jovem relatou que a primeira gravidez, em 2014, foi complicada. Bruna nasceu prematura e com problemas respiratórios. Mas logo tudo melhorou e a bebê é saudável. Já na gravidez de Mayara, Raylane curtiu cada momento. Mesmo com as dificuldades montou o enxoval e decorou um cantinho no quarto especialmente para a chegada da segunda filha. Em uma conversa por whatsapp, perguntei se alguma vez ela sofreu preconceitos pela situação em que se encontra. – Já sofri muito por ter esse jeito. Já fui chamada de fácil, vagabunda e outros nomes pesados. Até hoje sinto que as pessoas olham para mim de um jeito 2

Forma como as pessoas fazem referencia a mãe de Raylane Chamada de vídeo 4 Peças de roupa íntima 5 Trabalho autônomo, independente 3


diferente. Como se eu fosse a pior pessoa do mundo. Uma vez estava no shopping com as meninas e o Natan, e uma moça me parou para pedir uma informação. A Mayara tinha três meses na época e estava chorando muito, pois, sentia cólica. A moça ficou olhando e disse: Coitadinha, ela usa essa roupa velha, deve estar chorando de frio. Fingi que não escutei e ia sair de perto. Mas a moça, que era bem de vida6 e aparentava ter uns 50 anos, disse em voz alta: Essas meninas fazem sexo com todo mundo, engravidam e ficam por ai sem ao menos saber cuidar de criança. Esse mundo está perdido.

Olhares da sociedade Em uma das vezes que estive com Nicole Helen, marcamos o encontro em um shopping aberto. Ela ia levar a filha para brincar na área de recreação, enquanto nós conversaríamos e aproveitaríamos os food trucks para fazermos um lanche da tarde. O encontro deu certo e Nicole aproveitou para me apresentar a prima de 14 anos que estava grávida de seis meses. Conheci a Milena, que aparentava ser uma criança, e não conseguia imaginar que uma menina de 14 anos gerava uma vida. No inicio, senti que ela estava tímida, mas depois a conversa fluiu e Milena sentia-se a vontade para contar detalhes de sua vida. – Eu comecei a ter relações sexuais com meu namorado quando eu tinha 12 anos. Estamos a quatro anos juntos e ganhamos o presente de poder criar uma criança para o mundo. Eu estou na sétima serie do ensino fundamental e vou interromper os estudos quando completar sete meses de gravidez. Na ultima vez que encontrei com Raylane Maria tive acesso a uma informação inesperada. No cenário de família problemática, além de ter uma mãe alcoólatra, ela foi abusada sexualmente pelo pai quando tinha apenas nove anos de idade. Ela me contou detalhes em um depoimento emocionado e cheio de magoas e incertezas.

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Boas condições financeiras


– Eu só tinha nove anos. Eu estudava em uma escola em período integral e quem me buscava e levava para casa era o meu padrasto. Quando eu chegava em casa, por volta das 19h da noite, minha mãe ainda não havia chegado do trabalho. Todos os dias eram assim. Eu chegava em casa e ia tomar banho enquanto meu padrasto preparava o jantar. Teve um dia que eu estava no meu quarto trocando de roupa e ele entrou e fechou a porta. Fiquei envergonhada e pedi para ele sair. Coloquei a toalha para cobrir meu corpo e comecei a chorar. Ele se aproximou de mim e começou a me tocar. Invadiu meu espaço. Tirou minha inocência dizendo frases horríveis e disse que se eu contasse para alguém, ele faria pior. Raylane me contou esse acontecimento por Whatsapp em um áudio de três minutos e meio e muitos soluços. Ela disse que hoje em dia a mãe não esta mais com o padrasto e que ele foi morar em Salvador, na Bahia. Raylane acrescentou que teve uma reação adversa a que normalmente as pessoas que passam por isso têm. Ela entrou na adolescência e, em vez de se fechar em uma bolha e não querer se relacionar com meninos, ela sentia todos os sentimentos mais intensos e se entregava para todos os homens que apareciam para ela. Raylane Maria não sente vergonha disso, pois, segundo ela, cada um deveria cuidar da própria vida: “Vergonha deveria sentir a sociedade, que te julga, te faz sentir culpada”.

Diário de campo A ideia inicial era ouvir histórias de gravidez na adolescência e acompanhar as seguintes fontes:     

Mãe e solteira antes dos 18 anos Mãe e casada antes dos 18 anos Está grávida antes dos 18 anos Mãe da personagem grávida Profissional da saúde que realiza pré-natal


Roteiro para as entrevistas Como tenho uma idade próxima a das personagens, deixei a entrevista fluir mais livremente, sem muitas perguntas prontas e contextualizadas com antecedência. Determinei os temas e perguntei de acordo com cada história.  Como foi a infância/adolescência  Relacionamento com os pais  Escola  Sonhos  Gravidez  Experiências  Dificuldades  Sociedade  Vida  Projeção

A primeira fonte entrevistada foi a Nicole Helen. Estive com ela três vezes. 12345-

Dia 8/5 em uma praça Dia 12/ 5 na casa dela Dia 25/6 em um shopping aberto Dia 12/5 com a mãe da Nicole Dia 25/6 com Milena, prima de Nicole

A segunda fonte foi Raylane Maria. Com a jovem, não tive contato pessoalmente. Foram cinco conversas pela internet, mais precisamente Skype e Whatsapp. 12345-

Dia 8/5 por skype Dia 9/5 por whatsapp Dia 12/5 por whatsapp Dia 18/5 por skype Dia 29/5 por skype


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