sobre a capa A cidade como um jogo de situações. Espaço de infinitas possibilidades e criações. Ainda é possível deslocar-se livremente no território, ao menos pelo caminhar ou pela imaginação. A luz invade a cidade de forma plena e divide-se em espectro de 7 cores visíveis, os corpos recebem os estímulos e processam as informações. A clareza se reduz aos pequenos círculos de consciência. Como em um paradoxo, somos guiados por novos impulsos e experienciamos o mundo. Em que momento ficamos cegos, e deixamos de traçar/enxergar os próprios caminhos? – o homem não existe apenas para reproduzir. Reconhecer os próprios desvios pode ser o primeiro passo.
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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE ARTES E COMUNICAÇÃO DEPARTAMENTO DE ARQUITETURA E URBANISMO
Rebecca Dantas Carneiro
A PROMOÇÃO DE DESVIOS NO ESPAÇO PÚBLICO: A EXPERIÊNCIA DO OXE, MINHA CIDADE É MASSA
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Coordenação de Graduação em Arquitetura e Urbanismo, da Universidade Federal de Pernambuco, para a obtenção do grau de Bacharel em Arquitetura e Urbanismo sob orientação do Prof. Fernando Diniz Moreira e co orientação do Prof. Ney Dantas.
Recife 2018
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Considerações Iniciais orientador: Ney Dantas
Tantas vezes na vida temos feito tantas coisas de forma convicta e alguns passos adiante, percebemos que precisamos voltar. Não voltar no tempo ou nas escolhas. Isso já não é mais possível. Inclusive, aprender a reverenciar os erros, pode até doer um bocado, mas nos torna quem somos agora. Falo de voltar a si e ao outro que passou pelas nossas vidas e tanto contribuiu ou nem tanto - mas de alguma forma passou. Passar, passado, passadas, engraçado como tudo tem relação com os nossos passos, como nossa caminhada. Às vezes mais curtas, às vezes mais longas, a depender do lugar que estamos passando, do tempo que passou, está passando ou vai passar, das pessoas que estão passando (dando passos), passeando com você. Tudo em um compasso louco, às vezes regrado, às vezes largado (porque cada um tem seu ritmo), que se chama vida. Vida, Vida, Vida, poderia nesse momento repetir essa palavra infinitas vezes e em cada uma delas, diferentemente do que o dicionário diz, teria um significado novo. Poderia ser amor, liberdade, dor, tristeza,
buscas, aprendizados, e até mesmo caminhada. Engraçado, porque nosso conceito de caminhada é também um pouco limitado. Entende-se caminhada como percurso, rota, trilha, que na maioria das vezes tem uma duração. É muito comum alguém dizer: “vou ali dar uma caminhada”. Em alguns minutos ou horas, ela volta e pronto, caminhou naquele dia. Admiro essas pessoas que conseguem caminhar de forma tão rápida e decidida, elas já têm em mente onde vão e a que horas voltarão. Podem repetir isso por dia, meses e anos. O que é inusitado, é quando algo não sai como planejado, uma pedra no caminho quem sabe, de repente um tropeço, a gente cai, se machuca, mas sempre volta a caminhar. Ou de repente, a pessoa sentiu-se insegura ao passar pela esquina de sempre e precisa mudar o roteiro, isso pode tomar um pouco mais de tempo. Tempo que as levou a ver uma flor linda que nasceu na outra rua, e de repente, o caminho ficou mais bonito, o compasso mudou. Esses dias sempre chegam. 6
Eu costumo repetir uma frase que ouvi certa vez: “quem faz tudo igual, morre mais cedo”. Não sei como, nem por quê, mas essas palavrinhas tomaram conta de mim, e desde então não consigo mais ir e voltar pela mesma calçada, ainda que em poucos passos. Isso ‘piorou’ depois que aprendi a ver Deus. ‘Piorou ainda mais’ depois que comecei o curso de Arquitetura, agora eu observo quase tudo - é que a gente precisa aprender a treinar o olhar para as coisas que estão sendo construídas no mundo. E ele muda o tempo todo. Encontrar o que permanece é a grande missão.
volta, a gente sempre volta – pra aquelas história dos errinhos lá de cima, tenta usar o tato, a visão, a audição, os outros sentidos, algumas vezes sozinhos, mas sempre ao lado das pessoas que dão passadas com a gente, que passeiam com a gente, com esse Deus que nos guia e com todo amor que Ele permite que aconteça quando a gente vai reaprendendo a caminhar novamente. Queria dizer que não disse muita coisa, mas consegui entender que a Vida pode sim ser chamada de tudo isso, e se não fosse esse amor aí do final, a gente não conseguiria dar passadas.
A parte mais difícil disso tudo é quando a gente percebe que está ficando meio cego, ou quando não deu tempo de perceber que já está tudo escuro. Mas não tem problema, a gente volta - a gente
Obrigada a cada um que já passou comigo por alguma coisa. E peço que desculpem qualquer passo mal dado, hoje eu entendo que os desvios são necessários.
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Resumo Este trabalho busca compreender as transformações na relação entre cidade e cidadão em termos de experiência no espaço público, a partir da noção de desvio cunhada pelo grupo Situacionista na década de 60. O desvio, baseado na ideia urbana de participação e revolução da vida cotidiana, surge como uma qualidade de articulação entre as dimensões físicas do lugar, somado às formas de apreensão destes espaços, e estendido às pessoas que os consomem e por meio deles se conectam, sendo assim, um conceito totalizado pelas características físicas, temporal e social. Para o nosso estudo, foram reunidos seres desviantes que ao longo da história se colocaram nos espaços públicos como capazes de criar suas próprias situações em contraponto às experiências urbanas controladas ditadas pela hegemonia de espetáculo. Nesse sentido, apresenta-se o coletivo “Oxe Minha Cidade É Massa” e analisa a atuação desviante do grupo enquanto promotor de sete intervenções espontâneas com foco no reengajamento, pertencimento e protagonismo do cidadão recifense. Palavras-chave: desvio; intervenção urbana; experiência; espaço público
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Abstract This work seeks to understand the transformations in the relationship between city and citizen in terms of experience in the public space, starting from the notion of deviation coined by the Situationist group in the 60's. The deviation, based on the urban idea of participation and social revolution, emerges as a quality of articulation between the physical dimensions of the place, added to the forms of apprehension of these spaces, and extended to the people who consume them and through them connect, being thus a concept totalized by the physical, temporal and social characteristics. For our study, deviant beings have been gathered throughout history who have placed themselves in public spaces as capable of creating their own situations in counterpoint to the controlled urban experiences dictated by the hegemony of spectacle. In this sense, the collective "Oxe Minha Cidade É Massa" is presented and analyzes the group's deviant performance as a promoter of seven spontaneous interventions focused on the re-engagement, belonging and protagonism of the Recife citizen. Keywords: deviation; urban intervention; experience; public space
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Sumário
06 Considerações Iniciais 13 Introdução 18 Parte I 20 Prólogo
1. Desviologia
1.1. Desvio e Origem 1.2. Desvio e Desviante 1.2 Desvio e Cidade
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2. Seres Desviantes Prólogo 2.1 Arte, Arquitetura e Urbanismo: Um grande desvio coletivo? 2.2 Desvio e Desviante 2.3 (U.U.): Uma proposta urbana baseada em desvios
Considerações Parciais
Experiência e Linguagem 68 3.Prólogo 3.1. Choque: um desvio absoluto? 3.2 Espetáculo: Contra desvio 3.3 O outro lado do espetáculo
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84 Parte II 86
4.2. A promoção de desvios no Espaço Público: As intervenções
4. Desvio Aplicado:
Oxe, minha cidade é massa
Prólogo 4.1 Oxe, minha cidade é massa 4.1.1 O Surgimento 4.1.2 A Metodologia 4.1.3 A Busca pelo resgate 4.1.4 Valorização e Empoderamento 4.1.5 Uso de mídias sociais como potencial agregador
4.1.1 4.1.2 4.1.3 4.1.4 4.1.5 4.1.6 4.1.7
Mão na massa 4 lugares Praça da Várzea Pátio do Livramento Carimbos Urbanos Varal dos Sonhos Filhos do Capibaribe
4.3. Resultados
154 Considerações Finais
158 Bibliografia 165 Lista de Figuras 11
“Há os que se aventuram em produzir desvios” Rosane Preciosa
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Introdução Existe uma necessidade inerente a cada cidadão em ver cidade valores que carregam dentro de si. Através urbanas pode-se observar, diversos símbolos e formas espontâneas em cidades que tiveram suas qualidades correr da modernização acelerada e desigual.
representado na de experiências de apropriações prejudicadas no
Como forma de manutenção de uma cidade viva e saudável, em contraponto a espetacularização, entende-se como premissa a existência de espaços públicos vivos, que promovam a utilização da cidade pelos diversos atores e vice e versa, e sejam assim, capazes de garantir direitos básicos, como a segurança, bem-estar social e caminhabilidade, garantam o cumprimento da sua função social e ainda experiencias urbana de qualidade. Nesse sentido, habitar torna-se uma ação constituinte do ser ao passo em que o homem pertence ao ambiente1, mas efeitos negativos da violência e da sensação de insegurança tem contribuído para o afastamento e esvaziamento das ruas. O surgimento de inúmeras práticas desviantes acende o contexto de seres que buscam retomar um espaço que lhes é seu por direito e dever. Os espaços públicos urbanos são palcos das transformações culturais e sociais em uma sociedade. A depender do modo como esses lugares são projetados, são capazes de nos proporcionar diferentes tipos de experiências. A valorização de espaços privados e negação de espaços públicos, tem contribuído para o esvaziamento das ruas, por exemplo, e são tidos como interferências que aqui neste trabalho entenderemos como razões para os desvios criados na forma como nos relacionamos e experimentamos os espaços; Se há então causas para a forma como nos relacionamos hoje com a cidade, o surgimento do ser desviante nesse contexto passa a ilustrar os momentos de consciência do ser contra essas normas que ditam experiencias urbanas controladas na cidade.
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MELO, Amanda. 2017.Sobreposições Afetivas.
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O ser desviante surge como uma espécie de contramão desse desvio. Um contra desvio. Aquele que escolhe voltar. Esse trabalho por tanto visa ser um estímulo à utilização de outras modalidades de apreender e se deslocar pela cidade, como o simples andar a pé. O ser desviante aqui, representa pessoas que sofrem inquietudes pela não-aceitação das normas e que às vezes sofrem consequências, quando ao sentirem-se presas e ansiosas, decidem seguir por caminhos não convencionais. Afinal, onde na sociedade sair da rota é permitido? Fazer caminhos diferentes é permitido? O que não se vê é que os desvios nos acompanham em vários momentos de nossas vidas, na infância, na paixão, na arte, na música, e trazem constantes sinais dos nossos comportamentos no presente e dão sinais de mudanças para o futuro. Dentro do âmbito acadêmico formal e planejamento urbano contemporâneo, ainda é silenciosa essa discussão para a conformação das cidades, tornando-se ainda mais imprescindível essa discussão que parte do sentido de resgatar o clamor situacionista de modo de produção apaixonante. Dito isto, este permanece sendo um trabalho acadêmico, o último da minha graduação, mas entendi que parar um pouco e entender o sentido das coisas que estava fazendo era crucial nesse momento. Às vezes estamos tão acostumados a só responder perguntas, que por vezes esquecemos de questioná-las. Portanto, você também encontrará momentos de pausa ao longo dessa construção, um tipo de intervalo entre um capítulo e outro. Estes serão os prólogos dos capítulos, onde trarei referências e conceitos externos, mas que serão tão fundamentais quanto os capítulos teóricos, visto que trazem minhas visões e reflexões sobre o tema.2
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Santos, Barbara Brena Rocha, A pé, uma narrativa sobre a experiencia do pedestre no centro histórico de Natal, 2015.
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Este trabalho visa contribuir para uma nova percepção do espaço pelo cidadão recifense pela experiência prática do desvio, o estímulo a novas vivências que são ofertadas através das intervenções urbanas no espaço público. O modo de fazer este trabalho não foi através de explicações das causas que levaram a estes afastamentos, visto que já existem inúmeros trabalhos que hoje abarcam de maneira satisfatória essa abordagem, e sim analisar como o estímulo aos desvios através de intervenções urbanas podem possivelmente contribuir para novas perspectivas aos que tiveram acesso a esses tipos de experiências. Foi através dessa motivação que eu e mais quatro alunos do curso nos unimos e criamos o Oxe, minha cidade é massa. A intenção inicial era um leve desvio, um questionamento aos problemas reais da cidade e que não tínhamos como resolver ali na faculdade. O que a gente não tinha noção, era até onde chegaríamos quando começamos a nossa aventura de desbravadores, de sermos turistas na própria cidade. Hoje, já contabilizamos mais de 20 ações em diferentes espaços públicos, nossas redes sociais somam mais de 5 mil seguidores, vendemos camisas, ganhamos prêmio, demos palestras, entrevistas, saímos no jornal, até bloco de carnaval tivemos. Fomos apresentar o projeto em São Paulo, Belo Horizonte e João Pessoa. Para essa construção desviante, a apropriação do espaço é parte fundamental da metodologia aplicada, visto que as intervenções promovidas pelo coletivo Oxe começaram a acontecer um ano antes deste trabalho, e o aporte teórico serviu não apenas para legitimar a ações, mas foi onde se construiu a base de entendimento para os resultados alcançados. Após identificar algumas intervenções com caráter desviante, escolheu-se sete delas em busca de construir uma linha de análise fazendo relações entre registros fotográficos, a base teórica e as minhas percepções como pesquisadora e participante. Esse trabalho foi dividido em duas partes para melhor organização das ideias, A Parte I recolhe os três primeiros capítulos que estão ligados a 15
uma reflexão imparcial em termos de narrativa, visto que jaz em reflexões de práticas desviantes ao longo da história. A Parte II se dedica a um formato diferente em busca de atender as demandas de linguagem da pesquisadora-participante em apresentar as intervenções promovidas pelo coletivo. No primeiro capítulo, intitulado Desviologia, partimos do ser Desviante, do homem que desvia, porque estudar desvio, e as relações estabelecidas entre desvio e sociedade. Para guiar essas reflexões, mergulha-se no universo de The Outsiders, livro de Collins Wilson, filósofo inglês, passamos pelos impactos da Revolução Industrial, como grande força de transformação das relações urbanas e sociais, e inicia-se discussões acerca dos escritos de Guy Debord em A Sociedade do Espetáculo, e suas devidas relações entre Arte, Arquitetura e Vida. No segundo capítulo Seres Desviantes se dá a reconstrução historiográfica de maneira reflexiva sobre o estado da Arte do Desvio. Tomando como aporte principal Walter Benjamin e Paola Jacques Berenstein, resgatou-se as figuras icônicas do Flanêur, Blasé, os Dadaístas e Surrealistas, até chegar aos Situacionistas e suas práticas de compreender e experimentar a cidade, buscando de que forma o desvio está presente em cada um deles e em suas atitudes. No terceiro capítulo, intitulado Experiencia e Narrativa, utiliza-se das reflexões do capítulo anterior para uma abordagem empírica de análise sobre os impactos do Choque e o Espetáculo na cidade contemporânea e suas relações com as experiências urbanas atuais. No capítulo quatro, Desvio Aplicado: A experiência do Oxe, minha cidade é massa será apresentado o trabalho desenvolvido pelo coletivo, desde sua origem, a forma como atua, as intervenções no espaço público e o modo como acontecem as relações entre as teorias apresentadas nos capítulos anteriores e o empirismo apresentado pelo grupo na posição de ser desviante.
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◄ 1 Ilustração, autora, 2018
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Parte I
Parte I
“Se os homens definem as situações como reais, elas são reais em suas consequências” W.I. Thomas
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“Se os homens definem as situações como reais,
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Desviologia
◄ 2.Street, Merve Osazlan, 2015
Desviologia
◄ 3.Street, Merve Osazlan, 2015
Desviologia
◄ 4.Street, Merve Osazlan, 2015
Desviologia ◄ 5.Street, Merve Osazlan, 2015
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Prólogo
A nordestina se perdia na multidão. Na praça Mauá onde tomava o ônibus fazia frio e nenhum agasalho havia contra o vento. (...)
Prólogo
Na verdade, saía do escritório sombrio, defrontava o ar lá de fora, crepuscular, e constatava então que todos os dias à mesma hora fazia exatamente a mesma hora. Irremediavelmente era o grande relógio que funcionava no tempo.
Prólogo
Sim, desesperadamente mim, as mesmas horas.
para
Bem, e daí? Daí nada. Quanto a mim, autor de uma vida, me dou mal com a repetição: a rotina me afasta de minhas possíveis novidades”
Prólogo
(A hora da Lispector, p40)
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Estrela,
Clarice
Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) foi um importante filósofo, teórico político, escritor e compositor autodidata suíço. Para ele, as instituições educativas corrompem o homem e tiram-lhe a liberdade. Para a criação de um novo homem e de uma nova sociedade, seria preciso educar a criança de acordo com a Natureza, desenvolvendo progressivamente seus sentidos e a razão com vistas à liberdade e à capacidade de julgar. 4 “A essência, a natureza do homem é [para Rousseau] essencialmente boa; o
Partimos de uma existência onde o princípio básico do ser é a possibilidade de se expressar. Segundo Rousseau3, todos nós temos algo para dizer, fazer ou sentir a partir do momento em que chegamos ao mundo, estamos no estado de natureza4. Ao longo da vida vamos sofrendo diversas influências, desvios do nosso estado natural. Essas influências podem partir de raízes culturais, sociais, econômicas... e aí onde ocorrem nossos processos de transformação (Rousseau, 1755). Segundo Carl Jung5, o nosso inconsciente é infinitamente maior que a nossa parte consciente, mas enquanto não consigamos fazer com que ele se torne consciente, continuaremos
que vemos diante de nós é uma degradação, uma degenerescência dessa natureza originária, em si mesma límpida e rica em potencialidades” (Fortes, Rousseau: o bom selvagem, p. 32 5 Carl Jung (1875 – 1961) foi um psiquiatra e psicoterapeuta suíço qu e fundou a psicologia analítica. Propôs e desenvolveu os conceitos, arquétipo e inconsciente coletivo e considerou a individuação como o processo central do desenvolvimento humano.
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a nos movimentar como cegos percorrendo um mundo desconhecido, onde flashes imprecisos de uma realidade subterrânea estivesse nos conduzindo, sem percebermos o quanto isso exerce seu poder sobre nós. “Até você se tornar consciente, o inconsciente irá dirigir sua vida e você irá chamá-lo de destino”.
sobrevivência, recorremos em busca de entender o que os desvios podem nos trazer nas tomadas de decisões diárias, em termos de experiências urbanas, que impactos podem nos causar na forma de vivenciar e compreender os espaços, visto que cidades em sua essência, como diria Jan Gehl, devem ser feitas e pensada para as pessoas.
Embora isso pareça de um tanto esclarecedor, há quem diga que lidar com o momento de tomada de consciência dos processos que passamos nos traz inquietudes. Certo dia em meio a questionamentos, Clarice Lispector afirmou que a ignorância nunca havia lhe feito mal6. Lidar com inquietude e tantas vezes com a sensação de impotência pode ser difícil na sociedade contemporânea em que vivemos hoje, onde a estes seres, desviar tornou-se uma questão de sobrevivência na busca pelo reencontro com a sua essência. Assim começa a nossa busca pelo retorno à essência da cidade. Por uma questão de
Para entender sobre desvios precisamos primeiro entender sobre espaço. Segundo Richard Sommer (1973), o espaço pessoal refere-se a uma área com limites invisíveis que cercam o corpo da pessoa, e na qual os estranhos não podem entrar. E aí está o nosso entendimento acerca de limites e regras entre nós cidadãos como seres humanos, e da cidade para com a sociedade. A busca pelo desvio, que é neste trabalho a busca por entender uma forma de reconectar as pessoas aos lugares pelos limites que foram estabelecidos, transcorre pelo questionamento na sociedade
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Clarice afirma em entrevista no a Julio Lerner, no programa “Panorama com Clarice Lispector”, Tv Cultura, 2012
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contemporânea, de compreender até onde vai o que nos une ou o
que nos separa enquanto cidadãos? Quais são as barreiras existentes que causam essas desconexões que eu encontro diariamente e que me levam a desviar? Mas se estendendo a este entendimento, busca formas de reinventá-los. Ainda que esse trabalho tenha um caráter investigativo no campo da arquitetura e do
urbanismo, é importante que se entenda que muitos dos conceitos trazidos para fundamentar os nossos desvios terão em suas raízes autores de base das ciências sociais, das artes e da filosofia. Visto que não há como entender o desvio sem antes também questionar sobre normalidade, sobre as visões de mundo: o impacto dos desvios sobre a nossa percepção do espaço.
1.1 Desvio e Origem “A naturalidade de hoje é o absurdo de amanhã”7 Não há como falar de desvio sem questionar a normalidade. Como dito anteriormente, desde o nosso nascimento estamos imersos em um cenário de culturas e valores que são traduzidos na sociedade por meio de regras estabelecidas e comportamentos pré-determinados. A existência do “não” tão presente nos processos educativos, desde cedo ditam caminhos e formas de pensar que devemos seguir.
1.1 Desvio e Origem
Em 1955, The Outsiders de Colin Wilson inovou ao deslocar a noção de desvio identificada com o crime, para um termo que supõe uma relação social, na qual transita do foco no indivíduo para o foco nas relações e que produzem regras e exigem seu cumprimento; da naturalização das regras para a produção social das mesmas e os processos de imposição de
1.1 Desvio e Origem
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MATTOS, Tiago. Vai lá e faz. Porto Alegre, 2017.
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1.1 Desvio e Origem
rótulos sobre os que são designados como desviantes. Howard Becker (2009) em Estudos da sociologia do Desvio, traz aprofundamentos em alguns dessas relações quando aponta: “Algumas regras são restritas a grupos específicos: judeus que observam os princípios de sua religião não devem comer alimentos que não sejam kosher, mas os demais são livres para fazê- lo. As regras dos esportes e dos jogos são semelhantes: não importa como você mova uma peça do xadrez, contanto que esteja jogando xadrez com alguém que leva as regras a sério, e qualquer sanção pela violação das regras vigora apenas na comunidade do xadrez. Dentro dessas comunidades, porém, operam os mesmos tipos de processo de fabricação de regras e de detecção dos que as violam” (BECKER, 2009) Tais regras interferem mais do que se imagina na criação de um imaginário, isto é, nas visões de mundo criadas através das experiências pré-determinadas em que se vive. Segundo Mattos (2017), ao nascer, entrar para escola, passar no vestibular, ser treinado para um trabalho para ganhar dinheiro, casar-se, ter filhos...é uma forma muito clara de raciocinar um destino pré-estabelecido. “Numa outra direção, certos comportamentos Serão considerados incorretos, mas nenhuma lei se aplica a eles e nem há qualquer sistema organizado para detectar os que infringem a regra informal. Alguns desses comportamentos, em aparência triviais, poderiam ser vistos como infrações de regras de etiqueta (arrotar onde não deveríamos, por exemplo). Falar sozinho na rua (a menos que você esteja segurando um telefone celular) será visto como incomum e levará as pessoas a achá-lo um pouco esquisito, mas, na maioria das vezes, nada será feito com relação a isso. Ocasionalmente, essas ações fora do comum incitam de fato os outros a concluir que você pode ser um "doente mental e não apenas "grosseiro" ou "esquisito': Nesse caso, sanções podem 24
entrar em jogo, e lá vai você para o hospital” (BECKER, 2009) Todas essas influências podem ter caráter opressor inclusive nas nossas formas de ser e compreender o outro, e por isso, é crescente na história o número de instituições e grupos de pesquisas para atender aqueles que se expressam ou queiram seguir um caminho diferente. Àqueles que de repente pegam um atalho e optam por um desvio. A estes, chamaremos de seres desviantes e os discutiremos mais à frente Para o desvio aqui presente, essa compreensão cruza as esferas entre a teoria e a prática em si, onde o conceito de verdade por vezes contrapõe a exatidão das ciências ao permitir resgates entre relações puras da relação intrínseca entre sujeito, verdade e linguagem. Esses processos que guiam experiências provocam inúmeras contradições sociais, culturais e políticas e é nesse sentido que aqui, a formação de desvios fomenta o princípio de visão de mundo e do reconhecimento do eu social. O reconhecimento do eu social nessa discussão, nada mais é do que a consciência das formas como o próprio ser se relaciona com a sociedade contemporânea. Na medida em que aponta a diferenciação do conhecimento empírico do real, defende a possibilidade de transmitir a verdade pelas vias da experiência. A este raciocínio, acrescento às relações anteriores, que quando somadas a Arquitetura, Urbanismo e Paisagem, influenciarão nossas capacidades do Eu espacial. Em resumo, diariamente passamos por experiências capazes de influenciar a formação de alguns desses conceitos anteriores, e a depender do modo como repercutem em nós, são capazes de afetar pensamentos e ideias, à medida que isso acontece, ocorrem desvios na nossa forma previsível de conceber o espaço, a sociedade, a política, os sentimentos ou mesmo comportamentos.
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◄ 9 Répteis, M. C. Escher, 1943
1.2 Desvio e Desviante
Collin Wilson identificava na sociedade um determinado tipo de ◄ 6 Répteis, C. Escher, 1943 indivíduo, cuja M. principal característica seria o fato de possuir a sensação íntima de que seus valores não correspondiam aos de nossa sociedade:
1.2 Desvio e Desviante
Aqueles que percebiam que a vida era muito mais fascinante do que seus contemporâneos demonstravam perceber, os seres desviantes, são ◄ 7 Répteis, M. C. Escher, 1943 indivíduos que motivados pelo sentimento de desconexão do mundo moderno, optam por fazer caminhos diferentes por não se contentarem com o que é preestabelecido na normalidade esses seres tentariam, não sem riscos, construir seus próprios caminhos de forma criativa, produzindo arte e ideias ◄ 8 Répteis, M. C. Escher, 1943 pouco usuais durante sua trajetória pessoal (Lisboa, 2013).
1.2 Desvio e Desviante
1.2 Desvio e Desviante
Como veremos mais à frente os Errantes de Paola8 e os Derivantes9 situacionistas, guiados por Guy Debord, na década de 60, fazem parte de um dos grupos de movimento de resistência contra a modernidade espalhados pelo mundo e que se colocam nos espaços públicos como 8
Errante é como Paola Jacques Berenstein nomeia as figuras míticas, seres que aqui são entendidos como desviantes, em seu livro Elogio aos Errantes, 2014, base fundamental para este trabalho. 9 Derivantes, aqueles que fazem Derivas, ou seguem os ensinamentos propostos pela Internacional Situacionista.
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capazes de criar suas próprias situações. Os desviantes aqui são os que decidem seguir caminhos diferentes, desviar, porque sabem que irão ter uma experiência que lhes trará novas percepções. São seres que lidam com a consciência e, portanto, com suas próprias escolhas. O desvio se torna nesse sentido, o vício pela a linearidade, pela inovação, é a busca pelos novos diálogos que ampliem a razão. Os seres desviantes podem ser alimentados pela constante curiosidade, pelo não-saber, pela extrema sensibilidade, irracionalidade, pelas paixões e as utopias indispensáveis à vida, sem as quais não há humanidade possível. A História está repleta de seres desviantes que influenciaram diretamente em novos rumos da arte, da música, da política, da arquitetura e do urbanismo. Segundo Wilson (1955), o ser desviante é alguém que não pode viver confortavelmente isolado no mundo dos conformados, aceitando as coisas que vê e toca como a realidade. A desviante enxerga demasiado e de forma muito profunda, e o que ele vê no comodismo é o caos. Estes seres acreditam que a maior maldição da nossa civilização é o tédio, e percebe que "a maior parte dos homens não possuem nada em suas cabeças que não seja suas necessidades físicas" e esses homens, se colocados em "uma ilha deserta, com nada para ocupar suas mentes, enlouquecerão, por faltar-lhes verdadeira inspiração": Desse modo, o Desviante sentiria "profundamente a injustiça que há em seres humanos terem de viver em tal anestesiante nível de cotidiana trivialidade"; "Somos todos prisioneiros – um Desviante sabe disso, e ele deseja escapar dessa prisão, mas não se unindo às fileiras das multidões, que 'trocam de camisa todo dia, mas nunca mudam a compreensão que têm de si mesmos'”(Wilson, 1955) Os desvios estão presentes por toda parte, ainda que na esfera do inconsciente. Não existe caminho certo. Mas queremos tratar aqui é o desvio intencional. Os seres desviantes aqui são os que optam por fazer caminhos diferentes por não se contentarem com o que é preestabelecido na normalidade. 27
Os desviantes aqui são os que decidem seguir rotas diferentes, desviar, porque sabem que irão ter uma experiência enriquecedora. Como um mosaico vivo, buscam se compor e recompor10. São seres que lidam contra a anestesia, a miopia da sociedade contemporânea. Seja por inquietude, seja por curiosidade, cada qual por sua motivação. Santos e doidos, tolos e gênios a um só tempo, seu traço em comum seria a sensação íntima de que algo está errado, de que a sociedade está tomando ou sempre tomou um rumo que não atende às suas expectativas, o que faz com que sigam um trajeto discordante da maioria, ao menos em parte.11 Ao grupo de pessoas com características desviantes em comum, analisadas por Colin Wilson, estavam Van Gogh, William Blake, Herman Hesse, Ernest Hemingway, Franz Kafka , Andy Wharol, Tunga e Nietzsche. A esta lista de representações disruptivas para sociedade, poder-se-ia acrescentar inúmeras pessoas, inclusive as mulheres, que trouxeram apelos imensuráveis através de suas lutas, inventos e ideais. 12 Os homens são como rádios quebrados, e antes que possam funcionar adequadamente, precisam se consertar...às vezes, o esforço de um artista que é desviante faz com que pense em suicídio, mas, antes de chegar a esse ponto, o universo repentinamente parece fazer sentido novamente, e ele tem uma visão de seu propósito, e o sentimento que disso surge (Wilson, 1955). É imprescindível dizer que não apenas encontraremos desviantes entre filósofos e artistas, tantas vezes são pessoas comuns, exemplos reais, que 10 11
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Em Desvios sobre a arte e vida na contemporaneidade, Rubiane Silva, Vitória, 2011. Lisboa, 2013
Marina Abramovic, uma artista performática, produz suas obras desafiando os limites do corpo, afirma que gosta de estar no que ela chama de “espace in between”, no espaço entre, e que isso só acontece quando você abandona seus hábitos e se abre completamente para o destino¹.
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estão ao nosso lado, assim afirma Becker (1991), e muitos desses seres Desviantes, artistas e não artistas, dotados de certo espírito criativo ou poético, compartilham ainda de escanteios sociais, muitas vezes sentemse incompreendido ora por uma sociedade que lhes rompe laços, ora por falta de representação social na hora em que revelam seus anseios, sejam pessoais e/ou coletivos. Que outros movimentos seriam esses? E como essa atitude de desvios se apresenta em cada um deles? Os exemplos que serão trazidos mais à frente, buscarão tratar dessa espécie de ser, os desviantes que impactaram diretamente no espaço urbano.
◄ 10 Metamorphosis I, M. C. Escher, 1937
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1.3 Desvio e Cidade Aos termos de desvio que recorrem ao espaço urbano, atribui-se também a formação desse espaço físico, aspectos sociais e econômicos de desenvolvimento das cidades. ◄ 11 Gossip, Merve Ozaslan,Como 2015 dito anteriormente, esse trabalho não busca apontar as causas diretas as quais se atribuem os desvios, mas finda em sua essência compreender como esse sistema de reprodução funcionalista originou hábitos de ver viver a cidade.
1.3 Desvio e Cidade
1.3 Desvio e Cidade
12 Sir, Merve Ozaslan, 2015 Por◄exemplo, o processo urbanístico no Brasil, é marcado fortemente pela industrialização automobilística. O governo do presidente Juscelino Kubitschek, entre 1956 e 1961, empolgou o país com seu slogan "Cinquenta anos em cinco", e é um exemplo claro da valorização à cultura do automóvel no país que engatou seu processo de modernização tendo ◄ 13 Gossip, Merve Ozaslan, automobilística, 2015 como carro-chefe a indústria e por sua vez, traduzia o ideal de progresso na feitura de grandes obras públicas (MACEDO, 2009).
1.3 Desvio e Cidade
Por muitas décadas, o carro foi apenas objeto de uso exclusivo da classe brasileira com maior poder econômico, sendo praticamente inacessível para um trabalhador da época” (LEITE, 2006 apud BASTOS, 2012, p. 107). Na adoção do projeto rodoviarista como “escolha econômica nacional”, políticas de desenvolvimento que visavam o lucro imediato, incentivavam ao consumo e a popularização do automóvel e, consequentemente, contribuíam para o problema da mobilidade urbana no Brasil, que em parte é resultado desta escolha. Visto que a mercantilização da vida passa pela mercantilização da própria cidade, buscar um olhar sobre a acumulação financeira nesses termos, sugere um olhar analítico aos fatos e eventos históricos a fim de compreender dimensões capazes de evidenciar as relações de exploração pré-existentes. À medida que o Habitar é substituído pelo Circular (Lefebvre, 2006), há uma repercussão direta na produção da paisagem urbana e configuração sócio espacial, que ora preserva a imposição de limites existentes, ora a criação de novas barreiras, ou ainda a dissolução dos limites existentes 30
entre espaço público e privado. Entender a valorização do espaço é, portanto, entender sua relação direta com conteúdo determinado pelo capital na lógica da acumulação urbana atual. Tendo em vista esse contexto, o que é realmente interessante não é a caminhada científica e sim como esta caminhada se cruza com dilemas simples que cada ser humano enfrenta (DOWBOR, 2002), as cidades que já foram vistas como a solução, o problema, hoje, muito mais se aproxima de uma visão de cidades como um palco de oportunidades. A oportunidade de conexão, de troca, de apoio, de prosperidade, de felicidade. Novos modelos de cidades que estão sendo pensados para o futuro, para a sobrevivência em contraponto aos modelos fadados de hegemonia do capitalismo. Alguns apontamentos indicam para a reconstrução de uma cidade que muito mais se comunica com a sociedade, que dá suporte ao mercado local e que em resposta, resgata o movimento das esquinas e becos antes escuros e ociosos. A transição dos locais de passagem aos de permanência. A questão é, agora, o cenário é de cidade que ver-se colapsada nas diversas dimensões de sua existência e que precisa se reinventar e ressignificar por todos os lados em busca dessa sobrevivência. Uma cidade que se vê obrigada a retomar a sua origem e refazer a transição do quantitativo para o qualitativo. Vê-se novamente o deslocamento do macro para o micro, uma retomada para o que é feito sob medida. Onde a economia local, antes fortalecida apenas nas periferias urbanas hoje presente na reinvenção das cafeterias de bairros, na produção artesanal do vizinho. É uma espécie de fluxo migratório interno que tem impacto direto na contrarrevolução das maneiras de se apropriar do espaço. O que aqui poderia se caracterizar como um desvio dentro do desvio. Aponta-se para um momento onde a preocupação com a empatia, com o resgate dos direitos, da importância de pensar uma cidade para mulheres, para crianças e, portanto, um momento político que retoma diretamente o seu diálogo com a cidade na medida em que retoma a discussão sobre a 31
◄ 14 Sir, Merve Ozaslan, 2015 ◄ 14 Gossip, Merve Ozaslan, 2015
necessidade de pensar a cidade para o cidadão, para o pedestre, para o ciclista, e para a tecnologia. Para a reconstrução e readaptação não só de equipamentos, mas também de valores das cidades, que a cada dia que passam estão propensas a reaproximação das pessoas para com esses espaços. Ou para ir mais afundo, modelos de cidade que apontam para cidades inteligentes, resilientes, empáticas, diante de suas significações. É importante lembrar que estamos tratando de desvio e mostrar que está acontecendo novamente uma grande alteração nas formas de apropriação dos espaços que precisa estar acompanhada de um processo educativo de
como usá-los. É este o desvio que aqui por tanto, pretendem ser mostrados, não entendimento da causa pela causa e sua concretização, mas ao entendimento passado, as ferramentas do presente, para tomada de diferentes partidos em decisões futuras. É nesse sentido que se reconhece a importância do papel do arquiteto e urbanista nesse processo, e que servirá de base para a compreensão das experiências desviantes propostas pelo coletivo “Oxe, minha cidade é massa!”.
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Seres Desviantes
◄ 15 Grandam, Merve Ozaslan, 2015
Seres Desviantes
◄ 16 Grandam, Merve Ozaslan, 2015
Seres Desviantes
◄ 18 Grandam, Merve Ozaslan, 2015
◄ 17 Grandam, Merve Ozaslan, 2015 34
Seres Desviantes
Prólogo
Baudelaire - A une passante, 1855 A rua em torno de um frenético alarido; toda de luto, alta e sutil, dor majestosa, Uma mulher passou, com sua mão suntuosa; Erguendo e sacudindo a barra do vestido. Pernas de estátua, eralhe a imagem nobre e fina. Qual o bizarro basbaque, afoito, eu lhe bebia; no olhar, céu lívido onde aflora a ventania, a doçura que envolve e o prazer que assassina. Que luz... e a noite após! – Efêmera beldade; cujos olhos me fazem nascer outra vez, não mais hei de te ver senão na eternidade? Longe daqui! Tarde demais! “Nunca” talvez! Pois de ti já me fui, de mim tu já fugiste, tu que eu teria amado, ó tu que bem o viste!”13
Prólogo
Prólogo
Guy Debord, 1960
Prólogo
“A economia política, o amor e o urbanismo são os meios que seria preciso dominar para se resolver um problema que é antes de tudo de ordem ética. Nada pode obrigar que a vida não seja absolutamente apaixonante. Nós sabemos como fazer.”14 Eu imagino que você deve estar se perguntando qual seria a 13
" À Passante " é um poema de Charles Baudelaire (1821-1867), publicado na revista The Artist em Paris, 1855.
relação entre o poema de Baudelaire, a fala de Debord e os desvios que queremos abordar nesse trabalho. Bom, as respostas estão na motivação que provoca desvios na percepção que temos sobre o objeto que é o do nosso interesse. Tanto Baudelaire quanto Debord, interpretaram o contexto histórico no qual se encontraram e a noção de urbanização15 presente nessa discussão. Esse elo de aceleração do tempo com a vida nas grandes metrópoles, apresentado pelos autores, pode ser constituído quando a filósofa e pesquisadora Olgaria Matos (2014), apresenta uma visão Benjaminiana, de aproximação da experiencia à noção do tempo progressivo aquele que se entende como ‘progresso’: “O que significa uma passante? O poeta que vê a moça passar, se apaixona perdidamente, mas quando vai falar com ela, a moça já virou a esquina e se perdeu na 14
Potlatch nº2, 29 de junho de 1954, texto coletivo do grupo Internacional Letrista. 15 Noção de urbanismo tratada a partir do contexto moderno e funcionalista.
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multidão. Essa efemeridade do tempo que não se mantem e a experiência de não ter mais tempo, diz respeito ao advento metropolitano contemporâneo, que Benjamim data do século XIX, mas que vale para os nossos dias”16
Essa relação direta com o clamor dos Situacionistas, se analisada do ponto de vista das cidades, retrata o espaço de inúmeras experiências interrompidas e/ou que não chegaram a acontecer, onde não se tem tempo para vivenciar a cidade e onde o conceito de perda de experiencia é fundamental no mundo moderno17 (Matos, 2014) Para o desvio aqui, “economia política, amor, e urbanismo”, são partes da reflexão retomada por Paola Jacques (2003) na introdução de Apologia da Deriva, livro que reúne uma série de escritos situacionistas sobre a cidade.
16
Olgária Mattos em “Tempo sem Experiência” disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=a
Jacques inicia o seu discurso questionando qual o sentido de resgatar o pensamento situacionista, qual seria a maior relação entre a proposta apresentada por eles na época em contraponto ao modo como vivemos hoje. O intuito da autora é provocar e refletir sobre ausência de paixão na vida e no pensamento urbano contemporâneo, e o nosso intuito aqui é compreender em que medida essas ausências se caracterizam como desvios na noção que temos de espaço e de que forma afetam diretamente o modo em que vivemos hoje e nossas experiências. Jacques, (2012) ainda relembra uma aproximação entre os interesses da população e as relações políticas, sociais, artísticas e culturais no espaço público em uma época que vivia-se um momento de difusão de um pensamento urbanístico que pairava a participação cidadã e contrapõe ao cenário atual de espetacularização rANFGj10Tg&t=221s, acessado em Abril de 2018. 17 Idem
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urbana generalizada, caracterizado pela ausência dessa participação em prol da burocratização das causas, onde pouco se vê efeito das revoluções anticapitalistas. Mas afinal como retomar essa tradição do modernismo nos ajustes para os dias atuais?18 Como o urbanismo Insurgente situacionista despontando pelo
desejo da retomada dessa paixão na produção do espaço poderia interferir em futuras decisões de planejamento urbano? O objetivo nesse capítulo é reconstruir de forma um pouco mais direta, uma história de longa duração desses processos de desvios modernos que visam embaralhar arte e vida na cidade.19
2.1 Arte, Arquitetura E Urbanismo: Um Grande Desvio Coletivo “Nossa primeira ideia: é preciso mudar o mundo. Queremos a mais libertadora mudança da sociedade e da vida em que estamos aprisionados. Sabemos que ◄ 19 Excursions & Visites Dada/ Premiere Visite..por 1921.meio Disponível essa mudança é possível das ações em: http://www.postersplease.com/component/k2/item/82872adequadas. Nosso intuito é utilizar certos meios de ação, e descobrir ainda outros, mais facilmente identificáveis na área da cultura e dos costumes, mas que sejam aplicados na perspectiva de uma interação de todas as mudanças revolucionárias”20
2.1 Arte, Arquitetura E Urbanismo: Um Grande Desvio Coletivo 18
Paola Beresntein Jacques no texto de apresentação de Apologia da Deriva, 2003
https://www.youtube.com/watch? v=uktsiRbZGJc&t=4303s, acessado em Abril de 2015
20 Excursions Dada/ Premiere Visite.. 1921. Disponível Ricardo Fabbrini & emVisites “A tradição em: http://www.postersplease.com/component/k2/item/82872do modernismo nas ruas: do flâneur 20 Debord, Guy. Relatório sobre a ao urbanismo insurgente construção de situações e sobre as situacionista”,disponível em: 19◄
2.1 Arte, Arquitetura E Urbanismo: Um Grande Desvio Coletivo
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Segundo Fabbrini (2015) dentre as visões apontadas no modernismo, a relação entre arte e arquitetura é análoga às relações entre ética e estética proposta pelos movimentos, em suas buscas de uma reconciliação entre arte e vida.21 Nos anos 90, Nicolas Bourriaud em seu livro Estética Relacional reflete sobre o lugar da arte na sociedade contemporânea e as interferências que o mercado e a cultura de consumo produzem no ambiente social. O surgimento da produção artística que ele batiza de ‘arte relacional’, está diretamente ligado à diminuição dos espaços de convívio em prol dos ambientes de consumo. Ainda que sua reflexão esteja voltada para a arte contemporânea, considerou-se de grande relevância para o pensamento urbano na medida que agrega o valor da sensibilidade artística como um potencial social na prática urbana atual: Ontem, a insistência sobre as relações internas do mundo artístico, numa cultura modernista que privilegiava o 'novo' e convidava à subversão pela linguagem; hoje, a ênfase sobre as relações externas numa cultura eclética, na qual a obra de arte resiste ao rolo compressor da 'sociedade do espetáculo'. (BOURRIAUD, 2009) Em Walkscapes: O caminhar como prática estética, Francesco Careri, por meio da retomada do andar a pé, eleva o ato de caminhar à categoria de arte e estabelece alguns pontos entre os críticos da Arte e da Arquitetura. Caminhante compulsivo, o autor passeia pelas páginas do livro convidando o leitor a caminhar também na imaginação pelo despertar de um desejo, quase uma necessidade, de se colocar no espaço onde habita a diferença entre ver e criar a própria paisagem.
condições de organização e de ação da tendência situacionista internacional: revolução e contrarrevolução na cultura moderna. Texto apresentado na conferência de fundação da Internacional Situacionista de Coscio d’Arroscia, julho de 1957. 21 Ricardo Fabbrini em A altermodernidade de Nicolas Bourriaud, São Paulo, 2012.
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No decorrer do livro, o caminhar se configura como ação empírica, como intervenção urbana, como uma prática artística em si, enquanto a errância se configura como a arquitetura da paisagem e desviar se torna crucial para que tudo isso ocorra. Essas divagações, possivelmente estariam em intervalos de tempo, entre a compreensão e a ação de espaços que se cruzam entre o que é novo e o que já está construído. Estariam também na relação entre colocar-se em estado de receptibilidade integral à cidade para apreender os momentos do imprevisível, que segundo Fabbrini (2015), seriam “os fenômenos que não tem lugar no mundo ordenado segundo a racionalidade voltada para os fins” desviantes. “Os limites espaciais se mostram menos rígidos. Entre interior e exterior, entre dentro e fora, entre privado e público, entre aqui e lá. Novamente o espaço do “entre”. Entre dois. Estar “entre” não quer dizer ser uma coisa ou outra, quer dizer ser temporariamente uma coisa e outra. Estar no meio de (en train de) ... Em transformação. É não somente estar no meio ou em um meio, mas ser o próprio meio.”22 Na análise de Benjamin todos os movimentos, que aqui serão retomados nessa reconstrução historiográfica, que garantem alguma continuidade por suas transmissões desviantes, tanto Baudelaire, as Deambulações Surrealistas e as Derivas Urbanas, são tentativas de reproduzir a vida enquanto obra de arte, esses movimentos são diferentes versões de uma mesma reação à ideologia de mecanização do trabalho e racionalização da sociedade tendo em vista o agressivo processo global de acumulação do capital que rege hoje a vida nas metrópoles e construção de centros urbanos. (Jacques, 2012 apud Fabbrini, 2015). Flanêur (pronunciado: [flɑnœʁ]), do substantivo francês flanêur, significa "errante", "vadio", "caminhante" ou "observador". Flânerie é o ato de “Trialogue: lieu/mi-lieu/non-lieu”, publicado em Lieux Contemporains, Descartes&Cie, Paris, 1997. 22
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passear. Flanêur é é boulevardier. 23
um
quase-sinônimo
Em 1860, entram em voga diferentes críticas à multidão “desordenada” e à situação urbana “caótica” que acontecia em Londres, noticiada em diversos jornais da época, a reforma anunciava os primórdios do que chamamos hoje espetacularização das cidades24, e passou a estimular grandes reformas urbanas, a exemplo da “Modernização” de Paris. (JACQUES, 2012) Foi-se a velha Paris (de uma cidade a história depressa muda mais que um coração infiel); Paris muda! Mas nada em minha nostalgia mudou! Novos palácios, andaimes, lajeados, velhos subúrbios, tudo em mim é alegoria. E essas lembranças pesam mais do que rochedos (...). (BAUDELAIRE, 1985, p. 327) Charles Baudelaire (1821-1867), poeta contemporâneo das reformas urbanas do Barão de Haussman, descreve as transformações que aconteciam na cidade e lamenta o desaparecimento de uma certa Paris por onde costumava perambular: As ruas deixam de ser estreitas para que por elas se estreitem as diferenças entre as classes. O plano urbanístico de Haussmann alarga o espaço para que nele estampe a diferença de tempos de seus habitantes. Pelas avenidas e pelos bulevares, o passante já não é um transeunte: é a parcela anônima, quase sempre indistinta, da multidão (LIMA, 1980 p. 110). Nesse contexto, é estabelecido um novo ritmo para um novo homem e suas novas relações sociais, como é o homem da multidão de E. A. Poe, que passa a caminhar pela cidade para experimentá-la, e o flanêur que vaga pelas ruas apenas a contemplar a vida, se perde voluntariamente pelo inebriante prazer entre a alteridade e o anonimato da multidão.
23 24
Ver em “Origem do Flâneur”, Wikipedia, enciclopédia livre. Ver Sociedade do Espetáculo, 1967.
40
A multidão é seu universo, como o ar é o dos pássaros, como a água, o dos peixes. Sua paixão e profissão é desposar a multidão. Para o perfeito flanêur, para o observador apaixonado...estar fora de casa, e contudo sentir-se em casa onde quer que se encontre; ver o mundo, estar no centro do mundo e permanecer oculto ao mundo, eis alguns dos pequenos prazeres desses espíritos independentes, apaixonados, imparciais que a linguagem não pode definir senão toscamente.25 Dessa paixão do flanêur pela cidade e a multidão, decorre a flanêurie como ato de apreensão e representação do panorama urbano26. O termo, que surge nos séculos XVI e XVII associado com “gastar tempo”, se solidifica no séc. XIX, através de outro conjunto de significados: Sainte-Beuve escreveu que flanêur "é o oposto de não fazer nada". Honoré de Balzac descreveu a flânerie como "a gastronomia do olho". Anaïs Bazin, escreveu que "o único, o verdadeiro soberano de Paris é o flanêur". Para Victor Fournel, não havia nada de preguiça na flânerie, era, sim, uma maneira de compreender a rica variedade da paisagem da cidade.27 Ao desafiar e desviar do pensamento de normalidade refletido no espaço através do questionamento das formas de controle de ocupação impostas na cidade pelo advento da mudança, a figura do flaneur, passa a ser fundamental para a compreensão da imagem das ruas de Paris. Paola Jacques (2012) relaciona a atitude de se voltar a multidão pela necessidade de se sentir vivo, enquanto observa cidade antiga sendo
25
Charles Baudelaire, "O pintor do mundo moderno", originalmente publicado em Le Figaro, in 1863. Trecho copiado de Dayane da Silva Nascimento, "Olhares sobre o moderno: a metrópole nas visões de Charles Baudelaire e João do Rio". 26 Homem da multidão e o flâneur no conto “O homem da multidão” de Edgar Allan Poe Sérgio Roberto Massagli (UNESP) 27 Ver em “Origem do Flâneur”, Wikipedia, enciclopédia livre.
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demolida para dar lugar a grande cidade modernizada, com o que alguns autores como Simmel, Kracauer e Benjamin, chamam de estado de choque: “O flanêur “era aquele que não se protegia psicologicamente, mas, justo ao contrário, buscava a experiência do choque com o Outro, com os vários outros anônimos, a embriaguez da multidão” (KRACAUER, 1925 apud JACQUES, 2012a, p. 51). Será então o estado de choque, que aparece em resposta às grandes transformações urbanas, reflexo dos padrões de modernização à esfera sensível? Até que ponto pode haver interferência (desvio) na consciência de experimentação e percepção da cidade atual? Entretanto, a resposta dada pelo homem moderno à grande metrópole também pode gerar incapacidade de reagir a essas mudanças, como alerta Georg Simmel. Diferentemente da visão trazida por Baudelaire, Simmel elabora a figura do “homem blasé ”, personagem que para se proteger da intensa e nervosa vida moderna, se torna “ blasé ”, distante, anônimo - “o oposto daquele habitante dos vilarejos, onde todos se conhecem, onde todos têm nome e sobrenome, possuem uma ‘identidade’ e um rosto próprio” “O homem urbano, ao ser massacrado com um turbilhão de estímulos ou acontecimentos quotidianos, aos quais depois de certo tempo deixa de reagir, sofrendo uma espécie de anestesia, que faz com que ele não se espante com nada, tenha uma atitude distanciada, um embrutecimento produzido pelo excesso de estímulos nervosos. Não escapando desse meio conturbado e intenso, o homem metropolitano não encontra forças e nem tempo para se recuperar.” (SIMMEL, 1987) O que se tem como análise dessas atitudes, provocada pelo excesso de estímulos, é a influência direta na apreensão do espaço público pela visão de um cidadão que se retrai contra a passividade e negligência das grandes cidades e guarda sua subjetividade diante o choque metropolitano. 42
Muito do que se entende hoje como essa paralisia, ou normalidade, é resgatado por Benjamim no comparativo entre o Blasé e o Flanêur enquanto os que se aventuram, ainda que na literatura sejam apresentados por uma visão romântica, podem ser vistos com estranhamentos/julgamentos na vida real. O blasé é entendido aqui ora como um desvio da capacidade do sentir, ora como uma incapacidade de desviar. Nesse momento, têm-se uma compreensão fundamental para dar continuidade a este trabalho, a relação entre sentir e desviar. Muitos dos desviantes aqui apresentados, como dito anteriormente, são seres que lidam com inquietudes e impulsionados pela consciência, buscam novas experiencias, novos limites. O desviante se apresenta nas fronteiras entre o novo e o velho, buscando compreender através das experiências relações intrínsecas entre viver e o saber, a teoria e a prática. Entre as décadas de 1910 e 1930, ocorre um fenômeno de reorganização artística de caráter social, cultural e político: O período vanguardista que considera a cidade como seu principal palco e catalisador de expressões. Neste conjunto, nascem os movimentos Dadaísta e Surrealista, ambos buscando romper com a tradição artística, na motivação de quebra de tabus e da superação da arte através da experiência. Em que medida eles são desviantes no processo que estamos analisando? O grupo Dadá fazia provocações em forma de manifestos contra a forma que as cidades estavam sendo ocupadas pelos princípios funcionalistas. O movimento colocava o espaço à prova da ressignificação simbólica na medida em que promovia excursões e visitas antiartísticas a lugares de Paris e seus arredores, escolhidos por critérios aleatórios. O primeiro fato marcante é a organização de uma excursão em torno de “uma igreja pouco conhecida, quase abandonada, com jardim que parecia um terreno baldio, em área turística da cidade – que escapou a Haussmann –, não parece tão casual” (Jacques) “Um lugar banal, cotidiano, cercado por um terreno baldio, sem representatividade histórica para Paris, 43
sem eira nem beira. A potência da inutilidade toca o cotidiano, suspende as delimitações entre arte e não arte: regime estético. (RANCIÈRE, 2002). Segundo Jacques (2012), diante da escolha do lugar banal, do lugar incomum que pode ser valorizado, percebe-se que há uma intencionalidade no gesto Dadá, aparentemente “aleatório”, mas que indica uma ação de atrair as pessoas pra perto daquele objeto, afim de que se tenha uma nova apreensão do espaço pela experiência. “Anti turismo Dadá. Entre os bairros flutuantes encontrava-se o território vazio das amnésias urbanas. (CARERI, 2013, p.92- 97).” Espaço qualquer, algum lugar. Lugar possível, desvio no inconsciente da cidade, privilégio do abandono. (BARROS, 2010). É nesse momento que a atitude desviante reaparece: o ser que não se satisfaz apenas em ter a experiencia para si, mas de estimular alteridades possíveis. “Cartazes forma colados na cidade inteira convidando para o ato”: Excursões & Visitas DADA 1a visita: Igreja Saint Julien Le Pauvre, quinta-feira, 14 de abril às 15hs Próximas visitas: Museu do Louvre, Parque Buttes Chaumont, Estação de trem Saint Lazare, Monte du Petit Cadenas, Canal de l’Ourcq etc. Os dadaístas de passagem por Paris, querendo remediar a incompetência de guias e de cicerones suspeitos, decidiram realizar uma série de visitas a lugares escolhidos, em particular, àqueles que realmente não têm razão de existir. – É um erro que se insista sobre o pitoresco (Liceu Jason de Sailly), o interesse histórico (Mont Blanc) e o valor sentimental (a Morgue). – A partida não está perdida, mas é preciso agir rapidamente. – Fazer parte desta primeira visita significa perceber o progresso humano, as destruições possíveis e a necessidade de continuar nossa ação, que vocês devem incentivar por todos os meios. 44
Segundo Jacques, o relato que se tem da visita, a primeira e última realizada pelo grupo Dadá, pode ser vista como um “prenúncio das deambulações surrealistas, do estranhamento do que é banal e cotidiano, que vai ser um dos motes para a exploração de Paris por inúmeras experiencias” (idem): “Apesar da forte chuva, os relatos contam que umas 50 pessoas apareceram para a visita, André Breton e Tristan Tzara faziam discursos enquanto RibemontDessaignes lia ao acaso verbetes do dicionário Larousse para o público presente. O grupo distribuiu pacotes de pequenos souvenirs, pedaços de quadros, retratos, ingressos etc”28 Dentro da análise por essa abordagem, Fabbrini ressalta a subjetividade que mora nos conceitos dadaístas, seja na ocupação de um lugar banal ou no passeio por zonas inóspitas dos limites da cidade, pela “transfiguração do lugar comum em possibilidade estética enquanto coloca em xeque a funcionalidade do território anterior enquanto outras articulações simbólicas e relações podem ser tecidas” (idem) – e, portanto, tratava-se de um movimento consciente: “Dadá inaugura uma série de incursões em Paris e convida gratuitamente amigos e inimigos para visitar as dependências da igreja. Parece que algo ainda pode ser descoberto no jardim, apesar da familiaridade dos turistas. Não se trata de uma manifestação contra a Igreja, como pode se pensar, mas uma nova interpretação da natureza aplicada, desta vez, não à arte, mas à vida.”29 22 Excursions & Visites Dada/ Premiere Visite.. http://www.postersplease.com/component/k2/item/82872◄
28 29
1921.
Disponível
em:
Ver em Elogio aos Errantes. Tradução do escrito Dadaísta por Jacques em Elogio aos errantes, 2012,
45
Vale aqui ressaltar a relação entre arte, vida e cidade trazida pelos questionamentos desviantes e ainda ressaltar como um movimento é capaz de atingir as diversas esferas sociais e culturais. . Essa percepção retratada a princípio nas origens brasileiras é um marco factível que impulsionará a transformação (desvio) do olhar que se tem também para a cidade. Jacques (2012), aponta que nesse momento, os artistas modernos brasileiros não praticavam ainda deambulações urbanas, mas faziam visitas e excursões, como fizeram os dadaístas em Paris. “Podemos notar incrível semelhança e, ao mesmo tempo, claras diferenças ambientais, entre a foto histórica do grupo Dadá parisiense em sua visita à igreja Saint Julien le Pauvre em 1921, por exemplo, com a foto, de 1926, da visita ao “Morro da Favella” do artista futurista italiano Marinetti, acompanhado de um grupo de artistas modernos brasileiros. Essas incursões urbanas, em Paris e no Rio de Janeiro, estavam claramente relacionadas.” (idem) A escolha do Morro da Favella como o local de visita retrata uma antítese desse estranhamento do que é banal, do que é cotidiano trazida pelo movimento surrealista. Contudo, o grupo que tinha a intenção de destruição, acabou por romper inclusive muitas das próprias ideias, o que gerou desalinhamentos internos e logo se desfez dando bases para o nascimento dos Surrealistas. (Fabbrini, 2015) Para o contexto desviante é importante a compreensão da existência da intenção dos gestos Dadaístas, em particular, nesse movimento aleatório da visita, no que tange o retorno da essência, como visto no capítulo anterior, e não da caracterização primitiva dessa selva que é a cidade, conceito ratificado pelo próximo movimento, e onde se “perder” continuaria sendo possível. Nessa aparente corrida pelo encontro da retomada da experiencia, quase que de libertação do que foi imposto na visão de mundo do cidadão, Flavio de Carvalho, se aproxima da visão Baudelairiana quando anuncia um anseio por uma turbulência mental 30e passa a realizar por influência dos 30
Estado de choqie, excesso de informação, abordado anteriormente por Baudelaire.
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surrealistas parisienses, uma serie de errâncias urbanas em busca de novas alteridades. Essas tentativas desviantes, serão chamadas de Experiencias que segundo Jacques, consistiam na prática de uma deambulação voluntaria, de sair pelas ruas numa possível construção teórica da experiência. A Experiencia no 2, realizada por ele em 1931, constituiu na prática de uma deambulação provocativa. No episódio, narrado pelo próprio autor, Flavio se coloca contra uma multidão em uma procissão de Corpus Christi pelas ruas de São Paulo (Jacques, 2012). Em análise, o interesse de Flavio de Carvalho em provocar a multidão de um jeito mais ativo que o próprio flaneur, se volta contra ele quando a multidão reage a atitude “desrespeitosa” do homem que “caminhava de chapéu e cabeça baixa” e começa a empurrá-lo. Ele se vê obrigado a escapar da própria situação que criou e por fim, atravessa a multidão e é preso pela polícia – que acaba sendo sua “salvação”. Jacques (2012) ainda nos conta que quando perguntado sobre a eventualidade, Flavio declara o seu interesse pela psicologia das multidões e replica nessa atitude uma intencionalidade no gesto, anteriormente visto no grupo Dadá e que é entendida como característica da do ser desviante que vem sendo construída ao longo dessa trajetória. A importância de retomar o estudo do flanêur já naquela época se demonstra na clareza da abordagem de Flavio, que para uma melhor orientação de pesquisa, resolve fazer experiencias e em seguida, dá continuidade às suas abordagens em uma série de viagens antropofágicas etnográficas e psicoetnograficas pelo interior do país. Vale ressaltar o interesse de Flavio em unir a prática aos estudos da psicanálise freudiana, os quais se tornam base para o estudo da própria consciência antropofágica que mais a frente vai ser reafirmada pelo grupo Situacionista. Os surrealistas, buscavam no inconsciente estético das cidades, o estranho, o não familiar, em uma perspectiva para além da experimentação 47
dadaísta. Um estranhamento do lugar comum. um apelo a uma intenção de encontro no incomum, mais do que o exercício da aleatoriedade e elogio ao inútil. (JACQUES, 2012). Esse sentido de agregar o inconsciente estético reitera o conceito dialético de arte e vida na cidade, visto que se retoma a consciência do olhar, da experimentação, da cidade como um ser vivo, diferentemente da mecanização, um contra desvio31, uma volta para si e para a urbe. “A cidade diz, sente, esquece, reverbera em seu corpo vibrátil lugares possíveis, sobreposições de camadas (des)veladas incessantemente. Há qualquer coisa de insuportável na cidade e, ao mesmo tempo, um desejo de habitá-la que exige a reexistência no mesmo tratar o espaço urbano como um grande corpo com impulsos próprios, atravessamentos, consciente e inconsciente foi herança surrealista. Os terrenos baldios, as periferias da cidade onde já não há mais interferência humana, ... são lugares que dão margem ao encontro com este inconsciente...” “A unidade da cidade pode ser resultado exclusivamente da conexão de lembranças fragmentárias. A cidade é uma paisagem psíquica construída por meio de buracos, partes inteiras são esquecidas ou intencionalmente suprimidas para construírem infinitas cidades possíveis no vazio. (CARERI, 2013, p.92- 97). Por todas as informações que foram elencadas até aqui, abre-se um momento importante neste capítulo para pensar no quanto é imperativo ajustar discussões acerca do entendimento das dinâmicas e significados das atitudes desviantes. É interessante pensar os desvios onde o inconsciente da cidade é presente no andar livre, vagar pelas ruas e culmina na busca da sensação do maravilhoso.
31
Volta ao estado de percepção e expressão natural do ser; Estado de natureza.
48
A relação entre esses movimentos implica atitudes para além de uma casualidade, uma espécie de releitura, talvez tentativas de reparações historiográficas em prol das as transformações urbanas, trabalhadas em grande escala, que além de modificarem o estado físico e material das grandes cidades também interferiram no estado mental dos espaços públicos pelos cidadãos.
49 ◄ 23 Ilustração, autora, 2018
2.2 Desviantes Situacionistas: Breve Análise A Internacional Situacionista era caracterizada por um grupo de artistas pensadores e ativistas que na década de 60 lutavam contra a espetacularização em geral. Se por um lado os movimentos supracitados possuíam direcionamentos de caráter específico, como a superação da arte para surrealistas, este grupo tratava da cultura espetacular em diversas dimensões.
2.2 Desviantes Situacionistas:
Os situacionistas acreditavam na participação como um antídoto contra o choque e a monotonia da vida cotidiana, e seu principal interesse pelas questões urbanas se deu pela importância do meio como terreno de ação e de produção de novas formas de intervenção no espaço. Sua crítica permanece em essência em todos os campos da vida social, principalmente na cultura.
Breve Análise
A esta altura, os princípios funcionalistas defendidos por Le Corbusier já guiavam diversas construções na Europa do pós-guerra, o grupo, contrário a doutrina defendida na Carta de Atenas, apontava como ressalva que essa nova prática, pela repetição, provocaria passividade e a alienação da sociedade enquanto paralelamente consolidaria o espetáculo. 32 Conclui-se que assim como Haussmann foi alvo de críticas de Baudelaire, dos dadaístas e surrealistas, assim foi Le Corbusier para os situacionistas.
2.2 Desviantes Situacionistas: Breve Análise
A noção de espaço público defendida por Debord, um dos principais representantes do movimento, é construída a partir da imagem, e, portanto, da espetacularização, e a única forma de refazer o caminho de volta à essência da cidade, seria através da participação ativa dos cidadãos - que para os seres desviantes se define como um estado de consciência.
2.2 Desviantes Situacionistas: Breve Análise
32
Principalmente sob a forma de enormes conjuntos habitacionais que já eram alvo de críticas tanto dos próprios jovens arquitetos modernos, reunidos no grupo conhecido como Team X,12 como dos artistas letristas (futuros situacionistas13). Para eles, esses conjuntos monótonos e repetitivos14 e sobretudo a separação de funções proposta por Le Corbusier – que virou ponto de doutrina na Carta de Atenas. 50
A construção de situações começa após o desmoronamento moderno da noção do espetáculo. É fácil ver a que ponto está ligado à alienação do velho mundo o princípio característico do espetáculo: a não-participação. A situação é feita de modo a ser vivida por seus construtores. O papel do ‘público’, senão passivo pelo menos de mero figurante, deve ir diminuindo, enquanto aumenta o número dos que já não serão chamados atores, mas, num sentido novo do termo, vivenciadores. (Debord, 1957) Ora, se a coletividade se apresenta nessa década33 como atividades criativas guiadas pela palavra de ordem “participação”, e é resultado da junção de muitos indivíduos que apresentam elementos em comum, “os situacionistas, inicialmente interessados em ir além dos padrões vigentes da arte moderna – passando a propor uma arte diretamente ligada à vida, uma arte integral, participativa –, perceberam que essa arte total seria basicamente urbana e estaria em relação direta com a cidade e coma vida urbana em geral.” (JACQUES, 2012) Contudo, a diferença dos situacionistas para os outros desviantes apresentados anteriormente se constitui a partir do momento em que “afinam suas experiências urbanas e expandem o olhar para uma crítica feroz contra o urbanismo e o planejamento em geral”. (Jacques, 2012), Por exemplo, “Debord escreve no “Relatório de Construções de Situações” em 1967: “A arte integral, de que tanto se falou, só se poderá realizar no âmbito do urbanismo”. (idem) O que se vê é que ainda que os situacionistas estivessem se posicionando cada vez mais contra o urbanismo, eram sempre a favor das cidades, isto é, partiam de uma perspectiva que visa primordialmente a mudança social e coletividade, na qual a construção de situações se daria em reação a visão autocentrada dos princípios funcionalistas, das grandes escalas e
33
Momento de efervescência dos momentos artísticos modernos..
51
do monopólio do território por parte dos urbanistas e planejadores em geral. “Nossa ideia central é a construção de situações, isto é, a construção concreta de ambiências momentâneas da vida, e sua transformação em uma qualidade passional superior. Devemos elaborar uma intervenção ordenada sobre os fatores complexos dos dois grandes componentes que interagem continuamente: o cenário material da vida; e os comportamentos que ele provoca e que o alteram.” (Debord, 2003b, original de 1957) Mas afinal o que seria a definição situacionista? No primeiro número da revista da IS, em 1958, encontra-se como teoria situacionista aquela “que se refere à teoria ou à atividade prática de uma construção de situações”; sendo situacionista aquele “que se dedica a construir situações”; e portanto, uma situação construída seria o “momento da vida, concreta e deliberadamente construído pela organização coletiva de uma ambiência unitária e de um jogo de acontecimentos”, (JACQUES, 2012) o que aparentemente se aproxima na contemporaneidade com a ideia de intervenção artística no espaço público apresentada por Bourriaud no início deste capítulo. A reunião desses juízos fomenta a ideia central de construção de situações que desagua em uma teoria critica central nomeada de Urbanismo Unitário, diferentemente de uma doutrina ou um tipo, ou uma proposta de urbanismo, Fabbrini(2015) associa a uma espécie de teoria urbana crítica, Jacques (2012) complementa que “era unitário por ser contra a separação de funções no espaço”– e a própria Internacional Situacionista define como “teoria do emprego conjunto de artes e técnicas que concorrem para a construção integral de um ambiente em ligação dinâmica com experiências de comportamento” (IS 1, 1958). Contudo, essas definições iniciais não apenas servem de ponto de partida para a compreensão da teoria como sustentam os apontamentos feitos pelos situacionistas de que a revolução passava pela revolução da vida 52
cotidiana, e se utilizaram da criação de um método (psicogeografia) e uma prática (a deriva) para chegar a esse organismo pleno. Sendo assim, a deriva situacionista era utilizada para desenvolver na prática, a ideia de construção de situações através da psicogeografia: “Entre os diversos procedimentos situacionistas, a deriva se apresenta como uma técnica de passagem rápida por ambiências variadas. O conceito de deriva está indissociavelmente ligado ao reconhecimento de efeitos de natureza psicogeográfica e à afirmação de um comportamento lúdico-construtivo, o que o torna absolutamente oposto às tradicionais noções de viagem e de passeio. Uma ou várias pessoas que se dediquem à deriva estão rejeitando, por um período mais ou menos longo, os motivos de se deslocar e agir que costumam ter com os amigos, no trabalho e no lazer, para entregar-se às solicitações do terreno e das pessoas que nele venham a encontrar.” (Debord, 2003c)34 Mudar o caminho, sair da rota em busca de criar uma percepção, a deriva define a prática apresentada pelo flanêur, os dadá e os surrealistas, e esclarece pela primeira vez nesse trabalho o conceito de instrumentos de desvio. Por ser um “tipo específico de errância urbana, uma apropriação do espaço urbano pelo vivenciador através da ação do andar sem rumo”, através de um gesto intencional. (Jacques, 2012) A psicogeografia, também o é visto que “estudava o ambiente urbano, sobretudo os espaços públicos, através das derivas, e tentava mapear os diversos comportamentos afetivos diante dessa ação, basicamente do errar (desviar) pela cidade, e funciona como um do instrumento desviante de metalinguagem, à medida que coloca o ambiente para comunicar o próprio ambiente. (Jacques, 2012). Desse modo, um instrumento de desvio
34
Guy Debord chegou a escrever, em 1956, uma “Teoria da Deriva” que foi publicada original mente na revista surrealista belga Les lèvres nues e republicada na IS 2, em 1958. Assim começa a “Teoria da deriva”
53
seria aquilo que permite pesquisar e transmitir as “realidades psicogeográficas”. (IS 1, 1958). A confecção de mapas psicogeográficos e até simulações, como a equação – mal fundada ou completamente arbitrária – estabelecida entre duas representações topográficas, podem ajudar a esclarecer certos deslocamentos de aspecto não gratuito, mas totalmente insubmisso às solicitações habituais. As solicitações dessa série costumam ser catalogadas sob o termo de turismo, droga popular tão repugnante quanto o esporte ou as vendas a crédito. Há pouco tempo, um amigo meu percorreu a região de Hartz, na Alemanha, usando um mapa da cidade de Londres e se guindo-lhe cegamente as indicações. Essa espécie de jogo é um mero começo diante do que será a construção integral da arquitetura e do urbanismo, construção cujo poder será um dia conferido a todos. (Debord, 2003a, original de 1955)35 Jacques explica: “a psicogeografia seria então uma geografia afetiva, subjetiva, que buscava narrar, através do uso de cartografias e mapas, as diferentes ambiências psíquicas provocadas pelas errâncias urbanas que eram as derivas situacionistas” – para nós, instrumento de desvio. Algumas dessas derivas foram descritas em relatos36, fotografadas, representadas através de foto colagens 37ou filmadas38. Alguns mapas psicogeográficos, ou seja, cartografias subjetivas ou mapas afetivos,
35
No texto “Introdução a uma crítica da geografia urbana”, publicado na revista surrealista belga Les levres nues, em 1955, Guy Debord explica a ideia de psicogeografia e dá um exemplo de deriva na prática. 36
como no texto “Dois relatos de derivas” escrito por Debord em 1956 do tipo fotonovela eram vistas como mapas, como o Map of Venise de Ralph Rumney sobre suas derivas em Veneza – 38 chegando a aparecer em alguns filmes de Debord 37
54
chegaram a ser efetivamente realizados, e um deles se tornou um símbolo situacionista:
◄ 27 The Naked City, illustration de l’hypothèse des plaques tournantes, assinado por
Debord em 1957.
A complementar, apresenta-se ainda uma última ideia central trazida pelos situacionistas, a questão do jogo: “A deriva, antes de ser uma técnica, procedimento ou método de apreensão e estudo da cidade, era considerada uma distração e a psicogeografia um jogo assim como a própria construção de situações”39 e estabelece uma relação entre esses instrumentos com o viés mais antropológico trazida pelos surrealistas
39
Ver em Apologia da Deriva.
55
onde caminhar livre e se perder40 na cidade ainda seria possível assim como a “sensação do maravilhoso trazido pelo vento da eventualidade” 41. Assim, o jogo é aqui tomado como fenômeno cultural e não biológico, e é estudado em uma perspectiva histórica, não propriamente científica em sentido restrito. [...] Se eu quisesse resumir meus argumentos sob a forma de teses, uma destas seria que a antropologia e as ciências a ela ligadas, têm, até hoje, prestado muito pouca atenção ao conceito de jogo e à importância do fator lúdico para a civilização. (JACQUES, 2012) Em síntese, o pensamento urbano situacionista seria então baseado na ideia de participação e de revolução da vida cotidiana, reunidas na ideia de construção de situações, traduzidas na teoria crítica do Urbanismo Unitário e promovidas por meio da técnica da deriva e das ideias de psicogeografia e da cidade lúdica. A responder a indagação inicial do capítulo sobre o sentido de resgatar a visão situacionista nos dias atuais, se eleva as ideias apresentadas pelos situacionistas a um patamar de viés de transformação social, à medida em que conhecimento técnico aliado ao saber do ser social e promove a consciência do ser espacial na busca por uma construção coletiva. Sendo assim, o compartilhamento de conhecimentos e técnicas de observação, hoje reservados à Academias passam a servir à população, e ainda a promoção de experiências através de intervenções urbanas que provoquem alteridades possíveis a influenciar no modo de ver e viver as cidades. “O fato de um sujeito pertencente a um grupo social ter desenvolvido um pensamento crítico acerca da sua realidade, não retira a dimensão estrutural que lhe coloca sob tal situação, mas fornece instrumentos para modificar a sua realidade.” (Berth, 2017, “O que é empoderamento”) 40 41
O inconsciente da cidade se refletia na formas labirínticas de caminhar pelo espaço. Breton em “À proposito de Nadja”.
56
A crise do urbanismo se agrava. A construção de bairros, antigos e modernos, está evidente desacordo com os modos de comportamento estabelecidos e, mais ainda, com os novos modos de vida que buscamos. O resultado é a ambiência morna e estéril que nos cerca [....] Nos bairros antigos, as ruas transformaram-se em autoestradas, os lazeres são comercializados e deturpados pelo turismo. O relacionamento social torna-se impossível. Os bairros recém-construídos apresentam dois temas dominantes: o trânsito de carros e o conforto residencial. São a minguada expressão da felicidade burguesa, esvaziada de qualquer preocupação lúdica (CONSTANT, 1960) No momento atual de crise da própria noção de cidade, os textos situacionistas42 se apresentam como um prenúncio aos problemas contemporâneos da urbe. Estamos no limiar de uma nova era, e é imperativo esboçar já a imagem de uma vida mais feliz e de um urbanismo unitário; urbanismo feito para dar prazer. [...]Nosso conceito de urbanismo é, portanto, social. [...]
42
Ver “Apologia da Deriva”
57
◄ 28 Ilustração, autora 2018
2.3 Urbanismo Unitário (U.U.): Uma Proposta Urbana Baseada Em Desvios Quem pensa que a rapidez de nossos deslocamentos e as possibilidades de telecomunicação vão dissolver a vida em comum das aglomerações conhece mal as necessidades humanas. (CONSTANT, 1960) Enquanto a visão funcionalista acreditava no uso da arquitetura e urbanismo como meio de transformar a sociedade, os situacionistas acreditavam que a sociedade era capaz de utilizar a arquitetura e o urbanismo para criar e promover um uso democrático em prol da 58
demanda do bem-estar social. Vê-se que a participação ativa seria a melhor forma de possibilitar outras construções de modos de vida apaixonantes dentro da visão de arte total – Constant declara: “seu sonho de urbanismo seria sua obra prima”. Essas afinidades errantes instauram um mesmo processo com diferentes instâncias em momentos distintos [...] a noção de Urbanismo Unitário foi uma aposta que nos primeiros anos do grupo deteve significativa importância. Os situacionistas buscaram um permanente encontro da crítica e da teoria com a prática, e nesse percurso o Urbanismo Unitário colocou-se como possibilidade de fazer, num projeto urbano, toda a crítica ao funcionalismo e às formas de (não) uso da cidade.43 A primeira vez que surge a noção de Urbanismo Unitário é na ocasião do Congresso de Alba44, que compendiou a possibilidade de ação conjunta dos diferentes grupos de vanguarda, e oportunizou a criação de um plano de ação que atacava não só as artes fragmentárias como o funcionalismo, e propunha um caminho de transformação do mundo que passava pela cidade. (Gonçalves, 2017) Para Glauco Roberto Gonçalves, o surgimento do Urbanismo Unitário foi um meio para agregar diferentes grupos e indivíduos autônomos (desviantes) que atuavam na linha de frente da superação artística e das artes, bem como aqueles que atuavam em projetos de transformação da cidade e revolução da vida cotidiana de modo geral.
43
44
Ver em Elogio aos Errantes.
A primeira vez que a noção de Urbanismo Unitário aparece em escritos letristas/situacionistas é na ocasião do Congresso de Alba,4 onde se encontram pela primeira vez44 membros da Internacional Letrista, da Bauhaus Imaginista, do antigo grupo Cobra (Copenhague, Bruxelas, Amsterdã, 1948-1951) e pessoas autônomas de variados países (Argélia, Itália, Checoslováquia, Grã-Bretanha, além de França, Holanda, Bélgica e Dinamarca), que dão início a uma organização em comum.
59
O U.U. se erguia no propósito de não se limitar mais a produção de determinados objetos, versaria agora em produzir o espaço inteiro para a arte de viver. Fabbrini (2015) considera, portanto, que o U.U não era apenas uma crítica ao urbanismo, mas a superação deste, “visto que a revolução adquiria uma nova forma de ação, e a ideia de produzir a cidade passava irremediavelmente por uma inteiramente nova produção do urbano”. (Gonçalves, 2017) Nessa tentativa de realizar um projeto mais amplo e total, o situacionista Constant Nieuwenhuys pensou o urbanismo em escala mundial em formato de um projeto utópico, a New Babylon. A nova babilônia de Constant seria composta de alojamentos comuns a partir de elementos moveis, constantemente remodelados, uma arquitetura mega estrutural labiríntica construída com base sinuosa do percurso nômade – a referência não é mais a linha reta, corbusiana, ortodoxa da carta de Atenas – tendo como ponto de partida acampamentos ciganos onde se constrói sob telhados, onde se edifica com ajuda de elementos moveis um alojamento comum, uma morada temporária, constantemente remodelada visando um campo nômade de escala planetária. 45 O desejo de Constant de pôr em curso novos e aprofundados projetos de deriva e de psicogeografia, eleva o lúdico à centralidade da cidade e coloca a arquitetura como instrumento capaz de descontruir a lógica sedentária paralisante. Até aqui, o processo de aprofundamento das ideias do Urbanismo Unitário advém do intuito e estratégias conscientes de desenvolvimento das relações da cidade para com o cidadão e partindo da base deste trabalho toda vez que se permite passar por uma experiência que mude sua forma de ver as coisas, ocorre um desvio.
45
Ver Fabbrini, 2015, A tradição do modernismo nas ruas: do flâneur ao urbanismo insurgente situacionista
60
Contudo, as formulações de Constant, ainda que no plano das ideias, estão muito mais voltadas a um projeto urbanístico e confrontam ideia dita pelos próprios situacionistas, “em primeiro lugar, o Urbanismo Unitário não é uma doutrina, mas sim uma crítica do urbanismo” (IS, n. 3, 2004, p. 75) - a New Babylon, assim como a própria teoria, deveria ser uma coisa que não se “realiza”, se não há intenção de materialização, trata-se de uma utopia, porque o desvio já está acontecendo onde precisa acontecer e portanto, não pode ser tida como uma reação ao funcionalismo em sentido estrito, daquele que é funcional Nesse sentido, é sempre oportuno trazer a lembrança da vontade de lugares possíveis46 dos situacionistas, que também se dava na forma de jogos e dos instrumentos de desvio, a deriva e a psicogeografia. Desse modo, o grupo percebia o espaço através das suas relações sensíveis e com seus fluxos e passionalidades, lugares ideais ao florescimento das formas e desejos - a cidade como um organismo de zonas sombrias, afetivas, com atmosferas psíquicas cambiantes. De acordo com Gonçalves (2017), os situacionistas exploradores especializados no jogo e no lazer compreendem que o aspecto visual das cidades só tem valor se relacionados com os efeitos psicológicos que possam produzir, efeitos, desvios, esses que devem ser calculados no total das funções a prever. “Nosso conceito de urbanismo não se limita à função, mas também ao uso que delas se faz e se imagina fazer. É claro que esse uso terá de mudar com as condições sociais que o permitem; por isso nossa concepção de urbanismo é dinâmica. Recusamos essa implementação de prédios numa paisagem fixa, que atualmente constrói o novo urbanismo. Ao contrário, pensamos que todo elemento estático e inalterável deve ser evitado, e que o caráter variável ou móbil dos elementos arquitetônicos é condição para uma
46
Concepção psíquica do espaço.
61
relação flexível com os acontecimentos que neles serão vividos” Faz sentido então pensar na relevância que os instrumentos de desvio assumem no processo de produzir novas experiências, percepções e construção de situações contra o tédio espetacular: “A experiência situacionista da deriva, ao ser ao mesmo tempo meio de estudo do urbano e jogo, marcha no mesmo sentido do Urbanismo Unitário” [IS, n. 3, 2004, p. 77] Gonçalves (2017) complementa que, mesmo as mais ousadas e revolucionárias propostas urbanísticas de planejamento urbano, assim como os anseios de Constant, foram descartadas como meta e finalidade pelos situacionistas, e que “ao longo de seus debates e publicações, esse grupo consolida uma postura inteiramente crítica de negação dos projetos e dos planejamentos urbanísticos e estabelece a crítica ao urbanismo como base de suas discussões sobre a cidade, a vida cotidiana e a revolução” O Urbanismo Unitário se distingue dos problemas estéticos como também dos do habitat. Opõe-se ao espetáculo passivo – princípio de nossa cultura onde a organização do espetáculo se estende mais escandalosamente na medida em que aumentam os meios de intervenção humana. No entanto as cidades se apresentam hoje como um espetáculo lamentável, um suplemento aos museus para turistas que passeiam em automóveis de cristal [...] (IS, n. 3, 2004, p. 76). 47 Seguindo na crítica urbana situacionista, conclui-se que é atual porque a precursora dessa nova espetacularização ainda nas décadas de 60. A teoria atinge um nível de força crítica na contemporaneidade que varre para além dos campos da arquitetura, assim também de forma artística, cultural, social, psicológica, antropológica, filosófica e política. 47
Nessa concepção, já nesse texto da revista n. 3 (IS, 2004), é possível ver, talvez pela primeira vez e de modo bastante coerente, uma crítica ao espaço espetacular e àquilo que estou buscando chamar de “cidade como cenário”.
62
O Urbanismo Unitário “se fundamenta na crise atual da própria noção de cidade, da visão de não cidade, da cidade museus, ou da própria patrimonialização generalizada, apresentada de forma recorrente pelas correntes do pensamento urbana contemporânea”48 e segundo Jacques (2012), é reflexo dessa falta de paixão que motiva os situacionistas e da “quase esquizofrenia dos discursos contemporâneos sobre a cidade”. No que tange a prática atual de concepção do espaço, este trabalho entende, assim como o movimento que irrompe para critica-lo, a necessidade de se questionar como tem se consolidado durante décadas, os processos de reprodução sem crítica das práticas modernas - vem ocorrendo muitas vezes, simultaneamente e em uma mesma cidade - e que criam os cenários brasileiros. Cabe ainda a reflexão inovadora dos situacionistas em propor novos segmentos dentro da própria área de estudo, novos métodos, novas formas de pensar a profissão, questionar não como detentores da verdade, e sim como aqueles que se colocam a serviço dos problemas sociais em busca de compreendê-los antes de projetar a solução. Não se busca questionar a capacidade do arquiteto e urbanista enquanto ouvinte, mas tentar responder a quem a profissão está de fato servindo dentro da lógica capitalista atual e de que modo têm se refletido na paisagem, na experiência e forma urbanas. Urbanismo Unitário se finda nesse capítulo como um convite a desviar o olhar às concepções do passado e se utilizar destas como forma de aprendizado para aplicações no futuro.
48
Ver em Elogios aos Errantes.
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64 ◄ 29 Ilustração, autora, 2018
Considerações Parciais e Noções de Desvios Utópicos e Heterotópicos na Cidade Contemporânea. U.U é o que os situacionistas colocam como uma proposta de urbanismo que na verdade é uma grande crítica ao modo como o urbanismo funcionalista era feito. Ainda que não houvesse a intenção de construir, a nova forma de olhar o urbanismo enquanto mundo das ideias, da percepção, é passível de ser visto como utopia. O que os seres desviantes fazem muitas vezes é advindo de um comportamento utópico, e nesses parâmetros, o modo como Le Corbusier, a ideia funcionalista, via o mundo, era através de uma visão utópica, política e desviante, porém distopica. A totalizar essa discussão quanto as possíveis formas de ocupar o espaço, a abordagem heterotopica de Foucault (2011) caracteriza em habitar de outro modo o mundo existente não no sentido de existir uma outra sociedade, uma outra realidade, e sim, habitar de uma outra maneira o mundo dado, ainda que de forma precária, provisória, durante um certo tempo. As práticas heterotópicas, têm um ar laboratorial e que podem indicar alternativas possíveis ao mundo existente, assim como as práticas situacionistas, colocam a o tempo, a arte, as paixões, a própria experiência, e, portanto, a vida em questão, enquanto confrontam o tempo útil do cotidiano com o tempo lúdico de construção de situações. A heterotopia é um retrato de cotidiano flexível e mais à frente, veremos que O Oxe provoca heterotopias possíveis através das intervenções no espaço público, na medida em que provoca uma nova forma de habitar e ou perceber o espaço. Eu costumo dizer em algumas oportunidades que tive, que a gente só ama uma coisa quando conhece bem, e quanto mais a gente conhece, mais a gente ama. Amar a cidade não é uma tarefa fácil, lutar para que as pessoas voltem a amar a cidade, é ainda mais. Em uma cidade repleta de medos, de construções que se voltam completamente contra o pedestre, fica cada dia mais difícil contemplar a relação humana com o espaço. Mas ainda assim, acredita-se que a lição 65
dos Situacionistas está no reengajamento e na criação de situações possíveis. O que se busca através dessas atitudes desviantes, é reconexão de pessoas através de experiências capazes de promover novos impulsos e incentivos ao desenvolvimento de iniciativas individuais: o cidadão como protagonista e como parte da cidade. Inclusive, de modo a intervir diretamente na construção do planejamento urbano, e na autoestima da cidade. E aí, entende-se nesse momento que para um desvio de fato acontecer, ele depende de um outro organismo que são lugares, pessoas, o despertar da consciência e a ação.
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Experiência e Linguagem
◄ 30 Sem nome, Merve Ozaslan, 2015
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Prólogo
O primeiro armário que se abriu por minha vontade foi a cômoda. Bastava-me puxar o puxador, e a porta, impelida pela mola, se soltava do fecho. Lá dentro ficava guardada minha roupa. Mas entre todas as minhas camisas, calças, coletes, que deviam estar ali e dos quais não tive mais notícia, havia algo que não se perdeu e que fazia minha ida a esse armário parecer sempre uma aventura atraente. Era preciso abrir caminho até os cantos mais recônditos; então deparava minhas meias que ali jaziam amontoadas, enroladas e dobradas na maneira tradicional, de sorte que cada par tinha o aspecto de uma bolsa. Nada superava o prazer de mergulhar a mão em seu interior tão profundamente quanto possível. E não apenas pelo calor da lã. Era “tradição” enrolada naquele interior que eu sentia em minha mão e que, desse modo, me atraía para aquela profundeza. Quando encerrava no punho e confirmava, tanto quanto possível, a posse daquela massa suave e lanosa, começava então a segunda etapa da brincadeira que trazia a empolgante
revelação. Pois agora me punha a desembrulhar a “tradição” de sua bolsa de lã. Eu a trazia cada vez mais próxima de mim até que se consumasse a consternação: ao ser totalmente extraída de sua bolsa, a “tradição” deixaria de existir. Não me cansava de provar aquela verdade enigmática: que a forma e o conteúdo, que o invólucro e o interior, que a “tradição” e a bolsa, eram uma única coisa. Uma única coisa - e, sem dúvida, uma terceira: aquela meia em que ambos haviam se convertido” (“Armários, Walter Benjamin, 1987b, p. 122)
49
50
Walter Benjamin (1892 1940), ensaísta, crítico literário, tradutor, filósofo e sociólogo judeu alemã o.
Nesta cena Walter Benjamin49 alude a uma dimensão da linguagem que devolve às coisas o poder de expressar para além da sua presença física no mundo, transferindo para a materialidade da escrita a possibilidade de conciliar o sentido e a forma50. O episódio das meias revela que a experiência cotidiana mais fundamental é aquela capaz de transformar a própria realidade ver em Jobim e Souza, S., Walter Benjamin e a Infância da Linguagem: uma teoria crítica da cultura e do conhecimento < Linguagem e alegoria como formas da verdade>
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concreta e objetiva do mundo material em elemento espiritual por meio da linguagem51. Benjamin revela que o conhecimento, portanto, não pode prescindir de uma compreensão da linguagem na sua dupla dimensão - sensível e racional. Das reflexões que foram sendo elaboradas, ao longo deste trabalho, podemos apreender o legado maior do pensamento de Benjamin, qual seja: toda vez que conseguimos recuperar dispositivos de expressão que escapam ao despotismo do sistema de significações dominantes, estamos justamente lidando com formas altamente elaboradas de relacionar conhecimento e verdade.52 Neste capítulo, nos debruçaremos sobre a experiência cotidiana em seu sentido mais empírico e no âmbito da cidade. Indissociavelmente, estão contemplados quatro elementos muito importantes até aqui trabalhados: Desvio, Arquitetura, Arte e Vida, que agora se revelam 51 52
Idem
Idem 53 Ver em “Tempo sem Experiencia” disponível em:
por meio narrativa.
da
linguagem
e
Mais uma vez recorremos ao campo das ciências sociais para iniciar a nossa discussão, e seguindo em busca das raízes da compreensão, partimos etimologicamente da palavra que Walter Benjamim usa para experiência:
“Erfahrung”, que é de origem alemã para experiencia; tem o radical é farhum, que quer dizer viajar. No antigo alemão, “far” significa “atravessar uma região durante uma viagem por lugares desconhecidos”. Na origem latina, experiencia tem como radical “per”, (ex-periencia), significa sair de um perímetro, de uma condição já conhecida para ampliar as vivencias e acontecimentos e suas consequentes repercussões nas nossas vidas53. Mais uma vez, recorremos a filósofa Olgaria Mattos, que acrescenta que de “per”, também
https://www.youtube.com/watch?v=a rANFGj10Tg&t=221s
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vem a palavra “periculum”, o que aqui, tem relação com essa viagem, onde perigos podem acontecer. E a palavra “periculum”, associa-se a palavra “oportunos”, que vem de portus, que quer dizer “saídas”, e concluiu que então as experiências que nos acontecem durante uma travessia no desconhecido, durante uma viagem são experiencias que alargam a nossa experiencia, o nosso conhecimento e a nossa sensibilidade – as nossas 54 condições no mundo. Em “Tempo sem Experiencia”, Mattos segue fazendo a relação entre o presente e a sensação de contração do tempo onde a experiencia foi abolida, e coloca a própria experiencia como tradição, transmitida e desvelada de geração para a geração através de narrativas comunicáveis que fariam a relação mediante o presente e o passado. A tradição, portanto, não seria uma herança que nos chega como um testamento, e sim, formas de linguagem e modelos 54
exemplares de ensinamentos para futuras experiencias. Matos segue esclarecendo que costumamos associar a ideia de tradição com a ideia de atraso, “visto que muitos das ideias de progresso estão fundamentados nos ideais modernos” e por fim, nos lembra que resgatar o passado, portanto as narrativas e experiencias, “está na forma de recepcionar no presente em suas simbologias e significados visto que o que aconteceu pode servir de valia no presente “no sentido de nos ensinar a enfrentar infortúnio e boa sorte” Como foi visto anteriormente, diversos fatores têm contribuído para a crise atual da cidade e consequentemente para a perda de uma experiência urbana de qualidade. Neste capítulo, nos debruçaremos sobre a experiência urbana em seu sentido mais empírico. Logo após entender o que significa desvio pra Debord, no seu sentido de gesto poético, entende-se que tanto desviar quanto os instrumentos de desvios podem
Idem[83]
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ser cruciais para refazer o caminho de volta para a essência da cidade, da sua capacidade máxima de expressão.55 Abordaremos aqui pela Experiência: o Choque, o Espetáculo e a Narrativa, através
da compreensão que a discussão iniciada em “A Sociedade do Espetáculo” - que transgride o tempo e intersecciona os espaços - numa tentativa de entender como se dá esse processo e onde presentes os desvios no espaço público.
3.1 Choque: um desvio absoluto? No que este trabalho entende por Choque, cabe a indagação: Seria o choque, apresentado até então como um desvio absoluto na cidade de hoje? Estaria tomada a cidade por tantos desvios que se somariam em um grande desvio coletivo no nosso inconsciente na forma de apreender o espaço e na nossa capacidade de reagir? Ainda que pareça uma confabulação ousada, ao compreender os extremos que existem hoje, parece necessário nos aproximarmos deles, pois foi beirando as fronteiras que buscavam os caminhantes estudados no capítulo anterior que conseguiu-se começar a visualizar como se dão de fato esses processos. Nessa perspectiva, buscaremos refletir a experiencia do choque contemporâneo à esfera da sensível. Segundo Yi-fu Tuan em Topofilia, o meio interno e o externo proporcionam uma grande variedade de sensações, que são percebidas graças ao nosso sistema nervoso e aos nossos órgãos dos sentidos. Esses últimos captam informações do meio para que elas sejam levadas até o
55
“O estado de Natureza” – início do cap 01.
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sistema nervoso central, onde ocorrerá a produção de respostas, que poderão ser voluntárias ou involuntárias. Cada órgão do sentido está adaptado a responder a um determinado estímulo e possui receptores sensoriais capazes de transformar esses estímulos em impulsos nervosos. Os receptores podem ser classificados de várias formas, sendo a mais comum a classificação de acordo com o estímulo que podem processar. De acordo com a natureza do estímulo, os sentidos influenciam diretamente na nossa experiencia. (TUAN, 1980) Assim, percebemos que olhar, sentir, ouvir, cheirar, em que momento o ritmo frenético que permeia a vida dos indivíduos, consequente da modernização das cidades resultou no empobrecimento da experiência urbana? Para Carlo Ratti, diretor do Senseable City Lab do MIT, ‘cidade inteligente’ implica na implementação de tecnologias para soluções urbanas. Em vez de usar o termo ‘Cidade Inteligente’, ele prefere usar ‘Senseable City’, que tanto significa cidade “capaz de sentir” como “sensível”. Para ele, a palavra ‘Senseable’ enfatiza o lado humano das coisas – ao contrário do tecnológico: “estamos interessados em como as cidades poderiam se tornar mais sensíveis: capazes de entender as pessoas e suas demandas.”56 A abordagem contemporânea de Ratti dá um salto de evolução da máquina à internet das coisas57e aponta uma sociedade que se acostumou, inclusive, a buscar respostas humanas sensíveis em tecnologias. A necessidade constante de atualização emerge em milhares de informações diárias que se refletem na contração do tempo na modernidade. Novos hábitos são criados para novos costumes à produtividade e o que se vê é a redução do espaço para o ócio – “o homem se recolhe, se vê perdido em uma imensidão de novas e espetaculares possibilidades”. O Ver Carlo Ratti: ‘cidades sensíveis’ versus ‘cidades inteligentes’ disponível em: http://ofuturodascoisas.com/carlo-ratti-cidades-sensiveis-versus-cidades-inteligentes/ 57 A Internet das Coisas (do inglês, Internet of Things, IoT) , é uma rede de objetos físicos, veículos, prédios e outros que possuem tecnologia embarcada, sensores e conexão com rede capaz de coletar e transmitir dados. 56
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condicionamento do tempo e a divisão de horas criou a vida cotidiana, a agitação, ansiedade, e sua consequente pobreza de experiencia. O estado de choque apresentado anteriormente nas figuras do flanêur e do homem blasé, sugerem respostas à pressa que nos acomete pelo medo de atravessar territórios e que está diretamente ligada como o direito de ir e vir - o acesso à própria cidade. Assim como as questões de planejamento urbano apresentadas pelos situacionistas e na tentativa de desenho de Constant, as escalas têm se tornado também, um fator importante dessa análise, tendo em vista que a negação da alteridade e do pedestre, dificultam ou inibem esse acesso contribuem para essa perda dos sentidos. A cidade que ora tomada pela invasão de luzes e cores, se apresenta como aquela que também reserva espaços sombrios, escuros e ociosos. Segundo Jan Gehl em Cidade para Pessoas, tais aspectos contribuem para o aumento da sensação de insegurança e evitam a vontade de permanecer no espaço público. Passamos cada vez mais por esses espaços reproduzindo não só a arquitetura, mas a própria velocidade dos automóveis, em todos as formas de locomoção - andar mais rápido, pedalar mais rápido. O modo como as pessoas têm se relacionado com os espaços tem cedido voz às narrativas, isto não é novidade, contudo, as principais formas de comunicação parecem ter transitado do espaço físico às redes sociais. Mais à frente aprofundaremos essas narrativas através da atuação Oxe, minha cidade é massa, mas vale a reflexão de como então a tecnologia pode promover debates e histórias compartilhadas entre os cidadãos. E ainda, como a depender do ponto de vista, ela serviria como articulação ou desarticulação de um evento importante para a cidade. Maria Rita Kehl, psicanalista brasileira, afirma que “viver junto é viver nas cidades. Não é viver em família, nem entre amigos. Só a vida urbana nos obriga a conviver com a multidão de desconhecidos; estamos permanentemente na dependência do contato com as pessoas que não escolhemos.” (KEHL, 2015) 74
Desse ponto de vista, se estamos destinados a conviver com a diferença, é urgente que as condições espaciais da cidade estimulem ao máximo a vitalidade das ruas e abriguem a maior diversidade possível de pessoas e atividades. Afinal, o convívio com a diversidade aumenta a sensação de segurança, enquanto a segregação espacial produz o medo do outro.58 Ainda em termos do combate ao choque e resgate da vitalidade, Jane Jacobs há mais de 50 anos atrás: “O principal indicador de uma cidade prospera é a capacidade das pessoas de circular nas ruas sem medo”. Ela defendia que a segurança pública deveria depender mais da coletividade do que da polícia, e que por isso, ela afirma a presença ininterrupta das pessoas na rua, ao garantir a vigilância natural dos espaços públicos, diminui a violência. 59 (JACOBS, 1961) Conforme Jan Gehl (2010), a diminuição o medo de estranhos e aumento da vigilância natural entre as pessoas ajuda a inibir práticas de violência. “à substituição da prioridade do automóvel pelo transporte coletivo e pelos deslocamentos a pé e de bicicleta também cumpre um importante papel em tornar as ruas mais amigáveis, vivas e cheias de pedestres, enfatizando que aliada à melhoria das condições físicas dos espaços públicos, o que intensifica as atividades sociais nas ruas, a substituição do automóvel torna a tua mais segura para todos que circulam sem vidros blindados.” A fundamentar essa questão, Jacques (2012) ressalta: a experiencia do corpo na cidade foi perdida como um tratado do funcionalismo que afeta as esferas e camadas culturais, raízes profundas que foram desligadas da tradição num momento em que o tempo progressivo e linear foi desconectado do passado nesse processo de transição para o presente.” e explica que “o esvaziamento dos espaços públicos 58
Ver em “Por que a Rua dá medo”, Micrópolis http://www.micropolis.com.br/Por-que-a-rua-da-medo 59 idem
Coletivo,
disponível
em:
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- vivos, intensos e conflituosos, a diminuição da participação cidadã e a consequente perda da experiência corporal nas práticas urbanas cotidianas está diretamente relacionado a esse processo de espetacularização que toma campo nas cidades contemporâneas” (JACQUES, 2012) No que se refere aos desviantes, o resultado do choque causado pela “mudança de ambientes faz surgir novos estados de sentimentos, no início percebidos passivamente, mas que passam a reagir construtivamente com o crescimento da consciência”60 como são os casos das experiencias de Flavio de Carvalho que mergulhou na multidão tal qual o flanêur. A forma como a contemporaneidade e as cidades se relacionam hoje, tornam o cidadão incapaz de vivenciar o espaço de forma livre e espontânea. Benjamim (1987) nos afirma que não temos tempo para viver todas aquelas experiencias para as quais eventualmente o destino nos dispusesse, e por tanto o conceito de experiencia e de perda de experiencia, é parte do choque no mundo moderno. Ao que decorre a significação do tempo na cidade atual, Matos (2015) anuncia um esse tempo relativo que aproxima e distancia as pessoas – a velocidade do carro parece superar os deslocamentos enquanto o trânsito os mantém refém por horas. Uma dinâmica urbana se construindo a ponto de alterar o tempo de experiências do cidadão. E aí entende-se a racionalização, a padronização, que provocam o choque, como uma forte influência desviante no modo como as pessoas sentem e vivem nas cidades. Não travando esse discurso como generalista, visto que precisaria de uma análise mais aprofundada, mas diante de alguns apontamentos levantados aqui nesse trabalho, conclui-se que a reprodução de modelos que visam atender as demandas da economia, nem sempre estão atreladas a atender as demandas de quem vai usufruir daquele espaço.
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IS nº 3, 2004 p 104
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É nesse contexto que aqui desvio e paixão se aproximam acerca do potencial que ações desviantes, que retomem a possibilidade de experiencias mais ligadas à essência das cidades, possam agir como um contra desvio e possa causar reconexões e quem sabe até paixões, a depender não apenas da construção de situações mas da forma como poderiam ser tratados os espaços públicos a ponto de influenciar na qualidade de vida das pessoas na cidade. O contrachoque contra o desvio.
3.2 Espetáculo: contra-desvio
Debord assume que “o espetáculo não é um conjunto de imagens, mas uma relação social entre pessoas, mediada por imagens”. E afirma que quando “compreendido em sua totalidade, o espetáculo é tanto o resultado como a meta do modo de produção dominante.” Para ele, vai além de uma “mera decoração acrescentada ao mundo real”, o espetáculo se torna “o próprio coração do irrealismo desta sociedade real” (DEBORD, 1967) Ana Clara Torres Ribeiro61 descreve em Homens Lentos, Opacidades e Rugosidades, a tomada de luz pela cidade por um grande espetáculo que se contrapõe “à luz da razão”, “a luz da inteligência” “a luz do espírito”. Ao conceito de luz dentro da configuração de espetáculo urbano que Ribeiro atribui, a pesquisadora relembra que a “luz também, escolhe, seleciona e oculta os espaços, engrandecendo-os, os transformados em luminosos, e
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Ana Clara Torres Ribeiro foi uma socióloga e professora do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional, da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Criadora e coordenadora do Laboratório da Conjuntura Social: tecnologia e território (Lastro), desenvolveu a pesquisa sistemática da Ação Social (reivindicações, protestos e lutas) em contextos metropolitanos, a proposição de novos conceitos e categorias e exercícios com a denominada cartografia da ação.
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esmaecendo ou esquecendo outros, abandonados em sua opacidade” (idem). 62 Da perspectiva de clareza dos caminhos que deve seguir, os desviantes são aqueles que não se contentam apenas com brilho fosco dos espaços luminosos aparentemente “prontos, limpos e livres de conflitos” e que “estimulam nossa preguiça pela fácil leitura e pelos caminhos préestabelecidos”, estes seriam são seduzidos pela busca de espaços de vida plena, de qualidade e verdade. (Santos, 2015). Partindo do outro extremo, Milton Santos classifica os espaços ofuscados como desagradáveis, esteticamente desinteressantes, ou perigosos, e que naturalmente são reconhecidos pelo senso comum.63 O desvio que ocorre através da fabricação de falsos consensos, contribui para a pacificação do espaço público e causa outro desvio na medida em que ao “esconder as tensões que são inerentes a esses espaços”, esterilizar a própria esfera pública e consequentemente, esterilizaria a experiência da alteridade nas cidades. (JACQUES, 2012a, p. 14). O processo de esterilização não destrói completamente a experiência, ele busca sua captura, domesticação, anestesiamento. A forma mais recorrente e aceita hoje desse processo esterilizador faz parte do processo mais vasto de espetacularização das cidades e está diretamente relacionado com a pacificação dos espaços urbanos, em particular, dos espaços públicos (JACQUES, 2012a, p. 14). O resultado alcançado pela espetacularização traduz-se em paisagens urbanas repetitivas que podem ser encontradas em diversos locais espalhados pelo mundo: cidade cenário, cidade-museu, cidade genérica,
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Ver em A pé p 72 Ver em A pé
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cidade-parque-temático, cidade-shopping, espetáculo18” (JACQUES, 2009).64
em
resumo:
cidade-
◄ 31 Ilustração, autora, 2018
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Ver em A pé
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A retomar o conceito de choque no inconsciente coletivo, pelo desvio aqui ocorrido, a fim de eliminar conflitos cria-se no imaginário a assimilação de espaços públicos pacificados e domesticados, algumas vezes cercados e amplamente controlados. (idem) O desvio que ocorre na tentativa de criar a cidade ideal, produz a imagem de uma outra cidade, que resiste por trás das imagens dos cartões-postais. “As imagens simulacros consensuais não conseguem apagar essa "outra cidade" latente e pulsante” A cidade viva, em que esta outra cidade toma corpo, poderia ser vista de fato como uma forma de resistência à espetacularização. (JACQUES, 2009 apud Santos, 2015). Dentro dessa lógica de cidade mercadoria, “os espaços públicos contemporâneos, (...) também são vistos como estratégicos para a construção e a promoção destas imagens de marca consensuais, ou seja, são pensados enquanto peças publicitárias, para consumo imediato” (JACQUES, 2009). O que segundo a autora resulta em um esvaziamento da própria experiência urbana, em particular da experiência sensível e corporal das cidades - o que transborda a pobre visualidade imagética. A pesquisadora afirma que atualmente, é possível notar a realização de projetos urbanos no mundo inteiro que buscam a transformação de espaços públicos em cenários homogêneos, desencarnados, padronizados e consensuais. Os logotipos e a identidade visual de cidades distintas, a exemplo de seus cartões postais, se parecem cada vez mais entre si. No resultado do espetáculo no inconsciente coletivo, entram os desviantes, capturando as almas das pessoas. Buscando e resgatar a experiencia sensível. Considera-se que é aí onde mora a contradição entre o que é experiencia e não é, porque nesse momento, compreende-se que estão ocorrendo diversas experiencias. O que nos leva a um segundo momento de reflexão: que é sobre a qualidade dessas experiências.
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As personagens que ocupam as zonas opacas das cidades são chamadas de errantes por Jacques, que os considera como figuras determinantes para a análise da experiência urbana. Ao praticarem suas errâncias pelas ruas da cidade – em flanâncias percorridas pelo personagem de Baudelaire; ou nas deambulações aleatórias dos surrealistas e dos dadaístas em suas excursões urbanas por lugares banais; ou ainda em derivas inerentes ao pensamento urbano dos situacionistas, de errância voluntária pelas ruas e de crítica radical ao urbanismo moderno – os errantes indicam “uma possibilidade de [...] resistência ou insurgência contra a ideia da [...] perda ou destruição da experiência a partir da modernidade” (JACQUES, 2012a, p. 19). As experiências erráticas buscam recorrentemente as brechas, margens e desvios dos holofotes do espetáculo urbano. Como dito anteriormente, surgem no Brasil, durante o período de ditadura, movimentos de oposição às proibições oferecidas pelo governo militar
3.3 O Outro Lado do Espetáculo enquanto formas de ocupar as ruas, e que hoje permanecem como instrumento critico de contestação, e também como alternativa aos artistas que estão fora do circuito da arte, visto que Arquitetura e Arte se aproximam da vida na cidade. E do mesmo jeito que os situacionistas utilizavam a cidade para reivindicar seus direitos, durante anos é possível perceber diferentes modos independentes de apropriação do espaço. Andy Warhol já havia alertado: no futuro, todos terão seus 15 minutos de fama, esse minuto que hoje é tão requisitado pelas redes sociais onde todos querem aparecer/estar e ter o seu lugar de expressão vem sido marcado na cidade pela arte de ir aonde o povo está. 81
As errâncias evidenciam, então, alternativas de se vivenciar a urbanidade em busca de uma “experiência de alteridade na cidade”. Jacques defende como alternativa a prática de ações políticas que conduzam uma resistência à espetacularização. Um dos caminhos possíveis apontados pela pesquisadora é a intervenção artística. As ações artísticas críticas na cidade – que podem ser vistas tanto como [...] "micro resistências urbanas", na denominação que preferimos usar – têm o objetivo de ocupar, se apropriar do espaço público para construir outras experiências sensíveis e, assim, perturbar essa imagem tranquilizadora e pacificada do espaço público que o espetáculo do consenso tenta forjar (JACQUES, 2009). Para Jacques Rancière, a intervenção artística é capaz de promover ficções ou novas relações, tensões ou dissensos, ou seja, outras formas de reconfiguração da nossa experiência sensível. Essas intervenções são propostas por Jacques sob o conceito de “micro resistências urbanas” que têm o objetivo de ocupar e de se apropriar para construir outras experiências sensíveis, ajudando a perturbar essa imagem pacífica forjada pelo espetáculo do consenso. A autora ainda chama atenção para a potencialidade da experiência corporal urbana como micro resistência. A experiência urbana se inscreve no corpo daquele que a experimenta, criando uma relação sensível e dissensual do corpo com o espaço público. Além disso, Jacques entende que esse tipo de intervenção pode produzir, um material, mesmo que empírico, que ainda é pouco considerado nas análises urbanas tradicionais de planejamento urbano. E explicita o quanto é importante que se aprenda a trabalhar com os conflitos e tensões inerentes ao espaço público. Sendo assim, “a arte crítica - a experiência sensível enquanto micro resistências sobre ou no espaço público - pode vir a ser, efetivamente, uma grande aliada. (...) possa efetivamente nos ajudar a inventar (...) um urbanismo mais dissensual, incorporado e vivaz” (idem). Em síntese, o processo de espetacularização das cidades contribui para o empobrecimento da experiência, produzindo espaços padronizados e esterilizados. Cidades diferentes, espacialidades distintas e projetos com
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mesmo objetivo: pintar um novo cenário globalizado, alargar as ruas e construir grandes avenidas. A domesticação urbana enfraquece a relação de reconhecimento e identidade entre o usuário e o espaço e contribui para o consenso do desaparecimento da experiência na cidade, deixa-se de perceber a vivência como apreensão. No entanto, o reconhecimento daqueles que erram e o incentivo à prática de micro resistências, como por exemplo intervenções artísticas na cidade, podem contribuir para o desequilíbrio desses espaços fabricados. Destaca-se ainda a importância do corpo inserido nesse processo de resistência e atenta se para uma outra forma de análise urbana, que leva em consideração a experiência sensível no meio urbano como alternativa para uma reflexão crítica da maneira de como o planejamento urbano se desenvolveu historicamente e de como suas decisões seguem nos atingindo.
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Parte II
“Os urbanistas do século XX terão que construir aventuras”
(Internacional situacionista) IS nº3, dezembro de 1959
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Desvio Aplicado: A experiência do Oxe, minha cidade é massa
/
◄ 32 Desaturate, Merve Ozaslan, 2015
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Prólogo
Está aberta a temporada de amor ao Recife. Nós não queremos mostrar a cidade. Queremos conhecê-la com você. Nós não queremos só falar da Cidade. Queremos ouvir o que você tem a dizer. Está aberta a temporada de amor ao Recife. Vem com a gente, só podemos fazer isso juntos. Oxe, minha cidade é massa. A tua cidade. (Manifesto “Oxe, Minha Cidade É Massa”) Começar como um convite ao cidadão para conhecer a sua cidade parte da prerrogativa do projeto de pensar em uma construção coletiva. O discurso do Oxe parte na motivação de contrapor as manchetes pessimistas da mídia e dos noticiários, de desvio de uma visão que não favorecem um olhar de valorização e incita o costume de enxergar a cidade por ângulos do caos e da violência, por exemplo. Assim, aplica-se o que viemos constatando ao logo desse ano: a importância em despertar nos cidadãos a noção de que é possível ter uma cidade
interessante, bonita e viva, ou seja, uma cidade massa. E ainda, que o Recife tem potencial para ser muito mais do que o estigma retratado hoje pelos meios de comunicação que estão latentes no imaginário do cidadão. A salientar a importância dessa atividade, não só como estudante de Arquitetura e Urbanismo, o que já oferece uma grande vantagem/privilégio no modo de apreensão da cidade, visto que ter o espaço como o próprio objeto de estudo, nos traz o privilégio de ter um conhecimento muito rico acerca da cidade. Isso nos proporciona uma facilidade na hora de mapear as partes negativas e positivas e tentar traçar estratégias de ação através de um papel social que nos é dado, enquanto missão profissional, de promover espaços de bem-estar e democratização de um conhecimento antes reservado a academia. O arquiteto e urbanista, tem o papel educador como possível de transformar não só a cidade, mas a sociedade. Nessa motivação, surgiu o Oxe, minha cidade é massa, na 87
tentativa de democratizar conhecimentos.
disseminar e esses
Certa vez ouvi: Arquiteto é quem primeiro entra na nossa casa, ao menos os que tem o privilégio de morar num edifício ou casa projetados por um profissional, mas desse modo, pensamos o espaço. Definimos onde é a porta de entrada, o corredor, o banheiro e onde se vai dormir. Imagina também poder começar a pensar as cidades de um modo a melhorar a experiencia urbana das pessoas? Afinal, temos experiencias urbanas hoje que são muito desagradáveis, particularmente para mulheres, pedestres, ciclistas, o carro vivencia hoje. Quando o Oxe se propôs a levar uma visão otimista, foi preciso antes de tudo ter uma visão extremamente realista, tão realista ao ponto de entender que é preciso mudar, é preciso mudança. Para começar mostrando um pouco de como foi a construção do grupo, nesse processo de construção e desconstrução:
Vida. Morte. Beleza. Descaso. Riqueza. Pobreza. Cultura. Abandono. Segurança. Violência. Liberdade. Medo. Amor. Ódio. Recife. Reação. Diante de tantos adjetivos e paradoxos, e de um ambiente que tantas vezes é traduzido em hostilidade perante seu povo, o que pode ser feito para que essa realidade se transforme? Por considerar Recife uma cidade tão massa, com potencial capaz de superar seus problemas, foi decidido abraçar essa causa como agentes ativadores do espaço. O projeto é uma realização profissional, por acreditar na real função do arquiteto e urbanista e que a evolução urbana se dá pela tomada de consciência do espaço em que se vive, a necessidade de resgatar nos cidadãos o que eles podem ter de melhor: a própria cidade. A história que vai ser contada a seguir é fruto do trabalho de um grupo que precisou ser desviante no espaço público. Ao longo desse ano, tivemos a oportunidade de olhar para trás e refletir o sentido de colocar o corpo na cidade e
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poder provar, em parte as teorias apresentadas aqui nesse trabalho. A oportunidade de promover as alteridades possíveis, cruzar com o desconhecido conhecendo pessoas do meu próprio território, que compartilham da mesma cultura e que eu nem imaginava que existiam, a oportunidade de aprender a olhar para o lado como uma vontade, mas também como um exercício de desvio. A experiencia autoriza a fala, mas perceber a importância de ler e conhecer as teorias para entender o que foi feito se fez fundamental para desmistificar a fala situacionista e assim compreender o que eu estava fazendo, como isso está de fato impactando a vida das pessoas. O que aconteceu com o “Oxe, minha cidade é massa” aconteceu no caminho inverso, iniciamos o
projeto e hoje, cada um dos integrantes começou a desenvolver o trabalho de conclusão de curso em cima dessas experiencias, que pessoalmente, acabou sendo transformadora. Nas páginas a seguir há uma tentativa de teorizar através da análise dessas ações e da paixão ocorridas. Se nos dispomos a estudar e a praticar uma mudança criativa do meio urbano, ligada a uma mudança qualitativa do comportamento e do modo de vida, isso significa uma verdadeira criação coletiva, do âmbito da arte [...] sabemos que o trabalho coletivo é indispensável à realização de nossas ideias, e contamos com a insatisfação que nos mantém unidos. A criação só pode existir dentro de perspectivas como a nossa”. Constant I.S. n3, dezembro de 1959
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4.1Oxe, minha cidade é massa
◄ 33 Praça Dom Vital, Centro do Recife, Arquivo Oxe, 2017
Até agora, viu-se que o estudo da vida na cidade como um processo tem sido estudado por diversos urbanistas no mundo todo. O foco não está apenas no condicionamento funcional da cidade em si, mas, principalmente em como as pessoas se organizam e podem se comunicar neste espaço através da arte e da vida. Surgem como identificação ao longo desse trabalho, ainda que em outros termos, a recorrência de temáticas acerca de temas de identidade, diversidade e ainda do pertencimento, nas mais diversas esferas que tangem as relações entre o indivíduo e a sociedade, sejam de caráter histórico ou cultural, direcionam novas tendências de compreensão e manutenção das lógicas sociais e urbanas nesse palco de eventos, que é a cidade. 90
Como forma de manutenção de uma cidade viva e saudável, em contraponto a espetacularização, entendeu-se como premissa a existência de espaços públicos vivos, que promovam a utilização da cidade pelos diversos atores e vice e versa, e sejam assim, capazes de garantir direitos básicos, como a segurança, bem-estar social e caminhabilidade, garantindo o cumprimento da sua função social e garantia de uma experiencia urbana de qualidade. Viu-se também que ainda que haja inúmeras práticas desviantes, dentro do âmbito acadêmico formal, ainda é silenciosa essa discussão para a conformação das cidades hoje no planejamento urbano contemporâneo, tornando-se ainda mais imprescindível essa discussão que parte do sentido de resgatar o clamor situacionista de modo de produção apaixonante. Assim também, a cidade deve ser vista então ao nível dos olhos65: deve ser boa para caminhar, para permanecer, para encontrar pessoas e para permitir a auto expressão, os jogos e o caminhar. Independente das ideologias de planejamento, o cuidado com a dimensão humana deve ser um requisito universal, havendo assim uma consideração pelos sentidos diretos das pessoas e pelo modo em que a interação delas irá ocorrer. Em busca de direcionar esse trabalho aos fins do que seria então o papel do arquiteto e urbanista na conformação de cidades vivas, esclarece-se que questionamento implica entender a relação do cidadão atual com a cidade como forma de enfatizar a dimensão humana e o primeiro passo seria então a busca pelo pertencimento e pela memória afetiva, ou seja, pelas boas lembranças que trazem à tona o sentimento de fazer parte de um determinado lugar. Em resposta, surgiu o coletivo Oxe, minha cidade é massa! na tentativa de fomentar o bairrismo recifense criando e ampliando o sentimento de pertencimento dos cidadãos na cidade do Recife e no intuito de despertar a memória afetiva de cada indivíduo. Como veremos a seguir, isso tem se 65
Ver em Karssenberg, Hans. Cidade Ao Nível Dos Olhos, A: Lições Para Os Plinths. 2015
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tornado possível pela interação em redes sociais e pelo convívio gerado em diferentes experiencias de desvios realizadas em diversas áreas da cidade.
◄ 35 Praça de Casa Forte,, Arquivo Oxe, 2017
◄ 34 Bairro da Várzea,, Arquivo Oxe, 2017
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4.1.1 O Surgimento
◄ 36 O coletivo, Arquivo Oxe, 2017
O coletivo Oxe, minha cidade é massa! é formado por cinco estudantes de arquitetura e urbanismo da Universidade Federal de Pernambuco, que imersos numa conjuntura urbana de desânimo e frustração frente ao futuro da cidade do Recife, começaram a se questionar até onde iriam seus papéis sociais como arquitetos e urbanistas, e quais seriam as reais possibilidades de atuarem como agentes modificadores e ativadores do espaço. Grande parte do anseio por mudança e sentimento de apropriação foi gerado pelas experiências de intercâmbio feitas pelos cinco estudantes. Ao viajar para países como Estados Unidos e Inglaterra, e percebendo como a dinâmica urbana favorece de fato as cidades em diversas esferas, começaram a surgir alguns questionamentos: ora, se Recife é essa cidade tão rica historicamente, culturalmente, arquitetonicamente e naturalmente; por que ela não revela todo seu potencial no seu cotidiano? Por que não são encontradas soluções para tantos problemas se existe tão grande potencial?
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Primeiramente através de um impulso, foi pensado o que poderia ser feito para que tal realidade começasse a mudar de forma que os cidadãos tivessem uma postura diferente acerca de sua cidade, algo que as tocasse profundamente a ponto de fazê-las voltar a acreditar no Recife. Foi então que, três conceitos que estão tão presentes no cenário acadêmico vieram à tona: memória afetiva, pertencimento e apropriação. Foi percebido durante os processos desviantes que essa tríade funciona de forma bem cíclica: quando é acionada a memória afetiva, ou seja, quando as lembranças evidenciam os laços com a cidade, automaticamente é gerado um sentimento de pertencimento; e esse, cria uma atmosfera de apropriação do que é essencialmente do cidadão por direito. Sendo Recife essa cidade tão rica, com tanta cultura, história, arquitetura e natureza, não faltaria motivos para que a memória afetiva de seus cidadãos não fosse provocada. O objetivo do Oxe, minha cidade é massa! é fazer com que, através de simples ações de desvio, as pessoas possam sentir o impacto da visão de uma construção de uma cidade que é fortalecida quando acontecem uma série de iniciativas individuais – que começam a partir das ações delas, como cidadãs, e pelo reconhecimento de se posicionar acerca do que acontece na cidade. ◄ 37 01.05.2017, Colagem
lançamento, Mídias Sociais, Arquivo Oxe, 2017
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4.1.2 A Metodologia
Foi percebido que a transformação da cidade começaria então quando é transformado o olhar acerca do ambiente urbano e quando se percebe as coisas que a rotina avassaladora dos centros urbanos faz ignorar. Dessa forma, com iniciativas que buscam despertar a percepção dos espaços públicos, a valorização do patrimônio histórico, a apropriação dos elementos naturais e a importância das ruas; O Oxe, minha cidade é massa declarou aberta a temporada de amor ao Recife. A autora que vos fala, integrante do grupo, ainda não tinha conhecimento da visão apresentada por Debord, e os situacionistas, e por isso, baseava as teorias a partir de dados empíricos e autores como Jacobs e Gehl, atualmente reconhece a aproximação dessa proposta com a visão participacionista do Urbanismo Unitário. Com o propósito de instigar no indivíduo ou cidadão recifense uma noção de pertencimento e de renovação do espírito de propriedade da cidade, o Oxe, minha cidade é massa! produz um conteúdo voltado para a educação urbana através de uma linguagem que busca ser simples e objetiva, extrapolando as fronteiras acadêmicas e tentando fazer com que o público leigo tome partido sobre as questões acerca da cidade e se tornem agentes modificadores do espaço urbano. As ações do projeto se iniciaram através da criação de um conteúdo novo, disseminado através das redes sociais, com um caráter educativo, através de vídeos indicando motivos para considerar a cidade do Recife “massa”. De maneira beirando a informalidade, foi passado de forma quase que poética e resgatadora – partindo assim da tentativa do despertar da noção do pertencimento -, alguns aspectos positivos e muito inerentes à cidade, que de forma generalista buscasse atingir o maior número de cidadãos recifenses e gerar neles algum tipo de identificação (mesmo que a princípio, esse sentimento não partisse diretamente de questões ligadas à melhoria objetiva do espaço urbano). Com isso, e se apoiando nas redes sociais e entendendo a tecnologia da comunicação como parte essencial do projeto, a geração de conteúdo se multiplicou e passou a agregar ações como pequenas intervenções no 95
espaço urbano propriamente dito em parceria com outros projetos detentores também de um pensamento crítico sobre a cidade do Recife. Dentre as ações realizadas pelo coletivo, sempre com o objetivo de incluir não só aspectos visualmente compreensíveis no conteúdo delas, mas também uma noção sentimentalista que envolve um diálogo característico com ênfases em referências subjetivadas da cidade – como, por exemplo, pontos de referências não óbvios, músicas marcantes, marcos culturais, expressões idiomáticas fortes e uma forte noção de bairrismo – foi possível notar um grande sentimento de necessidade gritante de melhorias na cidade por parte de quase todos os cidadãos os quais participavam desses movimentos. ◄ 38 e 18 Ilustrações
para Mídias Sociais, Arquivo Oxe, 2018
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“A minha cidade é massa, porque o espírito da minha cidade é massa!” Thaciana Belarmino, estudante, 23 anos.
“Recife é massa porque aqui tem muita energia, as pessoas estão sempre prontas a ajudar, pra gritar ou ir à luta” Hugo Talon, frânces, 22 anos
“Recife é massa porque é o próprio maracatu atômico, uma mistura de ritmos, tudo junto no ar” Ana Pedrosa, arquiteta, 25 anos.
“Minha cidade é massa porque tem muita água, tem muito rio, tem o mar, por mais que sejam sujos, é maravilhoso poder olhar o movimento e sentir uma renovação” Marina Didier, artista visual, 31 anos.
A cidade é massa porque é onde eu moro, no meu bairro eu faço tudo andando, vou a qualquer lugar, fazer qualquer coisa. Eu tenho onde me divertir, os meus amigos moram perto, apesar de caótica, ela consegue ser aconchegante. Gustavo Lins, publicitário, 28 anos.
Recife é massa, por todas as suas riquezas culturais. Luana Malta, estudante, 15 anos Minha cidade é massa porque tem espalhados muitos símbolos de resistência que nos motivam a cada dia a continuar lutando pela nossa cidade.
POR QUE A MINHA CIDADE É MASSA...
Pamella Clericucuzzi, estudante, 24 anos 97
É na praça do Diário que o amor é centenário e todo dia acontece Se não é noticiado as vezes negociado dum preço que não conhece Visse um caba dum pandeiro toca ali o dia inteiro e eu não sei como ele aguenta O outro no berimbau faz munganga enverga o pau que o suor corre na venta Recife dos manguezais Da cor dos canaviais De caranguejo amarelo Do siri que sai do saco Pula fora do buraco Se aprega no chinelo Rasga o pé do pescador Mostrando que a mesma dor Sofre quem mata o que é belo Capiba! Nasceram dois Um foi antes e depois O rio e o cantador Do poeta falam mais Porque o seu frevo faz a rua mudar de cor (Zé de Cazuza)
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4.1.3 A Busca Pelo Resgate
Pensar uma cidade, implica em pensar no cidadão, porém não apenas nele, mas em todos os atores envolvidos na tríade citadina: o poder público, iniciativa privada e a sociedade civil. Sendo estes indissociáveis para o bom funcionamento da cidade. A busca por um equilíbrio entre as partes deve ser primordial. Quando um dos elementos se destaca ante ao outro, o desequilíbrio desfavorece a todos. Partindo do pensamento de uma cidade equilibrada, encontra-se no significado da palavra cidadão, segundo o dicionário Aurélio, 2014:
“Indivíduo no gozo dos direitos civis e políticos de um estado livre. 2 Habitante de cidade.” e de sua origem na palavra Civita, do latim “cidade”, a relação entre cidade e deveres políticos e civis. Onde todo cidadão tem por premissa, em uma cidade, direitos e deveres. Lefebvre (1978), traz os conceitos das teorias de Karl Marx, para a temática urbana, e encontra nos termos “valores de uso” e “valores de troca” elementos perfeitos para essa tradução, onde no período pós revolução industrial, algumas cidades no mundo, principalmente as metrópoles adquiriram um elevado interesse em priorizar o valor de troca em detrimento ao valor de uso. Vale salientar, que no momento pré-revolução industrial as cidades eram muito mais obra do que produto, pois não eram qualificadas como mercadoria, sendo caracterizadas muito mais como valor de uso do que
troca. No cenário mundial outras cidades enfrentam a mesma problemática, onde o valor de uso perde peso quando colocado o valor de troca no outro lado da balança, sejam por vontades do mercado dito legal, como grandes cidades do oeste dos Estados Unidos da América, a exemplo de Los Angeles ou desejos impostos pelo mercado ilegal, como o narcotráfico que assolou a cidade de Medellín, na Colômbia. Diversos são os fatores que levam ao lento esvaziamento das ruas nas cidades, como os exemplos mencionados anteriormente onde Los Angeles é culturalmente uma cidade feita para o carro ou a violência que quase destruiu a cidade de Medellín, aprisionando a sua população dentro de 99
casa por medo. Mas além dessas duas causas destacadas, cultura e violência, também pode ser mencionado a falta de estrutura de lazer que a cidade deveria oferecer ao cidadão. No objeto de estudo do Oxe, minha cidade é massa, a cidade do Recife, capital do estado de Pernambuco no nordeste do país, é possível identificar as causas citadas anteriormente e reforçar algumas das razões desse processo. Por exemplo, o esvaziamento das ruas e grandes avenidas, são constatados em parte, quando há o enfrentamento de vantagens e interesses entre setores públicos e setores privados, como é o caso da criação de mecanismos que favorecem o mercado imobiliário e desfavorecem a vida urbana, que, por conseguinte atinge em primeira instância a população. Agravantes como estes, vem causando na cidade do Recife, graves consequências para o desenho e infraestrutura urbana: edifícios que se negam a rua, com muros de mais de 3 metros de altura e mínima relação com o entorno, a forte cultura dos condomínio fechado e espaços privativos como geradores de lazer e serviços, e o shopping center como o espaço público climatizado e seguro. Isto é, a baixa segurança que pela falta de pessoas na rua, como já antecipava Jacobs(1961), é ampliada pelo sentimento de medo que as ruas desertas e com altos muros criam, é o terceiro elemento que acaba por ampliar o esvaziamento de alguns bairros no Recife, como Boa Viagem, que excetuando-se a Avenida Beira Mar, que em suas condições atuais, proporciona para o pedestre além da insegurança, desconforto térmico e psicológico, tendo em vista a falta de arborização e calçadas estreitas e desagradáveis pelos muros que parecem lhe oprimir.
100
◄ 39 Amanhecer no Catamarã,
Arquivo Oxe, 2018
◄ 40 Pôr do Sol, Comunidade de
Santa Luzia, Arquivo Oxe, 218
101
4.1.4 Valorização e Empoderamento
Reafirma-se assim a forma como o Recife vem sendo visto por parte da população, causado inclusive pela falta de vivência e conhecimento acerca da cidade. Isto é, cidade menos atrativa aos olhos do cidadão. Diante disso, é inevitável que consequentemente, estes cidadãos não disponham de propriedade suficiente na hora de tomar partido como agentes modificadores do ambiente. Ainda que o povo recifense seja bairrista, a noção de vivência dos espaços públicos está sendo subutilizada e não faz parte das rotinas de diversas esferas da população, que continuam a usála como meio de tráfego, por diversas questões que vão desde a segurança nesses espaços até por exemplo a comodidade de apenas procurar em espaços privados aquilo que deveria ser encontrado na cidade por si. Com base na problemática encontrada e movidos pelo anseio de promover a mudança, o projeto se desenvolve com intuito de mostrar para o recifense, e para todos aqueles que têm interesse em conhecer a cidade, diversas formas de vivê-la de maneira íntegra, e alcançar através das mídias sociais e de ações concretas, diversos públicos de um mesmo Recife, promovendo interação e conexão entre a população e a cidade. Desse modo, o coletivo tem como iniciativa, a ideia clara do poder que os conhecimentos em Arquitetura e Urbanismo podem ter se aplicados de modo a atingir a sociedade, e por isso devem ser compartilhados. Conceitos como caminhabilidade, valorização do pedestre, do transporte público, o entendimento do papel da população como formadora de um novo estado de compreensão da cidade, o poder do verde e dos espaços públicos e o empoderamento dos rios e da relação antigo e novo são alguns dos pontos chaves na metodologia. Em contrapartida, esses conceitos são levados a um nível de compreensão do cidadão e, por isso, a importância das redes sociais. A geração de expectativas acerca da cidade passou a gerar um retorno imediato dos recifenses, que passaram a compartilhar diariamente seus ‘’novos’’ pontos de vista da cidade. Isso confirmou a hipótese inicial do grupo de que o sentimento de bairrismo precisava ser resgatado. “Foi por
percebermos que somos nós, cidadãos, que fazemos a cidade”. 102
A exemplo prático dessas atividades, segundo Adriana Sansão, 2013: “Um tipo de intervenção que vem ganhando espaço nas cidades ultimamente são as intervenções temporárias, que como o próprio nome já ressalta, refere-se a algo transitório. Motivadas por situações particulares e já existentes do contexto urbano, são ações de porte menor que vão contra ao projeto padronizado, fixo e caro. Essas intervenções têm como principal objetivo transformar o espaço, aproximando as pessoas ao proporcioná-las opções de atividades.’’ Desse modo, a autora ainda ressalta que as intervenções temporárias com esse caráter, realizadas em um contexto cotidiano e imediatista, apesar de transitórias, são capazes de deixar marcas permanentes nas relações sociais com o lugar, por envolverem a participação, ação, interação, , motivadas pelas ‘surpresas’ do caminho e espontâneas urbanas em contraposição ao projeto estandardizado, caro, permanente e de grande escala, o ‘’grande evento‟.
◄ 41 Ação Carimbos Urbanos, Arquivo Oxe, 2018
103
4.1.6 Uso das Mídias Sociais Como Potencial Agregador No período da revolução industrial, houve um grande acréscimo na quantidade de pessoas nas metrópoles, quando o homem rural migra para as grandes cidades ele consequentemente muda o seu modo de interagir com o próximo, se antes ele conhecia a todos em uma pequena vila ou cidade, ou ao menos uma grande parte de seus vizinhos e os cumprimentava, nas grandes metrópoles o mesmo não era possível, onde agora ele mal conhece o seu vizinho de porta (SIMMEL 1973). Devido à grande quantidade de estímulos que o indivíduo passa a receber, ele instintivamente passar a desenvolver a atitude de reserva e blasé, para proteger o seu psicológico (idem). Toda teoria da comunicação é uma teoria da comunidade, como afirma Williams (1979) e atualmente as dinâmicas sociais diferem das de dez anos atrás e a tendência é que essa evolução no modo dos indivíduos interagirem acompanhem a evolução dos meios de comunicação. Onde hoje temos as redes sociais como meio de organizar comunidades, pessoas com interesses comuns, localidade ou outro fator, é de extrema importância o domínio das mídias sociais. De acordo com Touraine (1999): ...a relação consigo mesmo preside o relacionamento com os outros. É um princípio não social que preside as relações sociais, de sorte que, depois de um longo período durante o qual se tentou explicar o social somente pelo social, de novo reconhecemos que o social repousa sobre o não social e não se define a não ser pelo lugar que concede ou recusa esse princípio não social que é o sujeito. Ou seja, o autor afirma que é de grande importância que cada indivíduo em um comunidade, se sinta parte de algo maior que ele, no caso de Recife, vê que o lado cultural é forte e nutre em cada recifense um pertencimento nato, que pode encontrar-se em estado de inércia. Usando os dois conhecimentos dispostos anteriormente, as relações humanas nas metrópoles e a velocidade de mutação dos meios de comunicação e interação social por meio virtual, é imprescindível o 104
desenvolvimento de uma plataforma de comunicação e divulgação na internet, por meio das redes sociais. Hoje em dia, a melhor maneira para alcançar um grande público é por meio das redes sociais, onde é possível além da exposição do conteúdo e disseminação das ideias, interagir com o cidadão, em uma troca de experiências, onde o indivíduo não é passivo ao conteúdo, ele próprio alimenta com suas imagens, vídeos ou comentários. É nesse processo de troca de vivências que o cidadão passa a conhecer mais sobre a sua cidade, sobre como usufruir do seu real valor de uso e ele passa a se sentir parte de uma comunidade, sua cidade. Reafirmando a importância da ativação urbana gerada pelo Oxe, Minha Cidade é Massa! Na ocasião abaixo, em busca de criar canais de comunicação e interação através da cultura, o grupo propõe uma playlist colaborativa apenas de músicas recifenses e bandas locais, na qual cada cidadão poderia adicionar as suas faixas preferidas e todos poderiam compartilhá-las.
◄ 42 Mockup para redes sociais, Arquivo Oxe, 2017
105
106
â&#x2014;&#x201E; 43 e 22, Instagram
Oxe, minha cidade ĂŠ massa, Arquivo pessoal, 2018
107
4.1.7 Resultados
◄ 44 Bairro do Espinheiro, Arquivo Oxe, 2018
A geração de expectativas acerca da cidade passou a promover um retorno imediato dos recifenses, que passaram a compartilhar diariamente seus ‘’novos’’ pontos de vista da cidade. Essa nova forma de ver e entender começou a ser propagada tanto pelas mídias sociais diretamente, através do engajamento com as redes do projeto, assim também pelo contato direto entre pessoas do convívio dos integrantes, que começaram a expor e compartilhar suas experiências. Cotidianas. Um dos quadros do projeto nas redes sociais consiste em perguntar aos recifenses, de variadas áreas, porque eles acham o Recife massa. Foi em uma dessas entrevistas rápidas que seu Henrique, dono da barraca de açaí localizada na frente do CAC, nos falou que levou a namorada para o Jardim do Baobá, espaço público que ele não conhecia antes, por causa do vídeo postado pelo “Oxe minha cidade é massa” no dia dos namorados. O vídeo promove os espaços públicos da cidade, com o intuito de resgatar o uso desses espaços de forma saudável. Dessa forma, consideramos o depoimento de seu Henrique, uma forma de resposta que vem diretamente da população e do engajamento dos integrantes do projeto com público. eu vi um vídeo deles... aí tinha o Dona Lindu que eu já conheço... aí esse o Baobá, nem esse nome eu 108
conhecia. Eu vi assim o menino estava lá filmando, sentado [...] fui lá no Google, pesquisei, achei e fui lá... Maravilhoso. Gostei muito, vou voltar mais vezes” Em pouco mais de um ano de atuação de atuação, o projeto também foi contemplado com diversos convites provenientes de outros projetos e ONGs. A exemplo do Café da manhã na calçada, em que o Oxe esteve presente duas vezes desenvolvendo ações, a convite da Associação Por amor as Graças. Na sua primeira atuação, os integrantes desenvolveram mobiliários urbanos com madeira reaproveitada de caixotes da Ceasa, enquanto na segunda, foi elaborado um mural de sonhos acerca da temática “Qual seria sua rua ideal?”. Outro convite foi dado por Socorro, que fundou e conduz a ONG Recapibaribe. Dessa vez, a atuação do projeto se deu pelo compartilhamento das narrativas de pescadores locais e divulgando à Barqueata em prol da limpeza do Rio, que ocorreu no dia 31 de agosto – na ocasião, o grupo acompanhou a retirada de mais de treze mil toneladas de lixo do Capibaribe. Já em parceria com o INCITI, o projeto desenvolve a ação carimbos urbanos, que reforça a pintura de faixas de pedestre na cidade do Recife além de convidar os passantes a participarem de tal gesto através de pinturas de caráter artístico e conceitual, a faixa colorida, e os carimbos urbanos com formato de pés, eram apelos de reivindicação da rua para o pedestre. ◄ 45 Seguidores #Oxe,
uso de imagens autorizadas, 2018
109
4.2. Desvio Aplicado: As Intervenções
O projeto “Oxe minha cidade é massa” foi desenvolvido sobretudo pela consciência de que o papel do arquiteto e urbanista pode transformar a vida das pessoas através da integração entre a população e sua cidade. Integração está que deve ser pensada de maneira a fomentar uma vivência urbana inclusiva e sustentável, onde as pessoas possam de fato andar e experimentar a cidade em seus diversos âmbitos. Tendo conhecimentos de influentes autores como Jan Gehl e Jane Jacobs, sentiu-se a necessidade de concatenar todos esses valiosos mandamentos acerca das cidades em um projeto prático. Dessa prática, o “Oxe minha cidade é massa” veio mostrar que o papel do profissional de arquitetura e urbanismo vai além do projeto em si, e que a interação com as pessoas, logo com a cidade, pode transformar o espaço urbano e humano em que se vive. As ações praticadas receberam reconhecimentos direta e indiretamente, seja através de premiações e convites ou o próprio retorno do público atingido através de fotos, desenhos, poesias e depoimentos. A nova forma de ver a cidade vem sendo adotada com sucesso, e é objetivo do projeto que essa onda de amor não só a Recife, mas as cidades em geral, se propague cada vez mais.
◄
Arquivo Oxe 2017
46
110
Mão na Massa: mobiliários urbanos
◄ 47, 23, 24, 25 Registros da ação,,
Arquivo Oxe, 2017
111
“Cidades convidativas devem ter um espaço público cuidadosamente projetado para sustentar os processos que reforçam a vida urbana. Uma condição básica é que a vida na cidade seja potencialmente um processo de auto reforço [...] Naturalmente, as pessoas se inspiram e são atraídas pela atividade e presença de outras pessoas”. (GEHL, 2013, p. 65) A partir do momento em que o “Oxe” lançou o primeiro vídeo com a intenção de desviar um olhar otimista para a cidade, começamos a sentir o poder da cultura espetacular em conectar diversas pessoas que estão compartilhando de um mesmo sentimento. Diferente da Internacional Situacionistas em Alba, a identificação entre os nossos ideais e de pessoas – nunca vistas antes - se deu rapidamente pelas redes sociais. Essas conexões aparentemente foram capazes de criar uma rede de cidadãos e iniciativas, que foi sendo alimentada ao longo deste ano de atuação. Alguns dos primeiros passos dessa conjuntura se deu no domingo (21/05/2017), quando a narrativa das ações do Café na Calçada abriu espaço e mobilizou o Se Essa Rua Fosse Minha e o KomBike para a realização da nossa primeira ação. Crianças, jovens, moradores, interessados, cidadãos, a ação reuniu pessoas em um dia de celebração da rua, do espaço público, que se fizeram em encontros, abraços e ciranda. Foram produzidos bancos, mesa, lixeiras e um balanço de pneu com madeiras encontradas em entulhos de lixo e que agora servirão a rua. Dentro de uma análise participacionista, que coloca o cidadão como protagonista, criou-se a oportunidade de transitar, desviar, do discurso para a mão na massa. Localmente, usa-se a expressão “Recife é um ovo”, afinal apesar da cidade ser muito grande territorialmente, de algum modo, os laços sociais são muito estreitos e costuma-se dizer que “todo mundo se conhece”, o que o “Oxe” fez foi dar motivos para direcionar uma ação seguida de debate. Essa intervenção portanto se deu através de uma atividade concreta no espaço público seguida da produção em vídeo e compartilhamento nas 112
redes sociais, que pode ser para acessado no link do canal do Youtube: https://www.youtube.com/watch?v=8mBl311YRfQ
◄ 48 Registro da ação, Arquivo Oxe, 2017
113
◄ 49 Registros da ação,, Arquivo Oxe, 2017
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4 Lugares para levar o(a) boyzinho(a) no dia dos namorados
◄ 50 Registros da ação,, Arquivo Oxe, 2017
A própria expressão “sociedade do espetáculo” cunhada por Guy Debord, o, definiu o espetáculo como o conjunto das relações sociais mediadas pelas imagens66 e deixou claro que é impossível dissociar as relações sociais e as relações de produção e consumo de mercadorias. Viu-se que sociedade do espetáculo corresponde a uma interdependência entre o processo de acúmulo de capital e o processo de acúmulo de imagens, no qual o onipresença e papel desempenhado pelo marketing, ilustra perfeitamente bem o que Debord quis dizer: “das relações interpessoais à política, passando pelas manifestações religiosas, tudo está mercantilizado e envolvido por imagens.” 67
66
Vem em A sociedade do Espetáculo Ver em Mídia e poder na sociedade do espetáculo, Revista https://revistacult.uol.com.br/home/midia-e-poder-na-sociedade-do-espetaculo/ 67
Cult,
115
Assim como o conceito de “indústria cultural”, o conceito de “sociedade do espetáculo” faz parte de uma postura crítica com relação à sociedade capitalista. Não são conceitos pensados de maneira puramente acadêmica, como capazes apenas de descrever as características sociais, mas fazem parte de uma construção teórica que procura apontar aquilo que se constitui em entraves para a emancipação humana.68 A partir dessa lógica que se manifesta na a cidade como palco dos eventos e das comemorações, existe um contexto que é sustentado pelo comercio e interioriza em bares, restaurantes e cinema comemorações de aniversários, dia das mães, dia dos namorados..., e é capaz de definir inconscientemente a forma plena de consumo de uma sociedade. Nesse contexto, o Oxe” começa a questionar então, se há uma infinidades de lugares públicos e privados, por que então se continua sempre frequentando os mesmos tipos de ambientes em várias dessas comemorações? É por que gostamos? Ou por que se tornaram as principais referências de consumo e experiencia? Essa ação do “Oxe” se constitui na tentativa de mostrar que há outras estratégias possíveis de passeio na cidade e que aproveitar o espaço público pode ir além de ideias engessadas. Se o cidadão fosse livre para pensar e escolher o espaço, o que ele faria ou diria? Nessa intervenção que ocorreu em forma de vídeo, em comemoração ao dia dos namorados, o enredo se dá pelo convite que foi feito a um casal de amigos que circulam por quatro cenários públicos do Recife e apresentam aos cidadãos, novas perspectiva de valorização e usos.
68
idem
116
A usar do próprio espetáculo para atrair o debate de ser turista na própria cidade, músicas locais, gírias e simbologias locais são utilizadas como forma de criar identificação entre o espectador e a imagem - o vídeo que tem características das derivas, se apresentou como um instrumento de desvio para a percepção do olhar, do imaginário, que acabou sendo muito bem recebido pelos cidadãos. ◄ 51 Registros da ação,,
Arquivo Oxe, 2017
Os lugares escolhidos foram o Jardim Do Baobá, o Parque Da Jaqueira, o Recife Antigo e a Praia De Boa Viagem e a abordagem adotada afim de valorizar os espaços públicos, também é utilizada diariamente e de um jeito “informal” nas mídias sociais de modo a construir diálogos com os cidadãos.
O link para acesso do vídeo no canal do Youtube do “Oxe”: https://www.youtube.com/watch?v=0l1XnzBgoxM >
<
117
◄ 52 Registro Mídias Sociais,, Arquivo Oxe, 2017
118
Pátio do Livramento: um lugar de passagem?
“O Urbanismo Unitário não aceita a fixação das cidades no tempo. Induz, ao contrário, à transformação permanente, a um movimento acelerado de abandono e de reconstrução da cidade no tempo e, ocasionalmente também no espaço.” Encontrou-se uma similaridade entre a zona experimental para a deriva69 e as oportunidades de criar situações, abordadas pela IS, e a ação promovida pelo coletivo no Pátio do Livramento. O reconhecimento do lugar em potencial turístico e cotidiano de um lugar histórico hoje limitado a uma visão de lugar de passagem - que também, se exprime na passante de Baudelaire e na proposta dadaísta em torno da “igrejinha em Paris”.
Contra a velocidade moderna, a ação busca provocar o desvio do olhar em um convite de pausa, de respiro e reconhecimento do ambiente. Além disso o “Oxe” vem com essa intervenção ampliar o debate sobre o complexo de vira-lata, apresentado por Nelson Rodrigues70, que acomete Ver em “O centro de Amsterdã, que será explorado sistematicamente por equipes situacionistas em abril-maio de 1960.) 70 Nelson Falcão Rodrigues (1912-1980) foi um teatrólogo, jornalista, romancista, folhetinista e cronista de costumes e de futebol brasileiro, e tido como o mais influente dramaturgo do Brasil. 69
119
53 Igreja Nossa Senhora do Livramento, 1960 – 2010, ,, https://pt.wikipedia.org/wiki/Igreja_de _Nossa_Senhora_do_Livramento_dos_H omens_Pardos ◄
a população a um conceito de inferioridade e descrença, ainda que bairrista se limita ao reconhecimento da desvalorização generalizada. As pessoas saem aqui do Brasil, rumo a Europa, aos Estados Unidos em busca de ver monumentos e igrejas, que são belíssimos, mas a gente as vezes a gente esquece que na nossa cidade, não só Recife, mas Pernambuco, é muito rico historicamente e tem muitas coisas lindas a serem vistas também.”71 A intervenção desviante, se deu através de ação no espaço público, produção de vídeo e compartilhamento em redes sociais, e na construção de uma narrativa poética da experiência do ponto de vista da autora e que poderá ser acompanhada a seguir. A reiterar o conceito de Fontes(2013), sobre as intervenções temporárias e marcas permanentes, a reflexão que permanece é sobre uma intervenção que durou cerca de duas horas e promoveu inúmeros resultados, desde diálogos informais sobre a história do patrimônio, o comércio, banalidades, ao ponto de na hora da retirada das cadeiras, as pessoas pedirem para continuarmos no espaço. Link para acesso do vídeo no canal do Youtube https://www.youtube.com/watch?v=6U_ctCkIZqQ
do
“Oxe”:
Segue o relato compartilhado nas redes sociais:
71
Ver em publicações nas redes sociais do coletivo.
120
◄ 54 Pátio do Livramento, Arquivo Oxe, 2017
Essa belezinha aí é o Pátio do Livramento. Sim, ele é lindo, o conjunto. E o Céu da terrinha não fica atrás. Pois bem, localizado no bairro de Santo Antônio, em pleno centrão recifense, está esse lugar incrível. ‘’Incrível (?) Como um lugar normal, que eu passo todos os dias a caminho do trabalho, vou para comprar roupas, cheio de ambulantes, pode ser incrível? ‘’ Isso, sem nem ao menos mencionar a riqueza do Patrimônio Histórico centenário que tantas vezes só parece ser “bonito” (valorizado) quando a gente vê na ‘’televisão’’ ou na ‘’Europa’’. Pois bem, o complexo de Vira-lata, bem-dito por Nelson Rodrigues está mais enraizado do que nós imaginamos, e aí a transformação meus amigos, é ainda mais desafiadora. É o desafio da criação de uma cultura cidadã. É quando o planejamento urbano e a cidadania precisam mais do que nunca, caminhar juntos. Pois bem, vamos então para a tentativa de esse despertar do cidadão. O lugar vocês já sabem, mas faço questão de identificá-lo no mapa. E sabe por quê? A localização é incrível. Entre a o Convento de Nossa Senhora do Carmo e o Capibaribe - dois marcos da cidade.
121
Entendendo o Pátio… Ponto de referência para um dos locais mais agitados do comércio do centro do Recife, por onde diariamente transitam milhares de pessoas apressadas nas ruas de pedras antigas, o Pátio do Livramento é rodeado por lojas e restaurantes instalados em casario com o estilo barroco. Muito movimento, pouca valorização. Problema da maioria dos centros urbanos-históricos do país. ‘’Se o pátio nasce junto à Igreja, o do Livramento começou a ser fundado por volta de 1711. E atualmente por ter se tornado um marco comercial da região, já não mais acontecem ali festas e procissões, apesar das missas regulares.’’ Será que seria possível encontrar alguém, em meio a esse ‘corre-corre’ em que ainda valore esse pátio, ou melhor, esse espaço público para além da passagem?
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A intervenção.... Sendo a rua considerada o espaço público articulador das localidades e da mobilidade, este pátio pode ser considerado também um elemento formador da estrutura urbana e de sua representação. Um perfeito local de encontros… Encontro de amigos, de negócios, de turismo, de estar e inclusive de passagem (mas não só). Encontro consigo e com sua identidade local. O que as pessoas fariam se pudessem sentar um pouco à sombra e fossem estimulados a parar, respirar, olhar, entender, contemplar, resgatar, cuidar...são tantos verbos… foi através dessa ação que busquei entender. A ideia era colocar cadeiras de praia no meio do pátio e esperar para ver o resultado.
◄ 55 Registros da ação,, Arquivo Oxe, 2017
123
124 ◄ 56 Registros da ação,, Arquivo Oxe, 2017
Carimbos Urbanos A cidade como um jogo situações possíveis, ações que visam embaralhar arte e vida na cidade, participação ativa e protagonismo do cidadão, reúnem-se a essa análise na intervenção dos carimbos
urbanos. O projeto #CarimbosUrbanos tem como objetivo o uso lúdico da cidade pela população através do caminhar, A atividade juntou parceiros para mais um trabalho de formiguinha e resultou numa trilha colorida, que contou com ajuda de diversos pedestres que passavam pelo local da ação.72 O INCITI, que está à frente do Projeto Capibaribe, realiza ações de ativação em terrenos que irão receber as transformações urbanas previstas no projeto. Ativar o espaço, nesse caso, significou propor um novo uso, através de uma intervenção temporária que reuniu diversos coletivos da cidades. A proposta de intervenção, que aconteceu na Rua do Futuro, próxima a colégios e o Parque público da Jaqueira, culminou na Semana do Pedestre, leva ao passante a possibilidade de construir a cidade enquanto reflete sobre o assunto.
72
Depoimento INCITI em mídias sociais.
125
◄ 57 Registros da ação,, Arquivo Oxe, 2017
126
A luta dos caminhantes, desviantes vista até aqui, assim como a crítica urbano situacionista mais uma vez é reafirmada e atualizada na cidade, visto que aos problemas supracitados, somam-se a cada novos problemas e dificuldades cotidianas. Além das calçadas, da agressividade no trânsito, semáforos na escala dos automóveis, alto fluxo das vias, a violência urbana que se agrava a cada dia, e os sérios problemas de assédio sexual, refletem em fatores que extrapolam a condição física do espaço. Sabe-se que existe uma necessidade inerente a cada cidadão em ver representado os seus valores, a expressão, os caminhos da arte podem ser um instrumento de desvio para fomentar essa discussão e representatividade. Vimos que ao longo da história, os desviantes visavam embaralhar arte e vida na cidade O que se pretendeu com esta ação e este trabalho, é tentar coletivamente sanar não a lacuna cultural, mas uma lacuna física de pertencimento, memória afetiva e educação urbana, de uma cidade que precisa de cada um de nós. É dessa forma, que se acredita na importância fundamental do papel do Arquiteto e Urbanista como educador, tradutor das teorias acadêmicas relacionadas à urbe e como aquele capaz de refazer conexões entre cidade e cidadão por conhecer tão bem as possibilidades do espaço. Durante a ação, uma faixa colorida foi pintada também pelos caminhantes que ali passavam, havia uma vontade de interagir, é onde se observa a quebra da autoridade, pessoas que normalmente se cruzariam sem trocar ao menos uma palavra.
127
Em conclusão, além da representatividade da ação, que gerou impactos nas mídias sociais, com o Use a hashtag da ação #carimbosurbanos e espalhe essa ideia!. É o desvio dentro do desvios, utilizar-se dos meios de comunicação disponíveis, para atingir a mídia formal, que publicou notas e reportagens sobre o assunto. É significante a união de diversos coletivos e iniciativas da cidade, de atuações em diversos campos, em prol de uma causa comum. Estiveram presentes na ação: Oxe, minha cidade é massa, Ameciclo, Massapê, Observatório das Metrópoles e a equipe de ativação urbana do INCITI. Carimbos urbanos: marcas deixadas na cidade através da arte: lambelambes, estêncil, e mosaicos para “revoluções na vida cotidiana individual”73 “Sabemos que o trabalho coletivo é indispensável à realização de nossas ideias, e contamos com a insatisfação que nos mantém unidos. A criação só pode existir dentro de perspectivas como a nossa”. (CONSTANT, 1959)
73
IS, Nº4, p122, ver em Apologia da deriva.
128
◄ 58 Registros da ação,, Arquivo Oxe, 2017
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Desafio da Luneta: desperte o cidadão explorador que há em você
◄ 59 Registros da ação,, Arquivo Oxe, 2017
“Uma ação revolucionária na cultura não pode ter por finalidade traduzir ou explicar a vida, mas deve expandi-la”74 A cidade como plataforma de jogos lúdicos nos permite formular uma série de questões instigantes, relacionando infância, linguagem e experiência. Em Infância e História, Giorgio Agamben, inspirado nas ideias benjaminianas coloca a infância entendida como possibilidade de recuperação da pura expressão. É na infância que se constitui a necessidade da linguagem e, para penetrar na corrente viva da língua, a criança deve operar uma transformação radical, ou seja, transformar a experiência sensível (semiótica) em discurso humano (semântica). 75 Nessa abordagem, a infância não é apenas uma etapa cronológica na evolução do homem, e sim o caminho que constitui a cultura e a si próprio Ver Debord em “Texto apresentado na conferência da fundação Internacional de Coscio d’Arroscia, julho de 1957” 74 75
Ver em Agamben, G. Enfance et Histoire. Payot, Paris, 1989.
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através das experiências. O que o “Oxe” se propõe em pensar numa brincadeira que se chame “desafio da luneta: desperte o cidadão explorador que há em você, é uma ação com crianças na praça da Várzea, baseada na tradução dos conceitos da própria arquitetura e urbanismo enquanto se aproxima da linguagem das crianças. Uma luneta de papel, feita e pintada por elas, hoje é entendida como espécie de aplicação da deriva guiada pelas próprias crianças que virou praticamente uma expedição. Nessa intervenção de princípio lúdico, sugere-se que elas observem aleatoriamente os elementos da praça. O que é interessante notar é que o estímulo aqui é a não desviar, e sim permanecer na essência de perceber o mundo - que é a pura característica da infância. Várias crianças se uniram a nós, e o resultado foi a percepção de que quando dados os corretos estímulos e a autonomia, elas mesmas começaram a desenvolver suas próprias técnicas de observação: Uma flor, um banco, uma garrafa pet, uma bituca de cigarro, poste, e ao fim, nos contaram suas narrativas através do desenho. Essa ação que teve um impacto crucial nos aprendizados práticos do “Oxe” no que condiz pensar a cidade para crianças, assim como na profissão do arquiteto e urbanista de forma capaz a contribuir através de uma pedagogia urbana para visão mais consciente de cidade. Fatidicamente, não é possível ponderar o impacto que essa intervenção teve na vida das crianças, mas diante de todos os apontamentos apresentados até aqui, tem-se a intuição que isso poderia promover o desenvolvimento mais profundo do sentimento de pertencimento do cidadão para com a cidade, o qual partem os caminhantes, errantes, deambulantes, artistas, situacionistas, todos os desviantes apresentados até aqui.
131
◄ 60 Registros da ação,, Arquivo Oxe, 2017
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133
◄ 62 Registros da ação,, Arquivo Oxe, 2017
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Varal dos Sonhos
Varal das Inspirações e Varal dos Sonhos, aconteceu a convite da Associação por Amor às Graças, que mais uma vez reuniu os moradores para um café-da-manhã coletivo em vista da celebração da rua. Os projetos de espaços públicos no Brasil, normalmente, seguem uma padronização como já foi apontado previamente, para essa atividade foi montado um varal com a temática “Qual seria a rua ideal?”, e o objetivo principal estimular, por meio de imaginação dos moradores, e outras possibilidades formas de apropriação das suas ruas.. Uma das discussões emergentes neste trabalho foi o esvaziamento dos espaços públicos e a perda da experiência de qualidade. Tal fenômeno tem sido vinculado principalmente as questões de segurança, as novas tipologias de habitação bem como o incremento de novas maneiras de lazer indoor. Por outro lado, a existência de associações de bairros ativas, reivindicam investimentos e benfeitorias nos espaços públicos e retomam a discussão 135
do senso de comunidade. Estes estudos que partem da visão situacionista e desviante, tem como gênese, a crítica de projetos urbanos sem considerar as demandas dos moradores. Tal metodologia traz como contribuição efetiva, as estratégias de envolvimento da população nas diversas etapas do processo: necessidades, prioridades, discussão de bons espaços públicos e engajamento para captação de recursos. Tais estratégias podem ser elementos incentivadores da apropriação e manutenção do espaço retomando os espaços públicos de bairros como elementos centrais de lazer e de sociabilização. 76 Dentro de processos colaborativos há diversas linhas metodológicas que podem ser seguidas, através da participação ativa dos moradores. Atualmente existem diversas abordagens como Placemaking, Co-design e Design Thinking, conceitos que apresentam definições e estratégias metodológicas similares para a envolver a participação coletiva no processo de design, para nós, construção de cidades. Participaram da atividade mais de 50 moradores do bairro e destaca-se a presença de crianças e seus pais enquanto dialogavam a acerca da temática para a rua ideal. Pensar hoje a cidade para os que virão no futuro e não somente para eles, mas com eles, isto seria o que considero participação ideal, aquela que vem atrelada a um processo de educação urbana e compreensão do espaço desde a infância. Por fim, retomamos as iniciais dessa pesquisa, que ao expor para comunidade as possibilidade de atividades que podem ocorrer em um espaço público e dar espaço para as pessoas, estimula-se a possibilidade de expressarem o que desejam em situações de desvio.
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Ver em Processo colaborativo como estratégia para a criação de lugares: o caso do jardim burle marx.
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◄ 63 Registros da Ação, Arquivo Oxe, 2018
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◄ 64 Registros da Ação. Arquivo Oxe, 2018
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Capibaribe: vamos limpar esse rio?
◄ 65 Rio Capibaribe, Arquivo pessoal, 2018
Essa intervenção do “Oxe”, que não trata de uma intervenção direta no espaço público, mas usa de instrumentos de desvio, como a construção da imagem, para divulgar em redes sociais o outro lado do espetáculo, os habitantes da cidade que não são vistos, no intuito de disseminar histórias que não são contadas. Nessa ação, assim como o manifesto se inicia como um convite ao cidadão a desvendar a cidade, a intenção do gesto desviante se fundamentava em democratizar a história de cidadãos recifenses, e reforçar a importância do Rio Capibaribe para a cidade do Recife. O que teríamos a aprender com eles? Ao viver seu espaço circundante, o ser humano é capaz de criar laços afetivos, desenvolver o sentimento de pertencimento ao lugar e por consequência, sentir-se parte dele. Esse sentimento estabelece relações com o meio e instiga o olhar para a esfera coletiva, os espaços urbanos assumem a postura de extensão do homem, as cidades 139
configuram-se o cenário vivo da existência e carregam as memórias populares, testemunhos da vivência do homem.
◄ 66 Rio Capibaribe, Arquivo pessoal, 2018
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A fim de promover a conexão das pessoas por meio do conhecimento da existência do outro e do rompimento da alteridade em meio urbano, utiliza-se de vídeo e narrativa poética para compartilhar histórias dos moradores com o Rio Capibaribe no facebook, instagram e youtube. A ligação com o com o Capibaribe, nas palavras de Dona Socorro o “diplomata pernambucano, ele não é melhor porque não cuidamos melhor dele, mas ele cuida muito bem da sua cidade” se apresenta no reforço de não justificar as diversas agressões que vem o ecossistema vem sofrendo e mostra-lo como uma potencialidade natural em meio urbano “Capibaribe, vamos limpar esse Rio”. O interessante nessa análise foi ver a identificação de outras gerações, digo amigos que cresceram no Recife mas que tiveram pouca ou quase nenhuma relação com o Rio, com as histórias contadas; relatos como “eu não sabia que ainda havia uma comunidade de pescadores” ou ainda, “eu nunca havia parado para olhar o Capibaribe dessa forma”. Em análise, fica claro que há um espaço para retomar a tradição de narrativas urbanas, mas que atualmente precisam estar enquadradas nos moldes do próprio espetáculo e usar dele como instrumento de disseminação, ainda que haja disputas de narrativas, ela precisa antes “existir”. O espetáculo apresenta-se como algo grandioso, positivo, indiscutível e inacessível. Sua única mensagem é o que aparece é bom, o que é bom aparece. A atitude que ele exige por princípio é aquela aceitação passiva que, na verdade, ele já obteve na medida em que aparece sem réplica, pelo seu monopólio da aparência (DEBORD, 1967) As experiências que serão mostradas a seguir poderão ser acessados em links disponibilizados a seguir. Recebemos também o convite para a publicação da intervenção no Dblog, blog de atualidades de Garanhuns, 141
que poderá ser acessado em http://dblog.com.br/filhos-do-capibaribehistorias-que-se-confundem-com-do-rio/. Onde o mundo real se converte em simples imagens, estas simples imagens tornam-se seres reais e motivações eficientes típicas de um comportamento hipnótico. O espetáculo, como tendência para fazer ver por diferentes mediações especializadas o mundo que já não é diretamente apreensível, encontra normalmente na visão o sentido humano privilegiado que noutras épocas foi o tato; a visão, o sentido mais abstrato, e o mais mistificável, corresponde à abstração generalizada da sociedade atual. Mas o espetáculo não é identificável ao simples olhar, mesmo combinado com o ouvido. Ele é o que escapa à atividade dos homens, à reconsideração e à correção da sua obra. É o contrário do diálogo. Em toda a parte, onde há representação independente, o espetáculo reconstitui-se. (DEBORD, 1967)
◄ 67 Registros da ação,, Arquivo Oxe, 2017
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◄ 68 Seu Mário e Dona Socorro, Arquivo Oxe, 2017
Seu Mário Link para acesso do vídeo no canal do Youtube do “Oxe”: https://www.youtube.com/wat ch?v=8mBl311YRfQ “Ele se identificou como Mario, assim, simples mesmo, só Mário. Mas o que eu vi é que ele nunca está só, talvez seja a companhia do Capibaribe, talvez a de dezenas de pessoas que passam pelo barco dele nas travessias que custam R$1,00, o trecho. Morador da Comunidade do Caiara em Recife, Seu Mário conta que sempre viveu do Rio, já “foi de tirar areia” para vender, já foi pescador e viu “todas as qualidades de peixe de água doce”, e hoje vive levando as pessoas para lá e pra cá. De uma margem à outra, não só o Rio é profundo, mas também a
desigualdade. De um lado arranha-céus, do outro, as palafitas, as calçadas versus a terra batida...., mas nada disso pareceu tão profundo quanto a tristeza de Seu Mário ao falar da poluição que hoje afunda o Rio. As águas que já correram pelas veias de Seu Mário, “Eu já bebi dessa água”, hoje nada passam de lembranças de algo que ele nem reconhece mais. O pai de Seu Mário foi pescador, o avô, os irmãos, os filhos não tiveram mais como ser. Escrevo para que Seu Mário, o só, num futuro esteja unicamente solitário em suas descrenças de que essa realidade não pode mais mudar - E um dia possa beber daquela água novamente. Escrevo por Seu Mário, sobre o Capibaribe e pelo Capibaribe. Para que a morte da fauna, da flora e da cidadania não 143
prevaleçam...,Mas o mais interessante, é como eu cheguei até Seu Mário. Ou melhor, chegamos, eu e o Oxe, minha cidade é massa!!! Perdoem-me ser monotemática e falar tanto do projeto quanto falo de mim, mas assim pretendo ser pelos que ainda virão. A questão da cidade precisa ser recorrente. As ruas, os espaços públicos, as casas, os postes gritam pedindo a sua atenção. E essa tem sido a forma que descobri de lutar. Foi buscando conhecer o que existe de bom na nossa cidade, foi buscando querer mostrar que há pessoas hoje, que lutando pelo espaço que os outros terão amanhã”. Dona Socorro Link para acesso do vídeo no canal do Youtube do “Oxe”: https://youtu.be/kfx35h7ho1w “Ela se identificou como Dona Socorro e disse que o Rio chamava por ela. Há 20 anos fundou a ONG Recapibaribe e já tirou mais de 20 toneladas de lixo do rio. Um símbolo de resistência, amor e dedicação à cidade.
E com tudo isso do lixo, estes dias eu estava pensando...nós somos instigados diariamente a consumir. Consumimos uns aos outros, colecionamos sapatos, likes e a ansiedade nos consome. Ultimamente eu tenho colecionado espaços públicos, e digo com orgulho que são 9 (NOVE) no meu trajeto diário (7 km) de casa para a faculdade. Agora eu saio perguntando por aí se as pessoas sabem quantos existem ao redor de suas casas, e sigo saltitante em minhas contagens quando eu perco (alguém tem mais espaços verdes do que eu) e esperançosa quando eu ganho. Eu adoraria se você quisesse competir comigo também e me mostrasse seus números. Porque na verdade a luta é subversiva, é coletiva, e quem ganha é a cidade. Quem dera fôssemos consumidos pela vontade de limpar o Capibaribe, de tornar a cidade acessível, cada dia mais criativa, em cobrar melhorias das gestões mas também fazer a nossa parte, quem dera tivéssemos o orgulho de morar na nossa rua e fazer picnic em nossos parques; quem dera a vontade de sair para passear aos domingos pelo bairro 144
fosse a mesma vontade que temos de sair correndo mundo afora (e que se diga que temos coisas tão lindas ou mais que as deles). A luta também permeia uma linha tênue ao que me consome e ao que me deixo consumir. Atenção, isso pode ser perigoso. Tenho me deixado consumir mais pela esperança do que pelo desespero, pelas pessoas positivas, criativas e resistentes. Pelos exemplos de cidades resilientes. Por Medellín, por Bogotá, mas também por Palmares, por Cumaru e por Cortês, que sofrem com as cheias em Pernambuco. Capazes de se reinventar e correr, correr sem
◄ 69 Recife, arquivo pessoal, 2018
olhar para trás para o futuro brilhante, muitíssimo difícil de alcançar, mas ideal para todos. Ideal! Ainda ontem conversava com uma mulher cheia de vontade de mudança, ela me dizia que a ‘’xingavam” de idealista por querer fazer algo a mais para a sua cidade porque sabia do potencial que tinha para fazer a diferença como cidadã. Silvia, meus amigos, é talvez a mais realista daquele lugar. 3 meses atrás, quando o Oxe começou, conheci dona Socorro, Domingo passado, ela me apresentou Seu Mário e hoje eu os apresento para vocês. A transformação já começou. Vamos em frente.”
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Premiação CAU/PE Menção Honrosa Hoje Cidades Sustentáveis
O Fórum Internacional Hoje Implementando Cidades Sustentáveis (ONU), que aconteceu entre os dias 25 e 27 de julho no Centro de Convenções de Pernambuco, premiou por meio do CAU/PE, dez iniciativas de práticas Urbanas do país. É bom saber que o nosso e tantos outros projetos que vem contribuindo para o presente das nossas cidades vêm ganhando cada vez mais divulgação. Acreditamos que a união de todos eles, é capaz de gerar bons resultados na implementação da Nova Agenda Urbana. Entende-se que a cidade é de todos e para todos, e é palpável a importância de nos colocarmos com atores da mudança para construirmos um futuro melhor, em todos os sentidos. 70 Menção Honrosa, Dez Práticas Urbanas do País, Fórum Hoje Cidades Sustentáveis, 2018 ◄
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Destaques na mĂdia
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Eventos e palestras ◄ 71 Palestra: 3º Mostra Arq&Urb, FBVDevry, 2018
◄ 72 Palestra Arq&Urb Conecta, Faculdade Damas, 2017
◄ 73 Mesa Redonda, Porto Social, 2018
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◄ 78 Mesa Redonda, Holanda Conecta, Jump,
2018
◄ 75 Produção de Cartilha Nacional sobre
Segurança Pública, João Pessoa, 2018
◄ 77 Palestra Colab, São Paulo, 2017
◄ 74 Palestra TGI, Recife, 2017
◄ 76 Troça Carnavalesca Oxe, minha cidade é massa, Recife, 2018
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◄ 79 Ilsutração, Pedro Melo, 2018
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Considerações Finais É de justiça que se inicie a conclusão deste trabalho da mesma forma que inicia. O reconhecimento da coletividade talvez seja a maior constatação obtida através dos diversos desvios, contra desvios, desvios dentro de desvios. A busca pela retomada das experiencias urbanas de qualidade, caminhadas, pesquisas, linguagens, narrativas, intervenções, são frutos de uma vida coletiva e socialmente partilhada. Entende-se que o reconhecimento da alteridade, da individuação, dos desvios construídos ao longo deste trabalho, são os primeiro passos para o despertar. Contudo, a consciência demanda algumas responsabilidades e lidar com a inquietação pode não ser um tarefa fácil aos desviantes e a verdade que desejarem assumir. Foram citados os diversos fatores que causaram profundas transformações a vida pública, econômica e social, mas o que se tem prioritariamente a considerar, são as possíveis soluções frente ao reconhecimento das problemáticas. A relembrar, o modo como essa pesquisa se deu, foi através da análise sobre as intervenções urbanas, e como o estímulo aos desvios através destas podem possivelmente contribuir para novas perspectivas, aos que promoveram acesso a outros tipos de experiências. E se a participação guiou os situacionistas, vontade de mudança, talvez tenha guiado indiretamente esse trabalho. Esse trabalho por tanto visou ser um estímulo à utilização de outras modalidades de apreender e se mover pela cidade, como o simples andar a pé. Pretendeu-se através das ações promovidas no espaço público, contribuir, ainda que, indiretamente para a mudança da realidade do atual contexto urbano. A compreensão da inclusão do cidadão no processo pela democratização dos conhecimento técnico e promoção de experiências foi fundamental. Conclui-se que essas formas de atuação, assim como estímulos outros de desvio, são capazes de provocar alterações possíveis. Dentre mais de uma das ações, através do Oxe, minha cidade é massa!, seja envolvendo a participação popular, a interação das pessoas com o espaço público, ou uma simples conversa, é possível perceber o quanto nós cidadãos, através de simples atitudes, podemos contribuir diretamente para a melhoria do nosso bairro, cidade e do nosso país. E reitera-se a importância do Oxe e de tantos outros projetos que vem contribuindo 154
para o presente das nossas cidades, e da união de todos eles na implementação da Nova Agenda Urbana. Acredita-se que para que uma inciativa como esta dê certo, na verdade precisa-se que um projeto inteiro de cidade dê certo. Há quem levante a bandeira pela mobilidade, pela iluminação, pela habitação, e nós, pelo pertencimento – todos eles se unem em uma cadeia de ações, sentimentos e percepções que visam a construção de cidades mais humanas, democráticas e saudáveis. Conclui-se que ao falar sobre a mudança de usos e função, expande-se o papel do arquiteto para com o cidadão, ao passo que promove ações de reengajamento e devolução da experiências desviantes aos cidadãos pelas intervenções urbanas através do coletivo “Oxe Minha Cidade É Massa” na cidade do Recife, na expectativa de que estes, uma vez como protagonistas, sintam-se à vontade de intervir, de se apropriar e influenciar a construção dos novos espaços da cidade contemporânea. No que tange a prática atual de concepção do espaço, este trabalho entendeu, assim como o movimento que irrompe para critica-lo, e retoma a reflexão inovadora dos situacionistas em propor novos segmentos dentro da própria área de estudo, novos métodos, novas formas de pensar a profissão, questionar não como detentores da verdade, e sim como aqueles que se colocam a serviço dos problemas sociais em busca de compreende-los antes de projetar a solução. Simultaneamente, têm-se em mente que o projeto de arte total que visa unir arte e vida na cidade, proposto pelos situacionistas, faz parte de sistema com diversos atores, e que os ensinamentos de arquitetura e urbanismo têm muito mais a oferecer além da estrutura, contudo, precisa estar atrelado a um nível de vontade política suficiente para contribuir com essa construção. A partir da palavra motivação, entendeu-se que o sentimento de pertencimento é fundamental para uma participação ativa e efetiva na sociedade. “Se você não pertence aquilo, você está morando em um lugar estranho”, que causa indiferença. O que os seres desviantes buscam é a retomada a escala macro pra escala micro, que diminui a alteridade pela urgência do pedestre, da mulher, que “não consegue” andar na rua, dificuldades que continuam a se consolidar ao longo do tempo não só como um problema de arquitetura, mas por uma lacuna de educação urbana e trato do espaço público. 155
O surgimento do “Oxe”, assim como os seres desviantes, vem para retomar alguns desses diálogos de uma forma mais lúdica, mais leve e divertida, assim como previam os situacionistas. Contudo, leia-se que os experimentos feitos, na tentativa de desvio, funcionam também como um laboratório e contribuem para que se entenda raízes das problemáticas atuais da urbe, e ainda, que proporcionem através de uma visão sistêmica, uma serie de intervenções possíveis e criação de situações.
No movimento de cidades sensíveis, inteligentes e empáticas, através da percepção de atitudes e hábitos, os vídeos e ações se portam como campanhas de conscientização (desvios/lidam com a consciência), cuidado e melhoria da cidade através de uma visão compartilhada (público-privada) de futuro e empoderamento do cidadão.
◄ 80 Ilustração, autora, 2018
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Lista de Figuras ◄ 1 Ilustração, autora, 2018............................................................................................................................................ 17 ◄ 2 Ilustração, autora, 2018 .................................................... Erro! Indicador não definido. ◄ 1 Ilustração, autora, 2018..................................................... Erro! Indicador não definido. ◄ 2 Ilustração, autora, 2018 .................................................... Erro! Indicador não definido. ◄ 3.Street, Merve Osazlan, 2015 ...............................................................................................................................20 ◄ 4.Street, Merve Osazlan, 2015 ...............................................................................................................................20 ◄◄3.Street, Merve Nossa Osazlan,Senhora 2015 ............................................................................................................................... 81 Igreja do Livramento, 1960 – 2010, 20 ,, ◄https://pt.wikipedia.org/wiki/Igreja_de_Nossa_Senhora_do_Livrame 4.Street, Merve Osazlan, 2015 ...............................................................................................................................20 ◄nto_dos_Homens_Pardos 5 Répteis, M. C. Escher, 1943 ..................................................................................................................................... 26 ◄ 6 Répteis, M. C. Escher, 1943 .................................................................................................................................... 26 ◄ 5 Répteis, M. C. Escher, 1943 ..................................................................................................................................... 26 ◄ 6 Répteis, M. C. Escher, 1943 .................................................................................................................................... 26 ◄ 9 Metamorphosis I, M. C. Escher, 1937 ..................................................................................................... 29 ◄ 10 Gossip, Merve Ozaslan, 20151.3 Desvio e Cidade......................................................30 ◄ 11 Sir, Merve Ozaslan, 20151.3 Desvio e Cidade...................................................................30 ◄ 10 Gossip, Merve Ozaslan, 20151.3 Desvio e Cidade......................................................30 ◄ 11 Sir, Merve Ozaslan, 2015 ......................................................................................................................................32 ◄ 11 Sir, Merve Ozaslan, 2015 ............................................... Erro! Indicador não definido. ◄ 12 Grandam, Merve Ozaslan, 2015 ............................................................................................................... 34 ◄ 13 Grandam, Merve Ozaslan, 2015................................................................................................................ 34 ◄ 12 Grandam, Merve Ozaslan, 2015 ............................................................................................................... 34 ◄ 13 Grandam, Merve Ozaslan, 2015................................................................................................................ 34 ◄ 14 Excursions & Visites Dada/ Premiere Visite.. 1921. Disponível em: http://www.postersplease.com/component/k2/item/82872- ............................37 ◄◄15 82 Excursions & Visites Dada/ Premiere Visite.. 1921. Igreja Nossa Senhora do Livramento, 1960Disponível – 2010, em: ,, http://www.postersplease.com/component/k2/item/82872............................37 https://pt.wikipedia.org/wiki/Igreja_de_Nossa_Senhora_do_Livrame ◄nto_dos_Homens_Pardos 14 Excursions & Visites Dada/ Premiere Visite.. 1921. Disponível em: http://www.postersplease.com/component/k2/item/82872- ............................37 Igreja Nossa Senhora do Livramento, 1960Disponível – 2010, em: ,, ◄◄15 83 Excursions & Visites Dada/ Premiere Visite.. 1921. https://pt.wikipedia.org/wiki/Igreja_de_Nossa_Senhora_do_Livrame http://www.postersplease.com/component/k2/item/82872- ............................ 45 ◄nto_dos_Homens_Pardos 16 Ilustração, autora, 2018 ....................................................................................................................................... 49 ◄ 17 Ilustração, autora, 2018 ....................................................................................................................................... 49 ◄ 16 Ilustração, autora, 2018 ....................................................................................................................................... 49 ◄ 17 Ilustração, autora, 2018 ....................................................................................................................................... 49 ◄ 18 The Naked City, illustration de l’hypothèse des plaques tournantes, assinado por Debord em 1957. ....................................................................................................................................... 55 ◄ 19 Ilustração, autora 2018 ........................................................................................................................................ 58 ◄ 20 Ilustração, autora, 2018 ..................................................................................................................................... 64 ◄ 21 Sem nome, Merve Ozaslan, 2015 ........................................................................................................... 68
Lista de Figuras
Lista de Figuras Lista de Figuras
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◄ 22 Ilustração, autora, 2018 ...................................................................................................................................... 79 ◄ 23 Desaturate, Merve Ozaslan, 2015 .......................................................................................................... 86 ◄ 24 Praça Dom Vital, Centro do Recife, Arquivo Oxe, 2017..................................... 90 ◄ 25 Bairro da Várzea,, Arquivo Oxe, 2017............................................................................................ 92 ◄ 26 Praça de Casa Forte,, Arquivo Oxe, 2017 ................................................................................... 92 ◄ 27 O coletivo, Arquivo Oxe, 2017 ................................................................................................................ 93 ◄ 28 01.05.2017, Colagem lançamento, Mídias Sociais, Arquivo Oxe, 2017 ...................................................................................................................................................................................................................................... 94 ◄ 29 e 18 Ilustrações para Mídias Sociais, Arquivo Oxe, 2018 ............................... 96 ◄ 30 Amanhecer no Catamarã, Arquivo Oxe, 2018 .............................................................101 ◄ 31 Pôr do Sol, Comunidade de Santa Luzia, Arquivo Oxe, 218 ......................101 ◄ 32 Ação Carimbos Urbanos, Arquivo Oxe, 2018 ................................................................ 103 ◄ 33 Mockup para redes sociais, Arquivo Oxe, 2017 ..........................................................105 ◄ 34 e 22, Instagram Oxe, minha cidade é massa, Arquivo pessoal, 2018 .................................................................................................................................................................................................................................. 107 ◄ 35 Bairro do Espinheiro, Arquivo Oxe, 2018 ............................................................................108 ◄ 36 Sseguidores #oxe, uso de imagens autorizadas, 2018 .................................... 109 ◄ 37 Arquivo Oxe 2017 ....................................................................................................................................................110 ◄ 38, 23, 24, 25 Registros da ação,, Arquivo Oxe, 2017 ....................................................... 111 ◄ 39 Registro da ação, Arquivo Oxe, 2017 ...........................................................................................113 ◄ 40 Registros da ação,, Arquivo Oxe, 2017 ..................................................................................... 114 ◄ 41 Registros da ação,, Arquivo Oxe, 2017........................................................................................ 115 ◄ 42 Registros da ação,, Arquivo Oxe, 2017 .......................................................................................117 ◄ 43 Registro Mídias Sociais,, Arquivo Oxe, 2017............................................................................ 118 ◄ 44 Igreja Nossa Senhora do Livramento, 1960 – 2010, ,, https://pt.wikipedia.org/wiki/Igreja_de_Nossa_Senhora_do_Livramento _dos_Homens_Pardos............................................................................................................................................................. 120 ◄ 45 Pátio do Livramento, Arquivo Oxe, 2017.............................................................................. 121 ◄ 46 Registros da ação,, Arquivo Oxe, 2017 ...................................................................................... 123 ◄ 47 Registros da ação,, Arquivo Oxe, 2017 ......................................................................................124 ◄ 48 Registros da ação,, Arquivo Oxe, 2017 ......................................................................................126 ◄ 49 Registros da ação,, Arquivo Oxe, 2017 ......................................................................................129 ◄ 50 Registros da ação,, Arquivo Oxe, 2017 ..................................................................................... 130 ◄ 51 Registros da ação,, Arquivo Oxe, 2017........................................................................................ 132 ◄ 52 Registros da ação,, Arquivo Oxe, 2017 ....................................................................................... 133 ◄ 53 Registros da ação,, Arquivo Oxe, 2017 ....................................................................................... 134 ◄ 54 Resgistros da Ação, Arquivo Oxe, 2018 ................................................................................... 137 ◄ 55 Registros da Ação. Arquivo Oxe, 2018.......................................................................................138 ◄ 56 Rio Capibaribe, Arquivo pessoal, 2018...................................................................................... 139 ◄ 57 Rio Capibaribe, Arquivo pessoal, 2018 ..................................................................................... 140 164
◄ 58 Registros da ação,, Arquivo Oxe, 2017 ...................................................................................... 142 ◄ 59 Seu Mário e Dona Socorro, Arquivo Oxe, 2017 ........................................................... 143 ◄ 60 Recife, arquivo pessoal, 2018..................................................................................................................145 ◄ 61 Menção Honrosa, Dez Práticas Urbanas do País, Fórum Hoje Cidades Sustentáveis, 2018 ...................................................................................................................................................................... 147 ◄ 62 Palestra: 3º Mostra Arq&Urb, FBVDevry, 2018 ........................................................... 150 ◄ 63 Palestra Arq&Urb Conecta, Faculdade Damas, 2017 ........................................... 150 ◄ 64 Mesa Redonda, Porto Social, 2018 ................................................................................................... 150 ◄ 65 Palestra TGI, Recife, 2017 ................................................................................................................................. 151 ◄ 66 Produção de Cartilha Nacional sobre Segurança Pública, João Pessoa, 2018 ................................................................................................................................................................................................................... 151 ◄ 67 Troça Carnavalesca Oxe, minha cidade é massa, Recife, 2018 ............. 151 ◄ 68 Palestra Colab, São Paulo, 2017 ............................................................................................................ 151 ◄ 69 Mesa Redonda, Holanda Conecta, Jump, 2018 ................................................................ 151 ◄ 70 Ilsutração, Pedro Melo, 2018 .................................................................................................................... 151 ◄ 71 Ilustração, autora, 2018 ..................................................................................................................................... 151
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