O Estado e a Especulação Fundiária em Favelas: Um Estudo sobre o Termo Territorial Coletivo

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O ESTADO E A ESPECULAÇÃO FUNDIÁRIA EM FAVELAS Um estudo sobre o Termo Territorial Coletivo

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Rebeca Landeiro


Monografia apresentada à Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Juiz de Fora, como requisito parcial para conclusão da disciplina Trabalho de Conclusão de Curso II. Aluna: Rebeca Landeiro dos Santos Orientadora: Paula Menezes Salles de Miranda Orientadora Suplente: Letícia Maria de Araujo Zambrano Setembro/2021

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Aos meus pais, que lutaram para que eu não precisasse lutar.

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Agradecimentos Agradeço primeiramente a Deus, por permitir que tudo isso fosse possível. Aos meus pais e familiares por toda ajuda. A Paula Miranda e Leticia Zambrano, por terem me guiado neste trabalho sempre com paciência e compreensão. A todos professores da Universidade Federal de Juiz de Fora que fizeram parte da minha formação. A todos responsáveis pelos projetos de extensão, monitorias, treinamento profissional, e estágio que participei, que ampliaram minha visão sobre a função da Arquitetura e do Urbanismo. A todos meus amigos pelo carinho e suporte durante todo o período da faculdade, estar com vocês fez tudo mais leve. Por fim, agradeço a todos aqueles que acreditaram em mim, mesmo quando nem eu acreditava.

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Cnidoscolus quercifolius, popularmente conhecida como Favela


“[...] o direito de ter direitos, ou o direito de cada indivíduo de pertencer à humanidade, deveria ser garantido pela própria humanidade.” Hannah Arendt

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Resumo Este trabalho surgiu de uma inquietação por parte da autora, sobre as questões jurídicas aplicáveis que envolvem as ocupações tidas como ilegais, no espaço urbano. Assim, ele apresenta uma análise sobre o papel do Estado frente ao processo de especulação fundiária em favelas, com foco na cidade do Rio de Janeiro. Foram usados como base para pesquisa, revisões bibliográficas referentes ao histórico das desapropriações no Brasil; aos fenômenos que envolvem a divisão espacial da cidade; e dos investimentos, obras e remoções que aconteceram na época dos preparativos para recepção dos megaeventos, no Rio de Janeiro. Com base nesses estudos observou-se que, de maneira geral, a ausência de intervenção estatal sobre as favelas e a valorização de seu entorno, geram um processo de especulação fundiária que, posteriormente, pode acarretar em suas remoções. Assim, na tentativa de mitigar as ações de remoções, é analisado o Termo Territorial Coletivo, já utilizado em vários países do mundo, ele consiste na separação da propriedade do solo das construções sobre ele, esse Termo permite que as comunidades proprietárias de terras, ao retirá-las do mercado, diminuam o processo de gentrificação e possibilitem casas acessíveis à essas e futuras gerações. Palavras-chaves: (1) Favela. (2) Remoção. (3) Especulação fundiária. (4) Disputas Urbanas. (5) Gentrificação. (6) Termo Territorial Coletivo.

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Abstract This work arises from an inquiry for part of the autor, about the applicable juridics questions that implicate the occupations considered illegal, in the urban space. Therefore, it presents an analysis about the State role in the process of land speculation in slums, focusing on the city of Rio de Janeiro. Were used as a basis for research, bibliographic reviews referring to the history of expropriations in Brazil; to the phenomena that involve the spatial division of the city; and the investments, building works and removals that took place at the time of preparations for the reception of mega events, in Rio de Janeiro. Based on these studies, it was observed that, on the whole, the absence of state intervention on the slums and the appreciation of their surroundings, generate a process of land speculation that, subsequently, may result in their removal. Thus, in an attempt to mitigate removal actions, is analyzed the Community Land Trust, already used in several countries around the world, it consists of the separation of land ownership from the buildings on it, this Term allows land-owning communities to take the lands off the market, decreasing the gentrification process and make affordable homes for these and future generations. Keywords: (1) Slum. (2) Removal. (3) Land speculation. (4) Urban disputes. (5) Gentrification. (6) Community Land Trust.

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Lista de Ilustrações Figura 1 - Morro da Providência, primeira favela do Rio de Janeiro Figura 2 - Modelo de segregação residencial na América Latina Figura 3 - Esquema do processo de remoção em favelas Figura 4 - Mapa das áreas de Planejamento do Rio de Janeiro Figura 5 - Mapa racial da cidade do Rio de Janeiro Figura 6 - Mapa das desapropriações no período 2009-2021, Rio de Janeiro Figura 7- Mapa das remoção de favelas e suas motivações, Rio de Janeiro Figura 8 - Mapa das remoções de favelas e empreendimentos do PMCMV, Rio de Janeiro Figura 9 - Mapa dos empreendimentos do PMCMV enquadrados por faixa salarial, Rio de Janeiro Figura 10 - Despesa familiar no Brasil em 2017/2018, parte 1 Figura 11 - Esquema do processo de gentrificação em áreas regularizadas Figura 12 - Entrada da Vila Autódromo Figura 13 - Destruição da Vila Autódromo Figura 14 - Paredes com dizeres dos moradores da Vila Autódromo Figura 15 - Esquema da propriedade tradicional e do Termo Territorial Coletivo Figura 16- Esquema de remoção de favelas com propriedade privada tradicional versus a permanência da favela com a junção de propriedade privada e o Termo Territorial Coletivo Figura 17 - Primeiro Termo Territorial Coletivo nos Estados Unidos da América. Na imagem superior está escrito “Novas Comunidades Associados. Pequeno mercado agrícola. Carnes e mantimentos” Figura 18 - Fazendeiros trabalhando no primeiro TTC Figura 19 - Fazendeiro e arrendatário conhecido como Boll Weevil, trabalhando no primeiro TTC Figura 20 - Stanley Harden colhendo no primeiro TTC Figura 21 - Ativistas do Movimentos dos Direitos Civis dos Estados Unidos em Israel, 1968 Figura 22 - SlaterKing, BobSwann, MarionKing, FayBennett em Israel, 1968 Figura 23 - Robert Swann e Charles Sherrod com membros da New Communities, Inc. (primeiro TTC) em reunião de planejamento, por volta de 1970 Figura 24 - Mapa dos Termos Territoriais Coletivos nos Estados Unidos da América Figura 25 - Quantidade de Termos Territoriais Coletivos existentes e em análise, por país. Figura 26 - Esquema de implementação do Termo Territorial Coletivo em uma favela Figura 27 - Relação do TTC com as leis brasileiras Figura 28 - Casas da favela Trapicheiros à esquerda e condomínio à direita, bairro Tijuca, Rio de Janeiro. Figura 29 - Casas da favela Trapicheiros à esquerda e condomínio ao fundo à direita, bairro Tijuca, Rio de Janeiro. Figura 30 - Mapa da Favela Trapicheiros e envolvimento estimado com o TTC, bairro Tijuca, Rio de Janeiro Figura 31 - Conjunto Esperança em Jacarepaguá, Rio de Janeiro. Figura 32 - Panfleto chamando os moradores da comunidade da Indiana para conversar sobre o TTC

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Lista de Abreviaturas e Siglas

IAPs SERFHA COHAB-GB USAID BNH FGTS CODESCO PROMORAR PROAP-RIO PAC MUAP PMCMV UN-Habitat ONU IBGE PT PSDB AP BRT MCMV CUEM CDRU ZEIS TTC CLT ATHIS

Institutos de Aposentadorias e Pensões Serviço Especial de Recuperação de Favelas e Habitações Anti-Higiênicas Companhia de Habitação Popular do Estado da Guanabara Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional Banco Nacional da Habitação Fundo de Garantia por Tempo de Serviço Companhia de Desenvolvimento de Comunidades Programa de Erradicação de Favelas Programa de Urbanização de Assentamentos Populares do Rio de Janeiro Programa de Aceleração do Crescimento Modalidade Urbanização de Assentamentos Precários Programa Minha Casa Minha Vida Programa das Nações Unidas para os Assentamentos Humanos Organização das Nações Unidas Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística Partido dos Trabalhadores Partido da Social Democracia Brasileira Área de Planejamento Bus Rapid Transit (Ônibus de Trânsito Rápido) Minha Casa Minha Vida Concessão de Uso Especial para Fins de Moradia Concessão do Direito Real de Uso Zonas de Especial interesse Social Termo Territorial Coletivo Community Land Trust (Termo Territorial Coletivo) Assistência Técnica para Habitação de Interesse Social

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Sumário Introdução 1 Conceituação das Favelas 1.1 Definição de favela 1.2 Análise dos aspectos que definem a favela 1.3 Histórico de remoções no Brasil 2 Estado e especulação fundiária 2.1 Os agentes da construção urbana 2.2 Favela e a ruptura da inércia estatal 2.3 Espacialização da especulação fundiária 3 A Regularização Fundiária e seus rebatimentos 3.1 A casa própria no imaginário do brasileiro 3.2 Rebatimentos da Regularização Fundiária 4 Termo Territorial Coletivo 4.1 Características do Termo Territorial Coletivo 4.2 Histórico do Termo Territorial Coletivo 4.3 Aplicabilidade do Termo Territorial Coletivo no Brasil Considerações Finais Referências Bibliográficas

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Introdução No Brasil um dos grandes problemas que as favelas enfrentam é a insegurança sobre a terra, a falta de posse e as disputas exacerbadas sobre o solo urbano, geram segregação social, espacial e acarretam na precarização ou inexistência do acesso a outros diversos direitos. No Rio de Janeiro, essas disputas ficam mais evidentes ao se analisar o processo de remoção de favelas nas áreas urbanas mais valorizadas. Na atual economia capitalista o solo é entendido como mercadoria, ou seja, possui valor de uso e de troca. Esse valor é pleiteado pelos agentes do ramo imobiliário, o que faz das favelas áreas de interesse. E a ausência Estatal em se posicionar sobre os terrenos favelados só auxilia no processo de especulação que na maioria das vezes gera a remoção dessa população. O presente trabalho busca fazer uma análise sobre o papel do Estado frente ao processo de especulação fundiária em favelas. Para isso são feitas análises sobre o histórico de intervenções em favelas, dos agentes e suas atribuições diante desse processo e uma análise do caso do Rio de Janeiro na preparação para os megaeventos sediados pela cidade na década de 2010. Dentre as formas de mitigação das problemáticas que envolvem as remoções, foi estudado o Termo Territorial Coletivo, e as possibilidades de sua aplicação em território nacional. Para atingir esses objetivos, o trabalho fez uso de revisões e análises bibliográficas que abordam temas como a segregação social e espacial na cidade, o processo de especulação fundiária e o acesso a direitos pelos moradores de favelas.

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Dessa forma o trabalho se divide em quatro capítulos. O primeiro apresenta a construção do significado de favela e seus atributos por meio da pesquisa bibliográfica de HARVEY (1980), MARICATO (1996, 2001, 2015), UN-HABITAT (2003), Valladares (2005) e do IBGE (2020), além de um histórico de formação urbana relacionado às favelas, por meio, principalmente, de VALLADARES (1978), VAZ (1994) e BLANCO JR. (2006). O segundo capítulo apresenta um estudo sobre os agentes da construção urbana, suas relações com o Estado, análise da localização das favelas no espaço urbano e a relação e influência estatal frente às remoções de favelas. Para isso foi revisado, principalmente, a literatura de HARVEY (1982), CORRÊA (1989), MARICATO (1997, 2000, 2003, 2015) e da ROLNIK (2017). E os processos que envolveram as remoções de favelas e as grandes obras urbanas na década de 2010, no Rio de Janeiro, através da bibliografia do COMITÊ POPULAR DA COPA E DAS OLIMPÍADAS DO RIO DE JANEIRO (2011) e de FAULHABER e AZEVEDO (2015). O terceiro capítulo apresenta uma análise sobre o imaginário da casa própria pelos brasileiros e os malefícios e possíveis benefícios que a não propriedade da terra o de acarretar para as pessoas de baixa renda, e os deveres do Estado frente a situação fundiária e habitacional. Para isso foi revisado, principalmente, as legislações brasileiras, e a literatura de IBGE (2020), MARICATO (1996) e BECKER (2016). No último capítulo, é apresentado o Termo Territorial Coletivo como ferramenta que estabelece a separação judicial do solo e da sua superfície e gestão comunitária como forma de mitigar as remoções e garantir moradias para essas e futuras gerações. Para isso foi revisado, principalmente, as legislações brasileiras, e a literatura de DAVIS (2017, 2020), NATIONAL CLT NETWORK (2012), RIBEIRO (2020), ANTÃO e RIBEIRO (2019), RIBEIRO; MAYRINK (2018) e SOTTO (2017).

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1 Conceituação das Favelas O solo na economia capitalista atual é entendido como mercadoria, assim ele tem valor de uso e de troca1. Ele é a matéria básica para qualquer construção, e seu potencial está diretamente ligado à sua localização. Esse capítulo discorre sobre as definições de favelas, sobre a matéria base da construção, o solo, como ele se relaciona com as favelas e um histórico de como se deram as intervenções em favelas no decorrer do tempo. 1. Valores de uso e de troca, pela visão de Marx, onde “o valor de uso se efetiva apenas no uso ou no consumo” assim formando “ o conteúdo material da riqueza” e o valor de troca é a “proporção na qual valores de uso de um tipo são trocados por valores de uso de outro tipo” (MARX, 2013, p.114).

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1.1 Definição de Favela Em 2003 o Programa das Nações Unidas para os Assentamentos Humanos (UN-Habitat) vinculado à Organização das Nações Unidas (ONU) realizou um relatório sobre os assentamentos humanos no mundo chamado Os Desafios das Favelas. A ausência de uma definição comum quanto aos slums (as favelas brasileiras são um tipo de slum), resulta numa escassez de monitoramentos, pesquisas e censos que incorporem essa área (UN-HABITAT, 2003). Em termos globais, as definições usadas pelos governos e instituições estabelecem que os slums são assentamentos com falta de serviços básicos, superlotação, ocupações informais ou irregulares, insegurança quando a posse da terra, construções com padrões inadequados e dimensões mínimas, condições insalubres e perigosas, pobreza e exclusão social. No Rio de Janeiro, os chamados aglomerados subnormais são caracterizados como áreas residenciais, que comportam mais de 50 habitantes, ocupadas sem autorização legal, sem infraestrutura e serviços básicos e com habitações precárias ou ausentes de acabamentos. São identificados quatro tipos de slum no Rio de Janeiro, a tipologia favela é definida como áreas residenciais consolidadas, fruto da autoconstrução em terrenos, públicos e privados, invadidos e sem infraestrutura (UNHABITAT, 2003). O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) adota a terminologia de Aglomerados Subnormais para se referir à formas de ocupações irregulares de propriedades alheias, sejam elas públicas ou privadas, com uso habitacional em áreas urbanas. Entre as características gerais estão, a carência de serviços públicos essenciais, o padrão urbanístico irregular, e a localização em áreas com restrições ocupacionais (IBGE, 2020). Em 2019 o IBGE realizou um Mapeamento Preliminar dos Aglomerados Subnormais2. “Foram identificados 13 151 aglomerados subnormais em 734 municípios (13,2% dos municípios), em todos os Estados e no Distrito Federal, e totalizam 5 127 747 domicílios (7,8% do total nacional)” (IBGE, 2020, online).

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2. Mapeamento realizado como preparação para a operação do Censo Demográfico 2020, adiado para 2021. A estimativa de domicílios ocupados tem como ponto de partida os dados do Censo Demográfico de 2010.


Os municípios de São Paulo (529.921 domicílios ocupados em aglomerados subnormais - 12,9%) e Rio de Janeiro (453.571 domicílios ocupados em aglomerados subnormais - 19,3%) apresentam os maiores números absolutos de domicílios em aglomerados subnormais. (IBGE, 2020, online).

Para Valladares (2005) existe uma série de características comumente usadas, por grande parte dos pesquisadores, como “fatos” ou “dogmas” na descrição de favelas. O primeiro é a especificidade da favela, seja pela forma de ocupação do espaço urbano, modelos e padrões arquitetônicos, legalidade da terra, indicadores demográficos ou questões culturais. O segundo é a associação direta de favela à pobreza. E o terceiro é o entendimento de todas as favelas como uma unidade, sem considerar suas particularidades. Silva (2011) corrobora com Valladares quando diz que: A valorização de pretensas ausências e de uma aparente homogeneidade, assim como a ênfase na paisagem como elemento definidor daquele tipo de território popular, tem como pressuposto fundamental, que se desdobra em pelo menos duas formas de perceber os moradores das favelas e suas práticas sociais. São evidências sociocêntricas da premissa que sustenta o olhar dirigido ao espaço favelado. O sociocentrismo se materializa quando, a partir dos padrões de vida, valores e crenças de um determinado grupo social, consolida-se um conjunto de comparações com outros grupos, situados, em geral, em condições de inferioridade. Os discursos estabelecidos em relação aos espaços populares seguem esse padrão. Eles são definidos por suas ausências, devido ao fato de não serem reconhecidos como espaços legítimos. (Silva, 2011, p.215- 216).

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1.2 Análise dos aspectos que definem a favela Outro aspecto importante a ser entendido para compreensão do espaço urbano é o solo. Na economia capitalista contemporânea ele é entendido como mercadoria, ou seja, tem valor de uso e valor de troca. Para Harvey (1980) o solo, devido às suas peculiaridades, ainda é uma mercadoria especial. Ele tem localização fixa, o que impossibilita seu transporte e confere privilégio de monopólio ao seu proprietário. Ele também é mercadoria indispensável para qualquer tipo de uso, seja ele residencial, comercial ou industrial; sua frequência de circulação da posse da propriedade é baixa, e bem inferior a sua frequência de uso. Sua propriedade é permanente, não necessita muita, ou nenhuma, manutenção e gera valor ao que nele está inserido. Além disso, ele possui um valor de uso específico e significativo para seus ocupantes, independente da sua utilização no dado momento (HARVEY, 1980).

[...] a segregação tem um dinamismo onde uma determinada área social é habitada durante um período de tempo por um grupo social e, a partir de um dado momento, por outro grupo de status inferior ou, em alguns casos, superior, através do processo de renovação urbana. (CORRÊA, 1989, p. 70). As áreas ambientalmente frágeis - beiras de córregos, rios e reservatórios, encostas íngremes mangues, áreas alagáveis, fundos de vale - , que, por essa condição, merecem legislação específica e não interessam ao mercado legal, são as que “sobram” para a moradia de grande parte da população. (MARICATO, 2015, p. 82).

Pelo fato do solo ser mercadoria, sua distribuição espacial é feita, na maioria das vezes, como base nas diferentes classes sociais, o que gera a segregação residencial. Essa segregação é fruto do controle do mercado de terras que acontece pela classe dominante e seus agentes3, que segregam, com dois intuitos principais, o de manutenção dos seus privilégios e o de controle social da classe operária (CORRÊA, 1989). 3. Os agentes controladores do mercado de terras serão melhor analisados no capítulo 2 deste trabalho.

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Esse controle está diretamente vinculado à necessidade de manter grupos sociais desempenhando papéis que lhe são destinados dentro da divisão social do trabalho, papéis que implicam em relações antagônicas de classe, papéis impostos pela classe dominante que precisa controlar um grande segmento da sociedade, não apenas no presente mas também no futuro pois se torna necessário que se reproduzam as relações sociais de produção. (CORRÊA, 1989, p. 64).

À maioria dos trabalhadores não lhes é possibilitada condições salariais de arcar com os elevados custos de aquisição de um imóvel ou de seu aluguel, e os programas habitacionais não conseguem suprir essa demanda. Desse modo, a ocupação de terrenos e edifícios vazios surge como única alternativa de moradia (BOULOS, 2012). A favela resulta, sobretudo, da exploração da força de trabalho em uma sociedade estratificada, onde as desigualdades tendem a se perpetuar e o processo de acumulação de capital é cada vez mais determinado pelo seu valor, e onde o controle do espaço urbano é exercido pelas ou em nome das camadas dominantes. (VALLADARES, 1978, p.44).

Numa análise da reprodução ampliada da força de trabalho, percebe-se que ela não está vinculada somente ao salário. Ela também é dependente de políticas públicas, essas são assim como uma espécie de “salário indireto”. No contexto da urbanização essas políticas envolvem transporte público, infraestrutura, equipamentos urbanos e sociais (MARICATO, 2015).

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Para Maricato, o cerne dos problemas encontrados nas favelas é a questão legal da propriedade da terra. A ilegalidade fundiária é o principal agente da segregação ambiental que leva à exclusão social. A segregação ambiental é observada na dificuldade de acesso a serviços básicos e infraestrutura; como transporte, saneamento, drenagem, saúde, educação e creches. Já a exclusão social é caracterizada por indicadores de ilegalidade, pobreza, baixa escolaridade, raça, sexo, origem e ausência de cidadania. A qualidade da moradia, muitas vezes, também é consequência da ilegalidade da ocupação do solo, devido ao constante risco de despejo (MARICATO, 1996, 2001).

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1.3 Histórico de remoções no Brasil Um dos primeiros processos de desapropriação brasileiro foi ordenado pela família real portuguesa. Em 1808, fugindo das tropas napoleônicas que invadiram Portugal, a corte foi transferida para o Brasil as presas. Por meio de um sistema de aposentadoria, os nobres podiam requisitar imóveis, mesmo esses já estando ocupados. As melhores casas foram escolhidas e marcadas com as iniciais P. R. (Príncipe Regente) que a população apelidou de “Ponha-se na Rua” (MACEDO, 2005). Não houve habitantes da cidade do Rio de Janeiro que dormisse tranqüilo na sua casa própria, e que acordasse com a certeza de anoitecer debaixo do mesmo teto. Quanto mais bela e vasta era uma casa, mais exposta ficava ao quero absoluto dos privilegiados. (MACEDO, 2005, p.41).

Em 1888 é declarada a abolição da escravidão, mas o Estado não investe em nenhum tipo de auxilio empregatício ou de posse de terras para os negros recém libertos. Em 1889 ocorre a Proclamação da República e o Brasil passa a investir fortemente em infraestrutura e melhorias urbanas, os centros passam a ser foco dessas ações e a população de baixa renda que morava nos centros passam a representar uma ameaça a essa nova cidade em construção (BLANCO JR., 2006). Ainda no século XIX, no Rio de Janeiro, os cortiços começam a ser ameaçados de extinção. Os cortiços eram na sua maioria casarões subdivididos em vários cômodos que abrigavam, por meio do aluguel, inúmeras famílias. A superlotação juntamente com a baixa infraestrutura e consequentemente, higiene, auxiliava na proliferação de epidemias como a da cólera, varíola e febre amarela recorrentes na cidade. As legislações, então, começaram a proibir a construção de novos cortiços e a restringir a atuação dos existentes (VAZ, 1994).

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A proibição de construção de cortiços na área central provocou o desaparecimento de muitos, aprisionados num impasse. Os cortiços eram fechados e multados pelos serviços de higiene, que impunham a seus proprietários a obrigação de realizar melhoramentos de caráter sanitário para reabrir o estabelecimento. No entanto, eram proibidos de realizar estas obras pelo órgão municipal de licenciamento de construções. (VAZ, 1994, p.585).

O então prefeito Barata Ribeiro (1892-1893) iniciou o processo de remoção massiva dos cortiços, dentre eles estava o cortiço Cabeça de Porco onde viviam mais de 2.000 pessoas (FINEP/GAP, 1985:27 apud BLANCO JR., 2006). Com a remoção dos cortiços, surge uma gama de terrenos com potenciais construtivos que não mais atenderam os antigos moradores. Essa população começou a buscar alternativas de moradia, alguns se mudaram para os subúrbios, distantes do centro urbano e outros deram origem ao que conhecemos hoje como favela, através da ocupação e autoconstrução em morros próximos à centralidade (VAZ, 1994). Outros fatores contribuíram para a formação das favelas no Rio de Janeiro, como o alojamento de soldados, após a Revolta da Armada (1893-1894), que por permissão do Governo se estabeleceram no morro de Santo Antônio, e as tropas que regressaram da Guerra de Canudos (1896-1897) ocupando o morro próximo ao quartel general do Exército (BLANCO JR., 2006). Já nos primeiros anos do século XX, as ocupações dos morros cariocas, em especial o Morro da Favella, eram notícia dos principais jornais, que alertavam para o aumento do número de moradias nesses locais e denunciavam o surgimento de novas ocupações nos morros da capital federal. (BLANCO JR, 2006, p.13).

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Figura 1 - Morro da Providência, primeira favela do Rio de Janeiro Fonte: Agencia O GLOBO de 1966, 2017

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O Rio de Janeiro então passa por uma série de reformas urbanas coordenadas pelo prefeito Pereira Passos (1902-1906) que resultaram no alargamento de ruas, construção de avenidas e a criação do porto. Essas reformas destruíram os cortiços que ainda restavam e assim expulsaram os moradores de baixa renda do centro do distrito (BLANCO JR, 2006). Entretanto, o alvo principal dessas intervenções eram os cortiços da região central e a finalidade era expulsar essa parcela da população dessas áreas. As obras realizadas não foram acompanhadas nem da construção de novas moradias nem de nenhum tipo de assistência, levando os desabrigados para a periferia distante ou para os morros das regiões central e norte, onde surgiam cada dia mais favelas. (BLANCO JR., 2006, p.14).

Em 1927 um plano de reestruturação urbana foi encomendado pelo prefeito Antônio Prado Júnior (1926-1930), e elaborado (1928-1930) por uma equipe dirigida pelo arquiteto francês Alfred Agache. O “Plano de Extensão, Remodelação e Embelezamento da Cidade do Rio de Janeiro” conhecido como “Plano Agache” previa a extinção de favelas e transferência de seus moradores para habitações coletivas nos subúrbios. O Plano apesar de aprovado, não foi implantado devido, majoritariamente, à instauração do regime autoritário populista, na Revolução de 1930 (FINEP/GAP, 1985:41; SOUZA E SILVA & BARBOSA, 2005:33 apud BLANCO JR., 2006). A sua lepra suja a vizinhança das praias e os bairros mais graciosamente dotados pela natureza, despe os morros do seu enfeite verdejante e corroe até as margens da matta na encosta das serras. E’ inutil tratar de supprimir este contagio antes de ter edificado habitações adequadas para agasalhar os infelizes que povoam as favellas e que se fossem simplesmente expulsos, se installariam alhures nas mesmas condicões. 4 (AGACHE, 1930, p.190).

4. Citação direta, a escrita respeitava a ortografia usada em 1930.

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[...] a restrição ao voto do analfabeto inibe qualquer tipo de participação da grande maioria dos moradores das favelas na competição eleitoral ao longo da República Velha. Tal situação pouco se altera no período de Vargas, cuja política social, como se sabe, confere exclusividade àqueles com ocupação formal no mercado de trabalho e portadores de carteira profissional [...] Não por acaso, a única política habitacional então existente para a população de baixa renda, organizada em 1933, beneficiava exclusivamente empregados de ramos de atividades cobertas pelos Institutos de Aposentadorias e Pensões (IAPs). A restrição ao direito de voto dos analfabetos e aos direitos sociais dos que estavam fora do mercado de trabalho formal explica a invisibilidade política das favelas até então. (BURGOS, 2004, p.27).

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O Código de Obras de 1937 , da cidade do Rio de Janeiro (Decreto no 6.000/1937) definiu o zoneamento e as normas de construção seguindo, em muitos aspectos, as sugestões do Plano Agache. No que diz respeito às favelas, as normas permitiam a remoção e reassentamento das famílias em moradias permanentes (RODRIGUES, 2020). Para as favelas, o Código de Obras estabeleceu um regulamento à parte que previa intervenção estatal no mercado de terras, ainda que marginal. Dois artigos deste código merecem destaque, pois definiram a formação de “núcleos de habitações de tipo mínimo” (Artigo 347) e a “extinção das habitações anti-higiênicas – Seção II - Favelas” (Artigo 349). Esses dois artigos eram complementares e tratavam da proibição tanto de novas favelas como da ampliação daquelas já existentes (Artigo 349), assim como da transformação das favelas em áreas especiais quanto ao padrão de urbanização e à propriedade fundiária (Artigo 347). (RODRIGUES, 2020, p. 6).

Juntamente com as problemáticas urbanas e habitacionais, o modo de vida dessa população também era visto como um empecilho. O Relatório Moura (1940), que visava estudar soluções para o “problema” da favela, tem em uma das suas ações preventivas sugeridas: “promover forte campanha de reeducação social entre os moradores das favelas, de modo a corrigir hábitos pessoais de uns e incentivar a escolha de melhor moradia” (VALLA, 1985). O conceito de reeducar a população de baixa renda, vem desde a época dos cortiços, a promiscuidade foi inclusive um dos argumentos usados para as desapropriações. A ideia de animalização dessa população é claramente observada no livro O cortiço (1890)5 de Aluísio Azevedo:

5. A obra está inserida no movimento de naturalismo, que visa mostrar a realidade do indivíduo e como ele é influenciado pelas forças sociais e naturais. Assim, o ambiente físico, por exemplo, também influencia o homem.

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E viu o Firmo e o Jerônimo atassalharem-se, como dois cães que disputam uma cadela da rua; e viu o Miranda, lá defronte, subalterno ao lado da esposa infiel, que se divertia a fazê-lo dançar a seus pés seguro pelos chifres; e viu o Domingos, que fora da venda, furtando horas ao sono, depois de um trabalho de burro, e perdendo o seu emprego e as economias ajuntadas com sacrifício, só para ter um instante de luxúria entre as pernas de uma desgraçadinha irresponsável e tola; e tornou a ver o Bruno a soluçar pela mulher; e outros ferreiros e hortelões, e cavouqueiros, e trabalhadores de toda a espécie, um exército de bestas sensuais, cujos segredos ela possuía, cujas íntimas correspondências escrevera dia a dia, cujos corações conhecia como as palmas das mãos, porque a sua escrivaninha era um pequeno confessionário, onde toda a salsugem e todas as fezes daquela praia de despejo foram arremessadas espumantes de dor e aljofradas de lágrimas. (AZEVEDO, 2019, p.144).

Em 1942, o Dr. Moura, o mesmo que apresentou ao governo o plano de estudo e soluções para as favelas, anunciou a ocupação de casas populares, com capacidade para mais de 300 mil pessoas. A primeira favela removida foi a do Largo da Memória - parte da Praia do Pinto6 (VALLA, 1985). Essas soluções ficaram conhecidas como os Parques Proletários Provisórios, eles serviram ao propósito de viabilizar as remoções. O programa visava à transferência de moradores de favelas para alojamentos provisórios, onde receberiam assistência social, enquanto suas habitações definitivas eram viabilizadas (LEEDS e LEEDS, 1978 apud RODRIGUES, 2020). O desenho do programa tinha a mesma lógica do Plano Agache, contava com a etapa provisória, e previa-se a desapropriação de terrenos ocupados por favelas para sua urbanização ou a utilização de terrenos estatais para a construção de habitações (MOURA, 1940, p. 8 apud RODRIGUES, 2020).

6. Localizada nos bairros Leblon e Lagoa, na cidade do Rio de Janeiro.

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Neste sentido, as políticas governamentais para as favelas, embora mantivessem o espírito original do Plano Agache, ao prever duas etapas para a solução do problema (provisória e definitiva), na prática, assim como permitido pelo código de obras, criavam (ou ajudava a criar) assentamentos definitivos nos subúrbios com padrões de urbanização muito semelhantes às favelas. O que não estava previsto na norma é que estes assentamentos permaneceriam distantes do controle urbanístico governamental e que, a partir de determinado momento não seria sequer lembrado que fizeram parte de um programa governamental. (RODRIGUES, 2020, p. 10-11).

Valladares corrobora com Rodrigues quando diz que:

Em 1941-1943, a Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro, então entregue a Henrique Dodsworth, elaborou um projeto de higienização das favelas. O objetivo era transferir suas populações para alojamentos temporários, enquanto se construíam nos locais das favelas as casas definitivas, de alvenaria. Foram então destruídas quatro favelas, sendo 8.000 pessoas transferidas para os Parques Proletários, em números de de três (da Gávea, do Caju e da Praia do Pinto). O programa não ultrapassou a construção dos três parques, e assim mesmo a idéia original de voltar ao terreno anteriormente ocupado pela favela não chegou a se concretizar. Anos mais tarde, esses Parques Proletários passaram a ser considerados favelas. (VALLADARES, 1978, p. 22-23).

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Nesse cenário entram em cena dois agentes transformadores da igreja Católica, a Fundação Leão XIII (1947) e a Cruzada São Sebastião (1955). A Fundação Leão XIII trabalhou no auxílio à implantação de serviços básicos e infraestrutura. E a Cruzada São Sebastião trabalhou com melhorias dos serviços básicos, infraestrutura, urbanização, e interferiu em processos de despejo de três favelas (VALLADARES, 1978). Em 1956 o governo instituiu o Serviço Especial de Recuperação de Favelas e Habitações Anti-Higiênicas (SERFHA), esse serviço funcionou apoiando iniciativas da Fundação Leão XIII e da Cruzada São Sebastião, por conta da falta de recursos. (VALLA, 1985) Em 1960 sofreu uma restauração e se tornou o primeiro serviço oficial a trabalhar com urbanização de favelas (VALLADARES, 1978). Com a posse de Carlos Lacerda (1960-1965) para o governo de Guanabara foi criado um programa de remoção com o objetivo de eliminar as favelas e transferir seus moradores para conjuntos habitacionais. Foi criada em 1962, a Companhia de Habitação Popular do Estado da Guanabara (COHAB-GB) que contava com verbas da Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID)7 (VALLADARES, 1978).

7. United States Agency for International Development.

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Estes conjuntos, diante principalmente da falta de infra-estrutura e de legalização do espaço, ao longo dos anos seguintes, foram ampliados e se transformaram em grandes grupos de favelas, com arruamento irregular, serviços públicos precários e instalação de poder paralelo por traficantes de drogas e grupos policiais. (FERNANDES e COSTA, 2009, p. 57).

Em 1964 foi criado o Banco Nacional da Habitação (BNH) com a finalidade de financiar construções de habitações. Entretanto, somente em 1967, quando passou a receber recursos do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), ele retornou com a COHAB e acelerou o processo de construções de conjuntos habitacionais. Em contrapartida aos direcionamentos da COHAB, a administração do então governador, Negrão de Lima (1965-1971) criou, em 1968, a Companhia de Desenvolvimento de Comunidades (CODESCO) que visava a urbanização de favelas. No mesmo ano, 1968, o governo federal criou a Coordenação de Habitação de Interesse Social da Área Metropolitana (CHISAM), que era ligada ao BNH e tinha como finalidade acabar com as favelas do Rio de Janeiro. A COHAB (1962-1975) e a CHISAM (1968-1973) foram instituições fortemente responsáveis pelo programa de remoções nas favelas do Rio de Janeiro (VALLADARES, 1978). Entretanto para Burgos (2004), essa urbanização ao invés de fortalecer as lideranças e os moradores das favelas, criou, em suma, uma dependência política e dinâmica clientelista: A desfiguração do favelado como ator político era, como se viu, um dos objetivos presentes no “remocionismo” 8, e seu relativo sucesso deixa um vazio político. Nesse vazio, duas lógicas distintas porém complementares se vão impondo: de um lado, o ressentimento gerado pelo “remocionismo” terrorista tende a distanciar a vida social das favelas e dos conjuntos habitacionais da vida política da cidade, tornando carente de legitimidade o poder público e suas instituições, aí incluídas as associações de moradores, em muitos lugares confundidas com o Estado; de outro lado, desenvolve-se uma dinâmica clientelista, resultante de uma acomodação pragmática dos excluídos às oportunidades existentes num contexto constrangido pelo autoritarismo. (BURGOS, 2004, p.39). 8. O “remocionismo” segundo o autor, objetivava desocupar áreas de grande valor imobiliário e desmantelar sua organização política.

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Na década de 1970, com o enfraquecimento do governo militar, as ações de remoção começaram a perder força, e a ideia de urbanização de favelas voltou a aparecer como solução. Nesse cenário, em 1979 foi criado o Programa de Erradicação de Favelas (PROMORAR) que tinha como intuito viabilizar a urbanização em habitações precárias. O Rio de Janeiro abrigou a ação piloto desse programa, chamado Projeto Rio. No mesmo período, o prefeito Israel Klabin (1979-1983) e sua administração elaboraram um documento referente, também, a ações de urbanização em favelas (SILVA, 2010). Em 1983, com a retomada das eleições para o governo do Rio de Janeiro, entra no poder Leonel Brizola (1983-1987). Suas políticas envolveram implantação de redes de energia elétrica pública, coleta de lixo, abordagens policiais com respeito à população e a regularização fundiária, que foi realizada pelo programa “Cada Família, um Lote” (BRUM, 2006). Em 1992 foi publicada a lei do Plano Decenal da Cidade do Rio de Janeiro, que estabeleceu normas para as políticas urbanas. Os seus artigos 44, 67, 129, 138, 149 e 150 tratam da não remoção de favelas, integração das mesma no planejamento das cidades, ampliação do sistema de coleta de resíduos sólidos, implantação do sistema de esgoto e drenagem, pavimentação de logradouros, urbanização, regularização fundiária e permanência dos moradores nas favelas beneficiadas e inclusão delas nos processos de planejamentos da cidade, constando em mapas, cadastros, legislações, etc. (RIO DE JANEIRO, 1992). Seguindo as premissas do Plano Diretor Decenal, em 1994 foi lançado, pelo poder público municipal, o programa FavelaBairro com a finalidade de integrar as favelas com o resto da cidade. O programa buscou produzir equipamentos coletivos, espaços de uso comunitários e infraestrutura urbana nas favelas (BRASILEIRO, DUARTE, 2015).

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O Decreto Nº 14.332 de novembro de 1995, criou o Programa de Urbanização de Assentamentos Populares do Rio de Janeiro (PROAP-RIO). Segundo seu art. 2, o PROAP-RIO é composto por dois programas: o programa Favela-Bairro, que “objetiva complementar ou construir a estrutura urbana principal (saneamento e democratização de acessos) e oferecer condições ambientais de Leitura da favela como bairro da cidade” e pelo programa Regularização de Loteamentos, que “objetiva proceder à regularização urbanística e fundiária e complementar ou construir a infra-estrutura para alcançar padrões de salubridade e de desenvolvimento sustentável nos loteamentos irregulares de baixa renda” (RIO DE JANEIRO, 1995, online). O artigo 25 do Decreto discorre que: Para cada favela, será elaborado um projeto de urbanização, o qual será amplamente discutido com os membros da comunidade. Em seguida, serão realizadas obras de infra-estrutura básica e implantados serviços públicos requeridos para a transformação das favelas em bairros. (RIO DE JANEIRO, 1995, online).

Em 2007, sob o segundo mandato do presidente Lula (2007-2010) foi criado o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) com o objetivo de estimular o crescimento econômico nacional (PETRAROLLI, 2015). Os instrumentos adotados para pôr esse objetivo em prática foram: elevação significativa do investimento público em infraestrutura; incentivo ao investimento privado no país através de medidas fiscais, institucionais e legais; elevação de concessões de créditos bancários; e redução da taxa de juros, entre outras mudanças importantes para melhorar o chamado ambiente de investimento. (PETRAROLLI, 2015, p. 23). Já na primeira fase do programa foi criada uma modalidade específica, voltada para intervenção em favelas, chamada “Modalidade Urbanização de Assentamentos Precários” (MUAP). No PAC1 a MUAP inseria-se no eixo Infraestrutura Social e Urbana e no PAC2 passou a fazer parte do eixo Minha Casa Minha Vida. (PETRAROLLI, 2015, p. 25).

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O Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV) foi um programa econômico, criado em 2009, como um mecanismo para enfrentar a crise da “bolha” imobiliária americana 9, que nessa época começou a impactar a economia mundial. (AMORE, 2015) “Na área urbana o programa é dividido em três faixas: a primeira para a população que ganha até 3 salários mínimos, a segunda de 3 até 6 salários e a última faixa para quem ganha de 6-10 salários mínimos.” (SARDINHA, 2013, p. 30). Muitas são as problemáticas enfrentadas pelos beneficiários da faixa 1 do PMCMV, no que diz respeito ao urbano existe o distanciamento desses empreendimentos dos centros urbanos, e muitas vezes até nas municipalidades (RUFINO, 2015). Para muitas dessas famílias, o Programa apareceu como esperança de estabilidade, proporcionada em grande medida pela propriedade privada. Ao mesmo tempo, os novos custos de vida, a formalidade, a distância em relação ao emprego e a “desterritorialidade” levam a uma situação de risco de não permanência que tende a conduzir as famílias a um novo ciclo de nomadismo urbano involuntário. (RUFINO, 2015, p. 70). [...] Embora o déficit habitacional seja significativamente concentrado nos municípios polos, a produção do Programa na Faixa 1 foi mais expressiva nos municípios periféricos. Uma exceção a essa tendência foi encontrada no município do Rio de Janeiro, que concentrou parte importante da produção de sua região metropolitana no município núcleo. [...] Pode-se dizer que o Programa tem reforçado a lógica de conurbação, por conta da crescente aceitação da metropolização do déficit, com a implementação de empreendimentos nos municípios mais distantes do núcleo, assegurando maiores ganhos ao setor privado pela apropriação de terras mais baratas e submetendo as famílias de menor renda a morar em regiões mais distantes dos empregos, comércio, serviços, equipamentos públicos e a se deslocarem cotidianamente por longos períodos e longas distâncias. (RUFINO, 2015, p. 59-60).

9. Crise dos subprimes.

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Em 2009, foi eleito para a prefeitura do Rio de Janeiro, Eduardo Paes (2009-2017). Nesse período o Brasil e o Rio de Janeiro, principalmente, estavam se preparando para a realização dos megaeventos 10 da Copa do Mundo de Futebol (2014) e dos Jogos Olímpicos (2016). O Comitê Popular da Copa e das Olimpíadas do Rio de Janeiro discorre sobre a situação da população de baixa renda nesse cenário: [...] o que estamos assistindo no Rio de Janeiro é a transferência de patrimônio público e de ativos (posse) das famílias de baixa renda para projetos de interesse de alguns setores econômicos privados. As remoções de famílias se caracterizam por promover processos de espoliação urbana nos quais os imóveis em posse das classes populares são adquiridos por outros agentes sociais econômicos a preços aviltados, e através de processos de revitalização ou reurbanização, transformados em novos ativos nos circuitos de valorização econômica, permitindo altos ganhos de capital, na forma de mais valia fundiária e/ou das novas atividades econômicas as quais vão dar lugar. (COMITÊ POPULAR DA COPA E DAS OLIMPÍADAS DO RIO DE JANEIRO, 2011, p.9).

10. Esse assunto será melhor abordado no Capítulo 2.

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2 Estado e especulação fundiária A disputa pelo solo urbano acontece por meio da ação de diversos agentes, quando o Estado privilegia o interesse de agentes da camada de classe mais alta, o resultado é a especulação fundiária que no caso das favelas pode levar a suas remoções. Esse capítulo discorre sobre os agentes da construção urbana, suas formas de agir e suas relações com o Estado frente às remoções de favelas.

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2.1 Os agentes da construção urbana No ambiente urbano muitos são os agentes e razões envolvidas no processo de construção do espaço. De maneira geral, existem os que procuram a apropriação de renda (proprietários de terras, empresas imobiliárias, intermediários financeiros e investidores), os que buscam os juros e lucros (interesses na construção), os que visam a produção e acumulação de capital de forma geral e a força de trabalho que usa do ambiente construído como meio de consumo e de sobrevivência (HARVEY, 1982). Esses agentes podem ser divididos em cinco grupos; “os proprietários do meio de produção, sobretudo os grandes industriais; os proprietários fundiários; os promotores imobiliários; o Estado; e os grupos sociais excluídos.” (CORRÊA, 1989, p. 12). Na cidade, entendida como esse grande mercado, ao capital em geral, lhes interessa o valor de troca urbano, ou seja, a produção de lucros, juros e rendas. Já a classe operária usa da cidade seu valor de uso, ou seja, moradia, serviços e infraestrutura pública. Dentre esses agentes existem também uma disputa interna pelo poder de construção do espaço, a depender do espaço tempo, os agente que visam valor de uso do espaço, podem não ter o mesmo objetivo, como no caso de vilas operárias que foram benéficas para o capital industrial, mas nem tanto para o capital imobiliário. Entre os agentes que usufruem do valor de uso da cidade, a divergência de interesses pode acontecer entre pequenos proprietários de imóveis e os moradores de favelas, por exemplo (MARICATO, 2015). De maneira geral podemos dizer que os proprietários dos meios de produção, indústrias e empresas comerciais, se valem dos terrenos grandes e de baixo custo para comportar as dimensões físicas necessárias de seus empreendimentos. Para esses empreendedores a especulação fundiária que aumenta o valor do terreno vai consequentemente aumentar o capital necessário para expansões e ocasionar uma média salarial mais elevada na região. Dessa forma, para esses tipos de empreendimentos, a especulação fundiária não se mostra benéfica (CORRÊA, 1989). Nas grandes cidades onde a atividade fabril é expressiva, a ação espacial dos proprietários industriais leva à criação de amplas áreas fabris em setores distintos das áreas residenciais nobres onde mora a elite, porém próximos às áreas proletárias. Deste modo a ação deles modela a cidade, produzindo seu próprio espaço e interferindo decisivamente na localização de outros usos da terra. (CORRÊA, 1989, p.15).

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No caso dos proprietários de terra, a especulação fundiária é fundamental para obtenção de um maior rendimento. O valor do terreno e do empreendimento está diretamente ligado ao meio em que ele está inserido. Por isso, investimentos em infraestrutura pública, investimentos privados em terrenos próximos e legislações mais permissivas, impactam nesses lucros. Assim, para o capital que utiliza a cidade como mercadoria de troca, a atuação junto ao Governo, principalmente o Executivo e Legislativo, é essencial para um maior rendimento financeiro (MARICATO, 2015). No grupo dos promotores imobiliários então inseridos agentes de incorporação, financiamento, estudos técnicos,construção civil e comercialização. As construções, de modo geral, se concentram primeiramente na demanda de habitações de alto nível e quando esse mercado já está supersaturado, os investimentos vão para a demanda de casas populares. Para que essas construções sejam economicamente rentáveis, os empreendedores usam de construções de péssima qualidade e as fazem num momento em que a procura é maior que a oferta. Atrelado a essas condicionantes ainda existe o auxílio Estatal, com créditos para os promotores imobiliários e para os compradores, além da criação de mecanismos jurídicos e financeiros que buscam facilitar o processo (CORRÊA, 1989). A atuação espacial dos promotores imobiliários se faz de modo desigual, criando e reforçando a segregação residencial que caracteriza a cidade capitalista. E, na medida em que outros setores do espaço produzem conjuntos habitacionais populares, a segregação é ratificada. (CORRÊA, 1989, p.23-24).

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As atribuições estatais que contribuem para a formação do espaço urbano envolvem desde a implantação de serviços públicos e infraestrutura, até elaborações de leis de uso e ocupação do solo. Dessa forma o Estado é o principal intermediador na distribuição dos lucros e salários (diretos e indiretos) decorrentes da construção urbana. “Há, portanto, uma luta surda pela apropriação dos fundos públicos, que é central para a reprodução da força de trabalho ou para reprodução do capital” (MARICATO, 2015, p.25). As grandes empreiteiras sozinhas representam 25% de todos os gastos com campanha eleitoral no Brasil [...] E, para não ter risco de perder, financiam todos os lados da disputa. Foram elas as maiores “doadoras” tanto da campanha presidencial de Dilma Rousseff (PT) como da de seu adversário, José Serra (PSDB). (BOULOS, 2012, p. 34).

Já os grupos sociais excluídos tem como solução habitacional os loteamentos periféricos, os conjuntos habitacionais, na sua maioria também periféricos e as ocupações, que podem dar origem a favelas. No caso das ocupações os terrenos apropriados são, na sua maioria, os renegados pelos demais agentes, localizados em encosta de morros ou áreas alagadiças, quando analisamos a cidade do Rio de Janeiro, dessa forma os grupos sociais são os próprios agentes modeladores do seu espaço, já que está não é suprida em totalidade pelos agentes imobiliário e pelo Estado (CORRÊA, 1989).

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A tensão existente entre a cidade formal e a cidade ilegal é dissimulada. Além dos investimentos públicos no sistema viário, a legislação urbanística se aplica à cidade “oficial” (“flexibilizada” pela pequena corrupção). Os serviços de manutenção das áreas públicas, da pavimentação, da iluminação e do paisagismo, aí são eficazes. Embora os equipamentos sociais se concentrem nos bairros de baixa renda, sua manutenção é sofrível. A gestão urbana e os investimentos públicos aprofundam a concentração de renda e a desigualdade. Mas a representação da “cidade” é uma ardilosa construção ideológica que torna a condição de cidadania um privilégio e não um direito universal: parte da cidade toma o lugar do todo. A cidade da elite representa e encobre a cidade real. Essa representação, entretanto, não tem a função apenas de encobrir privilégios, mas possui, principalmente, um papel econômico ligado à geração e captação da renda imobiliária. (MARICATO, 2000, p.165).

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2.2 Favela e a ruptura da inércia estatal Corrêa (2017) realizou uma análise das possibilidades teóricas de segregação residencial em metrópoles da América Latina no fim do século XX, como base nas proposições de Yujnovsky (1971), e de Bähr e Mertins (1983) e desenvolveu um modelo de segregação residencial na América Latina (ver figura 2).

Figura 2 - Modelo de segregação residencial na América Latina Fonte: Fonte: CORRÊA, 2017, p. 10.

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Essa espacialização das áreas não é fixa e, assim como a cidade, está em constante modificação. A dinâmica social e espacial pode mudar devido a grandes alterações, como as reformas urbanas no mandato do prefeito Pereira Passos (1902-1906), ou pela escassez ou especulação de áreas, antes periféricas, que passam a ser valorizadas, por exemplo, pela proximidade com o litoral, como no caso dos bairros de Copacabana, Ipanema e Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro (CORRÊA, 1989). Dentre todos os agentes, o Estado é o com poder legal de intervir nas disputas sobre o espaço urbano, entretanto suas intervenções são pautadas nos interesses da classe dominante, do período de espaço e tempo em vigor (MARICATO, 1997). Assim, as práticas de investimentos estatais são orientadas por três interesses principais: interesses do mercado imobiliário; do marketing urbano, cujo motor é a visibilidade; e o interesse eleitoral, com a relação clientelista (MARICATO, 2015). O Estado é um terreno de luta estruturado de uma maneira determinada, em que competem as diferentes forças sociais e políticas que tentam promover seus próprios interesses, identidades e valores. [...] As políticas públicas não são um “instrumento” do Estado, e sim um equilíbrio instável, resultado de disputas entre diferentes atores políticos e sociais, que respondem sempre a um determinado momento conjuntural. (BRAND, 2016, p.128-129).

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Por isso, no decorrer da história existiram intervenções estatais em favelas, que visavam atender diferentes demandas, dependendo de qual classe o apoio interessava ao Estado. Desse modo, por exemplo, existiram os Parques Proletários Provisórios (1942) usados como forma de viabilizar remoções, o Programa Favela-Bairro (1994) com a finalidade de urbanizar favelas e as remoções de favelas (2010) devido aos megaeventos sediados no Brasil. Quando o interesse imobiliário guia os investimentos estatais, as mudanças espaciais em favelas são baseadas no seu potencial de rentabilidade fundiário. Assim, regiões ocupadas, muitas vezes até por incentivo estatal, como o caso do morro de Santo Antônio no começo do século XX, são removidas quando se tornam atrativas como mercadoria. Áreas que não tinham apoio estatal para cumprimento de direitos básicos como o de infraestrutura e equipamentos urbanos, passam só então, “a ser regidas pela legislação e pelo direito oficial. [...] A lei do mercado é mais efetiva do que a norma legal” (MARICATO, 1996, p. 26).

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O processo de remoções de favelas pode ser entendido como o momento de ruptura da inércia do Estado, visando principalmente o atendimento de demandas especulativas de agentes imobiliários. O processo de ocupação e consolidação é feito muitas vezes sem repressão estatal ou privada, pela falta de interesse no solo. Assim como na Lei da Inércia 11, a tendência é que esses agentes permaneçam com a política não intervencionista, até que haja uma ruptura desta condição. Essa ruptura, na cidade como mercadoria, está diretamente ligada ao valor do solo.

11. Primeira Lei de Newton, conhecida como Princípio da Inércia.

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A tolerância pelo Estado em relação à ocupação ilegal, pobre e predatória de áreas de proteção ambiental ou demais áreas públicas, por parte das camadas populares, está longe de significar uma política de respeito aos carentes de moradia ou aos direitos humanos. A população que aí se instala não compromete apenas os recursos que são fundamentais a todos os moradores da cidade, como é o caso dos mananciais de água. Mas ela se instala sem contar com qualquer serviço público ou obras de infra-estrutura urbana. Em muitos casos, os problemas de drenagem, risco de vida por desmoronamentos, obstáculos à instalação de rede de água e esgotos torna inviável ou extremamente cara a urbanização futura. (MARICATO, 2003, p. 158).

A ausência de uma postura do Estado frente às ocupações em seu momento inicial; seja ela de repressão, com remoções e realocações, ou de aceitação com urbanização e posse da terra; não só permite mas também incentiva a especulação fundiária do solo, que na maioria das vezes, gera as remoções. Zonas de indeterminação entre legal/ilegal, planejado/não planejado, formal/informal, dentro/fora do mercado, presença/ausência do Estado. Tais indeterminações são os mecanismos por meio dos quais se constrói a situação de permanente transitoriedade, a existência de um vasto território de reserva, capaz de ser capturado “no momento certo”. (ROLNIK, 2017 p.174).

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Figura 3 - Esquema do processo de remoção em favelas Fonte: Autoria própria, 2021

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2.3 Espacialização da especulação fundiária

Fonte: Autoria própria com base nos dados da Prefeitura do Rio de Janeiro, 2021

Figura - Mapaprópria das áreas Fonte: 4Autoria comde base nos dados da Prefeitura do Rio de Janeiro, Planejamento do Rio de Janeiro2021

Áreas de Planejamento do Rio de Janeiro

Uma das metrópoles latino-americanas que pode ser melhor analisada para estudo do processo de especulação fundiária em favelas é a cidade do Rio de Janeiro, localizada na região sudeste do Brasil. O município, segundo seu Plano Diretor (2011), é dividido em cinco Áreas de Planejamento (Figura 4). A Área de Planejamento (AP) 1 é composta pelo Centro (AP 1.1); a Área de Planejamento 2 pela Zona Sul (AP 2.1) e Tijuca (AP 2.2); a Área de Planejamento 3 por Ramos (AP 3.1), Méier (AP 3.2), Madureira (AP 3.3), Inhaúma (AP 3.4), Penha (AP 3.5), Pavuna (AP 3.6), Ilha do Governador (AP 3.7); a Área de Planejamento 4 por Jacarepaguá (AP 4.1), Barra da Tijuca (AP 4.2); e a Área de Planejamento 5 por Bangu (AP 5.1), Campo Grande (AP 5.2), Santa Cruz (AP 5.3) e Guaratiba (AP 5.4) (RIO DE JANEIRO, 2011).

AP1: média de 3 salários mínimos AP2: média de + de 10 salários mínimos AP3: média de 2,75 salários mínimos AP4: média de + de 5,35 salários mínimos AP5: média de + de 1,87salários mínimos

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10Km

O município, nos anos 2000 possuía uma renda média de quatro salários mínimos, uma compreensão sobre essa média salarial por área de planejamento possibilita, em primeira instância, localizar as regiões urbanas mais valorizadas pelo mercado. A Área de Planejamento 1 tinha renda média de 3 salários mínimos, a AP 2 de mais de 10 salários mínimos, a AP 3 de 2,76 salários mínimos, a AP 4 de 5,35 salários mínimos e a AP 5 de 1,87 salários mínimos (RIO DE JANEIRO, [ca 2006]).

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Pretos Pardos Brancos

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Fonte: Autoria própria base nos dados Fonte: Autoria própria com basecom nos dados de Hugo Nicolau Barbosa de Gusmão, 2021 de Hugo Nicolau Barbosa de Gusmão, 2021

Mapa racial da cidade do Rio de Janeiro Figura 5 - Mapa racial da cidade do Rio de Janeiro


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Outro mapa que deixa nítida a dinâmica da segregação residencial na cidade do Rio de Janeiro, é o mapa racial (figura 5). A população branca está concentrada, principalmente, na Área de Planejamento 1, 2 e 4, áreas com maiores médias salariais; enquanto a população negra e parda está concentrada, majoritariamente, nas Áreas de Planejamento 3 e 5, regiões com menores médias salariais.

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Fonte: Autoria própria com base nos dados de FAULHABER;AZEVEDO, 2021

Figura 6 - Mapa das desapropriações no período 2009-2021, Rio de Janeiro

Na década de 2010 a cidade do Rio de Janeiro foi sede da Copa do Mundo (2014) e dos Jogos Olímpicos (2016), a infraestrutura para o recebimentos desses eventos mudou a espacialidade de vários setores urbanos, principalmente no que diz respeito à localização das favelas. As obras incluíram instalações esportivas, infraestrutura de mobilidade urbana e projetos de reestruturação urbana (COMITÊ POPULAR DA COPA E DAS OLIMPÍADAS DO RIO DE JANEIRO, 2011).

Desapropriações Transoeste Transolímpica Transbrasil Transcarioca 58


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10Km


Como observado na figura anterior (figura 6), as remoções desse período aconteceram na região mais valorizada da cidade, foco também das principais obras públicas. As remoções também aconteceram em outros pontos da cidade nas proximidades das novas infraestruturas, como aconteceu nitidamente no percurso da Transcarioca12, que gerou uma gama de terrenos para especulação (FAULHABER; AZEVEDO, 2015). Em áreas de interesse do capital imobiliário, a máquina destruidora de casas populares, operada pela Prefeitura Municipal, atua de forma mais intensa. Ou seja, a maioria das remoções está localizada em áreas de extrema valorização imobiliária, como Barra da Tijuca, Recreio, Jacarepaguá e Vargem Grande. Os investimentos públicos realizados em transporte (BRTs) privilegiaram essas mesmas áreas, multiplicando as oportunidades de investimento e retorno financeiro na produção habitacional para classe média e alta e na produção de imóveis comerciais. (COMITÊ POPULAR DA COPA E DAS OLIMPÍADAS DO RIO DE JANEIRO, 2011, p.8).

Além dos investimentos em infraestrutura acontecerem prioritariamente em áreas já privilegiadas, os que não os fazem, não respeitam as preexistências urbanas do local: [...] área mais valorizada da cidade, as intervenções de mobilidade urbana não apresentam nenhum impacto direto sobre a destituição da propriedade privada. Nela, a zona mais rica do município, a solução de transportes é o metrô em subsolo, reconhecidamente o modal mais eficiente, que não promove rupturas muito fortes sobre o tecido urbano. Já nas demais localidades do Rio de Janeiro implantam-se os BRTs em superfície, modal que necessita de desapropriações para a sua viabilidade. (FAULHABER; AZEVEDO, 2015, p.42).

12. BRT Transcarioca.

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Fonte: Autoria própria com base nos dados de FAULHABER;AZEVEDO, 2021

Figura 7 - Mapa das remoção de favelas e suas motivações, Rio de Janeiro

Quando os terrenos ocupados passam a ter potencial especulativo e valor considerável como mercadoria, a legislação passa a ser aplicável (MARICATO, 1996). A Constituição Federal de 1988, por exemplo, garante a não remoção de favelas, com exceções àquelas localizadas em áreas de conservação ambiental ou áreas de risco. Essa alteração só faz com que as disputas por terrenos favelados, que antes se davam por meio de justificativas habitacionais, passem a ser justificadas ambientalmente (COMPANS, 2007).

Áreas de riscos Obras da Transpoeste Obras da Secretaria Municipal de Habitação Obras de outras Secretarias 62


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As remoções receberam facilitação legal com o decreto 32081 de 07/04/10 de Eduardo Paes, que permite ações de acesso e desapropriação de imóveis normalmente vetadas pela legislação ordinária. O governador do Estado do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, também lançou o programa “Morar Seguro” (decreto 42406 de 13/04/10) que regulamenta as remoções a médio e longo prazo. O decreto estabelece que o Estado irá remover pessoas de áreas de risco e lhes pagar aluguel social enquanto não houver unidades habitacionais disponíveis para reassentamento, após identificação, pelas prefeituras, das áreas de risco em seus respectivos municípios. (OBSERVATÓRIO DA METRÓPOLES, 2010, online).

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Fonte: Autoria própria com base nos dados de FAULHABER;AZEVEDO, 2021

do PMCMV, Rio de Janeiro

Fonte: Autoria própria com base nos Figurade 8 -FAULHABER;AZEVEDO, Mapa das remoções de dados 2021 favelas e empreendimentos

Remoções de favelas e empreendimentos do PMCMV, Rio de Janeiro

Quando uma favela é removida, e existe a realocação de seus moradores, ela ocorre para as periferias urbanas, como aconteceu com as favelas removidas na década de 2010. A área definida como “prioritária” para construções de empreendimentos Minha Casa Minha Vida no Rio de Janeiro, por exemplo, se encontra na área periférica (figura 8). E a divisão por faixas salariais do programa MCMV ainda posiciona os empreendimentos de níveis salariais mais altos próximos ao centro urbano (figura 4). A remoção dos moradores de favelas e a realocação de uma parcela desses moradores, com base na faixa salarial, deixa ainda mais clara a segregação social (COMITÊ POPULAR DA COPA E DAS OLIMPÍADAS DO RIO DE JANEIRO, 2011; FAULHABER; AZEVEDO, 2015).

Empreendimentos MCMV Favelas removidas Fluxo de relocação 64


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Outro efeito na perspectiva social se encontra na escolha geográfica da maioria das intervenções urbanas, feitas em regiões habitadas pelos segmentos mais abastados da população. Tal incremento ao processo especulativo, somado à transferência direta de recursos e patrimônios públicos para a órbita privada das instalações, possibilitou um aprofundamento do apartheid social pela vertente da habitação. Pois ocorreu: a concentração privada do solo urbano, a elevação dos preços imobiliários e a diminuição dos espaços de moradia popular. (COMITÊ POPULAR DA COPA E DAS OLIMPÍADAS DO RIO DE JANEIRO, 2011, p.29).

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Área prioritária para MCMV Linhas de transporte 0 a 3 sários mínimos 3 a 6 sários mínimos 6 a 10 sários mínimos

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Fonte: Autoria própria com base nos dados de FAULHABER;AZEVEDO, 2021

Figura 9 - Mapa dos empreendimentos do PMCMV enquadrados por faixa salarial, Rio de Janeiro


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A cidade é construída através da disputa de seus agentes formadores, entretanto quando o Estado toma partido dos interesses de um agente acima dos outros, a segregação social se configura cada vez mais visível e priva as classes sociais mais baixas de direitos básicos, que deveriam existir para todos cidadãos.

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3 A Regularização Fundiária e seus rebatimentos

A regularização fundiária da terra é de extrema importância para os moradores de favelas, mas ela pode levar aos mesmos processos de remoções, entretanto, agora,através da gentrificação. O resultado, em suma, é o mesmo, a população de baixa renda sendo removida das áreas mais valorizadas da cidade.

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3.1 A casa própria no imaginário do brasileiro

A função básica da moradia é fornecer abrigo dos perigos e intempéries do ambiente externo; conforme a sociedade foi evoluindo, as funções da habitação também evoluíram. A moradia, representada fisicamente pela casa, fornece o espaço que possibilita abrigo, proteção, descanso e é a representação da individualidade de cada cidadão (FERNANDES, 2018). A Constituição Federativa de 1988, define em seu artigo 6° pela Emenda Constitucional n° 26 de 2000, a moradia como direito social: “São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.” (BRASIL, 1988) Dessa forma, o que é considerado direito social básico é o direito de uso da moradia, e não o direito à propriedade privada dela (MARCUSE, 2016). Esta está vinculada a fatores sociais, econômicos e políticos. Para Brito e Rodrigues [2014], no Brasil a valorização da propriedade privada no imaginário da população é decorrente de uma “demanda histórica de exclusão do processo de urbanização, principalmente em relação à população de baixa renda” (BRITO; RODRIGUES, [2014], p. 2-3).

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O segundo obstáculo é a inexistência de uma demanda solvável. Ela se define por uma inadequação do valor da moradia aos salários. Com efeito, os preços da moradia tendem a ser extremamente elevados, se comparados aos outros produtos de consumo, e, paralelamente, os rendimentos da população tendem a limitar-se aos salários. O capital-moradia somente pode realizar-se aos poucos na medida do seu consumo, pois os salários tendem a contemplar as necessidades habitacionais de hoje e não as do ano que vem. (RIBEIRO, 1982, p. 39 apud MEDEIROS, 2007, p. 16).

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A mercadoria moradia com uso na medida do seu consumo é feita através do sistema de aluguel, o que poderia providenciar habitações para a parcela da população que não quer ou não pode arcar com os custos de uma casa própria. Entretanto uma pesquisa do IBGE referente aos anos de 2017 e 2018 acerca dos perfis de despesas no Brasil, constatou que em média 34% 13 (figura 10) das despesas de consumo do brasileiro giram em torno das “despesas relacionadas diretamente ao custo de viver naquele domicílio: aluguel; condomínio; aluguel estimado; e Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) e Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural (ITR)” (IBGE, 2020, p.45).

13. Porcentagem calculada pela autora com base nos dados da figura 10.

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Figura 10 - Despesa familiar no Brasil em 2017/2018, parte 1 Fonte: IBGE - adaptado pela autora, 2020, p. 26.

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A impossibilidade da compra ou utilização da mercadoria moradia, pela população de baixa renda, pode ser fruto do sistema salarial empregado (BOULOS, 2012; MARICATO, 1996); ou pode estar vinculada às práticas de remoções em áreas ocupadas por essa população. Ocupadas justamente por conta da impossibilidade da aquisição da casa, seja ela própria ou alugada, através do mercado formal (BOULOS, 2012). A produção ilegal de moradias e o urbanismo segregador estão, portanto, relacionados: às características do processo de desenvolvimento industrial - uma vez que o salário do operário industrial não o qualifica para adquirir uma casa no mercado imobiliário legal. (MARICATO, 1996, p. 43).

A legalidade da terra repercute em diversas relações sociais como constatou-se nos capítulos anteriores, mas ela também adentra na moradia. As famílias que não têm a segurança de posse, muitas vezes evitam ou não investem em obras de reparos, consertos ou melhorias em suas casas porque podem ser removidas, a qualquer momento (MARICATO, 1996). Por isso, junto com a segurança da terra, são importantes os investimentos na Lei de Assistência Técnica para Habitação de Interesse Social (ATHIS).

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3.2 Rebatimentos da Regularização Fundiária

A propriedade privada da terra, entretanto, não é sinônimo de estabilidade e conforto. Ela “carrega consigo obrigações que os pobres quase nunca podem assumir. Isso pode incluir o pagamento de impostos, taxas de serviços, aluguel, obrigação pela manutenção, subordinação às regulações ambientais e de construção.” (MARCUSE, 2016, p.12). Além disso, os agentes da construção urbana, citados por Corrêa (1989), com os maiores poderes sobre as decisões, conseguem mesmo em áreas consideradas legais, estabelecer seus interesses mercadológicos. A propriedade privada não é um direito inviolável, ela pode ser reavida pelo descumprimento da função social da propriedade, como consta na Constituição Federal de 1988, por meio do Usucapião ou pode ser apossada pelo Estado em caso de interesse público sobre a área (BECKER, 2016). As duas primeiras formas em que se reaver o caráter inviolável da propriedade não prejudica a população de baixa renda, na verdade é uma forma de reaver as desigualdades sociais do território (BECKER, 2016). Já a ferramenta onde o interesse da coletividade é posto de forma superior ao direito privado, é a forma que alguns agentes utilizam para justificar intervenções sobre áreas pobres, tenham elas propriedade legal sobre a terra, ou não.

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O Código Civil brasileiro em seu artigo 1228, parágrafo terceiro estabelece que “O proprietário pode ser privado da coisa, nos casos de desapropriação, por necessidade ou utilidade pública ou interesse social, bem como no de requisição, em caso de perigo público iminente.” (BRASIL, 2002, online) O caso das intervenções urbanas para os preparativos das Olimpíadas de 2016, é um exemplo de como os agentes, sejam eles os proprietários fundiários, promotores imobiliários ou o próprio Estado, se utilizam dessa legislação para atender seus interesses. Nas áreas mais valorizadas, intervenções que não provocam rupturas significativas no tecido urbano com o metrô, e nas demais localidades desapropriações para implantação dos BRTs, como vimos no Capítulo 2 (FAULHABER; AZEVEDO, 2015).

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Esses agentes também acessam a área urbana pretendida, por meio do processo conhecido como gentrificação. Esse processo leva a uma determinada área urbana a passar por mudanças socioespaciais que levam a expulsão de populações de classes mais baixas e a substituição delas por moradores de classes mais altas (DINIZ, 2015). Ele não utiliza exclusivamente o processo de remoção, podendo se dar através da compra de propriedades, por exemplo. A população de baixa renda se vê inclinada, ou pressionada a aceitar a proposta e na maioria das vezes acaba se mudando para as periferias urbanas.

Figura 11 - Esquema do processo de gentrificação em áreas regularizadas Fonte: Autoria própria, 2021

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Seja através de remoções ou de gentrificação, entre outros meios, a população de baixa renda acaba sendo excluída desta área antes utilizada. A problemática fundiária para população de baixa renda pode não ter seu cerne na propriedade privada e sim da garantia do direito à moradia. Existem alguns instrumentos urbanos que garantem, em tese, o direito à moradia, como a Concessão de Uso Especial para Fins de Moradia (CUEM) e a Concessão do Direito Real de Uso (CDRU), por exemplo. A CDRU é um direito previsto no artigo 1.225, XII do Código Civil 14, ele prevê que o dono de um terreno, seja ele público ou privado, possa conceder o uso do terreno ao chamado concessionário, de forma remunerada ou gratuita, por tempo certo ou indeterminado. Quando essa ferramenta é utilizada pelo Estado, pode permitir à população de baixa renda o direito ao uso da área para fins de moradia em terrenos públicos, desta forma a população recebe a posse do bem mas a propriedade ainda é do Estado (CARDOSO, 2010; MIRANDA, 2016). Já a CUEM, é um direito previsto no artigo 1.225, XI do Código Civil e no artigo 183 da Constituição Federal, e estabelece que o morador que possuir terreno de até 250m², por mais de cinco anos e o utilizar para fins de sua moradia pode recorrer ao direito de posse desse terreno, desta forma, assim como com a CDRU, a posse do bem é do morador mas a propriedade segue sendo do Estado (CARDOSO, 2010; MIRANDA, 2016). Entretanto, essas concessões podem ser revogadas,o que fragiliza o entendimento dessas ferramentas como forma de garantir a segurança fundiária aos moradores. A Vila Autódromo no Rio de Janeiro por exemplo, na década de 1990 recebeu do Estado o direito a concessão de uso; concessão essa renovada em 1998 por um prazo de 99 anos, prorrogáveis por mais 99anos. E mesmo com essas concessões a maior parte dos moradores foi removida da comunidade (AMORIM, 2015).

14. E criado e disciplinado pelo Decreto-Lei nº 271, de 28 de fevereiro de 1967

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Figura 12 - Entrada da Vila Autódromo Fonte: TALBOT, 2018

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Figura 13 - Destruição da Vila Autódromo Fonte: CHATELIER, 2017

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Figura 14 - Paredes com dizeres dos moradores da Vila Autódromo Fonte: TAUBE, 2016

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Considerando todas possibilidade de acesso ao direito à moradia para população de baixa renda, ainda é importante salientar a indispensável associação dessa moradia a uma política pública de integração com o restante da cidade, e a necessidade de fornecer à população condições de se manter na região, seja com isenção ou redução de impostos, taxas e contas; fornecimento de infraestrutura, equipamentos e transporte público de qualidade. As Zonas de Especial interesse Social (ZEIS), por exemplo, podem ser usadas para proteger essas áreas de especulação fundiária, permitir regularizações urbanas e jurídicas, e incentivar a construção de habitações de interesse social (FUNES; CASTRO; SHIMBO, 2015). Mesmo nos municípios em que existem órgãos responsáveis pela habitação, o que se vê é que a maioria dos programas de regularização não tem um reconhecimento como política pública, funcionando como programas e projetos pontuais, com ações fragmentadas e sem uma visão global do problema [...] É importante que existam critérios para o desenvolvimento desses processos, como tempo de ocupação, situação de risco, condições de habitabilidade e outros. (FUNES; CASTRO; SHIMBO, 2015, p. 65).

Entretanto, a atuação do Estado como mediador dos interesses de todos os agentes, envolvidos na construção urbana, é muito influenciado pela parcela de agentes com maior influência política e econômica (MARICATO, 2015). “As políticas públicas não são um ‘instrumento’ do Estado, e sim um equilíbrio instável, resultado de disputas entre diferentes atores políticos e sociais, que respondem sempre a um determinado momento conjuntural” (BRAND, 2016, p.129). É impossível, no marco do capitalismo, propor reformas ou políticas públicas sem considerar as empresas e os capitais que monopolizam certas áreas da economia. Parte da caracterização revela como o Estado permite e é condição de possibilidade para a reprodução de capital, para sua circulação e para a apropriação de riqueza por setores específicos da sociedade. Basta pensar na infraestrutura viária e de transporte, de moradia, de energia, de saúde, e, claro, de armas. As relações entre empreiteiros privados, empresários e Estado, e suas formas de captação de renda, são um elemento comum que acaba definindo planos, políticas e agendas em função dos interesses de capital privado. (MARTÍNEZ; RÁTIVA; CEVALLOS; CHÁVEZ, 2016, p. 375).

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4 Termo Territorial Coletivo Esse sistema de relações do Estado com os outros agentes da construção urbana, pode ser a justificativa para que as tentativas de soluções das demandas fundiárias advenham dos grupos sociais excluídos, e não do Estado. Colocar a população a cargo de resolver os conflitos criados pela mercantilização da terra é atribuir a ela uma responsabilidade árdua, que não lhe cabe. Entretanto, tendo em vista o cenário das disputas fundiárias atuais, esta pode ser a melhor alternativa, e no Brasil já existem debates sobre essas práticas, como o caso do Termo Territorial Coletivo (TTC).

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4.1 Características do Termo Territorial Coletivo

O Termo Territorial Coletivo é uma forma de gestão comunitária da terra, em que os moradores em conjunto são donos do terreno e cada morador é proprietário de sua própria construção. Esse Termo Territorial Coletivo surgiu e é utilizado até hoje, com a intenção de garantir habitações e permanência delas ao longo do tempo, para comunidades que, pelo sistema tradicional, dificilmente conseguiriam continuar no local. Os fatores e atores que influenciam na permanência dessas pessoas podem se alterar dependendo do país ou região, por isso, o TTC é uma ferramenta flexível e pode se adaptar às demandas de cada região (ANTÃO; RIBEIRO, 2019; RIBEIRO; MAYRINK, 2018; KULSHAN COMMUNITY, 2017; NATIONAL CLT NETWORK, 2012). Entretanto, existem características do Termo Territorial Coletivo que são invariáveis, para que o propósito central do Termo possa ser atingido. Para a rede de TTCs da Inglaterra e País de Gales, estas são cinco. Em primeiro lugar, o termo tem que ser estabelecido e gerido pela comunidade e para a comunidade. Em segundo lugar, a estrutura de gestão deve ser democrática e aberta, além de incentivar o envolvimento coletivo. Em terceiro, o Termo deve permitir que as construções sejam sempre acessíveis aos usuários atuais e futuros. Em quarto lugar, está a dinâmica de gestão sem fins lucrativos, os ativos devem sempre suprir as demandas e interesses do coletivo. E o último, é que o uso do Termo não se atenha apenas a sua implementação, ele tem que ser um processo de gestão a longo prazo (NATIONAL CLT NETWORK, 2012).

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de eda al i r p u Pro divid In

Propriedade Tradicional

Figura 15 -Esquema da propriedade tradicional e do Termo Territorial Coletivo Fonte: Autoria própria, 2021

Propriedade Individual

Propriedade Coletiva

Propriedade no Termo Territorial Coletivo 93


De forma geral os Termos Territoriais Coletivos tem um conselho de administração tripartite com o mesmo número de pessoas, em que seus membros são escolhidos pelos moradores. O primeiro terço é composto pelos próprios moradores, o segundo por moradores vizinhos ao TTC, e o terceiro é composto por autoridades municipais ou em alguns casos de especialistas técnicos como engenheiros, arquitetos, advogados, assistentes sociais, etc. Essa forma de organização da comunidade diminui os riscos de remoção e aumentam o poder de barganha das demandas da comunidade com o Estado (ROBERTSON, 2017;RIBEIRO; MAYRINK, 2018; SOTTO, 2017). Uma vez que o proprietário das terras é o TTC, a segurança perante um processo de remoção aumenta dramaticamente, já que as titulações não são individualizadas e o seu próprio funcionamento implica na auto-organização dos moradores junto a profissionais. Dessa forma, além de ser necessária uma tentativa de remoção de toda a comunidade de uma só vez, o que já dificulta a ação do governo, o conselho de suporte profissional ao TTC aumenta a base de apoio técnico em uma possível tentativa de remoção. (RIBEIRO; MAYRINK, 2018).

De maneira mais técnica e focada na realidade Brasileira se acrescentam a essas características fundamentais, a adesão espontânea da comunidade com relação a sua inclusão ou não no Termo Territorial Coletivo; a propriedade coletiva da terra, para além de sua gestão e a propriedade individual das construções, quando de uso habitacional (RIBEIRO; MAYRINK, 2018). Como a terra é normalmente o custo primário no valor da habitação urbana, fazer com que o TTC absorva isso, às vezes com o apoio do governo, permite que os preços das casas permaneçam acessíveis economicamente. (WILLIAMSON, 2018, online).

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Em suma, o Termo Territorial Coletivo é um sistema de gestão que visa possibilitar o acesso à moradia e mais segurança de posse, para comunidades antes excluídas desse mercado. Para esse fim, o TTC separa a terra das construções, a terra agora de posse coletiva é retirada do mercado, e as pessoas têm suas posses individuais sobre as construções. Toda gestão é feita coletivamente e visa a perpetuidade do acesso à moradia, para as atuais e futuras gerações (RIBEIRO; MAYRINK, 2018; NATIONAL CLT NETWORK, 2012). O que acontece nos CLTs 15, longe da negação ou disputa do paradigma da propriedade privada, é a busca de um formato de apropriação privada da terra que garanta a segurança da posse dos moradores diante das inúmeras ameaças que se colocam no âmbito da (re)produção constante da cidade no capitalismo, especialmente aquelas relacionadas às sucessivas mudanças nos gradientes de valorização que implicam a expulsão mercadológica dos moradores de localidades que vão se valorizando rumo às sempre renovadas franjas da cidade. (RIBEIRO, 2020, p. 614).

Como esse Termo pode ser aplicado em vários países e regiões, ele é muito flexível e permite que cada comunidade o elabore para melhor atender suas demandas e suas respectivas legislações vigentes. Isso possibilita uma abundância de modelos, ao redor do mundo (RIBEIRO, 2020; ROBERTSON, 2017).

15. CLT é a sigla para Community Land Trust, que em português é o Termo Territorial Coletivo

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Figura 16 - Esquema de remoção de favelas com propriedade privada versus a permanência da favela com a junção de propriedade privada e o Termo Territorial Coletivo Fonte: Autoria própria, 2021

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Os Termos Territoriais Coletivos podem não ser focados exclusivamente na construção e manutenção de habitações; uma vez que a demanda por habitações é total ou parcialmente suprida, as comunidades podem definir outros setores para investimentos. As possibilidades para construções não habitacionais são inúmeras, os TTCs atuais tem desde imóveis comerciais, hortas comunitárias, até cinemas e postos de gasolina. E os lucros são direcionados inteiramente para uso da própria comunidade do TTC, eles podem possibilitar a manutenção das casas e desses equipamentos, tanto quanto a compra e construção de novos (DAVIS, 2020; NATIONAL CLT NETWORK, 2012; RIBEIRO; MAYRINK, 2018; ROSENBERG; YUEN, 2012). O sistema do Termo Territorial de Londres (London CLT), por exemplo, criou uma associação encarregada de gerenciar aluguéis de apartamentos, das construções de propriedade do TTC. O sistema de precificação é baseado na renda média da área, e não nos preços de mercado, assim eles disponibilizam aluguéis acessíveis para a comunidade e o lucro é direcionado e investido para o próprio TTC (ROBERTSON, 2017).

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4.2 Histórico do Termo Territorial Coletivo

Esse modelo de gestão da propriedade tem bases filosóficas que datam do século XIX, com John Stuart Mill em 1848, e Henry George na década de 1870, que acreditava que a diminuição da pobreza poderia ser alcançada através de impostos governamentais, aplicados sobre o lucro de grandes proprietários de terras. Ainda no século XIX, em 1898, Ebenezer Howard desenvolveu um modelo visando os mesmos objetivos, mas através da gestão territorial de posse mista da propriedade, a terra como posse coletiva e as construções com posses individuais. Suas ideias foram escritas em seu livro “Cidades-Jardim de Amanhã”, em 1902, e aplicadas em seu protótipo de Cidade Jardim em Letchworth, na Inglaterra em 1903 (DAVIS, 2017, 2020). O modelo de Howard influenciou as Cidades Jardins dos Estados Unidos e Inglaterra, no começo do século XX. Entretanto, os princípios da Cidade Jardim de Howard foram aplicados sem o uso da propriedade coletiva da terra (DAVIS, 2017, 2020). Nessa época apenas as comunidades de Arthur Morgan e Ralph Borsodi realmente seguiram os ideais de Howard, as “casas e negócios eram de propriedade individual em terrenos que eram mantidos por uma corporação sem fins lucrativos” 16 (DAVIS, 2017, p. 5).

16. Texto original “houses and businesses were owned individually on land that was held by a nonprofit corporation”

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Esse tipo de gestão da propriedade também foi usada em muitos outros países e também serviram de inspiração para a construção do primeiro Termo Territorial Coletivo nos EUA, como foi o caso das “aldeias Gramdan da Índia, das propriedades rurais de uso coletivo do México, e dos assentamentos agrícolas cooperativos de Israel” 17 (DAVIS, 2017, p. 4). Os estadunidenses também se inspiraram nas tradições dos nativos norte-americanos que entendiam a terra como um elemento e não como propriedade (DAVIS, 2020). 18Como você pode comprar ou vender o céu, o calor da terra? A ideia é estranha para nós. Se não possuímos o frescor do ar e o brilho da água, como você pode comprá-los? [...] Então, quando o Grande Chefe em Washington manda dizer que deseja comprar nossas terras, ele pede muito de nós. 19 (Chief Seattle, 1997, p.5).

17. Texto original “the Gramdan villages of India, the ejidos of Mexico, and the cooperative agricultural settlements in Israel”. 18. Em 1854, o governo dos Estados Unidos ofereceu a compra de dois milhões de acres de terras indígenas no noroeste. O que se segue é uma tradução da resposta do Chefe Seattle ao presidente Franklin Pierce. 19. Texto original “How can you buy or sell the sky, the warmth of the land? The idea is strange to us. If we do not own the freshness of the air and the sparkle of the water, how can you buy them? [...] So, when the Great Chief in Washington sends word that the wishes to buy our land, he asks much of us”.

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Entretanto, o uso do Termo Territorial Coletivo com ideais mais próximos do que conhecemos hoje, surgiu através dos Movimentos dos Direitos Civis nos Estados Unidos na década de 1960. Ativistas pelos direitos dos negros nas áreas rurais do sul dos EUA, como John Lewis, Slater King (prima de Martin Luther King Jr), Charles Sherrod e Shirley Sherrod acreditavam que a segurança política e a independência econômica para a comunidade negra dos EUA estava vinculada com a obtenção da propriedade privada da terra. E como essa propriedade não poderia ser adquirida pela maior parte dos negros, ou seria facilmente retirada deles, a posse coletiva da terra era a solução mais viável (DAVIS, 2017; NATIONAL CLT NETWORK, 2012). Bob Swann foi para o sul pela primeira vez em 1962, viajando para o Mississippi para supervisionar uma equipe de construção inter-racial patrocinada pelos Quakers20, ajudando a reconstruir igrejas negras que haviam sido bombardeadas por racistas do sul. [...] Durante seu tempo no Mississippi, Swann começou lentamente a perceber que parte da opressão e da insegurança dos afro-americanos se devia ao seu acesso limitado a terras para cultivar, construir casas ou iniciar seus próprios negócios. Ele também ouviu falar de fazendeiros negros sendo forçados a deixar a terra em retaliação pelo registro de voto.21 (DAVIS, 2014, p.16, grifo nosso).

Na década de 1970 a comunidade negra conseguiu um terreno rural de quase 6.000 acres perto de Albany, Geórgia. Essa tinha sido a maior porção de terras sobre o domínio de negros até então, e foi atingida durante anos por “vandalismo, violência e recusa de agências governamentais em fornecer subsídios e empréstimos” 22 (DAVIS, 2017, p. 5).

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20. Quakers são os membros do movimento protestante conhecido como Sociedade Religiosa de Amigos, com origem na Inglaterra, no século XVII (DANDELION, 2008). 21. Texto original “Bob Swann went South for the first time in 1962, traveling to Mississippi to supervise a Quaker-sponsored, interracial construction crew, helping to re-build black churches that had been firebombed by southern racists [...] During his time in Mississippi, Swann came slowly to realize that part of the oppression and insecurity of African Americans was due to their limited access to land on which to farm, to build houses, or to start new businesses of their own. He also heard of black farmers being forced off the land in retaliation for registering to vote.”. 22. Texto original “marked by vandalism, violence, and the refusal of governmental agencies to provide grants and loans”.

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Figura 17 - Primeiro Termo Territorial Coletivo nos Estados Unidos da América. Na imagem superior está escrito “Novas Comunidades Associados. Pequeno mercado agrícola. Carnes e mantimentos” Fonte: DAVIS (fotografia do livro “CLT Handbook” de 1982), 2020 Foto: Dawn Makarios

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Figura 18 Fazendeiros trabalhando no primeiro TTC Fonte: DAVIS (fotografia do livro “CLT Handbook” de 1982), 2020 Foto: Dawn Makarios

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Figura 19 - Fazendeiro e arrendatário conhecido como Boll Weevil, trabalhando no primeiro TTC Fonte: DAVIS (fotografia do livro “CLT Handbook” de 1982), 2020 Foto: Dawn Makarios

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Figura 20 - Stanley Harden colhendo no primeiro TTC Fonte: DAVIS, 2020 Foto: Dawn Makarios

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Figura 21 - Ativistas do Movimentos dos Direitos Civis dos Estados Unidos em Israel, 1968 Fonte: DAVIS (fotografia do livro “CLT Handbook” de 1982), 2020 Foto: Dawn Makarios

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Figura 22 - SlaterKing, BobSwann, MarionKing, FayBennett em Israel, 1968 Fonte: ROOTS & BRANCHES, [2017]

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Robert Swann e Charles Sherrod com membros da New Communities, Inc. (primeiro TTC) em reunião de planejamento, por volta de 1970 Figura 23 -

Fonte: SCHUMACHER CENTER FOR NEW ECONOMICS, [201-?]

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Essa e outras experiências com o Termo Territorial Coletivo serviram de análises e estudos que deram origem, em 1972, ao livro “The Community Land Trust: A Guide to a New Model for Land Tenure in America” 23. As ideias desse guia serviram de inspiração para a criação de outros Termos em áreas rurais, e pela primeira vez em área urbana como foi o caso do Termo fundado em Cincinnati, em 1981, por lideranças comunitárias e por colaboradores da comunidade religiosa, como pastores, padres e freiras (DAVIS, 2017, 2020). Assim, em 1982 as proposições do guia de 1972 foram atualizadas, e geraram o livro intitulado “The Community Land Trust Handbook”, ele estabeleceu os preceitos do TTC usados até os dias de hoje, e a partir dele o uso do TTC se difundiu nos EUA (DAVIS, 2017; RIBEIRO, 2020). Em 1995 havia o uso de 100 Termos Territoriais Coletivos nos Estados Unidos, em 2005 haviam mais de 200, com uma estimativa de 12 novos sendo constituídos a cada ano, em 2010 ele estava presente em 45 dos 50 estados mais o Distrito de Columbia (DAVIS, 2010). Em 2020 eram 280 Termos sendo utilizados em todo os Estados Unidos (Figura 24) (DAVIS, 2020). O Termo Territorial Coletivo atualmente está instalado ou em processo de instalação nos Estados Unidos, Canadá, Reino Unido, Escócia, Austrália, Quênia, Bélgica, Porto Rico, Bolívia, França e Brasil (Figuras 25) (CENTER FOR COMMUNITY LAND TRUST INNOVATION, 2021).

23. Título em português: “O Termo Territorial Coletivo: Um Guia para um Novo Modelo de Posse da Terra nos Estados Unidos”.

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Além do Termo Territorial Coletivo já ser aplicado em vários países do mundo ele também já é reconhecido pela ONU Habitat em um dos cadernos da série, O Diálogo Econômico Urbano Global, em 2012 e na Nova Agenda Urbana de 2016, como ferramenta de promoção ao acesso à moradia economicamente acessível e sustentável. Encorajaremos o desenvolvimento de políticas, ferramentas, mecanismos e modelos de financiamento que promovam o acesso a uma ampla gama de opções habitacionais economicamente acessíveis e sustentáveis, incluindo aluguel e outras opções de posse, bem como soluções cooperativas como a habitação compartilhada, fundos comunitários de habitação social 24 e outras formas de posse coletiva que respondam à evolução das necessidades das pessoas e das comunidades, a fim de melhorar a oferta habitacional (especialmente para grupos de baixa renda), evitar a segregação e remoções e desocupações forçadas e arbitrárias e prover realocação digna e adequada. Isso incluirá o apoio a esquemas de autoconstrução dirigida e assistida e de “habitação incremental”, com especial atenção a programas de urbanização de favelas e assentamentos informais. (HABITAT III, 2017, p. 27, grifo nosso).

24. A nomenclatura usada no texto original foi “Community Land Trusts” que na época não tinha uma tradução específica para o português, mas hoje é traduzido como “Termo Territorial Coletivo”.

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Figura 24 - Mapa dos Termos Territoriais Coletivos nos Estados Unidos da América Fonte: Autoria própria com base nos dados de DAVIS, 2021


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Figura 25 - Quantidade de Termos Territoriais Coletivos existentes e em análise, por país. Fonte: CENTER FOR COMMUNITY LAND TRUST INNOVATION adaptado pela autora para fins de tradução, 2021

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4.3 Aplicabilidade do Termo Territorial Coletivo no Brasil Mesmo sem uma lei específica que regulamente o Termo Territorial Coletivo, ele já pode ser aplicado em território nacional. A aplicação de um conjunto de leis, já existentes, permitem que o Termo possa ser empregado em território nacional (RIBEIRO, 2020). [...] é importante destacar a necessidade de utilização conjunta de instrumentos para viabilizar este modelo. Sugere-se que esta utilização conjunta seja implementada conforme uma metodologia de circuito (NETO, 2014) na qual um conjunto de instrumentos é combinado em uma determinada lógica de aplicação de modo a viabilizar determinado resultado que a aplicação isolada destes instrumentos não conseguiria. (RIBEIRO, 2020, p. 623).

O primeiro passo para a implementação de um Termo Territorial Coletivo, tendo em vista a necessidade primordial de que a propriedade esteja sob controle da comunidade é a necessidade de um processo que gere essa propriedade em nome dos moradores. Isso pode ocorrer através de doações de terras, da compra e venda, do processo de Usucapião Especial Urbano ou da Regularização Fundiária Social. Esses processos de aquisição da terra podem acontecer antes ou durante as discussões e implementação do TTC (ANTÃO; RIBEIRO, 2019). Dentre os instrumentos jurídicos brasileiro que podem possibilitar a implementação do Termo Territorial Coletivo, se destacam o direito de superfície (RIBEIRO, 2020). O direito de superfície é considerado como um instrumento de política urbana, pelo Estatuto da Cidade, em seu artigo 4o inciso V letra “l” e regulamentado do artigo 21 a 24 (BRASIL, 2001). O direito de superfície também é tratado no Código Civil Brasileiro, do artigo 1.369 a 1.377 (BRASIL, 2002).

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O direito de superfície é uma ferramenta legal que permite uma separação entre a propriedade do solo e a propriedade da construção nele. O dono da terra permite o uso da sua propriedade a um indivíduo, o superficiário, dessa forma o superficiário tem direito de uso sobre o solo, o subsolo 25, o espaço aéreo do terreno e sobre as construções neles realizadas, respeitando as possíveis restrições do contrato (RIBEIRO, 2020; SOTTO, 2017). Sobre as comparações entre a regulamentação do direito de superfície, do Estatuto da Cidade e o Código Civil Brasileiro, Sotto (2017) acrescenta: A concessão de direito de superfície regida pelo NCC refere-se a negócio essencialmente privado, voltado à realização de interesses particulares e fundado nos princípios da iniciativa privada e da autonomia da vontade em típica relação de direito civil (CF, artigo 22, inciso I), enquanto que a concessão de direito de superfície regida pelo Estatuto da Cidade, como instituto de política urbana, extrapola o simples interesse particular para alcançar objetivos de interesse público, voltados à ordenação do território e à realização das funções sociais da propriedade e da cidade (CF, art. 182). (SOTTO, 2017, p.7).

Essa separação entre solo e superfície estabelece direitos e deveres para as duas partes. Para ambos os proprietários, em caso de desapropriação, é direito o valor de indenização, da quantia que cabe a cada propriedade, como estabelecido no artigo 1.376 do Código Civil Brasileiro (BRASIL, 2002; SOTTO, 2017). Para o superficiário, um dos direitos é ter a possibilidade de deixar sua propriedade como herança, em caso de morte. Outros tipos de alienação também são permitidos, tanto para o superficiário quanto para o proprietário do solo, mas se dá direito de preferência à outra parte do contrato, em iguais condições à oferta de terceiros (BRASIL, 2001, 2002). Com relação aos deveres, por exemplo, o superficiário tem responsabilidades sobre os encargos e tributos inerentes a sua porção da propriedade, salvo expresso contrário em contrato (SOTTO, 2017). 25. Segundo o Estatuto da Cidade (BRASIL, 2001). No que diz respeito ao Código Civil Brasileiro a construção em subsolo só é possível se inerentes ao objeto da concessão (BRASIL, 2002).

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O contrato é o meio que regulamenta cada direito de superfície, nele, por exemplo, é acordado se a transação vai ocorrer mediante a um pagamento monetário ou não. A validade deste contrato, segundo o Estatuto da Cidade, pode ser definida por tempo determinado ou indeterminado, já conforme o Código Civil Brasileiro, é exigido um prazo determinado sobre validade contratual, mas este pode chegar até, em média, 99 anos (ANTÃO; FIDALGO, 2019; BRASIL, 2001, 2002; SOTTO, 2017). Essa flexibilidade do contrato que rege o direito de superfície permite que cada Termo Territorial Coletivo possa estabelecer suas regras e deveres para melhor atender as demandas e potencialidades de cada comunidade, assim como acontece nos Termos Territoriais Coletivos ao redor do mundo. Neste contrato pode ser definido, por exemplo, que a venda de habitações aconteça unicamente para moradores de baixa renda, abarcando assim o ideal estabelecido pelo TTC de habitações acessíveis para presentes e futuras gerações. São muitas as possibilidades, desde que se respeitem as legislações vigentes (NATIONAL CLT NETWORK, 2012; RIBEIRO, 2020). O direito de superfície consegue regularizar as questões de separação entre solo e moradia, entretanto ainda falta uma parte fundamental do Termo Territorial Coletivo a ser regularizada, sua gestão coletiva. No Brasil a forma que melhor abarca as necessidades do TTC para constituição de propriedade coletiva é a formação de uma pessoa jurídica. Uma pessoa jurídica é na verdade “uma entidade constituída por meio de um conjunto de pessoas ou de bens detentora de direitos e deveres” (MAYRINK; FIDALGO, 2018, online), dessa forma a propriedade formal da terra é da pessoa jurídica, mas esta é gerida pelos próprios moradores (MAYRINK; FIDALGO, 2018; RIBEIRO, 2020). Por não possuir fins lucrativos, a pessoa jurídica do TTC tem que ser prioritariamente um tipo de Organização de Sociedade Civil, como associação, fundação ou cooperativa, entretanto o TTC também possibilita pessoa jurídica do tipo consórcio ou condomínio 26 (MAYRINK; FIDALGO, 2018).

26. Para mais informações sobre as possíveis entidades para formação da pessoa jurídica do Termo Territorial Coletivo acessar: https:// rioonwatch.org.br/?p=35723

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Figura 26 - Esquema de implementação do Termo Territorial Coletivo em uma favela Fonte: Autoria própria, 2021

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Figura 27 - Relação do TTC com as leis brasileiras Fonte: Autoria própria, 2021

TERMO T

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TERRITORIAL COLETIVO

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Desde 2018, no Rio de Janeiro, existem várias favelas que, através da Organização Comunidades Catalisadoras (ComCat) tiveram acesso a oficinas com informações sobre o Termo Territorial Coletivo; como a Vila Autódromo, o Morro dos Trapicheiros, a Comunidade Indiana e o Conjunto Esperança. Atualmente a favela Trapicheiros e o Conjunto Esperança são projetos pilotos para implementação do Termo Territorial Coletivo na cidade. Estão envolvidos no grupo de apoio à implementação dos TTCs, representantes do setor público, profissionais técnicos e grupos da sociedade civil (LITSEK, 2019; STROBL, 2019; VARGAS; SANTOS FILHO, 2021; WORLD HABITAT, 2020). A favela de Trapicheiros, por exemplo, é localizada no bairro da Tijuca no Rio de Janeiro, ela existe há quase um século e vem enfrentando pressões para sua remoção há anos. Em 2020 tinham 65% dos moradores tinham sido informados sobre a existência do Termo Territorial Coletivo e sobre a possibilidade de sua implementação na área, destes 90% estavam interessados em aderir ao Termo Territorial Coletivo (STROBL, 2019; WORLD HABITAT, 2020).

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Este ano o Termo Territorial Coletivo foi inserido na minuta do Plano Diretor do Rio de Janeiro, a partir do artigo 137, como novo instrumento da política urbana do município. A audiência pública que discutirá o TTC acontecerá dia 28 de setembro de 2021, a partir das 10h30 27 (RIO DE JANEIRO PODER EXECUTIVO, 2021).

27. Transmissão ao vivo no canal do Youtube da Câmara Municipal do Rio de Janeiro <https://www.youtube.com/channel/ UCmkgkpuRbUGzwLSpnV2nevQ>

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Figura 28 - Casas da favela Trapicheiros à esquerda e condomínio à direita, bairro Tijuca, Rio de Janeiro. Fonte: STROBL, 2019

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Figura 29 - Casas da favela Trapicheiros à esquerda e condomínio ao fundo à direita, bairro Tijuca, Rio de Janeiro. Fonte: STROBL, 2019

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Fonte: Autoria própria com baseTijuca, nos Rio de Janeiro estimado 28 com o TTC, bairro dados de STROBL; WORLD HABITAT, 2021 de Fonte: Autoria própria com base nos dados STROBL; WORLD HABITAT, 2021

Favela Trapicheiros e envolvimento com o TTC, bairro noTrapicheiros Rio de Janeiro Figura 30 - MapaTijuca da Favela e envolvimento


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28. Estimativa feita com base nas porcentagens (apresentadas pela WORLD HABITAT, 2020) dos moradores informados sobre a existência do Termo Territorial Coletivo e dos moradores interessados em aderir ao TTC

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Figura 31 - Conjunto Esperança em Jacarepaguá, Rio de Janeiro. Fonte: VARGAS; SANTOS, 2021 Foto: Neide Mattos

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Figura 32 - Panfleto chamando os moradores da comunidade da Indiana para conversar sobre o TTC. Fonte: LITSEK, 2019

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Considerações Finais O processo de formação e consolidação das cidades é gerado pela disputa dos agentes da sua própria construção. Os agentes das classes mais altas, principalmente o agente imobiliário, buscam sempre o maior lucro nas negociações sobre a mercadoria solo, o que para as favelas configura em suas remoções de áreas de interesse mercadológico. Um dos principais questionamentos abordados neste trabalho foi sobre o papel do Estado no processo anterior às remoções, ou seja, o processo de especulação fundiária sobre as favelas. Com base em todos estudos é possível compreender que a ausência de intervenções estatais nas favelas, sejam elas a favor ou contrárias à ocupação, podem contribuir com o processo de especulação fundiária que posteriormente, por ações ativas, ou não, do Estado acarretam em remoções. Colocar a população a cargo da resolução dos conflitos criados pela mercantilização da terra é atribuir a ela uma responsabilidade árdua, que não lhe cabe. Entretanto, tendo em vista o cenário das disputas fundiárias atuais, esta pode ser a melhor alternativa. No mundo o Termo Territorial Coletivo já é usado em diversos países e tem gerado contribuições significativas para à luta pelos direitos de moradia digna, no Brasil já existem debates sobre o TTC e este seria uma enorme aliado na luta contra os processos de gentrificação, que acarretam na remoção de classes social com menor poder aquisitivo para as margem da cidade e da sociedade.

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