Revista REBOSTEIO nº 0

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FOTOGRAFIA Laura Aidar

CINEMA Nirton Venancio

0 nº

CONTO Rodrigo Machado Freire

POESIA / ILUSTRAÇÃO / ARTES PLÁSTICAS

Entrevista: Adrian Dorado


têm qua s ndo ido p s r o de e n u ão s a duzi um a o d têm utor dos bra a c id es de riaçãéia art o e.

man ray

Alguns dos mais completos e satisfatórios trabalhos de arte

Isso se estabelece em nós.

É a faculd ade de i nterpreta peculiar ç ã o d a m ente humana qu e vê a art e.


é nóis! Editores Mercedes Lorenzo Rubens Guilherme Pesenti

Ufa! finalmente chegamos ao número zero. Pode parecer pouco, mas todo zero é um ovo. Todo ovo é o novo que

Contato

prenuncia, esperamos, uma longa jornada.

revistarebosteio@gmail.com

Mais que uma revista, nós pretendemos uma blitz nas

Colaboradores

idéias arejadas, na divulgação dessas idéias, invenções e

Adrian Dorado Bento Moura Henrique Pimenta Laura Aidar Marcantonio Costa Nathalia Bertazi Nirton Venancio Paulo de Toledo Rodrigo Machado Freire Thiago Cervan Tonho Oliveira Willian Delarte

pirações, contra o marasmo conservador e sentimentalóide que grassa a maior parte da produção dita «artística» no mundo virtual. Gostaríamos de poder romper com o isolamento que limita grandes trabalhos a círculos de amigos ou de gente simpática. Para isso, neste número (e nos seguintes),

REBOSTEIO é uma publicação digital sem fins lucrativos, construída com a ajuda de colaboradores voluntários, independente, apartidária e voltada para a divulgação de arte em geral, de idéias, provocações neurais e expansão dos sentidos... não temos todas as respostas, mas estamos interessados nas melhores perguntas.

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fizemos um caldeirão com o caldo daqueles menos conhecidos, porém de trabalho vigoroso e inovador, junto a gente mais tarimbada e com larga experiência em mostras, publicações e prêmios, sem que com isso façam o jogo sujo desse mercado. Aqui não queremos celebridades.

Aqui queremos celebração!

17 20

fotografia

entrevista

11

filmes

08

conto

crônicas & agudas

10

rebosteio in dica/ rebostivemos lá

22

brasil by tonho

12 21

poesia

23 artes plásticas

16

crônicas cotidianas/ rebosteio lasca o pau

espaço perdido

antipropaganda

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REBOSTEIO fica imensamente feliz pelo entendimento que os colaboradores tiveram da proposta da revista, disponibilizando sua arte generosamente. Um agradecimento especial ao poeta Henrique Pimenta, que mesmo estando hospitalizado nos atendeu prontamente. Torcemos pelo seu rápido restabelecimento. página 03


Para nossa primeira edição entrevistamos nuestro hermano argentino, artista de múltiplas linguagens, cidadão do mundo e com uma experiência de vida ímpar. Com a generosidade que lhe é peculiar, atendeu de maneira muito carinhosa ao nosso pedido, disponibilizando inclusive as imagens que ilustram esta matéria.

adrian dorado

Gostaríamos de uma breve biografia, com você se apresentando para os leitores em suas próprias palavras. Artista visual, poeta, cozinheiro e performer. Latinoamericano nascido em 1946, sobrevivente, medianamente ileso, a várias ditaduras. Desde 1963 até a presente data realizei 35 mostras individuais e um sem número de coletivas. Formei o grupo EL OJO DEL RIO (O Olho do Rio) com Alberto Delmonte, Juián Agosta e Adolfo Nigro; e o coletivo HUMUS com Bastón Diaz, Pájaro Gomez e Dora Isdatne. Criei a fundação e coleção do Museu de Arte do Sul, que recentemente doou ao Museu Saavedra. Instalei esculturas de grande porte em diversos espaços públicos e expus em vários países do mundo. Possuem obra de minha autoria coleções privadas e oficiais do meu país e do estrangeiro. Desde 1971 recebi prêmios privados e nacionais em distintas disciplinas. Em 1989 ganhei, na Argentina, o Primeiro Prêmio do Museu Sívori, oportunidade em que entendi que minha obra mantinha uma relação negativa com a competência, então decidi não enviá-la mais a concursos e, consequentemente, abandonei o trabalho de jurado para os que me convocavam, ou seja, deixei de julgar a outros artistas. Farto das indignidades palacianas e do autoritarismo dos agentes culturais, em 1992 me retirei de perambular pelo poder do mercado e da corte de obsequiosos, iludindo, desta maneira, o reino da mediocridade. Ganhei muito menos dinheiro, mas de algum lado que desconheço, me outorgaram o grande prêmio da paz interior. Não o troco por nenhum outro.

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Como foi sendo forjado o ser humano Adrian Dorado a partir de suas relações familiares, pessoais e amorosas? Como esse ser humano se coloca dentro do mundo hoje? Tive o privilégio de ter nascido em uma família de artistas: avô poeta, pai ator, mãe pintora, tia mezzo soprano, tios pianista e violinista… o que produziu uma vivência, desde pequeno, de que a vida e a arte são uma mesma coisa. Casado sempre com artistas e com três filhos, um de cada matrimônio, que vivem também em torno da arte. Essas condições me colocaram às margens do mundo de hoje dominado pelo mercantilismo e materialismo, mas no centro do que eu entendo que é a vida. Pois aprendi que somos energia=vida=arte=espiritualidade (e esta afirmativa exclui as religiões, precisamente).

latinoamericana, em especial me fascinam os brasileiros de todos os tempos e em todas as disciplinas. Leio muito e me é impossível saber em que medida tudo isso me influencia… ah! E apreciador de música também, então a música tem na minha formação uma parte muito importante.

Quais as influências que sofreu e como elas te levaram a fazer a arte (pintura e poesia) que você faz hoje? Como foi essa trajetória? Minha formação artística fora de casa começou na Real Academia de San Fernando, em Madri, Espanha, nos anos de 1961 a 1963. Muito contraditória ou polarizada, pois na escola dominava uma escolástica facista de representação figurativa, enquanto que entre meus professores, por fora da escola, pertenciam aos movimentos do informalismo espanhol. Me marcaram, além dos modernos como Kandinsky, Miró, Picasso… Tapies, Millares, de la Vedova, Dubufett, o existencialismo de Sartre, Camus… Também Joyce, Macedonio Fernandez, Oliverio Girondo… Whitman, os beatniks Allen Ginsberg, Kerouac, Ferlinghetti… Julio Cortazar, Olga Orozco, Pizarnik, Pessoa… também a prática de psicoterapia com alucinógenos, depois como hippie, as experiências com xamãs, a mescalina, o peyote, a ayhuasca, ainda que também em épocas posteriores mas distantes dessas citadas, fui sensível às leituras político-revolucionárias: me interessou a aventura cubana, Che, Marx, Mao… depois chegou a psicanálise, Freud, Lacan, Adler, Reich, até por fim Carl Gustav Jung. Depois vieram os franceses Focault, Derrida, Delleuze e Guattari, Barthes, o italiano Vattimo, etc. Também me interessei pela produção

Você que tem uma obra aberta, inclusive disponibilizada na internet... como foi sua vivência dentro desse mundo mais fechado e acadêmico dos museus? Você ainda mantém esse trabalho? Como é hoje a sua relação com os museus? A obra disponível na internet me fez assumir que não somos proprietários de nada nesta vida, assim é que, se alguma obra de minha autoria serve para encadear-se com outras, bem vinda a oportunidade. De maneira direta ou mais indiretamente a cultura ocidental se constituiu assim, por mais copyright ou direito autoral que se tente sustentar. Além do mais, estou muito interessado na criação conjunta com outros artistas. Fiz intervenções em vários grupos e incluo constantemente a outros para participar de minhas produções, pois aprendo muito com as inter-relações que se geram entre os autênticos criadores. O mundo dos museus contextualiza de uma maneira bastante protocolar e página 05


vivencial do que do oriental, e sobre este creio que a América Latina, em especial a América do Sul, hoje tem uma oportunidade excelente em todos os âmbitos para exercer uma presença importante. Sinto um momento de grande energia, de grande abertura criativa, enquanto observo ao hemisfério norte, que hegemonizou até agora a história, num momento de franco perigeu. Vejo-os extremamente epigonais, e salvo algumas exceções, não têm muito por dizer além dos seus requentados conhecidos. Até que ponto a ditadura militar argentina e as demais na américa latina atingiram seu trabalho? Em função da ditadura, você como artista e a sua obra sofreram transformações? Como elas se deram? retumbante, portanto convida ao uso da ironia, ou à apresentação paradoxal, aos visitantes, dos mesmos estrabismos que estas instituições propiciam. Retóricas nada desdenháveis na hora de questionar e transgredir olhares mais esclerosados, e de demonstrar à sociedade os prejuízos com os quais sujeita e aliena seus membros. Neste preciso momento estamos expondo, com um grupo em um museu de Belas Artes e assim temos atuado. Há cinema experimental, música, performance, poesia visual, sonora e pintura junto com escultura. Tudo em função de visualizar desde um ponto humorístico, até bufo eu diria, as estreitezas dos discursos únicos. Apelamos à polissemia do absurdo. Sendo você um cidadão do mundo, como você se vê nesse cenário como artista sulamericano? Como você vê atualmente a poesia e a arte latino-americana no cenário internacional? Poderia me referir somente ao mundo ocidental do qual tenho informação mais

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Muito cruamente eu tive que amadurecer. Pelas minhas convicções ideológicas, fui detido pelos paramilitares da Triple A, em fins de 1975 e salvei minha vida “milagrosamente”, o que me obrigou ao auto-exílio em meu próprio país encontrando todas as portas de participação laboral fechadas por pertencer às famosas “listas negras”. Minha produção tomou essa coloração e não é das épocas mais felizes que tenho lembrança, muito pelo contrário. Tampouco, apesar de ter mantido uma forte produção, não considero o mais destacável de toda minha obra o que pude ter realizado nessa época. Depois do advento da democracia, ela se tornou, igual que eu, mais lúdica, criativa e expansiva. Aí eu pude sair à vista do público e lograr certo reconhecimento como artista. Comecei a atuar no mercado da arte e dos prêmios até que na falaz expansão “exitosa” e como consequência das exigências do meio plástico e meu desejo de correspondência, tive dois infartos do miocárdio e uma cirurgia cardíaca. Mas isso já foi durante a


democracia. O sistema capitalista com sua suposta excelência e suas competências é verdadeiramente uma merda. Existe uma grande distância cultural e artística entre Brasil e Argentina, como em quase toda a América Latina. Sendo você visivelmente tão próximo e interessado no Brasil, como vê esse distanciamento que ainda existe? Custa-me um pouco enquadrar-me dentro de certas generalizações. Não posso ver distâncias culturais porque creio que a arte se apoia na subjetividade e aí só encontro indivíduos, e como tais, singulares. Cada qual com suas características diferenciadas. Prefiro submergir nas propostas que cada artista ou poeta possui e é representativo de “sua” cultura. Todas elas me resultam impossíveis de comparar. É certo que me encontro muito interessado e comprometido com o Brasil, ao que amo tanto como à Argentina. Amo também (será por ser “borderline”?), as periferias onde se misturam as frequências e se geram situações que contêm manifestações de variadas índoles. Maravilham-me as surpresas que estas mesclas originam descrendo dos distanciamentos, pois uma posição semelhante nos obrigaria a partir da idealização de uma cultura ao modo de modelo ou padrão, à qual alguns acedem com maior facilidade ou proximidade que outros. Esse conceito é próprio dos colonizadores de todos os tempos e de diferentes latitudes, que se auto intitularam centrais e referenciais. Interessam-me todas as culturas, desde as guaranis até as mesoamericanas pré-colombianas, e as transformações que sofreram sob o jugo colonizador renascentista a princípio, e o despotismo devastador norte americano posteriormente, até nossos dias.

criadores para cozinhar num mesmo fogo, cada qual com seus encantos, permitindo as transformações que ocasiona, sempre, a presença do outro. Creio que aí encontraremos um caminho próspero. Desejaria que abordássemos a experimentação como signo do nosso tempo, com inusitada liberdade, e que outorgássemos à arte todas as qualidades morfogenéticas e revelatórias que possui, transportando esses mecanismos a outros terrenos, entre eles o campo da convivência fraterna. Não penso que estejamos longe disso. Ou pelo menos estamos a caminho. Como você vê o retorno que obtém das pessoas que tem contato com a sua obra pela internet? Como se dá essa relação? Minha experiência na internet é particularmente rica, estabeleci relações das mais variadas e diversas ordens. No criativo, me conectei com outros artistas com graus de compromisso e profundidade crescentes, e até trabalhei em conjunto não somente “on line”, senão também na vida “real”. Desfruto de poder convidar a outros artistas para participarem de distintos eventos, e recebo de volta também convites a outras convocatórias, como é o caso com vocês (da revista) e que, desde já, agradeço com todo meu carinho.

Para você, o que seria hoje a produção cultural e artística da Argentina? E do Brasil? A pergunta me ultrapassa, pois não tenho tanta informação, sobretudo da extensão de um país como o Brasil, para essas avaliações, e ademais pelo que expus anteriormente. Ficaria encantado que nos atrevessemos a fluir mais em parceria, que perdessemos os medos de identidades rígidas e fictícias, e deixássemos que a energia criativa nos atravessasse, pondo-nos a todos os página 07


s lorenzo foto: mercede

Júlia e Luíza

Minhas filhas ainda são metade, são a metade que sou, e moram dentro de mim com todo os seus pensamentos confusos e teorias sobre milhares de amores ensandecidos para que eu me jogue na cama de algum, para que elas nasçam. Enquanto tiver minhas filhas dentro de mim serei abrigo infindo dessa ânsia animal de procriar, enfeitada por esse léxico manobrado por pensamentos maravilhosos, tortuosos e coloridos, delas. Porém minhas filhas ainda fazem parte de minha completa solidão, e eu, por razão, nem quero tê-las. Porque sou poeta e não reprodutor. Que seria de mim sem minhas filhas tão instigadoras aqui dentro? Nenhuma poesia eu seria, nenhuma teria feito. O amor que posso ter por Júlia e Luíza neste mundo é, justamente, não trazê-las pra fora. É deixá-las sempre com chance, como uma eterna possibilidade. Que só assim... Ai! Sei que me vou dessa vida, mas nunca irei de Júlia e Luíza, pelo amor que tenho por elas, jamais sentirão falta de mim. E olha que Júlia e Luíza quase deram um jeito de virem ao mundo. Elas usaram meus braços em dedicatórias desenhadas, em homenagens tamanhas a uma “mãe”, que até eu me encantei com seus feitos. Quase me convenceram de que a vida é linda e dessa forma quase as deixo saírem. Fizeram minhas pernas rodarem, como nunca antes, em busca de alguém, meus olhos vislumbraram estados pouco conhecidos a milhas de onde resido - Ê, Minas! Meninas! Bagunceiras! Que confusão está o escritório e em minha cabeça nem se fala! Fizeram minha mão desenhar nas paredes outra vez e que eu fosse capaz


de sacrifícios intensos longe de casa, da tia, da vó e das primas delas. Achei até que a vida tinha algum propósito, e elas bem sabem que quando penso isso é que elas têm mais chances de virem para cá. Eu perguntei a Júlia e Luíza porque tanto elas querem vir ao mundo. Querem vir porque até então é só de viverem por através de meus olhos, querem saciar a curiosidade do livre arbítrio. “Nós, seres, sempre curiosos!” Curiosas do que podem ser quando somadas a outra parte - a mãe - e sabem que preciso de uma (mãe) para a geração. Querem vir também porque enjoam de mim quando não quero têlas nascidas, pois é justamente quando não amo, quando sou egoísta e vivo só para mim, me destruindo. “Nossa! Como choram feito crianças, Júlia e Luíza, quando me drogo”. Chateiam-se e amanhecem depressivas. Viver dentro de mim passa a ser triste, e digo a elas que não venham mesmo porque assim é aqui fora também. Porém, insistem na vontade de unirem-se em embrião. É a natureza delas esse querer e, concomitantemente, a minha é de amar, porque é evidente que essas meninas são parte de minha natureza. Como lá de dentro escolhem uma mãe, Júlia e Luíza? E quando elas escolhem... quem me conhece sabe que não meço esforços por elas. Agora, desiludido, as consolo. Digo que assim é melhor porque a vida que elas não têm aqui fora é exatamente a dor que eu trago aqui dentro, e elas conhecem muito bem dessa. Enquanto elas dormem, vou contar baixinho para todos: Júlia e Luíza são duas almas lindas que habitam meu ser, que tentam sempre nascer para serem

também abrigos de outras almas. Querem ter carne. Júlia e Luíza conversam sempre comigo, sempre sendo - eu e elas - a primeira pessoa. Por que haveria de afastar-me de Júlia e Luíza? Elas são as partes que amo e as partes temporais em quais amo, pois meu amor não é nada senão qualquer manifesto delas. São minha capacidade de amar. É! Como todos já devem ter, obviamente, percebido, Júlia e Luíza ainda não nasceram, mas existem. As duas vezes que amei, juro, nada mais foram que pedidos inegáveis e mimados de minhas filhas, portanto é com toda a sinceridade que digo: EXISTEM! Escrevo esta parte sobre elas enquanto elas dormem cansadas, hoje quando acordarem terei para elas uma triste notícia a dar com lágrimas nos olhos: Serei só eu mesmo por esta vida, queridas! Elas vão chorar e gritar como nunca ou, talvez, como uma outra vez fizeram. O resto de todas as obras minhas, gráficas, sonoras, dedicadas a uma mãe ou não, todas, na realidade, sempre foram feitas por Júlia e Luíza, porque eu, o Rodrigo, sou muito destrutivo e nunca tive poesia nenhuma em meu caminho solitário. Vou dizer mais uma coisa, ainda baixinho: Toda minha angústia e dificuldade vem de não querer deixar que venham de qualquer forma Júlia e Luíza, porque eu amo tanto elas que nem precisariam existir para amá-las assim, e se elas não existissem de fato eu não poderia provar esse amor que termino de mostrar. Vou ali fora enquanto elas dormem.

eu não / e a que me nego pouco importa!/ digo de minha áspera inconstância: eu não / antes de tudo digo “eu não” - nisto vou agarrado / porque antes de tudo já não me perdoam “não ser” / e me inventam “imperdoável” / “eu não” é como eu sou / não principalmente.

Júlia, Luíza e Rodrigo

http://entimesmado.blogspot.com

RODRIGO MACHADO FREIRE

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pessoal. “Cuidado para não dizer muito eu isso/eu aquilo, quando estiverem escrevendo, pessoal!” ensinava a professora da quinta, série, ao apresentar dissertação: nada sabíamos de energia potencial, já nos alertavam os riscos de gerar ação. Sim, somos uma explosão de eus! E isso me encanta! Constantemente ignoro os conselhos da querida tia e parto logo pro pessoal: se sou eu escrevendo, óbvio que sou eu quem penso, eu quem acho, mas é poderosa essa supercompetência que essa superindividualidade dos millennials (nossa!) sugere. (A sugestão é algo poderoso. É disso que mais gosto na minha geração: da capacidade de afirmar, de bater-no-peito! (gosto até do quanto nos esforçamos em crer que isso baste! mistura de culpa, gana, medo e coragem?). E é disso também que menos gosto: da sabichanisse (o quanto sabemos, de tudo!), nossa pretensa arrogância. Somos os iludidos mais conscientes da história!)

NATHALIA BERTAZI Nno sou poeta. Sou prolixa. A verdade é que débuts sempre me tiram o sono e é de mim divagar – gosto do me deixar levar: sou do tipo de pessoa que perde tempo sonhando! Sonho com as coisas que quero que aconteçam. Fotografo. E escrevo! Ponto. Gosto de luz, natural, e gosto das letras. Despretensiosa, interessada. Expressionista! Simplesmente complicada – uma insatisfeita (muitos reclamam!) crônica, que se contenta com, muito, pouco!: um paradoxo! Pra vida, eu busco a verdade. É só. http://nathaliabertazi.tumblr.com

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De fino trato, crescemos acostumados a ter acesso, ter vez, ter voz! E somos rápidos! Aprendemos rápido! Guardamos pouco. Vivemos tudo ao mesmo tempo e nada o tempo todo! (Intolerantes: só não suportamos o nãosofrimento-por-não-saber-de-mais.) Angustiados crônicos , estamos sempre incomodados, incomodando: loucos de palestra, erguemos a mão e damos a cara à tapa (pouco importa se nem tangenciamos o assunto, se transgredimos, chocamos, se divagamos alheios a ditaduras, das liberdades, adoramos a de expressão: nossa pureza é o falar, nosso fazer, não me intimido, é um tanto fraco.) Se não queremos fronteiras, já não temos limites. Frustrados, marchamos muito ideologia? Eu quero uma, pra viver! , pouco encontramos. Nos resistem? Quiçá, quiçá,

quiçá (seríamos mais que exércitos de pontos de exclamação!!!) Pretensiosos, claro! Tem-se a consciência de que se pode ser e, graças a trato um tanto indulgente desde que se conhece por gente, é-se (eu, particularmente sou linguista subversiva sempre que posso!)! Somos quem podemos ser sonhos que podemos ter: mitos de super-mulheres, homens-maravilha, umbigocêntricos, miramos alto, nem sempre saltamos, mas sempre nos apropriamos dos intensificadores, das coisas, do mundo! E acho bonito isso: essa indulgência do ser! É quase um novo hedonismo. Um hedonismo angustiado, culpado, préocupado (todos ambientalistas, socialistas, espiritualizados religiosos, deus nos livre!, veganos, antibombas, antindústriafarmacêutica, antifeiúra que é dor!), sofrido, deliciosamente prazeroso, engajado, sem sentido, permissivo... Enganados, sem tempos mortos! Mundo edulcorado! Penso que a gente nem se sabe, mas tenho certeza que a gente é (nem a metade do tanto de tudo que dizem/esperam da gente, mas nem é isso: o que importa é que a gente sente)! É tudo. É só. Só. Todos juntos, somos só presentes! Autêntica. Acho que se fosse uma, pareceria essa! - Quase uma mocinha!, lá vou eu, dissertando do alto do meu egoísmo, cheia de imposições, oposições, distrações e muito pesar... Bastante reflexiva. Silencio. Enquanto isso, no lustre do castelo: tem quase cinco aninhos e, já de salto-alto, carrega o batom... Essa eu quero ver! (pra harmonizar: two of us dos Beatles!)


foto: divulgação

Broderick Crawford (1911-1986) foi um ator que marcou muito a minha infância. Em cinquenta anos de carreira fez mais de sessenta filmes. Sua interpretação mais conhecida foi em "A grande ilusão" (All the king's men), dirigido por Robert Rossen em 1949, que lhe deu o Oscar de ator pela interpretação de um político corrupto (com perdão da redundância). Não confundir com o filme de Jean Renoir, o homônimo "A grande ilusão", dirigido em 1939, com outro grande ator, Jean Gabin. O filme de Rossen teve uma refilmagem há uns quatro anos, mantendo o mesmo título pra aumentar a confusão, com direção do ilustre desconhecido Steven Zaillan, com Sean Penn no papel que coube a Crawford. Outro grande papel de Crawford foi em "A trapaça" (Il bidone), que Federico Fellini dirigiu em 1955, onde na Itália pós-guerra faz um romântico vigarista que vive de pequenos golpes, aproveitando-se da ingenuidade de camponeses. É um Fellini da fase que mais gosto, neo-realista. Mas não foram os filmes de Broderick (eu adorava pronunciar esse nome...) que ficaram na minha memória tão fortemente, e sim o seriado para a televisão, "A patrulha rodoviária" (Highway Patrol), produzido nos anos 50 e que assisti em meados dos anos 60 pela TV Ceará, retransmissora da Tupi, em Fortaleza. Não sei se vi todos, mas foram mais de 150 episódios, onde o ator fazia o Sargento Dan Matthews, um policial severo, implacável, carismático, quase um John Wayne do asfalto, com a vantagem que não matava índios. Perseguia os bandidos, prendia-os e os entregava à justiça. E essa minha admiração por Broderick Crawford era reconfortante porque eu tinha um tio que era a cara dele. Ver

Meu tio prendeu um cara um me remetia ao outro. O meu mocinho tinha o biótipo de um homem comum, próximo de mim, sangue do meu sangue. E assim o cinema e a infância me jogavam no mundo próximo e distante da fantasia, da idealização inquebrantável que as crianças fazem de um mundo perfeito. Crescer tem o inconveniente de que o mundo fica muito palpável, o dia é irreversível, a esperança necessita de muito esforço. Não sei se meu filho hoje espelha o tio dele no capitão Nascimento de "Tropa de Elite". Não sei quantos Wagner Moura são possíveis para um Broderick Crawford. Não somos mais as crianças diante da tv em preto-e-branco, e a fantasia é digitalizada em megapixels, a um palmo de nosso olho tridimensional. Tão perto, tão longe.

NIRTON VENANCIO Livros publicados: ? "Roteiro dos pássaros", poesia, ? "Cumplicidade poética", poesia Filmes realizados: ? "Um cotidiano perdido no tempo", curta, ficção ? "Walking on water", média, documentário, ? "O último dia de sol", curta, ficção, ? "Dim", curta, documentário Blogs: www.nirtonvenancio.blogspot.com www.olharpanoramico.blogspot.com Atividades recentes: projeto em andamento, longa documentário "Pessoal do Ceará"

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EGO EXCÊNTRICO

APARENTEMENTE

Porque tenho uma certidão, Porque tenho certa idade, Não tenho uma imensidão de vale. Tenho validade.

Estou estendido no meu cotidiano Como um faquir sobre uma cama De pregos.

Porque tenho um ego findo. Porque tenho um ser fugindo pelas horas. Porque agora você vindo já me encontrará indo embora.

Os outros se iludem a respeito Dos meus próprios riscos.

TRAÇOS Olhos Com lírios.

9,80665 m/s² Só me ocorrem palavras mais pesadas que o ar: a gravidade não lhes permite : : : : : : cantar

Na pele Apelos Rentes. Na face Posfácios Rubros. Na boca Os antecedentes.

EDÊNICO

GRAFEMAS ORGÂNICOS Grafias na pele do rosto: marcas de nascença & Marcas do oposto.

Cidade pequena, Pequena cidade, Os olhares Das tuas janelas Querem me desnudar. Mas por que me devo Envergonhar Com essa falta de siso Se sempre quis voltar Nu ao paraíso?

Marcantonio Costa, natural do estado do Rio de Janeiro, é artista plástico e poeta (ainda não editado). Escreve nos blogs Diário Extrovertido (http://diarioextrovertido.blogspot.com/) e O Azul Temporário (http://azultemporario.blogspot.com/) Seus trabalhos em artes plásticas podem ser vistos no blog-portfólio Cadernos de Arte (http://cadernosdearte.wordpress.com/)

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Thiago Cervan, (1985) é filho das ruas cinzas do ABC. Corintiano, poeta, articulador cultural, músico frustrado e videomaker. http://poemavisual.tumblr.com/post/8933230748

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De quatro

Amiguinhas de infância

Me bota nos meus quartos, no conciso. Me entuba, tô de quatro, dando bola. Sub judice, que sou do seu juízo, nas pregas, nas vizinhas da aranhola.

De volta ao mesmo quarto cor-de-rosa, desejo de um poema que me invade e, infante, predomina sobre a prosa. Impúbere menina que se evade

Um pau na minha bunda, que eu preciso. Meu reto, tua rola, não me enrola. Me pega por detrás, no paraíso, na porta dos portais, na portinhola.

nos sonhos, nas bonecas, na mimosa colega dos trabalhos para Sade, Masoch e seus asseclas, carinhosa, gentil, muito ditosa, pois: é a idade.

Entrego o derrière para a bicada: teu pinto, um amoral, que é grande paca, cansado de tabaca, quer tabu.

Se fingem de crianças e severas madrastas no brinquedo de vodu. Seus traumas pacificam-se entre feras...

Me ataca sem carinho, de estocada. Me ataca com teu monstro bate-estaca. É tão gostoso o tal tomar no cu!

Recebo-te em meu colo, bom chicote, depois a acupuntura no meu cu e após o vibrador na minha glote.

Jezebel Duvivier para Aldir Blanc

Não és assim um tipo que eu evite... Se um nume não me lembras... nem o nome... ao menos o teu corpo não me some à soma que eu invisto na suíte. Exijo o que machuca, que me excite, a ripa na cacunda, que carcome, dois dias de jejum, a tua fome, dois dias sem beber, só no rebite. Algemas nos teus pulsos, como jóias, permitem que te apóies nas tipóias devido ao que excedi, e que te agrada. Amar é tão estranho, um exagero: o verde dos teus olhos a não ver o romper sanguinolento da alvorada.

Florescência Eu penso que dois homens por desejo comum e por motivos que não cabem a mim a descrição nem o versejo, discreto no que penso, que se acabem os dois com suas línguas em adejo, seus abissos, enfim, que lhes desabem, compete-lhes as sobras, o sobejo, compete-lhes somente, que eles sabem a angústia, a ansiedade, a contenção, se devem imprimir mais energia, se céleres estoques a parti-los. Só sei de um pormenor, o coração confunde-lhes num só, pela magia do que se fez: unção de seus pistilos.

Henrique Pimenta é professor e militar mas, antes de tudo, é um poeta que adora ler, principalmente textos poéticos e, depois, tenta plagiar os bons textos que lê. Esse processo de mimese é a sua razão de ser e de existir como literato. Sua produção mais recente pode ser lida nos blogues Bar do Bardo e Brazil's Haiku. http://dobardo.blogspot.com/ e http://brazilshaiku.blogspot.com/ Os sonetos aqui apresentados fazem parte de seu primeiro livro, “99 sonetos sacanas e 1 canção de amor”, a ser publicado em breve.

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zero

três

morte

seis

sexo

mãe love Paulo de Toledo é autor dos livros de poemas A Rubrica do Inventor (Multifoco, 2011), Hi-Kretos e Outras Abstrações (Sereia Ca(n)tadora, 2011) e 51 Mendicantos (Éblis, 2007). Publicou as plaquetes Desequilivro (2009) (em parceria com Rodrigo de Souza Leão) e si lence is (Arqueria Editorial, 2010). É colaborador e integrante do Conselho Editorial da revista Babel Poética. Blog: http://paulodetoledo.blogspot.com

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Bento, além de pintar e escrever, é apaixonado por plantas. Nasceu em Jacobina-Bahia, em 1971, e atualmente vive em São Paulo com seu labrador, Caymmi.

Jornada

Melancolia 18 – Digital

Diálogo

http://www.bentomoura.net/index.html

Marcantonio, natural do Rio de Janeiro, é artista plástico e poeta. Estes trabalhos são da sua série Melancolia, exposta no Centro Cultural Correios / RJ em 2009. http://cadernosdearte.wordpress.com/

Melancolia 36+

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Da descoberta Por meio de experienciações lúdicas em uma atmosfera que permeia entre a realidade e o sonho, a menina descobre um mundo particular cheio de possibilidades. Um mundo poético no qual é possível olhar para o infinito sem ser visto.

Este trabalho tem influência das pinturas impressionista e surrealista, sobretudo do pintor belga René Magritte, pelos elementos que permitem uma brincadeira de esconde. Outra artista plástica importante na construção do trabalho é Lygia Clark com suas obras sensoriais. No âmbito terapêutico, há referências fortes do universo de Carl Gustav Jung, psicanalista suíço fundador da psicologia junguiana muito interessado pelos mitos e sonhos humanos. Dentro da fotografia há diversas pessoas que influenciaram o projeto de alguma forma, a mais notável é a fotógrafa americana Alessandra Sanguinetti, com sua série The Adventures of Guille and Belinda and the Enigmatic Meaning of Their Dreams, na qual explora de maneira surpreendente o mundo de duas irmãs. A fotógrafa russa que hoje reside nas Bahamas, Elena Kalis, com suas meninas debaixo d'água, também foi um belo presente imagético que serviu de inspiração para esse trabalho autoral.

Laura Aidar http://lauraaidar.carbonmade.com/




A presença do trabalho de Tonho aqui se justifica não apenas por ser ele o nosso mano véio, mas principalmente pela qualidade de sua obra. O acabamento primoroso, o humor sutil, a poesia e o sonho de suas ilustrações, retratam esse Brasil violentado, colorido e nonsense. Tonho faz com que seguremos as pontas.

TONHO OLIVEIRA É arquiteto e ilustrador, premiado pelo Salão de Humor de Piracicaba/SP. Mora em Porto Alegre, RS. Seus trabalhos podem ser vistos aqui: http://6vqcoisa.blogspot.com/ http://arquitetonho.blogspot.com/


CLT

Censura no facebook

Conto de Thiago Cervan

Me estourei por dentro, já operei um monte de hérnia. Puxei móveis dos outros. Não é móvel que nem esse, assim, levinho. Móvel pesado, tapete pesado. Aqueles tapetes enormes. Já trabalhei muito na vida, e olha só, agora to aqui enchendo o saco dos outros, não tenho nem meu canto pra morrer em paz. Vou fazer oitenta e dois, sou do vinte e nove, faz as contas ai. É oitenta e dois mesmo, em março. Minhas patroas sempre foram boas comigo, só que trabalhar não dá camisa pra ninguém, olha só, trabalhei tanto e agora to aqui. Seu avô nunca botou a mão em mim, mas também era um imprestável, não punha dinheiro em casa. Eu que me virava. Costurava pra fora, fazia a roupa da sua mãe e das suas tias. Nunca tive preguiça. Graças a Deus as três tiveram bons casamentos, tão com os filhos criados. Filho criado, trabalho dobrado. Agora você vê, sua tia sempre deu de tudo pra aqueles moleques, nunca tiveram luxo, mas nunca passaram fome, nem frio, nem nada. E agora você veja só o que o Fábio fez,vê se pode, foi se envolver logo com bandido, foi roubar a casa dos outros. Agora tá lá, preso. Coitada da sua tia. Espero que ele tome jeito quando sair de lá. Vai ser difícil agora pra ele arrumar emprego decente. Ninguém quer pegar quem já foi preso, você sabe né que fica com o nome sujo e ninguém quer assinar a carteira.

Thiago Cervan (1985) é filho das ruas cinzas do ABC. Corintiano, poeta, articulador cultural, músico frustrado e videomaker. http://poemavisual.tumblr.com/

O Rebosteio deste número não poderia se furtar a uma discussão que vem ganhando espaço numa das redes sociais mais frequentadas ultimamente. E nada melhor para início de conversa do que a frase de Fellini sobre a censura, gentilmente resgatada pelo nosso chapa Sylvio de Alencar: "A censura é um modo de reconhecer a própria debilidade e insuficiência intelectual. Ela é sempre um instrumento político, nunca intelectual. Instrumento intelectual é a crítica, que pressupõe o conhecimento do que se julga e/ou, do que se recusa. Criticar não é destruir, mas pôr um objeto em seu justo lugar entre os demais objetos. Censurar é destruir, ou ao menos, se opôr ao processo real." (Tradução de José Antonio Pinheiro Machado -1983)

Na penúltima semana deste mês de novembro, chamou-nos a atenção uma postagem do renomado fotógrafo Fernando Rabelo, que no seu mural do FB dizia o seguinte: "Pela segunda vez o Facebook removeu arbitrariamente uma foto artística do mural de fotografias históricas e me suspendeu por 24 horas em represália à publicação. A foto era da bela atriz francesa Emmanuelle Béart, musa do cinema francês, postada anteontem. Hoje foi um dia doloroso e desanimador, por imposição deles tive que remover quase 20 fotos icônicas por exibirem de alguma forma parte do corpo humano desnudo. O não cumprimento da ordem implicaria na suspensão definitiva da minha conta no FB. Foram removidas imagens de grandes profissionais que fizeram e fazem a história da fotografia: Helmut Newton, Bettina Rheims, Bob Wolfenson, Steven Meisel, Brassaï, Rui Mendes, Diane Arbus, Marcelo Carnaval, Maurice Guibert, Man Ray, Bruce Weber, entre outros. Infelizmente o cinismo e o denuncismo continuam prevalecendo no mundo."

Ora, sabemos por experiência própria que além do denuncismo dos pseudo-moralistas (que não diferenciam sequer a arte da pornografia), o facebook também mantém uma política de censura prévia, como foi o caso desta revista que vos fala, que por causa do seu nome não foi aprovada para ter uma página de divulgação na dita cuja rede social. Afora isso foi amplamente noticiado durante a semana que passou, o fato de que essa rede detecta todos os passos e arquiva todos os sites visitados pelo usuário que possua uma conta lá, mesmo que esteja deslogado (ou seja, sem fazer o login com sua senha supostamente secreta). Diante disso, consideramos que essas posturas retrógradas é o que eles querem projetar para o nosso futuro. E ponderamos que a coisa é bem mais perigosa que uma simples atitude conservadora... e perguntamos a vocês: o que eles desejariam fazer com as informações sobre as pessoas que vigiam na rede? Que precedentes você acredita que se abrem numa questão como esta? Deixamos a batata quente no ar. página 21


A dica deste número é um poema do Delarte divulgado aqui em primeira mão, abrindo caminho para um novo projeto poético todo inspirado pelo imaginário, religião e cultura Afro-brasileiras.

HIPERESTESIA Rebentar a flor esquecida Implodir o marasmo dos dias Extrair o mel sujo da vida na convulsa colméia fria do tempo Pincelar com velhas cores novos quadros sem moldura Deixar o som em delírio ser a glória e contracultura do vento Mil olhos de gato Mil fuças de cão Aroma estelar de canções esculpidas Sabor secular de danças lidas no picadeiro-espelho de telas fluidas Pintura dramática: CONTRAVENÇÃO Reviver deuses-do-povo (genésicos, pós-modernos) que com mil sentidos loucos louvam cor a luz e acordes do I N F E R N O

Autor do livro de poesia “Sentimento do Fim do Mundo” (Editora Patuá, 2011), foi um dos vencedores do II e III Festival de Literatura da Faculdade de Letras da USP na categoria “Conto”. Graduado pela mesma faculdade, foi também finalista da 15ª edição do “Projeto Nascente” (USP). Escreve periodicamente no jornal “Conteúdo Independente” e em seu blog: http://williandelarte.blogspot.com/

página 22

* crédito da foto: Serra Azul - http://www.flickr.com/photos/serrazul/6352651761/in/set-72157628022946717/

Rebostivemos em 16/11 último, no show de apresentação da Balada Literária, no SESC Pinheiros. O Showversa de Augusto de Campos. Chegando lá com duas horas e meia de antecedência, visto que o site dizia que os ingressos seriam retirados no local somente uma hora antes do espetáculo, fomos informados que eles haviam sido todos vendidos durante a semana, e o teatro estava absolutamente lotado. Depois da indignação, e de reclamar sobre a dubiedade das informações do site... lidar com a frustração de não poder ver o Augusto, o Cid Campos e a Adriana Calcanhoto de pertinho, foi um balde de água fria. Mesmo assim fomos pedir informações sobre os eventos do resto da semana, e eis que haviam desistências de última hora: conseguimos os dois últimos ingressos em cadeiras contíguas e bem perto do palco. Aí começou a magia. E esse homem de 80 anos completos entra e fica o tempo todo em pé, falando com aquela clareza que lhe é peculiar, com aquela congruência de quem já tem um mundo dentro de si, com absoluta tranquilidade e o jeito mais simples possível. Firmeza na voz e nas mãos, firmeza em sua poesia concreta e em suas intraduções de outros tantos poetas maravilhosos. Cid Campos, seu filho, ali bem pertinho pra entrar certeiro com o violão e as intervenções no telão, nesse mix multimídia que vinha historicamente de Daniel Artaud até Caetano Veloso... desfilando Kilkerry, Mallarmé, Pound, Dickinson, Lewis Carrol, e tanta gente boa que minha cabeça ainda enlevada não consegue lembrar direito agora. Adriana com aquela voz de veludo, sutilmente deu o toque de leveza indispensável. Tudo perfeito, tudo repleto da verve desse senhor que ali, ao vivo, não me intimidava tanto como quando peguei pela primeira vez em mãos o seu “Não”, o livro da capa azul. Concretíssima, além da poesia, foi a emoção e o nó na garganta ao vê-lo sair, ao final do show, para a coxia abraçado com seu filho, e saber que eu tinha acabado de presenciar um dos mais belos e importantes momentos da história da poesia brasileira.


john cage

todo silêncio está grávido de som


concepção e fotografia: mercedes lorenzo

anti-propaganda


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