Maílson: gestão municipal deve ser criativa e austera
ENCONTROS DEMOCRÁTICOS Ciclo de debates 2017 A economia brasileira deve começar a se recuperar no primeiro trimestre de 2017, mas ainda enfrentará problemas ao longo dos próximos anos, com grandes dificuldades para as prefeituras, que precisarão recorrer a muita criatividade e austeridade para manter as contas em dia e atender às crescentes pressões da população por mais e melhores serviços públicos. Essa foi, em resumo, a conclusão da palestra que o ex-ministro da Fazenda Maílson da Nóbrega fez no dia 6 de fevereiro de 2017, em evento promovido pelo Espaço Democrático, a fundação do PSD para estudos e formação política. Apesar de enfatizar as dificuldades que o País enfrentará nos próximos anos, Maílson fez questão de encerrar afirmando que “a longo prazo, não há como descrer do Brasil”, apresentando uma lista de conquistas que, em sua opinião, tornam a Nação capaz de, no futuro, vir a integrar o grupo dos países desenvolvidos. Aberto pelo presidente licenciado do partido e do Conselho Superior de Orientação do Espaço Democrático, ministro Gilberto Kassab, da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações, o encontro reuniu mais de 580 pessoas, entre elas 48 prefeitos e 13 vice-prefeitos do PSD, além de personalidades como o líder da bancada do PSD na Câmara, deputado federal Marcos Montes; a coordenadora nacional do PSD Mulher, Alda Marco Antonio; o coordenador do PSD Movimentos, Ricardo Patah; o coordenador nacional do PSD Jovem,
deputado estadual Georgiano Neto; além de vereadores, deputados estaduais e federais do partido. Também estavam presentes o vice-presidente do Espaço Democrático, Vilmar Rocha (secretário de Meio Ambiente e Cidades do Governo do Estado de Goiás), e o presidente nacional em exercício do PSD, Alfredo Cotait. Esta é a íntegra da palestra:
Maílson: crise exige austeridade e criatividade dos prefeitos Maílson da Nóbrega – Eu gostaria de começar agradecendo o convite que recebi da Fundação Espaço Democrático na pessoa do meu velho, querido e dileto amigo Andrea Matarazzo para falar aqui sobre as perspectivas da economia brasileira. Vou dividir minha apresentação em três partes. A primeira, a conjuntura. O que a gente espera para esse ano e talvez para o próximo? Depois eu vou convidar vocês para uma reflexão sobre o Brasil, as características que nos fazem manter a esperança num futuro promissor para esse País. E em terceiro lugar, falar sobre as grandes características do Brasil – hoje respeitado internacionalmente – que são as suas instituições, como funcionam, qual o papel delas. E vou concluir sobre alguns dos riscos que estão diante de nós, no plano internacional e no campo político. A recuperação da economia vai acontecer em 2017. Tudo indica que no primeiro trimestre a economia já começará a crescer um pouquinho, mas muito lentamente, talvez menos de 1%. O crescimento, portanto, vai começar no primeiro trimestre. A expectativa do PIB é de crescimento de 0,7% neste ano, 2 e pouco no
próximo ano. É uma situação pior do que se imaginava. Houve um certo entusiasmo no período pósimpeachment. Muita gente, inclusive eu, achava que já no quarto trimestre haveria uma recuperação. Isso não se confirmou e a confiança não se estabeleceu na dimensão esperada. Isso significa que o estrago, o legado que esse governo recebeu, foi muito pior do que se imaginava. O “Novo Normal”, no Brasil, infelizmente, é crescer relativamente pouco. Tudo indica que nos próximos quatro ou cinco anos dificilmente o Brasil cresce mais de 2%, 2,5%, com alguma sorte, 3%. Esse é o efeito dos erros de gestão da política econômica anterior. A expansão da economia virá do que os economistas chamam de “efeito cíclico”, isto é, pelo aproveitamento da capacidade ociosa na economia, particularmente na indústria, que está com mais de 30% de capacidade ociosa e isso começa a ser aproveitado. Ainda não é uma recuperação de investimento, de ganho de produtividade. O novo ciclo, portanto, dependerá dessa recuperação da produtividade. No curto prazo – e aí já é algo para animar – o impulso virá da queda da inflação. A inflação está nitidamente em queda. Este ano pode chegar a 4,8% ou menos, medido pelo IPCA, e da queda de juros. É praticamente certo que vamos caminhar para juros de um dígito, por volta de outubro e novembro. Significa entre 9%, 9,5%. Nesse cenário, o Banco Central deve continuar, a cada seis semanas, a reduzir a taxa de juros em 0,75%. Serão quatro quedas de 0,75%, o que dá 3%. E mais duas quedas, uma de 0,5% ou 0,25%. Continuando na conjuntura: o desemprego infelizmente vai aumentar. Nós só deveremos ter uma recuperação do emprego a partir do terceiro trimestre e esse é um dos piores legados dos erros de gestão econômica. O emprego é o último que se recupera num processo recessivo como esse que a gente viveu. Os empresários, quando não têm convicção de que estamos numa recuperação definitiva, para valer, não tem risco de oscilação ou retrocesso, prefere recorrer a horas-extras ou a contratação de temporários. Provavelmente vamos caminhar para 13 milhões de desempregados no Brasil. Hoje está em 12,1 milhões. Mas aqui temos uma boa notícia: não tem risco de crise cambial nem risco de crise bancária. Esses dois flagelos – crise cambial e crise bancária – estiveram por trás dos grandes processos recessivos no País. O que é crise cambial? É uma situação em que o governo deixa de pagar dívida externa, vira um pária nos mercados internacionais, raciona o dinheiro externo. Você precisa de autorização do Banco Central para viajar, para comprar medicamentos, para comprar matéria-prima e assim por diante. Isso a gente viu algumas vezes, nos anos 1980. Estamos longe disso. Primeiro, porque temos o câmbio flutuante. É uma expressão de economistas. É a primeira defesa do balanço de pagamentos do País. Mas o mais importante é que o Brasil hoje tem US$ 375 bilhões de reservas internacionais para uma dívida externa de US$ 312 bilhões. Ou seja, o Brasil tem mais dinheiro em caixa do que deve, em matéria externa. Significa que o Brasil é credor do mundo. Ou seja, o mundo deve mais ao Brasil do que o Brasil deve ao mundo. Podemos perguntar: por que, então, a gente não paga a dívida externa? Porque não é conveniente. A gente precisa continuar frequentando os mercados internacionais de capitais. O Tesouro, as empresas, os Estados, alguns municípios que têm acesso ao crédito externo. O que é importante é que nenhum credor no mundo tem receio de que o Brasil entre numa crise cambial. E é por isso que, no auge do impeachment, no auge daquela incerteza, daquela crise, não parou de entrar dinheiro no País. Porque a pior situação de quem investe em um país é saber que entra e não pode sair. Ou seja, a reserva acaba e o governo não paga o dividendo da empresa estrangeira, a dívida com o banco estrangeiro. Nenhum receio de isso acontecer esteve presente no Brasil. Isso é uma boa garantia. A segunda garantia de que não vamos para um agravamento é que não temos crise bancária. O que é crise bancária? Os mais maduros aqui se lembram disso. É aquela situação em que os bancos vão quebrando, os grandes e os pequenos. Isso produz uma retração forte do crédito. As empresas não têm capital de giro, começam a quebrar. Isso dificulta a capacidade de recuperação do País. E isso também não vai acontecer. Porque o Brasil tem um sistema financeiro muito sólido, muito sofisticado, muito bem regulamentado, muito bem fiscalizado, muito bem provisionado em termos de reservas para dívidas que não são pagas. A
inadimplência se manteve estável e tem até caído ultimamente – e isso é uma garantia de que não vamos para uma piora na situação. A incerteza, no front externo, é quanto ao que vai acontecer no mundo com a nova administração americana. O mundo está perplexo com as atitudes do novo presidente americano (Donald Trump) – populista, irresponsável. Ele está olhando o mundo pela lente dos anos 1950 e pode causar grandes crises. Provavelmente não, porque os Estados Unidos têm instituições muito fortes. Ele já começa a ser contido em sua sanha regulamentadora. Como vocês viram, os juízes já começaram a derrubar as medidas de Trump, particularmente no que diz respeito à proibição de entrada de cidadãos de outros países. E no front interno nós temos algumas incertezas que também temos de levar em conta. Primeiro, a operação Lava Jato. Isso é uma incerteza. Qual vai ser o seu efeito quando da divulgação de todas as delações premiadas sobre o governo? E em que medida isso afeta o capital político do presidente Temer – e a queda de capital político dificulta a aprovação de reformas. Segundo, se houver uma rejeição ou uma degradação da reforma da Previdência, se não houver a reforma, o Brasil vai entrar em grandes crises: crise de confiança, de governabilidade, de viabilidade do setor público. A reforma da Previdência não é uma questão ideológica, é uma questão aritmética. Não tem dinheiro para pagar. Se não acontecer, os aposentados não vão receber os seus proventos nos próximos anos, como aconteceu na Grécia. Se houver um aprofundamento da crise nos Estados, em que medida isso vai afetar as finanças do governo federal? O governo federal está gerindo de maneira muito adequada a crise, particularmente no Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Minas Gerais, mas isso ainda é uma incógnita. E, finalmente, o julgamento do TSE da chapa Dilma-Temer. Em que medida o TSE vai condenar os dois eleitos à perda de mandato, o que significaria uma eleição de um novo presidente pelo Congresso Nacional nos próximos meses? Estou mencionando apenas para a gente ter isso em conta, porque não é zero, mas eu diria que a probabilidade de isso acontecer é muito baixa. Primeiro, porque vai levar muito tempo até o julgamento. E segundo, mesmo que a decisão do Tribunal Superior Eleitoral seja contrária à manutenção do presidente Temer no poder, ele tem ainda o recurso ao Supremo Tribunal Federal. Portanto, mesmo que isso aconteça, vai se arrastar até o final do próximo ano. A minha hipótese de trabalho, o meu cenário, é o de que o presidente Temer vai continuar o seu governo até o final do seu mandato. Nesse contexto, e como estou aqui diante de muitos prefeitos e vice-prefeitos, quais são os desafios para as administrações municipais nesse ambiente de recessão, que significa queda de receita, queda nas transferências federais, dificuldade de acesso ao crédito? Primeiro, é levar em conta que a arrecadação do ICMS não volta tão cedo aos níveis alcançados até 2014. Temos que considerar que a economia brasileira encolheu mais de 7% entre 2015 e 2016. Para recuperar esses 7%, vamos levar talvez de três a quatro anos. Assim, as administrações municipais nesse período ainda vão enfrentar uma arrecadação pouco satisfatória do ICMS e, portanto, de sua participação dos 25% do ICMS. O agronegócio, é bem verdade, pode compensar isso aí. Vou comentar sobre as perspectivas do agronegócio mais adiante. É o lado positivo desse processo. O agronegócio, todo mundo sabe, é uma fonte importante de arrecadação. O ISS e o IPTU dificilmente vão ter uma recuperação importante, seja porque os serviços tendem a crescer abaixo da agricultura e da indústria, e porque haverá uma lentidão na recuperação dos salários, da massa salarial, porque o salário real (descontada a inflação) está caindo; seja porque continua o desemprego – e o salário é uma fonte importante de demanda e a demanda é uma fonte de arrecadação dos municípios. Os preços de imóveis tendem também a demorar em sua recuperação. Outra coisa que vocês terão de levar em conta é que o acesso ao crédito será mais difícil nos próximos quatro anos. O sistema financeiro é sólido, mas está muito retraído na questão do empréstimo ao setor público diante da crise. Outra coisa que eu quero alertar vocês é que vai ser mais difícil receber dinheiro da União. As transferências constitucionais vão ser mais difíceis. Por quê? Por causa da PEC dos gastos. O Brasil precisava dessa PEC para evitar que essa locomotiva desgovernada que era o setor público brasileiro, particularmente o
governo federal, batesse na parede e nos trouxesse uma situação de crise mais profunda. O teto dos gastos vai dificultar, ou modificar pelo menos, a forma como até agora as emendas parlamentares eram aprovadas. Agora, o deputado federal ou o senador só pode apresentar uma emenda se ele cancelar outra. Aí vai ser mais difícil. Até agora, desde 1989, havia uma mágica. O relator do orçamento reestimava receita. E ao reestimar receita, cabiam mais emendas. Essa mágica desapareceu. Portanto, não contem, como contavam no passado, com emendas que beneficiavam os benefícios com a dimensão e tamanho como ocorriam.
Para Maílson, “a longo prazo, não há como descrer do Brasil” Outra coisa: o custo das pensões e aposentadorias vai continuar aumentando. Porque ele tem um crescimento vegetativo. Como vocês sabem, mais pessoas vão se aposentando e isso aumenta as despesas. A quantidade de pessoas que entram nos programas de Previdência é maior do que as que saem, por alguma razão, inclusive falecimento. E vocês vão sentir pressões para ampliar os serviços públicos. Ou seja, vocês estão diante de um quadro em que no front da receita é mais difícil, e no lado da despesa continua a pressão. É fundamental, portanto, refletir sobre esse quadro de uma maneira mais realista. Não é que o mundo vai acabar, o Brasil vai acabar, não é nada disso. Mas é uma realidade muito dura para quem tem que gerir as finanças municipais nos próximos anos. Isso vai exigir austeridade. Uma gestão muito dura do orçamento, corte de gastos, empregar só o mínimo necessário de pessoal – se possível reduzir. E explorar o potencial de receitas. Os municípios têm um potencial enorme de receitas, os senhores sabem disso, particularmente no IPTU. Existe, inclusive, assistência técnica do governo federal e dos governos estaduais para os municípios que se disponham a ampliar sua capacidade de arrecadação do IPTU. E a ampliação também é possível no ISS. E criatividade na gestão. Buscar novos campos de atuação sem ampliação dos gastos. E uma fonte para isso é continuar prestando serviço, atrair a participação do setor privado para a prestação de serviço às suas comunidades. E o principal instrumento para isso é a parceria público-privada (PPP). É o que eu aconselharia a todos vocês a explorar com o maior interesse. O Brasil evoluiu muito nisso. Existem regras, instituições, experiências, consultores e especialistas, e o próprio PSD tem condições de trabalhar nessa direção. Passada essa rápida viagem pela conjuntura e pelos desafios das administrações municipais, vamos pensar no futuro do Brasil agora. Vamos esquecer a crise e olhar se a gente tem realmente futuro. Vou trazer para vocês algumas conquistas do Brasil, que eu diria definitivas. Dificilmente a crise vai alterar essas conquistas. Primeiro, instituições que controlam os governos. Houve uma piora institucional no governo
anterior, mas isso afetou apenas o ambiente dos negócios. Piorou a gestão das agências reguladoras, piorou o sistema tributário, mas isso não afetou o conjunto de instituições que garantem a estabilidade política e econômica do Brasil. O Brasil tem uma base industrial complexa e diversificada. Apesar do fato de a indústria estar sofrendo os efeitos da recessão, de estar encolhendo sua participação na economia nacional, por razões tecnológicas, de produtividade e tudo o mais, mas ainda somos um país de indústrias complexas e diversificadas. Só a China ganha do Brasil nesse quesito. Só a China nos passa neste ponto. A Embraer, por exemplo, é a terceira produtora mundial de aviões. Não é simples. Produzir aviões é algo muito complexo. Alguém diz que a Embraer tem uma vantagem que outras empresas não têm: a mercadoria dela voa – não tem que enfrentar as estradas, portos etc. Mas não é isso. A Embraer é competitiva pela capacidade dos seus engenheiros, seus projetistas e seus estrategistas. O Brasil tem um agronegócio competitivo. Deixa eu me deter um pouquinho nisso aqui. O Brasil, na minha opinião, está realizando a terceira revolução agrícola da história. A agricultura foi inventada há 10, 12 mil anos atrás, quando o homem se deu conta de que quando se coloca um a semente no solo, isso gera uma planta, e essa planta pode ser um alimento. De 10 ou 12 mil anos atrás até o século 18, a evolução foi muito pequena. Aprendeu-se a usar o arado, aprendeu-se a rotação da cultura, surgiram os arreios nos cavalos. Mas não passou muito disso. A agricultura que a gente tem hoje é coisa de dois séculos para cá. Isso só começou a mudar quando um engenheiro alemão, na tese de doutorado dele, defendeu que a planta, ao contrário do que se pensava, não se alimenta do húmus da terra. A planta se alimenta de NPK – nitrogênio, fosfato e potássio. Só que naquela época a Alemanha ainda estava evoluindo num novo ramo da indústria, na indústria química. E foi possível sintetizar esses três elementos e surgiu o fertilizante químico. Isso foi uma revolução. A revolução a partir do fertilizante químico permitiu aumentar rapidamente a produção agrícola. Foi importante até para a Revolução Industrial, que aconteceu na Inglaterra. Porque todo mundo corria para trabalhar nas indústrias, o campo ficava vazio, ou pouco habitado, só que quem ficava no campo produzia cada vez mais. A segunda revolução agrícola aconteceu depois da Segunda Guerra Mundial. Um agrônomo americano chamado Norman Borlaug inventou, em suas pesquisas, o trigo-anão. Antes, o trigo era alto, a haste era alta. Quando ventava, a haste balançava e os grãos caíam no chão e diminuía a produção. Havia casos em que uma ventania mais forte dizimava metade da safra. O trigo-anão era mais resistente. O que aconteceu? Um aumento de produtividade gigantesco do trigo. E o professor Borlaug é o responsável por acabar com o flagelo da fome coletiva na Índia, no Paquistão, em Bangladesh, em Mianmar... E por isso ganhou o Prêmio Nobel da Paz. Ele tem uma estátua hoje no Congresso americano. A terceira revolução é a do Brasil. O Brasil inventou a agricultura tropical de alta eficiência. Há 50, 60 anos, a literatura dizia que a agricultura nos trópicos não tinha muito futuro. As terras não eram tão ricas, o clima era inclemente, e estávamos condenados a ter uma agricultura de Jeca Tatu. O que aconteceu? Uma revolução. Essa revolução tem alguns componentes. O principal deles foi a criação da Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária). A Embrapa promoveu a maior revolução tecnológica do mundo. Em segundo lugar, o empreendedorismo. Ao contrário do que se dizia, o agricultor brasileiro é um empreendedor. Em terceiro lugar, a revolução nos serrados. Nos serrados, que eram tidos como terras imprestáveis, por meio da correção do solo, do desenvolvimento de sementes adaptadas, ao manejo à exposição do sol, que é mais intenso do que em outras regiões, o Brasil se transformou, num espaço de uma geração, numa potência agrícola. O Brasil é maior exportador mundial de seis produtos. Passamos os Estados Unidos na exportação de soja. Somos número 1, e já éramos, em café; somos número 1 em açúcar; somos número 1 em carne; somos número 1 em frango; somos número 1 em suco de laranja. E o Brasil está entre os 5 maiores produtores de 35 produtos agrícolas. Sabe o que é mais interessante? É que tudo isso acontece apesar do desastre da logística. Porque a agricultura brasileira é eficiente da porteira para dentro. Da porteira para fora – salvo casos excepcionais,
como o de São Paulo – o frete é mais caro. É mais caro levar soja do Mato Grosso para Paranaguá ou Santos do que de Paranaguá ou Santos para a China. O frete brasileiro custa cinco vezes mais do que o argentino. É uma revolução que falta acontecer – a revolução da logística. E o governo atual tem um programa muito interessante sobre isso que é o da concessão de rodovias, ferrovias e portos para o setor privado. Então, a agricultura é o principal sustentáculo da balança comercial e a principal fonte de geração de produtividade na economia brasileira. É o único setor da economia brasileira que não perdeu produtividade. Eu diria que a quase totalidade dos prefeitos que estão aqui atua em áreas do agronegócio, que em São Paulo é mais forte em café, suco de laranja e indústria canavieira. Por isso o agronegócio pode ser um compensador dessas quedas em outros campos.
Mais de cem prefeitos e vice-prefeitos assistiram à palestra do ex-ministro da Fazenda O Brasil tem um mercado interno muito forte. O Brasil hoje está entre as dez maiores economias do mundo. Chegamos a ser a sexta economia do mundo. Chegamos a passar o Reino Unido. E agora caímos para oitava ou nona. É mais um preço que o País paga por erros na gestão da economia, particularmente nos últimos seis ou sete anos. Nenhuma multinacional deixa de ter como planejamento estratégico estar presente no Brasil. É interessante. Com toda essa crise, o investimento estrangeiro continua chegando do mesmo jeito que chegava. O ano passado foi de US$ 75 bilhões. O investimento estrangeiro corresponde a três vezes as nossas necessidades. Isso porque a multinacional não olha o curto prazo, nem olha o amanhã, ela olha para o muito depois de amanhã. O potencial desse País no agronegócio, na sua indústria, no seu comércio e assim por diante. O Brasil tem alarme de incêndio. É um conjunto de mecanismos institucionais que evitam retrocessos na economia, na política e na sociedade. E, finalmente, o Brasil é um país de enormes oportunidades. Por qualquer ângulo que você olhe, o Brasil é cheio de oportunidades. Vamos então começar com as defesas institucionais. Por que as nossas instituições são fortes? Quais são os desafios e os riscos do Brasil? Em primeiro lugar, o Brasil tem governo sob controle, tem um conjunto que envolve a democracia. Muita gente não acredita – mas é preciso acreditar para valer –, que nós temos uma democracia consolidada. E essa é uma parte importante desse processo institucional. Existem duas maneiras internacionais de se estabelecer a solidez de uma democracia. A primeira foi inventada por um professor de Harvard, Samuel Huntington. Ele dizia o seguinte: uma democracia pode ser considerada consolidada se ela for capaz de realizar duas eleições gerais consecutivas – no caso brasileiro, presidenciais – sem contestação de seu resultado, sem fraude. O Brasil já realizou sete. Não há um só caso de impugnação do processo de votação nos últimos anos.
O segundo teste é a imprevisibilidade dos resultados. Você não sabe quem vai ganhar. Você pode ter palpite, prognóstico, cenários, mas não sabe quem vai ganhar. Só sabe no dia da eleição. Isso significa que o sistema é concorrencial, é competitivo, é baixa a probabilidade de manipulação. O oposto disso é a eleição previsível, típica de regimes não democráticos. O exemplo mais claro é o da Rússia. Se o Putin, presidente, se candidatar a prefeito de São Petersburgo, é praticamente certo que ele vai ganhar, porque ele vai manipular resultados. A democracia, junto com um judiciário independente e eleições livres, forma um quadro de governo sob controle, em que a accountability funciona. Falo em accountability porque não tem tradução para o português. É uma palavra inglesa que significa prestar contas. Os que governam o Brasil têm que prestar contas permanentemente. Existem três fontes de controle de accountability no Brasil. A primeira é a imprensa. A imprensa no Brasil é livre e democrática. Erra, como qualquer segmento erra, em particular muita gente não gosta da imprensa, mas ela é fundamental no processo democrático. Uma revista inglesa chamada The Economist, a mais prestigiada do mundo, fez uma matéria, há alguns anos, sobre a imprensa brasileira e concluiu que ela não é só livre e independente – é competitiva e agressiva. Não tem como manipular. Nem a imprensa manipula o fato, porque será desmentida pelos próprios fatos, como não há como alguém manipular a grande imprensa, as grandes revistas e os grandes jornais. Segundo: voto. A cada dois anos temos votação. O voto é o canal pelo qual a sociedade se manifesta a respeito de seus governantes, seja para mantê-los no poder, seja para substitui-los mediante um processo de alternância. E em terceiro, a capacidade de reação da sociedade, que pode ser sob a forma de artigos, seminários, reuniões, debates como este aqui ou ir às ruas protestar. É uma forma de exercício da cidadania e isso compõe o processo de accountability. Então, estamos num País que tem, sim, a renovação democrática de suas lideranças. Como se diz, a democracia é a guerra civilizada pelo voto, sem o uso de armas e sem mortes. Quais são os desafios do Brasil? São grandes. Podemos chegar a ser um país rico. São três os desafios. Primeiro, ganhar produtividade. A produtividade é a chave do crescimento de uma economia. Existe um economista americano, Prêmio Nobel de Economia, chamado Paul Krugmann. Provavelmente vocês já leram os artigos dele no Estadão. Ele diz que a produtividade não é tudo na economia, é quase tudo. Do crescimento dos Estados Unidos, nos últimos 70 anos, 80% são explicados pelos ganhos de produtividade. Os outros 20% são explicados por outros determinantes do crescimento – o investimento em máquinas, equipamentos, instalações, software e mão de obra. O Brasil cresceu muito quando gerava produtividade em nível expressivo. A produtividade no Brasil zerou. Na indústria é negativa, está em -2%. E só zerou porque o agronegócio compensa a perda de produtividade na indústria. Outro desafio é melhorar a qualidade da educação. A qualidade de educação tem a ver com tudo – a forma como a sociedade reage à corrupção, à inflação, aos erros do governo, à maneira como as pessoas se preparam para o mercado de trabalho. Mas a qualidade da educação é sobretudo fundamental para aumentar a produtividade. A produtividade do trabalhador brasileiro é apenas 20% da qualidade do trabalhador americano. Significa dizer o seguinte: sob as mesmas condições, no mesmo ambiente de negócios, no mesmo processo tecnológico, na mesma gestão de uma empresa, um trabalhador americano produz cinco vezes mais que um brasileiro. A diferença é só de educação. Vinte e cinco por cento em relação ao trabalhador alemão. Não precisamos chegar lá agora, mas precisamos melhorar essa qualidade. E o Brasil está errando neste campo. O Brasil comprou uma ideia, vendida pelas corporações de educação, de que você melhora a qualidade aumentando gastos na educação. Nós triplicamos os gastos na educação de 2004 para cá e caímos na qualidade. Melhoria na educação não tem a ver com gastos. O Brasil gasta, com educação, proporcionalmente mais do que os Estados Unidos, acreditem ou não. Uma vez e meia o
que gasta o Japão, em termos proporcionais. A diferença é de gestão. Como é que você gera a educação, como você premia os professores que melhoram o seu desempenho? Esse é o segundo desafio. E o terceiro desafio é evitar a insolvência fiscal. Esse é o maior perigo, é a pior herança que o Temer recebeu. Ou seja, uma tendência crescente da relação entre a dívida pública – federal, estadual e municipal – e o PIB. Para vocês terem uma ideia, esse nível era de 50% quando a presidente Dilma chegou ao governo. Este ano terminou em 70% e vai para 84% nos próximos três ou quatro anos. Isso é inexorável, mesmo baixando juros, porque você não consegue evitar que isso aconteça por conta de uma série de problemas estruturais que não vou detalhar aqui. Existe um livro, que foi best-seller mundial, de dois professores americanos, que se chama Dessa vez será diferente. Diz o seguinte: o mercado percebe a insolvência de um país quando essa relação chega aos 80% e estamos chegando perto disso. Por que esses investidores não estão fugindo das dívidas públicas? Sempre é bom lembrar que em relação à dívida pública brasileira, ao contrário do que dizem certos setores da esquerda, não é de banco. Os credores do governo não são os bancos. Os bancos são os menores credores do governo. Os maiores credores do governo são os trabalhadores. Os fundos de pensão, que investem em títulos públicos. As pessoas que poupam, que compram um fundo de investimento. Portanto, um calote na dívida, como alguém andou sugerindo aí para não fazer a reforma da Previdência, é um calote na sociedade, não é em banco. A insolvência tem que ser evitada e estamos trabalhando para que ela não aconteça. Isso depende de duas coisas: primeiro, já que o gasto foi retido pela PEC recentemente promulgada, é aprovar a reforma da Previdência e a percepção, por parte de quem avalia o riscos no Brasil, de que esse processo de reforma vai ter continuidade e eles precisam ter paciência, porque lá por volta de 2023 essa relação começa a declinar, vai para 80%, depois 70% até chegar a um número manejável e não arriscado; Riscos. Primeiro: a gente precisa eleger em 2018 um presidente responsável, líder, que tenha os meios políticos de liderança para empreender a continuidade dessas reformas, porque vai implicar na reforma tributária e outras de menor importância, sobretudo a reforma trabalhista – a que o presidente Temer está tocando em alguns pontos, precisamos de uma revolução na legislação trabalhista brasileira. Se em 2018 a gente eleger um doido, um outsider, um demagogo, aí acho que não tem saída. Temos que sentar no chão e chorar porque vai ser uma tragédia. Precisamos eleger alguém realmente preparado. Acho improvável que elejamos um outsider, o cara que chega de fora. Ou um demagogo. Eu tenho o meu demagogo preferido, mas não vou dizer o nome dele aqui porque toda vez que falo o nome dele, ele vai para a imprensa e me esculacha. Mas vocês podem imaginar quem é. Acho que o novo presidente tende a sair dos atuais nomes que são conhecidos. Deixa eu lembrar uma coisa aqui. No Brasil, para alguém se eleger presidente, tem que reunir três condições. A primeira, e mais importante: tem que ser conhecido nacionalmente, até naqueles lugares onde só se chega de canoa. Segundo, tem que ter estrutura partidária em todo o País, com diretórios, cabos eleitorais, candidatos a deputado federal e estadual, a governador, enfim, alguém que mobilize o eleitorado em favor daquela chapa. E em terceiro lugar, ter tempo de TV. A TV é fundamental em qualquer processo eleitoral no Brasil. Isso acontece também nos Estados Unidos. Lá, quando o candidato termina de percorrer todos os Estados, disputando as eleições primárias, ele é um nome nacional. Portanto, a probabilidade de a gente eleger um empresário, alguém totalmente desconhecido, que vai aparecer do nada, acho que não ocorre. Alguém pode dizer: ah, mas foi assim com o Fernando Henrique, foi assim com o Collor. Só que são situações completamente distintas da que a gente tem hoje. Não se forma um ambiente eleitoral com qualquer semelhança com aqueles períodos de 1989 e de 1994. Então, o próximo presidente vai ser de um partido tradicional, exceto do PT. Acho que o Lula está fora do jogo, na minha avaliação. Seja por razões judiciais, ou penais, seja porque ele perde apoio crescente. Claro, como ele tem um piso de 15% a 20% na preferência do eleitorado, toda vez que se faz uma pesquisa, o nome
dele aparece em primeiro lugar. Num processo eleitoral, é pouco provável que seja um candidato competitivo. O PT vai ter que ter um candidato, se tiver bons estrategistas. Porque o PT tem um lugar garantido na esquerda brasileira. Se ele, por exemplo, decidir apoiar o Ciro Gomes, ele vira coadjuvante e o lugar que ele ocupou, com os seus erros e acertos, ele vai ser ocupado por alguém. Qual é o terceiro ponto de risco que a gente tem que olhar e prestar atenção? É uma crise mundial detonada pelo populismo. O populismo já ganhou no Reino Unido, que saiu da União Europeia. Já ganhou nos Estados Unidos com um candidato despreparado, ignorante, arrogante, narcisista, nacionalista, protecionista, e tudo o mais. Tomara que ele não me ouça, senão ele vai sair com um Twiter contra mim. Só que tem outros Trump aí na fila. Pode ter um novo Trump na França, que é a Marine Le Pen. Todas as pesquisas dizem que ela vai para o segundo turno, mas perde, e perderia para o Fellon. Acontece que o Fellon se meteu agora num escândalo: ele empregou a mulher por vários anos e não está conseguindo explicar por que ela não trabalhava. Qual é o risco da Marine Le Pen? O de repetir o caso Trump, com um agravante: realizar um plebiscito para a França sair da União Europeia. Se a França sair da União Europeia, o Euro entra em risco e isso poderá ser uma catástrofe financeira na Europa, que se espalhará para o resto do mundo. E a direita está ganhado posições também na Alemanha, na Itália e com menor importância na Hungria, na Polônia e na Áustria. As eleições estarão pipocando na Europa a partir de abril, com a França. Prestem atenção e torçam para que esses candidatos de direita não ganharem nessas eleições. Lembremse que Deus é brasileiro, mas não é francês. Qual é o resumo de tudo isso? Estamos saindo de um desastre aos pouquinhos. As perspectivas são as de que vamos botar a cabeça para fora da água neste ano. Tem muita coisa ajudando: os juros caindo, a inflação caindo – e quando a inflação cai, o salário real dos trabalhadores aumenta; o Brasil vai ter a maior safra de sua história neste ano – e a safra movimenta a indústria, transporte, bancos, o comércio e tudo o mais. Infelizmente, foram tantos erros que vamos amargar vários anos de baixo crescimento. Para vocês que vão administrar as prefeituras, estejam preparados para um período difícil. Eu podia chegar aqui e dizer: vai ser uma maravilha. Não, não vai ser. Vai ser muito difícil, muito duro, mas vocês têm ferramentas para fazer boas administrações, com criatividade, austeridade e exploração de fontes de receita que podem reforçar os seus caixas. Pelas instituições que criamos, não há como descrer no Brasil. Eu gosto de terminar minhas apresentações com uma frase do ex-governador de Pernambuco, do PSB, Eduardo Campos. Na véspera do acidente que o vitimou no litoral paulista, ele deu entrevista à TV Globo, no Jornal Nacional, e terminou com a seguinte frase: “Não podemos desistir do Brasil”. É isso. Muito obrigado