ENCONTROS DEMOCRÁTICOS C I C L O
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D E B A T E S
PERSPECTIVAS
DA ECONOMIA BRASILEIRA
ENCONTRO
DEMOCRÁTICO Maio.2016
Encontros Democráticos são publicações do Espaço Democrático, a fundação para estudos e formação política do PSD
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O maior desafio: RECUPERAR A CREDIBILIDADE
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m maio de 2016 havia perspectivas positivas no cenário internacional e também expectativas otimistas por parte da sociedade brasileira, mas o grande desafio do governo de Michel Temer era recuperar a credibilidade na economia nacional. Este foi, em resumo, o recado dado pelos economistas Luiz Alberto Machado e Roberto Macedo durante o Encontro Democrático realizado naquele mês pela fundação do PSD para estudos e formação política – o Espaço Democrático. Durante o evento, do qual participaram filiados e simpatizantes do partido, além de lideranças como o vereador paulistano Andrea Matarazzo, o deputado estadual Coronel Camilo e o ex-presidente do Tribunal de Contas do Município de São Paulo, Eurípedes Salles, os palestrantes fizeram uma exposição sobre a situação econômica brasileira e de seus principais parceiros comerciais, mostrando os problemas enfrentados naquele período e as oportunidades de melhoria que se apresentavam para o País. Em sua apresentação, o economista Luiz Alberto Machado, vice-diretor da Faculdade de Economia da Fundação Armando Álvares Penteado e colaborador do Espaço Democrático, procurou demonstrar que o cenário mundial mostrava aspectos positivos e poderia contribuir para a recuperação de nossa economia. Enfatizando que o grande foco do governo Temer deve ser a busca da credibilidade e do resgate da confiança dos investidores nos fundamentos econômicos brasileiros, ele traçou um diagnóstico da situação e falou sobre as perspectivas do País. Roberto Macedo, professor da USP e colaborador do Espaço Democrático, afirmou que o grande problema da economia estava nas contas governamentais federais e na dificuldade política de resolvê-las, o que gerou desconfiança e expectativas negativas de grande efeito sobre consumo e investimentos. Para reverter o quadro, disse ele, poderiam contribuir medidas como a fixação de um teto para o gasto público, reformas na Previdênciacia e mudanças na legislação trabalhista, entre outras. Boa leitura.
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SÉRGIO RONDINO: O tema de hoje é o grande assunto do País. Estamos todos preocupados em saber o que vai acontecer agora que há um novo governo e novas medidas prontas para serem anunciadas. Quais são as perspectivas para a economia? Temos aqui dois colaboradores do Espaço Democrático, os economistas Luiz Alberto Machado e Roberto Macedo. Cada um deles vai falar sobre o tema e na sequência o espaço será aberto para perguntas e comentários. Este é mais um Encontro Democrático da longa série que temos realizado. E é a segunda vez que temos a economia como tema. Professor Machado, a palavra é sua. LUIZ ALBERTO MACHADO: A ideia básica é esta: um novo governo está começando e todo mundo sabe que o quadro é ruim. Dá para resolver tudo de imediato? Não dá. Então, o que eu considero absolutamente
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inadiável? Reconquistar um pouco da credibilidade. Porque se não houver credibilidade, não vai acontecer nada. Esse processo passa pela análise da narrativa utilizada pelo governo afastado. No plano político, de que havia um golpe; no plano econômico, de que nossos problemas derivam das economias externas. No plano político, esse argumento vem caindo sucessivamente. Caiu na Câmara, caiu no Senado. No plano econômico, nós temos hoje algumas ações que põem em dúvida a questão dos blocos econômicos, um dos principais pilares da globalização. Temos votação no Reino Unido, questionando a validade da permanência na União Europeia e temos casos pontuais de busca de autonomia, como na Espanha. Mas não há dúvida de que há uma interligação, uma interdependência das economias do mundo todo.
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Portanto, entender um pouco do que está acontecendo com os principais atores da economia mundial é fundamental. O discurso do governo afastado era: “Está ruim lá fora, isso reflete aqui dentro”. Será verdade? Vamos ver como estão alguns dos principais protagonistas da economia mundial, começando pela maior delas, a dos Estados Unidos. Qual é a situação norte-americana? Os Estados Unidos foram os protagonistas da grande crise que teve origem em 2007, 2008 no setor hipotecário, com seus maiores efeitos em 2009. A economia americana afundou. Só que os Estados Unidos estabeleceram uma política de recuperação que deve ser observada com atenção, porque é interessante que a estratégia foi definida e, a partir de então, foi seguida para valer. Eles tiveram problemas, alguns percalços no meio do caminho, mas não abandonaram a estratégia. Qual a situação atual dos Estados Unidos? O governo Obama recuperou sua imagem e provavelmente vai chegar ao final do mandato com imagem positiva. O que ele menos quer neste final é qualquer coisa que possa atrapalhar uma herança positiva a ser deixada para seu sucessor, provavelmente a candidata do Partido democrata, Hillary Clinton. Os Estados Unidos se recuperaram e vêm crescendo em torno de 2 a 2,5 por cento. A projeção do Fundo Monetário Internacional é que até 2017, pelo menos, os Estados Unidos manterão um crescimento de 2,5% a 3%.
Portanto, não é dos Estados Unidos que vem o problema. A recuperação americana podia ser mais forte? Talvez até pudesse, se a economia mundial estivesse em outra situação. Mas para uma economia com os padrões americanos, crescer 2,5% está excelente. Vamos agora à China, “o grande dragão”. A China cresceu, durante 30 anos, a uma taxa média de 9%, 10% ao ano, até que arrefeceu um pouco. A discussão hoje é se o crescimento vai parar nesse patamar ou vai baixar mais ainda. A McKinsey, uma das maiores empresas de consultoria do mundo, criou a expressão “novo normal” para se referir a essa nova etapa do crescimento chinês. Mas, na verdade, nem os chineses sabem exatamente o que é esse “novo normal”. Esse “novo normal” significa, com certeza, que a taxa média de crescimento não é mais de 10%. Esse foi o patamar durante 30 anos, até 2009. A partir da recuperação, em 2010, caiu para um novo patamar. No ano passado foi 6,9% e neste ano ano de 2016, muita gente questiona se vai permanecer nessa base.
Porém, a China continua com desempenho extraordinário na participação nas exportações. Mesmo tentando mudar o modelo, a China continua exportando uma barbaridade, adotando uma política inteligente. Ao longo do tempo, a China foi aumentando a
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participação nas exportações de produtos de indústria pesada e alto valor agregado, que é um grande problema da economia brasileira, como pode ser observado no gráfico X. Assim, de 1995 a 2013 foi cada vez maior a participação dos produtos de alta tecnologia, que têm elevado valor agregado.
As relações do Brasil com a China cresceram barbaramente, a ponto de a China ter se transformado em nosso principal parceiro comercial. E o crescimento foi muito rápido. De 1974 a 1994, era de US$ 1,2 bilhão o intercâmbio comercial entre Brasil e China. De 1994 a 2004 foi para US$ 8 bilhões. E de 2004 a 2013 pulou para a casa de US$ 80 bilhões.
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Então, realmente é um parceiro com quem nós temos que nos preocupar. Apesar de exportarmos produtos de baixo valor agregado, o saldo da balança comercial tem sido favorável ao Brasil. Isso significa que o volume exportado pelo Brasil, para manter esse mesmo superávit, é cada vez maior.
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Um dado que assusta: em 1980, Brasil e China participavam com 0,9% das exportações do mundo; em 2014, a China exportou 11,7% e o Brasil, 1,3%. Ou seja, o Brasil está parado. Há um espaço nessa área que é fundamental, e talvez aqui seja mais um trabalho para o José Serra, ministro das Relações Exteriores, do que para o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles.
Com tudo isso, segundo o FMI, a zona do euro – claro que com diferenças, alguns países melhores do que outros – deverá crescer positivamente entre 1,5% e 2%, até 2017.
O FMI mostra que o crescimento da China caiu daquela média extraordinária que manteve, permaneceu em torno de 7% durante alguns anos, mas deverá permanecer entre 6,5% e 7% ou entre 6% e 7%, pelo menos até 2017. Quer dizer, não é 10%, mas crescer 6% com esse PIB... eu queria que o Brasil tivesse esse problema! A União Europeia, que é o elo mais fraco da corrente dos principais protagonistas, dá a sensação de que o pior já passou. Continua apresentando problemas nas economias mais fracas: Grécia, Irlanda, Espanha e Portugal têm algumas situações pontuais que trazem preocupação. A crise da Crimeia com a Rússia mexeu com a estabilidade. E a questão dos refugiados também colocou no radar uma série de novas preocupações. Mas a taxa média de desemprego continua em torno de 12%, sendo mais alta na população mais jovem.
No Brasil, vamos começar com o lado bom. Crescemos mais que a economia mundial de 1870 a 1986. Há uma pesquisa famosa, do economista britânico Angus Maddison, que diz que o Brasil foi o país que mais cresceu no mundo nesses 116 anos. A reversão foi quando? Na década perdida. O cidadão latino-americano empobreceu 8,3% na década de 1980. Só três países tiveram desempenho positivo: República Dominicana, Chile e Colômbia. O Brasil registrou -0,4%. Tem gente que olha para o resto e diz: “Até que não foi tão ruim”. Mentira! Num
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fenômeno como o desenvolvimento, que é dinâmico, quando você passa 10 anos sem andar, andando de lado, alguém ocupou seu espaço. Um bom exemplo é a Coreia, que em 1980 deu uma forte arrancada e hoje nós comemos poeira em relação a ela. A imagem do Brasil melhorou por causa da democratização, da abertura da economia e da conquista da estabilidade. Mas as coisas foram difíceis. Enquanto boa parte da América Latina se redemocratizou e combateu a inflação, o Brasil foi o patinho feio. Os planos econômicos fracassados da segunda metade da década de 1980 nos deixaram, no início dos 1990, com essa condição. A pior inflação do ano era a do Uruguai, com 59%, fora o Brasil, onde era de 1.178%. E em 1993? Vocês viveram isso. Podem até não lembrar... A média da América Latina foi de 22% e no Brasil foi de 2.567%.
Então, agora que a inflação está em 10%, falar que está tudo fora de controle, que o mundo está
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caindo, é exagero. Calma! Há menos de 30 anos a gente tinha uma inflação de quatro dígitos ao ano. Com a conquista da estabilidade, a situação melhorou. Mas, mais do que a conquista, a manutenção da estabilidade foi importante. E a manutenção da estabilidade se deveu basicamente ao que se convencionou chamar de tripé macroeconômico, composto pelo regime de metas de inflação, pela taxa de câmbio flutuante e pelo superávit primário obtido, sobretudo, graças à Lei de Responsabilidade Fiscal.
O Lula foi suficientemente esperto para manter o tripé quando ele foi eleito. Precisou coragem, precisou romper com muita gente ligada a ele para manter esse tripé. Foi acusado até de rasgar a própria biografia. E o fato é que a economia brasileira passou por um crescimento consistente durante um bom tempo, a ponto de haver uma mudança na nossa pirâmide sócio-econômica. Surgiu a chamada “nova classe média”. Por mais que se queira questionar os números, não há dúvida de que muita gente saiu de baixo e foi engordar o meio. A pirâmide virou um losango. Quando é que a coisa afunda? Em 2014. Em 2013 já não estava bom, mas em 2014 a coisa reverte vi-
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olentamente. Por quê? Por causa da tal da matriz macroeconômica, uma série de erros foram cometidos. Por causa de coisas mal feitas mesmo, para ganhar a eleição. Medidas eleitoreiras. E 2015 foi pior do que muita gente imaginava, embora todo mundo soubesse que não seria bom. Então, com todos esses erros da política econômica – excesso de consumo, crédito liberado de qualquer jeito, as pedaladas, congelamento de preços, e assim por diante – o resultado foi que, no começo do ano passado, os índices de confiança na indústria, no comércio, da construção civil e do consumidor em geral... Todos eram profundamente declinantes. E Dilma Rousseff foi reeleita. Normalmente a gente imagina que, num regime democrático, quem é eleito tem um capital político para gastar e pode fazer alguma coisa. Ela já entrou sem capital político, com a credibilidade em baixa, e não tinha força para fazer as coisas. Para mim, o grande exemplo é o fenômeno Joaquim Levy. Ela nomeou o Levy ministro da Fazenda, mas não bancou. Então, foi um ano completamente perdido. A situação foi piorando. Quando chegamos ao final de 2015, aconteceu aquilo que os economistas chamam de estagflação, a combinação da recessão (crescimento negativo do PIB), com inflação elevada.
O que se espera de 2016? Uma redução da inflação. Acabaram os efeitos daquela maracutaia eleitoreira, representada pelo represamento dos preços dos combustíveis e da energia elétrica, mas continuará acima ainda do teto da meta, provavelmente 7%, mesmo porque a economia está desaquecida, não tendo, portanto, pressão de demanda. E o crescimento provavelmente vai ser tão ruim quanto o do ano passado. Aliás, tanto o mercado quanto o governo estão admitindo menos 3,8% de novo. Aí você vê a mentira do discurso de que não havia problema interno. As despesas cresceram muito mais do que o PIB, isso já vem lá de trás.
Se falamos em perspectiva, precisamos considerar também novos fatores que têm elevado impacto geopolítico. Em outras palavras, temos que olhar um pouco o que está acontecendo fora dos grandes atores, porque também podem surgir oportunidades. O primeiro fator fundamental é o crescimento da Índia. Desde o final da Segunda Guerra, a Ásia se tornou foco de atenção por sua crescente importância relativa na economia mundial, a começar pelo Japão. Paul Kennedy, um dos
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maiores historiadores do mundo, escreveu um livro, no final da década de 1980, chamado Ascensão e Queda das Grandes Potências. A capa da edição brasileira mostra os Estados Unidos saindo do primeiro lugar do pódio e o Japão subindo. Ele errou totalmente nessa previsão. Mal ele acabou de escrever o livro, o Japão entrou em prolongada estagnação enquanto os Estados Unidos recuperavam o crescimento. Mas o crescimento do Japão atraiu as atenções. Na década de 1980 foram os chamados Tigres Asiáticos, Coreia do Sul, Cingapura, Hong Kong e Taiwan. Embora a China já começasse a crescer, desde que tiveram início as reformas implementadas por Deng Xiao Ping em 1979, foi na década de 1990 e no início do novo século que a China teve maior destaque, transformandose na “bola da vez”. Ninguém prestava atenção na Índia. O que aconteceu? A Índia vinha crescendo, com problemas, com grandes desigualdades, mas no ano passado cresceu mais do que a China, sendo uma economia que também tem um potencial extraordinário. Há um livro sensacional, que foi lançado no ano passado, Glória Incerta, de Amartya Sen, que foi prêmio Nobel de Economia, em que ele fala assim: “A Índia é um país que tem crescimento acelerado, mas tem desigualdades extraordinárias, maiores até do que as de outros países por causa da estrutura social, com as castas”. Quem assistiu ao filme Quem quer ser um milionário teve uma rápida ideia de como a coisa funciona. Esse crescimento da Índia, evidentemente, está chamando a atenção. Christine Lagarde, diretora-gerente do FMI, virou fã de carteirinha da Índia e agora vive citando. Mas o fato é que no ano passado houve uma inversão. A China cresceu menos, a Índia cresceu mais, e a Índia passou a ser um país que tem que ser olhado com grande atenção. Outro aspecto internacional: o recrudescimento da violência e do terrorismo. Há alguns anos, Moisés Naim escreveu um livro, intitulado Ilícito, no qual chamava a
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atenção para o problema do crime organizado internacional (o lado ruim da globalização), que atua de forma integrada, mas que vem sendo combatido pelos países de forma isolada. E ele chamava a atenção para três tipos de crime cuja ação extrapola as fronteiras nacionais: pirataria, lavagem de dinheiro e tráfico. Onde é que esses problemas acontecem com maior frequência? Em países onde há grande desigualdade e onde provavelmente o estímulo ao crime e a perspectiva de ganhos maiores se justifica. Para a nossa sorte, tanto a CNN quanto o sistema de contraterrorismo norte-americano não veem na América Latina grandes problemas. As grandes bases do terrorismo encontram-se na África, na Ásia ou no Leste da Europa. Não há grande problema na América Latina. Havia na Colômbia, mas eles consideram que está em grande parte superado. E o último ponto é a “islamização da agenda”, expressão que tomei emprestada do embaixador Rubens Ricupero. Ela começou - ou pelo menos se agravou com o ataque terrorista às Torres Gêmeas no dia 11 de setembro de 2001. A reação de Washington tomou a forma predominante de uma resposta militarizada, incapaz de lidar de modo eficaz com um desafio complexo que requer variedade de abordagens. Esse tipo de reação deixou um legado que se estende até os dias de hoje. O grande problema da militarização da diplomacia é que isso gerou uma situação de conflito, de tensão, que o presidente Barack Obama não conseguiu mudar, apesar de todo o esforço em seus oito anos de governo. Pior, isso deixa um legado – mais claro em alguns lugares, menos em outros – de que qualquer cidadão com fisionomia árabe é visto como um potencial terrorista. Há um excelente filme, que retrata essa situação, “Nova York sitiada”, que tem sido exibido frequentemente pelos canais a cabo. Então, começamos
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a ter uma situação de tensão social e fortalecimento, inclusive, dos extremismos. De certa forma, a própria ascensão de Donald Trump é resultado disso. Há um autor, Michel Houellebecq, que está sendo considerado o novo George Orwell. Ele escreveu Submissão, livro que projeta já para 2020 a primeira vitória nas eleições de um candidato muçulmano na França, disputando o segundo turno contra Marine Le Pen. Claro, é um chute, mas é um negócio interessante para pensar. Qual o significado de todas essas coisas para o futuro da globalização? Começamos a ter hoje restrições à livre circulação e ingresso de viajantes, no plano das pessoas, além de restrições de despacho de contêineres e mercadorias, no plano comercial. Em 2013, pela primeira vez desde que a globalização começou a ganhar força, o crescimento do comércio foi menor do que o do produto. O fortalecimento do comércio, seguramente, foi um dos grandes alicerces da globalização da economia, e hoje estamos vivendo uma situação diferente. O cenário internacional colocou alguns riscos nessa situação geopolítica. Temos que agregar a isso a questão dos refugiados, por exemplo, mas o quadro geral, em termos meramente econômicos, continua sendo positivo, apesar da redução do crescimento da China. Tanto é verdade que a média de crescimento do mundo, de 2002 a 2008, foi de 4,5%, e segundo o Fundo Monetário, de 2011 a 2017 vai ser de 3,2%.
Portanto, quem está fora da curva? O Brasil, com crescimento muito aquém. A nossa inflação subiu muito, embora esteja caindo já este ano. Nós já tivemos inflação completamente fora de controle, mas nem com aquela inflação maluca nós tivemos um retrocesso dessa natureza. Então, essa é a combinação perversa, que gera um desemprego crescente. Resultado: em abril deste ano, o índice nacional de confiança caiu muito. Não há como recuperar a economia se a curva da confiança não for revertida. O grande desafio do governo, agora, é estancar essa queda, porque o investimento não vem e está todo mundo retraído, ninguém consome, todo mundo está com medo. A precaução é um dos fatores que os economistas apontam como motivo para poupança. Ela decorre do temor de perder emprego. Por isso, até quem pode, não gasta. Se, apesar de todas essas evidências, alguém tinha ainda alguma dúvida sobre a falácia da narrativa oficial, saiu na semana retrasada o relatório do Fundo Monetário Internacional sobre o crescimento da economia mundial. Para 2016, de 191 países, só 17 deverão ter crescimento negativo. Desses 17, só 5 abaixo do Brasil: Equador, Macau, Guiné Equatorial, Sudão do Sul e Venezuela. Como se vê, nossos irmãos bolivarianos estão firmes nessa relação. Nós perdemos um espaço muito grande no comércio mundial, mas sem credibilidade não conquistaremos nada. Este é o grande desafio. O que fazer? Eu passo a parte mais difícil para o meu colega Roberto Macedo.
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Outra avaliação, dos países que estão mal, mostra que o crescimento negativo brasileiro só fica acima de Ucrânia, Líbia e Venezuela. Ucrânia e Líbia estão em guerra, praticamente. Venezuela está em autodestruição. Foi devastada por populistas bolivarianos.
ROBERTO MACEDO: O Machado falou bastante das questões internacionais e minha apresentação será, exceto por uma coisa ou outra, sobre a conjuntura nacional. Há um outro gráfico, feito mensalmente na Associação Comercial de São Paulo, que mostra os valores acumulados de exportações, na linha azul, e importações, na linha vermelha. A linha da importação está despencando, sinal da fraqueza da economia interna. Quando a exportação começou a melhorar, o resultado foi atribuído ao aumento da taxa de câmbio. Agora voltamos a ter um superávit comercial como antigamente, por diferentes razões.
No ranking do produto mundial das economias emergentes, o Brasil aparece lá embaixo, com a pior taxa de variação. Mesmo a Rússia, que estava caindo como o Brasil em 2015, melhorou e está com variação positiva.
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A economia mundial continuou bem. Só recentemente, no ano passado, caiu. Não se pode alegar que a economia mundial prejudicou o Brasil nesses últimos dois anos porque ela estava bem. No cenário das exportações brasileiras de soja e milho, o Brasil já é o terceiro produtor mundial. O grande puxador é a China, que continua trazendo gente do campo para a cidade. Gente que deixa de produzir e precisa ser alimentada. No ano passado, as exportações para a China aumentaram. Há projeções do Ministério da Agricultura dos Estados Unidos que revelam que nos próximos 10 anos o Brasil vai suprir todo o aumento de demanda chinesa. Os Estados Unidos não têm mais onde plantar soja, são muito voltados para a cultura do milho.
Acho que isso deve se refletir no Brasil regionalmente: o sul do Maranhão, do Piauí, o leste da Bahia e o Tocantins. Isso já responde por mais de 10% da produção de soja. Um dado do Banco Itaú, que pega os países latino-americanos, mostra que os únicos com taxas de variação negativa do PIB são Brasil e Argentina. A Argentina já tem perspectiva de melhora no ano que vem. Para o Brasil, o Itaú ainda previa 0,30% negativo. A previsão do mercado é de 0,5% no
ano que vem. E aí a gente pergunta: por que sai de uma queda de 4% para 0,5% positivo sem nenhuma mudança?
Nesta tela estão os dados desde a década de 1960. O Brasil chegou a crescer a taxas chinesas em 1970. Eu me lembro da época em que era diretor da Faculdade de Economia, no início dos anos 1990. A coisa estava complicada e o pessoal do centro acadêmico disse: “Professor, a escola aqui é bem posicionada no mercado, mas está difícil arrumar emprego”. E eu expliquei a eles a situação no passado. O presidente do centro acadêmico falou: “Quer dizer que nós nascemos na época errada, né?”. É mais ou menos isso. E para tornar o diálogo mais sofisticado, lembrei do filósofo espanhol Ortega y Gasset, que disse: “você é você e as circunstâncias”.
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Esta é a taxa de desemprego. Ao longo do ano ela cai, e o trabalhador, quando chega no fim do ano, se não arranja emprego até sai da força de trabalho, não procura mais. Mas 2015 foi um ano excepcional. Subiu para o mesmo nível que estava em 2009 e perdeu uns 6 anos de redução do desemprego, um completo desastre. Estão dizendo que o governo Dilma fez 10 milhões de desempregados, mas isso é uma mentira. São 3 milhões.
Esse aqui é um dado que saiu hoje – o Banco Central levanta toda sexta-feira a previsão do mercado. A notícia ruim é que as previsões de inflação subiram um pouco. Estavam caindo. Isso é um elemento importante, a inflação precisa continuar caindo para o Banco Central, em vez de aumentar, baixar os juros. A previsão de PIB está em menos 3,83%, melhorou 5 centésimos. E a do ano que vem é positiva, de mais 0,5%. A produção industrial está caindo 6% e outro dado interessante é que, apesar de tudo isso, há um investimento direto no país de cerca de US$ 60 bilhões, que mais do que cobre nosso déficit das contas externas. Serve também para acumular reservas ou então regularizar, pagar os compromissos da conta de capital. Eu já trabalhei com empresários estrangeiros e eles consideram, no Brasil, o tamanho do mercado.
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A visão deles é um pouco diferente da usual, do pessoal que trabalha com macroeconomia. Aqui há muitas oportunidades de investimento e o Brasil hoje está barato, tem muita gente colocando dinheiro aqui.
Neste slide, vemos que no primeiro gráfico o IPCA estava caindo – é o índice de inflação que o governo segue. E nota-se que nos últimos dois meses, duas semanas, ele deu uma virada para cima. Se continuar subindo, é um desastre. Se voltar a cair, é uma bênção. A expectativa é que volte a cair por causa do próprio efeito da recessão.
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Este gráfico mostra como funcionam os ciclos. Agora nós estamos entrando em um ciclo favorável, nesse último trimestre. Melhoraram as coisas, a inflação caiu. É da própria natureza do ciclo que você desacelera e vai para uma recessão. O Brasil está aqui, no início da recessão. Esse gráfico é do ano passado. A Grécia já está saindo, o México está entrando e lá na ponta a China está começando a entrar nesse gráfico. Mas a recessão da China se mede por redução de taxas, e não por taxas negativas. E os Estados Unidos, como o Machado falou, tem uma situação que é excepcional comparada com os países desenvolvidos e em desenvolvimento. Está numa fase boa da economia.
E o desastre completo está na coluna dos investimentos. O Governo Federal arrecada 20% do PIB e investe menos de 1% do PIB. É uma vergonha. Fica o governo só redistribuindo renda ou gastando com a sua máquina.
ANDREA MATARAZZO: Em um país desenvolvido, um país como o nosso, o que seria o padrão normal de investimento? ROBERTO MACEDO: Confesso que não sei. Mas o setor público já investiu 3%, 4% do PIB. Eu sei que no período do ex-presidente Juscelino Kubitscheck investíamos muito mais. Mas foi financiado com inflação e deu no que deu. Tínhamos problemas de financiamento. Mas isso é o que se pode fazer agora. O próprio governo está anunciando o que vai tentar fazer fora do setor público: concessões, parcerias público-privadas. Acho que ele não tem saída, o governo não tem dinheiro para investir.
SLIDE 12 Esse aqui é um gráfico muito importante, que eu chamo de Tabela de Mansueto – o economista Mansueto de Almeida agora é secretário do ministro da Fazenda. Ele é o maior especialista em contas públicas. Aqui, em 2001, vocês podem perceber como as despesas vão aumentando. E vão de 10% do PIB para 18%. E como isso é coberto? Com aumento de carga tributária. E o grande empenho, o que mais cresce, vocês vão notar, é a despesa do INSS, mais do que dobra. Passa de 3,3% do PIB para 7,4%. É por isso que está todo esse auê a respeito de reforma da Previdência.
Aqui começa o desastre. Agora todo mundo fala que a questão é fiscal, o que inclusive gerou a acusação de
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crime contra a presidente, por ter violado a legislação constitucional sobre o assunto. É normal um país, para entrar na União Europeia, fazer um déficit final dentro na linha vermelha, negativo, em torno de 2% a 3% do PIB. Você não pode entrar na UE se tiver um déficit maior. A Grécia entrou porque apresentou estatísticas mentirosas, segundo consta. Vejam que no ano eleitoral, 2014, a Dilma faz um déficit final em torno de 8%, que é resultado de acréscimos de despesas mais pagamento de juros – o déficit final, o primário, de cima, não inclui a taxa de juros. Mas ela conseguiu fazer um primário negativo, o que é insólito.
Eu já trabalhei em Brasília. Quando você vai para lá, tem que definir o tamanho do sapo que vai engolir. Se você não define, vai para o lixo da História. Então você engole um girino, uma perereca, e quando vem aquele sapo, você fala: “É minha hora”. E eu sempre recomendo para colegas que estão indo agora: tem que ter um lugar para cair quando chegar o momento em que o sapo for muito grande. Então deu tudo errado, houve outro déficit no ano passado, muito maior.
ANDREA MATARAZZO: Esse resultado primário negativo é como uma empresa que dá resultado operacional negativo. A operação dela é negativa... ROBERTO MACEDO: É. Antes de pagar os juros da dívida as contas já estão negativas. No ano passado, numa época semelhante, nós fizemos uma apresentação aqui sobre o Joaquim Levy. E eu confesso que me iludi com o Levy. É muito bom economista, mas pensei: “O Joaquim não vai fazer déficit primário”. E de fato ele chegou aqui. Vejam em 2014, o azulzinho lá, que é de 0,6%, a Dilma fez de déficit primário. E aí, com a enormidade do déficit final, que é juro e variações do câmbio, fez mais 6,7%, totalizando 7,3%. Aí o Joaquim falou: “Eu vou fazer um primário de 1% em 2015, depois 2% e vou reduzir o nominal”... meio sonho do Joaquim. Aí bastou chegar lá em Brasília, não aprovaram nada do que ele propôs e deu no que deu: acabou pedindo o boné e foi embora. Não teve apoio nenhum. Acho que a ideia de levar o Joaquim foi boa, mas o próprio partido do governo não apoiava. Então, o que ele foi fazer lá?
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Aqui é uma comparação de outro economista, o Fernando Montero, da Tullet-Prebon, empresa ligada ao Luís Paulo Rosemberg. Ele compara vários períodos de arrecadação. O verde é recente, junho de 2011 a 2012, subiu muito forte em janeiro. Do mês 1 até o mês 18, janeiro até junho do ano seguinte, cresce 10%. A linha azul foi lá em 1999, cresceu 15%. Quando o Lula entrou, teve aquele impacto recessivo por causa do que ele ameaçou fazer, mas depois, no fim do ano, a arrecadação já tinha subido.
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coisa vai embora. E o Brasil pode ficar insolvente e ter soluções desastrosas. Como, por exemplo, pagar a dívida emitindo dinheiro a juro, mas gera uma bela inflação e todo mundo que tiver ativos financeiros e não conseguir corrigir, paga a conta dessa festa.
Agora, você vai fazendo déficit, a dívida começa a subir muito. No Brasil estava em 50% do PIB e subiu quase 16 pontos percentuais em dois anos. É muita dívida. Aí o mercado começa a desconfiar que você não vai pagar, fica aquele mal estar, e nós vamos cair na situação que o Machado apresentou. A desconfiança começa a permear a sociedade e os agentes econômicos.
Esse gráfico também é do Mansueto Almeida. Ele mostra que, se continuar do jeito que está, a dívida pública passa de 66,2% para 73%, 78%, 83% e a
O Mansueto fez uma apresentação na Faculdade de Direito sobre a dívida pública e perguntou: “Qual é o superávit primário que você precisa fazer para estabilizar a dívida em 83%, que já é muito?” Ele faz um cálculo com a taxa real de juros até um pouco menor, que é a taxa Selic menos a inflação, de 3%. Nós estamos fazendo um déficit de quase 3% hoje e precisamos de 6%. Então, 6% de um PIB de R$ 6 trilhões dá mais de R$ 300 bilhões. É muito dinheiro. Como se faz isso? Até agora não está claro como. Essa questão de confiança o Machado já apontou aqui. A economia tem muito de psicologia: começa a gerar notícia ruim, vira um círculo vicioso. Eu fui presidente da Eletros (Associação Nacional de Fabricantes de Produtos Eletrônicos) e quando o Jornal Nacional dava uma notícia ruim, o consumo de eletroeletrônicos caía. O pessoal fala em expectativa, incerteza, mas na verdade é medo. A pessoa tem medo de consumir, empresário tem medo de investir.
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Há uma frase do ex-presidente dos Estados Unidos, Ronald Reagan, que é muito interessante e descreve um comportamento do qual o Brasil é um exemplo típico. Reagan comparava o governo a um bebê: tem um tubo digestivo com grande apetite numa ponta e nenhum senso de responsabilidade na outra. Agora, o que é preciso fazer? Com o teto do gasto público, procurar segurar a dívida e, em algum momento, criar perspectiva. Nada imediatamente. Mas quando você começa o processo, a confiança começa a virar o quadro negativo em que estava. A reforma da Previdência, as mudanças nas ações trabalhistas, a liberação da terceirização, a reforma do ICMS, pacote de concessões de serviços públicos que passariam para o setor privado e até o relaxamento das regras restritivas do investimento no Pré-Sal. Esta foi uma proposta do José Serra que a própria Dilma sancionou, da não obrigatoriedade da Petrobras participar com 30% em todos os projetos. A economia parece ter atingido um ponto em que é predominantemente movida pelas necessidades de consumo. A inflação vinha caindo, mas o mês de maio foi ruim. Se continuar caindo, o Banco Central pode reduzir a taxa básica de juros, a Selic. E esse seria também um estímulo para a economia. A taxa cambial vem ampliando exportações, reduzindo importa-
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ções, e se o ajuste buscado pelo Michel Temer andar, ele trará expectativas positivas. Mas vai andar? Aí é que está a questão, e dessa vez eu vou acrescentar um cenário muito mais cauteloso do que aquele que fiz quando entrou o Joaquim Levy.
Aqui temos dois cenários econômicos e suas probabilidades. Primeiro, o Temer mostra alguns sucessos relevantes no caminho para o ajuste. Aí o que você tem que acompanhar? Déficits fiscais em queda – não é que os déficits fiscais negativos passariam a positivos. Estamos acostumados com déficits em valor absoluto, mas negativos. A relação dívida-PIB passa a crescer menos – não estou propondo que ela vai estabilizar porque não tem a menor chance. Ela passa a crescer menos, diminui a velocidade. O índice de confiança sobe e o câmbio fica onde está. No segundo cenário, o Temer fracassa ou fica mais
PERSPECTIVAS DA ECONOMIA
próximo disso. Daí é tudo ao contrário: o câmbio sobe, a relação dívida-PIB segue aumentando e o índice de confiança fica onde está. Entre os dois cenários, qual é a probabilidade que eu ponho? Para não ficar no 50% a 50%, pois também temos aquilo que os americanos chamam de wishful thinking, pensamento desejoso, eu coloquei 10 pontos percentuais a mais no primeiro cenário, 60% a 40%. As dificuldades são grandes. O governo mandou um relatório para o Congresso, feito ainda pela equipe anterior, revelando um déficit primário de R$ 103 bilhões. Isso é o que estava previsto. Aí, o governo Temer anunciou, no mesmo dia, que a meta fiscal do setor público, consolidada para este ano, é de um déficit primário de R$ 173 bilhões. E aí diz que o governo federal deverá ter negativo de R$ 170 bilhões. Estados e municípios devem superar R$ 6,5 bilhões. Eu não sei de onde vão tirar isso, os Estados estão quebrados. A minha sensação é que deve ter alguma negociação de pagamento da dívida para melhorar a situação deles. Outra razão é que Estados e municípios não podem se endividar. Eles não têm outra saída. No governo federal fez-se necessário prever, além dos R$ 113 bilhões que estavam no documento, mais R$ 56,6 bilhões de déficit, envolvendo riscos fiscais, passivos, despesas já contratadas, restos a pagar. O valor inclui itens como a possibilidade de redução do resultado fiscal dos Estados, uma quantia de R$ 9 bilhões para evitar a paralisação de obras do PAC. Isso é o que surpreendeu desse anúncio. Além de R$ 3,5 bilhões para a Defesa e R$ 3 bilhões para a Saúde. Eu fiquei meio desconfiado desse pacote. O governo fala que vai ter austeridade e manda o pacote aumentando o déficit. Como é que vai ficar isso?
RUBENS FIGUEIREDO: Mas ele não aumentou, ele reconheceu o déficit. ROBERTO MACEDO: Para que vai dar R$ 3,5 bilhões para a Defesa? Treinar piloto? Por isso não saímos dessa encrenca. Uma coisa que eu estou vendo – sofisticada do ponto de vista de economia – é que se o governo de fato conseguir consertar a parte fiscal, pode liberar a política monetária. Se vocês observarem, a gente vê notícia da Europa, dos Estados Unidos, ninguém fala em política fiscal. O FED tem uma taxa de juro quase negativa, de 0,3% ao ano. Na Europa, as taxas são muito baixas também, desde 2012. O Japão chegou a ter taxa negativa. E aqui não se fala nada de taxa de juro, que é esse absurdo. Não podemos ter taxa de juro baixa com a parte fiscal solta, como aconteceu no governo Dilma em 2012, porque é inconsistente. Eu era muito ligado à parte fiscal, de dosar gastos, mas hoje estou do lado monetário. Se você pudesse dar uma travada, poderia liberar algumas coisas, embora no Brasil talvez as pessoas não estejam dispostas a tomar os empréstimos. Mas podíamos fazer uma coisa seletiva: jogar dinheiro nas regiões do agronegócio. É uma ideia típica de política monetária. O Banco Central não é o emprestador de última instância? Então, o que impede? Ele não pode ficar jogando dinheiro só nos bancos. Basta saber se vai ter gente interessada e como fica a questão da inflação. Por isso é muito importante ajustar as contas públicas. SÉRGIO RONDINO: O que é realmente viável e o que, na sua opinião, ele não vai conseguir? ROBERTO MACEDO: O mais prioritário é conter esse desarranjo nas contas públicas. Vai ser muito
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difícil, tem que conter despesas ou mostrar que está contendo na marra alguma coisa. Eu tenho a impressão de que eles meteram esse alto valor do déficit para deixar uma margem. Chuta lá para cima, depois fala “Não, não foi tanto, consegui!”. O governo terá que travar um pouco os gastos. Tem muita coisa que pode ser feita.
ANDREA MATARAZZO: Quer dizer, nos colocaram no mesmo círculo vicioso que estávamos antes do Real, é isso?
LUIZ ALBERTO MACHADO: Ele vai tentar aumentar o grau de desvinculação.
LUIZ ALBERTO MACHADO: Nos primeiros meses a inflação vinha caindo. O susto foi no mês passado, quando subiu mais do que se esperava. Então, provavelmente, esse início da redução dos juros vai ter que esperar um pouco mais.
TATIANA COLLAVINI: Sobre a política monetária... tem espaço para ela? ROBERTO MACEDO: Tem, se você segurar o fiscal. Ou, então, localizadas, como eu disse, regiões de agronegócio. O Brasil é enorme, é um continente, tem gente que está mal e tem gente que está bem, daí você empresta para quem está bem. ANDREA MATARAZZO: Essa política de juros tão altos gera uma despesa fora do déficit primário, mas uma despesa cavalar, de crescimento da dívida, e ao mesmo tempo reduzindo a receita. Mais juros, menos atividade... Há uma possibilidade de mexerem nisso ou não? ROBERTO MACEDO: Em juros, isoladamente, não. Se você apertar o fiscal, eu acho que tem. Porque com a inflação aumentando, você tem até oportunidade no sentido da tradição do Banco Central. Se você aplica Selic e a inflação começa a baixar, você está com a economia em reversão e já podia baixar, mas sempre vai ter um valor positivo, senão o pessoal não vai comprar a sua dívida. O Tesouro tem que estar atento sobre como vai ser a reação do mercado ao baixar o juro. Corre o risco de não rolar a dívida. E tem que rolar um pedaço disso.
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ROBERTO MACEDO: Perdemos toda a confiança que tínhamos. Quando deixamos de fazer superávit primário, acabou.
ANDREA MATARAZZO: A atividade econômica não volta e o desemprego continua. LUIZ ALBERTO MACHADO: O dado que eu acho mais positivo é o do investimento estrangeiro direto, que, com tudo o que aconteceu, continua entrando. Ou seja, o estrangeiro continua achando que isso aqui vai dar certo um dia. ANDREA MATARAZZO: Um dia... Ele olha 20, 30 anos. Hoje, eu vou te dizer: comprar não é barato. É de graça. ROBERTO MACEDO: Vou dar um exemplo. Eu era presidente da Eletros quando os coreanos chegaram ao Brasil. E aí apareceram dois grupos, LG e Samsung. Era final dos anos 1990, a economia estava mal e eu perguntei: “Como vocês estão vindo para o Brasil numa época tão ruim?”. E a resposta, em reuniões diferentes, foi a mesma: “Estamos em dezenas de países. O Brasil é mais um. O que nos interessa é o tamanho do mercado. Vai ter período de crise, período de “boom”. O Brasil, para a gente, é do mesmo tamanho dos seis maiores países latino-americanos juntos. Você não
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tem fronteira, não tem nada. E nós somos competitivos”. E o que aconteceu? Eles dominam hoje o mercado de TVs, tela plana e tudo – a Phillips parou de fabricar. E fazem telefones celulares, computadores... Hoje são marcas conhecidas. Isso num período de 20 anos. Tomaram conta do mercado.
RUBENS FIGUEIREDO: Vou colocar uma questão que tem a ver com o problema da credibilidade. Nós estamos falando aqui de perspectivas. Talvez, há dois meses, a gente estivesse falando da situação da economia. Se a gente está falando de perspectiva, é porque existe alguma coisa interessante que pode acontecer. Agora o que se vê é um grau grande de instabilidade. Em vez da pesquisa Focus a gente tem que verificar o número de conduções coercitivas, prisões temporárias, prisões preventivas. Então tem o PIB e tem o PIG, que é o produto interno de gravações, que vão para o mercado. Mas tivemos algumas mudanças qualitativas que precisam ser consideradas. Primeiro, o governo está falando a verdade. Já é um avanço extraordinário. O time que jogava antes tinha Arno Augustin, Guido Mantega... e agora estamos com Mansueto Almeida e Henrique Meirelles. A qualificação é diferente. A política externa vai melhorar. Outro dia a Marilena Chauí disse que não pode empreender, que empreendedorismo é querer enganar o cidadão, e nós defendemos aqui, do outro lado, o empreendedorismo, a concessão, a PPP... Você não acha que esse rumo, embora o caminho seja difícil, o rumo escolhido, por si só, não é capaz de aumentar um pouco a confiança? ROBERTO MACEDO: Se me chamassem para dar uma palestra há três meses, estaria focado nessa situação, de que não havia perspectiva nenhuma e apostaria no fracasso da política econômica. Agora, acho que há uma chance maior justamente por questões desse tipo.
LUIZ ALBERTO MACHADO: A Argentina mudou quando surgiu a perspectiva do Mauricio Macri ganhar. Ele nem precisou ganhar a eleição. Então já há uma expectativa que passa a ser positiva. Não havia expectativa, passa a haver. Parece que o rumo é certo. Mas me surpreenderam negativamente algumas coisas que o Temer fez. Não precisava o Romero Jucá ter saído – ele não deveria nem ter entrado. Coloca o cara como operador, mas não no ministério. Ele cria um flanco. Ele estava sendo investigado. MARCOS DI SESSA: Machado, nós temos duas janelas de oportunidade, uma externa e uma interna. Como você diz que a crise é de confiança, e com a perspectiva positiva com as medidas, há uma chance de trazer capital e isso vai ter um impacto nos ativos financeiros, câmbio, pode melhorar a exportação e temos que aproveitar essa janela internacional. E há também uma janela interna. Com maioria no Congresso, de 340 deputados, o governo consegue medidas para mudar a Constituição. ROBERTO MACEDO: Pa ra q u ê ? MARCOS DI SESSA: Por exemplo, em uma reforma da Previdência, em mudança do ICMS. Existem condições para fazer, porque essa maioria que o governo tem pode não se sustentar daqui a dois, três meses. Queria perguntar a sua avaliação sobre essa janela que temos... LUIZ ALBERTO MACHADO: Tem liquidez e a visão de longo prazo é positiva. Acontece que o Brasil cansou de passar sinal negativo. Se passar sinal positivo, o investidor estrangeiro, do mesmo jeito que saiu rápido, volta muito rápido. Porque o Brasil está barato. Eu aposto nisso: conseguir trazer esse dinheiro que está disponível e que depende de um pouco de credibili-
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dade. Por isso acho que o rumo é este e estas primeiras medidas vão ser fundamentais, porque se a coisa não acontecer de imediato...
SERGIO RONDINO: Fala-se num elenco de medidas. Mas por que todas precisam ser tomadas de imediato? Por exemplo, reforma da Previdência. Obviamente eles vão enrolar, deixando o assunto para depois da eleição. Existe uma aposta clara do governo Temer na economia. Se ele acertar, fica glorificado, pode ser reeleito. Para isso está entregando o que pode, pagando o preço do Congresso. Esse é o custo. Se o Congresso não aprovar, não existe Temer. Pergunta: não seria possível tomar agora algumas dessas medidas, por exemplo, PPPs ou concessões, que gerem recursos e atividades econômicas que ajudem a melhorar o ambiente, e deixar algumas para depois? E o que se poderia fazer já, de imediato? LUIZ ALBERTO MACHADO: Por mais que a gente saiba que o simples corte não resolve tudo, é um sinal positivo. Você não tinha nem sinal positivo. Agora, o desaparelhamento não é de um dia para o outro. RENATA RONDINO: Todo esse ajuste tem que passar por aumento de carga tributária? Fala-se em recriar a CPMF. Ela seria suficiente ou seria preciso ter outras fontes de receita? ROBERTO MACEDO: A CPMF é pequena, a estimativa é de R$ 60 bilhões. É que esse negócio de imposto não resolve nada. Aumenta o imposto, eles aumentam a despesa e depois aquele negócio não volta. Eles podiam fazer algumas coisas do ponto de vista social. Acho que imposto sobre riqueza é uma maluquice, é difícil de cobrar. As propriedades estão
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registradas no Imposto de Renda pelo custo histórico. Como tributar um apartamento que custou R$ 190 mil e hoje vale mais de um milhão? De tanto participar de reuniões de condomínio, eu percebi o seguinte: há muitas senhoras idosas que herdaram um grande apartamento, daqueles tipo um por andar, mas elas não têm dinheiro nem para pagar o condomínio. E os filhos não querem que venda porque é herança deles. Você pega propriedade rural, como é que você vai definir um valor? Eu sou a favor de tributar na herança. Acho que aí tem uma chance. Porque é uma coisa lógica: você morreu, acabou, tributa. Quase todos os países têm imposto pesado sobre a herança e é uma coisa mais justa. Você faz uma avaliação caso a caso, naquele momento da transição. Há também várias coisas que podem ser mexidas. Acho que pode acabar com essa tributação favorecida de firmas de advogados e economistas. Tem várias coisas que podem ser feitas. Sou a favor de cobrar de estudante de escola pública, porque é uma das maiores indecências que tem no país, em particular das universidades estaduais. Aqui, o pessoal que paga ICMS proporcionalmente à renda muito maior do que os ricos, sustenta a turma da USP. A minha proposta é muito avançada. Eu não sou a favor do ensino gratuito. Eu já fui da USP, do Conselho Universitário, é preciso ter o estudante que paga. Alguns têm que pagar e o estudante pobre tem que receber. Tem gente que não tem condição financeira de fazer Medicina ou Engenharia na USP porque tem de trabalhar para sustentar a família. Se o cara tiver mérito, deve-se pagar a ele mensalmente para sobreviver.
SERGIO RONDINO: Bem... temos de encerrar, quero agradecer a presença de todos. Muito obrigado.
Presidente Guilherme Afif 1º Vice-presidente Vilmar Rocha
Conselho Superior de Orientação Presidente – Gilberto Kassab Guilherme Afif Henrique Meirelles Omar Aziz
2º Vice-presidente Diretor de Relações Internacionais Alfredo Cotait Neto
Raimundo Colombo Otto Alencar Claudio Lembo
Secretária Alda Marco Antonio
Ricardo Patah
Diretor Superintendente João Francisco Aprá
Guilherme Campos
Vilmar Rocha Robinson Faria
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