JOANA JEKER DOS ANJOS
Edição da autora Brasília, 2019
Sumário O Grande Encontro © Joana Jeker dos Anjos, 2018 recomecar.associacao@hotmail.com
Prefácio
Design Felipe Cavalcante Gabriel Menezes Luã Leão
Joana, a mulher-coragem
Ilustração João Teófilo
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) de acordo com ISBD. Ficha catalográfica elaborada por Fabrícia Feitosa CRB-1/2717 A599 Anjos, Joana Jeker dos. O grande encontro / Joana Jeker dos Anjos; design, Felipe Cavalcante, Gabriel Menezes, Luã Leão; ilustração, João Teófilo. Brasília : [s.n.], 2018. 223 p. : il. color. Inclui fotografias. ISBN 978-85-455223-0-0 1. Biografia. 2. Mamas — Câncer. I. Cavalcante, Felipe. II. Menezes, Gabriel. III. Leão, Luã. IV. Teófilo, João.
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A Partida
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O Recomeço
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O Ataque
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Jesus
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O Grande Encontro
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O Cineminha
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A Primeira Grande Avalanche
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O Retorno para Casa
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O Acidente
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O Milagre
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Histórias de Ativismo
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A Segunda Grande Avalanche
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Conquistas em Prol da Causa
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e do Paciente Oncológico Gravidez
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Frases para reflexão
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CDD 920 | CDU 929
Fontes Pensum, Cera e Capitolium 2 Papel Pólen soft 80g/m² Tiragem 200 Impressão Athalaia Gráfica e Editora
Posfácio
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Fotografias
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É com imensa alegria que eu dedico este livro: A Deus e a Jesus Cristo. Ao meu amado pai Francisco dos Anjos (Chico Barriga) e à minha amada mãe Edelvais Jeker, minha flor, meu amor, minha vida. Te amo infinito, mãe! Aos meus irmãos Cyro e Irene e a todos os meus familiares, em especial ao meu avô Cyro dos Anjos, que me inspirou a enveredar no mundo da literatura. Escritor por vocação, ocupou a cadeira de número 24 da Academia Brasileira de Letras. Ao meu cachorro Gordinho. Aos médicos Dr. Hiram Lucas (mastologista e oncologista) e Dr. Edmilson Lúcio (cirurgião plástico). O primeiro conduziu o meu tratamento e foi fundamental para que eu alcançasse a cura do câncer e o segundo reconstruiu o meu seio direito com primazia e proporcionou mais alegria à minha vida. À Carolina Abad, à Débora Maria e às voluntárias e voluntários que participaram e participam da Recomeçar. Aos pacientes oncológicos. À FEMAMA e às ONGs que se dedicam aos pacientes oncológicos. A todos que contribuíram na minha trajetória.
Prefácio
Joana, a mulher-coragem CARLOS MARCHI
Imagine-se uma moça jovem, aos 30 anos de idade, linda, extrovertida, enturmada, e que curte seu sonho de morar na Austrália. Lá, um dia, passa pela sua cabeça que você tem referência genética de câncer na família e resolve fazer um autoexame em seus seios. Ao apalpar um deles percebe um nódulo; você está a 14 mil quilômetros de casa e não tem nenhum parente a sua volta. O que fazer? Você se enche de coragem para reagir ou se deixa invadir e devastar pelo medo? No vasto arco de 180 graus que separa a coragem do medo, Joana fez a primeira opção. Mais do que coragem, dotou-se de serenidade, de equilíbrio emocional, de ganas e certezas de viver. Em lugar de correr chorando para o aeroporto, onde enfrentaria um voo intranquilo de 24 horas, em busca da proteção familiar, ela foi a uma clínica, relatou o nódulo e pediu um diagnóstico conclusivo. A mamografia e a biópsia comprovaram: o nódulo era câncer. Ela enfim se preparou para voltar ao Brasil. Na longa viagem, refletiu sobre suas possibilidades. Os médicos australianos lhe disseram que o câncer era tratável e que as possibilidades de cura eram grandes. Não havia por que sentir pânico, mas era preciso começar a construir a armadura de coragem que seria fundamental para vencer. No Brasil, sem plano de saúde, teve de escolher bem um hospital. Mudou-se para o Rio de Janeiro e procurou o Hospital Mário Kroeff, onde se submeteria a sessões de quimiotera9
pia embaladas pelos tiroteios nas favelas do bairro da Penha. Curou-se. Depois da cura poderia perfeitamente retornar às baladas, aos amigos e até mesmo à Austrália. Mas Joana fez outra opção: mergulhar na luta pela recuperação das mulheres mastectomizadas. Criou uma ONG e foi à luta. Estudou o assunto, fez inúmeras palestras, deu entrevistas e, no parlamento, brigou para aprovar leis que facilitassem as terapias disponíveis nos hospitais públicos para a reconstrução das mamas ceifadas. Hoje ela é uma referência na luta da mulher brasileira mastectomizada. E nessa luta ela usa o mesmo modelo de pertinácia, de coragem e de gana com que se dotou lá atrás, tão logo saiu do hospital de Sydney, tendo nas mãos uma papeleta que descrevia um diagnóstico terrível. Foi à guerra. Arrancou do fundo da alma porções densas e copiosas de fibra e amor — uma fibra inesgotável e um amor generoso. Este livro conta a história da saga de Joana, a mulher-coragem de Brasília. Uma saga dolorosa que prostraria qualquer um(a), mas que por ela foi enfrentada com a inaudita coragem que só os fortes têm. Para lê-lo, prepare-se para ser invadido(a) por uma profunda comoção. Sim, é claro que você vai se comover ao ler essa história, uma fantasia que retrata a dura realidade. E vai chorar lágrimas de um pranto alegre, de admiração, com que costumamos homenagear as pessoas generosas que se entregam pelos seus semelhantes. São Paulo, 9 de julho de 2018
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Capítulo 1
A Partida
O dia da partida chegou. Joana tinha o hábito de acordar antes do namorado Teodoro, mas, na última semana que antecedeu a partida, ele estava ansioso e despertou antes dela. Joana abriu os olhos e viu seu namorado ao seu lado, sentado na cama, mexendo no celular. Desejou bom dia e lhe deu um beijo. Esta era a última manhã em que ela o beijaria ao despertar. Joana gostava de fazer isso, pois ficava feliz ao acordar e ver o seu amor ao seu lado. O dia estava lindo. Era uma bela manhã ensolarada de terça-feira. Joana levantou, escovou os dentes e foi tomar banho. Sem que Teodoro visse ela chorou. Mal podia acreditar no que estava acontecendo. O namorado que amava estava indo morar nos Estados Unidos, sem data para voltar. Chorou baixinho por uns cinco minutos, sentindo a dor antecipada da partida. Seria um dia muito difícil. Desde que Teodoro anunciou sua decisão de partir, Joana temia por esse dia. Sabia que seria muito difícil vê-lo ir embora da sua vida. Joana saiu do banho, enxugou-se e colocou uma roupa bem bonita, um vestido estampado de seda que se acomodou perfeitamente em sua silhueta esbelta, marcando suas curvas de modo discreto e sensual. Ela era uma mulher muito bonita, do tipo mignon, pele bronzeada e cabelo castanho escuro ondulado. Após colocar a roupa, arrumou o cabelo e fez uma maquiagem leve. Estava arrasada por dentro, e ficar bonita a fez se sentir um 13
pouco melhor. Além do mais, ela não queria que Teo — Joana o chamava assim — a visse destroçada e sofrendo pela partida dele. Eles estavam namorando há um ano e dois meses. Joana e Teo se conheceram em uma festa, um amigo em comum os apresentou e eles começaram a conversar. Teo ofereceu uma bebida à Joana, o papo fluiu e os dois acabaram se beijando. A atração foi imediata e eles se encontraram, saíram no dia seguinte e nos dias subsequentes. Eles gostavam de estar juntos e logo começaram a namorar. Havia uma química boa entre os dois, eles se davam muito bem, tinham amigos em comum e gostavam de estar em contato com a natureza, nos fins de semana. Eram muitas as afinidades do casal. Com menos de um mês de namoro, fizeram uma viagem de cinco dias para a praia. Os dois gostavam muito do mar e aproveitaram um feriado para viajar e curtir o mar. No terceiro dia de viagem, eles acordaram com um telefonema da mãe do Teo. A mãe dele estava doente, com câncer na garganta, ela tinha feito uma cirurgia, quimioterapia, radioterapia e estava se recuperando do tratamento contra o câncer, porém teve uma infecção e foi internada na noite anterior. Apesar da infecção, estava bem. Teo ligou para ela no hospital e ela o tranquilizou, disse que estava tudo bem. Ele mandou umas fotos dele e de Joana na praia. Ela gostou muito de ver o filho feliz e disse que Joana era a nora que sempre sonhou. Eles foram dormir com a sensação de que estava tudo bem. Acordaram assustados com a ligação vinda do celular da mãe dele. Teo atendeu a ligação e quem estava ao telefone não era a sua mãe e sim seu primo, dizendo que a mãe do Teo havia falecido. Após o telefonema, Teo foi para o banheiro e chorou como um menino. Joana o consolou como pode. Arrumou as malas rapidamente e eles partiram para o aeroporto. Chegando ao aeroporto, pegaram o primeiro voo para casa. Teo chorou em
boa parte do voo e do velório da mãe. Joana estava consternada com o sofrimento do namorado e com a perda da sogra que ela nem chegou a conhecer pessoalmente. Depois do ocorrido, Joana tinha a missão de consolar o Teo. Ele estava muito transtornado. Era filho único e muito ligado à mãe, que o enchia de mimos, atenção e amor. Seus pais nunca moraram juntos e Teo foi criado pela mãe, avó e tias. Ele estava morando com o pai desde que se separou da mãe do filho dele, há cerca de um ano. Antes da mãe do Teo falecer, ele já vinha dormindo na casa de Joana várias noites da semana. Joana morava sozinha com seu cachorro, o Gordinho, num apartamento que é da mãe dela. A mãe tinha um quarto lá, mas em geral ficava somente alguns dias do mês. Joana se sentia sozinha e quis amparar o namorado, chamando-o para morar com ela. Ele aceitou e, prontamente, mudou-se para a casa dela. Os dois se adaptaram muito bem em morar juntos. Joana era oito anos mais velha do que o Teo. Quando eles se conheceram, ela tinha 38 anos e ele 30. A diferença de idade não era um problema para eles, estavam apaixonados e não ligavam para o fato de ela ser mais velha. Joana era uma mulher bonita e sempre aparentou ser mais nova. Ela sentia uma atração física muito grande pelo Teo, achava-o um homem muito bonito. O Teo era do tipo boa pinta. Tinha 1,75 m, pele clara, nariz afilado, boca bem carnuda, cabelo castanho claro ondulado e olhos verdes com amarelo, em um tom de verde bem claro e intenso, que deixava Joana encantada. E não era só o belo par de olhos verdes que a encantava. Ela ficava encantada também com o coração dele. Ele era um homem de bem, com coração grande, valores e princípios cristãos, era caseiro, generoso, amigo e companheiro. Tinha várias qualidades que Joana apreciava.
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Eles não eram muito de sair à noite e de frequentar festas. Quando saíam, gostavam de ir a um bar com os amigos para comer, beber e conversar. Além dos amigos em comum, Joana se dava bem com os amigos do Teo e vice e versa. Quando ficavam em casa nos fins de semana, à noite, gostavam de comer alguma coisa saborosa que Joana preparava. Ela tinha prazer em cozinhar para o seu amor. E Teo, por sua vez, achava ótimo quando ela cozinhava. Ele adorava a comida dela e sempre dizia que ela cozinhava muito bem. Algumas noites, para variar, iam a algum restaurante ou pediam comida em casa. Eles tinham uma vida social pacata. Gostavam muito de aproveitar a natureza nos fins de semana para tomar banho em um rio ou fazer uma viagem para à praia. Afinal, moravam em Brasília, bem longe do mar. A sorte é que os dois tinham parentes com casa de praia em três lugares diferentes: no Rio de Janeiro, em Salvador e em Trancoso, os dois últimos na Bahia. Apesar de terem três opções, acabavam sempre escolhendo o mesmo destino: Rio de Janeiro, a tão conhecida cidade maravilhosa. Ambos tinham raizes cariocas. O pai da Joana era de Copacabana e o do Teo era de Ipanema. Por isso, sempre passaram as férias de infância no Rio. Uma tia avó da Joana, chamada Lili, e sua sobrinha Bárbara, tinha um apartamento de veraneio em Copacabana, onde ninguém morava e que era usado poucas vezes ao ano. Elas sempre emprestavam o apartamento para Joana. Aliás, tia Lili e seu esposo Luzitano eram muito generosos e ajudaram Joana em momentos cruciais da vida dela. Ela tinha gratidão por tudo o que eles fizeram e por emprestarem constantemente para ela o apartamento na cidade maravilhosa. Joana e Teo iam para lá sempre que podiam. Quando estavam no Rio, passavam o dia aproveitando a praia e o sol carioca. Voltavam para Brasília bronzeados e felizes.
Três meses depois do falecimento da mãe do Teo, eles voltaram para o Rio de Janeiro. Desta vez levaram o Patrick, o filho do Teo, que tinha sete anos na época. Uma criança linda e cativante. Ele era loiro, tinha olhos azuis, cabelo liso e cortado em forma de cogumelo. Era um menino muito educado, meigo e obediente. Joana gostou dele desde o primeiro dia em que o viu. O Patrick adorou a viagem ao Rio de Janeiro com o papai e a tia Joana — é assim que ele a chamava. O tempo estava bom e deu praia todos os dias. O mar estava calmo e ele passou a maior parte do tempo brincando na beira do mar. Quando se cansava, ele ia para debaixo do guarda-sol para tomar um picolé ou comer algo. Essa viagem aproximou ainda mais Joana do namorado e do filho dele. Joana gostava de conviver com o Patrick. Ela adorava criança e o tratava com muito carinho. Sentia-se feliz em cuidar dele, quando ele ficava com o casal. Joana tinha prazer em agradar o menino, brincava e fazia as comidas que ele gostava. Ela também o colocava para tomar banho, escovar os dentes e dormir. Na última noite, antes de embarcarem de volta para Brasília, um episódio ficou marcado. Joana fazia cafuné nos cabelos de Patrick para que ele adormecesse. Nesse momento ele lhe disse: — Eu te amo, tia Joana. — Eu também te amo, Patrick, menino lindo do meu coração - respondeu Joana, emocionada. Eles voltaram à Brasília. Os meses se passaram e a relação de Joana e Teo continuava em harmonia, mas ele começou a falar que desejava morar fora do Brasil. Desde que se conheceram, Teo comentou que tinha o sonho de morar em outro país, na Austrália ou nos Estados Unidos. Depois do falecimento da mãe, ele passou um tempo sem falar nesse assunto. Porém, na última semana, Joana o viu duas vezes ao telefone conversando com Gabriel, um primo, que morava nos Estados Unidos havia três
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anos, com a esposa e a filha de cinco anos. Quando Teo falava em ir morar fora, ele dizia a Joana que ela iria junto. Só que ele estava cansado de saber que ela jamais iria. Joana nunca largaria tudo para simplesmente ir com ele para outro país. Enfim, ela odiava esse papo dele querer morar fora. Mesmo sentindo-se desconfortável, o assunto era cada vez mais recorrente. Ora Teo estava falando com os amigos sobre o sonho de viver em outro país, ora estava conversando com o primo sobre as oportunidades de trabalho nos Estados Unidos. Teo e Gabriel eram engenheiros civis, porém Gabriel trabalhava como labour nos Estados Unidos, uma espécie de “faz tudo”. Ele trabalhava numa empresa de serviços gerais. Como era formado em engenharia civil e trabalhava lá há algum tempo, ganhou a confiança do chefe e se tornou o responsável pela equipe que trabalhava com ele nas obras. Gabriel disse ao Teo que tinha uma vaga de labour e o convidou para ir aos Estados Unidos para trabalhar e ficar um tempo na casa dele. Teo ficou tentado a aceitar o convite do primo e começou a amadurecer a ideia. Certo dia, a Sofia, irmã da Joana, foi com o marido, Rodrigo, jantar na casa da Joana. O Rodrigo tinha morado dez anos nos Estados Unidos e amava esse país. Eles começaram a falar sobre os Estados Unidos e Teo comentou sobre o convite recebido de Gabriel, quando Rodrigo lhe disse: — Se eu fosse você, eu ia. É uma boa oportunidade, já que a construção civil não está contratando no momento por aqui. Se não der certo, você volta. — É uma boa ideia. Eu não aguento mais ficar parado. Lá vou trabalhar, me sentir útil e ainda ganhar dinheiro — respondeu Teo entusiasmado. Ao ouvir aquela conversa, Joana sentiu um nó na garganta. Teo tinha uma renda como engenheiro civil de uma empresa, ele não trabalhava todos os dias e não ganhava muito. Joana
também tinha uma renda e os dois viviam sem muito luxo, mas tinham tudo o que precisavam e até viajavam com certa frequência ao Rio de Janeiro. Cada vez que o Teo falava em ir embora, Joana se sentia rejeitada e sofria com a possibilidade de ser abandonada. Ela era o tipo de mulher que se entregava intensamente, de corpo e alma à relação. Era uma romântica inveterada, sonhava em casar, formar uma família e ser feliz para sempre com o homem que ela amava. Joana acreditava no amor, acreditava nas pessoas, nas relações e queria viver a vida a dois. Ela amava o Teo e queria continuar a viver com ele. Durante a sua vida, Joana ficou muito tempo sozinha e, agora, não queria mais ficar só. Ela amadureceu o bastante para saber manter suas relações. No passado, teve problemas com relacionamentos amorosos desastrosos. Diversas vezes ela se interessou por homens que não queriam um relacionamento sério. Outras vezes, ela tinha paixões platônicas. No fundo, só queria amar e ser amada. Quando mais jovem, Joana idealizava para si um príncipe, como o das histórias infantis. Com o passar dos anos, continuava sonhadora e romântica, porém percebeu que o príncipe não existia e o que ela buscava, e queria verdadeiramente, era um homem de bom coração que a amasse. Meses depois, em uma noite de sábado, Joana e Teo saíram para comemorar um ano de namoro. Eles foram a um restaurante francês maravilhoso, que ficava a duas quadras de onde moravam. Foi uma indicação de um amigo do Teo, que acertou em cheio. O restaurante tinha uma decoração tipicamente francesa, com elementos refinados e clássicos no acabamento, estuque, espelhos, lustres e móveis em estilo rococó. O atendimento foi de primeira e a comida estava espetacular. A noite foi maravilhosa. Boa música, boa comida e a celebração de um ano de amor.
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Depois do restaurante, eles foram para casa e lá continuaram a comemoração. Mais tarde, quando estavam deitados na cama, com a luz apagada, assistindo TV, prestes a dormir, o Teo deu a notícia: — Linda, você sabe que eu te amo e que a gente se dá superbem, mas eu tenho que te falar: eu preciso ir atrás do meu sonho, linda. Eu comprei uma passagem e estou partindo daqui a um mês para os Estados Unidos. Joana sentiu como se tivesse recebido um soco no estômago. Ficou muda por uns instantes. Os olhos dela imediatamente se encheram de lágrimas. Ela olhou para o lado oposto de onde Teo falava, para que ele não visse os seus olhos repletos de lágrimas, como um rio prestes a transbordar. Respirou fundo, fez um enorme esforço para não desabar no choro naquele momento e disse calmamente: — Ok lindo, você é quem sabe. Eu estou com sono, vou dormir. Boa noite — disse Joana em tom triste, inclinando-se totalmente para a parede. Intimamente, o seu mundo estava desabando. — Boa noite, meu amor, até amanhã. Dorme com Deus — respondeu ele. Ao ouvir Teo a chamando de meu amor após dizer que ia abandoná-la no dia em que eles completaram um ano de namoro, Joana não se conteve e deixou as lágrimas caírem. Ela chorou em silêncio, sem que Teo percebesse, até conseguir pegar no sono. Nos dias que se seguiram até o dia da partida, Joana e Teo viveram uma espécie de despedida. Joana estava triste, mas aceitou a decisão dele e quis aproveitar os últimos dias ao lado do seu amor. Ela o ajudou com os últimos preparativos para a viagem e deu alguns conselhos sobre morar no exterior. Teo estava bastante ansioso, cheio de adrenalina, mostrando-se animado e feliz por estar chegando a hora da partida. O grande dia tinha chegado. Depois do banho, Teo vestiu a roupa da viagem, fechou a mala que iria despachar e disse que
estava pronto para ir. Antes de sair, Teo se despediu do cachorrinho de Joana, o Gordinho, que se agitava diante da visão da mala de viagem. Teo gostava muito do Gordinho. Tratava o cachorro da Joana com amor e costumava levá-lo para passear. Quando estava comendo, sempre dava um pedaço de carne para ele. O Gordinho era apaixonado pelo Teo e, assim como Joana, também iria sentir sua falta. Joana ajudou Teo a descer com as coisas dele, uma mala grande e outra pequena, e saíram em direção à casa da avó de Teo. Lá chegando, ele se despediu de todos e foi almoçar com Joana em um restaurante japonês, perto da casa da avó, área em que ele viveu por muitos anos. Fizeram a última refeição juntos em alto estilo. Era um restaurante caro, um dos melhores restaurantes japoneses da cidade. Joana não gostava de peixe cru, mas havia várias opções de prato quente que ela adorava. Tinha peixes e filé grelhados, camarão ao alho e azeite, tempurá de camarão, tempurá de legumes variados, shimeji, teriyaks, yakisoba e muitas outras maravilhas da culinária japonesa. Estava tudo delicioso. Joana não queria falar sobre a partida para não estragar a última refeição deles. Ficaram conversando sobre assuntos banais e aproveitando o apetitoso banquete, além da companhia um do outro. Após o almoço, foram direto para o aeroporto. Eles já haviam combinado que Joana não iria estacionar o carro e nem acompanhá-lo até o embarque. Queriam encurtar a despedida, que é sempre muito dolorosa para ambos. Pararam perto da entrada que indicava a companhia aérea. Desceram do carro e Teo colocou a bagagem dele em um carrinho. Abraçaram-se e beijaram-se. Joana desejou boa viagem e pediu que ele avisasse quando chegasse aos Estados Unidos. Ela ficou observando Teo indo embora para bem longe dela, para outro país. Ele estava indo realizar o sonho dele, mas ela
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ficava. Arrasada, abandonada e sofrendo com a separação. Joana entrou no carro e as lágrimas começaram a cair, sem parar, parecia uma torneira jorrando água. Ligou o carro e saiu. Ela não o julgava, afinal, também já havia tido este sonho de morar fora, e o realizou. Foi uma experiência enriquecedora, ela enfrentou muitos desafios, amadureceu e aprendeu bastante durante os quase dois anos em que morou em outro país.
Capítulo 2
O Recomeço
Era um dia chuvoso, cinzento e frio, nem parecia que a primavera iria começar em alguns dias. Dava para ouvir o barulho do vento lá fora. Havia chovido a noite toda e Joana podia sentir a umidade no ar e a grama molhada lá fora. Apesar da chuva, do vento e do frio, os pássaros cantavam lindamente, como de costume. Joana acordou por volta das sete horas da manhã de sábado. Ela podia dormir mais um pouco, era final de semana, não tinha compromisso e não precisava acordar cedo. Despertou e não conseguiu mais dormir, apesar de ter ido dormir tarde na noite anterior, assistindo filme na TV. Havia dois meses que o Teo tinha ido morar nos Estados Unidos e os últimos meses não foram fáceis. Desde que Teo falou que tinha comprado a passagem para morar fora, a vida dela mudou para pior. Ela e o Teo moraram juntos por um ano e Joana estava acostumada a ter alguém com quem dividir a sua vida. Foram muitas lágrimas derramadas e noites mal-dormidas após a partida. Ela sofria com o abandono, com o orgulho ferido e a solidão. Afinal, eles não brigaram e não terminaram o namoro. Foi deixada por um homem que vivia bem com ela e que gostava dela, mas não gostava o suficiente, já que a largou para realizar o sonho de se aventurar em outro país. Ela sabia que tinha dado o seu melhor na relação, mas o seu melhor não foi o suficiente para que ele ficasse. 22
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Eles se falavam todos os dias. Isso amenizava um pouco a falta que ele fazia. Teo dizia que a amava e que sentia muito sua falta, que gostaria que ela estivesse lá com ele, mas não falava em voltar. Joana gostava de falar com ele, de ouvir a sua voz, de saber como foi o seu dia, de saber que ele estava com saudades e que ainda a amava. Isso lhe dava certa segurança e a amparava em sua carência, em sua necessidade afetiva. Há tempos que Joana havia decidido que não queria mais ficar solteira. A vida para ela era muito melhor a dois. Ela gostava de ter um parceiro, um homem para dividir a vida, uma companhia para sair, conversar, viajar, para jantar ou para ficar em casa assistindo TV. Alguém para ela cuidar, amar e se entregar. Joana era a típica romântica. Queria casar, ter filhos e viver o resto da vida ao lado do marido. Sua meta era formar uma família. Joana decidiu deixar para trás o sofrimento e virar a página. Sentia que a vida é bela demais para continuar se consumindo no sofrimento. Arrumou a casa. Depois, tomou banho, colocou um vestido cinza de manga curta, um casaco vermelho de couro e uma bota de cano curto preta. Passou lápis de olho, um batom vermelho e saiu. Ela estava linda e sentindo-se poderosa, com força para levar à frente sua resolução: terminaria o namoro à distância com o Teo e seguiria com a sua vida. Ela estava decidida. Tanta coisa já havia acontecido em sua vida. Tinha superado acontecimentos que nunca imaginou ter forças para superar. Joana estava confiante que superaria o rompimento também. Hoje, depois de todo o aprendizado gerado através dos percalços que aconteceram com ela, sabe que irá dar a volta por cima e recomeçar, mesmo que sofra nesse início. Afinal, ela sentia que o Pai — como ela chamava Deus — estava sempre ao seu lado, dando forças para ela prosseguir. Joana foi até um shopping perto de casa, almoçar com Poliana, amiga de longa data, a quem confessava seus sentimentos, medos
e frustações. Elas se conheceram quando Joana tinha quinze anos e a empatia foi instantânea e recíproca. Depois de alguns anos, estreitaram a amizade, passaram a conviver mais e até fizeram algumas viagens juntas. Firmaram uma amizade verdadeira e leal. As duas se encontraram no estacionamento do shopping e seguiram para o restaurante. Joana pediu um dos pratos que ela mais gostava, filé à parmegiana, e Poliana pediu um estrogonofe de camarão. As amigas confidentes se deliciaram com a comida, enquanto Joana contava sobre a resolução em relação ao término do namoro à distância com o Teo. Poliana concordou. — Amiga, é melhor assim. Você tem que seguir em frente. Ele foi embora e você ficou. Ele está a quilômetros de distância. Toca a sua vida! Você é uma pessoa do bem, é linda, amorosa, forte, corajosa, e vai encontrar um cara bacana para realizar o seu sonho de casar, ter filhos e formar uma família — incentivou Poliana. — É verdade, amiga! Chega de perder tempo com quem não me dá valor. E viva a vida! - falou Joana, levantando o copo de suco para fazer um brinde com a amiga Poliana. Depois do almoço elas passearam um pouco no shopping. Poliana também contou as novidades e, então Joana seguiu para casa. Era a hora de ligar para o Teo e colocar um ponto final na relação dos dois. Joana pegou o telefone, respirou fundo e discou para ele, que rapidamente atendeu. — Oi linda, tudo bem? — disse Teo ao atender à ligação. — Tudo bem e com você? — perguntou Joana. — Tudo bem. Eu acabei de almoçar. — Que bom. Lindo — era assim que eles se chamavam — o assunto que eu tenho para falar não é muito agradável. Teo, em tom ríspido, disse: — Fala Joana. — Eu vou direto ao ponto. Você fez a sua escolha de ir morar fora. Eu tenho sofrido muito com essa distância. Pensei bem e
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fiz a minha escolha: quero terminar a nossa relação para que eu possa seguir em frente. Teo, visivelmente chateado, respondeu: — Ok. Você é quem que sabe. — É melhor assim. Fica com Deus. Beijo — disse Joana, encurtando o drama. — Beijo — finalizou Teo. Joana desligou o telefone chorando. Ela queria falar mais coisas para o Teo, dizer como foi bacana a relação deles e o quanto ela ainda gostava dele. Queria desejar boa sorte e coisas do tipo, mas despedidas nunca foram o seu forte. Terminar um relacionamento é difícil, mesmo sabendo que é o melhor a se fazer. Joana estava triste, mas sabia que, em algum momento, a tristeza iria embora e ela recomeçaria sua vida. Afinal, queria amar e ser amada. Se agora não tinha sido com o Teo, mais cedo ou mais tarde, se apaixonaria de novo por outro alguém. Nos dias seguintes, Joana se dedicou ao trabalho mais do que de costume. Ela trabalhava até tarde da noite e também nos fins de semana. Queria ocupar a mente para não ficar pensando no Teo. Eles se falavam de vez em quando, e, como ela ainda gostava dele, lembrar do término ainda doía. Quando não estava trabalhando, Joana procurava socializar, sair um pouco com as amigas, seja para um cinema, uma festa, um show ou para uma cachoeira. Em uma dessas saídas, Joana conheceu o Brad. Foi num jantar na casa do Tom, um amigo comum aos dois. Brad era loiro, alto, magro e tinha uma cicatriz do lado da sobrancelha esquerda. Era praticante do budismo e tinha um jeito zen de ser. Apesar de contido nos gestos e de ter uma fala mansa, ele era expansivo e alegre. Eles começaram a conversar e a conversa fluiu. Conversaram sobre vários assuntos. Joana sentiu-se à vontade para se abrir com Brad. Parecia que eles se conheciam há anos.
Joana contou sobre o término com o Teo, a ida dele para os Estados Unidos, a Primeira Grande Avalanche, o acidente, o milagre e a Segunda Grande Avalanche. Brad absorvia cada palavra de Joana, estava encantado com aquelas histórias. Ele era antropólogo, gostava de ouvir relatos, casos e histórias. Fazia parte do seu estudo sobre os seres humanos. Na vida de Joana tinha acontecimentos que comoveram Brad. Ele ficou fascinado pela maneira como que ela reagiu a eles. — Que postura existencial assertiva, Joana. Você assume as rédeas. Agir com essa positividade e proatividade diante de fatos tão fortes não é nada fácil — comentou Brad, impressionado com o que ouviu de Joana. — Cabe a mim ficar caída ou levantar e seguir — disse Joana, segura de si. — Que força, Joana. — Brad, a gente não sabe a força que tem até precisar dela. Hoje eu me sinto muito mais forte depois de tudo o que aconteceu. — É verdade Joana, a força está dentro de cada um de nós. A questão é enxergarmos dentro de nós mesmos essa força maravilhosa, inerente ao ser humano. — O amor a Deus e à vida me fez enxergar a força. O amor é o combustível da vida, é o alimento divino, nutriente para a alma. Tem um trecho da famosa frase de Paulo de Tarso que fala sobre o amor, que eu gosto muito. É mais ou menos assim: “Ainda que eu falasse as línguas dos homens e dos anjos, e não tivesse amor, e ainda que tivesse o dom da profecia e conhecesse todos os mistérios e toda a ciência, e ainda que tivesse toda a fé, de maneira tal que transportasse os montes, e não tivesse amor, nada seria. O amor tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta. Quando todo o resto desaparece, a fé, a esperança e o amor permanecem, mas o maior deles é o amor.” — Sábias palavras. O amor é o maior sentimento do universo.
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Há tantas formas de amor, tantas formas de amar — suspirou Brad. Ele levantou a taça de vinho, chamando Joana para um brinde: — Viva o amor e viva a capacidade do ser humano de amar. — Viva! — disse Joana exultante. A noite foi passando e os dois, entre uma taça de vinho e outra, papeavam animados, sempre reverenciando a dádiva que é a vida. Joana voltou para casa bem mais animada. O papo com Brad fez muito bem para ela. Renovou o seu ânimo e a fez lembrar do quanto ela era abençoada e como a vida é bela. Ela decidiu deixar a tristeza para trás. Os acontecimentos dos últimos anos oito anos, como a Primeira Grande Avalanche, o acidente, o milagre, a Segunda Grande Avalanche e a partida do namorado Teo, tinham mexido muito com o seu emocional e ela desejava dedicar o seu tempo livre para cuidar da sua espiritualidade. Ultimamente, Joana pensava muito em Jesus. Começou a crescer nela a vontade de buscar Jesus, de conhecer mais sobre a vida de Cristo e de se aproximar mais dele. Ela amava a Deus — ou o Pai, como Joana gostava de se referir a ele — de forma visceral. Ela entregava a vida nas mãos de Deus e pedia que fosse feita a vontade Dele na vida dela. Deus estava vivo dentro do seu coração, da sua alma e de cada pedaço dela. Joana queria sentir algo parecido por Jesus, a quem ela sentia grande empatia, carinho e admiração pela grandeza do seu significado para a humanidade. Quando percebeu, Joana estava destinando o seu tempo dedicado ao lazer para a busca por Jesus. Começou com pesquisas sobre a vida dele na internet. Queria conhecer mais profundamente a vida dele, do nascimento à crucificação. Em sua pesquisa, Joana averiguou que a vida de Jesus foi retratada por seus discípulos no Novo Testamento da Bíblia, em Mateus, Marcos, João e Lucas. Muitas das informações obtidas, Joana já tinha conhecimento, mas a leitura desses trechos da Bíblia proporcionou o início da grande aproximação.
Joana também assistiu aos filmes e documentários sobre Jesus. Teve um que ela amou e que assistiu duas vezes seguidas. A vida de Jesus emocionava e tocava fundo o seu coração. Quanto mais ela pesquisava, ouvia e falava de Jesus, mais aumentava a sua conexão com ele. Chegou a um ponto onde ela percebeu que Jesus tinha feito morada permanente em seu coração. Joana o amava e o admirava profundamente. A sua simplicidade, o seu amor ao próximo, o seu amor a Deus, os ensinamentos, os milagres, a abnegação, enfim, tudo, da vida à morte de Jesus, a tocava profundamente. Ela percebia que depois da aproximação com Jesus, estava ainda mais próxima de Deus. Essa sensação a fazia sentir-se muito bem. Ela reconhecia que estava amparada e protegida.
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Capítulo 3
O Ataque
Uma das coisas que Joana mais gostava na vida era o contato com a água e com a natureza. Ela morava a cerca de mil quilômetros de distância do mar. Por causa da distância não dava para ir constantemente ao Rio de Janeiro, uma das praias mais próximas de Brasília e onde ela tinha lugar para se hospedar. Na cidade de Joana tinha uma pequena cachoeira, a doze quilômetros da casa dela. Ficava no bairro mais nobre de Brasília, o Lago Sul. A cachoeira chamava-se Taquari e era frequentada por moradores das redondezas, de bairros próximos — como a Joana — e trabalhadores locais. Há oito anos Joana ia quase todos os sábados e domingos para a Taquari, às vezes ia também na sexta-feira, na hora do almoço ou no final da tarde. Ela era completamente apaixonada pela água e pela natureza. Rio, lago, mar é com ela mesma. Se pudesse, mergulhava todo dia no rio ou no mar, para ela, esses lugares são como santuários. São locais sagrados que necessita ir para se renovar, “recarregar as baterias”, relaxar, meditar e entrar em contato direto com Deus. Era começo do ano, em pleno verão, mais precisamente dia 6 de janeiro. Nos dias anteriores, Joana estava submersa em pesquisas sobre a vida de Jesus. Ela assistiu a filmes e leu sobre a vida dele na internet, ficou fascinada e emocionada com os seus milagres. Refletiu sobre os seus ensinamentos e essa busca trouxe Jesus para perto dela de uma forma que ela não sabia explicar. 30
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Essa pesquisa a fez entrar em uma sintonia absoluta com Jesus. Joana passou a sentir a presença dele em sua vida de forma intensa. Em vários momentos do cotidiano ela lembrava de Jesus e um sentimento de júbilo tomava conta dela. Tornou-se uma rotina em sua vida a conversa com Jesus. Ela desabafava, agradecia, pedia e se emocionava com as bênçãos recebidas do mestre Jesus, que tinha se tornado o seu grande amigo. Nesse dia, Joana estava muito conectada com Jesus, pela simbologia da data. Pensou no Cristo em vários momentos. Era o ápice do verão e estava um calor danado. Ela terminou de trabalhar mais cedo para aproveitar um pouco o fim de tarde, refrescando-se na Taquari, naquele dia quente de verão. Ela tirou a roupa que tinha vestido para a entrevista que deu de manhã, colocou o biquíni, um vestido por cima e foi para o seu paraíso, feliz da vida. Joana chegou lá por volta das 17h, avistou três automóveis parados no fim da rua. Estacionou o seu veículo próximo da entrada da última casa da rua, a uns vinte metros dos outros carros. Ao desembarcar do veículo viu que um dos carros estacionados estava com a porta completamente aberta. Ela estranhou um carro com a porta aberta sem ninguém por perto, mas seguiu em frente, em direção ao portão que fica na entrada da mata de acesso à cachoeira. O fim de tarde estava lindo. O céu estava todo azul, sem nuvens e a temperatura quente ainda, apesar da hora. Devia fazer uns vinte e seis graus e o sol continuava alto, longe da linha do horizonte. Joana estava ávida por um banho. Estava esperando por esse momento a tarde toda. Ela tinha pressa e caminhou a passos largos os seiscentos metros de trilha. O caminho começava em um portão ao lado da última casa da rua. Ela entrou e andou uns trezentos metros, margeando o terreno da casa. Depois, virou à esquerda e andou mais duzentos metros por um descampado até chegar à mata fechada, onde passava o rio.
Chegando à cachoeira, Joana se deparou com um grupo de sete pessoas. Eram três homens e quatro mulheres, todos na faixa de vinte a trinta anos. Ela se surpreendeu com o fato de um dos homens estar nu, com o genital à mostra. Ele a viu e continuou sem roupa. Ela ficou incomodada com o homem nu, mas queria muito usufruir daquele lugar que amava. O grupo estava do outro lado do rio, a cerca de quinze metros dela. Joana os cumprimentou e permaneceu no lado do rio oposto ao grupo, onde tinha menos sol, mas era mais distante do peladão. Ela tomou uns dois banhos de rio, ficou uns trinta minutos no local e saiu. No início do caminho de volta, Joana se lembrou do homem pelado. Ela estava impressionada como ele tinha coragem de ficar nu na frente de todos. Não era algo comum e aceitável na sociedade. Ela pensou que o peladão devia ser libertário ou meio maluco. De qualquer forma, ele era muito folgado e sem noção por não se importar em impor a visão do seu pênis a todos. Aquela visão não foi agradável. Ela não gostou de ver o pênis daquele homem. Isso nunca tinha acontecido antes naquele lugar que amava. Em alguns minutos, abstraiu e passou a observar e contemplar a natureza ao redor. A vegetação era típica de cerrado, com gramíneas e arbustos, mas tinha também várias árvores altas, de uns 40 metros. Na metade do caminho, Joana teve a nítida sensação de estar sendo seguida. Estranhou e parou imediatamente. Olhou ao redor e não viu ninguém. Focou o olhar na mata ao seu lado direito — ao lado esquerdo não havia árvores, só uma vegetação rasteira e o muro de uma casa — e não viu nada, só o mato alto. Foi uma sensação muito forte, uma espécie de aviso, mas Joana não notou ninguém ao redor e aquela trilha de acesso ao carro não lhe causava nenhum temor. Então, continuou a andar pela trilha que a levaria ao seu carro. Aquele caminho era bem familiar.
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Ela já tinha andado por ele umas trezentas vezes e costumava ir sozinha, não tinha medo. Sentia-se protegida, como se nada de ruim pudesse atingi-la. De qualquer forma, achou estranha aquela sensação de estar sendo seguida. Era uma trilha curta e quase metade do percurso margeava um muro alto, de um imenso terreno, que era propriedade de um homem poderoso da cidade. Na ocasião de uma queimada naquela mata, Joana ficou sabendo que o dono do terreno era um ministro de um Tribunal. Os moradores daquela região eram ricos, as casas eram cada uma mais linda que a outra. Tinha uma equipe de segurança que transitava de carro próximo dali, no local onde Joana estacionara o carro. Ela, definitivamente, sentia-se segura ali. O portão de entrada da trilha estava próximo e Joana pegou a chave do carro. Era sexta-feira e ela estava com o pensamento no passeio de logo mais à noite, com as amigas. Elas planejaram ir até um barzinho. Quando estava a uns dois metros do portão, ela teve a intuição de olhar para trás. Bem nesse instante, um homem pelado, com uma mochila nas costas, surgiu detrás do mato alto e foi para cima dela. Joana se esgueirou para trás, mas uma das mãos dele conseguiu agarrar o pescoço dela. Quando Joana olhou nos olhos do homem que a atacou, ela sentiu a morte. Não foi o medo do estupro que ela sentiu de imediato. Estava claro que ele queria estuprá-la. Ela não apenas temeu por sua integridade física, mas principalmente por sua vida. Viu a morte naqueles olhos vermelhos. Viu também loucura, perturbação, piração, barbárie, perversidade, selvageria, psicose, ira, ferocidade e cobiça. Aquele não era simplesmente um tarado. Era um tarado pelado completamente tresloucado, drogado, em um lugar ermo, ao lado de uma mata fechada que acabava, num determinado trecho do rio, raso, que não é frequentado pelos banhistas. E o pior, ele
estava apertando o pescoço dela fortemente com uma das mãos, no intuito de estrangulá-la. Se ele conseguisse dominá-la, e a estrangulasse com a força duas mãos, ao ponto dela desmaiar, sabia que não sairia viva. Em frações de segundos, Joana teve a terrível visão do seu corpo nu, sem vida e largado no rio. Sua primeira reação instintiva foi se jogar no chão e colocar todo o peso do corpo para baixo, para se livrar daquela mão que a estrangulava e a impedia de respirar. Ela caiu de joelhos bem na frente dele. Sua segunda reação foi a de apertar com força o órgão genital do homem que estava em sua frente. Ele deu dois passos para trás. Joana se levantou rapidamente, com uma agilidade impressionante, e empurrou o homem pelo peito, com toda a sua força. O tarado foi parar a uns quatro metros de distância de Joana, que se sentiu grande, destemida, forte e pronta para a luta. Ela olhou com ira para o homem e gritou: — Sai daqui! Socorro! Pega ladrão! — este foi o primeiro grito que saiu de sua garganta, meio que sem pensar. Depois, corrigindo, seguiu gritando: — Socorro! Tarado! Pega o tarado! Socorro, socorro, socorro! A reação de Joana intimidou e assustou o tarado tresloucado. Ele se abaixou, pegou um punhado de pedras miúdas e terra no chão e jogou na direção dela. Em seguida, virou-se e saiu correndo mata adentro, no sentido oposto ao de Joana. Ele queria feri-la, de qualquer maneira, nem que fosse com pedras. Por sorte, só uma pedra pequena atingiu seu rosto, próximo da testa, mas não houve corte, só um inchaço imediato. Joana ficou atordoada com o que tinha acabado de acontecer. Continuou gritando por um tempo, mesmo depois de o tarado ter desaparecido no mato. Ela estava com medo dele voltar para atacá-la de novo. Saiu do local do ataque e foi até à casa do Ministro. O terreno era muito grande e a casa ficava no centro.
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Ela gritou por socorro e bateu no portão da casa, mas ninguém apareceu para socorrê-la. Depois de um tempo gritando por socorro e batendo no portão da casa sem ninguém atender, Joana desistiu da tentativa de pedir ajuda e quis sair dali o quanto antes. Ela andou a passos rápidos em direção ao seu carro, meio tonta, cambaleando. A adrenalina estava elevada. Ela estava abismada, chocada com o que acabara de acontecer. Tinha escapado por pouco, por muito pouco. Joana sentiu, mais uma vez, a morte passar perto dela. Foi aterrorizante, mas ela foi poupada do pior. Joana estava buscando Jesus e Jesus entrou definitivamente na vida dela. Ela sentia que ele a poupou e sentia a presença dele. Era Dia de Reis, dia em que Jesus Cristo, recém-nascido, recebeu a visita dos três Reis Magos. Uma data bastante simbólica e importante, sendo comemorada pelos cristãos como uma homenagem ao nascimento de Jesus. Os Reis Magos simbolizam o reconhecimento de Jesus por todos os povos. Para Joana, Jesus estava mais que reconhecido e cravado em seu coração para sempre. Ela se sentiu extremamente abençoada por Jesus. Estava clara a presença dele naquele livramento. O primeiro milagre de Jesus na vida de Joana tinha acabado de acontecer. Assim como havia três Reis Magos, ela recebeu três sinais, três avisos de Jesus: a porta do carro aberta; o homem nu na cachoeira e a sensação de estar sendo seguida. Eram muitos os sentimentos que passavam pela cabeça de Joana. Ela sentia gratidão pelo livramento, medo do tarado voltar, raiva pelo pavor que ele a fez passar, desapontamento por ninguém ter aparecido para socorrê-la e uma vontade imensa de sair dali o quanto antes. Ao se aproximar do carro, Joana lembrou que a chave do carro estava na sua mão quando foi atacada. Na hora, nem se deu conta, mas a chave tinha caído no local do ataque. Seu coração gelou e
Joana ficou petrificada. Ela não queria voltar lá para procurar sua chave, mas não tinha alternativa. Diante da falta de opção, reuniu as suas forças, física e mental, e se dirigiu ao local do ataque, gritando por socorro, para o caso de o tarado estar por perto. No caminho, Joana pediu a Jesus para ajudá-la a achar a chave rapidamente. O medo de o tarado voltar era grande. Ela pensou que ele podia estar por perto, com raiva, por ela ter conseguido se livrar dele, e voltar com mais vontade de lhe fazer mal. Ao chegar ao local onde tinha caído, Joana se abaixou, revirando a mata ao redor. Achou um batom, um lápis de olho e um espelho que tinham caído de sua bolsa sem que ela percebesse. Em seguida, levantou-se, respirou fundo e pediu a Jesus para lhe mostrar onde estava a chave. Logo após fazer o pedido, Joana olhou para o lado e viu a chave. “Que alívio, Jesus é muito bom”, pensou. Pegou rapidamente a chave e voltou para o estacionamento, ainda gritando por socorro.
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Capítulo 4
Jesus
Joana avistou um homem de uns 30 anos, estatura mediana, branco, cabelo castanho na altura do ombro, vestindo bermuda azul claro e camiseta branca. Ele saiu de uma casa do outro lado da rua e caminhou em direção a ela. — O que houve? Eu ouvi um pedido de socorro — disse o homem. — Eu acabei de ser atacada por um tarado. Eu estava vindo para o meu carro, quando um homem pelado surgiu do mato e tentou me esganar, apertando o meu pescoço. Eu caí e, por sorte, consegui empurrá-lo. Comecei a gritar com toda a minha força e ele fugiu. Saiu correndo mata adentro. — Nossa, que horror. Essa vizinhança está muito perigosa. Tem muito bandido que frequenta essa mata. Venha até a minha casa tomar uma água e se acalmar um pouco. Joana estava com a boca seca de tanto gritar por socorro e aceitou o pedido. A vizinhança era de pessoas bem abastadas e ela o viu saindo da casa do outro lado da rua. Apesar de não conhecer o homem, a intuição dela dizia que podia confiar nele. Ela teve a impressão de conhecê-lo de algum lugar. Além do mais, estava sedenta. O solícito desconhecido abriu o portão de sua casa e disse para Joana entrar. O terreno era enorme e ela pôde avistar a casa ao fundo do terreno. Do portão até a casa, havia um caminho que margeava uma quadra de tênis. Após a quadra de tênis, Joana 38
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vislumbrou um jardim deslumbrante, um dos mais bonitos que já viu. No caminho para a casa, ela contou mais sobre o ocorrido: — Foi uma experiência terrível. Eu me livrei por pouco, por muito pouco. Eu poderia estar sendo estuprada nesse exato momento. — Infelizmente tem muita gente mal-intencionada nesse mundo — ele respondeu. — E o que mais me assusta é que eu vi a morte nos olhos dele. Ele ia me estuprar e me matar. Foi tão ruim sentir a morte de perto de novo. — Eu sei como você se sente. Você já passou por tanta coisa nessa vida. — Como você sabe? — perguntou Joana, curiosa com a afirmação. — Eu sei muita coisa sobre você — respondeu. Joana parou de caminhar e perguntou ao homem: — Como assim? Eu tenho a impressão de te conhecer, mas eu não me lembro de onde. O que você sabe de mim? — Tudo — respondeu o homem, calmamente, mas seguro de si. — Como você sabe tudo sobre mim se eu não o conheço? — perguntou Joana intrigada. — Você acabou de dizer que tem a impressão de me conhecer, Joana. — Você sabe o meu nome. Eu não te disse o meu nome. Quem é você? — Nos últimos tempos, você estudou a minha história, assistiu a filmes que falam de mim, aproximou-se de mim e não sabe quem eu sou? Joana olhou fundo nos olhos do homem e uma ideia louca veio a sua cabeça. — Não pode ser. Eu devo estar louca ou delirando — disse sem acreditar no que estava pensando. — A sua intuição, muitas vezes, diz mais do que a sua razão.
Você leu a Bíblia Sagrada, você me sentiu dentro do seu coração e da sua alma. Você ainda não sabe quem eu sou? — perguntou, soltando um sorriso meigo e acolhedor. — Você é Jesus, o meu mestre — falou Joana com os olhos cheios de lágrimas. Abraçou-o e um sentimento de contentamento tomou conta dela. Depois de dar um longo abraço em Jesus, Joana perguntou: — O que aconteceu? Eu não estou entendendo mestre. Eu morri? Eles continuaram caminhando em direção à casa. Estava um entardecer lindo, exuberante. Céu azul com dourado, laranja e rosa, num dégradé fantástico de cores. Joana estava extasiada em estar ao lado de Jesus Cristo. Eles chegaram até o pergolado que havia antes da casa. Lá havia sofás brancos e mesas de apoio de junco. Em uma das mesas, havia uma bandeja com uma jarra de água e dois copos. Jesus serviu água para Joana e para ele e convidou Joana a se acomodar no sofá, depois respondeu: — Não, você não morreu. Aquele homem foi lá para te estuprar e estava tão consumido, perturbado e drogado, que mesmo sem ter essa intenção inicial, ele ia te matar — Jesus fez uma pausa, olhou para o exuberante céu azul e se calou por alguns segundos. Joana estava sentindo várias emoções. Era uma imensa gratidão pelo livramento e uma indignação pelo que podia ter acontecido a ela. A ingênua Joana achava que nunca ia ser atacada ou estuprada. Ela nunca nem pensou nessa hipótese. Ela se lembrou do que aconteceu e sentiu raiva daquele homem e uma revolta por ele tê-la atacado. Jesus prosseguiu: — E a sua vida ia acabar ali mesmo, como tantas outras vidas de tantas meninas, mulheres, mães de família são ceifadas todos os dias em decorrência de um ataque de estupro. E isso me deixa muito, muito, muito triste. Muitas das minhas irmãs, filhas do
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nosso Pai, morrem vítimas de seus algozes, de homens estupradores, que maltratam, espancam e matam. Você, amada irmã, foi poupada do estupro e da morte porque não chegou a sua hora. E você se livrou porque você estava conectada comigo e com Deus, e ouviu os sinais. — Sim, mestre, tive a intuição de estar sendo seguida. Fiquei alerta e me virei para o estuprador bem na hora em que ele veio me atacar. Consegui, assim, impedi-lo de me imobilizar, e me livrei do estupro e da morte. — A intuição, ou sexto sentido, é inerente a todos os seres humanos. Quando a pessoa está conectada, ela ouve a intuição, o aviso, os sinais, e se livra de muitas situações dolorosas. Infelizmente, algumas pessoas não dão crédito aos sinais e acabam passando por tragédias ou situações dolorosas, que poderiam ser evitadas. — O Senhor também me ajudou quando me deu forças para empurrar o tarado para bem longe de mim, depois que eu caí de joelhos? — Não irmã. A força veio de dentro de você, veio do seu instinto de sobrevivência e da sua vontade de viver. Você usou todas as suas forças para se defender, para afastar aquele homem que ameaçava a sua integridade. A força está dentro de você, lembre-se disso. Ele fugiu com medo de você. Quando você o empurrou e ele foi parar longe, ele sentiu a sua força e temeu. E depois você começou a gritar. Você gritou o mais alto que podia e o encarou sem medo. A sua vida estava em risco e você virou bicho. Você ia partir para cima dele e ia lutar até as suas últimas forças. Você não ia se entregar e ele viu isso nos seus olhos e nas suas atitudes. Foi aí que ele se amedrontou e fugiu. — Jesus, meu amado Jesus, eu não tenho como agradecer tamanha bênção e tanto amor. Eu enfrentei aquele homem instintivamente, sem pensar. Mas, intimamente, eu sabia que
você e Deus estavam ao meu lado, protegendo-me. Eu te amo Jesus. E eu amo muito Deus, o nosso Pai. Joana deu um longo abraço em Jesus, que o retribuiu. Jesus pegou na mão de Joana e disse: — Eu e Deus conhecemos você melhor do que ninguém, Joana. Nós sabemos tudo o que se passa em seu coração. Eu te conheço a fundo, conheço cada célula sua. Você, Joana, é uma sonhadora. Acredita na bondade das pessoas, porém nem todo mundo é bom. Existem pessoas de coração ruim, pessoas que estão no caminho errado e que ainda não enxergaram que o bom é fazer o bem, que o bom é ser correto. Chegará um dia, irmã, que todas as pessoas vão enxergar essa verdade da vida e o mundo será um lugar bem melhor. Joana sorriu. O seu coração estava feliz em vislumbrar um futuro onde o bem reinará. E Jesus prosseguiu: — Eu permiti o ataque para te provar que eu estou aqui com você, e que nada e nem ninguém irá te prejudicar. Mil cairão ao teu lado, e dez mil a tua direita, mas quem tem fé não será atingido. E você tem fé, você acredita na proteção e acredita na missão que Deus te deu. O seu coração conversa com Deus e comigo, e quando você conversa com o Divino, o seu sexto sentido fica apurado e te avisa sobre coisas importantes que acontecerão em sua vida. A essa altura, Joana estava chorando copiosamente com as palavras de Jesus. Cada palavra proferida por ele tocava fundo a sua alma. Ela percebia que estava conectava com Jesus e com Deus. A cada dia, a intuição dela aumentava e a sensação de ligação com o Divino também. E Jesus continuou. — E hoje você conheceu o mal, mas continue acreditando no bem, continue acreditando nas pessoas, continue lutando por um mundo melhor. Vai demorar, mas haverá um dia em
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que todos os filhos de Deus serão pessoas de bem, fraternas e amarão a Deus acima de todas as coisas e ao próximo como a si mesmo. Esse foi o ensinamento que eu deixei. Em prol deste ensinamento, eu nasci, vivi e morri na cruz. E quando esse dia chegar, o bem terá vencido. Não haverá mais o mal, o ódio, o rancor, a agressão, as disputas, as guerras, os roubos, os estupros e assassinatos. Reinará a paz, o amor, a caridade, a compaixão, a fraternidade, o respeito e a honestidade. Joana estava enxugando as lágrimas, encantada com o que estava ouvindo e ele continuou: — Eu sei que foi muito ruim o que te aconteceu. A morte passou perto de você mais uma vez e você soube. Você sentiu muito medo, raiva e susto. O que ele fez e, principalmente, o que ele queria fazer, não se justifica. Mas eu te peço, não tenha rancor, não guarde mágoa do homem que te atacou. Ele também é filho de Deus. O tempo vai te ajudar a perdoar. — Mestre, você disse a Pedro há muitos séculos atrás que devemos perdoar até setenta vezes sete vezes. Eu não gosto de guardar mágoas. É um sentimento negativo que faz mal a quem o possui. Só que ainda é tudo muito recente para desculpá-lo. Eu fecho os olhos e a imagem monstruosa dele me atacando não sai da minha cabeça. Foi um trauma grande. Mas eu me conheço e sei que em breve eu vou superar, vou esquecer e perdoá-lo. Eu não devo julgar ninguém. — Isso mesmo minha irmã. Não devemos julgar. Todos que cometem o mal já são condenados pelo destino. É a lei da vida. Faça o bem e receba o bem, faça o mal e receba o mal. Ninguém tem como fugir disso. Todos respondem pelos seus atos, cedo ou tarde. — É verdade, Jesus. — Agora, vamos entrar em casa. Está na hora do jantar. Tem algo preparado para você com muito carinho por uma pessoa que te ama muito.
Joana e Jesus se aproximaram da casa e Jesus disse para ela ir na frente. — Entre — disse uma voz vinda de dentro da casa. Joana ficou receosa, mas ela estava com Jesus Cristo. Que mal poderia acontecer a ela? Quem era essa pessoa que a amava muito? Era uma voz de um homem que ela não reconhecia. Deu alguns passos em direção à porta, que estava entreaberta. Um cheiro maravilhoso de comida entrou pelo seu nariz, aumentando o seu apetite. Joana ouviu sua barriga roncar. Estava com muita fome, sua última refeição tinha sido há muito tempo, na hora do almoço. — Eu tenho uma surpresa para você, e várias comidas que você gosta. Não tenha medo, venha. Eu estava à sua espera — finalizou a misteriosa voz.
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Capítulo 5
O Grande Encontro
Joana abriu a porta e entrou. O cheiro bom de comida ficou ainda mais forte e se misturou com um aroma forte e muito agradável de flores. Ela se surpreendeu com o interior da casa. Era simples, mas sofisticado ao mesmo tempo. O local era clean e alegre. O branco predominava, estava nas paredes e nos pisos. A decoração era toda colorida, com objetos em cores bem marcantes. — Estou aqui na cozinha — disse a voz. Enquanto caminhava a passos curtos, Joana observava tudo ao seu redor. Havia uma sala bem ampla, com pé direto alto. A sala era dividida em dois ambientes, um de estar e o outro de jantar. No ambiente de estar, tinha dois sofás brancos em formato de L, com várias almofadas em tons vibrantes de amarelo, vermelho, lilás, azul e verde. Havia uma mesa de vidro de centro, com livros e enfeites em cima. Em frente ao sofá tinha um home theater com uma TV que mais parecia um telão, devia ter mais de 100 polegadas. Na lateral da sala de estar, havia uma lareira de aço do tipo pré-fabricada, toda preta. Apesar da temperatura amena do ambiente, o fogo estava aceso e havia labaredas altas, com faíscas que pareciam dançar. No ambiente de jantar tinha uma mesa grande, que acomodava umas 20 pessoas e um aparador igualmente grande com um belo vaso de flores. “Que tipo de pessoa tem uma mesa tão grande?”, pensou Joana. Jesus, que vinha logo atrás, deu um risinho tímido e baixo. Joana ouviu e imaginou que ele havia lido o seu pensamento sobre a mesa de jantar. 46
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Joana andou até o final da sala, atravessou um corredor, passou por três quartos, um banheiro e chegou à cozinha e ao dono daquela voz. Ela se deparou com um homem alto, negro, aparentando uns 80 anos, cabelo e barba bem grisalhos e um olhar doce, meigo e acolhedor. Ele se parecia muito com o ator de Hollywood Morgan Freeman. O homem estava em pé, encostado na bancada da cozinha, ao lado da pia, preparando três sanduíches. Ele parou de cortar os tomates e ficou parado, com a faca na mão, olhando nos olhos de Joana e sorrindo para ela. Um sorriso que a abraçava e a fazia sentir-se amparada em todas as suas necessidades. — Minha querida, venha aqui, dê-me um abraço — disse ele, enquanto colocava a faca em cima da tábua de cortar e secava a mão no avental. — Há tanto tempo eu espero por este Grande Encontro. A gente se aproximou muito nos últimos anos e eu não via a hora de te abraçar em carne e osso. Ao ouvir aquelas palavras, Joana se arrepiou dos pés à cabeça e uma grande emoção tomou conta dela. Apesar daquele homem estar ao lado de uma faca e ela nunca ter visto aquela fisionomia antes, ele não era um estranho. Pelo contrário, Joana percebia que ele era completamente familiar. Sentia que o conhecia a vida toda. A ficha caiu. Joana soube que era Ele. “Jesus me trouxe ao encontro do Pai!”, pensou. Era Deus que estava à sua frente, em carne e osso, como ele mesmo disse. Joana obedeceu ao comando e deu um longo e apertado abraço em Deus. Ao sair do abraço, ela ficou olhando para Ele com uma cara maravilhada e pensou: “Será que eu devo me ajoelhar, como eu fiz várias vezes quando eu conversava com Ele, durante a Primeira e a Segunda Grande Avalanche? Será?” Deus deu um sorriso aberto, mostrando os seus dentes brancos e perfeitos, olhou para Jesus, que também estava rindo, e disse para Joana:
— Filha, aprenda uma coisa, quando você for falar com alguém, não se coloque nem acima e nem abaixo dessa pessoa, mas na mesma posição que ela. Porque todos, todos são iguais, minha filha. Todos são filhos de Deus, todos são meus filhos — ponderou. — Mas Você definitivamente não é qualquer pessoa — comentou Joana. — É verdade, não sou qualquer pessoa. Sou seu Pai e te conheço melhor do que ninguém. Não precisa de formalidades comigo. Eu gostaria que você ficasse à vontade. Afinal, somos íntimos ou não somos? — Nós somos completamente íntimos, Pai. Eu me abro com você diariamente. Você sabe tudo o que se passa nesse coraçãozinho. — Sei mesmo, Joana. Eu sei tudo o que se passa no seu coração e na sua cabeça. Jesus se aproximou de Deus e disse: — Pai, eu posso ir levando as coisas para fora? — Claro! Excelente meu filho. Eu estou com fome. Coloca a toalha no local de sempre, por favor — disse Deus. Joana estranhou. Deus sentindo fome, assim como todos os mortais? Era muita novidade para um dia só. A conversa com Jesus e agora o encontro com Deus. Ela achava que estava delirando ou que tivesse mesmo morrido. Jesus abriu um armário e pegou uma toalha xadrez rosa com branco. Depois, separou três pratos, três tigelas, três copos, talheres, guardanapos e uma bandeja grande. Foi até a geladeira, pegou um suco de uva, uma vasilha com salada de frutas e uma torta de morango com marshmallow, a preferida de Joana. — Joana, ajude-me a levar essas coisas para o quintal. Nós vamos fazer um piquenique — disse Jesus. — Claro, ajudo sim. Eba, teremos um piquenique. Eu adoro piqueniques.
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— Nós sabemos. Por isso preparamos essa surpresa — falou Jesus, caminhando em direção a tal árvore. — Piquenique já é bom. Imagine um piquenique ao seu lado e ao lado do Pai, comendo as comidas preparadas por Ele e contemplando a natureza. Que lindo. Amei! Chegando à frondosa árvore, Jesus abriu a toalha xadrez no meio da sombra da árvore. O quintal tinha a grama muito verde e bem aparada. Havia várias árvores nas redondezas, inclusive árvores frutíferas e canteiros com uma grande variedade de flores. Dava para visualizar o rio passando ao fundo. Era um lugar muito lindo, que dava vontade de ficar horas por ali. Enquanto Deus terminava de preparar os sanduíches, Jesus e Joana levaram as coisas que Jesus tinha separado para o quintal. Eles colocaram as comidas e bebidas no centro da toalha e arrumaram os pratos, talheres e copos como em uma mesa. Na volta para a cozinha, Jesus passou o braço pelo ombro de Joana e disse: — Normalmente, nós fazemos as refeições à mesa. Resolvemos fazer um piquenique porque temos uma convidada especial que adora natureza. E hoje teremos um pôr do sol magnífico. — Obrigada por tudo, Jesus. E muito obrigada por me proporcionar esse Grande Encontro — falou Joana, dando um beijo no rosto de Jesus. Ele sorriu para ela e ambos olharam para Deus, que estava tirando uma torta de frango do forno com uma luva térmica. Ele passou correndo por Jesus e Joana, gritando: — Saiam do caminho, gente. A forma está quente! — disse correndo desengonçado em direção ao quintal, com a torta de frango na mão. Jesus pegou uma espátula para cortar a torta e disse à Joana: — Vamos comer! Está tudo pronto. Os três se sentaram sobre a toalha do piquenique. Joana iniciou a refeição com a salada de frutas. Em seguida, comeu o sanduíche, depois experimentou a torta de frango. Estava tudo
uma delícia e seu apetite estava maior do que o normal. Ela sentiu vontade de comer mais, olhou para os lados e viu que Deus e Jesus ainda estavam comendo o sanduíche. Jesus olhou para Joana com olhar maroto e falou: — Não faça cerimônia, você está entre amigos, coma mais. Na primeira vez que eu comi a torta de frango do Pai eu repeti três vezes. Ele cozinha extraordinariamente bem. Joana piscou para Jesus e não se fez de rogada. Colocou em seu prato mais uma porção generosa e comeu, enquanto conversava amenidades. Joana estava em êxtase. Estar naquele lugar especial, partilhando de um piquenique com Deus e com Jesus era maravilhosamente surreal. Se fosse um sonho, ela não queria acordar. Preferiu não fazer perguntas para não perturbar aquele momento mágico e fascinante. Ela ia deixar as coisas fluírem. Enquanto comiam, além da bela vista da natureza, eles desfrutaram da companhia dos seres da floresta. Passarinhos de duas espécies diferentes se alternavam no canto, entoando doces melodias. Eles eram absolutamente lindos, com cores vivas e chamativas, o canto deles encantava e tocava o coração. Borboletas de vários tamanhos e cores voavam circundando o local. Elas pousavam nas margaridas, verbenas, helicônias e hibiscos que haviam no jardim, alimentavam-se do néctar das flores e depois voavam na direção de Joana, Jesus e Deus, bailando ao redor deles. Várias delas pousavam na toalha, em Jesus e em Deus. Joana amou quando uma borboleta azul gigante, a sua predileta, pousou nela. O piquenique transcorreu na mais perfeita paz, como devem ser as refeições. Joana estava impressionada com a beleza e a harmonia do ambiente. Os três conversaram sobre as belezas da natureza, como a fauna e a flora locais e sobre a possibilidade de harmonia na interação do homem com a natureza. Ao final da refeição e do papo descontraído, Joana ajudou a levar tudo para a cozinha e pediu para lavar a louça.
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— A louça é minha, deixem eu me ocupar disso — Joana falou, antes que um dos dois começasse a assepsia. — Se você quer assim, filha, tudo bem. A louça é toda sua — respondeu Deus, enquanto se dirigia a um dos quartos da casa. Depois de lavar a louça, Joana foi até a sala. Da cozinha, ela podia ouvir as gargalhadas de Jesus e o barulho da TV, em uma língua que ela não reconheceu. — O que você está assistindo? — perguntou ao sentar-se no sofá ao lado de Jesus. — É uma comédia que estreou ano passado no Quênia, muito bem produzida e dirigida. Tem cada cena hilária. Eu gosto muito de assistir a filmes que me façam rir. Rir é o melhor remédio — respondeu Jesus. — Eu também adoro comédias. Rir é bom demais, deixa a gente leve e feliz. — Eu sei que você não está entendendo a língua do filme. Em dois minutos e 46 segundos vai começar a sua série predileta. Nós sabemos que você gosta de assistir a essa série depois do jantar e nós a programamos. Papai já está vindo para assistirmos juntos. Jesus mal acabou de falar e Deus surgiu em frente deles. Ele sentou-se ao lado de Joana. Na hora, ela pensou: “Isso está mesmo acontecendo?” Ela mal podia acreditar que Deus e Jesus estavam ao lado dela, esperando a sua série predileta começar. — Eles também gostam de séries de Hollywood? — pensou, intrigada. Ela não sabia o porquê de estar ali com os dois e se indagou sobre o que Deus estaria preparando para ela. Deus percebeu sua indagação mental e respondeu à Joana: — Filha, aproveita o momento. Você precisa aprender a controlar a sua ansiedade. Relaxe e aproveite o agora, sem se preocupar com o depois. O dia de hoje teve muitos acontecimentos e emoções. Você está cansada e precisa de repouso. Amanhã será um novo dia. Tenho uma surpresa que você vai gostar muito.
Veja, vai começar a série, vamos assistir. Deus e Jesus sabiam tudo sobre o desenrolar das histórias da série, parecia que eles acompanhavam desde o início. Comentavam as cenas e falavam dos personagens. Joana achou estranho o gosto por séries de TV, mas achou formidável a maneira humana como eles agiam, portando-se como dois meros mortais. Essa normalidade de ambos era deliciosa. Ao fim do Capítulo, Jesus propôs uma oração antes de todos se recolherem. Ele convidou Deus e Joana para irem à varanda. Os três fizeram um círculo e deram-se as mãos. Jesus olhou para o céu e começou a oração: — Eu entrego o meu coração para toda a humanidade. Eu oro pela paz entre os homens, pelos enfermos, pelos que sofrem, pelos que sentem fome, pelos que praticam a caridade e pelos que semeiam o amor. Eu oro também pelos que semeiam a desordem, sem atinar sobre as consequências. Eles se esqueceram de mim, mas eu não me esqueci deles. Eu espalho a alegria, levo a paz de espírito e promovo a união. Que a paz esteja presente nos corações dos homens, hoje e sempre. Amém. — Amém! — Deus e Joana falaram ao mesmo tempo. Os três se olharam, riram e se abraçaram emocionados, observando o céu estrelado. Estrelas cadentes rasgavam o céu em várias direções. Joana nunca tinha visto um céu tão lindo como aquele. Ela ficou emocionada e seus olhos se encheram de lágrimas. Aquele momento era muito especial, único e fantástico. Observar aquela beleza toda ao lado do criador e do mestre era surreal. — Obrigada Pai, obrigada por ter criado um mundo tão lindo e tão perfeito. Eu amo contemplar as belezas que você criou. Obrigada de verdade pelo céu, pelas estrelas, pelo mar, pelos rios, pelas flores, pelas plantas, pelos animais, enfim, obrigada por tudo o que você criou — disse Joana comovida.
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— O Pai caprichou mesmo, amada irmã. Eu também não me canso de contemplar suas belezas -disse Jesus, olhando para Joana. — Eu fiz tudo isso para os meus filhos, para vocês. Vocês têm tudo o que precisam, só basta amar o planeta. Quem ama, cuida. Infelizmente muitos dos meus filhos não sabem usar o que eu dou em abundância. Não respeitam a natureza, poluem e acabam causando um desequilíbrio em algumas espécies. Eles ainda não aprenderam que é fundamental preservar a natureza para que outras gerações possam usufruir o que eles têm hoje. — Eu tento fazer algo pelo planeta, Pai. Eu separo o lixo seco do lixo orgânico, eu não jogo lixo nos rios e nos mares. Pelo contrário, eu retiro o lixo que vejo. — Muito bem, irmã. Cada um tem que fazer a sua parte. Todos são responsáveis pela conservação do meio ambiente. Vamos dormir. Amanhã vocês terão um dia longo — disse Jesus. — Por que a gente terá um dia longo? Você não vai passar o dia conosco? — perguntou Joana em tom meloso. — Só uma parte. Eu te trouxe ao encontro com Deus. Agora é com vocês dois. Além do mais, eu preciso sair para ajudar pessoas que precisam muito de mim. Sabe, eu e Deus trabalhamos muito. — Que pena, Jesus. Mas eu entendo que você tem muita gente para ajudar. — Jesus, por favor, mostre a Joana os aposentos dela. — Pode deixar, Pai — respondeu Jesus. — Boa noite, minha querida. Bom descanso — disse Deus em tom carinhoso, como um pai que dá boa noite para sua filha. Joana deu um abraço gostoso em Deus e se despediu: — Boa noite, Pai, até amanhã. Jesus levou Joana até o quarto reservado a ela, que ficava ao lado do quarto dele. Eles entraram e Jesus foi até o armário, abriu e mostrou a Joana umas roupas, inclusive um pijama e uma
camisola. Depois, foi até o banheiro, mostrou onde guardava as toalhas e disse que tudo o que estava ali foi preparado para ela. Em seguida, despediu-se com um beijo de boa noite e saiu. Joana continuou no banheiro, olhando impressionada o que tinha na bancada. Havia tudo o que ela precisava. Tinha escova de cabelo, pente, escova e pasta de dente, hidratante corporal, desodorante, demaquilante, condicionador, shampoo e sabonete. Tinha um nécessaire com lápis, rímel e batons nas cores que Joana gostava. Tudo preparado com muito carinho e esmero. No quarto havia uma cama grande com lençóis brancos, cobertor rosa claro e uma colcha florida por cima. Ao lado da cama tinha um criado mudo lilás, com um abajur e um rádio relógio. Havia também o armário embutido e uma janela com cortina de voil branco. Joana tomou banho, escovou os dentes, colocou uma camisola confortável, apagou a luz e deitou. Na sua cabeça, muitos pensamentos se misturavam. Era muito louco estar naquela casa com Jesus e com Deus. Ela se lembrou do ataque e agradeceu por não ter acontecido o pior. A curiosidade em saber o que aconteceria no dia seguinte era grande, mas o cansaço também era. Depois de um tempo pensando no passado, no presente e no futuro, o sono chegou e Joana adormeceu.
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Capítulo 6
O Cineminha
Eram 7h15 quando Joana acordou. Ela estava se sentindo ótima, revigorada. Tomou um banho rápido, colocou uma das roupas do armário e foi até a sala. As vozes de Jesus e Deus vinham de lá. Ela se aproximou dos dois, que conversavam animados, e os cumprimentou: — Bom dia, meus amores. — Bom dia, flor do dia! — respondeu Jesus bem–humorado. — Bom dia, minha filha querida — disse Deus também em tom alegre. — Sente-se. Eu e Jesus preparamos tudo o que você gosta de comer no café da manhã. E realmente eles acertaram. Tinha tudo o que Joana mais gostava de comer pela manhã. A mesa estava linda e farta. Havia salada de frutas, queijo minas, cachorro quente, misto quente, tapioca de frango, ovo mexido, suco de laranja e café com leite. — Uau, que banquete! — exclamou perplexa ao se deparar com a surpresa matinal. Joana abriu um largo sorriso e agradeceu aos dois por tamanha delicadeza. Sentou-se ao lado de Jesus e provou um pouco de cada coisa. Estava tudo delicioso, tão delicioso que ela comeu mais do que o usual no seu desjejum matinal. O dia estava ensolarado. Raios de sol entravam pelas janelas da sala e aqueciam o ambiente. Joana estava tranquila, sem a ansiedade comum a ela. Estava deixando as coisas acontecerem, sem se inquietar com o que viria a seguir. O café da manhã transcorreu sem pressa e todos estavam com muito apetite. 56
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O gosto do misto quente com suco de laranja fez Joana se lembrar do seu falecido pai. Quando ela era criança, todo ano ela e o irmão viajavam para a casa do pai durante as férias escolares. Tinha uma padaria que ele costumava levá-los para comerem pela manhã e Joana sempre fazia o mesmo pedido: um misto quente com suco de laranja. Era comum ela lembrar-se do pai quando sentia aquele gosto familiar de infância. — Seu pai te ama muito — disse Jesus. Após uma breve pausa, continuou: — Ele agradece todo o amor que você deu a ele e, em especial, agradece o seu cuidado nos seis meses em que ele ficou internado, inconsciente no hospital. Mesmo sem que seu pai te reconhecesse, você ia vê-lo quase todos os dias. E toda semana você dormia ao seu lado na cadeira do hospital. Você conversava com ele, cantava para ele e o cobria de carinho e amor. Era lindo ver como você o tratava. Joana e Deus olharam para Jesus, emocionados. — Outra coisa — continuou Jesus — ele está muito orgulhoso de você, com a maneira que você agiu frente aos acontecimentos. Ele pediu para te avisar que, mesmo distante, ele sempre esteve por perto. Joana ficou comovida em saber notícias do seu amado pai, falecido há 20 anos. Lágrimas escorreram dos seus olhos e ela falou com Jesus: — Eu é que agradeço todo amor que ele me deu enquanto viveu. Ficar ao lado dele nos seus momentos finais era o mínimo que eu podia fazer por ele. Os laços que nos unem são muito fortes e eu nunca o deixaria sozinho naquele hospital. Eu o amo muito e sempre o amarei. Eu sinto muito a falta dele. Quando ele faleceu, eu fiquei muito abalada. Depois de um tempo, eu entendi que cada um tem a sua hora e o meu coração se acalmou, ficou em paz. Em momentos bons e ruins da minha vida, eu me lembro dele e, de alguma forma, eu sinto que ele faz parte daquele momento.
— Eu sei como você sofreu, minha filha. Foram muitas lágrimas derramadas — disse Deus, consolando Joana. — Eu sei também que você ficou desapontada comigo, pois você tinha fé que o seu pai iria se recuperar. Acontece que a saúde dele foi minada pelo uso abusivo do álcool. Parte da massa branca do cérebro e 90% do fígado dele foram corroídos pelo álcool. Os danos se tornaram irreversíveis. Mesmo com as suas fervorosas orações e a sua fé, infelizmente, eu não pude fazer nada minha filha. Deus olhou pensativo para fora da janela, respirou fundo, voltou o olhar para Joana e continuou: — Todos os dias, o tempo todo, eu vejo meus filhos sofrerem ao perderem seus entes queridos. Seja por doença, por acidente ou por assassinato. É sempre muito triste, mas é a vida Joana. A vida tem começo, meio e fim. É assim para todos. — É verdade, Pai — disseram Jesus e Joana ao mesmo tempo, com as vozes enternecidas. Após todos terminarem de comer, Jesus disse para Joana e Deus irem se aprontar que ele tiraria a mesa e lavaria a louça. — Se aprontar para ir aonde? — perguntou Joana. — Para ir ao cinema. Você quer assistir a um filme comigo? — perguntou Deus. — Com certeza. Eu não sei qual é o filme que assistiremos, mas eu sei que eu vou amar assistir qualquer filme ao seu lado. — Foi o que eu imaginei — disse Deus, rindo da própria suposição um tanto pretenciosa. — Obrigada, Jesus, por cuidar da louça, eu vou me arrumar — falou Joana antes de dar um beijo na bochecha de Jesus e, em seguida, sair em direção ao corredor de acesso aos quartos. — Vê se não fica horas se arrumando, viu Joana? — Pode deixar, Pai, eu vou me arrumar rapidinho — respondeu com um sorriso maroto. Ela sabia que Deus tinha dito aquilo
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porque a conhecia bem e sabia que normalmente ela demorava horrores para se arrumar. Joana escolheu um vestido branco com desenhos de folhas verdes que estava pendurado no armário. Colocou um par de brincos e um anel, também na cor verde, que achou em uma caixinha de bijuterias no banheiro. Tinha várias bijuterias lindas. Ela adorou tudo. “Eles realmente conhecem muito bem o meu gosto”, pensou. Terminou de se arrumar rapidamente e foi procurar por Deus. Ele estava na sala lendo um jornal enquanto esperava por ela. Ao se aproximar de Deus, Joana notou que ele estava lendo o jornal com um semblante triste, prestes a chorar e ficou preocupada com o sofrimento dele. Não tinha visto Deus assim antes. Ela se acomodou no sofá ao seu lado, passou a mão em seus cabelos grisalhos e perguntou: — O que houve Pai? O que você está lendo que o deixou tão triste? — Eu gosto de ler os jornais para ver quais as notícias são veiculadas. Tem uma notícia que me deixou muito triste — Deus respondeu com o rosto aflito e os olhos repletos de lágrimas. — A qual notícia você se refere? — Aquela sobre as quase 200 crianças que foram mortas na guerra no mês passado. — Pai, é muito triste ver tanta destruição e tanta criança atingida pela guerra. Dói o meu coração — lamentou Joana. Deus, que tinha deixado as lágrimas caírem e banharem o seu rosto, disse: — Filha, é muito doloroso mesmo. A guerra é cruel. Guerras me entristecem muito e fazem o meu coração arder. Divergências políticas, questões étnico-raciais, ambições econômicas, conflitos religiosos e disputas territoriais são as maiores motivações e justificativas para lutas armadas presentes na história da huma-
nidade. O sofrimento causado pelas guerras é de proporções gigantescas. Cidades e centenas de famílias são dizimadas. Eu sinto a dor de cada filho meu e são muitos os inocentes que padecem vitimados pelos confrontos. — Eu imagino como deve ser para você ver um filho sofrendo por um dano causado por um irmão — refletiu Joana. — Eu fiz os meus filhos para viverem em harmonia, não para se matarem e serem cruéis uns com os outros. Eu planto a semente da benevolência e da paz nos corações de todos, mas enquanto o coração estiver repleto de ódio, rancor e vingança, o terreno se torna árido e a semente não floresce, fica adormecida até o terreno se tornar fértil. — Não há nada melhor do que a paz. Qualquer tipo de conflito é desgastante e doloroso. Eu, que já passei por muito sofrimento nessa vida, dou muito valor à paz. Eu não gosto de brigas e de nenhum tipo de desavença. Se eu puder, vou agir para ajudar alguém, mas nunca para prejudicar. — Fico feliz por isso, filha. Você tem feito um ótimo trabalho. Você se esforça para ajudar as pessoas e fica realizada quando consegue. Eu a vi várias vezes ajudando mulheres que tiveram a mesma doença que você teve, e logo depois você chorava de satisfação e agradecia a mim por ter a oportunidade de ajudá-las. Tem muita gente boa nesse mundo, tem muitos filhos fazendo um ótimo trabalho, assim como você. E aos poucos, Joana, a humanidade caminha em direção à paz, à fraternidade e à caridade. Em breve, as pessoas vão ter a consciência que laços de irmandade as unem e começarão a se respeitar umas às outras. — Amém! Que assim seja Pai. Tem uma música que eu gosto muito que fala sobre a paz e a irmandade. É Imagine, dos Beatles. E Joana começou a cantar um trecho da música em inglês. Deus a acompanhou e cantou com ela.
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Ao término da música, eles se abraçaram emocionados. Deus piscou para Joana e disse: — Eles tiveram uma inspiração Divina para compor essa música linda. — Eu imaginei — disse Joana, rindo do próprio trocadilho. — Eles compuseram muitas músicas com letras maravilhosas. Que banda formidável! — falou Deus, mostrando sua admiração pela banda. — Eles eram demais mesmo, Pai. Eu gosto de várias músicas deles, que são emblemáticas, como Imagine. — Eles foram o grupo musical mais bem aclamado da história e eram jovens que cultivavam a simplicidade. Eu adoro a simplicidade. Ela faz a diferença nas relações humanas. Quem cultiva a simplicidade tem a facilidade de tornar leve o ambiente em que
vive. Pessoas simples não colocam a atenção no TER, mas sim no SER. Elas sabem o que verdadeiramente vale a pena. — É verdade, Pai. Eu entendi a importância do SER em detrimento do TER depois de experiências dolorosas que aconteceram na minha vida. Antes, o TER era o principal. Ter um carro melhor, ter uma casa melhor, ter mais dinheiro, ter mais status, ter mais amigos. Agora o TER que mais importa para mim é TER saúde e amor. Nos últimos anos, eu tenho me ocupado em SER. Ser uma pessoa melhor, um ser humano que contribui para a melhoria da vida de outras pessoas e ser atenta à conservação da natureza. Aprendi que o TER é uma consequência natural do SER. Enfim, eu estou tentando focar no SER. Eu sei que é melhor para a minha evolução — Joana concluiu convicta. — Muito bem. Você está no caminho certo minha filha — disse Deus demonstrando satisfação com o que acabou de ouvir. — Eu fico feliz quando focam no SER e não no TER. É claro que eu entendo que meus filhos queiram ter mais dinheiro para melhorar de vida. O problema é a ganância exacerbada de uns. É horrível a pessoa só pensar em acumular dinheiro e não ser nem um pouco caridosa. — Eu concordo. Se cada pessoa rica ou com boa condição financeira ajudasse uma família carente, seja doando uma pequena quantia mensal, uma cesta básica ou oferecendo um trabalho ou moradia, não haveria tanta pobreza e sofrimento no mundo — disse Joana, vislumbrando um mundo mais igualitário. — É verdade, minha filha. A semente da caridade foi plantada e está germinando em muitos corações. Tem muita gente boa em todos os lugares. A energia do amor, da caridade, do respeito, do perdão e da paz que as pessoas de bem emanam é o alimento do planeta Terra. É essa energia que mantém o planeta em harmonia. Os meus filhos foram criados para o bem, pois foram feitos a minha imagem e semelhança. Por
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“Imagine all the people living life in peace.. You may say I am a dreamer But I’m not the only one I hope some day you will join us And the world will be as one Imagine no possessions I wonder if you can No need for greed or hunger A brotherhood of man Imagine all the people sharing all the world You may say I am a dreamer But I’m not the only one I hope some day you will join us And the world will live as one.”
“Imagine as pessoas Vivendo a vida em paz Você pode dizer que eu [ sou um sonhador Mas eu não sou o único Espero que um dia você [ junte-se a nós E o mundo será como um só Imagine que não há posses Eu me pergunto se você pode Sem a necessidadede ganância [ e fome Uma irmandade dos homens Imagine todas as pessoas Partilhando todo o mundo Você pode dizer que eu [ sou um sonhador Mas eu não sou o único Espero que um dia você [ junte-se a nós E o mundo viverá como um só.”
isso, não importa o que aconteça, cedo ou tarde, o bem sempre prevalece. — Viva o bem! — exclamou Joana. — Viva! — Deus exclamou também. — Jesus, o meu filho que mais se parece comigo, veio a esse mundo com a missão de ensinar à humanidade a amarem-se uns aos outros. — Pai, nós não temos o coração puro como o de Jesus. Para tentar alcançar essa máxima, eu acho que todos nós temos que fazer uma reforma íntima, conhecendo-nos, conhecendo os nossos defeitos e as nossas qualidades, para tentar aprimorar as qualidades e diminuir os defeitos. Ser uma pessoa melhor é um exercício diário. Todos os dias, devemos nos esforçar para agir com o próximo como gostaríamos que agissem conosco. Tem dia que a gente consegue e tem dia que não. — Eu ouvi falar o meu nome — disse Jesus, vindo da cozinha. — Nós estamos conversando e mencionamos você e sua missão — disse Deus. — Legal. Bom, eu acabei de lavar a louça e arrumar a cozinha. Eu preciso sair. Até mais tarde gente. — Até mais tarde, Jesus. Beijo grande — falou Joana — Tchau, filho — disse Deus Deus dobrou o jornal e colocou em cima da mesa. Olhou para Joana e a convidou: — Filha, chegou a hora de irmos para o cinema. Tem um filme com uma história muito emocionante que eu quero assistir com você. — Que legal, eu adoro histórias emocionantes. — Então vamos. Nos fundos da casa tem um pequeno e belo cinema com poltronas largas e muito confortáveis. Deus foi na frente e Joana o seguiu até a entrada da sala de projeção. Depois que sentaram-se, Deus explicou: — Joana, eu te trouxe aqui para você assistir a um filme muito emocionante sobre a vida de uma filha que tem cumprido exi-
tosamente, e com muito amor, a importante missão que eu lhe destinei. Ela tem sido firme e tem resistido a muitas provas e privações em prol dessa missão. Mesmo em meio a muitas dificuldades e com poucos recursos, ela tem conseguido muito para muita gente. Após Deus falar a última frase, Joana desabou a chorar. A essa altura, ela sabia que Ele estava falando dela. Sabia que o filme era sobre a sua história e se lembrou das dificuldades que passou na vida. E Deus continuou: — Mas mesmo em meio às dificuldades que a fizeram pensar em desistir diversas vezes, sua vontade de ajudar sempre foi maior e só aumenta a cada dia. Você passou por muita coisa que tinha que passar para cumprir a sua missão, mas tenha a certeza que nos momentos mais difíceis da sua vida, eu estava ao seu lado, de mãos dadas com você, fortalecendo-te. — Eu sei, Pai. Eu sei que você nunca me abandonou. — A nossa aproximação começou quando você era pequena. A sua mãe te ensinou a rezar o Pai Nosso e a Ave Maria. Você rezava com amor, e se conectava comigo. Você foi crescendo e continuava a me ter em seu coração. O nosso contato se intensificou na Primeira Grande Avalanche. E, de repente, o filme começou e era como se Joana estivesse dentro do filme de sua própria vida, participando como observadora. O filme tem início em Sydney, na Austrália, onde começou a Primeira Grande Avalanche na vida de Joana.
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Capítulo 7
A Primeira Grande Avalanche
Joana estava procurando um apartamento maior para ela, o primo Pedro e a namorada dele, Katie, morarem. Até aquele momento, eles ocupavam um apartamento de um quarto, banheiro e cozinha, que devia ter no máximo cinquenta metros quadrados. Havia duas camas de casal, uma mesa e uma TV. O apartamento era novo, bem arejado e tinha uma mobília simples, porém bem conservada e de bom gosto. Joana e o casal tinham se mudado havia seis meses. No começo, eles gostavam de morar lá. O prédio era novo, com construção de alvenaria, piso de cerâmica branca, paredes pintadas de branco e uma janela ampla com vista para uma bela e frondosa árvore. Ficava a cinco minutos da praia de Bondi Beach, a mais famosa praia de Sydney, a maior cidade da Austrália. Mesmo o apartamento sendo novo e aprazível, eles estavam insatisfeitos com o local. O problema é que não tinham nenhuma privacidade. No imóvel havia apenas um cômodo para os três. Eles se davam muito bem e viviam em harmonia, mas Joana ficava incomodada com a falta de privacidade do casal. Uns dias antes da mudança para o apartamento novo, Joana sonhou que um dente seu quebrava e caia. Ela acordou impressionada e foi procurar na Internet o significado daquele sonho. Ao ler a explicação, sentiu um arrepio pelo corpo. Significava sinal de doença. Joana engoliu a seco, deixou o computador de lado e começou a se arrumar. Ela não 66
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queria se atrasar para o trabalho. Saiu e prosseguiu com os compromissos do dia. Depois do trabalho, Joana foi mais cedo para a escola. Ela precisava fazer o pagamento do curso de Business (Administração de Empresas) que estava fazendo na Austrália. Ela já tinha cursado um ano e ia pagar por mais um ano. O curso era equivalente a uma graduação e Joana era uma aluna muito aplicada, ela queria muito se formar no exterior, seria muito bom constar em seu currículo uma graduação na Austrália. Antes da aula começar, Joana sentou-se sozinha em uma mesa para comer um chocolate, em uma área destinada à alimentação. Enquanto comia, ela se lembrou do sonho que teve e do significado dele. Novamente, um arrepio percorreu o seu corpo e ela ficou tensa, em alerta. Sam, um colega de sala, coreano, aproximou-se e disse: — Oi Jo — era assim que Sam a chamava — você já fez a renovação do curso? Joana se desvencilhou daquele pensamento tenebroso de doença, relaxou, olhou para Sam, sorriu e respondeu: — Oi Sam, sim amigo, eu já fiz o pagamento da renovação do curso. E você? — Eu também. Seremos colegas de curso por mais um ano. — Sim, Sam, se Deus quiser — sorriu Joana. — Em breve vai começar a aula, vamos? — disse Sam acenando com a mão na direção da sala. E os dois seguiram para a aula do professor indiano bonzinho. Joana chamava o tal professor de bonzinho porque ele ficava andando na sala durante as provas, e quando via que alguém estava com dificuldade, conversava sobre a questão e dava dicas que faziam a pessoa chegar ao raciocínio correto da resposta. A aula era sobre marketing, um assunto que a atraia. Todas as aulas eram ministradas na língua inglesa. Joana tinha estudado
inglês por três meses antes de ir morar fora. Ela adquiriu boa noção de gramática e, após mais de um ano morando em país de língua inglesa, ela falava e escrevia bem em inglês. Estudar em outra língua era uma experiência desafiadora, mas Joana era dedicada e tirava boas notas. Depois da aula, Sam, Joana e a colombiana Shakira, outra colega de turma, foram a um restaurante italiano comemorar a renovação do curso. Era um restaurante grande, com decoração nas cores verde, branco e vermelho. Havia quadros, com fotos de lugares icônicos da Itália, como Roma, Veneza, Florença, Assis, Milão, Sardenha e outros lugares lindos que Joana queria conhecer. No ambiente, ouvia-se música italiana; próximo à mesa deles, em outra mesa, três italianos cantarolavam uma música típica. Eles eram expansivos e estavam bem animados. Um deles brincou com Joana, chamando-a de bella ragazza (mulher bonita), quando ela passou por eles, na direção do banheiro. Ela sorriu, mas não deu muita bola; estava ficando com um americano e não estava disponível. Um dos amigos italianos se aproximou da mesa deles. Ele estava visivelmente interessado na Shakira, apresentou-se e pediu para sentar-se à mesa. O nome dele era Gerard. Ele era francês e não italiano como todos pensavam. Ele e Shakira conversaram um pouco e trocaram telefones. Depois que o Gerard voltou para a mesa dele, Sam perguntou a amiga se ela estava a fim de Gerard. Shakira não respondeu, apenas sorriu e piscou, dando a entender que havia gostado dele. Foi uma noite muito agradável. Joana estava feliz. Ela estava comemorando três coisas muito importantes na sua vida: a renovação do curso de Business, a renovação do visto de permanência na Austrália por mais um ano e a mudança para o apartamento com vista para o mar que ela tanto sonhara. Ela chegou em casa tarde e logo adormeceu.
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No dia seguinte, um sábado, Joana não trabalhava. Não tinha ninguém em casa. Pedro e Katie tinham ido ao mercado e Joana foi tomar banho. Durante o banho, ela fez o autoexame nas mamas. Eram muitos os casos de câncer de mama em sua família e ela tinha esse hábito do autoexame ou autocuidado, como chamam na atualidade. Do lado materno, a mãe e a tia tinham tido câncer de mama. Já do lado paterno, uma tia e uma prima também tiveram a doença. Joana já tinha apalpado a mama esquerda e estava apalpando a mama direita quando sentiu um pequeno nódulo. Um arrepio percorreu o seu corpo. Naquele exato momento ela teve a intuição, ela soube que aquele nódulo era câncer. Após o banho, Joana se enxugou e tocou de novo o nódulo. Novamente, ela teve um mau pressentimento. Ela tinha outro nódulo na outra mama, que nasceu há cerca de um ano quando Joana morava na Nova Zelândia. Na época, ela tinha comentado com a mãe sobre o nódulo, que lhe disse que ela precisava ir ao médico, mas Joana disse para a mãe não se preocupar porque estava tudo bem. Ela pressentia que o nódulo era benigno. Dessa vez foi diferente, quem estava preocupada e temerosa era Joana. Ela sabia que dessa vez o nódulo era maligno. O telefone tocou. Era o primo Pedro dizendo que conseguiu umas caixas para empacotarem a mudança. Joana desligou o telefone e começou a arrumar as coisas dela e as coisas da cozinha, como os mantimentos e os poucos utensílios que eles haviam comprado. Eles iam fazer a mudança naquele mesmo dia. Pedro e Katie chegaram pouco tempo depois, conversando alto e rindo. Estavam alegres e empolgados com o apartamento novo. Joana não contou nada sobre a descoberta do nódulo e sobre a sua intuição. Os três empacotaram tudo o que faltava nas caixas trazidas por Pedro. Enquanto Pedro levava a mudança, Katie e Joana arru-
maram a casa para entregar à imobiliária. No fim do dia, eles já estavam desempacotando a mudança na casa nova, que ficava na mesma rua do antigo apartamento. O prédio era bem maior, tinha garagem coberta para o carro e lavanderia comunitária. O apartamento tinha dois quartos, um banheiro, cozinha e uma sala ampla, com uma vista espetacular para o mar de Bondi Beach. Nos dias seguintes Joana só pensava no nódulo. Ela entrou em contato com uma clínica que fazia exames. Disse que tinha um nódulo e queria saber quanto custavam os exames para saber se o nódulo era benigno ou maligno. A funcionária informou que o diagnóstico poderia ficar em 1.000 dólares ou um pouco mais. Joana tinha um plano de saúde que reembolsava somente 20% do valor gasto com os exames. Ela não tinha a quantia de 1.000 dólares, pois gastou todas as economias na renovação do curso de Business, na renovação do visto e no pagamento de seis aluguéis adiantados — uma exigência da imobiliária para a locação do imóvel. Joana resolveu se abrir com o primo. Após o jantar, ela contou para Pedro e Katie que achava que estava com câncer de mama e que precisava de 1.000 dólares para fazer os exames. Ele e Katie também tinham gasto as economias e não tinham dinheiro para emprestar para a prima. Pedro foi enfático: — Prima, liga agora para a sua mãe e pede o dinheiro para os exames. — Primo, eu não posso. Minha mãe não está bem, ela está deprimida. Eu não posso ligar para ela e dizer: “Mãe, eu estou com um nódulo que eu acho que é câncer. Eu preciso de dinheiro para fazer os exames” — disse Joana, com uma expressão triste no rosto. — É uma situação difícil — falou Katie. — É Katie, muito difícil, mas eu vou juntar dinheiro e, em breve, conseguirei fazer os exames — disse Joana esperançosa.
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Os dias iam passando e a tensão aumentando. Joana tocava o nódulo diariamente e sentia que ele estava crescendo. Era uma agonia e uma tortura para ela sentir aquilo crescendo dentro dela com a certeza, no seu íntimo, que era câncer. Ela sabia que não podia cair em depressão e procurou fazer o que a deixava feliz. Uma das coisas que Joana mais gosta na vida é ir à praia e dar muitos mergulhos no mar. Ela morava a cinco minutos da praia e ia sempre que podia. Katie também amava praia e era companhia certa para Joana que, após duas ou três horas de praia, voltava para casa sentindo-se muito melhor e com a energia renovada. Depois de dois meses, Joana finalmente conseguiu juntar a quantia necessária e agendou os exames para a mesma semana. No dia marcado, ela pegou um ônibus e foi sozinha à clínica, que ficava no centro de Sydney. Ao chegar lá, foi encaminhada para uma enfermeira chamada Jackie. Joana disse à Jackie que estava com um nódulo e que queria fazer exames para saber do que se tratava. Jackie ouviu atentamente o seu relato e, depois, fez o exame clínico das mamas, constatando um nódulo em cada mama. Em seguida, Joana foi encaminhada para outra sala e foi submetida a uma ecografia das mamas. A médica ficou calada durante a realização do exame. Ao final, ela não comentou o resultado da ecografia, disse apenas que ela teria que fazer outro exame em outra sala, a mamografia. Joana estava satisfeita em conseguir fazer os exames, mas ao mesmo tempo, estava muito apreensiva e temerosa em sair de lá com o resultado que ela intuía. Após a mamografia, Jackie — que a acompanhou na ecografia e na mamografia — disse à Joana que ela tinha um nódulo suspeito na mama direita e que teria que fazer uma biópsia na sequência. Ao ouvir aquela notícia, Joana ficou gelada, pálida e sem rea-
ção. Jackie a levou de volta para a sala do ultrassom. A médica usou uma agulha acoplada a uma pistola de biopsia para fazer a coleta do material. Joana não sentiu dor, só uma picadinha na mama. Eles explicaram que iriam examinar o material e pediram para ela esperar um pouco na recepção. Joana parecia anestesiada. Ela tentou se distrair, mas a tensão era grande. Então, fechou os olhos e se conectou com Deus. Primeiro, rezou o Pai Nosso, depois, começou a conversar com Deus e pediu força e apoio. Abriu os olhos, respirou fundo e olhou ao redor. Havia mais quatro senhoras sentadas, ela não sabia se esperavam para fazer exame, ou esperavam receber um resultado que poderia transformar suas vidas para sempre. Apesar de falar bem inglês, Joana preferiu não puxar papo com a senhora que estava sentada próxima a ela. Depois que fez a oração e conversou com Deus, estava mais relaxada, mas não sentia vontade de estabelecer uma conversa naquele momento. Preferiu pegar o celular para espairecer e começou a jogar um jogo de baralho. Passou mais de meia hora até que a enfermeira Jackie surgiu na recepção e chamou o nome dela, que prontamente atendeu ao chamado e seguiu Jackie até uma sala, onde outra médica as aguardava. Joana sentou em uma cadeira e Jackie em outra, ao seu lado. A médica se apresentou. O nome dela era Dra. Sandra. Após os cumprimentos, Dra. Sandra disse: — Joana, você veio sozinha até à clínica? — Joana sentiu um calafrio no corpo, com aquela pergunta. Balançou a cabeça de modo afirmativo e respondeu: — Sim, eu vim só. — Você tem familiares aqui? — Sim, o meu primo Pedro e a namorada dele, Katie. A minha mãe e o resto da minha família moram no Brasil — suspirou Joana, que já esperava ouvir o pior.
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— Joana, o material coletado deu positivo para câncer. Você está com câncer de mama. Nós ainda vamos fazer um teste mais demorado para saber qual o tipo do câncer. O resultado vai chegar a sua casa em dez dias. Se você quiser, pode fazer o tratamento aqui em Sydney. Eu vou te indicar um médico especialista. Cuide-se, querida, vai dar tudo certo. — Após dar aquela terrível notícia, a Dra. Sandra se despediu e saiu, deixando-a com a enfermeira Jackie. Há acontecimentos na vida das pessoas que são devastadores, como a morte de um ente querido, um divórcio, uma doença grave. Esses acontecimentos dilaceram o nosso coração, abalam a nossa vida e nos transformam. São piores que um soco no estômago. Mas por pior que seja a situação, temos que enfrentar e seguir. Algumas pessoas são emocionalmente mais fortes do que outras. A pessoa emocionalmente mais forte pode lidar melhor com essas situações dolorosas, mas de qualquer forma, é sempre muito difícil para a maioria das pessoas. Entretanto, todos os seres humanos são dotados da capacidade de superar obstáculos. Evoluímos pela capacidade inerente que temos de nos adaptarmos às mais diversas mudanças. Somos munidos de força e resiliência. Em geral, a pessoa só descobre a força e a resiliência que possui quando dela precisa. Uma coisa era Joana intuir que estava com câncer, outra coisa era ouvir que realmente estava com câncer. Ela desabou a chorar no momento em que recebeu a notícia. A enfermeira Jackie, mulher farta, abriu os braços para ela e ofereceu consolo àquela pobre menina-mulher desamparada. Ela trouxe Joana para perto de si, deitando sua cabeça em seu ombro. Joana se sentiu amparada e chorou copiosamente. Jackie ficou passando a mão na cabeça e no cabelo de Joana, repetindo: — Vai ficar tudo bem, vai ficar tudo bem.
Joana foi se acalmando aos poucos, ergueu a cabeça e, ainda chorando, agradeceu a Jackie pelo apoio. Ela nunca se esqueceu daquele gesto de acolhimento naquele momento tão difícil, o momento da revelação. Jackie entregou os resultados dos exames e o contato do médico que a Dra. Sandra indicou. Perguntou se Joana precisava de alguma coisa. Joana, que estava mais tranquila, disse que não. Despediu-se de Jackie, pagou a conta da clínica e saiu. — Filha — Deus levantou a mão e congelou a cena — Eu estava ao seu lado na clínica. Quando você orou na recepção, ao esperar o resultado da biópsia, eu fui ao seu encontro e fiquei com você. Eu estava segurando sua mão quando você recebeu o diagnóstico. Eu te consolei e te dei forças para suportar o baque da notícia. — Pai — disse Joana chorando e abraçando Deus — eu te amo, eu te amo muito, de todo o meu coração. No término do longo abraço, Deus retornou o olhar para a cena e o filme continuou. Joana foi caminhando atordoada em direção ao ponto de ônibus. Ela mal captava os acontecimentos à sua volta, parecia que estava em outro mundo. E estava mesmo. A sensação era de que um buraco sem fundo tinha se aberto aos seus pés, e que ela estava caindo, caindo sem enxergar o fim. Ela não conseguia conter as lágrimas que teimavam em lavar o seu belo rosto. Avistou o seu ônibus chegando, deu uma corridinha e chegou ao ponto a tempo de embarcar. Chegando em casa, Joana desabou a chorar copiosamente, de novo. Eram tantos os questionamentos em sua mente: “O que vai acontecer na minha vida? Será que eu vou morrer? Eu sou tão nova, tenho apenas 30 anos de idade. Quero fazer muita coisa ainda na vida, e umas delas é casar, ter filhos e formar uma família”. Eram muitos os pensamentos. Mas como ela é uma pessoa prática, tinha que agir logo. Enxugou as lágrimas, acalmou-se,
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ligou para o médico indicado pela Dra. Sandra e marcou uma consulta. Em seguida, veio a providência mais dolorosa: contar para a mãe. A Primeira Grande Avalanche chegou à vida de Joana e ela tinha que enfrentar. Enfrentar a dor do diagnóstico, o medo da morte e uma reviravolta que mudaria a sua vida para sempre. Ela pegou o telefone e discou o número de casa. O telefone tocou cinco vezes até Joana ouvir a voz da sua amada mãezinha do outro lado da linha. Ela não conseguiu se conter. Começou a chorar de novo e foi direto ao assunto. Fez um esforço para conseguir falar e disse com a voz embargada: — Mãe, eu estou com um nódulo e fui fazer exame hoje, deu que é câncer. — Joana mal terminou a fala e começou a chorar novamente. A voz do outro lado ficou muda por um tempo. Joana queria poupar sua mãe, mas não tinha como. Ela tinha que saber o que estava acontecendo. — Filha, vai dar tudo certo. Eu estou com você nessa. Eu já passei por isso e você vai conseguir também. Volta para o Brasil, vem fazer o tratamento aqui. — Acho que vou ter que voltar mesmo mãe. O meu plano de saúde só cobre 20% das despesas médicas. Eu não tenho dinheiro. Eu cheguei a marcar um médico que me indicaram, mas eu vou desmarcar. Não tem como a gente arcar com um tratamento caríssimo. Ainda bem que no Brasil a gente tem um SUS, que fornece tratamento de graça contra o câncer — disse ainda chorosa. Joana contou tudo para a mãe, o sonho com o dente que quebrava e caía, o autoexame, a certeza de que o nódulo era câncer, os exames de diagnóstico, a revelação e o acolhimento da enfermeira Jackie. Elas conversaram por um bom tempo. Maria — esse era o nome da mãe de Joana — já tinha enfrentado o câncer de mama onze anos antes. Essa “experiência” da mãe no assunto dava certa segurança a Joana. Por fim, Maria disse:
— Minha filha, fica tranquila, eu vou falar com umas pessoas sobre o tratamento e depois nos falamos. Já começa a ver as passagens aéreas para voltar ao Brasil. Qualquer coisa me liga. Eu te amo e sempre vou estar aqui para o que você precisar. Fica com Deus. E tudo congelou de novo. — Minha filha — falou Deus — eu sei que foi muito difícil para você descobrir o câncer e depois ter que contar essa notícia para a sua amada mãe. Eu fiz você ter aquele sonho com o dente e inspirei você a fazer o autoexame e a achar o nódulo. Quando você tocou no nódulo, eu soprei no seu ouvido que era câncer e você, conectada comigo, ouviu. Eu te encorajei a contar para a sua mãe e a voltar para o Brasil.
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Capítulo 8
O Retorno para Casa
O voo de volta para casa estava vazio. O assento de Joana era no meio de uma fileira com três cadeiras. Por sorte, não tinha ninguém ao lado dela. Após o jantar, ela tomou um remédio para enjoo, estendeu-se nos três assentos e dormiu a maior parte da longa viagem de Sydney, Austrália para o Rio de Janeiro, Brasil. Joana acordou com o barulho do café da manhã sendo servido nas fileiras da frente. Ela estava sonhando com Francisco, seu pai, e com seus avós, Cyro e Lilita. No sonho, os três estavam no aeroporto esperando por ela. Quando eles a viram, abraçaram-na emocionados e disseram ia ficar tudo bem. Logo depois, ela acordou. O sonho fez muito bem a Joana. Ela teve a sensação de que era um aviso, de que tudo ia dar certo no tratamento contra o câncer e de que ela estava protegida pelos seus entes amados. Além do mais, foi maravilhoso o abraço coletivo dado por aquelas pessoas que ela tanto amava e que tinham falecido há muitos anos. A aeromoça se aproximou e perguntou o que ela queria beber. Joana não era muito fã de café e optou por suco de laranja. Ela comeu o desjejum pensando no sonho, toda sorridente e confiante na vitória. Depois de se alimentar, foi ao banheiro escovar os dentes e se arrumar. Ela se olhou no espelho e achou que o seu semblante estava exalando coragem e fé. Penteou os cabelos, passou um batom e um lápis de olho e voltou para o seu assento. Joana estava animada. Em pouco tempo o avião pousaria e ela estaria de volta ao seu país. 78
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O encontro de Joana com a mãe no desembarque foi repleto de emoção. Elas estavam muito emocionadas e ansiosas por esse encontro. Fazia quase dois anos que as duas não se viam. Quando elas se avistaram, correram em direção uma da outra e deram um longo abraço cheio de afeto. Que bálsamo para Joana rever e abraçar sua mãezinha. Apesar de tudo, ela estava feliz em voltar ao Brasil e pronta para enfrentar o que viesse pela frente. Uma tia de Joana chamada Margarida — irmã de seu falecido pai — era amiga de um médico chamado Dr. Patch, que na época era diretor de um hospital público voltado ao tratamento do câncer. A tia Margarida conseguiu uma consulta para Joana com o Dr. Patch para três dias após sua chegada ao Rio de Janeiro. O Dr. Patch atendeu Joana em seu consultório particular, que fica na zona sul da cidade. Depois de olhar atentamente os exames, Dr. Patch disse a Joana que ela perderia a mama direita. Joana ficou em choque. Ela não acreditava no que estava ouvindo. Não imaginava que isso pudesse lhe acontecer. Sua mãe não precisou retirar a mama toda, só uma parte, um quadrante. Ela pensou que aconteceria a mesma coisa com ela. — E se eu não quiser tirar a mama, tem alguma outra alternativa, Doutor? — falou Joana tentando encontrar uma opção que não fosse a mutilação. Dr. Patch, médico experiente, já tinha visto muitas reações como aquela. Então, respondeu direta e sabiamente: — Sim, mas a outra alternativa não é tão eficiente para salvar a sua vida. Joana fez uma expressão de tristeza, olhou para a mãe e em seguida olhou de volta para o Dr. Patch e falou, resignada: — Se é assim, ok. Eu prefiro perder uma mama a perder a minha vida. Quinze dias após a consulta com Dr. Patch, chegou o grande dia. Joana estava contente porque iria finalmente retirar o tumor,
o câncer que crescia dentro dela. Desde a descoberta do nódulo durante o banho, em Sydney, até esse dia, o tumor cresceu demasiadamente, mais que dobrou de tamanho, e isso a angustiava muito. Na descoberta, tinha o volume de um caroço de feijão, quase três meses depois, ficou do tamanho de uma cereja. A felicidade era grande, mas o nervosismo também. Joana nunca tinha feito uma cirurgia antes. Ela entrou no centro cirúrgico e, enquanto o Dr. Patch e seu assistente não chegavam, conectou-se com Deus. Mentalmente, começou a repetir o trecho do salmo 23, que funciona como um calmante para ela: — “O Senhor é o meu pastor e nada me faltará. Ainda que eu ande pelo vale da sombra da morte, não temerei mal algum, porque tu estás comigo.” — Depois de umas dez repetições dessa parte do salmo, o Dr. Patch chegou com o assistente e o anestesista. Eles conversaram um pouco com ela e o anestesista aplicou a anestesia geral. Joana apagou. Umas quatro horas depois, acordou. Estava se sentindo bem, sem enjoo ou qualquer reação à anestesia. Foi levada para o quarto pelo maqueiro. Ela estava faminta e devorou toda a comida que lhe trouxeram, nem parecia que tinha saído de uma cirurgia. A recuperação de Joana foi melhor do que o esperado e ela teve alta no dia seguinte. Foi para casa com um dreno e uma atadura cobrindo o local operado. Joana e sua mãe estavam hospedadas no apartamento de veraneio da Tia Lili e da Sinha. Elas emprestaram o apartamento para Joana ficar enquanto estivesse em tratamento. Ao chegar ao apartamento, um sentimento de gratidão invadiu o coração de Joana. Ela deixou a bolsa e a mochila que tinha levado para o hospital no quarto. Foi até a sala falar com sua mãe, Maria, e disse entusiasmada: — Mãe, graças a Deus, deu tudo certo na cirurgia. Eu estou muito feliz por ter saído do hospital e estar em casa.
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— Que bom, filha, e eu tenho certeza de que a sua recuperação será ótima. Joana e sua mãe estavam gratas a Deus por ter dado tudo certo na cirurgia. Uma etapa importante do tratamento havia sido vencida. — Vamos almoçar? — perguntou Joana. — Sim, filha. Vou esquentar a comida. Antes de ir buscar a filha no hospital, Maria fez almoço para as duas. Elas comeram e depois Joana foi tirar uma soneca. Se sentia bem, mas tinha passado por uma cirurgia e estava debilitada e cansada. Joana acordou com sua mãe chamando-a. Era a tia Beatriz ao telefone, a madrinha de Joana. Ela contou como foi a cirurgia e agradeceu pelo dinheiro que ela tinha dado para ajudar nas despesas com a alimentação e o transporte. A sua generosa tia se comprometeu a dar uma quantia mensal enquanto durasse o tratamento. Depois da conversa com a tia, Joana foi tomar banho. Ao tirar as ataduras, pela primeira vez viu o resultado da cirurgia no espelho e gritou. Em seguida, começou a chorar desesperadamente. Era muita dor que ela estava sentindo, estava chocada com a imagem que via no espelho. Havia um corte de uns vinte centímetros onde antes havia a mama direita. Ela havia perdido todo o seio, não tinha mais volume, nem aréola e nem bico, só uma cicatriz enorme e costelas aparentes. Joana se permitiu chorar pela perda da mama por alguns minutos, na frente do espelho. Depois, entrou no banho. Enquanto a água corria sobre seu corpo, pediu forças a Deus para enfrentar o que estava vivendo e o que ainda estava por vir. Os dias foram passando e a recuperação de Joana estava melhor que o previsto. Ela tirou o dreno sete dias após a cirurgia. Com quinze dias de operada, o Dr. Patch liberou o uso da prótese
externa. Joana tinha ganhado de sua tia Beatriz duas próteses de silicone e dois sutiãs adaptados para usar pós-mastectomia. Ela passou a usar a prótese e se sentiu mais confiante, uma vez que não ficava confortável em andar pela rua, deixando que as pessoas notassem que tinha somente um seio. Além do mais, queria colocar a prótese para sair com o James, um cara que ela tinha conhecido alguns dias depois que chegou ao Rio de Janeiro Eles saiam eventualmente e Joana não queria que ele soubesse que ela estava com câncer e percebesse que tinha perdido um seio. Na primeira noite que eles saíram depois da cirurgia, Joana usou um top com a prótese por baixo e disse para James que tirou um nódulo no seio. Ele foi discreto, não fez perguntas indelicadas e deixou Joana à vontade. Foi uma noite divertida. Joana esqueceu por um tempo tudo o que estava acontecendo na sua vida. Pouco tempo depois, chegou o dia de enfrentar mais uma etapa rumo à cura do câncer: a quimioterapia. Joana chegou cedo ao hospital. Deixou os documentos no balcão da antessala da quimioterapia e aguardou chegar a sua vez. Ela estava apreensiva, com medo de passar mal, não sabia como seria a reação do seu corpo à droga. Tentou abstrair e não pensar muito nos efeitos colaterais. Joana estava conversando com a mãe quando ouviu um enfermeiro chamar o seu nome. Ela se despediu da mãe com um beijo, foi até o enfermeiro e eles entraram na sala de quimioterapia. Era uma sala grande, de uns 50 m2, repleta de poltronas e um posto de enfermagem. Tinha umas quinze pessoas, mulheres e homens, tomando medicamento venoso, acomodadas em poltronas largas e confortáveis, alinhadas uma ao lado da outra. O enfermeiro a levou para a única poltrona vazia. Ele se apresentou — seu nome era Jorge — e disse a Joana que iria buscar o medicamento. Em poucos minutos voltou com uma bandeja com utensílios de enfermagem e uma bolsa com o medicamento
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quimioterápico. Era um líquido vermelho. Ele puncionou, sem dificuldade, a veia de Joana e conectou o líquido vermelho. Joana olhou aquele líquido correndo para as suas veias e o imaginou percorrendo o seu corpo, matando todas as células cancerígenas. Sentiu uma sensação boa, um bem-estar e um sentimento de que tudo iria ficar bem. Joana tinha fé na cura, acreditava que ia ficar curada. Ela se conectou com Deus e pediu a cura do câncer. A moça ao lado puxou conversa com Joana. Ela perguntou se era a sua primeira vez, Joana respondeu que sim. Ela disse que era a sua segunda vez e que não tinha passado mal na primeira sessão, mas que o cabelo caiu quinze dias após a primeira sessão de quimioterapia. Dr. Patch já tinha avisado a Joana que isso ia acontecer, mas ela estava apavorada com essa possibilidade. Ela tinha um cabelo enorme, na altura da cintura e amava aquele cabelo. A probabilidade de o cabelo cair com o tipo de quimioterapia que Joana tomou era de 99%. Em 1% dos casos o cabelo não cai, segundo o Dr. Paty explicou. E Joana se apegou a esse 1%. Mesmo sendo uma chance muito pequena, ela teve fé que o seu cabelo não cairia. Há coisas na vida que a gente não tem como fugir. Os dias passaram e um dia Joana acordou e viu que o travesseiro estava repleto de cabelo. Ela passou a mão pelo cabelo e veio uma mecha na sua mão. Ela olhou para a mãe com cara de choro. Maria retribuiu com o olhar de mãe que queria fazer de tudo para evitar o impossível, o sofrimento da filha. Querendo acabar logo com aquele martírio, Maria disse: — Minha filha, vamos raspar logo esse cabelo. Eu chamo a cabelereira aqui em casa. É melhor assim. Você sabe que ele vai cair. — Ok, mas depois, mãe. Agora eu vou tomar café da manhã e depois vou à praia. Eu preciso de um banho de mar. Vou lá meditar e me despedir do meu cabelo.
Ir à praia era uma terapia para Joana. Ela se sentia em paz, em harmonia com a natureza e perto do criador de toda aquela beleza, perto de Deus. O dia estava ensolarado e quente. Era uma quarta-feira, dia de trabalho ou estudo para a maioria da população e a praia estava vazia. Joana foi sozinha. Estendeu sua canga na areia e sentou de frente para o mar. Ficou um tempo observando aquela imensidão azul, as ondas indo e vindo, admirando a beleza da paisagem. A água estava quentinha, convidativa. Joana entrou várias vezes no mar e deu vários mergulhos. Ela adorava nadar debaixo da água com os olhos abertos. Enquanto mergulhava, conversava com Deus e pedia força. Ela precisava de muita força para suportar tudo. Já tinha perdido um seio e agora ia perder o seu adorado cabelo. A cena congelou e o Pai interviu. — Joana, você me chamou e eu fui. Eu era um peixinho dourado pequeno que nadava perto de você. Eu posso ser invisível ou assumir várias formas, mas sempre estou por perto quando meus filhos precisam de mim. Eu estava lá te fortalecendo. Joana achou engraçado o Pai dizer que era um peixinho e soltou uma gargalhada bem alta e espalhafatosa, levando a cabeça para trás, e quando ela deu por si, a cena prosseguiu. O cabelo de Joana estava caindo demais com a água salgada. Ela deu o último mergulho. Tufos e tufos tinham caído na água nos mergulhos anteriores. Ela resolveu ir embora e terminar logo com aquela agonia de ver o cabelo caindo aos montes. No caminho de casa, passou em um salão de beleza e pediu que a cabelereira fosse até a casa dela raspar o seu cabelo. Felizmente, a cabelereira estava disponível e foi com Joana. Ao ouvir o barulho da máquina de raspar cabelo, Joana fechou os olhos e rezou. A máquina começou a raspar o cabelo no centro da cabeça e as lágrimas começaram a cair, junto com
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o cabelo. Joana não conseguiu segurar, chorou até a última mecha que caiu. Sua mãe disse que ela tinha ficado bonita careca, que ela tinha um rosto lindo e que ficava bonita de qualquer jeito. Joana sabia que era frase típica de mãe. Maria pagou a cabeleireira e Joana correu para o banheiro para se olhar no espelho. Ao se ver careca no espelho, Joana ficou desolada, sentindo-se horrorosa. Ela estava triste, mas não chorou. Já tinha chorado o suficiente naquele dia. Na mesma tarde, Joana foi até uma loja especializada para comprar uma peruca com o dinheiro que suas tias Beatriz e Fernanda deram a ela. Depois de experimentar vários modelos, escolheu uma peruca de cabelos castanhos escuros e cumpridos, bem parecida com o tom e forma de seus cabelos. Depois de comprar a peruca, Joana ficou mais alegre, sentiu-se bonita de novo e ficou com a autoestima elevada. Joana fez quatro sessões de quimioterapia. Nas três primeiras sessões ficou debilitada e enjoada, mas não ao ponto de vomitar. No dia da quarta sessão, ela passou muito mal. O enjoo era enorme, não passava de jeito nenhum, nem com o remédio fortíssimo que ela sempre tomava nos primeiros dias após a quimioterapia. Não teve jeito, Joana ficou horas agarrada à privada, vomitando. Ficou lá até não ter mais nada para vomitar. Levantou sentindo-se fraca, exaurida, foi cambaleando até a cama, deitou e dormiu. Duas semanas depois, Joana voltou ao Dr. Patch, que lhe disse que o tratamento fora um sucesso e que ela estava sem o câncer. Ele informou que tinha agendado a cirurgia de reconstrução de sua mama para fevereiro, em aproximadamente dois meses. O Natal estava chegando e Joana estava livre do câncer e liberada para voltar para casa. Ela ouviu emocionada a boa notícia e agradeceu ao Dr. Patch:
— Dr. Patch, eu nunca vou esquecer o que o senhor fez por mim. O senhor foi um anjo na minha vida. Eu agradeço primeiro a Deus e, segundo, ao sr. pela minha cura. Eles conversaram mais um pouco e Joana foi embora do hospital, com um sentimento de gratidão pela cura e de felicidade por ter acabado o tratamento. Ela estava rindo à toa, leve, em paz. Queria dividir a novidade com a mãe. Pegou um taxi na saída do hospital e foi direto para casa. Chegando lá, Joana viu que sua mãe tinha saído. Ela olhou ao redor e começou a pensar em tudo o que viveu naquele apartamento. A chegada ao Brasil depois de quase dois anos morando fora, a dor da perda da mama e do cabelo, e agora a felicidade pela cura e pelo término do tratamento. Joana começou a chorar, só que dessa vez era de júbilo, arrebatamento e gratidão. Ela se jogou de joelhos no chão, juntou as mãos em posição de oração e começou a conversar com Deus, agradecendo, emocionada, pela graça alcançada: — Pai, amado Pai, muito obrigado pela cura do câncer. Durante o tratamento eu pensei na cura, eu acreditei na cura, eu tive fé na cura, eu me alimentei do sentimento de cura e eu vivi a cura. E Você, amado Pai, me deu a cura. O Senhor é perfeito, maravilhoso e misericordioso. Me deu uma segunda chance de viver. Eu coloco a minha vida em suas mãos, Pai. Eu quero servir a Ti. Faça o que quiseres da minha vida. Seja feita a Sua vontade — disse Joana extremamente comovida, com a face banhada em lágrimas. — Amém — disse Deus parando a cena de novo. — É isso aí. É você quem decide a forma de lidar com as situações difíceis. Pode-se optar por ser positivo ou negativo, e você optou por ser positiva na sua história com o câncer. Você aceitou e confiou. Aceitar significa não questionar. Confiar significa acreditar que o que está acontecendo na sua vida está vindo para contribuir com o seu desenvolvimento e não para te derrubar.
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— Eu aceitei, sim, Pai. Eu nunca perguntei por que isso aconteceu comigo — disse Joana. — Aceitar quer dizer colocar a energia na solução e não ficar presa no problema. Quando se está diante de um problema, não se deve fugir e nem mergulhar no sofrimento, tem que enfrentar. Afinal, tudo na vida tem uma razão de ser. Nada é por acaso.
Capítulo 9
O Acidente
Joana pegou sua moto e saiu acelerando pelas ruas da sua cidade natal. Ela estava vestida com calça e casaco de couro preto. Estava sexy e sentindo-se poderosa em sua moto potente. Ela amava sentir o vento batendo em seu rosto enquanto pilotava. Era divertido e eletrizante, uma injeção de adrenalina para a habilidosa Joana, que se mostrava uma ótima piloto. Apesar das cilindradas da moto, ela andava devagar, a uns 70 km/h. Os carros a ultrapassavam, mas ela não estava nem aí. Não competia com ninguém. Estava se deliciando com aquele momento e queria aproveitar ao máximo o passeio e a sensação de liberdade que a pilotagem lhe causava. Seguia sem destino, queria simplesmente rodar, parar onde bem entendesse e curtir a paisagem. Foi em direção ao centro da cidade. Parecia feriado ou domingo, havia poucos carros na rua. Passou por uma ponte recém-inaugurada, acelerou um pouco mais e, de repente, acordou. Era um sonho. Ela queria continuar sonhando, estava tão bom andar de moto. Ultimamente, Joana sonhava constantemente que tinha moto e saia andando por aí. Era tão real, tão intenso, tão bom. Levantou da cama e foi tomar banho pensando no sonho. Ela estava intrigada com o fato de ter tido no último mês vários sonhos como este, pilotando com destreza. Ela não sabia nem passar a marcha da moto e nunca tinha se interessado tanto 88
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por motos antes. Quando tinha uns 14 anos, andou algumas vezes em mobiletes de amigas. Na época, as mobiletes estavam na moda, elas eram um tipo de ciclomotor de baixa potência — tinha somente 50 cilindradas –, chegavam aos 60 km/h, eram baixas, não tinham marcha e não era preciso habilitação de moto para dirigi-las. Joana gostava da sensação de andar de mobilete, mas cresceu e não se tornou amante de motos. Achava perigoso. Depois de tomar banho, foi arrumar a mala. Ela viajaria no dia seguinte para Trancoso, na Bahia. Suas tias Beatriz e Fernanda tinham uma casa de praia cada uma lá e ela ficaria hospedada na casa da sua tia Beatriz. Trancoso é uma cidade pequena, com praias lindas, temperatura amena, água quente e uma energia mágica no ar, típica da Bahia. É um point badalado do verão brasileiro e ela estava muito animada com a viagem, essas férias seriam bem bacanas! Enquanto arrumava a mala, Joana pensava nos acontecimentos dos últimos meses. Novamente, vinha à mente a descoberta do câncer, a partida inesperada da Austrália e as dolorosas perdas da mama e do cabelo. Foram muitas mudanças, mas ela estava feliz com o sucesso do tratamento, ela tinha saúde e sentia-se pronta para recomeçar. Fazia quase dois meses que o tratamento contra o câncer tinha acabado, ela tinha ido embora do Rio de Janeiro e voltado a Brasília, cidade onde nasceu e morou até ir viver na Nova Zelândia. Passar o Natal em família fez muito bem a Joana, sentiu-se amada e renovada. A família da sua mãe tem o costume de comemorar o Natal juntos, em Brasília. Eles são muito unidos, as tias, primas e primos vêm de vários lugares do Brasil e do exterior para a confraternização natalina. Joana ficou dois anos ausente das celebrações de fim de ano em família, foi maravilhoso estar perto dos seus familiares amados no Natal e no Ano Novo. O voo era às 9h, Joana se atrasou e quase o perdeu. Foi a última
a embarcar no avião. Depois de três horas de voo, ela chegou a Porto Seguro, a cidade mais próxima de Trancoso, com aeroporto. Pegou um ônibus e enfrentou mais uma hora de viagem até chegar ao ponto final, no centrinho de Trancoso, onde pegou um táxi em direção à casa da tia Beatriz. Era verão e a cidade estava lotada. O comércio e as ruas estavam repletos de gente e de carros. As suas tias eram vizinhas e suas casas ficavam em um condomínio a quatro quilômetros do centro da cidade, no alto de uma falésia. A vista era espetacular e Joana estava sentindo-se no paraíso. Estava viva, curada, tinha a família por perto e encontrava-se em um lugar maravilhoso. Passar o verão em um paraíso como Trancoso era tudo o que Joana precisava para se recuperar do baque que tinha sofrido com a Primeira Grande Avalanche. Os dias estavam ensolarados, com a temperatura acima dos 30 graus célsius. Joana passava o dia na praia com o primo Roberto, filho da tia Fernanda e as primas Gisele e Anne, filhas da tia Beatriz. No fim da tarde, ela voltava para casa para comer. Descansava um pouco e à noite passeava na cidade. O drama da doença tinha ficado para trás. Mesmo careca e sem a mama direita, a vida seguia e Joana estava feliz. Alguns dias depois da chegada a Trancoso, o primo Roberto apareceu com uma moto que tinha alugado para se divertir nas férias. Joana ficou alvoroçada ao ver a moto na frente dela, lembrou-se dos sonhos e da sensação gostosa de pilotar. Teve o ímpeto de se aventurar e sentir o entusiasmo que sentiu quando estava sonhando, no qual era uma motorista talentosa e confiante. Pediu para o primo para dar uma volta na moto no dia seguinte. Quando ouviu o pedido, Roberto ficou receoso pela falta de prática da prima com motos, mas acabou concordando. No dia seguinte — 6 de janeiro, Dia dos Reis Magos — Joana e Roberto foram para um descampado que havia acima da casa dele. Como Joana não tinha muita experiência, eles acharam mais
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prudente que ela pilotasse a moto onde não haveria circulação de carros e de pessoas. Joana subiu na moto e ficou um pouco insegura. A moto era alta e pesada, tinha 250 cilindradas, mas a lembrança do sonho lhe deu coragem para ir em frente. Ela ligou a moto e saiu. Deu uma volta devagar nas proximidades, como não tinha muita aptidão com as marchas, usou só a primeira e a segunda marcha. Ela estava se divertindo, mas resolveu parar porque não era habilidosa como no sonho e ficou insegura em andar mais. O rápido passeio já havia satisfeito a vontade de andar de moto e Joana foi em direção ao primo que a aguardava para devolver a moto a ele. Ao chegar perto do Roberto, Joana reduziu a velocidade e fez uma curva fechada para a esquerda, em baixa velocidade. A moto perdeu o equilíbrio e tombou, caiu em cima da perna esquerda dela. Roberto foi ao encontro da prima e levantou a moto rapidamente. Joana olhou para a sua perna e ficou chocada com o que viu: uma fratura exposta. O maior osso da perna estava para fora, na altura do tornozelo. O pé estava pendendo para o lado, preso somente pela pele. A reação instintiva de Joana foi a de dar um tapa no osso para colocá-lo dentro da perna, e o osso realmente entrou com o tapa que ela deu. Roberto olhava perplexo a cena. Disse para Joana não se mover, pegou a moto e foi em casa buscar ajuda. Joana não tinha questionado Deus quando teve o diagnóstico do câncer, mas naquele momento, ela se permitiu perguntar a Deus por que aquilo estava acontecendo, não conseguia acreditar no que estava sentindo. Ela tinha uma fratura exposta e o seu pé esquerdo estava preso somente pela pele. Era muito para ela. Tinha perdido a mama direita, estava careca, tinha finalizado a pouco tempo o tratamento contra o câncer e agora isso. Joana se permitiu chorar desesperadamente pela tragédia que acabava de acontecer.
Em minutos, o sentimento de revolta passou e ela começou a rezar e a pedir a Deus para andar novamente. O que mais importava para ela naquele momento era não perder o seu pé esquerdo. Uma mulher surgiu do nada e foi acudir a recém-acidentada. Quando a mulher viu o que tinha acontecido, sentou-se no chão de terra batida e apoiou suas costas nas costas de Joana, que ficou mais calma com a presença daquela bondosa estranha. Ela tentou puxar papo e Joana respondeu sem paciência, pois estava com muita dor e muito abalada com o ocorrido. Ela percebeu que Joana estava sem condições de conversar e começou a cantar uma música religiosa relaxante. A moça ficou com Joana até o primo Roberto chegar com o carro e o caseiro da casa. Joana agradeceu a mulher pelo apoio, ela foi um anjo que Deus colocou naquele lugar ermo. O caseiro pegou Joana no colo com cuidado e a colocou no banco de trás do carro e foram direto para o único posto de saúde da cidade. Joana estava sentindo uma dor imensa, que crescia desenfreadamente. — Filha — disse Deus, sem parar o filme da vida de Joana — eu não te deixei sozinha nesse momento tão difícil da sua vida. Eu enviei a bondosa mulher para te amparar e te acalmar enquanto o socorro não chegava. Joana, que não queria perder um minuto dessa passagem da sua própria história, limitou-se a sorrir para Deus com os olhos repletos de amor e agradecimento, e continuou observando a cena. Eles estavam chegando ao posto de saúde, pararam o carro na porta de entrada e Joana foi carregada para dentro, imediatamente o médico de plantão a atendeu. Ele tirou o seu tênis e colocou uma tala imobilizadora na perna acidentada. Joana estava com muita dor. O médico aplicou morfina e a encaminhou para uma ambulância em direção a Porto Seguro. Não tinha hospital em Trancoso e Joana precisava ser operada imediatamente.
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O primo Roberto foi com ela na ambulância. A ambulância cortou caminho por uma estrada de terra, toda esburacada. A cada buraco que passava, Joana gritava de dor e pedia para o primo segurar firme o pé dela. Depois de mais de uma hora sentindo dor, Joana chegou ao hospital público de Porto Seguro. Era hora do almoço e o médico ortopedista não estava, tinha saído para almoçar. Joana foi examinada e levada para uma sala ao lado do centro cirúrgico, onde lhe aplicaram mais morfina e a deixaram sozinha esperando pelo médico. A morfina não aliviou a dor, que só aumentava com o passar do tempo. Chegou um momento em que a dor estava descomunal, Joana estava completamente consumida pelo sofrimento. Ela, que era uma pessoa contida, urrava e implorava por ajuda. Foi quase uma hora de suplício na antessala do centro cirúrgico até que, finalmente, o médico chegou. Transportaram-na para o centro cirúrgico e o anestesista aplicou a anestesia em sua coluna. A anestesia começou a fazer efeito e a dor avassaladora que a consumia começou a passar, dissipando-se rapidamente. Enfim, ela respirou aliviada e conseguiu relaxar. Joana ficou acordada e consciente durante toda a cirurgia. Ela podia ouvir o médico conversando com os auxiliares, mas não estava prestando atenção. Sua cabeça estava longe, estava nos últimos acontecimentos turbulentos da sua vida. Estava atordoada com o que tinha acontecido; quando achava que ia recomeçar, depois de uma avalanche, veio um furacão. Ela se perguntava o porquê daquilo tudo, qual o propósito de Deus. Depois do câncer, Joana tinha colocado a sua vida nas mãos de Deus. Ela tinha amadurecido a duras penas e entendido que tudo o que acontece é para o seu aprimoramento. Compreendeu que está neste mundo para aprender, e que às vezes o caminho do aprendizado é tortuoso. Ela acreditava que tudo tinha um motivo. Naquele momento, não sabia a razão, mas sabia que
Deus estava ao lado dela e tinha fé que ia ficar bem, que não perderia o pé e voltaria a andar. — Filha — disse Deus paralisando a cena da cirurgia — você demonstrou grande evolução espiritual. Você teve um rompante de revolta contra mim, após o acidente, porém esse sentimento de revolta saiu do seu coração e você se conectou comigo, pedindo a sua recuperação. Mais uma vez você aceitou a adversidade. Você acredita que tudo na vida tem um porquê. E você está certa, em breve você saberá o motivo — falou Deus sorrindo.
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Capítulo 10
O Milagre
A cirurgia demorou duas horas para terminar. Quando tiraram o pano cirúrgico que cobria a visão de Joana, ela se assustou com o que viu. Tinha um ferro preso na sua perna. O médico explicou que ela teve multifraturas, tinha fraturado os dois ossos da perna, a tíbia e a fíbula, em 12 pequenos pedaços. Como ela teve uma fratura exposta, não poderia usar gesso até o buraco aberto cicatrizar. Até lá, teria que usar o fixador esquelético externo na perna para estabilizar a fratura. Aquele ferro provocava agonia e repulsa em Joana. Ele era preso por três pinos que atravessavam a pele e o osso dela. Os pinos eram conectados entre si por uma grande barra de aproximadamente trinta centímetros de extensão. Cobria quase a perna toda de Joana. Apesar de tudo, ela estava grata por não ter perdido o pé e nem estar sentindo dor. O médico se despediu e, depois de um tempo na sala de recuperação, Joana foi levada para o quarto. Havia três camas no quarto, duas estavam ocupadas por outras duas pacientes, a cama de Joana ficava ao lado de uma janela, de onde ela podia observar uma frondosa árvore. Era um hospital público e as acomodações eram simples. A pintura das paredes estava desbotada e descascando em alguns lugares. Ao lado de cada cama tinha um criado mudo com uma gaveta pequena e outra grande para guardar os objetos pessoais. 96
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Joana estava cansada e logo adormeceu. Acordou sentindo enjoo e uma dor de cabeça forte. A cabeça dela estava latejando, tentou se sentar na cama, mas a dor aumentou e ela teve que deitar de novo. Chamou a enfermeira para ajudá-la, mas antes que ela chegasse, Joana, não conseguindo se segurar, virou a cabeça para o lado e vomitou. Parte do vômito sujou a cama e o restante caiu no chão. Esse mal-estar, com enxaqueca forte e vômito, durou dois dias, até que um médico suspeitou que fosse uma reação à anestesia e que Joana estava sofrendo de cefaleia pós-raquianestesia. É uma complicação da anestesia que pode acontecer. O médico a encaminhou de novo ao centro cirúrgico, tiraram sangue dela e aplicaram no local da coluna, onde havia sido injetada a anestesia. Após esse procedimento, a enxaqueca e o enjoo desapareceram, para alívio de Joana. Depois de cinco dias internada, Maria veio buscar a filha, que estava de alta. Joana deixou o hospital com a esperança de voltar a andar. Ela e sua mãe foram diretamente para o aeroporto. Chegando lá, Maria providenciou uma cadeira de rodas para levar a filha até o avião. Ela não podia pisar com o pé fraturado. Da porta do avião até o seu assento, Joana foi carregada por um comissário alto, forte e bonitão. As férias tinham acabado de maneira drástica. Joana e sua mãe partiram no voo de volta a Brasília. No mesmo dia de sua chegada em Brasília, Maria alugou duas muletas para Joana, que logo aprendeu a se locomover usando o apoio. O que mais a incomodava era o fixador externo, principalmente para dormir e para tomar banho. Outro inconveniente eram as dores recorrentes que Joana sentia na perna. Parecia que uma corrente elétrica incômoda ficava passando pela sua perna. Era doloroso, mas suportável. Os dias foram passando e a habilidade de Joana com as muletas ia aumentando. Ela fazia de tudo usando a muleta. Cozinhava, saia para passear com as amigas, ia para festas, ao clube, ao par-
que e a qualquer lugar que a chamassem. Sua vida social ficou bem agitada, sentia-se bem e queria aproveitar a vida e a terceira chance que Deus deu a ela. A recuperação estava indo bem. Inicialmente, ela tinha que fazer curativo de dois em dois dias, em uma clínica particular paga por sua tia Fernanda. Com o passar do tempo, o período entre um curativo e outro foi aumentando. Joana achou que tudo estava evoluindo corretamente até que, dois meses depois do acidente, o ortopedista olhou preocupado para o buraco da perna. Ele fez uma limpeza maior do que a habitual, limpando lá no fundo, raspando o osso. Joana sentiu uma dor imensa, mas aguentou firme. Depois que finalizou o curativo, o médico olhou para Joana e falou: — Tem uma infecção local que não está regredindo. Ela pode evoluir para uma infecção generalizada e você vir a óbito. Se continuar assim, vamos ter que amputar a sua perna. Joana olhou para o médico com os olhos arregalados e disse: — Doutor, eu tenho fé que a infecção vai regredir. Eu não vou morrer e nem vou precisar amputar a minha perna — respondeu segura do que dizia. — Tomara. Eu vou prescrever outro antibiótico para você tomar — disse o médico, em tom cético. No percurso de volta para casa, Maria dirigia com uma expressão facial tensa. Joana olhou para sua mãe e disse: — Mãe, eu tenho fé que eu não vou perder o meu pé, e muito menos morrer. Deus vai fazer essa infecção acabar e o buraco da minha perna vai fechar. Eu tenho certeza mãe. — A sua fé move montanhas, filha — respondeu Maria esperançosa. A noite chegou. Joana jantou uma sopa feita por sua mãe. Depois, assistiu um pouco de TV com ela, na sala, e foi se recolher. Antes de dormir, Joana conversou com Deus:
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— Pai, eu lhe imploro, poupa o meu pé. Eu quero muito voltar a andar com minhas próprias pernas. Por favor, Pai, ouve o meu apelo, faz essa infecção sumir, faz o buraco fechar — disse, rezando em voz alta. Joana foi dormir convicta que seria abençoada por Deus. Ela acreditava piamente que sua vida seria poupada e seu pé seria poupado da amputação. Essa convicção se comprovou verdadeira dias depois, nas consultas com o ortopedista. Ele constatou que a infecção estava regredindo, até sumir em alguns dias. Quando observou que Joana tinha vencido a infecção, ele deu o veredito: — Joana, eu estou admirado. Você teve sorte, a infecção desapareceu e não precisaremos amputar o seu pé. Joana riu sarcasticamente. — Sorte não, Doutor, eu tive fé. O poder da fé em Deus, no Pai, é sem limites. Faz coisas maravilhosas. — Eu fico feliz. O buraco está quase fechado e em breve você poderá fazer uma cirurgia para retirar o fixador externo e colocar um gesso. Após algumas orientações do ortopedista, Joana se despediu e saiu do consultório eufórica com a notícia. Intimamente, desde o acidente, ela sabia que tudo ficaria bem. Mesmo quando foi informada da possibilidade de perder o pé e até mesmo perder a vida, ela acreditou verdadeiramente que nada disso iria acontecer. Agora, era certeza que a intuição dela era verídica. Ela estava livre da infecção. “Que bênção, depois de tanta turbulência. Muito obrigada, meu Pai”, pensou enquanto aguardava o elevador chegar. Dois meses depois, Joana voltou ao centro cirúrgico para a retirada do fixador externo. Foi uma cirurgia simples e ela teve alta no mesmo dia. Saiu do hospital com o gesso na perna e achou formidável se livrar daquele ferro incômodo depois de
quatro meses de uso. Quando o gesso secou e ela pôde dar os primeiros passos, sentiu uma imensa alegria por andar sem o auxílio das muletas. Um mês após a cirurgia, Joana voltou ao médico para ver como estava a consolidação da fratura. Fez um exame de raio X e o médico disse que a fratura não tinha consolidado, ou seja, o osso não tinha colado. No mês seguinte, foi a mesma coisa. E nos outros meses também. O médico não dava prognóstico, só afirmava que a fratura não tinha se consolidado e pedia para Joana voltar no mês seguinte. Enquanto a perna não colasse, ela não poderia tirar o gesso. Já tinham se passado nove meses desde o dia do acidente e o médico não dava nenhuma previsão de melhora. Joana resolveu pedir a opinião de outros dois médicos ortopedistas. Um deles disse que ela tinha que operar e colocar uma placa na perna. O outro disse que se ela tirasse o gesso, sua perna iria desabar. Todos os diagnósticos não foram positivos e nem animadores. Ao chegar em casa depois da terceira opinião médica desfavorável, Joana preparou o jantar, refletindo sobre as três opiniões médicas divergentes, sentia-se prostrada e confusa. Dos três médicos, aquele que a acompanhava há meses era em quem ela confiava. Ele era considerado um dos melhores ortopedistas da cidade, se ele não tinha previsão de quando a fratura iria se consolidar, e os outros médicos tinham prognósticos incertos, o problema era grave e só um milagre poderia resolvê-lo. Era isso. Joana chegou à conclusão que só com um milagre sua perna colaria. Mais uma vez, ela precisava da intervenção de Deus em sua vida. Joana procurou na internet locais que realizavam cirurgias espirituais. Ela descobriu relatos impressionantes de cura feita por um médium que atende em uma cidade a 100 km de distância da casa dela. Viu que até a famosa apresentadora de TV ameri-
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cana, Oprah Winfrey, foi lá conhecer o trabalho do tal médium. Joana tomou a decisão de ir ao local em busca da cura para a grave fratura. Ligou para Helena, sua amiga há 20 anos, e pediu que ela a levasse até lá. Helena disse que não poderia se ausentar do trabalho no momento, mas que poderia ir em 15 dias, no dia 22 de outubro. Nos dias seguintes Joana focou seu pensamento na cirurgia espiritual que aconteceria no dia 22. A cada dia que passava, a sua fé na consolidação da fratura aumentava. Ela ficava fantasiando que sairia da sala da cirurgia espiritual sem o gesso, com a perna recuperada e pronta para andar. Cantava, várias vezes ao dia, o refrão de uma música da banda Jah Live, que se tornou o seu mantra. O refrão era assim: “Levanta e anda, a sua fé te curou. Levanta e anda, com a tua fé”. Não que Joana estivesse sentada em uma cadeira de rodas, mas o significado era simbólico para ela. Significava o milagre pela fé. A fé na cura da fratura se tornou tão grande que Joana fazia questão de dividir isso com as pessoas. As mais próximas, as que conheciam a fé dela, ficavam entusiasmadas. As mais crentes acreditavam mesmo que o milagre poderia acontecer. Quando perguntavam como estava a sua perna, Joana respondia que iria tirar o gesso depois do dia 22. O Rodrigo, cunhado de Joana, conhecia o seu drama e, um dia, ele e a Sofia foram visitar Joana. Durante o papo entre eles, ela contou que tiraria o gesso no dia 22. Rodrigo ficou intrigado com tal alegação e perguntou: — Joana, você me disse que da última vez que você foi ao médico, ele falou que a sua perna não tinha colado, e pediu para você voltar no mês seguinte. Os outros médicos te deram um prognóstico melhor? — Não, pelo contrário, um dos médicos disse que se eu tirasse o gesso a minha perna desabaria e o outro, que eu precisava colocar uma placa de titânio — respondeu.
— Então, o que aconteceu? — Aconteceu que eu vou fazer uma cirurgia espiritual no dia 22 e tenho certeza que a minha perna vai colar — objetou segura do que estava falando. Rodrigo soltou uma gargalhada e disparou: — Eu não acredito, Joana. Você só pode estar louca. — Louca nada, eu estou é repleta de fé. Você sabe o que é isso? Eu acho que não — retrucou, debochada. — Que fé o quê Joana. Como será essa cirurgia espiritual? — Eu não sei ainda. Pelo que eu pesquisei, muitas das cirurgias espirituais não precisam nem de corte. Rodrigo deu outra gargalhada estrondosa e questionou: — Então, como é que você vai saber se sua perna vai estar colada? — Eu não sei. Eu só sei que eu tenho médico no dia 24 e o exame de raio X vai comprovar o que eu estou falando. Rodrigo permaneceu incrédulo, dizendo que não acreditava. Para colocar fim aos comentários contrários do marido, Sofia chamou a todos para saborearem o lanche que haviam trazido. Eles comeram, conversaram mais um pouco e foram embora. Sofia pediu a Joana que lhe desse notícia depois da ida ao médium. Joana não se importava com a descrença de alguns, pelo contrário, isto fortalecia ainda mais a sua inabalável crença. O que importava era a sua fé, a sua certeza que o milagre aconteceria. Na noite anterior à ida ao médium, Joana conversou com Deus antes de dormir, como de costume. Só que nessa noite, a cumplicidade entre os dois era ainda maior, a conexão estava profunda, intensa. Joana sentia Deus ao lado dela e sentia o milagre, a graça se aproximando. Com os olhos fechados e o coração repleto de amor, ela falou com Deus: — Pai, amanhã será um dia muito especial. Um dia de milagre, um dia de vitória, um dia de mudança. Eu acredito que o
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Senhor reserva o melhor para mim e acredito que a glória está ao meu alcance. O Senhor é o meu pastor e nada me faltará. O justo vive pela fé e a fé é o meu alimento. É o combustível da minha vida. Amanhã, o Senhor realizará o milagre pelas mãos do médium. Eu acredito, Pai. Infeliz é aquele que não acredita nos seus milagres. Joana foi dormir sentindo um êxtase e uma comunhão total com Deus. Ela não entendia o que estava sentindo. Não entendia como podia ter tamanha certeza que a perna iria colar, mesmo sem nenhuma previsão médica. Ela não entendia, mas sentia. E esse sentimento era tão grande, tão intenso, que a dominava por completo. Na manhã seguinte, acordou, tomou café da manhã e logo a amiga Helena chegou para levá-la ao médium. Joana estava serena, sem a usual ansiedade. Parecia que tinha tomado um calmante, mas ela nunca fez uso desse tipo de medicamento. A viagem foi tranquila. A estrada tinha poucos carros e elas chegaram ao destino no tempo previsto. A cidade onde o médium atende é pequena, deve ter uns dez mil habitantes, no máximo. Elas pediram informação na entrada da cidade e chegaram facilmente ao local. A casa onde o médium faz os atendimentos fica em um terreno grande, em frente a um vale. Tem o prédio principal, uma lanchonete, uma livraria e um local para orações, meditação ou descanso, com uma bela vista do vale. Todas as construções são pintadas de branco e azul. Na entrada do prédio principal, onde são realizados os atendimentos, tem uma área externa com várias fileiras de cadeiras. Nesse local, são dadas as boas-vindas aos presentes e feitas as orações de abertura. A Casa funciona como um hospital espiritual e templo ecumênico, onde todos são bem-vindos, independentemente de suas convicções ou crenças religiosas. Nem todas as pessoas neces-
sitam de cirurgia espiritual. São vários os tipos de tratamentos realizados na Casa, o médium é quem decide qual o tratamento adequado para cada pessoa. Após as orações de abertura, as pessoas começaram a ser chamadas pelo número. O número da ficha de Joana era o 26. Estava lotado. Tinha mais gente do que cadeiras, mas como Joana estava com a perna engessada cederam um lugar para ela. Sua amiga Helena teve que aguardar em pé. Joana esperou uns 30 minutos até chamarem o seu número. O médium estava vestido todo de branco, sentado em uma poltrona. Aparentava ter cerca de 70 anos. Havia três ajudantes em pé, ao lado dele, todos também de branco. Joana se aproximou, extremamente emocionada. O médium olhou nos olhos dela e disse que ela precisava passar por uma cirurgia espiritual sem corte. Ela foi encaminhada por um dos ajudantes para uma sala ao lado, que tinha quatro fileiras de cinco cadeiras. Joana sentou na segunda fileira. Outras pessoas também foram direcionadas para a mesma sala e ocuparam as outras cadeiras. Uma mulher que trabalhava no local fechou as portas. Joana observou o local. As paredes eram brancas e a luz natural entrava pelas janelas e por uma clarabóia no teto. Joana fechou os olhos e se deixou tomar pela sensação de paz e de bem-estar que permeava o ambiente. Respirou fundo e absorveu o aroma de rosas que perfumava o recinto, apesar de não haver nenhuma flor na sala. Começou uma oração do Pai Nosso, liderada por uma voz feminina aveludada. Depois da oração, a mesma voz feminina disse que a cirurgia espiritual começaria. Ela pediu para os presentes ficarem de olhos fechados e explicou que não haveria corte, que a cirurgia se daria no momento do passe. Após as explicações, duas outras vozes deram início a uma linda canção.
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Joana estava de olhos fechados, mas sentiu o momento no qual alguém se aproximou dela para aplicar o passe. Ela começou a rezar mentalmente o Pai Nosso enquanto recebia o passe. Joana sentiu uma energia fabulosa, uma sensação maravilhosa de bem-estar e de leveza, misturada com uma corrente elétrica que percorria todo o seu corpo. Sentiu um calor no local da fratura e agradeceu a Deus. Ela sentiu que naquele instante a sua fratura se consolidara, tinha colado. A sessão terminou pouco tempo depois com a oração do Pai Nosso, seguida de palavras de agradecimento. Joana saiu da sala grata e pronta para recomeçar. Sentiu que a fase do drama da perna tinha ficado para trás e que uma nova etapa de sua vida tinha começado. Ela procurou a amiga Helena, fizeram um lanche na lanchonete e pegaram a estrada de volta para casa. No caminho de volta, Joana contou para Helena como foi a cirurgia. Confidenciou à amiga que fantasiou que sairia de lá sem o gesso, andando normalmente, como antes do acidente. Mesmo que tudo não tivesse acontecido da forma que ela imaginou, Joana continuava com a fé inabalável e reafirmou para Helena a sua crença de que a perna estava colada. Era começo da noite quando Helena deixou a amiga em casa. Joana estava cansada da viagem, mas muito feliz por tudo o que havia acontecido nesse dia tão importante da sua vida. Dia 22 de outubro de 2008, quarta-feira, o dia do milagre. Dia que ficará guardado na memória dela pela vida toda. Joana foi tomar banho antes de dormir, cobriu a perna engessada com um plástico para não molhar o gesso, entrou no box do banheiro e sentou na cadeira. Desde o acidente, há dez meses, que ela toma banho sentada em uma cadeira, com a perna apoiada em um banco. Isso a incomodava, não via a hora de tirar o gesso e tomar banho em pé. Desejava sentir a água percorrendo no seu corpo e, principalmente, na sua perna.
Após o banho, Joana foi se deitar. Rezou e agradeceu ao Pai pela bênção que sabia que tinha recebido. Em dois dias, ela iria ao seu ortopedista. O exame de raio x comprovaria o que ela sentia em seu íntimo, em seu coração. Joana adormeceu pensando em como a vida é maravilhosa e como Deus é perfeito e misericordioso. Um Pai amoroso, que opera milagres todos os dias na vida de seus filhos. Sexta-feira chegou. Joana acordou alegre e de bom humor, cantarolando suas músicas prediletas. Ela se arrumou, tomou um iogurte e foi sozinha, de táxi, para o hospital, para a consulta com o ortopedista. A sala de espera estava lotada, devia ter umas 12 pessoas na frente dela para serem atendidas. Era sempre cheio e ela já tinha se acostumado a esperar mais de uma hora na antessala. Puxou papo com as outras pessoas e, assim, o tempo passou rápido. Quando Joana ouviu chamarem seu nome, sentiu um arrepio: era a hora da verdade. Ela tinha feito o raio X quando chegou ao hospital e, com o resultado em mãos, olhou a imagem. Notou que tinha uma mancha branca nos ossos e imaginou ser a tal consolidação da fratura. Somente o médico poderia afirmar, pois o exame era de urgência e foi entregue sem laudo. Joana entrou na sala, cumprimentou o médico e entregou a ele o exame. Ele olhou atentamente a imagem, girou e observou sob outro ângulo até, finalmente, emitir sua opinião: — Extraordinário! Eu não sei o que aconteceu. De repente, a sua fratura consolidou totalmente. Os olhos de Joana se encheram de lágrimas ao ouvir aquela tão esperada notícia. Ela juntou as mãos, olhou para cima e disse, comovida: — Obrigada meu Deus, muito obrigada Pai. Eu sabia! — ela voltou o olhar para o médico e disparou — Doutor, eu sabia, eu sabia que isso ia acontecer. Na última consulta, o senhor disse
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que a minha fratura não tinha consolidado e eu fiquei muito abalada. Já tinham se passado nove meses e nada da fratura consolidar. E o pior, o senhor não me deu uma previsão de quando isso poderia acontecer. Então, eu me apeguei com Deus, acreditei no milagre e fiz uma cirurgia espiritual com um médium. Graças a Deus, eu fui abençoada com o milagre. O médico ficou olhando, incrédulo, para Joana, que continuou: — E agora Doutor, o que vai acontecer? — Você vai tirar o gesso e reaprender a andar. Eu vou te prescrever o uso de uma bota ortopédica para os próximos 15 dias. Você perdeu musculatura de sustentação e a sua perna está fraca. A bota vai te ajudar a andar. Você precisar fazer exercícios com o pé, girando-o para cima, para baixo e para os lados. Eu vou te prescrever, também, dez sessões de fisioterapia. — Que alegria, Doutor. Nossa, eu estou muito feliz. Muito obrigada por tudo. Foram meses de convívio, aguentando minhas perguntas. A propósito, eu estou de alta? — Sim, você está de alta. Volte daqui a seis meses só para vermos como está a sua recuperação. Outra coisa, por consequência do tipo de multifraturas que você teve, a sua perna encurtou dois centímetros. Não é muito. Muitas pessoas têm diferença de um centímetro ou menos, de uma perna para outra, e não se dão conta disso. Vou te receitar uma palmilha para usar. Você pode também levar o sapato ao sapateiro para ele fazer a adaptação. Joana ficou chocada. Ela tinha notado quando colocou o gesso que a perna engessada ficou quase que da mesma altura da outra perna, mesmo o gesso tendo um saltinho. Mas na ocasião, ela não deu bola, não pensou que a sua perna fraturada estivesse menor que a outra. Ficou alguns segundos chateada com a notícia, mas depois levantou a cabeça, olhou para o médico e disse categórica:
— Tudo bem doutor. A fratura foi muito grave. Dos males o menor. Pelo menos a fratura consolidou e eu vou voltar a andar. É isso o que importa. — Muito bem Joana. Aqui estão as receitas da bota ortopédica e da palmilha. — Obrigada Doutor — disse Joana levantando da cadeira e apertando as mãos do médico. — Tudo de bom para o senhor. Tenha um ótimo final de semana. — Obrigada, para você também Joana. Joana deixou o hospital radiante. Ela comprou a bota ortopédica na farmácia ao lado do hospital. Chegando a casa, percebeu que a batata da perna que tinha sido fraturada estava bem mais fina do que a outra. E o pior era que o seu pé estava duro, quase não se movia. Joana não se abateu, sabia que em breve retomaria a musculatura e, principalmente, boa parte do movimento. Em dois meses, Joana já estava andando com desenvoltura. Ela conseguia até dar uma corridinha. A sensação de andar sem o gesso era maravilhosa. Só quem perde a mobilidade sabe como é bom ter uma coisa tão simples na vida, que é a capacidade de caminhar e de correr. Uma semana depois, Joana sentiu vontade de ir à igreja agradecer a Deus pelo milagre. Ela foi até uma igreja perto de sua casa, que ela frequentou várias vezes na infância, em companhia de sua mãe e de sua avó Irene. Fazia tempo que Joana não ia lá e ficou emocionada quando entrou na bela igreja. Tinha boas lembranças de lá. Ela olhou a sua volta, havia duas pessoas na igreja, sentadas, rezando, cada uma em um canto diferente. Joana sentou-se distante delas, fechou os olhos e começou a rezar. Agradeceu a Deus, com amor e gratidão no coração: — Amado Pai, eu estou aqui para Te agradecer pela bênção recebida, pelo milagre que operaste na minha vida. Eu pedi a Ti e acreditei que a minha perna ia colar na cirurgia espiritual e ela
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colou. Foi feita a Sua vontade, eu sei que Você existe, Pai. Eu não posso vê-lo, mas posso Te sentir perto de mim. Eu sei que Você está sempre ao meu lado, fortalecendo-me nos momentos difíceis da minha vida. Deus interrompeu a cena na igreja e falou para Joana: — O Pai não abandona seus filhos, Joana. Eu sou onipresente. Eu estou com todos o tempo todo. Milagres acontecem todos os dias para os que têm fé. E você teve fé, acreditou e foi em busca do milagre. O médium foi um meio de conexão da sua fé com a essência Divina, comigo. A sua fé fez o milagre acontecer, a sua fé fez a fratura consolidar na cirurgia espiritual. A fé tem poder inimaginável para o entendimento humano. A fé é poder. — Eu aprendi tanta coisa nessa vida, inclusive o poder da fé. Obrigada por ser um eterno professor, que nos ensina a viver. — Um dos propósitos da vida é aprender. Aprender para evoluir com o aprendizado e mudar atitudes, mudar sentimentos, mudar paradigmas e valores. O ser humano aprende todos os dias, do momento em que nasce ao dia que morre. Quando os meus filhos estão no caminho errado, a vida se encarrega de ensinar. Você, por exemplo. Hoje você está conectada comigo, mas você já andou por caminhos equivocados. Você era muito centrada na sua individualidade, mas a vida te fez mudar de rumo e fez você deixar de olhar somente para si e olhar para o próximo. A vida fez você desenvolver e praticar a caridade, em sua forma mais despretensiosa.
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Capítulo 11
Histórias de Ativismo
Em meados de julho, Joana estava empolgada e tensa porque iria fazer a primeira cirurgia de reconstrução da mama no dia seguinte. A felicidade em reconstruir sua mama era grande. Fazia dois anos e duas semanas que ela teve a mama extirpada, porém, mesmo assim soube viver relativamente bem, durante esse período, com um seio só. Usava uma prótese de silicone sempre que saia à rua ou quando estava com um namorado. Joana era bem-resolvida. Não se privava de uma vida social e amorosa, mas sentia que faltava algo. Ela se olhava no espelho e se via bonita, mas a ausência do seio direito doía fundo na alma dela. Em várias ocasiões nesses dois anos, Joana ficou deprimida por ter somente um seio, mas a tristeza não durava muito. Quando a tristeza chegava e fazia ninho em seu coração, ela recorria a Deus. Joana orava e se abria com ele, contava sobre a sua dor e pedia para Deus ajudá-la. Ao desabafar com Ele, chorava e deixava a dor se esvair com as lágrimas derramadas. E assim foi enfrentando dia após dia. Dias, meses e dois anos se passaram até que, finalmente, o seu martírio estava acabando. Joana estava temerosa com a operação. Ela não era nenhuma estreante em cirurgias, já tinha feito três, uma para retirar a mama, outra para colocar o fixador externo na perna e a última para retirar o fixador externo. Acontece que essa cirurgia seria muito mais extensa e complicada. O cirurgião plástico iria utili111
zar um retalho de pele e de músculo das costas dela para criar o volume da mama, além de colocar um silicone para preencher a mama que seria reconstruída. A previsão do médico era de oito horas de cirurgia. A funcionária do hospital ligou e pediu à Joana que chegasse ao hospital após o almoço. Depois que desligou o telefone, Joana acabou de arrumar a maleta que iria levar. A campainha tocou e Maria foi atender, eram Sofia e Eduardo, irmãos da Joana. Eles vieram almoçar com ela para dar força e apoio nesta data importante da vida da irmã mais velha. Maria tinha comprado lasanha e frango assado. Depois que Sofia e Eduardo chegaram, Maria terminou de arrumar os pratos na mesa e chamou a todos para a refeição. Joana se distraiu com os irmãos e se esqueceu da cirurgia durante o almoço. Ela conversou sobre o trabalho novo da irmã e sobre as façanhas do sobrinho Arthur, seu amado afilhado de dois anos. O Eduardo contou as novidades sobre o seu negócio, ele tem uma pequena loja que vende bicicleta e artigos para ciclistas. Joana se sentiu segura e acolhida com a presença e o apoio da família. Após o almoço, Joana foi com Maria para o hospital. Ao chegar lá, deu entrada nos papéis da internação e depois foi para o quarto. O hospital era público. Joana foi encaminhada para um quarto com duas camas. Por sorte, o outro leito não estava ocupado, o que deu mais privacidade a ela e à família. O quarto estava recém-reformado. O mobiliário era novo, a parede parecia recém-pintada. O banheiro era limpinho e cheiroso. Joana se aproximou da janela e se deparou com uma bela vista do Lago Paranoá, famoso lago de Brasília. Ela adorou o local. O único problema é que não tinha TV. Então, ela pediu para a mãe buscar uma TV pequena que tinha em casa. Pouco tempo depois de acomodada no quarto, o cirurgião plástico de Joana, o Dr. Edmilson, chegou para fazer a marcação
no corpo dela, particularmente da área das costas, que iria cortar para fazer o retalho da mama. Ele utilizou uma caneta especial para fazer esta marcação. Joana perguntou se poderia tomar banho e ele respondeu que sim, pois a tinta era a prova d’água. Dr. Edmilson deu as últimas orientações, despediu-se e foi embora. Joana estava ansiosa para saber como ficaria a nova mama. Uma parte extirpada do seu corpo seria reconstruída. A medicina e as técnicas cirúrgicas evoluíram muito nos últimos anos. Ela estava certa que havia feito uma ótima escolha quanto ao médico. Dr. Edmilson não era Deus, o criador, mas era um profissional muito qualificado e Joana tinha esperança que ele iria criar um seio bem parecido com o outro. Por dois meses, ela fez uma pesquisa sobre os melhores cirurgiões plásticos de Brasília, o nome do Dr. Edmilson foi um dos nomes que se destacaram. E o melhor, ele era do serviço público e a cirurgia sairia de graça. Ainda bem que no Brasil nós temos um Sistema Único de Saúde, o SUS, onde a saúde é gratuita. Caso contrário, Joana não conseguiria fazer a reconstrução da mama. Ela irá precisar fazer três cirurgias para finalizar a reconstrução da nova mama. Cada cirurgia custa, em média, 15 mil reais e ela não dispõe desse dinheiro, mas estava prestes a fazer a cirurgia em um hospital público que é referência em cirurgia plástica, em Brasília. Joana conseguiu uma consulta com o Dr. Edmilson seis meses antes. Ele solicitou exames pré-operatórios, os quais fez rapidamente. Depois de alguns meses de espera, ela foi chamada. No dia seguinte, mais uma importante página estaria virada em sua vida. Uma nova fase se iniciaria. Joana custou a dormir. A excitação por causa da cirurgia a deixou agitada e sem sono. Ela conversou com Deus até o sono chegar e ela adormecer. Teve uma noite tranquila e acordou às 6h, bem-disposta e pronta para a cirurgia. Joana se deparou com uma vista deslumbrante do sol nascendo. O céu estava amarelo
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e dourado, era Deus demostrando a beleza de sua criação. O maqueiro veio e a levou ao centro cirúrgico. No caminho, o nervosismo foi chegando, aumentando e querendo tomar conta dela. Joana não deixou e lutou contra esse sentimento negativo, cantando mentalmente o trecho de uma bela canção, de autoria de Carmen Silva:
Conforme cantava a música, Joana imaginava Deus segurando suas mãos e andando ao seu lado, em direção ao centro cirúrgico. Ela foi se acalmando e chegou serena ao centro. Cumprimentou o Dr. Edmilson e o anestesista. O anestesista puncionou a veia dela e aplicou um medicamento. Joana começou a falar algo, mas apagou antes de terminar. Ao acordar, Joana se deparou com a enfermeira trocando o seu soro. — Foi tudo bem na cirurgia? -perguntou com a voz grogue, ainda sob o efeito da anestesia. — Foi sim, correu tudo bem. Daqui a pouco você vai para o quarto, respondeu a enfermeira. — Que bom, muito obrigada. Mal acabou de falar, Joana fechou os olhos e dormiu novamente. Depois de nove horas do início da cirurgia, Joana voltou para o quarto, estava enjoada e muito incomodada com a sonda que colocaram nela para eliminação da urina. Ela pediu ao enfermeiro que a retirasse, ele disse que só poderia fazê-lo com autorização médica. Joana é do tipo de pessoa que quando quer uma coisa, vai atrás até consegui-la. Ela não sossegou até conseguir que a sonda fosse retirada.
Sem o incômodo da sonda, as coisas ficaram melhores. Joana estava com dois drenos, um saindo do peito recém-reconstruído e outro saindo das costas. Ela tinha agonia daqueles tubos saindo de dentro dela, mas sabia que eram necessários, já os tinha usado quando retirou a mama, e aceitou bem aqueles companheiros. O enjoo passou, Joana jantou e depois assistiu um pouco de TV. Estava com sono, mal conseguia abrir os olhos. “Deve ser o efeito dos remédios”, pensou. Agradeceu a Deus pelo sucesso da cirurgia e adormeceu em seguida. Uma enfermeira a despertou para tomar um medicamento. Pouco tempo depois, veio o café da manhã. Tinha leite, café, pão, queijo, geleia, suco e mamão. Ela tinha acordado com fome e comeu tudo. Maria chegou e ficou feliz que a filha estava bem-disposta. Elas conversaram um pouco e Joana foi tomar banho. Ela estava com o curativo feito na cirurgia, e o Dr. Edmilson tinha dito a ela para não mexer nele até a hora do banho, na manhã seguinte. Chegou o momento tão esperado: o de se olhar no espelho com duas mamas novamente. O sentimento ao ver a mama recém-reconstruída foi de uma alegria sem tamanho. Joana deu um sorriso demorado, enquanto admirava o resultado da cirurgia no espelho. Lembrou-se do sofrimento que passou nesses dois anos sem um dos seios. Agora, as lágrimas de tristeza tinham ficado para trás. “As lágrimas de hoje em diante seriam de felicidade”, pensou, enquanto namorava a sua imagem no espelho. Para muitos a imagem que Joana tanto apreciava era, no mínimo, espantosa. Ela tinha um corte imenso, de aproximadamente 70 cm de pontos. O corte era em forma de olho na frente da mama e continuava em linha reta, da lateral do corpo até o meio das costas. Para tornar o cenário mais intimidador, dois drenos repletos de sangue saiam de dentro dela. Mas Joana não via nada isso. Ela olhava sua nova mama e vislumbrava o
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“Segura na mão de Deus, segura na mão de Deus, pois Ele te sustentará. Não tema, segue adiante e não olhe para trás. Segura na mão de Deus e vai.”
futuro. Por enquanto, tinha só o volume. Em breve, teria bico e aréola e as duas mamas se pareceriam muito uma com a outra. Sua mãe foi até ao banheiro ver o resultado da cirurgia, Joana olhou sorrindo para a mãe e disse: — Que felicidade, mãe. Eu tenho duas mamas de novo. Eu não preciso mais usar a prótese externa de silicone. Nossa, eu nem acredito. É bom demais o que eu estou sentindo, mãe. Deus é muito maravilhoso. Eu recuperei a minha perna e agora estou recuperando o meu seio e ganhando mais qualidade de vida. Tudo na vida acontece na hora de Deus. Eu quis que a reconstrução mamária acontecesse antes, mas eu aprendi a esperar. — Viva! Eu fico feliz que você não precise mais usar a prótese externa, filha. Graças a Deus, deu tudo certo na cirurgia. Os pontos estão cicatrizando bem, ao que tudo indica, você deve ter alta em breve. Dois dias depois da cirurgia, no domingo, o Dr. Edmilson passou bem cedo para ver Joana, em seu quarto. Ele olhou os pontos e disse que a recuperação dela estava muito boa, prescreveu a medicação que ela teria que tomar e lhe deu alta. Em 15 dias ela tirou os dois drenos. Em um mês, ela já estava liberada para dirigir, malhar e levar uma vida normal. A única restrição era não pegar muito peso. Quatro meses após a cirurgia, Joana entrava no centro cirúrgico novamente. Dessa vez, para fazer a simetria das mamas. O Dr. Edmilson explicou que iria colocar uma prótese de silicone no outro seio, para que os dois seios ficassem do mesmo tamanho e que, também, iria tirar um excesso de pele do seio reconstruído. Joana estava bem tranquila. Operar estava se tornando algo corriqueiro. Essa seria sua quinta cirurgia, um procedimento mais simples, mais rápido e menos invasivo que o anterior. Agora, ela faria a segunda etapa de reconstrução da mama. Depois dessa cirurgia, só faltaria mais uma, para fazer a aréola
e o bico. Após essa última etapa, Joana esperava não ter que operar de novo tão cedo. A médica anestesista colocou uma máscara com um gás no rosto de Joana e ela apagou. A cirurgia durou cinco horas. Joana não ficou enjoada dessa vez com o efeito da anestesia. Ela chegou do centro cirúrgico sentindo-se ótima e bem-disposta. Descansou um pouco durante à tarde e à noite tomou banho sozinha. Ela ficou muito satisfeita com o resultado da cirurgia, olhou as mamas e pensou em como a medicina tinha avançado e como o seu cirurgião plástico era bom no que fazia. As duas mamas estavam do mesmo tamanho e formato. No dia seguinte da cirurgia, após o café da manhã, Joana recebeu alta do hospital. Ela estava radiante e muito grata a Deus, o sentimento era de bênção recebida. Mais uma cirurgia tinha sido bem-sucedida. Em questão de dias, ela estaria recuperada e pronta para a próxima. Estava ávida por terminar a reconstrução da mama; a única coisa que faltava para fechar esse ciclo era fazer a aréola e o bico. O Dr. Edmilson disse que a próxima cirurgia seria mais simples ainda. Ele explicou a Joana que fará dois cortes redondos no centro do seio dela. Primeiro, irá cortar um círculo maior e depois um círculo menor dentro do círculo grande. Em seguida, enrolará a pele excedente, decorrente dos dois cortes e irá costurá-la no centro deste círculo, fazendo o bico. O corte em formato de círculo será a aréola. Para dar o toque final, ele disse que ela terá que fazer uma tatuagem para colorir a aréola e o bico, para ficar com cor similar à do outro seio. Os dias passaram e Joana procurou o Dr. Edmilson para conversar sobre a próxima e última cirurgia. Ele a informou que não estava mais fazendo cirurgias eletivas, que estava operando somente no pronto socorro. Esclareceu que parou de fazer cirurgias eletivas porque estava sendo obrigado a cancelar muitas
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cirurgias por falta de anestesista, de instrumentador e de materiais básicos, como dreno, fios de sutura, antibióticos etc. Joana já sabia desse problema de falta de material. Na cirurgia anterior, ela recebeu uma ligação do hospital quando estava acabando de se arrumar, pronta para se internar. Eles lhe disseram para não ir porque a sua cirurgia tinha sido cancelada, por falta de dreno. Decidida, ela disse que estava indo e que iria operar de qualquer jeito ou “não se chamava Joana”. Ela foi ao diretor do Hospital, ameaçou chamar a mídia e conseguiu o dreno para ela e para a companheira de quarto, que tinha vindo da Bahia também para se operar. Apesar de ter conhecimento desses problemas, Joana ficou chocada; jamais imaginou que o seu médico tivesse que parar de operar em função dessa situação. Ela queria finalizar a reconstrução da mama. Olhando com afeição para o Dr. Edmilson, perguntou preocupada: — E agora doutor, o que eu faço? Eu preciso finalizar a minha mama. O que o senhor precisa para voltar a operar? — Joana, do jeito que a situação está, eu não volto a operar. — O que está acontecendo? — A saúde pública está sucateada. Faltam condições de trabalho e respeito às pessoas. Tem uma paciente minha que teve a cirurgia cancelada quatro vezes. Por quatro vezes ela se preparou psicologicamente para operar, veio ao hospital, foi internada, chegou a ser levada para o centro cirúrgico em jejum, mas voltou para casa sem operar. Nessas condições eu não trabalho. Quando não falta pessoal, falta material. Isso está colocando em risco as pacientes e o meu trabalho. Por exemplo, eu só opero se tiver determinados antibióticos. Às vezes tem outros antibióticos em estoque, mas não são muito eficientes. Eu não uso. Eu utilizo somente o que eu acho que é o melhor para a paciente. Eu lido com vidas, não posso arriscar.
— Eu concordo com o senhor, Dr. Edmilson. Sei que existem muitos problemas no sistema público de saúde, mas existem vários médicos comprometidos com os pacientes e com a saúde pública de qualidade, como o senhor. Eu preciso finalizar a reconstrução da minha mama. Falta tão pouco. Pelo amor de Deus, não faz isso comigo doutor — suplicou Joana. — Eu não estou fazendo isso porque eu quero, Joana. Tenho dezenas de pacientes que também querem operar, assim como você. Eu preciso ter condições mínimas para fazer um bom trabalho. — Com quem eu posso falar para as coisas melhorarem? Com o diretor do Hospital? — Joana, eu criei um Programa de Reconstrução Mamária aqui no hospital, com protocolos de atendimento, profissionais direcionados para atender ao programa e recursos destinados à compra dos insumos. Mudou o governo e desativaram o programa. Esse é o problema do Brasil, muda o governo e muda a política pública, mesmo que isso prejudique a população. — Isso é um absurdo, doutor. Não dá para acreditar. Eu preciso fazer alguma coisa! — disse indignada. — Vá atrás dos seus direitos — respondeu o Dr. Edmilson, categórico. — Eu vou doutor, vou mesmo! Eu não quero operar com outro médico. Eu quero e vou finalizar a reconstrução da minha mama com você. Joana saiu da consulta já maquinando o que faria. Não era justo que o seu médico parasse de operar por problemas administrativos do hospital. Ela tinha que fazer algo para resolver aquela situação. Chegou em casa ainda pensando no assunto, até que teve a ideia de fazer um abaixo-assinado. No mesmo dia, ela pesquisou na internet modelos de abaixo-assinado e escreveu a minuta do texto.
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Nos dias posteriores, em seu tempo livre, Joana se dedicou a aprimorar o texto do abaixo-assinado. Ela fez uma pesquisa sobre a legislação pertinente. Descobriu que tem uma lei federal, a de nº 9.797 / 99, que garante as cirurgias de reconstrução da mama pelo SUS às mulheres acometidas pelo câncer em todo o Brasil. Viu também que São Paulo tinha uma lei estadual de teor semelhante. Após finalizar o abaixo-assinado, Joana entrou em contato com o Dr. Edmilson para solicitar a lista das pacientes dele que também desejavam operar. Mostrou a ele o abaixo assinado, cujo texto pedia a reativação e ampliação do Programa de Reconstrução Mamária, a contratação de anestesista e instrumentador cirúrgico específico para o programa e a alocação de recursos para a compra de próteses de silicone, drenos, telas, fios de suturas, antibióticos e demais insumos e equipamentos necessários à realização das cirurgias. O Dr. Edmilson parabenizou Joana pela atitude e deu a ela os contatos das pacientes dele. A partir daí, Joana começou a entrar em contato com as mulheres para assinarem o abaixo-assinado. Ligava para elas, apresentava-se e dizia que também era paciente do Dr. Edmilson. Explicava que ele parou de operar e que tinha feito um abaixo-assinado solicitando melhorias para ele voltar a operar. Depois das explicações, ela marcava de se encontrar com as mulheres no hospital para coletar as assinaturas. Várias dessas mulheres não tinham feito nenhuma etapa da reconstrução da mama e estavam curiosas para ver um seio reconstruído. No intuito de motivá-las, Joana mostrava a sua mama reconstruída, que tinha ficado muito parecida com a outra mama, com um resultado simétrico e harmônico. Ela ficava feliz em motivar as mulheres, via em seus olhos a felicidade em vislumbrar o futuro, com os seios reconstruídos. Afinal,
uma mulher que teve o seio extirpado e, depois, vê uma mama reconstruída com primor, fica muito mais estimulada a seguir em frente com a decisão de fazer a sua reconstrução mamária, mesmo enfrentando dificuldades, como o medo de outra cirurgia ou o problema da desistência do cirurgião plástico em fazer cirurgias eletivas por falta de materiais básicos. Esse contato com as pacientes do Dr. Edmilson alimentava a alma da Joana. Ela sentia que estava dando um pouco de esperança para aquelas mulheres que tanto sofreram com o diagnóstico do câncer e com a perda do seio. Joana nutria nelas a esperança de ter um seio reconstruído, que seria parecido com aquele que elas perderam, e a esperança de que em breve o Dr. Edmilson voltaria a operar, depois que o abaixo-assinado fosse entregue às autoridades. Era notório o entusiasmo das mulheres ao se despedirem da Joana após assinarem o abaixo-assinado. Elas ficavam satisfeitas em participar e gratas por Joana estar lutando por mais cirurgias de reconstrução mamária, e para que elas pudessem, também, operar. Ver a alegria no rosto das mulheres mastectomizadas era um bálsamo para Joana. Cada encontro para assinatura do abaixo-assinado era especial, pois ela estava tendo a oportunidade de conhecer mulheres extraordinárias e sentia em seu íntimo a vontade de fazer algo para a felicidade de cada uma delas. Foi por meio desse contato com as mulheres mastectomizadas que a vontade de ajudar o próximo e de se doar para o bem comum se enraizou no coração de Joana. Em quatro meses ela recolheu 120 assinaturas. Depois que alcançou as 120 assinaturas, um número expressivo de pacientes, ela levou o abaixo-assinado ao Ministério Público, à Ouvidoria do Hospital, à Ouvidoria da Secretaria de Saúde e ao Ministério da Saúde.
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Alguns meses se passaram e nada mudou no atendimento do hospital. O Dr. Edmilson continuava sem fazer cirurgias eletivas, o Programa de Reconstrução da Mama permanecia desativado e seguiam faltando insumos e pessoal no hospital. Após tanta mobilização, Joana conseguiu ser operada pelo Dr. Edmilson. Foi uma cirurgia pequena, feita sem anestesista e sem a necessidade de internação hospitalar. Mesmo conseguindo finalizar a reconstrução do seu seio, Joana não se deu por satisfeita. Para a felicidade dela ficar completa, precisava fazer algo para que as outras mulheres também sentissem a plenitude que ela estava sentindo. Ela se envolveu profundamente com as pacientes do Dr. Edmilson. Durante a convivência que tiveram, houve uma empatia instantânea com cada uma. Joana se identificava com a dor delas e ficou impactada com as histórias de vida que ouvia. Algumas reclamavam que tinham sido abandonadas pelos maridos quando perderam a mama e ficaram careca. Outras reclamavam que estavam com problemas financeiros porque antes faziam serviços pesados e agora não conseguiam mais trabalhar. Outras contavam que estavam com depressão pela falta de um seio. O que todas tinham em comum era a vontade de fazer a reconstrução mamária para deixar o câncer para trás e recomeçar a vida. Depois de muito pensar em estratégias para chamar a atenção para o problema, Joana teve a ideia de fazer uma manifestação em frente ao hospital. Ela marcou uma data e ligou para cerca de 30 pacientes do Dr. Edmilson, convidando-as a participarem. Fez cartazes pedindo respeito às mulheres mastectomizadas e pleiteando a reativação do Programa de Reconstrução Mamária do Hospital. Uma semana antes da data marcada para a manifestação, Joana entrou em contato com os jornais e TVs locais e enviou sugestão de pauta para eles cobrirem a manifestação, com o título: “Mulheres
que tiveram a mama mutilada em virtude de tratamento contra o câncer de mama fazem manifestação para conseguir cirurgias de reconstrução mamária pelo SUS, na capital do Brasil.” Na data marcada por Joana, dia 20 de dezembro de 2010, as pacientes compareceram em número suficiente para impressionar a mídia que estava presente para cobrir a manifestação. Joana deu um cartaz para cada mulher mastectomizada segurar e elas ficaram por um bom tempo em frente ao Hospital, com os cartazes na mão. Os veículos de comunicação presentes filmaram, tiraram fotos e fizeram entrevistas com algumas das mulheres que aguardavam por cirurgia. A manifestação organizada por Joana foi um sucesso. Foi capa do principal jornal impresso local e foi veiculada na maior TV do país. O impacto da matéria foi tão grande que, três meses após a veiculação, a Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica e a Secretaria de Saúde de Brasília realizaram, no dia 30 de março de 2011, o primeiro mutirão de cirurgias de reconstrução da mama realizado no Brasil, com 61 mulheres operadas. Joana acompanhou tudo de perto e participou das reuniões preparatórias para o mutirão. Ela estava se sentindo realizada. Reencontrou muitas mulheres que conheceu na ocasião do abaixo-assinado e viu de perto a felicidade delas em serem selecionadas para participarem do mutirão. Isso a comoveu e a fez transbordar de satisfação. No fim da tarde do dia do mutirão de cirurgias, Joana fez questão de visitar algumas das mulheres operadas pela manhã para se certificar que elas estavam bem e para dar um apoio psicológico a elas. Afinal, uma cirurgia é sempre um acontecimento delicado. No dia seguinte ao mutirão, foram mais visitas durante o dia todo, em dois hospitais. Ao chegar em casa depois de visitar as mulheres recém- operadas, Joana chorou de alegria e agradeceu a Deus:
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— Obrigada Pai por abençoar todas as cirurgias. Todas as mulheres operadas passam bem. O senhor é perfeito. Pela sua vontade, 120 cirurgiões plásticos, 200 técnicos de enfermagem, 80 enfermeiros e 65 anestesistas se juntaram para fazer o bem ao operar 61 mulheres mastectomizadas. Eles proporcionaram a elas o resgate da autoestima e da feminilidade que ficaram tão abaladas com o câncer. Graças a essa equipe de saúde maravilhosa, anjos que o senhor colocou na Terra, muitas mulheres estão tendo a oportunidade de recomeçar. Isso é tão perfeito, disse em voz alta com lágrimas nos olhos, eu sou muito grata ao Senhor por ter me guiado a fazer o abaixo-assinado e a manifestação. Nem no meu maior sonho eu imaginei que as consequências seriam tão maravilhosas. Obrigada Pai, eu te amo. — Minha filha — Deus interrompeu, dando pausa no filme — , o sucesso do primeiro mutirão foi tão grande que você nem imaginava, à época, quão maravilhosa seria a consequência. Consequência, aliás, que muito me alegrou, pois houve mais dois mutirões locais, com 62 e 55 mulheres operadas em cada mutirão, e dois mutirões nacionais, com mais de 1.200 mulheres operadas em todo o Brasil. Estou orgulhoso de você. Você não se ocupou somente em resolver o seu problema. Você tomou para si o problema das mulheres mastectomizadas e lutou por elas sem interesse nenhum, movida apenas pela vontade de ajudar. Você praticou a caridade e o amor ao próximo. E esse foi só o começo da sua linda jornada de fraternidade. — Tudo o que fiz e faço é porque Você está me guiando, Pai. Quando Você me curou do câncer e me deu uma segunda chance de viver, Você sabe que eu coloquei a minha vida em suas mãos e pedi que Você me guiasse. Eu só tenho a agradecer pelo caminho que Você tem me conduzido. — Joana, minha querida Joana. Eu venho preparando meus filhos para fazerem o bem e ajudarem ao próximo. Eu venho
formando pessoas que vão transformar o mundo em um mundo melhor. É a legião do bem, a legião do amor, da paz, da fraternidade. Haverá um dia em que o mundo será um lugar solidário, onde as pessoas se respeitarão e viverão em harmonia. Esse é o destino. Essa é a evolução natural do planeta. — Que magnífico, Pai. Tem muita gente boa e altruísta mesmo, graças a Deus. Joana e Deus riram e Joana continuou: digo, graças a Você. Sabe Pai, depois do câncer, eu tive a oportunidade de me conhecer a fundo e de me olhar como eu sou. Eu enxerguei as minhas qualidades e os meus defeitos. De lá para cá, eu tenho feito um exercício diário para tentar aumentar as minhas qualidades e diminuir os meus defeitos. — E você tem feito um excelente progresso, filha. Isso se chama reforma íntima. É ser melhor hoje do que ontem e desejar ser melhor amanhã. A transformação se dá com o tempo, de forma gradual e progressiva. Vamos voltar ao filme, ainda tem muita emoção pela frente. — Tem mesmo, concordou Joana. E o filme continuou. Certo dia, durante uma visita ao Jardim Botânico, Joana e sua mãe estavam conversando sobre a alegria das mulheres de conseguirem reconstruir a mama no mutirão. Joana não se esquecia desse assunto. O envolvimento dela com a causa foi muito intenso e sentia que poderia contribuir mais. — Mãe, São Paulo, que é a maior cidade do Brasil, tem uma lei sobre reconstrução mamária. Brasília, que é a capital do Brasil, merece e terá uma lei assim também. Vai ser bom para garantir a oferta de mais cirurgias para as mulheres mastectomizadas. Eu vou atrás disso. — Muito bem, minha filha, vá atrás mesmo. Eu já te disse que você consegue tudo o que você quer? Joana riu e respondeu:
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— Já, mãe, milhares de vezes. No mesmo dia, Joana fez uma pesquisa e elencou o nome de alguns parlamentares que ela achou que poderiam se interessar pelo assunto e propor o projeto de lei. Ela enviou e-mail para eles; somente o gabinete de uma parlamentar respondeu, dizendo que estava analisando a solicitação. Joana decidiu ir atrás dela e falar pessoalmente sobre o PL. Entrou na internet e viu, na agenda da deputada, que é pública, que ela estaria participando de um evento em uma faculdade perto da casa de Joana, naquele dia. “Evento em faculdade é uma boa oportunidade para conseguir falar com um parlamentar”, pensou Joana. Colocou um terninho, organizou uma pasta rosa com o abaixo-assinado, a lei federal e a lei de São Paulo, e foi até a faculdade tentar falar com a deputada. Joana esperou o evento acabar e se aproximou do local onde a deputada se encontrava; havia um assessor recebendo e organizando quem se aproximava para falar com a parlamentar. Joana se apresentou ao assessor da deputada e contou que precisava do apoio dela para a apresentação de um projeto de lei para ajudar às mulheres que tiveram câncer de mama. O assessor abriu um sorriso e levou Joana imediatamente até a deputada que, cumprimentando-a, disse: — Boa tarde, deputada, tudo bem? O meu nome é Joana. Eu sou sobrevivente de um câncer de mama e gostaria do seu apoio para propor um projeto de lei distrital que obrigue o SUS a fornecer cirurgias de reconstrução mamária às mulheres que tiveram câncer de mama. Infelizmente, deputada, há muitas mulheres na fila aguardando anos para reconstruir a mama. Inclusive, eu fiz um abaixo-assinado e organizei uma manifestação no fim do ano passado pedindo mais cirurgias. Nossa manifestação foi capa de jornal e ocasionou os mutirões de reconstrução da mama. — Eu ouvi falar dos mutirões — disse a deputada. — Graças aos mutirões, muitas mulheres conseguiram ope-
rar, mas ainda tem muita gente na fila. Uma lei distrital iria assegurar a essas mulheres o direito às cirurgias. Já há uma lei federal, mas a lei local será de grande importância também, completou Joana. — Com certeza. O meu assessor vai agendar um horário com você na semana que vem, no meu gabinete, para a gente entrar com esse projeto de lei — disse a deputada, para a alegria de Joana. Joana voltou para casa rindo à toa. Estava se sentindo muito realizada, porque não só conseguiu falar com a parlamentar, como também conseguiu o comprometimento dela em propor o projeto de lei. “Deus é muito bom. O universo sempre conspira a favor de quem faz o bem”, pensou no carro, a caminho de casa. Na semana seguinte, Joana foi até ao gabinete da parlamentar no horário agendado. Identificou-se na entrada do edifício, pegou o elevador até o terceiro andar e encontrou com facilidade o gabinete dela. Havia duas secretárias sentadas em suas mesas e dois conjuntos de cadeiras para os visitantes. Joana se identificou com uma das secretárias, que pediu que ela esperasse um pouco. Após um tempo, Joana foi encaminhada até a sala da deputada, que a recepcionou na entrada. Ela apresentou Joana ao Carlos, assessor dela para assuntos de saúde. Eles se acomodaram em uma mesa grande de reunião. Joana não se sentiu intimidada em sentar ao lado de uma deputada, pelo contrário, ela se sentiu bem à vontade. Os três conversaram por 40 minutos. Joana deixou uma cópia de toda a documentação referente ao assunto e saiu de lá com a promessa da pronta elaboração do projeto de lei. Dias depois, Carlos comunicou à Joana que a deputada apresentou o projeto de lei. Ele enviou a ela uma cópia do PL e Joana ficou acompanhando a tramitação na Câmara Legislativa. A sua vida estava focada na causa do câncer. O que ela gostava de fazer era se dedicar ao assunto, então, tomou uma decisão que foi um divisor de águas em sua vida.
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Joana decidiu investir naquilo que estava dando sentido a sua vida. Largou o trabalho para se dedicar em tempo integral à causa do câncer. Comunicou sua decisão à família e pediu ajuda para fundar uma ONG. O marido da tia de Joana, chamado José, ficou sabendo e resolveu ajudar. Ele era um homem que tinha uma boa condição financeira e era muito generoso. Disse que iria pagar todas as despesas da abertura da ONG; o próprio contador dele cuidou de tudo para Joana. A abertura da ONG custou cinco mil reais e, graças à generosidade do tio José, o sonho de Joana se tornou realidade. A ONG foi registrada em cartório em agosto de 2011, com o nome de RECOMEÇAR. Joana chegou a esse nome depois de elencar vários outros e conversar sobre as opções com a Carol, sua amiga que abraçou a ideia e colabora com Joana desde o início da criação da ONG. A Recomeçar sempre teve muitos colaboradores. Joana não tinha dinheiro para pagar profissionais, mas conseguiu voluntários para fazer a logomarca, cartão de visita, folder e tudo o mais que a Recomeçar precisasse. A solidariedade é o que move o trabalho das organizações sociais e sempre aparecia um anjinho para ajudar nas demandas. Com muita dificuldade Joana foi tocando a ONG e mergulhando cada vez mais nesse universo da luta contra o câncer. Depois que o projeto de lei passou nas comissões, Joana procurou outros deputados pedindo apoio para aprovação em plenário. Os deputados se sensibilizaram e aprovaram o projeto. O Governador da época sancionou a Lei, mas vetou todos os artigos. Joana procurou novamente os parlamentares pedindo apoio e a casa legislativa mais uma vez se manifestou em prol do povo. Os vetos do Governador foram derrubados e o projeto de lei se transformou na Lei Distrital nº4.761/12, sancionada integralmente.
Joana estava participando de uma capacitação com outras ONGs quando recebeu a ligação de uma produtora de uma TV local, pedindo para ela dar uma entrevista sobre a aprovação da Lei Distrital nº 4.761 / 12. Ela não tinha sido informada da novidade ainda. Joana era constantemente chamada pela mídia para dar entrevistas quando o assunto era câncer. Foi uma satisfação sem tamanho para ela falar ao maior telejornal local sobre uma conquista tão importante para a cidade, fruto de uma iniciativa e esforço dela. Ao sair da capacitação, Joana resolveu parar em um parque perto da sua casa para contemplar o pôr do sol e agradecer a Deus pela bênção da sanção da Lei, em seu teor integral. Ela sentou em um banco em frente a um lago, repleto de patos brancos, e abriu o seu coração a Deus: — Pai, eu estou tão feliz com a conquista da Lei. Tão feliz que eu podia morrer hoje que a minha vida teria valido a pena. Eu contribuí para uma Lei que vai beneficiar gerações e gerações. Eu deixei um legado para as mulheres mastectomizadas. Muito obrigada, Pai. Eu te amo, disse olhando emocionada para o céu, bestificada com a beleza do pôr do sol, com seus magníficos tons de azul, violeta, rosa, amarelo, laranja e vermelho. Nesse momento, Deus interviu, pausou de novo o filme e falou à Joana: — Filha, em geral as pessoas não dão importância a certas coisas até que elas batam a sua porta. Foi assim com você. O câncer a abalou e você, ao invés de reclamar e de se revoltar, dedicou sua energia e seu tempo para ajudar quem teve, tem e terá câncer. Você se entregou de corpo e alma a uma causa humanitária de grande importância. Todos têm uma missão, esta missão revela quem a pessoa realmente é, e a sua, Joana, é repleta de conquistas para a população, para os meus filhos. E isso me deixa muito feliz.
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— Pai, após o câncer eu tive consciência de que fui abençoada com uma grande missão. E eu entendi que o câncer na minha vida veio para que eu possa contribuir para salvar outras vidas. Como eu poderia me revoltar contra uma dádiva dada por Deus? — Isso mesmo. E eu sei que você entendeu também que o acidente de moto veio para te direcionar para a causa. Você estava com a cirurgia de reconstrução da mama marcada, se você tivesse reconstruído a mama naquela época, você não teria abraçado a causa e não teria conseguido tantas conquistas e se tornado uma ativista em saúde. — É verdade. Certo dia, eu estava pensando no acidente com a moto e entendi o porquê de tudo o que aconteceu. Se eu tivesse reconstruído a mama naquela época, no Rio de Janeiro, eu não teria feito um abaixo-assinado e nem a manifestação em Brasília. Não haveria os mutirões e nem a lei sobre a reconstrução mamária. Eu provavelmente estaria fazendo outra coisa da minha vida e não estaria me dedicando a causa e contribuindo para as políticas públicas voltadas aos pacientes oncológicos. — Bingo! É isso mesmo. Você tem uma intuição apurada, filha. Agora, vamos voltar ao filme. É hora de assistir a parte do filme em que o câncer abalou novamente a sua vida. Joana respirou fundo e voltou a atenção para a tela. O filme da vida dela tinha recomeçado.
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Capítulo 12
A Segunda Grande Avalanche
Era dia 1 de junho de 2013. Joana, sua amiga Poliana e o Gordinho, filho de quatro patas de Joana, estavam fazendo o trajeto em direção à cidade de Maria, que mora em um pequeno vilarejo de Goiás, a 110 km de distância da filha. A estrada estava vazia, com poucos carros. A paisagem era belíssima, com vales cobertos de grama verde. As duas vieram conversando durante o percurso e a viagem passou rápido. Joana e a amiga iriam ajudar Maria no negócio dela. Maria participa há anos da tradicional Feira do Troca, que acontece em junho e em dezembro no vilarejo. A feira chama-se assim porque antigamente as pessoas faziam escambo, o pessoal do vilarejo trocava galinha, queijo, mel, legumes e hortaliças pelas roupas trazidas pelas pessoas da cidade grande. Atualmente, há pouca troca, o que predomina é a venda, mas a feira continua atraindo muitos visitantes. Depois de se aposentar, Maria desenvolveu uma habilidade para trabalhos manuais. Ela tem uma loja na qual vende o artesanato que ela mesma produz e o artesanato de artistas locais. No fim de semana da feira, a pacata cidade se enche de gente e a loja sempre fica lotada. Nos últimos meses, Maria vinha se queixando de fortes dores no corpo. Na última semana, as dores pioraram e ela estava à base de remédios para conter a dor. Estava sem condições de abrir o negócio e pediu ajuda para a filha Joana, seu braço direito. Joana 131
falou com a amiga Poliana e as duas viajaram até a cidade para trabalharem na loja de Maria para que ela pudesse descansar. Chegaram à casa de Maria no início da noite e foram logo se acomodar no quarto de hóspedes. Era um quarto pequeno, com duas camas de casal, um criado mudo no centro, um armário e uma janela que dava para o quintal. Depois de se acomodarem, as duas conversaram com Maria e receberam as instruções sobre a abertura do negócio na manhã seguinte. Depois da conversa, elas jantaram e dormiram cedo. Quando Joana acordou, Poliana já tinha tomado banho e estava acabando de se arrumar. Joana levantou apressada, lavou o rosto, escovou os dentes, arrumou-se, tomou café da manhã e partiu com a amiga para a loja da mãe. Em pouco tempo, começou a música ao vivo e a feira lotou de gente. A loja de Maria ficava em um local estratégico, bem perto do burburinho. Joana e Poliana passaram o dia atendendo a clientela e fazendo ótimas vendas. Maria estava com muita dor e passou a maior parte do fim de semana na cama. As vendas da loja foram superiores às da última feira, o que a deixou muito satisfeita. Mesmo feliz com o sucesso das vendas, ela estava tensa e com o humor alterado pela dor. Joana ficou muito preocupada com a mãe, ela viu o quanto Maria estava consumida pela dor e pediu para ela se cuidar e ir ao médico, descobrir a origem daquela dor. Maria concordou e decidiu voltar com a filha para buscar atendimento médico na cidade grande. Elas voltaram de viagem à noite. No dia seguinte pela manhã, Joana levou a mãe em uma emergência de um hospital particular. Maria relatou ao médico da emergência o que estava sentindo e foi logo encaminhada para exames de imagem. Foi detectada uma pedra no rim e câncer nos ossos. Joana precisou ser forte para amparar a mãe, mas internamente, ela estava arrasada, destroçada emocionalmente. A
Segunda Grande Avalanche chegou à vida de Joana. Sua mãe estava com câncer de novo e, o pior, era uma metástase do câncer de mama. Joana lidava há algum tempo com o universo do câncer por meio do seu trabalho na Recomeçar e sabia que a metástase é um estágio avançado do câncer. Ela ocorre quando o câncer não está mais no local onde surgiu e já se espalhou para outro órgão. Maria teve câncer de mama em 1996, há 17 anos. Na época, ela fez o tratamento com cirurgia, quimioterapia e radioterapia e ficou curada. Ninguém esperava que o câncer pudesse voltar depois de tantos anos. A notícia foi um grande baque. A médica do pronto socorro disse à Maria que ela tinha que ser internada para fazer um procedimento cirúrgico, para quebrar a pedra no rim, e deu a Joana os encaminhamentos. Após duas horas de espera, Joana conseguiu um quarto para a mãe no hospital. Maria, que estava contendo as emoções desde a fatídica notícia, desabou a chorar depois que se acomodou no quarto do hospital. Era um choro de medo, de desespero e de aflição. Ela olhou para a filha e disse chorando: — Por que filha? Por que o câncer voltou? — Mãe, ninguém conhece os desígnios de Deus. Coloca a sua vida nas mãos do Pai e vai ficar tudo bem — disse Joana, enquanto afagava carinhosamente os cabelos da mãe. — Eu estou aqui com você mãe e nós vamos vencer juntas o câncer. Você já venceu uma vez e vai vencer de novo. Acredite mãe. Tenha fé. Para Deus tudo é possível. — Como será que vai ser o tratamento? — indagou Maria. — Eu não sei mãe, cada caso é um caso. O oncologista vai passar aqui amanhã e nós saberemos. No dia seguinte de manhã cedo o urologista veio ver Maria. Olhou os exames e disse que daria entrada na papelada para a cirurgia de retirada da pedra no rim. Seria um procedimento simples, sem corte. Ele explicou que seria introduzido um apa-
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relho através de um pequeno furo na pele da região lombar que fragmenta e remove a pedra. No mesmo dia, apareceu outra visita muito esperada, a do oncologista. Joana e a mãe aguardavam esse momento desde que ficaram sabendo do diagnóstico. As duas tinham muitas dúvidas, misturadas com o medo do desconhecido. Era uma médica, mulher de meia idade, bonita e simpática. Ela se apresentou, fez algumas perguntas e ouviu atentamente o relato de Maria sobre o que ela estava sentindo nos últimos dias. Examinou fisicamente a paciente e em seguida pediu para ver os exames. Após examiná-los, a médica deu o tão aguardado parecer: — Dona Maria, os exames de imagem diagnosticaram um câncer nos ossos. Possivelmente é uma metástase do câncer de mama que a senhora teve há anos atrás. Eu identifiquei um nódulo de uns cinco centímetros na sua clavícula direita, do mesmo lado que você teve o câncer. Nós vamos ter que fazer uma cirurgia simples para retirar esse nódulo. — Quando será essa cirurgia, doutora? — perguntou Joana — Depois de amanhã bem cedo ela será encaminhada para o centro cirúrgico para o procedimento. Em pouco mais de duas horas ela estará de volta. O material colhido deverá ser enviado para um laboratório para análise do tipo de câncer. — Vai ser anestesia geral? — questionou Maria. — Sim, tem que ser. Não se preocupe, é uma cirurgia rápida. O anestesista vai passar para te ver antes da cirurgia. — Doutora, em quanto tempo sai o resultado do laboratório? — perguntou Joana. — Em 15 dias, aproximadamente. — Doutora, eu vou precisar fazer quimioterapia? — perguntou Maria apreensiva. — Depois do resultado da imunostoquímica é que nós vamos definir o tratamento. Eu não tenho como dizer agora, dona Maria.
Dependendo do tipo de câncer existem outras possibilidades de tratamento mais amenas que a quimioterapia. — Está vendo, mãe, vamos esperar. Talvez você não precise nem fazer a quimioterapia. Vai dar tudo certo. Deus é Pai — disse Joana com esperança. Maria olhou para a filha e deixou a esperança invadir o seu coração e acalmar a sua alma. Com o coração cheio de esperança, ela se sentiu com forças para enfrentar o futuro. — Que bom, Doutora, muito obrigada — disse Maria se despedindo da médica, que já tinha guardado o estetoscópio e estava se preparando para ir embora. A médica se despediu de Maria e de Joana e saiu. Mãe e filha estavam mais aliviadas. As perspectivas eram boas, Maria precisaria ser submetida a uma cirurgia simples, havia a possibilidade de não precisar de quimioterapia e a sua dor estava controlada com o uso contínuo da morfina. No segundo dia de internação, Maria estava mais calma. Tinha aceitado o diagnóstico e estava confiante. O dia foi tranquilo, ela cochilou de manhã e à tarde. Distraiu-se vendo TV e até se interessou por assistir a um filme antes do jantar. No dia seguinte cedo, ela fez a cirurgia para a remoção do tumor. Foi feito um corte de quatro centímetros na sua clavícula para a retirada do material. Ao fim da cirurgia, a médica entregou o material removido para que Joana pudesse levá-lo ao laboratório para ser biopsiado. Maria se recuperou rapidamente da cirurgia. Ela recebeu visita das suas irmãs, da tia Lili e de algumas amigas. A cada visita, ficava com o ânimo renovado e com mais vontade de lutar pela vida. Maria é uma pessoa muito bem quista pelas pessoas com as quais se relaciona. Ela recebeu o carinho de todos, principalmente das suas filhas Joana e Sofia. Elas se revezavam para dormir no hospital e para ficar com a mãe durante o dia.
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Após três dias da cirurgia de retirada do tumor, Maria operou novamente. A cirurgia de retirada da pedra no rim ocorreu sem nenhuma intercorrência e a mãe de Joana se recuperou bem do efeito da anestesia. Nos dias seguintes, o urologista passava, pelo quarto de Maria, todas as manhãs para vê-la, até lhe dar alta com cinco dias de operada. Porém, a clínica médica não a liberou. Ela era toda monitorada no hospital, fazia exame de sangue diariamente e a sua taxa de hemoglobina vinha baixando, dia após dia. O médico informou que ela precisava ser submetida a uma transfusão de sangue. No mesmo dia, Maria recebeu duas bolsas de sangue. Após a transfusão, ela imediatamente se sentiu mais forte e disposta. No dia seguinte, o seu exame de sangue apresentou melhoras e ela, finalmente, teve alta e pode voltar para casa depois de 14 dias internada. O trauma da descoberta do câncer tinha sido grande e afetou a estrutura da família, mas apesar de tudo, todos estavam felizes com a alta de Maria do hospital. Joana preparou uma comidinha bem gostosa para a mãe e a encheu de mimos. Sofia e Eduardo também vieram visitar e paparicar a mãe. Tempos depois, o resultado da biopsia saiu e Joana levou ao oncologista que ia cuidar do caso de sua mãe. Ele analisou o resultado e disse que era mesmo uma metástase óssea do câncer de mama que ela teve anos atrás, em 1996. Disse que era menos comum vir uma metástase tanto tempo depois, mas que podia acontecer. Ele explicou que o tratamento faz a doença regredir e ficar controlada, mas em geral, não há cura. Maria teria que fazer tratamento pelo resto da vida. A boa notícia era que o câncer era receptor a hormônios e ela iria ser submetida a um tratamento chamado hormonioterapia. É um tratamento menos agressivo que a quimioterapia.
O tratamento com hormônios prescrito para Maria era via oral e ela começou a tomar um comprimido, uma vez ao dia. Ela não sentiu nenhum efeito colateral da medicação. Meses se passaram e Maria fazia exames a cada três meses para saber como estava a evolução da doença. O marcador tumoral, exame de sangue feito para monitorar o câncer, vinha diminuindo desde que ela começou o tratamento. De repente, o marcador tumoral começou a aumentar. O oncologista explicou que a medicação que Maria estava tomando não estava mais fazendo efeito e prescreveu outro medicamento, hormonioterápico, só que desta vez ela precisaria ir à clínica, a cada 28 dias, para receber a medicação via intravenosa. As irmãs de Maria pediram que ela fosse ao Hospital Sírio Libanês, em São Paulo, para uma segunda opinião sobre o tratamento. O Sírio Libanês é considerado o melhor hospital do país e as irmãs de Maria costumam se tratar lá. Elas se ofereceram para pagar a consulta. Joana fez uma pesquisa na internet para ver quem era o melhor oncologista do Sírio e marcou uma consulta com ele. Em seguida, comprou a passagem dela e de sua mãe e as duas partiram para São Paulo, em busca da segunda opinião para o tratamento de Maria. Elas chegaram um dia antes da consulta. Mãe e filha ficaram hospedadas no apartamento da Beatriz, irmã de Maria. Por sorte, Beatriz morava perto do hospital. Mesmo assim, elas saíram com uma hora de antecedência do horário marcado. O hospital era enorme e suntuoso. Joana e a mãe ficaram impressionadas. Antes de entrarem, tiraram fotos para postar no Facebook e registrar esse momento importante, momento em que elas tinham esperança de conhecerem um tratamento mais avançado, ou de terem uma opinião mais animadora sobre o caso de Maria.
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A ala da oncologia era imensa. O ambiente era agradável e elas foram bem atendidas e encaminhadas para o renomado médico. Joana relatou tudo o que aconteceu a Maria, desde antes do diagnóstico do câncer. Ele ouviu e fez algumas perguntas, que foram respondidas por Joana. Maria falou do trabalho de Joana na ONG em prol dos pacientes oncológicos e fez algumas observações sobre o caso dela, mas deixou a cargo da filha o seu relato médico. O médico examinou fisicamente Maria e depois olhou os exames dela. Joana e Maria acompanhavam tudo atentamente, ávidas por ouvir o que ele tinha para falar. — Dona Maria, a medicação que a senhora está tomando é a que eu indicaria para o seu caso, mas só que em uma dose maior — disse o médico. — Como assim? — perguntou Joana. — É que no Brasil a dose registrada na Anvisa é de 250 mg. O FDA nos Estados Unidos e a EMA na Europa já registraram e utilizam somente a dose de 500 mg, que é mais eficiente. — Bom, se é mais eficiente, prescreve essa dosagem para minha mãe — interviu Joana — Eu vou prescrever duas doses de 250 mg, mas como o uso de 500 mg do medicamento não está registrado na Anvisa, pode ser que o plano de saúde da sua mãe não libere — respondeu o oncologista, preocupado com essa questão. — Doutor, o senhor pode ter certeza que o plano de saúde vai aprovar. O meu trabalho é lutar pelos direitos das pacientes com câncer. Faz a prescrição e o resto pode deixar comigo. Joana tinha tido problemas com o plano de saúde da mãe há pouco tempo atrás. Eles demoraram além do prazo para liberar o medicamento hormonioterápico e Maria não tomou o medicamento na data certa. Isso compromete o tratamento e, na ocasião, Joana foi atrás da mídia para denunciar o descaso do plano de saúde com sua mãezinha. O jornal de maior circulação da capital
do Brasil se interessou e fez uma matéria de uma página sobre o ocorrido. Depois disso, uma funcionária do plano de saúde entrou em contato com Joana e se colocou à disposição para o que Maria precisasse. Joana iria enviar a prescrição diretamente para ela e estava disposta a lutar com todas as suas forças para que sua mãe tivesse acesso ao medicamento mais eficiente para ter a vida salva. Elas voltaram a Brasília e Joana imediatamente fez uma pesquisa sobre a posologia prescrita pelo médico do Sírio Libanês. Ela descobriu no google um estudo favorável ao uso da posologia de 500 mg no SABCS — San Antonio Breast Cancer Symposium, maior evento mundial de pesquisa sobre câncer de mama. Segundo o estudo apresentado no SABCS, o uso de 500 mg ao invés de 250 mg reduz em 20% o risco de progressão da doença. Desde então, nos EUA e na Europa, a dosagem de 500 mg se tornou padrão. Em conversa com o Dr. Ribeiro, um experiente mastologista e membro do Conselho Federal de Medicina, Joana soube de um parecer favorável ao uso da dosagem indicada pelo médico do Sírio Libanês. De posse desses dois embasamentos de grande importância, ela enviou para a funcionária do plano de saúde os dois documentos e a prescrição da dosagem de 500 mg. Em pouco tempo, o plano de saúde liberou as duas doses de 250 mg e Maria teve acesso aos 500 mg do medicamento. Maria, Joana e todos da família ficaram aliviados por Maria estar tomando a dose certa do medicamento, mas Joana não queria o benefício somente para a mãe. Se a dose indicada e usada no mundo todo é de 500 mg, ela resolveu agir para o Brasil adotar a dose certa. Fez um ofício endereçado ao presidente da Anvisa solicitando a alteração de posologia do medicamento. Após um ano de muita pressão, articulação, e-mails e ligações telefônicas, a Anvisa fez a alteração de posologia. Quando Joana ficou sabendo da notícia, ela foi contar para sua mãe, toda entusiasmada:
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— Mãe, você não vai acreditar! A Anvisa fez a alteração de posologia, eu estou tão feliz, Deus é tão bom. Quando a gente se empenha de coração por algo, o Universo conspira a favor e as coisas acontecem. Agora, todas as mulheres do Brasil que necessitam desse medicamento terão acesso à dose adequada. Eu fico tão realizada, mãe, com cada conquista para os pacientes oncológicos. Isso me faz tão bem. Viva a vida! — Viva! Que bom, filha. Eu sabia que você iria conseguir. Fico muito feliz também. Deus interrompeu a cena da conversa entre mãe e filha e disse para Joana: — Joana, a sua determinação na luta pela alteração de posologia do medicamento junto à Anvisa me deixou contente para caramba. Você conseguiu a dose correta para a sua mãe e depois disso se empenhou para que outras mulheres tenham o mesmo benefício. Eu lembro quando você conversou comigo e se comprometeu a lutar para registrar a dose padronizada internacionalmente, para que todas as mulheres tivessem acesso ao tratamento mais eficiente no prolongamento de suas vidas. Parabéns por contribuir com essa importante conquista! — Eu adorei fazer isso. Eu fiquei intensamente satisfeita e grata a você, Pai — disse Joana empolgada. — A maioria das pessoas se contenta somente com a própria satisfação ou com a satisfação do seu círculo familiar. Você se preocupa com a satisfação do próximo e se ocupa em deixar legados, dedicando-se a conseguir conquistas que beneficiem os pacientes oncológicos. O que me encanta em você, filha, é a sua felicidade em proporcionar felicidade. Você se realiza ao contribuir para a felicidade das pessoas. — Pai, desde antes do diagnóstico do câncer, quando eu me mudei para o apartamento com vista para o mar, nasceu em mim a vontade de fazer um trabalho voluntário. Você sabe. Na minha
rua tinha um asilo. Eu passava pela rua e podia ver os velhinhos pelas janelas. Aqueles rostos envelhecidos com o tempo, cabelos brancos, corpos com dificuldade de locomoção e olhos meigos tocaram o meu coração. Certo dia, eu entrei no asilo para perguntar como me voluntariar, mas na época eu estava com a suspeita do câncer e, dias depois, recebi o diagnóstico e voltei para o Brasil. A vontade de ajudar, de fazer algo pelo próximo ficou incubada e aumentou durante o meu tratamento contra o câncer no hospital público e tomou conta de mim quando eu tive o contato com as mulheres mastectomizadas. — Eu adorei ver essa sua vocação pelo trabalho voluntário nascendo, crescendo e tomando conta de você, até que você largou o emprego para se dedicar a ele integralmente. Há sete anos você se dedica de corpo e alma ao trabalho em prol do paciente oncológico. E muita coisa ainda está por vir. Eu sei que você tem vontade de ampliar o seu trabalho e se dedicar a outras causas humanitárias, isso vai acontecer no momento certo. Você pode contribuir, mais do que imagina, para a construção de um mundo melhor para sua geração e para as próximas que virão. — Que assim seja Pai. Eu digo e repito. Estou a serviço de Deus. Você é o meu chefe. Você manda e eu obedeço. Os dois deram uma risada gostosa, repleta de cumplicidade e amor e o filme voltou a passar. Chegou o momento de Maria se submeter a mais uma bateria de exames de controle do câncer. Joana, sua fiel escudeira, fez os agendamentos, levou a mãe para fazer esses exames e depois buscou os resultados. Na data marcada, acompanhou-a na consulta com o oncologista. Ele analisou os exames com uma cara não tão boa. Em seguida, disse que o câncer tinha ido para a medula de Maria. Ele explicou que houve uma mutação no câncer e que, em consequência, a doença não reagia mais aos hormônios e Maria teria que fazer quimioterapia.
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A notícia foi como um soco no estômago para mãe e filha. Elas voltaram para casa arrasadas. Maria chorou e disse que estava com medo de morrer. Joana consolou a mãe e tentou colocá-la para cima, mas, no fundo, Joana também estava amedrontada com o que poderia e acontecer, agora que o câncer se instalou na medula, na fábrica de sangue dela. Dez dias depois da consulta com o oncologista, Maria fez a primeira quimioterapia. Ela reagiu bem às primeiras quimioterapias, porém depois de várias sessões começou a ficar debilitada. O tratamento estava bem pesado e agressivo. Maria fazia quimioterapia durante três semanas seguidas e folgava uma semana. As semanas e os meses iam passando e Maria ia ficando com menos mobilidade e menos energia. Ela, que antes era uma mulher hiperativa, passava a maior parte do tempo deitada, prostrada. Joana chegou a achar, mais de uma vez, que a mãe não resistiria, mas Maria é forte como uma rocha e suportava. Devido ao câncer na medula, Maria ficou muito anêmica e precisou receber novamente duas bolsas de sangue. Depois da transfusão, ela se sentiu mais forte e ficou com o ânimo renovado para continuar a batalha contra o câncer. Joana, vendo a mãe melhor disse: — Mãe, enquanto houver vontade de lutar, haverá esperança de viver. A quimioterapia está matando o câncer na medula. Você vai melhorar, acredite. Tenha fé na cura, pense na cura, fale sobre a cura, respire a cura e sinta a cura. Para Deus, tudo é possível. Eu acredito. — Eu não tenho a sua fé filha, mas eu vou tentar — disse Maria. — A fé vem de dentro do coração, é uma certeza sem explicação. — disse Joana inspirada. — Você pode não ter a minha fé, mas tem força e resiliência como ninguém, mãe. Você é a mulher mais forte que eu já vi na minha vida. — Você acha mesmo filha?
— Eu acho sim mãe. De verdade, você é a mais forte que já conheci. Você é uma guerreira forte para caramba. — Você também é muito forte filha. Você já passou por tanta coisa. — É verdade mãe. Eu acho que nós mulheres somos fortes. Definitivamente, nós não somos o sexo frágil. Eu me sinto como uma mulher maravilha, uma mulher poderosa, que já venceu diversas batalhas na vida, que é forte e que está pronta para qualquer coisa. Deus deu essa força para as mulheres. Não é à toa que Ele deu a nós a missão de gerar filhos. Ele sabe da capacidade das mulheres de resignação e de resiliência. As mulheres são leoas. São todas mulheres maravilhas. — É verdade filha, somos fortes, somos poderosas, somos mulheres maravilhas. As duas riram e foram acabar de se arrumar para saírem para jantar. As irmãs de Maria estavam na cidade e convidaram Joana e Maria para irem a um restaurante bem aconchegante. À princípio, Maria não quis ir. Ela tinha desacostumado a sair. A rotina dela era casa, médico, exames e o máximo que fazia para sociabilizar, era abrir o seu negócio nos finais de semana em que ela tinha energia. Mas as suas irmãs a persuadiram e a fizeram mudar de ideia. A noite foi agradável e Maria se divertiu como há muito tempo não fazia. Ela pediu um de seus pratos prediletos, desfrutou da boa companhia da família, compartilhou da alegria e distribuiu risadas. Quando Maria e as três irmãs se juntam, sempre tem diversão. Ao voltarem do jantar, Joana comentou com a mãe. — Gostei de ver a sua animação hoje à noite mama. Você não queria ir, mas foi e acabou se divertindo e arejando a cabeça. Foi ótimo. Você tem que fazer um esforço para sair mais vezes. Faz bem a você, faz bem à sua saúde sair de casa, ver gente, ouvir música, comer bem e dar risada.
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— Hoje foi ótimo mesmo, eu gostei muito. Eu vou tentar filha, vou fazer um esforço para sair mais vezes. — Maria respondeu não muito convicta, pois não tinha muita energia. Ela estava debilitada pelo efeito acumulado da medicação em seu corpo. Afinal, estava há mais de três anos tomando quimioterapia pesada. Apesar de deixá-la debilitada, a medicação estava matando o câncer e Maria tinha a perspectiva de em breve parar por um tempo com a quimioterapia. — Você vai conseguir minha guerreira linda — respondeu Joana ao se aproximar da mãe e beijar a careca dela. Quase um ano depois, os exames revelaram que a medula estava completamente curada e que o câncer tinha regredido consideravelmente nos ossos. O oncologista de Maria disse que o resultado dos exames era extraordinário e que ela poderia dar uma pausa na quimioterapia. Ela teria que fazer exames de três em três meses para acompanhamento da estabilidade, ou não, da doença. Mãe e filha saíram do consultório do médico radiantes. A notícia não podia ser melhor, foi um bálsamo na vida daquela família de mulheres guerreiras. Há quatro anos que Maria tratava o câncer sem parar. Fez mais de 50 sessões de quimioterapia. Ficar um tempo sem medicamento ia fazer muito bem a ela. Joana chegou em casa pensando nas palavras do médico. Ele disse que o resultado dos exames de sua mãe era extraordinário. De acordo com o dicionário Aurélio, “extraordinário” quer dizer: “não conforme ao ordinário ou ao costume; que acontece raras vezes; excepcional; singular; raro; anormal.” Para Joana, um resultado extraordinário, raro, excepcional, anormal significava um milagre, uma bênção de Deus. Desde que soube do diagnóstico de metástase da mãe, Joana teve fé que ela iria melhorar. Quando o câncer foi para a medula e deixou
Maria muito debilitada, a fé de Joana diminuiu um pouco, mas permaneceu viva em seu íntimo. Joana agradeceu a Deus de joelhos pela melhora da mãe. Intimamente, ela estava aliviada e grata, pois tinha convicção de que a mãe viveria por muitos anos, e com qualidade de vida.
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Capítulo 13
Conquistas em Prol da Causa e do Paciente Oncológico
Joana acordou com o barulho do despertador. Escovou os dentes, tomou banho, colocou uma camiseta rosa com a logomarca da Recomeçar e uma saia branca justa, com comprimento até o joelho. Depois de se arrumar, foi até a cozinha e fez um misto quente com suco de uva para o café da manhã. Sentou-se à mesa da sala de sua casa e comeu rapidamente o desjejum. Enquanto comia, Joana pensava na importância da pauta que ela estava trabalhando. Se obtivesse êxito em seu objetivo, muitas vidas poderiam ser salvas. Ao fim do café da manhã, Joana escovou os dentes e saiu. Ligou o seu carro e dirigiu até à casa do amigo e voluntário da Recomeçar, o Rafael. Ele morava perto, a dois quilômetros da casa dela e já estava aguardando embaixo, na marquise do bloco em que morava. Eles seguiram até o Congresso Nacional, como não havia trânsito chegaram em menos de dez minutos. Conseguiram uma vaga no estacionamento do Anexo 3 da Câmara dos Deputados, um achado, por se tratar de um local com poucas vagas. Joana estacionou o carro e seguiu confiante. Ela e o Rafael se identificaram na entrada da Câmara e foram diretamente para o corredor das comissões; encontraram com 146
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a Carol, diretora executiva da Recomeçar, e com quatro associadas da ONG. Depois dos cumprimentos, Joana mostrou a elas uma lista que tinha feito com os rostos, nomes, profissão e contatos dos deputados que compõem a Comissão de Saúde da Câmara dos Deputados. Joana e Carol explicaram que o objetivo era falar com qualquer deputado membro da Comissão, mas que o foco principal era o presidente desta Comissão, porque somente ele poderia colocar na pauta o projeto de lei dos 30 dias, que propõe o acesso a um diagnóstico de câncer em até um mês após a suspeita da doença. Infelizmente, no SUS o diagnóstico do câncer demora meses e até anos. Por sorte, pouco tempo depois, o deputado que preside a Comissão de Saúde passou por eles no corredor. Carol o abordou e pediu para falar com ele. Joana e as demais associadas se apresentaram como sobreviventes do câncer de mama. Joana e Carol pediram a ele para apoiar os pacientes oncológicos, colocando o projeto dos 30 dias na pauta, para votação. Elas solicitaram, também, que o deputado articulasse com os seus pares para que eles aprovassem o projeto. O parlamentar disse que era médico e que iria ajudar, além disso, pediu para o seu fotógrafo tirar uma foto dele com Joana, Rafael e as voluntárias da Recomeçar, para divulgar nas redes sociais. No momento em que o deputado disse que iria colocar a foto em suas redes sociais, Joana sorriu um sorriso de vitória. Intimamente, ela teve a certeza de que o parlamentar iria articular para que o projeto de lei passasse na comissão presidida por ele. Joana enviou e-mail no dia anterior para todos os membros titulares da comissão, pedindo o apoio na aprovação do PL dos 30 dias. Depois do encontro com o presidente, eles conseguiram falar com mais 12 Deputados da comissão, todos disseram que iriam votar a favor. Este projeto dos 30 dias, ao virar lei,
se tornaria um marco no tratamento do câncer no Brasil, pois quanto mais rápido é o diagnóstico da doença, maiores são as chances de cura. Quando deu a hora do almoço, a turma da Recomeçar foi embora, depois do dever cumprido. Dirigiram-se a um restaurante para comer e comemorar. Todos estavam felizes e realizados com o apoio recebido do presidente da Comissão de Saúde e por terem tido uma boa receptividade por parte dos demais parlamentares. Estavam cientes que contribuíram para fazer história. Depois do almoço, Joana voltou para casa feliz da vida. No carro, ela se conectou com Deus e agradeceu a bênção recebida: — Pai, Você colocou a gente no lugar certo, na hora certa e abriu o coração do presidente da Comissão de Saúde para apoiar o projeto de lei. Eu nem acredito, Pai. É bom demais! Tudo aconteceu melhor do que eu imaginava. O Senhor é maravilhoso. Colocou-me para trabalhar em prol de dois assuntos muito importantes para a população brasileira. Primeiro, o Senhor nos ajudou a sensibilizar o coração do secretário de saúde para ele atender ao nosso pedido e instituir uma portaria que determina o Registro Compulsório do Câncer, em Brasília. Depois, levamos essa pauta para o Congresso Nacional e influenciamos na tramitação de dois projetos de lei que tornam obrigatório o Registro de Câncer em todo o Brasil. Agora, estamos contribuindo para que o PL dos 30 dias avance na Câmara dos Deputados. É tanta bênção que eu não tenho nem como agradecer. O Senhor sabe como eu fico feliz em contribuir para a formulação de políticas públicas que beneficiam o paciente oncológico. Eu Te amo, Pai. Chegando em casa, Joana ligou para a sua mãe e contou a novidade. Sua mãe era sempre a primeira pessoa que ela ligava para dar a boa nova. Maria ficou muito feliz, ela se sentia orgulhosa da filha, pela sua dedicação à causa do câncer, beneficiando com seu ativismo as mulheres, principalmente as mais necessitadas,
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para que elas tenham a chance de tratamento e cura, assim como ela e a filha tiveram. Após falar com a mãe, Joana tomou banho e comeu um sanduíche que ela mesma preparou. Assistiu à TV e adormeceu, pensando na votação do dia seguinte. Acordou feliz e segura de que iria conseguir a aprovação do PL na Comissão. Tomou banho, arrumou-se e passou na padaria; pediu um pão e um café com leite. Comeu mentalizando a vitória na batalha que estava por vir e depois foi buscar a amiga Carol. As duas partiram em direção à Câmara dos Deputados, conversando animadas sobre as estratégias que usariam para convencer os deputados da Comissão sobre a importância da aprovação do tema. Elas chegaram mais cedo e só estavam três pessoas na sala da Comissão. Pouco tempo depois, as associadas da Recomeçar chegaram. Joana deu a elas um papel com argumentos favoráveis ao PL e as orientou a abordarem os parlamentares na entrada para entregarem o papel e pedirem apoio pela aprovação do projeto, quando da votação. Todos os parlamentares que entravam para a sessão eram abordados por Joana, Carol e as associadas com o pedido de ajuda. O discurso era o mesmo. Elas diziam que eram sobreviventes do câncer, com exceção da Carol, e pediam aos parlamentares que votassem pela aprovação do PL, ajudando com esse voto a salvar muitas vidas. O entrave é que lá havia três funcionários da base do governo para tentar barrar a aprovação. Joana percebeu que depois que elas pediam apoio aos parlamentares, logo à frente vinha um membro do governo falar com o parlamentar e pedir para que ele votasse contra o projeto. Essa manobrado governo quase colocou tudo a perder, mas Joana e sua turma do bem falaram novamente com os parlamentares que tinham sido convencidos pelo pessoal do contra,
e conseguiram reverter a situação. O Projeto de Lei dos 30 dias que trata sobre o diagnóstico do câncer no SUS foi aprovado na Comissão de Saúde, pela maioria dos deputados. Nenhum deles se manifestou contra. Quando Joana e sua turma ouviram a notícia, elas bateram palmas, agradeceram em voz alta aos parlamentares, fizeram uma roda e se abraçaram emocionadas. A comoção foi grande. O gosto da vitória tinha sabor de vida, de muitas vidas que podem ser salvas se a população brasileira tiver acesso a um diagnóstico de câncer em até 30 dias, após a suspeita da doença. Joana e as amigas de luta deixaram o Congresso Nacional felizes da vida, com um sentimento de dever cumprido. Elas se sentiam brasileiras que exerciam seu papel de cidadãs. A celebração aconteceu em um restaurante perto da casa de Joana, pediram picanha acompanhada de arroz, batata frita e farofa de ovos. Elas degustaram a deliciosa refeição em clima de euforia e descontração, relembrando os momentos marcantes do dia. Depois de pagar a conta, Joana agradeceu a presença e a participação de cada uma naquele dia inesquecível. Joana chegou em casa e chorou de felicidade. Ela estava em êxtase pelo que tinha acontecido. Em seu quarto, ajoelhou-se e agradeceu a Deus, com as lágrimas escorrendo em sua face. Ela sabia que esse era mais um capítulo vitorioso da missão grandiosa que Ele lhe confiou. Com os olhos fechados e as mãos em sinal de oração, Joana agradeceu por ter sobrevivido e ter sido curada do câncer de mama do tipo mais agressivo que se tem conhecimento, e conseguir as conquistas para a causa do câncer. Na semana seguinte, a voluntária que fica na sala da Recomeçar, no Hospital Regional da Asa Norte - Hran, mandou uma mensagem dizendo que teve um imprevisto e não poderia ir ao hospital naquele dia. Joana desmarcou um compromisso que havia agendado e foi para lá. Abriu a sala e colocou a arara do
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bazar para fora. A sala era pequena, na entrada tinha um armário branco, nas laterais, duas araras com roupas e, ao fundo, havia uma mesa, três cadeiras, um arquivo de aço para documentos, um espelho e um cesto duplo com lenços que a Recomeçar doa para as mulheres que estão carecas. As paredes eram pintadas de rosa e tinha dois painéis grandes com fotos dos eventos, ações e campanhas da instituição. Duas mulheres apareceram, olharam o bazar, pegaram uns folders informativos e saíram. Pouco tempo depois, chegou uma mulher de uns 60 anos. Ela tinha acabado de sair do médico e estava visivelmente emocionada. Joana se apresentou e perguntou como poderia ser útil. A senhora segurou o choro e contou o que lhe tinha acontecido: — Minha filha, tem 15 anos que eu perdi o peito esquerdo e eu não sabia que o SUS fazia esse tipo de cirurgia. Eu vim aqui para me consultar com um ginecologista e vi uns painéis de fotos com depoimentos de mulheres que perderam a mama como eu e que fizeram a cirurgia para reconstruir a mama. Perguntei para a moça da limpeza se no hospital faziam essa cirurgia e ela disse que sim. Depois disso, eu fui atrás e consegui uma consulta com o doutor cirurgião plástico. Ele me pediu exames e eu os trouxe hoje. Ele olhou e disse que eu não poderia fazer a reconstrução da mama porque eu estou diabética e com colesterol alto. Disse que eu tenho que fazer dieta e depois refazer os exames. Estou sonhando em fazer essa cirurgia faz tanto tempo, meu sonho é ter dois peitos de novo. Eu estou tão triste porque não vou poder operar agora. Joana ouviu atentamente a história da senhora. Quando ela acabou de falar, Joana a consolou. — Não fica assim não, dona Marta. Eu sei como é. Eu fiquei somente dois anos sem uma das mamas e foi um período muito difícil para mim. Mas a saúde vem em primeiro lugar. Se os exa-
mes da senhora não estão bons é melhor para a sua saúde fazer o que o médico disse, para que você possa operar depois. Aquelas fotos que você viu são uma exposição de fotos da nossa ONG, com mulheres que fizeram a reconstrução da mama. Queremos mostrar que a vida continua após o câncer e que é possível superar a doença e recomeçar a vida com a autoestima elevada. A propósito, você usa prótese externa? — Uso não. Eu não tenho dinheiro para isso filha. O doutor falou que vocês doam prótese aqui. É verdade mesmo? — É isso mesmo, dona Marta — respondeu Joana enquanto se levantava e abria uma das gavetas do arquivo de aço. A gaveta estava cheia de próteses de silicone. Joana pegou dois tamanhos e mostrou para dona Marta. — Nós doamos a prótese para a senhora colocar no sutiã. Aqui tem dois tamanhos, vamos ver qual deles fica melhor na senhora. Joana foi até a porta e trancou para ninguém entrar. Dona Marta tirou a blusa e experimentou as duas próteses. A primeira que Joana deu para ela experimentar foi a que ficou melhor, com um tamanho proporcional ao da outra mama. Marta colocou novamente a primeira prótese, vestiu a blusa e continuou se olhando no espelho, com satisfação. — Essa foi a que ficou melhor. Ficou muito bom. Com roupa nem parece que eu perdi um peito. Eu vou me sentir bem mais à vontade andando na rua. Senhor, que bênção, muito obrigada meu Deus — disse dona Marta levantando as mãos para o céu. Durante o agradecimento a Deus, Marta começou a chorar. Joana se aproximou, afagou seus cabelos e a abraçou. Joana estava comovida, com lágrimas nos olhos e agradeceu também em pensamento. Primeiro agradeceu a Deus por tê-la guiado a fundar e ajudado a manter a Recomeçar, depois aos funcionários de uma empresa que se mobilizaram no Outubro Rosa. Eles fizeram uma vaquinha, compraram as próteses de silicone e doaram para a
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Recomeçar. A Recomeçar não tinha dinheiro para comprar as próteses para as pacientes. Joana era boa em muita coisa, mas era péssima em captar recursos para a ONG, seja por meio da doação de pessoa física, ou por empresa ou governo. Marta se acalmou e disse: — Eu, que nunca ganho nada, ganhei uma prótese de silicone. Que chique! Eu estou me sentindo o máximo, nem lembrava como era me olhar no espelho e ver dois volumes nos peitos. Eu estou amando. — É muito bom mesmo, dona Marta. Dá mais confiança na gente, né? E para a senhora ficar se sentindo ainda mais feliz, vai ganhar outra coisa. Escolhe cinco peças de roupas do bazar para estrear a prótese de silicone — disse Joana com os olhos marejados. — Que belezura de menina. Muito obrigada minha filha. Você fez o meu dia mais feliz. Eu cheguei aqui triste porque vou ter que esperar mais tempo para fazer a cirurgia e agora eu estou feliz da vida. — Você que tornou o meu dia mais feliz, dona Marta — respondeu Joana tentando controlar as lágrimas para que elas não caíssem. — Vamos ver as roupas. Tem vestido, blusa, calça... escolhe as cinco peças que a senhora quiser. Dona Marta escolheu as roupas, experimentou e saiu da sala da Recomeçar cheia de alegria e de esperança. Além de ganhar a prótese, as roupas, um laço rosa (símbolo da campanha contra o câncer de mama) e folders informativos sobre reconstrução da mama, dona Marta foi embora do hospital segura, pois agora sabia que lá tinha uma ONG de mulheres que também tiveram câncer de mama, que conheciam os médicos, as enfermeiras, a direção do hospital e estavam dispostas a ajudar caso ela precisasse. Esse sentimento de amparo a fez seguir para casa em paz.
Joana foi guardar as roupas que Marta experimentou e que não ficaram boas. Enquanto ela pendurava as peças na arara, pensava na dona Marta. Ela estava sentindo um bem-estar enorme por ter conhecido a dona Marta e doado a prótese e as roupas para ela. Pela sua experiência de vida, Joana sabia que quem faz o bem é o maior beneficiado, e a sensação de ajudar é um alimento para a alma. Uma das coisas que Joana mais queria era ter uma equipe, com profissionais de várias áreas, inclusive da área de captação de recursos, para ampliar o trabalho da Recomeçar. Ela sabia que fazia muito com o pouco que tinha, mas queria fazer e ajudar mais. E Deus congelou o filme e falou a Joana: — Minha filha, você não sabe pedir! Você tem muitos defeitos, assim como todos os meus filhos, que estão aqui para aprender, para melhorar e para evoluir. Um grande defeito seu que prejudica a sua vida é não buscar apoio. Por exemplo, você voltou para o Brasil sem economias e iniciou prontamente o tratamento contra o câncer. Os seus familiares mais próximos sabiam disso e estavam prontos a te ajudar. No fim do seu tratamento, teve um episódio em que sua mãe estava viajando e o dinheiro que ela deixou tinha acabado. Você ia fazer a quimioterapia no dia seguinte e não tinha dinheiro para pegar o ônibus para ir e voltar do hospital. Você precisava pedir, caso contrário você ia perder um tratamento importantíssimo para salvar a sua vida. Então, no último momento, você ligou para o seu irmão e contou o que se passava. Ele, prontamente, transferiu dinheiro para a sua conta. Joana abaixou a cabeça e as lágrimas caíram da sua face ao lembrar do sofrimento desse dia. — Outro exemplo é a Recomeçar — continuou Deus — aconteceu algumas vezes de a Recomeçar ficar com a conta bancária praticamente zerada. Nestas ocasiões, você não sabia como iria custear as despesas fixas dos meses seguintes, e ficou novamente
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sofrendo em silêncio, pensando em desistir do trabalho no terceiro setor. Graças a sua obstinação, vontade de ajudar e fé em dias melhores, você não desistia e as coisas melhoravam. Em se tratando da ONG, é comum haver dificuldade de financiamento. — Eu sempre fui péssima em buscar apoio. Eu não gosto de incomodar ninguém. Isso me prejudica em vários aspectos da minha vida. No caso da Recomeçar, eu acho que no meu subconsciente, pedir patrocínio é incomodar. Tenho que melhorar isso em mim. — Não tenha medo, minha filha, peça! O seu trabalho é tão lindo. Tem tanta gente nesse mundo que apoia a causa que você abraçou, a causa do câncer, e que está disposta a colaborar com recursos financeiros e humanos. — É Pai, Você sabe que diversas vezes eu pensei em parar, em desistir da Recomeçar, fechar a ONG e ir cuidar da minha vida. Acontece que há muito tempo a minha vida é a Recomeçar e a causa. Então, sempre vinha uma força lá de dentro, aliás, lá de cima, levantando-me e impulsionando-me a seguir adiante e a pensar que o dia seguinte seria um novo dia e que as coisas iriam melhorar. E as coisas de fato melhoravam e a esperança sempre se renovava. Obrigada, Pai, por nunca desistir de mim. — Minha filha, eu é que te agradeço por nunca desistir da Recomeçar e da causa. Você pensa que é só você que teve dificuldades e pensou em desistir? Não. Diariamente, vários filhos meus, dirigentes de ONGs que fazem trabalhos maravilhosos como você, cujas ONGs também têm dificuldades, como a Recomeçar, pensam em desistir. E assim como eu fiz com você, eu faço com eles. Eu os estimulo a prosseguir e sopro no ouvido deles: “Aguenta mais um pouquinho. Amanhã será um novo dia”. Eu dou ideias novas de captação de recursos, eu estimulo pessoas que têm um coração bom e disposto a ajudar. Sabe Joana, muita gente desiste diante das mazelas. Então, eu é que te agradeço
minha filha por perseverar. O caminho não é fácil, mas os frutos são maravilhosos. O impacto no mundo do trabalho de líderes como você é muito grande e é por isso que eu os estimulo a prosseguir, mesmo em meio às dificuldades. Há muito o que fazer e eu conto com vocês. Eu vou enviar pessoas maravilhosas para te ajudar nesse caminho de fraternidade e de amor, para que a Recomeçar possa crescer e ampliar o alcance do belo trabalho que desenvolve. — Amém! — disse Joana sorrindo. — Eu sinto e acredito que as coisas vão melhorar, Pai. O trabalho das ONGs é muito difícil no Brasil e mundo afora. Mas, principalmente no Brasil, a população ainda não entendeu que o dinheiro das empresas vem da oferta de produtos e serviços, o dinheiro do governo vem da cobrança de impostos e o dinheiro das ONGs vem da doação. É simples assim. Os trabalhos maravilhosos que são desenvolvidos de norte a sul, de leste a oeste do Brasil e em todo o mundo, acontecem porque são apoiados por corações sensíveis, que apoiam as causas defendidas pelas ONGs. — E os corações sensíveis têm se multiplicado a cada dia, Joana. Vamos voltar ao filme minha filha. Estamos quase chegando ao fim. E o filme voltou onde tinha parado, com Joana na sala do hospital acabando de arrumar as roupas do bazar. Deu a hora de fechar a sala da Recomeçar e Joana foi embora, realizada. Teve uma tarde muito produtiva. Depois do jantar, ela foi escolher a roupa que usaria na entrevista do dia seguinte. Experimentou uma de suas blusas rosa com a logomarca da Recomeçar — seu uniforme — com três saias diferentes. A primeira saia ficou muito curta, a segunda Joana achou muito justa para a ocasião e a terceira, foi a que ela gostou e vestiu. Depois de saia e blusa escolhidas, foi a vez de definir os acessórios e o sapato que iria usar. A entrevista era cedo e Joana preparou tudo no dia anterior para não se atrasar.
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A entrevista era para um jornal local. Dar uma entrevista era algo corriqueiro para Joana. Desde que começou a sua luta em prol do paciente oncológico, foram muitas as entrevistas para TV, jornal e rádio, principalmente no mês de outubro, conhecido como o Outubro Rosa, mês de prevenção e combate ao câncer de mama. O fato de Joana ter tido câncer de mama aos 30 anos, ter feito tratamento no SUS, ter vários casos de câncer de mama na família (mãe, tias e prima), ter fundado uma ONG e ser uma ativista e líder em saúde, a faz ser procurada pela mídia para entrevistas. Após escolher a roupa que usaria no dia seguinte, Joana desceu para passear com o seu cachorro, o Gordinho. A lua estava linda e ela ficou um tempo olhando para o céu, contemplando aquela imensidão azul, iluminada pela lua cheia e pelas estrelas. Pensou onde estaria o homem que Deus destinou para ser seu marido e pai dos seus filhos: “Quem será ele e o que ele está fazendo neste momento?”. Ela não via a hora desse homem chegar. Joana acreditava que o destino amoroso dela estava traçado, escrito nas estrelas. Apesar de estar só e de desejar ardentemente a presença do seu futuro esposo, ela sabia que tudo tem a sua hora. Ela lembrou de um trecho da música “Tá escrito”, do Grupo Revelação, e cantou para a lua, com o coração cheio de esperança de encontrar o grande amor: “Quem cultiva a semente do amor Segue em frente e não se apavora Se na vida encontrar dissabor Vai saber esperar a sua hora Às vezes a felicidade demora a chegar Aí é que a gente não pode deixar de sonhar Guerreiro não foge da luta, não pode correr Ninguém vai poder atrasar quem nasceu para vencer 158
Erga essa cabeça, mete o pé e vai na fé Manda essa tristeza embora Basta acreditar que um novo dia vai raiar Sua hora vai chegar!”
— É isso aí, a minha hora vai chegar! — falou com confiança. Joana voltou para casa do passeio com o Gordinho, leu um pouco o livro A Cabana e dormiu. Quando acordou, ela se lembrou do sonho que teve a noite. Tinha sonhado com dois bebês recém-nascidos em seu colo, um de cada lado, um menino e uma menina. Ela se lembrou da sensação gostosa de carregar os dois bebezinhos e sentiu esperança em ter filhos. Ela estava com 41 anos e o tempo dela para realizar esse sonho estava se esgotando. Mesmo com o tempo contra, Joana tinha fé que Deus a abençoaria com a maternidade. Ela foi tomar banho ainda pensando no sonho com os bebês. Colocou a roupa que já tinha escolhido na noite anterior. Foi até a cozinha e fez ovos mexidos com tomates e queijo branco. Pegou um suco de uva para acompanhar e comeu enquanto se maquiava. Depois, pegou uns folders no escritório da Recomeçar, que ocupa um dos quartos de sua casa, e foi embora para a sala da Recomeçar no hospital, o local combinado para a realização da entrevista. A jornalista e o fotógrafo chegaram na hora marcada. Joana cumprimentou os dois e apresentou a sala da Recomeçar a eles. Depois de acomodadas, Joana e a jornalista conversaram um pouco sobre o trabalho da Recomeçar, enquanto o fotógrafo tirava fotos delas e do ambiente. A jornalista ligou o gravador e começou a entrevista: — Diz o seu nome e cargo. — Joana Jeker, fundadora e presidente da Recomeçar — respondeu Joana. 159
— Esse sobrenome Jeker é alemão? — indagou a jornalista. — É suíço-alemão. Meu avô materno nasceu em um cantão da Suíça chamado Solothurn, cuja língua oficial é o alemão. — Joana, com quantos anos você descobriu o câncer de mama? Conta um pouco como foi o diagnóstico. — Foi aos 30 anos de idade, na Austrália. Eu tenho o hábito de fazer o autoexame das mamas e, em um desses autoexames no banho, eu apalpei o nódulo e soube que era câncer. Eu tive outros nódulos antes, que eram benignos, mas quando eu toquei naquele eu senti, intui que era bem maligno. Eu enfrentei e fui ao médico, fiz ecografia, mamografia, biópsia e já saí da clínica com o diagnóstico de câncer. Fui chorando durante o caminho da clínica até a minha casa, e chorei por muitos dias. Fiquei muito abalada e com medo de morrer. Pouco tempo depois, voltei para o Brasil e fiz todo o tratamento pelo SUS. — E o que te ajudou nesse período? — Do diagnóstico até eu finalizar a reconstrução da mama com a tatuagem, eu passei por muitos momentos dolorosos, onde eu ficava mal e era tomada pela tristeza. Então buscava a Deus e Ele me levantava e me fortalecia para continuar a luta. O apoio e o carinho da minha família e de amigos também me ajudaram muito. Sentir-se amada e amparada é fundamental para quem está em tratamento contra o câncer. Ajuda inclusive na recuperação. — Como foi perder a mama e ficar careca? — Foi extremamente doloroso me olhar no espelho careca e sem um seio. A minha autoestima ficou muito abalada. Eu me sentia horrorosa, mas sou vaidosa e colocava a peruca, fazia uma maquiagem e me sentia melhor. O sofrimento foi muito grande, mas é melhor perder o cabelo e o seio do que perder a vida. Hoje, o meu cabelo cresceu, o meu seio foi reconstruído com um resultado muito satisfatório e estou curada do câncer.
Eu tive uma segunda chance de viver. Eu recomecei e dedico a minha vida a causa do câncer, para que a população tenha acesso ao diagnóstico rápido, ao tratamento de qualidade e à reconstrução da mama. — Como foi que você fundou a ONG? — Eu comecei o movimento pela ampliação das cirurgias de reconstrução da mama pelo SUS, enquanto paciente que queria terminar a reconstrução da minha mama. Tudo começou quando o meu médico parou de operar por problemas no hospital. A ausência de materiais básicos para as cirurgias e a falta de pessoal, como anestesista e instrumentador cirúrgico, estava atrapalhando o desempenho do trabalho dele e ele resolveu parar de fazer cirurgias eletivas. Faltava ele fazer o bico e a auréola da minha mama e eu queria ter o seio completo. Fui atrás dos meus direitos e fiz um abaixo-assinado, organizei uma manifestação em frente ao hospital. Depois de um tempo, eu consegui finalizar a minha mama e quis esse mesmo benefício para todas as mulheres mutiladas pelo câncer. Eu fui atrás da elaboração de leis sobre o assunto e me envolvi de corpo e alma com a causa. Fundei a ONG para defender de forma institucionalizada o paciente oncológico. — Como foi o aprendizado para essa atuação na Recomeçar? — Nós participamos de capacitações desde o início. Com menos de um ano de fundação, a Recomeçar se filiou à FEMAMA — Federação Brasileira de Instituições Filantrópicas de Apoio à Saúde da Mama — e nesses anos como organização filiada, pudemos participar de muitas capacitações, fóruns e eventos promovidos por eles, que pretendiam dar mais subsídios às ONGs associadas, abordando diversos temas sobre captação de recursos, advocacy, empoderamento do paciente, políticas públicas de combate ao câncer, entre outros. A capacitação que mais me marcou foi uma de Empoderamento Feminino, patrocinada pelo governo ame-
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ricano, em 2012. Foi uma experiência marcante na minha vida. Quinze brasileiras ficaram 40 dias nos Estados Unidos conhecendo o trabalho de várias ONGs e hospitais de lá, em quatro estados americanos. Ao final, cada uma apresentou um pôster em um Congresso em Washington, com pessoas de várias partes do mundo. Foi uma experiência incrível, eu aprendi muito e até hoje sou grata por essa oportunidade. — Cite uma experiência inesquecível na história da Recomeçar. — Foram tantas emoções nesses oito anos de militância. Tudo é inesquecível. Cada conquista para a causa, cada evento, cada pessoa que ajudamos, tudo marca a nossa história. A conquista dos mutirões e da Lei de Reconstrução da Mama foi, sem dúvida, algo que nunca vou esquecer. Outra experiência inesquecível foi a inauguração da exposição “Recomeço: histórias de Mulheres Vitoriosas”, no espaço Senado Galeria, em 2012. A nossa exposição bombou demais. A mostra foi aberta pelo Ministro da Saúde e pelo Secretário de Saúde da época, além de várias senadoras, deputadas e sobreviventes do câncer de mama. Estava lotado. Foi emocionante estampar, pela primeira vez, as nossas fotos e depoimentos de superação do câncer nas paredes do Congresso Nacional, onde são feitas as leis nacionais que amparam o paciente oncológico e onde são destinados os recursos para a prevenção e o tratamento do câncer. Mais uma experiência memorável foi levar outra exposição de fotos para o World Cancer Congress, o maior congresso sobre câncer no mundo, que aconteceu em 2016 em Paris. — Qual o projeto importante que vocês estão trabalhando? — Há dois projetos muito importantes. Um deles determina o prazo de 30 dias entre a suspeita do câncer e o diagnóstico em biópsia no SUS. Através do nosso trabalho de advocacy nós conseguimos passar o projeto de Lei na Câmara dos Deputados e avançamos no Senado, onde a matéria está prestes a ser votada no plenário em
regime de urgência. Não é fácil, mas é uma política pública que pode salvar muitas vidas e estamos otimistas que iremos conseguir. O outro projeto que nós estamos trabalhando é para instituir o Registro Compulsório do Câncer em todo o Brasil. Nós influenciamos a proposição de dois projetos de lei que tratam do mesmo tema, e vamos batalhar para que eles virem lei federal, para auxiliar no cumprimento da Lei dos 60 dias, que determina o prazo de até 60 dias para início do tratamento contra o câncer pelo Sistema Único de Saúde. O Registro Compulsório do Câncer é uma importante ferramenta para monitorar a incidência da doença no Brasil e fornecer dados para a formulação de medidas de enfrentamento do câncer. Infelizmente, hoje mais de 90% dos casos de câncer não são registrados no Sistema de Câncer do Ministério da Saúde. — Maravilha. Muito obrigada Joana pela entrevista — finalizou a jornalista. — Eu é que agradeço a oportunidade de divulgar a minha história e o trabalho da Recomeçar. O fotógrafo tirou mais fotos e depois eles se despediram e foram embora. Após a saída da repórter e do fotógrafo da sala da Recomeçar, o filme focou em Joana sentada em sua cadeira e depois parou. Deus olhou para e Joana e disse: — FIM! Joana sorriu e Deus continuou: — Filha, você deu essa entrevista ontem, antes do ataque, lembra? — Claro Pai, eu lembro sim — respondeu Joana em tom sereno, como se tivesse superado o acontecimento. — Eu te trouxe aqui para ver o filme da sua vida desde antes da descoberta do câncer até ontem. Você viu quanta coisa você passou? Você se dá conta da força que você tem e o que você pode fazer com esta força Joana?
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— Eu passei por muita coisa mesmo. Foram muitas lágrimas derramadas, mas também tive muita esperança, fé, obstinação e trabalho. Eu posso tudo, Pai, com você ao meu lado. — A sua história é linda, filha. Você me enche de orgulho. Você estava vivendo num lugar maravilhoso na Austrália, descobriu o câncer de mama aos 30 anos, perdeu a mama, ficou careca, lutou para reconstruir a sua mama, lutou para as mulheres reconstruírem as mamas delas, fundou a ONG, conseguiu mutirões e a lei de reconstrução da mama. O diagnóstico da sua mãe de metástase do câncer de mama, há cinco anos, a abalou muito e foram muitos os medos que invadiram a sua mente, mas você é feita de esperança e ensinou a sua mãe a ter fé. E o câncer dela regrediu. Mesmo em meio há muitas dificuldades, inclusive financeiras, você nunca desistiu da Recomeçar. Pelo contrário, em oito anos você conseguiu muita coisa para a causa e vai conseguir ainda mais. Essas duas pautas que você está trabalhando no Congresso Nacional, vão virar leis federais que beneficiarão gerações e gerações de brasileiros e brasileiras. Você está no caminho certo. Tem muita coisa boa pela frente. Você vai abraçar mais causas humanitárias e vai ajudar ainda mais. Parabéns, meu amor. Quem planta amor, colhe flores lindas. — Uau, eu estou toda arrepiada. Obrigada Pai. Eu estou pronta para a colheita. Eu me permito ser feliz, chega de sofrimento, de insegurança, de dificuldades financeiras e de problemas amorosos. Eu me amo. Depois de assistir ao filme da minha vida e ver como espectadora tudo o que aconteceu, eu vejo que mereço ser feliz. Eu me abro para a felicidade e para a fartura e abençoo os dias felizes que me esperam. — Amém! Os seus principais sonhos, pessoais e profissionais, tornar-se-ão realidade. E você vai contribuir muito mais do que você imagina para o mundo.
— Estou aqui para o que der e vier porque eu tenho você ao meu lado. Que seja feita a Sua vontade, assim na Terra como no Céu — disse Joana. Os dois se abraçaram. Depois do longo abraço, Deus disse: — Vamos filha, eu estou faminto. Está sentindo o cheiro da torta que Jesus está preparando para o jantar? — Hum, agora eu senti. Que cheiro bom. Eu também estou com muita fome e vou querer dois pedaços da torta. — E eu vou querer três pedaços — falou Deus. Os dois riram e foram até a cozinha, guiados pelo cheiro inebriante da comida que Jesus estava preparando. — Que cheiro é esse Mestre? Está muito bom! — Vocês chegaram na hora certa. Aquela é uma torta de aspargos que eu acabei de tirar do forno — disse, apontando para a torta em cima da mesa da cozinha, enquanto, com uma colher, mexia na panela que estava no fogão. — Tem também um consomê de alho porró, que está quase pronto. — Nossa, que delícia! Eu adoro tudo isso — falou Joana — Eu também — disse Deus. — Você gostou do filme, Joana? — perguntou Jesus. — Sim Mestre, eu amei! Aliás, eu amo muito você e Deus. Obrigada por me trazerem aqui. Obrigada por me ajudarem a me amar mais. Eu acho que os medos, traumas e as inseguranças atrapalhavam várias áreas da minha vida. Eu olhava para mim e via os defeitos e o que faltava na minha vida pessoal e financeira. Eu me achava bacana, mas sempre me cobrava mais, pois sempre olhava os meus defeitos e não as minhas qualidades. Ao assistir ao filme da minha vida, eu vi a Joana sob outro ângulo e passei a me aceitar e me amar do jeito que sou. Mais do que isso, eu admiro a pessoa que estou me tornando e valorizo o que é bom em mim. — Que lindo Joana, você captou o sentido da coisa! A vida fica muito mais fácil quando as pessoas se conhecem e se aceitam.
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Aceite-se, ame-se e continue evoluindo e trilhando o caminho do bem e da fraternidade. — Jesus, onde está a vasilha para colocar o consomê? — perguntou Deus. — Pai, está na segunda prateleira do armário ao lado da geladeira — respondeu Jesus, que tinha acabado de desligar o fogo do consomê. — Eu vou colocar os pratos, talheres e copos na mesa — disse Joana, enquanto abria o armário dos pratos. Jesus colocou o consomê na vasilha que Deus pegou e levou à mesa. Estava saindo fumaça de tão quente, todos se serviram. Joana, que nem era de comer muito, serviu-se duas vezes do consomê e da torta de aspargos. — Estava tudo maravilhoso, Jesus. Morar com vocês não seria bom para minha saúde. Eu ia engordar horrores porque a comida aqui é divina. Os três riram. Joana se levantou da mesa e colocou a louça na pia. Quando Deus se ofereceu para lavar, ela já estava pegando a bucha e começando a limpeza. Quando Joana acabou de lavar a louça e arrumar a cozinha, Jesus a convidou e a Deus para irem ao quintal ver a chuva de estrelas cadentes. — Vamos lá para fora Pai e Joana. Tem uma chuva de estrelas cadentes que vai durar dez minutos — disse Jesus. Eles foram para o quintal e ficaram observando a beleza da chuva de estrelas. — É magnífico isso, gente — observou Joana — Eu também adoro ver essa maravilha do Pai — afirmou Jesus. — É mesmo. Até eu não me canso de observar as belezas que criei — disse Deus. Quando acabou o espetáculo no céu, os três entraram e se acomodaram no sofá da sala. A lareira estava ligada. Jesus colo-
cou uma música ambiente e os três ficaram conversando por algum tempo. Jesus pegou uma flor em um jarro em cima da mesa de centro e deu a Joana. — Para você. Eu sei que a flor de jasmim é a sua favorita — afirmou. — Muito obrigada, mestre — disse Joana, enquanto cheirava a flor. — Eu adoro a beleza e o perfume da flor de jasmim. — De nada, minha querida flor — respondeu Jesus. — O papo está ótimo, mas eu estou exausta. Eu vou me recolher. Boa noite Jesus, boa noite Pai — disse Joana. Joana deu um beijo no rosto de Jesus e um beijo no rosto de Deus. — Bons sonhos, irmã. Eu te amo — disse Jesus. — Boa noite filha. Foi um ótimo dia. Eu te amo. A cada dia estamos mais próximos. Não se esqueça disso — disse Deus. — Eu é que amo muito vocês dois, meus amores. Pai, eu não esquecerei. Cada dia mais próximos! Beijos. Joana estava cansada, com muito sono. Foi um dia superintenso para ela. Ela se dirigiu para o seu quarto, escovou os dentes, colocou a camisola e deitou. Ficou cheirando a flor de jasmim, enquanto se lembrava dos acontecimentos do dia. Logo ela adormeceu, com a flor de jasmim nas mãos.
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Capítulo 14
Gravidez
Joana acordou com uma voz chamando o seu nome. Ela abriu os olhos e viu dois socorristas ao seu lado. Próximo dali, havia três policiais e o grupo de pessoas que ela tinha visto no rio, antes de ser atacada. Recobrou os sentidos e percebeu que tinha desmaiado. Ela abriu a mão e viu a flor de jasmim. Joana se lembrou de tudo o que aconteceu no encontro com Jesus e com Deus e, intimamente, ela sabia que havia sido mais do que um sonho. A flor de jasmim em sua mão era prova disso. Um dos policiais, provavelmente o de maior patente, perguntou o que havia acontecido e Joana contou que foi atacada por um louco pelado escondido na moita. Ela relatou como se livrou dele e mostrou a direção que ele fugiu mata adentro. O policial perguntou sobre as características físicas do homem que a atacou. Joana descreveu fisicamente o estuprador e, em seguida, os policiais entraram na mata à procura dele. Os paramédicos fizeram algumas perguntas e testes para ver o estado físico e emocional de Joana. Ela tinha um pequeno galo na testa, provocado por uma das pedras que o tarado jogou na direção dela. Tinha, também, um galo maior na parte traseira da cabeça, ocasionado pela queda durante o desmaio. Joana estava serena, apesar de lembrar de cada detalhe do ataque. Ela contou como aconteceu tudo, desde o momento em que chegou ao estacionamento da cachoeira até o ataque. Ao fim da narrativa, foi liberada pelos paramédicos. Agradeceu a eles pelos 168
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cuidados, despediu-se de todos e foi para a delegacia prestar queixa da tentativa de estupro. No caminho para a delegacia, Joana não conseguia parar de pensar na incrível experiência que teve com Deus e Jesus. Tudo o que ela viu e ouviu a fizeram sentir-se mais segura, fortalecida, nutrida e pronta para recomeçar mais uma vez. Ela percebia que mais uma etapa estava chegando ao fim para outra começar. Uma das frases de Deus não saia da sua cabeça: “os seus principais sonhos, pessoais e profissionais, tornar-se-ão realidade. E você vai contribuir muito mais do que você imagina para o mundo.” Joana ficou curiosa para saber o que Deus queria dizer com isso. Ela tinha tantos sonhos, o maior deles, com certeza, era se casar, ter filhos e constituir uma família. Ela tinha fé que poderia ser mãe, e queria muito isso. Mas primeiro, ela tinha que conhecer e começar a namorar o seu futuro marido. Na parte profissional, queria ampliar o trabalho da Recomeçar e contribuir mais, tanto no resto do Brasil como no mundo, mas não sabia como. Seja lá o que Deus reservava ao destino dela, Joana aprendeu a entregar a vida em suas mãos e deixar que Ele a guie pelo melhor caminho. Ela tinha crença em que se algo iria acontecer, seria-o na hora certa e não na hora em que ela queria. De sua parte, continuaria plantando, dedicando-se ao trabalho e cuidando da mãe, estaria atenta aos sinais. A vida sempre dá sinais. Esta era mais uma lição aprendida a duras penas. Cada vez mais ela está aprendendo a ouvir os sinais e o seu sexto sentido, algo que é inerente a todos os seres humanos. Uns desenvolvem essa capacidade mais do que os outros, mas todos a tem. O registro da ocorrência não demorou muito e Joana pôde, enfim, ir para casa. Lá chegando foi diretamente para o banho. Enquanto se lavava, pensava em tudo o que aconteceu. Um sentimento de gratidão invadiu sua mente. Ela sentiu que poderia estar morta se tivesse sido pega de surpresa, pelas costas. Sabia
que tinha escapado por pouco. “Graças aos sinais, graças a Jesus e a Deus, eu estou aqui, sã e salva”, pensou. Sentiu um pesar pelas milhares de mulheres vítimas de estupro em todo o mundo, ela tinha escapado ilesa, porém muitas mulheres são estupradas todos os minutos, todos os dias; queria poder salvar a todas desse sofrimento. Em seguida, ela se lembrou da experiência divina que teve ao lado de Deus e de Jesus. Foi, sem dúvida, muito real. A flor de jasmim em sua mão ao acordar do desmaio não deixava dúvida da veracidade do ocorrido, por algum motivo que ela não sabia, aquilo aconteceu. Joana não se ocupou em tentar entender, queria apenas recordar e reviver. Ela não desejava esquecer nada, queria eternizar aqueles momentos mágicos, uns dos melhores de toda a sua vida. Joana saiu do banho e começou a escrever sobre o Grande Encontro com Deus, com Jesus e consigo mesma. Um ano se passou desde o fatídico dia do ataque. Muita coisa aconteceu. Joana recebeu uma herança do seu avô, proveniente de um processo que se arrastava na justiça há 22 anos. Com o dinheiro da herança, pagou as dívidas, comprou um carro e investiu o dinheiro que sobrou. Depois de muitos anos, ela teve tranquilidade financeira e pode se dedicar a um projeto que acalentava há anos: escrever um livro. Esse dia era muito especial para Joana. Além de fazer um ano do ataque e do Grande Encontro, ela estava lançando o seu livro na Suíça, país de seu avô materno e primeiro país da turnê pela Europa. Tinha lançado o livro há seis meses, no Brasil. O sucesso foi tão grande que ultrapassou fronteiras. O livro foi traduzido para o inglês, espanhol, francês e alemão. O título, O Grande Encontro, foi escolhido por Joana e mantido nas traduções. Depois da Suíça, o livro seria lançado em mais oito países da Europa e nos Estados Unidos. Ela estava muito
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feliz e grata a Deus pelo sucesso do livro e pela possibilidade de levar a sua história de superação e de ativismo para outros cantos do mundo. Depois de se maquiar, botou o vestido rosa que tinha separado para a ocasião, colocou os acessórios e se encarou no espelho. Agradeceu a Deus pela oportunidade de lançar o livro na Europa e se lembrou do seu pai e do seu avô paterno, ambos falecidos. Seu avô, Cyro dos Anjos, foi um escritor famoso no Brasil, membro da Academia Brasileira de Letras, considerado o romancista mais sutil e poético da geração literária de 30. Joana pensou que ele e seu pai iriam ficar muito orgulhosos de a verem lançando um livro na Europa. Um sentimento de amparo familiar invadiu o coração dela, como se seu pai e seus avós paternos e maternos, todos falecidos, estivessem ali abraçando-a. Joana teve o pressentimento de que aquela noite seria muito especial. O telefone do hotel tocou e Joana atendeu. Era a Carol avisando que o transporte que ela contratou havia chegado. Carol, além de diretora da Recomeçar, estava auxiliando a amiga na turnê pela Europa. Joana passou perfume, pegou a bolsa e desceu para o lobby. Carol já se encontrava lá, as duas se cumprimentaram e entraram no carro que as aguardava na saída do hotel. A livraria do lançamento do livro ficava em um dos mais conhecidos shoppings da cidade. Joana estava ansiosa por essa noite de autógrafos. Desde que acordou estava inquieta, preocupada se o coquetel ia agradar, se a champagne estaria gelada a contento e, principalmente, se o público iria comparecer e se a crítica europeia gostaria do seu livro. No Brasil, público e mídia se identificaram com a história de Joana e os comentários foram muito positivos. Na página que ela criou no Facebook para divulgar o seu livro, havia muitos relatos de pessoas que disseram que a leitura do livro as ajudou a superarem momentos difíceis em suas vidas.
Outras pessoas disseram que Joana as inspirou a continuarem lutando por suas ONGs, causas e ativismos, que a vida as impulsionou a se envolverem. O shopping ficava perto do hotel e elas chegaram em dez minutos. Ao chegar à livraria, Joana e Carol se certificaram que estava tudo certo com o coquetel e aproveitaram para provar uns petiscos. O champagne estava no ponto e os canapés, uma delícia. Em pouco tempo, as pessoas começaram a chegar e Joana deu início às dedicatórias nos livros. Ela falava em inglês com as pessoas, pois não dominava o alemão, o francês e o italiano, as três línguas mais utilizadas na Suíça. Um dos desejos dela para o futuro era aprender mais línguas, especialmente uma das línguas faladas no país do seu avô Urs. Ela gostaria muito de ter a cidadania suíça e falar umas das línguas oficiais é um dos requisitos para fazer esta solicitação. Quando Joana percebeu, a livraria estava cheia e tinha uma fila de gente esperando pelo autógrafo. Ela abriu um enorme sorriso e sentiu que tudo daria certo, como sempre. “Sempre dá certo no final”, ela pensou. Agradeceu a Deus e continuou atendendo as pessoas, sempre muito solícita e grata pela presença de cada um. No intervalo, Carol trouxe até Joana um buquê de exuberantes rosas vermelhas que havia chegado há pouco tempo. — Que lindo amiga! Quem enviou? — perguntou curiosa para saber quem teve a gentileza de enviar aquelas flores lindas a ela. — Eu não sei não amiga. Veio com um envelope com o seu nome, sem remetente e eu não abri para ver de quem era — respondeu Carol. — Deixa eu ver o que diz — falou Joana enquanto erguia a mão para pegar o envelope. Ela abriu o envelope e viu um cartão e um cheque dobrado. Seus olhos foram ávidos ler o cartão para saber do que se tratava.
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“Olá, Joana, como você está especialmente bonita nesta noite! Eu li o seu livro no Brasil e gostei muito. Achei que o livro é muito motivador e inspira as pessoas a superarem os obstáculos, a terem fé e a olharem o lado bom da vida. Eu tenho uma empresa e gostaria de motivar os meus colaboradores. Estou interessado em comprar 2.000 livros para presenteá-los. Segue um cheque de dez mil reais a título de adiantamento da encomenda. Se você estiver interessada na venda, eu te espero amanhã às 12h30 no restaurante do hotel. Gostaria de te encontrar para conversar sobre os termos do contrato de compra, eu verifiquei a sua agenda de amanhã e você não tem nenhum compromisso na hora do almoço. Vou reservar uma mesa em seu nome.” — Então, foi da parte dele que uma mulher ligou mais cedo perguntando da sua agenda de amanhã na hora do almoço. Ela disse que era para uma entrevista e que ligaria depois — disse Carol. — Ele deve ter pedido para a secretária investigar sobre a minha disponibilidade de horário. Nossa, quem será esse homem? É tudo muito incomum. Ele disse que eu estou bonita hoje. Então, ele esteve aqui. E essa encomenda de 2.000 livros, Carol, que maravilha! Eu vou aceitar, vou almoçar com ele amanhã. — Vai sim. Você não pode perder essa venda, é muito dinheiro. Ele até enviou o cheque de dez mil reais de adiantamento. Por falar nisso, deixa eu ver esse cheque — disse Carol, pegando o cheque da mão de Joana. — Esse cheque é empresarial e não tem o nome dele, é de uma agência no Rio de Janeiro. — Que ótimo, vamos fechar negócio com ele — afirmou Joana. — Parece que ele está entusiasmado com você — disse Carol. — Você acha? — perguntou Joana. — Tudo indica — respondeu Carol Joana riu e cheirou demoradamente as rosas. Pediu a Carol para guardar o cheque e as flores. Tirou uns minutos para comer uns petiscos e beber um suco. Depois, foi ao banheiro, retocou
a maquiagem e voltou aos autógrafos. Ao fim da noite, Joana e Carol retornaram ao hotel e cada uma foi para o seu respectivo quarto. Antes de pegar no sono, Joana ficou pensando no encontro do dia seguinte. O tal homem foi ousado em dizer que ela estava bonita. Como seria ele fisicamente? Vários questionamentos vinham à cabeça: Quantos anos o homem tinha? Qual era o ramo da empresa dele? O que ele estava fazendo na Suíça? Como seria a venda dos livros? Qual o prazo da entrega? Joana ficou pensando nesses assuntos até dormir. No dia seguinte, ela cumpriu normalmente com seus compromissos da manhã, voltou ao hotel por volta do meio dia e foi para o quarto retocar a maquiagem e se refrescar. Joana estava com um frio na barriga diante da proximidade do encontro com o homem misterioso. O buquê de rosas com o cartão, o elogio, o convite para almoçar, a encomenda grande de livros, o cheque de adiantamento, era tudo tão inusitado que ela estava ansiosa para conhecer o tal homem e descobrir suas reais intenções. Sua intuição dizia que o encontro seria muito bom para ela. Às 12h20 Joana desceu para o restaurante do hotel e se dirigiu ao maître. Perguntou pela reserva no nome dela. O maître a conduziu até uma mesa para dois. Ela sentou-se confortavelmente na cadeira, olhou ao redor e viu que o restaurante estava cheio, havia somente três mesas vazias. No local onde ela estava sentada, dava para ver a entrada do restaurante. Entrou um homem e ela pensou que fosse ele, mas o sujeito sentou-se na mesa ao lado, com dois homens que já estavam lá. Entrou um casal e logo atrás outro homem. Joana pensou que pudesse ser ele, mas o homem foi até a mesa de uma mulher que estava sozinha. Joana resolveu olhar no celular para se distrair um pouco. Olhou as mensagens de WhatsApp e depois entrou no Facebook. Ficou um tempo em sua timeline e, em seguida, entrou na fanpage
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do livro para ver as mensagens dos leitores. Começou a ler um depoimento de um homem que estava em tratamento contra o câncer e que ficou mais motivado a lutar depois de ler o livro dela. À medida que lia o depoimento, a emoção aumentava e os batimentos cardíacos também, Joana ficava muito feliz em estimular as pessoas. De repente, ouviu uma voz chamar o seu nome. Aquela voz entrou acariciando os seus ouvidos. Joana estava de cabeça baixa olhando o celular e foi conhecendo aquele homem misterioso dos pés à cabeça, literalmente, pois o seu olhar começou pelos pés e subiu até a cabeça. Quando seus olhos se cruzaram com os olhos dele, Joana ficou alguns segundos parada, observando-o. — O que foi? Você se assustou comigo? — perguntou. — Não, é que eu estava absorta com uma mensagem e tomei um susto quando ouvi o meu nome. — Joana tentava passar naturalidade na conversa, mas por dentro estava em ebulição. O homem misterioso era o seu tipo e ela se sentiu atraída por ele assim que o viu. Foi atração à primeira vista. — Sente-se — disse ela, levantando-se para cumprimentá-lo. — Prazer, meu nome é Vitório — disse, cumprimentando Joana com um aperto de mão seguido de dois beijinhos no rosto. — Prazer, Joana. Como você já sabe — brincou, ainda inebriada com o perfume e com a figura de Vitório. Os dois sentaram-se e Vitório perguntou: — Você está aqui há muito tempo? — Não, eu acabei de chegar — respondeu Joana. O garçom se aproximou da mesa e entregou um cardápio para Joana e outro para Vitório. — Fiquei feliz que você veio. Sinal que ficou interessada no negócio — disse Vitório animado. — Com certeza. Não é todo dia que alguém me diz que quer comprar 2.000 livros. É uma grande oportunidade de ganhar um
bom dinheiro e de estimular as pessoas a superarem as adversidades e a se aproximarem de Deus. — Eu adorei a sua relação com Deus. Eu também o amo muito. Vamos escolher os pratos? — Que bom que você também ama a Deus. Vamos pedir sim. Eu estou com fome. Eu vi um prato passando a pouco que me deixou com água na boca. Os dois escolheram seus pratos e fizeram os pedidos. Depois, conversaram sobre os detalhes da compra dos livros. Os pratos chegaram e Joana e Vitório desfrutaram de uma agradável refeição. No restaurante do hotel, tinha música ao vivo, instrumental, que descontraiu o ambiente. Enquanto conversavam, Vitório olhava para Joana com um semblante de encantamento. Ela percebeu o interesse dele e estava adorando. Depois de fecharem negócio e comerem a sobremesa, Vitório falou um pouco sobre a profissão dele, sobre sua infância, hobbies, família e a conversa foi para o lado pessoal: — Eu estou solteiro e venho de uma família grande. Eu quero constituir uma família com muitos filhos, de sangue e adotados. Eu já falei muito sobre mim. Agora me fale sobre você. Fale o que não está no livro, porque eu li o livro três vezes e lembro de tudo que você contou sobre a sua vida — disse Vitório. Joana estava com a mente na frase anterior de Vitório, aquela que falava sobre ter uma família com muitos filhos, de sangue e adotados. Ela também queria a mesma coisa e estava encantada com o que acabou de ouvir. Estava se imaginando casada com Vitório, com dois filhos de sangue e dois adotados, quando teve que sair do devaneio para responder a ele: — Eu já disse tanta coisa no livro, não sei o que mais pode te interessar. — Interessa-me tudo sobre você — disse Vitório, direto.
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Quando ele acabou de falar essa frase o coração de Joana começou a bater mais rápido. Ela é uma mulher tímida, que fica sem graça com cantadas. Sorriu para ele envergonhada e disse: — Bom, eu estou tão feliz de estar aqui. É a minha primeira vez na Suíça, estou amando tudo. Como eu disse no livro, o pai da minha mãe é suíço. Ele nasceu e morou aqui até os 18 anos, quando se mudou para o Brasil. Por ter um avô suíço, eu nutro um carinho especial pelo país. Sempre quis vir aqui e estou muito feliz de lançar o livro aqui em Zurique. E você, já esteve aqui antes? — Sim, eu já vim algumas vezes à Suíça. A minha empresa tem negócios aqui. Você gostaria de sair mais tarde comigo? Tem lugares lindos que eu gostaria de te mostrar e nós poderemos conversar mais — perguntou Vitório sem rodeios. Joana adorou o convite. Tinha uma entrevista sobre o livro depois do almoço e após a entrevista estava livre. — Sim, eu gostaria. Eu posso às 16h. É bom sair com quem já conhece o local — disse, tentando despistar o interesse pessoal por Vitório. O que ela queria de fato era beijá-lo naquele exato momento. — Que ótimo. Prepare-se, eu vou te levar a lugares inesquecíveis — falou Vitório. — Eu vou adorar, Vitório. Agora eu preciso ir. Tenho uma entrevista daqui a pouco. Eles trocaram os números de telefone e marcaram de se encontrar as 16h no lobby do hotel. Vitório acompanhou Joana até o elevador e eles se despediram com dois beijinhos no rosto e um abraço. Estava claro o interesse mútuo. Joana chegou ao quarto feliz da vida e empolgada. Ela achou Vitório um gato e ficou atraída pelo jeito dele, pela voz, pelo cheiro e pelo fato dele se preocupar com o bem-estar dos funcionários, presenteando-os com o livro dela. Esse mimo que Vitório estava fazendo aos funcionários a deixou impressionada.
Joana chegou ao seu quarto em ebulição. Ela foi até à varanda e ficou contemplando a bela vista e lembrando-se de vários momentos do almoço. Estava entusiasmada que aquele homem gato e repleto de predicados estava a fim dela. Ela olhou para o alto e falou com Deus: — Nossa Pai, que homem é esse. Você e Jesus capricharam, hein? Muito obrigada. Eu amo vocês — disse sorrindo e piscando para Deus. Estava frio na varanda e Joana entrou para o quarto. Tirou Vitório da cabeça, concentrou-se e começou a trabalhar. Abriu o notebook e respondeu a alguns e-mails. Carol ligou perguntando se ela estava pronta para a entrevista, respondeu que em 10 minutos estaria no lobby, pois já estava pronta. Foi até o banheiro, escovou os dentes, retocou a maquiagem e desceu para encontrar a Carol. As duas seguiram para uma sala de reuniões localizada no mezanino do hotel, local combinado com o produtor do jornal. A entrevista era para um jornal de grande circulação, distribuído gratuitamente nas ruas. A jornalista fez várias perguntas e tiraram fotos de Joana segurando o livro. A entrevista correu bem e passou rápido. Quando acabou, Joana e Carol subiram para o quarto de Joana, que contou a amiga sobre Vitório e seu convite para conhecer alguns lugares de Zurique, e que ela tinha aceitado. Joana chamou Carol para ir, mas ela disse que era um programa a dois e que preferia fazer turismo sozinha pela cidade. As duas ficaram conversando até perto da hora que Joana marcou com Vitório. Carol desceu com ela para o lobby, queria conhecer o homem da encomenda dos 2000 livros e que estava fazendo a corte à amiga. Joana apresentou Carol para Vitório, eles conversaram rapidamente e Joana e Vitório saíram para o passeio. O primeiro local que eles foram chama-se Lindenhof, uma romântica praça no alto de uma colina. Joana ficou maravilhada
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com a vista da praça, do alto ela visualizou a cidade antiga, o Rio Limmat e diversos pontos turísticos importantes de Zurique. Enquanto contemplavam a bela vista, os dois conversavam sobre vários temas, principalmente os relacionados ao lazer. Ambos gostam de estar na natureza nos momentos vagos, de ócio, gostam de animais e de viajar, principalmente para a praia. Depois de um tempo na praça Lindenhof, eles seguiram para o Museu Nacional Suíço, instalado em um belo palácio, atrás da Estação de Trens de Zurique. O museu é o mais importante da Suíça e um dos principais museus de arte e história cultural da Europa. Joana achou o palácio maravilhoso e apreciou bastante o programa cultural. Quando saíram do museu já era hora do jantar. Vitório convidou Joana para jantarem e depois fazerem um passeio de barco. Ela topou e passou um Whatsapp para Carol avisando que iria esticar o programa e chegaria mais tarde. O jantar foi em um restaurante com vista para o Rio Limmat, que atravessa a cidade. A comida estava muito apetitosa e o serviço do restaurante era cinco estrelas. Estava tudo fluindo perfeitamente e Joana estava amando a companhia do Vitório e ele a dela. A atração entre os dois estava ficando cada vez mais notória. Por telefone, Vitório contratou um passeio de barco privê pelo Lago Zurique. No deck do restaurante, eles pegaram um táxi aquático que os levou até o local onde estava o barco. Era um barco médio, com dois andares. Ele e Joana foram para a parte de cima, onde tinha um lounge, com confortáveis sofás. Vitório pegou algo para os dois beberem e sentou-se ao lado de Joana. Os dois ficaram observando a estonteante vista. O barco parou em frente a um ponto turístico e Vitório, aproximando-se mais de Joana, disse a ela: — Você está linda, Joana. Sabe, eu te vi pela primeira vez no lançamento do seu livro, no Rio de Janeiro. Eu estava passando pelo shopping e percebi que a livraria que eu frequento estava lotada. Entrei para ver quem estava lançando livro e me deparei
com você. Quando eu te vi, fiquei seduzido, foi atração à primeira vista. Eu comprei o livro e, como estava com pressa para uma reunião de negócios, não fiquei na fila para pegar o autógrafo. Eu fiquei te observando uns minutos e fui embora para o meu compromisso. Chegando em casa, comecei a ler o seu livro e terminei no dia seguinte. Eu me emocionei várias vezes, chorei, sorri e fiquei muito comovido com a sua história. Após lê-lo eu fiquei ainda mais encantado e envolvido por você. — É muito bom ouvir esse feedback do livro. Em vários momentos, quando eu estava escrevendo dominada pela emoção, pensava se o leitor se emocionaria também ao ler — disse Joana. — Tem muitos momentos emocionantes, não só no livro, mas na sua vida também. Desde que eu te vi na livraria, no Rio, há mais ou menos quatro meses atrás, venho te acompanhando nas redes sociais. Eu vi o post em que você disse que iria lançar o seu livro na Europa e que o primeiro país seria a Suíça, em Zurique. Por coincidência do destino ou por arranjo de Deus, eu estava com viagem marcada para Zurique e estaria na cidade no dia do lançamento do seu livro. Eu já tinha a intenção de presentear cada funcionário da empresa com um livro seu e daí eu tive a ideia de enviar as flores junto com o cheque de adiantamento da compra dos livros. — Você comprou os dois mil livros por que estava interessado em mim? — perguntou Joana ironizando. — Não menospreze a sua obra, bela mulher. A sua história é linda, inspiradora, motivadora e emocionante. O seu livro nos proporciona uma aproximação com Deus, com Jesus Cristo e com o que há de melhor em nós mesmos. Eu quis inspirar os funcionários que trabalham na minha empresa a serem pessoas melhores e mais felizes. Além disso, eu quis contribuir para o belo trabalho que você faz — disse Vitório, aproximando-se ao máximo de Joana, ao ponto de encostar seu corpo no dela.
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— Obrigada, Vitório — disse Joana. — Não precisa agradecer bela. Começou a tocar uma música romântica, a canção I Love You, de Paul Anka. Vitório convidou Joana para dançar. Os dois dançaram agarradinhos, no maior clima. No meio da música, Vitório e Joana finalmente se beijaram. Suas vidas se cruzaram, suas bocas se tocaram e suas almas se uniram naquele demorado beijo. Os dois se tornaram um. Nos corações do recém-formado par, o sentimento que ardia era a paixão. Intimamente, eles sabiam que tinham encontrado um amor para a vida toda. Foram muitos beijos até Vitório deixar Joana no hotel. Combinaram que Vitório iria com Joana e Carol até as próximas três cidades na Europa em que Joana iria lançar o livro. Ele resolveu tirar uns dias de férias para acompanhar a amada no lançamento do livro na França, Inglaterra e Espanha. A paixão aumentava a cada dia. E quatro meses depois, Vitório viajou com Joana para a Oceania lançar o livro na Nova Zelândia, na Austrália, em Figi e na Micronésia. A viagem foi muito simbólica para Joana, principalmente em sua passagem pela Austrália. Ela morava lá quando foi diagnosticada com câncer e nunca mais teve condições financeiras de voltar. Tinha um carinho enorme pela Austrália e voltar lá para o lançamento do livro, depois de tudo o que aconteceu em sua vida, era muito emocionante. Além de fazer o lançamento do livro, Joana também foi contratada por algumas empresas para dar palestras, nas quais ela contava sobre os acontecimentos do livro e de sua vida. A cada cidade, a cada país, o livro era um sucesso. Depois do lançamento em Fiji, o último itinerário na Oceania, Carol voltou para o Brasil e Vitório e Joana foram passar cinco dias em um resort nas Ilhas Maldivas. Foi em uma praia paradisíaca, com um espetacular pôr do sol ao fundo, que Vitório pediu a mão de Joana em casamento, colocando um anel de brilhantes em seu dedo.
Duas semanas depois que voltou para o Brasil, Joana sentiu um enjoo e, na mesma hora, teve o pressentimento de que estaria grávida. Ela não comentou nada com Vitório e fez o exame de sangue no dia seguinte. Para a felicidade dela, o seu pressentimento estava certo e o resultado deu positivo. Ela pensou em várias formas de contar a boa notícia a Vitório. Ele e Joana achavam que ela teria que fazer a fertilização in vitro para engravidar, pois ela tinha 42 anos. Eles já tinham ido a uma consulta, em uma Clínica de Fertilização, para se informar sobre o procedimento. Estavam decididos a fazer a fertilização no próximo mês, mas Joana engravidou antes. Esse momento tão esperado tinha que ser especial e ela resolveu fazer uma surpresa para dar a notícia. Quando Vitório chegou do trabalho à noite, Joana tinha arrumado a mesa com louça de festa e preparado um jantar para os dois. Ele estranhou e perguntou a ela se era uma ocasião especial: — Meu amor, como você está lindona. Arrumou uma mesa caprichada para o jantar e preparou um dos meus pratos prediletos. Comemoramos algo especial hoje? — Sim, temos uma comemoração muito especial. Na hora certa você saberá — respondeu Joana toda misteriosa. Vitório tomou um banho rápido e, em seguida, ele e Joana jantaram o camarão na moranga que ela preparou. Após o jantar, Vitório foi lavar a louça e Joana foi para a sala, sentando-se no sofá, ao lado do Gordinho, o cachorro que agora era do casal. Quando Vitório chegou à sala e viu Joana e Gordinho sentados no sofá olhando para ele, colocou as mãos nos olhos e começou a chorar. Gordinho tinha uma placa no pescoço escrita “Eu vou ser o irmão mais velho”. — Você está gravida, meu amor! Que notícia maravilhosa. Eu sou o homem mais feliz desse mundo — disse Vitório ainda chorando e beijando a barriga da Joana. — Sim, meu amor, eu estou grávida. Fiz o exame de sangue
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e deu positivo. Eu nem acredito, pela minha idade acreditava mesmo que teria que fazer a fertilização in vitro para engravidar, mas Deus é tão bom! Ele nos abençoou, teremos um filho ou filha e eu estou tão feliz! — Vamos marcar um médico. Você precisa começar o pré-natal o quanto antes para cuidar de você e do bebê — disse Vitório. — Eu já marquei amor, para quinta-feira. Você pode ir comigo na consulta? — Eu irei em todas as consultas com você, meu amor. Eu não quero perder nada. Serei um pai sempre presente. — Eu tenho a certeza disso. Você será um ótimo pai — disse abraçando Vitório. O dia da consulta chegou. Joana e Vitório estavam na sala de espera do consultório aguardando ansiosamente a hora em que eles iriam ouvir o coração do bebê. Depois de quase uma hora de espera, a assistente da médica chamou Joana e os dois entraram na sala. A médica fez algumas perguntas e depois pediu para Joana colocar um roupão e se deitar na maca. Explicou a eles que ela faria um ultrassom para ouvir o coração do bebê, passou um gel na barriga da Joana e começou o procedimento do ultrassom. — Nossa, temos uma surpresa aqui — falou a médica pouco tempo depois. — O que foi doutora? — perguntou Joana com os olhos cheios de lágrimas e o coração transbordando de emoção em ouvir o coraçãozinho que batia em seu ventre. — Mamãe e papai, nós temos aqui dois corações batendo, tem dois bebês — disse a médica. Joana e Vitório ficaram em êxtase. Eles queriam uma família grande e pela idade de Joana, era menos provável ter outra gravidez. Eles planejavam fazer a fertilização in vitro e a chance de ter gêmeos era grande. Joana iria retirar os óvulos no mês seguinte, mas engravidou antes, naturalmente. Eles agradeceram a Deus
ali mesmo pela dupla bênção recebida. A gestação de Joana transcorreu na maior tranquilidade. Todos os dias ela agradecia a Deus pela dádiva da gravidez, enquanto acariciava a barriga e conversava com os bebês. Desde o começo da gestação ela fez yoga e meditação, o que a deixou bem relaxada. Conforme os dias iam passando, a barriga ia aumentando. Joana e Vitório descobriram que a futura mamãe esperava um menino e uma menina. A notícia aumentou ainda mais a felicidade do casal, que sonhava com isso. Ter filho através de parto normal era um desejo antigo de Joana. Ela planejou, com sua médica, o parto normal, mas sabia que sua gravidez era de risco e colocou nas mãos de Deus a condução do parto da melhor maneira que fosse para os bebês e para ela. Ninguém melhor do que Deus para decidir a melhor forma de seus filhos nascerem. Próximo da data prevista do parto, a barriga de Joana começou a baixar e ela sabia que o grande dia estava chegando. Na última ultrassonografia que ela fez, a médica viu que os bebês estavam encaixados na posição certa. Estava tudo pronto para o nascimento dos gêmeos. Quarto preparado com todo amor pela mamãe e pelo papai. Enxoval completo, roupinhas dos bebês limpas e passadas, mala da maternidade pronta. Num belo dia de sol, depois de tomar o café da manhã, a bolsa de Joana rompeu e ela foi para o hospital. Quando lá chegou, a dilatação já estava grande; horas depois, os gêmeos nasceram de parto normal, sem dificuldade nenhuma, como Joana projetou em sua mente. A menina e o menino nasceram ambos sadios. A médica colocou os bebês no colo de Joana, que cheirou e beijou o seu filho e a sua filha. Em seguida, Joana olhou para cima, regozijada em sentir os seus filhos em seus braços e agradeceu a Deus pelo Grande Encontro. FIM.
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Frases para reflexão
“Tudo é possível para quem acredita que é possível”. “Se nós desejamos um mundo melhor, temos que arregaçar as mangas e fazer algo. Cabe a gente mudar o mundo, cabe a cada um de nós”. “O amor é o combustível da vida, é o alimento divino, nutriente para a alma” “Milagres acontecem todos os dias para os que têm fé”. “A gente não sabe a força que tem até precisar dela”.
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“A sua intuição, muitas vezes, diz mais do que a sua razão”. “A energia do amor, da caridade, do respeito, do perdão e da paz que as pessoas de bem emanam é o alimento do planeta Terra”. “Todos são responsáveis pela conservação do meio ambiente”. “O amor é o maior sentimento do universo. Há tantas formas de amor, tantas formas de amar”. “Quando se está diante de um problema, não se deve fugir e nem mergulhar no sofrimento, tem que enfrentar”.
“A fé tem poder inimaginável para o entendimento humano. A fé é poder”. “A fé vem de dentro do coração, é uma certeza sem explicação.” “Durante o tratamento eu pensei na cura, eu acreditei na cura, eu tive fé na cura, eu me alimentei do sentimento de cura e eu vivi a cura”. “Pela sua experiência de vida, Joana sabia que quem faz o bem é o maior beneficiário, e a sensação de ajudar é um alimento para a alma.”
“Tudo na vida tem uma razão de ser. Nada é por acaso”.
“Os trabalhos maravilhosos que são desenvolvidos de norte a sul, de leste a oeste do Brasil e em todo o mundo, acontecem porque são apoiados por corações sensíveis, que apoiam as causas defendidas pelas ONGs.”
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Posfácio
O encontro com Jesus e com Deus realmente aconteceu? Para mim, o encontro aconteceu sem dúvida, e de diversas formas. Nos capítulos mais marcantes da minha vida, Eles estiveram presentes e foram fundamentais. Os sinais enviados por Jesus me pouparam de um estupro. A presença de Deus me deu força para enfrentar o diagnóstico do câncer, a mastectomia, o acidente e a recidiva do câncer na minha mãe. Com a ajuda de Deus, eu alcancei a cura do tipo de câncer de mama mais agressivo, eu alcancei o milagre da consolidação da multifratura na minha perna e eu consegui as conquistas para a causa do câncer. Eu senti e sinto a presença de Deus e de Jesus ao meu lado. Eles são o meu cajado, o meu suporte, a minha força e a minha vida. Uma década se passou desde a descoberta do câncer. Eu hoje posso dizer que me tornei uma pessoa melhor e, daqui a 10 anos, eu espero dizer a mesma coisa. A evolução não para, é contínua. Eu desejo poder ajudar mais e mais pessoas a cada ano. Desejo conseguir influenciar mais políticas públicas que beneficiem a população do meu país e, quiçá, de outros países. Desejo inspirar as pessoas a superarem as adversidades em suas vidas e a fazerem de um limão uma bela de uma limonada. Eu creio que a fé move montanhas e que milagres acontecem todos os dias para aqueles que acreditam. Este livro foi escrito com as bênçãos de Deus e de Jesus Cristo. Paz e luz! 190
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Fotografias
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Índice
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Saltando de paraquedas no Lake Taupo, na Nova Zelândia em 2006. Foto: Acervo pessoal Joana.
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De peruca, abraçando a mãe na celebração de mais um ano de vida. Foto: Acervo pessoal Joana.
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No zoológico de Sydney, na Austrália, em 2007. Foto: Acervo pessoal Joana.
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Ao lado de um canguru em 2006 na Austrália. Foto: Acervo pessoal Joana.
Ainda com o dreno, recém-operada da 1ª cirurgia de reconstrução da mama em 2009. Foto: Acervo pessoal Joana.
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Praticando snowboard em Perisher, na Austrália, em 2006. Foto: Acervo pessoal Joana.
Seio direito reconstruído e com tatuagem de flor de cerejeira para cobrir as cicatrizes. Foto: Acervo pessoal Joana.
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Em Sydney com flor de jasmim no verão de 2007. Foto: Acervo pessoal Joana.
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Careca e sem o seio direito durante o tratamento contra o câncer de mama, em setembro de 2007. Foto: Acervo pessoal Joana.
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Close na mastectomia feita no seio direito de Joana. Foto: Acervo pessoal Joana. Joana usando peruca no aniversário de 31 anos. Ela tinha perdido os cabelos e ficado careca uma semana antes. Foto: Acervo pessoal Joana.
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pedindo mais cirurgias de reconstrução da mama. Foto: Elza Fiúza/ABr. 15
Foto do ensaio fotográfico para exposição de fotos “Recomeço: histórias de mulheres vitoriosas”, realizada pela Recomeçar. Foto: Tatiana Gama. Capa do jornal Correio Braziliense de 21.12.2010 sobre a manifestação organizada por Joana em frente ao hospital pedindo mais cirurgias de reconstrução da mama. Foto: Arquivo CB/D.A Press. Joana na abertura do Mutirão Nacional de Reconstrução da Mama dia 05.03.2012, realizado no mesmo hospital em que ela fez manifestação
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Na abertura do Mutirão Nacional de Reconstrução da Mama em 05.03.2012, Joana com o então Governador do Distrito Federal — Dr. Agnelo Queiroz, a Presidente da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica Regional Distrito Federal — Dra. Kátia Torres, o Cirurgião Plástico Dr. Ognev Cosac — membro titular da SBCP, a primeira-dama Dra. Ilza Queiroz e o Secretário de Saúde em exercício — Dr. Elias Fernando Miziara. Foto: Acervo pessoal Joana. Visitando paciente operada no mutirão de reconstrução mamária. Foto: Acervo pessoal Joana. Com a autora do projeto de Lei 273/11, a então Deputada Distrital Eliana Pedrosa, comemorando a sanção da Lei Distrital 4.761/12, que determina a obrigatoriedade da reconstrução da mama pelo SUS em mulheres que
foram submetidas à mastectomia. Resultado do trabalho de advocacy da Recomeçar. Foto: Acervo pessoal Joana. 18
Inauguração da sala da Recomeçar no hospital em 2014. Foto feita na frente do Hospital Regional da Asa Norte — Hran. Foto: Acervo pessoal Joana.
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Inauguração da sala da Recomeçar no HRAN, com a presença da Deputada Federal Erika Kokay, de servidores do hospital e de voluntárias da instituição. Foto: Acervo pessoal Joana.
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Joana e a mãe de mãos dadas no dia da inauguração da sala da Recomeçar. Foto: Acervo pessoal Joana.
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Audiência pública no Senado Federal em 14.02.2012 destinada a debater a aplicação da Lei Federal nº 9.797/99, acerca da obrigatoriedade da cirurgia plástica reparadora da mama pelo SUS. Foto: Acervo pessoal Joana.
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Audiência pública no Senado Federal em 21.05.2013 destinada a debater 1 ano
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da Lei dos 60 dias, que determina o prazo de até 60 dias para início do tratamento contra o câncer no SUS. Foto: Acervo pessoal Joana. 23
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Audiência pública na Câmara dos Deputados em 25.03.2014 destinada a debater a oferta de mamografia de rastreamento à partir dos 40 anos no SUS. Foto: Arquivo FEMAMA. Joana e voluntárias da Recomeçar participaram de votação na Comissão de Seguridade Social e Família (CSSF) da Câmara dos Deputados em 05.11.2014. Com cartazes na mão, elas pediram a aprovação do Projeto de Lei que determina o prazo de 30 dias para diagnóstico do câncer no SUS. O Projeto de Lei foi aprovado por unanimidade na CSSF. Foto: Acervo pessoal Joana. Ciclo de Debates para Parlamentares sobre câncer de mama, realizado no dia 03.04.2014, na Câmara dos Deputados. Foto: Arquivo FEMAMA.
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Ciclo de Debates para Parlamentares sobre câncer de mama, realizado no dia 13.07.2016, na Câmara dos Deputados. Foto: Anderson Ueslei/FEMAMA.
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Joana beija a careca da sua mãe, em tratamento contra a metástase do câncer de mama desde 2013. As duas estão no gramado do Congresso Nacional na ocasião do Dia Mundial do Câncer em 04.02.2016, para chamar a atenção dos parlamentares para a importância do combate ao câncer em seus Estados. Foto: Geraldo Magela/Agência Senado.
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Joana e a mãe estão abraçadas no gramado do Congresso Nacional, falando aos parlamentares, à imprensa e aos demais presentes no Dia Mundial do Câncer em 04.02.2016. Foto: Geraldo Magela/Agência Senado.
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Foto da formação do Laço Humano realizada no gramado do Congresso Nacional na celebração do Dia Mundial do Câncer no
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dia 04.02.2016. A ação foi organizada pela Recomeçar, com o apoio da Femama, da Procuradoria Especial da Mulher no Senado e da Frente Parlamentar de Prevenção, Diagnóstico e Tratamento do Câncer da Câmara dos Deputados. Foto: Geraldo Magela/Agência Senado. 30
Joana e integrantes da Recomeçar seguram faixa no gramado do Congresso Nacional durante manifesto realizado pela instituição no dia 18.10.2017 pela aprovação do Registro Compulsório do Câncer e do PL dos 30 dias para diagnóstico do câncer no SUS. A ação foi realizada pela Recomeçar e teve o apoio da Femama — Federação Brasileira de Instituições Filantrópicas de Apoio à Saúde da Mama, da Procuradoria Especial da Mulher no Senado e da Frente Parlamentar de Prevenção, Diagnóstico e Tratamento do Câncer da Câmara dos Deputados. Foto: Roque de Sá/Agência Senado.
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Joana, integrantes Recomeçar, Deputada Carmen Zanotto e Rita Poli Rebelo, coordenadora da Procuradoria Especial no Senado, durante manifesto no gramado do Congresso Nacional realizado dia 18.10.2017, para chamar a atenção para dois importantes Projetos de Lei que tramitam no Congresso: o do Registro Compulsório do Câncer e o PL dos 30 dias para diagnóstico do câncer no SUS. Foto: Roque de Sá/Agência Senado.
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Joana, integrantes da Recomeçar, da procuradoria da Mulher no Senado e Deputada Carmen Zanotto, presidente da Frente Parlamentar de Prevenção, Diagnóstico e Tratamento do Câncer da Câmara dos Deputados, fazem formação de Laço Humano no gramado do Congresso Nacional durante manifesto realizado dia 18.10.2017 para pedir a votação e aprovação do Projeto de Lei do Registro Compulsório do Câncer (PL 8470/2017) e do Projeto de Lei dos 30 dias para
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diagnóstico do câncer no SUS (PL 3752/2012). Foto: Roque de Sá/Agência Senado. 33
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Joana fala aos parlamentares, à integrantes da Recomeçar e aos demais presentes, durante abertura da exposição “Recomeço: histórias de mulheres vitoriosas”, no espaço Senado Galeria, no Congresso Nacional em 01.10.2013. Foto: Oziel Reis.
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Joana, o Ministro da Saúde da época — Alexandre Padilha e parlamentares abrem laço de inauguração da exposição “Recomeço: histórias de mulheres vitoriosas”, realizada pela Recomeçar, em 01.10.2013. Foto: Oziel Reis. Joana com integrantes da Recomeçar e a então primeira-dama de Brasília Márcia Rollemberg, durante cerimônia de abertura do Outubro Rosa no Congresso Nacional em 2015. Foto: Acervo pessoal Joana Joana, integrantes da Recomeçar, Senadora Ana Amélia, diretora do Senado Ilana Trombka e Rita Poli
de Brasília; Julie-Pascale Moudoute-Bell, embaixatriz da República Gabonesa; Grace Maria Mendonça, ministra da Advocacia-Geral da União; as Deputadas Marcivânia Flecha, Marinha Raupp, Alice Portugal, Carmen Zanotto, Jandira Feghali; e a Senadora Vanessa Grazziotin – Procuradora da Mulher no Senado, abrem laço de inauguração da exposição “Viva a Viva”, realizada pela Recomeçar no espaço Senado Galeria, no Congresso Nacional em 04.10.2016. Foto: Ana Volpe/Agência Senado.
Rebelo — coordenadora da Procuradoria Especial no Senado, na abertura da exposição “Sempre Mulher”, realizada pela Recomeçar no espaço Senado Galeria no Congresso Nacional em 06.10.2015. Foto: Marcos Oliveira/Agência Senado.
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Joana, Senadora Ana Amélia, Senadora Regina Sousa e a diretora do Senado Ilana Trombka abrem o laço de inauguração da exposição “Sempre Mulher”, realizada pela Recomeçar no espaço Senado Galeria do Congresso Nacional em 06.10.2015. Foto: Marcos Oliveira/Agência Senado.
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Joana, integrantes da Recomeçar, parlamentares, a então primeira-dama de Brasília – Márcia Rollemberg e demais presentes posam para foto na rampa do Congresso Nacional após cerimônia de abertura do Outubro Rosa em 04.10.2016. Foto: Marcelo Favaretti/ProMul. Joana; Márcia Rollemberg, então primeira-dama
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Joana, integrantes da Recomeçar, a Deputada Federal Carmen Zanotto e o Senador Waldemir Moka (relator do Projeto de Lei do Registro Compulsório do Câncer no Senado) posam para foto após a votação e aprovação do PL do Registro Compulsório do Câncer na Comissão de Assuntos Sociais do Senado em 30.05.18. Foto: Luís Carlos Campos Sales/ACS Moka.
Federal Gorete Pereira, segurando o Projeto de Lei do Registro Compulsório do Câncer, recém-assinado pela Deputada Gorete. Em seguida, Joana e seu grupo foram até o protocolo da Câmara dos Deputados e deram entrada no Projeto de Lei de número 8478/2017. Foto: Acervo pessoal Deputada Gorete Pereira. 42
Joana, integrantes da Recomeçar e a Deputada Federal Carmen Zanotto, autora do PL dos 30 dias (PL 275/15, apensado ao PL 3752/12) e do PL do Registro Compulsório do Câncer (PL 8470/2017), seguram uma camisa e folders das campanhas feitas pela Recomeçar para as duas pautas. Foto: Acervo pessoal Joana.
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Joana e integrantes da Recomeçar foram pedir para a Deputada Federal Soraya Santos, coordenadora da Bancada Feminina da Câmara dos Deputados, apoio para votação do PL dos 30 dias para diagnóstico do câncer no plenário da Câmara. A Deputada Federal Carmen
Joana, integrantes da Recomeçar e a Deputada
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Zanotto acompanhou o grupo. A Deputada Federal Mara Gabrilli estava presente e apoiou a solicitação. Foto: Acervo pessoal da Deputada Carmen Zanotto. 44
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Joana, Deputada Federal Carmen Zanotto, Daniel Serra e Caroline Ranzani (representando o Go All) posam para foto com o Ministro Carlos Marun, ministro-chefe da Secretaria de Governo após reunião em 21.03.2018. O grupo foi solicitar apoio do Palácio do Planalto (Governo Federal) para sansão do Projeto de Lei do Registro Compulsório do Câncer. Foto: Acervo pessoal da Deputada Carmen Zanotto.
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Joana, integrantes da Recomeçar, a Deputada Federal Carmen Zanotto e o Senador Waldemir Moka (relator do Projeto de Lei do Registro Compulsório do Câncer no Senado) posam para foto após a votação e aprovação do PL do Registro Compulsório do Câncer na Comissão de Assuntos Sociais do Senado
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Joana, integrantes da Recomeçar e a Deputada Carmen Zanotto (autora do projeto de lei) participam de Ato realizado pela Recomeçar no dia 19.10.2018, no Salão Verde da Câmara dos Deputados, pela aprovação do PL dos 30 dias na Câmara dos Deputados. Quando em vigor, o PL 275/2015 determinará que o período entre a suspeita do câncer e a sua confirmação em biópsia na rede pública de saúde não ultrapasse um mês. Foto: Robson G. Paula/ Câmara dos Deputados. Joana, integrantes da Recomeçar e a Deputada Carmen Zanotto encontram com o presidente da Câmara dos Deputados, o Deputado Rodrigo Maia, no Café da Câmara no dia 10.12.2018. Joana pediu ao presidente para desapensar o PL 275/2015 do PL 3752/2012, e enviar a matéria para votação no plenário da Câmara dos Deputados, em Regime
do PL dos 30 dias, o PLC 143/2018 no Senado Federal. O evento foi realizado pela Recomeçar, em parceria com a Femama, a Procuradoria Especial da Mulher no Senado, a Frente Parlamentar Mista da Saúde e a Frente Parlamentar em Prol da Luta Contra o Câncer da Câmara dos Deputados. Teve o apoio da Roche. Compareceram ao ato sete parlamentares. Foto: Blás Roig.
de Urgência. O presidente Rodrigo Maia ouviu atentamente e recebeu ofício com o pleito da Recomeçar. Foto: João Batista/ Presidência da Câmara.
em 30.05.18. Foto: Luís Carlos Campos Sales/ACS Moka.
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Joana e a Deputada Carmen Zanotto, são recebidas pelo presidente da Câmara dos Deputados, o Deputado Rodrigo Maia, em seu gabinete no dia 12.12.2018. Joana reiterou o pedido de desapensação e votação em plenário da matéria, e presenteou o presidente com o seu livro O Grande Encontro lançado na Câmara e no Senado. O pedido feito pela Recomeçar foi deferido pelo presidente Rodrigo Maia no mesmo dia e o PL dos 30 dias (PL 275/2015) foi desapensado do PL 3752/2012 e foi incluso na ordem do dia do plenário da Câmara dos Deputados. Foto: João Batista/ Presidência da Câmara.
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Joana, ativistas da Recomeçar, o Senador Nelsinho Trad, o Senador Otto Alencar, a Deputada Carmen Zanotto e a Belisiani Silva (assessora da Deputada Carmen Zanotto), posam para foto após aprovação do PLC 143/2018 na Comissão de Assuntos Sociais do Senado Federal no dia 10.04.2019. Foto: Luís Carlos Campos Sales.
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Joana, a Deputada Carmen Zanotto e o Senador Nelsinho Trad interpelam o Ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, no plenário do Senado Federal no dia 24.04.2019 e fazem apelo
A Recomeçar promove Ato do Mês da Mulher em Prol da Vida no dia 20.03.2019, realizado no gramado do Congresso Nacional pela aprovação
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pela aprovação da matéria pelo Governo Federal. Foto: Luís Carlos Campos Sales. 52
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Joana e as ativistas da Recomeçar encontram com o Ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta na Câmara dos Deputados no dia 08.05.2019 para entrega de ofício com pedido oficial da Recomeçar de aprovação do PL dos 30 dias (PLC 143/2018). Foto: Erasmo Salomão/MS. Joana, integrantes da Recomeçar e o Deputado Distrital Rafael Prudente, autor da Lei Distrital 6.317/2019, que estabelece a notificação compulsória de agravos e eventos em saúde relacionados às neoplasias malignas e da Lei Distrital 6.389/2019, que estabelece o prazo máximo de 30 dias para a realização de exames diagnósticos nos casos em que a principal hipótese diagnóstica seja a neoplasia maligna, mediante solicitação fundamentada do médico responsável. As duas pautas foram levadas pela Recomeçar ao Deputado
acerca da obrigatoriedade da cirurgia plástica reparadora da mama pelo SUS — Sistema Único de Saúde decorrente de mutilação por conta do tratamento do câncer. Foto: Acervo pessoal Joana.
Rafael Prudente, que prontamente apoiou as demandas. Foto: Acervo pessoal Joana. 54
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Joana veste a camiseta da campanha em prol do Registro Compulsório do Câncer realizada pela Recomeçar, com o apoio da Femama. A campanha foi vitoriosa e resultou na Lei Federal 13.685/2018. Foto: Acervo pessoal Joana. Joana veste a camiseta da campanha em prol do PL dos 30 dias para diagnóstico do câncer no SUS realizada pela Recomeçar, com o apoio da Femama. Através das ações de advocacy da Recomeçar, o projeto de lei passou na Câmara dos Deputados, na Comissão de Assuntos Sociais do Senado e aguarda votação no plenário do Senado Federal. Foto: Acervo pessoal Joana. Joana concede entrevista ao SBT e à TV Senado no dia 14.02.2012 após audiência pública no Senado Federal, destinada a debater a aplicação da Lei Federal nº 9.797/99,
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Joana concede entrevista à TV Senado e à TV Brasil no dia 04.02.2016 após a formação de Laço Humano no gramado do Congresso Nacional com parlamentares, integrantes da Recomeçar e da Procuradoria Especial da Mulher no Senado — ProMul. Foto: Acervo pessoal Joana. Joana concede entrevista à TV Bandeirantes no dia 10.10.2016 em frente da sala da Recomeçar no Hran — Hospital Regional da Asa Norte. Foto: Acervo pessoal Joana. Joana concede entrevista à TV Amazônica, filial da TV Globo em Manaus, no dia 13.10.2017 na sala da Recomeçar no Hran — Hospital Regional da Asa Norte sobre superação do câncer de mama e
empoderamento do paciente. Foto: Acervo pessoal Joana. 60
Joana concede entrevista ao Programa Inclusão, da jornalista Solange Calmon, na TV Senado no dia 31.08.2017. Foto: Acervo pessoal Joana.
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Joana concede entrevista à TV Brasil no dia 19.10.2016 na Câmara Legislativa do Distrito Federal, sobre o fornecimento de medicamentos inovadores no SUS a pacientes com câncer de mama. Foto: Acervo pessoal Joana.
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Joana concede entrevista à TV Record no dia 17.10.2017 sobre Quiz sobre câncer de mama realizado na Rodoviária de Brasília. Foto: Acervo pessoal Joana.
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Joana concede entrevista à TV STF — Supremo Tribunal Federal no dia 17.02.2017 sobre o descaso do plano de saúde com o paciente oncológico. Foto: Acervo pessoal Joana.
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Joana concede entrevista à Rádio Nacional no dia 15.10.2014 sobre a campanha
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Outubro Rosa em Brasília. Foto: Acervo pessoal Joana. 65
Joana concede entrevista à TV Globo no dia 03.10.2016 sobre o Outubro Rosa, mês dedicado à conscientização do câncer de mama. Foto: Acervo pessoal Joana.
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Joana concede entrevista à TV Globo no dia 16.10.2016 sobre a oferta de exame de mamografia. Foto: Acervo pessoal Joana.
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Joana concede entrevista à EBC no dia 11.10.2016 em frente à exposição de fotos “Viva a Vida”, exibida no Espaço Senado Galeria, no Congresso Nacional. Foto: Acervo pessoal Joana.
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Joana concede entrevista à TV Senado no dia 18.10.2017 no gramado do Congresso Nacional sobre o manifesto realizado para chamar a atenção para dois importantes Projetos de Lei: o do Registro Compulsório do Câncer e o PL dos 30 dias para diagnóstico do câncer no SUS. Foto: Acervo pessoal Joana.
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Joana concede entrevista à TV Globo no dia 02.02.2018 sobre o Dia Mundial do Câncer, celebrado no mundo todo no dia 4 de fevereiro. Foto: Acervo pessoal Joana.
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Foto da Joana da exposição “A Força da Mulher”, realizada pela Recomeçar, idealizada em dois formatos (quadros e totens) e exibida durante o Outubro Rosa de 2019 no Palácio do Buriti (sede do Governo do Distrito Federal), na Câmara Legislativa do DF, na Câmara dos Deputados e no Senado Federal. Foto: Luciana Ferry.
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A venda desta edição é proibida. Este livro foi impresso através de uma parceria da Recomeçar – Associação de Mulheres Mastectomizadas de Brasília e o Sema Brasília. Agradecemos a parceria. Contatos da autora joana_jeker@hotmail.com recomecar.associacao@hotmail.com +55 61 9 9961 0601 fb.com/livroograndeecontro